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A Geografia em edições DIFEL

. '
PANORAMA DO MUNDO ATUAL,
de Pierre George
Estruturado de maneira a consttturr um repositório de incitamento
à pesquisa social, política e econômica, este livro tem por fito des-
vendar ao leitor toda a complexidade das· questões em foco, em
escala• nacional, regional e, mesmo, continental e mundial, dadas as
interligações de um mundo que nunca foi "tão profundamente dife-
renciado, enquanto tantas coisas se uniformizam ... "

GEOGRAFIA DOS MARES,


de François Doumenge
Estamos longe de conhecer, em extensão e em profundeza, a infinita
variedade de aspectos físicos e biológicos que o mar oferece. Mais
longe ainda de poder utilizar, em benefício do homem, todo o seu
imenso potencial alimentar e energético. Mas é sobremaneira inte-
ressante conhecer o que, nesse sentido, já vem sendo feito.
\

A AMÉRICA ANDINA,
de Pedro Cunill
Um estudo sócio-econômico da região dos Andes onde uma população
de 50 milhões de habitantes extrai penosamente a sua subsistência,
submetida que está às contradições do subdesenvolvimento.

O JAPÃO,
de Max Derruau Geo ta
Subdesen~lvime
Este trabalho de Max Derruau deve interessar sobremaneira o leitor
brasileiro devido à importância adquirida pela imigração japonesa
no Brasil, e, particularmente, aos filhos desses mesmos imigrantes,
que, embora aqui nascidos, desejam conhecer melhor a terra de seus
pais, através de uma visão global, inteligente e objetiva .

A AÇÃO DO HOMEM,
de Pierre George
O objeto deste livro é o estudo consciencioso da transformação ope-
yves lacoste
rada pela açiio do homem sobre uma geografia natural em virtude da
extensão e do aperfeiçoamento da técnica.

DI FEL
YVES LACOSTE

GEOGRAFIA DO
SUBDESENVOLVIMENTO
TraduÇâo de
T. SANTOS

4.3 edição

DIFEL
· R ua Bento Freitas, 362 - CE P 01222
Rua Marques de Itú, 79 - CE P O1223
SÃO PAULO
I 9 75
Do original francês
Géogrcphie du sous-dével.oppement
Vol. n.0 2 da Coleção "Magellan", publicada
sob a direção de PIERRR GEORGE.
Presscs Universitaircs de Francc

lNDICE DAS ILUSTRAÇOES

l!'IG. 1 - Mapa esquemático dos limites do Terceiro


Mundo e das principais zonas térmicas do
globo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
l!'IG. 2 - Esquema da evolução demográfica em pais de-
senvolvido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
l!~IG. 3 - Evolução politica dos países subdesenvolvidos 152-153
FIG. 4 - Esboço esquemático do crescimento da popu-
lação e das produções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180
FIG. 5 - Relações entre o valor da ren.da nacional e o
nível geral de instrução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 234
FIG. 6 - Relações entre o valor da renda nacional e a
importância d o regime alimentar . . . . . . . . . . . 236
FIG. 7 - RelB.ções entre o valor da renda nacional e a
proporção de agricultores na população ativa 237
FIG. 8 - Relações entre o valor da renda nacional e a
quantidade de energia utilizada ....... .· . . . . . 238
FIG. 9 - Relações entre o valor da renda nacional · e o
do comércio exterior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239
FIG. 10 - Relações entre o valor da renda nacional e o
ritmo do crescimento demográfico . . . . ... . . . . . 242-243
FIG. 11 - As situações de subdesenvolvimento 248-249
19 75

Copyright by
Presses Univers.i taires de France, Paris.
Direitos exclusivos para a língua portuguesa:
DIFEL, São Paulo
lNDICE GERAL INTRODUÇÃO

Introdução . ... .. . .. ....... . ..... . . .. . . .. ... ....... . .. . ... . · 5 Que seria uma geografia do subdesenvolvimento? M uitos
P refácio 7 pensarão à primeira vista que se trata de um estudo enume-
rativo, descritivo e diferencial dos países subdesenvolvidos. T al
estudo não seria mais que qm resumo dos dez volumes desta
PRIMEIRA PARTE
coleção que tratarão da A /rica, dos países subdesenvolvidos da
Caracteres Gerais dos Países Subdesenvolvidos Asia, da América Latina. Seu interesse e sua utilidade seriam
bastante limitados. O autor quis, ao contrário, fazer um pre-
CAPÍTULO I - A Noção de Terceiro Mundo 15 fácio ao estudo do subdesenvolvimento nas diferentes formas
CAPITULO l i - Suba limentação e Desperdício 29 em que se apresenta no m undo. G eografia do subdesenvolvi-
mento e não economia ou sociologia porque sua abordagem é a
CAPITULO III - Handicaps Econômicos ..... ... . 43 do geógrafo através das situações, das relações de força que
CAPÍTULO IV - Estruturas Sociais Opressivas e Paralisantes 73 condicionam em cada meio e em cada m omento da história a
CAPíTULO V - Disparidade entre o Crescimento Demográfi- vida e o destino de um povo. Absteve-se de abordar aqui o
co e o Crescimento Econômico . . . . . . . . 116 exame dos diversos caminhos do desenvolvimento traçados do
interior ou do exterior. Seria prematuro antes do estudo siste-
Conclusão da Primeira Parte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142 mático de todos os países subdesenvolvidos. O subdesenvol-
vimento é, no mundo de hoje, um fenômeno geográfico e, como
SEGUNDA PARTE todos os fenômenos geográficos, é irtfinitamente matizado,
segundo o jogo respectivo dos diversos fatores, que são, neste
O Subdesenvolvimento, Fem?meno do SécUlo XX caso, sobretudo os freios ao desenvolvimento. É preciso conhe-
cê-los para compreender no seu conjunto situações e problemas
CAPíTULO I - A Procura de uma Definição Objetiva e de países que cobrem dois terços do m undo, e que interessam
Universal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190 a três quartas partes da população terrest re. Eis a razão porque
CAPITULO H - Em Busca das Causas Profundas . . . . . . . . . 190 se tornou indispensável publicar este volume no início da
Perspectivas 227 Coleção M agellan.
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259 PIERRE GEORGE

tndice das Ilustrações .... . . ..... .. . .. . . . .... . . . . . .. .. . .... 267

5
PREFACIO

O problema dos países subdesenvolvidos colocou-se no firrt


da Segunda Guerra Mundial. Durante pouco mais de quinze
anos, uma quantidade bastante considerável de livros e arti-
gos foi publicada, tanto sobre os problemas do subdesenvolvi-
mento em geral, como sobre seus aspectos particulares nos
diferentes países. Inúmeras teorias foram elaboradas sobre
os meios de saná-lo. Poucas questões provocaram o nasci-
mento de uma literatura tão abundante e variada num lapso
de tP.mpo tão breve. A tal ponto que alguns, apesar de uma
certa condescendência, falam de "moda", de "inflação", e se
admiram com o fato de que se possa ·ainda escrever sobre o
subdesenvolvimento. De fato, uma parte dessas obras não
tem um valor muito grande, mas sua proporção não é su-
perior à que ocorre nos outros domínios. -
Na verdade, o que pode ser mais legítimo do que este
interesse geral pelos problemas do subdesenvolvimento? Desde
que os Estados Unidos e a União Soviética procuram conso-
lidar o frágil equilíbrio que repousa sobre o medo mútuo de
desencadear forças terrificantes, o problema essencial de nossa
época é colocado pelo conjunto dos países subdesenvolvidos.
Desde que a política de coexistência dita pacífica ( enquanto
durar) atenua talvez, passo a passo, a uma solução favorável,
o subdesenvolvimento aparece cada vez mais como um dr·ama
cuja escala atinge toda a humanidade. Na maior parte do mundo,
apesar dos planos, numerosos, e de alguns sucessos parciais, a_
situação se agrava. A Africa Negra não é, sem dúvida, a única
"mal dividida". E certo que se empreendem numerosas polí-
ticas de desenvolvimento e que teoricamente é possível um pro-
gresso muito grande. Mas atualmente não existe ainda nenhum
exemplo de país verdadeiramente subdesenvolvido que tenha
superado tôdas as dificuldades. Não existe ainda nenhuma

7
prova definitiva de que o subdesenvolvimento possa ser A partir de 1953-54, as realidades complexas do subdesen-
liqüidado. volvimento e, em particular, os fatores sociológicos foram
Alé~ disso, o conhecimento das diversas situações de sub- progressivamente se revelando, depois sublinhando-se como
desenvolvimento e dos mecanismos de desenvolvimento é ainda obrigados a transbordar o quadro estrito de sua disciplina,
muito sumário. Enfim, como as tarefas colocadas para os enquanto a sociologia e a demografia começaram a oferecer
países sub?e senvolvid~s são bastante diferentes daquelas que sua contribuição. As pesq uisas em matéria de subdesenvolvi-
foram realizadas no seculo XIX na Europa e na América do mento devem ser hoje interdisciplinares .
Norte, não é possível divisar atualmente todas as dificuldades O subdesenvolvimento é com efeito um fenômeno global,
gue advirão. É na medida em que as políticas de desenvolvi- u ma situação eminentemente complexa; em cada território ele
mento são postas em ação, que se pode aperfeiçoar as análises se manifesta por uma imbricação dos sintomas econômicos,
e melhorar o conhecimento. Todas essas razões explicam e sociológicos e demográficos e procede de uma combinação de
tornam desejável a multiplicação das pesquisas relativas aos fatores imbricados uns nos outros; sua natureza é muito diversa:
países subdesenvolvidos. a herança econômica, social e política de um longo passado e
Os economistas foram os primeiros a abordar o estudo de transformações recentes combina-se às conseqüências dos
do. subdesenvolvime~to e conservam neste domínio u m lugar dados físicos de base ( grandes traços de relevo, clima ) e dos
e~mente . Em segmda, escreveram financistas, sociólogos, po- dados do meio natural transformado pelos homens ( solo, vege-
líticos, e também eclesiásticos, sindicalistas, demógrafos, mili- tação ). A combinação realizada desta maneira não é estática,
tares, etnólogos, juristas, médicos, agrônomos assim como mas evolui sob o efeito de um jogo de forças complexas. Se,
fi~ósof?s, geólogos, lingüistas e, evidentemente, j~rnalistas . Tal nestas linhas gerais, a situação de subdesenvolvimento é encon-
dispandade pode surpreender, num primeiro momen to e não trada numa grande parte do globo, existem contudo notáveis
deixa de agastar aqueles que se consideram os único; verda- diferenças segundo os países. .
deiramente habilitados para estudar o subdesenvolviml'!nto . Todas estas características fazem com que tais problemas
Na realidade, a diversidade de especialistas que analisam possam ser abordados de maneira frutífera pelo método geo-
os problemas dos países subdesenvolvidos é particularmente gráfico. O fenômeno do subdesenvolvimento se liga à geogra-
bené_fica. Com efeito, o subdesenvolvimento não pode ser fia por três razões difereptes:
considerado como u m problema somente econômico. É fato - De uma parte : a geografia moderna, tem como razão
que durante um certo período foi estudado essencialmente no de ser o estudo da realidade na sua complexidade mesma e só
quadro da economia clássica, independentemente de todas as secundariamente nos seus diferentes constituintes. Ela descreve
condições de tempo e espaço. Este período de "economismo" e explica as interações entre fa tores de naturezas bastante
estreito e abstrato findou, entre outros fatores, diante do fra- diferentes na superfície do globo. Ora, o subdesenvolvimento
casso total ou parcial das tentativas de desenvolvimento basea- é uma combinação particularmente complexa.
das somente na implantação de empresas e que levavam em - De outra parte: para a geografia, as combinações que
conta apenas os dados estritamente econômicos . P ouco a ela apreende são dinâmicas e resultam de uma sucessão de
pouco, as economias subdesenvolvidas deixaram de ser consi- conj unturas . A geografia é o resultado e o prolongamento da
?erada~ como economias " normais" . ( aos olhos dos O ciden tais), história. O ra, as realidades do subdesenvolvimento não são
as quais faltavam somente capitais e alguns bons conselhos. As estáticas e resultam de uma longa evolução histórica.
diferenças entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos reve- - Por fim, o geógrafo é o especialista do estudo diferen-
lavam-se não somente econômicas e quantitativas, pois foram cial das combinações realizadas na superfície do globo. Está
constatadas em domínios fundamentais dos mais variados · tor- pois particularmente bem armado para abordar a análise das
na-se necessário, pois, considerar hoje em dia os países s~bde­ diferenças que apresenta o subdesenvolvi mento, nos número-
senvolvidos como qualitativamente d iferentes do resto do sos países que ele afeta (aproximadamente 2/ 3 da superfície
mundo. dos continentes ).

8 9
A priori, a geografia deveria ter sido uma das primeiras gresso na contribuição dos geógrafos. É certo, como vanos
ciências a empreender o estudo do subdesenvolvimento, ainda exemplos já o provaram, que a contribuição da geografia: frutí-
mais que os geógrafos são, como os médicos e os etnólogos, fera no nível da análise elos fenômenos de subdesenvolvimento
os que mais trabalham fora da Europa. Contudo, até o vistos na sua generalidade, em escala planetária, será ainda mais
presente, é preciso notar que a contribuição da geografia ao útil no quadro dos estudos mais precisos e menos extensos
estudo do subdesenvolvimento foi bastante restrita e muito espacialmente.
inferior ao que poderia ser. É certo que numerosos geógrafos A presente obra é a primeira parte de uma contribuí; ão
procederam a excelentes pesquisas sobre os países da Ásia, ao estudo geográfico dos problemas que colocam os paises
da África e da América Latina, mas estas não abordam senão subdesenvolvidos . Ela comporta uma análise das caracterís-
excepcionalmente as realidades complexas do subdesenvolvi- ticas essenciais do Terceiro Mundo, o estabelecimento de uma
mento, e não levam suficientemente em conta a contribuição definição objetiva do subdesenvolvimento e a p~squisa das
das disciplinas que tomaram este problema como tema funda- causas profundas de sua aparição. O volume termma por um
mental de pesquisa. apanhado da grande diversidade, que apresentam es~e_s países,
Seria fora de propósito analisar longamente aqui as causas todos colocados, contudo, diante das mesmas dtfrculdades
complexas desta relativa abstenção dos geógrafos. OJ Notemos fundamentais.
contudo que é bastante normal existir um certo descompasso Os_problemas do desenvolvimento, a diver_s~da?e das po_lí-
entre o começo da análise de um grande problema por diversas ticas em aplicação para sanar os graves desequihbno~, a vatH~­
ciências e o momento em que a geografia começa a estudá-lo, dade dos primeiros resultados obtidos não serão vistos aqu~.
pois ela tem necessidade da contribuição das primeiras para Não que os geógrafos se ausentem das tarefas do desenvolvi-
poder desenvolver suas investigações de maneira satisfatória. mento, por se contentarem em descreve~, . d,efinir e explic~r as
Como todo estudo sério do subdesenvolvimento coloca forço- realidades presentes, sem procurar modifica-las. Na verdade,
samente problemas essencialmente geográficos, uma pesquisa o estabelecimento das grandes linhas dos planos de ação e. a
válida, qualquer que seja a disciplina da qual emane, não pode escolha de uma estratégia cabem principalmente aos economis-
negligenciá-los totalmente. Também, inúmeros economistas e tas e políticos. Nesta empresa, cabe contudo aos geógrafos um
sociólogos, por exemplo, esforçaram-se em abordá-los , não sem papel que não deve ser negligenciado.
dificuldades na maioria das vezes, sem mesmo perceber que
O estudo geográfico dos problemas , não somente de sub-
seu encaminhamento dependia da geografia. Embora muitos
desenvolvimento como de desenvolvimento, no quadro de urna
acreditem nisso, não se faz geografia como M. Jourdain fazia
análise diferenci; l do Terceiro Mundo, será abordado ulterior-
prosa. Mas, passemos adian'te.
mente nesta mesma coleção.
É desejável que a geografia contribua bem mais intensa-
mente para o estudo do subdesenvolvimento . Certamente, não
se trata de reivindicar uma "caça proibida", nem de querer
disputar com os economistas o papel eminente que lhes per-
tence. Em muitos domínios, a utilização do método geográfico,
conjuntamente ao das outras disciplinas, já permitiu obter
resultados frutuosos; as pesquisas relativas ao subdesenvolvi-
mento encontrarão sem nenhuma dúvida novas fontes de pro-

(I) Sobre esta q uestão c sobre o papel do geógrafo no estudo


do subdesenvolvimento, ver Geografia Ativa, de P. George, R.
Guglielrno, B. K ayser, Y. L acoste, Difusão E uropé.ia do Livro, 3."
ed., 1973.

10 11
PRIMEIRA PARTE

CARACTERES GERAIS DOS PAíSES


SUBDESENVOLVIDOS

!
CAPITULO I

A NOÇÃO DE TERCEIRO MUNDO

As TRANSFORMAÇÕES
~)cgunda
que o mundo sofreu depois do fim da
Guerra Mundial, particularmente o recuo considerável
•la dominação colonial e a criação da ONU tiveram múltiplas
• \Jllscqüências no domínio das idéias. A visão do mundo da
111aior parte dos ocidentais, a imagem que faziam de si mesmos,
·;,,a maneira de considerar o resto da humanidade, evoluíram
:;cns1Velmente. Durante vários séculos, dividiram a humanidade
··•n cristãos e pagãos, depois em civilizados e "selvagens", con-
:.idcrando-se os primeiros, evidentemente, como portadores de
urna superioridade incontestável e congênita sobre os segundos.
J·:utrc as duas guerras, os "civilizados" estavam de acordo
•pranto ao mérito de serem também os "civilizadores"; quanto
'· :to:' "selvagens, a maioria tinha-se transformado em "povos que
to ao podemos deixar entregues a si mesmos" ( sic). No final
.1:. guerra, estas concepções, apesar de não desaparecerem total-
ttt('lltc, foram substituídas por uma visão singularmente nova
do rnundo: um pequeno número de países ricos estava envol-
vtdo por unia grande massa de países pobres. Os ocidentais
loralll levados a tom~r consciência de que cerca de três quartos
.b humanidade passavam fome, que estavam privados de instru-
•.-a• • c de cuidados pessoais, que estavam muitas vezes sem
1rahalho. A Fome é sem dúvida tão velha quanto o gênero
lunnano, mas sua "descoberta", seu reconhecimento oficial .no
lt nr da guerra foram conseqüências de profundas transforma-
-.nes políticas: enquanto existiam os elos estreitos da domi-
tt:t~·iío colonial, e enquanto se procurava mantê-los por bem ou
I'"~' mal, admitir que as populações colonizadas estavam na
tniso<ria era, numa certa medida, reconhecer o fracasso desta
l:unosa missão civilizadora, alibi ideológico da colonização. A

15

..
maior parte dos colonizados tornou-se independente, d~sapar~­ de um fenômeno completamente novo : o extraordinário :mmen-
ceu progressivamente o " tabu" (Josué de Castro) que 1mpedia to da população mundial a partir do começo do século XX. Sua
os " civilizados" de ver, de admitir que cerca de três homens taxa de crescimento anual média, que durante séculos foi
em quatro passavam fome. Hoje, a miséria, _a doença,. a i?no- inferior a 0,3 % e que ainda era de 0,5 % no fim do século
rância a fome são denunciadas pelas personal!dades mars drver- X IX, cresceu brutalmente : 1% em 1940, 2 % atualmente. A
sas. Mas há ainda poucos anos na França, tais propósitos eram " explosão demográfica" é tal que, se foram necessários sem
idéias subversivas e caíam sob o guante da lei e da investigação dúvida mais de 300 000 anos para povoar a terra de 3 bilhões
policial. de seres humanos, bastarão trinta anos para lhe ajuntar outros
As publicações da organização das ~ações ~nidas: o:~e- os ) bilhões; a humanidade contava possivelmente com 250 mi-
representantes dos países subdesenvolvidos sao maJontanos, lhões de homens no começo da era cristã. Ser-lhe-ão necessários
contribuíram bastante para a tomada de consciência da exis- 16 séculos para dobrar este efetivo. Ela contava com aproxi-
tência de um pequeno grupo de países muito ricos e de uma madamente 500 milhões de homens em 1650 e atingiu o bilhão
multidão de países pobres. Em 1951, o secretariad~ da_ONU dois séculos -mais tarde. Dobrou novamente em menos de um
publicava e difundia a estatística das rendas nacwnais por :;~culo somente, pois os dois bilhões foram ultrapassados em
habitante e por ano para a maioria dos Estados : mostrava-se I 'J3 0. A casa dos 3 bilhões é ultrapassada em 1960; os seis
que, em 1954, a Europa (URSS inclusive ) e a A~~ricg_ do bilhões serão possivelmente atingidos no fi m · do século XX,
Norte, ou seja, 32% da população do globo, be~e_ficravan:-se em menos de 40 anos. Somente no ano de 1962, a população
de 83% da renda mundial, enquanto que a Amenca Latma, llll!Odial cresceu de 63 milhões de homens.
com 7% da população total, só dispunha de 4,5 % da renda Ora, e este é o fato essencial, a massa das populações po-
total. A Africa, com um efetivo quase equivalente, subsistia bres, que já não chega a fazer face às suas necessidades atuais,
com 2% das rendas. A Asia, mais da metade de. humanidade , nn tribui com uma parte essencial neste aumento. O conjunto
(54 % ) , devia se contentar com 11,5 % da renda mundial. , los países subdesenvolvidos, que constitui atualmente uma
Um terço dos seres humanos vive em países cuja renda 111ass:1 de 2 400 milhões de homens, registrará de agora até
nacional por habitante e por ano é inferior a 50 dólares_ e I 'J'J0-95 um aumento de 146 % aproximadamente (no caso de
mais da metade dos homens se encontra em Estados cuJas 11 111:1 hipótese média); enquanto que o grupo dos países desen-
rendas por pessoa são interiores a 100 dólares. Em 1954,_ para vol vi,{os, 600 milhões de homens, só crescerá cerca de 53 %.
o conjunto dos países subdesenvolvidos, a renda nacionaJ por A noção de subdesenvolvimento é indissociável destes dois
habitante e por ano era de 65 dóíares, enquanto era de 586 ! .rios fu ndamentais:
dólares ·para o grupo dos países desenvolvidos ( 1 870 nos l ." - Os povos subalimentados formam atualmente cerca
Estados Unidos). '1,· 1r,'s quartos da humanidade;
Além disso, t:sse desnível, já considerável, cresce rapida-
2." - Sua massa vai ser multiplicada por cerca de 2,5 nos
mente, dado que os países desenvolvidos progri?em bem mai_s
l''•'•ximos quarenta anos .
rapidamente que os outros. Assim, a renda nacronal por habi-
tante nos Estados Unidos era 15 vezes mais elevada que a da A ideologia dos movimentos nacionais nos países coloni"
índia, antes da guerra. Vinte anos mais tarde, seria necessário : ;H [ns, as lutas que precederam sua independência, · a confe-
multiplicar por 35 a renda de um indiano para igualá-la à de ,,-.,ll ia realizada em Bandung pelos representantes dos Estados
um ianque. •h AIrica e da Asia, e tantos outros fatos, reforçaram a idéia de
A aparição do conceito de subdesenvolvimento é contem- <1111 : 1 g ru p~mento dos países subdesenvolvidos numa espécie
porânea de duas das maiores "descobertas" das ciências econô- •],· ai i:111ça reivindicativa em relação aos ocidentais, considera-
micas e humanas. Esta coincidência está longe de ser um acaso. ' ],·~; c1 liiHl a causa direta ou indireta do subdesenvolvimento.
A primeira dessas descobertas foi, como já vimos, a de um I '.11 '' 'ksignar ao mesmo tempo esta relativa unidade dos países
fenômeno muito antigo : a miséria e a fome. A segunda foi a ·.111" l<·:;,·nvolvidos, a massa humana que constituem e sua misé-

16 17

li
·.nviram-se dela para designar, durante uma época, um agru··
ria, pela qual fazem responsável o colonialismo, tornou-se p;llncnto de um certo número, de países subdesenvolvidos,
necessário um conceito. Assim se explica o nascimento e o , 11 jo:-; governos praticavam políticas externas semelhantes. O
êxito, pelo menos em língua francesa, da expressão "Terceiro Tnccíro Mundo foi confundido com uma espécie de T erceira
Mundo". Ela foi forjada por A. Sauvy, à imitação do "Terceiro lon;a. "neutralista", formada por países subdesenvolvidos que
Estado" de 1789, que, maioria da nação, era formado de diver- 11:1o participavam das duas grandes alianças militares conduzidas,
sas classes e grupos sociais que reivindicavam os direitos até c111an, uma pelos Estados Unidos, outra pela U nião Soviética.
então confiscados pelos dois outros "Estados", a Nobreza e o I bí ,ft_.c orria que os países subdesenvolvidos de regime socia-
Clero. lr::U não eram então considerados como parte do Terceiro
A expressão Terceiro Mundo é bem preferível a de "Na- M11nJo. Esta acepção política evoluiu num sentido ainda mais
ções Proletárias". Esta expressão de A. Toynbee, que evoca 1··st rito, para incluir somente os novos Estados nascidos da
a existência de um "proletariado exterior do Ocidente", foi •.-centc vaga de descolonização.
popularizada por P . Moussa. <IJ Apesar de ter tido um certo Hoje, -ª.S divergências sino-soviéticas, os redemoinhos que
sucesso, pois seduz pelas tinturas pseudomarxistas, está sujeita "l~itarn a América Latina, tornaram caducas tais concepções.
a uma forte caução: implica, com efeito, na existência entre os Mesmo tomado num sentido político, a expressão Terceiro
países de relações de produção que existem no seio de uma M1111do recobre atualmente a Africa, a América Latina e a
sociedade. Trata-se de uma falsificação do marxismo, pois A·:ra, inclusive a China, que tende a se tornar a. líder de um
conduz a considerar a população de cada Estado como um todo, ::"ci:1lismo adaptado às realidades do subdesenvolvimento. Mas
e de fato como urn9, sociedade sem classes . Ora, os países , o:: países subdesenvolvidos da Europa não são geralmente con--
subdesenvolvidos não são povoados somente por explorados ; -;idcrados como parte deste grande conjunto. Com efeito, seu
contam com exploradores poderosos. , , ••nportamento na vida política internacional é diferente, seía
Por seu lado, o conceito de Terceiro Mundo não apresenta l"mtuc procuram reforçar seus elos c0m a Europa Ocidental,
este inconveniente. Ele não postula erradamente a existência ·.('ja porque conservam estreitas relações com a União Soviética.
entre os países de relações de produção precisas e deixa :l ~.;, •mente a Iugoslávia, que pratica uma diplomacia " neútra-
porta aberta a explicações mais complexas. Assim como o list:t", à semelhança dos outros países subdesenvolvidos, é con-
Terceiro Estado de 1789 era uma formação política ambígua, ~:idcrada como fazendo parte do Terceiro Mundo.
formada de classes sociais que, apesar de aliadas naquele mo- t necessário afastal: este conceito deste gênero de inter-
mento, não eram menos antagônicas (burguesia, começo de pwtações que o mutilam e o esvaziam de sentido, devido às
proletariado operário, camponeses) , o Terceiro Mundo é uma ~.nas mutações. O simples critério de política externa, o crí-
realidade ambígua, formada de exploradores e explorados. t(rio diplomático, dever-se-ia dizer, não pode servir para a
O termo Terceiro Mundo tem, além disso, uma outra sig- .1.-finição do Terceiro Mundo: os países subdesenvoividos não
nificação profunda que dispensa referências à história da Fran- , nmtituem um "bloco" político. Muitos deles se opõem vío-
ça: o Terceiro Mundo é um terceiro conjunto de países; o I..ntamente entre si. Ainda mais, a natureza de seus governos
primeiro a se constituir historicamente foi o dos países desen- ,·. de uma extrema diversidade, indo desde as monarquias teo-
volvidos capitalistas; o segundo, o grupo dos países desenvol- ' r:ít icas até regimes os mais revolucionários.
vidos socialistas. Não se trata contudo, de negligenciar os problemas polí-
t rcos. Todos os países subdesenvolvidos são na verdade o
A partir deste sentido plenamente justificado, esta exce-
teatro de uma grande agitação. Com efeito, as populações
lente expressão foi, logo em seguida, objeto de uma utilização
tomaram consciência de sua miséria, pois estão hoje situadas
menos feliz que falseou seu significado. Alguns, com efeito,
('tu posição que lhes permite comparar suas condições com
as condições de vida dos países ricos. Durante decênios, os
( 1) P. Moussa, Les Nations prolétaires, Presses U Riversitaires , olonizadores se impuseram aos colonizados, enquanto civili-
de France, 1959, pág. 201.
19
18
zadores, e pretendiam ser os detentores d as únicas form as de delo as condições de vida dos países desenvolvidos. Como elas
civilização. Por que se assustar com o fato de povos que se lhes são inacessíveis, segue-se uma profunda alienação . Para
tornaram independentes reivindicarem hoje o bem-estar dos estes homens, o mundo normal, aquele que elegeram, é o dos
antigos mestres? Antigamente, estes últimos diziam ao falar países desenvolvidos. O T erceiro Mundo, são os três quartos
dos " indígenas" : " eles não têm necessidades", " contentam-se da humanidade que se encontram num mundo estranho ao que
com pouco". Tais frases, na verdade revoltan tes, pois tratava- aspiram.
-se de homens quase desprovidos de tudo , continham uma certa
A noção do Terceiro Mundo é, pois, particularmente satis-
parcela de verdade. A fome, a doença, a ignorância, que exis-
fatória e rica de sentido, apesar d e não levar em conta a
tiam há séculos, eram anteriormente recebidas como uma fata-
"explosão demográfica". Exprime de uma forma completa e
lidade. São hoje sentidas como fatos monstruosos e inadmissí-
bastante sugestiva várias noções diferentes combinadas entre
veis. As condições de existência que ersJD. então o apanágio
si. P ode pois perfeitamente ser utilizada para designar o con-
reconhecido de uma minoria da hu.manidade são consideradas
junto dos oaíses subdesenvolvidos.
hoje no mundo inteiro como o que é normal, justo, necessário, • L

indispensável. As populações do Terceiro lv'iundo estão hoje Cronolõgicamente, tomou-se consctenc:ía da existência con-
submetidas a um verdadeiro suplício de Tântalo, pois sua creta dos países subdesenvolvidos e da massa que constituíam
miséria cresce diante das vitrinas guarnecidas das ruas das no seio da população mundLll, antes que fosse formulado o
grandes cidades, diante dos cartazes publicitários que têm por conceito de subdesenvolvimento enquanto fenômeno geral
objetivo despertar o apetite do clien te , diante das telas de existente com uma relativa hornogeneidade de caracteres numa
cinema onde passam as produções de H ollywood, visões retum- grande parte do globo . E ste desnível é perfei tamente normal.
bantes de u m mundo muito bem nutrido. O s homens dos O que foi menos normal foi _o processo que lev?u à forT?ação
países subdesenvolvidos são na verdade os "danados da terra". do conceito de subdesenvolvunen to. Com efetto . depms de
Frantz Fanon os concita a rejeitar a Europa e "este monstro quinze anos de publicações e pesquisas, a noção de subdesen-
supereuropeu, a América do Norte", a vomitar sua cultura. volvimento não está ainda rigorosamente definida. Os econo-
"As realizações européias, a técnica européia, o estilo europeu mistas. que foram os primeiros e os mais numerosos a estudar
devem deixar de nos tentar e nos desequilibrar" . <ll De fato , estes problemas, não chegaram ain1 a a um acordo bub re uma
a maior parte dos povos do Terceiro Mundo, por um imenso definição comum e satisfatória do subdesenvolvimento. R.
"efeito de demons ::ração", é pouco a pouco conduzida a tomar Gendarme não chegou a recensear 21 definições ou acepções
como ponto de referência as formas de consumo dos países diferentes? m Muitas delas são b astante subjetivas e arbitrá-
desenvolvidos.· rias . I númeras só podem ser aplicadas a uma parte dos países
Do conceito de Terceiro Mundo se extrai um último sen- subdesenvolvidos . O utras englobam países incontestavelmente
tido, ainda mais geral: um terceiro é u ma " terceira pessoa" desenvolvidos . Nenhuma é verdadeiramente satisfatória. Estas
e, por extensão, " uma pessoa estranha" ( Littré). Para o concepções bastante diferentes do subdesenvolvimen to serão
homem de um país desenvolvido, o Terceiro Mundo é pois analisadas ulteriormente. Fato bastante curioso é que os
o que se encontra fora de seu mundo, fora do mundo "normal". economistas e os sociólogos não parecem se incomodar com
É aquilo que é estranho ao grupo dos países desenvolvidos, uma tal confusão e é muito raro abordarem de frente este
sejam ocidentais ou soviéticos. problema delicado.
Mas um grande número de homens dos países subdesen- É pois necessário a busca de uma definição satisfatória de
volvidos são colocados em condições tais que são obrigados a subdesenvolvimento. Não se trata de um debate acadêmico ;
tomar, consciente ou inconscientemente, por referência e mo- é, com efeito, indispensável possuir um instrumental concei-

( 1) Fra ntz F ANON, L es damnés de la terre, M aspéro, ! 96 1, ( 1) R. Genda rnH', L ' écon omie d e I' A lgérie, A. C olin , 1959,
p ág. 242 . p ;'><:. 2'l 4 .

20 21
tual justo e preciso, a fim de que seja eficaz, orientando a seria preferível chamar de sociedade desenvolvida ) . D entro
pesquisa e a ação numa perspectiva construtiva. da mesma hipótese, apesar da participação comum no "campo
Como veremos, a maior parte dessas díferentt:s definições socialista", as divergências entre a URSS e a China refletem
de subdesenvolvimento são extremamente abstratas ; foram as diferenças que existem entre duas categorias fundamentai!;.
concebidas a priori, sem levar em conta as realidades con· O mundo se divide primordialmente em países desenvol-
eretas, em vez de decouerem de uma generalização progres- vidos e países subdesenvolvidos? Ou em sistema capitalista
siva e rigorosa dos fatos observados nos diversos países sub- c sistema socialista ? O subdesenvolvimento constitui uma
desenvolvidos. situação fundamental e, neste caso, como o definir? Os fa-
A definição de subdesenvolvimento, fenômeno global, tores de unidade que existem no seio do Terceiro Mundo
situação complexa, só pode ser apreendida, tomando-se em são mais possantes que sua d iversidade ? A estas questões
consideração, não somente um único critério, nem um único não é possível responder a priori. É necessário proceder à
fator (por mais significativo que seja, como a fome ), mas pesquisa nõs d iversos fatores e caracteres fundamentais que
uma combinação de fatores maiores . Se, como parece, o sub- se encontram nos diversos países subdesenvolvidos e que não
desenvolvimento é um fenômeno primordialmente de escala existem nos países desenvolvidos.
planetária, esta combinação de fatores fundamentais deve se Como não dispomos, para começar, de uma definição de
encontrar no conjunto dos países subdesenvolvidos, sendo sua subdesenvolvimento, é com um certo empirismo, tateando, que
diversidade o produto de caracteres relativamente secundários . se poderá constituir a coleção dos p aíses subdesenvolvidos , múl
Por outro lado, se os países subdesenvolvidos não apresentam, tiplos casos concretos que é necessário analisar para desenhar
no seu conjunto, esta combinação primordial e se parecem se os traços gerais da combinação de fatores que é o subdcscn
diferenciar, não por traços secundários , mas pela presença de volvimento. Seriá pueril fazer tábua rasa de tudo o que · f oi
múltiplas combinações fundamentais, então o subdesenvolvi- publicado, e é b astante simples classificar a maioria dos paíst::;,
mento não poderá ser considerado como um fenômeno primor- utilizando alguns critérios estatisticamente simples: o montan lt
dial e global, mas como um simples fator integrado em várias da renda nacional por habitante e por ano, o número de calorias
combinações dessemelhantes. que é consumido na alimentação média, a percentagem de
Na primeira hipótese, o grupo dos países subdesenvolvi- analfabetos etc. ; estes critérios são cômodos para indicar os
dos e, por antítese, o dos países desenvolvidos constituem países subdesenvolvidos. <l > N a maior parte dos casos , os paíse:;
duas categorias primordiais: a distinção entre situação de de- se classificam aproximadamente na mesma ordem, sob os dik·
senvolvimento e situação de subdesenvolvimento é a linha de rentes 'aspectos estatísticos . A fre nte, vêm os países incontcs
clivagem essencial que divide a humanidade. Daí decorreria tavelmente desenvolvidos . Ao final, encontram-se os país(':;
que as outras categorias, países capitalistas-países socialistas incontestavelmente subdesenvolvidos . É na direção do mci o
por exemplo, por importantes que possam ser, não deixam de das séries estatísticas que aparecem os pontos de interrogação :
estar subordinadas às categorias precedentes. N a segunda certos países estão " bem colocados" no q ue diz respeito :1
hipótese, se o subdesenvolvimento não pode ser considerado renda nacional, mas "em atraso" em outros pontos : cstt:
como fenômeno primordial, a distinção primeira no seio da é o caso da Venezuela, por exemplo : sua renda nacional por
humanidade n.ão pode ser feita em função de desenvolvimento habitante e por ano é de um país desenvolvido, mas seu regime
e de subdesenvolvimento. alimentar expresso em calorias é inferior ao do Egito e das
Trata-se de um debate bizantino? Absolutamente ! O Filipinas ; sua percentagem de analfabetos é comparável à ela
dilema tem uma grande. atualidade. Se o desenvolvimento e T ailândia, e su a taxa de mortalidade infantil está situada entre
o subdesenvolvimento são duas categorias fundamentais, os a de Hong Kong e a de Marrocos.
Estados Unidos e a URSS, apesar de suas diferenças e. seus
antagonismos, formam sociedades irmãs, pertencendo ambas ao ( l ) U tiliza remos por ex. N. GINSBU RG , Atlas o f e co n omic
que Raymond Aron denomina a Sociedade Industrial (que t!o: nelop ment, The U ni versity of Chica go Press, 1961, p ág. 119.

22 23
A baixa taxa de analfabetismo, mas também o poderio da
indústria japonesa fazem com que se hesite em colocar o Japão
entre os países subdesenvolvidos, apesar de sua renda nacional
e seu regime alimentar serem bem medíocres. Existe assim
um pequeno número de casos litigiosos, países que, em vista
das estatísticas, apresentam ao mesmo tempo caracteres de país
desenvolvido e sintomas de subdesenvolvimento: Venezuela,
Argentina, República Sul-Africana, Japão, Itália (em razão do
lugar que nela tem o Mezzogiorno), Romênia, Hungria. Exis-
tem, como pensam alguns, países semidesenvolvidos, interme-
diários entre os dois grupos principais? Não pode ser depois
de uma simples aproximação estatística, de fato cômoda mas
rudimentar, que se poderá decidi-lo.
Feitas essas reservas, é possível traçar uma lista aproxi-
mativa e provisória dos países subdesenvolvidos. A dos países
indubitavelmente desenvolvidos é mais simples de enunciar pois
infelizmente é bem mais curta. Eles aparecem no quadro se-·
guinte em caracteres em negrito, com um produto nacional
bruto superior a 500 dólares por habitante e por ano.

PRODUTO NACIONAL BRUTO (EM DôLARES )


POR HABIT ANTE E POR ANO

Estados Unidos. Ca no:dá:. . . I


+ de 2 000 $
Suác!a. SuíçCI, Luxe:mbmqo, Ausi~ál!a. No'l'a Zeléb:u:llo:, ·~ve-;3}_] \ . i
~· 1 ~---B--.
+ d e 1 500 $ :'

: ·. \ \ ~. - -
Dinamarco;, Aleootlnha OcidG>n!al, irrar.ço:, l!':Hii0teno:.
- -- ---- Norueqcz, Ee!gicQ\, · Isl&ndla. Finl&ncl!a, :Países '!iabros, I' .rt" \ ' !! ~ ~
+ de 1 000 $ . -..
.,
t\ '\)
URSS. Tcheccslc wáqu!o:, AlemanhCl Oriental. r~ L.... . . . 'l --\}.- ~
h ··. : ' ' I --._.,
500 $ Itáli a, Po lônia, Hung ria, A u s!rl.a. lrlcmda. lo~o:eL
' ~
+ de
Ven ezuela, Porto Rico, Ur uguai, Romê nia. --- •.i '•a
I ~ -

+ de 250 $ Iugoslávia, República S ul-A fricana, Argentina, Bul-


gária, C uba, Pa namá, Espanha , Japão, Colômbia,
'
Costa R ica, Malásia , Turquia, Grécia, Líbano,
Jamaica, Brasil.
+ de 100 $ Equador , Portugal, Filipinas, I raque, M éxico, Chi-
le, Guatemala , A rgélia, Aráb ia Saud ita, M a rrocos,
Peru, G a na, Rodésia, Vietnã do Sul, Egito, T u n í-
sia, Ceilão, Síria, Paragu ai, Formosa, Irã, Sudão.
- de 100 $ Gongo ex-belga, J ordâ nia , Líbia, Coréia, H aiti,
C hina, l n d ia, Pa q u istão , Bolívia, Nigé ria , Kênia,
T a nganika , Estados d a cx-A.O.F . e d a ex-A.E .F.,
Afeganistão, Etiópia, Birm ânia, L aos , Camboj a,
Nepal.

24
Excetuando-se os países desenvolvidos ( 600 milhões de . Assim, por exemplo, o potencial pedológico da zona tro-
homens), restam cerca de 90 Estados e territórios: uns (em pical. e. o ~a zona temperada !>ão bastante desiguais: os solos
· caracteres itálicos no quadro) não podem ser classificados entre tropi~ais sao, na sua grande maioria, muito mais pobres e
os países incontestavelmente desenvolvidos, mas não é seguro frágeis do que os outros. Contudo, a ação de outros fatures
que sejam países subdesenvolvidos. Estes 90 países compreen- econômicos em particular, impede muitas vezes esta dif;
dem 2 400 milhões de homens aproximadamente e se estendem rença de potenciais de se' manifestar plenamente: os países
sobre cerca de dois terços da superfície dos continentes. Os subdesenvolvidos da zona temperada enfrentam também con-
países desenvolvidos se localizam na zona temperada, os países side!áveis dificuldades agrícolas. Seus camponeses, que dispõem
do Terceiro Mundo se estendem do Equador até latitudes bas-
teo~Icamente de u~ pote~cial natural oastante rico, mas que
tante altas como a China do Norte (paralelo 45.o), de uma
0 e~tao colocados na Incapacidade de explorá-lo plenamente, não
parte, e como as do Chile Meridional (além do paralelo 50. ) , tem, como o mostra R. Dumont, uma produtividade suficien-
de outra parte. O Terceiro Mundo cobre pois a zona inter- temente superior à dos cultivadores que vivem sob o calor da
tropical e ultrapassa largamente a zona temperada. Enquanto floresta equatoriana.
os países desenvolvidós são povoados exclusivamente de euro-
peus ou de populações originárias da Europa, o Terceiro Mundo As conseqüências humanas dos fatos fisicos não devem
reúne populações etnicamente muito diferentes. ser nem sub nem superestimadas. A disparidade das condições
naturais através do Terceirq Mundo não é a priori um obstáculo
Primeiramente, o grupo · dos países subdesenvolvidos apa· ·maior à existência em nível planetário de um conjunto coerente,
rec~ como heteróclito. Querer descobrir nele um conjunto de for:nado pelos países subdesenvolvidos. Resolvido · esse pri-
caracteres comuns pode, em primeiro lugar, parecer uma aposta. meiro problema, é possível abordar o exame dos caracteres
Talvez seja a evidência dessa disparidade de dados geográficos comuns que oferece a maioria, senão a totalidade dos países
que dissuadiu os economistas e os sociólogos de empreender a subdesenvolvidos.
análise das realidades concretas do conjunto dos países subde-
senvolvidos e que os levou a se abstraírem delas, para procurar Est~ a?ális~ do Terceiro Mundo, visto na sua generali-
uma definição a priori do subdesenvolvimento. O geógrafo é d~de, . nao Implica contudo uma minimização de sua grende
hoje, sem nenhuma dúvida, quem pode resolver tal dificuldade. diVersidade. Esta será evocada no fim deste livro. Ela será
estu~ada sobretudo numa próxima obra, em que o subdesen-
Os erros que foram cometidos no fim do século XIX por
volvimento será estudado, não mais como situação planetária
uma geografia nascente, ainda impregnada de uma concepção
mas n_a escala de · situações que ocupam espaços mais restritos'
muito estreita do determinismo, foram hoje corrigidos. A com-
plexa e relativa significação humana dos fatos naturais é hoje no. se1o . dos quais são aplicadas políticas de desenvolviment~
multo diferentes.
apreciada de uma maneira muito mais justa. As combinações
de fenômenos que se estudam hoje são com efeito muito mais ~ É com~do considerar que essas diversas situações se sobre-
largas: a ação de um fator pode ser reforçada ou, ao contrário, poem umas as outras formando uma espécie de diferentes níveis
atenuada pelo jogo de outras fôrças . Um mesmo elemento de a~álise: na base, as múltiplas situações locais e regionais;
físico ou dos meios naturais vizinhos pode provocar para os em CI?Ia, ~s que caracterizam um conjunto de regiões do Estado.
homens conseqüências bastante diversas, se vivem em condi- As s1tua~oes do ní~el superior cobrem um grupo de países,
ções econômicas e ·sociais muito diferentes. Inversamente, ~ma fraçao de cont;mente, ou um continente inteiro. O todo
condições naturais muito diferentes podem não provocar con- e coroado pelas situações planetárias: cada uma entre elas
seqüências bastante diversificadas para as coletividades huma- res~lta de. uma combinação de fatores que se tornam cada vez
nas, colocadas em condições econômicas e sociais equivalentes. n_:a1s locahza~os , concretos e particulares quanto mais a sítua-
É evidente que essas considerações só são válidas num çao ~e l?c~hza no nível inferior, domiciliada num quadro
grau relativamente elevado de generalização, quer dizer, no esp.acial lrmttado. Inversamente, quanto mais a situação carac-
e
quadro de observações raciocínios que atingem vastas extensões. teriza vastas extensões, tanto mais os fatures que a compõem
são gerais e expressos em krmos abstratos. Isto resulta da
26
27
generalização dos traços comuns às diversas situações subja-
centes . Assim, a situação regional é constituída pela síntese
dos caracteres comuns às situações locais, englobadas na região.
Feita a dedução dos aspectos específicos de cada uma delas, as
diversas situações regionais fornecem os traços da situação de
nível nacional ~te. Para atingir o nível planetário, este p ro-
cesso de generalização progressiva ultrapassaria f!S possibili-
dades de investigação de um indivíduo. se não disnusesse de CAPITU LO li
\
numerosos trabalhos de dntese efetuados anteriormente para
descrever as múltiplas situações dos diferentes níveis. A _pre- SUBALIMENTAÇÃO E DESPERDíCIO
sente obra é essencialmente otientada para a análise das situa-
ções do nível superior.
E v<tcadas essas questões de método, é possível abordar a I - I nsuficiência alimentar
análise :las características comuns ao conjunto dos países sub-
desenvc lvidos. Cada uma delas é por sua vez 8 causa e a con-
seqüência de muitas outras, e também um "sintoma" de subde-
senvoh imento. O estudo aprofundado de cada uma dessas
A FOME É, de longe, o sintoma mais grave e mais geral do
:;11hdesenvolvímento. Resulta de todo um coniunto de causas
características poderia necessitar um volume especial, tal a sua ,. provoca toda u ma gama de conseqüências. Sendo a alimen-
I[ impor' ância e complexidade . Detemo-nos também mais no 1:t\ão a necessídade primeira do homem e a busca da alimen-
aspect} sintético do problema, no exame das interações, do 1''\·?ío tendo sido, durante milênios, uma preocupação quase
que La análise intensa. de cada elemento da combinação. •·hsessiva, a fome é, entre a5 características do subdesenvolvi-
lliéllto, aquela que mais profundamente choca a opinião dos
l'"íscs ricos. E a manifestação mais flagrante da miséria, a
n prcssão das privações que não é possível eludir: admite-se
q11c os homens fiquem nus (é, diz-se, "a tradição" ), que se
;dujcm em cabanas (à primeira vista é "pitoresco"), que sejam
•1, 'entios (não existe a doença nos países desenvolvidos? ) , que
11ãn tenham trabalho {"certamente não gostam de se cansar")
•·te., mas não é possível admitir a fome. Sua denúncia é, de
fato, o único meio de levar a opinião pública dos países desen-
volvidos a tomar consciência d os problemas do subdesenvolvi-
mento . Atualmente a fome caracteriza á totalidade dos países
s11bdesenvolvidos . Mesmo na Argentina, onde o regime ali-
mentar médio é contudo copioso, uma importante fração da
população sofre d e uma nítida insuficiência alimentar.
No entanto, apesar da -amplidão de seu significado, a fome
11i'i o pode ser considerada como o critério único, necessário e
s11ficiente, do subdesenvolvimento. Não é possível colocar de
for ma absoluta : fome = subdesenvolvimento. Com efeito , os
•Iois fenômenos não coincidem exatamente, nem no tempo nem
110 espaço. À exceção de uma minoria de privilegiados, mais
ou menos restrita, segundo o país, a fome afetou o conjunto

28 29
da humanidade até o fim do século XIX. Foi particularmente •• maior número de jovens é que será o menos mal alimentado.
grave entre os habitantes dos países hoje desenvolvidos, não l'••r outro lado, as necessidades alimentares energéticas são
1.1rr lo mais fracas quanto as temperaturas médias são elevadas.
somente antes da revolução industrial mas também até uma
época em que o crescimento econômico já era considerável. llaí tjue na zona intertropical a ração alimentar optimum não
lt"rn necessidade de ser tão grande quanto nos países menos
Ainda hoje, num bom número de países ricos, uma fração da
•JIII"IllCS.
população não dispõe de um regime alimentar suficiente. A
fome acompanha situações econômicas e sociais bastante diver- Levando em conta a composição por idade das populações
sas e resulta de causas muito diferentes. A insuficiência ali- ,- as condições climáticas, os nutricionistas podem pois cal-
mentar dos africanos não tem a mesma causa que a dos prole- ' ulat·, por habitante e por dia, as quantidades médias de calo-
tários europeus do século passado. Atualmente, a fome dos rr; r:; necessárias à manutenção da boa saúde, para diferentes
caçadores da floresta equatorial não tem as mesmas causas l'aíscs . Estas quantidades são vizinhas de 2 400 calorias para
nem exatamente os mesmos · aspectos daquela que sofre a popu- •• América Latina, a Afric& e o Oriente Próximo, e de 2 300
lação das favelas. · ;•'••rias para o Extremo Oriente. OJ Os cálculos fariam pensar
As fomes agudas que outrora provocaram diretamente a •pw a situação alimentar, do ponto de vista quantitativo, não
morte por inanição de numerosas pessoas são cada vez mais ... ·ria má para o conjunto da Africa e da América Latina: a
raras em nossos dias. Como se calcula hoje as conseqüências 1'' irucira dispõe de 2 350 calorias (necessidade coberta teori-
políticas que poderiam ter, são rapidamente juguladas pelo , .uucntc em 98% ), a segunda, de 2 450. A situação não seria
transporte e a distribuição de cereais, fornecidos por países 1'. ' ;rvt~ senão no Extremo Oriente onde, com 2 050 calorias
desenvolvidos que dispõe de estoques consideráveis. Contudo, .IL·•I'oníveis erri média, as necessidades só seriam cobertas em
fomes agudas pode:m ainda existir, seja em razão das dificul- !:•J•_•;,_ Por outro lado, as rações ultrapassam o necessário de
dades de acesso a certos territórios, seja por causa da anarouia I o a 20% na maioria dos países desenvolvidos.
política, sejam edim nas regiões em rebelião, que são sub~e­ Por interessantes que possam ser esses cálculos, seus · re-
tidas a um bloqueio metodicamente organizado. -.•ri 1ados tranqüilizantes não devem nos esconder realidades
Por outro lado, a subalimentação crônica, que é talvez a '""ito mais graves: de uma parte, a tomada em consideração
longo prazo mais destrutiva do que a fome, pesa sobre popu- ,.).,J,al de conjuntos tão vastos esconde os casos mais graves.
lações extremamente numerosas. Segundo o país, a impor- l+r lndia, 2 250 calorias são teoricamente necessárias, mas
tância quantitativa do regime alimentar diário médio está com- ... uwntc 1 700 seriam disponíveis ( 2 000 calorias segundo cer-
pre~ndida e~tre 3 500 e 1 500 calorias. Pode-se, numa pri- ,.,., autores), havendo portanto, um deficit de 25%. No Peru
• o mesmo o deficit teórico. Na África do Norte, o deficit
meira aproXImação, considerar que a subalimentação existe nos
país;s que não dispõem em média de 2 500 calorias diárias por ·.n ia de 21% (calorias necessárias, 2 430; disponíveis, 1 920).
habitante. De acordo com as avaliaçõ~s da FAO, cerca de I>c outra parte, trata-se de médias anuais. Ora, na maior
70 % da população do globo está teoricamente neste caso, e 1 •.llk das regiões rurais do Terceiro Mundo, a escassez antes

24% deve v1ver em média com menos de 2 000 calorias por dia. •f. r ··olheíta, dentro do período de entre-safra, é muito sensí-
v•·l. E é esse o período dos trabalhos mais duros; esses devem,
Certamente é possível evocar muitos argumentos para
l"•rtanto, ser realizados por populações que passam então
contestar esse balanço pessimista: até a idade de 10-12 anos,
111na fome aguda.
as necessidades energéticas são um pouco inferiores às de um
adolescente ou de um adulto; como a população dos países Enfim, e isto é essencial, as rações alimentares são médias
subdesenvolvidos conta com uma grande proporção de jovens • alnrladas para o conjunto da população. Ora, os países sub-
e crianças, resulta que, em relação à média das calorias dispo-
níveis, a quantidade de que eles não têm "necessída le" pode (I) Ver P. V. SUKHATME, "The World's Hunger a nd Future
teoricamente servir para melhorar a ração das outras classes ~l····d~iu Food Supplies", ]oumal of the Royal Statistical Society,
de idade. Com regime alimentar igual, o país que conta com '"'" A, vol. 124, 1961.

30 31
desenvolvidos se caracterizam, como veremos, pelas desigual-
dades sociais extremamente acentuadas. Estas são em geral A fome oculta é particularmente grave, pois seus efeitos
particularmente acentuadas nos países mais desprovidos. Um::~ são complexos, terríveis e em grande parte irreversíveis.. Ela
reduz sensivelmente as faculdades físicas e intelectw.,; . e afeta
minoria privilegiada vive num nível de vidá na maioria dos
par~cularmente .os grupos vulneráveis da população e, em
casos muito superior ao das categorias mais ricas dos países
desenvolvidos. Em certos lugares, sua superioridade se mani- par:Icular, as crianças, que sofrem as conseqüências por toda
a vida.
festa ainda principalmente por um consumo alimentar desme-
surado.. No Tchad, por exemplo, não dispõe um sultão de uma A insuficiência qualitativa é particularmente difícil de
ração diária -de 15 000 calorias, enquanto uma grande parte resolver. · Com efeito, os elementos "protetores da saúde"
da população tem de viver com 950 calorias? (Balandier). U> são geralmente produtos caros. E particularmente o caso das
proteínas animais . Com efeito, uma caloria em carne leite
Existe pois uma grande diferença entre as realidades con- ovo etc., resulta da transformação pelo animal do equi~alent~
cretas da fome e sua avaliação pelas médias. Contudo, a com- a 5 a 10 calorias, ingeridas por ele sob a forma de produtos
paração entre a ração média disponível e a quantidade de alimentares vegetais. Existem outras dificuldades: como os
calorias teoricamente necessária mostra claramente, desde já, deitas da insuficiência alimentar qualitativa não se traduzem
que a extrema gravidade do problema da fome resulta, em por uma sensa.ção de fome (mas em geral ao contrário por uma
grande parte, das desigualdades s~iais. Uma repartição mais perda. de. apetite)~ como estes produtos dispendiosos não pare-
igualitária permitiria atenuá-lo sensivelmente. cem mdispensáveis, as populações preferem muitas vezes se
As necessidades energéticas quantitativas que determinam priva: deles, para poderem efetuar outras despesas, alimentare~
a sensação de fome quando não são satisfeitas, ajuntam-se as ou nao. Em numerosos países ocorreu a substituição das cul-
necessidades qualitativas cuja não satisfação engendra, a longo tura~ alimentares, na totalidade ou em parte, por uma cultura
prazo, as doenças de carência. Regimes alimentares· bastante destmada à exportação, o que levou ao desaparecimento da ali-·
copiosos mascaram uma fome oculta quando faltam as vitami- mcntação tradicional; esta era relativamente equilibrada e sua
nas, sais minerais, e, sobretudo, os elementos de grande valor :;ubstituição por um regime muito mais uniforme provocou o
biológico que são as proteínas, principalmente as de origem aparecimento de numerosas carências. A fome oculta é muitas
an.imal, que são indispensáveis à conservação e à constituição vl:zes mais intensa .nas cidades do que no campo, onde o con-
dos tecidos. Essas insuficiências qualitativas são mais extensas, :;• 1mo dos produtos da caça e da colheita (caça miúda, lagartos,
mais graves e sobretudo mais difíceis de remediar do que a 111setos, larvas, bagas, frutas) fornece proteínas e vitaminas em
insuficiência quantitativa: quantitativamente, a relação entre a q11antidades apreciáveis.
ração alimentar média mais fraca ( 1 500, Libéria, por exem- Em nu~_erosos casos, a insuficiência quantitativa dos ali-
plo) e a mais alta (3 500, Dinamarca, por exemplo) é da •nentos combma-se com sua pobreza nutritiva. Assim se sobre-
ordem de 1 para 2; qualitativamente, é da ordem de 1 para I •iic~ . c&rências de origem e · efeitos diferentes. F, possível
1.5: nos países mais mal nutridos, menos de 5 g de proteínas 1 la.ssificar num quadro de dupla entrada os países para os quais

animais são consumidas em média por habitante e por dia: I"XI.stem infor~~ções disponív~is: notemos, a propósito, que
nos países mais bem nutridos, a ração é da ordem de 70 g :a: trata de medias e que a desigualdade social agrava os efeitos
(Nova Zelândia). De acordo com a FAO, 58% da população •la desnutrição quantitativa e qualitativa.
mundial consumiria menos de 15 g de proteínas animais por
dia e 17% dos homens dispõem de mais de 30 g de proteínas
por dia (França, 45 g, USA, 65 g). ·

( 1) G. BALANDIER, Les pays en voie de développement. Len


Cours de Droit, 1961, pág. 312.

32
33
,- .. ·"·" ··---~ -~~~ --~-- -"'-·--··-··--
·----------------·--·-~""""'""'-·""'·'"'·""· =-----------------------
decidi-lo. A reálidade deve ser sensivelmente mais sombria por
MENOS DE 2 000 DE 2 000 A 2 500
CALORIAS DI~RIAS CALORIAS DI~RIAS uma outra razão ainda: num grande número de países, nos
MENOS DE 10 G
últimos vinte anos, a economia de auto-'subsistência recuou em
DE PROTElNAS índia, Ceilão, Irã- Ira- China, Japão, Síria, proveito de uma economia de troca, cuja produção é ·melhor
ANIMAIS que, Líbia, República Países da ex-A.O.F. recenseada pelos serviços de estatística. Isto torna artificial
Dominicana, Salvador. ·
uma parte do progresso da produção alimentar que foi reali-
DE 10 A 20 G Filipinas, Peru, ~frica México, Rodésia, Egito, zado nos países subdesenvolvidos. Nessas condições, a melho-
DE PROTElNAS do Norte. Paquistão. · ria qualitativa da alimentação não parece ser possível, pois a
ANIMAIS produção de proteína animal implica (exceto na pesca, daí seu
DE 20 A 30 G Itália, Turquia, Grécia, interesse) na . transformação de uma quantidade de produtos
DE PROTEfNAS Chile, Venezuela, Co- alimentares vegetais relativamente muito grande.- Assim, pata
ANIMAIS lômbia, Brasil, ~frica o conjunto da América Latina, a ração em proteína animal
do Sul. passou de 29 g·por dia, em 1948-50, para 24 g, em 1956-58.
Passou de 6 a 8 g no Extremo Oriente provavelmente graças
A fome tende a diminuir? Desde antes da guerra, a po- à contribuição da pesca.
pulação do globo cresceu de 35% aproximadamente e a pro-
dução alimentar aumentou de · 52%, segundo a FAO. (A China
a
Segundo FAO, a liqüidação da fome oculta no conjunto
do Terceiro Mundo, levando em conta seu crescimento demo-
está excluída destes cálculos). Este balanço é satisfatório em
gráfico, necessitaria que a produção de leite e de carne aumen-
razão dos consideráveis progressos agrícolas realizados nos
tasse ao menos de 500% nos próximos. quarenta anos. Como
países desenvolvidos: na América do Norte a população cresceu
uma caloria de produto animal implica a utilização anterior de
de 40% e a produção alimentar de 68%; na Europa, o
7 calorias vegetais em média, vê-se a amplidão do progresso
aumento demográfico foi de 12% aproximadamente, enquanto
necessário.
a produção alimentar foi majorada em cerca de 50%.
Ao contrário, no conjunto do Terceiro Mundo, os pro- Este lento agravamento de uma sit~ação alimentar já ca-
gressos da produção alimentar não chegaram a cobrir o cresci- tastrófica é um dos traços essenciais do subdesenvolvimento.
mento demográfico.
No Extremo Oriente ( exclusive · a China) e na América II - Recursos negligenciados ou desperdiçados
Latina, a população aumentou com rapidez sensivelmente maior
que a produção alimentar. A Africa tende há alguns anos a ·.As dificuldades dos países subdesenvolvidos e em parti-
apresentar o mesmo fenômeno. Assim, segundo o relatório da cular a fome que os castiga são freqüentemente consideradas
FAO para 1960, a quantidade de gêneros alimentícios produ- como o resultado da mediocridade de seus recursos naturais,
zidos em 1959-60 por habitante nestes três grupos de países de uma parte, e do excessivo efetivo da população, de outra
era inferior em 3% à média dos anos anteriores à guerra. parte. Contudo, o Terceiro Mundo não é uma parte do globo
Estas médias dissimulam situações muito piores num grande naturalmente deserdada, como as zonas áridas e polares. É
número de países. Além disso, a tomada em -consideração das certo que as deficiências agrícolas dos solos tropicais, sua po-
produções alimentares no seu conjunto é enganosa pois inclui breza e sua· fragilidade constituem dificuldades relativamente
produtos destinados à exportação (açúcar, café, cacau, chá, delicadas a superar ou a elidir num grande número de países.
frutas tropicais, oleaginosas), cujo aumento foi muito mais Alguns geógrafos chamaram justa~ente a atenção sobre esses
rápido em geral do que o dos produtos consumidos. Ora, como problemas <l>, mas seria necessário muito mais para que se pu-
o veremos, os cultivadores não obtêm um preço justo pelos
produtos de exportação. Na maioria das vezes teriam maior
interesse em produzir para si mesmos, mas não são livres para (1) Por exemplo, GOUROU, Les Pays tropica~x, Presses Uni-
versitaires de France, 1948, pág. 196.

34
35

. -··-·- ----·--·-·-·------·
desse considerar esses obstáculos naturais como a causa essencial hoje praticar os longos alqueives que são necessários para
das dificuldades econômicas dos países subdesenvolvidos. Com manter uma relativa fertilidade ; assim estes magros solos
efeito, o Terceiro Mundo não cÔrreponde somente à zona dos degradam-se rapidamente. Estes terrenos, que são os mais
solos lateríticos. Ele se estende, com características econômicas fa;oráveis são contudo os que permitem uma exploração menos
e sociais comparáveis, com uma miséria análoga, sobre regiões difícil pa;a as populações fràgilmente equipadas tecnicament:.
extratropicais, que não são pois sujeitas aos mesmos imperativos Os fundos de vales, que oferecem possibilidades de uma agn-
naturais e que dispõem de um potencíal pedológico bem superior. cultura estável e de rendimentos bem superiores, poderiam ser
A imagem que se faz do Terceiro Mundo . é, de alguma cultivados somente com a condição de que os camponeses esti-
maneira, uma multidão disputando o conteúdo de um guarda- vessem organizados e equipados para poder efetuar os nume-
-comidá miseravelmente provido pela natureza. Apesar de rosos trabalhos que requer a agricultura irrigada.
absurda, uma outra imagem corí:esponde muito mais à reali- Ao contrário na Ásia . das monções, onde se d~senvolveram
dade: uma multidão que se aperta diante das portas em geral civilizações capaz~s de realizar grandes obras de irrigação, foi
fechadas de um armário muito bem fornido. A maior parte nos vales e nos deltas que se acunmlou a população. _Mas a
dos países subdesenvolvidos dispõe com efeito de um potencial situação não é melhor. Com efeito, é preciso proceder a mu~e­
natural considerável, mas sua exploração é extremamente imper- ráveis trabalhos para evitar que :::aiam os rendimentos ( ae1ma
feita e parcial. Por célebres que sejam, os exemplos de Java, de tudo medíocres) de solos qne são terrivelmente superexplo-
Formosa, Antilhas e Japão, ilhas bastante povoadas com recur- rados. A solução reside, entre outras, na contribuição de ester-
sos agrícolas exíguos, são cont,udo casos excepcionais. Na maior cos químicos e adubos. Ainda aí, uma grande parte do_pote__?-
parte do Terceiro Mundo, existem vastos territórios cultiváveis cial agrícola é inutilizado: fora do~ vales! ~ ast:s ext~nsoes sao
que não são utilizados : assim, apesar de um quarto da super- exploráveis. Seria possível estender a 1rngaçao ate elas, ou
fície da América Latina ser cultivável, sem _necessidade de se praticar uma criação de bovinos . que forneceú a _leite, carne,
recorrer a métodos técnicos extraordinários, soment~ 5% do forÇa de tração e estrumes naturais de que os cu~tlvadores dos
solo é explorado, e ainda de uma forma muito medíocre. vales tanto necessitam. Como o destaca Rene Dumont, o
Imensas extensões são monopolizadas por grandes proprietá- sucesso das plantações de cactus ine~m e e outras espécies
rios que, por razões complexas, não as valorizam praticamente vegetais particulares (Digitaria umpholo.zt,. ~ndr.op ogon goyanus)
nada; 1,5 % dos proprietários fundiários possuem mais de abre perspectivas imensas para a constltUJçao de pastagens rel~­
50% das terras agrícolas da América Latina. Na maior parte tivament~ ricas ern extensões de solo bastante pobres submeti-
li do Terceiro Mundo, os rendimentos agrícolas são medíocres das a longos períodos de seca. No conjunto do Terceiro
ou muito fracos, mesma nas regiões de cultura intensiva. Mundo, a cultura e a criação, em geral praticadas por grupos
A laterilidade é citada como a maldição dos países tropi- diferentes, são geralmente dissociada~/ e _so~rem m':ltuament~
cais, mas nem todos os solos são lateriticados: alguns, as devido a essa distorção. Ora, uma revoluçao nas forragens
aluviões do fundo dos vales em particular, escapam à forma- (R. Dumont) 0 > é possível e necessária, pois é a condição de
ção rápida de uma couraça latérica após o desbravamento e o passagem a uma agricultura intensiva .na América La~ina e na
cultivo. O ra, na maior parte da África e da América tropicais, Afrka, e para o aumento dos rendimentos na Âs1a . Nos
essas terras, que constituem o verdadeiro potencial agrícola países subdesenvolvidos os recursos são f!Zenos raros que a
desses países, não são geralmente valorizadas. capacidade de os articular utilmente entre st.
Ao contrário, as zonas interfluviais onde se encontram os Uma outra grande dificuldade que enfrentam os . agricul-
solos mais pobres e mais frágeis constituem a parte essencial tores dos países subdesenvolvidos é provocada pela Irr~gula­
dos terrenos cultivados: só se pode praticar sistemas de cultura ridade das condições climáticas : a maior ou menor duraçao da
itinerante, apoiados nas queimadas, e os rendimentos são
I muito fracos . Devido ao aumento da população e ao desen- ( 1) R. D UMONT, Afríque Noire, dé ue loppem en t ag ricole,
volvimento das culturas de . exportação, não é mais possível
I
[I
l'resscs Univcrsi ta ircs de Francc, 1961, pág. 212.

36 37
estação seca, o atraso da estação chuvosa, a inundação, sãc restritas. Seu potencial de industrialização é contudo bastante
ressentidas de uma forma particularmente dramática por culti- considerável também. Se é fato que alguns Estados (de pe-
vadores que não dispõem de meios suficientes para remediar quena superfície, na maior parte) parecem dispor de possibi:
estes elementos aleatórios. A extensão das redes de irrigação lidades muito limitadas, a maioria dos países subdesenvolvidos
e o aumento do volume das águas estocadas nas barragens, de esconde recursos abundantes e variados. É fato que, excetuan-
uma parte, um instrumental agrícola suficientemente poderoso do a China, que dispõe de reservas carboníferas enormes, bem
para poder acelerar, se fór necessário, as operações culturais, repartidas e facilmente exploráveis (ela é hoje a primeira
de outra parte, permitiriam atenuar os efeitos desastrosos da produtora mundial de carvão), parece que o Terceiro Mundo
irregularidade dos fenômenos climáticos. Na maioria dos países não é dotado de grandes reservas carboníferas. Na época em
subdesenvolvidos existem grandes possibilidades de aumentar ·que o carvão era ainda a base indispensável do desenvolvimento
a irrigação, mas faltam os capitais necessários a estes traba- industrial, a África, a América Latina e uma boa parte da Ásia
lhos e as condições que asseguram sua rentabilidade, no estado poderiam aparecer . seriamente em desvantagem pela raridade e
atual das coisas. pequenez dos recursos carboníferos descobertos. Uma pros-
As potencialidades agrícolas da maioria dos países subde- pecção mais intensa pode sem dúvida aumentar sensivelmente
senvolvidos são, pois, grandes e o Terceiro Mundo, onde estas reservas.
domina a fome, é um "mundo baldio" ( G. Ardant}. A utili- Mas hoje existem condições novas que são extremamente
zação dos recursos do Terceiro Mundo é bem inferior à da favoráveis ao desenvolvimento das indústrias de base: de uma
maior parte dos países desenvolvidos. É certo que nestes parte, o Terceiro Mundo, com o Oriente .Médio e a América
últimos subsistem extensões que poderiam produzir mais. Mas Latina, detêm a maior parte das reservas de hidrocarbonatos;
seu significado e as conseqüências desta hão utilização são de outra parte, as facilidades · de transporte por navios de
completamente diferentes dos do Terceiro Mundo, pois em grande calado, o fato de existirem produções carboníferas exce~
numerosos países desenvolvidos as colheitas são já super- dentes em vários dos grandes países industriais, constituem
abundantes. condições . bem mais favoráveis à industrialização dos países
As dificuldades alimentares dos países subdesenvolvidos que não dispõem de grandes recursos em combustíveis sólidos.
não têm uma origem estritamente agrícola e os meios de saná- As siderúrgicas americanas e européias se- orientam .para a
-las dependem igualmente da indústria: de uma parte, as rendas importação maciça de minérios de ferro, dos quais a África,
de origem industrial tornam possível a compra maciça de pro- a América Latina e uma parte da Ásia dispõem de enormes
. dutos alimentares nos paises que os exportam; de outra parte, reservas. Estas constituem trunfos ainda maiores para o desen-
a indústria poderia pôr à disposição da agricultura os meios de volvimento industrial de numerosos países do Terceiro Mundo,
aumentar maciçamente sua produção: material de irrigação, em razão do esgotam.ento progressivo das jazidas situadas na
tratores, instrumentos; inseticidas, adubos. "Cinco toneladas proximidade das velhas regiões industriais. É possível desde
de carvão permitem obter aproximadamente uma tonelada de já divisar nos portos de exportação de minério a construção
azóto puro. . . (este) fornece, nas condições agrícolas ordiná- de grandes centros siderúrgicos. Eles poderão tratar uma
d
'I
rias, um acréscimo da produção ·no valor de 20 toneladas de parte do ferro graças ao coque importado pelos navios de
,I
trigo. . . (Assim) a produção anual de um mineiro europeu minério. ·
cobre as necessidades alimentares de 1 000 pessoas" (F. Enfim 1 como o sublinhou G. Ardant, existe nos países
Baade). <1>
subdesenvolvidos um grande poten~ial de produção muito mal
Ora, é de fato bastante conhecido que os países subdesen- utilizado: os homens. Com efeito, uma grande proporção de
volvidos se caracterizam por uma produção industrial das mais mão-de-obra se encontra sem trabalho durante vários meses do
ano. Uma outra é na realidade cronicamente subempregada.
( 1) F. BAADE, La co1me à l'an 2000, Presses Univcrsitaircs de "Está certamente aquém da realidade calcular que existe no
France, 1963, pág. 265. mundo subdesenvolvido 200 milhões de homens cujas possibi-

38 39

. - --- - - - - - · - - - - - -- __ .... _, - .
lidades de trabalho se perdem durante 100 dias por ano tanto pelo Estado e pelos ricos, como pelos pobres que perdern
ou seja 20 bilhões de j~madas perdidas. (Esta ) cifra é bem somas adquiridas penosamente e se endividam pelo jogo ou
inferior à J:eslidade. . . Somente p8ra a China, Chu En- L ai pela compra de objetos completamente supérfhws, As
estimava em 14,8 bilhões o número de jornadas de trabalho nas são raras , mas na ;-naioría dos casos deterioranJ se por De-
disponíveis". (lJ gligencia e são abandonadas sem set reparadas. I'lum grande
número ele países cujas possibilidades agrícolas são limitadas
Diretamente visível, ou mascarado por atividades cujo e onde domina a fome, a produção é orientada, não para as
efeito produtivo é quase nulo, o subemprego é uma das carac- culturas alimentares, que são contudo muito insuficien tes, mas
terísticas fundamentais do subdesenvolvimento.
para os produtos de exportação, e uma grande parte das som as
Não somente uma parte muito importante do potencial que são retiradas deste comércio são utilizadas para a compra
agrícola, industrial e humano do Terceiro Mundo não é utili- de bens supérfluos.
zada, mas recursos e meios de produção consideráveis são Nos países onde se tem fome, os estoques alimentmes
desperdiçados. Num país desenvolvido, cronicamente amea- podem ser perdidos por falta de compradores : coro deito, na
çado pela superprodução, o fato já é chocante e dificilmente maioria dos casos, as populações não vivem mais hoje ::m
admissíveL Mas que dizer dessa anarquia num país onde os economia de subsistência: elas devem vender sua colheit a para
homens têm fome e reclamam trabalho! Na maior parte dos pagar o usurário, o propriet ário, o intermediário, c) m .m ':r-
países subdesenvolvidos "o fenômeno do desperdício (é), como ciante. Se em seguida não possuem mais com que comptnr 8.
o escreve D anilo Dolci a propósito da Sicília, um fenômeno alimentação que lhes é necessária, as quantidades que lbes
maciço, complexo e absurdo ao mesmo tempo. o Não é raro
o
foram extorquidas encontram poucos comp:<:aélores
que se i mn.:~em fora as coisas literalmente; não é raro, conscien- numa massa empobrecida . Assim, fato paradoxal, não ~ Tara
.i~ement~ ~u não, oue se deixem desempregados r ecursos já (isto mais num passado próximo do que hoje ) que pa'ises cnde
existentes; não é ~nHmos raro que se negligencie de obter predomina a fome seíam exportadores de produtos alimentícios:
novos". <2 l a alta geral dos preços que segue uma coiheita
Bste desperdício assume as formas mais numerosas e va- deficitária , regionalmente localizada, impede o con junto
riadas. E verdade oue cada uma delas se explica pelo con- populaçãc ele comprar os produtos disponíveis, que ;:ncontran\
t exto ewnômico e ~~cial, mas o total não é menos absurdo, compradores pela exportação. Assim, como o denunciou R
Nos países onde se sabe que o potencial pedológico é frágil Dumont, o T onkim faminto, onde os camponeses n?;o
e relativamente restrito, pratica-se .ainda uma verdadeira ''agri- comprar sua colheita, exportava arroz antes da guerc-a
cultura mineira", As terras são cultivadas de tal maneira que França.
estão arruinadas em alguns anos. São abandonadas em troca
Assim, o subdesenvolvimentc não pode ser caracterizado
de novas regiões que, após desbravadas, sofrerão a mesma sorte .
fundamentalmente como um desequilíbrio entre os recursos
Nos países onde a água é uma riqueza, deixa-se perdê-la. naturais e o efetivo da população. A grande maioria da popu-
Barragens foram construídas, mas os perímetros que elas lação do Terceiro Mundo não vive mais em economia natural
deveriam irrif!ar continuam incultos ou abrigam culturas muito de autoconsumo, mas numa certa forma de economia de troca,
extensivas . Os países subdesenvolvidos sofrem de uma falta caracterizada justamente pela fraqueza das trocas interiores.
de indústrias e de capitais. Mas grande número das fábricas O problema fundamental dos países subdesenvolvidos não é,
que foram construídas estão fechadas, por falta de mercado. contrariamente ao que se pensa em geral, o da insuficiência da
Somas consideráveis são dilapidadas em despesas suntuárias, produção: um potencial considerável facilmente explorávei
continua inutilizado ; os meios de produção agrícolas e indus-
triais são desperdiçados ou mal empregados; colheitas se per-
( 1) G. ARDANT, Le monde en friche, Presses Universitaires de
Francc, 1959, pãg. 307. ,ft:m, invendidas ; produtos, apesar de indispensáveis no país,
(2) D. DOLCI, Gaspillage, François Maspero, 1963, pág. 310. procuram mercado através da exportação. Não é tanto um

40 41
rios às inovações nas culturas, raridade, senão ausência, de rentes dos que foram evocados anteriormente: dispõe de Gapi-
matérias fertilizantes ou necessidade de multiplicar os trabalhos tais, de técnicas mais aperfeiçoadas; sua produtividade é mais
destinados a evitar a queda dos rendimentos dos solos super- elevada.
explorados. A estes fatores negativos se ajuntam os efeitos É pois necessano distinguir rutidamente na agricultura
da fraqueza física dos cultivadores subalimentados e doentes, da maioria dos países subdesenvolvidos dois setores bastante
e sua falta de interesse em relação às possibilidades de pro- diferentes:
gresso, cujos resultados lhes são inevitavelmente confiscados
pelo agiota. Os rendimentos são fracos: a cultura do milho 1 ) Uma agricultura onde dominam as produções para o
fornece 12 q. por alqueire na América Latina, 8 q. na Africa, consumo e que só secundariamente se orienta para a expor-
contra 25 q. nos Estados Unidos. Apesar do sistema de cultura tação. Ela abrange a maioria dos camponeses, mas cobre uma
intensiva, o Extremo Oriente só recolhe 16 q. de arroz por parte quase sempre reduzida da superfície cultivável. A agri-
ha ( 11,8 na fndia), contra .36 p. nos Estados Unidos e 45 q. cultura de exportação fê-la na maioria dos casos recuar para
na Europa; 7 q. em média por ha de trigo na fndia contra superfícies restritas, para as ·terras menos ricas e as regiões
30 q. Ha Europa Ocidental. Quanto ao gado, o rendimento menos bem servidas. Seu equipamento é bastante rudimentar,
aproxintado médio de uma vaca é de 160 I de leite por ano pois os capitais que dispõe são muito restritos. Seus rendi-
no Ext :emo Oriente; 240 1 na Africa, 410 1 na América Latina, mentos e sua produtividade são também muito fracos.
contra 1 320 I na América do Norte e 1 650 na Europa.
Este setor agrícola é freqüentemente denominado "agri-
Enquanto um cultivador norte-americano, secundado é cultura tradicional". Com efeito, um grande número dc:sses
verdace por uma possante indústria, pode em média alimentar traços foi herdado do passado, mas o autoconsumo que era
ricam ~nte 25 pessoas com frutos de seu trabalho de um ano, anteriormente um dos seus caracteres fundamentais, se não
enqu,lflto o cultivador europeu assegura uma copiosa alimen- desapareceu completamente, diminuiu consideravelmente, devi-
taçã(; a mais de · 10 pessoas, nos países subdesenvolvidos, o do às conseqüências da monetarização. Os camponeses são
camponês não pode assegurar · uma magra subsistência a um obrigados a vender, em condições que lhes são desastrosas, os
pequeno número ·de indivíduos ( 6 na Itália . e no Peru, 5 no produtos de seu consumo ou de exportação, a fim de se livra-
Brasil, 4 na fndia ) . rem das cargas que lhes são exigidas.
Esta produtividade é ainda mais baixa, sem dúvida, já 2) Uma agricultura bem mais favorecida é orientada essen-
que na maior parte dos países subdesenvolvidos os cultiva- cialmente para a produção destinada à exportação. Ocupa uma
dores são secundados de uma forma apreciável pelas suas crian- parte bem menor dos trabalhadores agrícolas; operários per-
ças, sua mulher, os quais não são recenseados como "ativos". manentes ou temporários, que trabalham em explorações geral-
Teoricamente, não há grande coisa para vender após estar mente de grande porte, contrastando com a pequenez das
assegurado . o consumo de sua família, que é relativamente explorações da agricultura tradicional. Estes grandes domínios
numerosa. Ora, uma grande parte dos países subdesenvolvidos ocupam, em numerosos países, lllÍla grande parte do espaço
se caracteriza pela importânda de suas exportações agrícolas, cultivado e as terras mais ricas. Este setor agrícola é em geral
fato surpreendente à primeira vista para agricultores cuja pro- chamado "agricultura moderna"; sua expansão é, com efeito,
dutividade é tão fraca. relativamente recente, e seu funcionamento é integrado no
É verdade que numerosos camponeses são obrigados, para mercado internacional. É também chamada de "agricultura
l'agar o agiota, o proprietário, o cobrador de impostos, a dis- colonial", pois foram os europeus em geral que a criaram. Se
por de uma parte de sua colheita alimentícia, ou a praticat este setor agrícola encontra dificuldades para escoar seus pro-
culturas de exportação, que são efetuadas em grande parte em dutos, devido à concorrência internacional e uma situação de
detrimento das produções de consumo. Mas a maioria dos superprodução em geral, é fato também que dispõe, contudo,
·gêneros agrícolas exportados pelos países subdesenvolvidos são graças ao mercado que lhe oferecem os países ricos, de um
produzidos por uma agricultura cujos traços são bastante dife- consumo infinitamente maior que a "agricultura tradicional",

44 45

· - · -- ------· ------- - -- ·----- ______ _____,.


constantemente freada pela pobreza do mercado interno . Os constitui três quartos das rendas agrícola, logo 70% da popu-
caJ:?itais que se investem numa atividade de exportação têm, lação diepõe de cerca de 20% da renda nacional.
p01s, geralmente assegurada uma taxa de lucro muito ma1s
Esta distinção, no interior da agricultura da maior parte
elevada do que aqueles que se implantam em função de uma
dos países do Terceiro Mundo, entre dois setores extrema-
clientela interior praticamente privada de poder de compra.
mente diferentes e, numa certa medida, antagônicos, constitui
Não é pois de admirar que a agricultura de exportação seja o
um aspecto particular de uma característica fundamental do
setor relativamente dinâmico, que se beneficie dos investimen-
subdesenvolvimento.
tos agrícolas essenciais e que sua maquinaria e sua produtivi-
dade sejam relativamente importantes. Por outro lado, ativi-
II
dades agrícolas, cujo desenvolvimento é contudo indispensá-
II - Uma industrialização restrita e incompleta
vel devido o crescimento demográfico, são negligenciadas e
às vezes mesmo deterioradas -em conseqüência da expansão da A fraqueza da industrialização é um dos traços mais evi-
agricultura colonial. dentes do conjunto dos países subdesenvolvidos, a tal ponto
O contraste entre essas duas agriculturas é extremamente que se tende a fazer do termo subdesenvolvimento um sinô-
nítido, por exemplo na Africa do Norte. Na Argélia, a agri- nimo de não-industrialização e do termo desenvolvimento um
cultura colonial ( 2 800 000 h a) cobria em 19 54 23% das equivalente de industrialização. Os países desenvolvidos, com
terras cultiváveis e 40% das terras efetivamente cultivadas. 25% da população mundial aproximadamente, realizam mais
Estas terras eram as melhores: ocupavam 75% da superfície de 90% da produção industrial total, 90% da produção de
das regiões onde o relevo e o clima permitiam uma utilização ::>.ço, e consomem 85% da energia produzida no mundo. Um
de mais da metade dos territórios. Os rendimentos em cereais país desenvolvido, mesmo quando não é munido de recursos
da agricultura "tradicional" eram inferiores em metade aos das energéticos e de matérias-primas industriais, é um forte consu-
agricultura "moderna": esta produzia metade dos cereais, midor de energia e realiza uma notável produção industrial: é
90% do vinho e agrume e 2/3 d2.s horticulturas . Ela fornecia o caso da Dinamarca, por exemplo, que utiliza o equivalente a
75% aproximadamente da renda agrícola . cêrca de 20 000 kw e 183 kg de aço por habitante anualmente,
enquanto um país subdesenvolvido grande produtor de petró-
Apesar de a agricultura empregar a maioria da população leo, como o Irã, só utiliza o equivalente a 800 kw e emprega
ativa, sua parte é relativamente frágil na renda naci-:,J;al da 14 kg de aço por ano, o que é bem superior pelo menos aos
maior parte dos países subdesenvolvidos: 61% da população 200 kw e 2 kg de aço utilizados pelos Estados da antiga
ativa brasileira era, em 1950, composta de trabalhadores agrí- A.E.F., por exemplo.
colas, mas esta só fornecia 35% da renda nacional. No México
O quociente de consumo energético é um bom critério do
( 1950), os agricultores representavam 61% dos ativos para
nível de industria1.ização. Enquanto mais de 8 t de equiva-
20% somente da renda nacional. (1) Na Afric9 Negra de língua
lente carbonífero (ou seja: carvão + petróleo + gás + hi-
francesa, a parte da agricultura na renda nacional é de 4 5%,
droeletricidade, expressos em seu equivalente calorífico em
e ~uperior a 80% na população ativa. A agricultura aparece
carvão) são utilizados por habitante anualmente na América
po1s como o grande setor desfavorecido. Como os grandes
do Norte e mais de 2,4 t em média na Europa ocidental, o
proprietários do setor agrícola moderno detêm, na maior parte
conjunto da América Latina só consome 600 kg por habitante
dos casos, uma parte preponderante na renda total da agricul-
anualmente, a Africa 320 kg e a Asia 200 kg ( 150 kg na
tura, a massa dos camponeses conhece uma extrema miséria.
índia). Da mesma maneira, na sua grande maioria, os países
Na Argélia, a agricultura emprega 73% da população ativa e
subdesenvolvidos utilizam menos de 100 kg de aço por ano
só fornece 29% da renda nacional. A agricultura colonial
e por pessoa (Chile, 54 kg; Marrocos, 19; Irã, 16; índia, 12;
Ceilão, 6; Bolívia, 1,7) e na maior parte dos casos trata-se de
(1) Revz;e Intemationale du Trauai/, ma10 de 1956. metal importado.

46 47
ll O conjunto do Terceiro Mundo só produz com efeito 38
milhões de toneladas de aço ( 18 milhões somente na China),
"setor secundário" : 11% na Africa, 1O% na Asia, 17% na
América Latina (contra, é verdade, 37% nos Estados Unidos
num total mundial de 365 milhões de toneladas. e 42% na Europa ocidental). E preciso ajuntar a essas y er-
Estas proporções e estes quocientes, que sublinham com centagens a maior parte da mão-de-obra que trabalha nas mmas.
evidência a extrema desigualdade da produção industrial no Estas indústrias extrativas são muito importantes em nume-
conjunto do mundo, podem causar enganos no que diz re,;- rosos países subdesenvolvidos. Assim, o Chile conta com
peito às realidades internas da maioria dos países subdesen- 30% da sua população ativa na indústria e nas minas. A pro-
volvidos. Estas médias fazem pensar que o Terceiro Mundo dutividade dessa mão-de-obra industrial dos países subdesen-
estaria à margem do fenômeno da industrialização, que se volvidos é evidentemente muito inferior ao normal admitido
I desenvolveu no século XIX na Europa ocidental. Para nume- nos países desenvolvidos, devido ao analfabetismo, . ao. mal
rosos autores, a economia e a sociedade dos países subdesen- estado de saúde e à instabilidade do emprego. A relativa msu-
volvidos estariam ainda num "estágio tradicional", anterior à ficiência da maquinaria reduz consideravelme~te ~s ren~i~en­
revolução industriaL tos: segundo W. A. Lewis "enquanto nos patses mdustrlats o
I estoque de capital reprodutível representa ~ tríplice da r~nda
Na maior parte do Terceiro Mundo as realidades são dife- nacional nos países pobres o estoque de capttal, exceto a terra,
rentes. índices e médias não dão uma idéia justa, pois a utili- .' ou íntlmamente
é inf enor . . a' renda nactona
supenor . 1". (l) É

I I
zação da energia e dos produtos metalúrgicos, por exemplo, é
extremamente concentrada, tanto de um ponto de vista espacial
como econômico e social. Num país desenvolvido, o conjunto
preciso notar que uma fração muito impor~ante. ~os e~e!iyos
do setor industrial é empregada na construçao ctvll ( ediflctos,
trabalhos públicos): 26% na Africa do Norte, 35% na Espa-
1.'1 I da população utiliza a energia para fins produtivos ou não, nha , no Congo ou na Jamaica, por exemplo, e até 44%
e os diversos setores da economia são consumidores de energia,. • dna
Rodésia do Norte (contra 15 a 20% somente nos patses e-
de metal e outros produtos industriais. Mas nos países subde- senvolvidos). As atividades de construção ocupam com efeito
í senvolvidos uma grande parte da população não te~ à · sua um lugar excepcionalmente forte, seja devido os. numerosos
I disposição senão as . suas próprias forças musculares ou a dos trabalhos de edificação de infra-estrutura econômtca (portos,
animais domésticos e não utiliza matérias industriais nas suas aeródromos, estradas, grandes barragens etc:),. como . devi~o
atividades produtivas. Por outro lado, existe uma minoria à propensão particular que apresentam os capttats para 1?vest1r
que dispõe de relativamente grandes quantidades de energia em imóveis. A abundante mão-de-obra dessas obras esta colo-
li para produzir ou para aumentar seu bem-estar.
Nos países subdesenvolvidos, a utilização da energia a
cada fora do meio industrial clássico, simbolizado pela fábrica.
:Estas reservas não permitem contudo negligenciar a impor-
\1 . título individual ou doméstico é essencialmente um fato restrito tância do setor de atividade secundária na maior parte dos
às classes afortunadas. A maior parte dos produtos energéticos países subdesenvolvidos. Como na agric':ltura, on,~e s~ ?põe~
e industriais é utilizada nas grandes cidades, nos principais uma agricultura "moderna" e uma agncultura tradtctonal ,
11
eixos de circulação e nas grandes emprt:sas industriais. existe um grande contraste entre a indústria propriamente dita
'· e o artesanato, caracterizado pelo emprego de ~étodos tradi-
A maioria dos países subdesenvolvidos dispõe de um

,· I potencial industrial, de fábricas e meios de transporte moder-


nos. É fato que é muito pouco em relação ao que possui hoje
um país desenvolvido, mas não é inteiramente negligenciável.
cionais e por sua decadência quase geral. Agrtcultura "colo-
nial", minas e indústria se aproximam em muitos pontos nos
países subdesenvolvidos; formam uma importante parte d7 um
Numerosos países do Terceiro Mundo estão, no conjunto, me- setor de economia moderna, que contrasta, por suas ortenta-
lhor equipados do que o estavam certos países, hoje desenvol- ções, seus métodos e suas estruturas, com o resto da econo-
, ' I ,
. r·
vidos, nos meados do século XIX.
Nos países subdes~nvolvidos, uma proporção não negli- ( 1) W. A. LEWIS, A Teoria do Desenvolvimento Econômico,
genciável da população ativa é empregada nas atividades do Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1962.
I
48 49
. '
I

,1,
li I
mia, caracterizada, entre outros fatures, pelos vestígios mliJs dinos na Africa, 63% na Asia ·e 69% na América do Sul ( con-
ou menos importantes das estruturas "tradicionais". tra 60% somente na Europa Ocidental). Sobre os aproxima-
Os sintomas de uma industrialização relativamente forte damente 300 . milhões de homens, que habitavam em 1950 as
na maioria dos países subdesenvolvidos não se limita à pre- cidades de mais de 100 000 habitantes, 48% faziam parte do
sença ·de empresas industriais e a uma infra-estrutura moderna. Terceiro Mundo. As cidades "milionárias", uma centena no
A industrialização é um fenômeno muito mais amplo e mais total não são mais apanágio dos países altamente industriali-
complexo que o da indústria. W. Rostow considera, não sem
' \:erca de sessenta entre elas encontram-se nos patses
zados: ,
justeza, que "a indústria sozinha não permite industrializar subdesenvolvidos. O crescimento dessas grandes aglomerações
um país". <2 > Por industrialização é necessário entender o con- já coloca, nos países de alto nível de vida, problemas de solu-
junto dos caracteres econômicos e sociais que são causas ou ção muito difícil: de é catastrófico nos países que estão menos
conseqüências do desenvolvimento industrial desde o século equipados e que dispõem de recursos bem inferiores. No con-
XIX. junto do Terceiro Mundo, enquanto aumenta rapidamente a
Nos países subdesenvolvidos a industrialização é, na ver- população urbana e em particular a das grandes cidades, onde
dade, parcial e limitada, mas não deixa de existir; ela se mani- dominam os traços da vida "moderqa", estreitamente ligados
I !
festa pela difusão progressiva dos produtos manufaturados: ao fenômeno geral da industrialização, a população dos campos,
;!
são sobretudo comprados nas cidades e pelas categorias sociais que conserva o máximo dos aspectos herdados do período pré-
afortunadas (vivem em geral num tal modernismo que a mé- -industrial, diminui sensivelmente, em valor relativo (muito
dia das condições de vida dos países desenvolvidos parecem- excepcionalmente ainda, em valor absoluto ). De 1920 a
-lhes desusadas e mesquinhas), mas eles são também vendidos 1950 o efetivo das cidades de mais de 20 000 habitantes
no campo·. Nos países subdesenvolvidos, a industrialização e a passou de 28 para 40% da população total do Chile, de 5 para
penetração da civilização "moderna" se manifestam muito mais 12% da 1ndia. Para o conjunto da Africa, a população das
sob o ângulo do consumo que da produção. Como assinalaram cidades de mais de 100 000 habitantes passou .de 1,5 milhão a
numerosos economistas, a "propensão" a consumir e a importar 10 milhões e a percentagem em relação à população total
produtos industriais é superior à "propensão" a produzi-los. passou de 1% a 5,2%.
Outro sintoma de uma relativa it1dustrialização é o pro- Este aumento das populações urbanas resulta, de uma
gresso rápido da urbanização. Depois de um período de pe- parte, do seu crescimento natural, superior ao das populações
queno crescimento das cidades, os países subdesenvolvidos do campo, onde a mortalidade é ainda em geral mais forte que
entraram numa fase de crescimento acelerado das populaÇões na cidade; de outra parte, do êxodo rur_al. Suas causas são
urbanas, a partir do começo do século XX. O efetivo das cida- múltiplas: aumento do número de camponeses sem terra, de-
des de mais de 20 000 habitantes cresceu, na Ásia, de 24% vido o crescimento demográfico e a extensão dos grandes domí-
entre 1800 e 1850, e de 30% de 1850 a 1900. Multiplicou-se nios mecanizados; procura de recursos monetários para pagar
por 5 de 1900 a 1950. A percentagem dos habitantes das o impôsto; abalo das estruturas sociais tradicionais que leva
cidades de mais de 20 000 pessoas na população total é de os jovens a partir; insegurança, que leva as populações a se
26% na América do Sul, de 13% na Ásia, de 9% na África refugiarem nas cidades etc.
(contra 35% na Europa Ocidental e 42% na América do Esta rápida urbanização provoca graves conseqüências. A
Norte). Nestas regiões de urbanização recente, o papel das produtividade da agricultura · de consumo é, como já vimos,
grandes cidades é mtidamente mais importante que nos países bastante reduzida; assim, o aumento da população não agrícola
o?de o crescimento urbano foi mais progressivo. Assim, as coloca difíceis problemas de abastecimento. Por outro lado, o
cidades de mais de 100 000 habitantes agrupam 51 % dos cita- crescimento dos efetivos urbanos não é acompanhado por um
crescimento equivalente dos empregos nas atividades produtivas
(2) W. ROSTOW, As Etapas do Cresciment.o Econômico, Za- não agrícolas. Uma parte notável dos citadinos são na reali-
har Editores, Rio de Janeiro, 1964. dade desempregados, em tempo integral ou parcial. Não dis-
50 51
W'
I

põem de renda que lhes permita comprar os produtos de Fenômeno incompleto e incoerente, porque, se a indústria
importação. Ora, a vida urbana é acompanhada justamente de na maior parte dos países desenvolvidos se apresenta como um
uma diversificação e de um. aumento das necessidades, que não conjunto de empresas complementares, como um "sistema de
podem contudo ser satisfeitas. máquinas", nos países subdesenvolvidos, ao contrário, é muito
Os inconvenientes do crescimento urbano em país desen- raro existir uma tal complementaridade: apenas um pequeno
volvido não são exatamente desta natureza, pois, atualmente, número de operações industriais são realizadas e as empresas
na maior parte dos casos, as ofertas de emprego são sensivel- existentes raramente se articulam umas com as outras. Suas
mente superiores às demandas. relações são mais estreitas com os "sistei?as:' econômic~s _dos
países desenvolvidos, que fornecem as maqumas e os tecmcos
Os graves perigos que a urbanização acelerada apresenta indispensáveis.
nos países subdesenvolvidos ressaltam um dos traços específicos
mais importantes do tipo de industrialização que as caracteriza. A industrialização não é um fenômeno cumulativo nos
Com efeito, a economia moderna, nascida na Europa Ocidental, países subdesenvolvidos, pois o desenvolvimento de atividades
propagou-se pelo mundo inteiro. Ela continua, na verdade, como a indústria têxtil e a construção das estradas de ferro
concentrada num pequeno número de países. Mas as grandes por exemplo não se transformaram em "~olas de n~~e:', apes.ar
potências industriais, ao organizarem progressivamente a eco- de terem assegurado historicamente a decolagem mdustrtal
dos países hoje desenvolvidos. ~estes últimos, a _indústria
nomia em escala mundial, repartiram sobre os cinco continentes
as funções produtivas. O fenômeno da industrialização tomou têxtil e as estradas de ferro exerceram sobre o conJunto da
aspectos muito diferentes segundo as regiões. A "civilização economia um possante "efeito multiplicador", pois exigiram 0
I moderna" não é em realidade a mesma em países desenvolvidos estabelecimento de uma importante produção de máquina.s. Nos
e em países subdesenvolvidos. países subdesenvolvidos, a impo~tação ?essas máquinas impede
a realização de um complexo mdustnal coerente e . reduz o
Nos países desenvolvidos, a industrialização é um fenô- efeito multiplicador. Em numerosos Estados do Tercerro Mun-
meno global, diversificado, coerente e acumulativo. Sendo do, a Argentina, o Brasil, a lndia, por exemplo, a criação das
global, ela integra, com efeito, num mercado o conjunto da primeiras indústrias remonta a mais de cinqüenta anos e, con-
população; diversificada e coerente, é, com efeito, constituída tudo, o processo de industrializaçã~ ainda não ~ _acumul?tivo.
de "sistemas de máquinas", de "sistemas de transportes" e de Em numerosos países subdesenvolvidos, na Amenca Latma e
"sistemas de cálculos" ligados entre si e ao conjunto do mer- na Africa do Norte, por exemplo, numerosas empresa~ indus-
cado; fenômeno cumulativo, pois esses sistemas de máquinas triais foram criadas durante a Segunda Guerra Mundtal e os
fabricam outras máquinas que as completam e aperfeiçoam e, anos que lhe seguiram, imediatamente, mas uma grande parte
por outra parte, sua eficácia é acrescida pelas inter-relações. OJ delas cessou sua atividade em seguida. Numa grande parte do
Nos países subdesenvolvidos, a industrialização é um fenô- Terceiro Mundo, o ritmo de crescimento das produções indus-
meno incompleto, incoerente e não cumulativo. Com efeito, triais parece ter mtidamente diminuído nos últimos anos.
somente uma fração da população é integrada no setor · de eco- A percentagem da mão-de-obra industrial na população
nomia moderna, o resto fica à parte, pela fraqueza do poder ativa total continua estacionária na maior parte dos países sub-
de compra. Incompleto, pois, ao inverso dos países desenvol- desenvolvidos e tende mesmo a diminuir em alguns, pois o
vidos, onde o consumo de produtos industriais atinge em grande crescimento demográfico total é mais rápido que os efetivos
parte objetos que são fabricados no país, os EStados do Terceiro da indústria: no México, passou de 22 %, em 1910, para 17%,
Mundo utilizam, no essencial, objetos manufaturados que não em 1950; na !ndia, de 13 a 10%, de 1911 a 1951 (por outro.
produziram. lado, a percentagem passou, durante a mesma época, de 30
para 3 7 % nos Estados Unidos, como na França).
( 1) F. PERROUX, L'économie des jeunes nations, Presses Uni- E certo que num orande número de países subdesenvol-
versitaires de France, 1962, t. I, pág. 252.
"'
vidas, o consumo' de energia .
por habitante e por ano registrou

52 53
um progresso muito superior ao observado nos países desen- ceiro Mundo, somas muito importantes são dilapidadas em
volvidos: assim, de 1937 a 1954, o quociente energético cresceu despesas suntuárias, entesouradas, ou investidas em setores não
de 33% por ano no Iraque, de 17% na Bolívia e em Madagascar, produtivos (construção de residências de luxo). Como o
de 12% na África Negra de expressão francesa (e somente demonstrou R. Nurske OJ, os países subdesenvolvidos se carac-
6% na URSS, 2% na Alemanha Ocidental, 1,74% nos Esta- terizam por uma grande fraqueza da propensão a investir, que
dos Unidos e 0,6% na França e na Grã-Bretanha). Mas, à resulta da estreiteza do mercado interior. Um grande número
exceção dos países petrolíferos (lraque, Venezuela) e dos das empresas industriais que seriam necessárias para a formação
países socialistas, os países subdesenvolvidos que registraram os de um "cacho" de investimentos, de um complexo industrial
mais fortes aumentos do quociente energético são caracterizados coerente e expansivo, não podem ser criadas ou não podem
por uma industrialização mínima. De outro lado, nos países funcionar de maneira durável, pois a rentabilidade de seu fun-
do Terceiro Mundo que dispõem de uma indústria mais impor- cionamento implica uma dimensão mínima, e essa é muito
tante, o crescimento do quociente energético foi muito mais superior ao consumo oferecido pelo mercado interior, mesmo se
baixo (2,8% no México, 2,7% no Chile, 1,3% na fndia). levarmos em conta sua rápida expansão. Segundo R. Nurske,
Excluinda--se algumas exceções, o aumento das quantidades de há alguns anos, 3 h de funcionamento de um laminador de
energia utilizada parece, pois, no conjunto, dever-se mais às tamanho normal bastaria para atender às necessidades do mer-
conseqüências da urbanização, à multiplicação dos veículos auto- cado chileno durante um ano.
mobilísticos do que ao crescimento da produção industrial. ~
Uma prova evidente de que a ausência de consumo inter-
um sistema de modernização e de "industrialização", mas mais
no freia a industrialização é dada, de maneira inversa, pelo
significativo da propensão a consumir que da propensão a
produzir. exemplo do dinamismo das empresas que trabalham para os
mercados externos: os países subdesenvolvidos dotados de
As dificuldades da industrialização e suas carências são indústrias menos estreitas, são (exceto a China, cujo cresci-
muitas vezes atribuídas à fraqueza da infra-estrutura ou à falta mento industrial é muito recente) os que realizam importantes
de cápitais. Essas causas são reais; não devem, contudo, ser exportações de produtos mineiros que não são passíveis ou
superestimadas. Assim, na maioria dos casos, é possível cons- vantajosos de serem transportados em bruto (República Sul
tatar um subemprego do material existente. A maior parte dos Africana, Rodésia, Chile, certos países petrolíferos etc.). As
países subdesenvolvidos se caracteriza, por exemplo, por uma empresas industriais ou mineiras mais possantes e mais dinâ-
II utilização muito insuficiente das estradas de ferro que dispõe. micas que estão situadas nos países subdesenvolvidos são a
Por um quilômetro de estrada de ferro, conta-se em média um emanação de grandes grupos financeiros internacionais. Elas
.; II tráfico de 80 000 t km, para os países da ex-A.O.F., 200 000 t não travam relações com o conjunto da economia dos países
para Portugal, 300 000 t para o Chile, 420 000 a 450 000 t onde estão localizadas. São encravadas e dependem de centtos
na Esoanha, no México, no Irã, 500 000 t na Turquia (contra de decisão situados num país desenvolvido: "repatriam" para
8 milhões de t km por quilômetro de Estrada na URSS, lá a maior parte de seus lucros.
2 570 000 t km nos USA e 1 560 000 t km na Alemanha Oci- Já restringido pela pobreza da grande massa da população,
dental). A fndia ( 1 milhão de t km), a República Sul Africana, o mercado interno de que dispõem as produções industriais
a Rodésia, a China ( 3 640 000 t km) e a Coréia do Norte t' ainda reduzido pela concorrência das mercadorias exportadas
( 3 780 000 t km) são países subdesenvolvidos, com tráfico para os países subdesenvolvidos pelas grandes potências indus-
ferroviário relativamente intenso. triais. Aqui se coloca o problema das características do setor
B fato que os países subdesenvolvidos se caracterizam comercial na economia subdesenvolvida.
pela estreiteza dos recursos financeiros e logo pela fraqueza de
investimentos. Ora, consideráveis capitais deixam cada ano a
maioria dos oafses subdesenvolvidos para investir nas econo-
mias desenvolvidas. Por outro lado, na maior parte do Ter- (I) R. NURSKE, obra citada.

54 55

I! I ' --- - --
IH ~~ Hipertrofia e parasitismo do setor terciário aumentaram e diversificaram consideravelmente o setor terciá-
rio. Com efeito, nos países subdesenvolvidos, não resultam de
Na maior parte dos países subdesenvolvidos, as diversas um processo interno, mas foram introduzidos de fora, sob a
atividades do "setor terciário" ocupam uma proporção relati- pressão das grandes potências. Estas desejavam encontrar
vamente muito importante da população ativa total: 14% na além-mar os produtos que lhes faltavam e mercados lucrativos
Africa, 17% na Asia, 27% na América do Sul. Estas percen- para a sua indústria, mas estavam muito pouco dispostas a
tagens podem parecer mínimas em relação às que caracterizam implantar forças produtivas novas , além daquelas, acima de tudo
as populações ativas dos países desenvolvidos: 38% na Europa bastante elementares, que fossem estritamente necessárias à
ocidental, 50% na América do Norte, por exemplo. Na reali- obtenção dos produtos agrícolas ou minerais que procuravam.
dade, o setor terciário aparece nitidamente hipertrofíado na A penetração da economia moderna nos países hoje subdesen-
maior parte do Terceiro Mundo, levando-se em conta que uma volvidos tomou também uma forma essencialmente comerciaL
fração notável da população vive nos limites da auto-subsis- Em conseqüência, as funções de comércio e transporte conhe-
tência e que as rendas da grande maioria são bastante reduzidas. ceram um crescimento relativamente excepcionaL Como a
A amplitude do setor terciário, que agrupa uma massa de penetração da influência das grandes potências se exercia no
pessoas não diretamente produtivas, quando não são total- quadro de relações coloniais, o setor terciário se emiqu eci:t
mente improdutivas, é tanto mais surpreendente em vista de de diversas funções decorativas.
I que o maior número de produtores, os agricultores, têm uma Mas, em nossos dias, o setor terciário continua a nescer.
,I baixa produtividade. Enquanto na maior parte dos países de- Numerosos artesãos, submetidos à concorrência das mc.::rcado-
senvolvidos (exceto os Estados Unidos, por exemplo) os efe- rias importadas , deixam de ser produtores para serem reven-
I tivos do setor terciário ( T.) são sens1velmente inferiores aos dedores e auxiliares das grandes firmas industriais. Com 2i
do setor secundário (S. ) (Alemanha: S. 42% , T . .33%; Ingla- extinção do artesanato , que fazer de um capital muito pequeno
terra: S. 49%, T. 46% ), a quase totalidade dos países subde- para criar uma empresa industrial, senão investi-lo em algum
senvolvidos apresenta a situação inversa: uma nítida ;nferio- negócio comercial ou atividade de serviço? Aqueles que, e•.n
tidade do setor secundário, que, além disso, cresce lentamente, país desenvolvido , se tornariam engenheiros ou industriais no
' enquanto o terciário aumenta muito ràpidamente em valores fim de seus estudos são, num país subdesenvolvido, médicos
li relativos e absolutos. ou advogados , com ou sem clientes, ou então oficiais. . . .c'i
SECUNDÁRIO T ERCIÁRIO
importância do subemprego e o rápido crescimento da urbani-
Brasil: 1920 : ...... . . . .. . 3,8 o/o 22 o/o
zação acompanhada de desemprego favorecem o excessivo cres-
1950: . . .... . .. . . . 13,1 o/o 26,2% cimento do setor terciário: havendo poucos empregos, é fre-
Chile: 1920: .. ......... . 28 o/o 29 o/o qüente qu~ uma função seja dividida entre várias pessoas, daí
1952: ... . .. . .... . 28 o/o 36 o/o esta proliferação de domésticos, "boys", plantões, que carac-
Índia : 1920: ........ . . . . 12 o/c 12 %
1950: ........... . 11 o/o l8 o/o
terizam os países subdesenvolvidos. Ter obtido trabalho ou
fornecer um emprego é uma função mais apreciada e mais
remunerada que a realização do trabalho ou o exercício do
A estrutura do setor terciário é particularmente complexa próprio emprego, daí essa hierarquia de intermediários rece-
nos países subdesenvolvidos e as causas de sua expansão são bendo sua parte sobre a remuneração para o trabalhador. Nos
muito variadas. No quadro da sociedade tradicional de anti- países subdesenvolvidos, como veremos, a noção de trabalho
gamente, as atividades que classificamos como "terciária" eram sofre uma espécie de desnaturação e de depreciação e o pres ..
i: já relativamente numerosas e ocupavam efetivos muito nume- tígio do dinheiro ganho sem trabalhar é considerável. Também
rosos: comerciantes, funcionários, membros do clero, militares, as profissões terciárias, que permitem ou parecem permitir
membros da aristocracia exercendo funções mais ou menos inde- êsses ganhos fáceis, são muito bem recebidas. Por outro lado,
finíveis, domésticos, pelotiqueiros, artistas etc. A propagação ss violentas tensões sociais que existem na maioria dos países
da "civilização moderna" e o fenômeno da industrialização subdesenvolvidos conduzem ao crescimento dos efetivos da
I
56 57
I
j I

polícia e do exército, facilmente recrutável entre os sem tra- líquido por trabalhado~: do terciário apresentará o índice 230
~ ~ na Itália, 300 na fndia, no Japão e no Brasil, 375 no Chile,
balho. Inversamente, a realização de políticas de progresso
conduz, também ela, à multiplicação de certas categorias de 650 na União Sul-Africana, 770 no México e 780 na Turquia.
funcionários: o desenvolvimento da instrução exige a formação Por outro lado, a situação do trabalhador agrícola não é tão
r de uma massa considerável de instrutores. O setor terciário desfavorecida nos países desenvolvidos: o índice ·. do produto
!
cresce também pelo afluxo do pessoal feminino, que encontra líquido por trabalhador do terciário é 65 na Nova Zelândia,
~~ aí meios de atingir um trabalho assalariado (a participação 100 na Grã-Bretanha, 130 no Canadá e 180 nos Estados Unidos.
feminina nos empregos do primário e do secundário é extre- :B preciso notar que se trata de uma média, e num país
mamente limitada na maioria dos países subdesenvolvidos ). subdesenvolvido não é possível classificar na mesma categoria
:j Por fim, e é o essencial, a maior causa do crescimento o pessoal terciário que trabalha ocasionalmente, atirado na
liI' I
acelerado dos efetivos do setor terciário é que, no conjunto, situação de subemprego, e aquele, muito menos numeroso, que
dispõe de rendas regulares e,_· de longe, muito mais importantes.
C!Ste permite obter rendas muito superiores às de outras cate-
I gorias da população ativa. Na maior parte dos países subde- Quais são as causas dessa posição tão privilegiada de uma
senvolvidos, a fração da renda nacional que detém o setor fração do setor terciário? A principal razão é que, nos países
terciário é muito importante: ele ocupa no México, por exem- subdesenvolv:dos, uma minoria da população (que por .sinal
plo, 22% da população ativa, e dispõe de 56% da renda na- não vem exclusivamente do setor terciário) está em condições
rj[
!!
cional (em 19 50). O desequilíbrio é ainda maior na Turquia de exercer poderes e acumular funções, que nunca seria possível
onde 7% da população ativa se beneficia de 36% da renda deter ou reunir em país desenvolvido. Num grande número de
nacional. países do Terceiro Mundo, os funcionários recebem uma remu-
neração que (herança do recente período colonial) é compa-
rável à que é recebida pela administração num país desenvol-
PARTE DO SETOR TERCL:\RIO
vido. Este salário é uma renda considerável em relação aos
NA POPULAÇÃO NA RENDA recursos irrisórios da grande massa da população; inevitavel-
ATIVA NACIONAL mente, dá ao funcionário uma grande força social, que usa e
muitas vezes abusa em face de administrados miseráveis e anal-
México (1950} · .. . . .... . .. . 22% 56% fabetos. R. Dumont mostrou m que, em um mês e meio de
i Turquia . .. . . ...... . .. .. . 7% 36%
trabalho, um deputado africano ganha mais que as rendas
! Argentina (1947 ) .. .. .. .. 43% 52%
Brasil ( 1950) . ... . . .... . . 26% 47% totais de um camponês durante toda a sua vida. Aos emolu-
lndia ( 1951) . ..... .... .. 16% 33% mentos, juntam-se em geral os benefícios da corrupção.
Paquistão ( 1951 ) ... . .... . 13% 33%
Tailândia (1947) . ....... . 12% 29% Bem mais consideráveis ainda são os poderes e as rendas
Egito ( 1954} . .. .... .... .. 24% 48% que dispõe uma parte dos comerciantes. Os lucros desmesu-
Alemanha ( 1950) ..... . . . . 33% 42% rados que realizam no "comércio de tráfico" (sistema comer-
Inglaterra ( 1950) ........ . 46% 49% cial particularmente importante na África. mas que é grande-.
Estados Unidos .. .. ...... . 52% 57 %
mente exoandido em outras regiões) resulta de uma limitação
extrema da concorrência e do acúmulo de funções e de poderes
Esta vantágem do terciário também existe nos países de- comerctats e não comerctats. O princípio do tráfico consiste
senvolvidos, mas é bem menos marcante. em combinar a compra aos agricultores de produtos destinados
Assim, os países subdesenvolvidos podem se caracterizar à exportação e a venda de objetos fabricados, na maioria dos
pela grande superioridade do trabalho líquido por pessoa ativa casos, importados ; é utilizada toda uma série de meios para
do setor terciário em relação ao trabalhador agrícola. Tomando
para cada país o índice 100 para rcpresen ta r o valor do pro- ( I ) R. DUMONT, L'Afrique Noire est mal pmtie, Editions du
duto líquido por pessoa do trabalhador agrícola, o produto Seuil, !962, pág. 287.

58 59
subestimar ao extremo o que eles compram. O comerciante faz que a região é arruinada, o comerciante se orienta para outras
um "arranjo" para ser o único a explorar uma espécie de "caça atividades ou para outros territórios e abandona a população
reservada"; e1e possui um ou vários caminhões e é freqüente- à sua sorte.
mente o único transportador da região. Credor da maioria dos Além disso o comerciante vende, essencialmente, não os
seus clientes, concede-lhes, a taxas de usura, empréstimos sobre produtos que ;eriam os mais necessários à população, mas
o montante da futura colheita. Assim, pode comprar a melhor aqudes com os quais pode obter ~aior:s lucros. . ~bando­
preço. O comércio efetua pois uma retirada antecipada sobre nando as mercadorias locais, das quais nao consegwra o mo-
os recursos da população. nopólio das vendas, o~ienta-se para _a difusã? 4os objetos. de
Po~ referência ao que ocorreu nos países desenvolvidos, importação, e em particular dos artigos duraveis ( qumqmlha-
o crescimento da economia de troca é em geral considerado ria, tecidos etc.) que suprimem os riscos de perda.
como um progresso incontestável, pois o comércio permite Assim, apesar de dotados de um setor com7rcial muito
teuricamente ao produtor tirar partido de uma capacidade de importante relativamente, os países su~dese_nvolvidos sofr:m
produção que seria sem interesse numa economia fechada. de uma inorganicidade de suas trocas znterzores. Prodt;ço~s
Co1tudo, na maior parte do Terceiro Mundo, o crescimento locais, que poderiam ser complementares t;: extre~ament~ .u!c::ls,
da ecor omia de troca e da moeda trouxe uma deterioração das não são comercializadas, seu transporte para reg10es d.ehcttanas
condiçê es de existência. As retiradas antecipadas realizadas é negligenciado, pois os comerciantes . pr~ferem orientar as
pelos comerciantes são, com efeito, muito superiores, na maio- compras da população para as :nercadonas ll?portadas; mesmo
ria do: . casos, aos magros excedentes de produção obtidos pelos que sejam completamente superfluas, permitem contudo ;~m
cainpcneses, que, privados de capitais, conservam, devido a lucro máximo. Em numerosos Estados, apesar de certas reg10es
isto, uma . fraca produtividade. que possuem grandes rebanhos ou rios. pi~cosos serem '!pazes
Uma prova deste caráter destruidor e retrógrado desta de fornecer a baixo preço produtos ammats, ~s populaçoes . de
economia de troca nas condições de subdesenvolvimento é vastos territórios vizinhos, desservídos de me~os de com~ca­
forr.ecida pelo fato de que ela não se propaga espontâneamente, . ção, sofrem graves carências em proteínas, pms. a com~rct~hza­
pelo ·jogo dos mecanismos econômicos. Em numerosos países ção da carne e do peixe seco não é, com efetto, multo mte-
teve de ser imposta à força às populações que não a desejavam. ressante: os comerciantes têm maior interesse em levar essas
conscientes dos perigos q~e trazia. Exigir o impusto in natura, populações a utilizar o dinh,eiro que. ~isp~em par,~ . C?:UPt~r
depois em espécie, foi na maioria dos casos o único meio de inúteis objetos importados, stmbolos unsonos da ClVIhzaçao
abrir caminho aos comerciantes e tornar possível sua espoliação. moderna".
Os progressos da economia de mercado são acompanhados Essa extroversão das estruturas comerctats, sua polari-
de efeitos ainda mais ·desastrosos, se se leva em conta que às zação para os países ~strangeiros, ~ uma das, causas da inar-
retiradas anticipadas muito grandes, realizadas sobre magros ticulação que caractenza a econo~la dos patses subdesenvol-
recursos, graças à depreciação dos produtos vendidos pelos vidos. Na maioria dos casos, a ma10r parte dos produtos d~s­
camponeses e à supervalorização das mercadorias que com- tinados à exportação provém de uma parte bastante restnta
pram, se somam as conseqüências da extroversão do comércio. do país. Os produtores desta região especializada na expo!ta-
Com efeito, o comércio é essencialmente orientado em função ção retiram de suas vendas rendas que, normalmente, dev1am
do estrangeiro. Baseia-se no fornecimento aos mercados exter- ihes permitir comprar uma grande parte dos produt'?s _que lhes
nos - único interessante - dos produtos que permitam ao são necessários nas regiões vizinhas, dotadas de apttdoes .natu-
comerciante realizar o máximo de lucro a curto prazo, quais- rais diferentes. Assim, progressivamente, as renda~ ret.tradas
quer que sejam as desastrosas conseqüências que tais especula- da exportação por uma região limita?a, poderiam .mterhgar o
ções possam provocar a longo prazo para os países produtores. conjunto do país, pois as outras regiões encontrariam na sua
Assim, certas culturas ditas "rentáveis" (para quem?) provo- integração ao mercado na~ional os motivos para aum:ntar suas
cam inevitavelmente uma grande deterioração dos solos. Logo produções, que se tornanam complementares umas as outras.

60 6.l
Esse. d~namismo, insuflado às diversas partes do país, levaria a cadas pela oposição dos comerciantes. . A importância das rendas
multiplicar as rendas retiradas pela região exportadora. Este de que dispõem lhes dá uma grande influência. De outra parte,
~rocesso de interligação e este efeito multiplicador, tão fami-
têm o apoio e a sustentação dos dirigentes das explorações
h~res aos economistas, agem normalmente em países desenvol-
mineiras e das plantações, que têm também todo o interesse
vidos, onde as trocas comerciais integram todas as regiões num na manutenção de uma economia essencialmente voltada para
mesmo mercado interno. Nos países subdesenvolvidos, as o exterior. A existência nos países subdesenvolvidos de um
setor terciário hipertrofiado tem, pois, conseqüências extrema-
r~~iões não são articuladas entre si: não podem pois se bene-
ficiar deste entrelaçamento. A extroversão das relações comer- mente graves. Não só realiza consideráveis retiradas sobre os
ciais torna muito difícil a utilização das rendas tiradas da recursos já reduzidos da grande massa da população, mas, e
exportação para compras operadas nas outras partes do país; isto é ainda mais grave, freia a utilização dos recursos do país
essas rendas são, ao contrário, fortemente orientadas para a e impede a realização progressiva da independência econômica
compra de produtos importados. Além do mais, para a maior da Nação.
parte dos países subdesenvolvidos, o montante das compras
efetuadas no estrangeiro ultrapassa o valor das vendas. IV - Uma situação de subordinação econômica
Essa orientação quase exclusiva das estruturas comerciais
para o exterior se traduz no fato muito freqüente nos países Devido a complexas causas históricas, a grande maioria
subdesenvolvidos de o comerciante vir do estrangeiro : ele é dos países do Terceiro Mundo se encontra numa posição de
grego, sírio, libanês, numa grande parte da Africa e da América dependência. É fato que a economia dos países desenvolvidos
Latina; é indiano nr:. Birmânia ou na Africa Oriental chinês não está totalmente subtraída aos efeitos dos fatores externos.
no Sudeste Asiátim etc.; vem muitas vezes de regiõ~s meno~ Mas estes têm um peso relativamente pequeno em relação aos
longínquas, mas é sempre um estrangeiro. Esta característica fatores internos, sobre os quais é possível agir diretamente.
não é fortuita. Tais comerciantes, vindos na maior parte dos Por outro lado, a economia dos países subdesenvolvidos é
casos sem grandes recursos, são estreitamente associados a submetida a graves vicissitudes em face das quais des estão
poderosas sociedades comerciais que praticam as grandes ope- bastante desarmados. Com efeito, as causas dessas dificuldades
rações de importação-exportação. Ol Estas têm interesse em são, por uma parte notável, exteriores ao país onde se mani-
utilizar como auxiliares não os autóctones, que estarh m em festam. Fenômenos econômicos extremamente prejudiciais re-
melh?r~s c3ndições de se emancipar, orientando-se par:, a co- sultam de decisões que foram tomadas a milhares de quilômetros
merCiahzaçao de produtos locais, mas sim estrangei ú,s que e que parecem imunizadas contra tôdas as medidas de retorsão.
procuram manter a preponderância das trocas extern;J,s.
Com efeito, a implantação e o desenvolvimento do setor
A orientação e a potência das atividades comerciais com- de economia moderna ríum país subdesenvolvido não resultam
prometem enfim as possibilidades de desenvolvimento indus- no essencial de um processo histórico interno. A economia
trial dos países do Terceiro Mundo. Exceto a Inglaterra, por moderna foi introduzida de . fora pata dentro de sociedades
força de seu avanço sobre todos os outros naíses pois foi tradicionais, por uma pressão de ordem econômica ou às vezes
'
durante longo tempo a única potência industrializada, '
li
I
J
~
os países hoje desenvolvidos fizeram a "decolagem" de sua
todos extra-econômica exercida pelas grandes potências industriais.
indústria ao abrigo de possantes barreiras aduaneiras. A indús- Para um número muito grande de países subdesenvolvidos,
tria nascente dos países subdesenvolvidos tem também necessi- a dependência foi a princípio de natureza política e isto trou.x:e
dade de uma tal proteção, mas a realização de uma verdadeira formas duráveis de subordinação econômica. Em nossos dias,
política protecionista esbarra com grandes dificuldades, provo- a grande maioria dos países do Terceiro Mundo é politica-
mente independente, há mais ou menos tempo. Contudo, nos
países livres há mais de um século, como naqueles que nunca
( 1) Ver a este propósito por exemplo J. e R. CHARBONNEAU,
Marchés et marchands d'Afrique Noire, La Colombe, 1961, pág. 150.
foram colonizados e, com mais forte razão, nos Estados recen-

62 63
temente descolonizados, subsistem graves sintomas de uma Asiático e desenvolver uma produção concorrente. Organ izad~
dependência econômica em relação aos países desenvolvidos. pelas grandes firmas dos paíse~ desenvolvidos, est<~ mulupl!-
Ela se caracteriza pelo fato de uma fração muito impor tante cação dos fornecedores de um mesmo produto lc:·-1:·,· ·, a uma
das instalações industriais e mineradoras e das explorações agrÍ·· situação mais ou menos permanente de superproduçty. Esta-
colas e comerciais ser propriedade de pessoas ou de sociedades beleceu-se pois, uma concorrência extremamente v1va . entre
estrangeiras; elas organizam a produção principalmente em países que obtinham, cada um deles, uma parte essene1al de
função do mercado constituído pelos países desenvolvidos e seus recursos financeiros da exportação da mesma mercadona.
transferem para fora do país uma parte importante dos lucros Este estado de coisas é evidentemente muito lucrativo para os
realizados. É fato que nos países da Europa Ocidental se países desenvolvidos importadores. As_ grandes _firma s conse·
encontram várias empresas estrangeiras ou de origem estran- guiram disseminar suas minas e plantaço~ s. em d1versas p~rte_s
geira. Mas estas constituem uma parte mínima da atividade do mundo e dispõem de fontes de aptov1s10namento s~bstltUl­
econômica e seu funcionamento é em grande parte ajustado veis e de meios de pressão consideráveis sobre os diferentes
ao mercado constituído pelo país em que se encontram . Estados produtores.
Ao contrário, os capitais estrangeiros ocupam um lugar A dispersão das produções resulta também das rivalidades
fundamental no setor de economia moderna dos países sub- que existem entre as grandes firmas mineradoras ou entre as
desenvolvidos. Até uma época recente, o essencial de seu grandes sociedades especializadas no c~m_ércio dos produ~os
crescimento econômico foi um crescimento induzido do setor tropicais . Cada uma delas tentou mult1plicar suas concessoes
de economia "moderna"; tinha sua origem, suas diretivas, seus em diversos países, a fim de não deixar . às suas rivais a opor-
I meios financeiros e técnicos, seus quadros, seus mercados, nos tunidade de pôr a mão sobre uma jazida mais riCa ou so~re­

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I
países desenvolvidos. O s Estados da Europa O cidental, em
particular, organizaram literalmente a geografia econômica do
uma zona de produção mais interessante para a exploraçao.
Por outro lado, é interessante disseminar as plantações, a fim
I ' '
globo em função de suas necessidades. Uma parte essencial da
vida econômica dos países subdesenvolvidos depende de forças
de evitar que sejam todas submetidas ao mesmo tempo às
mesmas vicissitudes climáticas.
e de decisões que lhes são ·exteriores.
Esta multiplicação voluntária das zonas de produção dos
Sua clependência é agravada e eternizada pelo fato de que diferentes produtos minerais e agrícolas deveria teoricamente
as produções comerciais e as exportações de cada um deles levar a uma diversificação das exportações numa grande parte
foram orientadas para um número muito restrito de produtos . dos países subdesenvolvidos . De fa to isto só se produzi_u num
Ao contrário dos países desenvolvidos, cuja economia é extre-· pequeno número de casos: países bastante vastos ( 1ndw, por
mamente diversificada, a maioria dos países subdesenvolvido s exemplo ) ou territórios situados a distância relativamente pe-
é com efeito mono-exportadora e seu setor de economia mo- quena de sua antiga metrópole. Mas o Terceiro Mundo é bas-
derna é geralmente monoprodutor. Mas, e isto é essencial, tante e:.<:tenso e conta com quase uma centena de Estados e
nenhum deles detém sozinho no mercado mundial uma parte territórios . A "balcanização" de vários grandes espaços conti-
suficientemente importante da produção para poder representar nentais favoreceu o estabelecimento da monoprodução num
um papel decisivo. grande número de países.
Todas as vezes que as circunstâncias históricas ou os dados
naturais fizeram de um país subdesenvolvido o único produtor
ou o produtor majoritárío de uma mercadoria de interesse dos
p AISES E TERRITóRIOS i PRODUTOS
o/c DO VALOR GLOBAL DAS
I EXPORTAÇõES TOTAIS

países desenvolvidos, estes se aplicaram em disseminar a pro- Argélia ......... . .... . Vinho 49o/o
dução em outras regiões . O exemplo mais célebre é o do Angola . .. .. .. . . . .... . Café 49o/o
Brasil: único fornecedor de borracha, esforçou-se por conser- Arábia Saudita ..... . .. . Petr6leo 98o/o
var cuidadosamente este monopólio. As mudas foram roubadas Barbados ....... .. .. . . . Cana-de-açúcar 91 o/o
Birmânia .•............ Arroz 76o/o
por ingleses, que conseguiram aclimatar a planta no Sudeste Estanho 75o/o
Bolívia ... ...... . ... . .

64 65
~ I
PAfSES E TERRIT6RIOS I PRODUTOS
I%
I
DO vALOR GLOBAL DAS
EXPORTAÇõES TOTAIS
PRODUTOS
% DO VALOR TOTAL DAS
EXPORTAÇõES

Brasil ............... . Café 63% EM 1938 EM 1957


República Centro·
-Africana .......... . Algo-dão 50 o/o Angola ........... . Café 14% 49o/o
Ceilão .. ... .......... . Chá 64% Brasil ... .... ...... . Café 45% 63%
Chile .. ..... ......... . Cobre 74'/o Birmânia .... ...... . Arroz 44% 76%
Colômbia ............ . Café 80o/o Chile ............. . Cobre 49% 74%
Costa Rica ............ . Café 50 o/o Colômbia ..... .... . Café 53% 80%
Costa do Marfim ..... . Café, cacau 75o/o Cuba ............. . Açúcar 78% 81 o/o
Cuba ................ . Açúcar 81% Uganda ........... . Café 8% 45%
Daomé .............. . Carvão vegetal 75o/o Tailândia ......... . Arroz 49% 69o/o
República Dominicana .. Açúcar 59 o/o
Egito ............... .. Algodão 73%
E~~a~or ............. . Banana 50 o/o É, pois, um número cada vez maior de países subdesen-
Euop1a .. ......•...... Café 80%
Gabão .... ·........... . Madeiras 60o/o volvidos e concorrentes que oferece minérios e produtos tro-
G5.mbia .............. . Amendoim 95% picais aos países desenvolvidos. O mercado de café mostra
Gana ................ . Cacau 63% um bom exemplo deste processo. Entre as duas guerras, 12
Guatemala ... ~ ....... . Café 75% países forneciam cada um mais de 20 000 t. Hoje, contam-se
Haiti .. .... .......... . Café 61%
Honduras .. ..........·. Banana 85o/o 26 e o número total dos exportadores deste produto ultra-
Irã .................. . Petróleo 75o/o passa a casa dos sessenta, apesar das compras efetuadas pelos·
Iraque ............... . Petróleo 50 o/o importadores não ter crescido mais que 50%. Graças ao cre~­
Libéria .............. . Borracha 68% cimento das produções africanas, os importadores se benefi-
Malásia ............... . Borracha 50%
Nigéria .....•......... Amendoim 90o/o ciaram de uma forte queda dos preços do café, cujo fluxo
Uganda ............... . Café 45% tinha-se elevado no após-guerra. O Brasil, que fornecia antes
Pàquistão ............ . Juta 50% da guerra mais de 70% do café, passou a intervir com somente
Panamá .............. . Banana 60% · 45% no mercado mundial apesar de sua produção ter aumen-
Rodésia ........... .. . . Cobre 54%
. Salvador ....... •... ·.. . Café 82% tado de cerca de 30%; o café, que constituía em 1938, 44%
Senegal .............. . Amendoim 90% das exportações brasileiras forma hoje 63%. Quer dizer que
Sudão ........... : ... . Algodão 60% este produto ocupa um lugar cada vez maior no comércio
Tchad . .... .......... . Algodão 90%
Tailândia .. .......... . Arroz 70% exterior do Brasil, enquanto este país viu diminuir os trunfos
Toga ................ . Café, cacau 60% que possuía no mercado mundial. ·
Venezuela : . : ......... . Petróleo 92%
Vietnã do Sul ........ . Borracha 61 o/o
Graças à multiplicação do número dos exportadores de
petróleo, as grandes firmas petrolíferas puderam, antes da
guerra, reprimir as reivindicações do México, substituindo-o
Enquanto alguns países chegaram a diversificar sensível- pela Venezuela; a demanda pôde ser diminuída quando foi
. mente suas exportações, numerosos exemplos mostram um possível dispor do petróleo do Oriente Médio. Nesta região,
·crescimento da especialízação das exportações em relação a o crescimento rápido das produções do Iraque e sobretudo
antes da guerra. do Kuwait permitiram à Anglo Iranian · Oil Co. enfrentar a
nacionalização das concessões que possuí!i no Irã. É fato que,
particularmente no domínio do petróleo, os países exportado-
res tentam se entender a fim de restringir a liberdade de ação
dos grandes trustes internacionais. Mas tal empresa ainda está
nos seus começos.
66 ' 67

· -- - -- - .. --·--------
A desvantagem que constitui a exportação de um só pro- Mundo, que procuram progredir econômicamente, levaram-nos
duto, ajunta-se para a maioria dos países subdesenvolvidos sua a estimular suas exportações. O eclipse temporário de forne-
dependência em relação a um só comprador principal. Por cedores tradicionais, por causas econômicas ou políticas, leva
sua marinha mercante, por seus corretores e pelos circuitos as grandes firmas a solicitar produtores novos. Tudo isto leva
comerciais que controla, este comprador é de fato o único à colocação no mercado internacional de quantidades sensivel-
parceiro possível. É muitas vezes a antiga potência coloniza- mente superiores à demanda. Assim, por exemplo, a produção
dora, ou mais exatamente uma grande firma, ou um grupo de mundial de café cresceu em média 60% em relação ao período
firmas, cuja sede social está na antiga metrópole. Mas, en- de antes da guerra, enquanto as exportações só acresceram
quanto o país subdesenvolvido só tem um comprador, este 40%. Levando em conta a recente entrada em produção de
dispõe de toda uma gama de vendedores que coloca em com- novas plantações, prevê-se que, em 1965 as importações mun-
petição. Assim, por exemplo, em 1958, o Brasil vendeu diais só absorverão, no máximo, 60% da produção. Cll
60% de seu café aos Estados Unidos (o que constituía, aliás, Essas causas limitam fortemente a alta dos preços de uma
83% das exportações brasileiras para este país) , a Colômbia grande parte das exportações realizadas pelos Estados do Ter-
vendeu 82% de seu café a este mesmo mercado, mas para os ceiro Mundo. Sua situação é ainda mais agravada pelo fato de
importadores norte-americanos, que trazem este produto de os preços das importações· (objetos fabricados, máquinas) que
mais de 20 países diferentes, o café brasileiro só constitui eles efetuam crescerem sensivelmente, enquanto os programas
35% de seus compras e o café colombiano 20% somente. Os de industrialização que realizam necessitam de um aumento de
exportadores brasileiros e colombianos, como de outros paí- suas compras nos países desenvolvidos. O problema da dete-
ses fornecedores, só podem ter portanto pretensões muito rioração dos "termos de troca" foi abordado por numerosos
limitadas quanto ao preço dos produtos que exportam. A Ve- economistas: Apesar de as análises, baseadas na média dos
nezuela efetua 40% de suas exportações para os Estados Uni- preços de todos os produtos " primários" ( prodPtos minerais e
dos e 60% de suas importações vêm deste país. Mas para agrícolas) desde o fim do século XIX, serem b~stante disc~tí­
os Estados Unidos a Venezuela só conta para 7% das importa- veis (pois o preço de numerosos produtos evolmu de maneira
ções e 5% das exportações. Num mercado mundial dominado divergente, e nem todos estes produtos provêm do. Terceiro
pela rede complexa dos arranjos entre as grandes firmas e os Mundo), não deixa de ser uma ve1dade que se adm1te quase
controles impostos às trocas de produtos "estratégicos", os unanimemente que, numa época recente, os preços das expor-
países subdesenvolvidos, produtores estreitamente especializa- tações dos países subdesenvolvidos deterioraram-se em relação
dos e muitas vezes rivais, não dispõem de um "poder de bar: aos dos pr;dutos por eles importados. Foi calculado C2 l que,
ganha" suficiente para tirar convenientemente proveito de suas em média, a venda de uma mesma quantidade de produtos
exportações. "primários" permitiria comprar em 1946 uma quantidade de
Essas pressões que os países desenvolvidos podem exercer produtos fabricados inferior em .30% à que se podaria adquirir
sobre os preços das exportações do Terceiro Mundo, além de em 1870. Nos últimos dez anos, esta tendência desfavorável
se deverem à diferença de potência das economias em presença, para o Terceiro Mundo agravou-se consideravelmente. Em
são ainda acentuadas pelo fato de que certos produtos são cada relação a 1953, o preço dos artigos manufaturados cresceu de
vez menos procurados pelas grandes potências industriais. As 9%, enquanto o conjunto dos produtos de base diminuiu de
transformações tecnológicas tornaram muito menos necessárias 10% (e mesmo de 15% para o conjunto dos produtos ali-
do que antes certas importações: o algodão sofre a concorrência mentares). C3 l De 1928 a 1955-57, o aumento do montante
das fibras artificiais e sintéticas; a borracha natural, do produto
sintético; os detergentes químicos substituem os oleaginosos, (1) F. A. 0., L'écon.omie mondiale du café, 1962, pág. 82.
destinados à fabricação de sabões e lixívias etc. ( 2) O.N.U ., Post War Price Relations in Trade Between under
Developed and Industrialised Countríes, 1949.
Enfim, existem outras causas para a superprodução: as ( 3) G. de LACHARRIÊRE, Commerce extéríeur et sous-déve-
necessidades financeiras de numerosos Estados do Terceiro loppement, Presses Vniversitaires de France, 1964, pág. 279.

68 69
v----------------------------------------------------------------------

total das exportações dos produtos pnmanos representou me- A especialização da exportação num só produto impede
nos de um terço dos produtos manufaturados. Se se exclui o que essas violentas variações possam . se compensar umas às
petróleo, este aumento elevou-se de menos de um sexto. No outras. Como a exportação ocupa um lugar muito importante
Brasil, em 1954, comprava-se um "jeep" com o valor de 19 na renda nacional de um grande número de países subdesenvol-
sacas de café, em 1962, custava 39. vidos ( 77% para a Malásia, 54% na Rodésia, 49% no Congo
.!
!! A maioria dos países subdesenvolvidos caracteriza-se, pois, ex-belga, 32% em Gana), o efeito dessas flutuações é desas-
por um desequilíbrio comercial acentuado, sobretudo depois troso. Enquanto a redução das receitas leva a uma grave de-
de 1957-58: Enquanto as exportações do Terceiro Mundo pressão econômica, a alta brutal das cotações e o aumento
· cresceram consideravelmente em tonelagem, seu valor não pára brusco do volume das vendas não são benéficos: elas provocam
de baixar, em relação ao conjunto das transações mundiais: uma grave inflação que anula os ganhos realizados.
33% em 1951, 25% em 1962. Esta instabilidade desvia os capitais dos investimentos
Assim, por exemplo, a parte das exportações da América produtivos a médio e a longo termo, que são muito arrisca-
Latina no valor do comércio mundial passou de 11% em 1948 dos, para os orientar para as atividades especulativas. A reali-
para 6,5% em 1962. Apesar de essas exportações terem cres- zação de um plano de desenvolvimento econômico torna-se
cido 38% em volume, seu poder de compra só aumentou 12%. impossível e a estabilidade monetária e financeira é contl~
Quer dizer que ·dois terços do esforço de expansão das expor- nuamente ameaçada.
tações foram anulados pela queda de seus preços.
I Esse declínio relativo das exportações dos países subde-
Muitos autores ( G. Ardant) estimam justamente que o
conjunto da ajuda financeira que chega aos países subdesen-
senvolvidos em época recente, é ainda mais grave levando em volvidos apenas compensa as . perdas que sofrem devido à
conta que o esforço que realizam para sair do subdesenvolvi- instabilidade do fluxo de suas exportações e à deterioração dos
mento exige um aumento das importações em bens de equi- "tt:rmos de troca". A essas perdas se ajustam as transferências
pamento: de 1938 a 1957, elas triplicaram no conjunto do de capitais: os grandes grupos estrangeiros asseguram nos paí-
Terceiro Mundo. ses subdesenvolvidos lucros cuja taxa é muito mais elevada
À deterioração progressiva dos "termos de troca", que é que nos países desenvolvidos. Por exemplo, o quadro seguinte
uma tendência a longo termo, ajuntam-se os efeitos não menos indica, de uma parte, a taxa de lucro (em percentagem, impos-
graves das variações curtas e brutais da cotação dos produtos tos deduzidos ) realizada em 19 55 pelas c:ompanhias norte-
primários, variações que se combinam com fortes flutuações -americanas nos Estados Unidos, por diferentes ramos de pro-
do volume das exportações. De 1950 a 1958, a relação entre dução . e, de outra parte, a taxa obtida em Porto Rico. m
os índices trimestrais dos preços mais elevados e mais baixos
foi de 2,5 para o cobre, 2,3 para o estanho, 2,8 para o cacau, TAXAS DE LUCRO (EM o/o)
I I 2 para o chá, atingindo 4 para a borracha natural. n> Assim, [: ' NOS E. u. A. I EM PORTO RICO
as cotações em Londres em libras esterlinas passaram, de dezem-
bro de 1956 a dezembro de 1957, de 274 para 181 para o Alimentação ................. . 9 11
cobre, de 118 a 74 para o chumbo, de 103 a 63 para o zinco, Têxtil .......•............... 5 19
Vestimentas ..... . ............ . 6 37
de 224 a 104 para o volfrâmio. Química .................... . 14 29
Variações mínimas da atividade econômica dos países de- Máquinas não elétricas ....... . 9 73
senvolvidos leva a flutuações brutais nos países subdesenvol- Material elétrico ............. . 13 67
Conjunto das empresas ....... . 12 35
vidos. "Quando os primeiros têm uma constipação, pode-se
dizer que os segundos apanham uma pneumonia."

(I) W. H. STEAD, The Economic Development of Porto Ricp,


{ 1) Trends in International Trade, G.A.T.T., 1958. Washington, 1958.

70 71
Uma grande parte desses superlucros realizados nos países
subdesenvolvidos é transferida para o estrangeiro. Quando
são reinvestidos, só fazem agravar a dependência financeira .
Segundo Ch. Bettelheim, somente as retiradas financeiras,
que dão lugar às transferências, e as retiradas devidas à dete-
rioração dos "termos de troca", se elevariam a 9 bilhões de
dólares por ano, por ocasião dos meados do último decênio: CAPITULO IV
"vê-se que estas retiradas correspondem a uma soma anual de
mais de 4 dólares e meio por habitante dos países subdesen-
volvidos. Se se ajuntasse essa soma aos investimentos efe- ESTRUTURAS SOCIAIS OPRESSIVAS
tuados por esses países, estes poderiam ser acrescidos de apro- E P ARALISANTES
ximadamente 75%". <.2l
Segundo R. Prébisch, de 1950 a 1961 os repatriamentos
de juros e lucros provenientes do Terceiro Mundo se elevaram I - Violentas desigualdades sociais
a 21 bilhões de dólares, e a degradação do intercâmbio provo-
cou uma tranferência de 13 bilhões de dólares suplementares
para os países desenvolvidos capitalistas. Estima-se que, se os UMA CARACTERÍSTICA absolutamente fundamental dos países
diferentes fatores que agem atualmente sobre as trocas não se subdesenvolvidos é a importância considerável do contraste que
modificarem, o deficit da balança comercial dos países subde- existe entre a riqueza de uma pequena minoria e a miséria da
senvolvidos poderá atingir 20 bilhões de dólares em 1970 . grar:;.de maioria da população. Esta violenta desigualdade ocorre
Essas transferências absorvem, pois, uma grande parte em todos os países subdesenvolvidos . Um número muito pe-
dos capitais estrangeiros que são emprestados aos Estados do queno dentre eles, nos últimos quinze anos, pôde fazer desa-
Terceiro Mundo ou investidos pelas grandes firmas nas suas parecer este contraste entre o extremo luxo e a extrema pobre-
economias. Estes capitais se elevaram de 1950 a 1961 a 47 za, que conheceu durante muito tempo. A presença de uma
bilhões de dólares. Mais de três quartos foram, pois, de fato, minoria extremamente privilegiada caracteriza o conjunto do
perdidos pelos paíst>s subdesenvolvidos. Terceiro Mundo.
Esse fato fundamental é, contudo, em geral minimizado
ou deixado em silêncio. No entanto, o primeiro contato com
uma cidade de um país subdesenvolvido não nos permite igno-
rar este contraste : às favelas, onde numerosos fatos evidentes
'I
denunciam a terrível miséria, sucedem-se os quarteirões ricos
que superam em turbulento luxo e em conforto os quarteirões
ricos das cidades européias.
Nos países subdesenvolvidos, os ricos são mais ricos e os
pobres mais pobres que em qualquer outra parte.
Em geral é difícil dispor de documentos estatísticos para
comprovar essas impressões, que são contudo irrefutáveis. O
estudo da repartição das rendas, já delicado nos Estados alta-
mente evoluídos, se acresce, nos países subdesenvolvidos, de
numerosas dificuldades: ausência de estatísticas, sistema fiscal
(2) Ch. BETTELHEIM, Planification et crozssance accéléré,
1964, pág. 213. quase exclusivamente baseado sobre os impostos indiretos e

72 73
negligente em atingir as rendas, e sobretudo o temor de que filiais de grandes grupos internacionais, que controlam o mer-
a publicação do resultado forneça argumentos perigosos aos cado dos produtos destinados à exportação. . Atividades que
adversários do regime no poder .. dependem do mercado interno (indústrias de consumo e mais
raramente equipamentos, comércio importado.r ) são igualmente
Existem alguns documentos para um pequeno número de controladas pelas firmas que dispõem de uma posição de mo-
países, ~nde a desigualdade na repartição das rendas não pa- nopólio no país: o grupo Matarazzo no Brasil, os grupos Tata
rece mawr que nos outros. A proporção da renda nacional e Birla na índia são exemplos célebres. ·
de que dispõem os 20% de afortunados da população seria 0 1
de 50% no Ceilão (1950), de 55% na índia e de 56% em A violência das desigualdades sociais, que caracterizam os
Porto Ric~ ( 1948), contra 44% nos Estados Unidos por exem- países subdesenvolvidos, é também causada · pelo fato de que
plo.. ~ diferença é sensível mas não considerável. É que as uma proporção muito importante das terras cultiváveis per-
avahaçoes baseadas sobre as rendas dos 20% mais afortu- tence a um número restrito de grandes proprietários. Na Amé-
nados não têm grande significação nos países subdesenvolvidos rica Latina, este problema agrário é mais evidente: 1,5%
onde uma minoria extremamente restrita concentra uma grande das explorações ocupa · 65% aproximadamente das terras explo-
parte das rendas e onde as classes médias dispõem de recursos ráveis. A exceção do México, da Bolívia e · de Cuba, onde
muito inferiores. . Quanto mais nos limitamos precisamente a reformas agrárias de eficácia desiguais se realizaram, todos os
esta mino!ia tanto mais a repartição da riqueza nos países sub- ·países latino-americanos apresentam esta concentração de mais
desenvolvldos se mostra diferente da que existe na América de 50% . das terras agrícolas nas mãos de menos de 4% dos
e na Europa. Os 10% mais afortunados da população dispõem proprietários. Na Venezuela, 3% dos exploradores ocupam
de cerca de 41% das rendas em Porto Rico e somente 27% 74% da superfície; no Brasil e no Chile, .2% dos proprietários
nos Estados Unidos. Na Colômbia, 2,6% da população dispõe- dispõem de 50% das terras exploradas; no Equador, · O,2%
de 40%_ da renda nacional. No Senegal, os europeus, 2% da dos proprietários para 33% do solo; na: Colômbia, 0,9% dos
população total, dispõem de 34% da renda nacional; sendo proprietários para 40% do solo etc. 01 :Esses grandes domínios
apenas 0,5% dos habitantes do Camerum, têm 23% das resultam de ·conquistas e espoliações efetuadas, . seja durante a .
rendas. No Gabão, o desequilíbrio é ainda mais nítido: 56% colonização espanhola e portuguesa (distribuição de feudos,
da renda nacional pertence a menos de 1% da população. <21 encomiendas, áos chefes vencedores), seja depois da "Indepen-
dência" (usurpação de generais ou de homens de negócio).
A concentração de proporções tão acentuadas da renda Esses. grandes domínios, latifúndios, se caracterizam em geral
nacional entre um número tão pequeno de pessoas deve-se a por uma utilização muito insuficiente: são explorados muito
causas múltiplas: algumas existem igualmente nos países desen- parcialmente e de maneira muito extensiva, que só exige uma
vo~vidos, mas n~ste caso são bem menos marcantes que nos mão-de-obra abundante num pequeno número de ocasiões.
pa1ses do Terceuo Mundo; outras são específicas da situação Uma gestão sumária não fornece uma renda elevada por hec-
de subdesenvolvimento. tare, mas assegura a riqueza àqueles que possuem milhares de
O setor de economia moderna dos países subdesenvolvidos hectares. Para realizar uma utilização mais intensiva, que desse
é domi_nado po~ monopólios muito possantes, cujos poderes à mão-de-obra mais trabalho durante o . ano, seria necessário
são multo super10res aos que dispõem as enormes sociedades investir bastante. Os proprietários, salvo exceções, não têm
em países desenvolvidos. Estes monopólios não são somente nenhum interesse nisso, pois os mercados são restritos. Tam-
bém, estes grandes domínios ficam baldios enquanto os ope-
rários agrícolas ficam desempregados durante longos meses e
( 1) Ver O. N. U.,' Le revenu national' et sa distribution dans os pequenos camponeses não têm terras suficientes para atender
les pays insuffisamment d'éveloppés, Etudes ·statistiques série E n.o 3 ·
S. KUZNETS, "Economic Growth and Income Ineq~ality" .Àmerica~
Economic Review, março de 1955. . '
(1) J. LAMBERT, Amérique L~tine, Presses Univcrsitaires de
(~). R. BARBÉ, Les classes sociales en Afrique Npire, Economie
et Pohuque, 1964, pág. 11 7. France, 1963, pág. 448.

74 75
às suas necessidades. No Brasil, 50% do número total dos proprietário se adjudica 55% da colheita na Tailândia, 60%
proprietários devem se contentar com 3,9% do solo. em certas regiões da lndia e no Paquistão. Em países muçul-
· Esses latifúndios sumariam~te explorados, que açambar- manos, o Kames ( Kamsa :::;:: 5) · conserva o quinto da colheita
cam a terra de que os pequenos camponeses têm tanta necessi- somente, enquanto o proprietário negligencia as funções que
dade, são novamente encontrados nas bacias do mediterrâneo, lhe valeram a atribuição, pela tradição, das outras quatro partes.
no Oriente P::óximo e na Africa Austral e Oriental. Estes A posição dos camponeses é ainda rebaixada, na maioria dos
grandes domínios têm por origem, neste caso, seja as conquistas casos, pela situação de dependência pessoal para com o grande
militares, seja a apropriação de terras coletivas tribais, seja a proprietário. Relações sociais, que podemos classificar proviso-
transformação ·abusiva de propriedades de tipo feudal, onde riamente de "semifeudais", existem com efeito numa grande
os rendeiros tinham direitos de uso em propriedades de tipo parte desses países, onde subsistem relações de produção que
capitalista. Na República Sul-Africana, os africanos, que repre- desapareceram há muito tempo nos países desenvolvidos: as
. sentam a ·enorme maioria da população rural, só possuem 3,7% relações de natureza econômica entre empregado e empregador
das terras no Transval e 0,5% em Orange. A política de se combinam, ou cedem lugar, ·a relações de subordinação pessoal
apartheid visa confinar o conjunto dos africanos, 65% da po- que ligam os trabalhadores ao possuidor da terra ou do capital:
pulaçãc' . total, nos 13% mais medíocres do território, aqueles vassalagem, clientela, servidão por dívidas transmitidas here-
que 01 brancos não querem. · · ditariamente, influência ainda sensível em muitos países de um
escravismo, recente ou teoricamente abolido. Numerosos ser-
Na Ásia Meridional e no Extremo Oriente, o imenso do- viços pessoais não remunerados são exigidos dos camponeses,
mínio . de tipo sul-americano é bastante excepcional, mas os obrigados a ficar diversos dias da semana à disposição dos pro-
probl !mas agrários não são menos graves. Uma parte impor- prietários ou das autoridades. <1>
tante do solo cultivado está nas mãos dos grandes proprietá-
rios, cujos domínios são cultivados por diaristas ou por meeiros, B preciso notar, contudo, que, em grande parte dos casos,
obrigados a entregar uma grande parte de sua colheita. Esta as relações sociais não são simplesmente relações entre explo-
concentração de terras se acentua progressivamente, devido ao radores e explorados. A realidade é em geral um pouco mais
endividamento crescente dos camponeses, que são obrigados a complexa e o proprietário representa um papel paternalista:
vender seus bens. Nas Filipinas, ·em 1918, 78% das explora- desde que seja dócil, o camponês encontra na sua miséria algu-
ções eram cultivadas por seus proprietários; em 1948, a pro- ma segurança. Seu patrão o protege contra os excessos de
porção era de somente 52% . Na Birmânia, em 1930, 19% outras pessoas poderosas, empresta-lhe dinheiro e permite-lhe
das terras estavam nas mãos de proprietários absenteístas e cultivar algum quinhão no interior do domínio. A precarie-
60% nas mãos dos usuários. Em 1937, essas duas categorias dade do direito que possuem os parceiros sobre sua exploração
controlavam 50 e 25% das terras e, em 1954, os proprietários pessoal coloca-os na dependência completa de um proprietário
absenteístas tinham 60% -da superfície cultivável. U> que se converte num senhor. Em numerosas regiões o pro-
Na maior parte do Terceiro Mundo, uma outra causa da prietário é também o único comerciante e controla as vendas
miséria das massas e da riqueza de uma minoria é a impor- pessoais dos meeiros e suas ·compras. A confusão freqüente
tância das retiradas que os proprietários do solo têm condições entre as responsabilidades administrativas locais e o poder eco-
de efetuar sobre os frutos do trabalho do meeiro. Isto é nômico restringe ainda mais os direitos reais dos camponeses.
tanto mais fácil, quanto mais o superpovoamento rural multi- Essas formas tradicionais de sujeição, teoricamente abolidas em
plica o número dos candidatos ao arrendamento e à parceria. vários países, consolidam-se . pelos elos usurários.
Sem participar de maneira algu.ma no capital de exploração, o
(1) Ver em particular: BUREAU INTERNATIONAL DUTRA-
( 1) J. RUSSEL ANDRUS, Burmese Economic · Life, Staiúord VAIL, Les populations aborígenes, Genebra, 1953, pág. 700. · (Em
U niversity Press, · 194 7; FURNIVALL, I ntr.oduction to the Political vários países a sorte da maioria dos camponeses é bem próxima à
Ec.onomy of Burma, 1957 . .· dos: aborígenes).

76 77
A usura é além disso um meio poderoso, que permite a .
minoria privilegiada realizar enormes retiradas sobre os ganhos vidos. A existência de minorias tão poderosas no conjunto do
dos trabalhadores. Na maior parte dos países do · Terceiro ·. T;~ce~ro Mund~ é o ~esultado ~e uma complexa evolução his-
Mundo, ·as taxas de juros são ássustadoras. Podem atingir 200 tortca, __q~e . sera analisada ultenormente. É preciso destacar
a 300% ao ano, nos países do Sudeste asiático. A baixa pro- desde Ja que, se est~ minoria dispõe de privilégios de tipo semi-
dutividade do camponês, a irregularidade climática, os longos feudal, encontra-se Igualmente bastante integrada a formas de
períodos de desemprego, a venda dos produtos imediatamente organização econômica muito mais evoluídas. Assim · certos
após a colheita, os abusos do sistema comercial, as despesas soberanos do Oriente Médio, chefes feudais e proprietários de
efetuadas para se desincumbir, por reciprocidade, de certas obri- es:ravos, reforça~am consideravelmente seus ·poderes tradicio-
gações tradicionais (festas, casamentos) obrigam o camponês nais pelos royr:tu_es que rec~bem das companhias petrolíferas.
a se endividar, colocando-se na dependência total do credor. Na grande matorta do Tercetro Mundo, ' a relação de produção
Pesquisas mostram que em numerosos países o montante médio ~damental é .(ou foi_ até uma época recente) de tipo capita-
das ·dívidas por família camponesa cresceu muito, recentemente. ~ta, mas ela s~ combma com relações de produção pré-capita-
Assim, na Tailândia, passou (levando em conta as variações listas, para maior lucro dos possuidores de capital. .
monetárias) de 163 baths em 1900 para 223 baths em 1934
e 431 baths em 1953. <ll A monetarização -relativamente recen- ~ precis~ sublinhar que essa minoria de privilegiados que
te da vida agrícola agravou consideravelmente a usura e difun- se encontra (salvo exceções recentes ) em todos os países' sub-
diu a servidão por dívida, no momento em que as formas de desenvolvidos, forma somente uma parte daqueles que . se
subordinação ancestrais tornavam-se teoricamente ilegais em ap<?ssam dos lucros da exploração desmesurada da qual são
numerosos países. vt~~~ as pop~~ções do Tercei~o Mundo. _ . Aos grandes pr~ ·
prtetãrtos ~c!iartos, . a<?s comer~Iantes, aos funcionários provi-
Nas cidades, a servidão dos trabalhadores é certamente · dos, aos us,uar~os de_ ortg~m autoctone .ou estrangeiros que resi-
bem menor e o êxodo rural se explica, entre outras coisas, dem no pat~, e preoso, aJ~tar as graf!des firmas internacionais,
pela procura de uma relativa libertação. Mas a desproporção as compan_htas de. com~rc10, os grandes bancos, que tiram lucro
entre a massa dos sem-trabalho e o reduzido número de em- do fornectm~nto a batxo preço dos produtos primários e da
pregos diminui .terr1velmente os direitos dos assalariados e venda d~ ?bJetos mamifatura?os; Estes não poderia.m manter
aumenta sua docilidade em relação aos patrões, que podem se seu dom101o sobre a economia dos países subdesenvolvidos se
arrogar todos os poderes. Neste caso, todas as formas de mo- não foss~m secundados pelo grupo de privilegiados que aí resi-
nopólio são ainda possíveis. dem. Estes, por sua vez, não poderiam se manter e ·se enri-
Os poderes dos usurários são enfim fortemente aumen- q~ecer sem o apoio e a mediação das grandes émpresas estran-
tados pelo apoio que lhes dão em geral os representantes da getras.. ~pesar de alguns conflitos, pois ela não é isenta de
religião e pela ignorância generalizada. O · analfabeto, prt:sa· contradiçoes, esta associação é fundamental. · ·
do fatalismo e da resignação, ignora seus direitos; encontra-se
Na ·maioria ·~os, países subd~senvolvidos, uma oligarquia
às ordens de chefes tirânicos e patrões abusivos, à mercê dos
de grandes propnetartos e grandes comerciantes controla o
usurários e dos comerciantes desonestos, sob os golpes de fun-
~oder político. em todos os escalões e o exerce para · séu próprio
cionários prevaricadores. Os privilegiados se opõem também
mteresse, quatsquer que sejam as conseqüências. No seio do
a todos os meios de desenvolvimento da escolarização. ·
Terceiro Mund?,, os _regimes democráticos são . excepcionais, e
Desta sorte, as categorias sociais privilegiadas detêm uma os governos. oligarqmcos, os poderes teocráticos, as ditaduras
posição extraordinariamente forte, exorbitante em relação aos de base_ social mais ou ~e~os estreita, · as pseudodemocracias,
poderes que dispõem as class.es dirigentes nos países desenvol- é que ,sao atualmente mats numerosas. . Num grande número ·
dos pats~ subdesenvolvidos, a administração se caracteriza por
( 1) R. GENDARME, La pauvreté des nations, éd. Cujas, ,1963, sua vena~da~e, .e a corrupção é tão geral que assume a forma
pág. 538. d~ ~ma ~nstltutÇão. ~1~ "destrói" a hierarquia das funções
pubhcas, mverte as prtortdades, desvaloriza as tarefas constru-
78 .
.79
tivas, mina toda empresa, impede toda audácia, ridiculariza fl:lÍUas provocadas pela violência e a desordem. Estes privile-
todo esforço, ao mesmo tempo que é a razão da subsistência giados operam, baseados no produto do trabalho da população
de elites que querem gozar as vantagens do poder", escreve retiradas consideráveis. Mas · essa poupança forçada, em ve~
J. Cheverny. m Esta corrupção "quase estrutural" é um dos de ser investida no país, é entesourada inutilmente, dilapi-
meios mais poderosos de que dispõem as firmas estrangeiras dada, utilizada para especulações econômicas prejudiciais, ou
para manter suas vantagens em detrimento dos interesses do enviada para o estrangeiro: as classes privilegiadas da América
país, vendidos por suas "elites". Latina acumularam assim mais de 14 bilhões de dólares nos
bancos da Europa e da América do Norte. U) Com efeito, a
Estes podéres exorbitantes exercidos pelas minorias pri- propensão a investir é fraca. As múltiplas retiradas operadas
vilegiadas provocam, sobretudo a partir de uma época rela- sobre as rendas já medíocres da população reduzem de tal ma-
tivamente recente, um~ tensão política cada vez mais intensa, neira seu poder de compra que a tornam um mercado sem
que se manifesta por revoltas freqüentes. Praticamente, não interesse. A exploração desmedida de que são vítimas as po-
existem países subdesenvolvidos que não tenham conhecido, pulações do Terceiro Mundo é, pois, uma das causas funda-
nos últimos vinte anos, graves insurreições urbanas ou cam- mentais de sua estagnação econômka e de sua miséria.
ponesas, quando não se trata de guerras civis de grande enver-
gadura. A ameaça que pesa sobre as minorias privilegiadas 4S A amplidão das desigualdades sociais determina, em gran-
.conduz a se dotarem de uma proteção militar e policial consi- de parte, um traÇo marcante das estruturas sociais subdesen-
derável. Isso explica a importância das despesas militares nos volvidas: a fraqueza, senão ausência, das classes médias. Este
· orçamentos da maioria dos Estados do Terceiro Mundo: mais fato muito importante será estudado em seguida, mas desde
de um quarto do orçamento · na Argentina e no Brasil, por já pode-se pressentir as graves conseqüências dessa lacuna social,
exemplo; muito mais nos países situados nos "pontos quentes" pensando no papel que a burguesia teve há vários séculos na
do globo. Estas somas consideráveis fazem falta para as escolas, evolução econômica, social e política dos pafses desenvolvidos.
os hospitais, as fábricas. Atualmente, as diversas categorias que designamos sob o nome
de classes médias formam uma parte cada vez maior da socie-
A opressão e a exploração que exerce a minoria privile- dade nos países desenvolvidos, e contribuem de maneira deci-
giada, seja ela "colonial", autóctone, ou as duas ao mesmo siva para o seu dinamismo.
tempo, os esforços que as populações fazem para se libertarem,
levam a uma multiplicação dos qmflitos interiores no conjunto Nos países atualmente subdesenvolvidos, esta lacuna é
do Terceiro Mundo, que se tornou o mundo da desordem e um fenômeno antigo, que tesulta de uma evolução histórica
da violência. As lutas que asseguraram a independência política bastante diferente, desde a Idade Média, daquela que seguiu
dos territórios colonizados e que serviram, em geral, para a Europa Ocidental. O papel considerável que era represen-
substituir os privilegiados europeus pelos autóctones, são so- tado. n~ ~lém-mar, desde a época colonial, pelos comerciantes,
mente um aspecto do fenômeno geral. Esses conflitos inevi- funcronarxos e empreendedores estrangeiros, que viviam só
táveis são economicamente desastrosos. Salvo raras exceções, temporariamente na "colônia", freou ainda mais a formação
os países subdesenvolvidos destruídos. pela guerra pensam l>Uas das classes médias. Enfim, é· tão grande o abismo entre as
ren~a~ dos membro: da minoria privilegiada e as da grande
feridas com uma lentidão que contrasta com a rapidez de
reconstrução dos países desenvolvidos atingidos pela guerra. ma1or1a da populaçao, que a passagem progressiva da classe
inferior à classe superior é muito difíciL Os intermediários
A presença nos países subdesenvolvidos dessas minorias são relativamente muito pouco numerosos e a mobilidade social
privilegiadas tem . pois efeitos catastróficos: política de ensino extremamente reduzida.
freada, terras açambarcadas esterilmente, despesas militares,
(1) L. HUBERMAN, P. M. SWEEZY, Perspectivas da América
( 1) J, CHEVERNY, L'éloge du colonialisme, Julliard, 1962, Latina, tradução de Waltensir Dutra, Zahar Editores, Rio, 1964,
pág. 276. l
pág. 152.

80 81 .
das regiões desenvolvidas, os países do Terceiro Mundo conhe-
cem ainda um estado que, por certos aspectos, evoca o passado;
~ no campo que ~ fraqueza das classes médias é mais mar- uma grande parte da população parece viver à margem da vida
cante; · a deterioração progressiva das condições de existência, moderna. Este contraste obriga a rever a crença, muito difun-
o êxodo rural, as reduzem ainda mais. Nas grandes cidades dida, no papel civilizador da expansão européia, que só poderia,
de um certo número de países do Terceiro Mundo, as classes segundo alguns, assegurar o progresso econômico e social das
médias se constituem pouco a pouco, graças em grande parte regiões onde se· estendesse. Sendo tão evidente o malogro
ao desenvolvimento das atividades administrativas. Aos fun- foi-lhes necessário encontrar uma explicação satisfatória. Como:
cionários, ajuntam-se os quadros médios das casas de comércio durante muito tempo, se insistiu em ver nas populações de
e das empresas industriais e uma parte das profissões liberais. além-mar somente particularidades étnicas que as diferenciavam
Apesar de ainda pouco numerosas, essas classes médias fazem dos povos europeus, e como esses povos se caracterizavam (mas
de certo bairros das grandes cidades do Terceiro Mundo um 16 em parte) pela sua vinculação a culturas que não vestiram
meio que se aproxima um pouco, sem levar em conta as diver- o uniforme da civilização moderna, muitos autores, sobretudo
08 sociólogos, desenvolveram a seguinte tese <ll : se nos países
gências, daquele que oferecem as cidades dos países desenvol-
vidos. É em grande parte nessas categorias sociais interme- subdesenvolvidos os germes do desenvolvimento, implantados
diárias que se desenvolve mais visivelmente a reivindicação pelos europeus, não deram os frutos que deveriam normalmente
de ·uma política mais justa e menos corrompida e de um esforço dar, é porque as sociedades indígenas não quiseram -se integrar
de melhoria econômica e social. Os movimentos camponeses na vida moderna.
são ein geral menos conhecidos e menos ruidosos, mas quando Trata-se da tese da oposição . fundiunent~l e eterna entr~
são vitoriosos provocam mudanças bem mais radicais. Com um "espírito oçidental" e um "espírito oriental", tese à qual
efeito, as condições econômicas e· sociais são tais que uma larga Kiplliig deu uma expressão lapidar: "0 Ocidente é o Ocidente
fração das classes médias tem uni comportamento que se apro- o Oriente é o Oriente, e eles nunca se encontrarão." '
xima dos métodos de exploração empregados pela minoria mais . "Existem, escreve a etnóloga Mnie Tillon, entre certas
privilegiada. O funcionário raramente resiste à tentação do dvilizações arcaicas e a nossa, incompatibilidades tão graves
abuso do poder oú do "Bakchich", e o contramestre ou o chefe que, se pudéssemos fornecer aos homens que as compõem
de serviço "aceita" voluntariamente um "presente" pelo con- todo o aparelhamento social de que dispomos, eles continua-
trato de um novo empregado. É preciso notar contudo o riam a voltar as costas para o nosso sistema". <2> Esta pre-
papel excepcional que representam os estudantes _da maiorJa tensa recusa seria devida, seja ao fato de a mentalidade da
dos países subdesenvolvidos: sua juventude e . sua cultura · os maioria das populações não européias ser incompatível com
levam a exprimir suas idéias mais generosas em manifestações s modos de crescimento econômico ocidentais (o Islão é par-
tumultuosas, que a polícia reprime de maneira menos expedita tlcularmente acusado), seja ao fato de as estruturas sociais
que os movimentos ·populares, pois as famílias dos estudantes tradicionais, n1uito fortes e coerentes, impedirem as popula-
pertencem em geral à minoria privilegiada. ç6es de aderir maciçamente à civilização moderna.
Essas teses, que têm pretensões planetárias, apóiam-se ge-
II - Estruturas tradicionais .deslocadas zalmente em raciocínios e argumentos os mais duvidosos. Como
austentar que a miséria resulta da incompatibilidade das cul-
Numerosos países subdesenvolvidos estão em contato com turas no caso de .Portugal, Espanha e Itália do Sul, países sub-
a Europa há longos anos e as grandes· potências realizaram,
graças aos seus técnicos e capitais, estradas de rodagem e de
ferro, portos, plantações modernas; criaram explorações de . (1) Ver por exemplo J. H. BOEKE, Economies and Economy
minério, empresas industriais e conjuntos urbanos muitas vezes lolicy of a dual Society, Nova Iorque, 1953, pág. 324.
espetaculares. Ora, · apesar da antigüidade .do contato · e da (2) L'Algérie en 1957, tditions du Minuit, 1957.
presença destes meios de produção, que são tecnicamente com-
paráveis aos que asseguraram no começo o desenvolvimento 8J

82
desenvolvidos que conheceram no passado um grande cresci- inverter os termos do verdadeiro problema: por que essas van-
mento e cujos caracteres étnicos são idênticos aos dos outros tagens lhes foram recusadas?
Estados europeus? É fácil . encontrar no Islão, e entre outras A força de coesão das estruturas sociais tradicionais pode
religiões extra-européias, preceitos que não são favoráveis ao ser considerada como responsável pela não integração das po-
dinamismo econômico. <l> Mas é estâ a causa determinante da pulações à "civilização moderna" e por isso como responsável
estagnação? Não seria mais uma conseqüência? Até o século pelo subdesenvolvimento? Esta hipótese é infirmada primei-
XI, quando a civilização árabe era florescente, o Islão forneceu ramente por um exemplo oferecido por uma parte da América
um sustentáculo ideológico ao progresso. Mas desde que veio do Sul. No Brasil e na Argentina em particular, as .sociedades
a decadência, por causas complexas, os preceitos estimulantes tradicionais que englobavam efetivos muito pouco numerosos
foram pouco a pouco esquecidos em proveito das máximas foram destruídas há vários séculos, e substituídas por estruturas
fatalistas. de tipo colonial. Essas últimas, apesar de sua relativa antigüi-
Enfim, os povos do Terceiro Mundo recusaram realmente dade ( algumas são seculares ) , não podem de nenhuma maneira
as "melhorias" da civilização industrial? Esta argumentação ser consideradas tradicionais: são grandes domínios fundamen-
falsa se desmoronará quando se procurar considerar correta- talmente orientados não em função de uma economia de subsis-
mente a realidade histórica dos fatos. Era a civilização, dotada tência, mas de uma economia de troca de escala continental e
de todas as suas vantagens, que se oferecia para essas popu- mundial. Nessas regiões. da América do Sul, a estagnação eco-
lações? Esta · "civilização" imposta pela força traduziu-se na nômica e a miséria, vizinhas àquelas que existem no resto do ·
maioria dos casos pela opressão, o imposto, a espoliação das Terceiro Mundo, não podem, em nenhum caso, ser imputadas
terras etc. Por que se espantar com a resistência das popula- às forças de inércia de verdadeiras sociedades tradicionais, pois
ções? O colonialismo, forma de expansão principal do capi- elas não existem.
talismo industrial, reuniu justamente todas as condições para Nos outros países subdesenvolvidos, é i:ambém difícil
que não pudesse se efetuar a passagem dessas populações para. explicar a miséria e o desemprego pela integração das popula-
uma economia e uma sociedade equilibradas e modernas. De ções a sólidas estruturas tradicionais. De uma parte, como já
fato, pode-se citar o exemplo de populações subempregadas vimos anteriormente, a grande maioria da população não vive
que, em certas circunstâncias, recusaram o trabalho que lhes sem contato com a economia mocierna (produção de merca-
era proposto e ao qual foi preciso coagi-las. Na realidade, isto dorias de exportação, compra de objetos importados). De
não é uma prova de uma recusa à vida moderna: na maioria outra parte, essas estruturas tradicionais são muito pouco sólidas
dos casos, o açambarcamento das rendas pelos agiotas levou e capazes de dominar os homens. Com efeito, elas estão pro-
esses homens a renunciar a tarefas suplementares que não lhes fundamente deslocadas e degradadas.
traziam nenhum proveito.
Pri~eiramente, que se deve entender por "estruturas tra-
Existem populações que se recusam, também, a executar dicionais"? Antes da expansão européia, os países hoje sub-
tarefas temporácias quando estão num período de grandes tra- desenvolvidos se caracterizavam, apesar de sua grande diver-
balhos agrícolas absolutamente indispensáveis à alimentação do sidade, por dois traços comuns bastante importantes: de uma
grupo durante todo o ano. Em certas regiões africanas, lem- parte, a maioria da população vivia praticamente numa econo-
bra-se do "ano. da estrada" · cuja construção foi seguida de uma mia fechada, as trocas só se realizando numa quantidade rela-
terrível fome; com efeito, a mão-de-obra requisitada não pôde tivamente mínima. De outra parte, a maioria da população
efetuar a tempo os trabalhos agrícolas indispensáveis. Susten- vivia no quadro de comunidades aldeãs ou tribais, subordi-
tar que os povos do Terceiro Mundo recusaram as vanta~ens nadas mais ou menos a poderes de tipo semifeudal. Esta super-
da civilização industrial não é, com evidentes preconceitos, posição de uma aristocracia às estruturas comunitárias é muito
diferente do que existiu no passado na Europa Ocidental.
( 1) J. AUSTRUY, L'Islam face ao développement écon.omique, A expansão do sistema econômico organizado para e pelas
:Bclitions Ouvrieres, 1961, pág. 140. grandes potências realizou o deslocamento progressivo dessas

84 8)
estruturas ec~nômicas e sociais tradicionais. Seria abusivo não alqueive ). Foram quebrados os equilíbrios que eXlstiam no
·ver nessa decadência o resultado das espoliações violentas exer- próprio interior da célula aldeã ou tribal entre as atividades
cidas · eni ·prejuízo das populações colonizadas. É certo que de produção e as formas de consumo, entre a·s necessidades
muitas vezes os métodos empregados foram desumanos ( incur- e os recursos. A comercialização da economia levou particular-
sões escravistas, extermínios, "aquartelamentos"), . mas essas mente ao desaparecimento dos meios que possuía o grupo de
formas de destruição ou de alteração bm~ das sOCiedades tra- se premunir em parte contra os efeitos das irregularidades climá-
dicionais por espetaculares que pudessem ser, não foram as ticas. A chegada do comerciante e do cobrador de imposto
mais ger;us e mais importantes. A desorganização do sistema provocou a diminuição das reservas, a redução do conteúdo
· tradicional pôde se efetuar apesar da ausência de toda ação dos jarros ou celeiros, e deixou o grupo sem meios de com-
militar estrangeira ( eomo em certos países do Oriente Médi?). pensar de um ano para outro as irregularidades das colheitas.
A introdução da economia monetária teve efeitos desorgamza- Este rompimento da organização tradicional caracteriza-se
dores muito mais consideráveis. · A obrigação do pagamento pela ruítia do artesanato local, a redução relativa das culturas
do imposto em numerário foi o meio mais possante de coerção de consumo, a desaparição das solidariedades baseadas no cos-
da população paia transformar suas condições de vida e -para tume e a supressão das formas coletivas de produção. Essas
abandonar a autarcia econômica. Muito importantes também múltiplas decadências tornam o grupo cada vez mais depen-
foram as conseqüências da instauração de relações sociais de dente e cada vez · menos capaz de enfrentar, devido ao seu
tipo capitalista e a aplicação de uma concepção jurídica da pro- despreparo técriico, as dificuldades e os perigos que vêm dos
priedade baseada no Direito Romano entre sociedades onde homens ou da natureza.
predominavam as relações principalmente comunitárias e con~ep­
ções diferentes da propriedade: direitos coletivos, superpostção Além disso, esses grupos já enfraquecidos na sua coesão
de direitos parciais e complementares etc. . - no fundo, sua última fôrça - foram submetidos a retiradas
consideravelmente maiores do que as que eram · praticadas até"
Esses fatores de destruição do sistema tradicional tiveram- então. Com efeito (cf. págs. 210-226) na maioria dos países,
uma ação tanto maior quanto mais este formava um todo os poderes superpostos às comunidades aldeãs ou tribais não
coerente e autárcico no interior de cada co~uni~de aldeã ou possuíam praticamente os meios de produção; os soberanos e
tribal. A mfna de aiguns de seus elementos levava ao deslo- os nobres detinham somente direitos eminentes e só possuíam
camento do todo. de fato o direito de cobrar os impostos. Com a difusão da
Primeiramente houve o deslocamento dos gêneros áe vúla. economia · moderna as estruturas comunitárias se encontraram
Até então, para cada uma das célulãs humanas, que viviam consideravelmente enfraquecidas, mas os poderes dos privile-
em economia fechada, todas as atividades, tanto as de produ- giados foram consideravelmente reforçados. Passaram na
ção como as de consumo, eram organizadas, _polarizadas e con- maioria dos casos a pôr a mão nos meios de produção e a trans-
. tinuadas pela operação produtiva que, estre~tamente . adaptada formar seus direitos eminentes ou parciais em direitos totais
às condições do meio geográfico, assegurava a to.talidade. ~s e reais: os que detinham somente o direito de cobrar os impos-
necessidades do gmp(>. Esta unidade coerente cu!a especifiCI- tos em nome do soberano, num território dado, aproveitaram-se
dade resulta da combinação dos caracteres do melo natural e do novo regime político e do enfraquecimento do poder real
do grupo humano. se caracterizava por um · conjunto de equilf- para se arrogarem a propriedade plena e completa das terras e
brio complexos. · para transformarem os contribuintes em meeiros ou diaristas.
Obrigando-se essas populações . a se dedicar a . culturas Este foi, por exemplo, o caso dos Zamindars nas fndias ( espé-
<:Qmercializáveis, pagar impostos e comprar mercadorias estran- cie de fazendeiros gerais) , que conseguiram fazer reconhecer
geiras, deslocou-se o seu gênero de vida e romperam-se os pelos inglt:l>es, interessados em se cercar de aliados, a proprie-
equilíbrios que se tinham estabelecido entre os gmpos huma- dade das circunscrições onde estavam encarregados de receber
nos e o meio natural (destruição dos solos esgotados por des- os impostos. Os poderes semifeudais dos chefes e dos notáveis
bravamentos excessivos ou pela . diminuição dos tempos de foram muitas vezes reforçados e recompensados devido ao

86 87
apoio que traziam à colonização. A relativa igualdade que degradadas ou deslocadas. A Africa Ocidental, onde o cresci-
existia no seio das comunidades aldeãs ou tribais cedeu lugar a mento da economia moderna já foi particularmente tardio, e
múltiplas formas de servidão para com os notáveis, transfor- onde melhor se conservaram as condições "tradicionais" (em-
mados nos representantes da autoridade colonial, e para com bora seja necessário fazer as maiores reservas em muitas regiões
os agiotas, que despojavam progressivamente osA c~mponeses terrivelmente marcadas pelo tráfico -de escravos), mudou muito
de seus bens. Outrora, em muitos casos, a potencta de um rapidamente depois do fim da guerra.
notável se media mais pelo número de homens colocados ~ob A Europa também conheceu no século XIX a destruição
sua dependência (escravos, servidores, servos, vassalos, clien- das condições econômicas e sociais pré-capitalistas. Apesar de
tes) do que pela quantidade de moeda que possuía. A estas uma longa evolução histórica ter preparado anteriormente ..o
relações pessoais que ligavam os subordinados a seu mestre, : terreno", apesar de o processo de deslocamento ter-se cumpri
este juntou as relações financeiras. · do mais lentamente e muito · menos violentamente do que no
O sistema social tradicional, caracterizado pela importân- além-mar, este período de liqüidação das estruturas tradicionais
cia das estruturas coletivas ou comunitárias, deu lugar, apesar 1
trouxe para o povo grandes misérias (desemprego, ruína do
das aparências, a ·uma nova sociedade. · Ela é car~cter.izda pelo ' artesanato, exploração mais intensiva dos trabalhadores homens
agravamento considerável dos poderes de uma mmorta. Esta das mulheres e crianças). Os camponeses empobrecidos, o~
se arrogou direitos novos, apropri<;'u-se de uma gr:mde. p~rte artesãos arruinados, fugiram para as cidades e esta onda foi
do solo e, após a partida dos colomzadores,_ dos quats fot cum- ainda mais importante devido à fase de grande crescimento
plice durante um longo tempo, fez-se herdetra de seus poderes. demográfico que a Europa atravessava. Mas essa massa de
O fundamento da expropriação que sofreu a grande massa população, atirada no mercado de trabalho pelo deslocamento
da População do Terceiro Mundo nem sempre se encontr.a na da economia e da sociedade pré-industriais, foi progressivamente
violência militar ou política, mas na violência que consiste na absorvida nos efetivos consideráveis de que necessitava uma
aplicação brutal das relações capitalistas a sociedades subjuga- · indústria e um setor terciário em grande crescimento. A des-
das e atrasadas tecnicamente. Contudo, as guerras e 111s desor- ' truição das estruturas pré-industriais também, apesar das ruínas
dens, que afetam . cronicamente a maioria dos países subdesen- · e das privações que foram impostas a várias gerações, tínha
volvidos levam ao extremo o deslocamento das estruturas tra- permitido na Europa Ocidental a instauração de um novo sis-
dicionai;_ Assim por exemplo, a guerra ·da Argélia, e em par- tema econômico e social, que englobava o conjunto da população.
ticular a política' de reagrupamento que foi praticada, tiveram, A evolução foi muito diferente nos países que são hoje
para a maioria da população rural, conseqüências
. . ,catastróficas.
. (1) subdesenvolvidos: o deslocamento das estruturas tradicionais
Pode-se temer que aIgumas de1as seJam trreverstvets. foi bem mais brutal; entre essas estruturas tradicionais e o novo
· Enfim, o rápido crescimento de~ográfico que ocorre ?a regime econômico e social o salto era muito maior e as dife-
grande maioria dos países subdesenvol":tdo~ acen~a. de manetra . r~ças mais c?nsideráveis do que entre as condições pré-capi-
considerável a decomposição da crgamzaçao tradictonal. Esta tahstas europétas e as que foram realizadas pela revolução indus-
era um conjunto equilibrado, mas adaptado a grupos de efeti- trial. Mas a diferença fundamental é que, nos países subdesen-
vos estacionários ou de crescimento bastante lento. volvidos, este deslocamento não foi compensado pelo desenvol-
As estruturas tradicionais da economia e da sociedade vimento ·de setores de emprego, suscetíveis de · absorver as
praticamente desapareceram enquanto estruturas coerentes, na massas atiradas sobre o mercado de trabalho pela alteração da
maioria das regiões do mundo. 56 restam elementos esparsos, economia tradicional,· e aumentadas pelo forte crescimento de-
relíquias ou seqüelas às- vezes _ainda notáveis, mas quase sempre mográfico. Com efeito, a desigualdade do mercado interior
impediu, nos países subdesenvolvidos, o florescimento de uma
indústria e de utn setor terciário suficientemente importantes
( 1) P. BOURDIEU e A. SAYAD, Le déracinement, tditions para poderem absorver os efeitos que deviam ser reintegrados
du Minuit, 1964, pág. 220. nas novas estruturas. ·A introdução no conjunto do Terceiro

88 89
Mundo de uma economia moderna, incompleta e dependente,
e o agravamento dos poderes das minorias privilegiadas provo-
caram o deslocamento das estruturas tradicionais, mas impe- Subsistem numerosos vestígios das estruturas tradicionais
diram a reintegração da população nas estruturas novas. deslocadas, correspondentes aos elementos que não dificultam
Na Europa Ocidental, . o camponês sem terra, o artesão a extensão dos podc::res e dos lucros das minorias privilegiadas
arruinado tomaram-se, não sem uma penível reconversão, "pro- colonizadoras ou autóctones. Com efeito, os golpes que as
letários", que só dispunham para viver da venda de sua força estruturas tradicionais sofreram não foram involuntários, nem
de trabalho. Esta proletarização, que el}l geral se deplora, tão pouco frutos do acaso. Foram destruídos os elementos
aparece nos países subdesenvolvidos como solução relativamente que freavam a expansão do capitalismo (direito coletivo sobre
·feliz e excepcional. .A maior parte das populações em tomo das as terras, equilíbrio econômico autárcico ) ou aqueles que
quais as estruturas 'tradicionais foram deslocadas não chega a aumentavam a resistência das comunidades aldeãs ou tribais às
encontrar um emprc::go razoávelmente estável. Ela não pode invasões dos privilegiados. Contudo, os outros elementos das
pois se situar nas fileiras do prole~iado, exatame?te dev~do estrut;uras ·tradicionais que não incomodavam foram poupados;
ao pequeno número deste na economta subdesenvolvida, devtdo os que poderiam ser úteis para a minoria foram preservados e
ao pequeno desenvolvimento da indústria. O proletário, nos consolidados. Estes vestígios são principalmente de natureza
países desenvolvidos é vítima da exploração -que Marx descre- psico-social: a maioria das populações que constituem o subpro-
veu, mas ele ao menos encontra ·onde vender sua força de letariado se caracteriza pelo papeJ temporal considerável que
trabalho exceto em caso de crises temporárias. Nos países dá ao clero (ou seus equivalentes) e pelo lugar dos fatores
subdese~volvidos, os inúmeros · homens que perderam quase mágico-religiosos no seu comportamento. Pode~se citar igual-
todos os meios de subsistência, não têm nem mesmo essa opor- mente a posição (julgada certa ou erradamente) bastante su-
tunidade; pois não encontram onde vender seus ·b~aço~. ~s bordinada da mulher no seio da grande família de tipo patriar-
populações que sofreram úm pr~esso de _proletanzaça'? nao cal, que é a célula social elementar. Enfim, como as antigas
chegam a se integrar no verdaderro proletan~o. Constituem, · comunidades tribais ou aldeãs se definiam umas em relação às
pois, o que é possível chamar de subproletariado. outras segundo critérios genealógicos mais ou menos sagrados,
os fatores de discriminação de base étnicll ou religiosa têm um
Não tendo praticamente mais a possibilidade de viver numa lugar muito importante na vida social. Estes vestígios não tra~
economia· dé- subsistência quase inteiramente destruída, sem duzem uma resistência particularmente forte que as mentali-
encontrar contudo os meios de ganhar um salário regular, dte dades opuseram ao "espírito ocidental", mas antes a fraqueza
subproletariado se compõe de uma massa de trabalhadores sem geral do nível de ensino e a quase impossibilidade que existe
emprego regular, em desemprego . crônico. Vivem de ,s~lários para· estes homens se integrarem efetivamente na vida moderna,
· ocasionais, dos produtos de um _q~o exíguo e J?r~~o, de- impossibilitados de enfrentar nela os meios de existência
atividades mais ou menos legats ( btscates, mendicanoa etc., regulares.
sobretudo nas grandes cidades) e da ajuda dos parentes que Psicologicamente, as conseqüências da subproletarização,
tiveram uma oportunidade de encontrar trabalho. Em numero- desta "vagabundização" ( G. Tillon) são particularmente gra-
sos países do Terceiro Mundo, ct:rca de três quartos da popu- ves. As populações dos países subdesenvolv_idos passam por
lação vivem num quadro que não é mais aquele das estruturas uma grave crise moral; Viviam, no passado, no seio de comu-
tradicionais, nem de uma economia capitalista normal; os cir- nidades pequenas, equilibradas e homogêneas; as solidariedades
cuitos monetários são com efeito atrofiados e as rendas regu- costumeiras supriam a fraqueza técnica do indivíduo, incapaz
lares são excepcionais. Este subproletariado vive, em grande de suprir isoladamente suas necessidades; a ·divisão do trabalho
parte, nos campos: camponeses sem terra, diaristas, oper~os era muito pouco desenvolvida entre as pessoas do mesmo sexo:
desempregados durante seis ou sete meses por ano. Nas cida- cada homem assumia as mesmas tarefas que os outros homens
des, campon!!ses desenraizados, artesãos arruinados, vêm se do grupo, cada mulher tinha a mesma atividade que suas com-
amontoar nas favelas. · panheiras. Esta homogeneidade facilitava a sacralização das
atividades coletivas de produção e de consumo, sacralização
indispensável à coesão do grupo. O deslocamento das estrutu-

91

/
ras tradicionais provocou, em razão de seu caráter sagrado, uma rápido crescimento demográfico aparecem, desde o início, como
crise de "desculturação" ( G. Balandier) excessivamente grave, as maiores causas deste fenômeno do subemprego. Resultam,
pois as mudanças provocadas rio grupo puseram em causa o pois, desequilt'brios fundamentais que caracterizam a situação
conjunto das crenças. Esta tendência normal à sacralizaçã? da dos países do Terceiro Mundo. O subemprego é uma das
vida econômica e social dá origem, nos países subdesenv?lvtdos, causas da baixa produtividade das populações e da estreiteza
a novos sincretismos religiosos. <ll Estes tentam assoct~r cao- do mercado interno nos países subdesenvolvidos. ~ste é o
ticamente às seqüelas do passado, os traços, muitas vezes os pedil do papel que ele ocupa na combinação de fatores que é
mais contestáveis mas os mais visíveis, da "civilização moderna". o subdesenvolvimento.
' . .
O deslocamento de quadros coletivos que se tornaram em Apesar de o subemprego ser de fato bastante mal estu-
geral opressivos seria uma libertação se o homem, agora :nt_re- dado, ·algumas indicações sumárias Ul permitem apreciar a
gue a si mesmo, pudesse se integrar neste. mu~d~ ~con<;>mtco amplidão do fenômeno, particularmente nos campos, onde vive
novo, onde lhe seria possível viver uma vtda mdivtdualtzada. ainda a maioria da população: nas fndias, os trabalhadores
O drama é que esses homens, em torno dos quais se desmo- agrícolas seriam empregados em média 218 dias por ano; na
rona a proteção das antigas solidariedades, não p~dem encon- 1ndia do Sul, a média baixa para 181. Nas Filipinas, o culti-
trar un 1 emprego regular, única coisa que podena dar _uma vador trabalha seis meses por ano. Na Birmânia, o trabalhador
base pLra seu novo individualismo. A ~obr~za em que vtve~ sem terra tem emprego cinco meses por.ano. Em Java, 1 ha
os me1 abros de um mesmo grupo, sem mqutetude !1~ cumpn: de arroz ( é a extensão média da exploração por família ) exige
mento regular dos rituais, sob a proteção da colettvtdade, d,a 120 jornadas de trabalho por ano. No Egito (1936), as pes-
lugar à miséria e à irracionalidade do hoJ:?em bruscamente s<;>, soas empregadas na agricultura trabalhavam de fato 160 dias
isolado, incapaz de satisfazer su~s necesstdades e de cumpnr por ano e cada família camponesa, que cultivava em média
suas múltiplas tarefas, entregue a todas as avent1;1ras ~e _um 64 ha, poderia cultivar, com os meios que dispunha, uma su~
munio em mudança. Nenhum valor lhe p~:ec: mats aut~~tlco, pedície cinco vezes mais vasta. Em Cuba, em 1945, metade
nem os do mundo antigo, de cuja insuftctencta e estenli~ade da população agrícola era formada de operários que só eram
toma consciência, nem os .do mundo novo, que lhe contmua empregados cerca de 120 dias por ano. Na Argélia, onde o
fechado. Donde o sentimento legítimo de uma dupla frustra- número de trabalhadores agrícolas era de 1 850 000 em 1953,
ção: a perda dos valores ancestrais e a impo_ssibilid~de de ,at~­ o número oficial dos não-empregados ou subempregados era de
gir as novas riquezas, muitas vezes tão prÓxlfDas <; macesstvets. 850 000; as organizações sindicais aumentavam esta cifra para
O Terceit:o Mundo é povoado de homens a dertva. um milhão. O número médio das jornadas de trabalho por
pessoa em idade de trabalhar era de 92 por ano. Na Espanha
III - Subemprego crônico e trabalho das crianças do Sul, os diaristas, a grande maioria da população, só encon-
travam trabalho durante 70 a 80 dias por ano. <2 >
Uma das características fundamentais dos países subde- Esta considerável limitação da atividade tem conseqüên-
senvolvidos à a amplidão e a diversidade das formas de sub- cias tanto mais graves, quanto mais a produtividade média do
emprt:go. "O Terceiro Mundo é um mundo de desempregados trabalho é reduzida. De oútra parte, a relação entre o
crônicos. Subemprego e subdesenvolvimento caminham jun- efetivo da população de idade ativa e aquela mui-to jovem ou
tos" . escreveu com justeza G. Ardant. A deteriorização das muito idosa para poder .teoriéamente trabalhar · é muito mais
forç~s de produção da agricultura "tradicional", a fraqueza dos · desfavorável nos países subdesenvolvidos em forte crescimento
efetivos que o setor econômico moderno pode emp~egar e o demográfico do que nos países desenvolvidos. Se, nestes últi-

1) Ver entre outros: VI~ORIO LANTERNARI, Les mouve-


ments religieux des peuples oppnmés, F. Maspero, 1962, pág. 399 e ( 1) Reunidas, por exemplo, por G. ARDANT, obra citada.
o filme de J. ROUCH, Les Maltres fous. (2) G. ARDANT, obra citada.

92 93
-

extremo fracionamento das tarefas a fim de distribuí-las em


mos, o número de jovens e de pessoas idosas atinge no máximo · maiores _parcelas a um número maior de pessoas.
60 por 100 pessoas em idade econômica -05 a 60 anos), num . . A ·procura · de trabalho é com efeito uma das principais.
país subdesenvolvido, onde a proporção dos jovens é extrema . preocupações da população do Terceiro · Mundo. Quem conse-
mente grande, pode-se contar até 120 indivíduos de idade gue trabalho é para os outros um "felizardo" mas esta opor-
inativa para 100 pessoas dé idade ativa. . tunidad~ só lhe. traz em geral insatisfação. Nos países subde-
·Se estamos de acordó em reconhecer a importância do senvolvtdos, mats do que alhures, o trabalho é um conceito
subemprego,. se faz muito mais necessário possuirmos um co- · eminentemente contraditório: na opinião popular, é ao mesmo
nhecimento satisfatório dele. · É com efeito uma realidade tempo favor e azar. Como o mostrou P. Bourdieu (1) na sua
multiforme, muito difícil de analisar, de medir e de apreender. grande maioria a população argelina entrevistada considera que
É onipresente nos paísei subdesenvolvidos e não existe aspecto a "chance" ou o "pistolão" são o único meio de obter traba-
da vida econômica, social, política ou intelectual que não seja lho, apesar de estar descontente de exercer esta atividade.
marcado mais ou menos por ele. A tal ponto que a noção de Nesta insatisfação geral das pessoas empregadas, de~e-se ver
trabalho torna-se muito difícil de ser determinada. "Numa de uma parte um f'<lto objetivo, a conseqüência das condições
região subdesenvolvida, as relações entre trabalho e não-tra- lamentáveis às quais deve se entregar o trabalhador e, de outra
balho não são as mesmas das regiões onde triunfã a civilização parte, um fato subjetivo, a depreciação que sofre a noção de
meca~ada. A corrente particularmente forte da não-ocupa-
trabalho nos países subdesenvolvidos: a riqueza está com efeito
ção e do desemprego exerce sobre o : trabalho efeitos que chegam . na~ mãos de uma minoria que é formada, em grande parte, de i
até a alterar o sentido" (R. Rochefort) . Como distinguir o OCiosos; Daí ser considerável o prestígio do dinheiro ganho
trabalho do não-trabalho? (1) ·
sem trabalhar. Resultam disto formas bastante ambíguas de
subemprego: as clientelas, que gravitam em torno dos patrões
Certas formas de emprego, devido à multiplicação dos influentes, os contrabandistas, que vivem da corrupção gene-
funcionários ou dos "boys", são em certos países, na realiilade, ralizada, o banditismo, bastante difundido. A balbúrdia tende
formas de subemprego. Esperar, procurar um emprego é um . a se tornar crônica. Em alguns países, a possibilidade de tra-
caso de desemprego ou já é um trabalho? Ir a uma longa balhar, a oportunidade de ser empregado vende-se muitas vezes
distât)cia para efetuar uma tarefa é mesmo um trabalho quando quase tão caro como o trabalho mesmo. Da mesma maneira
· esta exigia quatro ou cinco vezes ·menos tempo que o empre- que a terra é sublocada por meeiros a um submeeiro, nume-
gado para se deslocar? Mas, nos países subdesenvolvidos, a rOSli;S tarefas são subcontratadas por aqueles que tiveram a
subalimentação e as doenças tornam um grande número de oportunidade de obtê-las para outros menos afortunados, que
pessoas inaptas para o trabalho de maneira quase deunitiva devem se contentar com uma fração dos ganhos.
ou · temporária (acesso de paludismo por exemplo). Devem
ser considerados como desempregados aqueles que não podem · Sobretudo ms cidades, a massa dos sem-trabalho e as
trabalhar? Contudo, são numerosos os casos de desocupação necessidades de ganhar dinheiro são tais que a concorrência
se faz sem freio nem regra. As tradições que regularizam o
cuja caus'cl é ambígua. São voluntários ou forçados? Estas
mercado de trabalho, subtraindo-lhe certas partes da popula-
mulhereil que nos países católicos como nos países muçulmanos
ção (as mulheres, as crianças} ou multiplicando o número de
são reúàãs em casa pelas tradições hostis à sua integração no
dias feriados, cedem lugar a uma completa anarquia. A necessi-
mundo nos trabalhadores, são desempregadas? Não, aos seus
dade implacável de encontrar alguns recursos no dia-a-dia, acei-
próprios olhos e aos dos vizinhos. Sim, se se vê nesta reclusão tando qualquer condição, leva a jogar sobre o mercado, não
um meio que a sociedade utiliza para reduzir o número dos somente as mulheres, mas também as crianças. Os emprega-
candidatos a emprego. Este procedimento tem um objetivo
semelhante ao destes costumes freqüentes, que imp~m um
. (1) P. BOURDIEU, A. DARBEL, J. P. RIVET, C. SEIBEL,
( 1) R. . ROCHEFORT, Le TravaÍl en Sicile, Presses Universi- Travail et travailleurs en Alt~rie, MoutQn, 1963, pág. 566.
taires de France, 1961, pág. 363.
95

,J,
. . ...
dores têm, em muitos casos, a oportunidade de empregar algu- contudo, depois da difusão das trocas e da moeda, o número
mas crianças, pagas de maneira irrisória, para efetua~ o trab~­ dos que procuram trabalho, ou que procuram vender não
lho normalmente destinado a um adulto, ao qual sena necessa- importa o quê, cresceu de maneira desmesurada. Não parece,
rio dar um pouco mais. Os pais desempregados passam, pois,
pois, que as formas de organização econômicas e sociais tradi-
a alugar os filhos, o que leva a multiplicar o número de con-
cionais tenham conhecido um subemprego importante, perce-
correntes. Se existem alguns regulamentos ou mesmo uma
bido como tal pelas populações. ~ · certo que, no campo, co-
legislação que tente atenuar estes excessos e esta anar.9uia, são
nheciam períodos de atividade reduzida, bastante breves, con-
abertamente desrespeitados, não somente pelos patroes.' mas
também por aqueles que, esforçando-se por consegmr um tudo. Mas, devido ao equilíbrio que existia no conjunto entre
emprego de qualquer forma, são obriga~os a sacrificar às ne- a produção e as necessidades, essas semanas de relativa inação,
cessidades imediatas seus interesses coletivos a longo prazo. longe de serem um momento penível e uma causa de empobre-
cimento, como é o caso hoje, ofereciam um período de repouso
Não se deve ver nesta anarquia a marca de uma "menta- e relaxamento. Eram em geral consagradas a numerosas ati-
lidade não ocidental". A Europa Ocidental conheceu também, vidades coletivas, e em particular às. festas que, na maioria
no começo da revolução industrial, uma situação comparável, dos países, se realizavam depois da colheita, neste período de
caracterizada pelo desaparecimento das tradições corporativas relaxamento e alegria. Seguiam-se à época dos mais duros
que organizavam o mercado de trabalho e. pelo em~reg~ das trabalhos, realizados nas condições ainda mais peníveis porque
crianças apesar (ou melhor, exatamente dev1do) da difusao do se situavam no momento da "soldadura".
desemprego. Esta anarquia foi progressivamente superada
quando o número dos empr:gados foi consid:ravelmente As coisas mudaram consideravelmente com o deslocamento
aumentado devido ao desenvolvimento da econom1a moderna das estruturas tradicionais, o crescimento das trocas e o aumen-
e desde qu~ foi possível impor o ensino obrigatório, que retirou to do poder dos privilegiados. Com efeito, o camponês deve
as crianças do mercado de trabalho onde estavam atiradas. agora efetuar despesas que são consideráveis em relação aos
Nos países subdesenvolvidos, a fraca progressão da indústria seus magros recursos: pagar o agiota, o proprietário, o fiscal,
e a lenta difusão da escola tomam impossível, no estado atual dividir sua produção com os notáveis, com os padres, pagar
das coisas, a redução desse subemprego, que· o crescimento de- para ter uma ·mulher, para celebrar uma cerimônia, comprar
mográfico aumenta dia a dia. muito caro mercadorias (alimentares ou não) de que tem ne-
cessidade, pagar por serviços que anteriormente lhe eram asse-
Não seria inútil colocar ·o problema da origem histórica
gurados gratuitamente no quadro coletivo, a título de dever
do subemprego, a fim de esclarecer sua natureza profunda.
social ou religioso. O camponês precisa, pois, procurar ganhar
Entre os fatores de natureza diferente que constituem esta
combinação que é o subdesenvolvimento, existem alguns muito dinheiro por todos os meios. Seus únicos recursos financeiros
antigos, como a fome por exemplo, e muitos outros mais recen- provêm do trabalho que pode efetuar para os outros e das
tes. O subemprego é um fato antigo, ligado às estrutura.s tr_a- culturas que faz para a exportação. 1Y:1as na maioria dos países
dicionais? Ou, ao contrário, resulta · sobretudo da difusao subdesenvolvidos, essas ·atividades não fornecem rendas sufi-
recente da economia moderna monetarizada? Numerosos fatos cientes, e muitas vezes essas duas atividades se situam, no
comprovam a segunda hipótese. tempo, no mesmo momento que as atividades de sustentação.
Obstáculos naturais, uma longa seca por exemplo, impedem o
Na maioria dos países a colonização encontrou nos pri- alargamento do período em que os trabalhos agrícolas são possí-
meiros tempos grandes dificuldaqes para recrutar a mão-de- veis, levando em conta o pouco equipamento disponível. O
. -obra de que necessitava. É fato que . em numeroso~- casos a que o camponês ganha, alugando-se ou cultivando para a expor-
· população era muito pouco abundante. . Mas, em reg10es bem tação, é quase inteiramente gasto para comprar (a que preço!)
povoadas, foi igualmente necessário recorrer a trabalhado~s os produtos de consumo que não produziu. A necessidade de
importados ou, ainda, em numerosos casos, à força, para ob~l­
obter dinheiro continua ainda muito grande, pois tudo se
gar as populações a trabalhar para os colonizadores. HoJe, monetariza.
96
97
Por esta razão, os períodos de fracas atividades tomam cion~lmente muito maior, por exemplo: Argélia, 92 dias. Nas
uma significação inteiramente nova; eles eram antes em geral, Antilhas, a monocultura, que caracteriza a economia de plan-
no seio do grupo autárcico, momento de repouso e de festas tation, levou à utilização dos operários agrícolas durante menos
que consolidavam e desenvolviam a coesão de todos. Estes de 100 dias por ano.
períodos de inatividades tornaram-se "tempos mortos", durante O crescimento da economia moderna, nas condições do
os quais procura-se inutilmente trabalho, meses onde não se subdesenvolvimento, agrava o subemprego por outras razões:
ganha nada, mas onde se empobrece mais ainda, endividando~ a importação de objetos manufaturados conduz os artesãos ao
-se para poder pagar, épocas em que cada um, entregue ~ st desemprego; a extensão das grandes explorações reduz as su-
mesmo, não faz mais nada; as atividades e os gozos coleuvos perfícies cultivadas pelos pequenos camponeses e os progressos
caíram em desuso ao mesmo tempo em que o grupo se deslo- da mecanização privam de seu ganha-pão os operários agrícolas.
cava. · Nesta monetarização geral, ·o tempo também torna-se A extrema sensibilidade da economia moderna especializada na
conversível em dinheiro. "Time is money", dizem os ingleses, exportação de um ou dois produtos às variações da conjuntura
que foram os grandes difusores da economia moderna através leva a fortes variações no efetivo das minas, das plantações e
do mundo. Esta monetarização do tenipo e as transformações das estâncias. Enfim, como se verá, o crescimento da economia
que ela traz podem ser verificadas não somente . nas _p_opu~a­ moderna nos países subdesenvolvidos provoca um grande cres-
ções que viviam outrora no quadro das estruturas trad1c10nats, cimento demográfico e a multiplicação dos sem-trabalho.
mas também nos grandes domínios latifundiários da América A diferença do desemprego, que, nos países subdesenvol-
Latina ou em outras regiões. Outrora, a mão-de-obra mais ou vidos, se tornou hoje um fenômeno .essencialmente conjuntural
menos servil trabalhava durante uma parte do ano e passava e limi~ado a setores mais ou menos vastos da economia, o sub-
o resto numa semi-inação, durante a qual o proprietário não emprego é, nos . países subdesenvolvidos, um fenômeno genera-
deixava de se encarregar da subsistência desses homens, que lizado e estrutural. . Generalizado, pois afeta a quase totali-
constituíam uma grande parte de seu capital. Nos grandes dade da sociedade, não somente a população rural e a mão-de-
domínios modernos, (grandes plantações por exemplo), a mão- -obra sem nenhuma qualificação, mas igualmente o pessoal
-de-obra tornou-se teoricamente livre e o proprietário só a qu~icado cuja raridade se deplora ordinariamente e que, na
remunera em relação .ao número de jornadas de trabalho que realidade, se encontra 'limitado pelo desemprego. Assim por
ela efetuou. Também neste caso, o período de baixa atividade exemplo na Espanha, país que não está entre os mais desfa-
agrícola tornou-se a época crítica do desemprego. vorecidos, 22% dos médicos são afelados . pelo desemprego
completo e 45% pelo subemprt:go; 20% dos licenciados em
O subemprego é indissociácel da monetarização das trocas ciências são subempregados e 85% dos veterinários são de-
e dos serviços: é essencialmente característico de populações sempregados. No total, 40% dos diplomados nas uiúversi-
que são colocadas na obrigação de despender dinheiro, mas que dades espanholas são desempregados e 25% trabalham em
não encontram os meios de ganhá-lo. Nos países subdesenvol- condições de subemprego. Um grande número deles também
vidos, o subemprtgo é essencialmente função da . difusão mais resigna-se à emigração. U>
ou menos grande da economia monetária. A fraqueza do po- A este subemprego estrutural crônico, ajuntam-se os efei-
voamento não o reduz; afeta tanto os países considerados como tos, muito mais violentos que nos países desenvolvidos do
superpovoados como aqueles cuja densidade de população é muito desemprt:go conjuntural. Em 1958, por exemplo, de adordo
pouco importante. Numerosos fatos provam que o subempre- com o .Bureau Internacional do Trabalho, um terço dos traba-
go é .tanto mais grave quanto mais importante é a economia lhadores das minas de estanho da Malásia tinham perdido seu
moderna. Nuni país como a !ndia, onde sua penetração é rela- emprego.
tivamente pequena em relação ao efetivo da população, os
camponeses trabalham 218 dias por ano em média. Inversa-
mente, os menores números de horas de trabalho se encontram ( 1) De acordo com um relatório do Sindicato Universitário,
_)
nos países onde o crescimento da economia moderna foi propor- cf. Le Monde, 29 de agosto de 1964.

98 99
As formas que toma o subemprego são muito vari~das: as migrações sazonais de trabalhadores ( navetas no Senegal para
cidades oferecem os aspectos· mais visíveis do subemprego o amendoim). Mas, em muitos casos, por não poder dispor
crônico nas favelas e nas concentrações suburbanas, onde afluem de uma força de trabalho suf1cíente em certos momentos críti-
os rurícolas desenraizados e os antigos citadinos empobrecidos. cos, a inação reina durante longos meses. Outro sinal de insu-
A· maioria não tem trabalho estável e vive geralmente às custas ficiência de pessoal em certos momentos do ano agrícola é o
dos parentes, de contribuintes mais felizes, ou dos ganhos oca- trabalho mais ou menos importante efetuado pelas crianças,
sionais que obtêm sobretudo as mulheres e as crianças. A em regiões onde, contudo, a proporção de inativos é conside-
prostituição, a mendicância, as ajudas, atividades mínimas, for- rável durante longos meses.
necem a miserável subsistência de famílias inteiras. Outras A solução para o desemprego que castiga as regiões ru-
formas de subemprego são menos imediatamente discerníveis: ·rais não pode ser, pois, simplesmente o êxodo para as cidades
proliferação das hierarquias de domésticos, vendedores com de uma fração da população, julgada erroneamente como com-
microscópicos e lamentáveis cestos. As favelas se enchem espas- pletamente excedente durante todo o ano. Numerosos exem-
modicamente durante a entre-safra agrícola e nos anos de crise plos provam que uma diminuição dos efetivos agrícolas conduz
(más colheitas ou má venda dos produtos de exportação). inevitavelmente a uma baixa, às vezes muito considerável, da
Essas formas de subemprego sazonal e de desemprego produção, se ela não é acompanhada de importantes melhorias
cíclico tomam proporções ·ainda mais vastas nos campos, onde técnicas. Muitas e vastas regiões africanas estão em vias de
eltiste igualmente um importante desemprego crônico. Contudo, fazer a cruel experiência.
seria falso considerar que as regiões rurais mantêm durante doze Os economistas distinguem enfim uma última forma bas-
meses os efetivos desempregados. ' A realidade é mais com- tante importante de subemprego: o "desemprego disfarçado",
plexa e sua análise permite descobrir outras formas de subem- também chamado de «subemprego disfarçado": os homens que
prego. O ano agrícola pode, na maioria das vezes, ser dividido se entregam a diversos trabalhos seriam em realidade sobem-
em longos períodos de baixa atividade e em um ou dois mo- pregados, sua produtividade seria quase nula. Esta noção com-
mentos de labor intensivo, durante os quais nem toda a popu- plexa é muitas vezes definida de maneira defeituosa: "Um
lação poderia efetuar a tempo as operações de cultura indis- excesso de trabalhadores ocupados na agricultura, que podem
pensáveis. Alguns trabalhos devem ser realizados em breves ser retirados sem reduzir o produto total, supondo constantes
lapsos de tempo, sob pena de comprometer a futura colheita; os métodos de produção", escreve E. Gannagé. m O próprio
à falta de um equipamento que P!'!rmita atenull! os efeitos de R. Nurske <:I> que baseou sua teoria do desenvolvimento sobre
variações climáticas, acelerando o ritmo de execução, é necessá- a utilização das forças que este subémpi.-ego representa (o
rio dispor de uma importante mão-de-obra de reserva. De fato, "investimento-trabalho"), contenta-se com uma aproximação
ela é empregada durante algumas semanas por ano, mas seu contestável, à guisa de definição, e se limita a indicar que em
desaparecimento arriscaria levar, em pouco tempo, à derrocada numerosos países um certo volume de trabalho (ou de popula-
da produção, a não ser que fosse compensado por importantes ção agrícola) poderia ser desviado para outras tarefas sem que
melhoramentos técnicos. O pessoal superabundante, conserva- isso provocasse uma baixa global da produção agrícola. Essas
do nos grandes latifúndios mal equipados, tem a mesma razão definições não levam em conta o fato de que, sem mudanças
de ser. Em troca de uma gleba, o camponês sul-americano nas condições técnicas e nos dados econômicos e sociais, os
deve efetuar algumas corvéias e sobretudo participar na exe- efetivos subempregados durante uma grande parte do ano são
cução dos grandes trabalhos. Em algumas regiões, particular- absolutamente necessários, durante os períodos de safra, que
mente na Africa Tropical, a insuficiência da produção resulta são operações de cultura · decisivas, sob pena de uma baixa
duma. penúria de mão-de-obra durante algumas semanas por muito grave na colheita. Esta noção de subemprego disfarçado,
ano. <1> Esta penúria é, em muitos países, compensada por
(1) Economte du développement, Pres3es lJnivoNitaires de Fran-
ce, 1962, pág. 352.
( 1) Cf. R. DUMONT, obra citada. (2) R. NURSKE, .obra citada.

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tal como é definida ordinariamente, é pois ambígua e difícil cultivo, provocara uma · prande redução do subemprego, pois
de ser medida. ele absorvia 19 jornadas de trabalho por mês para uma produ-
O desemprego disfarçado não se limita às regiões de tividade de 20 kg por jornada. R. Dumont ur sublinha o
intenso povoamento e pequena exploração: a baixa produtivi- enorme ·subemprego que existia ainda nos campos chineses:
dade do trabalho de uma notável parte da população encon- em · 1955, notava ele que, em duas ·das 21 cooperativas que
tra-se em regiões menos intensamente povoadas, onde a exi- visitou, · os trabalhadores efetuavam em média 50 jornadas de
güidade das glebas é menor. Assim, por exemplo, o tempo trabalho por ano. Este · número médio de dias de trabalho
essencial necessário à produção de cereais e tubérculos na era de 50 · a 100 em. 8 cooperativas, de 100 a 200 em 7
Africa Negra é tomado pelas operações de pré·cultivo (plantio), cooperativas e ultrapassava 200, sinal de um emprego aproxi-
de transferência e de preparação de alimentos. Elas não são madamente correto, em somente 4 cooperativas em 21.
menos indispensáveis. É fato que a produtividade de nume- Como se pensa, erradamente, que grande maioria da po-
rosas operações práticas sobre campos ·exíguos seria considera- pul~ção está empregada permanentemente, mas como se veri-
velmente aumentada se pudessem ser realizadas sobre espaços fica, a relativa fraqueza da produção obtida por esses múlti-
muito vastos. Este tempo de trabalho e estes esforços quase plos trabalhos, foi-se levado a formular este conceito de de-
completamente desperdiçados não são menos necessários neste semprego disfarçado, segundo o qual a produtividade de uma
caso, sobretudo nas regiões onde uma grande densidade de parte do trabalho efetuado é quase nula. Um . melhor conheci-
população exige a obtenção a todo preço da maior colheita mento das realidades concretas viria a precisar a grande parte
possível. do subemprt:go não disfarçado. É preciso notar que a análise
A noção de desemprego disfarçado demonstra-se, pois, no · qualitativa e quantitativa do subemprego se reveste de uma
estado atual das pesquisas relativas ao não-trabalho, como bas- particular importância, pois os métodos de desenvolvimento
tante incerta e sua realidade precisa parece ser muito menos que parecem os mais eficazes são baseados na mobilização das
generalizada do que alguns estimam: Ela agrupa ·de _fato populações desempregadas ("investimento-trabalho") . <2>
muitos fenômenos: o grande desperdício de forças produtivas,
o subemprego crônico que afeta uma parte da população, IV- Graves deficiências da população: analfabetismo
exceto em alguns períodos de safra, o ·subemprego sazonárío e doenças de massa ·
que atinge uma grande parte· dos agricultores durante os "tem-
pos mortos" do ano agrícola. As populações do Terceiro Mundo conhecem outras graves
A origem da noção de desemprego disfarçado deve ser deficiências, que freiam as possibilidades de progresso: o baixo
procurada, de fato, na impressão de trabalho · incessante que nível de instrução e um estado sanitário muito defeituoso.
dão os arrozais da Ásia das monções; esta impressão levou Analfabetismo e incultura das massas são um. dos traços
certos autores a minimizar o subemprego não disfarçado que característicos do subdesenvolvimento. Enquanto a proporção
afeta uma grande parte dos trabalhadores. Os numerosos cam- dos analfabetos na população de mais de 15 anos não ultrapassa
poneses que se pode ver constantemente no trabalho são con- 3 a 4% nos países desenvolvidos, ela atinge 20% em média
tudo uma simples fração da mão-de-obra total. Assim, por na Europa Meridional (30% na Grécia, 45% em Portugal).
exemplo m, em 1955, no Norte da China (província de Hopei) , É de 40 a 45% na América Latina (com exceção da Argen-
a exploração individual só exigia ainda 10 dias de trabalho por tina, 15%, do Chile e de Cuba, 25% ), de 50% no Extremo
mês ( 1/15 de hectare), enquanto a produtividade era de 15 Oriente. As partes do mundo onde o analfabetismo é ainda
· kg de cereais por dia de trabalho. Já nesta época, a coletivi-
zação agrícola, levando a uma intensificação do sistema de
( 1) R. DUMONT~ Révolution dans les campagnes chinoises,
Le Seuil, 1957.
~ 1) Citado por Dominique LAVALL~E e NOIROT, Economie (2) Ver A Geografia Ativa, Difusão Européia do Livro, São
de la Chine Socialiste, Librairie Rousseau, 1957, pág. 511. Paulo, 3.• ed., 1973.

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mais difundido são a Asia do Sudeste ( 70%), o Oriente Médio Além disso, se as línguas não escritas já colocam proble-
( 75%) e 86% no Egito, 95% na Arábia Saudita, a Asia mas delicados, as dificuldades são ainda maiores quando a
Meridional ( 80%). Enquanto, nesta última região, o Ceilão cultura nacional se baseia em sistemas de escrita que, em vez
é exceção, com somente 45% de analfabetos, a índia conta de ser alfabéticos, são ideográficos (caso da escrita chinesa).
com mais de 80%. É enfim a Africa o continente mais des- Crescem de maneira desmesurada as dificuldades de formação
favorecido: mais de 80% de analfabetos em média. Na Africa dos mestres e o tempo necessário para a aquisição de um nível
Central, ocidental e oriental, menos de 5% da população adulta mínimo de instrução. Ora, a alfabetização em tais línguas é
sabe ler e escrever. bastante delicada.
Em numerosos países do Terceiro Mundo, o deslocamento Esta instrução insuficiente que caracteriza os países sub-
das estruturas tradicionais levou a uma sensível baixa do níve1 desenvolvidos é, ainda por cima, distribuída muito desigual-
cultural. Elas assumiram com efeito um papel incontestável mente, não somente entre as classes sociais, entre as cidades
na educação, muitas vezes através do subterfúgio da formação e o campo, mas também entre os sexos. Enquanto nos países
religiosa. A destruição do quadro tradicional, o êxodo rural, desenvolvidos o efetivo das classes primárias é dividido igual-
foram acompanhados, na maioria dos casos, por um verdadeiro mente entre meninos e meninas, este equilíbrio só ocorre excep-
processo de "desculturação". cionalmente nos países subdesenvolvidos. O baixo efetivo
A deficiência generalizada do ensino se deve, em primeiro feminino escolarizado é um útil índiCe da importância que ocupam
lugar, à insuficiência de equipamento escolar e ao pequeno na sociedade tradiÇões que . são · hoje relativamente atrasadas:
número de mestres, As despesas de ·ensino são com efeito 0% na Arábia Saudita, 25 a 28% nos países muçulmanos,
relativamente pesadas. para um país subdesenvolvido. Cal- 27% na índia. Numerosos autores consideram justamente que
culou-se ( 1 ) que, para beneficiar todas as crianças de 8 anos esta situação desfavorável da mulher constitui um freio notá-
com o ensino primário, são necessários 0,8% da renda nacional vel ao progresso.
"dos Estados Unidos, 1,7% da Jamaica, 2,8% de Gana, 4% A instrução foi por muito tempo considerada, nos países
da Nigéria, por exemplo. A catga é ainda mais pesada porque desenvolvidos e no Terceiro Mundo, como elemento necessário
nos países subdesenvolvidos a população em idade escolar à promoção do homem, ao seu conforto, da mesma maneira que
ocupa um grande lugar na população total. Se se quiser dar ao uma alimentação conveniente é necessária ao seu bem-estar. A
Brasil a mesma taxa de escolarização da França, contar-se-á instrução fez por muito tempo parte das atividades de consumo
para cada criança :~. escolarizar 1,2 adultos ativos no Brasil, e foi dispensada em função da importância das rendas. A ins-
contra 4,3 adultos ativos na França, onde a carga será pois 3,5 trução-consumo era considerada como um elemento do bem-
vezes menor. As somas que seriam necessárias à generalização . -estar social (como o lazer nos países desenvolvidos, hoje em
do ensino parecem colossais: segundo a conferência da UNESCO, dia), como um luxo de país rico, antes que uma necessidade
realizada em 1960 em Karachi, passar ·o efetivo escolar da Asia de país pobre. Hoje a educação aparece como um elemento
do Sudeste de 64 milhões para 220 · milhões de crianças em fundamental da infra-estrutura econômica, e como um bem de
1980, levará a um crescimento das despesas atuais de 390 equipamento, tanto mais indispensável quanto maior a obri-
milhões em 1960, a 3 260 milhões de dólares, em 1980. Esta gação do país de realizar grandes progressos econômicos. Co-
constatação deveria levar à pesquisa de métodos maciços e locados frente a este problema, os soviéticos foram os primeiros
menos onerosos de difusão do ensino. a descobrir objetivamente e a medir o efeito da educação sobre
Muitos países subdesenvolvidos têm dificuldades suple- o crescimento da produtividade dos trabalhadores. Em 1924,
mentares, pois a população fala línguas e dialetos diferentes. um estudo de Gosplan da U.R.S.S. mostrava que um ano de
aprendizagem numa usina aumentava a produtividade de um
trabalhador analfabeto em somente 12 a 16%. Um ano de
( 1) A. Lewis, "Les priorités da:ns le développement de l'enseig- estudos primários provocava um acréscimo de 30%. Quatro
nement", em Politiques de croissance économique et d'investissement
dans l'enseignement, O. C. D. E., fevereiro de 1962. anos de estudos pagavam-se por uma majoração de 79% e

104 105
7 anos de escola por um progresso de 235% da produtividade. maciça, a entrada na escola de todas as crianças de 7 a 15 anos
· Treze a quatorze anos de estudos até o nível de · ensin~ . supe- implica, entre outros fatores, que os pais tenham meios de dis-
rior saldavam-se por um aumento de 320% da produtlvtdade. pensar o apoio do trabalho infantil e que possam subvencionar
Os acréscimos maciços destinados ao ensino provocaram uma sozinhos as necessidades da família. Isto só é possível depois
tal alta da renda nacional que foram amortecidos depois de de um aumento sensível da produtividade do trabalhador agri·
cinco anos de vida profissional. <ll Evidentemente, é necessá- cola e da redução maciça do desemprego.
rio notar que esta rentabilidade notável do ensino s6 pode .ser
obtida no quadro de uma transformação geral das condições * **
econômicas e sociais. O instrutor é uma condição necessária, Entre as insuficiências da população do Terceiro Mundo
mas não suficiente, do progresso. encontram-se também, para uma grande parte, seu estado de
O ensino deve ser considerado como um multiplicador de saúde que é bastante deficiente. É fato que consideráveis me-
empregos. É uma "máquina-instrumento'' ( Tinbergen) que lhorias sanitárias foram realizadas na maioria dos países subde-
transforma meios de produção bastante medíocres em produ- senvolvidos e elas provocaram uma diminuição espetacular das
tores de uma eficácia superior. Mas leva mais tempo e é mais taxas de mortalidade. Nos últimos 30 anos, foram reduzidas
difícil fabricar um instrutor ( é o resultado de uma política de de cerca de 40% num grande número de Estados. Esta redu-
ensino realizada em 20 anos) do que obter uma máquina-ins- ção da mortalidade foi possível devido ao emprego de tera-
trumento, que é possível comprar no exterior. Se a importação pêuticas essencialmente coletivas, que além de sua extrema
de professores de ensino secundário e superior é possível; as eficácia têm a vantagem do custo relativamente baixo. A grande
necessidades de pessoal de ensino de base são tão consideráveis indústria química dos países desenvolvidos produz hoje, com
que não podem ser progressivamente satisfeitas, senão a preço efeito, medicamentos, vacinas, inseticidas a preços muito módi-
de um longo esforço nacional. Esta raridade do ensino, da qual cos, que tornam possível seu emprego em grande escala. A
os soviéticos tomaram consciência há muito tempo, explica os organização das grandes campanhas sanitárias resulta, em parte,
esforços que fizeram para reduzir ao mínimo as perdas de~ta certamente, de sentimentos filantrópicos. Mas a causa maior
corporação durante os combates da Segunda Guerra Mundial. foi primeiramente o cuidado de impedir a propagação para os ·
Os esforços que é necessário fazer para generalizar . a edu- países · desenvolvidos das grandes epidemias que arrasavam o
cação são, nos países subdesenvolvidos, tão longo:;, tão custo- Terceiro Mundo. Este perigo crescia consideravelmente, com
sos, que o freio consciente exercido pelos privilegiados não tem efeito, em razão da multiplicação e da rapidez dos transportes
dificuldades para ser temvelmente eficaz. mundiais. Além disso, o considerável aumento das populações
A difusão do ensino se debate enfim com uma pltima· difi- urbanas tomou necessária a utilização de meios sanitários, a
culdade nos países subdesenvolvidos: o trabalho das crianças, fim de impedir o início e a propagação das epidemias para os
tanto na cidade como nq campo. É fato. que, em nossos dias, quarteirões habitados pelas classes favorecidas. A luta se reali·
na maioria dos países do Terceiro Mundo, um número crescente zou, pois, principalmente contra as grandes doenças infecciosas
· de· pais tem consciência das vantagens, senão da necessidade, epidêmicas, e a cólera, o tipo, a peste, a varíola podem ser
da instrução para seus filhos. Mas a freqüência escolar vê-se consideradas, contudo, como juguladas.
muito diminuída pelo fato de as familias se encontrarem ~a Mas faltam todas as outras doenças, aquelas que exigem
necessidade de recorrer ao trabalho das crianças em idade esco· não terapêuticas coletivas, mas terapêuticas individuais, aquelas
lar. As defecções no curso do estudo e o absenteísmo são tais cuja prevenção não pode ser obtida pelo emprego de meios
que uma grande parte do esforço do ensino é desperdiçada simples, maciços e · pouco Custosos, aquelas cujas causas funda-
inutilmente. O desenvolvimento de uma política de -educação mentais são a desnutrição, as más condições de existência: alo-
jamentos insalubres, falta de água potável, ausência de esgotos
( 1) S. STROUMILINE, "Aspects économiques de l'cnseigne-
etc. Muitos fatos sublinham a diferença entre, de uma parte,
0
ment", Revue internationale des sciences sociales, 1962, n. 4. os sucessos obtidos pelas terapêuticas coletivas e os métodos

'106 107
-

maciços de prevenção e, de outra parte, a lentidão do progresso das: os germes amputam, numa proporção de 25 a 30% as
da terapêutica individual, cujo êxito depende sobretudo de rações alimentares já insuficientes. Com o crescimento 'das
uma melhoria das condições de existência. Assim, a diminuição populações urbanas e as numerosas trocas entre cidades e cam-
das taxas de mortalidade infantil, que demanda higiene, instru- po, a tuberculose se propaga rapidamente. f: preciso acrescentar
ção, alimentação satisfatória e pessoal médico numeroso, foi as ~umerosas doenças de carência, pelagra, beribéri (que etimo-
em geral menor que a baixa das taxas brutas, que pode ser log~camente significa: "não posso mais"), escorbuto hemera-
obtida por meios relativamente simples. De 1947-49 a 1953-55, lopia e ceratomalacia, raquitismo, osteomalacia e sobretudo o
a mortalidade geral baixou de 30% na Malásia, a mortalidade terrível kwashiorkor que é extremamente difundido. Estas
infantil de 11%. No Chile, a primeira baixou de 41%, a se- ~o~n~as, cujo unico remédio está "na marmita", enfraquecem o
gunda de 22%. Na Jamaica, enquanto a taxa bruta diminuiu mdiv1du? de .tal maneira que as doenças, relativamente benignas
de 32%, a mortalidade infantil ·baixou de 10%. Enfim, na (bronquite, sarampo) para os homens bem nutridos tornam-se
Iugoslavia, melhoramento de 18% das taxas brutas e de 8% mortais. Enfim, as condições desastrosas nas quais 'são empre-
das taxas de mortalidade infantil. gados os trabalhadores, que o desemprt:go obriga a tudo aceitar,
f: fato que os homens morrem em muito menor número pro~ocam o grande número de estropiados, amputados, devido
do qw: antes, .mas estão longe de uma boa saúde. A fome a diversos acidentes. O Terceiro Mundo torna-se um mundo
faz m1lito menos mortos do que feridos. Eles sobrevivem em de inválidos, enfermos, cegos, doentes, uma gigantesca sala de
geral, minados pela subalimentação e corroídos pelas suas doen- espera de hospital. .
ças. A maioria dos países subdesenvolvidos são dominados . Para tentar melhorar t:ste estado de saúde catastrófico os
pelas "doenças de massa"; elas afetam uma· proporção tão ele- países subdesenvolvidos só dispõem, de fato de meios ir;isó-
vada da população, que contribuem para en~ravar o deseiivol- rios. Enquanto se contam 65 pessoas por leito de hospital na ·
vimmto econômico e social do pais. Do ponto de vista médico, França em 1952 (é o recorde), 83, na Grã-Bretanha e 100
elas escondem as outras doenças, a ponto de passá-las cl1nica- nos Estados Unidos, os países subdesenvolvidos oferec;m situa~
mertte para segundo plano. De fato, obtiveram-se bons sucessos ções desastrosas: 360 pessoas por leito de -hospital na Grécia,
contra o impaludismo (mas são definitivos, se os mosquitos se .380, na Colômbia, 875, no México, 700, na antiga A.O.F., 780,
imunizam?) que afetaria no total 1 250 milhões de homens; no Marrocos, 2 800, no Camboja, .3 000 nas fndias 5 000 na
em 1961-62, 650 milhões deveriam estar protegidos. As doen- Etiópia, 10 000 pessoas na Birmânia ( Í952) por ~ leit~ de
ças venéreas são extraordinariamente difundidas: 50 milhões de hospital. O exame do número de pessoas por médico conduz
pessoas atingidas· nada menos que pela bouba. As bilarzioses a conclusões ainda mais pessimistas: enquanto a U.R.S.S. de-
atingem 150 milhões de pessoas, particularmente na Africa. As tém o recorde com 600 pessoas por um médico seguida dos
filarioses afetam mais de 250 milhões de homens e a onchocer- Estados Unidos, 760, Alemanha, 800, e a Franç~, 1100, con-
cose, que cega, é particularmente difundida na Africa e na tam-se 2 400 pessoas no México, .3 .300 pessoas no Brasil e na
região das Caraibas. O tracoma e outras conjuntivites infec- Colômbia, .3 500 no Egito, 5 700 nas fndias, 6 600 na Tunísia,
ciosas atingem mais de 400 milhões de homens ( 78% das 8 90? no Marrocos. Numerosos países . se caracterizam por
crianças da Africa do Norte seriam atingidas). É necessário quOCientes absurdos: 28 000 pessoas por médico na antiga
levár em cotíta as amebas espalhadas por toda parte. Essas A.O.F., 57 000 na Nigéria, 61 000 no Vietnã 71 000 na Indo-
grandes doenças ultrapassam de muito, pelos efetivos que elas nésia, 90 000 no Camboja, 210 000 na Etiópi~. E preciso, evi-
· minam, a célebre lepra que s6 tinge de 10 a 12 milhões de dentemente, levar em conta que a maior parte da população
. seres humanos. Ul As doenças gastrintestinais J:>ropriamente os rurkolas, é ainda mais desprotegida, pois a maioria do~
ditas juntam-se as parasitoses intestinais infinitamente difundi- hospitais e dos médicos se encontram nas cidades.
As conseqüências dessa situação sanitária catastr6fka são
( 1) V~r E. 'FOURNIER, L'action médico-sociale dans les pa)'S extremamente graves. e numerosas. Têm incidências enormes
eni voie de développement, Bailliere, 1961, pág. 305. sobre a vida econômica e social e reduzem a produtividade dos

109
indivíduos em proporções de 30 a 60%. Na Grécia, a cura de Ao con~ário, os países subdesenvolvidos (exceto aqueles
2 milhões de doentes de impaludismo permitiu recuperar 60 onde se realizaram transformações radicais) são caracterizados
milhões de jornadas de trabalho por ano, ou seja o equivalente por uma distorção fundamental entre um setor de economia
ao trabalho de 200 000 operários. Nas Filipinas, onde sobre moderna; cujo crescimento limitado depende de "pólos de de-
20 milhões de habitantes, o impaludismo ataca 2 milhões de senvolvime~to", situados nos países desenvolvidos, e um setor
homens ( 10 000 mortos por ano) e a tuberculose 1300 000 subproletanzado que resulta do deslocamento de uma economia
(35 000 falecimentos por ano), esses dois flagelos provocaram, tradicional e que representa somente uma fração restrita da renda
em mortos e incapacitados para o trabalho, perdas avaliadas nacional. A população se reparte bastante desigualmente entre
oficialmente em média a 33 dólares por habitante e por ano m, dois setores:
ou seja, aproximadamente 17% da renda nacional per capita.
As perdas devidas ao impaludismo são avaliadas em 1T5 mi- 1) Um setor capitalista, constituído por uma pequena mi-
lhões de dólares no México e 500 milhões na fndia. noria de privilegiados, de classes médias mais ou menos redu-
A Fome, a Doença, destes dois flagelos qual é o mais zidas e de um proletariado operário relativame~·te pouco
grave? Qual é mais sentido pelos homens? E fato que a sub- numeroso.
alimentação é a causa de numerosas d~nças, mas é em grande 2) Um setor subproletário de estrutura complexa, que·
parte uma fome oculta, de fato bastante grave, mas · da qual as sofre a influ~ncia do primeiro sem poder nde se integrar e
populações não têm diretamente consciência. Ao contrário, a que comporta numerosos vestígios das estruturas tradicionais
doença é quase sempre dolorosamente percebida. deslocadas. ·
Assim, o Terceiro Mundo é um mundo que passá fome, Sob a influência dos sociólogos que vêm nos países subde-
mas é talvez mais ainda um mundo que passa mal. senvolvidos uma sociedade dual, os economistas, particularmente
F. Perroux, discerniram uma economia dual nestes países, cuja
V - A insuficiente integração nacional característica principal seria a desarticulação dos dois setores,
"desarticulação, vício fundamental de tada economia · subdesen-
. Os países subdesenvolvidos se caracterizam pela desarti- volvida". o> Várias causas dessa distorção já foram tratadas:
culação de seus diversos elementos constitutivos uns em relação crescimento induzido da economia moderna que é de fato "uma
aos outros. Várias exemplos desta ausência de integração já projeção da economia credora", ligação estrutural entre os pólos
foram mostrados, mas trata-se de sublinhar a amplidão do de desenvolvimento dos países desenvolvidos e os "encraves"
fenômeno e as diferentes conseqüências que provoca nos dife- que possuem nos países subdesen.volvidos, extraversão das es-
rentes domínios. truturas comerciais, quase ausência de um mercado tradicional,
Em primeiro lugar, a insuficiência, senão .ausência de inte- devido ao baixo poder de compra da massa da população,
gração, manifesta-se nas estruturas econômicas e sociais fun- amplidão do subemprego.
damentais. A anatomia de um país do Terceiro Mundo é muito Entre estes dois setores desarticulados entre si, não exis-
diferente da de um país desenvolvido: este se caracteriza pelo tem circuitos monetários que possam compensar seu desequi-
fato de que toda sua .economia e toda sua população são inte- líbrio; a massa subproletiíria, que é formada de pessoas sem
grados num mesmo conjunto orgânico. E formado, evidente·· emprego e quase sem recursos, encontra-se colocada fora do
mente, do ponto de vista econômico, por setores de produção circuito. Os capitais de que dispõe o setor da economia mo-
diferentes .,.e, do ponto de vista sociológico, p<>r várias camadas derna não têm pois nenhuma propensão a investir e, submetidos ·
e classes sociais. Mas ambos se articulam mutuamente e todos a uma espécie de tendência centrífuga, ganham os países desen-
_se incorporam num mesmo circuito monetário; o crescimento volvidos. .Como o sublinham os economistas, entre estes dois
de um setor econômico se reflete no conjunto da economia.
. ( 1) F. PERROUX, La Coexistence pacifique, Presses Universi-
( 1) E. FOURNIER, obra Citada. taJres de France, 1958, 3 tomos; L'économie des jeunes nations
Presses Universitaires de France, 1962, t. I, pág. 252. '

110
11 1
setores não existem fluxos monetários que atenuem seu dese- cipalmente constituída de aut6ctones. É fato que,. do po?to
quilíbrio. É fato que não existe fluxo do setor rico para o de vista econômico, estes ind1genas são cada ·vez mais estreita-
setor pobre, mas existe um fluxo importante que transfere mente ligados aos grandes grupos internacion~is, que .cons~rvam
para o setor da economia moderna e para a minoria privilegiada um papel essencial. Mas, do ponto de vista socwlóg1co, o
as somas retiradas por diversos meios dos recursos do setor conceito de dualismo está ultrapassado. Já é bem discutível em
subproletário. · numerosos países da América Latina e inaplicável para os
Por válido que possa ser, numa primeira etapa de investi- países subdesenvolvidos europeus; não está c~nforme às .reali-
gação, o conceito de · desarticulação dos dois setores, ele não dades sociais da Asia e da maior parte da Afr1ca. Podena ser
leva completamente .em conta a realidade; é necessário levar conservado âo se considerar que os membros autóctones da
em conta a exploração que permite ao setor . rico se enriquecer minoria privilegiada tornaram-se os representantes da "civiliza-
às custas do setor pobre. Os · desequihbrios estruturais tendem, ção moderna", e que des se opõem desta maneira ao resto da
pois, a se agravar tanto mais rapidamente, quanto mais os população? Na realidade, esta não vive mais num quadro tra-
recursos diminutos do setor subproletário devem assegurar a dicional mas em condições absolutamente novas, apesar da
subsistência de uma grande massa da população, que cresce a sobrevi~ência- de elementos mais ou menos importantes do
um ritmo muito súperipr ao dos efetivos incluídos no setor de passado. A miséria não é o apanágio som~nte das est:uturàs
economia moderna. Aínda uma vez, o setor subproletário não tradicionais e a evolução trágica do Terce1ro Mundo 1mpede
é absolutamente um conjunto de pequenas células ''tradicionais", hoje que s~ possa ainda utilizar "moderno" como sinônimo de
vivendo em auto-subsistência, sem contato com um setor de progresso. O rápido crescimento das populações urbanas no
economia moderna essencialmente voltado para o exterior. A seio do Terceiro Mundo, é um sinal incontestável da difusão
minoria privilegiada autóctone e colonizadora se enriquece de estruturas sociais muito · recentes, modernas, que não se
através das retiradas realizadas sobre a massa da população, parecem nem com as dos países desenvolvidos nem com as
que são na sua maior parte exportadas. É falso invocar a estruturas tradicionais. Paralelamente, a fração da população
insuficiência dos contatos o> entre estes dois setores, sua falta cujas condições de existência são aparentemente as mais eu:o-
de elos, e é insuficiente assinalar o papel dos "efeitos paralisa- peizadas, a minoria privilegiada, apresenta caracteres ~u1to
dores" que um exerce sobre o outro. Não é possível compreen-
diferentes das classes dirigentes dos países desenvolvidos:
der a natureza de um dos setores econômicos e sociais sem
possui poderes muito particulares, resultado da mistura de uma
levar em conta a natureza do outro e a natureza de suas relações.
espécie de capitalismo e de div_ersas espécies _de ','feud~lismo".
Estes dois setores antagônicos, longe de serem desarticula- Se em alguns países, uma fraçao .da populaçao v1ve amda em
. dos e sem · contato um com o outro, são ·estreitamente ligados, co~dições quase tradicionais, esta sobrevivência está em vias
como o são o servo e o senhor, o usurário e o devedor. de desaparição rápida e será liquidada dentro de alguns anos.
Do ponto de vista sociológico, o conceito de sociedades
dualistas aparece cada vez mais como sujeito a caução. Os O dualismo social foi um dos caracteres dos países subde-
sociólogos o forjaram para exprimir as características da situa- senvolvidos num certo momento da sua evolução histórica.
ção colonial, num certo momento: o confronto entre dois grupos Contudo, apesar da desaparição progressiva · ~es~e dualist;to,
desiguais, etnicamente bastante diferentes, o antagonismo entre ainda falta muito para que as populações da mawna dos pa1ses
uma "civilização moderna" e as culturas tradicionais. Hoje, as do Terceiro Mundo apresentem os .sinais de coesão e de · inte-
coisas evoluíram consideravelmente. Na maioria dos países gração. Elas se caracterizam, ao contrário, por uma heteroge- .
subdesenvolvidos, devido a transformações políticas cujos efeitos neidade extremamente forte. À diferença dos países desenvol-
não podemos minimizar, os estrangeiros, os europeus, formam vidos que são cada um deles povoados por populações cujas
somente uma pequena parte da minoria privilegiada que é prin- estru;uras sociais são, no essenCial, relativamente idênticas,
numerosos países subdesenvolvidos abrigam uma grande div~r­
sidade étnica. O exemplo extremo são os Estados da Afr1ca
( 1) Cf. por exemplo E. GANNAGÉ, obra citada, · pág. 61. Central e Ocidental, que c~ntam .com mais de 1 500 etnias
112 11.3
conscientes de suas particularidades e mais · de 600 línguas uma comum oposição aos poderes de Istambul, até o momento
diferentes, para uma população total que não ultrapassa 80 recente, em que os britânicos esperaram poder. se manter colo-
milhões de habitantes. Esta miscelânea de povos que caracte- cando-se como árbitros entre os dois grupos. Para que .a arbi-
riza a maioria dos países do Terceiro Mundo não resulta de tragem seja necessária, é preciso criar o antagonismo. Ao mesmo
uma resistência particularmente forte das etnias e de sua recusa tempo, um papel desproporcional foi dado à mmoria turca,
a se integrar, uniformizando-se na "civilização moderna", mas onde foram recrutados os policiais que os britânicos engajaram
sim de três causas profundas: contra os gregos que reclamavam a independência. Conhecemos
- Enquanto nos países desenvolvidos as formas de orga- os resultados.
nização aldeãs, cantonais ou provinciais foram progressivamente Se quase em .toda parte esforçaram-se em dividir e opor
fundidas (sobretudo no século XIX) num conjunto nacional, as tribos, as castas e as religiões umas contra as outras, os colo-
de acordo com o desenvolvimento econômico e social~ a sobre- nizadores impuseram contudo os quadros unificadores e as
vivêJ.J.cia até uma época tardia, nos países subdesenvolvidos. fronteiras estáveis aos Estados. Por uma típica contradição .
das estruturas tradicionais, organizadas sobre a base de peque- dialética, favoreceram . a formação de movimentos nacionais,
nas células autárcicas, foi um fator importante na manutenção que se bateram numa comum oposição dos colonizados ao "co-
dos particularismos; lonialismo". Uma vez arrancada ou obtida a · independência
·- A diversidade étnica manteve-se devido ao caráter limi- política, os antagonismos não .tardaram a reaparecer em muitos
tado do cresCimento da economia moderna. Apesar do deslo- países do Terceiro Mundo. Cada grupo étnico que teme a
camento das estruturas tradicionais, as populações conserVaram opressão de um grupo vizinho aceita a manutenção no poder
seus vestígios, pela impossibilidade de se reintegrarem duravel- dos chefes que lhes prestam .em troca uma proteção real ou ·
mente nas novas estruturas. A insuficiência das trocas entre as ilusória. Em alguns Estados, os privilegiados só conservam
diferentes regiões ·do país, devido à orientação dos circuitos sua autoridade organizando e exacerbando o antagonismo dos
comerciais para os mercados estrangeiros, favoreceu também os diversos grupos étnicos que povoam o país. . Por outro lado,
particularismos. A crise profunda que caracteriza a situação os obstáculos que a minoria privilegiada coloca à difusão do
de subdesenvolvimento, onde todas as dificuldades se agravam, ensino favorecem a sobrevivência ·dos particularismos. Em
onde todos os desequilíbrios se acentuam, provoca entre os numer?sos ·países subdesenvolvidos a diversidade das línguas,
grupos sociais uma exacerbação dos antigos conflitos, enquanto dos dialetos, dos falares, ( 84 línguas nas Filipinas, 225 na
que, nos países desenvolvidos, o crescimento econômico e as 1ndia ) , freia a difusão de uma língua nacional. A língua oficial,
a dos antigos colonizadores ou a de uma minoria, não é falada
melhorias progressivas das condições de existência atenuaram
progressivamente as rivalidades e solucionaram velhos problemas; senão por uma fração da . população. A importância temporal
da religião acentua perigosamente a heterogeneidade étnica: os
- Enfim, a presença de. minorias privilegiadas é uma interesses particulares de um grupo, sua oposição a outros se
causa importante da manutenção dos particularismos e dos traduzem ainda hoje .pela ·escolha de uma crença, que · origina-
antagonismos, que opõem num mesmo país diversos grupos liza e sacraliza seu particularismo. Daí resulta um aumento dos
étnicos. Com efeito, a minoria utiliza habilmente essas opo- desvios religiosos, das heresias, das seitas e a violência dos con-
stçoes para reforçar seu poder e para mantê-lo. É fato que a flitos sob ~retextos religiosos. . ~ países do Terceiro
hostilidade demonstrada pelos diversos grupos uns contra os Mundo (China) devem aos patttculartsmos de sua evolução
outros tem origem antiga, mas ela foi reacendida, organizada histórica ter escapado a este &acionamento e aos conflitos inter-
e .utilizada numa época recente. Os colonizadores, particular- Dos que constituem para os outros um· dos . seus mais pesados
mente os britânicos, fiéis à receita Divide ut impera, esforça- hanJicaps. , . ·
ram-se em dividir as populações, dando a alguns grupos vanta-
gens que foram recusadas a outros. O exemplo mais .recente
e mais típico é fornecido por Chipre, onde as populações gregas
e turcas coabitaram pac1ficamente, muitas vezes reunidas por

114 115
queda da mortalidade e, de outra, da persistência de elevadas
taxas de natalidade . .
Contudo, alguns autores contestam que este crescimento
demográfico seja uma característica fundamental . do subdesen-
volvimento, apoiando-se sobre o fato de que um bom número
dos países subdesenvolvidos não se caracteriza por taxas de
CAPITULO V
crescimento muito elevadas em valor absoluto. É efetivamente
exato que um número bastante grande de países do Terceiro
Mundo se caracteriza por taxas médias (1,.5% a 2% por ano)
DISPARIDADE ENTRE O CRESCIMENTO iguais ou inferiores às de . certos países desenvolvidos. É c;.xato
DEMOGRAFICO E O também que, em muitos países subdesenvolvidos, o ritmo de
CRESCIMENTO ECONôMICO aumento da população é mesmo baixo (inferior a 1-1,2% por
ano). O problema é pois complexo. . É possível esclarecê-lo
por etapas sucessivas:
I - A_amplidão do crescimento demográfico Primeiramente, é preciso distinguir entre os países subde-
senvolvidos de baixa taxa de crescimento, dois grupos bem
absol~tamente primordial dos paÍses
diferentes: de uma parte, os . países onde a natalidade é alta e a
UMA CARACTERÍSTICA mortalidade ainda é alta ( Iraque, Camboja, Camerum) e, de
subdesenvolvidos é o considerável crescimento demográfico, outro lado, os países onde a mortalidade e a natalidade baixa-
que ocorre na maioria deles há cerca de quarent~ anos ~· sobre- ram: países subdesenvolvidos europeus e Japão, que muito
tudo, depois do fim da Segunda Guerra Mundial.. Diferente- certamente conservarão no futuro baixas taxas de crescimento
mente de outros traços maiores do subdesenvolvimento, que natural. Este pequeno grupo que, por sinal, apresenta nume~
são mais ou menos antigos, tais como a Fome, que existe há rosas traços particulares que o diferencia do resto dos países
milênios ou como as estruturas econômicas, instituídas pela subdesenvolvidos, pode ser colocado à parte e deixado, pelo
coloniza~ão do século XIX, principalmente, o cr.::scime~to de- menos provisoriamente, fora de debate.
mográfico acelerado é uma característica fundamental CUJa apa-
rição é relativamente muito recente. Para o resto do Terceiro Mundo, é preciso se resguardar
de ver de maneira estatística os fenômenos demográficos. A
Os países que detêm as taxas .recordes de e~cedente mtu- baixa mortalidade, que provoca, combinada com a manutenção
ral são todos países subdesenvolvidos: Costa Rica, Salvador,
de uma alta natalidade, o crescimento demográfico, ocorreu nos
Guatemala Honduras Britânica, Venezuela, México, Guiana
vários países em datas sensivelmente diferentes. Ela remonta
Britânica, 'República Dominicana, Jamaica, fndias Ocidentais,
ao ·período entre as duas guerras e se acentuou desde 1946-47
Surinã, Brunei Formosa, Malásia, Ceilão, Sudão, Gana1 .Ruanda,
em numerosos países latino-americanos. Ela é bem mais recente
Burundi crescem a mais de 3% ao ano. É necessario acres-
na África· e na Ásia. No conjunto dos países subdesenvolvidos,
centar n'esta lista os territórios que por serem muito pequenos,
a explosão demográfica se realiza grosso modo segundo um ·
. não são menos típicos da evolução geral: Samo,:t a~er}cana, processá idêntico, mas sua origem. é mais ou menos antiga
Guadalupe, Reunião e, de outra parte, as popul~~oes mdíge?as
segundo os Estados. O excedente natural é presentemente
bastante majoritárias da Rodésia do Sul e da Umao Sul Afnca-
baixo nos países onde a baixa mortalidade é bastante recente e
na, que crescem também a mais de 3% ao ano.
ainda mínima. Mas, continuando as coisas como estão, é certo
Crescimento assustador, pois essas populações deverão ?o- que ela vai se acentuar num futuro próximo. Em alguns casos
brar em quinze anos e decuplicar em .dez anos. Est~ prolife- ola nem mesmo começou. As taxas de crescimento médio ocor-
ração acentuada, assim como os crescimentos ~aturais r;te~os rem ·em pa1'5es cuja mortalidade já foi reduzida de maneira
espetaculares, resultam, de uma parte, de uma 1mportantiss1ma 1ensível há muito tempo. E pu:\sfvd que c::sLco clim.inuicão seja

116 117
aind,a mais acentuada num futuro próximo. Enfim, as taxas de Assim, é possível considerar o Terceiro Mundo como um
crescimento recordes são aquelas onde a redução da mortalidade conjunto de. países cuja amplidão do crescimento demográfico
foi realizada há 30 ou 40 anos: de uma parte, a antiguidade do é iminente ou já efetiva há um tempo mais ou menos longo.
esforço sanitário favorece sua notável 'eficácia. De outra parte, E fato que este crescimento se realiza segundo estilos que não
em numerosos casos, por causas complexas que serão ·vistas em · são idênticos ( serão analisados ulteriormente ), mas o conjunto
seguida, a baixa mortalidade trouxe um crescimento sensível dos países subdesenvolvidos (exceto os da Europa e o Japão)
das taxas de natalidade. O excedente natural tornou-se ainda apresenta uma notável unidade de destino demográfico.
mais considerável. · Nestes últimos Estados, o crescimento se
A causa primeira do crescimento màciço da população .é a
transforma numa espécie de "bola de neve". · diminuição das taxas de mortalidade. · Este declínio da morta-
O processo que determina a importância do crescimento lidade é essencialmente um fendmeno relaciona/. Resulta do
demográfico propaga-se progressivamente no conjunto do Ter- relacionamento estreito dos países desenvolvidos com os países
ceiro Mundo, e a enorme maioria dos países subdesenvolvidos subdesenvolvidos e da ação dos primeiros sobre os segundos.
(exceto da Europa e o Japão) se caracteriza por taxas de exce- E possível notar contudo que este contato durante um longo
dente natural cada vez mais elevadas. Há quinze anos, o núme- período, em vez de se ·acompanhar de uma . baixa do número .
ro de países cuja população crescia mais de 3% por ano era de falecimentos, foi saldado por um aumento da mortalidade:
inferior a uma dezena. Estão próximos de uma vintena hoje, foi a conseqüência dos tranStornos provocados pela conquista
e estarão muito possivelmente próximos de uma quarentena por colonial; esses foram agravados, em alguns países, seja pela
volta de 1980. Se é possível que, num futuro próximo, vários extensão do trabalho forçado, o que impedia os camponeses
países do Terceiro Mundo registrem uma diminuição de seu de cultivar, seja pelo deslocamento da população para terri-
crescimento demográfico, reduzindo-se enfiin a natalidade, é tórios mais pobres, seja pela sujeição dos homens às atividades
certo que muitos países, aque1es cuja taxa de. excedente natural particUlarmente mortíferas (minas) . Os deslocamentos de
já se avizinha de 2-2,5%, crescerão ainda mais rapidamente. população de uma região a outra provocam verdadeiras heca·
Um exemplo extremo dessa evolução é Costa Rica: a taxa de tombes. Assim, os trabalhadores empregados na construção de
crescimento natural era de 27,4% ( natalidade: 41,3%, morta- estradas ou de ferrovias morriam "como moscas" ( sic) porque,
lidade: 13,9%), em 1946; passou, em 1962, para 47,5%, a já atingidos por uma forma de impaludismo específica de sua
taxa de natalidade tendo-se elevado ·para 55% e a taxa de região de origem, sofreram ainda mais os efeitos daquela que
mortalidade tendo caído para 8,5%. É fato que neste caso, ocorria no território para onde tinham sido .levados. A ferro-
como nos outros,.é preciso sem dúvida levar em conta o melho- via de Congo-Oceania, construída entre ·as duas guerras, custou, .
ramento do grau de precisão das estatísticas: a proporção de como se diz, ''um negro por travessa, um branco por quilô-
nescimentos registrados em relação aos nascimentos totais cres- metro". Segundo diversas fontes, a população do Congo ex-
ceu pouco a pouco, as taxas de natalidade aumentaram, pois, ·Belga .diminuiu de cerca de 50% entre a época da conquista
nas estatísticas, mais do .que na realidade. Mas este aperfei- e os anos 1930. Na Argélia, a população que, em 1830, ultra-
çoamento do conhecimento torna ainda mais espetacular a baixa passava possivelmente 4 milhões de habitantes (ela seria ainda
das taxas de mortalidade: a proporção dos mortos não regis- mais numerosa, segundo alguns), caiu para 2 100 000 habitan-
trados era muito maior antigamento do que hoje. Numa grande tes em 1872, devido à guerra longa e impiedosa, às migrações,
parte do Terceiro Mundo, o pouco valor das estatísticas, que às epidemias e à terrível fome de 1867-68. A América Latina .
· pecam tódas por grandes defeitos, não permite estudar com fornece exemplos comparáveis. Esta fase de diminuição da
precisão os fenômenos da explosão demográfica. Mas ele não população é reencontrada na história da maioria dos países
· deixa de se propagar na superfície do globo com uma amplidão colonizados numa época relativamente antiga. ·.
cada vez maior. Cada progresso do rigor estatístico faz-nos des- A partir de um certo momento, o contato país desenvolvi- ,
cobrir que sua importância é ainda maior do que.. pensávamos do-país subdesenvolvido deixa de se traduzir num aumento da
antes. mortalidade. A conquista e suas desordens fatais e as formas
118
mais brutais da "valorização" deram lugar a procedimentos imediatamente · eficaz e também menos dispendioso, utilizado
menos expeditivos. A instalação de vias de comunicação per- pelos governos ou pelas autoridades colori:iais, para mostrar que
mite levar às regiões ·atingidas por uma fome aguda os alimen- seu papel não era completamente est~ril ou destruidor. Gas-.
tos indispensáveis à sobrevivência do grupo. Além disso; o tando-se n:ienos de meio dólar por .cabeça, pôçle-se fazer baixar
aumento das trocas internacionais, a aceleração dos meios de de 40% a mortalidade no Ceilão. Teria sido necessário investir
transporte, tornaram necessária ·a instalação de organizações 250 dólares · por trabalhador agrícola para realizar uma alta
sanitárias capazes de circunscrever a propagação das grandes substancial ,da produção agrícola e 3 000 dólares por novo
epidemias. Mas os · meios médicos disponíveis tiveram . por · operário empregado na indústria. A entrada maciça de repre-
muito tempo uma eficácia muito medíocre. Contudo, os extra- sentantes dos países subdesenvolvidos nas organizações inter-
ordinários aumentos de mortalidade (epidemia, fome), que nacionais acentuou · a ação dos organismos, como a Organização
caracterizavam outrora ·a evolução demográfica, começaram a Mundial da Saúde. ·
ser seriamente atenuados. A luta contra as grandes epidemias infecCiosas é pois ine-
Será somente durante a Segunda Guerra Mundial, como vitável. Por outro lado, as endemias discrásicas, doenças de
mostrou A. Sauvy, que a "medicina ineficaz" w foi substituída carência, não diminuíram. Elas são com efeito de solução
bruscamente por . técnicas médicas incomparavelmente mais infinitamente mais dispendiosa e os europeus as julgam muito
eficazes. A "revolução sanitária", ocorrida nos meados do menos perigosas, pois não são contagiosas e não trazem o
século XX, caracteriza-se pelo emprego maciço de produtos risco de ameaçá-los. Na Europa Ocidental, a baixa da mortali-
químicos pouco caros, medicamentos ou substâncias obtidas por dade, bem mais precoce que nos países desenvolvidos, foi ' em
indústrias altamente evoluídas, e pela substituição daquela me- parte o resultado de melhoramentos das condições sanitárias e
dicina que era o apanágio das pessoas ricas, pela medicina de sobretudo conseqüênCia da elevação do nível de vida ( alimen-
"serviço público". Enquanto nos países desenvolvidos junta- tação_ melhor, alojamentos melhotes etc.). No Terceiro Mundo,
ram-se às terapêuticas individuais, muito bem armadas, as tera- a baixa da mortalidade não· é um índice de melhoria das con-
pêuticas coletivas, que são sobretudo preventivas, os países sub- dições de existência, mas a prová da eficácia notável dos meios
desenvolvidos foram objeto sobretudo de campanhas sanitárias m~dicos modernos, que agiram independentemente das condições
maciças, essencialmente orientadas contra as epidemias infec- econômicas e sociais desâstrosas.
ciosas, suscetíveis · de se propagarem rapidamente para . longe, A utilização de meios sanitários possantes provocou uma
e capazes, por consl.!guinte, de ameaçar a saúde · de outros países. baixa espetacular na taxa de mortalidade na maioria dos países
Além disso, o crescimento das grandes cidades, onde as favelas · subdesenvolvidos. Na Jamaica, passou de 28% em 1921 para ·
são próximas às vezes dos bairros . ricos, exigia a reabsorção das 13% em 1950 e para 8,9% em 1961. No Ceilão, 29% em
endemias mais graves. Os contatos entre a cidade e o campo, o 1925. 20% em 1946, 9% em 1961. Na Venezuela, 21.7%
afluxo maciço dos camponeses desarraigados, portadores de esm 1920, 14,7% em 1946, 7% em 1962. Na Costa Rica,
doenças, levaram a extensão das operações sanitárias às regiões 23% em 1920, 14% em 1946. 7,9% em 1962. Estes exem-
rurais mais em contato com as aglomerações urbanas. A pro- · plos são evidentemente os mais espetaculares. ·
dução de mercadorias destinadas à exportação tornou igual-
mente necessária a luta contra certas doenças, que, como o Uma quin~ena de Estados oferece evo!uçõe~ estreitamente
impaludismo, reduziam demasiadamente a produtividade da comparáveis. Muito possivelmente elas se realizarão proxima-
mão-de-obra e tornavam perigosa a permanência dos . quadros mente também num grande ·número de países, pois já se anun-
e intermediários europeus. · Enfim, desde que as populações ciam nitidamente. Assim, com taxas de mortalidade inferiores
do Terceiro Mundo começaram a se agitar e a ·reivindicar uma a 8-9%, muitos países subdesenvolvidos de nível bastante baixo
melhoria de sua sórte, a ação médica ·tornou-se o meio mais · de vida têm uma mortalidade inferior à de certos paíse!l desen-
volvidos: França e Alemanha Ocidental, 10,9%, Inglaterra, ·
(1) A. SAUVY, _Malthus et les deux Marx, Denoel, 1963, 12%. Esta comparação chocante é contudo sensivelmente· fal"
pág. 353. seada pelo fato de que os países do Terceiro Mundo contam

120 121
com um número enorme de jovens (mais de .50%) e muito lidade tenha sido registrada. Estes, como aquc::les, apres~ntam­
poucos velhos, enquanto os países europeus têm menos jovens -se como exceções, que serão analisadas ulteriormente.
e muitas pessoas idosas cuja vida é mais difícil de se prolongar
que a de um ser jovem. Se se comparam as taxas de morta- Quais são as causas da manutenção desta natalidade ele-
lidade infantil, a diferença entre estes países desenvolvidos e vada nos países subdesenvolvidos? J. de Castro levantou a
subdesenvolvidos mostra-se ainda considedvel, ai>esar de que hipótese segundo a qual a carência de proteína aguçaria o ins-
os últimos começam a realizar progressos importantes nesta tinto sexual e as faculdades de procriação. Não parece que esta
questão: Costa Rica, 80% em 1961 (92% em 19.50); Jamaica, tese possa ser mantida; ela se apóia somente sobre a coinci-
51% (78% em 1950); França, 26% (52% em 19.50). dência entre as zonas de fome e de natalidade; esta coincidên-
cia não é evidentemente suficiente para demonstrar uma relação
Na França de 1789, devido a uma taxa de ·mortalidade de direta de causa e efeito entre os dois fenômenos. Da mesma
33% aproximadamente, um homem ao nascer tinha uma espe- forma, os demógrafos, ao mostrarem a importância das .taxas
rança de vida de 30 anos. Apesar de que a média atual do nível
de vida asiático e africano possa ser avaliada na metade da qa
França às vésperas da Revolução, a esperança de vida é hoje, 40
na África, de 40 anos e na Ásia, de 4.5 anos. Na França, a
esperança de vida de 45 anos .só foi atingida no fim d~ século
XIX, quando o nível de vida médio era quatro vezes mais ele-
vado que o da África de 1964. <1> No começo do século XX,
as taxas de mortalidade eram vizinhas de 3.5 a 40% ou mesmo
superiores na maioria dos países da Ásia, África e América
Latina (esta cifra média não tem contudo grànde significado
em virtude das terríveis ondas de mortalidade que sobrevinham
então, devido às fomes e às epidemias). Hoje são avaliadas
em 23% na África do Norte, 27% na África Negra, 1.5% na
mm
América Central, 19% na América do Sul, 22% na Ásia do 1850 1900 1950
Sudoeste, 24% na Ásia Meridional, 21% na Ásia do Sudeste,
20% no Extremo Oriente (contra 11% na Europa e 9% na
América do Norte ). <21
* * *
Enquanto na Europ~ Ocidental ou nos Estados Unidos, a
baixa da mortalidade, muito mais lenta, foi logo seguida de
uma diminuição bastante sensível da natalidade, nos países sub-
desenvolvidos a queda das taxas de mortalidade são acompa-
nhadas de unia persistência das taxas de natalidade muito ele-
vadas, ou mesmo, de um sensível aumento ..
Exceto os países subdesenvolv:idos europeus, são raros os 10
Estados do Terceiro Mundo onde uma baixa sensível da nata-
1850 1900 1950
( 1) Cf. SAUVY, obra citada.
(2) ONU, AnnuaÍrlf. démographique, 1961 , Fm. 2. Esquema da evolução demográfica em pais desenvolvido
(no alto) e em país subdesenvolv1do (em baixo)

122 . 123
de fecundidade européias nos ·séculos XVII e XVIIT ' fizeram uma grande carga para seus pais. Ao contrário, benefícios ·tira-'
. dos ~urante longo~ anos de seu, trabalho lhes são de uma ·ajuda
justiça à hipótese segundo a qual algumas raças teriam por
causas fisiológicas, maior fecundidade que as .. outras. ' pre~10sa. O crescimento do numero de crianças numa família
equ1vale a um aumento das chances de ela obter algumas rendas.
As caÚsas sociológicas e .psicológicas são muito mais cor- As famílias têm, pois, objetivamente interesse em ·ter um grande
retas: a precocidade do casamento para as mulheres costume
multo. corrente nos países subdesenvolvidos aumenta 'o número número de crianças, quaisquer que sejam as conseqüências de-
sastrosas que podem resultar do ponto de vista geral.
. de crianças que podem ter. A fecundidade potencial das mu-
lheres casadas aos 15 anos é em média de 10 crianças. A das Assim, a manutenção de uma grande taxa de natalidad~
mulheres casadas depois da idade de 20 anos é de somente 7. não é somente o reflexo da imprevidência, do fatalismo da
primazia dos interesses sexuais, nem a marca de uma m'dife-
· Por outro lado, durante milênios foi necessário que uma rência em relação à . promoção social. A importância da nªta·
forte natalidade pudesse compensar os efeitos de uma exceSsiva lidáde procede de comportamentos herdados de um passado
mortalidade. Também, a maioria das sociedades tradicionais distante, de valores espirituais estimáveis e, enfim de interesse
têm umf; psicologia natalista, sacralizada pelos preceitos de todas das famílias, colocadas em condições econômicas ~ sociais que
as religiões. E, pois, normal que o comportamento de popu- tornam necessário ou desejável o trabalho das crianças. · .
lações :~randemente religiosas não se transforme rapidamente
após a diminuição da ·mortalidade. Durante séculos se impôs . . Um aumento recente das taxas de natalidade, já grande-
o ideal da grande família, econômica e socialmente poderosa por mente elevadas, pode ser verificado em numerosos países do
seu número. O nascimento de uma. criança é considerado tra- Terceiro Mundo. Assim, por exemplo, a taxa ae natalidade na
dicion tlmente como o acontecimento feliz · por excelência e Colômbia passou de 28% (valor nitidamente subestimado) em
como o surgimento de uma nova força produtiva. O orgulho 1932-34 para 37% em 1950 (valor mais seguro) e 44% em
perfóamente legítimo do pai e da mãe é de ter os filhos que 1959. A de Costa Rica, 41% em 1946, atingiu 56% em 1951.
os p.;!rpetuarão. A esterilidade é sinônimo de opróbrio e o A da Venezuela subiu de 3 7% a cerca de 50%, entre 1946 e
nascimento é considerado como um dom de Deus. Enfi~, no 1961. Esta supervalorização da natalidade parece resultar por
quadro da grande família tradicional, a criança é obieto das uma parte de transformapões psico-sociológicas. Em algumas
atenções. de todos os membros do grupo, e a carga suplementar populações, existia outrora, no quadro tradicional, um certo
que re~resenta não é diretamente e exclusivamente suportada número de costumes cujo efeito voluntário ou não era limitar
pelo pa1 e a mãe. a natalidade: interdição a novo casamento das viúvas, importân~
cia do celibato religioso, poliandria, interdição das relações se-
O nível elevado da natalidade explica-se também por
xuais em certos períodos, interdição da exogamia; o elevado
fatores econômicos. Nos país'es subdesenvolvidos, a criança
número de esposas de certos notáveis idosos condenava uma
trabalh~ desde idade precoce. Constitui uma ajuda apreciável
parte dos homens ao celibato. Estes fatores, ·que limitavam um
. na agr:_cultura, s<;>bretudo quando é necessário multiplicar as
pouco a natalidade, foram hoje sens1velmente atenuados.
?peraç~es de c~lttvo para manter os rendimentos. A aplicação
Existe também às vezes uma vontade mais ou menos consciente
~mpos~1vel, devido ao subem?rego generalizado, das leis que
Interditam o emprego das cnanças (quando elas existem) o de expansão demográfica entre as populações minoritárias ou
caráter não obrigatório da escolaridade, o desemprego . crô~ico naquelas que, apesar de majoritárias, não deixam de ser depen-
dos pais, são muitas das causas do trabalho das crianças. Estas dentes. Elas vêem no aumento de seus efetivos um aumento das
furças que podem ·opor ao adversário. Mas a causa essencial
serão em geral escolhidas pelos empregadores de preferência
aos adultos, que· será preciso remunerar um pouco mais. Nas do aumento da natalidade resulta dos melhoramentos sanitários
cidades; a criança exerce com mais sucesso que o adulto nume- que. se · realizar~~, -?-os países subdesenvolvidos. O emprego
maciço dos anttb10t1cos contra certas doenças infecciosas teve
rosas pequenas tarefas · (mendigo, transportador, vendedor de
entre outros efeitos, o de fazer desaparecer um grande númer~
balas, engraxate) e com menor risco as átividades ilegais. A
de casos de esterilidade (causados em particular pelas doenças
criança que obtém o essencial para as suas necessidades não é

. 124 125
de nascimentos e a mortalidade decaindo fortemente, resulta
venéreas} : · Além do mais, os progressos sanitários em ger~, o que o crescimento demográfico torna-se um fenômeno forte-
crescimentÓ das populações das cidades, onde as mulheres y1ve~ mente acumulativo. As crianças que, · relativamente, nascem
em melhores condições, fizeram diminuir fortemente a m~rtalt­
em maior número que antes e escapam à morte em maior
dade materna. Nos últimos vinte anos, as taxas de mortalidade
proporção que no .passado,. tornam-se adultos bem mais nume-
das mães durante o nascimento de uma criança passar~~· por
exemplo, de 20,5 por 1 000 nascimentos a 4,1 no Ce1lão, ~e rosos que seus pais, e engendram um maior número de crianças.
9,2 a 2,8 por 1 000, no Chile (contra 0,5 por 1 000 em média As populações das diversas partes do Terceiro Mundo
nos países desenvolvidos). Estas mulh~res que foram salvas, crescem pois maciçamente e cada yez mais rapidamente . . En-
freqüentemente por ocasião do primeiro parto, podem ter outras quanto nos países desenvolvidos o aumento da população é
crianças em seguida, o que aumenta sensivelmente ~s taxas de unânimemente considerado hoje um fenômeno feliz, estimulante
natalidade. Enfim, o aumento da esperança de v1da, que é da vida econômica, o crescimento demográfico dos países sub-
geral no seio do Terceiro Mundo, provoca um aumento . .da desenvolvidos é geralmente entendido como um processo desfa-
natalidade, pois, sobre 1 000 mulheres nascidas ao mesmo vorável. Este crescimento é geralmente qualificado de excessi-·
tempo, o número daquelas que morrem antes dos 15 _anos e vo, de desmesurado, quando não se chega a compará-lo a um
0 número daquelas que· morrem an:es da menol(ausa, sao óem processo de demência. O significado do crescimento demográ-.
menores que antigamente. A reduçao da mortalidade provocou fico é essencialmente relativo e suas conseqüências são muito
0 aumento das mulheres em idade de procriar e maJoro~ o diferentes conforme se realize num pais desenvolvido ou sub-
número de crianças que elas são suscetíveis d~ ter. No_s ?a1s_:s desenvolvido. Fato favorável nos Estados · Unidos, cuja popu-
subdesenvolvidos, não sendo geralmente praticada a limitaçao lação aumentou ainda mais rapidamente que a dos países do
Sudeste Asiático e · de numerosos países do Terceiro Mundo, o
Taxas I População total crescimento demográfico, mesmo que fosse mínimo, é um fenô-
Taxas Taxas
II I estimada (em
l
de de de meno desfavorável e um grave handicap nos países subdesen-
nata- morta- cresci- I milhões de
lidade !idade I mente habitantes) volvidos.
('/oo) ( /oo)
0
I natural Com efeito, as condições nas quais se realiza este cresci-
I ('/oo) Em 1930 I Em 1960
Média 1950-1960 (1) · mento e os aspectos que ele toma são muito nefastos . .
I
Aírica Setentrional ··
Àfrica Negra ... ..
45
48
II 23
27
I
I
22
21
53
104
88
.66
- De uma parte, o aumento do efetivo dos consumidores
é muito mais rápido que o dos produtores: assim, por
exemplo, de 1940 a 1950, a população total do Brasil
América Central
(mais México) . 42 I
42
I
15
'19
II 27
23
50
75
103
140 passou de 41 milhões a · 52 milhões de consumidores,
América do Sul •.
Ásia Sudoeste ...
Àsia Meridional ..
48
41 I
I 22
2~
I 26
17
47
362
77
559
ou seja, uma alta de 26% aproximadamente, enquanto
a população ativa deste país passava de 17 milhões
Àsia Sudeste •.... 41 I
40 I
21
20
II 20
20
128
535
214
829
para 19 milhões de produtores, ou seja, um aumento
Extremo Oriente
11 114 146 de 11% somente. Para 10 pessoas ativas o número
Europa Meridional 21 I 10 I de consumidores passou de 24 para 27. Enquanto nos
Europa Ocidental . 18 I
I 11 I 7 242 281
214
países desenvolvidos 100 pessoas de idade ativa ( 15
U.R.S.S . . .. ..... 25 8 I 17 176 ~ 60 anos) têm em média a carga de 64 pessoas inati-
Oceania .........
. América do Norte
24
25
I
I 9
9 II 15
18
10
132
16
204 vas (jovens e pessoas idosas); 100 pessoas de idade
ativa nos países subdesenvolvidos têm em média a
carga de 92 inativos e, ao menos num primeiro está·
MUNDO ....... 36 I 18 I 18 2000 3000
gio, esta carga é tanto maior quando maior o cresci-
mento demográfico. · Se prossegue o ritmo atual, em
(1) O.N.U., Annuaire démographique, 1961.
127
126
1980 s6 existirão na Malásia, por ~xemplo, 50 traba- 1946-53. Em valores absolutos, enq:uanto a produção ~e cereais
lhadores para sustentar as necessidades de 100 crianças. dos colonos permanecia estagnada há longos anos, a dos mu-
- Por outro lado, e isto é esseticial, o aumento rápido dos çulmanos passava de 13 milhões de quintais ( :en_dimento ~e
efetivos dos consumidores é ainda mais grave nos paí- 6 q/ha) pata o período de 1895-1904, para 9 milhoesde qum-
ses subdesenvolvidos porque a produtividade média dos tais para 1945-1954 (rendimento de 3,7 q/ha), caindo a parte
produtores é muito baixa e uma grande proporção de produção de cereais indígenas de 78% em 1885-94 para 56!J?
entre eles está subempregada. Nos países desenvolvi- da colheita total de 1945-54. É fato que os produtos destt-
dos, o crescimento demográfico não coloca problemas nados à exportação (vinho, frutas cítricas, legumes, horticultura)
a longo prazo, pois o aumento da produção é mais isttaram no mesmo período um importante aumento, mas
rápido. Nos países subdesenvolvidos, ao contrário, o «tltllvam essencialmente nas mãos de uma pequena minoria
aumento da população traz problemas muito graves, (2' 000 exploradores) que produzia 95% das frutas cítricas,
pois a produção cresce muito menos ràpidamente. '1096 do vinho, 15% dos frutos, 75% do trigo macio, 40%
1!0 trigo duro, ocupando 23% das terras cultiváveis. O,s .salários
II - O lento crescimento dos recursos de que a população q11~ pagavam aos trabalhadores permanentes ou temporanos esta-
efetivamente dispõe vam longe de compensar o declínio do setor agrícola in~ge~a.
l.m 1957 as retidas agrícolas se decompunham em 165 bllhoes
Na maioria dos países do Terceiro Mundo, o aumento do Jllra 25 o'oo exploradores que empregavam 35 000 assalariados
conjunto da produção não compensou o enorme aumento demo- nsferiam para fora da Argélia uma grande parte de seus
gráfico que se produziu nos últimos quarenta anos. Depois de luuros, e 64 bilhões para 2 500 000 cultivadores muçulmanos.
um começo aparentemente promissor que iludiu os contempcr I• fato que a renda. nacional da Argélia, acrescida pelo valor das
râneos (criação da infra-estrutura econômica, impulso da pro- 11 aações comerciais e dos serviços, teria crescido, mas 75%
dução de minério ou da agricultura de exportação), os pro-. · ttvam nas mãos de apenas 25% da população, entre os quais
gressos notáveis de algumas produções particulares destinadas ' 1 detinham a parte do leão. Ul
à exportação não bastaram mais para compensar o crescimento A massa da população argelina dispunha em 1954 de uma
relativamente lento das outras atividades econômicas, no mcr 1 nda avaliada em 20 000 antigos francos por pessoa, contra
mento em que a vaga demográfica começava a subir. Na maioria
14 000 F por membro do setor capitalista. Ela sofreu uma
dos casos ainda, os recursos que sustentavam a maioria dos
n~lvel diminuição de nível de vida depois do século XIX,
habitantes, quer dizer, essencialmente a produção dos gêneros
alimentícios, cresceram de maneira extremamente lenta em rela- '" ""' . a colonização a atirou nas terras menos ricas e a privou
ção ao aumento dos efetivos, cuja existência lhes cabia assegurar. ( u a grande parte de seus meios de produção. <2> Apesar
I c! cl@ncia de uma grande parte da agricultura, setor con-
Os índices de produção per capita são, há dez anos, sim- llulo lwldamental, a renda nacional registrou um crescimento
plesmente equivalentes aos de antes da guerra para a América ( 11111 lo serviço, algumas indústrias), mas este s6 favoreceu
Latina, a Africa e a Asia; o período 1945-1954 foi marcado \1111 mÍnoria da população. O exemplo da Argélia é tanto
pelo recuo das produções per cqpita em relação a 1934-38. Em 111 I lanlficativo porque se trata de um país onde capitais rela-
numerosos países, as quantidades do produto alimentar d~ base IIYIIIIUtnte importantes foram investidos.
por habitante . e por ano baixaram sensivelmente há vários de-
cênios: na Argélia, por exemplo, de acôrdo com as cifras ·oficiais,
a quantidade de cereais disponível por pessoa passou de 5 q (I ) J,PEYREGA, Rapport de synthese sur les travaux de la
em 1872 para 4 em 1911, 2,8 em 1936, e 1,3 q para o período '"'"ft011 10nsultative du plein emploí de la main-d'.oeuvre en
1945-1954. O rebanho de carneiros, outro grande recurso da I ~'' '· ,1\.I.S.A., 1954.
Argélia, que somava 11 milhões de cabeças em 1889, caiu para ( ) Ver em particular: A. NOUSCHI, Enqu2te sur le niveau
' 1 1111 fJOjlula.tions rurales constantinoises de la conqu2te jusqu'en
5,7 milhões no período 1926-35, e para 4,3 milhões nos anos PriiiU Universitaires de France, 1961, pág. 763.

128 129
O crescimento demográfico necessita, para que se mante- É preciso primeiramente sublinhar que a realização . dos
nha o nível de vida, de investimentos que permitam responder investimentos demográficos condiciona a manutenção do nível
às necessidades dos novos habitantes e de lhes dotar, ao se de vida de uma população em crescimento, mas que eles não
tornarem adultos, de meios de trabalho. · Estima-se ordinaria- condicionam (exceto a muito longo prazo) o aumento da po-
mente que estes "investimentos demográficos" devem ser da pulação. E preciso em seguida verificar se as realidades con-
ordem de 4% ao menos da renda ·nacional para manter o nível cretas confirmam ou infirmam a tese da proporcionalidade das
de vida num país cuja população cresce de 1% ao ano. Para taxas de crescimento demográfico com as da importância das
que seu nível de . vida cresça de 1%, é preciso realizar uma rendas nacionais per capíta. ·
sobretaxa de investimentos econômicos equivalente a 4% da Para um grande número de países, para . os quais dispo-
renda nacional. Num país cujo crescimento demográfico é de mos de uma avaliação da renda nacional e das taxas de exce-
2,5% ao ano, é preciso investir 15% aproximadamente da dente natural, pode-se efetivamente observar uma certa relação
renda nacional para que a renda per capita possa aumentar entre o valor da renda nacional per capita e o ritmo de cresci-
de 1% por ano. · mento da população; trata-se contudo de uma relação de estrita
. A ampliação do crescimento demográfico que ocorre na · proporcionalidade (ver diagrama, pp. 242-24 3). Mas nume-
maioria dos países subdesenvolvidos determina a importância rosas exceções podem ser verificadas. Entre elas, com rendas
dos investimentos demQgráficos. Na maioria das vt:zes, inves- nacionais relativamente elevadas e baixo crescimento demográ-
timentos "econômicos" destinados a aumentar os recursos por fico, os países desenvolvidos europeus e o Japão constituem
habitante não servem, com efeito, senão para evitar a queda exceções normais de alguma forma, pois correspondem a uma
do nível de vida médio da população, cujo efetivo está em taxa de crescimento da renda nacional mais rápida que a da
rápido aumento. Teoricamente, este só se mantém nos países população, logo a um ·aumento de renda per capita. Por outro
onde a taxa de crescimento da renda nacional é igual à do cres- lado se existem ainda países com baixíssima renda nacional
cimento demográfico, e só pode crescer quando a renda nacional (me~os de 100 dólares por habitante e por ano) cujo cresci-
cresce mais rapidamente, a longo termo, que o efetivo da po- mento demográfico é baixo, é preciso lembrar que um número
pulação. E evidente. crescente de Estados, apesar da sua pequena renda nacional
O crescimento da renda nacional depende dos investi- per capita) são o teatro de um intenso aumento demográfico.
mentos, os quais são função da poupança que é possível reali- Há vinte anos, e mais ainda num passado distante, os
. zar. A importância que esta pode ter é, mantendo-se iguais os países de baixa renda nacional não apresentavam na sua maioria
outros fatores, tanto maior quando mais a renda nacional per senão baixas taxas de crescimento natural. Mas num futuro
capita é elevada. Daí que os investimentos demográficos possí- mais ou menos próximo, os Estados de baixa renda nacional
veis de se efetuar num país de baixa renda nacional sejam parece que irão conhecer, sem nenhuma dúvida, um alto cresci-
n1tidamente inferiores aos que é possível realizar num país mento demográfico. Na quase totalidade dos países cuja renda
menos pobre. A partir deste raciocínio, até este ponto inata- nacional está compreendida entre 100 e 300 dólares por habi-
cável, numerosos autores, (economistas na maioria) estimam tante e por ano, a população aumenta já a um ritmo extrema-
que o crescimento demográfico depende estreitamente dos mente rápido: este crescimento tem lugar apesar da fraqueza
· investimentos demográficos e por conseguinte da renda per da renda nacional, apesar das magras disponibilidades em capi-
capita. Resulta dessa consideração teórica emitida a priori que tal; a realização dos importantes investimentos demográficos
·os países do Terceiro Mundo, cujo crescimento demográfico é necessários tornou-se assim quase impossível. É também pro-
mais intenso, deveriam ser aqueles cuja renda per capíta fosse vável que, no futuro, estes casos se multiplicarão ainda. ·
a mais elevada. Segundo ~::stes . autores, seria assim o cresci-
mento econômico que provocaria o crescimento demográfico. <1) Assim se desloca pouco a pouco a proporcionalidade que
era admitida a priori entre a importância da taxa de cresci-
tAlento da população e a importância da renda nacional, condi-
(1) Ex.: E. GANNAG&, obra citada. ção dos investimentos . demográficos necessários à manutenção
130
131
do nível de vida médio. Esta proporcionalidade exisUu no aumentar rapidamente, quaisquer que sejam suas rendas
passado e particularmente no século XIX, quando a Europa nacionai·s.
Ocidental, em pleno crescimento econômico, registrou um forte
crescimento demográfico, enquanto os países que são hoje sub- * * ·*
desenvolvidos estavam ainda numa quase estagnação demográ- Contudo se se consultam as estatísticas m que fornecem
fica. Hoje, no quadro do Terceiro Mundo, as relações entre a evolução d~s índices da renda nacional per capita, a preços
·crescimento demográfico e renda nacional são cada vez menos constantes, pode-se notar um lento mas significativo aumento-
nítidas, no sentido de que esta não condiciona mais estreita- para a maioria dos p_aíses do Terceiro Mundo.
mente aquela.
A taxa de crescimento da população depende hoje essen- Raros são os países cujos índices registram uma ligeira
cialmente da antiguidade e da amplitude dos melhoramentos baixa de 1958 a 60 ou 61. Estas indicações relativamente /

médicos que provocaram a baixa mortalidade. Estas foram satisfatórias, pois indicam uma melhoria progress~va, implicam
historicamente função da precocidade da expansão do setor em que consideráveis investimentos foram realizados nestes
econômico moderno e de sua amplidão. Assim se explica que países: de uma parte, um grande nú~:ro. de Í!lvestimentos
atualmente os países subdesenvolvidos, onde este crescimento demográficos, de outra parte, substanciais mvesumentos ec?-
foi t<trdio ou restrito, aqueles que têm pois as rendas nacionais nômicos. Um país cuja população cresce de 3% ao ano e c;uJa
mais baixas, sejam aqueles cujo érescimento demográfico é renda nacional per capita cresce de 2% ao an? deve teortca-
menor. Mas há vinte anos, campanhas sanitárias foram reali- mente investir mais de 20% de sua renda nac10nal. Ora, os
zadas por toda parte, provocandp assim os começos de .uma economistas consideram <2 l quase unanimemente que a grande
expansão rápida da população nos países de baixa renda nacio- maioria dos países subdesenvolvidos investe em média mais de
nal. Daí a algum tempo, · ~stes · se caracterizarão por taxas ele- 5 a 6% de sua renda nacional (os investimentos na Europa
vadíssimas de crescimento natural. Os últimos aspectos do Ocidental e nos Estados Unidos são em média de 10 a 15% ).
elo que existe entre a importância da renda nacional (função Uma· contradição evidente existe, pois, entre estas estatísticas
dos investimentos demográficos) e crescimento demográfico otimistas que mostram o aumento da renda nacional per capita,
terão então desaparecido. Graças à revolução médica, a popu- na maioria dos países subdesenvolvidos, e a . fraqueza relativa
lação da grande maioria dos países subdesenvolvidos tende a dos investimentos que se observaLJ na maioria dos países do
Terceiro Mundo. Investir 5 a 6% da renda nacional só per-
lNDICES DA RENDA NACIONAL PER CAPITA mite compensar os efeitos de um crescimento demow.:áfico ~e
1,5% aproximad~e~te. A ,População aume?ta mwto ~ats
ràpidamente na matona dos pa;se~ subdes~n':olvtdos. .s preetso,
I I Cresci- pois, supor, apesar das aparenczas estatzst~etn, a ht~tese de
.I I
194811953 1 19581 1960 1961 mento
I I uma diminuição prolongada das rendas reats por habttante em
natural
I I
I
I
I I
em 1960 numerosos casos.
. Pode-se argüir que nos pafses subdesenvolvidos a produ-
Brasil •... • .••.. •
Binnânia ..... •..
.. 781
83 I
871 100
100
104I 107
2,2o/o
1,5%
tividade do capital poderia ser muito maior que nos outros
países, e que devido a isto~ para equilib~ar ~ cresciment?
Chile ...... ···· ·· 861 1131
99 100 97 2,3% demográfico e aumentar o ruvel .de vida! .mvest1mentos relau-
Guatemala 85 100 105 103 3,2%
India ......... .. . 88 95 I 100 104
vamente menos importantes seriam suficientes? Numerosos
2 o/o
México. ~ ........ 86 100 103 3,4% economistas estimam ao contrário que a eficácia dos investi-
Marrocos .....•.. 851
113 100 95 89 2 o/o
Filipinas ........ 100 107 1,5%
Turquia ....... . . 721
89 100 98 2,3% ( 1) Nações Unidas, Anuário Estatístico, 1962.
Venezuela ....... 81 100 102 3,7% (2) Ex. : A. LEWIS, obra citada; W. W . . ROSTOW, obra ci-
,ada; R. GENDARME, obra · citada, etc.
132
133
mentos é menor nos países subdesenvolvidos devido à fraqueza variável e desconhecida. Ainda mais, uma vez avaliado, de
dos equipamentos, à baixa produtividade da mão-de-obra, aos maneira mais ou menos arbitrária, o regime alimentar "médio"
erros realizados nas opções feitas. Por outro lado, as "econo- da população, as quantidades consideradas "necessárias" são
mias ~ternas" (vantagens fornecidas a uma empresa que se multiplicadas pelo número de habitantes, o que dá uma tone-
instala num meio econômico ativo e bem diferenciado) são lagem provável. Tais avaliações explicam, · entre outras coisas,
menores nos países subdesenvolvidos. No estado atual das esta permanência nas estatísticas da produção alimentar per
estruturas econômicas e sociais que existem na maioria do capita.
Terceiro Mundo, a produtividade média do capital parece no Foi muitas vezes subllnhado precedentemente que a auto-·
máximo igual àquela que caracteriza os países desenvolvidos. -subsistência, maior característica das estruturas tradicionais,
Nessas condições, somos obrigados a contestar a exatidão diminuiu. Ela recuou sobretudo enquanto modo de produção
das estatísticas que indicam uma alta sensível nas rendas per exclusivo, mas, no campo, conserva em numerosos países um
capita dos países onde os investimentos realizados são incapazes lugar notável (particularmente na Africa) e assegura uma fra-
de compensar o crescimento demográfico; somos pois condu- ção variável dos recursos da população. Se o autoconsumo
zidos a colocar fortemente em dúvida a justeza das avaliações quase integral recuou fortemente, o setor subproletário aumen-
da renda nacional na maioria dos países subdesenvolvidos. Esta tou consideravelmente, tanto no campo como na cidade. E
operação é já bastante delicada nos países desenvolvidos, onde extremamente difícil conhecer .e avaliar os recursos de popula-
os economistas dispõem de uma documentação estatística abun- ções que vivem, sem saber . como o farão amanhã, de pequenas
dante e de qualidade. Nos países subdesenvolvidos, a avaliação atividades mais ou menos efêmeras. ·Por outro lado, os serviços
da renda nacional é dificultada por múltiplos obstáculos e, em intrafamiliares, o produto do trabalho das mulheres e das crian-
primeiro lugar, pela falta de estatísticas e pela sua grande ine- ças, as formas de trocá, de oferecimentos e contra-oferecimen-
xatidão. Ainda, os métodos de contabilidade ·nacional, parti- tos, os serviços efetuados sem contrapartida monetária com
cularmente os que são utilizados pelos Serviços das Nações objetivos religiosos ou comunitários, não são praticamente con-
Unidas, são adaptados às estruturas dos países da Europa Oci- tabilizados.
dental oú da América do Norte, e não convêm de maneira algu- · Dévido a isso, os valores imputados às produções para
ma à medida das realidades econômicas dos países subdesen- consumo interno e às atividades parcialmente monetarizadas são
volvidos. Ul O maior dos defeitos que dificultam o cálculo consideravelmente subavaliados. Daí resulta que o setor de
das rendas nacionais nesses países reside no desconhecimento economia capitalista ocupa nas rendas nacionais tais como são
do setor subproletário. Os economistas têm, é verdade, cons- calculadas ordinariamente um lugar muito superior à sua ver-
ciência das. dificuldades que apresenta a avaliação das produções dadeira importância. O crescimento exclusivo das atividades
destinadas ao autoconsumo. Mas, em numerosos países, ao que ele engloba traduz-se, pois, por uma alta da renda nacional
menos até uma época recente, elas tinham sido deliberadamente aparente, que ultrapassa nitidamente o aumento verdadeiro da
deixadas de lado. Quando são levadas em consideração, seu renda real que se conhece muito mal. As rendas :nacionais,
valor é estabelecido segundo critérios variáveis conforme os tais como são avaliadas, traduzem principalmente, mas de uma
países, mas que são na sua maioria bastante contestáveis. A forma desigual, o valor das atividades do setor de economia
tonelagem das colheitas não é praticamente bem conhecida com moderna. Mede-se de fato o que é monetarizado. Uma parte
exceção das que se destinam à exportação. As produções de da alta da renda nacional e certos países subdesenvolvidos é
consumo interno são "reconstituídas" com a ajuda de artifícios devida principalmente aos progressos da comercialização de pro-
diversos segundo o país: um rendimento "médio" por hectare dutos agrícolas que até então não eram obfeto de transações
é multiplicado pela superfície cultivada, a qual é bastante monetárias.
Esta subestimação dos valores imputados ao setor subpro-
(l) CH. PROU, Etablissement des programmes en éc.onomie letário não significa contudo que as condições reais de vida das ·
sous-développée, Dunod, 1964, pág. 294. populações que estão incluídas nele (em geral a maioria) sejam

134 135
.-

menos más do que parecem à primeira vista. O aumento de introduzidos do exterior. Por uma convenção que tem algum
uma produção destinada .à exportação, que se traduz por uma sentido em países desenvolvidos, mas que assume a aparência
alta sensível da renda nacional aparente, pode se fazer ao preço de camuflagem em países subdesenvolvidos, são muitas vezes
da destruição catastrófica mas não recenseada dos outros recursos considerados como fazendo parte da Nação os estrangeiros que
de uma grande part;.e da população: assim, por exemplo, o aí residem de maneira permanente. Suas rendas são pois toma-
aumento da produçã~ cafeeira de Angola. que provocou uma das em consideração na avaliação da renda nacional e consti-
sensível alta da renda nacional aparente, foi obtida ao preço tuem uma parte muito importante dela: assim, a parte dos euro-
da evicção de uma grande parte da população do norte do país, peus na . renda nacional é avaliada em 34% no Senegal, em
que perdeu suas terras, . seus recursos, sem pelo menos encon- 42% no Congo, em 23% no Camerum. <1>
trar a compensação do trabalho assalariado, pois .as plantações Outr~ causa da superavaliação das rencJas nacionais: as
utilizavam uma mão-de-obra importada. A intensa baixa das somas que são transferidas para o exterior por diversos meios
rendas não contabilizadas não se traduziu na evolução da ·renda (repatriamento de lucros, exportação de capitais, t!eficit da
nacional, qué só registrou a alta das rendas monetárias. balança comercial) são consideravelmente subavaliados. Com
Em numerosos países subdesenvolvidos, o crescimento das efeito, é preciso ter em conta os diversos artifícios contábeis
rendas do setor econômico moderno não bastou para compensar que permitem dissimular essas transferências, e a corrupção
a baixa das produções não monetarizadas e as conseqüências generalizada que tolera enormes transferências fraudulosas. As
desastrosas a longo prazo de certas práticas: assim, as rendas somas, que são teoricamente contabilizadas em benefício do
fornecidas pela exportação de produtos agrícolas, obtidas . ao país, mas que são, de fato, transferências de diferentes maneiras
preço de uma devastação irreversível dos solos, não compensam ao estrangeiro, são ainda mais importantes se levarmos em
as perdas não contabilizadas que o país sofreu. Como o essen- conta que suá economia é dependente do comércio exterior e
cial das conseqüências negativas da situação de subdesenvolvi- das grandes firmas internacionais. Evocando as trocas dos
mento é suportado sobretudo pelo setor sribproletário, que se países subdesenvolvidos, F. Perroux escreveu com justeza ...
caracteriza pela fraqueza das trocas monetárias, e como a gran?e São "trocas que não é possível registrar adequadamente utili-
maioria dos · lucros provém do setor capitalista da econotrua, 1 zando os esquemas da balança de comércio e dos pagamentos
inteiramente monetarizado, a avaliação do crescimento da renda da economia de mercado. Esta impossibilidade é uma demons-
nacional só leva ·praticamente em consideração os ganhos e tração de que no regime· colonial a contabilidade corrente é
silencia sobre o es~encial das perdas, com exceção daquelas que iriinteligível ou mentirosa. . . O tráfico chamado "externo" dos
são provocadas pela deterioração dos terms of traJe ou pela · países subdesenvolvidos é em grande medida um tráfico dos
transferência de capitais. Assim se explica o "paradoxo de um grandes · monopólios entre si . . . Eles operam sobre os países
crescimento na estagnação". m Certos aumentos mínimos .das subdesenvolvidos verdadeiras punções, cujo montante é muito
rendas nacionais aparentes esconde~ de fato verdadettas difícil de avaliar, devido à opacidade das contas, inadaptadas
catástrofes. às operações que deveriam descrever. Somente a publicidade
Ainda mais, as rendas nacionais são artificialmente aumen- das contas das grandes companhias permitiria compreender · os
tadas pelo valor produzido por atividades que, é fato, são "direitos" e "deveres" verdadeiros nos regulamentos que inter-
implantadas sobre <;> território do país, mas que se efetua~ vêm entre antigas e jovens nações." <2> ·
em condições financeiras tais que quase· tudo se passa em reali-
dade como se · essas atividades fossem localizadas no exterior. Pode-se . também considerar que uma notável parte do
Os estabelecimentos dependentes dos grandes grupos interna• . crescimento das atividades modernas é em realidade transfe-
cionais constituem de fato verdadeiros encraves diretamente rida clandestinamente para o exterior, e que ela ~em se juntar

(1) I. GUELFAT Doctrines économiques et payi en voie · de ( 1) R. BARBÉ, obra citada.


développement, Presses Universitaires de France, 1961, pág. 131. (2) F. PERROUX, L'2conomie des jeunes nations.

136 . 137
às transferências que foram tomadas em consideração na evo- - nos proxunos 25 anos" <t> , escrevia em 1956 . L. Tabah ao
lução da renda nacional. . termo de um estudo bastante preeiso. Investindo 5 ·a 69fi
Enfim, estas rendas nacionais são artificialmente aume~­ .de sua renda nacional, a quase totalidade dos países subdesen-
. volvidos está longe do necessário. . ·
tadas pela parte que nelas desempenham as atividades estrita-
mente especulativas e os serviços mais ou menos parasitários. No futuro, como o crescimento ·demográfico vai ainda
o sistema de contabilidade nacional de tipo soviético, que só aumentar numa grande parte do Terceiro Mundo, é provável
encara como atividade produtiva a criação de riquezas materiais que este processo de empobrecimento vá se acentuar e se
resultante de uma ação socialmente organizada do homem sobre generalizar.
a natureza, e que elimina um certo número de serviços, é sem Se .as estruturas atuais persistem, veremos, pois, aumen-
dúvida a fórmula que melhor convém à mensuração da renda tar a diferença que existe entre os .países desenvolvidos, onde
nacional dos países subdesenvolvidos. U> É sintomático obser- as rendas per capita continuam a crescer rapidamente, e os
var o lugar crescente que o comércio e as atividades de banco, países subdesenvolvidos àínda mais empobrecidos.
seguro, os negócios imobiliários e os serviços pessoais tomam A estagnação da.s rendas reais médias por cabeça, sua
nas rendas nacionais. Num país subdesenvolvido, essas ativi- diminuição, são suportadas sobretudo p~lo setor subproletário.
dades 'podem ser consideradas como em grande parte estéreis: As consideráveis retiradas que a minoria de privilegiados efetua
de 1950 a 58, passaram de 42 a 52% da renda nacional da têm por efeito acentuar .a queda dos recursos . reais de que
Argélia; de 37 a 44%, na Costa Rica; de 15 a 19%, na Nigé- dispõe efetivamente a maioria da população, que está contudo
ria; de 27 a 31%, no Congo ex-belga; e de 33 a 47% da renda · aumentando. Nos poucos países subdesenvolvidos onde um
nacional no Camboja. crescimento sensível da renda nacional per capita foi realizado,
Deve-se considerar ·também que o valor e o crescimento a.s ~;etiradas operadas · pela minoria privilegiada são tais que a
reais das rendas nacionais de uma grande parte dos países do maior parte da população não registra um aumento de seus
Terceiro Mundo devem ser bastante diferentes do que indicam recursos reais. Estes chegam a Ser reduzidos, apesar do cresci-
as estatísticas fornecidas pelos Serviços das ·Nações Unidas. mento da renda nacional.
Levando em conta a rapidez do crescimento democráfico, segue- M. Negreponti-Delivanis demonstrou teoricamente <2 > que,
-se que os índices de renda nacional per capíta registraram uma num país subdesenvolvido que realiza um processo de cresci-
.elevação sensivelmente menor que . a ordinariamente admitida. mento econômico, a desigualdade da repartição da renda na-
cional em vez de se atenuar é ainda reforçada. "As classes que
As verdadeiras rendas nacionais. per capita continuaram, já são ricas tornam-se mais ricas ainda e aquelas que eram
no melhor dos casos, estacionárias, e num grande número de pobres se empobrecem ainda mais." F. Perroux também estima
casos diminuíram. Esta conclusão é corroborada pelo fato de que é impossível o nível de vida não baixar durante uma fase
que os países subdesenvolvidos não investem em média senão de crescimento econômico. São, diz ele, "as cargas do pro-
de 5 a 6% de sua renda nacional, o que, para a maioria en~e · gresso". <3 > É necessário contudo . ressaltar que a deterioração
eles, não permite compensar o crescimento da população. Tam- das condições de vida da população só . é inelutável no quadro
bém o verdadeiro valor da renda nacional per capita tem ten-
dência a baixar . . Na maioria do Terceiro Mundo, "a simples
manutenção do nível de vida atual necessita de investimentos (lf L. TABAH, Le prob!eme P(}pulation-Investissements-Niveau
que representam 7 a 16% da· renda nacional nos próximos 25 de 11ie dans le Tiers Monde, . Presses Universitaires de France, 1956,
pág. 393.
anos· um 'crescimento per capita da renda de 2% necessita de
(2) M. NEGREPONTI-DELIVANIS, Influence du. développe-
inve;timentos que representam 12 · a 23% da renda nacional ment éc.onomicque sur la dpartition du revenu natio7.1 al, SEDES,
1960, pág. 492. ..
(3) F. PERROUX, Théorie générale du progres économique,
( 1) CH. PROU, (}bra citada. Cahiers de l'ISEA, série I, n. 0 59, 1957.

138 139
- -
-

das estruturas atuais, caracterizadas pela presença e o papel De acordo com S. Kuznets:
predatório da minoria privilegiada. Esta agravação da desi- Comparação da produtividade relativa da mão-de-obra
gualdade tem por causa principal o aumento das retiradas reali- de diversos setores
zadas a favor do comércio, das atividades bancárias e de diversos
serviços. Isto se traduz claramente .nas tabelas comparativas Países
desenvol- Países subdesenvolvidos
elaboradas por S. Kuznets <ll, que são . reproduzidas abaixo. vidos
No quadro do Terceiro Mundo, quanto mais a renda nacional
1
~-1---~,--~1--~1--.~1---
se eleva tanto maior é a parte da renda nacional que se destina Montante da{ R.N. 750- 500-,350-~ 200:-(150-~ R.N.
a essas atividades do setor terciário. ·Nos países subdesenvol- R. N. per ca- 750 $ 1500 $ 350 $ 200 $ 150 $ 100 $ 100 $
vidos em que a renda nacional está compreendida entre 500 e pita ,_ _ ....![_ _ _ •I J ·
350 dólares, o comércio, bancos e serviços absorvem uma parte
muito maior que nos países desenvolvidos mais ricos. tg;cul~ura • ··I 0,92I 0,85
1,02 I 1,11
1

0,75 I
0,59 1 0,75
0,95 I 1,24 J 1,18
II 0,79! 0,99

De acordo com S. Kuznets:


n ustna . • • • •
Comércio .•••• {
Bancos .......
1

1
.
I I
0,97 1,18

Transporte • • • 0,97 I 1,11 1,23 2,04 . 1,83 1,90 1,82


Rep zrtição- em o/o da J!.enda Nacional de 57 países em 1950 Outros Serviços 1,26 I 0,85 1,17 I · 1,16 1,25 1. 1,52 1,39
I I I I
Países
Países subdesenvolvidos
..
Grau de desi-
gualdade entre 1
os setores . . . • 17,9 113,9 22,3
1
I 43,2
1
I 28,2
1
I 30,5
II 27,8
desenvol-

Montante
I
da{
vidos
-~-1---;---~---.--.-----
I j I I I ren~as em valor absolut~ entre a parte de cada setor na renda
tenda na~ional R.N. I 750- 500- , 350 -1 200 -1150- R.N.
pe1 captta 750 $1 500 $ 350 $ I 200 $ 1150 $ 1100 $ I 100 $ nanonal e ~ua ~rte na população ativa. · Se a igualdade entre
os . setores e realizada, este grau de igualdade será igual a o.
Agric-ultura . . • 13,2 I
11.2
38,1 I 41 ,5
~2-l~l~l~l~
29,2 I 24,2 I 24,3 I 17,8 I 3,7
54,6 , No estado atual das · estruturas econômicas e sociais dos
Indústria .....
Transporte . . . , 9,5 I 9,9 8,4 I 6,7 I 8,2 I 4,4 3,3 pms.es s"?bdesenvolvidos, o crescimento da renda nacional per
Comércio •.. • . J I
I
I
I I I captta e ~companh~do de u~ agravamento da desigualdade.
Bancos .......
Serviços .... ..
l 40,7 I
l
31,6 44,3 I
I
39,0 33,9 I
I
35,5 I
I
30,1 Este cresc~me?to na? leva, po1s, a um aumento dos recursos
de . q1;1e d.ispoe efeuvamente a . maioria da população. Esta
~a10r1a corresponde .ao setor agrícola, cuja produtividade rela-
S. Kuznets esforçou-se por. calcular o grau de desigual- ~v~ sofre ~I?a considerável depreciação ( ein relação à produ-
dade que existe entre as produtividades relativas da mão- tlv~dad~ media = 1): 0,99 quando a renda nacional per capita
. -de-obta dos diferentes setores. Esta produtividade · relativa, é infer1or a 100 dólares, 0,59 quando ela está compreendida
que mede, de fato, a remuneração média por pessoa empre- entre 350-200 dólares. ·
gada em cada setor, é obtida dividindo a parte de cada setor
no produto interno da Nação pela parte da mão-de-obra na Este c~e~cimento da desigualdade, demonstrado . teorica-
~ente. e venf1cado por comparação estatística, tem conseqüên-
população ativa total. As produtividades inferiores a 1 são
portanto inferiores à média. São aquelas dos setores mais Cias am.da mais graves levando em conta que, em muitos casos, ·
desfavorecidos e mais explorados. O grau ·de desigualdade da o <:escunent? da renda nacional é superestimado: corresponde
e~ta_? a reuradas ainda maiores sobre os recursos de que
produtividade entre os setores é a soma aritmética das dife- dispoe a população.

( 1) s. KUZNETS, "International Distribu"ition of National Pro-


duct and Labor Force"_, Economic Development and Cultural Change,
Chicago, julho de 1957.

140 141
timentos demográficos necessários à manutenção do nível de
vida.
E. Gannagé (JJ adm ite também que possam ex1st1r casos
de um "desnível entre a taxa de crescimento da população e a
taxa de crescimento da renda nacional"; contudo, E. Gannagé
estima que estes casos devem ser muito raros, pois considera
CONCLUSÃO DA PRIMEIRA PARTE que "a taxa de crescimento da população depende estreitamente
da renda per capita"; tanto seriam países pobres aqueles cuja
renda nacional cresce mais lentamente, como também aqueles
- A população dos países subdesenvolvidos cresce inten- cuja . população cresce menos rapidamente. Esta concepção só
samente e deverá, no futuro, aumentar ainda mais intensa- é válida para o passado; ela não leva em conta um fato extra-
mente, qualquer que seja a renda nacional. -econômico, mas que é contudo essencial: a revolução médica.
- A amplitude relativa dos investimentos sendo, em Esta provoca uma rápida expansão da população, apesar da
grande parte, função da importância da renda nacio?al, ?s fraqueza da renda nacional. Daí tende a se generalizar a dis-
países de baixa renda nacional, que têm de efetuar mvestl- torção entre um rápido crescimento demográfico, libertado do
mc mos demográficos muito importantes para manter o nível freio que constituía uma forte mortalidade, e um mais lento
de vida, não podem realizar todos estes investimentos. A crescimento econômico, freado entre outros motivos pela fragi-
re nda per capita tende pois a estagnar ou diminuir. lidade dos investimentos realizados. Outrora, o aumento da
t - A maioria dos aumen tos da renda nacional per capita população não era possível sem um aumento dos recursos, pois
' I
indicados pelas estatísticas é ilusória , pois só toma em consi- uma baixa do nível de vida combinada às doenças dela decor-
rentes levava a um aumento da mortalidade. Hoje, o cresci-
deração as ativLdades monetarizadas.
mento demográfico e o crescimento econômico estão desajus-
- Mesmo admitindo a realidade de certos crescimentos,
tados; as populações aumentam rapidamente por causas médi-
o agravamento da desigualdade que os acompanha provoca,
cas, apesar de que o nível de vida possa ser inferior ao antigo
no melhor dos casos , a manutenção e, na maioria das vezes, a
mínimo vital, tendo as doenças diminuído consideravelmente.
redução dos recursos de que dispõe efetivamente a maioria
Tal evolução fundamentalmente desequilibrada, que co-
da população .
- Nos pa\ses subdesenvolvidos, a população te11de a meçou a se manifestar há alguns decênios, não pode mais se
prolongar por mu,ito tempo. Desdé então e agora os países
aumentar mais rapidamente que os recursos reais de que dis-
subdesenvolvidos apresentam os sinais que prenunciam impor-
põe. Esta distorção constitui com toda evidência u m fato
tantes transformações .
primordial.
R. Gendarme Ol evocou para certo~ países subdesenvol-
vidos com um crescimento demográfico muito intenso a possi- A TOMADA DE CONSCmNCIA
bilidade de "um processo acumulativo de agravamento do sub- E SUAS CONSEQÜ~NCIAS
desenvolvimento". Em realidade este processo não é inerente
a um grupo particular de países do Terceiro Mundo. Esta A descrição dos caracteres fundamentais da situação de
distorção existe, mais ou menos marcada, na grande maioria subdesenvolvimento seria gravemente truncada se omitisse um
dos países subdesenvolvidos; ela será ainda mais acentuada no elemento que, apesar de sua aparição relativamente recente,
futuro, pela amplitude do crescimento demográfico que vai se não é menos essencial: a tomada de consciência pelas popula-
realizar em países colocados na incapacidade de efetuar os inves- ções do Terceiro Mundo das realidades do seu estado. A rela-

( 1) R. GENDARME, .obra citada. ( 1) E. GANNAG.É, obra citada.

142 143
tiva passividade que as caracterizou por um longo ~emp~ de,u
lugar há cerca de uns vinte anos a uma transformaçao ps1C~lo­ . Esta tomada de consciência se deve também a causas
gica considerável: a descoberta de sua miséria, de seu c~rater ~a.rs profundas, à evolução interna dos países subdesenvol-
anormal, inadmissível no mundo moderno. Oc:trora, a Al-~me, vidos. O deslocamento das estruturas tradicionais leva a uma
a Miséria, a Doença eram entendidas como realidades cromcas, desag:ega~ão ou uma evolu~ão das formas de pensamento que
inerentes à sorte do homem. Na verdade estes flagelos _agra: lhe sao hgadas. A destrmção da célula aldeã, o isolamento
vavam-se periodicamente. Era então o agravam~nto _dev1~0 a em que são jogados homens desaparelhados, levam-nos a se
fatalidade. Esta relativa aceitação, feita ?e res1gnaçao d1ante colocarem problemas novos. A autoridade mais ou menos
do que parecia ser inelutável, perten~e hoJe ao passa~o. Uma paternalista do grande proprietário, a do notável da aldeia ou
grande parte da população do Terce1r~ Muz:do, se nao o_ ~eu da tribo, que eram anteriormente aceitas devido ao seu caráter
conjunto, sabe atualmente que é poss1vel vlVer em condtçoes t~adici~nal e em troca ?a proteção muito relativa que ofereciam,
extraordinariamente diversas. sao hoje cada vez ma1s contestadas: os poderosos reforÇaram
Esta tomada de consciência resulta do fenômeno relaciona! seus "direitos", fizeram nascer novos, mas esqueceram-se em
geral dos . deveres que a tradição lhes impunha.
cuja amplitude já foi verificada em v~rias oc~siões. Ela res~lt~
de um contato cada vez maior e mats estreito entre os pa1s~" . A monetarização das relações sociais dissipa a docilidade
desenvolvidos e o resto do mundo, e pelo c~ráter cada, vez mats com a qual o camponês aceitava outrora sua dependência
espetacular das manifestações do nível de ~lda dos pa1s~s n~os. pessoal para com o mestre ou o chefe. ·Nas cidades e nos cam-
Em cada país subdesenvolvido, a ~p~lênc1a ~a mmona. pnvl- pos, a face da miséria assume traços desacostumados que a
legiada provoca a proliferação de. sma1~ exterwr~s de r1~ueza. fazem descobrir-se. A aparição de mecanismos econômicos
Sendo ]imitada sua propensão a mvesur, suas nquezas. na_o se novos e complexos desorienta de início as populações, depois
transmudam em investimentos produtivos, mas se dilap,t~am leva-as a procurar explicaÇões: anteriormente a má colheita
em grande parte em forma de consu~os os ma1s ostentatonos. causava a fome; por que a belíssima colheita de hoje leva final-
mente à ruína? ·
0 atluxo da população nas grandes ctdade? colo:_a massas cada
vez mais numerosas em presença das man~~~t~çoes_ de l~o a,~ . Nas cidades, desenvolvem-se as "classes médias", cujos
mats· mso
· 1ent es. 0 "efeito de demonstraçao
. . . e po1s
· considera
f mtetesses se afastam cada vez mais dos da minoria privilegiada
vel: ele faz nascer nas massas mtserave_:s um conJU~to con uso propriamente dita. Todas essas causas provocam uma muta-
de necessidades novas, onde as aspiraçoes mats legttlmas, que ção psicológica fundamental. Milhões de homens comparam
são muitas vezes ::.~s mais difíceis de re~ar, c~mbmam-se com invejam, esperam, reivindicam, revoltam-se, refletem. E ~
apetites urgentes ou se alienam .em deseJOS, no<? vos. A_s ne~es­ "grande sonho" ( Gunnar Myrdal). o J
sidades se desenvolvem de uma maneira anarqmca que e munas . ,Este fato é capital para o destino do Terceiro Mundo, pois
vezes desastrosa. ele e acompanhado, em camadas sociais cada vez mais amplas,
A tomada de consciência resulta também _de uma difusã~ de _uma vontade d~ mudança e d~ desenvolvimento. Esta aspi-
do pensamento: se a massa de iletrados cont~ua enorme,_ raçao de ~~senvolv1~ento conceb1~a como uma espécie de pro-
número dos que vão à escola cresce co~t~_do ra~ndamente. Em grama pohttco que v1sa elevar o ntvel de vida das massas é um
populações analfabetas, a difusão das ~de~as f01 durante long? fato histórico maior e absolutamente nuvo. As reivindicações
tempo freada, pois eram vinculadas prmctp~lmente pelos :sc~t­ populares que se manifestaram nos países desenvolvidos esti-
tos. Elas se propagaram hoje com ~ma rap~d~ e ~ma potenc1~ v:e:_am q~as_e sempre. centrada~ na reivindicação de uma repar-
ttçao ma1s Justa da r1queza existente e na reivindicação de uma
de choque incomparáveis pelos metos, ~ud1ov1sua~~ modernos;,
0 cartaz e sobretudo o cinema e o rad1o. Os transistores
maio~ igualdade política. E verdade que as populações do
Terceuo Mundo reivindicam igualmente esta paridade, mas os
captam as novas nos campos mats · recônditos e sobretudo
difundem as ideologias concorrentes quê se enfrentam no
mundo atual. ( 1) G. MYRDAL, Une économie internationale, Presses Uni-
veTSitaircs de France, 1958, pág. 506.
144
145

li
Esta pressão reivindicativa, duma parte, o agravamento
elementos mais conscientes reclamam, o que é novo, uma amplia- muito rápido dos desequiHbrios causados pelo crescimento de-
ção da produção e uma modernização de seu país. "O fato de mográfico, de outro lado, estão na origem dos esforços econô-
que elementos fortemente emocionais ligam o esforço de desen- micos que foram empreendidos, nestes vinte anos, na maioria
volvimento à luta pela independência política nacional é de do Terceiro Mundo. Segundo sua. natureza, os governos e as
uma grande importância, pois distingue este esforço de desen- classes dominantes agem diferentemente. Mas mesmo os pode-
volvimento do processo histórico de industrialização como ocor- res mais autocráticos são obrigados, se não a "fazer qualquer
reu nos países adiantados" ( G. Myrdal ) . coisa", pelo menos a proclamar que vão fazê-lo. O que é
Esta tomada de consciência é o fator essencial de um realizado pelos governos é batizado em . toda parte, na maioria
esforço de desenvolvimento, desde que uma elite suficiente- dos casos erradamente, mas algumas vezes com razão, "política
mente em . contato com as massas chegue a organizar e de desenvolvimento".
orientar suas aspirações. . Estas políticas são muito variadas: vão desde os puros
Até a Segunda Guerra Mundial, as realidades de ultràmar e simples alibis à revolução draconiana, passando pelas meias
podiam parecer essencialmente estatísticas. Há vinte anos, a medidas, reformas limitadas e ações demagógicas. A pressão
quase totalidade dos países subdesenvolvidos é o teatro de popular e à pressão demográfica ajuntam-se outras causas para
mudanças notáveis, e às vezes até de transformações essenciais: obrigar os governos, mesmo os mais ligados ao status quo, a
o crescimento demográfico tomou uma amplitude desmedida; realizar tais políticas. Estas causas suplementarés procedem
a maioria dos territórios colonizados tornou-se independente; direta ou indiretamente de fatores políticos: necessidade de
reformas e esforços mais ou menos criadores foram empre- reforçar o potencial militar (caso da Turquia de entre as duas
endidos com ou sem ajuda dos países desenvolvidos. Fato guerras ) , reconstrução das ruínas deixadas pela guerra ( caso
importante, a situação internacional reduziu sensivelmente as da Itália do Sul ou da Grécia), esforços de uma potência colo-
possibilidades de pressão política e militar que as grandes firmas nialista no fim de seu poder para tentar resolver as dificuldades
usavam outrora em relação aos países subdesenvolvidos. Hoje políticas (caso da Argélia com o "plano Constantine"), necessi-
~sses podem apelar em caso de perigo para uma das duas grandes dade de minorar as conseqüências indiretas da guerra que redu-
potências antagônicas. Em muitos países, alguns freios que ziam a importação dos produtos fabricados (na América Latina
impediam o crescimento da economia foram afastados oú supri- de 1940 a 1945 por exemplo).
midos. Certos países, coino a China, Cuba, e muitos outros Estas políticas de crescimento são de natureza muito va-
ainda, conseguiram mesmo suprimir uma das principais carac- riadas, tanto pelos mecanismos econômicos que põem em ação
terísticas <la situação de subdesenvolvimento: os podt:res exor- como pelas orientações que adotam. Colocadas à parte, apesar
1/
bitantes de uma minoria privilegiada e as retiradas que ela de seu nome, as pseudopolíticas de desenvolvimento, a maioria
?perava. dos esforços econômicos que foram empreendidos visaram o
I· É fato que, diante das transformações radicais que ocor-
rem na China, as mudanças que podem ser observadas nos
crescimento do setor moderno, esperando que de fosse susce-
tível de resolver o subemprego. São, afora exceções maiores
outros países parecem muito pequenas. Mas não devem ser (China), políticas de industrialização fundadas sobre a imi-
negligenciadas. Traduzem, com efeito, a existência de um jogo tação. <las práticas e mecanismos que asseguraram no século
de forças internas que só pode, a longo prazo, conduzir à reali~ XIX o crescimento da Europa Ocidental e da América do
zação de transformações cada vez mais importantes. As mu~ Norte. Apesar dos capitais e da ajuda técnica fornecida pelos
I danças efetuadas na maioria dos países subdesenvolvidos não países desenvolvidos, estas políticas levaram na maioria dos
J. têm mais por origem, como ocorria no passado, decisões estra- casos a resultados extremamente medíocres, que estão próximos
nhas a eles. São hoje conseqüências de uma pressão enorme, do fracasso total quando comparados aos progressos que seriam
na maioria dos casos ainda confusa e desordenada, mas muitas necessários para aumentar o nível de vida das populações · em
vezes já consciente e organizada, para que as mudanças pro- pleno crescimento. Estas industrializações conhecem grandes
fundas ocorram.
147
----------------------- ---- ··-- - .. ---- ___ ---
, __

I 1!11
I ;~

dificuldades, devido à fragilidade dos mercados de que dispõem. ainda combinados. Mas por quanto tempo ainda? Num grande
I Importantes capitais foram desperdiçados ou dilapidados. E número de países, as mudanças vêm se produzindo e é muito
mais, o crescimento das favelas er:; torno dos grandes centros cedo ainda para medir-lhes todas as conseqüências. Uma refor-
i~d~str~ais aumentou o mal-estar social, e o subemprego não ma realizada na esperança de "pôr água no fogo", leva ao apa-
dtmmmu sensivelmente. Em vez de se atenuarem, as desigual- . recimento da necessidade ainda mais urgente de novas mudan-
dades sociais aumentaram ainda mais. Na maioria dos Estados ças ainda mais eficazes. O livre jogo das forças do mercado,
recentemente independentes, a convicção de que a indepen- que só é válido entre parceiros verdadeiramente iguais, mas
dência política traria a solução das dificuldades econômicas que, de outra forma, é a· lei das selvas, vê-se pouco a pouco
mostrou-se falaciosa. O balanço destes anos de esforço é pelo limitado. A participação do Estado na vida econômica aumen-
menos decepcionante. tou consideràvelmente; meios de comercialização dos produtos
Os fracassos não devem ser minimizados. Mas constituem agrícolas, cuja eficácia é- ainda imperfeita, são criados por
uma etapa ~ u~~ _lição útil para o futuro, por mais decepcio- numerosos governos para tentar limitar os efeitos nocivos do
nantes e preJudic1a1s que possam ser de imediato. A constatação "comércio de tráfico". Em muitos grandes países subdesen-
dess~s dificuldades e desses resultados medíocres provocou uma volvidos, para diminuir a fragilidade das realizações do setor
considerável evolução das concepções relativas ao subdesenvol- privado, que hesita em investir quando não tem certeza de
vimento e aos meios de solucioná-lo. As receitas preconizadas lucros importantes e imediatos, o Estado intervém maciçamente
pelos :'especialistas" no fim da guerra, à imitação dos modelos na criação de uma indústria pesada e controla uma grande parte
fornecidos pelos países desenvolvidos, foram abandonadas, e dos capitais fornecidos a títulos diversos pelos governos estran-
as teorias foram pouco a pouco modificadas num sentido mais geiros. Em muitos países (Itália, México, Venezuela, Irã,
conforme com as realidades. Os ~conomistas têm cada vez fndia, Egito, Argélia, Bolívia etc.) reformas agrárias foram
menos confiança, nos países subdesenvolvidos, nos mecanismos iniciadas, e apesar de seus efeitos serem muit0 inferiores aos
da economia liberal, depois dos fracassos que ela experimentou. das -revoluções agrárias na China e em Cuba, constituem o
Por outro lado, durante um longo período, os países subdesen- incentivo para mudanças importantes. De estática que era há
volvidos só mantiveram contatos (econômicos políticos inte- alguns decênios, a situação da maioria dos países subdesenvol-
lectuais) com os países desenvolvidos e muit;s vezes s;mente vidos tornou-se eminentemente dinâmica.
com a metrópole colonizadora; hoje estabeleceu-se uma comu- Na maioria dos países do Terceiro Mundo, as transforma-
nicação entre os diferentes Estados do Terceiro Mundo. Com ções não põem contudo em causa as estruturas econômicas e
o recuo do tempo, a conferência de Bandung (1955) aparece sociais fundamentais. O Estado substitui os empreendedores
como um acontecimento maior, apesar de ter reunido somente privados falhos, mas o regime continua incontestavelmente ca-
os "Afro-Asiáticos", há pouco libertados dos elos coloniais. pitalista e a minoria privilegiada conserva o essencial de seus
Estas novas relações foram progressivamente se alargando nos poderes. O crescimento do papel do Estado na economia desses
I Estados da América Latina, que participarão certamente em países (o caso da China e de Cuba por exemplo é radicalmente
l; ·i diferente) corresponde, na maioria dos casos, à tomada do
grande número nas futuras conferêncías. Nunca antes na His-
tória as elites de um tão grande número de países observaram poder por um grupo social influente, que não se beneficiava
com tanta atenção as mudanças realizadas nos Estados longín- diretamente até então das vantagens adquiridas pela minoria
quos, que ignoravam completamente até então. O eco dos privilegiada. Trata-se em geral de oficiais do Exército. É fato
acontecimentos ocorridos em Cuba ou em Zanzibar se propaga que, apesar de sua fraseologia, não procedem imediatamente a
em todos os países do Terceiro Mundo, cada vez mais conscien- profundas modificações revolucionárias. Contudo, como os seus
tes da identidade de seus problemas fundamentais. ganhos são função do papel que o Estado exerce na economia,
aumentam seu controle sobre as sociedades privadas. Pela
E fato que em muitos países nada mudou, ou menos em própria necessidade das coisas são conduzidos a fazer reformas
aparência, e todas as dificuldades, todos os freios econômicos cada vez mais importantes a fim de evitar o fracasso do poder
e sociais que caracterizam o subdesenvolvimento encontram-se e sua própria perda . Em si mesmas, estas medidas de estati-
148 149
zação progressivas e interessadas não são evidentemente sufi- efeito de um jogo de força cuja tensão é extrema. Com efeito,
cientes para resolver os problemas fundamentais do subdesen- como o nota G. Myrdal Ol, "os homens no poder são geral-
volvimento, mas anunciam uma evolução e preparam revoluções. mente favoráveis a uma política de desenvolvimento econô-
Na maioria dos países subdesenvolvidos, onde os desequilíbrios mico, mas com a condição de que ela não leve a mudanças nas
se agravam rapidamente, não bastasse somente o rápido cresci- estruturas sociais no seio das quais representam um papel pri-
mento demográfko, a manutenção a longo prazo das estruturas vilegiado". Ora, uma verdadeira política de desenvolvimento
existentes não é possível. Qualquer que seja sua ideologia, o se concebe cada vez menos éomo um simples fenômeno de pro-
grupo no poder é obrigado a realizar reformas, sob pena de dução, e cada vez mais como o resultado de uma transformação
ser derrubado por um grupo rival que as fará em seu lugar profunda das relações sociais. É também inelutável a separação
e será obrigado a ir ainda mais longe. A este respeito é inte- entre os elementos conscientes da população e os homens que
ressante notar que os regimes pseudodemocráticos e parlamen- a minoria privilegiada coloca à testa do Estado. Este conflito
tares evoluem, em ritmo relativamente menos rápido, pois é fundamental toma formas muito variadas e se combina com
ainda possível para uma categoria social gozar das vantagens outros. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a maioria
do poder sem assumir diretamente a responsabilidade por ele. dos países do Terceiro Mundo foi constantemente agitada por
diversas comoções graves . . Não se passa uma semana sem que
Esta tomada do poder pelos militares de um grande núme- um país subdesenvolvido não seja palco de alguma. Sua vida
ro de países subdesenvolvidos deve também ser relacionada política é muito mais complicada e sobretudo mais caótica e
estreitamente com a extrema gravidade das tensões sociais de mais brutal que a dos países situados fora do Terceiro Mundo:
que são palco. Com efeito, os podt::res consideráveis das mino- o gosto da minoria pelos poderes fortes, únicos capazes de con-
rias privilegiadas são consolidados ou mesmo reforçados no ter provisoriamente a pressão popular, explica o grande número
momento em que, sob o efeito de diferentes forças muitas de ditaduras nos países subdesenvolvidos. As bases sociais
vezes antagônicas, os ideais democráticos começam a se difun- dessas, que já não são muito amplas no começo, se restringem
dir através do mundo. Hoje não é possível a um governo, rapidamente. Os homens colocados à frente do Estado pelos
qualquer que seja, não levar em conta, ao menos em palavras, privilegiados formam em geral um clã que não procura senão
estes ideais. Até o governo da República Sul-Africana pretende beneficiar-se das vantagens do poder e entra em conflito com
que sua política oficialmente racista de appartheid é realizada aqueles que os tinham sustentado no começo.
para assegurar o bem-estar das populações de cor, pelo desen- As lutas que se desenvolvem então opõem de fato clien-
volvimento separado. Entre populações cujos direitos são reco- telas e interesses restritos, mas a necessidade em que se encon-
nhecidos e proclamados, e as minorias privilegiadas estrangeiras tram de dispor de massas de manobras os leva a procurar uma
e autóctones que se recusam na maioria dos casos a efetuar sustentação popular. Os diversos elementos da população são
concessões, e que se opõem por todos os meios a uma redução pois solicitados, utilizados e manobrados para causas que não
de seus poderes exorbitantes, o conflito é contínuo. Segundo são absolutamente as suas, até o momento em que, tomando
os países. ele toma formàs diversas, mas dá aos chefes militares pouco a pouco consciência de seus interesses verdadeiros,
um papel essencial, seja quando agem para a sustentação ~eci­ cessam de ser tropas de manobra das diversas frações privile-
dida da minoria privilegiada, seja quando se põem como árbttros giadas, para constituírem progressivamente um vasto movimento
cujos discursos "socializantes" não conseguem esconder sua popular perseguindo seus objetivos próprios. Antes que a vida
parcialidade para com os possuidores. · política dos países subdesenvolvidos possa assim se clarificar e ·
"O que é intolerável, escrevia Diderot, não é o fato de se organizar em função dos antagonismos sociais fundamentais,
existirem escravos, mas é o fato de existirem escravos e o de toda uma série de peripécias confusas se desenvolvem, os golpes
chamá-los de cidadãos." Esta frase antiga de dois sécúlos pode de Estado se sucedendo aos golpes de força. Ali, são as forças
exprimir um dos aspectos fundamentais do "grande son~o".
As transformações econômicas e sociais sobrevindas nos últt~os
vinte anos nos países subdesenvolvidos foram impostas sob o ( 1) G. MYRDAL, obra citada.

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Fm. 3. Evolução política dos países subdesenvolvidos


1, Países que foram teatro de guerra· (civil ou não) de 1945 a 1964; 2, Independêw r. ., "'"ulo . XIX; 3, Independência entre 1900 e 1945· 4 Independência entre 1945 e 1955;
5, Independência desde 1955; 6, Pafses ainda colonizados; 7, Pafses subdesenvolvld·· llftt nunca foram ·colonizados; 8, País teoricame~te' independentp mas praticamente
colonizado; 9, Pais desenvolvido.

152 153
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armadas que tomam o poder, derrubando um governo que tinha
sido legal até o momento em que quis realizar as reformas há Os conflitos contínuos que se desenvolvem nos países do
longo tempo prometidas. Acolá, enfrentam-se clientelas ·popu- !erceiro ~u~do não podem em nenhum caso ser comparados
lares de partidos políticos violentamente antagonistas, mas con- as lutas tnbats ou às guerras "feudais" que ocorriam antes da
tudo cúmplices da minoria privilegiada. Aqui, as greves explo- colonização ou da difusão da econotnia moderna. E verdade
dem e duram até o momento em que a "ordem" seia restabe- que as lutas modernas revivem hoje antigas hostilidades mas
lecida. Lá, os estudantes se manifestam durante a passagem e:tas últimas, por. violentas que possam ter sido no pa~sado,
de um chefe de Estado suspeito de neocolonialismo ou se nao punham em Jogo nada de fundamental. :É um encrispa-
juntam para protestar contra as eleições escandalosas. Massas mento da água, numa superfície de líquidos imóveis. Ao con-
trá~io, os conflitos atuais, que traduzem a rápida evolução de
urbanas se reúnem .para exigir a nacionalização das grandes
companhias que exploram a nação. Num outro país elas se soc1edades sob os efeitos de antagonismos fundamentais são
chocam nos bairros, separadas por ódios religiosos ou tribais como jatos de vapor, que chegam a entrar em combustão 'antes
cuidadosamente cultivados, na medida em que impedem a for- da explosão, de uma panela de pressão cujo conteúdo está em
mação de movimentos populares verdadeiros. plena ebulição.
Fora das cidades, os conflitos não são menos numerosos e A estes tumultos internos vêm se ajuntar, para utílizá.los,
são as vezes mais sangrentos ainda. Na maioria dos casos, suas os "grandes conflitos" internacionais, cujas causas são em
causas são, com efeito, muito mais simples e claras. É fato grande parte exteriores aos países em que se desenvolvem.
que em numerosos países os antagonismos t':i~ais ou religiosos F_?ram pr}.meiramente. as guerras coloniais precedidas por
são ainda atiçados por aqueles que se beneftctam deles, mas a comoçoes frequentes, segmdas de seqüelas confusas e doloro-
exploração e a opressão das quais são vítimas as populaç~es , sas. A colonização deixou, ainda mais, em numerosos Estados
rurais são tão evidentes que numa grande parte do Tercetro . fronteiras arbitrárias, contestáveis e contestadas, do que resul~
Mundo os campOneses começam a se opor conjuntamente a taram numerosos antagonismos entre os Estados do Terceiro
todos os privilegiados. Mundo. Mais duráveis e mais espetaculares são as guerras
Não se deve estranhar também que os conflitos que se de- causadas pelo choque direto ou por forças interpostas das duas
senvolvem longe das cidades sejam muito mais duros, pois põem grandes pot~ncias, sobre os rings que constituem os países
em jogo interesses fundament:Umente opo.stos: · são evide~te­ subdesenvolvidos, colocados para infelicidade sua em situações
mente lutas agrárias no essenctal. E prectso contudo mmt~s estratégicas. Estes grandes conflitos degeneram muitas vc:zes
circunstâncias favoráveis para que às tropas governamentais em guerras coloniais em curso (Indochina) ou em lutas inter-
comecem a se opor não somente pequenos grupos locais ?u n~s: é uma gran?e vantage~ para uma minoria privilegiada, que
tribais mas forças organizadas, agindo num quadro espactal nao _Pode dest:utr um mov1mento popular, gritar contra a sub-
aumen~do, em função de interesses verdadeiramente nacionais. ver~ao comurusta para receber dinheiro, material de guerra e
Raramente tropas agrárias espontâneas podem crescer e se apOlO.
organizar a ponto de se tornarem m?vime,ntos ~~ grand~ env:_r-
gadura, sem o apoio de forças extenores as reg10es rurats.. Sao Conflitos entre potências muito grandes desenvolvem-se
geralmente elementos revolucionários procurados nas ~tdades também em países de grande mercado, situados nos confins
pela repressão que levam aos camponeses revoltados a tdeolo- das zonas de influência das grandes coalizões· situam-se em
gia, a organização, os contatos internacionais que tran:f?rmam territórios onde é possível controlar grandes ;ias de comuni-
os "bandidos", "bandoleiros", "fallaghas" etc. em mthtante:- cação mundial, ou recursos cuja extração fornece lucros consi-
-soldados. Apesar de que a guerra seja em grande parte constl- deráveis às grandes firmas internacionais. Estas se entregam
tuída por operações de guerrilha , não · deixa de ocorrer qne a lutas ocultas que beneficiam conflitos internos já existentes
acabem por pertencer a uma força armada quase regular de (ou que os suscitam) para chegar a estabelecer seu monopólio
um tipo particular: as Forças Armadas-Partido ou melhor o ~obre as riquezas que desejam. Estas interações entre lutas
mt,ernas e . conflitos cujos protagonistas são estrangeiros aos
Partido em guerra. patses em Jogo encontram-se num grande número de países.
154 155
:I!
:I
! j
!
A vida política dos países subdesenvolvidos é de uma
extrema complexidade e de uma grande brutalidade. A tal
ponto que os governos de países desenvolvidos se envolvem
em dificuldades inextrincáveis quando têm de resolver um pro-
blema interno que está ligado a uma situação de subdesenvolvi-
lj I
mento: o problema argelino na França, por exemplo, ou nos
1 Estados Unidos o problema dos negros; o "Velho Sul", de
onde esses procedem, pode ser objetivamente considerado como
uma região apresentando as características essenciais do sub-
desenvolvimento.
Num número incessantemente crescente de países subde- SEGUNDA PARTE
senvolvidos, a situação tornou-se, pois, essencialmente dinâ-
mica, so·::J o efeito de contradições internas de uma extrema
gravidad!.
O SUBDESENVOLVIMENTO,
FENúMENO DO SÉCULO XX

' !

156
CAPITULO I

A PROCURA DE UMA DEFINIÇÃO


OBJETIVA E UNIVERSAL

A ANÁLISE precedente da situação do subdesenvolvimento,


visto na sua generalidade, tal como se estende sobre uma grande
parte do mundo, revela uma combinação de caracteres e de
fatores que são de naturezas muito diferentes. Alguns são
sociológicos ou demográficos, outros são econômicos. Uns se
ligam a atividades de produção, outros às formas de consumo.
Alguns desses fatores são internos, outros resultam da ação de
forças exteriores. Uns como outros apareceram em épocas
extremamente diferentes. Se alguns caracteres do subdesenvol-
vimento são mui to antigos (a fome), outros são muito mais
recentes (si tu ação de subordinação econômica), outros enfim
surgiram há alguns decênios (ampliação do crescimento demo-
gráfico e tomada de consciência). B a combinação progressiva
destes fatores de natureza variada que fez surgir na superfície
do globo a situação de subdesenvolvimento.
A grande m8ioria dos países do Terceiro Mundo apresenta
os seguintes caracteres fundamentais:
1) Insuficiência alimentar;
2) Recursos negligenciados ou desperdiçados;
3) Grande número de agricultores de baixa produtividade;
4) Industrialização restrita e incompleta;
I
IL o 5) Hipertrofia e parasitismo do setor terciário;

~I
6) Situação de subordinação econômica;
7) Violentas desigualdades sociais';
! 8) Estruturas tradicionais deslocadas;

159
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....,.., . :-:- , . ·- ~ -- ,.....,._, .- -~-

ri I
9 ) Ampliação das formas de subemprego e trabalho das
(":xc:s~o ver na situação de subordinação econom1ca um simples
crianças;
:;111ommo da estreita dependência política e econômica que
10) Baixa integração nacional; nam os elos coloniais. O desaparecimento de dois ou <':s desta
mmbinação de fatores é de fato muito importante, talvez
11) Graves deficiências das populações;
mesmo em alguns casos seja fundamental quanto ao futuro. Mas
12) Aumento do crescimento demográfico; no. present_e não é uma transformação suficiente para se con-
13 ) Lento crescimento dos recursos de que dispõem efe- chnr legttlmamente pelo desaparecimento do subdesenvolvi-
tivamente as populações; mento nestes países.
14) Tomada de consciência e uma situação em plena Mas uma vez que esta combinaç~o de fatores que é o
evolução. subdesenvolvimento é tão evolutiva, em que momento da evo-
lução, com o desaparecimento de numerosos fatores, deveremos
É verdade que em cada país subdesenvolvido encontram- constatar que um país deixou de ser subdesenvolvido? O fato
-se outros caracteres e fatores que tornam a combinação ainda de possuir uma definição objetiva válida do subdesenvolvimento
mais complexa. Mas estes fatores que só se estendem a uma permitiria distinguir entre os 14 fatores os que são absoluta-
parte do Terceiro Mundo, ou que são próprios a \lm ou dois mente primordiais, aqueles cuja presença ou ausência decide
países somente, não são fundamentais. São ou fatores secun- da existência ou do desaparecimento do subdesenvolvimento.
dários ou aspectos particulares de um fator geral. Provisoriamente, limitemo-nos a notar que todos os países
B fato que, segundo o país, os elementos da combinação subdesenvolvidos apresentam atualmente ou apresentaram muito
são mais ou menos acentuados. Atualmente, pode-se mesmo recentemente estes quatorze caracteres básicos. O Terceiro
verificar que em alguns Estados um certo número (dois ou Mundo aparece atualmente, pois, em conseqüência disso, como
três) destes fatores fundamentais estão ausentes. Na reali- um conjunto homogêneo. Constitui uma categoria fundamen-
dade existiram até uma época recente, mas foram progressiva- tal, radicalmente diferente da que constitui o conjunto dos países
mente encobertos, ou foram bruscamente suprimidos. Suas desenvolvidos. Com efeito, estes quatorze caracteres básicos
conseqüências são, contudo, ainda perfeitamente discerníveis. que exprimem cada um uma síntese de caracteres secundários
Assim, por exemplo, a violência das desigualdades sociais, o são fundamentais. Sua combinação, que faz do subdesenvolvi-
aumento das formas de subemprego, a hipertrofia do setor mento não um simples problema econômico mas um fenômeno
terciário entre outros foram suprimidos na China há menos global, cobre de fato a totalidade das atividades humanas !>obre
de quinze anos. Mas não deixa de ser verdade que a situação uma grande parte do globo: fora do Terceiro Mundo os carac-
da China continua a ser de subdesenvolvimento e que ela não teres oferecidos pelos países desenvolvidos constit~em uma
pode ser explicada sem se levar em conta esses fatores funda- combinação global radicalmente diferente. A cada um dos
mentais que deixaram de ser funcionais há tão pouco tempo. c:aracteref principais da situação de subdesenvolvimento corres-
Assim, a combinação que forma o subdesenvolvimento não ~onde, se n~o o seu cont:ário, ao menos uma realidade qualita-
é estática e estável. Ela é ao contrário eminentemente evolutiva; tivamente dtferente da Sltuação de desenvolvimento. Alguns
alguns fatores fundamentais apareceram recentemente, a toma- caracteres do subdesenvolvimento existiram anteriormente nos
da de consciência das populações por exemplo; esta não é ainda países que são hoje desenvolvidos, mas desapareceram há muito
real em alguns países, oride entretanto tudo indica que apare- tempo. A maioria dos grandes traços do Terceiro Mundo nunca
cerá proximamente. De outro lado, outros fatores não menos se reuniu nos países desenvolvidos.
importantes deixaram de ser funcionais num certo número de 1) A fome que assola o Terceiro Mundo corresponde nos
Estados, mas suas conseqüências ainda se fazem sentir forte- paíse? desenvolvidos a um nível alimentar que se tornou satis-
mente. Alguns fatores que há vinte anos eram justamente fatório e tende mesmo a ser pletórico;
considerados essenciais, tais como a subordinação política de _2 ) B fato que os países desenvolvidos não exploram a
tipo colon~al, desapareceram quase em toda parte, e seria um totalidade de seus recursos, mas esta negligência não tem abso-
160
161
latamente as mesmas causas nem os mesmos efeitos que no 11) A diferença entre países desenvolvidos e subdesen-
Terceiro Mundo. A falta de exploração de um recurso em país volvidos torna-se chocante quando se compara o estado de
desenvolvido traduz o fato de que as necessi::lades são cobertas saúde e o nível de educação;
de uma outra maneira, seja pela importação, seja pela utilização 12-13 ) Os países desenvolvidos e subdesenvolvidos se
de uma matéria mais interessante. O desperdício em país de- opõem de maneira essencial neste ponto. Nos países desenvol-
senvolvido não atinge os meios de produção, como no Terceiro vidos, o crescimento econômico é mais rápido que o crescimento
Mundo, mas somente os bens de consumo excedentes. demográfico, mesmo quando este é grande. Daí resulta uma
3) Ao grande número de agricultores de baixa produtivi- alta do nível de vida e ·um aumento das possibilidades de
dade dos países subdesenvolvidos opõem-se a rál?i~a redução investimento, garantia de um progresso futuro. Nos países
da mão-de-obra agrícola e os .processos da produtividade; subdesenvolvidos, o aumento dos recursos de que dispõe a po-
pulação tende a ser menos rápido que o crescimento demográ-
4) A industrialização restrita e incompleta do Terceira fico, que é (ou será brevemente) considerável. Em conse-
Mundo contrasta com o processo "acumulativo" e "expansivo" qüência, o nível de vida da população não melhora; existe
que realiza uma integração cada vez mais intensa, que é a mesmo uma tendência a se deteriorar e os investimentos são
industrialização dos países desenvolvidos; cada vez mais difíceis de se realizarem;
5) À hipertrofia e ao parasitismo do setor terciário cor~e:­ 14) Enfim, as condições de vida política nos países desen-
ponde nos países desenvolvidos à eficácia crescente das atlVl- volvidos são extremamente diferentes daquelas que caracteri-
dades de serviço, sua contribuição objetiva à elevação da pro- zam o Terceiro Mundo.
dutividade e do bem-estar;
6) A situação de subordinação econômica dos países do * * *
Terceiro Mundo encontra seu contrário e sua explicação no
domínio exercido pela maioria dos países desenvolvidos sobre A situação de subdesenvolvimento e a de desenvolvi-
a economia mundial; mento são, pois, duas categorias fundamentais. Mas são elas
categorias primordiais? A linha divisória básica que divide a
7) A violência das desigualdades sociais num país subde- humanidade passa entre o socialismo e o capitalismo ou corres-
senvolvido, o agravamento das desigualdades, os poderes ~es­ ponde à demarcação que separa os países desenvolvidos dos
medidos das minorias privilegiadas, não se encontram nos pa1ses subdesenvolvidos.
desenvolvidos onde há dois séculos, se desenvolve (na verda-
de, ·ainda m~ito le~tamente) um processo progressivo de de- Os países desenvolvidos capitalistas se caracterizam por
mocratização política e econômica; uma situação radicalmente diferente daquela dos países subde-
senvolvidos que também são capitalistas. As estruturas do
8) Nos países subdesenvolvidos, a sobrevivência de estru-
capitalismo nos países desenvolvidos são muito diferentes das
turas tradicionais deslocadas contrasta com a integração da
do capitalismo de subdesenvolvimento. Sua origem, sua evo-
quase totalidade da população nas estruturas modernas num
lução, não foram absolutamente as mesmas. Entre países desen-
país desenvolvido; volvidos capitalistas e países desenvolvidos socialistas existem
9) Se o desemprego foi grave outrora, em certos momen- . na verdade diferenças maiores, de todos os pontos de vista.
tos, nos países desenvolvidos, a situação crescente caracteriza-se Mas elas são absolutamente primordiais? Em muitos domínios
mais por uma penúria geral de mão-de-obra, contrastando com aparecem progressivamente certas similitudes e, o que é essen-
o desemprego crônico que vigora nos países subdesenvolvidos; cial, nestes dois grupos de Estados, o crescimento econômico
10) Inversamente aos países do Terceiro Mundo, os é mais rápido que o crescimento demográfico. ·
países desenvolvidos beneficiam-se das vantagens que confere Entre os Estados socialistas, o contraste que existe entre
uma forte integração nacional, cujos progressos não deixam de os países desenvolvidos e subdesenvolvidos é talvez menos total
aumentar desde o século XIX; que o que existe ·no seio do sistema capitalista; é contudo bas-

162 163
tante considerável. Por outro lado, no seio do Terceiro Mun- É verdade que, num futuro mais ou menos longínquo, os
do, entre países socialistas e capitalistas, as diferenças, por no- países subdesenvolvidos socialistas podem realizar progressos
táveis que possam ser, não são ainda muito nítidas. A oposição e transformações tão -consideráveis, que não será mais possível
entre o socialismo e o capitalismo só é atualmente bem distinta classificá-los na mesma categoria dos países que permaneceram
no quadro dos países desenvolvidos. Entre os países do Ter- submetidos a êste pesado handicap, que é o regime capitalista
ceiro Mundo, sejam eles submetidos a um regime capitalista nas condições de subdesenvolvimento. Mas é também muito
de tipo particular ou proci:trem desenvolver formas originais possível que, após ter reconhecido a impossibilidade de resolver
de socialismo, o contraste das situações é no momento bem o problema no quadro capitalista, a maioria dos países do Ter-
menos discernível. Com efeito, durante um longo período, ceiro Mundo tenha passado para regimes socialistas, tornan-
aquele em que justamente aparecem os caracteres do subdesen- do-se éstes últimos · então uma das características quase comuns
volvimento, estes dois grupos de países foram dominados pelas ao conjunto dos países subdesenvolvidos. Qualquer que ela
mesmas formas de capitalismo. A instauração do socialismo seja, nenhuma classificação é eterna, e a evolução histórica
em certos países subdesenvolvidos, fato essencial para o futuro, exige sua revisão. No estado presente, a situação de desenvol-
é presentemente muito recente para que eles tenham tido. o vimento e a situação de subdesenvolvimento podem ser consi-
tempo suficiente para se tornarem extremamente diferentes da deradas como as duas categorias primordiais.
parte do Terceiro Mundo onde subsiste o regime capitalista. É, pois, ainda mais indispensável defini-las conveniente-
Assim, no estado atual das coisas, a distinção que existe entre mente. A lista dos quatorze catacteres fundamentais que foi
países desenvolvidos e países subdesenvolvidos pode ser legi- estabelecida fornece uma descrição razoável, sob forma indi-
timamente considerada como a demarcação fundamental que cativa, do conjunto dos países subdesenvolvidos. Ela não pode
divide a Humanidade em duas categorias primordiais. contudo substituir uma definição. Mas, como resultado de uma
A classificação mais eficaz, porque mais conforme com generl!lização progressiva e rigorosa dos fatos, ela fornece os
as realidades atuais, é, pois, a seguinte: materiais desta definição.
·i
J
I'
Países capitalistas
Países desenvolvidos . . . . . . . . { Países socialistas DIVERSAS DEFINIÇOES DE SUBDESENVOLVIMENTO
il
J Países capitalistas ·uma literatura quase pletórica trata dos problemas de
!I j Países subdesenvolvidos . . . . . . 1Países socialistas subdesenvolvimento. Ora, enquanto numerosos autores con-
cordam em reconhecer a ambigüidade da expressão (o que os
dispensa sem dúvida de precisá-la), cada um entre eles lhe
i!- dá um significado particular, e relativamente impreciso. Por
·L ou, se se estima que as diferenças que existem entre os paí-
ses desenvolvidos capitalistas · e países desenvolvidos socia- . outro lado, para alguns muito arbitrários seria subdesenvolvido
listas devem . ser considerados também como primordiais: todo país cuja renda nacional média per capita é inferior a
500 dólares, dizem uns, a 100 dólares dizem outros, a um
quarto da renda nacional dos Estados Unidos, propõem outros ...
Países desenvolvidos capitalistas. É dar uma significação muito grande ao valor dessas rendas
nacionais, cuja avaliação, devido à desarticul~;~.ção das econo-
mias subdesenvolvidas em dois setores antagônicos, tem um
Países desenvolvidos socialistas. significado muito diferente do que pode ter nos países
desenvolvidos.
socialistas "Definição" ainda mais empírica e ainda mais contestá-
Países subdesenvolvidos . . . . . . { vel: seriam subdesenvolvidos os países onde se coloca um pro-
capita1istas
'--------------------------- blema de desenvolvimento, onde o governo realiza uma política

164 165

il
II
de desenvolvimento. Assim, são confundidos abusivamente países hoje desenvolvidos. <1) Enfim, a combinação que é a
países de toda sorte, certos países subdesenvolvidos, países base do subdesenvolvimento comporta fatores fundamentais
desenvolvidos de economia· mais ou menos planificada, e regiões que são eminentemente modernos: forte crescimento demográ-
pioneiras que começam neste momento a se valorizar. fico, tomada de consciência, hipertrofia do setor terciário ...
;!: Muitos autores se limitam a caracterizar o "subdesenvol- Não é pois possível assimilar a situação de ·subdesenvol-
vimento" recorrendo a outras expressões, que empregam cor- vimento a uma simples sobrevivência do passado, nem com-
retamente. Parecem ver nessas, meros sinônimos, apesar de pará-la a um estado vivido outrora pelos países desenvolvidos.
se tratar de termos cujos significados profundos são muito dife- 2) Muitos autores fornecem uma definição estrutural do
rentes. Estes pseudo-sinônimos e termos concorrentes da subdesenvolvimento: são em geral sociólogos. É a justo título
expressão "subdesenvolvimento" são muito variados, o que não
que sublinham, como G. Balandier, o caráter relaciona! do sub-
simplifica nada. Em muitos casos, o recurso a esses sinônimos
desenvolvimento, que corresponderia essencialmente a uma
substitui as definições. Podem portanto ser analisados con-
sociedade dualista: uma sociedade dotada de um forte avanço
juntamente com os· diferentes tipos de definições existente~.
técnológico, organizada numa escala global, entra em contato
Cada um deles atribui implícita ou exphcitamente a responsa-
com uma sociedade dotada de frágeis meios materiais e orga-
bilidade do subdesenvolvimento a uma causa particular. Entre nizada numa escala restrita.
.i as numerosas definições ou acepções é possível distinguir ,vários
li
i grupos mais ou menos diferenciados. É verdade que o problema do subdesenvolvimento nasceu
do encontro de sistemas sociais diferentes, e os problemas
1) Para muitos autores, o subdesenvolvimento pode ·ser relacionais têm aí um papel muito importante. . Mas a história
apreciado tomando como base de referência a evolução histó- oferece um número muito grande de outros casos em que sis-
rica das grandes potências industriais. O subdesenvolvimento temas sociais diferentes entraram em contato em épocas histó-
é então um atraso, a sobrevivência na época atual de condições ricas muito diversas. Estes contatos não deram nascimento ao
econômicas e sociais muito antigas, que os atuais países desen- subdesenvolvimento, exceto quando se produziram numa época
volvidos conheceram outrora: os países subdesenvolvidos são muito recente. Ainda mais, o fenômeno colonial, que constitui
então "países atrasados", "países não evoluídos" (J. Mar- por excelência a relação de sociedades diferentes, é muito ante-
chall). \Y!. Rostow identifica seus caracteres aos que apresen- . rior ao aparecimento da situação de subdesenvolvimento tal
tava antigamente a "Sociedade tradicional". · Para numerosos como foi descrita. Enfim, a noção de sociedade dualista é muito
: 1.1·
. ' autores, subdesenvolvimento é sinônimo de "situação pré-in- contestável numa grande parte do Terceiro Mundo: a Amé-
.i dustrial", o que seria um fenômeno extremamente antigo: "O rica Latina (exceto as regiões de intenso povoamento indíge-
I· I subdesenvolvimento existe há milênios" (A. Piatier). "O sub- na) foi praticamente povoada oelo fenômeno colonial. O anta-
!.
desenvolvimento é tão antigo como a humanidade" ( Lebret). gonismo entre sociedade moderna e sociedade tradicional é,
É verdade que a situação de subdesenvolvimento apresenta pois, muito artificial neste caso . . Não é, pois, possível fundar
características muito antigas (a fome, deficiências da popula- sobre o dualismo sociológico uma definição satisfatória do
ção) ou que são uma herança do passado. Contudo, estas sobre- subdesenvolvimento.
vivências são muito pouco numerosas e é importante não esque- Os economistas também fornecem definições estruturais.
cer que as "estruturas tradicionais" estão hoje deslocadas e O subdesenvolvimento é então definido por um dualismo eco- ·
que não ·restam senão vestígios delas. De outra parte, é ine- nômico. Para E. Gannagé, "um país subdesenvolvido é um
xato identificar as características atuais dos países subdesenvol- país caracterizado pela coexistência de dois sistemas econômicos
I. vidos com as que · existiam antes da Revolução Industrial nos
países hoje desenvolvidos. S. Kuznets foi um dos primeiros
I (I) S. KUZNETS, "Under Developed Countries and the Prcin-
a sublinhar as diferenças fundamentais que opõem o presente dustrial Phasc in Advance Countries", Congres Mondial de la Popu-
I dos países subdesenvolvidos ao passado pré-industrial dos lation, Roma, 1954, t. V ., 947-970.
!
166 . 167
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I,.
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e sooa1s totalmente diferentes e cuja interação dos elementos que a quase totalidade dos países subdesenvolvidos é (ou foi
estruturais é o comportamento normal". (1) até uma época recente) explorada e dominada, e sua economia
Como as definições baseadas sobre o dm:>lismo social, as foi deformada, mas esta exploração começou bem nntes que
que repousam sobre a verificação do dualismo econômico não aparecesse o subdesenvolvimento: os países colonizados foram
são senão parciais. Elas não vêem senão uma parte das carac- explorados desde os séculos XVIII-XIX; só apresentavam
terísticas essenciais do subdesenvolvimento. O crescimento entao uma parte das características de subdesenvolvimento.
demográfico, que é um fato primordial, não é tomado em con- ~lguns destes tra~os primordiais, c_omo o crescimento demográ-
sideração. E ainda, historicamente, o estabelecimento do dua- fico acelerado, so apareceram ma1s tarde. Alguns países se
lismo econômico da colonização, nos séculos XVIII-XIX, quer libertaram da dependência em que estavam e não são mais hoje
dizer, numa época nitidamente anterior ao aparecimento da nem explorados nem dominados, mas terão de enfrentar ainda
situação de subdesenvolvimento. por um longo tempo os difíceis problemas do subdesenvolvi-
Por outro lado, se essas definições baseadas no dualismo mento. Ainda uma vez esta definição peca cronologicamente
sociológico e econômico pecam pelo excesso, pois não atingem pelo excesso e pela insuficiência.
somente o subdesenvolvimento, mas também fenômenos que 4) Para V. Dominique O) "o subdesenvolvimento é con-
lhe são anteriores, pecam no mesmo tempo por ausência. Assim, temporâneo do capitalismo". "Um país subdesenvolvido se
o dualismo econômico e sociológico foi praticamente suprimido caracteriza .por um atraso das forças produtivas ,= humanas cau-·
em certos países, como a China, por exemplo e, contudo, ape- sa~o pelas 1 relações de produção atrasadas em :relação à.s que
sar dessa transformação, a situação de subdesenvolvimento não extstem nos países avançados." Apesar do seu interesse ( ela
deixa de subsistir. apresenta uma grande utilidade na análise das causas remotas
3) Para numerosos autores, a expressão subdesenvolvi- do subdesenvolvimento) , esta definição não é satisfatória. De
mento não passa de uma maneira de designar o fenômeno da um~ ~arte, o . subdesenvolvimento não é contemporâneo do
exploração colonial. Para Toynbee e P. Moussa, os países sub- capttahsmo, pms a aparição deste último é muito anterior à
desenvolvidos são "Nações proletárias" . Esta expressão foi do sub~e~envolvimento. Na verdade, as relações de produção
criticada precedentemente (ver pág. 18). Para Ch. Bettelheim, que ex1st1am em numerosos países antes de sua colonizacão
"o termo país subdesenvolvido é um tênno nôvo, que designa eram "atrasadas", mas a combinação de caracteres que ap.re-
"uma realidade relativamente antiga" o • "Se os problemas
• s_e~tavam estes país.es era muito diferente da que apresenta
I' dos povos mais deserdados são designados pela expressão pro- hoJe o _sub?ese?.volvm:ento. A noção de atraso das relações de
blemas dos 'países subdesenvolvidos' e não por uma outra pr?duçao e alias multo fraca para exprimir a realidade das
expressão cientrficamente mais exata, isto se deve ao esforço c01sas. Os conceitos de exploração e de dominacão são bas-
consciente ou inconsciente, pouco importa, de mistificação da tante mais satisfatórios. Outra dificuldade: historic;mente nem
ideologia burguesa" o "De um ponto de vista científico, é
• • todo atraso ~as relações de produção implica na existên~ia de
necessário substituir a expressão países subdesenvolvidos pela St_:bdesenvolvtmento. Ainda mais, os países subdesenvolvidos
expressão mais exata de países explorados, dominados e defor- nao se caracterizam essencialmente por um atraso de todas as
mados economicamente" . <Zi r;lações ~e prod:rção: os grandes trustes que se implantaram
É exato que numerosas definições do subdesenvolvimento, a1 não sao espectalmente casos de formas de atraso. Enfim
assim como numerosos estudos sobre os problemas dos países o?s~rvação id~ntica à que foi feita a respeito de outras defi~
subdesenvolvidos, se parecem muito com empresas de mistifica- mç~e~, um pa1s p~de ter substituído relações de produção retat-
ção, que têm por objetivo dissimular a exploração, fato essen- dat~rtas por relaçoes ,basta? te avançadas (caso da China atual)
cial de que são vítimas os países do Terceiro Mundo. É fato e nao ter contudo satdo amda do subdesenvolvimento.

( 1) E. GANNAGÉ, obra citada. (!) V. DOMINIQUE, ."Note sur la définition et sur I' origine du
(2) Ch. BETTELHEIM, obra citada. sous-developp<"ment", Econ.omze et P,olitique, fevereiro de 1959.

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- - -- - ---- - -- -- - - - - - - - - - ---- ~~---~-~~-~~-~-----.,

5) A expressão subdesenvolvimento é muitas vezes usada outra coisa é chamado Je subdesenvolvido. . . A análise dos
para designar a inferioridade de um país em relação a outros caracteres do Terceiro Mundo mostrou contudo a amplidão e o
i
'I Estados: "Um país subdesenvolvido é um paí~ que, em média, número de diferenças fundamentais que separam os países
i oferece a seus habitantes bens de consumo e um conforto ma- desenvolvidos dos subdesenvolvidos: uma verdadeira definição
terial sensivelmente inferior àqueles fornecidos nos países de- do subdesenvolvimento deve, pois, trazer à luz esta diferença
senvolvidos" ( Buchanan e Ellis ) . UJ "O subdesenvolvimento qualitativa.
se liga simplesmente a um baixo nível de realização econômica Ligar o subdesenvolvimento a uma diferença quantitativa,
e técnica" (Bauer e Yamey). <2l P. Moussa assinala, como um a uma distância que separa o Terceiro Mundo dos países avan-
"
dos sentidos da palavra subdesenvolvimento, termo compara- çados, não leva em conta toda uma parte das características que
tivo, a inferioridade em relação a outros países: "uma nação
I subdesenvolvida não pode se definir senão em relação a uma
nação d~senvoÍvida" ( 3 ). Mas tais apreciações não podem ser-
são, contudo, fundamentais e que estão reunidas na combinação
que forma o subdesenvolvimento. Se os países só são subde-
senvolvidos devido ao avanço feito pelos outros, isto implica
vir como verdadeiras definições. Com efeito, sobre que bases que os primeiros seriam ainda mais ou menos estáticos e essen-
. apreciar as inferioridades relativas? . cialmente definíveis por caracteres antigos tradicionais. Ora, a
A renda nacional? É um péssimo critério e muitos países importância capital de suas características eminentemente mo-
incontestavelmente desenvolvidos têm uma renda nacional infe- dernas foi sublinhada precedentemente. Por outro lado, esta
rior à dos países subdesenvolvidos cuja renda nacional é aumen- concepção relativa e quantitativa do subdesenvolvimento não
tada por exportações e importações desmesuradas. leva absolutamente em conta que estes países são subdesenvol-
Brian J. L. Berry <4 > tentou uma abordagem matemática vidos devido, em parte, às relações que travaram com os países
· extremamente complexa de 31 índices (transporte, energia, desenvolvidos.
rendimentos agrícolas, índices de consumo, renda nacional, co- · A desigualdade quantitativa das nações, suas tiquezas
mércio etc.) para 95 Estados. Os resultados deste trabalho não maiores ou menores, é enfim um fenômeno muito antigo. Há
deixam de ter interesse: os Estados são classificados uns em muito tempo que as populações são mais ricas; mais equipa-
relação aos outros. Mas como indica o autor, existem várias das umas que as outras; a situação presente de subdesenvol-
classificações possíveis e cada uma repousa sobre a combinação _vimento não pode ser confundida com esta desigualdade que
de índices cujo valor estatístico é contestável e que são arbi- se poderia chamar normal. Por outro lado, de mp ponto de
trariamente escolhidos. Depois, onde passar a demarcação que vista estritamente estatístico, os países subdesenvolvidos não
delimitará no ponto mais alto a categoria dos países subdesen- são quantitativamente inferiores em todos os pontos, pois suas
volvidos? A distinção entre desenvolvimento e subdesenvolvi- taxas de crescimento demo~ráfico são geralmente superiores às
mento torna-se então essencialmente arbitrária e relativa. No dos países desenvolvidos. Este fato sublinha a natureza original
seu limite, esta concepção relativista do subdesenvolvimento e nova da desigualdade entre os Estados. A desigualdade quan-
I chega a esvaziar esta noção de todo conteúdo. Isto explica o titativa, medida por diversos índices, não é senão um dos
:,,
;! emprego desastroso do termo subdesenvolvimento como o sinô- aspectos das oposições que existem entre os países do Terceiro
nimo em moda do adjetivo inferior. Tudo o que é menos que Mundo e os países desenvolvidos, é de fato uma conseqüência
de suas diferenças qualitativas fundamentais.
( 1) BUCHANAN e ELLIS, Approach to Economic Development, 6) Para um grande número de autores, são subdesenvol-
Nova Iorque, 1953, pág. 494. vidos os países que "não utilizam seus recursos naturais segundo
(2) BAUER e YAMEY, The Economics of Under Developed os métodos mais econômicos da tecnologia contemporânea". OJ
Countnes, 1957, pág. 271. "Um país se encontra em situação de subdesenvolvimento desde
(3) P. MOUSSA, Les nations prolétaires.
( 4) "An Introductive Approach to the Regionalization of Eco-
nomic Development", in Geography and Economic Development, ( 1) FURTH, Notes sur quelques problemes du dével,oppement
Chiçago, 1960. économique, Cahiers I.S.E.A., série F., junho de 1956.

170 171

I .
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que os recursos naturais e humanos suscetíveis de serem valori- subdesenvolvidos a população diminui e, em compensação na
zados não são suficientemente explorados" (Ledt1c). "Consi- maioria a mortalidade recuou consideravelmente. f: verdade
'I:.' deramos como insuficientemente desenvolvidos todos os países que o subdesenvolvimento S\! caracteriza entre outras coisas
que, num momento dado, não utilizam plenamente os recursos pela miséria, mas nem todas as misérias são subdesenvolvidas.
em homens e em capital existentes sobre seu território" (A. Definir os países subdesenvolvidos somente por suas mi-
Philip). n> O subdesenvolvimento seria assim a inferioridade sérias negligencia alguns de seu~ caracteres não menos funda-
em relação ao possível. mentais: o rápido crescimento da população, devido a uma
De fato, sublinhamos que o desperdício é grande nos baixa sensível ela taxa de mortalidade, obtida apesar da per-
países subdesenvolvidos e que importantes recursos são aí ne- sistência da miséria.
gligenciados. Mas, se todo país que não utiliza a to.talidade
de seus recursos é subdesenvolvido, é preciso então concluir
que todC's os Estados do globo, inclusive os mais poderosos ou O SUBDESENVOLVIMENTO,
os mais ativos, pertencem ao Terceiro Mundo. Uma tal defi- DESEQUILíBRIO INTERNO
nição é absurda. Por outro lado, como conhecer as possibili-
dades e ~atas de um país subdesenvolvido, levando-se em conta Estes tipos de definições ou acepções do subdesenvolvi-
·I o carát•:r tão sumário da prospecção? mento são, pois, muito variados. Se alguns são bastante arbi-
Er .fim, numerosos autores vêem no subdesenvoívimento trários ou subjetivos, a maioria possui elementos positivos.
I uma ir fetioridade em relação ao que é necessário aos homens. Apesar de sua diversidade, essas definições apresentam caract<:-
"Um país subdesenvolvido é caracterizado pela pobreza das rísticas comuns. De uma parte, elas não levam em conta senão
I
I
massa·. que é crônica" (E. Staley). <2 > "Quando emprego o
termr subdesenvolvimento, escreve G. Myrdal, ele deve ser
uma parte do subdesenvolvimento e negligenciam certos fatores
primordiais, particularmente o forte crescimento demográfico.
comr reendido como sinônimo de pobre." Para F. Perroux, o De outra parte, essas definições não se aplicam só a situação
subcesenvolvimento é "uma economia onde os custos do Homem de subdesenvolvimento; englobam também situações bem mais
nãa são cobertos: custos que o impedem de morrer, que lhe antigas, que são muito diferentes. O aparecimento recente de
garantem uma vida física e mental mínima, um mínimo de fatores primordiais na combinação que forma Q subdesenvolvi-
lazer". <S> mento impede-nos de considerá-lo como muito antigo ou eterno.
As postulações dos países ~ubdesenvolvidos se caracteri- Enfim, nenhuma dessas definições apreende os países sub-
zam evident:::mente por graves deficiências e por uma grande desenvolvidos em si mesmos, levando em conta suas realidades
insuficiência alimentar. Contudo, como definir o "Necessário"? internas. Todas essas definições apreendem os países do Ter-
'! Esta noção é extremamente relativa. Todas as categorias sociais ceiro Mundo do exterior, e estes só são definidos relativamente
dos países desenvolvidos dispõem verdadeiramente do neces- a realidades que lhes são estranhas: assim, os países subdesen-
sário? O necessário pode na verdade ser definido no seu limite volv~dos estão a_tra~ados em relação à evolução dos países desen-
pelo que é indispensável para manter viva uma população: para vo_lvtdos; quantltattvamente, são inferiores ao que não é o Ter-
Perroux, os "custos do Homem" não são em primeiro lugar cetro Mundo; suas relações de produção estão atrasadas em
"aquilo que o impede de morrer"? Ora, em alguns países relação às dos países desenvolvidos; são dominados e explora-
~os pelo. estrangeiro; seu dualismo econômico ou sociológico é
tntroduztdo do exterior.
( 1) A. PHILIP, Histoire des faits économiques et sociaux,
Aubier, 1963, pág. 235. Enfim, o subdesenvolvimento apreciado como uma infe-
(2) E. STALEY, The Future of Under Developed Countries, rioridade_ em relação ao possível e ao necessário, que são de
Nova Iorque, 1954, pág. 4 10, t. 2. fato noçoes vagas e abstratas, é ainda uma forma de definir o
(3) F. PERROUX, "Les coúts de l'Hommc", P.con,omie appliquse, subdesenvolvimento em relação a outra coisa, isto é, em rela-
• 1952. ção ao exterior. A maioria dos autores não chega a apreender ·
I ·1
172 173
as realidades dos países subdesenvolvidos senão do exterior. indiana mais do que dobrou? Ela sem dúvida agravou-se em
Ora, o subdesenvolvimento, que é urqa categoria primordial, valores absolutos de uma maneira sensível (rações alimentares
separada da situação de desenvolvimento por uma profunda diminuídas, por exemplo), mas essencialmente por causas que
diferença qualitativa, não pode ser definido convenientemente hoje são internas . Da mesma maneira, o crescimento dos Esta-
pela simples referência a outra categoria fundamental. O sub- dos Unidos ou dos outros países desenvolvidos resulta princi-
desenvolvimento não é simplesmente um atraso, uma distância palmente de causas internas. É verdade que entre as causas das
que não se poderia apreciar senão em relação às condições dificuldades dos países subdesenvolvidos, a parte dos fatores
econômicas e sociais dos países desenvolvidos. Se o subdesen- externos é bem maior; contudo, as causas internas são prepon-
volvimento tornou-se um dos problemas maiores, se não () derantes, a despeito da importância que é necessário reconhecer
principal, do mundo atual, não é porque alguns países do globo ao fenômeno relacional.
registram um crescimento econômico considerável, nem porq.ue É fato que as influências exteriores tiveram e têm ainda
as populações do Terceiro Mundo perceberam que eram mmto um papel muito importante nos países subdesenvolvidos. De-
mais desfavorecidas que a dos países desenvolvidos . As difi- vem-se a elas a orientação centrífuga e hipertrofiada do setor ter-
culdades das populações subdesenvolvidas não resultam sim- ciário, a situação de dependência econômica, o reforço das
plesmente do efeito de demo11stração, nem de seu desejo de desigualdades 'iociais, o deslocamento das estruturas tradicionais,
ascender a um nível de vida melhor. a tomada de consciência das populações e sobretudo a amplia-
O problema do subdesenvolvimento é um gravíssimo pro- ção do crescimento demográfico.
blema mundial, pois um número enorme de Estados, reunindo Mas esta influência dos fatores externos só pôde ser tão
cêrca de três quartos da humanidade, conhece consideráveis difi- grande em razão das características internas dos países sobre
culdades internas, que se traduzem entre outras por uma tensão os quais se exercia. Cem efeito, os fenômenos relacionais não
internacional. A melhoria do rúvel de vida nos países desen- afetaram senão os países que hoje são subdesenvolvidos. A
volvidos não conduz objetivamente a um agravamento das difi- propagação da econÕmia moderna através do mundo efetuou-se
culdades nos países subdesenvolvidos. É verdade que capitais a partir das I lhas Britânicas, onde apareceu em primeiro lugar,
são transferidos dos países do Terceiro Mundo para os países de um lado, na Europa Ocidental e, depois, na América do
desenvolvidos. Mas por mais pesado que seja o efeito de tais Norte e, de outro lado, no resto do mundo. Segundo os
transfer.õncias pata os primeiros, estas somas não representam países, as conseqüências do fenômeno reladonal foram radi-
senão urna fração mínima das rendas nacionais bem fortes de calmente diferentes : na Europa Ocidental ou na América do
que dispõce1 os países desenvolvidos. Estes se desenvolvem Norte, as influências exteriores enraizaram-se rapidamente e o
cada vez mais baseados em si mesmos: basta notar no comércio desenvolvimento econômico tornou-se um fenômeno autônomo.
internacional a parte crescente das trocas realizadas entre Apesar do papel considerável que representou no começo, o
países industrializados. O aumento do nível de vida nos países fenômeno relacional praticamente desapareceu sob o impulso
desenvolvidos capitalistas procede muito secundariamente hoje econômico a que deu nascimento. Ao contrário, nos países
em dia das retiradas que realizam sobre a economia dos países que são hoje subdesenvolvidos, as influências externas não se
subdesenvolvidos. Esta verificação não permite minimizar o naturalizaram; não provocaram o nascimento senão de uma
efeito negativo considerável que 'essas transferências provocam economia moderna restrita e incompleta, ainda essencialmente
nos países de baixa renda nacional. · dependente do exterior.
A concepção relativista, que não estuda o subdesenvolvi- É verdade que a maneira como se realiza o contato explica
mento senão em função da separação que existe entre os países em parte as diferenças de resultado. Os países colonizados
desenvolvidos e os subdesenvolvidos, conduz às v..:zes a con- foram submetidos na sua maioria pela violência à dominação
clusões absurdas: porque em 1938 a renda nacional ter capita colonial. Mas os resultados não foram melhores nos países
da ínclia era 15 vezes menor que a dos Estados Unidos e por- que não foram colonizados (Espanha, Turquia etc.) e que não
que é hoje 35 vezes menor, é necessário admitir que a miséria são menos subdesenvolvidos" Além do mais) as relações entre

174 175

'_ _ _ _ _ _ _ _ _ _
os países que são hoje desenvolvidos não estiveram sempre Os elementos que constitmrao a definição da situação de
isentas desta violência que caracterizou em parte o contato subdesenvolvimento não poderão ser escolhidos a priori, devem
colonial. Assim a Inglaterra e a França enfrentarám-se primei- proceder da generalização dos fatos concretos observados nos
ramente em duras e longas guerras, depois num antagonismo países do Terceiro Mundo. Esta generalização levou a uma
dissimulado, o que não impediu a propagação dos germes do enumeração de quatorze caracteres gerais. Seu número é muito
desenvolvimento de um a outro e sua implantação no país elevado para que possam se colocar numa definição que não
cujo crescimento econômico tinha sido menos precoce. seja uma descrição. É pois necessário escolher entre eles aqueles
As diferenças enormes que se manifestam segundo os que são primordiais e absolutamente específicos da combinação
países nos resultados deste grande fenômeno relaciona!, pelo que forma o subdesenvolvimento.
qual se realizou a mundialização da economia moderna, expli- Esta é com efeito constituída por elementos que não têm
cam-se numa grande medida pelas condições internas bastante todos o mesmo peso ( alguns são somente a conseqüência ou
dessemelhantes que existiam nos países antes de se porem em a resultante de outra característica), nem a mesma antiguidade.
contato. Os fatores internos ocupam na situação de subdesen- Dessas quatorze características, dez não são historicamente espe-
volvimento um lugar bem mais importante que aquele que se cíficas da situação de subdesenvolvimento. Estas características,
reconhece numa primeira impressão. com exceção do intenso crescimento demográfico e da tomada
Contudo, nos paÍ3es subdesenvolvidos, muitos caracteres de consciência das populações, originaram-se de situações hoje
importantes são herança ainda viva de uma influência exterior modificadas: algumas são extremamente antigas (insuficiência
que deixou de se exercer (vestígios de antigas dominações colo- alimentar, deficiências das populações), outras foram trazidas
niais) e que de fato se transformaram em elementos internos. pela colonização dos séculos XVIII ou XIX (hipertrofia do
Contudo, algumas influências exteriores atuais só provocam con- setor terciário, situação de subordinação econômica, estruturas
seqüências consideráveis na medida em que os dados internos tradicionais deslocadas etc.).
multiplicam seus efeitos: assim, por exemplo, a revolução mé- Sendo um traço essencial, o lento crescimento dos recursos
dica é essencialmente, nos países subdesenvolvidos, o resultado de que dispõe a população é em parte uma característica muito
de uma influência externa_ Mas as conseqüências desta revo- antiga, e sobretudo uma conseqüência do fenômeno colonial.
lução médica induzida no Terceiro Mundo só são grandes de- Mas a estes caracteres mais ou menos antigos vieram se ajuntar
vido a um fator interno maior : a n~talidade muito alta que, caracteres primordiais que são bastante recentes: o aumento
combinada aos efeitos dos melhoramentos senitários, provoca do crescimento demográfico e a tomada de consciência das po-
um crescimento demográfico considerável. Este caráter essen- pulações. A extrema originalidade dessa situação que forma o
cial dos países subdesenvolvidos resulta parcialmente, pois, de subdesenvolvimento é que o forte crescimento demográfico,
um fator externo e pode ser considerado numa grande medida este elemento moderno, se tenha reunido a um conjunto de
como um fenômeno interno. fatores que até então tinham justamente impedido o aumento
Por todas essas razões, as dificuldades dos países subdesen- da população. Estes caracteres antigos se combinam uns com
volvidos parecem resultar em grande parte de causas internas e os outros para constituir uma situação que se pode chamar de
de fatores externos, cuja força não seria tão grande em outro "colonial". A adição de um só fator, o crescimento demográ-
contexto. O conceito de subdesenvolvimento não pode, pois, fico, aos numerosos elementos antigos, bastou para modificar
ser principalmente estabelecido em relação a outros países ou fundamentalmente seu significado e para dar nascimento a uma
em relação a critérios abstratos ou arbitrários. O subdesenvol- situação absolutamente nova e paradoxal: o subdesenvolvimento.
vimento não é um valor relativo, mas sim, em cada Estado do Situação paradoxal com efeito, pois à diferença das outras
Terceiro Mundo, uma situação concreta, um fato interno. A situações antigas ou presentes, que são (ou foram) relativa-
definição do subdesenvolvimento deve, portanto, repousar sobre mente coerentes e equilibradas, o subdesenvolvimento carrega
a tomada em consideração de fatores internos entre os quais uma contradição maior: aos caracteres antigos, que se combi-
alguns podem ser em parte conseqüência de influências externas. nam para, no fim das contas, frear o crescimento da produção,

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o que normalmente durante milênios bloqueou o crescimento prio de cada país do Terceiro Mundo não está em contradição
demográfico, ajunta-se, não obstante, um dado moderno que com nenhuma das outras definições existentes; algumas apare-
é o aumento maciço da população. cem como explicações mais ou menos pardais, a maioria torna-
Somos também levados a dar ao termo subdesenvolvi- -se conseqüência inelutável da definição fundamental: é evi-
mer:to .um significado sensivelmente diferente dos que lhe são dente que um país cujos recursos crescem menos rapidamente
?rdu~anamente dados . A expressão é de fato comparativa; que a população apresenta um nível de desenvolvimento infe-
1r:1phca numa infer.ioridade. "Ele indica que o país atingiu um rior ao necessário, ao possível e enfim inferior ao de outros
mvel de desenvolvimento inferior, mas inferior a quê?", escre- países que não são atingidos por esse desequilíbrio interno.
ve P . Moussa, que resume o problema tal corno é habitualmente Enfim, esta concepção dá ao subdesenvolvimento uma
colocado : "Inferior ao possível? Inferior ao necessário? Ou dimensão histórica absolutamente nova. A situação de subde-
ír:ferior aos _ou~r?s países?" <lJ Vimos anteriormente que estes senvolvimento definida como um desequilíbrio interno crescente
diferentes s1gruflcados do subdesenvolvimento eram extrema- entre o número de homens e o volume dos recursos de que
mente contestáveis e que conduziam mesmo muitas vezes ao dispõem, não pode absolutamente mais ser confundida com a
absurdo . Vimos igualmente que o subdesenvolvimento deveria miséria "tão velha como a Humanidade" ; fato entristecedor
ser estudado como um fenômeno interno. A inferioridade do mas comum. O subdesenvolvimento aparece como um fenô-
nível . de desenvdvimento atingido pelo país em pauta deve ser meno quase monstruoso, absolutamente ·novo na história dos
ap.ree1ada, não em relação ao exterior ou a um critério abstrato, homens.
mas em relação a um poderoso fator interno: o crescimento
demográfico. _É, pois possível estabelecer uma definiçã0 válida UM DESEQUILÍBRIO RECENTE QUE NAO
do subdesenvolv1mento, sem ter de se referir nem a um critério PODE SER DURADOURO
~bstrato ~err~ ao esttangeiro, baseando-se na comparação de
ouas reahdades internas, próprias a cada país: o crescimento A fome, a miséria, a doença, não são historicamente espe-
da população e o crescimento dos recursos- de que ela dispõe cíficos do subdesenvolvimento. Elas caracterizam também
efetivamente. • períodos extremamente longos do passado de todos os países:
Fundamentalmente, o estado de subdesenvolvimento de
durante miíênios , o crescimento demográfico foi extremamente
um país pode se definir como umtz situação caracterizada por
baixo e estreitamente dependente do crescimento econômico.
uma distorção durável (ar.< uma !?":dência à distorção) entre Todas as fases de cresc.mento relativamente rápido da popula-
um crescim~nto demográfic,~ relativamente intemo e um argu- ção, a do Neolítico, dos meados da Idade Média, por exemplo,
mento relatzvamente fraco do:; recursos de que dispõe efetiva- aparecem condicionadas por um aperfeiçoamento dos meios de
mente a população, produção e por um aumento dos recursos disponíveis . Periodi-
camente, apesar do freio de uma importante mortalidade, o
Esté'. definição de subdesenvolvimento apresenta muitas efetivo da população tendia a ultrapassar o nível autorizado
vantagens: _ ~ situação de subdesenvolvimento pode ser objetiva- pelo volume das produções. Este desajustamento era de curta
mente ver1f1cada num país, como um fato interno Bem ser ne-
/
cessar1o. recorrer a' comparaçao
.~ '
com as características de outro
duração pois, logo em seguida, um período de fome e sobretudo
de epidemia vinha "desbastar" brutalmente o excesso de popu-
p~ís. Esta definição genética repousa na desigualdade do dina-
lação, restabelecer o equilíbrio, diminuindo às vezes os efetivos
mlsmo de dois fatures primordiais de toda economia : os homens bem abaixo do nível autorizado pelo volume das colheitas.
e os recursos. Esta desigualdade essencial é o resultado de todos Esta situação que se poderia chamar de "tradicional" era pois
os fatores gerais que foram reunidos como características funda- fundamentalmente caracterizada pelo estreita ajustamento entre
mentais do conjunto dos países subdesenvolvidos. Esta concep-
o crescimento demográfico e o crescimento econômico. O
ção do subdesenvolvimento enquanto desequilíbrio interno pró- equilíbrio de miséria que daí resultava acompanhou durante
milênios a evolução da Humanidade até um período relativa-
( 1) P. MOUSSA, obra citada. mente recente.

178 179
A parti~ dos princípios do século XIX, a Europa Ocidental Assim, a "situação tradicional" deu lugar, numa pequena parte
come.çou a viver uma situação absolutamente nova : o lentíssimo do globo, Europa Ocidental, América do Norte e alguns outros
crescimento econômico que existira até então, entrecortado de países, a uma situação fundamentalmente caracterizada pelo
algumas fases de progresso um pouco mais ránido foi substi- crescimento econômico bem mais rápido a longo termo que o
tm'do por uma <:xp~nsão da produção, cujo ritmo~ '
cresceu rapi- crescimento demográfico.
?ament~ para atmgtr uma potência extraordinária: a revolução
mdustnaL A curva de aumento da produção "decolou" lite- A "situação tradicional", caracterizada pelo estreito ajus-
ralmente e, ~pes~r de um crescimento demográfico acelerado, tamento do crescimento dos recursos e das populações, mante-
as rendas nac10na1s aumentaram mais rapidamente que a popu- ve-se numa grande parte do mundo, a que deveria se tornar o
la~ão, cujo _nível de vida aumentou. Este aumento do consumo Terceiro Mundo, até uma época muito recente. A implantação
fo1 contudo estrangulado por diferentes meios durante um do sistema colonial não modificou t:ste ajustamento: apesar de
tempo bastante longo. Investimentos consideráveis puderam ser as retiradas efetuadas pelos colonizadores ultrapassarem o vo-
rea!izado~ e o impulso econômico aumentou sua potência ainda lume do ligeiro crescimento econômico para cujo aparecimento
mais raptdamente. Tendo a população diminuído seu ritmo de haviam contribuído, a população diminuía. Assim, na América
cr~scimen~o por ~otivos complexos enquanto as rendas nacio- Latina, a parte do mundo colonizada em primeiro lugar, a redu-
nais cresciam consideravelmente, o nível de vida melhorou desde ção constante dos efetivos levava a utilizar o recurso do sistema
então _:apidamente;. apesar da }nc.idêncía das crises de super- de comércio de escravos retirados das populações africanas. A
produçao, o crescimento econom1co continua sua expansão. difusão da economia moderna, num primeiro tempo, não mo-
dificou este equilíbrio entre o volume e os recursos de que ela
Situação de dispunha. Mas, durante este período, constituíram-se progres-
desenvolvimento
sivamente estruturas econômicas e sociais -cujo efeito hoje é
---~ Proqução entravar consideravelmente a valorização das riquezas existentes
Deslocação ........· e impedir o aumento dos recursos para a grande massa da po-
Situação pulação. Mas, como - vimos, a difusão da economia moderna
tradicional provocou inelutavelmente transformações sanitárias. Por muito
tempo estas foram limitadas a uma pequena parte da população
População
(europeus, privilegiados) e seus efeitos foram restritos. Mas
as transformações econômicas e sociais obrigaram- a um alarga-
XVIII século XIX século XX século mento do esforço médico para populações cada vez mais nume-
País desenvolvido (tipo Europa ocidental) rosas; o aparecimento de medicamentos e substâncias novas
extraordinariamente eficazes provocou a queda da mortalidade -
Situação de e, conseqüentemente, pois a natalidade conservou-se muito forte,
subdesenvolvimento
um enorme excedente demográfico. O subdesenvolvimento é,
Situação População
,. pois, uma situação dominada por uma grave contradição interna:
tradicional Revolução ,, de uma parte, ela provoca necessariamente o crescimento rápido
sanitária
das populações; de outra, entrava o crescimento econômico que
lhes pennitiria atender suas necessidades.
O desa;uste que existe hoje entre o crescimento demográ-
fico e o marasmo relativo da produção determina a extraordi-
nária originalidade histórica do subdesenvolvimento. Trata-se
de um fenômeno absolutamente novo na história da humani-
Fm. 4. - Esboço esquemático do crescimento da população dade. Até então, o crescimento lento de seus efetivos tinha
e das produções
l sem-pre sido condicionado por um crescimento econômico pro-·

I 180 -
181
I
J
J-
...,..,..-- - -- -- - -- -- - -- - - --- -- -

porcionaL As duas curvas, a do crescimento demográfico e a do ps coisas como estão, o aumento da população vai ainda se
crescimento econômico, que estiveram estreitamente ajustadas Intensificar no futuro. Ao mesmo tempo, o crescimento eco-
durante milênios, ao preço de eliminações repetidas dos excessos nômico já insuficiente vai aumentar seu atraso em relação ao
de população, só estiveram dissociadas de uma forma favorável crescimento demográfico e quanto maior for este atraso mais
com o crescimento da situação de desenvolvimento num pe- difícil será vencê-lo, pois o crescimento demográfico áumenta
queno número de países. como uma bola de neve rolando sobre um declive nevado. A
Este extraordinário e catastrófico desajustamento que é o diminuição do crescimento demográfico, pelo reaumento da
subdesenvolvimento_ não pode, evidentemente, ser uma reali- mortalidade no conjunto do Terceiro Mundo, é muito pouco
dade antiga, e por mais forte razão, eterna. É um fenômeno provável a médio termo; por meio da diminuição da taxa de
recente, que apareceu em épocas um pouco diferentes segundo natalidade, não será lograda sem um certo aumento precedente
os países. Esquematicamente, é possível coincidir seu apare- do nível de vida das populações e sem um melhoramento de
cimento nos países do Terceiro Mundo com a época em que o suas condições de existência. Estas precedências serão tanto
crescimento demográfico tomou um ritmo rápido, absoluta- mais difíceis de serem atendidas quanto mais a massa dos mise-
mente novo. Em alguns países, aqueles cuja taxa de cresci- ráveis aumentar e seu número se multiplicar rapidamente.
mento natural se tornou muito forte (mais de 2,5% por ano), Assim, o desequilíbrio entre o crescimento demográfico e o
o subdesenvolvimento parece datar de uns quarenta anos. -Em crescimento econômico tende a aumentar rapidamente.
outros países, o desajuste é bem mais recente. "Em 25 anos , E evidente que este monstruoso desequilíbrio, de aparição
o mundo sofreu a maior transformação que jamais conhecera". <lJ relativamente recente, não pode ser duradouro. Nas suas atuais
O aparecimento do subdesenvolvimento foi desencadeado condições, os países subdesenvolvidos se encaminham a prazo
pela revolução médica e pelo crescimento demográfico que se mais ou menos longo para a catástrofe. Outrora, quando num
:i lhe seguiu, mas ele foi preparado por uma evolução complexa país ou numa região a população crescia um pouco mais rapi-
durante vários séculos. Com efeito, o subdesenvolvimento não damente que o autorizava o crescimento econômico, quando os
é somente um fenômeno demográfico, da mesma maneira que efetivos ultrapassavam o limite imposto pelo volume. dos recur-
não é apenas um fenômeno de atraso econômico. Por primor-

I
I sos, o ajuste não tardava; muitas vezes as epidemias mantinham
dial que seja, o fator demográfico não é o único. O crescimento o número de homens bem abaixo do máximo que poderiam
demográfico não é grave em si mes.mo; em numerosos países atingir teoricamente. Hoje, a amplidão do desequilíbrio é
I subdesenvolvidos a taxa de crescimento natural é ainda inferior incomparável com o que podia ser antigamente. O crescimento
a dos países desenvolvidos-, cujo nível de vida cresce rapida- demográfico pôde atingir um ritmo pelo menos dez vezes mais
mente. O globo pode alimentar teoricamente 15 a 20 bilhões rápido, e isto num período relativamente longo. Em cada país
de homens. O aumento da população não é catastrófico senão subdesenvolvido, o "excedente" é incomparavelmente mais
na medida em que não é acompanhado por um aumento dos importante do que podia ser anteriormente e será ainda mais
recursos. Os freios econômicos e sociais que, de longa data considerável num futuro próximo.

Ir agenciados, entravam a· crescimento econômico, constituem


outro fator primordial do subdesenvolvimento.
A miséria de outrora era uma miséria equilibrada, no sen-
o desequilíbrio só pode ser resolvido de duas maneiras:
a primeira é a que serviu durante milênios: a eliminação. Adia-
da durante alguns decênios, será tanto mais colossal por não
tido de que o número de miseráveis só crescia em pequena afetar ao mesmo tempo somente alguns países, como no passado,
escala ou mesmo não crescia. A miséria de hoje, própria do mas porque se realizará mais ou menos ao mesmo tempo na
subdesenvolvimento, corresponde a um desequilíbrio acumula- maior parte do globo e porque suprimirá "excedentes" conside-
tivo. E mais: o efetivo das populações subalimentadas e doen- ráveis. As convulsões serão tais que os países desenvolvidos
tes cresce rapidamente, mas, na maioria dos países, continuando não poderão na verdade manter-se à margem do caos.
À diferença dos múltiplos "ajustes" que asseguram o equi-
( 1) A. SA UVY, obra citada. líbrio da situação tradicional e que eram inelutáveis e acima

182 183
'''
de tudo lógicos, apesar de sua crueldade, o grande ajuste se que existem entre o nível de vida das nações ricas e o das nações
arrisca pôr fim à situação de subdesenvolvimento será perfei- pobres.
tamente absurdo. Com efeito, se no passado era impossível As concepções que vêem o subdesenvolvimento essencial-
(talvez) um forte crescimento econômico em razão da fraqueza mente como a distância que separa os níveis de vida do Ter-
dos meios de produção, hoje um aumento considerável dos ceiro Mundo daqueles dos países desenvolvidos não podem
recursos é tecnicamente possível, mesmo sem recorrer às mara- atribuir como objetivo para o esforço de desenvolvimento senão
vilhas do átomo. Os freios que entravam o aumento dos recur- a redução dessa distância. Estas concepções relativistas do sub-
sos são essencialmente freios econômicos e mais ainda sociais, desenvolvimento conduzem a uma noção verdadeiramente mí-
em vista dos quais as dificuldades naturais se tornam mínimas. tica do esforço de desenvolvimento. Com efeito, se supusermos
As concepções que só vêem a situação de um Estado do que os países da América Latina, que são no conjunto os menos
Terceiro Mundo relativamente à das outras nações, e que se mal colocados, podem aumentar sua renda média per capita de
limitam a ver no subdesenvolvimento a diferença que existe 2,4% por ano e os Estados Unidos de 2%, seriam necessários
entre o nível de vida dos países pobres e o dos países enrique- 252 anos para que os Estados Unidos fossem ultrapassados. Se
cidos, minimizam e edulcoram o verdadeiro problema, que é a América Latina pudesse progredir em média 4% por ano (o
essencialmente um drama interno, próprio a cada país. A desi- que exigiria investimentos econômicos e demográficos conside-
gualdade entre as nações é de fato deplorável e é desejável vê-la ráveis, cerca de 20% ao ano), após cinqüenta anos de esforços
atenuar-se; mas é um fato muito antigo, que em si mesmo não enormes, a renda per capita seria ainda um terço da americana
conduz automaticamente a uma catástrofe. Mas o desequilíbrio neste momento, com a condição de que os Estados Unidos não
inteiramente novo, que se acentua a cada dia em cada país do se tenham desenvolvido a um ritmo superior a 2% ao ano. 01
Terceiro Mundo, conduz diretamente para uma catástrofe os A Asia e a Africa precisariam ainda de mais tempo. A elimi-
três quartos da Humanidade. nação do desnível nada menos que em um ou dois séculos supõe
A situação de subdesenvolvimento que se instalou discre- não somente uma taxa de crescimento considerável nos países
tamente, desde o começo do século XX, na maior parte do subdesenvolvidos, mas ainda uma taxa de crescimento bastante
mundo, aparece como uma das maiores crises, se não a grande baixa nos países industrializados, o que é pouco provável ( ape-
crise da história do homem. Depois de milênios de equilíbrio sar das teses de alguns economistas ) .
da miséria, constantemente reajustado, a Humanidade se vê Se se quer considerar o subdesenvolvimento como um
levada a uma catáscrofe absurda, pelo desequilíbrio que aumenta desequilíbrio interno entre o crescimento demográfico e o cres-
rapidamente entre uma demografia desabrida e uma economia cimento econômico, é então possível dar, de início, ao esforço
anormalmente entravada! de desenvolvimento econômico um objetivo realista: restabele-
Se a primeira das únicas maneiras de resolver este dese- cer o equilíbrio entre o aumento da população e o aumento
quilíbrio monstruoso é a eliminação, a segunda é um gigantesco dos recursos de que ela dispõe efetivamente, não de uma ma-
esforço de desenvolvimento. As condições naturais o autori- neira fictícia, como ocorre hoje em geral, mas de uma maneira
zam, os meios de produção atuais o tornam kcnicamente possí- real. Isto pode parecer um objetivo muito modesto. De fato
vel, mas não pode se realizar enquanto subsistirem as estruturas não o é em países onde o crescimento demográfico ultrapassará
econômicas e sociais que, na maioria dos países subdesenvolvi- em breve 2,5% por ano, e onde o subemprego afeta uma grande
dos, entravam o crescimento da produção. O egoísmo e a parte da população.
cegueira das minorias privilegiadas (depois de nós, o dilúvio! ) Mas a maioria dos crescimentos economtcos que se regis-
entravam as transformações que são contudo absolutamente tram atualmente são em grande parte fictícios, pois repousam
indispensáveis. Este enorme esforço de desenvolvimento é
uma necessidade vital, o único meio de evitar a catástrofe. Ele
responde a um imperativo mais grave e urgente que a louvável ( 1) ONU, A nalyses and Projections of Economic Dwelopment:
necessidade moral que têm alguns de eliminar as desigualdades a Study prepared bJ' CEPAL, Nova Iorque, 1955.

184 185
,I

numa avaliação muito contestável das rendas nacionais , onde as taxas de natalidade que são atualmente vizinhas a 40-45%
aparentes crescimentos notáveis podem mesmo se traduzir po.r baixem para aproximadamente 25% .
uma diminuição dos recursos reais da população. Os cresCI- Ora, a redução da natalidade necessita de uma melhori a
mentos econômicos serão fictícios enquanto uma grande parte das condições de existência e um sensível aumento das rendas
da população se encontrar fora dos circuitos m<;metários; em per capita.
razão do subemprego que a afeta . Numa economia desarticula-
da 0 aumento considerável das atividades de um "enclave" O restabelecimento do equilíbrio interno, em cada país
subdesenvolvido, impõe ao esforço de desenvolvimento objeti-
voltado diretamente para o exterior ou ele um setor que só
emprega efetivos limitados, não conduz de fato a nen~um vos que não são mínimos: suprimir o subemprego; aumentar a
aumento dos recursos pra a maioria da população, pms o renda nacional a fim de que os investimentos demográficos do
nível de vida torne possível uma baixa substancial das taxas
subemprego a mantém à margem.
de natalidade.
O restabelecimento do equilíbrio entre o crescimento de-
Enquanto alcançar os países desenvolvidos é tarefa de um
mográfico e o aumento dos recursos de que dispõe efetiv~~en_::e
século ou dois, estas três tarefas fundamentais poderiam, sem
a população exige a liqüidação do su~emprego e a . uti~IZaçao
dúvida, ser realizadas ao preço de vinte e cinco a trinta anos
produtiva do conjunto da população atiVa, o que exige Impor-
aproximadamente de esforços sustentados, depois de efetuadas
tantes capitais. as transformações estruturais indispensáve\s .
O restabelecimento do equilíbrio exige a realiz~ç~? de Quando nos países atualmente subdesenvolvidos estes ttês
importantes investimentos Jemográficos. Ter a possibili~~de objetivos tiverem sido atingidos, será possível verificat que a
de investir os 10 a 12% da renda nacional, que são nece_ssarws situação de subdesenvolvimento foi liquidada. Embora suas
para manter 0 nível de vida de uma população em cresCimento rendas nacionais per capíta sejam então consideradas bem infe-
de 2,5 a 3% por ano, implica um. notá":ei aume:;-to da renda riores às dos países altamente industrializados, estes países não
nacional per capíta, mas as taxas de mvestiJ?ento sao em grande poderão mais ser considerados como objetivamente subdese!lvol-
medida função do montante da renda naciOnaL Quand~ esta vidos. É verdade que as seqüelas do longo período de subde-
diminui abaixo de certos valores , parece que a formaçao de senvolvimento que atravessaram não desaparecerão rapidamente.
uma poupança torna-se praticamente impossível. Mas do ponto de vista das estru turas fundamentais, uma vez
Enfim o restabelecimento do equilíbrio durável necessita liquidado o desequilíbrio interno, esses países se carncterizarão
de uma di~inuição do ritmo de crescimento da população. E1~ desde então por um crescimento econômico supedor ao cresci-
numerosos países subdesenvolvidos, sua rapidez atual ou pro- mento demográfico . Qualitativamente, suas diferenças com os
xima impõe investimentos demográfico.s tão desmesAur~dos que países atualmente desenvolvidos serão, pois, consideravelmente
não sobra grande coisa para os investimentos economicos. Po- atenuadas. Os antigos países subdesenvolvidos constituirão
de-se comparar a sorte dos países subdesenvolvidos à de um então um grupo de países recentemente desenvolvidos com nm
homem que quer subir na parte descendente de uma escada baixo nível de vida, grupo bem diferente daquele formado pelos
rolante. Só para se manter no lugar é obrigado a correr. S~ países antigamente desenvolvidos e com um alto nível de vida .
pretender subir terá de fazer um esforço s?plementar e P?~era Entre estes dois tipos de países, as diferenças qualitativas fun-
se sair melhor se a escada rolante (o cresCimento de:mografico) damentais setão bem menos importantes que as que sepatam
diminuir sua velocidade. Uma taxa de crescimento natural de atualmente a categoria dos países desenvolvidos da dos países
1,5% ao ano pode ser considerada como conveniente; ela ne- subdesenvolvidos. Por outro lado, as diferenças quantitativas
cessita de investimentos demográficos que representem cerca continuarão por longo tempo, ainda bem sensíveis. e elas não
de 6% da renda nacional. É o que a maioria dos países subd~­ se reduzirão senão progressivamente à medida do progresso
senvolvidos investe em média atualmente, apesar de seu cresci- realizado pelos países antigamente subdesenvolvidos.
mento demográfico ser em geral superior a 2,5_% .. Esta redu- Estas reflexões são no momento quase inteiramente teóri-
ção desejável da taxa de crescimento natural Implica em que cas. Com efeito, não existe praticamente ainda exemplo de

186 187
um país que tenha liquidado a situação de subdesenvolvimento. Galbraith, "expert americano n. 1". "A concentração do poder
0

Existe, é fato, o caso do Japão e o de certos países subdesenvol- nas mãos de uma classe pouco numerosa, essencialmente inte-
vidos europeus. Alguns fizeram progressos industriais às vezes ressada na preservação de sua riqueza e de seus privilégios,
espetaculares e as taxas de natalidade caíram intensamente. exclui a perspectiva de um desenvolvimento econômico impor-
Em muitos outros casos o subemprego não foi ainda intei- tante, até que uma revolução social tenha levado a uma mu-
ramente suprim;do. Além disso, esses países são de qualquer dança na distribuição das rendas e do poder". "Alguns países
forma casos particulares; foram beneficiados por vantagens são dirigidos por cliques reacionárias e corrompidas que se
excepcionais, que não existirão para os outros países subdesen- arriscariam a ser derrubadas pelo povo se não existisse a ajuda
volvidos, quando realizarem seu esforço de desenvolvimento. estrangeira". <I>
Colocada em condições de subdesenvolvimento catastróficas, a Como o crescimento demográfico se acelera, quanto mais
China realizou evidentemente progressos decisivos. Mas é ainda os esforços de desenvolvimento são retardados, tanto mais a
muito cedo para se estar seguro que ela saiu da questão: ainda catástrofe se aproxima e tanto mais difícil será evitá-la. Evo-
mais, a ;axa de crescimento da população parece ainda muito cando a urgência do crescimento econômico, A. Sauvy resume
alta no nomento. em termos lapidares: "Redenção em 25 anos ou catástrofe?" <2 l,
Na grande maioria dos países do Terceiro Mundo, apesar e F. Perroux escreve: "Nunca o mundo provou a este ponto
das traltsformações que podem ser notadas, os desequilíbrios o risco e a novidade; sua história nunca deixou ler tão clara-
internm continuam muito importantes ou não cessam de se mente seu futuro no presente". <3 >
agravar . Os esforços de desenvolvimento não podem ser impul- A situação de subdesenvolvimento é pois historicamente
sionadc s enquanto transformações estruturais radicais não pu- um fenômeno verdadeiramente extraordinário. Ela apareceu
derem ser efetuadas. Com efeito, os diferentes fatores que se recentemente e, devido exatamente ao desequilíbrio interno que
combi um entre si na situação de subdesenvolvimento provo- a caracteriza fundamentalmente, não pode ser duradoura.
cam 1;ma verdadeira inibição, que a tomada de consciência não Apesar dessa relativa brevidade na escala da história dos
cheg8 em geral a contrabalançar. R. Nurske sublinhou o efeito homens, os efeitos que ela provoca, ao menos aqueles que po-
paralisante destes "círculos viciosos" que se encadeiam entre demos discernir no presente, aparecem desde já colossais. Que
si para determinar um verdadeiro bloqueio interno. Podem dizer das conseqüências possíveis?
se resumir num círculo vicioso da pobreza, "constelação circular A humanidade deverá à era do subdesenvolvimento ter
de forças que tendem a agir e a reagir umas sobre as outras, passado, somente durante o século XX, de 1 500 milhões de
de maneira a manter um país pobre na pobreza." OJ homens para cerca de 6 bilhões. Nunca no passado uma parte
A estes círculos viciosos que mantêm a estagnação, junta- tão grande do gênero humano se viu frente a um problema
-se uma outra causa do bloqueio interno: os obstáculos que tão novo, tão vasto e tão grave.
colocam as potentes minorias privilegiadas a toda política que Depois de ter descrito os caracteres fundamentais do sub-
diminua seus lucros. A grande maioria dos especialistas dos desenvolvimento, depois de tê-lo definido, trata-se de compreen-
problemas de subdesenvolvimento estão atualmente de acurdo der por que esta extraordinária situação do subdesenvolvimento
neste ponto: "Nenhum expert agrícola, por mais eloqüente que apareceu no começo do século XX em alguns territórios, aque-
seja, chegará a demonstrar aos camponeses que é vantajoso les onde vivem cerca de três quartos da população mundial.
plantar dois pés de trigo onde ele planta somente um, se e1es
sabem pertinentemente que os dois pés são inexoravelmente
destinados ao proprietário de suas terras" <2 >, escreve J. K.
( 1) ONU, Mesures à prendre pour le développement éc.onomi-
que des pays insuffisamment développés, ONU, 1951, pág. 112.
( 1)
R. NURSKE, obra citadr1.
( 2) J.
K. GALBRAITH, Les c.onditions actuelles du dévelop pe- (2) A. SAUVY, obra citada.
ment économique, Deniiel, 1962, pág. 95. (3) F. PERROUX, L'économie des jeunes nations.

188 189

__1 _1
da península, seja hoje subdesenvolvida, enquanto o Norte tor-
nou-se uma região extremamente desenvolvida, apesar dos
sinais de atraso que apresentava no passado?
Esta pesquisa das origens profundas do subdesenvolvi-
mento não é uma empresa "desinteressante". O estabeleci-
mento de uma hierarquia de fatores históricos permite escla-
recer o papel primordial de certas causas atuais que são con-
CAPITULO II tudo mais ou menos dissimuladas. Esta pesquisa de causali-
dade conduz ao exame da maior ou menor eficácia dos métodos
EM BUSCA DAS CAUSAS PROFUNDAS · preconizados e dos meios utilizados para lutar contra o sub-
desenvolvimento.

A DEMOCRACIA É RESPONSAVEL?
D IFERENTEMENTE da situação tradicional, onde o volume
da população estava estreitamente ajustado ao dos recursos, e Nesta pesquisa das causas originais do subdesenvolvimen-
da situação de desenvolvimento, onde o crescimento econômico to, é cômodo, ao menos. numa primeira etapa, seriar as ques-
é mais rápido que o crescimento demográfico, a situação de tões e estudar primeiramente as responsabilidades do cresci-
subdesenvolvimento se caracteriza essencialmente por um dese- mento demográfico.
qui:fbrio interno, o::,1usado pelo fato de que a população tende Para isto podemos fazer a priori o raciocínio seguinte: os
a cr::!scet mais · ";1idamente que os recursos de que dispõe países que são hoje subdesenvolvidos ficaram à margem da
efetivameate. vida moderna até uma época tardia. Quando seu crescimento
A análise dos caracteres gerais oferecidos pelo conjun.to econômico pôde começar, permitindo-lhes seguir o caminho
deis países do Terceiro Mundo J:evelou muitas das cau.sr,.s atuais traçado pelos países industrializados há mais tempo, o violento
desta anormal distorção: elas estão implicadas umas na.;> outras crescimento demográfico foi desencadeado. O aumento desme-
de maneira complexa. Múltiplas interações impedem de di:;tin- surado da população abafou o crescimento econômico no seu
guir numa primeira visão, no seio dessa combinação, ·~·.· fatores início: a produção per capita não aumentou, · a amplidão dos
essenciais dos que são somente secundários. QuaL ;;ão as investimentos demográficos tornara impossível a realização de
causas primeiras do ritmo relativamente lento do cr·. ;.trnento importantes investimentos econômicos. Abafado no seu come-
econômico? Quais são os freios maiores? O encadeamcmo dos ço pela vaga demográfica, o crescimento econômico viu-se
fatores que determinam o subdesenvolvimento não se cm;stituiu paralisado.
de um. só golpe, mas pouco a pouco, no cutw de uma -evolução Este raciocínio, atribui pois, a responsabilidade inicial do
histórica, que aparece a posteriori radicaJ.mçnte diferente da- subdesenvolvimento a um crescimento demográfico exagerada-
quela que conduziu um pequeno número de países à situação mente precoce e violento. Precoce, mas este crescimento demo-
de desenvolvimento. gráfico tem mais de um século de atraso em relação ao dos
Qual a causa de tal diversidade histórica? Hoje, pode países desenvolvidos. O crescimento demográfico nos países
parecer que a "vocação" da Europa Ocidental fo!. há séculos o subdesenvolvidos só aparece como "muito precoce" devido ao
desenvolvimento e que certos rincões Jeserdados do globo não atraso de seu crescimento econômico, e este atraso, cujas con-
poderiam se encaminhar senão para o subdesenvolvimento. seqüências foram essenciais, não tem causas demográficas.
Esta predestinação mostra-se facilmente contestável quando se A tese que atribui a origem . do subdesenvolvimento ao
evoca a China, por exemplo, e o extraordinário "ave'1ço" que afogamento do crescimento econômico pela avalanche demo-
ela te\·e durante séculos sobre uma Europa bem atrasada. Como gráfica é contestável por uma outra razão: os países hoje desen-
compreender que o Sul da Itália, a parte outrora mais brilhante volvidos também conheceram no momento da revolução indus-

190 191
trial um crescimento demográfico bastante considerável: ~a era bem mais madura. Compreendemos então por que a nata·
Inglaterra e na Alemanha, durante o século XIX, as ta.xas d~ Iidade era bem alta. Par:~ a família, a criança era rentáveL
crescimento natural oscilaram entre 11 e 14%. C ntmo e
superior ao que oferecem, atualmente, ainda alguns. países sub .. As transformações econômicas e sociais advindas a partir
desenvolvidos e é comparável às taxas de cresctmento que dos meados do século XIX modificaram progressivamente esta
ti...11ham há alguns decênios os países do Terceiro Mundo? cuja situação : no quadro familiar, a criança deixou de ser uma fonte
população cresce hoje de man~ira recorde. ~ste ~fluxo _de p~­
A
de lucros, para se tornar uma carga. A escolaridade obrigatória
pulação não impediu o cresCimento economtco aos patses a<' retardou o aproveitamento no trabalho, e numerosas leis inter-
Europa Ocidental. ditaram seu emprego na condição de assalariado. Esta elevação
É verdade que nos países desenvolvidos o crescimento de- do nível de instrução e esta reorganização do mercado de tra-
mográfico diminui consideravelmente, devido à diminuiç~9. das balho, sendo elas mesmas causas de uma melhoria sensível das
taxas de natalidade. Inversamente, nos países subdesenvolvidos, condições de existência, são também as conseqüências de consi-
0 crescimento demográfico acelerou-se até atingir ritmos extraor-
deráveis progressos econômicos; a supressão do trabalho das
dinariamente rápidos. crianças, e conseqüentemente dos recursos que levavam para
as famílias, não foi possível sem uma melhoria nas rendas dos
A redução das taxas de natalidade nos países desenvo,l:vi- pais. Reciprocamente, as novas condições da vida econômica,
dos resulta principalmente de causas complexas que m~~ft­ provocando um crescimento sensível das necessidades em pessoal
taram a significação econômica da criança no quadro famll1ar . qualificado, tornaram as remuneraçõe5 dos trabalhadore~ ins-
V árias demógrafos esclarecem este problema orientando suas truídos, muito mais produtivos, muito superiores às dos tletra-
pesquisas para o exame do " custo de ,, .f ormaçao
- do m
. d'1v1'duo " . (1)
dos. Também num número crescente de famílias, os estudos
Assim são chamadas as somas que é necessário despender com das crianças foram considerados como uma necessidade ou ao
a criança até que se torne produt;va. Este . custo de formação menos como um investimento para o futuro. Esta tendência
é tanto maior quanto mais elevado é o nível de vida e quanto foi particularmente marcante nas classes médias , cuja impor-
:I mais longo é o período de formação. Até os meados do sécul? tância numérica cresceu consideravelmetne, devido ao aumento
XIX, na Europa Ocidental, o " custo de f?rma~ão" era relat~­ do nível de vida e às mudanças sobrevindas na distribuição da
vamente baixo: ~s despesas ocasionadas pela cnança . era~1 ml- população ativa. As despesas ocasionadas pela criança tornam-
nimas, devido à escolaridade rudimentar ou mesmo 1?ex1stente
-se ainda mais pesadas por que os casamentos se contratam
para a maioria dos jovens; o período durant~ o .9ua1 e,s_rs,vam
mais cedo que no passado, e a criança tornada adulta começa a
a cargo de suas famílias era de uma curta dur~ç~o, I'\!ac· so-
ganhar a vida no momento em que deixa seus pais para fundar
mente a criança não custava caro, mas na ma10na dos cs.sos
um novo lar. Assim, a família não é praticamente "reembolsa-
ela constituía um investimento dos mais rentáveis. Desde a
da" pelas somas bem mais consideráveis que consagrou à for-
idade de 7 a 8 anos ela se tornava uma produtora : no carnpo
ajudava seus pais ou era colocada como ajudante. Na cidade, mação do novo produtor. Tornando-se a criança uma carga, a
as crianças formavam uma parte notável da mão-de-obra, du- alegria de ser pai e mãe se satisfaz com um número pequeno de
descendentes.
rante um longo período do século XIX. A criança era um pr?-
dutor mas enquanto menor, continuava integrada na família Esta majoração do custo de formação do indivíduo, que
'
que percebia
' o essencial de seus gan110s ou que u ~wza;va
.,. uma provocou uma redução considerável das taxas de natalidade,
ajuda gratuita. Os pais tiravam um lucro ~ons1deravel. do não deve ser considerada por isto um fato negativo: ela foi a
trabalho de sua prole durante um período relativamente longo, condição de uma sensível promoção do homem; embora mais
pois nessa época a idade em que se contratavam os casamentos caro, tem melhor saúde, melhor instrução, e é infinitamente
mais eficaz. Sem esta promoção, fator de um crescimento con-
siderável da produtividade, o desenvolvimento econômico da
( 1) Cf. A. SAUVY, Théorie générale de la population,_ Pre.gses Europa Ocidental e da América do Norte não teria sem dúvida
Universitaires de France, 1956, t. I. (cap. XXIII), pág. 370. podido ser o que foi. A diminuição do crescimento demográ-

192 193
fico tornou possível, de uma parte, um aumento da renda c econômico e social do que sua causa . Nos países do Terceiro
conseqüentemente dos investimentos econômicos, e, de outro Mundo, o aumento da população não pode ser considerado
lado, uma melhoria progressiva das condições de exístência. como a causa primeira do subdesenvolvimento. O crescimento
demográfico só se acelerou muito tempo depois da difusão
Mas esta majoração do custo de formação do indivíduo e
da economia moderna no mundo . Se esta di±usão tivesse pro-
a diminuição do crescimento demográfico que é uma de suas vocado nos países de além-mar um desenvolvimento econômico
conseqüências teriam sido impossíveis sem um sensível aumento
e social ( como foi o caso da Europa e da América do Norte sob
do nível de vida. Este foi um resultado do processo de desen-
a influência britânica), é bem possível que o subdesenvolvi-
volvimento econômico e das condições políticas e sociais parti-
mento não tivesse aparecido em conseqüência. Se a melhona
culares nas quais esse se efetuou . Estruturas relativamente de-
do nível de vida tivesse provocado uma baixa das taxas de
mocráticas ( comparadas às de outros países) impediram que
natalidade, o excedente natural tena sido bem menor quando
os lucros, engendrados pelo desenvolvimento econômico, fossem
a revolução médica diminuiu a importância da mortalidade. E
inteiramente açambarcados pelos possuidores do capital. Sem
verdade que hoje o crescimento demogrático tornou-se consl-
elas, o crescimento já modesto do nível de vida da população
derável e 1sto constitui uma diticuldade maior. Mas ainda neste
teria sem dúvida sido bem menor, e poss1velmente a elevação
caso o fenômeno demográf:ico é mais uma conseqüência da
do custo de formação do indivíduo e a redução do número de
situação econômica e soe1al do que a sua causa.
nascimentos não se teriam produzido.
A manutenção de uma grande natalidade nos países sub-
O papel das estruturas sociais relatiw.mente democráticas
desenvolvidos apesar da propaganda organizada em favor do
é posto à luz a contrário no exemplo oferecido pela evolução
birth control em numerosos Estados, explica-se, como vimos,
do J apão. O desenvolvimento industrial japonês não decorreu
por dados psicológicos e religiosos e sobretudo por fatores sócio-
da ação de uma burguesia atuante dentro de um regime relati-
vamente democrático e liberal como foi o caso no Ocidente. -econômicos: mais ainda do que na Euxopa do início da Revo··
lução Industrial, as famílias têm inte2o;;sse em ter um grande
A industrialização do Japão foi dirigida por um soberano auto-
crático e por "senhores feudais", que, integrados no aparelho número de crianças. A redução das taxas de natalidade não
do Estado, se associaram a uma espécie de aristocracia comer- pode se realizar senão no quadro de uma transformação geral
cial. Estes "empresários", bem diferentes dos burgueses que das condições econômic s e sociais que se traduziriam por uma
realizaram a revolução industrial na Europa Ocidental, detinham alta do custo de form; ~ão do indivíduo e por uma promoção
uma potência social bem mais considerável devido ao duplo do homem: a escolaridade obrigatória e a aplicação de leis
poder que combinavam, o de capitalistas e o de "senhores feu- sociais proibindo o trabalho das crianças levarão as famílias a
dais". Puderam assim monopolizar o essencial dos lucros en- reduzir mais ou menos espontaneamente o número de seus
gendrados pelo crescimento industrial. Continuando muito filhos: . A elevação do nível geral de instrução age por um du·
baixo o nível de vida das massas, não puderam se realizar os plo e±elto: de uma parte a criança deixa de ser uma fonte de
melhoramentos sociais que, no Ocidente, provocaram a redu- rendas em. dinheir? e em espécie e, de outro lado, os pais tor-
ção da natalidade. As taxas de natalidade japonesas continua- nar;n-s~ m~s ~onse1~ntes dos encargos que ela provoca pois eles
ram muito importantes até o final da Segunda Guerra Mundial. propnos sao mstrmdos. Mas a transferência maciça das crian-
Como o desenvolvimento de uma economia moderna provoca ças das ativid~des pro~utivas mais ou menos remuneradas para
inelutavelmente uma baixa rápida da mortalidade, o excedente a escola prec1sa anterwrmente de importantes mudanças eco-
demográfico atingiu uma grande amplidão, o que deu origem nô~cas e sociais: uma política escolar de grande envergadura
a dificuldades um pouco comparáveis, mantendo-se contudo prec1sa ser executada e é necessário dispor para isso de impor-
todas as coisas iguais, àquelas que conhecem os países sub- tantes meios materiais. As famílias devem estar em condições
desenvolvidos. de se abster dos recursos fornecidos pelas crianças.
Nos países desenvolvidos, a diminuição do crescimento de- No Japão, a taxa de natalidade, que era de 34% no final
mográfico é muito mais a conseqüência do desenvolvimento da guerra (27% errí 1938, índice de um início de extensão das

194 195
-- -· -···----·~..------------~

práticas anticoncepcionais sobretudo nas cidades), caiu para as dificuldades presentes dos países subdesenvolvidos. Não
17,5% em 1957, graças à difusão maciça de métodos anticon- passa de um remédio, cujos efeitos só são sensíveis a longo
cepcionais e pela multiplicação do número de abortos nrati- prazo. Apesar de uma baixa espetacular da natalidade, a
cados s?b vigilância médica. O êxito da política de limltação população japonesa cresce hoje mais rapidamente do que antes
'
de n~somentos foi na verdade facilitado pelo caráter pouco da guerra, pois o declínio da mortalidade continuou e a propor-
:I natahsta da religião, mas foi sobretudo condicionado pela pre- ção de adultos jovens (fator essencial da natalidade) é consi-
: I,
sença ~e um aparelho ·~anitário importante e pela possibilidade derável. A população do Japão vai continuar a crescer de
de realtzar uD?-a escolanzaç~? compl:_ta. e prolon$ada d~s crian- qualquer forma rapidamente durante ainda trinta anos.
ças. Estes dms fatores dectstvos do exito faltam na matoria dos
países subdesenvolvidos. Mesmo que consigamos desde agora, graças ao emprego
macíço de meios médicos, provocar uma baixa considerável da
Em Porto Rico, caso também freqüentemente invocado,
natalidade, a população dos países subdesenvolvidos continuará
a taxa de natalidade diminuiu: 41,9% em 1945, 30% em
a crescer ainda durante três ou quatro decênios. Se a índia,
1962. Continua pois bem superior à do Japão. Esta baixa de
natalidade porto-riquenha foi obtida após grandes campanhas que já está à beira da fome, conseguisse diminuir imediata-
de propaganda das organizações americanas e graças a um impor- mente sua natalidade à taxa de 12 a 15%, sua população não
tante esforço econômico e cultural financiado pelo governo dos deixaria de passar de 450 miLhões de homens, com os quais
Estados Unidos : a renda per capita foi multiplicada por 2,4 de conta atualmente, para mais df: 600 milhões em 1986. Ol (Se
1940 a 1960. A proporção dos analfabetos de mais de 10 anos a natalidade não diminuir deve-se contar com 750 milhões
caiu de 70% em 1910 para 18% em 1960. Mas devido, sem aproximadamente ). É verdade que, depois deste último
dúvida, à manutenção das estruturas fundamentais do subde- impulso, o freio faria sentir sua ação e o crescimento da popu-
senvolvimento, esta redução da natalidade não pôde ser obtida lação teria parado por .volta de 2000-201 O.
senão ao preço de um esforço financeiro desmesurado. Em 1960, Mas de agora ãté lá, o crescimento demográfico vai conti-
as somas transferidas dos Estados Unidos a Porto Rico repre- nuar mais ou menos rápido, faça-se o que se fizer, e a índia,
sentavam aproximadamente um quarto da renda total da ilha. como numerosos outros países subdesenvolvidos, estará na
Se se leva em conta o fato de que a baixa da taxa de natali- impossibilidade de fazer face ao aumento da população durante
dade resulta também da importante emigração (50 000 por os trinta próximos anos, se as condições econômicas não forem
ano) que afeta sobretudo os adultos jovens (um milhão de completamente transformadas. O verdadeiro perigo que amea-
porto-riquenhos nos U.S.A., contra 2,3 milhões na ilha), per- ça a Humanidade não é, contrariamente ao que fazem crer certos
cebe-se que estes métodos de redução dos nascimentos são bem autores, que o número de homens possa ser de 31 bilhões em
pouco eficazes e terrivelmente caros, desde que mudanças 2 100 e de 1 trilhão e 700 milhões um século mais tarde. O
sociais radicais não tenham sobrevindo. perigo não está nos horizontes dos anos 1980 ou 1990, de já
Na China, depois de um período em que a política de limi- existe. Um país como a índia, que está à beira da fome, não
tação dos nascimentos foi às vezes favorecida e às vezes con- pode suportar sem catástrofe o peso suplementar de 30 a 40
d~nada, par~ce_ qu.e desde 1958 um esfôrço maciço foi empreen- milhões de novos consumidores. A ameaça não deve ser con-
dido para dtmmmr a taxa de crescimento da população. Com jurada em função do ano 2000, mas de uma dezena de anos,
uma grande justeza, o governo chinês sublinhou repetidamente sob pena de convulsões excessivamente graves . .
que os chineses não são tão numerosos, mas que crescem muito Por outro lado, a redução maciça da natalidade dá origem,
rapidamente, levando em conta o ritmo do crescimento econô- a longo termo, a dificuldades novas: ela provoca um envelhe-
mico. ~lgumas fontes. não confirmadas deixariam pensar que cimento acelerado da população, cujos efeitos arriscam-se a
as autondades de Peqmm esperam uma redução para a metade ser muito graves, se consideráveis progressos econômicos não
da taxa de natalidade em 10 anos .
. É necessário su~linh.ar que uma política de limitação de
( 1) PRESSAT e HENRY, em Le Tios M ond> Prcsscs Univer-
nascimentos, por ma1s eficaz que seja, não diminui em nada sitaircs de France, 1956, pág. 393.

196 197

·j.
i
forem realizados anteriormente. No Japão, a proporção de dos outros devem-se à desigualdade das condições oferecidas
pessoas idosas de mais de 60 anos passará de 8 % para 25% por estes meios naturais muito diferentes. Alguns explicaram
em 2015 (enquanto a dos jovens cairá de 33 para 16%) . Ora, o atraso pela ausênci(l de climas "estimulantes" próprios das
a França, cuja taxa de envelhecimento é a maior do mundo, regiões temperadas, onde o inverno acentuado retempera as
conta com 17% de pessoas idosas. Num país desenvolvido, energias humanas. Outros sublinharam os efeitos nefastos das
apesar do dinamismo da economia, este envelhecimento já pro- endemias tropicais. Enfim, a fragilidade e a pobreza dos solos
voca dificuldades. A economia frágil de um país subdesenvol- tropicais são considerados como um handicap decisivo para
vido poderá suportar a carga tão pesada que constituiria esse essas regiões. Ora, vastas partes do Terceiro Mundo estão
número exagerado de velhos? Somente um desenvolvimento situadas nas zonas temperadas e elas não são menos subdesen-
econômico preparado desde já pode permitir suportar êste volvidas. Portanto, as dificuldades particulares que pesam
fardo futuro. sobre as regiões tropicais (e que não são desprezíveis no quadro
Assim, o crescimento demográfico não é a causa primeira de uma política de desenvolvimento) não podem ser conside-
do subdesenvolvimento. O aumento da população só é exces- radas como causa profunda do subdesenvolvimento. .
sivo em relação a um crescimento econômico restrito, o cresci~ Para outros, as causas profundas do subdesenvolvimento,
mento demográfico não poderia ter tomado uma tal rapidez e do atraso dos países do Terceiro Mundo em · relação aos países
engendrar tais dificuldades se a natalidade tivesse sido pro- desenvolvidos, devem-se às diferenças raciais. Foi freqüente-
gressivamente reduzida pelos efeitos de um desenvolvimento mente sublinhado que as populações dos países de alto nível
econômico e social. A "solução" estritamente demográfica, de vida são todas de raça branca, e que as populações " de cor"
baseada na exclusiva limitação dos nascimentos, está votada ao encontram-se nos países subdesenvolvidos. O desenvolvimento
malôgro. Seu efeito imediato é negligenciável e o aumento precoct: e poderoso dos países de raça branca é atribuído às
inelutável da população necessita da efetivação de um grande qualidade~ intrínsecas de uma população que seria congênita-
esforço de desenvolvimento. Uma política de limitação de nasci- men~e hábil, perseverante, enérgica, conquistadora, empreende-
I mentos é contudo necessária para reduzir a longo prazo o cresci- dch. etc. Certos "teóricos" não deixaram de enumerar as
'i mento demográfico, mas ela não poderá ser empreendida efi- c&rên::ias que seriam, dizem eles, próprias das outras raças.
cazmente sem consideráveis progressos econômicos e sociais . Contudo, uma grande parte do Terceiro Mundo é povoada por
O atraso e a fraqueza do crescimento econômico aparecem, homens de raça branca (América Latina, países mediterrâneos,
pois, como a causa principal do subdsenvolvimento. O esforço O:dente Médio, Norte da fndia etc.) e este único fato bastaria,
de desenvolvimento é a única solução para as dificuldades dos se fosse necessário, para desmentir essas teses pseudocientíficas.
países do Terceiro Mundo e a condição do restabelecimento Outros autores insistem sobre o efeito paralisante exercido num
de um equilíbrio entre o crescimento da população e o dos grande número de países subdesenvolvidos pelas religiões "fa-
recursos. talistas", sendo que os europeus teriam, a seu entender, o mo-
nopólio das religiões estimulantes e construtivas .. .
COLONIZAÇÃO E SUBDESENVOLVIMENTO Essas diversas "explicações" do subdesenvolvimento são
tão contestáveis, tão pouco baseadas nos fatos, que não mere-
As causas profundas da relativa estagnação econômica dos cem que tomemos muito espaço em refutá-las ponto por ponto.
países subdesenvolvidos são complexas e existem numerosas Apesar de sua diversidade, apresentam todas a mesma carência
teorias diferentes que tentam explicá-las. Na maioria dos casos,. fundamental. Fazendo das dificuldades do Terceiro Mundo
as dificuldades econômicas dos países do Terceiro Mundo são uma conseqüência de dados muito antigos (religião) ou eternos
imputadas a causas permanentes ou eternas; como todos os (condições naturais, aptidões raciais ), elas postulam a origem
países desenvolvidos se encontram nas zonas temperadas, e bastante distante, se não a perenidade do sl'!bdesenvolvimento
como a maioria dos países subdesenvolvidos está situada nas (o que já é errôneo) e por isso mesmo, . prova manifesta da
regiões tropicais, deduziu-se que o avanço de uns e o atraso impostura, elas implicam a permanência do atraso dos países

198 199
atualmente subdesenvolvidos. Se o subdesenvolvimento e suas :h verdade que a grande ma10na dos países subdesenvol-
causas fossem eternos, os países hoje desenvolvidos, pretensa- vidos foi colocada numa posição de dependência em relação
mente favorecidos pela natureza de maneira congênita, verda- a uma metrópole colonizadora. A difusão da economia mo-
deiros eleitos àe Deus, deveriam ter sempre apresentado um derna através do mundo não foi feita sob a base de trocas
incontestável avanço sobre o resto ào mundo. Ora, a supe- econômicas relativamente equitativas, mas em ligação estreita
rioridade da Europa Ocidental não se estabeleceu senão depois com o estabelecimento de uma dominação política direta ou
do século XVIII. Durante milênios o Oriente Médio, a fndia, indireta. O sistema "exclusivo" teve durante muito tempo a
a China conheciam um nível técnico, científico, cultural, incon- expressão codificada do velho "pacto colonial" que, por ter
testavelmente superior ao da Europa Ocidental, que era então sido abolido de direito no final do século XIX, não desapare-
uma espécie de Far-W est atrasado. ceu de fato. Transformada em serva. a colônia devia fornecer
As regiões tropicais, apesar de seu handicap, foram o tea- aquilo que a metrópole não podia ou não queria produzir,
tro -de brilhantes civilizações, as da índia, da Indochina, de devia comerciar somente com a metrópole, e devia se abster
Java. Foram as raças "de cor" que realizaram até o século de toda atividade reservada à metrópole. Uma tal "divisão de
XVIII o essencial do progresso, do qual se beneficiou em segui- trabalho" teve por efeito reservar os benefícios e os direitos
I da o resto da humanidade. Qual teria sido a contribuição da aos colonizadores, as perdas, as cargas e os deveres sendo supor-
'! I Africa Negra se esta parte do mundo não tivesse sido tão pro- tados pelos colonizados, A colonização provocou, muitas v~zes
fundamente atrasada desde o século VI II até os começos do conscientemente, a destruição da sociedade tradicional e a
século XX pelo tráfico dos escravos e as guerras contínuas que ruína das atividades manufatureiras e artesanais, que puderam
lhes permitia a captura? Qual teria sido o destino da América se desenvolver antes da submissão do país: assim, a indústria
indígena sem a fissura provocada pela colonização espanhola? têxtil indiana, grande exportadora de produtos de alto valor,
O "Fatalismo", que se lhe empresta tão complacentemente, foi metodicamente esmagada desde que as fábricas de ManclYesc-
não impediu o Islão de ser conquistador e de fornecer o quadro ter procuraram escoar suas mercadorias no mundo inteiro. Os
espiritual e político no qual se realizaram este extraotdinário diversos fatores negativos que se combinam para entravar o
crescimento da economia e do pensamento que foi o "milagre crescimento econômico dos países subdesenvolvidos foram con-
árabe". Na Europa, países hoje subdesenvolvidos como a Gré- sideravelmente reforçados pelo colonialismo, quando não foram
cia, a Itália do Sul, a Espanha e Portugal, não foram outrora inteiramente criados por ele. Se os colonizadores trouxeram cu
os berços de civilização, ao lado dos quais eram pobres figuras reforçaram os freios que bloqueiam as possibilidades de desen-
os países que, mais tarde, iriam se tornar os mestres do mundo? -volvimento econômico, também foram des que provocaram,
Os países subdesenvolvidos não são regiões de atraso em grande parte no seu próprio interesse, o essencial das me-
permanente, mas países que conheceram no passado, e às vc:zes lhorias sanitárias que deram origem ao crescimento demográ-
mesmo uma época recente, períodos de brilho e de considerável fico. O colonialismo aparece, pois, sem contestação, como uma
desenvolvimento econômico, social e cultural. Inversamente, das causas principais do subdesenvolvimento.
os atuais países desenvolvidos não tomaram os primeiros luga- Esta conclusão não deve, contudo, levar a esquecer os
res senão numa época bem recente. Não é pois possível, nessas fatos que indicam que no tempo e no espaço as relações entre
condições, invocar causas muito aritigas ou eternas, Natureza, subdesenvolvimento e colonização não tiveram sempre e em
Raça, Religião, para explicar o estado presente do mundo. A toda parte elos estreitos, diretos, de causa e efeito. A colo·-
situação de subdesenvolvimento e a de desenvolvimento apare- nização não é a condição necessária e suficiente do subdesen-
ceram recentemente sob o efeito de fatores essencialmente volvimento. Entre estes dois grandes fenômenos históricos,
históricos. aparecem, com efeito, muitas discordâncias.
O -colonialismo é considerado como uma de suas principais
causas. Para muitas, e para a quase totalidade das populações Algumas são menores e não têm grande importância:
do Terceiro Mundo, o colonialismo é a única causa do subde- - O subdesenvolvimento apareceu bem depois dos co-
senvolvimento, a tal ponto que os dois conceitos se confundem. meços do colonialismo moderno. Mas o primeiro pode ser

200 201
considerado como a conseqüência mais ou menos distante do Estes fatos, sobre os quais voltaremos, indicam que as
segundo. relações de causalidade entre colonização e subdesenvolvimento
- A América Latina é independente há mais de um sé- são mais complex~ts do que parecem à primeira vista.
culo, e o subdesenvolvimento apareceu bem depois do fim da A relação entre a conquista colonial e a origem da estag-
época colonial propriamente dita. Mas esta "independência" nação econômica dos países hoje subdesenvolvidos não é sim-
foi uma revolta dos colonos contra a metrópole, que lhes impe- ples. A evocação desse processo histórico coloca muitos pro-
dia de tirar plenamente os lucros de todas as vantagens da situa- blemas importantes. O esquema mais comumente admitido por
ção colonial. Governados por colonos, os Estados tornados aqueles que não postulam o atraso congênito dos não-europeus
independentes conservaram o essencial da estrutura colonial. é mais ou menos o segúinte: "Tendo realizadQ a Revolução
- ·Os territórios coloniais tornaram-se quase todos poli- Industrial, os europeus, graças à sua superioridade material,
ticamente independentes. Não são por isso menos subdesen- começaram, não sem violência, a submeter pela força os países
volvidos. Pode-se legitimamente considerar que esta emancipa- de além-mar cujo crescimento econômico e social foi quebrado."
ção é muito recente para que o subdesenvolvimento possa O fato de ter realizado a Revolução Industrial aparece pois
desaparecer. como a vantagem principal dos europeus.
Mas existem entre subdesenvolvimento e colonização duas -Mas desde que a China, a índia e o mundo árabe apre-
discordâncias bem mais significativas. sentaram durante vários séculos um avanço técnico e científico
considerável sobre a Europa Ocidental, como aconteceu que a
- Muitos países que não foram colonizados e que foram
Revolução Industrial não foi realizada pe_los chineses, indian~s
mesmo colonizadores (Espanha, Portugal, Turquia, Irã) tor-
ou árabes? Desde o século IV que a Chma começou a extrrur
naram-se contudo países subdesenvolvidos.
o carvão e a utilizá-lo na siderurgia. Nas índias e na China,
- Por outro lado, países que foram colônias tornaram-se no mundo árabe o instrumental, as máquinas hidráulicas, . a
contudo altamente desenvolvidos: Canadá, Austrália, Nova indústria têxtil, ~ químic~, _ a técnica ~a . metah;rg~a. tinh~m
Zelândia e Estados Unidos. O regime colonial que lhes foi atingido um grau de perfelÇao e de potenc1a notavets .. o smo
aplicado pela metrópole não foi menos estrito que o que estava de bronze do mosteiro de Ta-tchong-Sseu perto de Pequ1m, que
em vigor nos outros territórios coloniais, os da América espa- data da época Ming, pesa 52 toneladas. No Japão, estátuas
nhola e portuguesa, por exemplo. Os colonos da América do gigantes como as de Daibutsi, de Nara, datam de ?OO anos e
Norte, como os da América do Sul um pouco mais tarde, insur- necessitaram de 1 060 toneladas de cobre. Nas fnd1as, a colu-
!i giram-se contra o sistema exclusivo imposto pela metrópole. na de Quitb Minar (perto de Nova Delhi) data do IV século;
Ora, a independência conduziu ao desenvolvimento alguns e ao ela é feita de um só bloco de ferro quase puro, e pesa 6 tone-
subdesenvolvimento outros. ladas, "As técnicas de tais monumentos não eram excepcio-
É verdade que essa diferença parece explicar-se em parte nais". m No século XII, vigas de ferro eram empregadas na
pelo fato de que as colônias que não se tornaram subdesenvol- construção dos edifícios (Templos de Orissa), enquant? se ~eve
vidas foram povoadas quase exclusivamente por europeus, de esperar atingir o século XIX para se ve:_ o ~et.al dtfund1~-se
enquanto as colônias antigamente emancipadas que foram leva- a tal ponto na Europa. O grau de evoluçao tecmca da Chma,
das ao subdesenvolvimento eram em grande parte povoadas por da índia e de diversos países muçulmanos, entre outros, era
"indígenas". Contudo, muitos países da América Latina, cuja na Idade Média superior ao que haviam atingido os europeus às
população é qua:>e exclusivamente européia, a Argentina, o vésperas da Revolução Industrial.
Chile, tornaram-se países subdesenvolvidos. O fator racial não
é pois o que impediu a evolução para o subdesenvolvimento ( 1) Les origines de la civilisation technique, "Histoirc géné-
dos Estados. Unidos, Canadá etc. O exemplo dos países sub- rale des Techniques", I, Presses Universitaires de France, 1962, pág.
desenvolvidos europeus bastaria aliás para demonstrá-lo. 652.

202 203
Mas, fato essencial, estes progressos tornaram-se mais zadores, Lyautey, homem de rara inteligência, compreendeu
lentos no final da Idade Média, para se deterem quase comple- perfeitamente que a conquista do Marrocos só foi possível gra-
tamente nos séculos XVI e XVII. Estes países, por brilhante -,:as à astenia provocada pelas estruturas tradicionais, e que a
qua possa ter sido seu passado, entraram numa fase de estaa- manutenção do protetorado estava subordinada à sobrevivência
nação, talvez até de declínio. Depois de um período de cres~i­ dessas estruturas, ao menos numa grande parte do país. De
mento, onde atingiram um nível técnico e científico extrema- onde a tese cara a Lyautey, muito preocupado em "conservar
mente elevado, a evolução das sociedades foi diminuindo seu o passado", de um Marrocos útil, aberto à colonização e de
ritmo até paralisar-se. Depois de sobressaltos muitas vezes um Marrocos mantido no seu quadro tradicional. Mas este
doloros?~' ~Ias atingiram ao sair da Idade Média uma espécie plano inteligente foi arrebentado pelos colonizadores, desejosos
de equ1hbno em estruturas econômicas e sociais ricas de um de pôr a mão no conjunto do país.
prestigioso passado, mas tornadas mais ou menos esclerosadas . Por uma típica contradição dialética, que se encontra em
1o
~sta p~r;alisação. desenvolvimento econômico e social, que todos os países colonizados, a colonização, destruindo as estru-
tmha swo prestrgwso, resulta de causas complexas (elas serão turss tradicionais, abalou o que lhe permitiria manter-se no
evocada, mais adiante). Desde já, está claro que essas causas poder, e seus progressos fizeram nascer inelutavelmente as
não forfm uma incapacidade técnica. O mundo árabe a índia forças que iriam derrubá-la. O êxito do colonialismo fez desa-
e mais ainda a China estavam tecnicamente capacitad~s a pro- parecer os fatores da "colonizabilidade". Ol Se a conquista
vo<:at t Revolução Industrial bem antes que a Inglaterra. das colônias foi tão fácil, a partir do século XX a manutenção
Entretr nto, esta não se produziu, por causas históricas internas da autoridade colonial viu-se diante de dificuldades tão grandes
a cada um desses países. que os color..izadores tiveram de conceder uma parte. Quando
E:>i com sociedades esclerosadas, adormecidas, que os eu- tentaram se manter a todo preço, a guerra foi então extrema-
ropeu; entraram em contato. As conquistas que obtiveram não mente dura e resultou na sua derrota . A colonização e a desco-
resul' aram tanto de suas forças materiais e sim das fraquezas lonização resultam menos das Íorças exteriores, da. potência do
internas das sociedades das quais se aproximaram. Estas, na colonizador, que das estruturas internas do país e de sua
maioria dos casos, estavam incapacitadas de se defender. A evolução.
exceção de algumas entre elas (a Argélia, em particular), as Voltemos à análise das causas da conquista colonial : ape-
conquistas coloniais foram no essencial extraordinariamente sar de sua extensão e de sua potênci8. aparente, os Estados
fáceis: um dos exemplos mais célebres é o da América indí- que ameaçavam o imperialismo europeu não foram capazes de
gena conquistada por pequenas tropas espanholas, que soube- se defender devido primeiramente à fraqueza de sua coesão.
ram utilizar muito habilmente os conflitos que existiam entre Esta fragilidade dos Estados conquistados pelos europeus é
os diversos grupos étnicos e formações políticas. A incapaci- tanto mais surpreendente porque na Asia, no mundo árabe,
dade de se defepder, demonstrada pela maioria dos povos que na América pré-colombiana e em algumas regiões da Africa
foram colonizados, não se devia à indolência de temperamento Negra, os poderes estatais eram desmesurados ·em relação aos
ou à ausência de valor militar (as tropas "coloniais" não eram que existiam na Europa Ocidental. Muitas vezes de natureza
muito apreciadas pelos oficiais europeus). Os povos que se teocrática e despótica, o Estado, ou sua encarnação, o Rei, o
deixaram submeter sem dificuldade por um punhado de euro- Imperador, exercia em geral funções de alto comando econô-
peus, há vários séculos ou somente há alguns decênios , mos- mico e sobretudo possuía o conjunto das terras das quais as
traram no século XX uma coragem e uma tenacidade extraordi- comunidades aldeãs e tribais tinham o direito de uso indiscutí-
nárias nas lutas que travaram para readquirir sua independência. vel e indiscutido. A propriedade privada da terra, então meio
de produção fundamental, não existia, pois, praticamente. Re-
. A impotência dos povos de além-mar diante do imperia-
hsmo europeu deve-se essencialmente às características das es-
truturas sociais tradicionais, incapazes de dar uma coesão sufi- (I) Malek BENNABI , Vocation de l'Islam, Le Seuil, 1954, pág.
ciente às populações ameaçadas. O último dos grandes coloni- 167.

204 205
conhecendo no soberano o representante do Deus ou a perso- travam-se pois extremamente frágeis. Nas guerras que habi-·
nificação de uma comunidade superior real ou imaginária, e tualmente travavam, só se afrontavam minorias aristocráticas,
muitas vezes também o organizador Ja s grandes obras, essas em geral sem grande efeito sobre a massa da população. Ao
comunidades lhe remetiam na forma de impostos em espécie contrário os europeus eram adversários absolutamente diferen-
uma parte ou a totalidade de seu excesso de produção. tes: oou~o numerÓsos, eram contudo pontas de lança impulsio-
Apesar dessas remessas, viviam em economia fechada, nada; nelas forcas combinadas de uma sociedade fortemen te
totalmente voltadas sobre si mesmas. Em torno do soberano , integrada , Esta, coesão resultava em parte da evolução do sis··
reunia-se uma aristocracia de príncipes, padres, oficiais, comer- tema feudal europeu, onde os múltiplos elos de homem a ho-
ciantes, quando lhes era delegado o direito de recebê-los, ou mem que existiam entre suseranos e vassalos foram pou~o a
indiretamente, graças às liberalidades imperiais. Entre essas pouco reunidos nas mãos do chefe de um Estado que ele tinha
comunidades autárcicas e esta aristocracia urbana, que não eficazmente centralizado . Esta coesão resultava sobretudo do
possuía as terras e que detinha somente os direitos fiscais , as crescimento da economia moderna, que, liquidando as estrutu-
relações eram infinitamente menos numerosas e menos estreitas ras baseadas na auto-subsistência, integrava o conjunto da po-
que no sistema feudal da Europa O cidental, onde os senhores pulação em toda uma rede de trocas.
possuíam uma grande parte dos direitos de propriedade sobre A esta ponta de lança, opunham-se sociedades desarticula-
~- terra e onde os elos de homem a homem ajustavam es treita- das e dissociadas : fracionadas na base em múltiplas pequenas
mente o vassalo a seu suserano, e o camponês ao senhor. Na célulzs autônomas , muitas vezes em conflito umas com as
.C:mopa, essas relações de dependência pessoal e a apropriação outras, dividiam-se na cúpula pelos antagonismos que existiam
prive.da das terras ·i:wam aos senhores poderes bem superiores entre os pretendentes ao trono, entre soberanos e vassalos.
aos que dispunln ;:. c diferentes tipos de aristocracia no resto Se os. europeus enfrenta'.am Estados de grande porte, mais fáCil
do mundo. ainda foi sua ação quando tinham pela frente tribos esparsas
Fors. da E uropa, exceto nas questões que diretamente lhe ou agrupamentos de tribvs mais ou menos coerentes.
concerniam, o bloco formado por cada comunidade rural se As guerras coloniais foram, pois, confli tos entre socieda-
colocava de fato totalmente afastado da vida política extrema- des diferentemente estruturadas. Aquelas cujas forças eram
mente conturbada, que tinha por quadro cs palácios e seus melhor articuladas , e portanto as mais cumulativas, venceram.
arredores . Luts.s constantes podiam opor os diversos preten- Contudo, e isso é essencial, a ação dos euror;-eus foi mais faci~
dentes ao trono, o poder podia mesmo passar para estrangeiros; Htada quando encontraram nas sociedades indígenas apoios
desde que o soberano pudesse apresentar as mesmas origens decisivos em todos aqueles que iriam se aproveitar da destrui-
religiosas e que se encarregasse de suas funções de direção das ção das estruturas tradicionais para reforçar seus pod~::res .
grandes obras, as células aldeãs não se sentiam envolvidas, pois Numerosos membros da aristocracia autóctone tornaram-se
a instabilidade política não tinha de fato nenhuma repercussão aliados preciosos da colonização. Na maioria dos países colo-
no seu nível. Apesar de muito poderoso, pelos poderes que niais os europeus estabeleceram e mantiveram sua autoridade,
exercia, pela administração que dispunha, pelas somas consi- até uma época recente, graças às tropas indígenas que conse-
deráveis que lhe forneciam os impostos, o Estado era em con- guiram enquadrar. Estes soldados não podiam ser obtidos se-
trapartida extremamente frágil: a vida política se restringia a não com o apoio de notáveis locais, de prín~ipes que fizeram
uma restrita minoria, e não integrava a massa da população, causa comum com a colonização. Na Argélia, onde a resistência
que vivia afastada, no seio de uma multidão de pequenas célu- foi contudo uma das mais longas e mais duras , a vitória sobre
las autônomas. Assim, o poder imperial ou real planava, de Abd el-Kader não teria sido possível sem o apoio de vários che-
alguma sorte, acima da população, mas ela não o sustentava fes muçulmanos às forças armadas francesas. Eles chegaram a
senão pelo pagamento dos impostos. impedir as tribos que controlavam de apoiar a causa do Emir
Apesar de seu porte e de sua organização bastante aper- e de se bater contra os franceses. Alguns chegaram mesmo a
feiçoada, os Estados atacados pelo imperialismo europeu mos- mobilizar suas tropas por conta dos colonizadores.

206 207
Em todos os países coloniais, os europeus se beneficiaram, fato, rião se tratava para elas mais que uma mudança de chefes),
pois, durante a conquista e durante um longo período, da sus- para se integrarem num sistema que tornava possível um
tentação bastante eficaz de uma fração muito influente da po- aumento considerável das retiradas sobre a massa da população.
pulação. Sem este apoio ~- bem possível que a conquista colo-
nial não pudesse se realizar. Por que motivos uma parte dos Os povos dos países colonizados não foram vencidos pelos
indígenas se pôs dessa forma a serviço dos colonizadores? Havia europeus; estes não tinham sem dúvida nem o gosto nem os
uma razão maior: na maioria dos países da Africa, da Asia e meios para se envolver em verdadeiras guerras, que teriam
da América pré-colombiana, as formas de apropriação privada sido extremamente difíceis se tivessem ocorrido realmente. Os
do solo eram extremamente raras, pois a terra era ao mesmo povos colonizados foram traídos e vendidos pela · minoria de
tempo propriedade no seu conjunto do soberano, que recebia privilegiados que os tinha dominado até então. Sem essas ·
o imposto, e das comunidades aldeãs e tribais; quando o sobe- traições é provável que a expansão colonial não se tivesse
rano doava um feudo a um de seus vassalos, não se tratava de tornado o grande fenômeno histórico que ela foi.
um direito de propriedade sobre um terreno, mas somente do A conquista colonial aparece como a conseqüência das
direito de receber ós impostos em seu nome. Os europeus grandes diferenças que existiam entre as estruturas de dois gran-
introduziram nesses países relações sociais fundamentalmente des tipos de sociedades. Os Estados que e~tavam superpostos
diferentes, baseadas na apropriação privada do solo; muitos no- a uma coleção de pequenas células aldeãs autárcicas, estrutura
táveis indígenas tinham, pois, um grande interesse em se. ligar estilhaçada, de qualquer forma, foram incapazes de resistir aos
à colonização e às suas concepções fundiárias, de maneira a golpes das forças propulsoras de sociedades cujos elementos
transformar seu direito fiscal em direito de propriedade total. articulavam-se num todo. Esta coesão das sociedades européias
Os "Zamindar" indianos, antigos zeladores gerais, tornados, resulta de uma evolução histórica, cujo momento decisivo foi
graças à colonização, proprietários das terras onde recebiam o a Revolução Industrial. A fragilidade das sociedades que· seriam
imposto, constituem o exemplo mais célebre. colonizadas era, pois, devida, em grande parte, à manutenção
Ainda mais, a instauração da propriedade privada do solo de estruturas sociais muito antigas, cuja evolução estava para-
favoreceu o desmantelamento das comunidades aldeãs. Na lisada há muitos séculos. Se esta evolução tivesse continuado,
medida em que suas forças e seus direitos declinavam, o cam- essas sociedades não poderiam ser colonizadas. Elas não teriam
ponês caía cada vez mais sob o domínio do grande proprietário. evoluído mais tarde para o subdesenvolvimento.
Assim, relações de dependência pessoal apareceram, e o cam- Isto nos leva ao ·problema que foi evocado anteriormente.
ponês, que à comunidade ancestral não mais protegia, foi estrei- Por que sociedades que tinham até então realizado os pro-
tamente submetido aos · poderosos. A destruição das antigas gressos mais notáveis não foram capazes de prosseguir sua evo-
estruturas sociais pelos colonizadores, que provocou um for- lução? Por que países cujo nível técnico e científico era na
midável crescimento dos poderes da aristocracia .autóctone, Idade Média superior ao que caracterizava a Inglaterra no
mostra-nos por que ela se tornou sua aliada. Quanto aos euro- começo do século XVIII não foram capazes ~e fazer a Revo-
peus, tinham necessidade de encontrar apoios para conquistar lução Industrial? Enfim, por qúe essas sociedades, não conten-
e controlar o país; deram, pois, este considerável aumento de tes de cessar seu progre~~o, registraram uma sensível regressão
poderio àqueles que se tornaram seus "colaboradores". Os durante um período mais ou menos longo antes da .chegada das
primeiros a o fazerem foram aqueles que estavam mais ou forças dos colonialistas europeus? Vemos a amplitude e a
menos em conflito com o soberano e que perderam ou viram an:iguidade dos problemas históricos aos quais conduz a pes-
recusados seus direitos fiscais. Em alguns países, o próprio qmsa das causas profundas do fato atual que é o subdesenvolvi-
rei se interessava em se colocar sob um protetorado que lhe mento. Levando em conta o medíocre avanço da história · com-
dava, como compensação à redução de seu papel político, subs- p~ada extra-européia, s6 é possível esboçar, em grandes linhas,
tanciais vantagens. A maioria das aristocracias autóctones h1póteses e tentativas de solução.
renunciaram a uma parte de suas prerrogativas políticas (de

208 209
A BURGUESIA bertas técnicas que desencadearam a Revolução Industrial. Co-
CLASSE ESPECIFICAMENTE EUROPÉIA mo mostra P. Bairoch Ol por numerosos exemplos, os progressos
da técnica, ou melhor, suas aplicações práticas, foram determi-
B possível apreender a contrário as razões pelas quais u
Revolução Industrial não pôde se realizar na Ásia no fim da nados no século XVIII, por fatores econômicos bem mais ge-
rais : foi amiúde o aumento da produção, resultado de iniciativas
Idade Médk evocando as causas do crescimento industrial da
complexas, que necessitou a aplicação de procedimentos técni-
Europa no decorrer dos séculos XVII I e XIX. Por que a
cos novos para quebrar os pontos de estrangulamento que
Revolução Industrial se realizou primeiramente na Inglaterra?
Não foi uma particular riqueza do ):Otencial agrícola britânico, apareCiam.
cuja composição natural era mais ._b que medíocre na época, o A presença de uma burguesia influente e o papel inovador
que explica o desenvolvimento agronômico que precedeu o dos empresários que dela se originaram constituem o fator
crescimento industrial. Não foi também, inicialmente, o po- fundamental do surgimento da Revolução Industrial.
tencial carbonífero: a Inglatett8: não foi a primeira nem a única Para os europeus, a presença no seio da sociedade desta
a extrair o carvão de seu subsolo. Prioridade nas inovações classe social, cujo papel foi tão essencial, é um fato a tal ponto
técnicas? O grande número das invenções que foram aplicadas evidente e necessário que lhes parece banal. Contudo, a exis-
na Inglaterra nesta época não se deve tanto a um espírito parti- tência secular da burguesia, seu papel decisivo na evolução his-
cularmente inventivo dos ingleses, mas antes à sua preocupação tórica, não se reencontra na maioria dos países que formam
nova de tirar proveito daquilo que continuaria como curiosi- hoje o Terceiro Mundo. As verdadeiras burguesias são excep-
dade de salão ou de laboratório . A causa primeira do desen- cionais fora da Europa Ocidental e da América do Norte.
volvimento econômico ela Grã--Bretanha reside na existência de No entanto o mundo árabe, a China, a !ndia conheceram
um grupo de hcmens com uma n1e11talidade produtivista , que durante séculos uma grande atividade comercial e os comer-
se apoderaram das invenções e ctiaram as condições para que dantes ocuparam freqüentemente um papel de destaque na
essas inovações pudessem ter seu efeito e pudessem lhes. fazer hierarquia social. No entanto, esses :e ;lados poderosos e berr;
ganhar o m_áximo de dinheiro, possível. . Esses "empresários" organizados se apoiavam sobre funcionários numerosos. Esses
eram essencialmente egressos cta bu.rgues1a. comerciantes e funcionários, apesar de sua atividade, não se
Existiam também burguesias :c.cs outros países europeus. constituíram em burguc _:ias, mas sim em aristocracias mercan-
Em épocas diferentes, elas tentar.: . •.n realizar transformações tis e em burguesias ~~ - -::tocráticas. Esses comerciantes e fun-
importantes na economia. l\l:as su?,s tentativas falharam, pela cionários faúam parte mtegrante da minoria que gozava dos
ausência de uma conjuntura histórica favorável e de uma evo- impostos pagos aos soberanos pelas comunidades aldeãs . Na
lução suficiente das técnicas . Contudo, cada um desses impul- Europa Ocidental, a riqueza da burguesia, que tirava seu lucro
sos sucessivos deixou, apesar de seu malogro relativo, uma dos capitais que investia, tinha uma origem radicalmente dife·
espécie de conquista, que serviu de base ao impulso seguinte. rente da dos senhores que viviam do produto das terras con-
Assim, a Inglaterra aproveitou-se grandemente da tentativa quistadas e cultivadas por uma mão-de-obra servil. A relação
espanhola, que se arruinou sob a inflação causada pelo afluxo de produção "burguesa" era absolutamente diferente da relação
dos metais preciosos americanos. A burguesia inglesa encon- de produção "feudal". Fora da Europa, a riqueza do chefe de
trava-se numa situação política muito favorável: tinha cnegado guerra e a do comerciante tinham de fato o mesmo funda-
a restringir consideravelmente os poderes dos nobres e da Co- mento: o imposto pago ao Estado, possuidor do conjunto das
roa; esta limitação dos poderes financeiros do soberano evitou terras. Muitas vezes, o soberano remunerava os serviços dos
que os empreendimentos reais pudessem, como ocorreu na soldados como os do comerciante atribuindo-lhes o direito de
França, concorrer para os investimentos industriais e comerciais. explorar em seu nome, por algum tempo, os impostos sobre
o desenvolvimento agrícola, industriàl e comercial da
Grã-Bretanha mostrou o caminho a seguir aos burgueses dos
( 1) P. BAIROCH, Révolution industriella et sous-developp6-
diversos Estados da Europa Ocidental. Não foram as dcsco- ment, S.E.D.E.S., 1963, pág. 360.

210 211
um certo número de comunidades aldeãs. Fora da Europa, a meio de produção, e não provam, pois, a existência de um modo
ausência da apropriação privada das terras impediu a constitui- de produção escravista. Relações de dependência pessoal exis-
ção de uma classe de proprietários fundiários de tipo senhorial. tiam de fato, principalmente nas cidades, mas não podem ser
O antagonismo fundamental que apareceu na Europa Oci- consideradas como índice de um modo de produção feudal, pois
dental entre nobres e burgueses não existiu na verdade fora sua incidência econômica era extremamente reduzida.
dela. Enquanto na Europa, apesar de sua riqueza, o burguês O modo de produção que se denomina de "asiático", à
não fazia parte da classe politicamente dirigente e mais privi- falta de um termo mais preciso, parece ter caracterizado a
legiada, na Asia e no Oriente Médio, o comerciante era inte- maior parte do globo durante um período extremamente longo,
grado na aristocracia dirigente, exatamente devido à sua riqueza. sem registrar uma evolução fundamental. De fato, a contra-
Por que não se constituíram verdadeiras burguesias no dição que existia entre as comunidades rurais e a aristocracia
curso dos séculos em diversos países extra-europeus? Este pro- não se desenvolveu. A apropriação do excesso de produção
blema é evidentemente muito vasto e complexo, e só agora os não conduziu à apropriação dos meios de produção. Por quê?
historiadores começam a colocá-lo para si mesmos. Esperando Pelo momento, as hipóteses são muito vagas para que possam
suas conclusões precisas, o geógrafo, para explicar um fato ser formuladas. Somente é possível comprovar que não estando
atual, pode leg1timamente traçar um esboço de solução. os antagonismos internos destas sociedades em condições de
se desenvolver, elas não evoluíram senão fragilmente e não
O estado econômico e social caracterizado pela existência
puderam passar para novos modos de produção. Esta estagna-
------ de uma minoria gozando do excesso de produção sem possuir
~ privativamente a terra, que continua nas mãos da comunidade ção pode parecer hoje "anormal". Ela sucede de fato a um
período de progresso espetacular, precedido por muitos milênios
"i!.\deã, este modo de produção asiático, rapidamente descrito
de imobilismo quase total. A maioria das sociedades foram
po"f Marx, existiu (com algumas nuanças sensíveis) durante
"normais", estáveis e equilibradas até entrarr~m em contato
longos períodos, na maior parte do mundo. Este modo de
com uma sociedade totalmente diferente: a da Europa Ociden-
..1 prod\ição, que realiza a exploração do homem pelo homem
tal. Ao longo dos séculos, sua evolução, apoiada em bases
I
q,ue
sem exista propriedade privada do solo, aparece historica-
talvez ligeiramente dessemelhantes, tornou-se cada vez mais
mente 'tomo uma das primeiras sociedades de classe. O papel
rápida e diferente da de outras !.Ociedades. A evolução da
organi7Ádor da minoria aristocrática permitiu o reagrupamenLo
maioria do globo não foi anormal, o destino da Europa Oci-
.-·-·-····-·-~-ª-s.--forças de múltiplas comunidades aldeãs, o que tornou possí-
dental é que foi excepcional.
vel a realização de grandes trabalhos hidráulicos, e criou os
Excepcional foi a evolução na Europa do "modo de pro-
meios para se obter um importantíssimo aumento da produção.
dução" asiático no mundo greco-latino, para um sistema escra-
A passagem do estado da comunidade primitiva ao do "modo
vista, onde alguns chegaram a se apropriar das terras e dos
de produção asiático" acompanhou-se de um grande avanço das
produtores. Sobre essas bases excepcionais, desenvolveu-se na
forças produtivas, pois os homens não mais enfrentavam a
Idade Média, numa parte dos países que se separaram do
natureza de forma dispersa.
Império Romano, um sistema feudal, cujo caráter único no
Mas na maioria dos países, a evolução das estruturas mundo foi demonstrado pelos historiadores. O) É verdade que
sociais fundamentais parou neste ponto. As comunidades nos outros países as formas de vassalagem, de dependência, de
tribais ou aldeãs continuaram com a posse da terra e o modo clientela, não faltaram, em épocas aliás muito variadas. Mas
de produção continuou essencialmente comunitário. A minoria a expressão feudal, o verdadeiro feudalismo, que reúne as for-
aristocrática, gozando da renda dos impostos, que ela percebia mas de dependência pessoal e a apropriação privada do solo, s6
devido aos seus poderes funcionais, não estava em condições se encontra na Europa Ocidental.
de realizar uma apropriação privada do solo, nem de intervir
I diretamente na produção. Uma parte das rendas que ela per-
' I cebia servia-lhe para obter escravos. Mas estes eram sobretudo ( 1) M. BLOCH, La societé féodale, la formation des liens de
d,'pendena, A. Michel, 1949, pág. 472. · R. BOUTRUCHE, Seigneu-
servidores, soldados ou objetos de luxo e não intervinham cpmo rie et féodalité, Aubier, 1959, pág. 422.

212 213
Um dos fatôres mais importantes da constituição da indi- c;.; historiadores, o sistema feudal tomou as reformas mais aca-
vidualização da burguesia parece ter sido a grande redução das badas e onde, devido a isso, as contradições internas puderam
trocas comerciais e da circulação monetária do século VI aos se desenvolver mais intensamente.
séculos X-XI, período durante o qual foram lançadas as bases Apesar de que não seja ainda possível discernir as causas
da organização feudal. A terra e o pessoal que a trabalhava longínquas, um fato histórico fundamental caracteriza o con-
foram, devido a isto, considerados como os únicos valores e o junto dos países que são hoje subdesenvolvidos: são regiões
suserano não tinha senão uma forma de recompensar o vassaio: sem burguesia. Qualquer que seja o nível de civilização que
conceder-lhe uma "feitoria": não um direito fiscal como alhu- tenham atingido, sua evolução econômica e social se efetuou
res, mas um direito de propriedade (mais ou menos parcial) sobre bases e em condições tais que as estruturas específicas
sobre uma terra e aqueles que a cultivavam. O comerciante, do feudalismo europeu não ocorreram: os fatores de individua-
muito escasso na época, foi ignorado, esquecido, e de qualquer lização e de desenvolvimento da burguesia não apareceram.
forma seu lugar não foi previsto na estruturação social em três A fraqueza das contradições no seio dessas sociedades levou
"ordens". Quando as relações comerciais e monetárias reto- a uma diminuição no ritmo de sua evolução. A aristocracia
maram sua importância, os comerciantes não encontraram um (muito diferente da européia ocidental) que existia nesses
lugar em nenhuma das partes de um sistema que não previa oaises, na maioria dos casos, não estava em condições de mudar
sua existência. Assim, não podendo se integrar na nobreza, qualquer coisa de fundamental. A ausência de ~ma classe
constituíram pouco a pouco uma classe social bem individuali- social dinâmica, desejosa de subverter para seu mteresse a
zada, cujo interesse era destruir o sistema feudal para substituí- ordem estabelecida tornou impossível a realização de uma
) d ' .
-lo por uma ordem de coisas à sua medida e conforme com revolução econômica, o que manteve portanto o esta o tecmco.
seus interesses. Essa~ :;odedades esclerosadas foram incapazes de resistir ao
Nas !ndias, na China, no mundo árabe, onde as estruturas avr.111;0 ,~olonial.
feudais não se tinham estabelecido, as trocas e a circulação p,_ extensão do fenômeno colonial não teria sido possível
monetária não tiveram, ao que parece, um tão longo eclipse. scE:;. este atraso histórico e sem a cumplicidade de uma grande
Também os comerciantes continuaram integrados permanente~ patte da aristocracia autóctone. A colonização realizou ~ des-
mente à minoria aristocrática. t..:·uição da sociedade tradicional e a introdução, numa soCiedade
As contradições desenvolvidas pela estreita estruturação dominada, do sistema capitalista para benefício exclusivo de
do sistema feudal europeu provocaram a individualização da uma minoria privilegiada composta dbs colonialistas e dos
J
! burguesia e, em conseqüência, seu papel essencial na evolução notáveis indígenas que se ligaram a eles.
econômica e social.
Os historiadores estão em condições de traçar os limites MINORIAS PRIVILEGIADAS
da extensão do feudalismo "verdadeiro" (melhor seria dizer: DOTADAS DE PODERES EXORBITANTES
do sistema feudal, cujas estruturas foram as mais contrastantes
e logo mais favoráveis ao desenvolvimento das contradições e Nesta transferência para fora das plagas européias onde
portanto à sua destruição). Seus limites englobam a Inglaterra, ele tinha lentamente se elaborado, o sistema capitalista sofre!!
a Bélgica e os Paíse& Baixos, a França, uma grande parte da uma considerável transformação: na Europa Ocidental, a -rela-
Alemanha e da Itália, quer dizer, no essencial, os locais onde ção de produção capitaiista se caracterizou pelo desaparecimento
se desenvolveram possantes burguesias, os países onde essen- das relações de dependência pessoal que representavam um pa-
cialmente se realizou a Revolução Industrial. Os Estados Uní- pel tão importante no sistema feudal: entre o capitalista e o
dos e o Canadá foram principalmente povoados por populações trabalhador não existe teoricamente senão um contrato estabe-
vindas desta pequena parte da Europa. E um fato notável que lecendo sobre a venda e a remuneração de um certo tempo de
trabalho. Na Europa Ocidental, o sistema capitalista liquidou
o berço da Revolução Industrial, a Inglaterra, onde a burguesia
progressivamente os antigos modos de produção; nos Estados
representou um papel tão conhecido, foi o país onde, segundo
215
214
Unidos, no Canadá e na Austrália, ele se difundiu em geral binação do capitalismo, modo de produção dominante, e do
sobre um terreno praticamente virgem. modo de produção escravista. Um dos maiores tráficos de
Ao contrário, nos países colonizados, o sistema capitalista escravos da história foi o realizado para a América pelos capi-
foi objeto de uma verdadeira desnaturalização: os poderes j:í talistas europeus dos séculos XVIII e XIX. As seqüelas dessa
consideráveis dos possuidores de capitais foram enormemente economia servil são ainda muito importantes na América.
reforçados, combinando-se com os que detinham os senhores ou Os poderes de que dispõem essas minorias privilegiadas
mestres de escravos. Esta adulteração do sistema capitalista foi permite-lhes realizar retiradas tão importantes sobre os recursos
provocada em primeiro lugar pelo próprio colonialismo. Numa do país que a grande massa da população é quase privada do
época em que triunfavam teoricamente, na Europa, os princípios poder de compra; o que tem por efeito entravar o desenvolvi-
da livre empresa, os países colonizados foram submetidos a um mento de uma economia moderna que, tecnicamente, poderia
regime de monopólio verdadeiramente sem freio. Não contentes produzir muitas vezes mais. Esses poderes desmesurados cons-
de se beneficiarem com a fragilidade técnica e financeira das po- tituem o principal obstáculo a todo progresso econômico e social.
pulações, os homens de negócio europeus, cujo sucesso estava Numa grande parte do Terceiro Mundo os poderes dessa mino-
contudo assegurado pelo simples jogo das forças econômicas, ria foram consideravelmente aumentados pelo colonialismo .
exigiam e obtinham o apoio da administração colonial e suas Contudo, a quase totalidade dos países estava, bem antes
tropas. Na época em que vigorava o livre câmbio, as colônias da colonização, sob o domínio de uma aristocracia bastante
continuavam estreitamente subjugadas ao "pacto colonial". No privilegiada, que se tornou cúmplice dos colonialistas. Em certos
conjunto dos países colonizados, a, aliança dos colonizadores e casos, o reforçamento de seus poderes pela combinação com os
da aristocracia autóctone pré-capitalista deu origem a um sis- meios do capitalismo não teve necessidade do colonialismo para
tema capitalista adulterado, onde a relação de produção capita- se realizar. Em certos Estados, colocados em certas circunstân-
lista está estreitamente combinada com as relações arcaicas, o cias históricas, foi a minoria privilegiada autóctone (ou uma
notável indígena beneficiou-se da decadência das estruturas tra- parte somente) que realizou para seu exclusivo benefício a
dicionais para se arrogar pocieres que nunca existiram anterior- introdução da economia moderna: este foi o caso do Japão, da
mente (possessão de terras, submissão direta do camponês à Turquia, da Espanha etc.
servidão etc.); de outro lado, transformou-se num capitalista A análise das estruturas sociais antigas, marcadas pela pl'i':-
(produz mercadorias de exportação e efetua muitas vezes a venda sença de aristocracias privilegiadas bem antes da época moder-
dos objetos importados). Quanto, aos colonizadores, juntaram na, permite compreender uma parte dos casos que atestam um
aos poderes que exerciam enquanto capitalistas, métodos de desnível espacial, existente entre a extensão do fenômeno de
comando e forma e de dominação principalmente feudais ou colonização e o de subdesenvolvimento. Tenha ou não inter-
escravistas. Resultado de um acasalamento histórico monstruo- vindo o colonialismo, a difusão da economia moderna na super-
so, os poderes da minoria privilegiada num país subdesenvol- fície do globo, a difusão da economia moderna na superfície
vido são objetivamente exorbitantes, pois ultrapassam em poder do globo provocou uma evolução que conduziu ao subdesen-
a autoridade que exerce o capitalista no verdadeiro sistema capi- volvimento em todos os países sem verdadeira burguesia, nos
talista, assim como a autoridade que detinha o senhor feudal países dominados por aristocracias dotadas de poderes arcaicos.
no sistema propriamente feudal. Este sistema capitalista mons- Essas, quer sejam estrangeiras ou autóctones, tiraram grande
tro não pôde se realizar senão em países onde a massa das po- proveito em combinar esses poderes às relações de produção
pulações era tecnicamente atrasada e sobretudo politicamente capitalistas. As consideráveis retiradas que elas tiveram, devido
subjugada. a isto, condições de operar, impediram o desenvolvimento do
Saído das regiões onde se constituiu pela eliminação dos mercado interno, o que bloqueou em conseqüência o desenvol-
modos de produção superados, o sistema capitalista apresentou vimento econômico. Por outro lado, as transformações sani-
uma nítida tendência a criar relações de produção arcaicas: a tárias que realizaram impulsionaram em seguida o crescimento
economia de plantation foi até o fim do século XIX uma com- demográfico.

216 217
podido açamb.rcar imensos domínios , os grandes proprietários
Pelo contrário, o sistema colonial não conduziu ao subde-
argentinos tinham a mão-de-obr2. sob seu domínio; eles constÍ·
senvolvimento nos países onde não existiam essas aristocracias
tuíam uma minoria privilegiada, cujo comportamento está na
com direitos arcaicos logo transformados em privilégios exorbi-
origem do subdesenvolvimento do país.
tantes. No Canadá, nos Estados Unidos, na Austrália, na época
decisiva em que foram criadas as estruturas sociais e em parti- Fora da Europa Ocidental, da Inglate!:ta, pode-se
cular as estruturas agrárias, a população veio essencialmente dizer, a difusão da economia modema, tenha ou não se efetua-
da Europa Ocidental, de países dotados de burguesias sólidas; do com relação colonial, teve conseqüências radicalmente dife-
com a instalação desses europeus num país quase virgem (os rentes segundo as estruturas sociais dos países. l''ios Estados
indígenas foram isolados ou destruídos), e pelo fato de cada onde existia uma burguesia poderosa, onde a vida política se
um deles poder se tornar proprietário de um pedaço de terra , desenvolvia de maneira relativamente democrática, onde as
foram implantadas estruturas sociais de tipo exclusivamente relações sociais eram essencialmente capitalistas, o fenômeno
capitalista, libertas de toda forma de relações pré-capitalistas. relaciona! deu nascimento a uma situação de desenvolvimento.
Vindos de sociedades onde os burgueses eram numerosos e Nos países colonizados ou não onde não existia verdadeita bur-
ativos, os "empresários" foram numerosos e imprimiram um guesia, onde as estruturas políticas não são absolutamente demo-
grande impulso à vida econômica . cráticas, onde as relações de produção capitalistas se combinam
Por outro lado, o poder da burguesia implica condições com relações arcaicas, dando assim a uma minoria privilegiada
sociais e políticas relativamente democráticas. Com efeito, na poderes exorbitantes, a difusão do sistema capitalista provocou
Europa, nos conflitos que a opuseram à nobreza, a burguesia a criação progressiva de condições que conduziriam à sua atual
não teria podido vencer sem o apoio dos camponeses e dos situação de subdesenvolvimento.
operários ; ela não poderia agrupá-los em torno de si senão em O violento contraste que existe nos Estados Unidos enue
nome da Liberdade, da Igualdade (política) para todos. Uma o "Velho Sul" e o resto do país é uma dernonsttação dessas
vez no poder, os dirigentes burgueses não puderam fazer tabula duas regras. As grandes plantations escravistas de antes da
rasa dessa idealogia democrática, nem impedir a generalização guerra da Secessão enraizaram nesta região estruturas econômi-
progressiva dos direitos políticos ao conjunto da população . cas e sociais tais que ela evoluiu para o subdesenvolvimento,
O relativo igualitarismo agrário, a força das estruturas apesar do desenvolvimento do resto do país. Por vários sinto-
democráticas, a presença de uma burguesia relativamente impor- mas (forte natalidade dos negros; dificuldades ag,'ádas, fraca
tante impediram, nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália, industrialização, ausência de democracia; leis racistas, colocnndo
que o sistema colonial provocasse a aparição de uma minoria os negros numa condição de subordinação, para maior benefí--
privilegiada dotada de outros poderes além dos capitalistas. cio de uma fração dos brancos, pois a gente de cor concorre com
Como esses capitalistas não poderiam realizar senão retiradas os "pobres brancos") , os Estados "sulistas" evocam ainda a
relativamente mínimas (em relação, é claro, com as que podem situação de subdesenvolvimento, apesar dos esforços empreen-
efetuar nos países subdesenvolvidos), e como as atividades didos há vários decênios para atenuá-la. A diferença entre essa
produtivas eram impulsionadas por numerosos empresários, o região subdesenvolvida inclusa num Estado de economia extre-
poder de compra médio elevou-se rapiadmente, o que provocou mamente desenvolvida e um país marcado pelo subdesenvolvi-
um desenvolvimento econômico de uma tal potência que se mento sobre todo seu território é que a primeira região registra
tornou lucrativo transferir capitais da Europa para esses países, hoje uma pressão demográfica bem menor: com efeito, uma
alguns dos quais estavam ainda sob a tutela de uma metrópole. grande parte dos negros do old deep south emigrou para outros
Estados da União.
O afluxo de populações de origem européia e a quase
ausência de indígenas, a estreiteza das relações econômicas com A introdução da economia moderna numa sociedade sem
a Europa, não foram fatores suficientes para que a Argentina · verdadeira burguesia, dominada por uma minoria feudal, con-
se comparasse ao Canadá, por exemplo. As estruturas agrárias duz, mais cedo ou mais tarde ao aparecimento da situação de
desses dois países são com efeito bastante diferentes. Tendo subdesenvolvimento. O exemplo japonês, devido exatamente

218 219
à sua excepcionalidade, é particularmente significativo. Pelas origem desses poderes exorbitantes tão raramente estudados nos
causas que foram evocadas anteriormente, o país foi empurrad o tratados de economia política . Mas o colonialismo não é a
para o subdesenvolvimento , apesar de um notável crescimento única causa dessa adulteração. As minorias privilegiadas autóc-
industrial. Não oferecendo o mercado interno senão um frág il tones, zelosas de sua autoridade política sobre o Estado, a teriam
poder de compra, devido à fraqueza do poder de compra das realizado sem intervenção exterior. Assim, depois de ter rom-
massas, pressionadas pelo Estado e pelos senhores feudais , es te pido com Lisboa e Madri, os privilegiados da América Latina
crescimento industrial teria rapidamente fracassado sem os co- reforçaram consideravelmente suas vantagens e estenderam seus
mandos militares e sem os mercados conquistados pelo impe- monopólios. A amplitude atual de seus poderes resulta tanto
rialismo japonês, que se aproveitou por muito tempo das riva- do colonialismo semu stricto como dos 150 anos de "indepen-
lidades entre as grandes potências. dência" que se lhe seguiram. Não é o fato de ser estrangeira
que torna particularmente nociva uma minoria privilegiada, é
Uma evolução idêntica para o subdesenvolvimento espe- a proporção enorme das retiradas que ela faz. Os abusos das
rava sem dúvida a Rússia; ela começara a sua indus trialização minorias autóctones são tão grandes (se não maiores) quanto
em condições econômicas e sociais que eram, sem levar em os do colonialismo estrangeiro e se, etnicamente elas são "indí-
conta a f diferenças não essenciais , bem vizinhanças às do Ja- genas"' suas ligações com o exterior são enormes.
pão: po ;:mlações quase servis, poderes considerá veis dos privi-
legiados , fraqueza da burguesia, industrialização buscando mer- Por que proceder a esta relativa minimização do fenômeno
cado atcavés dos comandos estratégicos e militares. A Rússia colonial enquanto causa do subdesenvolvimento? Não se trata
de 1917 não era ainda, contudo; um país subdesenvolvido: seu de fornecer circunstâncias atenuantes num julgamento póstumo
crescirr ento demográfico era moderado ( 1 ,5 % ao ano), o cres- ou, por razões mais fortes, num processo de reabilitação. Os
cimento econômico era bem intenso, as exportações agrícolas crimes qu e foram perpetrados durante a conquista, para semear
bastarte abundantes. Posstvelmente uma evolução "à japonesa." o terror, as políticas de genocídio que foram friamente reali-
esperwa-a. A Revolução, quebrando os poderes das minorias dadas contra certas populações, os métodos que foram empre-
privilegiadas e criando estruturas econômicas e sociais novas, gados para destruir os movimentos de libertação impedem
ant'ô:s que se deflagrasse um crescimento demográfico de smesu- qualquer indulgência.
rado, paralisou nitidamente essa evolução para o subdesenvol- Analisar o papel que teve o colonialismo stricto sensu no
vimento, e orientou o país para o desenvolvimento. O exemplo processo histórico do aparecimento do subdesenvolvimento não
da URSS parece pois indicar que .somente transformações estru- significa minimizá-lo. Ao contrário, o colonialismo deve ser,
turais radicais, efetuadas antes da revolução médica , antes que considerado como um aspecto particular de um fenômeno bem
o crecimento demográfico pudesse se tornar mais rápido qu e o mais vasto e bem mais permanente. A grande maioria dos paí-
crescimento dos recursos , poderiam interromper a evolução para ses subdesenvolvidos são hoje politicamente independentes há
o subdesenvolvimento dos países onde o sistema capitalista foi mais ou menos tempo, mas, exceto alguns casos, a quase tota-
combinado, em benefício dos privilegiados, com relações de pro- lidade entre eles continua dominada, explorada e entravada pelas
dução mais ou menos arcaicas. minorias privilegiadas que, na maioria dos casos, não perderam
Se o excessivo crescimento demográfico dos países do Ter- nada de seus poderes, apesar das aparências.
ceiro Mundo é o resultado indireto de sua estagnação econômica, Essa manutenção das minorias privilegiadas não deve ser
a causa fundamental do subdesenvolvimento é o poder exorbi- considerada como simples seqüela do colonialismo, ou como
tante das minorias privilegiadas ; elas reduzem de tal maneira efeito do neocolonialismo. Em numerosos países, o acesso à
o poder de compra das massas que o crescimento da produção independência resulta , na verdade, de um vasto movimento
é freado , a ponto de ser mais lento que o ritmo de crescimento popular, mas também da ação ambígua, mas contudo essencial,
da população. · de uma parte mais ou menos grande da minoria privilegiada.
Foi na verdade o fenômeno colonial que permitiu na Esta é levada a romper com a metrópole por diversas razões:
maioria dos casos, essa adulteração do capitalismo, que está na trata-se muitas vezes de um desacordo entre privilegiados autóc-

220 221
I
tones e colonizadores a propósito da repartlçao entre si dos A concepção do subdesenvolvimento como fenômeno indu-
lucros obtidos com a exploração do país. Estimando-se capazes zido, fruto somente do colonialismo, é não somente cientifica-
de assegurar a "ordem" na população, os privilegiados autóc- mente falsa mas, ainda mais, pol1ticamente muito perigosa. Em
tones reivindicam vantagens suplementares ou procuram chegar todos os países subdesenvolvidos, todo discurso oficial denun-
a acordos mais lucrativos com outros grupos financeiros inter- cia o coloníalismo, causa de todos os males . Os partidos mais
nacionais . Em muitos casos, os privilegiados estrangeiros ou reacionários não são os menos zelosos da independência nacio-
indígenas viram na independência um meio de se desembaraçar nal, nem os menos ardentes nas proclamações anticolonialistas,
dos regulamentos metropolitanos, que impediam certos açam- desejosos de encontrar também uma audiência popular. Para
barcamentos e interditavam certos procedimentos. Uma das numerosos governantes, agentes fiéis dos privilegiados, o colo-
causas da revolta dos colonos da América Latina foi o desejo de nialismo tornou-se um maravilhoso alibi: o crescimento da
se apossar das "terras da Coroa", mantidas até então ao abrigo
miséria, o desemprego, a fome, são imputados aos colonialistas
de suas empresas. Também, em numerosos países latino-ame-
e torna-se preferível que as massas se manifestem contra as
ricanos "a independência" agravou nitidamente a sorte das
comunidades indígenas. A brusca emancipação dada a nume- "intoleráveis ingerências estrangeiras" do que reclamem mu-
rosos Estados do Oeste africano não foi uma questão entre danças internas. Bem medíocre é a eficiência desses movimen-
notáveis autóctones e as grandes companhias, que não se opu- tos populares contra os grandes " trustes" internacionais que
-,;e ;·;ün a ida? Recentemente, apesar de ser independente há possuem todas zonas de produção substituíveis. A única ma-
data, a Uniâo Sul-Africana não decidiu abandonar a neira de lutar contra o neocolonialismo é se desembaraçar das
r(.oi;,monwealtb pat , poder aplicar sua política de appartheid minorias privilegiadas, sem o que não é possível grande coisa.
em lYiZ? 1:.:ste E < .-,do não reclama a independência dos terri- Atribuir todas as dificuldades dos países subdesenvolvidos aos
tórios controlados por Londres, para poder estrangeiros, aos "colo':lialistas", é realizar a camuflagem do
explorá-los lYk~,, ,::omodamente? É verdade que muitas inde- papel essencial que reptesentaram, desde a independência, os
pendénd:'ls dve.u\m felizmente um conteúdo mais positivo; privilegiados autóctones ; é admitir que todas as categorias sociais
±oram aquelas realizadas de maneira mais difícil, pela luta de de um país do Terceiro Mundo, das mais ricas às mais pobres,
todo o povo. lvlas até o presente, com exceção de alguns raros são vitimas. Isto consiste em confundir o explorador e o explo-
-.~asos, a independência política não levou à diminuição dos po- rado, sob o falacioso pretexto de que um como outro não são
deres da mincria privilegiada. Ela se mantém e, às vezes, europeus e têm a mesma religião, a mesma raça ou a mesma
teforçada. nacional)dade. Esta tendência confusionista se estende cada vez
O subdesenvolvimento foi definido como essencialmente mais aos meios políticos mais diversos.
um desequilíbrio interno. Também suas causas fundamentais
não devem ser procuradas no exterior do país. Foram causas Deve-se a ela por exemplo o conceito de "burguesia na-
internas que permitiram e permitem ainda aos fatores exteriores cional" como oposta aos interesses estrangeiros. Esta expressão
representar um tal papel. A dominação colonial não poderia ter- repousa sobre um duplo contra-senso: contra-senso sobre as
-se estabelecido sem o apoio pecisivo que lhe trouxe a minoria causas de sua participação no movimento nacional "anticolo-
privilegiada autóctone. Os grandes grupos financeiros não nialista"; para a maioria desses privilegiados, não se trata de
podem praticar uma política neocolonialista senão na medida modificar as estruturas fundamentais, mas de aumentar sua
em que encontram nos países os indispensáveis auxiliares. A parte nos lucros que fornece a exploração do país . Contra-senso,
economia moderna dos países do Terceiro Mundo é dependente de outra parte, sobre a verdadeira natureza desse grupo; colo-
a este ponto dos mercados exteriores, devido a fraqueza do cado aparentemente entre os mestres colonizadores e a massa
mercado interno. É preciso parar de estudar do exterior os da população, sua posição média lhe valeu a designação de bur-
países subdesenvolvidos. Sua evolução histórica e se-us proble- guesia. Na verdade não se trata de uma verdadeira burguesia,
mas fundamentais não são conseqüência de fatores externos, mas de proprietários de terra, de funcionários, comerciantes,
mas em primeiro lugar de causas internas. mais raramente industri8is; seus poderes nã<J s8o absolutamente

222 223
os do capitalismo normal. P. A. Baran Ol, para designar essa O subdesenvolvimento procede fundamentalmente da intro-
categoria social tão particular, emprega o termo "lupem bur- dução do sistema capitalista no seio · de sociedades anquilosadas
guesia". Mas, forjado à imitação de "lupem proletariado", este em estruturas sociais menos evoluídas em proveito de uma
termo não evoca em nada o poder abusivo desses privilegiados. minoria (estrangeira e autóctone), dotada de exorbitantes po-
Sua pretensa oposição ao "colonialismo" vale atualmente para deres políticos, econômicos e sociais. Essas retiradas restringem
esses governos reacionários de numerosos países subdesenvolvi- de maneira tal o mercado interno que as atividades econômicas
dos a ajuda dos países socialistas. Esta ajuda se junta assim modernas são limitadas e essencialmente função dos mercados
à sustentação que dão os Estados ocidentais e os grandes grupos externos. A pobreza geral e o subemprego maciço que daí
internacionais às minorias privilegiadas que dominam a maioria resultam favorecem a persistência de uma forte natalidade que,
dos países do Terceiro Mundo. combinada com os efeitos das necessárias melhorias sanitárias,
Quer dizer . que o acesso à independência não trouxe ne- provoca um forte aumento da população. O crescimento desta
nhuma conseqüência positiva nos países recentemente "desco- tende a ser mais rápido que o dos recursos de que dispõe efe-
lonizados"? É verdade que, na maioria dos casos, as mudanças tivamente.
ocorridas no seio da minoria privilegiada não modificam grande
coisa, ao menos de imediato. Contudo, a luta pela independên- As causas fundamentais da relativa estagnação econômica
cia ace~erou a tomada de consciência das massas. Começa a se que caracteriza os países subdesenvolvidos são, pois, bastante
produzir uma evolução decisiva quando, depois da decepção comparáveis às que provocam as crises de superprodução nas
causada pela fraqueza dos progressos que se seguiram ao fim economias desenvolvidas: a disparidade entre as possibilidades
da colonização, a população deixa pouco a pouco de colocar o produtivas e a redução da demanda solvente, devido à defei-
problema em termos de estrangeiros e autóctones, para se lan- tuosa distribuição da renda, com a diferença de que essas crises
çar numa verdadeira luta de classes: explorados contra explora- são temporárias e conjunturais, enquanto que a crise dos países
dores, quaisquer que sejam. do Terceiro Mundo é permanente e estrutural. Os períodos de
O subdesenvolvimento, fato atual de aparecimento relati- desemprego que ocorrem de tempos em tempos nos países desen-
vamente recente, é o resultado de causas que se desenvolveram, volvidos se opõem ao subemprl!go maciço, que é uma das carac-
combinadas e entrelaçadas, durante vários séculos: ausência de terísticas principais do subdesenvolvimento. Nos países subde-
burguesia, esclerose econômica e social, aliança dos privilegia- senvolvidos, a demanda solvente é tão reduzida, e a superpro-
dos autóctones e dos colonizadores, frágil resistência à expansão dução tão permanente, que ela toma a aparência de subprodu-
colonial, dependência política e econômica, constituição de po- ção; os investimentos produtivos não se efetuam, pois as pro-
deres exorbitantes da minoria privilegiada, deslocação das estru- duções não poderiam ser colocadas. Sendo muito baíxa a pro-
turas tradicionais, redução do mercado interno, orientação do pensão a investir, importantes capitais são exportados e recur-
setor de economia moderna para a exportação, evolução desfa- sos ·consideráveis ficam imobilizados.
vorável dos termos de troca, necessidade de melhorias sanitá- Enquanto a evolução dos países desenvolvidos, onde o
rias, crescimento demográfico acelerado. Algumas dessas causas podér de compra das massas registrou um progressivo aumento,
são bastante antigas, e muitas vezes deixaram de existir ( anqui- permite discutir a tese marxista da autodestruição do sistema
lose das sociedades tradicionais), outras só apareceram há alguns capitalista e permite contradizer a teoria da pauperização abso-
decênios (crescimento demográfico). Entre elas, algumas pre- luta, a evolução dos países subdesenvolvidos (os três quartos
cederam e condicionaram, outras se seguiram à causa primor- da Humanidade) dá plena razão a Marx. A miséria aumenta
dial: criada uma minoria privilegiada, que dispõe de extraordi- e o sistema capitalista há muito tempo paralisado está votado
nários meios de pressão e de retiradas, resulta uma verdadeira na maioria dos casos a uma destruição certa.
adulteração das relações de produção de tipo capitalista. Durante séculos, a evolução de numerosos países foi blo-
queada, malgrado um nível técnico que autorizava importantes
( 1) P. A. BARAN, Economia Política do Desenvolvimento, progressos. Hoje, o desenvolvimento dos países do Terceiro
Zahar Editores. Mundo é freado, apesar da existência de grandes possibilidades.
224 225
Num e noutro caso, o efeito de paralisação deve-se em última
análise à natureza particular das minorias privilegiadas: no
primeiro caso, as estruturas sociais eram tais que a aristocracia
reunia príncipes, soldados e comerciantes, o que impedia a
constituição de uma burguesia capaz de organizar a evolução
. econômica e social. Hoje a minoria privilegiada acumula os
poderes do capitalismo e do feudalismo, o que leva, como vimos,
à paralisação do crescimento econômico, na ausência de deman-
da solvente. PERSPECTIVAS
Apesar de ambas se caracterizarem por uma estagnação
num nível de produção bem inferior às possibilidades, essas
duas situações são contudo radicalmente diferentes: a primeira, A situação em qu~ estão os países d? :rerceiro Mundo ~·
"tradicional", era um equilíbrio devido à fragilidade das con- pois, completamente diferente da que e:nstta na Eu_ropa Ocr-
tradições internas e ao lento crescimento demográfico; durou dental, às vésperas da Revolução Industrtal. Esta f?1. um ~r~­
séculos. A segunda, a de subdesenvolvimento, é um desequi- cesso principalmente econômico, provocado p_or ~ulttplas tru·
líbrio fundamental: as populações crescem mais rapidamente dativas individuais dos membros de uma mmor1a atrva que,
que os recursos; as contradições internas são atualmente de uma colocados em condições favoráveis, tinham como móvel essen-
extrema violência; esta situação não pode mais perdurar. cial a busca de seu próprio lucro. Beneficiando-se de circ~ns­
Os freios que impedem o crescimento econômico dos países tâncias que resultavam de uma evolução secular, fruto da hvre
subdesenvolvidos são, como vimos, muito variados: a fome, as empresa, a Revolução Industrial foi um fenômeno espontâneo.
deficiências das populações, o analfabetismo, o subemprego, a Nunca foi um · problema crucial, nunca apareceu como. uma ne-
ausência de integração nacional, a dependência dos mercados cessidade· como o meio de impedir uma catástrofe coletiva. Mas
externos, a desarticulação dos setores econômicos, certos han- os povos' dos países subdesenvolvidos estão colocados. diante de
dicaps naturais, a fragilidade dos equipamentos e dos capitais, um problema dramático; o desenvolvimento econômtco é para
os poderes das minorias privilegiadas. Apesar de terem sido · des um imperativo absolutamente vital. "É manter-se aq_uém
criados em épocas diferentes, por forças entre as quais algumas da verdade não afirmar que a tarefa que vão empreender difere
não mais existem, eles se encadeiam num só feixe no presente. de todas as que nossos países ( desenvolvidos ) enfrentaram e
Não possuem todos a mesma potência. Alguns podem ser mais se mostra incomparavelmente mais difícil ... É no contexto de
rapidamente suprimidos, com a condição de que os homens o graves bandicaps sociais e políticos que os países subdesenvol-
queiram e façam o necessário. Outros não poderão ser ultrapassa- vidos devem realizar seu esforço". m
dos, senão através de longos esforços e depois de certos progres-
sos. Assim, a miséria, a ignorância, só poderão ser vencidas pro- O desenvolvimento econômico da Europa Ocidental foi o
gressivamente. Ora, e este é um fato essencial, a causa primeira resultado de uma lenta maturação, de uma acumulação pro-
do subdesenvolvimento - que são os exorbitantes poderes gressiva de benefícios comerciais, de uma evolução social d~
dos privilegiados - é ao mesmo tempo o principal freio, o origens antigas. A Europa Ocidental, de outra parte, beneft-
obstáculo dirimente que impede a realização de um verdadeiro ciou-se progressivamente de uma grand~ vantagem, a ~e ser
esforço de desenvolvimento, e o entrave que pode ser mais historicamente a primeira, de poder r<:altzar u_ma expafls~o co-
mercial e política considerável, e orgamzar a vtda economrca da
rapidamente quebrado; Diferentemente da maioria dos outros
maior parte da superfície do globo em função de suas necessi-
freios, cuja supressão exige antecipadamente um certo desen-
volvimento, os poderes dos privilegiados podem ser liquidados . dades e de seus lucros.
por um processo político rápido, malgrado as dificuldades que
ele precisa enfrentar : a Revolução.
( 1) G. MYRDAL, obra citada.
226 227
. ···-- · -· --·- - - - - ------------,

Os países subdesenvolvidos começam com uma desvanta- capital inicial é bem mais difícil e .isto numa época em que o
gem considerável: apesar de deverem à expansão européia a mercado internacional de capital é muito menor que no começo
existência de uma infra-estrutura econômica às vezes relativa- do século XX.
m~nte importante (rotas, estradas de ferro, portos) , esta não
detxa de apresentar lacunas graves; ela é às vezes dificilmente Por fim, e isto é o essencial, à diferença dos países desen-
utilizável em função das necessidades de uma economia que volvidos, cujo crescimento demográfico fez-se mais ou menos
procura s'!perar as tendências "centrífugas". A ação dos países ao mesmo tempo que o crescimento industrial, os países sub-
desenvolvidos teve também conseqüências negativas: jazidas desenvolvidos têm de superar o atraso considerável que a pro-
esg?tadas ou "desnatadas", solos arruinados por especulações dução teve em relação ao aúmento da população. A combinação
agrtcol~s despreocupadas com o futuro, orientações econômicas já relativamente antiga de um avanço demográfico às vezes
que podem levar hoje a verdadeiros impasses. muito intenso com uma estagnação econômica mais ou menos
Na Europa Ocidental, o desenvolvimento foi, em grande marcada, teve por resultado criar um desequilíbrio fundamental,
parte, possibilitado pela presença de uma burguesia e por uma muito difícil de ser modificado, e que é contudo· absolutamente
"certa mobilidade social", penhor da aparição desses "empre- necessário enfrentar. Os países hoje desenvolvidos atravessaram
sários", agentes do crescimento industrial. "Nenhum país hoje primeiramente um período de acumulação de capital, que foi
avançado apresentou, no momento de iniciar o desenvolvimento caracterizado, apesar da importância dos lucros exteriores, por
econômico, a excessiva rigidez das estruturas de classe própria duras privações impostas aos trabalhadores. Uma vez ultra-
dos países subdesenvolvidos de hoje. Os obstáculos iniciais às passada essa etapa, tendo o setor de capital produtivo adqui-
mudanças sociais que enfrentam as populações subdesenvolvidas rido uma grande importância, os capitais se acumularam relati-
são bem mais fortes do que existiram outrora nos países hQje vamente de maneira mais rápida que o crescimento demográ-
desenvolvidos". <1> fico, já em vias de atenuar-se; disso, resultou um aumento con-
A situação econômica e social, a ausência de uma burgue- siderável do nível de vida. Ao contrário, o nív.::l de vida atual
sia verdadeira, têm por efeito orientar as iniciativas dos homens dos países subdesenvolvidos é tão baixo que reclama ráoida
d~ ?eg6cio dos países subdesenvolvidos muito mais para as
melhoria. Qualquer que seja o regime, todos os países subde-
atlVldades ~e _especul~çã~, de intermediários que tiram proveito senvolvidos concebem · o desenvolvimento como a melhoria das
da dependencta econom1ca, do que para ações verdadeiramente condições de vida da massa.
criadoras. Por outro lado, os países subdesenvolvidos devem Em vez de estar em condições de passar primeiro por uma
tentar sua :xp~nsão comercial nu~ mundo dominado pelos fase de acumulação de capital e adiar o crescimento da renda
acordos ~c~momtco~ d~s grandes potencias. Apesar de poderem das massas, os países subdesenvolvidos devem, apesar de consi-
se beneftctar de tecmcas mais poderosas e mais evoluídas do deráveis dificuldades, aumentar o nível de vida de uma nopu-
que no , .
necessanos -
começo da. Revolução
sao multo .
maiOres.
Industrial' investimentos hoje lação que está em crescimento rápido e ao mesmo tempo efetuar
os investimentos exigidos pelos grandes progressos econômicos
Os países hoje desenvolvidos empreenderam sua decola- que lhe são indispensáveis. Com efeito, abstraindo-se de legí-
get? econômica a partir de uma situação incomparavelmente timas considerações humanitárias, as condições de vida das po-
ma1s próspera que a dos atuais países subdesenvolvidos. Sua pulações devem ser melhoradas imediatamente, pois suas defi-
"renda per capita é geralmente inferior, e na maioria dos casos ciências são tais que chegam a entravar seu crescimento eco-
. ~em d~vi?a ~mito inferior, à metade do que era, antes de su~ nômico. Por outro lado, a necessária ·diminuição das taxas de
mdustrtalizaçao, a renda da maioria dos países hoje avançados", natalidade é condicionada por uma certa alta do nível de vida.
escreve S. Kuznets. <2 > Nessas condições, a acumulação de um Reciprocamente, os progressos econômicos devem se efetuar a
um ritmo extremamente rápido, pois não somente devem seguir
o crescimento acelerado do efetivo das populações, mas ainda
( 1) G. MYRDAL, obra citada.
aumentar mais rapidamente que elas, para que possam ser me-
(2) S. KUZNETS, obra citada.
lhoradas suas condições de existência. Alta do nível de vida e
228
229
investimentos consideráveis aparecem como imperativos contra- meiro ano. Em seguida, esta despesa anual se elevaria progres-
ditórios, numa situação caracterizada pelo crescimento demo- sivamente, para atingir no fim do período uma soma qu_e
gráfico rápido e pela fraqueza dos meios de produção. O pro- varia de 250 bilhões a perto de 300 bilhões, conforme o cresci-
blema aparece já como insolúvel, ao menos nos quadros dos mento demográfico seja mais ou menos rápido. Estas s?mas
mecanismos clássicos da vida econômica. são enormes: elas representam cerca de 14% da renda naoonal
~da mais, a melhoria das rendas reais per capita e o do conjunto dos países desenvolvidos. Estes teriam, pois, que
crescunento econômico estão condicionados pela incorporação permitir aos países subdese':l~olvidos atingir um. nível de vida
de inúmeros desempregados e trabalhadores parcialmente ocupa- ainda bem modesto, consentir em despesas nitidamente supe-
dos: enquanto subsistir o setor subproletário, fora dos circuitos riores às somas que eles investem nas suas próprias economias.
monetários, o crescimento da renda nacional não terá significado No estado atual das coisas é, pois, perfeitamente utópico contar
para a grande maioria da população e o impulso econômico será com tal concurso.
entravado pela estreiteza do mercado. Por outro lado, se os países subdesenvolvidos não realizam
Ora, a liquidação rápida do subemprego é impossível nas por si mesmos o essencial do esforço, é certo, como o provam
condições econômicas e sociais dos países subdesenvolvidos, se muitos exemplos, que o investimento desses capitais de origem
cada emprego é condicionado pelo investimento anterior de um externa continuaria praticamente sem grande resultado. Sua
capital e pelo pagamento de um salário. As massas subempre- eficácia é, de qualquer forma, proporcional ao esforço interior
gadas são bastante consideráveis e crescem muito rapidamente, realizado pelo país beneficiário. A ajuda externa s6 se torna
os capitais são muito pouco abundantes e aumentam muito uma aiuda considerável quando o país atacou as causas funda-
lentamente. mentais do subdesenvolvimento. "A ação interna é uma condi-
A situação parece pois sem saída: 1.0 ) a etapa de acum"!l- ção essencial para a utilização eficaz das ajudas externas. Não
lação inicial dos capitais, tal como conheceram os países desen- existe solução do problema (do subdesenvolvimento) sem um
volvidos, parece excluir a possibilidade de um crescimento esforÇo constante e obstinado na frente interior. Capital is
imediato do nível de vida, que é contudo necessário; 2.0 ) como made at home Ul (R. Nurske) 12>.
encontrar, em países tão pobres, os enormes capitais que são - A ajuda externa é evidentemente útil, talvez seja indispen-
necessários para -esses consideráveis investimentos econômicos sável, mas ela não é certamente suficiente. No essencial, os
e demográficos? países subdesenvolvidos devem resolver por si próprios seus
A primeira forma de resolver o problema parece ser. à problemas fundamentais. As tentativas de crescimento, empre-
primeira vista, o recurso aos capitais fornecidos pelos países endidas através da imitação dos mecanismos que asseguraram
desenvolvidos. Esta solução é talvez possível para alguns pe- outrora o . crescimento dos países hoje desenvolvidos, mostra-
quenos países especialmente ajudados pelas grandes potências. ram-se ilusórias. Cada vez mais, mostra-se perfeitamente vão
Mas ela é vã na escala do conjunto dos países subdesenvolvidos. esperar -a constituição nos países subdesenvolvidos de uma so-
Com efeito, as somas que deveriam fornecer os países -de alto ciedade de tipo "ocidental" e confiar nos mecanismos da eco-
nível de vida são excessivamente consideráveis para que seja nomia capitalista para assegurar o desenvolvimento. "A idéia
razoavelmente possível esperar tais donativos. Assim, para do- de que êsses países poderiam se desenvolver segundo um pro-
brar em 35 anos o nível de vida, não da totalidade das popu- cesso de transformação mais ou menos paralelo ao dos países
lações do Terceiro Mundo ( 2 400 milhões), mas somente dos hoje avançados. . . é superficial e radicalment~ falsa. Todos
1 600 milhões de homens que vivem nos Estados onde a renda os seus problemas são diferentes" 13 >.
nacional per capita é inferior a 100 dólares, seriam necessários,
estimava-se em 1956 m, 50 a 60 bilhões de dólares já no pri-
(I) Em inglês no original: "o capital é feito em casa". (N. do T.)
(2) R. NURSKE, obra citada.
(I) L. T ABAH, obra citada. (3) G. MYRDAL, obra cita_da.

230 231
Para serem reais e eficazes, as políticas de desenvolvi- melhor nutrido. f: verdade que a pobreza que existe nas cida-
mento aplicadas no Terceiro Mundo devem enfrentar as carac- des da América Latina não é a miséria horrorosa que reina em
terísticas primordiais do subdesenvolvimento. Mas essas polí- Calcutá. Mas a margem que separa o estado desses pobres é
ticas não podem ser idênticas, pois os países subdesenvolvidos bem pequena em relação à que existe entre os valores das
são extremamente diferentes uns dos outros. f: verdade que rendas nacionais, reflexos da atividade dos setores de economia
seus problemas e suas características fundamentais são as mes- moderna.
mas. Mas, para cada um deles, os fatores gerais se combinam Entre aproximadamente 2 350 milhões de homens, efetivo
em proporções variáveis, para constituir um arranjo específico. total das populações do Terceiro Mundo, pode-se estimar que
Ainda, cada um desses países, cada uma das regiões que o cons- 68% (1 61 O milhões) vivem em Estados cuja renda nacional
titui, é submetido à ação de fatores particulares que, por serem por habitante e por ano é inferior a 100 dólares (em 1957).
secundários, não deixam de ter uma grande importância con- Esta massa humana, apesar de formada em três quartas partes
creta. A diversidade dos países subdesenvolvidos é tal que em pelos efetivos da China e da União Indiana, se reparte numa
comparação os países desenvolvidos parecem ser uniformes. quarentena de Estados. Estes se localizam, com duas exceções
As causas da diversidade dos países do Terceiro Mundo (Bolívia e Haiti), na Africa e na Asia. Os países de baixíssima
são numerosas e variadas: condições naturais muito diferentes, renda nacional correspondem a dois tipos bem diferentes :
variedade dos meios étnicos, originalidades de evolução histó- - países muito pouco povoados onde, por razões diversas
rica etc. Entre os fatores principais de diferenciação, é necessá- (obstáculos naturais, dificuldades políticas, insuficiência do po-·
rio sublinhar a potência desigual dos setores de economia mo- voamento, raridade de recursos facilmente exploráveis), os
derna que foram criados na maior parte das vezes do exterior, investimentos realizados no quadro do setor de economia mo-
nos países subdesenvolvidos. Este setor existe em cada um derna foram mínimos: Etiópia, Afeganistão, Nepal, Estados da
deles com as mesmas características essenciais; mas entre a eco- Africa Ocidental e Central;
nomia moderna da Birmânia ou do Afeganistão e a da V ene- - países onde existe um importante setor de economia
zuela, existe uma enorme diferença. Esses dois países têm moderna , em valores absolutos, mas onde o valor das produções
meios, ritmos de crescimento econômico e demográfico extre- se dilui completamente nas enormes massas humanas: fndia,
mamente diferentes. Esta importância desigual do setor de Paquistão, China.
economia moderna dos diferentes países subdesenvolvidos tra- Uma vintena de Estados , distribuídos tanto na Asia como
duz-se na diferenç~ que existe entre as rendas nacionais. Eles na Africa e na América, se caracterizam por rendas nacionais
são separados por diferenças relativas muito superiores às que compreendidas entre 100 a 200 dólares. Formam uma massa de
existem entre as rendas nacionais dos desenvolvidos. Em 1957, 350 milhões de homens , ou seja, 15% da população total do
a renda naéional dos Estados Unidos ( 2 34 3 $ por habitante e Terceiro Mundo: Indonésia, Vietnã do Sul, Ira que, Egito ,
por ano) era 5 a 6 vezes mais elevada que a da Irlanda ( 500 $) Argélia, México, Chile, Peru, Gana, Rodésia etc.
ou da Austria ( 532 $), os países desenvolvidos que dispõem As rendas nacionais compreendidas entre 200 e 300 dóla-
das rendas nacionais mais baixas (a renda nacional da Itália era res por habitante e por ano existem numa quinzena de Estados,
de 442 dólares, mas o sul do país é subdesenvolvido). Por que formam uma massa de 305 milhõt>s de homens (ou seja
outro lado, a renda nacional mais elevada entre os países do 13% do efetivo do Terceiro Mundo). Este grupo reune de um
Terceiro Mundo, a da Venezuela ( 760 $) é quinze vezes supe- lado os países subdesenvolvidos europeus (Espanha, Grécia,
rior às rendas do Afeganistão ou da Birmânia (52 $). Portugal, Iugoslávia etc.); de outra parte os Estados asiáticos
Enquanto os setores de economia moderna dos países (Japão, Malásia, Turquia, Filipinas) e, por fim, vários Estados
subdesenvolvidos oferecem enormes contrastes, os setores sub- americanos (Brasil, Salvador, Equador).
proletários se colocam em condições n1tidamente menos dife- Uma quinzena de pafses subdesenvolvidos, caracterizados
rentes. O camponês ou o desempregado venezuelano não é por rendas nacionais superiores a 300 dólares por habitante e
quinze vezes mais rico que o camponês do Afeganistão, nem por ano não agrupam mais que 90 milhões de homens (ou seja

232 233
4.% da população total do Terceiro Mundo). São essencialmente valor do regime alimentar, a proporção dos agricultores na
os ~sta~os americanos :. Venezuela, Porto Rico, Argentina, Cuba, população ativa, os índices de consumo de energia etc., dependem,
Colombta, e a Repúbhca da Africa do Sul. Trata-se de países numa certa medida, da importância da renda nacional per capita.
É claro que não se trata de uma relação de estrita proporcio-
relativamente pouco povoados onde se efetuaram, por causas
variadas , investimentos importantes que originaram fortes nalidade pois, com efeito, muitos outros fatores intervêm. Dife-
setores de economia moderna. rentes diagramas permitem contudo ressaltar certas relações:
. . Esta hierarquia de rendas nacionais per capita não pode a) as relações entre o nível de instrução e a importância
md1car graus no subdesenvolvimento, pois este não é somente da renda nacional aparecem nttidamente : nos países cuja renda
funç!o da fraqueza do setor de economia moderna, mas da dis- nacional é superior a 200 dólares per capita, a proporção de
torçao entre o crescimento demográfico e o crescimento adultos que sabem ler e escrever nunca é inferior a 30%.
econômíco. Nota-se que, acima desse limite de 200 dólares, nenhuma pro-
Se o valor da renda nacional per capita não pode ser con- porcionalidade aparece entre o grau de instrução e a impor-
si_derado como um indicador direto de um grau no subdesenvol- tância da renda nacional: os países subdesenvolvidos onde a
vimento, não é menos verdade que ela constitui um fator muito instrução é maior não são os que dispõem das maiores rendas
importante de diferenciação no seio do Terceiro Mundo. Com nacionais . Ao contrário, todos os países onde a proporção dos
efeito, muitos outros indicadores de fenômenos econômicos e adultos que sabem ler é inferior a 30% são Estados onde a
sociais importantes, tais como a proporção de analfabetos , o renda nacional é inferior a 200 dólares . Certos países de baixa
renda nacional têm, contudo, um nível geral de instrução par-
ticularmente elevado (China, Tailândia, Ceilão, Peru, Birmâ-
Japão nia ) , o que constitui um trunfo certo numa política de de-
senvolvimento;
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b) as relações entre a importância do regime alimentar
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médio e a importância da renda nacional são igualmente nítidas .
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O diagrama da p. 234 faz igualmente ressaltar empiricamente
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cuja renda nacional é superior a 200 dólares dispõe de menos
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cional é inferior a 200 dólares. É preciso sublinhar que muitos
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grande (mais de 250 dólares), dispõem de regimes alimentares
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ex-A. ;>.F.·. Estados da ex-A. E. F. nenhum Estado cuja renda nacional é superior a 200 dólares
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Nep•d • Somália 1 conta com mais de 70% de cultivadores (exceto a Turquia e o
50 100 15 JOO
Renda nacional por habitante e por ano (em $ ) Iraque); para esses países, a proporção de agricultores se situa
entre os 55 a 60%. Nenhum país cuja renda nacional é inferior
Fm. 5. -- Relações entre o valor da renda nacional a 200 dólares tem menos de 60% de agricultores na sua popu-
e o nível geral de instrução

234 235
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por ano (a maiOria entre eles utiliza menos de 2 000 kWh). rior a 100 dólares, têm contudo uma baixa atividade comercial.
Estes mesmos países de renda nacional inferior a 200 dólares Esta verificação revela que as relações comerciais mais intensas
utilizam menos de 10 kg de aço por habitante anualmente. Mas .são as de uma dúzia de países particulares: Venezuela, 48 dóla-
entre os Estados cuja renda nacional é relativamente grande, res; Malásia, 36 dólares; República da Africa do Sul, 16 dó-
existe um grande número de baixos consumidores de aço; lares; Cuba e Costa Rica, 17 dólares. Trata-se de países subde-
senvolvidos com uma renda nacional elevada;
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Fm. 9. - Relações entre o valor da renda nacional
e o do comércio exterior
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Re11dc nacton41 por habitante e por <mo (em S )

Fw. 8. - Relações entre o valor da renda nacional f) enfim, vimos anteriormente (pág_ 140) que nos países
e a quantidade de energia utilizada subdesenvolvidos o comércio e as atividades de serviço detêm
uma parte tanto maior da renda nacional quanto mais elevado
e) examinemos as relações existentes entre a importância é o valor desta: 30% em média nos países cuja renda nacional
da renda nacional e o valor do comércio externo avaliado em é inferior a 100 dólares, contra 44% naqueles cuja renda na-
.dólar por habitante e por ano: o diagrama mostra que os países cional per cr:~pita é superior a 350 dólares .
cuja renda nacional é inferior a 100 dólares se caracterizam Por outro lado, no seio do. Terceiro Mundo, as produtivi-
. por um baixo comércio externo (menos de 6 dólares) ; alguns dades médias (renda média por trabalhador) dos diversos seto-
entre esses países têm quocientes de comércio exterior extrema- res econômicos são tanto mais desiguais, a agricultura é tanto
mente reduzidos ( 0,7 dólar para a União Indiana por exemplo, mais desfavorecida, quanto maior o valor da renda nacional.
da mesma forma pP.ra a Etiópia) . Os países cuja atividade A observação desses diversos gráficos permite verificar
comercial é superior Fi. 6 dólares têm rendas nacionais ~uperiores emp1ricamente que devem existir três valores da renda nacional
a 100 dólares. Contudo, a recíproca não é verdadeira : um que parecem ter um significado particular: 100 dólares, 200
grande número de Estados que têm uma renda nacional supe- dólares e 350 dólares. Esses três "limiares" determinam no
238 239
seio do Terceiro Mundo quatro categorias de países subdesen-
muito recentemente. Estes países sãq, pois, presentemente,
volvidos que apresentam nítidas diferenças no grau de instru-
aqueles cujo crescimento demográfico é menor. Como vimos,
ção, no regime alimentar, nas estruturas da ~?pu~ação e que _se
esta relação entre renda nacional e ritmo de crescimen t•.) demo-
caracterizam por nítidas desigualdades na utlhzaçao da energ1a,
gráfico está em vias de desaparecimento, pois os países cuja
do aço e na intensidade do comércio exterior. Não se trata
renda nacional é menor registram há algum tempo nma acele-
evidentemente de demarcações brutais e absolutas: cada uma
ração muito nítida do crescimento da população. E ste estado
dessas quatro categorias apresentam, ~e ?ma parte, . ~m grupo
de coisas transitório aparece nitidamente no diagrama das pá-
de Estados médios caracterizados por mdices bem vizinhos uns
ginas 242-243 (fig. 10) .
dos outros e, de outra parte, "exceções", Estados caracter~ados
por um ou vários índices mtidamente distanciados da m~dia ~o Para três quartos dos casos estudados, o crescimento de-
grupo. No seio do Terceiro Mundo, o plano de separaçao ma1s mográfico é tanto maior quanto a renda nacional é elevada.
característico parece ser o valor de 200 dólares de renda Esta verificação não significa, contudo, absolutamente, que
nacional. existe proporcionalidade entre o ritmo de crescimento econô-
mico real e o do aumento da população.
Este limite divide o Terceiro Mundo em dois grandes
grupos de países, gr':pos quanti~ativa~~nte _muito desi~ais, Colocando à parte os países subdesenvolvidos europeus
pois os 60 Estados cuJa renda nacwnal e m~enor a 200 dolares e o Japão, que foram estudados anteriormE:nte, as taxas de
representam aproximadamente 7 3% do efetivo total das popu- crescimento natural r.J.ais baixas são encontradas , na maioria dos
lações subdesenvolvidas. casos, nos países cuja renda n acional é particularmente baixa.
O grupo de países cuja renda nacional é inferior a 200 Os países cuja renda nacional é inferior a 100 dólares por
dólares pode ser subdividido em dois subgrupos : habitante e por ano se dividem em dois grupos :
- países cuja renda nacional é inferior a 100 dólares; - países cujo crescimento demográfico é ainda inferior
à média mundial ( 1,8% por ano ); bom número ddes têm
- países cuja renda nacional está compreendida entre taxas de crescimento compreendidas entre 0,8 e 1%, taxas no-
100 e 200 dólares. tàvelmente baixas para países subdesenvolvidos : Somália, 0,8% ;
Da mesma forma, o grupo dos países subdesenvolvidos Camboja, 0,8 %; Angola, 0,9 % ; Birmânia, 1% ... ;
cujas rendas nacionais são superiores a 200 dólares podem - países cujo crescimento demográfico já se mostra
utilmente ser subdivididos em: excepcionalmente alto, em relação à fraqueza da renda nacio-
- países cuja renda nacional está compreendida entre nal : China, 2,4%.
200 e 350 dólares ; O s países cuja renda nacional está compreendida entre
- países cuja tenda nacional é superior a 350 dólares. 100 e 200 dólares crescem em geral num ritmo superior à mé-
O maior ou menor valor da renda nacional per capita pro- dia munóal. Alguns entre eles apresentam taxas de cresci-
voca outras conseqüênci as: com efeito, os países subdesenvol- mento demográfico extremamente altas, compreendidas entre 3
vidos que possuem as r endas nacionais per capíta mais elevadas e 3,5 % por ano (Sudão, Irã, Formosa). Contudo, alguns paí-
são, na maioria dos casos, aqueles onde o crescimento do setor ses progridem menos rapidamente · (Tunísia, Gana ).
de economia moderna foi maior e mais antigo e onde as trans- A categoria dos países cuja renda nacional é superior a
formações sanitárias estreitamente ligadas a e~te foram ma_is 200 dólares se divide mtidamente em dois grupos bem distintos:
precoces e mais notáveis. E sses países são, p01s, aqu~les cuJO - uma maioria de países é caracterizada por crescimentos
desenvolvimento demográfico, tendo começado relat1vame~te rápidos (2,5% a 3% ao ano) ou muito rápidos (3 a 4% ao
cedo, é hoje o mais rápido. Por outro lado , os países CUJas ano) : México, Brasil, Turquia, M alásia etc.;
rendas nacionais per capita são menores, são a.queles_ onde . o
- os países subdesenvolvidos europeus e o Japão, cujos
crescimento do setor de economia moderna surgm mats tardia-
ritmos de crescimento demográfico estão compreendidos entre
mente e é mais restrito, e onde a revolução médica foi realizada
0,8 a 1,4 % por ano .
240
241
Costa Rica

República
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Renda nacional por habitante e por ano (em $)
Renda nacional POT habitante e por a'fto (em $ J

Fro. 10 . - Relações entre o valor da rcnd .. uucional e o riuno do crescimento demográfico


Essas diversas conclusões permitem distinguir no interior menta demográfico (superior a 1,8% por ano). Nesses países,
do Terceiro Mundo quatro grandes tipos de situações de subde- o setor de economia moderna ocupa um ·lugar sens1velmente
senvolvimento. Cada uma delas é uma variante da situação de mais importante que nas situações precedentes.. As desig~al­
subdesenvolvimento de escala planetária: dades sociais são muito acentuadas. Isso determtnou uma barxa
1 . Uma situação caracterizada por uma baixíssima renda mais precoce e mais importante da mortalidade, o que explica
nacional (menos de 100 dólares) e um crescimento demográ- o importante crescimento demográfico. Esta situação caracte-
fico relativamente baixo (inferior a 1,8% por ano). Nesses riza atualmente um conjunto de países (particularmente os
países, a economia moderna é relativamente muito pouco impor- países muçulmanos) que agrupa 200 milhões de homens
tante, como atestam os baixos índices de utilização de energia aproximadamente.
e os valores mínimos do comércio exterior. A proporção dos 4. Uma situação caracterizada por rendas nacionais com-
analfabetos é muito grande, como a dos agricultores. O grau preendidas entre 200 e 350 dólares e por ?lto crescimento dc:-
de desigualdade é ainda relativamente pequeno. A pequena mográfico ( 2 a 4%). O setor de econom1a moderna é 7elat1·
importância da economia moderna explica o nível ainda elevado vamente importante, como mostra o valor da renda nacl_onal;
da mortalidade, cuja diminuição é um fenômeno recente. É o comércio exterior é ativo na maioria dos casos. As deslgual-
preciso notar que as melhorias sanitárias, realizadas ultima- dades sociais são extremamente fortes. O setor terciário se
mente, começam a fazer sentir seu efeito, que se traduzirá bre- adjudica uma parte muito grande da renda na~ional. As melho-
vemente por um aumento rápido das taxas de crescimento rias sanitárias são já antigas (taxa de mortahdade de 20% no
demográfico. Também é provável que daqui a algum tempo México e na Jamaica, desde 1930). Também o .imp:;-lso da
a maioria dos países caracterizados por esta situação evoluam vaga demográfica é por isso, ainda mai~r.. Esta. s1tuaçao con-
para a situação n. 2. Presentemente, os Estados caracterizados.
0
cerne principalmente aos pa1ses da Amer1ca Latlna, e engloba
por essas baixas rendas nacionais e esses baixos crescimentos aproximadamente 220 milhões de homens.
demográficos estão localizados principalmente na Africa Tropi- 5. Uma situação caracterizada por uma renda nacional
cal e no Sudeste asiático. Representam uma massa de 800 compreendida entre 200 e 350 milhões de dólares e por um
milhões de homens aproximadamente. baixo crescimento .demográfico (inferior a 1,8% ) . A diferença
2. Uma situação de subdesenvolvimento caracterizada por de todos os outros países subdesenvolvidos, onde as taxas de
uma baixa renda nacional (menos de 100 dólares ) e por um natalidade não diminuem, os Estados q':e estã~ nessa ~itua~ão,
alto crescimento demográfico (superior a 1,8% por ano). A países subdesenvolvidos da Europa e Japao, reg1stram ha qumze
originalidade dessa situação é que, apesar da grande fragilidade anos, por causas complexas, uma nítida diminuição das taxas
relativa do s~tor de economia moderna, o crescimento demo- de natalidade: Espanha, 30% em 1925, 20% em 1960; Ro-
gráfico é rápido. Isto resulta de causas dificilmente discerní- mênia 38% em 1925, 17,5% em 1960; Japão, 35% em
veis. É verdade que a Nigéria e o Congo são países da Africa 1925 '17% em 1960. Esses países têm um nível de instrução
Tropical, que foram dotados em certas regiões de uma infra- basta~te alto. Agrupam 170 milhões de homens aproxima-
-estrutura particularmente importante, o que pode explicar um damente.
ritmo de crescimento demográfico de 1,9%. A China, a Tai- Os quatro países subdesenvolvidos ~uj~ renda . n~cional
lândia e a Coréia se caracterizam por produtividades agrícolas ultrapassa 350 dólares (em 1957): Repubhca da Afnca do
relativamente altas. Na China, o regime socialista tornou Sul (380), Argentina (374), Porto Rico (511) e V~nezue].a
possível o desenvolvimento de instituições coletivas e os pro- ( 7 60), são casos particulares, causados pela c?nf~guraçao
gressos sanitários, que provocaram uma forte baixa da morta- excepciçmal de seu setor de econ,omia moderna capitalista.
lidade. Esta situação n.o 2 caracteriza 800 milhões de homens É legítimo considerar esses cinco tipos de situações como
aproximadamente. graus de subdesenvolvimento?
3 . Uma situação caracterizada por uma renda nacionl:!-1 A situação n. 0 5 coloca um problema particular: esses paí-
compreendida entre 100 e 200 dólares e por um intenso cresci- ses subdesenvolvidos europeus e o Japão conhecem um cresci-

244 245

--·---- - - - - - - - - - -
mento econômico não desprezível (sobretudo, no caso, o Japão), muitos países onde o crescimento demográfico é dos mais inten-
e transformações demográficas que permitem prever um nftido sos são na verdade caracterizados por uma distorção particular-
retardamento ou talvez paralisação do crescimento demográfico mente grave entre o crescimento demográfico e o crescimento
daqui a uma vintena de anos. A distorção entre a rapidez do econômico, quando este último não apresenta sinais evidentes
crescimento demográfico e a lentidão do crescimento econômico, de um aumento sensível da produção, e particularmente das
distorção fundamentalmente característica do subdesenvolvi- produções de consumo interno. As taxas de crescimento demo-
mento parece, pois, em vias de resolução nesses países, devido gráfico reduzidas podem perfeitamente coincidir com uma grave
ao amortecimento progressivo da vaga demográfica e um desen- situação de subdesenvolvimento se os recursos de que dispõem
volvimento econômico mais ou menos importante. Nesses efetivamente as populações estão estagnadas ou mesmo em
países, um equilíbrio está, pois, em vias de se estabelecer, num regressão.
nível mais ou menos afastado das condições de existência dos A comparação entre o crescimento dos efetivos da popula-
países desenvolvidos. Esta situação n. 0 5 aparece, pois, como ção e o volume real das culturas alimentares é sem dúvida o
uma situação no limite da definição do subdesenvolvimento. meio de investigação menos falho, mas na maioria dos casos a
Os países "subdesenvolvidos" europeus e o Japão estão em importância verdadeira das colheitas é muito mal conhecida.
vias de sair da situação fundamental de subdesenvolvimento,
graças às transformações econômicas, graças sobretudo às con-
* * *
dições sociológicas que tornaram possível a queda da taxa da
natalidade. Seja o que for, esses paíseB, que hoje não é possível hie-
As outras quatro situações de sudbesenvolvimento podem rarquizar de maneira válida nos seus graus respectivos de sub-
ser consideradas como graus de subdesenvolvimento? Não desenvolvimento, realizam (ou realizarão) o esforço de desen-
parece. Com efeito, teoricamente, os graus de subdesenvolvi- valvlrnento em condições extremamente diferentes, com meios
mento, sua maior ou menor gravidade, não podem ser medidos e dificuldades diversas.
senão em função da amplitude da distorção que existe, num
período mais ou menos longo, entre o crescimento demográfico Entre os cinco grandes grupos de situação de subdesen-
e o crescimento dos recursos de que dispõe efetivamente a po- volvimento individualizados anteriormente, quais são aqueles
pulação. Para poder estabelecer uma classificação dos países que, no quadro de uma política de progresso, oferecem o máxi-
segundo a gravidade dessa distorção, seria pois necessário co- mo de dificuldades , e quais são aqueles que parecem possuir o
nhecer, ao menos por alguns decênios, não somente a ampli- maior número de trunfos e de condições favoráveis?
tude do crescimento econômico, tanto a do setor de economia É verdade que a presença de uma infra-estrutura poderosa,
moderna como a do setor subproletário. Segundo os países e de um ativo setor de economia moderna, são considerados em
os períodos, as proporções relativas .a esses dois setores são geral como as condições favoráveis para assegurar o progresso .
muito variáveis. Apesar de existirem em alguns países documen- Contudo, os países subdesenvolvidos que dispõem no mais alto
tos estatísticos que permitem calcular aproximadamente a evo- grau dessa vantagem apresentam também um certo número de
lução das produções do setor de economia moderna, parece, por condições sociais e econômicas que podem entravar certas polí-
outro lado, extremamente difícil chegar ao mesmo resultado ticas de desenvolvimento: o enraizamento da noção de proprie-
para o setor subproletário. Seria, pois, necessário encontrar dade privada, o gusto do lucro especulativo, a ausência ou o
indicadores indiretos da evolução deste setor que vive à mar- desaparecimento das tradições comunitárias, são dados que não
gem do circuito monetário. No estado atual de conhecimento, favorecem a criação e ·a bom funcionamento das cooperativas,
é preciso se resignar a concluir que não é possível realizar uma das explorações coletivas, que são contudo indispensáveis, na
classificação dos países do Terceiro Mundo por grau crescente maioria dos casos, ao desenvolvimento do campo.
de subdesenvolvimento. É na verdade intelectualmente desa- Os pafses subdesenvolvidos que dispõem das rendas na-
gradável não poder no momento proceder a esta pesquisa lógica cionais mais elevadas são também aqueles cuja economia é mais
e dever se contentar com estimativas bastante vagas e arriscadas: dependente do exterior: a importância e a atividade do setor

246 247
~---
----. úlV-- - ------------- -----------


Pa{s
desenvolvido
10
~
5
1
o 3000 km

Fzo. 11 . - As situaçür ·:~ de subdesenvolvimento

-·-· . ·--·-··- -- - ·- ----· - - -- - _ _ _ .J


de economia moderna é em geral função da extensão das expor- 3 ) Os países subdesenvolvidos onde a introdução do sis-
tações. Ora, esta dependência constitui um dos fatores essen- tema capitalis~a não_ teve origem na colonização estrangeira mas,
ciais da manutenção do subdesenvolvimento. As primeiras numa proporçao mawr ou menor, numa minoria de privilegiados
manifestações concretas de uma política desejosa de assegurar autóctones (Espanha, Turquia, Itália do Sul, Japão etc.).
o desenvolvimento do país e em conseqüência sua independên-
- Os setores de economia moderna são especializados na
c~a econômica provocam geralmente hostilidade das grandes
exp~rtação de p7odutos muito diferentes. O problema de pro-
firmas, que controlam a maior parte das exportações. Como
duçao e a am~litude do mercado não são os mesmos para os
na maioria dos casos , um país subdesenvolvido não é único
produtos ~e mmeração (minerais diversos, petróleo) e os pro-
exportador de um produto determinado, e como existem nume-
dutos agncolas. Um Estado exportador de borracha natural
rosos países concorrentes fornecedores da mesma mercadoria,
não está situado nas mesmas condições de um país petrolífero.
a ruptura com as grandes firmas que controlam o mercado
mundial significa a derrocada das exportações do país que se - Países que se encontram no mesmo tipo de situação
esforçou para assegurar sua independência econômica. A grave de subdesenvolvimento apresentam às vezes profundos con-
crise que resulta, tanto no plano financeiro como no plano trastes. Assim, o Peru e o Egito, por exemplo, apesar de taxas
social (desemprego aumentado) pode comprometer de forma de crescimento demográfico e de valor de rendas nacionais
duradoura o êxito da política de desenvolvimento empreendida. bastante vizinhos uns dos outros (Egito 2 2% e 133 dólares ·
Esta apreciação sobre os trunfos e as dificuldades c;ue Peru, 2,4% e 140 dólares), constituem: c~ntudo, casos muit~
encontra (ou encontraria) um esforço de desenvolvimento , diversos . Os meios naturais não são evidentemente os mesmos .
Além do mais, estes dois países pertencem de qualquer forma a
segundo os grandes tipos de situação de subdesenvolvimento é
duas famílias diferentes de países subdesenvolv1dos ~ o Peru faz
bastante sumária e abstrata. Com efeito, as vantagens e os
parte da família dos países latino-americanos o Eliito da famí-
handicaps são também função de outros fatores diferenciais: OJ
lia dos países muçulmanos. Existem, com 'efeito~ no seio do
- Os países subdesenvolvidos foram submetidos a formas
Terceiro ~undo, várias grandes famílías de países (países sub-
de colonização muito diferentes umas das outras (povoamento, desenvolvidos europeus, países da Africa Negra etc.) formadas
enquadramento etc.) cujas seqüelas são muito dessemelhantes. cada uma delas por um grupo de Estados que têm a mesma
- É preciso igualmente levar em conta a herança das for- forma de. civilização, uma evolução histórica comparável, estru-
mas de organização econômicas e sociais pré-coloniais, que eram turas sociais vizinhas, "freios" relativamente idênticos e às
muito variadas, e as modalidades de penetração da economia vezes se inscreve em meios naturais bastante semelhantes. nJ
moderna. Assim, pode-se distinguir sob este ângulo três gran-
- Na e~cala de um Estado, de uma região, certas situações
des grupos de países subdesenvolvidos:
subdesenvolvimento são caracterizadas por uma densidade de
1) Os países subdesenvolvidos onde o sistema capitalista população tão medíocre, que é possível falar de subpovoamento.
foi introduzido no seio de uma "sociedade tradicional" por uma ~ut:as situaçõ~s, ao contrário, podem ser definidas pela exis-
seção estrangeira. Eles formam de longe o grupo mais tencia ~·~ densidades rurais extremamente fortes. O Canga ou
importante. a Rodesia, com 19 trabalhadores agrícolas para 100 ha culti-
2) Os países subdesenvolvidos de sociedade "colonial" vados, são tipicamente do primeiro caso. O Japão e o Haiti,
onde, na ausência de populações tradicionais importantes, a coi? 320 trabalhadores para 100 ha cultivados, Formosa ( 200),
implantação do sistema capitalista coincidiu com os começos Eglto ( 170), a China ( 120), são exemplos dos mais espetacula-
do povoamento atual. Trata-se principalmente da América res do superpovoamento dos campos. Essas densidades desi-
Latina, exceto as regwes de forte povoamento indígena, que se guais de povoamento e essas diferenças entre os sistemas de
classificam no grupo n. 0 1. cultura determinam condições de desenvolvimento que não é
possível confundir.
( 1) Ver Pierre George, Yves Lacoste e outros, A Geografia
Ativa, Difusão Européia do Livro, São Paul'(, 3." ed., 1973. ( 1) Ver A Geografia Ativa.

250 251
- A superfície e a importância do povoamento do Esta- provocam os pólos em países desenvolvidos, as regiões de eco-
do são também fatores essenciais de cada situação particular de . nomia moderna dos países subdesenvolvidos exercem sobre a
subdesenvolvimento. Se nos grandes e médios Estados , o de- economia circundante importantes "efeitos paralisadores". Elas
senvolvimento pode se realizar na perspectiva da construção de foram comparadas com espécies de cancros, que crescem em
uma economia dotada no futuro de todos os ramos essenciais, detrimento do que está em sua volta.
não é a mesma coisa para os pequenos países; sua capacidade Essas regiões de economia moderna são contudo o foco
de criação e de utilização se encontra, na maioria dos casos, de difusão das melhorias sanitárias que provocam a baixa da
abaixo do nível técnico de rentabilidade. Os pequenos Estados taxa de mortalidade e determinam a eclosão do crescimento
são, pois, conduzidos a realizar a delicada escolha de uma espe- demográfico. Também essas regiões de economia moderna,
cialização econômica, em função de suas potencialidades natu- que combinam os efeitos de paralisação econômica e os fatores
rais e em função das necessidades do mercado mundial. É evi- de crescimento demográfico podem ser consideradas, não como
dente que um tal desenvolvimento especializado, num quadro "pólos de desenvolvimento" mas ao contrário como pólos de
limitado, é particularmente difícil de orientar e de realizar. subdesenvolvimento. Podem elas se transformar em autênticos
- Enfim, esta análise diferencial deve ser levada ao nível pólos de desénvolvimento quando colocadas diante de um sis-
das sitm ções regionais. Com efeito, se nos países desenvolvidos tema econômico e social radicalmente diferente? Isto depende
as regiê es de um mesmo Estado apresentam, evidentemente, das políticas de crescimento ou de desenvolvimento que é
notávei~ diferenças, estas não atingem, contudo, salvo raras possível realizar no país. .
exceçõe >, a violência das disparidades regionais que afetam
Mesmo esboçada de maneira sumária, a diversidade do
cada pds do Terceiro Mundo. Estas têm causas variadas, entre Terceiro Mundo mostra-se, pois, extrema, tanto em escala na-
as quais domina o fato de que nos países subdesenvolvidos a cional quanto regional. Os métodos de desenvolvimento não
economia moderna se desenvolve de maneira muito desigual podem, pois, ser em toda parte os mesmos, sob pena de serem
segundo as regiões. Esta desigualdade traduz nas paisagens a ineficazes. Eles devem ser estreitamente adaptados às situações
desarticulação da economia em dois setores diferentes e o blo-
particulares que se propõem transformar. O desenvolvimento
que-io do crescimento do setor de economia moderna pelas con-
seqüências do subemprego. (l) é tanto mais rápido e importante quanto, no quadro de uma
política de pleno emprego, em cada país, em cada região, as
A economia capitalista concentrou seus meios de produção forças de trabalho existentes sejam valorizadas ao máximo,
e a infra-estrutura moderna: 1. 0 - nas regiões onde são colhi- realizando a melhor utilização do meio geográfico, levando em
das ou extraídas as matérias destinadas à exportação; 2. 0
- conta as especificidades, as heranças históricas, e as técnicas
sobre os eixos onde se efetua o transporte dessas matérias; 3. 0
aplicáveis.
- nas grandes cidades, onde se concentra a minoria privile-
O conhecimento dos problemas do subdesenvolvimento
giada ou nos pontos estratégicos, que asseguram a dominação
do país. sob o ângulo exclusivo da generalidade é, pois, insuficiente, e é
necessário traçar um quadro dos freios particulares, das vir-
Numerosos autores consideram as regiões onde se localiza tualidades específicas, das diversidades de situações, que exis-
o essencial do crescimento do setor de economia moderna como tem nas diferentes partes do Terceiro Mundo, O geógrafo é o
"pólos de crescimento". Esta assimilação é particularmente especialista desse estudo diferencial. Seu papel não se limita
abusiva. De uma parte, esses pretensos "pólos" não têm, na ao recenseamento e à classificação dessa diversidade de casos.
maioria dos casos, a potência e a complexidade dos verdadeiros Um tal comportamento seria aceitável se as realidades fossem
pólos de desenvolvimento, que existem nos países desenvolvidos. estáticas. Oca, diferentemente dos países desenvolvidos, onde
De outra parte, diferentemente dos "efeitos propulsivos" que as situações evoluem a partir de bases relativamente estabili-
zadas, os países subdesenvolvidos se caracterizam por situações
( 1) Para os tipos de regiões em países subdesenvolvidos, ver tornadas eminentemente instáveis: as forças em presença se exa-
A Geografia Ath'a. cerbam, as evoluções se aceleram. Se as estruturas antigas se
252 253
lI

deslocam, as estruturas novas, que deveriam assegurar o desen-


sita, previamente: supressão dos superlucros operados pelas · mi-
volvimento, não se estabeleceram ainda, na maioria dos países.
norias privilegiadas e implantação de estruturas coletivas, aceitas
O geógrafo deve conceber seu papel em função de um pelo conjunto das populações.
Terceiro Mundo complexo, em devenir, no limiar de uma mu-
tação fundamental. Os países subdesenvolvidos cuja renda nacional per capita
é elevadã, e que dispõem de um setor capitali~ta relativamente
A análise da diversidade do Terceiro Mundo, o estudo em poderoso, graças à importância das exportações que realizam,
grande escala das diversas situações particulares de subdesen- tirarão sem dúvida o melhor partido dessa situação, se passarem
volvimento devem ser realizados em estreita ligação com as a colocar progressivamente em ação os mecanismos financeiros
diferentes políticas de desenvolvimento. Os trunfos e as des- que permitirão, sem romper com as firmas estrangeiras, aumen-
vantagens de um país devem ser apreciados não em abstrato, tar e controlar os lucros que o Estado pode retirar da exportação.
mas em função das características e das exigências das políticas Assim pode ser progressivamente assegurado o financiamento
de desenvolvimento empreendidas. da industrialização.
Essas políticas podem ser muito diferentes. Muito útil- Assegurar o financiamento é uma condição necessana do
mente, os economistas tendem cada vez mais a classificá-las em êxito, mas não uma condição suficiente. O êxito da industria-
duas grandes categorias: políticas de crescimento e políticas de li;.!:ação cris.da pelo investimento dos lucros retirados das expor-
desenvolvimento stricto sensu. UJ O termo política de cresci- i:1ições é condicionado pelo gJargamento do mercado interno
mento tende cada vez mais a ser reservado aos métodos que q-Üe, pox- sua vez, resuh::1. de modificações sociais e de um
repousam principahnente sobre o crescimento das atividades do ci:esdmento das rendas da produtividade dos agricultores.
setor de economia ·.-.noderna, tida corno capaz de absorver bas-
tante rapidament<: a mão-de-obra desempregada. Fundados Contudo" os "crescimentos abertos", financiados pelos lu-
essencialmente r;a. imitação das práticas e dos mecanismos que cros retirado; das exportações, não parecem poder resolver os
asseguraram no século XIX e no século XX o crescimento dos problemas que coloca o desenvolvimento de todos os países
países hoje desenvolvidos, essas políticas de crescimento são subdesenvolvidos que já dispõem de um importante setor de
principalmente baseadas sobre processos de industrialização e econm:r.úa moderna e que efetuam exportações relativamente
sobre investimentos· lucrativos destinados às exportações. gran.des. Uma tal política de desenvolvimento não é sem dú-
Tende-se a reservar o · título de política de d<:f;:::nvolvi- vida, dki:l.z, senão pata os países que, de uma parte, possuem
mento aos métodos que visam suprimir o desemprego o sub- efethros de população relativamente pequenos e que, de outra
emprego pela mobilização e a utilização produtiva d~:v popul~­ parte, são exportadores de importantes. volumes de produtos
ções do setor ·subproletário. O interesse desses métodos de procurados no mercado internacional, beneficiando-se, pois, de
"investimento-trabalho" foi demonstrado de maneira teórica por preços relativam.ente elevados e relativamente estáveis.
R. Nurske <2 >, e de maneira empírica pela experiência chinesa: Peio contrário, essas políticas de "crescimento aberto" não
trata-se de executar, com o mínimo de meios financeiros, uma parecem capazes de resolver o problema do financiamento dos
massa de pequenos trabalhos produtivos (irrigação, drenagem, investimentos necessários ao desenvolvimento, quando se trata
melhoramento dos solos), que tornam possível uma alta sensí- de Estados que possuem grandes efetivos de população. As
vel das colheitas, pelos trabalhadores até então desempregados, perspectivas do mercado internacional de matérias-primas e de
ficando a subsistência desses a cargo do conjunto da população. produtos agrícolas não permitem esperar senão crescimentos
A realização de tais políticas de "investimento-trabalho" neces- limitados, capazes na verdade de fornecer os capitais necessá-
rios para o crescimento de pequenos países, mas absolutamente
( 1) C. ZARKA, Distinction entre la croissance et le déve/oppe- insuficientes para servir de base fina nceira a políticas de desen·
ment dans la Littéwture consacrée au pays sous-développe, Cahie!'1l volvimento que englobem muitas dezenas de milhões de ho-
de l'l.S.E.A., sé:cic F, n. 0 -12, novembro de 195 9. mens, Ess,::-:s grandes países subdesenvolvidos parecem, pois,
( 2) R. NURSKE, obra r;,ita'da. condenados a encontrar, no seu próprio território, os rec).lrsos
254
255

l_ -
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financeiros necessanos para a política de deset'volvhnento .~ a das ou das classes soc1a1s que dirigem o Estado. Atualmente
concebê-la com.o fundamentalmente aui:ônorna. é possível distinguir:
Os países subdesenvolvidos que nãD poSSõ.!ôJJ sen.fo um
pequeno seto!: de econon:i~ moderna ou aqueles· que se encoD.-· De um lado:
travam no passedo orientados para prcduçõ-es que n2o são mais - os territórios colonizados: esses países de pequeno
procuradas hoje, seja em razão de um:l superprodução c.:Ôl2Í.Ca, porte são os últimos restos dos grandes impérios coloniais do
seja em razão do aoarecimento de produtos in&1stdais substitu- século XIX. Os poderes de decisão continuam nas mãos do
tivos, não têm, ao~ que parece, outra solução senão dar p.riod- govt:rno da metrópole;
dade, ao menos numa primeira etapa, ao desenvolvimento do - os governos fantoches, a soldo de uma grande firma
setor agrícola subproletário. A poupança, que é possível obter (numerosos exemplos podem ser facilmente ser encontrados na
graças ao emprego em massa dos métodos de investimento- América Central); ·
-trabalho, pode permidr, uma. vez 1·ealizados os substai1di!is
-L - • O t •
- os países governados pelos grandes senhores feudais ou
progressos agrícolas, o começo e o cresc1mentc pwgress1vo o.a pela arístocracia (o Afeganistão ou a Arábia Saudita), mais ou
:industrializaçZ:o. menos estreitamente ligados aos grandes grupos internacionais;
Políticas de crescimento e poJ.íúcas de desenvolvir:nento se - os Estados dirigidos pelos :representantes dos meios do

~~~:~~:~~:f~d:~, '"eit::ótim pr:;,:';,'fi:::~::tv~i


grande comércio ou da industria, mais ou menos apoiados por
uma fração relativamente grande das "classes médias" (países
úc i
da América Latina);
tende, pois, a. se acenL:tâf n:1s.is sob ·J efeito riess€!s P~.lítica.s, que· - os Estados cujo governo é dominado pelos membros
~~~~:;~·el~~~~J~t;~~~~-~;~;: ~~:er.~~~~e.s~~st{~.ê~l~~~~·~. x~s~tt~~~~~~:ã~··:;f;~~;~ de um mesmo grupo tribal ou religioso e por sua clientela
(certos países da Africa Negra);
da. va:eedade cias po.t.ltlCB}J seguxa.~\s, o Slr.L.ples :;:f.!.to ce VK~or1z~r - países governados por uma casta militar (Egito).
territórios até ei1tão praticam~~nte esquecidos e que, devido a
isto, pareciam m.u:ito sellldhantes, valo;dza potenciais <específi- E de outro lado:
cos e revela co.nttastes gs vezes ~spetacalai~es. DentJ~O de um. - os Estados dirigidos por um partido cujo poder se
ou dois d~::cênlos~ o Ten::ei.to 1/Luadc- [;e?€ »_in.d.ft yc~s!..-.:_:rfJ.;ncr.!.te_~ apóia sobre um movimento popular forjado na luta armada.
mais diferenciado do ~;ue hoje.. PttÍses que estão hoje ~na rrJ:ê~illa Esta classificação é evidentemente muito esquemática,
situação de sulJdeseirvolvJm.en.tn e que pcdew. s~r c!.:rn~ide!'~1dos devido à complexidade e à instabilidade da vida política nos
como perte11-ce.udo à. 1:r1.esr.Ga "faruJJig_~' s-e t.;)truaio muito f~s:~-· países subdesenvolvidos. As opções econômicas e sociais toma-
tos, devido os '\;a.-ninhos" diferente·.;; que t~:rão escoll:ido. das por esses diferentes tipos de governo são em geral radical-
Ê desde já possível observar notáveis divergênciêJ> 1 que se acen"' mente diferentes.
tuarãn consideravelmente num futtu:o próximo.
Enfim, distinção já fundamental no presente e sem dúvida
A escolha de tal ou tal política de transformação econô- primordial no futuro: aos países que são dominados ainda por
mica e social resulta também, em grande parte, d~s relações de minorias privilegiadas dotada de poderes exorbitantes se opõem
forças políticas, e das p-reocupações poií.tkl.'.s das C@.tegorias so- àqueles onde elas foram vencidas e onde um regime soda-
ciais no poder: "O desenvolvimento econômico ~= social dos verdadeiro ±oi instaurado. Esses países verdadeiramente socia-
países subdesenvolvidos é, em grande parte, a transformação listas (muitos Estados estão engajados no caminho de um socia-
de um sistema de produção e de relações sodais em outro". (ll lismo mais ou menos confuso e continuam contudo sob a ação
Daí. por que s.s demarcações da geografi?. cHf.ete:ndal do Terceiro
de privilegiados) estão em condições de aplicar meios e métodos
Mundo são cada vez xecais determinadas pela natw:eza das cama· que o restante do Terceiro Mundo só dificilmente pode imitar.
O geógrafo deve, pois, fazer o balanço comparativo das
( 1) I. GUELFAT, obra citada.
múltiplas conseqüências que provoca a realização de políticas
256
257
de crescimento e de políticas de desenvolvimento completa-
mente diferentes em países e regiões também diferentes.
O papel do geógrafo não se limita a esta análise da dife-
renciação crescente das diversas partes do Terceiro Mundo,
que continuam contudo, fundamentalmente e solidariamente
caracterizadas pela situação de subdesenvolvimento em escala
planetária.
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