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I

INDUSTRIALIZAÇÃO MUNDIAL
REVOLUÇÃO DEMOGRÁFICA E URBANIZAÇÃO

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e, em meados do século XIX, a população urbana representava

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apenas 1,70/0da população mundial, em 1950 tal porcentagem -


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era de 21 % e, em 1960, de 25%. Assim, a urbanização é um o
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fenômeno não apenas recente como também crescente, e em escala c::
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planetária. O fato de que, entre 1800 e 1950, a população mundial -
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multiplicou-se por 2,5 e a população urbana por vinte, mostra a
importância que a urbanização vem tendo no mundo desde mais de
um século. Cabe aqui, entretanto, colocar o problema de entender as
causas do fenômeno e verificar se elas são as mesmas nos diferentes
pontos do globo.
A urbanização desenvolvida com o advento do capitalismo aparece
na Europa como fato moderno logo depois da Revolução Industrial. 1"\
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Mais recentemente, e paralelamente à modernização, ela se generaliza
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nos países subdesenvolvidos; por isso, costuma-se associar a ideia de ;o
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urbanização à de industrialização. z
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Se observarmos a população mundial que vive em cidades, consta- .()
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taremos uma expansão do seu crescimento, concomitante à Revolução
Industrial. Em 1800, 27,4 milhões de pessoas viviam em cidades de H
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mais de cinco mil habitantes; em 1850, eram 74,9 milhões; 218,7 mi-
lhões em 1900; e 716,7 milhões em 1950, representando, respectiva-
mente, 3, 6, 4, 13,6 e 29,8% da população mundial'.
Esse crescimento, aliás, foi gigantesco também nas maiores cidades,
de vinte mil a cem mil habitantes".

Cidades com 20 mil hab. Cidades com 100 mil hab.


e mais. e malS.
Anos
(% em relação à popula- (% em relação à popula-
ção mundial) ção mundial)
1800 2,4 1,7
1850 4,3 2,3
1900 9,2 5,5
1950 20,9 13,1
1960 18,0
1970 36,5

Assim, a Revolução Industrial se apresenta como um novo ponto


de partida para a urbanização no mundo e, se da deu origem a uma
presença humana cada vez mais importante nas cidades, também
contribuiu para a multiplicação do número dessas aglomerações gi-
gantescas que, dentro de seus limites, concentram muitos milhões de
habitantes. Se em todo o mundo, em 1900, havia apenas onze cidades
com mais de um milhão de habitantes, em 1920 elas eram vinte; em
1940, 51; em 1955, 69; e, em 1961, 80.
Se levarmos em conta a população mundial total, notaremos que
houve, a partir de 1920, um crescimento de 69,6%; mas esse cresci-
mento foi de apenas 45,3 % para os países industriais, enquanto para
os países subdesenvolvidos ele ascendeu a 73 0/0.
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::E 1. E. Jones, Towns and Cities, New York, Oxford University Press, 1966.
2. Ph. Hauser, "Implications of Population Trend for Regional and Urban Planning
;r in Asia and the Far East", Regional Planning, (12-13):26, 1960 (United Nations).
I. I. CRESCIMENTO DA POPULAçÃO MUNDIAL: ASPECTOS DIFERENCIAIS

Via de regra, nota-se um contraste bem marcante entre o rá-


pido crescimento da população mundial de 1950 a 1960 (190/0),
junto ao crescimento bem mais lento nas três décadas precedentes:
1920-1930: 110/0; 1930-1940: 110/0; 1940-1950: 160/0. Todavia,
esses ritmos de crescimento são bem diferentes segundo as regiões
do globo:
a. Nos países desenvolvidos, ao ritmo lento de crescimento da
população dos anos de 1930 seguiu-se uma retomada depois da
guerra, mais particularmente na URSS e na América do Norte. Na
Europa, entretanto, o ritmo de crescimento da década de 1950
alcançou apenas o registrado no período de 1920-1930, que foi
de 90/0;
b. Em valor absoluto, o crescimento mais importante foi observa- -o
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do na Ásia. De 1950 a 1960, ele representou 60% do aumento total ..,
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da população mundial. Isto se deve, essencialmente, ao fato de que a >
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população da Ásia já correspondia, em 1950, a mais de 50% do total -
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da população mundial; >.
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c. Na realidade, os ritmos de crescimento mais elevados não estão :;:::
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na Ásia, e sim na África e na América Latina. Na América do Sul, o
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com exceção da Argentina e do Uruguai, desde 1920 o aumento da
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população processou-se segundo um modelo regular, correspondente '<":
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a 20-25% em cada década. A partir de 1950, o ritmo se acelera (31 % c
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entre 1950 e 1960). O mesmo fenômeno é observado na África, o
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apesar de obedecer a um ritmo menos rápido, acelerado nas duas rn
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o II
décadas subsequentes. o
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A análise das estatísticas permite verificar que o recente dinamismo -
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demográfico nos países subdesenvolvidos conduz a uma nova distri- I
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buição da população mundial. c::
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Nesta situação de crescimento diferencial, os países economicamen- z
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te menos desenvolvidos aparecem, em 1960, com uma porcentagem
da população mundial mais alta que em 1920.
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1920 1960
Ásia 53,0% 56,0%
América do Sul 3,4% 4,7%
América Central 1,6% 2,2%
América do Norte e Oceania 4,0% 4,0%
URSS 8,7% 7,1%
Europa 18,1% 14,2%

As diferenças entre Europa e URSS, de um lado, e a América do


Norte e a Oceania, de outro, em parte explicam-se não só pelos mo-
vimentos migratórios em direção ao Novo Mundo mas também por
um grande número de mortes na Europa e URSS, devidos, sobretudo,
às guerras.
A principal causa da aceleração do crescimento demográfico dos
países subdesenvolvidos foi a diminuição das taxas de mortalidade.
Enquanto, no momento em que a diminuição das taxas de mortalidade
se acelerava, os países ocidentais atingiram um nível industrial relati-
vamente avançado, os países subdesenvolvidos, num curto espaço de
tempo, aproveitaram-se de todas as descobertas de ordem sanitária
provenientes dos países industrializados.
Seguem-se alguns exemplos.
Na Suécia, foram precisos cem anos para que a mortalidade bai-
xasse de 21 para 14 % .
Na Costa Rica, baixa de 23 para 7,90/0 em 42 anos (1920-1962).
No Ceilão, baixa de 20 para 90/0em 15 anos (1946-1961).
Na Jamaica, baixa de 28 para 130/0em 29 anos (1921-1950).
O aumento de natalidade é não só um subproduto da diminui-
ção da taxa da mortalidade, como ainda um corolário do cresci-
mento econômico.
Assim, como a diminuição da taxa de mortalidade nos países sub-
desenvolvidos se processou muito mais rapidamente que nos países
desenvolvidos, o processo de urbanização, que ainda não atingiu
completamente todo esse grupo de países, foi apressado pela Revolu-
ção Industrial, herança dos países desenvolvidos, realizada segundo
moldes capitalistas.
Nessas condições, o crescimento demo gráfico galopante teve um
papel particularmente importante em certos países asiáticos, como,
por exemplo, a Índia. Em todos os casos, esse aumento do potencial
demográfico pôde alimentar a hipertrofia urbana, provocada por um
conjunto de causas sociais e políticas.
Um ritmo acelerado da urbanização, principalmente a partir de
1950, é uma das características dos países subdesenvolvidos.
Enquanto em alguns países desenvolvidos há uma tendência à
diminuição da população urbana, graças ao fenômeno de suburba-
nização, neste momento uma alta taxa de população urbana e um
não menos importante crescimento urbano caracterizam os países
subdesenvolvidos. Quando se analisa a causa do crescimento da
população urbana nos países industrializados e nos países subdesen-
volvidos, constata-se que, para as cidades de vinte mil habitantes e
mais, por exemplo, a população urbana aumentou um pouco mais -z
o
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de um terço entre 1920 e 1960 nos países industrializados, enquanto ti>
...,
po
no mesmo período, nos países subdesenvolvidos, a população urbana >-
r-

triplicou. Essa diferença de crescimento da população é 'bem maior


para as cidades com quinhentos mil habitantes ou mais, onde, no
mesmo período, isto é, entre 1920 e 1960, nos países desenvolvidos,
a população dobrou, enquanto o aumento foi de sete vezes mais para
os países subdesenvolvidos.
A data de 1950 constitui, pois, um marco e representa a incor-
poração do mundo subdesenvolvido a um novo nexo capitalista,
comandado pela revolução técnico-científica e seu braço ativo, as
empresas transnacionais.

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IMPORTÂNCIA DA EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO URBANA NOS PAÍSES

INDUSTRIALIZADOS E NOS PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS

..........................................

1920 1930 1940 1950 1960 1970


.................. _ ...
Países
% de população 27 31 36 38 44 64
desenvolvidos
urbana
Países subde-
(20 mil hab. e 6 7 9 12 18 26
senvolvidos
mais)
Mundo 14 16-._
........ -.- ............ .....
19 21
.............................................
25
- .....

% de popula- Países
43 47 46 45 49
ção de cidades desenvolvidos
grandes (500 mil Países subde-
hab. e mais) so- 22 26 32 37 43
senvolvidos
bre a população
urbana Mundo 38 41 41 42 47

% da popula- Países
12 15 16 17 22
ção de cidades -.." desenvolvidos
grandes (500 mil Países subde-
hab. e mais) so- 1 2 3 5 7
senvolvidos
bre a população
total Mundo 5 7 8 9 12

I.2. Os RITMOS E OS PERÍODOS HISTÓRICOS DA URBANIZAÇÃO DOS

PAÍSES INDUSTRIALIZADOS E DOS PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS

A noção de urbanização é complexa; ela leva em conta a taxa


de urbanização (porcentagem da população urbana na população
total) e a taxa de crescimento urbano. É por esta razão que, no pe-
ríodo de 1950-1960, nas regiões menos desenvolvidas do mundo, a
taxa média anual de urbanização (2,8 %) era idêntica à do período
precedente, enquanto a taxa anual de crescimento da população
urbana passava de 4,1 % a 4,80/0. O nível de urbanização anterior
é um terceiro dado importante, na medida em que o ritmo de
crescimento urbano pode transformar profundamente a estrutura
demográfica de um país no caso de este ter sido, no início, menos
urbanizado. É o caso, por exemplo, do Extremo Oriente em relação
00
à América Latina.
H
a. A urbanização dos países industrializados
Nos países europeus, a urbanização é antiga. Foi feita lentamente,
ao ritmo de sucessivas revoluções tecnológicas. Tanto as cidades como
as redes urbanas se organizaram lentamente.
No século XIX, o crescimento urbano acelera-se e processa-se em
novas bases. Assim, Ph. Pinchemel escreve em relação à França: "As
criações e extensões urbanas de séculos anteriores, de origem real,
militar, administrativa ou representando a riqueza e a numerosa popu-
lação do campo, sucedem-se numa urbanização de origem industrial" 3.
Esse crescimento urbano ligado à Revolução Industrial alcança sua
maior intensidade entre 1850 e 1900:

CRESCIMENTO DA POPULAçÃO URBANA, NAS CIDADES

DE MAIS DE IOO MIL HAB.


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1800 - 1850 1850 - 1900 1900 - 1950 til
>-I
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Europa e América do Norte 184% 330% 160% >


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Entre 1900 e 1920 nota-se certa estabilidade no ritmo de urba- o
~
nização do mundo ocidental, o que, segundo alguns economistas, se c
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deve a uma distribuição espacial da indústria, o que não acontece, por o
>
e-
exemplo, na primeira fase industrial (anterior a 1920), caracterizada
por uma tendência à concentração. A diminuição do êxodo rural,
bem como a da natalidade, e as consequências das guerras tiveram
um papel muito importante nessa estabilidade.
Mas a União Soviética, que já vinha apresentando um crescimen-
to importante da sua população urbana entre 1920 e 1930 (50%),
teve um aumento espetacular entre 1930 e 1940 (96%). A causa -n
>
disso é buscada na Revolução Industrial posta em prática pelo novo
C
regime. E, provavelmente, esta será a última vez no mundo em que i'"
tll
>

-
Z

3. Ph. Pinchemel, Géographie de Ia France, II: Les milieux: campagnes, industries et


H
villes, Paris, Arrnand Colin, 1964. \.O
o processo de industrialização é responsável direto pelo fenômeno
de urbanização.
b. A urbanização nos países subdesenvolvidos foi retardada.
Os processos verificados nos países subdesenvolvidos foram su-
perpostos no tempo, enquanto nos desenvolvidos eles aparecem em
momentos diferentes.
Embora a revolução urbana tenha alcançado uma amplitude
impossível de ser medida, o crescimento demográfico e econômico,
o progresso da informação e as tentativas da organização do espaço
são concomitantes.
A força conjunta de todas essas revoluções é tão grande que as ci-
dades e as redes urbanas mais recentes e menos estruturadas oferecem
pouca resistência aos novos fatores de transformação.
No período 1950-1960, os ritmos mais fortes de crescimento urba-
no são os dos países subdesenvolvidos. De 1950 a 1960, a população
urbana aumentou de 59,30/0 nos países subdesenvolvidos e de apenas
31 % nos países desenvolvidos. A exceção à regra é a URSS, que teve
um elevado crescimento urbano; trata-se, em parte, de uma compen-
sação à brutal queda dos anos 1940, em decorrência da guerra. A
Ásia Oriental conheceu o mesmo mecanismo. A Ásia Meridional teve
um período máximo de crescimento entre 1940 e 1950, para depois
sofrer uma redução, já que os movimentos de refugiados, causados
pela separação da Índia e do Paquistão, não contribuem da mesma
forma para o crescimento urbano. Em 1960, as taxas mais elevadas
de crescimento estão na América Latina e na África (respectivamente
71 % e 70%), enquanto a Europa e a América do Norte só chegaram
a 180/0 e 37%.
Atualmente a taxa de urbanização varia muito segundo os conti-
nentes e os países, mas, exceção feita à América do Sul, a citada taxa,
em geral, continua fraca.
Para se ter uma ideia desse fenômeno, basta observar que as cinco
maiores cidades da Índia, por exemplo, têm 3 % da população total
do país (no Japão elas equivalem a 19%). As dez maiores cidades,
o também para a Índia, só alcançam 4 % da população total (25 % no
ri
Japão), enquanto a população urbana é, em números absolutos, maior
que a população total da Grã-Bretanha.
Na África, a porcentagem da população urbana é geralmente
pequena, como mostra o quadro abaixo, referente à estimativa para
1962 em alguns países de língua francesa da África.

África Ocidental
Mauritânia 2%
Nigéria 2%
Alto Volta 3%
Mali 6%
Guiné 6%
Daomé 10%
Costa do Marfim 10%
Togo 11%

Na América Latina, as proporções são bem mais fortes:

Países com mais de 20 mil hab.


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Venezuela (1960) 44,6% :>
.()
Colômbia (1968) 40,0% :>.
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Brasil (1960) 28,8% :s:
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A urbanização dos países subdesenvolvidos foi mais recente e >
r-

mais rápida, efetuando-se num contexto econômico e político dife-


rente daquele dos países desenvolvidos. Tem características originais,
que a diferenciam nitidamente da urbanização deste último grupo
de países.

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2

CARACTERÍSTICAS DA URBANIZAÇÃO NOS


PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS

2.I. URBANIZAÇÃO E NOVA ECONOMIA INTERNACIONAL

A
nova economia internacional, que se manifesta depois da Se-
n
gunda Guerra Mundial, apresenta, entre outras, as seguintes >
V>

o
características: internacionalização e multiplicação das trocas, >
c:
preponderância da tecnologia e a concentração dela decorrente, solida- ~
o;
>
riedade crescente entre os países (cooperação entre países industriais, -
z
N
>
domínio sobre os países subdesenvolvidos), modificações da estrutura .('l
>.
o
e força do consumo. O efeito demonstração, ou seja, a inclinação Z
o
dos pobres no sentido de consumir da mesma maneira que os ricos, '"
tem um papel importante nos países subdesenvolvidos por contribuir
para a atração dos homens pelas cidades, local de novas atividades;
no entanto, não só as indústrias são aí raras como também, em todo
caso, os empregos permanentes não são suficientes para atender à
demanda. Não houve nos países subdesenvolvidos, como aconteceu
nos países industriais, uma passagem da população do setor primário -o
t;l

para o secundário e, em seguida, para o terciário. A urbanização fez- V>

-se de maneira diferente e tem um conteúdo também diferente: é uma


r
urbanização terciária. Somente depois, evidentemente com exceções,
é que a grande cidade provoca a criação de indústrias.
Todavia, países como a Argentina, o Brasil e o México conheciam
já uma certa urbanização antes da Segunda Guerra Mundial. Entre-
tanto, ainda que possuam uma indústria mais desenvolvida, esses
países não escapam à dependência a que estão submetidos os países
subdesenvolvidos, inclusive a esse "êxodo da miséria e da esperança".

2.2. As FORMAS DO ÊXODO RURAL

o êxodo rural é um fenômeno complexo nos países subdesen-


volvidos. Trata-se de forte contingente migratório que, favorecido
pelo desenvolvimento da rede viária, dirige-se para as cidades e
acaba sendo instrumental, em grande parte, do crescimento urbano.
É comum afirmar-se que a atração urbana é de ordem psicológica,
sendo a cidade mais um receptáculo do que um polo de atração (os
anglo-saxões dizem que o push-factor é superior ao pull-factor): eis
uma ideia feita, a ser discutida com aqueles que consideram a atração
urbana como algo de ordem puramente psicológica e para quem o
migrante pode encontrar, na cidade, oportunidades para melhorar
as suas condições de vida.
Porém, as determinantes externas do fenômeno, que muitas
vezes representam esse famoso papel de push-factor, são múltiplas.
Podem ser:
• De ordem política: a guerra explica o afluxo da população para
Saigon; a espetacular inchação de Kinshasa (antiga Leopoldville) pôde
ser explicada pela revolução congolesa:

1948 1964
Congo 13 230 000 16000000
Kinshasa 300000 1200000

e a "violência" no campo é a principal causa das migrações em


direção às cidades da Colômbia:
............. .... ......... ......

1938 1952 1964 1968


Colômbia
12,8% 22,5% 36,6% 40%
(% de pop. urbana)

• De ordem demográfica: em países de crescimento demográfico


maciço, como a Índia e a China.
• De ordem econômica: por causa do desequilíbrio econômico cada
vez maior entre a cidade e o campo, como é o caso, por exemplo, da
América Latina.
A partir da Segunda Guerra Mundial, os preços dos produtos
agrícolas de exportação baixaram muito em relação aos preços dos
produtos industrializados para importação. Os maiores investimentos
destinam-se à indústria, e os países são equipados com os lucros da
agricultura, quer por meio de trocas (como na América Latina), quer
por meio de repercussões dos problemas europeus (caso da África).
Esses fenômenos conduziram a uma queda da produção agrícola não
só em qualidade como também em quantidade. Assim, a população
da cidade 'se alimenta da sua zona rural por um período mais ou
menos longo. Numa segunda etapa, a cidade pode ter possibilidades
de redistribuir sua força na zona rural circunvizinha. Entretanto,
com as modificações da estrutura do consumo, o camponês emprega o
;;-
apenas uma pequena parte de sua renda em investimentos rurais. Os c::
~
progressos no campo educacional nada mais fizeram do que acelerar '"
>

o êxodo rural. Quando o país começa a defender seu setor agrícc ta, a -
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N
>
necessidade de rentabilidade e os problemas de reconversão impoern '">,
o
uma seleção ainda mais impiedosa no meio rural. Assim, a degradação z
o
'"
do meio rural ou o melhoramento agrícola são sempre contrabalan-
çados por um acréscimo do êxodo para a cidade.
A esses problemas econômicos gerais podem juntar-se os problemas
ligados mais precisamente a uma estrutura agrária repulsiva (problema
da distribuição da propriedade). Esse é um dos motivos pelos quais,
na América Latina, o êxodo rural é tão acentuado.
Entretanto, é preciso assinalar que na maioria dos países a popula-
ção rural é mais importante que a população urbana; é o caso, princi-
palmente, da Ásia e da África. Na Ásia o fenômeno da urbanização foi,
sem dúvida, retardado pelos problemas das distâncias, pelas funções
particulares que as cidades pré-industriais e pré-coloniais possuíam:
cidades imperiais, abrigando apenas aqueles que viviam pelo palácio
e para ele, e onde as populações campesinas só chegavam em grande
número nos momentos de grande fome; e, na África, pela forte coe-
são dos grupos camponeses. A isto se acrescenta, no sul do Saara, a
ausência ou a fraqueza, bastante comuns, da tradição urbana antiga.
As características da urbanização e do êxodo rural podem levar-
-nos a entender como a população urbana se distribui e os tipos de
urbanização encontrados nos países subdesenvolvidos.

2.3. TIPOS.DE URBANIZAÇÃO NOS PAíSES SUBDESENVOLVIDOS

a. Nascimento de numerosas pequenas cidades


Esse é um dos fenômenos mais característicos - e, no entanto, dos
mais negligenciados - da floração urbana nos países subdesenvolvidos.
Ê praticamente impossível isolar o fenômeno em escala mundial, já que
as estatísticas globais geralmente dão a população rural junto com a
população das cidades de menos de vinte mil habitantes. Todavia, pode-
-se constatar que as pequenas cidades representam um papel importante
no crescimento do conjunto população rural + pequenas cidades:

(% de crescimento Crescimento da popu- Crescimento da população rural


por década) lação rural (números e de cidades com menos de 20 mil
arredondados) habitantes
1920-1930 8% 8,7%
1930-1940 10% 10,1 %
1940-1950 8% 8,8%
1950-1960 15% 16,4%

As monografias regionais trazem os melhores exemplos: em Ma-


dagascar (R. Gendarme, L~Economie de Madagascar, 1963, p. 76),
desenvolvem-se cerca de quarenta cidadezinhas "perfeitamente adap-
\O
ri
tadas à economia rural predominante", em que algumas atividades
artes anais podem evoluir para pequenas indústrias. Na Turquia, entre
1927 e 1950, seis cidadezinhas apresentaram um crescimento que
variou entre 1300/0 e 3900/0, sem que houvesse uma correlação entre
o tamanho inicial da cidade e sua taxa de crescimento.
Aqui no Brasil, na Bahia, foram as pequenas cidades, como lta-
nhaém, por exemplo (+ 4850/0), que entre 1950 e 1960 alcançaram
uma forte taxa de crescimento, enquanto a população urbana de Sal-
vador só cresceu 60,60/0. Entretanto, ao lado disso, pequenas cidades,
principalmente aquelas ligadas à mineração, tiveram uma taxa de
crescimento urbano bem menor que Salvador.
Esse fato nos leva à distinção de diversos tipos dessas pequenas
cidades e, a partir daí, à análise dos fatores determinantes desse rá-
pido crescimento urbano. A cidadezinha constitui a célula-mãe que
atende às necessidades de uma população; tais necessidades variam
em função da densidade demográfica, das comunicações e da eco-
nomia da região, bem como do comportamento socioeconômico de
c. seus habitantes. Porém, cada uma dessas cidades constitui um caso
específico quando se leva em conta sua função principal: cidade co-
mercial, cidade de serviços. Nesses casos, o crescimento demográfico
-
(")

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resulta da implantação de novas formas de produção, de consumo ou "
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c:
de distribuição: as novas plantações de cacau, por exemplo, foram ~
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>
responsáveis não só pelo progresso de ltanhaém como, ainda, pela ->
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circulação das estradas de rodagem para o Sudoeste (São Paulo), .(")


>,
o
para o Nordeste (Salvador e Recife) e pelo desenvolvimento de Vi- z
o
tória da Conquista, onde se multiplicaram as garagens, as oficinas '"
de automóveis ete. Exemplo oposto é o das cidades da Chapada
Diamantina, que foram perdendo a importância face ao declínio da '"c:
indústria extrativa local. I:>'
o
t11

A partir do "êxodo urbano" (expressão de Bernard Kayser}, a '"


t11
Z
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cidade local, chamada de "pequena cidade", recebe da cidade maior o•...
<
funcionários de todos os níveis e operários (se por acaso uma indústria o
o
for instalada). Quando mais próxima das regiões dinâmicas, estas lhe '"
transmitem o dinamismo da cidade grande.
As estatísticas internacionais estabeleceram um marco de vinte
mil habitantes para esse tipo de cidade, mas isso não significa grande
coisa: visto como um marco numérico, é sempre artificial; os marcos
reais são os funcionais, isso porque só a partir de um certo estágio de
desenvolvimento e dinamismo é que a cidade se define.
b. A polarização urbana em função de uma cidade (quase sempre
a capital)
Nos países subdesenvolvidos, sobretudo nas antigas colônias
estabeleci das após a revolução dos transportes e o advento do impe-
rialismo, a polarização se exerceu de acordo com o critério escolhido
pelo país colonizador; quase sempre criava-se um centro, geralmente
um porto, que assegurava as ligações entre colônia e metrópole e nela
se concentravam as funções comerciais e administrativas.
Essa raiz histórica não perdeu sua força nos países já agora inde-
pendentes, e seus efeitos se prolongam para além das circunstâncias
que lhe deram origem. Daí o crescimento cumulativo das grandes ci-
dades. Nessas cidades maiores a população cresce mais que nas demais
cidades do país, fenômeno tanto mais sensível quanto a urbanização é
mais recente (casos da África e da Ásia, em relação à América Latina).

RELAÇÃO I96o-I920

População total/metrópole População urbana / Popula-


ção total
Europa 1,20 1,26
América do Norte 1,55 1,30
Asia Oriental 5,00 2,70
Asia Meridional 5,00 2,30
América Latina 2,80 2,40
Africa 4,00 2,60

o fenômeno atinge proporções extremas no caso da Birmânia:


sua população urbana permaneceu quase estacionaria entre 1921 e
1960 (de 9,80/0 a 10,40/0 da população total), enquanto a população
das cidades de mais de cem mil habitantes passou de 3,5% a 5,20/0
em relação à população total. Entretanto essa porcentagem é fraca, se
comparada à dos países da América Latina, da África Central ou do
Oriente Médio. A seguir, há exemplos do Oriente Médio.

ORIENTE MÉDIO - CIDADES DE MAIS DE IOO MIL HABITANTES

% da população total
Jordânia 25%
Síria 25%
Iraque 40%
Líbano 40%
Kuwait 70%

Cada uma dessas cidades tem características próprias originais, as


mesmas que diferenciam, de Londres ou de Paris, uma cidade como
Lima. Tais características são representadas pela distância entre as
cidades dentro de um Estado ou de um país no que diz respeito,
por exemplo, a população, produção material e intelectual, nível
de vida, rendas, serviços etc. As diferenças de nível de renda e a
ausência de uma classe média no interior da própria cidade marcam
a paisagem urbana: um exemplo clássico, para os continentes sub-
desenvolvidos, é o contraste representado pelos arranha-céus e as
favelas. Frequentemente, a cidade tem em torno de si um verdadeiro
"deserto"; é o caso do Rio de Janeiro; Luanda, em Angola; Túnis
e Argel, na África do Norte; Dacar e Abidjã, na África Ocidental;
ou Lima, no Peru, onde, num raio de 400 km, não existe nenhuma
cidade que possa desempenhar um verdadeiro papel regional; o
mesmo se produz num raio de 150 km em torno de Caracas, na
Venezuela, 500 km em torno de Santiago, no Chile, 300 km em
torno de La Paz, na Bolívia.
Para concluir, voltemos aos números: o crescimento demográfico CFl
c::
lJj
urbano nos países subdesenvolvidos foi, na década de 1950-1960, de
"
tTl
CFl
2,26 a 3,5 vezes mais importante que o crescimento da população m
Z
<
total (2,26 na Ásia; 2,3 na América Latina; 2,9 na África; e 3,3 na o
r-
<
Ásia Oriental, inclusive o Japão); para o conjunto do mundo essa pro- o
o
porção foi de 2,260/0 (2,250/0 para a Europa; 1,850/0 para a América CJ)

do Norte; 2,90/0 para a URSS; 1,7 para a Oceania). Isto significa que,
com exceção da URSS, o peso relativo das cidades é mais importante 1
nos países subdesenvolvidos do que nos países desenvolvidos.
Entretanto, mesmo nos países subdesenvolvidos existem múltiplas I
nuanças, visto que a colonização não foi feita nem com as mesmas
características nem na mesma época. A presença ou a ausência de uma
tradição urbana antiga, bem como as características dos vários tipos
de economia nacional, tiveram um papel determinante.

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10

A CIDADE E SEU ENTORNO EM


MEIO SUBDESENVOLVIDO

INTRODUÇÃO

A
té o momento temos considerado diversos aspectos do fenô- :>
n
meno de urbanização, mas concentrando nossa reflexão na c
:>
própria cidade. O estudo das relações cidade-região obriga c
tT1

tn
a examinar, também, o problema do mundo rural em relação com o
mundo urbano. trr

Z
Trata-se de uma série de questões das mais controvertidas, algumas >-l
o
?'
sendo das menos sistematicamente estudadas. Alguns autores conde- Z
o
nam taxativamente a cidade, acusando-a de todos os males de que sofre
o campo; com ou sem alusão ao fato incontestável do êxodo rural, eles
renovam uma atitude característica da mentalidade europeia do século U>
c:::
te
XIX: a cidade esvaziaria o mundo rural não só de suas riquezas, que o
tT1
<n
ela utilizaria para suas próprias despesas improdutivas, como também tT1

Z
-<
de seus habitantes, aos quais não seria capaz de fornecer empregos na o
r-
<
proporção desejável. c
o
Em um trabalho coletivo, Lacoste! faz-se intérprete desse ponto
de vista: "Essas regiões de economia moderna [ele fala das grandes
cidades], que combinam o efeito de estagnação econômica e os
fatores de crescimento demográfico, podem ser consideradas não
como 'polos de desenvolvimento' mas, ao contrário, como 'polos de
subdesenvolvimento'" .
Entretanto, muitas constatações recolhidas na preparação desse
trabalho contrariam a visão pessimista de uma cidade parasitária,
"úlcera que se desenvolve em detrimento de tudo o que a rodeia".
Essas constatações talvez não sejam suficientes para refutar a tese
oposta, mas permitem, ao menos, questioná-Ia.
Além do mais - e isso mostra que nem todos estão em perfeito
acordo quanto a esse ponto -, no mesmo trabalho coletivo B. Kayser
sustenta um argumento radicalmente oposto ao de Y. Lacoste:

As cidades que se formam e crescem em ritmo rápido não podem ser [...] con-
sideradas como quistos existentes no interior do tecido geográfico: elas são parte
integrante desse tecido e desenvolvem-se sobre um sistema complexo de trocas
vitais. Por mais lentos que sejam, em alguns países, os progressos do equipamento
em vias e meios de comunicação, eles facilitam e aceleram o funcionamento do
sistema. Em consequência, a vida regional tende a surgir e a adquirir amplitude
em um espaço cada vez maior do nosso globo".

Segundo B. Kayser, a evolução, longe de ser regressiva, determinaria


uma integração crescente: os atrasos, as descontinuidades que se podem
constatar seriam devidos a um atraso do equipamento em relação ao
crescimento espontâneo e não a um vício fundamental; visão que dá
lugar a soluções reformistas.
Ainda que sustentemos uma clara posição a esse respeito, não é
nossa pretensão tentar solucionar o debate, mas sim aprofundar a
análise, insistindo nos aspectos metodológicos do problema. Além

1. Y.Lacoste, "Perspectivesde Ia géographie active en pays sous-développé", em P.Ge-


o orge, R. Guglielmo,B. Kayser e Y. Lacoste, La Géographie active, Paris, PUF, 1964.
rtl
H 2. B. Kayser, em P. George et al., La Géographie active, op. cit., p. 320.
do mais, a escassez dos estudos disponíveis limita bastante o número
de exemplos utilizáveis. Praticamente, seremos levados a colocar di-
versas questões. A primeira delas, leitmotiv desta obra, é a seguinte:
existe uma especificidade própria dos países subdesenvolvidos? Ou
as relações que, nesses países, a cidade mantém com o espaço em sua
volta são da mesma natureza das que existem nos países desenvolvi-
dos? Segunda pergunta: quais os graus das relações cidade-região na
situação atual, e quais os tipos de regiões geográficas daí resultantes?
Por fim, veremos se é possível propor um balanço (econômico) dessas
relações e confirmar a validade de uma ou da outra tese.
Evitamos claramente, tanto quanto possível, o emprego do termo
região, já que ele prejulgaria nossas conclusões; de fato, segundo B.
Kayser, a região se define como "um espaço polarizado".
Para simplificar a análise, podem-se distinguir dois elementos do
subdesenvolvimento:
• Na medida em que a economia dos países subdesenvolvidos
permanece em parte tradicional, o subdesenvolvimento se caracteriza
por uma debilidade geral no nível das trocas (não esquecer que as
disparidades regionais constituem regra geral nesses países).
• Na medida em que o subdesenvolvimento resulta da introdu-
ção recente de elementos modernos em uma economia "tradicio-
nal", seus efeitos mais característicos consistem no aparecimento
de distorções.
'"
a. Fraqueza geral Z
>-l
o
~
As zonas subdesenvolvidas são muito mal providas de meios z
o
de comunicação e de instrumentos de trocas: debilidade dos fluxos
monetários, fraca densidade das redes rodoviárias e ferroviárias,
escassez de centros regionais subordinados, inexistência, às vezes, de (/>
~
centros sub-regionais. Esse subequipamento é fruto de uma astenia I:ó
o
geral das trocas, ao mesmo tempo que contribui para mantê-Ia. Essa '"
(/>

'Z"
<:
astenia resulta, principalmente, da fraqueza do poder de compra por o
r
<
parte das massas rurais, que quase não têm excedentes para vender tJ
O
nas zonas mais tradicionais ou que, nas regiões de cultura comercial
especulativa (cultura do amendoim ou do cacau na África), têm rendas H
V..J
H
muito variáveis - segundo as estações e segundo os anos -, incapazes,
em todo caso, de suscitar ou de, além de um certo nível, manter rela-
ções contínuas com a cidade. Ante o subequipamento encontrado na
maioria dos países subdesenvolvidos, o menor esforço de equipamento
acarreta um transtorno mais que proporcional, uma ruptura geral de
um equilíbrio instável. Basta a construção de algumas rodovias, como
a Panamericana, na América Andina, para desarranjar o equilíbrio
regional dos países que ela atravessa". Ora, o período atual caracteriza-
-se pelo brusco aparecimento dos meios de transportes rápidos, e em
grande escala, em um espaço ainda não modernamente organizado".
Essa "fragilidade" da regionalização é ainda mais aumentada pela
instabilidade histórica resultante da exploração colonial que os países
subdesenvolvidos sofreram e que superpôs vários tipos mais ou menos
efêrneros de organização do espaço. Tal instabilidade é máxima no caso
das atividades mineiras: cidades do Altiplano boliviano ou da Chapada
Diamantina brasileira. Mas ela é geral, mesmo quando não acarreta
um decréscimo urbano; no Brasil, Salvador, depois Rio de Janeiro e
posteriormente São Paulo organizaram, sucessivamente, uma porção
do espaço em seu próprio benefício; na China, o centro de atividades
do baixo Yang Tsé deslocou-se de Nanquim para Xangai etc. Estamos
longe do lento e seguro crescimento da região lionesa.
De um modo geral, o passado econômico dos países subdesenvol-
vidos, passado distante ou recente, é um passado irregular e cheio de
contrastes. Isso nos leva a enfatizar as distorções nas relações cidade-
-região, que atingiram seu grau máximo no período contemporâneo.
b. Distorções apresentadas
A introdução de certos elementos (incompletos) da economia
capitalista moderna nas estruturas tradicionais, associada à brusca
acentuação da pressão demográfica, ocasionou uma desagregação
das regiões urbanas, nos países onde estas já existiam, e a consti-

3. J. Cha poulie, Formationet évolution des réseaux urbains dans les pays de l'Amérique
ri andine, Bordeaux, DES, 1967.
M
H 4. Kayser, em P. George et al., La Géographie actiue, op. cit., p. 329.
ruição de "bacias urbanas" inorgânicas, nos países desprovidos de
passado urbano.
Em inúmeros países de velha civilização (Ásia Ocidental, Índia,
Ásia Oriental), o fenômeno regional não era desconhecido: a China
das dezoito províncias "era um país de forte organização adminis-
trativa local, com uma polarização de cada província em torno de
sua respectiva capital. Entre a cidade e a região, havia se constituído
uma solidariedade global":', especialmente em zonas isoladas, como
Sechuan, e essas estruturas foram suficientemente fortes para resistir
à revolução de 1949, que conservou as antigas províncias como cir-
cunscrições políticas. Mas haviam sido muito maltratadas quando da
"abertura" e, posteriormente, na época do "desmembramento" da
China, no fim do século XIX.
Pode-se pois afirmar, de forma bastante paradoxal, que a integra-
ção regional, fundamentada então no comércio e nos serviços, era
mais forte que hoje, quando os fluxos econômicos são, no entanto,
mais importantes.
De fato, essa solidariedade global entre cidade e região era o re-
sultado da fraqueza industrial. A implantação irregular de indústrias
>
determinou uma especialização regional, portadora de heterogeneida- o

de. O crescimento de grandes cidades com atividades diversificadas, "


>

como Xangai, São Paulo ou Casablanca, originou a destruição da


"
m
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solidariedade regional, ao mesmo tempo que fez progredir a integração


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do mercado nacional. ..,
Z

o
::o
Entretanto, na medida em que as atividades tradicionais subsistem z
O
ao lado do setor moderno, a maioria das metrópoles regionais conser-
vou certa influência de natureza política e econômica sobre sua região.
Na verdade, existem dois circuitos de produção e de consumo urbanos.
'"c:
O circuito moderno, apoiado na economia internacional que lhe traz III

"rn
capital e técnicas, é pouco criador de empregos e grande criador de '"m
Z
<
or-

-"
-e

o
5. Chamamos de "solidariedade global" as relações bilaterais estabelecidas entre a
cidade e sua zona de influência, esta última não podendo escapar à influência da
cidade em nenhum tipo de relações.
riquezas, ao menos em aparência, e acha-se quase totalmente desvin-
culado da região. O circuito tradicional, ao contrário, está vinculado
às inversões endógenas e exerce demanda sobre as produções regio-
nais: mantém com elas, de forma bem natural, uma certa integração;
desenvolve-se em função do crescimento demo gráfico e do êxodo
rural, que renovam uma população conservadora de hábitos de vida
(costumes alimentares, vestuário etc.) próximos ao do mundo rural,
por ser incapaz de participar completa e frequentemente de um tipo
moderno de consumo.
c. Características ligadas ao papel funcional da cidade no espaço
subdesenvolvido
Adotamos aqui as categorias estabelecidas por Nicole Lacroix e
Michel Rochefort, de acordo com a análise realizada pela Orstom
sobre as. relações cidade-campo nos países tropicais".
• Na medida em que a área circundante da cidade é quase exclusi-
vamente agrícola, a cidade deve ser considerada, antes de tudo, como
um "elemento de penetração da economia moderna e industrial nos
meios agrícolas, com predomínio do autoconsumo".
Nos países subdesenvolvidos essa penetração apresenta um cará-
ter particular, resultante do conteúdo das trocas. Frequentemente, a
economia rural é bissetorial, associando uma atividade tradicional
produtora de víveres com produções ditas coloniais, "exportadas em
bruto e submetidas às associações do mercado financeiro internacio-
nal". A associação pode ocorrer num mesmo território ou pode, ao
contrário, determinar uma divisão do espaço (o que ocorre muito mais
raramente); em ambos os casos, a cidade desempenha em relação à
sua região uma dupla função de centro consumidor de víveres e de
etapa entre as áreas produtoras de matérias-primas e as metrópoles
industriais, nacionais ou estrangeiras, ou entre estas e o consumo da
população regional.

6. M. Rochefort e N. Lacroix, "Intérêt de l'étude des relations entre les villes et les
campagnes dans les pays en voie de développement (document préliminaire)",
Bulletin de Liaison, Sciences Humaines, 1, 1965,31 p. (Orstom; difusão interna).
Ao funcionar apenas como etapa, a cidade é incapaz de desempe-
nhar um papel de centro regional autônomo, uma vez que acaba lhe
escapando a parte essencial do controle das atividades da área que
deveria dominar, em proveito das metrópoles industriais: as capitais
portuárias da Ásia ou da África, ao drenarem seu interior através de
uma estrada de ferro ou de uma rodovia, meras prolongações terrestres
das linhas marítimas, muitas vezes nada mais são do que pontos de
ruptura de carga.
Por outro lado, a industrialização é um fator imediato de inte-
gração, desde que sua diversificação e seu grau de tecnologia sejam
suficientes para evitar que seja vítima de uma evasão, frequentemente
fatal, principalmente quando se trata de indústrias de exportação, que
ainda constituem uma porcentagem considerável da atividade secun-
dária dos países subdesenvolvidos. Ou, desde então, que se acentue
a importância das indústrias de equipamento que respondam a uma
demanda interior maciça e estável; neste caso, porém, acentua-se o
problema do financ;iamento, assim como o da rentabilidade, de vez
que somente uma cadeia de indústrias complementares (setor energé-
rico, siderurgia, química de base, maquinaria) é capaz de assegurar >
um preço de custo aceitável e a almejada independência econômica. (')

o
>
Na falta disso, um início de integração regional reside no fato de que t:i
t11

toda grande cidade de país subdesenvolvido constitui um mercado t11

'"
t11

consumidor regular de gêneros alimentícios de primeira necessidade: c:

ela organiza, bem ou mal, seu aprovisionamento, construindo uma


rede de comunicações que ela mesma polariza (exemplo recente de
Brazzaville)". Se o campo, tanto por seu nível técnico quanto por
suas estruturas sociais, está em condições de responder à demanda
urbana e se a defasagem entre a oferta e a procura não é grande, a
-o
r.n
c:
integração progride. Ao contrário, se as condições do crescimento lJl
o
t11

demográfico urbano e a estagnação econômica rural são tais que se faz '"
t11

Z
<
necessário recorrer a produtos importados em grandes quantidades, or-
-e
o
o

7. M. Vennetier, op. cito


desencadeia-se uma evolução regressiva e a cidade torna-se cada vez
mais dependente de fora e cada vez menos capaz de polarizar a região.
A modificação dos hábitos alimentares, especialmente nas cidades ex-
-coloniais da África, onde foi mais visível o "efeito demonstração",
acelera o processo de desintegração regional ou, ao menos, o facilita.
• Na medida em que, nos países subdesenvolvidos, o êxodo rural
alcança dimensões e uma rapidez sem precedentes, as migrações cons-
tituem um elemento primordial das relações cidade-região e têm como
características principais o fato de que se dão praticamente em sentido
único, e isso em uma "bacia urbana" que não coincide necessariamente
com a área de influência econômica da cidade.
Esse espaço é geralmente limitado: assim, em Salvador, em 1962,
75% dos imigrantes eram originários do Recôncavo"; da mesma for-
ma, em Saigon, os imigrantes são na maioria refugiados do delta do
Mecong; o mesmo ocorre na planície do Ganges", Mas os imigrantes
podem também proceder de áreas bem distantes.
• A cidade é consumidora de mão de obra, bem como da renda
da terra; mais adiante insistiremos nesse ponto. Nenhuma medida
precisa parece possível quanto a esse aspecto, mas é necessário que
se evite subestimar sistematicamente esse fator. No que diz respeito à
arrecadação fiscal, as cifras que possuímos mostram, em todo caso,
que o imposto sobre a renda é proveniente principalmente das grandes
cidades (na Turquia, 600/0 desse imposto é fornecido por Istambul,
Ancara e Esmirna) 10.
• Finalmente, nos países subdesenvolvidos as cidades desempenham,
em relação às suas regiões, o papel de centros de serviços. A acessibili-
dade desses serviços, porém, é espacial e socialmente restringida pelas
dificuldades das comunicações e pelo custo dos próprios serviços.
c
'"
'.)

::;
7-:
8. J. Beaujeu-Garnier,"As Migrações para Salvador", Boletim Baiano de Geografia,
< (7-8), 1961-1962.
::E
9. Ph. Hauser, op. cito
10. M. Rivkin, Area Deuelopment for National Growth: The Turkish Precedent, New
York, Praeger, 1965.
d. A assimetria das trocas
Nos países subdesenvolvidos, a característica menos discutível das
relações da cidade com seus arredores é a ausência de organização
coerente, tal corno concebida no Ocidente. Essa forma de organização
se encontra tanto nos países novos, sem tradição urbana, quanto nos
países de urbanização antiga, onde o equilíbrio regional tradicional
foi destruído. Isso é decorrente da astenia, mas principalmente da
assimetria das trocas, que determinam "espaços de consumo" que
conservam um poder de compra reduzido: daí a dificuldade de toda
tentativa de regionalização.
Por outro lado, segundo o nível das trocas, os tipos de relações
cidade-região são muito diferentes, isto é, se elas se prolongam ou não
até escalas inferiores à do "centro regional".
Por último, as funções urbanas e a extensão da área de influência
variam consideravelmente segundo o nível social dos usuários de
tais serviços, se bem que frequentemente se está em presença de dois
circuitos de coleta e de distribuição.

>
I'l
IO.I. GRAU DE INTEGRAÇÃO E TIPOS DE RELAÇÕES CIDADE-REGIÃO
"
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"
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A procura de uma divisão regional adequada é uma das maiores m
'"m
preocupações do geógrafo e do planejador. Toda região sendo por c::
111
Z
definição um espaço polarizado, o melhor critério deveria provir da ...,
o
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análise da zona de influência urbana. Z
o
Ora, sucede que, no caso dos países subdesenvolvidos, a famosa
indissociabilidade entre a cidade e seus arredores é, no mínimo, discu-
-o
tível. Assim, uma tipologia apoiada no modelo de função exerci da por (f)

c::
cada "metrópole" em relação a cada "região" pressupõe a existência. O:>
o
111

de um grau de integração que, na realidade, raramente ocorre. Uma


(f)

tn
Z
<:
tipologia das relações cidade-região tomará, pois, por critério o grau o
r-

de integração e não o tipo de função dominante, sendo a integração -oo


<

tanto mais completa quanto mais complexos e diversificados sejam


os vínculos.
a. o grau de integração
Geralmente se exagera a importância do centro sobre a sua "re-
gião", já que ela parece facilmente mensurável em termos geográficos
e, além do mais, as delimitações satisfazem ao espírito ... ll
Existe ainda indissociabilidade entre a cidade e a região, assim
como, por exemplo, nos primórdios do capitalismo? A pergunta parece
tão válida nos países industriais como nos países subdesenvolvidos.
A evolução da economia internacional nos últimos vinte anos
ocasionou o arrefecimento da importância da noção de perfeita indis-
sociabilidade. Numerosas são as cidades sem região. Na origem dessa
mudança se acham o desenvolvimento, atualmente bastante rápido,
dos meios de transportes nos países subdesenvolvidos, e a divisão das
decisões "estruturadoras", por causa da ausência de multipolaridade
industrial. A "solidariedade global" cede lugar a uma convergência,
sobre um mesmo espaço, dos resultados de decisões de diversas or-
dens, tomadas em diferentes lugares e tendo consequências espaciais
também diferentes.
b. Consequências metodológicas
O questionamento da indissociabilidade cidade-região obriga,
para fins analíticos, a tomar a cidade e a região como dois organismos
econômicos distintos. Consequentemente, não só o estudo dos equi-
pamentos (dos quais não se sabe frequentemente com que intensidade
são utilizados) mas também o dos fluxos são insuficientes, pois relações
maciças (de ordem demográfica, por exemplo) entre a cidade e o campo
não significam uma integração avançada: tivemos mesmo ocasião de
constatar que o inverso ocorria frequentemente.
Praticamente é preciso começar pela apreciação do grau de com-
plementaridade entre esses dois organismos, o que consiste em medir a
porcentagem da atividade urbana dependente, direta ou indiretamente,
da atividade da região, distinguindo-a da porcentagem de atividade
induzi da e da porcentagem ligada às trocas com o "estrangeiro".

11. B. Kayser, Séminaire CNRS sur Ia régionalisation au Brésil, Bordeaux, 1968


% (cornrnunication).
H
Em seguida, é preciso fazer intervir o nível de vitalidade econômica
dos dois conjuntos e a real intensidade das trocas e, posteriormente,
um determinado número de variáveis consideradas independentes
para fins analíticos, tais como a importância da população urbana em
relação à população regional, a densidade demográfica e o tamanho
da região, a antiguidade do fato urbano.
Finalmente, o grau de integração regional resulta da interferência
de elementos econômicos - e outros mais ou menos espontâneos - e
do elemento "voluntário" constituído pelas estruturas político-
-administrativas. Tomemos o exemplo da pequena cidade de Kinkala,
estudada por A. Auger+'. Em razão da rede de comunicações com
predomínio Este-Oeste no Congo-Brazzaville, o departamento do qual
Kinkala é a capital está quase totalmente polarizado por Brazzaville;
no entanto, a presença de algum equipamento (hospital) na capital
departamental ocasionou a criação de uma rede de estradas radiais e
de um tímido esboço de regionalização que serve às pessoas mesmo
quando prescinde das mercadorias.
c. Os tipos de regiões
Regiões integrais >
Trata-se de um tipo hoje praticamente mais teórico que real; o
o
>
supõe um nível de trocas quase nulo da cidade com o que está fora
"
t'tl

da sua região; corresponde, aproximadamente, à situação das cida- tT1

des continentais mais tradicionais, como Srinagar, no Kashmir, ou


'z"
Catmandu-Bhatgaon-Patan (núcleo tríplice), no Nepal. Nesses casos o-j
o
a solidariedade global é máxima, o setor secundário inexistente (salvo z'"
o
o artesanato) e as trocas regionais, efetuadas sobre curtas distâncias, m
~
são bastante intensas para animar a vida do polo urbano. :;::

Zonas não completamente polarizadas


-
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o

c
Algumas cidades bastante grandes, como Salvador, Recife e For- ~
o
tT1

taleza, no Brasil, exercem um comando incompleto sobre suas áreas '"t'tl


Z
de influência, face ao que B. Kayser chama de "bacias urbanas". Por <
o
r'

-
<
o
o

12. A. Auger, Les Centres urbains secondaires au Congo Brazzauille, Brazzaville, Ors-
tom, 1966,42 p.
sua própria natureza, esses laços não são bastante fortes para impe-
dir a influência de São Paulo - cidade economicamente muito mais
moderna - de interferir em "suas" regiões.
Em menor escala, algumas cidades que comandam uma pequena
região agrícola mais ou menos homogênea polarizam o essencial da
atividade propriamente produtiva do "seu território". É o caso de
Ilhéus-Itabuna, centro regional bicéfalo da região produtora de cacau
do sul da Bahia. Mas, nesse caso, as condições históricas desempenham
um grande papel".
No caso de capitais incompletas, é frequente que surja um início
de especialização espacial entre um porto, capital econômica, e uma
capital política, situada frequentemente no interior do território:
Guayaquil-Quito (Equador), Alexandria-Cairo (Egito), Casablanca-
-Rabat (Marrocos) etc.
Zonas francamente polarizadas
É o caso mais geral nos países subdesenvolvidos. Pode correspon-
der a situações concretas muito diversas, seja uma débil urbanização
geral e um fraco nível de atividade econômica em que o espaço é quase
indiferenciado, os fluxos não são importantes, nem numerosos, nem
densos (Amazonas, sul do Maranhão, Llanos de Apure na Venezuela);
ou, quando há densidade de população e um índice de urbanização
bastante fortes, a atividade é voltada principalmente para a especu-
lação, sem proporcionar uma divisão do trabalho mais acentuada.
Cidades sem região
Numerosas nos países subdesenvolvidos, em geral elas são fruto
da implantação de atividades modernas em um meio tradicional ou
-c de acontecimentos históricos excepcionais; trata-se frequentemente
de cidades de função dominante. Algumas são portos, heranças do
período colonial, como Hong- Kong, Cingapura, Tânger, Panamá:
continuaram vivendo de sua tradição de portos livres e, para substituir
o mercado colonial - do qual ficaram mais ou menos privadas -, às

o"t 13. M. Santos, "La culture du cacao dans l'état de Bahia", Cahiers d'outre-mer, 16
1-4 (64):360-378, oct.-déc. 1963.
suas atividades comerciais juntaram-se atividades industriais. Outras
se mantêm com uma função puramente comercial. Outras se dedicam
à atividade do contrabando, recentemente mascarado com a criação
de zonas francas, como as que se encontram na ilha de Margarita,
na Venezuela, ou em Curaçao (onde esta atividade se associa a uma
atividade petrolífera); outras são cidades da rodovia ou da ferrovia,
de crescimento brutal, como a cidade de Governador Valadares, em
Minas Gerais, que cresceu 1 1290/0 entre 1940 e 1960, conquistando
o lugar de centro regional devido à sua situação de entroncamento
entre a ferrovia Este-Oeste de Minas e a rodovia Rio- Bahia.
Alguns centros industriais situados no interior do território - como
Ciudad Guayana (Venezuela), Jamshedpur (Índia), Volta Redonda
(Brasil) - desempenham um papel bastante análogo. Por outro lado,
as capitais de nova implantação têm por função precisa organizar o
espaço que as rodeia; no caso de países vastos, porém, sua área de
influência "oficial" ultrapassa a região limitada com a qual elas podem
manter estreitas trocas, de forma que uma antiga capital, como Lima,
que esvaziou seus arredores por absorção demográfica, é, em certo
sentido, uma "cidade sem região", a menos que se considere o país
como sendo a sua região. Mas uma capital pode viver sem integração
regional completa, o que não ocorre com uma metrópole econômica:
por essa razão, é possível deslocar, mediante um ato oficial, a função
'"m
c:::
política de uma cidade para outra. m
Z
Última característica de tais cidades: conhecem um crescimento >-l
o
~
mais rápido que as demais; é nelas que se pensa quando se fala de z
o
cidades-cogumelo, como as cidades do petróleo ou dedicadas à in-
dústria da pesca, no Peru; de fato, são, às vezes, corpos estranhos de
rápido crescimento, o que não significa que esse crescimento lhes seja tn
c::
forçosamente danoso. tlj

o
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r.n

d. A noção da cidade-região m
Z
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Aprofundando a análise, cabe perguntar se algumas cidades man- or-
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,..,
têm consigo mesmas um tipo de relação idêntica à que manteriam com o
o
sua região nos países desenvolvidos. Com a existência das favelas na
paisagem urbana, diz-se, frequentemente, que o mundo rural pode H
...j::..
H
estar na cidade sem que se possa falar, entretanto, de "ruralização
urbana"; frequentemente, o endividamento aí é geral, e os citadinos
subproletários podem não ser mais integrados no circuito monetário
que os rurais mais favorecidos. É um fato, porém, que se torna cada
vez mais raro.
Por ocasião de um colóquio sobre regionalização no Brasil!', M.
Rochefort e B. Kayser chegaram a um acordo em relação à importân-
cia da atividade induzida das cidades nos países subdesenvolvidos:
"OS equipamentos (das cidades) podem estar, ao menos atualmente,
apenas a serviço dos habitantes das cidades onde se encontram";
"Estudos precisos de economia urbana mostrariam, ao que parece,
que o dinamismo da cidade é atualmente, no essencial e em uma
economia aberta, o resultado de forças indutivas internas" (o grifo
é nosso);'
É o que ilustra o exemplo de Guadalajara: se Guadalajara vende
a outros estados 73,3 % dos têxteis e confecções que fabrica, é den-
tro da própria cidade que ela encontra um mercado para 20,3 % de
produção, enquanto o Estado de Jalisco lhe compra apenas 6,40/015•
Na indústria de calçados, a situação é parecida. Guadalajara con-
some 23,9% de sua própria produção; o Estado de Jalisco, 5,7%; e
outros estados, 70,4%. Essa produção se refere apenas aos calçados
para homens 16.
É evidente que as características acima enunciadas não são sufi-
cientes para assimilar a noção de região à realidade de certas cidades
dos países subdesenvolvidos.
Segundo B. Kayser!", uma região apresenta as seguintes carac-
terísticas:

14. Colloques sur la régionalisation au Brésil, Bordeaux, ONRS, 1968.


15. M. Santos, op. cito
16. Hélêne Riviêre-d' Are, "Guadalajara, Immigration et Zones d'Influences", Villes et
régions de l'Amérique Latine, CNRS e Institut H. E. de l'Amérique Latine, 1968
(Rapport de mission, RCP 147).
17. "La région comme objet d'étude de Ia géographie", em P. George et al., La Géo-
graphie active, Paris, PUF, 1964.
Os laços existentes entre seus habitantes [ ] englobando não somente as re-
lações mas também as características comuns, [ ] base [estas últimas] de notável
coesão espacial [...] Esses laços imprimem no espaço dado uma certa homogenei-
dade, porém não são suficientes para produzir uma região se não são criadores de
uma organização econômica e social.
Uma região se organiza em torno de um centro [...] A organização, tradução
concreta do fenômeno de regionalização, deve apoiar-se em um ponto, um "polo",
um "nódulo", e este é baseado nas atividades terciárias [...]
Uma região só existe como parte integrante de um conjunto. Consequentemen-
te, o terceiro grande elemento de definição da região não reside em seu interior:
provém do exterior ou, de preferência, refere-se aos seus vínculos com o exterior.
É sua função no conjunto nacional, às vezes no internacional, em uma economia
global. Espaço limitado, a região participa de um espaço mais vasto, [ela] se en-
contra dominada [...] ao mesmo tempo aberta e integrada.

Tentemos aplicar essescritérios às cidades dos países subdesenvolvidos.


Nas cidades dos países subdesenvolvidos, principalmente nas
grandes cidades, a organização do espaço habitado, do espaço de
circulação, do espaço funcional e das respectivas articulações está
intimamente vinculada às características das populações respectivas.
Cada estrato da sociedade urbana tem um comportamento próprio,
>
muito específico, especificidade que se transcreve no espaço de for- ()

CI
ma tanto mais clara quanto maiores sejam as diferenças do nível de >
o
m
vida. Voltaremos a esse tema quando estudarmos o espaço interno
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das cidades. m
c
m
As cidades dos países subdesenvolvidos - desde a menor à mais Z
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o
importante - encontram sua definição em relação com os vínculos
'z"
que mantêm com o exterior. As relações comandadas pela cidade em o
m
s::
sua área de influência são, em grande parte, dependentes da natureza, ~
m
da extensão, da importância e da intensidade dos vínculos acima o
C/)

invocados. O que nos permite falar de uma rede urbana mundial, e c


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tl
não apenas de cidades mundiais, é o fato de que a cidade participa m
(j)

de um espaço mais amplo, de dimensões mundiais. Por esta razão lhe Z


<:
o
•...
"escapa sempre [...] o poder financeiro e político, isto é, a capacidade <:
o
superior de decisão" , que está "deslocalizada", como na caracterização o

proposta por B. Kayser para a região.


r
!

Assim, segundo a citação de P. Carrêre ", que Kayser reproduz: "A


região (leia-se a cidade dos países subdesenvolvidos) nada mais é que
o instrumento ou o marco da dominação" .
A noção da cidade-região põe em discussão o próprio conceito da
região. O esforço de aproximação a partir de uma noção de região
escrupulosamente elaborada tem, mais provavelmente, um valor meto-
dológico. É importante assinalá-Io quando a noção clássica de região
começa a ser discutida por vários especialistas da análise chamada
regional. De resto, B. Kayser, em sua definição de região, levou em
conta essa constatação, na medida em que põe em relevo os fatores
de origem externa responsáveis pela formação e pela caracterização
do espaço:

Uma região constitui sobre a terra um espaço preciso, porém não imutável,
inscrito em um dado quadro natural e que corresponde a três características es-
senciais: os vínculos existentes entre seus habitantes, sua organização em torno
de um centro dotado de certa autonomia e sua integração funcional em uma
economia global. Ela resulta de uma associação de fatores ativos e passivos, de
intensidades variáveis, cuja dinâmica própria dá origem aos equilíbrios internos
e às suas projeções espaciais".

É impossível continuar sustentando o conceito de uma região geo-


gráfica modelada pela interação entre um grupo humano e um espaço
dado. Talvez seja melhor falar simplesmente de subespaços geográficos.
Mas as palavras terminam sempre por adquirir uma força própria, e
<: é totalmente compreensível que seja difícil abandonar um vocábulo
Z
<: enraizado a tal ponto que muitos ainda consideram a região como o
'"o<
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quadro específico de estudo dos geógrafos.
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18. P. Carrêre, citado por B. Kayser em P. George et al., La Géographie active, op, cit.,
p.306.
T 19. B. Kayser, "La région comme objet d'étude, em P. George et aI., La Géographie
T
active, op. cito
• •..1·
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11

CIDADES PREDATÓRIAS OU IMPuLsoRAs?

ecordemos a severa opinião formulada por Y. Lacoste a res-

R peito da cidade nos países subdesenvolvidos: "um polo de


subdesenvolvimento". Ele a explicita da seguinte maneira:
1. As cidades não são polos de desenvolvimento, uma vez que
não têm mais que "um tamanho irrisório em relação à amplitude e
à complexidade dos polos de desenvolvimento existentes nos países
desenvolvidos" . -o
('l

>
2. Exercem sobre seus arredores importantes efeitos de recessão, o
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V>

"constituindo-se no foco de difusão das melhorias sanitárias, que '"~


provocam a baixa da mortalidade e determinam o desencadear do 'o"
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crescimento demográfico". o-
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Após análise, pode-se chegar facilmente a um acordo sobre o pri- > i
V> ,
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o
meiro ponto: as cidades, inclusive as de grande tamanho, não exercem c: 'I
sobre sua região influências comparáveis às dos países desenvolvidos.
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Por outro lado, é certo que a "civilização urbana" ocasiona uma difu- C/) i
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são da higiene que não é acompanhada por um decréscimo das taxas :>
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de fecundidade. Mas, se o progresso econômico "não se difunde", a


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culpa não cabe às cidades, e sim ao sistema socioeconômico que as ~ '!
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criou. Quanto à acusação, que recai sobre elas, de bloquear o pro-


gresso rural, a questão merece ser analisada com atenção, para que
seja possível tentar a realização de um balanço; o conhecimento do
fenômeno é ainda muito rudimentar, porém alguns estudos, como os
que, a respeito destas questões, são realizados na África sob o patro-
cínio da Orstom, poderão ajudar a preencher essa lacuna.

I I. I. O CHAMADO PARASITISMO URBANO

Segundo alguns autores, o "parasitismo" é exercido em diferentes


sentidos, porém sempre em detrimento do campo. Estudando os di-
ferentes aspectos do fenômeno, veremos se essa afirmação é suscetível
de sofrer modificações.
a. Aspectos demográficos
Quantitativamente, a cidade quase sempre exerce uma forte
c absorção demográfica sobre o meio que a circunda. Essa absorção
pode constituir-se em um fator negativo se o campo já se encontra
despovoado. Isso será tanto mais verdadeiro se as pessoas mais em-
preendedoras forem as que procuram as cidades; os jovens partem
primeiro, enquanto a população rural envelhece; assiste-se, assim, ao
despovoamento de amplas áreas, como na África Central, por exern-
plo'. Assim, a cidade de Pointe- N oire atinge cem mil habitantes, ao
passo que sua região, em um raio de 150 km, só tem 45 miF.
Inversamente, pode-se supor que, nas áreas rurais superpovoadas,
o êxodo rural ocasiona um alívio da pressão demográfica; mas isso
significa esquecer que a noção de pressão é muito relativa: o Paquistão
oriental (hoje Bangladesh, no delta do Ganges), uma das zonas mais
densamente povoadas do mundo, conheceu apenas um êxodo rural

1. Ver: G. Sautter, De l'Atlantique au fleuve Congo, une géographie du sous-déuelo-


pement, Paris, Imprimerie National, 1966, 2 vols., 1103 p.; e diversos artigos de
M. Vennetier nos Cahiers d'outre-mer.
2. M. Vennetier, op. cito
muito fraco entre 1931 e 1951, passando a população urbana, no
referido período, de 2,7 a 4,40/0 da população total", O campo "sub-
povoado" conserva um grau de coesão rural muito maior.
Além do mais, grande número de cidades dos países subdesen-
volvidos não tem capacidade para absorver uma alta proporção de
imigrantes rurais. Collin-Dclavaud" calculou que, nos últimos vinte
anos, as cidades da costa norte do Peru só haviam absorvido 13% do
excedente demográfico rural.
Por último, convém relembrar que, contrariamente ao que se costu-
ma pensar, a área de recrutamento maciço frequentemente permanece
restrita: em Recife, 600/0 dos imigrantes procedem da Zona da Mata
(zona costeira); em Salvador, 75,5% provêm do Recôncavo (região
natural de cerca de 100 km de raio); na região de Madras, 900/0 fixam-
-se na cidade da qual depende seu lugar de origem.
b. Aspectos financeiros
De um lado, a cidade é a residência - ao menos temporária - do
grande proprietário, que aí gasta grande parte das rendas obtidas da
terra: o fenômeno é tão antigo quanto a própria civilização urbana.
De outro lado, por meio de suas companhias comerciais, de suas
instituições bancárias, da organização fiscal que nela tem sua sede, a
cidade realiza uma transferência coletiva da poupança. Ainda que se
trate de uma poupança limitada, pois a difusão da economia monetária
no campo superou, há certo tempo, grande parte dos mecanismos que
até então podiam ser encontrados, por exemplo, em certos mercados
africanos. Nestes, o citadino comprador de produtos rurais chega pela
manhã com uma importância em dinheiro, que ele recupera integral-
mente à tarde, depois de haver vendido ao rural produtos da cidade,
sem que fosse possível haver a menor capitalização rural. Geralmente,
o
os lucros dos comerciantes de produtos alimentícios não são excessi- c::

3. N. Ahmad, An Econornic Geagraphy af East Pakistan, London, Oxford University


Press, 1958.
4. C. Collin-Delavaud, "La côte nord du Pérou à Ia recherche d'une metrópole",
Annales de Géographie, (103):304-317, rnai-juin 1965 (Paris).
~ 1

VOS; sendo eles, porém, os únicos detentores de dinheiro em espécie,


desempenham frequentemente o papel de agiota e daí obtêm lucros
enormes, como na Ásias.
Balanços bancários, como o que pôde elaborar Collin-Delavaud para
o norte do Peru", mostram que os depósitos médios (141 milhões de
soles) são amplamente superiores aos dos empréstimos médios (96 mi-
lhões de soles): por meio de suas sucursais bancárias, a cidade absorve,
em proveito de suas atividades, a poupança rural. Por último, a exação
fiscal contribui para a drenagem da poupança rural; em um país como
a China dos princípios do século xx, ela alcançava enormes proporções
devido às sobretaxas e à prática do recebimento antecipado do imposto
(em 1933, em Sechuan, eram cobrados os impostos de 1971)?
Principalmente, porém, quando se trata de fundos obtidos das
produções minerais ou agrícolas especulativas, uma determinada
porcentagem da produção e da comercialização escapa ao controle ur-
bano: "deve ser muito elevada nas regiões de grandes plantações e nos
países pequenos?". As grandes companhias coloniais - a United Fruit
na América Central, os plantadores de Hevea no sudeste da Ásia - ex-
portam seus lucros prescindindo das cidades do país. Existem também
casos de curto-circuito em sentido inverso, no nível da distribuição:
assim, os camponeses mais privilegiados do Congo compram, através
de catálogos, produtos franceses, que recebem diretamente"; 4% da
renda anual da cidade de Kinkala são exportados dessa maneira, sem
vantagem nenhuma para o país.
Não se pode negar a existência de um certo parasitismo, mas, na
medida em que as trocas cidade-região são desequilibradas em bene-

5. J. Delvert,
Le Paysan cambodgien, Paris, Imprimerie Nationale, 1961, 747 p.
6. C. Collin-Delavaud, op. cit., p. 77.
7. L. Bianco, Les Origines de Ia révolution chinoise, 1915-1949, Paris, Gallimard,
1967, pp. 172ss.
8. N. Lacroix e M. Rochefort, "Intéret de l'étude des relations entre les villes et les
campagnes dans les pays en voie de développement (document préliminaire)",
Bulletin de Liaison, Sciences Humaines, 1, 1965, 31 p. (Orstom; difusão interna).
9. A. Auger, op. cit., p. 155.
jício da cidade, é preciso não esquecer que o peso relativo do campo
na economia nacional desses países está em constante diminuição.
Outros fatores que levam a esse aparente "parasitismo" encontram-
-se na frequente astenia das relações "cidade-região", assim como no
fato de que certas cidades experimentam um desenvolvimento autô-
nomo, apoiado em capitais estranhos à região.
As cidades são, portanto, menos predadoras do que frequentemente
se pensa. Mas será que elas desempenham um papel impulsor?

I 1.2. EM QU~ MEDIDA AS CIDADES SÃO OU TÊM CAPACIDADE

DE TORNAR-SE IMPULsORAs?

Também neste sentido, numerosas análises conduzem à minimiza-


ção da influência efetiva da cidade.
No plano financeiro, quando se pensa em grandes inversões, do
tipo da barragem de Assuã, é evidente que o capital urbano só de-
sempenha um ínfimo papel. A parte principal das somas necessárias é
constituída pelos créditos externos à região e à cidade, o que contribui
para acentuar mais fortemente a desintegração regional e, mesmo, às
vezes, nacional (o break-cf] da China, exemplo da repartição em áreas
de influência, ou a secessão nigeriana).
Por outro lado, a explotação, pela China, das potencialidades do "in-
vestimento-trabalho" para realizações de média importância (trabalhos de
irrigação, por exemplo) oferece um exemplo original e vitorioso de integra-
ção regional vinculada a tentativas, às vezessem êxito, de descentralização
econômica em pequena escala (a experiência das comunas populares).
Nas economias subdesenvolvidas (liberais), ao contrário, o capital
o
urbano é destinado mais às especulações a curto prazo que a inversões c:

industriais ou agrícolas a médio ou longo prazos 10.

10. Ver M. Santos, "Quelques problêrnes des grandes villes dans les pays sous-dévelo-
pés", Revue de Géographie de Lyon, 36 (3):197-218, mars 1961 (Lyon); J. Dupuis,
Madras et le nord du Coromandel. Étude des conditions de Ia vie indienne dans
1"
I

Não obstante, existe, em certos casos, um circuito de retorno: na


África tropical, por exemplo, ele é constituído pela poupança dos
trabalhadores urbanos que é enviada às suas famílias nas respectivas
regiões de origem; geralmente tais somas são dedicadas à compra de
terras. Em Kinkala 11, desenvolve-se uma colonização agrária por ini-
ciativa dos citadinos não residentes. Assiste-se, inclusive, a um retorno
à pequena cidade, a partir de Brazzaville: estes formavam 2 % do total
de imigrantes, em 1945; e 28%, em 1964.
No plano demográfico verifica-se, em certos países, a existência de
um êxodo urbano (muito relativo). O caso mais claro é o da China
Popular, onde o fenômeno resulta de uma política deliberada de forma-
ção de quadros técnicos rurais, que são mandados de volta ao campo
uma vez terminados seus estudos; esse movimento maciço é acompa-
nhado de uma intensa propaganda em favor da vida rural, realizada,
principalmente, nas universidades; o fato é ainda mais característico
quando se sabe que, nos países não socialistas do sudoeste da Ásia,
as capitais retêm a maioria esmagadora dos diplomados, enquanto o
resto vai se instalar no estrangeiro'".
Nos países de economia "liberal", às vezes se produzem fenômenos
da mesma ordem, ainda que de proporções mais modestas. Assim,
novamente no norte do Peru, a notável modernização da agricultura
açucare ira foi realizada pelas elites instruídas: "Constitui uma men-
tira afirmar que as elites saídas das faculdades emigraram para Lima,
agravando com isso a situação regional; em grande maioria elas vol-
taram às propriedades familiares, para cuja melhoria contribuem" 13,
escrevem Collin-Delavaud e Olivier Dollfus.
No plano dos intercâmbios econômicos, as cidades podem deter-
minar um crescimento rural de duas maneiras:

t.tl
o

un cadre géographique, Paris, Adrien Maisonneuve, 1960 (Librairie d'Amérique


et d'Orient).
11. Auger, op, cit., p. 157.
o 12. T. G. McGee, op. cito
~ 13. C. Collin-Delavaud, op. cito
Em escala muito pequena, as cidades funcionam como redistri-
buidoras; geralmente são os rurais, ao menos os mais privilegiados
dentre eles, que se dirigem à cidade para a realização de suas compras.
Às vezes, porém, se a cidade já atingiu uma dimensão suficiente e se
dispõe dos produtos industriais básicos de que a região necessita, ela
alimenta uma corrente de distribuição; assim, o petróleo bombeado
e refinado perto de Salvador pela Petrobrás é revendido a varejo em
todo o Estado.
Por outro lado, somente por sua presença, as cidades constituem
um mercado consumidor para a agricultura alimentar, na medida em
que os costumes alimentares de sua população se mantêm em seu
estado ou só evoluem lentamente. O campo circunvizinho reage de
forma bastante desigual às solicitações urbanas!",
Na economia planificada da China, foram obtidos excelentes re-
sultados nas comunas populares hortícolas dos arredores de Pequim
ou de Xangai!'.
Nas áreas onde as comunicações são insuficientes (Mdhya Pradesh,
na Índia), ou onde as técnicas são rudimentares (região de Madras),
não existem cinturões hortícolas nem de culturas alimentares.
Em torno de Salvador, ao contrário, esboçou-se um desses cinturões,
graças à instalação de colônias de imigrantes do vizinho Estado de
Sergipe, de imigrantes italianos e de imigrantes japoneses. Ele existe
também, há muito tempo, em Bangalore, no sul da Índia!", assim como
nas cidades nigerianas, onde são os habitantes da cidade que traba-
lham a terra, segundo um sistema singular de trabalho temporário'";
aí, as culturas alimentares estão associadas à cultura do cacau; em
um raio de 40 km em torno de Ibadã, existem trezentos povoados em

o
c::

14. Ver M. Santos, "L'alimentation des populations urbaines des pays sous-développés",
Tiers-Monde, 8 (31):605-629, jul.-set.1967 (PUF).
15. R. Dumont, "Chine surpeuplé", Tiers-Monde Affamé, Paris, Le Seuil, 1966,314 p.
16. K. N. Venkatarayappa, Bangalore (A Socio-ecological Study), Bombay, University
of Bombay, 1957 (Sociology Series, 6).
17. R. A. Akinola, "The Ibadan Region", Nigerian Geographical [ournal, 6 (2):102-
115, 1963 (Ibadan).
que agricultores residem cerca de cinco dias, vindo passar o fim de
semana na cidade, que é a sede dos deuses tradicionais e dos cultos
cristão e muçulmano; é no povoado que se nasce e se vive, mas é na
cidade que se celebram as festas e se é enterrado.
Por isso, em determinadas condições, pode desenvolver-se um
começo de processo cumulativo que integra mais estreitamente cidade
,-
e regiao.
A economia urbana cresce à medida que as culturas alimen-
tares se desenvolvem, enquanto, por seu turno, as melhoras da
economia urbana beneficiam a economia agrícola. Nota-se uma
tendência à melhoria da produtividade, graças ao uso de melhores
fertilizantes e de melhores sementes. Além do mais, o crescimento
urbano, assim produzido, tende a drenar agricultores para a ci-
dade e a reduzir, portanto, o número de pessoas no campo. Desse
modo, há condições para que o lucro seja distribuído entre menor
número de pessoas.
Ao mesmo tempo que o nível de vida pode elevar-se no campo,
seguido de uma elasticidade maior na demanda de serviços e produtos
manufaturados, os rurais enviados à cidade entram mais facilmente no
circuito produtivo, e a própria cidade tem de aumentar sua produção,
já que deve fazer frente às necessidades de duas camadas de população:
uma classe rural mais privilegiada, capaz, portanto, de um consumo
diversificado e dependente de uma comercialização, mas também uma
classe de novos citadinos, quase totalmente integrados ao circuito da
economia monetária.
A população chegada à cidade faz crescer o volume de rendas e
o nível da produtividade urbana. Os rurais recém-transformados em
urbanos aumentam a monetarização do mundo agrícola, graças à ga-
rantia de um mercado em expansão e à perspectiva de uma evolução
técnica; dupla perspectiva que se abre sobre um aumento dos volumes
comercializados e dos preços.
Pode, assim, ocorrer crescimento urbano e crescimento da economia
rural, se o desenvolvimento das culturas alimentares obriga a cidade
a mudar, a realizar um processo de criação. Se ela apenas se limita a
drenar os capitais do campo, acaba por decrescer, porque as pessoas
irão comprar em outra parte.
A expansão das culturas alimentares é também causa de cria-
ção de cidades, ao passo que esse fenômeno é impossível com as
culturas comerciais. O algodão, por exemplo, é recolhido e trans-
portado diretamente ao porto, com destino à exportação. Por sua
vez, os produtos alimentares cultivados por pequenos agricultores
provocam a criação de muitas atividades. Na verdade, os pequenos
~.gricultores raramente possuem meios de transporte e geralmente
n.ío têm capacidade de servir-se dos meios modernos, por serem os
caminhões demasiado grandes. Produz-se, pois, automaticamente,
a criação de "cidades-entreposto". Trata-se de cidades não muito
grandes, como Santa Fé, perto de Buenos Aires. Zaida Falcón de
Gyves nos proporciona, em seu estudo sobre a cidade de Chilpancin-
go18,exemplos de "cidades-entreposto" no México: Tixtla, situada
a 12 km de Chilpancingo (capital de Guerrero), que recebe a maior
parte do aprovisionamento de verduras e legumes da região, além
de Zumpango e Chilapa.
Esse quadro de um crescimento harmônico pode parecer idílico e
irrealista. Múltiplos obstáculos se opõem, em todos os níveis, a esse
tipo de desenvolvimento. Não é menos verdade, porém, que apenas a
conservação e modernização das culturas alimentares permitem, em
economias ainda predominantemente agrícolas, um impulso para a
integração entre a cidade e a região.

II.3. RELAÇÕES CIDADE-CAMPO E ALTERNATIVAS ECONÔMICAS

É certo que as trocas entre a cidade e o meio que a circunda o


c
assemelham-se, com frequência, a uma drenagem em sentido único
dos recursos do campo; é também certo que o papel impulsor da

18. Z. Falcón de Gyves, Chilpancingo, Ciudad en Crecimiento, Ciudad de México,


Instituto de Geografía-Universidad Nacional Autónoma de México, 1969.
cidade é muito reduzido, especialmente quando é débil sua indus-
trialização: então, ela só distribui serviços, cuja acessibilidade per-
manece limitada.
Mas acusar as cidades de esvaziar o campo, e de enriquecer-se em
seu detrimento, equivale a superestimar sua importância e não chegar
ao âmago da análise. Na realidade, as cidades são intermediários bem
modestos. Os verdadeiros atores são as estruturas sociais e econômicas.
Não é correto transpor, em termos geográficos, uma oposição e uma
explotaçâo que são, antes de tudo, de natureza social, uma vez que os
citadinos não vivem da exploração dos camponeses, sendo igualmente
explorados pela mesma estrutura de dominação.
Pense-se no caso da Venezuela, país urbanizado em mais de 70 %
e que, no entanto, continua subdesenvolvido. É certo que as cidades,
no atual contexto internacional, são lugares de fixação das atividades
econômicas das potências imperialistas. Mas não devemos esquecer
que, apesar de todas as diferenças que possam existir entre o que
chamamos de Ocidente e o que chamamos de Terceiro Mundo, é im-
possível, nas condições 'atuais da economia internacional capitalista,
iniciar um processo cumulativo de crescimento regional ou nacional
sem a presença de um polo de concentração demográfica e industrial.
Uma vez reconhecido o fato urbano como realidade, o problema
de fundo aparece. Ele atua sobre a política geral de qualquer país do
Terceiro Mundo. Será preferível favorecer um forte e rápido cresci-
mento urbano e industrial? Esta foi a solução adotada por Stalin, mas
a URSS não apresentava um problema demográfico verdadeiramente
angustioso. Ou será preferível limitar o crescimento para permitir
apenas uma evolução progressiva do equilíbrio do emprego e do
equilíbrio cidade-região? Parece ser esse o caso da China, onde a
doutrina oficial continua sendo "a agricultura como base, a indústria
~ como dirigente".
.0
O problema de saber se a manutenção de um forte setor agrícola é
rentável, ao menos de imediato, depende de uma análise profunda da
situação específica de cada país, levando-se em conta, especialmente, a
porcentagem da população agrícola em relação à população total (as
soluções podem não ser as mesmas na Ásia e na América Latina) e as
possibilidades de desenvolvimento autônomo de indústrias nacionais.
O imperativo da harmonização das relações cidade-região nos paí-
ses subdesenvolvidos não pode decorrer de considerações sentimentais
ou "estéticas", mas sim de uma alternativa econômica.

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12

As REDES URBANAS NOS PAÍSES


SUBDESENVOLVIDOS

INTRODUÇÃO

té aqui temos tratado as cidades considerando-as individu-

A almente ou em suas relações com seu entorno. Na realidade,


as pesquisas feitas na perspectiva do acondicionamento do
território mostram que, quando se quer conhecer a realidade viva da
>

c::
economia urbana, é preciso considerar o conjunto das células urbanas ::o
tJl
>
de uma dada região, assim como o organismo que elas formam no país. Z
>
'"
A noção de rede urbana, elaborada por geógrafos e urbanistas, z
o
exprime, no espaço, um jogo de fatores de natureza e de intensidade '"
-,'"
"C
>
diferentes, que se combinam de forma variável no tempo. '"'"
Admitindo-se, porém, a definição precisa de P. George - "para '"c::
ti:

que exista rede urbana, é necessário discernir diversas relações que o


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'"
m
estabeleçam conexões funcionais permanentes entre os elementos ur- Z
<:
oe-
banos da rede e entre eles e o meio rural"1 -, será possível encontrar <
o
o
'"

1. Pierre George, PYén.~(!e g(;üg1'aphie urbaine, Paris, PUF, 1964, p. 280.


tais condições nos países subdesenvolvidos? Em caso negativo, será
possível encontrar um ou vários tipos de organização daquilo que se
pode chamar de complexo urbano ou sistema urbano, para distingui-Io
da noção de rede elaborada, segundo a análise da organização urbana
dos países industriais?
É preciso reconhecer que, até o presente, entre os inúmeros estudos
regionais, muito poucos se dedicaram a analisar de perto os sistemas
urbanos em meio subdesenvolvido.
As considerações que se seguem serão, pois, mais de ordem meto do-
lógica que descritiva; a questão essencial continuará sendo a de saber
se os tipos, a gênese, a evolução e, principalmente, o funcionamento
da organização urbana obedecem ou não a esquemas análogos aos
dos países desenvolvidos.

12. I. TRAÇOS GERAIS DA ORGANIZAÇÃO URBANA NOS

PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS

Uma visão geral da questão permite distinguir algumas caracterís-


ticas evidentes, devidas ao próprio subdesenvolvimento, na medida
em que este se caracteriza pela debilidade e, principalmente, pela
fraca complexidade das relações de troca, assim como pelas fortes
disparidades regionais.
a. "Redes" pouco desenvolvidas
Para começar, elas são pouco desenvolvidas em seu traçado: se
é possível, mediante uma visão sumária, basear a análise na rede de
vias de comunicação, observa-se que as redes lineares ou em espinha
de peixe ocorrem com frequência, enquanto as transversais são bas-
tante raras, como é o caso, por exemplo, da África tropical. A essa
'"c
simplicidade de traçado responde uma fraca densidade da "rede" de
cidades, relacionada seja com o "subpovoamento" do país, seja com
a sua "suburbanização"; a distância entre os centros urbanos é, ao
mesmo tempo, sinal e causa da fraqueza das trocas.
B. Kayser- afirma que a formação das redes urbanas nos países
subdesenvolvidos enfrenta sérios obstáculos, "um dos quais refe-
rente à própria estrutura da economia: os fluxos recaindo apenas
sobre a coleta de produtos brutos e a distribuição de alguns tipos de
produtos acabados, a vida urbana dos centros subordinados repousa
sobre um comércio elementar". Esses fluxos são, ao mesmo tempo,
pouco complexos e pouco intensos, principalmente nas regiões onde
a penetração da economia monetária é fraca. Daí a formação de redes
rudimentares, geralmente animadas por correntes comerciais intermi-
tentes, em virtude das más condições naturais (estação das chuvas),
mas principalmente em virtude de uma produção regional muito pouco
diversificada, que não permite uma atividade contínua.
Entretanto, essas regras gerais sofrem várias exceções: pense-se na
complexa rede ferroviária da Índia ou no sistema de vias férreas em
forma de estrela que irradiam de Buenos Aires, ou, ainda, na densa
trama rodoviária que tem como centro São Paulo.
b. "Redes" heterogêneas
Na escala de um grande país ou de um continente, as "redes ur-
banas" encontram-se mal ligadas entre si. Entre zonas de densidades
elevadas, aparecem "desertos urbanos" que nem sempre correspondem
às zonas menos densamente povoadas.
Outro obstáculo à formação de redes urbanas, apontado por B.
Kayser, consiste no "desenvolvimento de meios de transportes rápidos
e frequentes, dentro de um espaço ainda desorganizado". A revolução
dos transportes é acompanhada de uma transformação dos modelos z
o
ti>
de consumo, o que acarreta uma intensificação de certas trocas. Ca-
beria, porém, perguntar, a que conduzem essas transformações na ti>
rn
ti>

organização do sistema urbano. P. Camarata ' assinala que, na África Vl


c:
til

tropical, a economia comercial transforma-se no sentido de uma o


tn
tn
tn
maior concentração, de uma rentabilidade aumentada, que acarreta Z
<
"a supressão de certo número de pontos intermediários, que fazem o
r-
<
o
o
'"
2. Em P. George et aI., La Géographie active, Paris, PUF, 1964, p. 329.
3. P. Camarata, op. cito
com que a cidade perca grande parte de sua influência onde tais pontos
se localizavam". A distribuição também se concentra, por exemplo,
com "o surgimento da categoria dos caminhoneiros-comerciantes ,
com base em Dacar, que vendem seus produtos diretamente no vale
do Senegal". Poder-se-ia talvez modificar um pouco a opinião de B.
Kayser. O aparecimento dos transportes rápidos e de massa nunca se
produz em um espaço desorganizado, mas em um espaço organizado de
forma diferente, no quadro de uma economia tradicional, dependente
e, por isso mesmo, vulnerável.
c. "Redes" vulneráveis
É próprio das "redes" urbanas nos países subdesenvolvidos es-
tarem atualmente submetidas a uma sucessão de mutações muito
rápidas, que as fazem muito vulneráveis. Pareceu-nos, entretanto,
possível distinguir dois estágios, duas idades de organização, o pri-
meiro correspondendo a uma situação de tipo tradicional, e o segundo
a uma situação propriamente subdesenvolvida, segundo a definição
de Y. Lacoste".
Aparentemente, não existe coexistência entre esses dois tipos de
organização, mas sim desorganização de um em benefício do outro.
Basta o aparecimento de uma nova rodovia para desarranjar comple-
tamente a organização do comércio, por causa da grande debilidade
do equipamento em conjunto; a rodovia Panamericana e a rodovia
Norte-Sul brasileira desempenharam esse papel na América Latina;
uma vez mais, convém analisar em detalhe esses fenômenos de captura,
de curto-circuito: em certos casos, a organização tradicional mantém
uma vitalidade inesperada. Da mesma maneira, o desenvolvimento dos
transportes aéreos nos países andinos pôde desencravar regiões pouco
acessíveis no que respeita ao transporte das pessoas, porém ainda não
modificou de forma sensível os fluxos econômicos'.
Finalmente, a fragilidade da organização das "redes urbanas",
assim como as tensões aí reinantes, tem por origem a defasagem

o 4. Y. Lacoste, 0/1. cito



H 5. J. Chapoulie, op. cito
entre a aceleração da transformação das estruturas do transporte
e do consumo e o atraso na transformação das estruturas econô-
lllicas e SOCIaIS.

I 2. 2. A HIERARQUIA URBANA: GÊNESE E LIMITES

Algumas teorias, como a de Christaller" - elaborada na Alemanha


e utilizada também em outras partes -, dedicaram-se principalmente
a sistematizar a análise das relações entre as diferentes aglomerações
da rede urbana e apresentaram a imagem de relações simples de su-
bordinação sucessiva, imagem muito militar ... expressa por organo-
gramas em forma de sistema planetário, associando, em relações de
dependência hierárquica, astros, planetas e satélites.
Demasiado rígida e simplista, essa noção de hierarquia precisa ser
matizada, especialmente no que diz respeito aos países subdesenvol-
vidos, ainda que alguns dentre eles tenham conhecido, no passado,
uma organização hierárquica comparável e mesmo, às vezes, superior
à dos países industrializados no que se refere ao conceito de harmonia
hierárquica (Egito, China).
a. Gênese da hierarquia
Como nos países industriais, um fator de complexidade reside na
revolução dos transportes.
Nas áreas que já possuíam uma rede urbana anterior ao desenvol-
vimento dos transportes mecânicos (rede que se apoiava na circulação z
o
terrestre e fluviomarítima), a hierarquia era rígida e estritamente V>

."
>
ligada às condições naturais. A revolução dos transportes facilitou a
superação desses obstáculos e, segundo os casos, reafirmou as fun-
ções anteriores das antigas cidades ou desmantelou a antiga "rede",
transformando completamente a hierarquia. Porém nos países subde-
senvolvidos a revolução dos transportes foi importada do estrangeiro
-o
o
V>

6. W. Christaller, Die zentralen Orte in Süddeutschland, Jena, G. Fischer, 1933. g"


e realizou-se em benefício do imperialismo econômico dos países
industrializados, de forma que foi geral o desmantelamento, junto
com o paulatino deslizamento das cabeças de "redes" do interior até
a costa (caso da China, evocado anteriormente, mas também da Índia,
do Oriente Médio etc.).
Um movimento posterior, também de caráter geral, tendente a rea-
bilitar as antigas capitais políticas e a reanimar a economia nacional,
ocasionou uma nova modificação da hierarquia. Porém essa transfor-
mação de natureza política só é decisiva nos países que verdadeiramen-
te conseguiram desencadear um processo de desenvolvimento nacional
autônomo, sacudindo assim, de certo modo, a tutela estrangeira. Na
maioria dos casos, a hierarquia urbana continua flutuante, instável, e
reflete, até certo ponto, a luta entre a economia nacional e o domínio
econômico estrangeiro.
Nas zonas onde a urbanização é contemporânea ao desenvolvi-
mento dos transportes mecânicos, a estrutura atual da "rede" urbana
depende em grau muito maior das condições em que surgiu: nesses
casos, a hierarquia é mais propriamente colonial, tanto mais que o
domínio econômico é acompanhado de um domínio político que fixou,
no essencial, o aspecto da administração desses países e, consequente-
mente, a implantação geográfica dos serviços. Uma "rede" desse tipo,
que responde a objetivos estratégicos e especulativos, pode ser, ainda
que mais recente, mais estável que as precedentes.
Cabe considerar separadamente o caso da América Latina.
De fato, o desenvolvimento da "rede urbana" é aí quase sempre
contemporâneo ao do povoamento, e os impulsos econômicos, via
de regra, procedem desde sempre do exterior, e a tal ponto que a
introdução dos meios mecânicos marcou, sem dúvida alguma, menos
uma captura que uma brusca ampliação da evolução anterior. Nesse
caso, os fenômenos característicos consistem em capturas facilitadas
pelo recente desenvolvimento da rede viária e da aviação, parale-
lamente a novas tentativas de integração das economias nacionais
ou mesmo continentais.
b. Aspectos da hierarquia
J. Chapoulie? (44) distinguiu centros de diferentes níveis na Amé-
rica andina:
• Centros locais dotados de mercados semanais, possuidores de
um equipamento escolar e sanitário básico e de armazéns de abaste-
cimento para a região circunvizinha, às vezes dotados de eletricidade,
sendo com frequência centros de um território agrícola ou pontos de
ruptura de carga entre uma rede de estradas e um meio moderno de
comunicação (como Pirampiro, no Equador, ponto final de um ramal
da rodovia Panamericana e centro de um vale de montanha).
• Centros sub-regionais, de dez mil a vinte mil habitantes, de
função administrativa desenvolvida (Sicuani, perto de Cuzco), porém
desprovidos de irradiação econômica.
• Centros regionais de vinte mil a oitenta mil habitantes, de função
administrativa muito desenvolvida, verdadeiros centros de descon-
gestão da capital, providos de pequenas empresas industriais, mas
que não chegam a polarizar verdadeiramente seu espaço (o porto das
Esmeraldas, no norte do Equador).
• Metrópoles regionais (Cuzco, Trujillo, as grandes cidades colom-
bianas etc.), sempre distantes da capital, possuidoras de um forte setor >
rn

terciário, cuja promoção, porém, realizou-se graças à indústria (assim,


como assinala Collin-Delavaud", Trujillo superou suas rivais Chiclayo
e Piura graças à concentração industrial que aí ocorre).
• Por último, as metrópoles nacionais, das quais trataremos mais
adiante. z
o
É certo que existe uma armadura desse tipo, mas ela levanta duas rn

.">
séries de problemas:
• Tal hierarquia realmente existe? Não se produzirão aí fenômenos rn
C

de curto-circuito em detrimento de certas categorias? Relaciona-se com o


""
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todas as classes de população? trt


Z
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o
e-
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o
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V>

7. ]. Chapoulie, op. cito


8. C. Collin-Delavaud, "La côte nord du Pérou à Ia recherche d'une metrópole", H

Annales de géographie, (103):304-317, mai-juin 1965 (Paris). $


.. ,.
• Qual é a importância real de cada nível de cidades? Existe real-
mente uma hierarquia ou, ao contrário, existirá um hiato que separa
metrópoles muito povoadas e ativas de centros regionais desprovidos
de vida econômica real?

I2.3. CRÍTICA DA Noção DE REDES HIERARQUIZADAS

a. A macrocefalia
A macrocefalia é uma noção relativa que faz aparecer a importância
demográfica e, sobretudo, a importância econômica de uma cidade em
relação à de outras cidade e à do conjunto do país. Entre os exemplos
mais típicos estão os de Lima-Callao, no Peru, e Bangcoc, na Tailândia.
Nesses países, que têm mais de dez milhões de habitantes, as capitais
são milionárias, mas nenhuma cidade de província ultrapassa muito os
cem mil habitantes. Estritamente, o termo deveria ser aplicado apenas
aos casos de redes monocéfalas, mesmo quando possam ocorrer casos
mais complexos (bicefalismo no Equador, por exemplo).
As cidades macrocéfalas representam geralmente uma porcentagem
elevada da população nacional, especialmente nos países subpovoados
e muito urbanizados da América Latina, onde o aspecto demográfico
da macrocefalia é bastante nítido: Caracas, Lima e Santiago represen-
tam, respectivamente, 20%, 200/0 e 250/0 da população total de seus
países, assim como 27,5%, 31,40/0 e 40,90/0 da população urbana.
Mas também se encontra o mesmo fenômeno na África (já em 1960,
as cidades do noroeste do Marrocos agrupavam 440/0 da população
urbana do país"), assim como no Sudeste Asiático, onde as cidades
"principais" têm, em cada país da zona, uma população ao menos
cinco vezes maior que a da segunda cidade respectiva 10.
A macrocefalia tende a acentuar-se devido à lei dos grandes núme-
ros e porque, "sendo a taxa de crescimento natural quase a mesma,

9. D. Noin, op. cito


10. T. G. McGee, op. cito
qualquer que seja o tamanho da cidade, quanto mais povoado é um
centro mais atrai para si os imigrantes de sua regiâo "!'.
Porém, nos países onde a porcentagem de população urbana é
ainda fraca, também não é desconhecido o fenômeno da macrocefalia,
como ocorre na Índia, já que são os aspectos econômicos do fenôme-
no aqueles verdadeiramente determinantes. As cidades macrocéfalas
caracterizam-se por uma concentração - mais que proporcional ao
total de sua população - das categorias sociais de alto poder aquisitivo,
assim como do equipamento e da atividade econômica.
No que diz respeito ao nível de rendas e ao nível de consumo, uma
cidade como Lima, que só tem 20% da população do Peru, abriga 500/0
dos assalariados e quadros médios do país e responde por 540/0 do
montante global do imposto sobre a renda, além de possuir 62 % dos
automóveis em circulação. Em Lomé (Togo), cidade dez vezes menos
povoada, as proporções são comparáveis. Em Bangcoc, cidade que
reúne apenas 8% da população da Tailândia, concentram-se 78 % dos
graduados universitários do país, 64 % dos médicos? 75% dos dentistas
etc. Vale salientar que um dos melhores indicadores da concentração
de uma população com alto poder aquisitivo é a porcentagem de au-
tomóveis; assim, quatro quintos dos veículos do Marrocos circulam
nas grandes cidades costeiras do noroeste.
A concentração do equipamento e da atividade industrial e dos
serviços é também um fato típico; quanto mais uma cidade se desen-
volve, tanto mais aí se desenvolvem as indústrias. No Peru, em Chim-
bote", a indústria acompanha com um certo atraso a urbanização; z
o
ela não a precede+'; no México, a região metropolitana da Cidade U>

do México agrupava menos de 200/0 da população do país e gerava


550/0 da produção industrial total, ao passo que na região fronteiriça (/)

c:::
o:>
do norte as porcentagens correspondentes eram 16 e 230/0; no resto do o
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(/)

país, 70 e 22 %. 'z"
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o•...
-e
o
o
U>

11. J. Chapoulie, op. cito


12. T. G. McGee, op. cit., p. 582.
13. O. Dollfus, Le Pérou, Paris, PUF, 1969.
A macrocefalia industrial é ainda muito mais clara em Lima (800/0
da cifra dos negócios industriais, excluídas as indústrias mineiras e
açucareiras); em Caracas, região central da Venezuela (750/0); em
Casablanca (600/0) etc.
Longe de estar em regressão, o fenômeno tende a acentuar-se, de-
vido à presença de uma força de trabalho continuamente aumentada:
em 1960, SanJuan de Porto Rico agrupava 750/0 dos empregos indus-
triais criados na década precedente; em Istambul" a proporção era de
510/0; quanto maiores são os índices de rentabilidade das inversões
industriais, tanto mais o fenômeno se desenvolve de forma cumulativa.
B. Kamian 15 estimou que as grandes cidades hipertrofiadas absorviam
entre 50 e 800/0 das inversões nacionais.
Além do mais, esses investimentos contribuem para reforçar, ao
mesmo. tempo, a capacidade de recepção e o poder de atração da
"macrocidade". Em Atenas, onde se concentra uma alta proporção
das rendas imobiliárias do país, efetuam-se 53,60/0 das transações
imobiliárias (em valor) e concentram-se 450/0 das novas residênciasl",
Finalmente, no que diz respeito aos fluxos de trocas - que são o
melhor indicador para a análise das "redes" urbanas -, as proporções
são da mesma ordem: Lima centraliza 750/0 do comércio peruano; San
Salvador (América Central), 77,40/0 dos lucros cornerciais'"; Casablanca
assegura três quartos do comércio exterior marroquino; Guayaquil,
53 % das importações do Equador. Nesse mesmo país, a linha Quito-
-Guayaquil, que liga as duas cabeças da "rede urbana", transporta
850/0 das mercadorias através de 340/0 do total das vias férreas do país.
Tivemos ocasião de afirmar que a macrocefalia resultava da realiza-
ção de um processo cumulativo. Por que atinge, porém, determinadas
cidades e não outras, mais ou menos próximas?

14. M. D. Rivkin, op. cito


15. B. Kamian, "Une ville de Ia République du Soudain: San", Cahiers d'outre-mer, 12
(47):225-250, juil.-sept. 1959 (Bordeaux).
16. B. Kayser, Géographie humaine de Ia Crêce, Paris, PUF, 1964.
17. J. Tricart, "Aspects de Ia géographie de Ia population au Salvador (Amérique
centrale)", Geográfica, (66):33-59, 1964 (Instituto Pan-arnericano de Geografia e
História, Rio de Janeiro).
Durante o período colonial, a administração centralizada e a con-
centração do comércio de exportação-importação fizeram da capital
o único organismo urbano dotado de serviços; porém a economia
internacional continua determinando sozinha a evolução da cidade, a
tal ponto que a rede interior de transportes é quase inexistente. Como
a população circula mais facilmente que as mercadorias, a capital
conhece um rápido crescimento demográfico.
No momento do desenvolvimento dos meios de transportes moder-
nos e do início do processo industrial, a capital, ou seja, a "macrocida-
de", pode conservar seu papel de cabeça nacional se sua importância
demográfica e econômica no começo do período é suficiente; porém
as oportunidades de acumulação multiplicadora são ainda maiores
se a metrópole industrial é também uma metrópole política: o poder
político da economia, a força política das elites, das classes médias
e, parcialmente, das massas monopoliza os recursos públicos e priva-
dos em detrimento do resto do país: o desequilíbrio que se instaura é
igualmente cumulativo.
b. Redes urbanas, bacias urbanas, dispersão urbana
A macrocefalia das metrópoles responde a fraqueza dos centros
imediatamente subordinados, de forma que a cadeia hierárquica às >
cn

vezes fica reduzida a um só escalão: "Na África ocidental cada ponto


da rede de relações está diretamente ligado à metrópole" 18. O mesmo
c:
ocorre em torno de Brazzaville!". Estamos em presença do fenômeno ::o
\:Xl
>
das "bacias urbanas", onde os efeitos de curto-circuito são a regra Z
>
cn
geral; em Toulepleu, centro semiurbano do oeste da Costa do Mar- z
o
cn
fim, o conjunto de produtos e mercadorias comercializados procede
_.
diretamente de Abidjâ-". O mesmo fenômeno pode reproduzir-se em CI>

'"cn
escala ainda maior: no Peru setentrional costeiro", recorre-se rapi- cn
c:
\:Xl
o
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CI>
m
Z
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18. P. Camarata, op. cito or-
19. Ver A. Auger, Les Centres urbains secondaires au Congo Brazzauille, Brazzaville,
Orstom, 1966; M. Vennetier, "La vie agricole urbaine à Pointe-Noire", Cahiers
-
<
o
ocn
d'outre-mer, 14 (53):66-80, janv.-mars 1961 (Bordeaux).
20. A. Schwartz, op. cito
21. C. Collin-Delavaud, op. cito
damente a Lima para qualquer serviço de certa complexidade, por
não haver Trujillo conseguido concentrar, por exemplo, atividades
diversifica das suficientes, uma vez que os meios de transporte são cada
vez mais rápidos: o escalão intermediário existe, porém nem sempre
pode responder às necessidades.
Alguns autores tentaram explicar a fraqueza dos centros inter-
mediários recorrendo a argumentos puramente econômicos, como a
existência de um limite entre dois tipos de equilíbrio:

à medida que aumenta a distância do serviço, diminuem as possibilidades de


frequentação e aumentam os gastos gerais com serviços. O equilíbrio que se encon-
trava, pois, assegurado com uma dada população para um dado serviço e com um
determinado raio de ação só se restabelecerá com um raio de ação sensivelmente
superior e com uma população muito mais importante",

Mas essa tentativa de explicação é insuficiente: é preciso fazer in-


tervir mais dois outros fatores: de um lado, os centros intermediários
nos países subdesenvolvidos se caracterizam sociologicamente pela
falta de uma burguesia empreendedora, dotada de capitais e disposta
a investir localmente; às vezes, essa burguesia é forçada a partir para
as maiores cidades. De outro lado, o Estado pouco se preocupa em
repartir geograficamente os investimentos.
A fraqueza do papel dos centros intermediários, assinalada ante-
riormente, juntam-se inúmeros argumentos que põem em dúvida a
validade da noção de rede hierarquizada nos países subdesenvolvidos,
dentre os quais podem-se enfatizar os seguintes:
A fraqueza da infraestrutura comercial e financeira é de tal ordem,
pelo menos na África, que frequentemente se é levado a estabelecer
a hierarquia levando em conta sobretudo o equipamento social e as
funções administrativas; o conteúdo efetivo dos fluxos econômicos
passa a segundo plano e obtém-se uma classificação formal que

22. M. Arnaud, "Urbanisme et technique de création du milieuphysique et humain", em


Journées smuh: urbanisme et coóperation, Poigny-la-Forêt, avril1965, pp. 89-100.
não pressupõe a existência de verdadeiros vínculos funcionais entre
essas aglomerações.
Em numerosos casos os organismos urbanos são indiferenciados
uns em relação aos outros, e cidades cuja população varia do simples
ao duplo, ou ainda mais, podem desempenhar exatamente as mes-
mas funções! existirá, nesse caso, rede hierárquica ou, simplesmente,
dispersão urbana.
As disparidades regionais são de tal forma que as cidades mais
equipadas são as que regionalmente dominam as áreas econômicas
menores (comparem-se São Paulo e Manaus).
Além do mais, essa noção de hierarquia não tem nenhum sentido
se não fazemos intervir os homens que são os donos desse poder de
comando, ou os utilizadores desses serviços: só a partir daí se torna
possível esboçar uma explicação em profundidade das características
das "redes urbanas" nos países subdesenvolvidos.
c) A rede urbana na perspectiva de uma economia bissetorial
Como foi exposto anteriormente, nos países subdesenvolvidos
existem dois circuitos de produção e de consumo, mais justapostos que
realmente concorrentes, exceto no nível das classes médias, por sua
vez pouco desenvolvidas. O circuito moderno liga-se à rede mundial
de intercâmbios devido à importância da importação e da exportação
em suas atividades. O circuito tradicional, ao contrário, é um elemento
de integração regional, na medida em que dispõe de capitais locais.
Geograficamente falando, em relação aos outros organismos da
constelação urbana a pequena cidade goza, pois, de uma autonomia z
o

funcional mais considerável que a grande cidade, "um poder criador
autossustentado e autônomo". Na grande cidade, o setor tradicio-
nal- que mantém estruturas do tipo de "pequena cidade" - tem esse '"c:
tIl

mesmo poder. Assim, em um mesmo espaço defrontam-se influências o


'"
Ul

de alcance e intensidade diferentes, de natureza quase distinta. É, '"Z


<
pois, impossível e inútil tentar determinar um espaço que dependa o
r-
<
completamente de uma dada cidade. o
o
Ul

Por outro lado, pelo fato de que cada cidade funciona como se
também pertencesse aos escalões inferiores da hierarquia urbana
(existem várias cidades na cidade), a concorrência entre os centros
urbanos manifesta-se em todos os níveis: em seu funcionamento, a
"rede" não seria resultante de um equilíbrio entre organismos urbanos
considerados como células autônomas que se contrapõem, como se
tendia a acreditar".
Existem, pois, segundo a categoria socioeconômica da população
urbana que se considera, "redes urbanas" muito diferentes, tanto mais
distintas quanto mais estratificada esteja a estrutura social da cidade:
na grande cidade, a classe privilegiada corresponde ao escalão de uma
rede que, em escala superior, vincula-se à rede mundial das cidades dos
países industriais, mas da qual as classes populares ficam praticamente
excluídas. Na pequena cidade, a população urbana e regional pobre
encontra a parte essencial dos serviços de que necessita, devido à sua
facies econômica e cultural (consumo, festas tradicionais etc.); ela os
encontraria também na cidade grande, mas não teria acesso a outros
de categoria superior, em virtude de seu fraco poder de compra; ao
contrário, o grande proprietário rural absenteísta, que toma o avião
para ir à capital, praticamente não encontra na pequena cidade nenhum
dos serviços de que necessita.
É preciso concluir que, para as massas pobres, não existe rede
urbana, ou mesmo que ela não existe em nenhuma circunstância (à
parte, é claro, a hierarquia administrativa), porque não existem ser-
viços acessíveis para além de um nível rudimentar, já que as relações
demográficas não bastam para elaborar uma rede de trocas. Ou então
que existe uma rede urbana imaginária, corolário do efeito demonstra-
ção, que leva as pessoas a se dirigirem para a cidade, onde acreditam
poder alcançar um nível superior de serviços; na verdade, na grande
maioria dos casos, mesmo que o seu poder de compra se eleve, elas
não podem chegar a esse mundo diferente.
O acesso a uma hierarquia de serviços seria um luxo reservado
aos ricos: daí a debilidade das redes urbanas nos países subdesenvol-

23. M. Santos, "Une nouvelle dimension dans l'étude des réseaux urbains dans les pays
sous-développés", Annales de géographie, 79 (434 ):425-445, juil.vaoút 1970 (Paris).
vidos. Mas, esta é uma afirmação que deve ser verificada mediante
monografias detalhadas.

I2.4. MODELOS DE ELABORAÇÃO E ENSAIO DE

TIPOLOGIA DAS "REDES URBANAS"

Depois de ter analisado um grande número de características das


redes urbanas, é necessário teorizar um pouco para apreciar, em seu
real valor, os fatores que intervêm na sua formação". Certos meca-
nismos de interação foram revelados através de estudos empíricos de
geógrafos ou de economistas e, apesar da extrema variedade de casos,
parece possível falar-se de "modelos", isto é, de comportamento stan-
dard dos diferentes fatores presentes. Na medida do possível, é preciso
tentar distinguir os fatores principais que determinam a formação e
a transformação das redes, os fatores secundários que determinam as
variantes, os "submodelos" no interior dos modelos.
a. Os fatores principais e sua combinação
Três elementos de base constituem a própria substância da orga-
nização das redes: as massas, os fluxos e o tempo. >
V>

As massas se decompõem em massa de população, sua densidade


e sua distribuição; massa da produção, sua distribuição e seu valor;
massa da poupança; massa do consumo e sua localização; massa do
equipamento, especialmente do equipamento em transportes.
Os fluxos: "O poder não pertence aos organismos que possuem as z
o
massas e sim aos que dirigem os fluxos". Por natureza, as "redes urba- V>

nas" são a expressão dos fluxos de população, das produções agrícolas -,


V>

'"
(fJ

e industriais e dos fluxos monetários de informação e de ordens. Em C/l


c:
lJj

particular, a população é não somente uma massa mas principalmente o


m
C/l

um fator gerador de fluxos, fato que convém ser ressaltado. '"Z


<
or-
<
o
o
V>

24. M. Santos, "Les modeles d'élaboration des réseaux urbains das les pays sous-
-développés", Bulletin de Ia Société de Géographie de Liêge, 4 (4):11-21, déc. 1968 H
"l
(Liege). H
-..
\

o tempo: é uma noção fundamental em geografia, que pondera


os dois outros critérios; fundamentalmente explica os fenômenos de
disparidade e faz sentir-se no domínio do equipamento, pelo grau
de arcaísmo da infraestrutura agrícola, industrial, dos transportes e
dos serviços, segundo as regiões, assim como pelo nível cultural da
população, encarado em sentido amplo.
As disparidades originam-se principalmente pela defasagem entre a
rápida evolução dos setores de transportes e comunicações (e do con-
sumo) e a evolução mais lenta do conjunto das estruturas econômicas
e sociais. Somente a industrialização é capaz de preencher esse fosso, já
que opera sobre o conjunto dos fatores anteriormente enumerados. A
natureza e o grau de industrialização são os responsáveis pelo tipo de rede.
Essa evolução imprime-se no espaço por uma luta dialética entre
tendências à concentração e tendências à dispersão.
A distância - que é física, mas sobretudo virtual, medida pelo tem-
po gasto no percurso ou pelo custo do percurso - pode ter um efeito
positivo, tornando possível a instalação de uma atividade rentável
em uma aglomeração distanciada. Mas essa distância virtual, esse
espaço-tempo ou este espaço-preço, tem uma natureza essencialmente
instável: uma melhoria dos transportes (material, rede), uma mudança
de tarifas podem modificá-Ia completamente. Essa é uma causa da
fragilidade das redes urbanas nos países subdesenvolvidos.
Face às transformações técnicas, uma ou outra cidade pode ser
mais ou menos capaz de adaptar-se, segundo concentre uma série mais
ou menos completa de funções; a configuração da rede modifica-se,
principalmente se todos os fatores de massa são atingidos. Segundo
o espaço de tempo deixado para a adaptação de outros centros mais
bem situados, uma cidade será ou não capaz de adaptar-se, de reagir
e de compensar a perda de uma parte de suas atividades.
Pode-se adiantar a seguinte definição provisória: uma rede urbana
é o "resultado de um equilíbrio instável de massas e de fluxos, cujas
tendências à concentração e à dispersão, variando no tempo, propor-
cionam as diferentes formas de organização e de domínio do espaço
pelas aglomerações".
b. Os fatores secundários da constituição das "redes"
Recordemos rapidamente alguns desses fatores.
O tamanho do país desempenha um papel importante, na medida
em que as trocas se estabelecem geralmente no quadro nacional (ver as
dificuldades de criação de mercados comuns nos países subdesenvol-
vidos, herança das divisões coloniais). Desse modo as redes têm mais
oportunidade de ser heterogêneas em um país mais vasto, ocorrendo
o contrário em uma área politicamente muito fragmentada, pois ela
geralmente não oferece oportunidade para a constituição de "redes"
viáveis (América Central ou Togo-Daomé, por exemplo).
A idade da colonização e do equipamento primitivo: os países cujo
equipamento foi anterior à era industrial tiveram tempo de constituir
"redes", modificadas segundo o ritmo das sucessivas revoluções dos
transportes, o que ocasiona disparidades e interferências. Os que
foram colonizados ou equipados posteriormente formaram uma rede
moderna, mais simples, porém geralmente concebida com um espírito
especulativo e estratégico: daí as grandes dificuldades surgidas quando
se tenta adaptá-Ia em benefício da economia nacional.
O sistema de governo: um regime federal favorece um sistema
multipolar; um regime centralizador favorece um sistema unipolar; >
V>

esse determinismo, porém, desaparece ante as exigências das grandes


correntes econômicas.
c
Uma rede pode apresentar maior ou menor homogeneidade em ~
tJ:I
>
decorrência da prática do sistema, isto é, se ele é dirigista ou se, ao Z
>
'"
contrário, adota o laissez-jaire, pois todo sistema dirigista tende a z
o
V>
planificar a distribuição geográfica da riqueza.
'">
Uma política comercial, protecionista ou não, influi enormemente
na estrutura das redes urbanas. Já assinalamos, em outro lugar, que '"C
tIl

uma rede urbana em um país protecionista mostrava tendência a o


m
'"m
reequilibrar-se em benefício das cidades do interior; uma rede é tanto Z
<
mais sólida quanto mais o seu funcionamento depende das condições o
r'
<:
criadas pelo país e para ele próprio. o
o
V>

Os tipos de atividade econômica: basta recordar o papel da indus-


trialização na fixação da rede urbana para verificar como é grande a
,-
!

sua importância, ao passo que as atividades puramente especulativas


(mineração, plantações) originam uma organização efêmera do espaço.
De fato, quanto mais uma economia é complexa e diversificada, tanto
mais estável tende a ser a rede urbana.
Por fim, as estruturas sociais funcionam como determinantes dentro
dos limites acima fixados. Em resumo, pode-se afirmar que os fatores
econômicos e sociais são os que dirigem a disposição das redes e lhes
conferem seus aspectos específicos.
c. Em busca de uma tipologia das redes
Não existem duas formas semelhantes de organização de células
urbanas em um mesmo país. A própria terminologia é imprecisa,
já que emprega com frequência dois termos indiscriminadamente:
sistema urbano e rede. O primeiro não pode ser aplicado a um país
nem o outro a uma região, de vez que, no caso de um país pequeno,
o sistema limita-se frequentemente a uma só rede; quanto à própria
noção de rede hierarquizada, já foi visto que deveria ser empregada
de forma bem mais limitativa.
Para estabelecer uma tentativa de tipologia, convém apoiar-se nos
critérios precedentemente especificados: época e condições técnicas de
formação; ritmo de adaptação; grau de disparidade, densidade e distri-
buição espacial; grau e tipo de polarização; existência ou não de macro-
cefalia; tipo de atividade dominante; presença, efetiva ou não, de uma
hierarquização com poderes de decisão; dinamismo das aglomerações
consideradas; dependência ou não do conjunto em relação ao exterior.
Até o presente, poucas análises têm sido dedicadas ao estudo
sistemático das redes urbanas. Para a África ocidental, P. Camarata "
identificou quatro tipos de redes de relações, segundo a adequação
de cada conjunto no quadro nacional: Dacar domina uma "rede"
multinacional que compreende o Senegal, Mali e Mauritânia, porém a
autoridade de Dacar só é incontestável na parte senegalesa da "rede".
"É válido pensar que tal situação resulta do processo de formação: a

25. P. Camarata, op. cito


rede de relações constituiu-se em torno de um eixo de comunicações
preexistente e, à medida que se desenvolvia, tornou-se demasiadamente
ampla para manter sua autoridade."
O segundo tipo é o de Abidjã: "A rede de Abidjã sofreu uma
evolução inversa, em virtude da época em que se constituiu: não foi
a ferrovia que provocou a organização regional, mas sim esta que, à
medida que se elaborava, provocou o desenvolvimento da ferrovia";
essa "rede" multinacional (Costa do Marfim, Alto Volta) encontra-se
muito melhor integrada.
Os dois outros tipos de redes são as de Cotonou e Conacri: a
primeira apresenta um tipo multinacional mal integrado e a segunda
um tipo puramente nacional, em consequência da natureza física e da
escolha política do país.
Na América Latina, J. Chapoulie" estudou "redes" muito mais
antigas que as da África, segundo o meio geográfico em que se im-
plantaram e a escala em que se considera o fenômeno:
• "Redes ~~das regiões costeiras: portos que mantêm relações de
tipo colonial com seu hinterland, se o porto é a cidade mais 'importante
do país, e que concentram a totalidade do desenvolvimento industrial
(casos de Maracaibo, Guayaquil, Concepción). Ou cidades do interior
que desempenham o papel de cabeça-de-rede, com uma quase absorção
do porto (Caracas-La Guaira, Lima-Callao), ou, se as distâncias são
maiores, bipolaridade e constituição de uma zona de intensa circulação
(Santiago-Valparaiso antes da fusão e Cáli-Buenaventura).
• "Redes" de regiões montanhosas: nas regiões montanhosas z
o
encontram-se fileiras de cidades assentadas em sentido longitudinal Ul

-e
;>
aos vales, porém "as redes verdadeiramente hierarquizadas constituem
exceção, porque as relações entre os centros urbanos são reduzidas e U>

e
Oj

limitadas à demanda de serviços excepcionais". o


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(J>

• "Redes ~~das regiões periféricas pouco povoadas: por ser aí muito tT1
Z
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fraca a densidade urbana, as cidades são frequentemente isoladas. o
e-
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o
o
U>

26. J. Chapoulie, op. cito


I
í
!

• Por último, as metrópoles macrocéfalas dominam de fato a


totalidade do país, porém sua área de influência direta é muito mais
reduzida. Essas cidades exercem, pois, uma influência de tipo muito
especial, seja sobre uma verdadeira rede urbana da qual é a cabeça,
seja sobre imensos espaços onde sua influência progride na medida em
que elas representam o polo das atividades econômicas mais dinâmicas
(São Paulo, por exemplo).

I2.5. "REDES URBANAS" E POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO NOS

PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS

A possibilidade e a eficácia de uma intervenção na rede de relações


só poderá realmente ser apreciada à luz da experiência e não a partir
de teorias formuladas a priori. Trata-se de verificar se um determinado
número de alternativas é válido.
Entre as alternativas frequentemente recomendadas, uma das mais
importantes é a que se coloca entre uma macrocefalia aceita e ordena-
da, com o objetivo de limitar o subemprego urbano e de assegurar uma
rentabilidade máxima das inversões, no contexto de uma economia que
procura tornar-se competitiva, evitando o recurso ao dirigismo e ao
protecionismo; e, por outro lado, uma política de promoção regional
e de equipamento dos centros intermediários, única forma, aos olhos
de alguns reformadores, de modernizar a economia e a sociedade.
B. P. Hoselitz" insiste na necessidade absoluta de equilibrar as redes
urbanas para preencher o fosso existente entre as cidades macrocéfalas
e o mundo rural.
A macrocefalia pode parecer responsável pelo vazio econômico
que se forma em torno de grandes cidades como Lima (O. Dollfus"):
em redor de Lima, e em um raio de 400 km, nenhuma cidade pode

27. B. F. Hoselitz, Sociological Aspects of Economic Growth, Glencoe, NY, The Free
Press, 1960.
28. O. Dollfus, op. cito
desempenhar um verdadeiro papel de capital regional, e seria até mais
exato dizer que macrocefalia e vazio econômico andam par a par e
dividem igualmente as responsabilidades. Por outro lado, certos au-
tores têm afirmado que uma concentração excessiva corre o risco de
desencadear um processo de evolução regressiva nas demais cidades".
Como essa macrocefalia é de natureza diferente da encontrada
nos países desenvolvidos, de vez que corresponde a uma falta de di-
namismo urbano das regiões rurais, não se pode negar totalmente que
a concentração dos recursos e das possibilidades nas grandes cidades
seja um obstáculo à expansão ou à existência das cidades médias-".
Encontramo-nos, então, frente a um círculo vicioso sem solução,
ou temos possibilidades de intervir para rornpê-lo?
Nos países desenvolvidos, a ciência regional procurou achar
respostas positivas para essa questão. Na França, por exemplo, os
estudos de M. Rochefort e Jean Hautreux" colocaram claramente o
problema, indicando os mecanismos defeituosos a serem corrigidos e
os remédios desejáveis. Trata-se de uma geografia aplicada ou ativa, na
melhor acepção do termo: é a intervenção do geógrafo em um terreno
que, inegavelmente, é o seu - a elaboração de um sistema regional, os
princípios que a presidiram, as possibilidades de intervenção eficaz. O >
'"
economista dá sua contribuição com a teoria dos polos de crescimento,
desenvolvida na França por François Perroux e seus discípulos.
c:
Esse procedimento será igualmente válido nos países subdesen- ~
'>"
volvidos? z
>
(Jl

Inicialmente negou-se a viabilidade da transposição da teoria dos po- z


o
(Jl
los de crescimento para os países subdesenvolvidos, visto que, nos países
industriais, a teoria está baseada no conceito de regiões polarizadas'", '"
'"
(Jl

CIl
c:
'o"
m
cn
m
29. T. G. McGee, art. cit., a propósito de Rangum. Z
-<
30. P. George, op. cito ot-'
31. M. Rochefort & J. Hautreux, "Les métropoles et Ia fonction régionale", Construc- <
tion et aménagement (17), oet. 1964 (Ministêre de Ia Construetion); e "Physionornie o
O
générale de l'arrnature urbaine française", Annales de géographie, (406):660-677, (Jl

nov.-déc. 1965.
32. J. R. Lasuén, "De los Polos de Crecirniento", Cuadernos de Ia Sociedad VenezoIana
de Planificación: La Región y Ia Ciudad, novo 1968, pp. 1-25.
'.,.,
'1'~'

Como os países subdesenvolvidos só raramente conhecem esse tipo


de regionalização e, mesmo assim, quase só a conhecem em estado
embrionário, negou-se, no que a eles se refere, a possibilidade de
aplicação de tal princípio e, consequentemente, começou-se também
a negar a possibilidade de uma polarização voluntária.
De fato, a regionalização nos países subdesenvolvidos depende,
principalmente, da "bacia urbana", tal como definida por Bernard
Kayser". Uma metrópole regional incompleta - uma cidade grande,
média ou pequena - preside à vida de relação de uma região geralmen-
te vasta. Frequentemente as relações são desiguais tanto qualitativa
quanto quantitativamente, dado que a cidade tende a pedir à região
mais do que dá a ela. Existe porém, entre as duas, uma solidariedade
muito mais forte que a existente, no mundo industrial, entre as capi-
tais regionais e a sua área de influência. Pode-se, pois, falar de uma
solidariedade global. Ela é um resultado da fraqueza industrial, do
papel predominante do comércio e dos serviços na vida de relações
(em si mes~a, a indústria nascente é filha do comércio), de forma que
a interdependência é total. Não existe, como nos países desenvolvi-
dos, especialização regional no que toca às indústrias: nas cidades de
um mesmo escalão, a tendência é para o aparecimento dos mesmos
tipos de fabricação, exceção feita às que se dedicam à preparação de
matérias-primas cuja exportação é impossível ou não rentável. Mesmo
estas últimas produções constituem um elemento suplementar para o
reforço da coesão regional.
Evidentemente, essa coesão é entravada quando o país dá um im-
pulso bastante forte em direção à sua industrialização; estabelecem-se
-c desequilíbrios em favor das regiões primeiramente industrializadas.
Nesse momento, instala-se um outro tipo de relações e a metrópole
econômica - ou as metrópoles econômicas - do país tende a esta-

..J

<
;:J
z
< 33. B. Kayser, "Les divisions de l'espace géographique dans les pays sous-développés".
~
Comunicação apresentada à Conferência Regional Latino-Americana da União
Geográfica Internacional, Ciudad de México, 3-8 de agosto de 1966 (também em:
Annales de géographie, 1966).
belecer relações diretas com os centros regionais, sem passar pelas
capitais regionais. Esta hipótese só é válida para um pequeno número
de países subdesenvolvidos, e de toda maneira, subsistem fortes vín-
culos entre cada capital regional e sua área de influência histórica,
tanto mais que esse território quase sempre corresponde a divisões
políticas ou administrativas.
A regra geral é, pois, a solidariedade global. Não se poderá então
negar que é aí que se encontra o quadro de eleição para uma ação
conjunta orientada para uma redistribuição de recursos, como suge-
riram J. Gallais para o Senegal-" e C. Collin-Delavaud para o Peru ".
É evidente que se apresentarão obstáculos. Em um país industrial,
os esforços de descentralização e relocalização têm possibilidades de
êxito na medida em que coincidem com '0 próprio interesse de uma
rentabilidade mais elevada do capital por parte das empresas priva-
das. Nos países subdesenvolvidos, a descentralização aparecerá quase
sempre como desinteressante pelas empresas privadas, a menos que
fatores políticos interfiram.
Por outro lado, parece muito mais fácil intervir, porque a juventude
e a fraqueza das estruturas lhes dão certa flexibilidade. É por isso que,
em todos esses países, a organização urbana evolui num ritmo rápido.
A construção de uma rodovia, a localização de uma nova atividade,
a criação voluntária de uma cidade têm repercussões positivas ou ne-
gativas muito rápidas, e ao mesmo tempo muito importantes, sobre
toda a rede.
O problema estaria, então, no reconhecimento da forma como tais z
o
V>

modificações podem realizar-se e na verificação dos meios a utilizar


para poder intervir em um determinado sentido.
Em cada região, entretanto, o estudo da questão suscitará para V>

c::
l:l:I

o pesquisador problemas metodológicos particulares. Mas existem Cl


m
V>

m
também os de ordem geral, três dos quais parecem-nos particular- Z
<:
mente complexos: o
r-

-
<:
tl
o
V>

34. Conferência na Universidade da Bahia, 1963.


35. C. Collin-Dclavaud, op. cito
• A hierarquia urbana é medida geralmente segundo a importância
dos serviços presentes nas diversas aglomerações.
• Como consequência da aplicação desse método, surge a tendência
de generalizar comparações entre o que se passa nos diversos "subes-
paços" e respectivos núcleos.
• O método é geralmente aplicado aos países considerados sob um
ponto de vista global.
O primeiro problema diz respeito à definição e à medida da hie-
rarquia urbana: esta é fundamentada nos serviços de base, nos dados
qualitativos e quantitativos - se bem que os primeiros sejam quase
sempre reduzidos a quantidades. Os graus de hierarquia decorrerão,
pois, da presença, em certas aglomerações, e da ausência, em outras,
de certos tipos de serviços em quantidades diferentes.
Isto supõe, ao menos, dois pontos de partida, cuja validade é preciso
discutir. Em primeiro lugar, os serviços e atividades presentes na cidade
nem sempre resultam da dinâmica própria à vida regional em suas relações
exteriores. É possível - e esse é o caso nos países em via de industria-
lização - que um centro secundário, distanciado das grandes cidades,
porém situado junto as vias de grande circulação, se beneficie dessa sua
condição. Daí a geração de novos serviços e novas atividades, tais como a
reparação de veículos, que se assemelham, às vezes, às atividades motrizes.
Se estamos em presença de uma cidade cuja função de coleta é agravada
pela incapacidade de consumo de sua região, o resultado é uma espécie
de consumo em circuito fechado, reservado aos habitantes da cidade (na
verdade, apenas a uma parte da população urbana). A presença de serviços
e atividades não se relaciona com os dados da economia regional, se bem
que esta possa, em consequência, exercer certa influência.
Em segundo lugar, a capacidade potencial ou real dos serviços
de uma dada cidade admite diferentes possibilidades de consumo. É
preciso pensar na capacidade de distribuição representada pela rede de
transportes e sua frequentação e na capacidade de absorção represen-
tada pela estrutura econômica e social resultante da atividade regional.
Na realidade, pode-se falar de uma taxa de fluidez dos serviços, dife-
o rentes segundo as condições. Essa taxa nem sempre é a mesma; além
~
do mais, a tendência é para uma diferenciação das taxas entre uma
região e outra. Esquematizando bastante, pode-se dizer que capitais
regionais que tenham recebido impulsos diferentes podem transmitir
influências iguais, ao passo que outras com impulsos iguais podem
influir de forma diferente sobre as respectivas regiões.
Porém a força regional (que é o que nos interessa, em última ins-
tância) não é o resultado apenas da presença de serviços frequente-
mente induzidos por interesses distantes; ela é o resultado de fatores
intrarregionais, como sejam as relações entre atividades urbanas e
população urbana, o conteúdo da região, ou seja, a população global
e ativa, as atividades econômicas, a origem e a distribuição da renda,
a fração local da estrutura econômica e social, a rede de transportes
e sua frequentação regional.
Isso nos permite abordar o segundo problema: a divisão do espaço
nacional - e, no interior deste, a divisão em sub-regiões urbanas do
espaço correspondente a cada capital regional - conduz geralmente a
esquemas muito simples, que não serviriam para uma finalidade prática.
Primeiramente, nem todas as cidades da rede têm as mesmas carac-
terísticas nem a mesma força. Em seguida, as regiões correspondentes
são também claramente diferentes. Nos países subdesenvolvidos, as >
V>

regiões urbanas sujeitas à influência de uma mesma metrópole regional


são diversas. Naturalmente existem exceções, porém são as cidades
e
mais bem equipadas que geralmente presidem às áreas menores; ao ;t!
tll
>
contrário, as cidades menos bem servidas presidem vastas regiões, Z
>
U>

quase sempre mais pobres que as regiões anteriormente consideradas. z


o
É claro que uma hierarquia fundada na aplicação de tal critério é U>

viciada na base. Ainda que nos permita perceber ordens de grandeza, U>

'"
U>

não nos oferece realmente utilidade prática ou teórica. V>

e
tll

Tudo isso se prende diretamente ao terceiro problema: a aplicação ti


'"m
U>

dos mesmos métodos, com os mesmos critérios numéricos, a um país Z


-<
inteiro. A solução parece ainda mais perigosa para os países extensos. o
t"'

Nos países desenvolvidos o método poderia, em última instância, ser acei- -ti-<
o
V>

tável, mas nos países subdesenvolvidos, onde as disparidades regionais


são regra geral, a aplicação do princípio parece abusiva. Os resultados
assim obtidos não são, em absoluto, válidos, salvo se uma coincidência
favorece o pesquisador. A rigor, nos países com múltiplas capitais regio-
nais é possível fazer uma comparação entre a metrópole nacional- seja
ela metrópole completa ou incompleta - e as capitais regionais; num
segundo passo, é possível verificar o que acontece no interior da região
de influência destas últimas; além disso, a análise das relações interur-
banas nos centros intermediários regionais e capitais regionais, assim
como a dos diferentes tipos de relações entre centros regionais e capitais
regionais, manifesta -se como particularmente instrutiva.
Não resta dúvida que é melhor abandonar completamente a preo-
cupação de encontrar fórmulas numéricas simplistas. É bem verdade
que estas teriam a vantagem de permitir uma rápida visão do conjunto,
à condição, porém, de que se encontrasse uma que fosse válida, o que
parece difícil no estado atual da estatística e dos conhecimentos.
Resta saber se a macrocefalia, ou melhor, se a presença de cidades
com alta concentração de população e de atividades é insubstituível
no estado atual da economia dos países subdesenvolvidos. Quando se
criticam, por exemplo, os efeitos de freio exercidos por uma grande
cidade em relação à que se lhe seguem em importância, é fácil perguntar
se, sendo as coisas diferentes, uma cidade qualquer e o próprio país reu-
niriam as condições necessárias para criar certo número de atividades,
direta ou indiretamente econômicas, sem as quais o desenvolvimento
é impossível. Como assinalamos anreriorrnente ", e como lembra O.
Dollfus" a propósito de Lima, está longe de ser demonstrado que a
distribuição da população Limenha em duas ou três aglomerações de
quinhentos mil a setecentos mil habitantes seria, da forma como ocorre
em Lima, um elemento motor do país. A propósito de Trujillo (Peru
setentrional costeiro), Collin-Delavaud" assinala igualmente que não
se pode acusar de crescimento excessivo uma aglomeração de 100 mil

....•
<:
~
Z
-c 36. M. Santos, "Le rôle des capitales dans Ia modernisation des pays sous-développés" ,
z
Civilisations, 16 (1):101-108, 1966 (Bruxelles).
37. O. Dollfus, op, cito
38. C. Collin-Delavaud, op. cito

,
:....a.á,..
habitantes, sob pretexto de que teria crescido às expensas de centros
secundários, pela simples razão de que tais centros não existiam no
momento em que a cidade iniciou sua ascensão.
Vamos mais além. Que pode significar a famosa distinção entre
cidade primacial e cidades secundárias? A simples enumeração de
índices de diferenças, por mais importantes que sejam, não tem valor
próprio. Essa relação é também uma relação global, resultante das
condições gerais da evolução da "rede", isto é, do país como um todo.
O fato de uma capital regional ser, em um dado momento, várias
vezes mais populosa ou economicamente mais poderosa que as outras
cidades de sua "constelação" está longe de ser sempre prejudicial. O
já citado caso de Guadalajara, no México, pode servir de exemplo.
Essa cidade tem uma população 26 vezes mais numerosa que a da
segunda cidade de sua região de influência. No entanto, parece-nos
que um desenvolvimento maior da região depende de um aumento
ainda mais considerável da força de Guadalajara; esta é circundada
por boas rodovias, construídas em um tempo recorde, à época em que
a massa de sua população crescia e em que, no campo, melhoravam
nitidamente as condições da atividade agrícola.
Esse exemplo, que pode repetir-se também em outras partes,
leva-nos a insistir no fato de que uma "rede urbana" classicamente
considerada como desequilibrada pode ser, em um dado momento,
a mais adequada aos efeitos de propagação do desenvolvimento. Em
determinados casos, é bem possível que a relação de desequilíbrio
deva ser mantida durante algum tempo à espera de que a cidade se z
o

torne bastante forte para competir com uma aglomeração maior, assim
como para evitar uma estagnação de seu crescimento econômico e de rI>
m
rI>

sua região de influência. rI>


c
t:D
Com efeito, a grande cidade pode constituir um fator de desenvol- o
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rI>
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vimento capitalista, mesmo quando não mereça o título de "polo". Z
<:
Falando da urbanização na América Latina, D. Lambere" escreve: o
r-
<
-o
o
rI>

39. Civilisations, 15 (3), 1965.


Atualmente a cidade parece proporcionar possibilidades muito maiores de
atividade econômica e social, sem que isso dependa diretamente das camadas privi-
legiadas, mas sim, em parte, da sua própria dimensão [...]. Nas grandes metrópoles
de diversos milhões de habitantes cria-se, inclusive, em períodos de recessão, um
multiplicador de empregos. Todo crescimento de população provoca uma extensão
da cidade e de seus subúrbios e, por isso mesmo, criam-se novas possibilidades
de trabalho nos transportes, na construção, na administração ou no comércio.

A grande cidade desempenharia também um papel de transfor-


mação cultural, comprovado, segundo D. Noin, pela observação das
porcentagens de analfabetos"; qualitativamente ela segrega um novo
tipo de civilização. D. Noin conclui:

o conjunto urbano da costa atlântica exerce efeitos de indução e não de freio.


É nas cidades [...] que a defasagem entre o setor moderno e o tradicional pode ser
superada mais facilmente [...] A cordilheira do noroeste, dominada economicamente
por Casablanca, constitui o polo de desenvolvimento do Marrocos.

Por último, aponta-se que as diferenças de riqueza podem ser


mais consideráveis nos centros secundários que nas grandes cidades,
e maiores ainda nas pequeninas cidades que nos centros secundários
(segundo um inquérito realizado no Congo, na África de língua fran-
cesa, elas variavam do índice 0,275 ao índice 7,666 nas cidades, e do
índice 0,266 ao índice 11,166 nos centros secundários).
Nestas condições, deparamos com uma contradição: a presença
de grandes cidades é necessária para assegurar a modernização e o
desenvolvimento nacionais em condições competitivas e, ao mesmo
tempo, corre o risco de prejudicar o desenvolvimento das atividades
regionais. Para evitar o desenvolvimento de um em benefício do outro,
impõe-se a definição de uma estratégia que vise, no tempo, a classifi-
car os problemas por séries e, aceitando a realidade da macrocefalia,
procure dedicar uma porcentagem razoável das inversões às grandes
cidades, sob a condição de elas beneficiarem os setores capazes de as-

40. D. Noin, op. cito


r-.,

segurar, paralelamente, o desenvolvimento dos centros subordinados;


no espaço, pode-se pensar numa estratégia diferenciada de acordo
com a porcentagem atual de população urbana na região considerada,
uma vez que, quanto mais fraca é a população urbana em relação à
população global, tanto maiores são as tendências à macrocefalia.
É preciso, entretanto, atentar bem para o fato de que as "redes
urbanas" constituem apenas um dos elementos da economia nacio-
nal, e nenhuma tentativa de modificação de sua estrutura alcançaria
resultado positivo não sendo efetivada em coordenação com ações
que tenham em vista transformar as estruturas sociais interiores e as
estruturas econômicas internacionais.

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