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Sociedade: Eu odeio esta escola juízo foi feito muito tarde e pela instituição errada.
Trata-se não de um diagnóstico médico, mas de um
Por José Ribamar Bessa Freire laudo policial preconceituoso, elaborado depois do
ato criminoso, que olha hoje o ‘desequilibrado’, como
no passado se olhava o leproso. Ele é visto como um
Era apenas um menino, de 14 anos, solitário e inimigo da sociedade, que deve ser isolado e punido,
triste. Cursava a nona série numa escola de Ohio, e não como alguém que precisa de tratamento.
nos Estados Unidos. Quase ninguém o chamava pelo
seu nome de batismo: Asa H. Coon. Como mancava Ohio que o parta
de uma perna, era mais conhecido por um apelido
cruel, algo assim como “Deixa-que-eu-chuto”. Nessa Afinal, o que está acontecendo? Por que meninos
quarta-feira, 10 de outubro (2007), entrou na esco- usam a escola como palco de ações homicidas? O
la com dois revólveres, um em cada mão, como um que estão querendo nos dizer quando se suicidam,
caubói disposto a se fazer respeitar no faroeste. Fez depois de matar e ferir colegas e professores? A gente
muitos disparos. Feriu quatro pessoas. Depois, se não consegue entender o recado que nem eles mes-
suicidou. mos desconfiam que estão mandando. Talvez fossem
compreendidos se escrevessem um conto ou poema,
Foi preciso morrer para conquistar outro apelido: pintassem um quadro, compusessem uma música.
“Deixa-que-eu-atiro”. No dia seguinte, longe dali, na Mas usaram a linguagem das balas, predominante
Filadélfia, Pensilvânia, outro adolescente, também hoje nos EUA.
de 14 anos, foi preso. A polícia, após descobrir que
ele acessava um site na internet com instruções para O menino de Ohio entrou na escola mancando,
fabricar bombas, encontrou em sua casa um arsenal com duas armas, como John Wayne num filme de
com pistolas automáticas e granadas. O menino es- bang-bang ou como um soldado americano no Ira-
tava preparando um ataque à escola, de onde havia que. Estava vestido todo de preto: casaco, camisa
fugido para evitar humilhações. Queria se vingar da Marilyn Manson e jeans, as unhas pintadas com es-
crueldade dos colegas, que o chamavam de ‘Baleia malte escuro e o pescoço cheio de coleiras estilo gó-
Prenha’, por causa de sua extrema obesidade. tico. O primeiro disparo atingiu um colega de turma,
que o havia esbofeteado após uma discussão sobre a
A violência nas escolas americanas já fez dezenas existência de Deus. Depois, feriu outro colega e dois
de vítimas, desde a tragédia de Columbine, em 1999, professores. No meio da confusão, berrou, antes de
quando treze pessoas foram assassinadas. Há seis se suicidar: “EU ODEIO ESTA ESCOLA”.
meses, em abril, foi um sul-coreano que matou 32
estudantes na Universidade Virginia Tech, e deixou Esse grito fere a nós, professores, talvez tão pro-
um manifesto se queixando das afrontas recebidas fundamente quanto as balas, porque evidencia nos-
porque pertencia a uma ‘cultura estranha’ e falava so fracasso. A instituição na qual acreditamos, longe
uma língua diferente. Em outubro do ano passado, de ser um lugar de reflexão, de liberdade e de con-
cinco meninas foram assassinadas numa escola reli- vivência amistosa, torna-se um espaço insuportável
giosa anabatista, na Pensilvânia. Um mês antes, um de opressão e de negação da alteridade. A escola que
menino de 15 anos, matou o diretor de seu colégio, pretende uniformizar as pessoas – e a farda é ape-
em Wisconsin. E por aí vai. nas um símbolo disso – revela que está desprepara-
da para lidar com a diferença. Não ensina as regras
A Polícia descobriu a pólvora e a roda, quando de conviver com quem é diferente. O pernetinha, o
classificou os autores dessa violência como “porta- surdo, o gordão, o cara de olho puxado, o índio, o
dores de problemas emocionais e psicológicos”. Tal caboco e o negro são estigmatizados.
A escola, como regra geral, não educa para a di- pediu desculpas à sua ex-professora e desceu prova-
ferença em nenhum país. Acontece que ela dialoga velmente para assaltar outro ônibus. Os passageiros
sempre com a sociedade que a abriga. Nos EUA, num aplaudiram a mestra, cujo aluno podia até não gos-
sistema extremamente competitivo, a escola ‘prepa- tar da escola, mas que ainda nutria afeto e respeito
ra’ os alunos para serem ‘winners’ (vencedores). Não por uma de suas professoras.
há lugar para ‘losers’ (perdedores). Os fracassados
Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré
Sociedade da violência