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INDUSTRIALIZAÇÃO MUNDIAL
REVOLUÇÃO DEMOGRÁFICA E URBANIZAÇÃO
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mais de cinco mil habitantes; em 1850, eram 74,9 milhões; 218,7 mi-
lhões em 1900; e 716,7 milhões em 1950, representando, respectiva-
mente, 3, 6, 4, 13,6 e 29,8% da população mundial'.
Esse crescimento, aliás, foi gigantesco também nas maiores cidades,
de vinte mil a cem mil habitantes".
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::E 1. E. Jones, Towns and Cities, New York, Oxford University Press, 1966.
2. Ph. Hauser, "Implications of Population Trend for Regional and Urban Planning
;r in Asia and the Far East", Regional Planning, (12-13):26, 1960 (United Nations).
I. I. CRESCIMENTO DA POPULAçÃO MUNDIAL: ASPECTOS DIFERENCIAIS
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da população mundial. Isto se deve, essencialmente, ao fato de que a >
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população da Ásia já correspondia, em 1950, a mais de 50% do total -
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da população mundial; >.
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c. Na realidade, os ritmos de crescimento mais elevados não estão :;:::
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na Ásia, e sim na África e na América Latina. Na América do Sul, o
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com exceção da Argentina e do Uruguai, desde 1920 o aumento da
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população processou-se segundo um modelo regular, correspondente '<":
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a 20-25% em cada década. A partir de 1950, o ritmo se acelera (31 % c
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entre 1950 e 1960). O mesmo fenômeno é observado na África, o
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apesar de obedecer a um ritmo menos rápido, acelerado nas duas rn
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décadas subsequentes. o
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A análise das estatísticas permite verificar que o recente dinamismo -
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demográfico nos países subdesenvolvidos conduz a uma nova distri- I
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buição da população mundial. c::
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Nesta situação de crescimento diferencial, os países economicamen- z
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te menos desenvolvidos aparecem, em 1960, com uma porcentagem
da população mundial mais alta que em 1920.
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1920 1960
Ásia 53,0% 56,0%
América do Sul 3,4% 4,7%
América Central 1,6% 2,2%
América do Norte e Oceania 4,0% 4,0%
URSS 8,7% 7,1%
Europa 18,1% 14,2%
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IMPORTÂNCIA DA EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO URBANA NOS PAÍSES
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% de popula- Países
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ção de cidades desenvolvidos
grandes (500 mil Países subde-
hab. e mais) so- 22 26 32 37 43
senvolvidos
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urbana Mundo 38 41 41 42 47
% da popula- Países
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ção de cidades -.." desenvolvidos
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hab. e mais) so- 1 2 3 5 7
senvolvidos
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total Mundo 5 7 8 9 12
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Entre 1900 e 1920 nota-se certa estabilidade no ritmo de urba- o
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nização do mundo ocidental, o que, segundo alguns economistas, se c
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deve a uma distribuição espacial da indústria, o que não acontece, por o
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exemplo, na primeira fase industrial (anterior a 1920), caracterizada
por uma tendência à concentração. A diminuição do êxodo rural,
bem como a da natalidade, e as consequências das guerras tiveram
um papel muito importante nessa estabilidade.
Mas a União Soviética, que já vinha apresentando um crescimen-
to importante da sua população urbana entre 1920 e 1930 (50%),
teve um aumento espetacular entre 1930 e 1940 (96%). A causa -n
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disso é buscada na Revolução Industrial posta em prática pelo novo
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regime. E, provavelmente, esta será a última vez no mundo em que i'"
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África Ocidental
Mauritânia 2%
Nigéria 2%
Alto Volta 3%
Mali 6%
Guiné 6%
Daomé 10%
Costa do Marfim 10%
Togo 11%
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nova economia internacional, que se manifesta depois da Se-
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gunda Guerra Mundial, apresenta, entre outras, as seguintes >
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características: internacionalização e multiplicação das trocas, >
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preponderância da tecnologia e a concentração dela decorrente, solida- ~
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riedade crescente entre os países (cooperação entre países industriais, -
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domínio sobre os países subdesenvolvidos), modificações da estrutura .('l
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e força do consumo. O efeito demonstração, ou seja, a inclinação Z
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dos pobres no sentido de consumir da mesma maneira que os ricos, '"
tem um papel importante nos países subdesenvolvidos por contribuir
para a atração dos homens pelas cidades, local de novas atividades;
no entanto, não só as indústrias são aí raras como também, em todo
caso, os empregos permanentes não são suficientes para atender à
demanda. Não houve nos países subdesenvolvidos, como aconteceu
nos países industriais, uma passagem da população do setor primário -o
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1948 1964
Congo 13 230 000 16000000
Kinshasa 300000 1200000
o êxodo rural. Quando o país começa a defender seu setor agrícc ta, a -
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necessidade de rentabilidade e os problemas de reconversão impoern '">,
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uma seleção ainda mais impiedosa no meio rural. Assim, a degradação z
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do meio rural ou o melhoramento agrícola são sempre contrabalan-
çados por um acréscimo do êxodo para a cidade.
A esses problemas econômicos gerais podem juntar-se os problemas
ligados mais precisamente a uma estrutura agrária repulsiva (problema
da distribuição da propriedade). Esse é um dos motivos pelos quais,
na América Latina, o êxodo rural é tão acentuado.
Entretanto, é preciso assinalar que na maioria dos países a popula-
ção rural é mais importante que a população urbana; é o caso, princi-
palmente, da Ásia e da África. Na Ásia o fenômeno da urbanização foi,
sem dúvida, retardado pelos problemas das distâncias, pelas funções
particulares que as cidades pré-industriais e pré-coloniais possuíam:
cidades imperiais, abrigando apenas aqueles que viviam pelo palácio
e para ele, e onde as populações campesinas só chegavam em grande
número nos momentos de grande fome; e, na África, pela forte coe-
são dos grupos camponeses. A isto se acrescenta, no sul do Saara, a
ausência ou a fraqueza, bastante comuns, da tradição urbana antiga.
As características da urbanização e do êxodo rural podem levar-
-nos a entender como a população urbana se distribui e os tipos de
urbanização encontrados nos países subdesenvolvidos.
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resulta da implantação de novas formas de produção, de consumo ou "
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de distribuição: as novas plantações de cacau, por exemplo, foram ~
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responsáveis não só pelo progresso de ltanhaém como, ainda, pela ->
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RELAÇÃO I96o-I920
% da população total
Jordânia 25%
Síria 25%
Iraque 40%
Líbano 40%
Kuwait 70%
do Norte; 2,90/0 para a URSS; 1,7 para a Oceania). Isto significa que,
com exceção da URSS, o peso relativo das cidades é mais importante 1
nos países subdesenvolvidos do que nos países desenvolvidos.
Entretanto, mesmo nos países subdesenvolvidos existem múltiplas I
nuanças, visto que a colonização não foi feita nem com as mesmas
características nem na mesma época. A presença ou a ausência de uma
tradição urbana antiga, bem como as características dos vários tipos
de economia nacional, tiveram um papel determinante.
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INTRODUÇÃO
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meno de urbanização, mas concentrando nossa reflexão na c
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própria cidade. O estudo das relações cidade-região obriga c
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a examinar, também, o problema do mundo rural em relação com o
mundo urbano. trr
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Trata-se de uma série de questões das mais controvertidas, algumas >-l
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sendo das menos sistematicamente estudadas. Alguns autores conde- Z
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nam taxativamente a cidade, acusando-a de todos os males de que sofre
o campo; com ou sem alusão ao fato incontestável do êxodo rural, eles
renovam uma atitude característica da mentalidade europeia do século U>
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XIX: a cidade esvaziaria o mundo rural não só de suas riquezas, que o
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ela utilizaria para suas próprias despesas improdutivas, como também tT1
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de seus habitantes, aos quais não seria capaz de fornecer empregos na o
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proporção desejável. c
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Em um trabalho coletivo, Lacoste! faz-se intérprete desse ponto
de vista: "Essas regiões de economia moderna [ele fala das grandes
cidades], que combinam o efeito de estagnação econômica e os
fatores de crescimento demográfico, podem ser consideradas não
como 'polos de desenvolvimento' mas, ao contrário, como 'polos de
subdesenvolvimento'" .
Entretanto, muitas constatações recolhidas na preparação desse
trabalho contrariam a visão pessimista de uma cidade parasitária,
"úlcera que se desenvolve em detrimento de tudo o que a rodeia".
Essas constatações talvez não sejam suficientes para refutar a tese
oposta, mas permitem, ao menos, questioná-Ia.
Além do mais - e isso mostra que nem todos estão em perfeito
acordo quanto a esse ponto -, no mesmo trabalho coletivo B. Kayser
sustenta um argumento radicalmente oposto ao de Y. Lacoste:
As cidades que se formam e crescem em ritmo rápido não podem ser [...] con-
sideradas como quistos existentes no interior do tecido geográfico: elas são parte
integrante desse tecido e desenvolvem-se sobre um sistema complexo de trocas
vitais. Por mais lentos que sejam, em alguns países, os progressos do equipamento
em vias e meios de comunicação, eles facilitam e aceleram o funcionamento do
sistema. Em consequência, a vida regional tende a surgir e a adquirir amplitude
em um espaço cada vez maior do nosso globo".
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astenia resulta, principalmente, da fraqueza do poder de compra por o
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parte das massas rurais, que quase não têm excedentes para vender tJ
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nas zonas mais tradicionais ou que, nas regiões de cultura comercial
especulativa (cultura do amendoim ou do cacau na África), têm rendas H
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muito variáveis - segundo as estações e segundo os anos -, incapazes,
em todo caso, de suscitar ou de, além de um certo nível, manter rela-
ções contínuas com a cidade. Ante o subequipamento encontrado na
maioria dos países subdesenvolvidos, o menor esforço de equipamento
acarreta um transtorno mais que proporcional, uma ruptura geral de
um equilíbrio instável. Basta a construção de algumas rodovias, como
a Panamericana, na América Andina, para desarranjar o equilíbrio
regional dos países que ela atravessa". Ora, o período atual caracteriza-
-se pelo brusco aparecimento dos meios de transportes rápidos, e em
grande escala, em um espaço ainda não modernamente organizado".
Essa "fragilidade" da regionalização é ainda mais aumentada pela
instabilidade histórica resultante da exploração colonial que os países
subdesenvolvidos sofreram e que superpôs vários tipos mais ou menos
efêrneros de organização do espaço. Tal instabilidade é máxima no caso
das atividades mineiras: cidades do Altiplano boliviano ou da Chapada
Diamantina brasileira. Mas ela é geral, mesmo quando não acarreta
um decréscimo urbano; no Brasil, Salvador, depois Rio de Janeiro e
posteriormente São Paulo organizaram, sucessivamente, uma porção
do espaço em seu próprio benefício; na China, o centro de atividades
do baixo Yang Tsé deslocou-se de Nanquim para Xangai etc. Estamos
longe do lento e seguro crescimento da região lionesa.
De um modo geral, o passado econômico dos países subdesenvol-
vidos, passado distante ou recente, é um passado irregular e cheio de
contrastes. Isso nos leva a enfatizar as distorções nas relações cidade-
-região, que atingiram seu grau máximo no período contemporâneo.
b. Distorções apresentadas
A introdução de certos elementos (incompletos) da economia
capitalista moderna nas estruturas tradicionais, associada à brusca
acentuação da pressão demográfica, ocasionou uma desagregação
das regiões urbanas, nos países onde estas já existiam, e a consti-
3. J. Cha poulie, Formationet évolution des réseaux urbains dans les pays de l'Amérique
ri andine, Bordeaux, DES, 1967.
M
H 4. Kayser, em P. George et al., La Géographie actiue, op. cit., p. 329.
ruição de "bacias urbanas" inorgânicas, nos países desprovidos de
passado urbano.
Em inúmeros países de velha civilização (Ásia Ocidental, Índia,
Ásia Oriental), o fenômeno regional não era desconhecido: a China
das dezoito províncias "era um país de forte organização adminis-
trativa local, com uma polarização de cada província em torno de
sua respectiva capital. Entre a cidade e a região, havia se constituído
uma solidariedade global":', especialmente em zonas isoladas, como
Sechuan, e essas estruturas foram suficientemente fortes para resistir
à revolução de 1949, que conservou as antigas províncias como cir-
cunscrições políticas. Mas haviam sido muito maltratadas quando da
"abertura" e, posteriormente, na época do "desmembramento" da
China, no fim do século XIX.
Pode-se pois afirmar, de forma bastante paradoxal, que a integra-
ção regional, fundamentada então no comércio e nos serviços, era
mais forte que hoje, quando os fluxos econômicos são, no entanto,
mais importantes.
De fato, essa solidariedade global entre cidade e região era o re-
sultado da fraqueza industrial. A implantação irregular de indústrias
>
determinou uma especialização regional, portadora de heterogeneida- o
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Entretanto, na medida em que as atividades tradicionais subsistem z
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ao lado do setor moderno, a maioria das metrópoles regionais conser-
vou certa influência de natureza política e econômica sobre sua região.
Na verdade, existem dois circuitos de produção e de consumo urbanos.
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O circuito moderno, apoiado na economia internacional que lhe traz III
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capital e técnicas, é pouco criador de empregos e grande criador de '"m
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5. Chamamos de "solidariedade global" as relações bilaterais estabelecidas entre a
cidade e sua zona de influência, esta última não podendo escapar à influência da
cidade em nenhum tipo de relações.
riquezas, ao menos em aparência, e acha-se quase totalmente desvin-
culado da região. O circuito tradicional, ao contrário, está vinculado
às inversões endógenas e exerce demanda sobre as produções regio-
nais: mantém com elas, de forma bem natural, uma certa integração;
desenvolve-se em função do crescimento demo gráfico e do êxodo
rural, que renovam uma população conservadora de hábitos de vida
(costumes alimentares, vestuário etc.) próximos ao do mundo rural,
por ser incapaz de participar completa e frequentemente de um tipo
moderno de consumo.
c. Características ligadas ao papel funcional da cidade no espaço
subdesenvolvido
Adotamos aqui as categorias estabelecidas por Nicole Lacroix e
Michel Rochefort, de acordo com a análise realizada pela Orstom
sobre as. relações cidade-campo nos países tropicais".
• Na medida em que a área circundante da cidade é quase exclusi-
vamente agrícola, a cidade deve ser considerada, antes de tudo, como
um "elemento de penetração da economia moderna e industrial nos
meios agrícolas, com predomínio do autoconsumo".
Nos países subdesenvolvidos essa penetração apresenta um cará-
ter particular, resultante do conteúdo das trocas. Frequentemente, a
economia rural é bissetorial, associando uma atividade tradicional
produtora de víveres com produções ditas coloniais, "exportadas em
bruto e submetidas às associações do mercado financeiro internacio-
nal". A associação pode ocorrer num mesmo território ou pode, ao
contrário, determinar uma divisão do espaço (o que ocorre muito mais
raramente); em ambos os casos, a cidade desempenha em relação à
sua região uma dupla função de centro consumidor de víveres e de
etapa entre as áreas produtoras de matérias-primas e as metrópoles
industriais, nacionais ou estrangeiras, ou entre estas e o consumo da
população regional.
6. M. Rochefort e N. Lacroix, "Intérêt de l'étude des relations entre les villes et les
campagnes dans les pays en voie de développement (document préliminaire)",
Bulletin de Liaison, Sciences Humaines, 1, 1965,31 p. (Orstom; difusão interna).
Ao funcionar apenas como etapa, a cidade é incapaz de desempe-
nhar um papel de centro regional autônomo, uma vez que acaba lhe
escapando a parte essencial do controle das atividades da área que
deveria dominar, em proveito das metrópoles industriais: as capitais
portuárias da Ásia ou da África, ao drenarem seu interior através de
uma estrada de ferro ou de uma rodovia, meras prolongações terrestres
das linhas marítimas, muitas vezes nada mais são do que pontos de
ruptura de carga.
Por outro lado, a industrialização é um fator imediato de inte-
gração, desde que sua diversificação e seu grau de tecnologia sejam
suficientes para evitar que seja vítima de uma evasão, frequentemente
fatal, principalmente quando se trata de indústrias de exportação, que
ainda constituem uma porcentagem considerável da atividade secun-
dária dos países subdesenvolvidos. Ou, desde então, que se acentue
a importância das indústrias de equipamento que respondam a uma
demanda interior maciça e estável; neste caso, porém, acentua-se o
problema do financ;iamento, assim como o da rentabilidade, de vez
que somente uma cadeia de indústrias complementares (setor energé-
rico, siderurgia, química de base, maquinaria) é capaz de assegurar >
um preço de custo aceitável e a almejada independência econômica. (')
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Na falta disso, um início de integração regional reside no fato de que t:i
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demográfico urbano e a estagnação econômica rural são tais que se faz '"
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necessário recorrer a produtos importados em grandes quantidades, or-
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8. J. Beaujeu-Garnier,"As Migrações para Salvador", Boletim Baiano de Geografia,
< (7-8), 1961-1962.
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9. Ph. Hauser, op. cito
10. M. Rivkin, Area Deuelopment for National Growth: The Turkish Precedent, New
York, Praeger, 1965.
d. A assimetria das trocas
Nos países subdesenvolvidos, a característica menos discutível das
relações da cidade com seus arredores é a ausência de organização
coerente, tal corno concebida no Ocidente. Essa forma de organização
se encontra tanto nos países novos, sem tradição urbana, quanto nos
países de urbanização antiga, onde o equilíbrio regional tradicional
foi destruído. Isso é decorrente da astenia, mas principalmente da
assimetria das trocas, que determinam "espaços de consumo" que
conservam um poder de compra reduzido: daí a dificuldade de toda
tentativa de regionalização.
Por outro lado, segundo o nível das trocas, os tipos de relações
cidade-região são muito diferentes, isto é, se elas se prolongam ou não
até escalas inferiores à do "centro regional".
Por último, as funções urbanas e a extensão da área de influência
variam consideravelmente segundo o nível social dos usuários de
tais serviços, se bem que frequentemente se está em presença de dois
circuitos de coleta e de distribuição.
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IO.I. GRAU DE INTEGRAÇÃO E TIPOS DE RELAÇÕES CIDADE-REGIÃO
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A procura de uma divisão regional adequada é uma das maiores m
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preocupações do geógrafo e do planejador. Toda região sendo por c::
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definição um espaço polarizado, o melhor critério deveria provir da ...,
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análise da zona de influência urbana. Z
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Ora, sucede que, no caso dos países subdesenvolvidos, a famosa
indissociabilidade entre a cidade e seus arredores é, no mínimo, discu-
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tível. Assim, uma tipologia apoiada no modelo de função exerci da por (f)
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cada "metrópole" em relação a cada "região" pressupõe a existência. O:>
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tipologia das relações cidade-região tomará, pois, por critério o grau o
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12. A. Auger, Les Centres urbains secondaires au Congo Brazzauille, Brazzaville, Ors-
tom, 1966,42 p.
sua própria natureza, esses laços não são bastante fortes para impe-
dir a influência de São Paulo - cidade economicamente muito mais
moderna - de interferir em "suas" regiões.
Em menor escala, algumas cidades que comandam uma pequena
região agrícola mais ou menos homogênea polarizam o essencial da
atividade propriamente produtiva do "seu território". É o caso de
Ilhéus-Itabuna, centro regional bicéfalo da região produtora de cacau
do sul da Bahia. Mas, nesse caso, as condições históricas desempenham
um grande papel".
No caso de capitais incompletas, é frequente que surja um início
de especialização espacial entre um porto, capital econômica, e uma
capital política, situada frequentemente no interior do território:
Guayaquil-Quito (Equador), Alexandria-Cairo (Egito), Casablanca-
-Rabat (Marrocos) etc.
Zonas francamente polarizadas
É o caso mais geral nos países subdesenvolvidos. Pode correspon-
der a situações concretas muito diversas, seja uma débil urbanização
geral e um fraco nível de atividade econômica em que o espaço é quase
indiferenciado, os fluxos não são importantes, nem numerosos, nem
densos (Amazonas, sul do Maranhão, Llanos de Apure na Venezuela);
ou, quando há densidade de população e um índice de urbanização
bastante fortes, a atividade é voltada principalmente para a especu-
lação, sem proporcionar uma divisão do trabalho mais acentuada.
Cidades sem região
Numerosas nos países subdesenvolvidos, em geral elas são fruto
da implantação de atividades modernas em um meio tradicional ou
-c de acontecimentos históricos excepcionais; trata-se frequentemente
de cidades de função dominante. Algumas são portos, heranças do
período colonial, como Hong- Kong, Cingapura, Tânger, Panamá:
continuaram vivendo de sua tradição de portos livres e, para substituir
o mercado colonial - do qual ficaram mais ou menos privadas -, às
o"t 13. M. Santos, "La culture du cacao dans l'état de Bahia", Cahiers d'outre-mer, 16
1-4 (64):360-378, oct.-déc. 1963.
suas atividades comerciais juntaram-se atividades industriais. Outras
se mantêm com uma função puramente comercial. Outras se dedicam
à atividade do contrabando, recentemente mascarado com a criação
de zonas francas, como as que se encontram na ilha de Margarita,
na Venezuela, ou em Curaçao (onde esta atividade se associa a uma
atividade petrolífera); outras são cidades da rodovia ou da ferrovia,
de crescimento brutal, como a cidade de Governador Valadares, em
Minas Gerais, que cresceu 1 1290/0 entre 1940 e 1960, conquistando
o lugar de centro regional devido à sua situação de entroncamento
entre a ferrovia Este-Oeste de Minas e a rodovia Rio- Bahia.
Alguns centros industriais situados no interior do território - como
Ciudad Guayana (Venezuela), Jamshedpur (Índia), Volta Redonda
(Brasil) - desempenham um papel bastante análogo. Por outro lado,
as capitais de nova implantação têm por função precisa organizar o
espaço que as rodeia; no caso de países vastos, porém, sua área de
influência "oficial" ultrapassa a região limitada com a qual elas podem
manter estreitas trocas, de forma que uma antiga capital, como Lima,
que esvaziou seus arredores por absorção demográfica, é, em certo
sentido, uma "cidade sem região", a menos que se considere o país
como sendo a sua região. Mas uma capital pode viver sem integração
regional completa, o que não ocorre com uma metrópole econômica:
por essa razão, é possível deslocar, mediante um ato oficial, a função
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política de uma cidade para outra. m
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Última característica de tais cidades: conhecem um crescimento >-l
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mais rápido que as demais; é nelas que se pensa quando se fala de z
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cidades-cogumelo, como as cidades do petróleo ou dedicadas à in-
dústria da pesca, no Peru; de fato, são, às vezes, corpos estranhos de
rápido crescimento, o que não significa que esse crescimento lhes seja tn
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forçosamente danoso. tlj
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d. A noção da cidade-região m
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Aprofundando a análise, cabe perguntar se algumas cidades man- or-
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têm consigo mesmas um tipo de relação idêntica à que manteriam com o
o
sua região nos países desenvolvidos. Com a existência das favelas na
paisagem urbana, diz-se, frequentemente, que o mundo rural pode H
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estar na cidade sem que se possa falar, entretanto, de "ruralização
urbana"; frequentemente, o endividamento aí é geral, e os citadinos
subproletários podem não ser mais integrados no circuito monetário
que os rurais mais favorecidos. É um fato, porém, que se torna cada
vez mais raro.
Por ocasião de um colóquio sobre regionalização no Brasil!', M.
Rochefort e B. Kayser chegaram a um acordo em relação à importân-
cia da atividade induzida das cidades nos países subdesenvolvidos:
"OS equipamentos (das cidades) podem estar, ao menos atualmente,
apenas a serviço dos habitantes das cidades onde se encontram";
"Estudos precisos de economia urbana mostrariam, ao que parece,
que o dinamismo da cidade é atualmente, no essencial e em uma
economia aberta, o resultado de forças indutivas internas" (o grifo
é nosso);'
É o que ilustra o exemplo de Guadalajara: se Guadalajara vende
a outros estados 73,3 % dos têxteis e confecções que fabrica, é den-
tro da própria cidade que ela encontra um mercado para 20,3 % de
produção, enquanto o Estado de Jalisco lhe compra apenas 6,40/015•
Na indústria de calçados, a situação é parecida. Guadalajara con-
some 23,9% de sua própria produção; o Estado de Jalisco, 5,7%; e
outros estados, 70,4%. Essa produção se refere apenas aos calçados
para homens 16.
É evidente que as características acima enunciadas não são sufi-
cientes para assimilar a noção de região à realidade de certas cidades
dos países subdesenvolvidos.
Segundo B. Kayser!", uma região apresenta as seguintes carac-
terísticas:
CI
ma tanto mais clara quanto maiores sejam as diferenças do nível de >
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vida. Voltaremos a esse tema quando estudarmos o espaço interno
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das cidades. m
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As cidades dos países subdesenvolvidos - desde a menor à mais Z
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importante - encontram sua definição em relação com os vínculos
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que mantêm com o exterior. As relações comandadas pela cidade em o
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sua área de influência são, em grande parte, dependentes da natureza, ~
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da extensão, da importância e da intensidade dos vínculos acima o
C/)
Uma região constitui sobre a terra um espaço preciso, porém não imutável,
inscrito em um dado quadro natural e que corresponde a três características es-
senciais: os vínculos existentes entre seus habitantes, sua organização em torno
de um centro dotado de certa autonomia e sua integração funcional em uma
economia global. Ela resulta de uma associação de fatores ativos e passivos, de
intensidades variáveis, cuja dinâmica própria dá origem aos equilíbrios internos
e às suas projeções espaciais".
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18. P. Carrêre, citado por B. Kayser em P. George et al., La Géographie active, op, cit.,
p.306.
T 19. B. Kayser, "La région comme objet d'étude, em P. George et aI., La Géographie
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active, op. cito
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2. Exercem sobre seus arredores importantes efeitos de recessão, o
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Por outro lado, é certo que a "civilização urbana" ocasiona uma difu- C/) i
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são da higiene que não é acompanhada por um decréscimo das taxas :>
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5. J. Delvert,
Le Paysan cambodgien, Paris, Imprimerie Nationale, 1961, 747 p.
6. C. Collin-Delavaud, op. cit., p. 77.
7. L. Bianco, Les Origines de Ia révolution chinoise, 1915-1949, Paris, Gallimard,
1967, pp. 172ss.
8. N. Lacroix e M. Rochefort, "Intéret de l'étude des relations entre les villes et les
campagnes dans les pays en voie de développement (document préliminaire)",
Bulletin de Liaison, Sciences Humaines, 1, 1965, 31 p. (Orstom; difusão interna).
9. A. Auger, op. cit., p. 155.
jício da cidade, é preciso não esquecer que o peso relativo do campo
na economia nacional desses países está em constante diminuição.
Outros fatores que levam a esse aparente "parasitismo" encontram-
-se na frequente astenia das relações "cidade-região", assim como no
fato de que certas cidades experimentam um desenvolvimento autô-
nomo, apoiado em capitais estranhos à região.
As cidades são, portanto, menos predadoras do que frequentemente
se pensa. Mas será que elas desempenham um papel impulsor?
DE TORNAR-SE IMPULsORAs?
10. Ver M. Santos, "Quelques problêrnes des grandes villes dans les pays sous-dévelo-
pés", Revue de Géographie de Lyon, 36 (3):197-218, mars 1961 (Lyon); J. Dupuis,
Madras et le nord du Coromandel. Étude des conditions de Ia vie indienne dans
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14. Ver M. Santos, "L'alimentation des populations urbaines des pays sous-développés",
Tiers-Monde, 8 (31):605-629, jul.-set.1967 (PUF).
15. R. Dumont, "Chine surpeuplé", Tiers-Monde Affamé, Paris, Le Seuil, 1966,314 p.
16. K. N. Venkatarayappa, Bangalore (A Socio-ecological Study), Bombay, University
of Bombay, 1957 (Sociology Series, 6).
17. R. A. Akinola, "The Ibadan Region", Nigerian Geographical [ournal, 6 (2):102-
115, 1963 (Ibadan).
que agricultores residem cerca de cinco dias, vindo passar o fim de
semana na cidade, que é a sede dos deuses tradicionais e dos cultos
cristão e muçulmano; é no povoado que se nasce e se vive, mas é na
cidade que se celebram as festas e se é enterrado.
Por isso, em determinadas condições, pode desenvolver-se um
começo de processo cumulativo que integra mais estreitamente cidade
,-
e regiao.
A economia urbana cresce à medida que as culturas alimen-
tares se desenvolvem, enquanto, por seu turno, as melhoras da
economia urbana beneficiam a economia agrícola. Nota-se uma
tendência à melhoria da produtividade, graças ao uso de melhores
fertilizantes e de melhores sementes. Além do mais, o crescimento
urbano, assim produzido, tende a drenar agricultores para a ci-
dade e a reduzir, portanto, o número de pessoas no campo. Desse
modo, há condições para que o lucro seja distribuído entre menor
número de pessoas.
Ao mesmo tempo que o nível de vida pode elevar-se no campo,
seguido de uma elasticidade maior na demanda de serviços e produtos
manufaturados, os rurais enviados à cidade entram mais facilmente no
circuito produtivo, e a própria cidade tem de aumentar sua produção,
já que deve fazer frente às necessidades de duas camadas de população:
uma classe rural mais privilegiada, capaz, portanto, de um consumo
diversificado e dependente de uma comercialização, mas também uma
classe de novos citadinos, quase totalmente integrados ao circuito da
economia monetária.
A população chegada à cidade faz crescer o volume de rendas e
o nível da produtividade urbana. Os rurais recém-transformados em
urbanos aumentam a monetarização do mundo agrícola, graças à ga-
rantia de um mercado em expansão e à perspectiva de uma evolução
técnica; dupla perspectiva que se abre sobre um aumento dos volumes
comercializados e dos preços.
Pode, assim, ocorrer crescimento urbano e crescimento da economia
rural, se o desenvolvimento das culturas alimentares obriga a cidade
a mudar, a realizar um processo de criação. Se ela apenas se limita a
drenar os capitais do campo, acaba por decrescer, porque as pessoas
irão comprar em outra parte.
A expansão das culturas alimentares é também causa de cria-
ção de cidades, ao passo que esse fenômeno é impossível com as
culturas comerciais. O algodão, por exemplo, é recolhido e trans-
portado diretamente ao porto, com destino à exportação. Por sua
vez, os produtos alimentares cultivados por pequenos agricultores
provocam a criação de muitas atividades. Na verdade, os pequenos
~.gricultores raramente possuem meios de transporte e geralmente
n.ío têm capacidade de servir-se dos meios modernos, por serem os
caminhões demasiado grandes. Produz-se, pois, automaticamente,
a criação de "cidades-entreposto". Trata-se de cidades não muito
grandes, como Santa Fé, perto de Buenos Aires. Zaida Falcón de
Gyves nos proporciona, em seu estudo sobre a cidade de Chilpancin-
go18,exemplos de "cidades-entreposto" no México: Tixtla, situada
a 12 km de Chilpancingo (capital de Guerrero), que recebe a maior
parte do aprovisionamento de verduras e legumes da região, além
de Zumpango e Chilapa.
Esse quadro de um crescimento harmônico pode parecer idílico e
irrealista. Múltiplos obstáculos se opõem, em todos os níveis, a esse
tipo de desenvolvimento. Não é menos verdade, porém, que apenas a
conservação e modernização das culturas alimentares permitem, em
economias ainda predominantemente agrícolas, um impulso para a
integração entre a cidade e a região.
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INTRODUÇÃO
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economia urbana, é preciso considerar o conjunto das células urbanas ::o
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de uma dada região, assim como o organismo que elas formam no país. Z
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A noção de rede urbana, elaborada por geógrafos e urbanistas, z
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exprime, no espaço, um jogo de fatores de natureza e de intensidade '"
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diferentes, que se combinam de forma variável no tempo. '"'"
Admitindo-se, porém, a definição precisa de P. George - "para '"c::
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PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS
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ligada às condições naturais. A revolução dos transportes facilitou a
superação desses obstáculos e, segundo os casos, reafirmou as fun-
ções anteriores das antigas cidades ou desmantelou a antiga "rede",
transformando completamente a hierarquia. Porém nos países subde-
senvolvidos a revolução dos transportes foi importada do estrangeiro
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séries de problemas:
• Tal hierarquia realmente existe? Não se produzirão aí fenômenos rn
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a. A macrocefalia
A macrocefalia é uma noção relativa que faz aparecer a importância
demográfica e, sobretudo, a importância econômica de uma cidade em
relação à de outras cidade e à do conjunto do país. Entre os exemplos
mais típicos estão os de Lima-Callao, no Peru, e Bangcoc, na Tailândia.
Nesses países, que têm mais de dez milhões de habitantes, as capitais
são milionárias, mas nenhuma cidade de província ultrapassa muito os
cem mil habitantes. Estritamente, o termo deveria ser aplicado apenas
aos casos de redes monocéfalas, mesmo quando possam ocorrer casos
mais complexos (bicefalismo no Equador, por exemplo).
As cidades macrocéfalas representam geralmente uma porcentagem
elevada da população nacional, especialmente nos países subpovoados
e muito urbanizados da América Latina, onde o aspecto demográfico
da macrocefalia é bastante nítido: Caracas, Lima e Santiago represen-
tam, respectivamente, 20%, 200/0 e 250/0 da população total de seus
países, assim como 27,5%, 31,40/0 e 40,90/0 da população urbana.
Mas também se encontra o mesmo fenômeno na África (já em 1960,
as cidades do noroeste do Marrocos agrupavam 440/0 da população
urbana do país"), assim como no Sudeste Asiático, onde as cidades
"principais" têm, em cada país da zona, uma população ao menos
cinco vezes maior que a da segunda cidade respectiva 10.
A macrocefalia tende a acentuar-se devido à lei dos grandes núme-
ros e porque, "sendo a taxa de crescimento natural quase a mesma,
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do norte as porcentagens correspondentes eram 16 e 230/0; no resto do o
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escala ainda maior: no Peru setentrional costeiro", recorre-se rapi- cn
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18. P. Camarata, op. cito or-
19. Ver A. Auger, Les Centres urbains secondaires au Congo Brazzauille, Brazzaville,
Orstom, 1966; M. Vennetier, "La vie agricole urbaine à Pointe-Noire", Cahiers
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d'outre-mer, 14 (53):66-80, janv.-mars 1961 (Bordeaux).
20. A. Schwartz, op. cito
21. C. Collin-Delavaud, op. cito
damente a Lima para qualquer serviço de certa complexidade, por
não haver Trujillo conseguido concentrar, por exemplo, atividades
diversifica das suficientes, uma vez que os meios de transporte são cada
vez mais rápidos: o escalão intermediário existe, porém nem sempre
pode responder às necessidades.
Alguns autores tentaram explicar a fraqueza dos centros inter-
mediários recorrendo a argumentos puramente econômicos, como a
existência de um limite entre dois tipos de equilíbrio:
Por outro lado, pelo fato de que cada cidade funciona como se
também pertencesse aos escalões inferiores da hierarquia urbana
(existem várias cidades na cidade), a concorrência entre os centros
urbanos manifesta-se em todos os níveis: em seu funcionamento, a
"rede" não seria resultante de um equilíbrio entre organismos urbanos
considerados como células autônomas que se contrapõem, como se
tendia a acreditar".
Existem, pois, segundo a categoria socioeconômica da população
urbana que se considera, "redes urbanas" muito diferentes, tanto mais
distintas quanto mais estratificada esteja a estrutura social da cidade:
na grande cidade, a classe privilegiada corresponde ao escalão de uma
rede que, em escala superior, vincula-se à rede mundial das cidades dos
países industriais, mas da qual as classes populares ficam praticamente
excluídas. Na pequena cidade, a população urbana e regional pobre
encontra a parte essencial dos serviços de que necessita, devido à sua
facies econômica e cultural (consumo, festas tradicionais etc.); ela os
encontraria também na cidade grande, mas não teria acesso a outros
de categoria superior, em virtude de seu fraco poder de compra; ao
contrário, o grande proprietário rural absenteísta, que toma o avião
para ir à capital, praticamente não encontra na pequena cidade nenhum
dos serviços de que necessita.
É preciso concluir que, para as massas pobres, não existe rede
urbana, ou mesmo que ela não existe em nenhuma circunstância (à
parte, é claro, a hierarquia administrativa), porque não existem ser-
viços acessíveis para além de um nível rudimentar, já que as relações
demográficas não bastam para elaborar uma rede de trocas. Ou então
que existe uma rede urbana imaginária, corolário do efeito demonstra-
ção, que leva as pessoas a se dirigirem para a cidade, onde acreditam
poder alcançar um nível superior de serviços; na verdade, na grande
maioria dos casos, mesmo que o seu poder de compra se eleve, elas
não podem chegar a esse mundo diferente.
O acesso a uma hierarquia de serviços seria um luxo reservado
aos ricos: daí a debilidade das redes urbanas nos países subdesenvol-
23. M. Santos, "Une nouvelle dimension dans l'étude des réseaux urbains dans les pays
sous-développés", Annales de géographie, 79 (434 ):425-445, juil.vaoút 1970 (Paris).
vidos. Mas, esta é uma afirmação que deve ser verificada mediante
monografias detalhadas.
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24. M. Santos, "Les modeles d'élaboration des réseaux urbains das les pays sous-
-développés", Bulletin de Ia Société de Géographie de Liêge, 4 (4):11-21, déc. 1968 H
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aos vales, porém "as redes verdadeiramente hierarquizadas constituem
exceção, porque as relações entre os centros urbanos são reduzidas e U>
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fraca a densidade urbana, as cidades são frequentemente isoladas. o
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PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS
27. B. F. Hoselitz, Sociological Aspects of Economic Growth, Glencoe, NY, The Free
Press, 1960.
28. O. Dollfus, op. cito
desempenhar um verdadeiro papel de capital regional, e seria até mais
exato dizer que macrocefalia e vazio econômico andam par a par e
dividem igualmente as responsabilidades. Por outro lado, certos au-
tores têm afirmado que uma concentração excessiva corre o risco de
desencadear um processo de evolução regressiva nas demais cidades".
Como essa macrocefalia é de natureza diferente da encontrada
nos países desenvolvidos, de vez que corresponde a uma falta de di-
namismo urbano das regiões rurais, não se pode negar totalmente que
a concentração dos recursos e das possibilidades nas grandes cidades
seja um obstáculo à expansão ou à existência das cidades médias-".
Encontramo-nos, então, frente a um círculo vicioso sem solução,
ou temos possibilidades de intervir para rornpê-lo?
Nos países desenvolvidos, a ciência regional procurou achar
respostas positivas para essa questão. Na França, por exemplo, os
estudos de M. Rochefort e Jean Hautreux" colocaram claramente o
problema, indicando os mecanismos defeituosos a serem corrigidos e
os remédios desejáveis. Trata-se de uma geografia aplicada ou ativa, na
melhor acepção do termo: é a intervenção do geógrafo em um terreno
que, inegavelmente, é o seu - a elaboração de um sistema regional, os
princípios que a presidiram, as possibilidades de intervenção eficaz. O >
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economista dá sua contribuição com a teoria dos polos de crescimento,
desenvolvida na França por François Perroux e seus discípulos.
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Esse procedimento será igualmente válido nos países subdesen- ~
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29. T. G. McGee, art. cit., a propósito de Rangum. Z
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30. P. George, op. cito ot-'
31. M. Rochefort & J. Hautreux, "Les métropoles et Ia fonction régionale", Construc- <
tion et aménagement (17), oet. 1964 (Ministêre de Ia Construetion); e "Physionornie o
O
générale de l'arrnature urbaine française", Annales de géographie, (406):660-677, (Jl
nov.-déc. 1965.
32. J. R. Lasuén, "De los Polos de Crecirniento", Cuadernos de Ia Sociedad VenezoIana
de Planificación: La Región y Ia Ciudad, novo 1968, pp. 1-25.
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< 33. B. Kayser, "Les divisions de l'espace géographique dans les pays sous-développés".
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Comunicação apresentada à Conferência Regional Latino-Americana da União
Geográfica Internacional, Ciudad de México, 3-8 de agosto de 1966 (também em:
Annales de géographie, 1966).
belecer relações diretas com os centros regionais, sem passar pelas
capitais regionais. Esta hipótese só é válida para um pequeno número
de países subdesenvolvidos, e de toda maneira, subsistem fortes vín-
culos entre cada capital regional e sua área de influência histórica,
tanto mais que esse território quase sempre corresponde a divisões
políticas ou administrativas.
A regra geral é, pois, a solidariedade global. Não se poderá então
negar que é aí que se encontra o quadro de eleição para uma ação
conjunta orientada para uma redistribuição de recursos, como suge-
riram J. Gallais para o Senegal-" e C. Collin-Delavaud para o Peru ".
É evidente que se apresentarão obstáculos. Em um país industrial,
os esforços de descentralização e relocalização têm possibilidades de
êxito na medida em que coincidem com '0 próprio interesse de uma
rentabilidade mais elevada do capital por parte das empresas priva-
das. Nos países subdesenvolvidos, a descentralização aparecerá quase
sempre como desinteressante pelas empresas privadas, a menos que
fatores políticos interfiram.
Por outro lado, parece muito mais fácil intervir, porque a juventude
e a fraqueza das estruturas lhes dão certa flexibilidade. É por isso que,
em todos esses países, a organização urbana evolui num ritmo rápido.
A construção de uma rodovia, a localização de uma nova atividade,
a criação voluntária de uma cidade têm repercussões positivas ou ne-
gativas muito rápidas, e ao mesmo tempo muito importantes, sobre
toda a rede.
O problema estaria, então, no reconhecimento da forma como tais z
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também os de ordem geral, três dos quais parecem-nos particular- Z
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-c 36. M. Santos, "Le rôle des capitales dans Ia modernisation des pays sous-développés" ,
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Civilisations, 16 (1):101-108, 1966 (Bruxelles).
37. O. Dollfus, op, cito
38. C. Collin-Delavaud, op. cito
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habitantes, sob pretexto de que teria crescido às expensas de centros
secundários, pela simples razão de que tais centros não existiam no
momento em que a cidade iniciou sua ascensão.
Vamos mais além. Que pode significar a famosa distinção entre
cidade primacial e cidades secundárias? A simples enumeração de
índices de diferenças, por mais importantes que sejam, não tem valor
próprio. Essa relação é também uma relação global, resultante das
condições gerais da evolução da "rede", isto é, do país como um todo.
O fato de uma capital regional ser, em um dado momento, várias
vezes mais populosa ou economicamente mais poderosa que as outras
cidades de sua "constelação" está longe de ser sempre prejudicial. O
já citado caso de Guadalajara, no México, pode servir de exemplo.
Essa cidade tem uma população 26 vezes mais numerosa que a da
segunda cidade de sua região de influência. No entanto, parece-nos
que um desenvolvimento maior da região depende de um aumento
ainda mais considerável da força de Guadalajara; esta é circundada
por boas rodovias, construídas em um tempo recorde, à época em que
a massa de sua população crescia e em que, no campo, melhoravam
nitidamente as condições da atividade agrícola.
Esse exemplo, que pode repetir-se também em outras partes,
leva-nos a insistir no fato de que uma "rede urbana" classicamente
considerada como desequilibrada pode ser, em um dado momento,
a mais adequada aos efeitos de propagação do desenvolvimento. Em
determinados casos, é bem possível que a relação de desequilíbrio
deva ser mantida durante algum tempo à espera de que a cidade se z
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torne bastante forte para competir com uma aglomeração maior, assim
como para evitar uma estagnação de seu crescimento econômico e de rI>
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