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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”


FACULDADE DE CIÊNCIAS - BAURU

DEIZE GULINELLI

A LUDICIDADE NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO


FUNDAMENTAL: UMA RETROSPECTIVA DOS JOGOS TRADICIONAIS

BAURU
2008
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE CIÊNCIAS - BAURU

DEIZE GULINELLI

A LUDICIDADE NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO


FUNDAMENTAL: UMA RETROSPECTIVA DOS JOGOS TRADICIONAIS

Monografia apresentada ao Departamento de


Educação da Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho – UNESP, como pré-
requisito para obtenção de Licenciatura em
Pedagogia, orientado pela Prof.ª Dr.ª Maria do
Carmo Monteiro Kobayashi.

BAURU
2008
DEIZE GULINELLI
A LUDICIDADE NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL:
UMA RETROSPECTIVA DOS JOGOS TRADICIONAIS

TCC submetido à Comissão Examinadora designada pelo Curso de Graduação em


28/11/2008 como requisito para obtenção do grau de Pedagogia.

BANCA EXAMINADORA

Orientador(a): Prof.ª Dr.ª Maria do Carmo Monteiro Kobayashi


Instituição: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Bauru
Assinatura:

Nome: Prof.ª Dr.a Thaís Cristina Rodrigues Tezani


Instituição: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Bauru
Assinatura:

Nome: Prof.ª Ms. Sirlei Sebastiana Polidoro Campos


Instituição: Secretaria Municipal de Educação – Bauru
Assinatura:

Data de aprovação:___de _____de 2008.


Aos meus pais, meus irmãos e meus
amigos que em todos os momentos me
fizeram sentir capaz de vencer.
Agradeço primeiramente e principalmente a Deus pela minha vida e por sua imensa
ajuda em todos os momentos.
Aos meus pais Nilton e Neuza pelo exemplo de amor, dedicação, perseverança e fé,
Aos meus irmãos Marcello (Jane e Lucca Giuseppe), Samuel e Elaine pela grande
união e pelos momentos de alegria que passamos juntos.
À Prof.ª Dr.ª Maria do Carmo Monteiro Kobayashi, pelo esforço, dedicação e
compreensão oferecidos durante todos os momentos de execução desse estudo.
Aos meus familiares e amigos pelo grande apoio e incentivo dispensados durante
essa jornada.
Às amigas de curso. Em especial, a Yaeko, Solange, Bruna, Vanessa e Lôyde. Que
durante o trajeto do curso ofereceram muita atenção, dedicação e carinho.
À todos os professores que passaram por minha vida e deixaram exemplo de
Educação.
Às professoras mestres Thaís e Sirlei, pela avaliação ao meu trabalho.
À escola estadual, a direção, às professoras e toda a equipe escolar que nos
receberam com toda disposição para que nossa pesquisa fosse realizada. Bem
como às crianças, que contribuíram com a realização deste trabalho de conclusão
de curso.
Chegamos, filho.
É aqui. Prepare-se.
Aqui você Vai descobrir um vale encantado
vai chegar na caverna misteriosa
e vai conhecer o estranho laboratório do
cientista louco.
E eu queria lhe dizer uma coisa. Não
esqueça, filho.
Uma rosa não é uma rosa. Uma rosa é o
amanhã,
uma mulher o canto de um homem.
Uma rosa é uma invenção sua.
O mundo é uma invenção sua.
Você lhe dá sentido. Você o faz bonito. Você
o cobre de cores.
Um brinquedo, o que é um brinquedo?
duas ou três partes de plástico, de lata...
Uma matéria fria, Sem alegria, sem História...
Mas não é isso, não é, Filho?
Porque você lhe dá vida,
Você faz ele voar, viajar...
Vamos, filho.
Sabe que lugar é esse?
É um lugar de sonhos.
Uma casa de brinquedos.
Vamos entrar.
Fernando Faro
RESUMO
Essa pesquisa é fruto da nossa inquietação quanto à presença das brincadeiras e
jogos tradicionais no universo lúdico infantil atualmente. Buscamos informações para
responder às nossas indagações estruturando nosso trabalho em quatro etapas:
levantamento de referencial teórico sobre o tema, coleta de dados em instituição
escolar, análise dos dados coletados, organização e estruturação do material para a
redação final apresentados nessa pesquisa. O levantamento referencial foi realizado
por meio de impresso e eletrônico sobre a história da infância, a importância do
brincar, sua relação com o desenvolvimento e a aprendizagem da criança, a
classificação das brincadeiras e jogos tradicionais e sua contribuição para a
educação. A segunda etapa, das coletas de dados, foi realizada em um estudo de
caso, mediante uma pesquisa qualitativa. A coleta de dados ocorreu em duas turmas
de primeira série do Ensino Fundamental, de uma escola pública estadual na cidade
de Bauru. Nossa pesquisa se desenvolveu ao longo de um mês, com visitas
freqüentes à escola durante cinco dias da semana. Os alunos tinham idade entre
seis e sete anos, um total de 59 crianças.

Palavras-chave: Ludicidade, brincar-jogar, brinquedos-jogos, desenvolvimento


humano, aprendizagem e ludicidade
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Brincadeira de rapazes, Pieter Bruegel (1560). Kunsthistorisches


Museum, Viena. (Fonte: SANTA ROSA, 2001, p. 2) .......................................................99
Figura 2 - Crianças brincando de roda, Hans Thoma (1872) .........................................99
Figura 3 – Auto-retrato, Cândido Portinari (1956) ..........................................................100
Figura 4 – Meninos soltando papagaio, Cândido Portinari (1947) ..............................101
Figura 5 – Futebol, Cândido Portinari (1935)..................................................................101
Figura 6 – Meninos no balanço, Cândido Portinari (1960) ...........................................102
Figura 7 – Meninos brincando, Cândido Portinari (1955) .............................................103
Figura 8 – Menino com pião, Cândido Portinari (1947).................................................103
Figura 9 – Ronda Infantil, Cândido Portinari (1932).......................................................105
Figura 10 – Meninos Pulando Carniça, Cândido Portinari (1957) ...............................106
Figura 11 – Petecas (arquivo da pesquisadora).............................................................110
Figura 12 – Capuchetas .....................................................................................................111
Figura 13 – Piões (arquivo da pesquisadora) .................................................................112
Figura 14 – Bilboquês (arquivo da pesquisadora)..........................................................113
Figura 15 – Telefones de lata (arquivo da pesquisadora).............................................114
Figura 16 – Jogo da Memória............................................................................................114
Figura 17 – Chocalho..........................................................................................................115
Figura 18 – Rolete ...............................................................................................................115
Figura 19 – Cata-vento .......................................................................................................116
Figura 20 – Pé-de-lata ........................................................................................................116
Figura 21 – Argolas .............................................................................................................117
Figura 22 – Galinha de lata................................................................................................117
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Do que as crianças brincam em casa? .......................................................120


Gráfico 2 – Com quem a criança brinca em casa? ........................................................121
Gráfico 3 – Onde a criança brinca? ..................................................................................121
Gráfico 4 – Quais brincadeiras estão mais presentes na escola?...............................122
Gráfico 5 – Onde estão presentes as brincadeiras no ambiente escolar?.................122
Gráfico 6 – Você conhece quais são as brincadeiras tradicionais? ............................123
Gráfico 7 – Com que brincadeira tradicional você brinca? ...........................................123
Gráfico 8 – Onde acontecem as brincadeiras tradicionais? .........................................124
Gráfico 9 – Quem participa das brincadeiras tradicionais? ..........................................124
Gráfico 10 – Onde aprendeu? ...........................................................................................125
Gráfico 11 – Quem ensinou? .............................................................................................125
Gráfico 12 – Brincadeiras e jogos preferidos da 1ª. D...................................................126
Gráfico 13 – Brincadeiras e Jogos preferidos da 1ª. E..................................................126
Gráfico 14 – Cantigas preferidas pelas crianças da 1ª. D ............................................127
Gráfico 15 – cantigas preferidas pelas crianças da 1ª. E..............................................127
Gráfico 16 – Brinquedos confeccionados preferidos pelas crianças da 1ª. D ...........128
Gráfico 17 – Brinquedos confeccionados preferidos pelas crianças da 1ª. E ...........128
Gráfico 18 – Brinquedos preferidos do Baú da 1ª. D.....................................................129
Gráfico 19 – Brinquedos preferidos do Baú da 1ª. E .....................................................129
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Registros das falas ...........................................................................................96


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................9
CAPÍTULO 1 – INFÂNCIA, CRIANÇAS E BRINQUEDOS ........................................12
CAPÍTULO 2 – BALANÇA CAIXÃO, BALANÇA VOCÊ... JOGOS E BRINCADEIRAS
TRADICIONAIS NA ATUALIDADE. ..........................................................................50
1. O desenvolvimento infantil e o jogo ...........................................................................52
1.1 Período sensório-motor (zero a dois anos) ..................................................53
1.1.1 Primeiro estágio – Exercícios dos reflexos................................................56
1.1.2 Segundo estágio – As primeiras adaptações adquiridas e a reação circular
primária ..............................................................................................................57
1.1.3 Terceiro estágio – As adaptações sensório-motoras intencionais e a
reação circular secundária .................................................................................58
1.1.4 Quarto estágio – A coordenação dos esquemas secundários e sua
aplicação às situações novas.............................................................................59
1.1.5 Quinto estágio – A reação circular terciária e a descoberta de novos meios
por experimentação ativa ...................................................................................60
1.1.6 Sexto estágio – A invenção de meios novos por combinação mental.......61
1.2 Período pré-operacional (2 a 7 anos)...........................................................62
1.2.1 Período pré-conceitual (2 a 4 anos) ..........................................................66
1.2.2 Período intuitivo (4 a 7 anos) ....................................................................67
1.3 Período operatório concreto (7 a 12 anos)...................................................67
1.4 Período hipotético dedutivo ou pensante (depois dos 11 ou 12 anos).........71
2. Por que brincar? A importância da ludicidade no universo infantil e escolar ......75
3. O folclore a cultura infantil e os jogos tradicionais...................................................84
4. A modificação do brincar no universo infantil. ..........................................................87
CAPÍTULO III – BRINQUEDOS E JOGOS TRADICIONAIS: O QUE AS CRIANÇAS
SABEM HOJE? .........................................................................................................91
1. Caminhos percorridos pela pesquisa.........................................................................93
1.1 As cantigas de roda....................................................................................105
1.2 As brincadeiras e jogos tradicionais ...........................................................106
1.3 A confecção dos brinquedos ......................................................................109
1.3.1 Peteca .....................................................................................................110
1.3.2 Pipa .........................................................................................................111
1.3.3 Pião .........................................................................................................112
1.3.4 Bilboquê ..................................................................................................113
1.4 Caixa de brinquedos ..................................................................................114
1.5 Pintura da amarelinha ................................................................................118
1.6 Avaliação....................................................................................................119
2 Tabulação dos dados...................................................................................................120
2.1 Da entrevista ..............................................................................................120
2.2 Da avaliação ..............................................................................................126
2.2.1Brincadeiras e jogos.................................................................................126
2.2.2 Cantigas ..................................................................................................127
2.2.3 Brinquedos Confeccionados ...................................................................128
2.2.4 Baú de Brinquedos..................................................................................129
3 Análise dos resultados.................................................................................................130
3.1 Da entrevista ..............................................................................................130
3.2 Da avaliação ..............................................................................................134
3.2.1 Brincadeiras e jogos................................................................................134
3.2.2 Cantigas ..................................................................................................135
3.2.3 Brinquedos Confeccionados ...................................................................135
3.2.4 Baú de Brinquedos..................................................................................136
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................138
REFERÊNCIAS.......................................................................................................141
APÊNDICE ..............................................................................................................145
Apêndice A - Entrevista feita com alunos do período vespertino da primeira série
do Ensino Fundamental da Escola Estadual Professor Henrique Bertolucci, situada
na cidade de Bauru na Vila Independência.................................................................145
Apêndice B – Avaliação das atividades propostas na pesquisa..............................146
9

INTRODUÇÃO

Meus brinquedos

De repente
Ao lembrar dos brinquedos queridos
Que ficaram esquecidos
Dentro do armário
Me bate uma saudade
Me bate uma vontade
De voltar no tempo
De voltar ao passado
Mas nada acontece
Nada parece acontecer
E eu choro
Choro como o bebê que fui
E a criança que quero voltar a ser
Não quero crescer!
Clarice Pacheco

Os brinquedos e jogos eletrônicos são veiculados na mídia transformando a


cada dia os objetos lúdicos infantis, mas o que as crianças conhecem dos
brinquedos e jogos tradicionais atualmente? Qual a importância e o espaço dado
pelos professores a esse tipo de brincadeiras? Quais são os jogos e brinquedos
tradicionais conhecidos pelas crianças?
Nossa pesquisa é decorrente de experiências vividas no contato com crianças
de 1º ciclo. As observações das atividades escolares nos mostraram um universo
distante do ideal para as crianças, pois criança é sinônimo de brincar / jogar, e isso
não foi visto em situação real escolar.
A partir daí nos inquietamos e preocupamos em buscar quais os objetos
lúdicos tradicionais ainda conhecidos por eles? Assim como, qual a importância e o
espaço destinado a esses objetos lúdicos pelos professores de 1ª. série de uma
Escola Estadual de Bauru?
Assim como os conteúdos escolares, a atividade lúdica é um fator muito
importante para o desenvolvimento da criança. Por meio dela podemos tornar a
aprendizagem mais prazerosa e, portanto mais significativa.
É possível mediante o brincar, formar indivíduos com autonomia, motivados
para muitos interesses e capazes de aprender rapidamente.
10

Através da atividade lúdica a criança desenvolve suas capacidades físicas e


intelectuais. O brinquedo também proporciona o desenvolvimento da linguagem, do
pensamento e da concentração. Através do brincar a criança cresce, aprende a usar
os músculos, coordena o que vê com o que faz e adquire o domínio sobre seu
corpo, descobre o mundo e como ele é. Brincando a criança aprende novos
conceitos, adquire informações e tem um crescimento saudável.
A criança que brinca cria um universo só dela. Envolve-se num imaginário no
qual o impossível se torna possível e vice-versa. Reúne personagens da cultura,
elementos da realidade, criando novos significados para elas graças à sua
capacidade de criação. Enfim, nas relações interpessoais há construção de
conhecimento.
A criança não só repete as coisas vividas ou ouvidas, mas tem a capacidade
de combinar o antigo com o novo através de sua capacidade criativa.
Quando a criança brinca, ela está vivenciando momentos alegres, prazerosos,
portanto a criança que brinca vive uma infância feliz, além de se tornar um adulto
mais equilibrado física e emocionalmente, conseguirá superar com mais facilidades,
problemas que possam surgir no seu dia-a-dia. A criança privada dessa atividade
poderá ficar com traumas dessa falta de vivência.
Por meio das brincadeiras tradicionais, as crianças ampliam sua área de
contatos humanos, aprendem de modo mais simples as vantagens e o significado
das atividades organizadas grupalmente, experimentam os diferentes papéis sociais,
percebem as relações de subordinação e de dominação entre as pessoas e se
identificam com alguns interesses ou valores de sua sociedade.
A pesquisa estruturou-se em quatro etapas: a primeira, um levantamento do
referencial teórico referente ao tema, realizado em biblioteca, acervo pessoal e da
orientadora dando base à nossa pesquisa;
Na segunda etapa, foi realizada a coleta de dados, desenvolvida mediante um
estudo de caso. Os dados foram coletados em duas turmas de primeira série do
Ensino Fundamental de uma escola pública estadual na cidade de Bauru, situada
num bairro de classe média-baixa, que atende crianças de primeira a quarta série,
residentes no próprio bairro ou em bairros vizinhos.
Trata-se também de uma pesquisa qualitativa, pois se preocupa em
compreender, interpretar os fatos. A pesquisa qualitativa, segundo Lüdk e André
(1986), tem ambiente natural como fonte de coleta de dados e o pesquisador é o
11

instrumento principal. Deve ter um contato direto e prolongado do pesquisador com o


ambiente e a situação investigada mediante o trabalho de campo.
Desta forma, nossa pesquisa, se desenvolveu ao longo de um mês, com
visitas freqüentes à escola durante cinco dias da semana no período vespertino.
Os alunos possuíam idade entre seis e sete anos. Ao total eram 59 crianças,
28 da turma “D” e 31 da turma “E”.
A terceira etapa consistiu na tabulação e análise dos dados coletados durante
a pesquisa na instituição escolar.
Finalmente, na quarta etapa ocorreu a organização e estruturação do material
coletado durante a pesquisa resultando na redação final do Trabalho de Conclusão
de Curso.
12

CAPÍTULO 1 – INFÂNCIA, CRIANÇAS E BRINQUEDOS

Conhecer a criança é pensá-la não


apenas numa perspectiva evolutiva e
etária. Conhecer a criança é pensá-la num
tempo e num espaço, interagindo
dinamicamente, influenciando e sendo
influenciado.

Elza Dias Pacheco

Fala-se muito da liberdade e do direito das crianças, principalmente de sua


ações mais características – o brincar, que seu cotidiano é cercado de risos,
alegrias, brincadeiras. Mas, se analisarmos cuidadosamente a realidade da maioria
das crianças como se propaga, e como os documentos oficiais apresentam,
historicamente, no Brasil e em todo o mundo, há uma discrepância entre o que é
proposto pelas organizações responsáveis pela infância e legislação vigente.

O mundo que a ”criança deveria ser” ou “ter” é diferente daquele


onde ela vive, ou no mais das vezes, sobrevive. O primeiro é feito de
expressões como “a criança precisa”, “ela deve”, “seria oportuno
que”, “vamos nos engajar em que”, até o irônico “vamos torcer para”.
No segundo as crianças são enfaticamente orientadas para o
trabalho, para o ensino, para o adestramento físico e moral,
sobrando-lhes pouco tempo, para a imagem que normalmente a ela
está relacionada: do riso e da brincadeira. (DEL PRIORE, 2004, p. 8)

O mundo passa por intensas e significativas mudanças ao longo dos tempos,


contudo nas últimas décadas esse fenômeno vem se intensificando cada vez mais.
São transformações tecnológicas, sociológicas entre tantas outras. É nesse contexto
que a criança inserida e fazendo parte dele, vem sofrendo com suas conseqüências,
sejam elas boas ou ruins.

[...] a crescente fragilização dos laços conjugais, a exploração urbana


com todos os problemas decorrentes de viver em grandes cidades, a
globalização cultural, a crise do ensino antes os avanços
cibernéticos, tudo isso tem modificado, de forma radical, as relações
entre pais e filhos e entre crianças e adultos. (DEL PRIORE, 2004, p.
9)

Desta forma, em meio as transformações, e principalmente a partir da


modernidade, as crianças são preparadas para o futuro. As escolas não estão
13

trabalhando com as particularidades infantis e suas necessidades, e sim, vendo as


crianças como futuros adultos, que deverão ser produtivos para desempenharem
funções em resposta às necessidades atuais da sociedade tecnológica.
Ao retroagirmos Às mudanças que ocorreram até chegarmos à sociedade
atual compreenderemos as mudanças decorrentes em relação à infância e a criança.
Para tanto, faremos uma breve passagem pela história, utilizando os autores
como Ariès (2006), Heywood (2004), Stearns (2006), Freitas e Kuhlmann (2002), Del
Priori (2004) entre outros que trouxeram grandes contribuições para entendermos
como a infância se modificou de acordo com cada sociedade.
Inicialmente faremos uma pequena diferenciação entre infância e criança,
esclarecendo os termos para um melhor entendimento dos conceitos.
Segundo Freitas e Kuhlmann (2002) a infância é “[...] a concepção ou a
representação que os adultos fazem sobre o período inicial da vida, ou como o
próprio período vivido pela criança”. Já a criança “[...] o sujeito real que vive essa
fase da vida”. Desta forma, segundo os autores, “A história da infância seria então a
história da relação da sociedade, da cultura, dos adultos, com essa classe de idade
e a história da criança seria a história da relação das crianças entre si e com os
adultos, com a cultura e a sociedade”.
É difícil falar sobre a criança ao longo da história, pois pouco registro direto se
tem sobre ela. O que há são relatos de adultos sobre quando eram crianças, são
recordações dos seus dias de meninice. Contudo, mesmo não havendo aspectos da
experiência da infância pela falta de informações direta, falaremos um pouco sobre a
história da infância que é estudada por adultos e instituições adultas.

É difícil elaborar histórias bem-feitas sobre crianças. Crianças deixam


relativamente poucos registros diretos. As pessoas rememoram suas
infâncias, adultos escrevem sobre crianças e há objetos – berços,
brinquedos etc., mas isso também é trazido à baila por intermediários
adultos. Justamente por isso, é mais fácil tratar historicamente da
infância do que das crianças em si, porque a infância é em parte
definida pelos adultos e por instituições adultas. (STEARNS, 2006, p.
13)

Por meio da história da infância podemos analisar as condições infantis do


passado e as mudanças na natureza da infância, desta forma, analisamos as
mudanças que a infância tem sofrido no decorrer dos anos.
14

[...] é possível verificar como muitos aspectos da infância


contemporânea decorrem do passado, o que por seu turno permite
entender bem melhor a infância contemporânea, inclusive alguns
novos problemas que ocupam a nossa atenção. (STEARNS, 2006, p.
14)

A história da infância também nos auxilia a entender como a criança foi vista e
tratada ao longo dos séculos pelas sociedades e como tem sido a participação dos
jogos e brincadeiras em suas vidas.

O lugar que a criança ocupa num contexto social específico, a


educação a que está submetida e o conjunto de relações sociais que
mantém com personagens do seu mundo, tudo isto permite
compreender melhor o cotidiano infantil – é nesse cotidiano que se
forma a imagem da criança e do seu brincar. Cada tempo histórico
possui uma hierarquia de valores que oferece uma organicidade a
essas heterogeneidades. São esses valores que orientam a
elaboração de um banco de imagens culturais que se refletem nas
concepções de criança e seu brincar. (KISHIMOTO, 1993, p. 7-8)

Acompanhando as mudanças relativas à infncia por meio da história atual,


segundo Stearns (2006) “[...] a importância do conhecimento da infância no curso da
história é entender o passado de maneira mais ampla e proporcionar perspectivas
históricas ao presente”.
Em seu livro “História Social da Criança e da Família”, Ariès (2006)discorre
sobre o olhar adulto acerca da infância, tomando por base a sociedade européia. Ele
inicia pelo final da Idade Média e chega até o século XIX. Assim, como ele analisa,
inicialmente a criança era vista como um ser incompleto e com o passar dos tempos
passa a ser alvo de uma melhor observação, tornando-a paparicada, mimada e
então amada.
Ariès (1973) postulava que o no passado, até ao início da época
moderna, não existia o conceito de infância. Baseando-se na
iconografia, considerou Ariès que as crianças só começaram a ser
representadas com a sua especificidade a partir dos finais da Idade
Média mas, ainda assim, apenas como figuras ornamentais e
pitorescas que serviam para dar vida a um quadro. Só a partir do
século XVII a criança parecia ter valor suficiente para ser
representada sozinha. No entanto, segundo Ariès, tal não coincidia
com uma visão mais otimista da infância, mas apenas com a idéia,
transmitida pelos moralistas, de uma criatura de Deus, fraca e
inocente que era preciso simultaneamente preservar e modificar, um
ser cujo comportamento devia ser treinado e corrigido. (BOTTO,
2002, p. 169)
15

Notamos que a forma como a criança era vista sofrem influências dos
acontecimentos econômicos religiosos, sociais, enfim de uma época. Quando
analisamos o fenômeno Infância devemos relevar a classe social em que está
inserida, pois essa possui uma forte influência sobre ela, uma vez que sempre
existiram aqueles que possuem grandes benefícios e aqueles que vivem numa
realidade precária e miserável.

A evolução da família medieval para a família do século XVII e para a


família moderna durante muito tempo se limitou aos nobres, aos
burgueses, aos artesãos, aos lavradores ricos. Ainda no início do
século XIX, uma grande parte da população, a mais pobre e mais
numerosa, viviam como as famílias medievais, com as crianças
afastadas da casa dos pais. (ARIÈS, 2006, P. 189)

Numa sociedade dividida em classes sociais opostas, não temos apenas uma
Infância única, mas sim Infâncias que oscilam entre a luxúria e suas regalias e a

pobreza com toda a sua miséria e ingratidão.

Pelo que podemos deduzir a partir das fontes disponíveis, o interesse pelos
anos da infância é um fenômeno relativamente recente. Os camponeses ou artesãos
geralmente não registravam suas histórias durante a Idade Média até mesmo os
nobres de nascimento ou os devotos não costumavam demonstrar muito interesse
pelos primeiros anos de vida. A criança era, no máximo, uma figura marginal em um
mundo adulto. A esse respeito Heywood escreveu:

[...] Ottokar von Steiermark, escrevendo em médio alto-alemão,


deixou bem clara sua posição “ao saudar o nascimento de um rei
com a seguinte frase: ‘não quero escrever mais a seu respeito agora;
ele terá de esperar até crescer.” (HEYWOOD, 2004, p. 10)

Essa frase deixa nítida o quão excluído do interesse adulto era a infância. As
crianças eram apenas adultos imperfeitos, “deficientes”, totalmente subordinadas
aos adultos. Durante muito tempo poucos têm sido os historiadores dedicados à
infância. Ainda na década de 1950, seu território podia ser considerado “um campo
quase virgem”. Quase que a totalidade dos autores medievais, preferia escrever
sobre a idade adulta, especialmente a dos homens, ao invés de se dedicar à infância
e à adolescência.
16

Grande parte dos primeiros trabalhos era de caráter profundamente


institucional, descrevendo o surgimento dos sistemas escolares, a legislação sobre o
trabalho infantil, as agências especializadas em delinqüentes juvenis, os servidores
de bem-estar social infantil e assim por diante. Pouco se tratava das próprias idéias
sobre a infância e das crianças. Os historiadores contribuíram, contudo, para um
reconhecimento da construção social da infância no qual as comparações no
decorrer do tempo foram tão instrutivas quanto as de caráter intelectual.
A arte medieval também nos mostra que a infância era um tema pouco ou até
mesmo nem abordado, nota-se o distanciamento da criança no mundo adulto e sua
pouca valorização, nos séculos XI e início do XII,

É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse


mundo. Uma miniatura otoniana do século XI nos dá uma idéia
impressionante da deformação que o artista impunha então aos
corpos das crianças, num sentido que nos parece muito distante de
nossa visão. (ARIÈS, 2006, p. 17)

Até o fim do século XIII, a criança não era vista como um ser único, individual,
possuidor de limites, e também de potencialidades. Ela era vista, acima de tudo,
como um ser desprovido de características particulares. Na verdade se tratava de
um adulto em miniatura, um homem de tamanho reduzido.
Nessa fase, a indiferença pelas características próprias da infância esteve
presente não só no mundo das imagens, como também no modo de vestir das
crianças daquela época. “[...] Assim que a criança deixava os cueiros, ou seja, a
faixa de tecido que era enrolada em torno de seu corpo, ela era vestida como os
outros homens e mulheres de sua condição.” (ARIÈS, 2006, p. 32)
Quanto à vida lúdica, a partir do século XII, certos jogos já eram reservados
aos cavaleiros, e, mais precisamente, aos adultos. Assim, segundo relata Ariès
(2006), enquanto a luta era uma brincadeira comum, o torneio e a argolinha eram
jogos de cavalaria. Os plebeus, e as crianças, mesmo nobres, eram proibidos de
participar dos torneios, eles não tinham o direito de participar. Logo as crianças
começaram a imitar esses torneios proibidos. Ainda segundo Ariès (2006), o
calendário do breviário de Grimani mostra-nos torneios grotescos de crianças, entre
as quais alguns pensaram conhecer o futuro Carlos V: as crianças cavalgavam
barris em vez de cavalos.
17

Importa explicitar que, apesar de não existir o sentimento de infância na


sociedade medieval, não significa dizer que as crianças eram negligenciadas,
abandonadas ou desprezadas.
Era uma sobrevivência persistente, porém ameaçada. Já desde o século XIV,
procuravam exprimir na arte, na iconografia e na religião a personalidade que se
admitia existir nas crianças, e o sentido poético e familiar que se atribuía à sua
particularidade.
Desde a Antiguidade até o século XVIII, as crianças, no Ocidente, eram vistas
como meros adultos imperfeitos, “deficientes”, e subordinadas aos adultos.
Portadores dessa visão, os escritores medievais tinham pouco interesse nessa etapa
da vida. Recentemente, é que surgiu um sentimento de que as crianças são
especiais e diferentes, e, portanto, dignas de ser estudadas por si sós.
As crianças medievais desde novas eram inseridas no mundo adulto.
Inicialmente ajudavam os pais trabalhando como servas ou desenvolvendo algum
ofício.
Contudo, as pessoas nesse tipo de sociedade “primitiva” estavam cientes das
diferentes etapas de desenvolvimento entre os mais novos. Havia um óbvio
nivelamento de responsabilidade que as de menos idade podiam assumir: desde
trabalhos menores da casa até o pastoreio e, eventualmente, um aprendizado de
ofício ou um trabalho formal no campo. Elas também tinham seus jogos, ao invés de
participar das competições adultas. Contudo a infância e a adolescência pareciam
distintas e especiais naquele período.
A educação dessas crianças era garantida pela aprendizagem junto aos
adultos, pois a partir dos sete anos, elas viviam com uma outra família que não a
sua.
A criança saía de casa indo morar com outras famílias, mesmo que depois de
adulta voltasse, porém nem sempre isso acontecia. Elas eram enviadas à outras
famílias pelos pais para que com elas morassem e começassem sua vida, ou para
aprenderem as maneiras de um cavaleiro ou um ofício, até mesmo para que
freqüentassem uma escola e aprendessem as letras latinas.
Imergida nesse contexto, a família não poderia nutrir um grande sentimento
entre pais e filhos. Contudo, não significa que os pais não amassem os filhos
Doris Desclais Berkvam utilizava textos da França dos séculos XII e XIII para
mostrar que os moralistas desse período só consideravam eficaz a criação de uma
18

criança se estivesse em harmonia com a natureza, sendo que esta era determinada
pela classe e pelo gênero, e não por circunstâncias individuais.

[...] Para a mente Medieval, segundo Berkvam, a natureza com a


qual se nasce é a influência mais importante na vida, a matéria-prima
sem a qual a criação mais refinada será desperdiçada. Promover
esse tipo de linhagem servia muito bem a aristocracia hereditária,
que estava até mesmo disposta a acreditar que um jovem
responderia quase que instantaneamente à instrução sobre sua
verdadeira vocação. Mesmo assim, essa é a fase em que a ação na
natureza não passou completamente incontestada. A Baixa Idade
Média estava ao menos familiarizada com a noção da criança como
uma cera mole, que poderia ser moldada de várias formas, ou como
o ramo tenro, que precisa ser posto na direção correta. Os
educadores identificavam a infância como o período da vida em que
as pessoas eram mais receptivas ao ensinamento, e assim
enfatizavam a importância de se proporcionarem bons exemplos
para que os jovens seguissem. (HEYWOOD, 2004, p. 52)

Algumas pesquisas dizem que a criança nunca foi tão celebrada como na
Idade Média, porém a maioria dos comentadores entre a elite instruída da época
preferia mostrar a criança como uma criatura pecadora, “[...] um pobre animal
suspirante”. Segundo Heywood (2004) Um levantamento de histórias e crônicas da
Alta Idade Média concluiu que elas eram “bastantes vazias” nessa área. A infância
durante a Idade Média não passou tão ignorada, e sim foi definida de forma
imprecisa, e, por vezes, desdenhada.
Pierre Riché, escrevendo na década de 1960, afirmou que, entre os séculos
VI e VIII, o sistema monástico “redescobriu a natureza da criança e toda a sua
riqueza.

O historiador Jacques Lê Goff asseverou que a “Idade Média


utilitária” não tinha tempo para compaixão ou admiração pelas
crianças, de forma que mal as notava. Os monastérios, todavia, para
os quais Riché chama nossa atenção, conseguiam destacar-se como
uma vela acesa na escuridão geral, tendo também experiências
diretas na criação e na educação de crianças. O costume dos pais de
entregar um filho para a Igreja fazia com que a maioria dos
recrutados em monastérios fosse de oblatos jovens. Tornou-se
possível para o diferenciado professor dessas instituições, em varias
partes da Europa, questionar a opinião geralmente rebaixada sobre a
infância, herdada dos romanos e dos primeiros pais da Igreja.
(HEYWOOD, 2004, p. 34-35).
19

A Baixa Idade Média estava ao menos familiarizada com a noção da criança


como uma cera mole, que poderia ser moldada de várias formas, ou como o ramo
tenro, que precisa ser posto na direção correta. Os educadores identificavam a
infância como o período da vida em que as pessoas eram mais receptivas ao
ensinamento, e assim enfatizavam a importância de se proporcionarem bons
exemplos para que os jovens seguissem. Heywood (2004, p. 35) diz que: “[...] Beda,
um monge ilustre da época, afirmava ser a criança boa de educar, absorvendo com
fidelidade aquilo que se lhe ensinava”.
Durante a Idade Média, quando se utilizava a palavra criança, muitas vezes
se parecia ter em mente um menino. As meninas eram “praticamente invisíveis” na
literatura. Alguns textos lhes davam alguma atenção, mas geralmente as vidas
masculinas eram mais variadas e interessantes.
O conceito aristotélico via o menino como sendo “importante não por si
mesmo, mas por seu potencial”. Por outro lado, os românticos idealizavam a criança
como criatura abençoada por Deus, e a infância como uma fonte de inspiração que
duraria a vida toda.
No século XVI, com a vinda dos portugueses para o Brasil, analisando a
história, descobrimos uma infância não muito doce nem sagrada. Por meio dela,
percebemos o sofrimento que as crianças lusas passaram nas embarcações
portuguesas.
Segundo Ramos (2004, p. 30) “[...] A história do cotidiano infantil a bordo das
embarcações portuguesas quinhentistas foi, uma história de tragédias pessoais e
coletivas”. As crianças vinham para o Brasil nos navios como grumetes ou pagens,
como órfãs do Rei (para aqui se casarem) ou como passageiros embarcados junto
com seus pais eu parentes.
Os grumetes eram os que mais sofriam nas naus. Suas condições de vida
eram as mais precárias, possuíam as piores acomodações, sua alimentação era
restrita e de péssima qualidade.
Os grumetes, tal como os marinheiros, recebiam chicotadas e eram postos a
ferro (acorrentados ao porão) caso desobedecessem às ordens dos oficiais, sendo
ainda por vezes ameaçados de morte.
Já os pagens, realizavam tarefas mais leves e menos arriscadas, sua
alimentação também era mais rica que a dos grumetes.
20

[...] Os pagens eram raramente castigados com severidade e


possuíam menor chance de perecer ao longo da viagem, pois tanto
oficiais como elementos da nobreza eram os únicos que tinham
permissão para trazer a bordo laranjas, galinhas e outros alimentos,
sob pretexto de se servirem em caso de doença. (RAMOS, 2004, p.
30)

Grumetes e pagens eram de famílias portuguesas pobres que mandavam


seus filhos para o Brasil acreditando ser uma forma melhor de ascensão social.

A falta de mão-de-obra de adultos, ocupados em servir nos navios e


nas possesões ultramarinas, fazia com que os recrutados se
achassem entre órfãos desabrigados e famílias de pedintes. Nesse
meio, recrutavam meninos entre nove e 16 anos, e não raras vezes,
com menor idade, para servir como grumetes nas embarcações
lusitanas. (RAMOS, 2004, p. 22)

Segundo o autor, para os pais, esse era um meio de aumentar a renda da


família. Assim como os desafortunados grumetes, muitos dos pagens eram
recrutados, entre famílias portuguesas pobres. A maioria, contudo, eram de setores
médios urbanos, de famílias protegidas pela nobreza ou de famílias da baixa
nobreza; essas acreditavam que inserindo seu filho no contexto da expansão
ultramarina como pagem conquistariam uma ascensão social. Os filhos de capitães
e pilotos que também embarcavam viviam uma condição melhor, intermediária entre
os passageiros e os grumetes. Iam como acompanhantes dos pais ou parentes para
aprender seu ofício.

Enquanto os meninos pobres menores de 16 anos eram embarcados


como grumetes e pagens nas naus portuguesas do século XVI, e
alguns dos filhos dos oficiais, mesmo não sendo pagens,
embarcavam simplesmente como acompanhantes de seus pais a fim
de aprender seu ofício, as meninas órfãs de pai e pobres eram
arrancadas à força de sua família e embarcadas a categoria de “órfãs
do Rei”. (RAMOS, 2004, p. 32)

Essas meninas “órfãs do Rei” passavam pelas mesmas dificuldades que os


meninos. Com privações alimentares e entregues a ambientes insalubres das naus,
muitas faleciam no meio do caminho. Eram, assim como os garotos violentadas
pelos tripulantes.

[...] As meninas embarcadas como órfãs poderiam ser violadas por


grupos de marinheiros mal intencionados que ficavam dias à espreita
21

em busca dessa oportunidade. Por medo de serem depreciadas no


mercado matrimonial para o qual estavam direcionadas, ou por
vergonha, terminavam ocultando o fato, de modo que os relatos a
respeito são praticamente inexistentes. (RAMOS, 2004, p. 34)

As crianças em geral, eram igualmente sujeitas, em qualquer idade, mas


sobretudo quando pertencentes às classes subalternas, a estupros coletivos
praticados pelos marinheiros ou soldados.
As condições de vida precárias nos navios faziam com que muitas crianças
viessem a falecer durante a viagem, entre outros motivos, por doenças ou naufrágio.
Contudo, as que venciam os diversos problemas lá enfrentados não estavam
garantidos de uma vida boa e próspera em terra.

As dores do naufrágio eram apenas o princípio de um


sofrimento muito mais intenso, marcado pela fome, pelo medo e por
inúmeras dificuldades. Em condições como estas, as poucas
crianças que sobreviviam, já intensamente castigadas pelo cansaço
físico e o trauma psicológico, dificilmente conseguiam ter sorte
diferente em terra. (RAMOS, 2004, p. 44)

Vencida as dificuldades enfrentadas nas naus como naufrágios, maus tratos,


violências morais e físicas, chegando aqui no Brasil as crianças passariam por
outros tipos de dificuldades. Muitas aqui sofriam com doenças, e também com
violações de seus direitos. Vemos então, que a infância nessa época não era vista
como sagrada, a criança não era diferenciada do adulto, antes realizavam quase
que as mesmas tarefas que eles. Desta forma, já em terra continuariam a sofrer
igualmente nas embarcações.
O Renascimento projeta na criança a argamassa do modelo a ser produzido
na maturidade. Contudo, visivelmente, havia alguma dificuldade em retratar a
criança. Para Montaigne, por exemplo, melhor era formar cabeças bem-feitas do que
cabeças cheias.
Nesta época, nem tudo deveria ser permitido às crianças. Elas deveriam
obedecer as regras, reconhecer as prescrições, imposições limites interdições e,
maiormente, identificar o valor da obediência.
Segundo Boto (2002), havia uma insuficiência ou um caráter incompleto da
condição infantil em relação a seu almejado ponto de chegada: o ser adulto.
22

A criança é percebida pelo que lhe falta, pelas carências que apenas
a maturação da idade e da educação poderia suprir. Frágil na
constituição física, na conduta pública e na moralidade, a criança é
um ser que deverá se regulado, adestrado, normalizado para o
convívio social. Daí a necessidade de se dar a ela, de um lado a
liberdade; e outro, o freio – de modo que o adulto pudesse surgir pelo
equilíbrio. (BOTO, 2002, p. 17)

O século XVII foi extremamente importante na evolução dos temas da


primeira infância. Nessa época a imagem da criança se tornou muito freqüente nas
pinturas anedóticas. Segundo Ariès (2006, p. 28), “[...] Era freqüente a imagem da
criança com sua família, seus amigos de jogos, em suas brincadeiras, no meio da
multidão, mas no colo da mãe, entre outros momentos da vida cotidiana.”
Ainda segundo o autor, no século XVII, a criança da família nobre ou
burguesa, não era mais vestida como os adultos, as roupas usadas por elas agora
se distinguiam das usadas por eles. Já que agora era reconhecida como entidade
separada, teria que possuir um traje particular.
Contudo, isso aconteceu apenas nas famílias burguesas ou nobres. As
crianças das classes desprivilegiadas continuaram no mesmo costume de se vestir
conforme os adultos.

As crianças do povo, os filhos dos camponeses e dos artesãos, as


crianças que brincavam nas praças das aldeias, nas ruas das
cidades ou nas cozinhas das casas continuaram a usar o mesmo
traje dos adultos. Elas conservaram o antigo modo de vida que não
separava as crianças dos adultos, nem através do traje, nem através
do trabalho, nem através dos jogos e brincadeiras. (ARIÈS, 2006, p.
41)

Com a redescoberta da Infância no século XVII, principalmente entre as mães


e as amas, surgiu um novo sentimento da infância: o de “paparicar”. Isso porque a
criança, com sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração
e de relaxamento para o adulto.

A maneira de ser das crianças deve ter sempre parecido


encantadora Às mães e às amas, mas esse sentimento pertencia ao
vasto domínio dos sentimentos não expressos. De agora em diante,
porém, as pessoas não hesitam mais em admitir o prazer provocado
pelas maneiras das crianças pequenas, o prazer que sentiam em
“paparicá-las.” (ARIÈS, 2006, p. 101)
23

Entretanto, no fim do século XVI e principalmente no século XVII, esse


sentimento da infância sofreu críticas. Algumas pessoas julgavam desnecessária a
atenção dispensada às crianças, por meio da “paparicação”.

É entre os moralistas do século XVII que vemos forma-se esse


outro sentimento da infância e que inspirou toda a educação até o
século XX, tanto na cidade como no campo, na burguesia como no
povo. O apego à infância e à sua particularidade não se exprimia
mais através da distração e da brincadeira, mas através do interesse
psicológico e da preocupação moral. A criança não era nem divertida
nem agradável. (ARIÈS, 2006, p. 104)

Sneyders diz que no século XVII existem duas visões de infância, uma
idealizada, tendo por base a inocência, atribuía à puerilidade; e, ao mesmo tempo,
uma de desagrado da criança de carne e osso.
A entrada no mundo adulto era precoce, o que fazia com que – nos termos de
Sneyders – as crianças não pudessem sentir sua infância por muito tempo.

Acompanhando o difícil amor pelas crianças, as gerações adultas


passavam progressivamente a cuidar delas com atenção acrescida,
a devotar mais tempo para educá-las, com procedimentos ancorados
no binômio desconfiança/vigilância. (BOTTO, 2002. p. 24)

Apesar da Infância ainda não receber o devido valor e reconhecimento da


sociedade, a criança, nessa época, passa a ser um elemento indispensável na vida
cotidiana, o que leva os adultos a cuidar mais de sua educação, carreira e futuro.
Assim como nos mostra Ariès (2006, p. 189), ela não era pivô de todo o sistema,
mas tornara-se uma personagem muito mais consistente.
Dessa época em diante, a educação passou a ser fornecida cada vez mais
pela escola, que deixou de ser privilégio dos clérigos para se tornar um instrumento
de iniciação social, da passagem da infância para a vida adulta.

Essa evolução correspondeu a uma necessidade nova de rigor moral


da parte dos educadores, a uma preocupação de isolar a juventude
do mundo sujo dos adultos para mantê-la na inocência primitiva, a
um desejo de treiná-la para melhor resistir às tentações dos adultos.
(ARIÈS, 2006, p. 159)

Embora o interesse pelas crianças na Inglaterra começa pelos puritanos,


sendo eles os primeiros a se questionar sobre sua natureza e seu lugar na
24

sociedade, Heywood (2004) revela em seu livro que “Os puritanos não tinham
necessariamente uma opinião elevada sobre as crianças, e os irmãos mais
fervorosos afirmavam que elas nasciam como “fardos sujos do pecado original”, ou
“pequenas víboras”.
Os reformadores católicos da França igualmente inferiorizavam as crianças,
ao denunciá-las como fracas e culpadas de pecado original. Mesmo assim,
jansenistas do século XVII, em Port-Royal, e outros educadores, afirmavam que as
crianças valiam a atenção; que se deveria dedicar a vida à sua instrução e que cada
indivíduo precisa ser compreendido e auxiliado.

Okenfuss afirma de forma inequívoca que “a infância foi descoberta


na Rússia na década de 1690”, tomando como evidência a série de
cartilhas eslavas produzidas por Karion Istomin (c. 1640-1717) em
Moscou. Com seu amplo uso de ilustrações para ensinar gramática e
religião, essas cartilhas revelavam uma consciência de que as
percepções de uma criança eram diferentes das dos adultos.
(HEYWOOD, 2004, p. 36)

Segundo Heywood (2004) Okenfuss segue Ariès ao atribuir sua “descoberta”


a um interesse recém-surgido na educação, com a escola servindo para diferenciar a
infância de etapas posteriores da vida.
Os pensadores do século XVIII chegaram mais próximos a nossas noções
contemporâneas de infância do que qualquer de seus precedentes. Eles afirmaram
seguramente que as crianças não são meros adultos imperfeitos e sim seres
importantes em si.

[...] John Locke em sua obra Some thoughts concerning education


(Algumas reflexões sobre educação) de 1963, foi muito importante
para projetar a imagem da criança como tábula rasa, [...] um papel
em branco, ou uma cera a ser moldada e formatada como bem se
entender. (HEYWOOD, 2004, p. 37)

Analisando as obras de arte do século XVIII, verificamos que foi nesse


período que os retratos de crianças sozinhas se tornaram numerosos e comuns.
Segundo Ariès (2006, p. 28) “[...] foi também nesse século que os retratos de família,
muito mais antigos, tenderam a se organizar em torno da criança, que se tornou o
centro da composição”. Os meninos e meninas eram diferenciados por fitas chatas
postas nas costas.
25

A figura de destaque na reconstrução da infância durante o século XVIII é o


suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Acreditando que a sociedade de seu
tempo possuía falsa idéia da infância por não conhecê-la devidamente, propõe em
Emílio a descoberta da condição essencial da criança. Rousseau foi, nas palavras
de Peter Coverney, quem se opôs mais intensamente à tradição cristã do pecado
original, com o culto da inocência original das crianças.

Segundo Rousseau, em Emílio, [...] a criança nasce inocente, mas


corre o risco de ser sufocada por “preconceitos, autoridade,
necessidades, exemplo, todas as instituições sociais em que
estamos submersos. Para ele [...] a natureza deseja que as crianças
sejam crianças antes de ser adultos. A infância “tem formas próprias
de ver, pensar, sentir” e, particularmente sua própria forma de
raciocínio, “sensível”, “pueril”, diferente da razão “intelectual” ou
“humana” do adulto. [...] “Respeitai a infância”, exortava ele, e “deixai
a natureza agir bastante tempo antes de resolver agir em seu lugar.”
(HEYWOOD, 2004. p. 38)

Rousseau pregava que a criança deveria receber mais que uma simples
instrução. Deveria ser ofertado a ela valores e códigos de conduta através do
exemplo, de palavras e práticas. Segundo ele a natureza fez as crianças para serem
amadas e socorridas, mas também questiona se a fez para serem obedecidas e
temidas. Por meio dessa fala notamos que Rousseau era absolutamente contrário a
aqueles adultos que satisfazem todas as vontades das crianças.

Tal postura teórica recorreria inclusive à dimensão política,


explicitando a dificuldade posterior quanto a possibilidade de convívio
comum e civilizado entre os seres que, durante e infância, não
aprenderam a resistir a qualquer frustração, acostumados a, através
de outros, realizarem todos os seus desejos, suas pequeninas e
grandes vontades. (BOTTO, 2002, p. 48)

Segundo Rousseau (1973, p.72) “[...] Acostumadas a verem tudo dobrar-se


diante de sua vontade, que surpresa não terão ao entrarem na sociedade e sentirem
que tudo lhes resiste, e se acharem esmagadas pelo peso de um universo que
pensam movimentar à vontade!”
A concepção romântica de infância, que surgiu pela primeira vez durante o
final do século XVIII e início do século XIX, trouxe uma mudança sutil na noção
rousseauniana de inocência nessa etapa da vida. Rousseau não previa que as
26

crianças se tornassem virtuosas durante os primeiros 12 anos de suas vidas,


simplesmente que uma “educação negativa” as protegeria do vício.

Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos desprovidos de


tudo, temos necessidade de assistência; nascemos estúpidos,
precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer, e de que
precisamos adultos, é-nos dado pela educação. Essa educação nos
vem da natureza, ou dos homens, ou das coisas. O desenvolvimento
interno de nossas faculdades e de nossos órgãos é a educação da
natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a
educação dos homens; e o ganho de nossa própria experiência
sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas.
(ROUSSEAU, 1973, p. 10-11)

Os românticos, ao contrário, acreditavam que as crianças possuíam profunda


sabedoria, sensibilidade estética mais apurada e uma consciência mais profunda
das verdades morais duradouras.
A visão iluminista da infância como um tempo para a educação –
particularmente, a educação dos meninos – gerou a noção de infância como domínio
perdido, mas não obstante, fundamental para a criação do self adulto.

O resultado foi uma redefinição do relacionamento entre


adultos e crianças: agora, era a criança que podia educar o
educador. Broson Alcott (1799-188) inovador educacional e pai da
escritora Louisa May, proclamou, após passar tempo com suas
filhas: “a infância me salvara” (HEYWOOD, 2004, p. 39)

Os românticos alemães produziram igualmente uma visão que enaltecia a


criança. Jean-Paul Richter sugeriu, em seu Levana (1807), um tratado sobre
educação, que as crianças eram “mensageiros do paraíso”, e que “uma única
criança na Terra nos parecia uma criatura estranha, angelical, sobrenatural”
A visão romântica da infância estava longe de ser predominante. Em primeiro
lugar, a tradição mais antiga de manchar as crianças com o pecado original custou a
desaparecer, recebendo até mesmo um estímulo na Inglaterra a partir do final do
século XVIII, com o surgimento do movimento Evangélico.

[...] Além disso, a ênfase na inocência da infância tinha pouca


relevância para as vidas da maioria dos jovens, que ainda estavam
sendo inseridos no mundo dos adultos muito cedo. As novas idéias
tinham mais ressonância nos círculos da classe media, onde o
27

interesse na domesticidade e na educação era particularmente


desenvolvido. (HEYWOOD, 2004, p. 42)

A criança dita pela razão moderna foi desmistificada. Foi secularizada e


institucionalizada. Os teóricos da educação passaram a falar dela. Ao separar a
criança do universo adulto, a modernidade cria a infância como uma mônada –
unidade substancial ativa a individual; presente, no limite, em todos os seres infantis
da espécie humana: sempre a mesma; sempre igual, inquebrantável, inamovível,
irredutível – um mínimo denominador comum. Não se fala das crianças, e sim da
infância.
Os moralistas do século XVIII, preocupados com a disciplina e a racionalidade
dos costumes, recusavam-se considerar as crianças como brinquedos encantados,
pois as enxergavam como frágeis criaturas de Deus, necessitadas de preservação e
disciplina. Com o tempo a família passou a adquirir esse sentimento, e, além desses
dois elementos antigos, apropriou-se de um novo elemento: a preocupação com a
higiene e a saúde física.

Havia uma grande preocupação com a saúde a até mesmo sua


higiene. Tudo o que se referia às crianças e à família tornara-se um
assunto sério e digno de atenção. Não apenas o futuro da criança,
mas também sua simples presença e existência eram dignas de
preocupação – a criança havia assumido um lugar central dentro da
família. (ARIÈS, 2006, p. 105)

Contudo, não significa dizer que os moralistas e os educadores do século


XVII desconsideravam os cuidados com o corpo. Os doentes eram tratados com
dedicação, porém segundo Ariès (2006, p. 105), não havia interesse pelo corpo dos
que gozavam de boa saúde, a não ser com um objetivo moral: um corpo mal
enrijecido inclinava à moleza, à preguiça, à concupiscência, a todos os vícios.
No Brasil, na segunda metade do século XVIII, o marquês de Pombal instalou
o ensino público, porém, deficiente. Notamos então, que já no início da colonização
as escolas jesuíticas eram poucas e para poucos. Apenas uma pequena parte das
crianças freqüentava as escolas. Enquanto professores particulares ensinavam os
filhos da elite, os filhos dos pobres aprendiam a ser um cidadão útil e produtivo para
a sociedade e a família. Os pais acreditavam que as crianças necessitavam
trabalhar desde cedo para complementar a renda familiar, que, não dava conta de
sanar suas necessidades. Assim, a educação escolar, para essas pessoas, não tem
28

tanta importância como o trabalho. Pois estando na escola deixam de colaborar com
o aumento da renda familiar.

No final do século XIX, o trabalho infantil continua sendo visto pelas


camadas subalternas como “a melhor escola”. “O trabalho (explica
uma mãe pobre) é uma distração para a criança. Se não estiver
trabalhando, vão inventar moda, fazer o que não presta. A criança
deve trabalhar cedo”. E pior, afogados hoje pelo trabalho. [...] O
trabalho, como forma de complementação salarial para famílias
pobres ou miseráveis, sempre foi priorizado em detrimento da
formação escolar. (DEL PRIORE, 2004, p. 10-11)

O trabalho infantil, existente desde a época da escravidão, no qual crianças


desde muito pequenos eram separados de suas mães e vendidos aos senhores
para servirem até mesmo de motivo de distração. Segundo Del Priori (2004, p. 12)
“[...] A partir dos quatro anos, muitas delas já trabalhavam com os pais ou sozinhas,
pois perder-se de seus genitores era coisa comum.” Assim, ainda segundo a autora,
a partir dos 12 anos seu valor dobrava pois eram considerados aptos para qualquer
trabalho e “[...] nas listas dos inventários já apareciam com sua designação
estabelecida: Chico “roça”, João “pastor”, Ana “mucama”, transformados em
pequenas e precoces máquinas de trabalho”.

[...] A ação de fatores econômicos a interferir na situação da criança


e a ausência de uma política de Estado voltada para a formação
escolar da criança pobre e desvalida só acentuou seu miserabilismo.
Ora, ao longo de todo esse período, a República seguiu empurrando
a criança para fora da escola na direção do trabalho na lavoura,
alegando que ela era “o melhor imigrante”. (DEL PRIORE, 2004, p.
13)

Com o fim do escravismo, os jovens, frutos da escravidão vieram para São


Paulo, que estava em crescimento urbano. Como moradores das ruas, passaram a
ser chamados de “vagabundos” e, segundo Del Priori (2004) “[...] recrutados pelos
portos de Portugal, para trabalhar como intermediários entre jesuítas e as crianças
indígenas ou como grumetes nas embarcações que cruzavam o Atlântico.

No século XVIII, terminada a euforia da mineração, crianças vindas


de lares mantidos por mulheres livres e forras, perambulavam pelas
ruas vivendo de expedientes muitas vezes escusos, - os nossos
atuais “bicos” – e de esmolas. As primeiras estatísticas criminais
elaboradas em 1990 já revelam que esses filhos da rua, chamados
29

“pivettes”, eram responsáveis por furtos, “gatunagem”, vadiagem e


ferimentos, tendo malícia e na esperteza as principais armas de sua
sobrevivência. Hoje, quando interrogamos pelo serviço social do
Estado, dizem com suas palavras o que já sabemos desde o início
do século: a rua é um meio de vida! (DEL PRIORE, 2004, p. 13)

A vinda dos imigrantes para o Brasil aumentou a industrialização do final do


século XVIII e incluiu a criança no trabalho fabril. Novamente a miséria e a falta de
interesse do Estado em oferecer educação às crianças, levaram esses pequenos
inocentes a ficar horas em frente as maquinas de tecelagem, com poucos minutos
de descanso. Tornando-se mera substituição mais barata do trabalho escravo.

No Brasil, foi entre pais, mestres, senhores e patrões, que pequenos


corpos tanto dobraram-se à violência, às humilhações, à força,
quanto foram amparados pela ternura dos sentimentos familiares
mais afetuosos. Instituições como as escolas, a Igreja, os asilos e as
posteriores Febens e Funabens, a legislação ou o próprio sistema
econômico, fizeram com que milhares de crianças se
transformassem precocemente em dente grande (DEL PRIORE,
2004, p. 14)

A correspondência que de Lisboa ou mesmo da Bahia e Rio de Janeiro, partiu


para a região das minas no século XVIII, pouco relatava da vida cotidiana e não
comentava da vida dos escravos e dos pobres, menos ainda das crianças, tanto os
filhos de pessoas importantes, como e principalmente das crianças negras. A eles
interessavam apenas os assuntos políticos e econômicos.

As autoridades locais, quando escreviam para o centro do poder do


momento, não estavam interessadas em modos de viver, só se
preocupavam com a situação dos “povos” quando havia perigo de
revoltas e outros problemas, sem se interessarem pela população
infantil. (SCARANO, 2004, p. 107)

Na documentação oficial, quando a criança é mencionada, aparece de forma


marginal. Os assuntos referentes a elas são o físico, os problemas e tudo aquilo que
parecia afetar diretamente os governantes.
Contudo, essa falta de informação nos documentos oficiais não significa que a
criança era desvalorizada. Ela era amada pela família, participava dos
acontecimentos e das festas.
30

[...] Naquelas regiões, muito mais crianças tomavam parte na vida


local e se misturavam nas brincadeiras e nos jogos, participando da
vida das casas grandes e exercendo eventualmente um pequeno
trabalho no âmbito familiar. Sua presença se fazia sentir mais
intensamente. (SCARANO, 2004, p. 110)

As crianças não viviam separadas das pessoas, antes perambulavam pelas


ruas. Esse espaço coletivo fazia parte do mundo das crianças mineiras e de outros
lugares. As crianças que viviam nas senzalas andavam por todos os lugares
inclusive, as casas de seus donos, principalmente quando suas mães ali
trabalhavam.

[...] As pequenas crianças negras eram consideradas graciosas e


serviam de distração para as mulheres brancas que viviam reclusas,
em uma vida monótona. Eram como que brinquedos, elas as
agradavam, riam de suas cambalhotas e brincadeiras, lhes davam
doces e biscoitos, deixavam que enquanto pequenos, participassem
da vida de seus filhos. (SCARANO, 2004, p. 111)

Nesse fragmento notamos que a criança escrava era vista apenas como um
objeto que trazia alegria e distração, reforçando a idéia de que as crianças negras
pouco eram valorizadas. Tanto que, assim como vimos anteriormente, muito pouco,
ou praticamente nada, é relatado sobre elas nos documentos da época.
Mesmo fazendo parte do cotidiano dos adultos, que as amavam e as viam
como (indevidamente) uma fonte de distração, sua morte não era vista como uma
tragédia. O sentimento da época era que outras crianças nasceriam e substituiriam
as que se foram. Não eram consideradas seres que faziam falta para a sociedade.
Com o tráfico negreiro, veio para o Brasil, apesar de não ser o interesse,
várias crianças. A maioria com estado de saúde muito grave. Algumas vieram por
acaso juntamente com os pais, outras, um pouco mais velhas vieram para serem
vendidas separadas, pois serviam para fazer alguns afazeres pequenos nas casas.
Assim, a maioria das crianças eram nascidas aqui no Brasil, eram as chamadas
crioulos.

As crianças que chegavam em navios negreiros pareciam


esqueletos, cheias de sarna, problemas de pele e outras moléstias e
ficavam sujeitas a tratamentos horríveis para poder enfrentar e bem
impressionar seus companheiros. Não eram consideradas um bom
investimento para o futuro, o presente era o que importava e os
31

pequenos apareciam apensa como mais uma boca a ser alimentada.


(SCARANO, 2004, p. 114)

Os donos dos escravos preferiam as crianças nascidas aqui, pois haveria no


lugar uma ama-de-leite para alimentar seus filhos. Ela era importante e o aleitamento
era muito valioso, porém não estavam interessados na sobrevivência do filho da
escrava. Tanto a Igreja como os conceitos médicos vigentes sustentavam essa idéia.
Julita Scarano (2004) relata que,

[...] as mulheres escravas que davam à luz, eram empregadas como


fornecedoras de alimento para crianças de outras categorias. [...]
Chegavam a ser mesmo alugadas por bom preço para esta
finalidade. Isso devidamente prejudicava seus próprios filhos que
muitas vezes sofriam grandemente com a escassez do leite materno.
(SCARANO, 2004, p. 114)

No fim do período setecentista, com a decadência da mineração, muitos


colonos acharam melhor libertar do que sustentar um escravo. Velhos, adultos, além
de crianças, foram alforriados, passando a buscar seu próprio sustento. Assim,
passaram a viver na miséria, pois não possuíam condições de se sustentarem.
Algumas crianças participavam da vida do trabalho como músicos e atores,
auxiliares de construção, pintores e arquitetos, que geralmente, aprendiam quando
eram muito pequeninos. A maioria era escrava dos próprios artesãos ou de outros
proprietários e também participavam dessas funções e desse aprendizado informal.
Muitos cresceram nesse meio e puderam se tornar artistas de valor. Outras exerciam
pequenas funções domésticas, como a de levar recados.
Em relação à criança livre no Brasil entre a colônia e o império há registros de
que ela nascia entre mitos e crendices. A mãe passava por vários rituais, utilizava
vários materiais para que o parto ocorresse bem e a criança viesse ao mundo com
saúde. Assim, durante os primeiros anos de vida ainda um mundo ritualístico fazia
parte da vida da criança.

Preces endereçadas a são Mamede, são Francisco e santa


Margarida eram murmuradas, baixinho, a fim de afugentar qualquer
perigo que pusesse em risco a vida do nascituro. Mastigar cebola ou
atar na coxa direita o fígado cru de galinha recém-abatida, eram
gestos recomendados para combater a dor do parto. Os gritos de
“puxa, fulana, puxa”, acompanhados de vigorosa massagem
abdominal, incentivava a expulsão. A criança vinha ao mundo entre
preces, gritos de dor e júbilo. [...] Os primeiros cuidados com o
32

recém-nascido eram ancilares. Seu corpinho molengo era banhado


em líquidos espirituosos, como vinho ou cachaça, limpo com
manteiga e outras substancias oleaginosas e firmemente enfaixado.
A cabeça era modelada e o umbigo recebia óleo de rícino misturado
à pimenta com fins de cicatrização. (DEL PRIORI, 2004, p. 86)

Aos poucos os manuais de medicina ensinavam as mães a cuidar de seus


filhos. Envolvê-los em “mantilhas suaves e folgadas” no lugar de apertá-las em
faixas; substituir as limpezas com óleo por água e sabão. Era controlado também o
cardápio da pequena infância. O leite era o mais recomendável, por ser mais
saudável e importante remédio contra doenças.
Contudo, além do leite era comum acrescentar ao cardápio das crianças
“alimentos engrossados com farinha”, mesmo quando muito pequenos ainda, pois as
mães temiam que seus filhos viessem a óbito por fraqueza ou por estar desprotegido
contra as doenças. Contudo, a medicina abominava esse costume, alegando que,
ao contrário do que acreditavam, a papinha faria mal às crianças.

[...] As crianças eram cevadas desde cedo com toda a sorte de


papinhas, por uma única razão: as mães queriam fortificar logo seus
pequenos, evitando o risco de perdê-los nos primeiros meses. A
preferência pela superalimentação, aliás, revanche simbólica sobre a
malnutrição crônica, explica o recurso às papas nos meios populares
e no seio da medicina tradicional, contrariando a tradição da
medicina ibérica que associada alimentos grosseiros ao
desenvolvimento de crianças pouco inteligentes e a fineza de espírito
das crianças de elite, à ingestão de pratos delicados. (DEL PRIORI,
2004, p. 88)

As mães também se preocupavam muito em resguardar suas crianças


pequenas contra o assédio das bruxas. Temiam perder seus filhos, por doenças ou
feitiços realizados com excrementos das crianças, assim, seguiam a risca vários
conselhos. Segundo Del Priori (2004, p. 91), [...] Para combater quebrantos e
bruxedos, a criança era benzida, em jejum, durante três dias com raminhos de
arruda, guiné ou jurumeira.
Porém, não eram as bruxas as responsáveis pela mortalidade infantil. Nos
primeiros tempos, ainda habituados aos costumes lusos, se agasalhavam demais,
não tomavam banhos ao ar livre, utilizaram remédios ineficientes contra as doenças.
Tais fatores colaboravam para o elevado numero de mortes infantis.
33

José Maria Teixeira em 1887 com o estudo “Causas da mortalidade


das crianças do Rio de Janeiro”, na sessão da Academia de
Medicina de 18 de junho de 1846 levantou várias hipóteses. [...] As
mesmas, aliás, que perseguiam os manuais de medicina do século
XVIII: o abuso de comidas fortes, o vestuário impróprio, o aleitamento
mercenário com amas de leite atingidas por sífilis, boubas e
escrófulas, a falta de tratamento médico quando das moléstias, os
vermes, a “umidade das casas”, o mau tratamento do cordão
umbilical, ente outras coisas que estão presentes até hoje. (DEL
PRIORI, 2004, p. 92)

Os acalantos, de canto e melodia simples que eram entoados pelas mães


enquanto faziam seus filhos dormirem vieram de Portugal. Mas, segundo Del Priori,
[...] nossos índios tinham também acalantos de extrema doçura, como um, de origem
tupi, no qual se pede emprestado ao Acutipuru, o sono ausente ao curumim.

[...] as “mães negras”, amas-de-leite, contavam por sua vez, aos


pequenos tinhosos e chorões, histórias de negros velhos, papa-figos,
boitatá e cabras-cabriolas. A cultura africana fecundou o imaginário
infantil com assombrações como o mão-de-cabelo, o quibungo, o
xibamba, criaturas que, segundo Gilberto Freyre, rondavam casas
grandes e sensalas aterrorizando os meninos malcriados. (DEL
PRIORI, 2004, p. 93-94)

A criança, assim como recebia os cuidados materiais também recebia os


espirituais. Depois de poucos dias de nascida, segundo a Igreja, teria que ser
batizada, pois se morresse iria direto para o céu.
O batismo consistia não somente num rito de purificação e de promessa de
fidelidade ao credo católico, mas uma forma de dar solenidade à entrada da criança
nas estruturas familiares e sociais.
As pequenas crianças escravas ou forras também recebiam mimos de suas
senhoras, porém assim como relara Del Priori (2004, p. 96) “[...] Brincava-se com
crianças pequenas como se brincava com animaizinhos de estimação”
Já no século XIX, no Ocidente, a maioria das crianças era estimulada a
começar a se sustentar muito cedo. O momento informal da virada era aos sete
anos, época em que geralmente os filhos dos camponeses e artesãos começassem
a ajudar os pais com pequenas tarefas na casa, na fazenda ou no ateliê. No início
da adolescência, eles provavelmente estariam trabalhando ao lado dos adultos ou
haviam se estabelecido no aprendizado de um ofício. Poderiam muito bem ter saído
de casa nessa etapa, para se tornarem algum tipo de empregado ou aprendiz. Isso
34

não significa dizer que fossem tratados como adultos em miniatura, mas esperava-
se que crescesse rápido.

[...] Os puritanos da América colonial também esperavam muito das


crianças. Temendo que pudessem morrer a qualquer momento,
ensinavam-nas a ler o mais cedo possível, para que pudessem ler a
Bíblia. (HEYWOOD, 2004, p. 54)

Vários avanços científicos durante o final do século XIX e início do século XX


geraram uma reação formidável, os cientistas negaram que a criança viesse ao
mundo como uma folha em branco e começaram a questionar o que havia em seus
genes.

[...] psicólogos norte-americano por meio de estudos concluíram que


todas as crianças poderiam se classificadas em uma única escala,
por meio de um teste de QI, educadas segundo aquilo que
herdassem e, mais tarde direcionadas a trabalhos adequados à sua
biologia. Esses pioneiros norte-americanos supunham ainda que
houvesse diferenças significativas na inteligência geral entre as
várias raças. (HEYWOOD, 2004, p. 53)

Na Inglaterra, Cyril Burt pensava segundo os mesmos parâmetros, embora


sua preocupação estivesse concentrada nas supostas diferenças de inteligência
media entre classes sociais, ao invés de raças.

Ao descobrir que os meninos oriundos de famílias de classe alta em


Oxford tinham um desempenho melhor em seus exames do que
aqueles com uma origem de classe baixa e média, ele concluiu, em
1909, que a inteligência dos pais pode ser herdada. Em um momento
posterior de sua carreira, argumentou que uma educação mais
elaborada seria desperdiçada na maioria da população, já que esse
grupo jamais poderia desenvolver muito em termos de inteligência.
Sua principal prioridade era identificar e estimular no sistema
educacional aquele “pequeno punhado de indivíduos que são
dotados pela natureza de dons superiores em termos de capacidade
e caráter” (HEYWOOD, 2004, p. 53-54)

Segundo Stearns (2006) mesmo havendo uma mudança na concepção da


infância moderna, em que a criança passa a ser o centro da família e a escola o
universo infantil por excelência de amor e cuidados, com a revolução industrial as
crianças, em grande quantidade, trabalham nos teares e nas minas de carvão.
35

[...] em pleno século XXI ainda não estamos livres do turismo sexual,
dos fornos de carvão e dos trabalhos forçados que frequentemente
são manchetes presentes na mídia, e infelizmente, a realidade do
cotidiano de milhares de crianças no mundo todo. (KOBAYASHI,
2008, p. 15)

No Brasil, século XIX, meninos e meninas eram tratados de forma diferente,


tanto em relação à educação como à instrução, Os meninos, segundo Mauad (2004,
p. 155) “eram educados para o desenvolvimento de uma postura viril e poderosa,
aliada a uma instrução, civil ou militar, levando-os adquirir conhecimentos amplos e
variados, favorecendo o desenvolvimento pleno da capacidade intelectual”.
Já a educação das meninas, ainda segundo Mauad (2004, p. 155), “ao
mesmo tempo em que restringiam-nas no universo doméstico, incentivando-lhes a
maternidade e estabelecendo o lar como seu domínio, as habilitava para a vida
mundana, fornecendo-lhes elementos para brilhar na sociedade”.
Caberia à famílias, educar e a escola instruir, garantindo a manutenção e
reprodução dos ideais propostos pelo mundo adulto. Assim, a criança era uma
potencialidade, que deveria ser responsavelmente desenvolvida.
No século XIX, a criança passa a ser considerada, tanto pela perenização da
linhagem quanto pelo reconhecimento de uma certa especialidade dessa etapa da
vida. Por tudo isso ela inspira carinho e cuidados. Desde o momento em que a
mulher se descobre grávida até os sete anos, quando se considera que a criança
superou as crises das diferentes doenças, ditas “da infância”, tudo é incerteza e
expectativa. (p. 156)
No período do final do século XIX e início do XX surgiram vários estudiosos
para a construção da infância contemporânea. Viviana Zelizer afirmou que, entre as
décadas de 1870 e 1930, surgia na América a criança economicamente “sem valor”,
mas emocionalmente “inestimável”. Em meados do século XIX, ela sugere, que a
noção de uma criança economicamente sem valor já havia sido adotada pelas
classes médias urbanas.
Contudo as famílias de classe trabalhadora continuam a contar com os
salários de seus filhos até a legislação sobre trabalho infantil e a educação
compulsória “acabassem com a defasagem de classe”.

Para estimularem a retirada das crianças dos locais de trabalho, os


reformadores norte-americanos promoveram uma “sacralização” da
36

infância. [...] A conseqüência foi um aumento muito grande no valor


sentimental das crianças, tanto nos círculos de classe trabalhadora
quanto de classe média. (HEYWWOD, 2004, p. 42)

Apesar da história cultural da infância possuir grandes marcos, ela também se


move por linhas sinuosas com o passar dos séculos. A criança poderia ser
considerada impura no início do século XX tanto quanto na Alta Idade Média.

Dessa forma, por um lado a mudança de longo prazo rumo a uma


sociedade urbana pluralista favoreceu o surgimento gradual de uma
versão prolongada de infância e adolescência. As classes médias,
seja na Itália do século XII ou na Inglaterra da Revolução Industrial,
aceitaram a necessidade de uma educação ampla e determinada
segregação dos jovens em relação ao mundo dos adultos.
(HEYWOOD, 2004, p. 45)

Por outro lado, influências culturais como o Cristianismo e o Iluminismo


geraram séries de debates que assumiram uma forma cíclica, em vez de linear.

As crianças vinham ao mundo inocentes ou traziam em si a


mancha do pecado original? Eram elas como folhas brancas no
momento do nascimento ou traziam consigo uma série de
características inata? Deviam experimentar uma infância “curta” ou
“longa”? Em outras palavras deviam ser protegidas em suas famílias
ou lançadas ao mundo dos adultos? E, em um aspecto um tanto
diferenciado, o principal foco se localizava nas relações de idade ou
de gênero; em crianças ou em meninas e meninos? Podem-se
identificar prontamente as posturas extremistas com relação a
períodos da história. Ainda assim, muitos estudiosos têm opiniões
localizadas em algum ponto intermediário. É fácil oscilar entre
considerar as crianças como anjinhos e como pequenos demônios,
ou entre sentir-se obrigado a proteger uma criança e temer ser
consumido por ela. (HEYWOOD, 2004, p. 49)

Estamos no século XXI, uma época de grandes mudanças nas condições de


existência, na concepção de trabalho e na própria vida. A industrialização,
informatização, virtualização, globalização, invadem nossas vidas a cada momento,
gerando como valores principais da sociedade o lucro e a eficiência. É nesse
contexto que as crianças nascem e imersas nessas praticas é que crescem,
apropriando-se, cada vez mais, dessas formas de pensar, agir e entender o mundo.
Para agravar o caso, como bem fala Smolka (2002), submersas nessas práticas é
que as crianças são nomeadas, acolhidas, ensinadas, avaliadas, rotuladas,
categorizadas. Quer seja pelo trabalho, pelas brincadeiras, pela imitação, como por
37

formas distintas de contenção, restrição, carência ou exploração. Elas ocorrem nas


mais diversas relações, dentro ou fora da escola, com ou sem pais e família. Assim,
mais cedo ou mais tarde as crianças se tornam ou são feitas adultas Ainda segundo
a autora, “Mas, qual é, mesmo, a duração da infância? Como ela se caracteriza? O
que tomamos, hoje, como parâmetros e indicadores do desenvolvimento humano?”

Vejamos alguns flashes de crianças em cena:


O menino de três anos senta-se em frente ao computador, as pernas
balançando. Insere o CD no drive. Clica no ícone. Espera. – “Está
demorando pra carregar não é, vó”.
Crianças de quatro e cinco anos trabalhando nos campos de algodão
e cana. Mão-de-obra barata.
A menina de dois anos ganha uma boneca nova. A tia pergunta que
nome vai ter. A menina responde: ponto com, ponto br.
Nos supermercados, nas bancas de jornal, na TV, na internet, nas
escolas, os pokemons invadem o ambiente. De todas as formas e
por todos os veículos midiativos, entram nas casas e nas cabeças
das crianças...
As milhares de xuxas em miniaturas, sendo produzidas a cada dia...
(SMOLKA, 2002, p. 122-123)

A tipografia foi um desbravador da moderna definição de infância, pois a


sociedade letrada produz novas distâncias entre os que podem e os que não podem
ler. O adulto possui a habilidade para decodificar os símbolos, assim, amplia-se a
distância entre ele leitor e a criança que não lê. A leitura guarda segredos, e a
criança, que não lê, destes é privada.
A tipografia criou um novo mundo simbólico que exigiu, por sua vez,
uma nova concepção de idade adulta. A nova idade adulta, por
definição, excluiu as crianças. E como as crianças foram expulsas do
mundo adulto, tornou-se necessário encontrar um outro mundo que
elas pudessem habitar. Este outro mundo veio a ser conhecido como
infância. (POSTMAN, 1999, p. 34)

Contudo, segundo relata Neil Postman (1999), a idéia de infância está


desaparecendo numa velocidade espantosa. Segundo ele, a ausência de fatores
como a alfabetização, o conceito de educação e de vergonha tem levado a extinção
da infância.
A imprensa tipográfica criou a infância, porém a mídia eletrônica a fez
desaparecer. Com a descoberta do telégrafo pelo professor Samuel Finley Breese
Morse, em 1832, nos Estados Unidos, houve uma transformação da transmissão da
informação, que passa a ser impessoal e descontextualizada.
38

O telégrafo criou a ‘indústria da notícia’ ao transformar a


informação, antes um bem pessoal, em mercadoria de valor mundial.
[...] Depois do telégrafo ninguém mais foi responsável pela notícia.
Como o jornal, o telegrafo dirigia-se ao mundo não mais aos
indivíduos. Mas ao contrário do jornal não tinha sua fonte
identificável. Como disse Edward Epstein, a notícia vinha de parte
alguma. (POSTMAN,1999, p. 85)

Dando continuidade às transformações iniciadas com o telégrafo, em 1950 a


entrada da televisão nos lares americanos revoluciona a transmissão da informação.

Com advento da TV, diferente da comunicação impressa que não


exige um leitor que conhece o acesso ao código, porque a televisão
não requer treinamento para apreender sua forma, não faz
exigências complexas nem à mente nem ao comportamento da
disciplina em se concentrar durante um período para se ter aceso ao
escrito, não segrega seu público, e na qual a base da hierarquia da
informação desmorona, pois ela apresenta a informação numa forma
indiferenciada na sua acessibilidade, não fazendo distinção entre a
crianças ou adultos. (KOBAYASHI, 2008, p. 16)

Com a criação dos meios de comunicação em massa – como, por exemplo, a


televisão, o rádio, entre outros – adultos e crianças têm acesso às mesmas imagens
e informações. Desta forma, segundo Postman (1999), regredimos aos séculos XIV
e XV, pois não existem mais segredos, sentimentos de vergonha, nem distinção
entre público e privado, adulto e criança.

O novo ambiente midiático que está surgindo fornece a todos,


simultaneamente, a mesma informação. Dadas as condições que
acabo de descrever, a mídia eletrônica acha impossível reter
segredos. Sem segredos, evidentemente, não pode haver uma coisa
como infância. (POSTMAN, 1999, p. 94)

Assim, a curiosidade da criança é submetida pelo cinismo e, até mesmo pela


arrogância, levando-as a não confiarem na autoridade do adulto e sim em notícias
da parte humana. Nas palavras de Postman (1999), “Restam-nos, então, crianças
que recebem respostas a perguntas que nunca fizeram. Em resumo não nos resta
mais nenhuma criança”.
Postman (1999) indaga se o indivíduo é impotente para resistir a essa
realidade favorável ao desaparecimento da infância. Ele mesmo responde que não,
apesar de acreditar que toda resistência tem um preço a pagar. Contudo, existem
39

pais que estão ajudando seus filhos a terem uma infância. A esses pais que resistem
ao espírito da época, o autor diz que “[...]contribuem para o que se poderia chamar
de Efeito Mosteiro, porque ajudam a manter viva uma tradição humanitária. Não é
concebível que nossa cultura se esqueça que precisa de crianças”.
Após essa breve análise feita da infância ao longo dos séculos, percebemos
que a criança, conforme a época foi vista de uma forma. Passou do esquecimento,
da invisibilidade para o centro das atenções de uma certa sociedade.
Quando falamos de infância e crianças não podemos deixar de falar sobre as
brincadeiras e os jogos. Desta forma, a seguir faremos um breve retrocesso pela
história para também analisarmos como foi a vida lúdica das crianças no decorrer
dos tempos. Para tal nos embasaremos em Philippe Ariès (2006) e Del Priori (2004).
No início do século XVII os jogos e brincadeiras eram iguais para a criança e
o adulto. Não existia uma separação rigorosa como hoje há entre as brincadeiras e
os jogos reservados às crianças e outros aos adultos.
A partir do século XV, quando os putti surgiram na iconografia, aumentou
bastante o número de criancinhas brincando. Os artistas retratavam crianças com o
cavalo de pau, o catavento, o pássaro preso por um cordão e, posteriormente,
bonecas.
Apesar de nesse momento esses objetos lúdicos fazerem parte do repertório
infantil esses brinquedos já haviam pertencido anteriormente ao mundo adulto.
Segundo Ariès (2006), “Alguns deles vieram pela necessidade infantil de imitar as
atitudes dos adultos, reduzindo-as à sua escala”.

[...] foi o caso do cavalo de pau numa época em que o cavalo era o
principal meio de transporte e de tração. Da mesma forma, as pás
que giravam na ponta de uma vareta só podiam ser a imitação feita
pelas crianças de uma técnica que contrariamente à do cavalo, não
era antiga: a técnica dos moinhos de vento, introduzida na Idade
Média. O mesmo reflexo anima nossas crianças de hoje quando elas
imitam um caminhão ou um carro. Mas, enquanto os moinhos de
vento há muito desaparecerem de nossos campos, os cataventos
continuam a ser vendidos nas lojas de brinquedos, nos quiosques
dos jardins públicos ou nas feiras. As crianças constituem as
sociedades humanas mais conservadoras. (ARIÈS, 2006, p. 46-47)

Entretanto, outras brincadeiras tiveram uma outra origem, que não o desejo
de imitar os adultos, como por exemplo, a que criança é representada brincando
com um pássaro.
40

A boneca também é um objeto que apesar de fazer parte do repertório lúdico


infantil, já foi utilizada pelo mundo adulto em diversas ocasiões. Segundo Ariès
(2006, p. 48), “Os historiadores dos brinquedos e os colecionadores de bonecas e
de brinquedos-miniaturas sempre tiveram muita dificuldade em distinguir a boneca,
brinquedo de criança, e estatuetas achadas em escavações geralmente com
significação religiosa”. Segundo ele, eram usadas como objetos de culto doméstico
ou funerário, ex-votos dos devotos de uma peregrinação.
Contudo ele não quis dizer que as crianças pequenas daquela época não
brincavam com bonecas ou com réplicas dos objetos dos adultos. Segundo ele, elas
não eram as únicas a se servir dessas réplicas.

Aquilo que na idade moderna se tornaria seu monopólio ainda era


partilhado na Antiguidade, ao menos com os mortos. Essa
ambigüidade de boneca e da réplica persistia durante a Idade Média,
por mais tempo ainda no campo: a boneca era também o perigoso
instrumento do feitiço e do bruxo. (ARIÈS, 2006, p. 48)

Esse costume de reproduzir em miniaturas as coisas e as pessoas da vida


cotidiana, hoje reservado às criancinhas, é resultado de um artesanato popular
destinado tanto à satisfação dos adultos como à distração das crianças. Podemos
vê-lo por meio dos famosos presépios napolitanos e dos museus, principalmente
alemães e suíços, onde existem várias casas, interiores e mobiliários que
reproduzem em escala reduzida todos os detalhes dos objetos familiares.
Essa arte popular dos adultos também era apreciada pelas crianças. Segundo
Ariès (2006, p. 48), “eram muito procurados na França os ‘brinquedos alemães’ ou
as ‘quinquilharias italianas’”. Assim, esses objetos em miniatura se tornavam o
monopólio das crianças, e na França a palavra que se destinava a essa indústria,
seja ela para criança ou adulto era bimbeloterie.

No século XIX, o bibelô tornou-se um objeto se salão, de vitrina, mas


continuou a ser a redução de um objeto familiar: uma cadeirinha, um
movelzinho ou uma louça minúscula, que jamais se destinaram às
brincadeiras de crianças. Nesse gosto pelo bibelô devemos
reconhecer uma sobrevivência burguesa da arte popular dos
presépios italianos ou das casas alemãs. A sociedade do Ancien
Regime durante muito tempo permaneceu fiel a esses brinquedinhos,
que hoje qualificaríamos de bobagens de crianças, sem dúvida
porque caíram definitivamente no domínio da infância. (ARIÈS, 2006,
p. 48)
41

Essa ambigüidade presente nas brincadeiras infantis, ora fazendo partes do


mundo das crianças, ora dos adultos, explica também por que, do século XVI até o
início do XIX, a boneca serviu às mulheres elegantes como manequim de moda.

Em 1571, a duquesa Lorraine, querendo dar um presente a uma


amiga que havia dado à luz, encomenda “bonecas não muito
grandes, e em número de até quatro ou seis, e das mais bem
vestidas que possais encontrar, para enviá-las à filha da Duquesa de
Bavière, que acabou de nascer”. O presente se destinava à mãe,
mas em nome da criança! A maioria das bonecas de coleções não
são brinquedos de crianças, objetos geralmente grosseiros e
maltratados, e sim bonecas de moda. As bonecas de moda
desapareceriam e seriam substituídas pela gravura de moda, graças
especialmente à litografia. (ARIÈS, 2006, p. 49)

Somente em 1600 essa ambigüidade começava a se dissipar na medida em


que há a instalação da especialização infantil dos brinquedos. Entretanto, existem
algumas diferenças de detalhe com relação ao nosso uso atual. A boneca não se
destinava apenas às meninas. Os meninos também brincavam com elas. Podemos
comprovar nesses fragmentos extraídos do livro de Ariès “História social da criança
e da família”, em que Heroard registra a vida de Luís XIII.

[...] Embora se misture aos adultos, se divirta, dança e cante com


eles, o Delfim ainda brinca com brinquedos de criança. Tem dois
anos e sete meses quando Sully lhe dá de presente uma “pequena
carruagem cheia de bonecas”. [...] Aos seis anos [...] Ele ainda brinca
com bonecas. [...] Um pouco mais de boneca e de brinquedos
alemães antes dos sete anos.(ARIÈS, 2006, p.43-46)

Durante a primeira infância, a discriminação moderna entre meninas e


meninos era menos nítida. Usavam os mesmos trajes, o mesmo vestido.
Nessa época, a especialização das brincadeiras atingia apenas a primeira
infância; depois dos três ou quatro anos, ela se atenuava e desaparecia. A partir
dessa então, crianças e adultos jogavam os mesmos jogos e participava das
mesmas brincadeiras.

Sabemos disso graças principalmente aos testemunhos de uma


abundante iconografia, pois, da Idade Média até o século XVIII,
tornou-se comum representar cenas de jogos: um índice do lugar
ocupado pelo divertimento na vida social do Ancien Régime. Já
vimos que Luís XIII, desde seus primeiros anos, ao mesmo tempo
que brincava com bonecas, jogava péla e malha, jogos que hoje nos
42

parecem ser muito mais jogos de adolescentes e de adultos. Numa


gravura de Arnoult do século XVII, vemos crianças jogando boliche.
São crianças bem nascidas, a jogar, assim que se tornavam
capazes, jogos de cartas e de azar, e a dinheiro. Uma das gravuras
de Stella dedicada aos jogos dos putti descreve com simpatia a
infelicidade de um deles, que havia perdido tudo. (ARIÈS, 2006, p.
49-50)

Sobre as festas que as crianças participavam juntamente com os adultos,


como por exemplo: de reis, carnaval, na noite de Natal, e a de maio e novembro, que
eram da juventude, sobre a de primeiro de maio,

[...] Ressaltemos apenas a coleta feita pelo grupo de jovens junto aos
adultos, e o costume de coroar as crianças com flores, que deve ser
associado à idéia de renascimento da vegetação, simbolizado
também pela arvore, que era levada pelas ruas e depois plantada.
Essas coroas de flores talvez se tenham tornado um brincadeira
comum das crianças: de toda forma, é certo que se tornaram o
atributo de sua idade nas representações dos artistas. Nos retratos
da época, individuais ou familiares, as crianças usam ou trançam
coroas de flores ou de folhas, como as duas meninas de Nicolas
Maes do museu de Toulouse: a primeira coloca uma coroa de folhas
com uma das mãos, e, com a outra, pega flores numa cesta que sua
irmã lhe estende. Não podemos deixar de relacionar as cerimônias
de maio com essas convenções que associava a infância à
vegetação. (ARIÈS, 2006, p. 56)

Segundo Ariès (2006) nos relata, analisando a atitude moral tradicional com
relação a esses jogos, brincadeiras e divertimentos, que ocupavam um lugar tão
importante nas sociedades antigas, percebemos nela dois aspectos contraditórios.
De um lado, os jogos eram aceitos sem discriminação pela grande maioria.
Por outro lado, uma minoria poderosa de moralistas rigorosos os condenava quase
que na totalidade de forma igualmente absoluta, além de denunciar sua imoralidade,
sem admitir praticamente nenhuma exceção. A indiferença moral da maioria e a
intolerância de uma elite educadora coexistiram durante muito tempo.
Ao longo dos séculos XVII e XVIII, porém, estabeleceu-se um compromisso
que anunciava a atitude moderna com relação aos jogos, imergido em um novo
sentimento da infância. Surgiu uma preocupação, de preservar moralidade infantil e
também de educar as crianças, proibindo-lhe os jogos tidos como maus, e
recomendando-lhes os jogos bons.
Contudo, ao longo do século XVII, essa atitude de reprovação absoluta
modificou-se principalmente sob a influência dos jesuítas. Os colégios jesuítas
43

impuseram pouco a pouco as pessoas uma opinião menos radical com relação aos
jogos. Os padres logo compreenderam que não era possível nem aceitável ignorá-
los e suprimi-los.
Desta forma, passaram a introduzi-los oficialmente em seus programas e
regulamentos, com a condição de que pudessem escolhê-los e controlá-los. Após
disciplinar os divertimentos, transformando-os em bons, classificando os jogos como
meios de educação tão estimáveis quanto os estudos.
No fim do século XVIII, com função patriótica, os jogos de exercícios
preparavam os rapazes para a guerra. Compreenderam-se então os benefícios que
a educação física podia trazer à instrução militar.

Nessa época, que assistiu ao nascimento dos nacionalismos


modernos, o treinamento do soldado tornou-se uma técnica quase
científica. Estabeleceu-se um parentesco entre os jogos educativos
dos jesuítas, a ginástica dos médicos, o treinamento do soldado e as
necessidades do patriotismo. (ARIÈS, 2006, p. 66)

Assim, segundo Ariès (2006, p. 66) “Influenciados pelos pedagogos


humanistas, médicos do Iluminismo e pelos primeiros nacionalistas, os jogos
violentos e de tradição antiga cedeu lugar à ginástica militar, das pancadarias
populares passou-se aos clubes de ginástica”.
Algumas brincadeiras como a canção popular, as brincadeiras infantis e o
jogo de rimas se originaram dos costumes da corte.

[...] Uma estampa de Epinal do século XIX representa ainda esses


mesmos jogos, mas se intitula “Jogos de Outrora”, o que indica que a
moda começava a abandoná-los e que eles se tornavam
provincianos, quando não infantis ou populares: a cabra-cega, o jogo
do assobio, a faca na bacia com água. O esconde-esconde, o
passarinho voa, o cavaleiro gentil, o homem que não ri, o pote do
amor, o rabugento, a berlinda, o beijo embaixo do castiçal, o berço
do amor. Alguns desses jogos se tornaram brincadeiras de criança.
Enquanto outros conservariam o caráter ambíguo e pouco inocente
que outrora fizera com que fossem condenados pelos moralistas,
mesmo os mais tolerantes como Erasmo. (ARIÈS, 2006, p. 67)

Inicialmente, os jogos e brincadeiras eram comuns a todas as idades e


classes. Posteriormente, com o abandono desses jogos pelos adultos das classes
sociais superiores ele se fortalece entre povo e as crianças dessas classes
dominantes. Entretanto, segundo Ariès (2006, p. 74), “na Inglaterra os fidalgos não
44

abandonaram, como na França, os velhos jogos, mas transformaram-nos, sendo


adotados pela burguesia e pelo ‘esporte’ do século XIX”.
Segundo Ariès (2006, p. 74), “ao mesmo tempo em que a comunidade do
jogo se rompeu, houve a distinção entre crianças e adultos e entre povo e burguesia.
Esse fato nos possibilita correlacionar o sentimento de infância e o sentimento de
classe”. A infância passou a ser um mundo à parte do mundo adulto, ambos não
podem usufruir as mesmas atitudes. Desta forma, surge a idéia de divisão de classe,
uma superior a outra. Àquela destinada as regalias e facilidades e a essa o que
restar daquilo que a outra usufrui. É o caso, por exemplo, do que relatamos que, as
brincadeiras e jogos deixados pelos adultos da corte passariam a fazer parte do
cotidiano das crianças e dos povos.
No Brasil esse contexto infantil é basicamente diferente, os objetos lúdicos
são um tanto diferente, uma vez que aqui chegados os portugueses encontraram os
índios com toda a sua cultura. A forma de vida aqui, inclusive infantil, eram bem
diferente das que os portugueses possuíam. Contudo, com o passar dos tempos, a
cultura européia aos poucos foi tornando-se obrigatória, iniciou-se então, a
miscigenação das culturas. Desta forma, passaram a adquirir alguns costumes
europeus, inclusive as brincadeiras e jogos. Com a vinda dos africanos, servindo de
mão-de-obra escrava, vieram seus costumes e sua cultura. Amplia-se então a
miscigenação de diversas culturas, proporcionando um rol maior de diversidade
étnica e cultural. Contudo, há dificuldades em se destacar quais eram as
brincadeiras estritamente africanas pela falta da existência de documentos que
retratassem as brincadeiras deles. Por volta do século XIX, com o grande índice de
imigração ampliou-se o repertório das brincadeiras no Brasil.
As folhas das árvores balançando ao vento, o vôo das borboletas e pássaros,
o barulho das chuvas, as vozes dos animais, o barulho das folhas secas levadas
pelo vento de um lugar ao outro das terras, faziam parte das descobertas dos
indiozinhos que moravam aqui no Brasil há muito mais que quinhentos anos.
Segundo nos relata Altman (2004, p. 232), “uma mãe, em priscas eras, para
acalmar e distrair seu filho juntou galhos secos e folhas, formando um feixe e deu-
lhe a aparência primitiva de uma boneca”.
Para afastar os maus espíritos os bebês se divertiam com chocalhos feitos
com cascas de frutas secas e outro elementos da natureza. Mais tarde fazia parte de
45

seu repertório lúdico as sementes, pedras, seixos de madeiras, ossinhos de animais,


conchas e terra.
Também brincavam com piões feitos de frutos rígidos e ocos, com um furo
onde colocam um pauzinho fixado com cera negra e soltam-no sobre uma cesta
onde rodopia, produzindo um som seco. Ainda segundo Altman (2004, p. 236),
“Historicamente o pião tem suas origens na antiguidade, conhecido de gregos e
romanos. Já as crianças do Alto Rio Negro brincam com piões de fieira”.
Fabricavam a matraca, disco de madeira com vários entalhes na borda e dois
buracos no centro por onde passa um fio unindo-se as partes com um nó, é outro
brinquedo conhecido. Segurando o fio pelos dois extremos dão-se voltas ao disco
em seu próprio eixo. Estica-se então o fio firmemente, afrouxando e esticando de
novo. O disco se enrola cada vez em outra direção, produzindo um ruído curioso.
Também brincavam com o que hoje chamamos de cama-de-gato.
Entrelaçavam fios nos dedos das mãos construindo figuras de folhas, rabo de
papagaio, aranhas, peixes. Inventavam conforme a fantasia e a imaginação. Esta
era uma brincadeira só de meninos, podia ser individual ou em dupla. Muitas vezes
utilizam os dentes para desfazer as figuras, desenredar o fio ou retirá-lo de um dedo
e passá-lo a outro.
A convivência entre índios e crianças portuguesas, nos colégios jesuítas
promove o encontro das raças e com ele o intercâmbio das tradições e das
brincadeiras.

O bodoque, a gaita de canudo de mamão, o pião, o papagaio, a bola,


as danças, as superstições, os contos, os jogos de origem indígena
(jogo do uiraçu ou gavião real, jogo do jaguar, jogo do peixe pacu,
jogo do casamento) ou portuguesa são atividades comuns e o
amalgama das relações infantis nos pátios dos colégios. As tradições
são transmitidas, modificadas, perpetuadas, numa continuidade
sociocultural. O folclore é um pouco da terra que se deixou e os
recém-chegados procuram recriar o que ficou para trás,
transplantando árvores frutíferas, flores, resgatando os jogos
folclóricos da infância. (ALTMAN, 2004, p. 242)

Nas escolas jesuíticas, o lazer era tomar banho de rio e “ver as argolinhas”,
que segundo Del Priori (2004) era uma tradição lusa antiqüíssima, “ [...] essas
consistiam em uma forma de “justa” na qual se deixava pender de um poste ou
árvore enfeitada, uma argolinha que devia ser tirada pelo cavaleiro em disparada.
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As brincadeiras que também faziam parte do cotidiano das crianças nessa


época eram brincar com miniaturas de arcos e flechas ou com instrumentos para
pesca, o jogo do beliscão. Piões, papagaios de papel e animais, gente e mobiliário
reduzidos, confeccionados em pano, madeira ou barro, eram brinquedos preferidos.
A música encantava as crianças, as indígenas adoravam instrumentos europeus
como a gaita ou o tamboril. As festas com música atraíam crianças de todos os
grupos sociais.
Nas festas tradicionais como São João ou Reis, as crianças pulavam fogueira,
subiam em mastros e com a invasão dos fogos de artifícios, no século XVIII,
soltavam rojões e estrelinhas. Nos autos de Natal, participavam enfeitados de
anjinhos ou pastores.
Para as crianças brancas são adotadas amas africanas, as yayás, que
dispensavam às crianças toda a sorte de mimos. Influenciadas pela sua cultura,
modificam algumas tradições portuguesas. Em vez do papão surgem o boitatá, os
negros-velhos, a cuca, as almas penadas, a mula-sem-cabeça, o saci-pererê, o
caipora, o bicho-papão, o papa-figo, o lobisomem e outras tantas lendas e
superstições para assustar crianças e que frequentemente as canções de nina e as
histórias das diferentes regiões do país. A linguagem infantil é acrescida de cacá,
pipi, bumbum, neném, tatá, papato, cocô, dindinho, dengo, yayá, muleque.
Meninos e meninas brancos, vendo os castigos recebidos pelos escravos,
também se divertiam em brincadeiras maldosas com as outras crianças da casa e já
não só com seus muleques, meninos negro que acompanhava o menino branco.

Ao crescer, o menino branco recebe como companheiro de


brincadeiras um curumim indígena e depois um muleque negro que
para tudo serve: de amigo, de cavalo de montaria, de burro de liteira,
de carro de cavalo em que um barbante serve de rédea e um galho
de goiabeira, de chicote. Eram os “mané-gostoso”, os “leva-
pancadas”. [...] Jogando pião, sempre tem alguém que interrompa o
rodopio; soltando papagaio lá está enfiada nas tiras do rabo do
brinquedo uma lasca de vidro que acabará por cortar-lhe o rabo,
fazendo-o embicar para o chão. Das brincadeiras maldosas é comum
o “jogo do belilisco”, em que, formada uma roda, acabam, em geral
as meninas, ao fim da cantoria, por receber um forte beliscão ou um
bolo bem dado. (ALTMAN, 2004, p. 244)

A miscigenação índio-branco-negro e a falta de documentação sobre as


brincadeiras dos meninos africanos chegados ao Brasil dificultam o conhecimento da
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a existência de jogos e brinquedos de origem negra que tenham influenciado o


nosso folclore infantil. Brinquedos originariamente africanos não são conhecidos.

[...] as migrações fazem com que os brinquedos e brincadeiras


universais sejam transmitidos da Europa e do Oriente para a África,
acrescidas das influências tribais e religiosas. São as cantigas de
ninar, os mitos, as lendas, levados pela linguagem oral. Vivendo a
criança nos campos, os elementos da natureza são apropriados e
transformados em brinquedos. Ao pião, ao papagaio, ao bodoque, às
bolas, vêm se somar a boneca de trapos e de palha, o arco de barril.
As brincadeiras se multiplicam. (ALTMAN, 2004, p. 244-245)

A partir do século XIX, com o ingresso de muitos imigrantes no país, além da


miscigenação ética e a aquisição de hábitos e costumes diferentes, muitas
brincadeiras, principalmente as cantigas de roda, as adivinhas, se incorporam ao
brincar das crianças brasileiras.

As brincadeiras de roda têm origem em danças e jogos executados


por adultos e em histórias infantis. Mário de Andrade afirma que a
cantiga de roda brasileira “permanece firmemente européia e
particularmente portuguesa”. A mais popular é a Ciranda, cirandinha:
as crianças formam uma roda, de mãos dadas, e vão girando e
cantando. Os jogos coletivos vão se multiplicando, acrescidos
também, é principalmente, pelo folclore das imigrações, com a
inclusão de jogos tradicionais que atravessam fronteiras e gerações.
(ALTMAN, 2004, p. 250-251)

No fim do século XIX, pequenas indústrias começam a se estabelecer no


Brasil e o objeto-brinquedo-mercadoria passa a fazer parte do universo infantil.
Surgem os carrinhos de madeira, as bonecas de materiais cada vez mais
sofisticados, os trenzinhos de metal, objetos de consumo que segundo Altman
(2004, p. 254), “despertam na criança o sentimento de posse, o desejo de ter,
dificultando o prazer de investigar, construir”.
Principia-se, então o desaparecimento dos brinquedos criados pelas crianças
com materiais diversos, como por exemplo, elementos da natureza. A imaginação e
a criatividade da criança passa a deixar de aflorar nas confecções de brinquedos,
pois agora, brincam com esses brinquedo-mercadoria.
Assim, inicia-se o fim de grande parte da utilização da imaginação e da
criação no mundo infantil. Atualmente, cada vez mais os brinquedos estão brincando
pelas crianças.
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Aqueles brinquedos confeccionados por toquinhos de madeira, gravetos de


árvores, frutas, tijolos, entre outros tantos materiais que fazem parte do cotidiano das
crianças estão, cada vez mais, perdendo espaço para os brinquedos eletrônicos que
brincam por si sós e que a criança fica apenas observando.
Todo aquele mundo imaginário e encantador cheio de criações realizadas
pelas crianças, muitas vezes nos galhos das árvores, nas ruas, praças, nos rios tem
sido sufocado pelos grandes números de veículos transitando nas ruas, pelos
perigos e violências nas cidades, poluições nos rios, entre tanto outros fatores
negativos. Brincadeiras como as que estão descritas nesse trecho a baixo, estão se
extinguindo cada vez mais.

Na roça ou na cidade, sozinha ou em bandos, com os irmãos, os


vizinhos, os colegas de escola, ela anda descalça na enxurrada,
trepa em árvores, nada nos rios, descobre o mar, faz alçapão, cai do
cavalo, pula carnaval, fuma escondido cigarros de folha de xuxu.
(ALTMAN, 2004, p. 254)

Em meio a nova realidade de vida, de novas tecnologias e inovações, as


brincadeiras tradicionais vêm sendo esquecidas e deixadas de lado. Tem se
diminuído o número de crianças brincando com bolinhas de gude, carniça, passa
anel, cinco-marias, cama de gato, entre outras tantas que ao longo desse trabalho
iremos descrever, que fizeram parte das brincadeiras de nossos avós e que hoje
muitas, as crianças nem conhecem, nunca ouviram falar. Algumas delas estão
descritas nesse fragmento.

Nas cidades, se apodera das ruas sem calçamento e nelas, além das
outras brincadeiras, domina a bola de gude: de vidro, coloridas e
brilhantes, elas fazem a delícia dos meninos. Há o jogo “simples”, o
“limpinho”, o “sujinho”, o “caminho de rato”, o “murinho”, o “triângulo”,
o “quadrado”, o “buraco” e suas variações regionais. Cada jogador
tem o seu saquinho de bolas e sua bola da sorte. Com a regra
preestabelecida, os jogadores são obrigados a jogar até a última bola
e o jogo pode ser de “brinca” quando não se perde e nem se ganha e
de “vera” quando os jogadores “matam, perdem e ganham” a bola
que está em jogo. [...] E as crianças brincam de passa-anel, de gato-
e-rato, de esconde-esconde, de estátua, de chicotinho-queimado, de
acusado, de amarelinha, de carniça, de meio da rua, de cinco-
marias, de piques, de boca de forno, de barra-manteiga, de batatinha
frita 1, 2, 3, de queimada, de corre cotia, de balança caixão... Fazem
malabarismo com o diabolô, o bilboquê, o iô-iô, o bambolê, a corda
de pular, o estilingue. Ou então, com papel e lápis, brincam de forca,
com tesoura recortam boneca das revistas semanais, fazem
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aviõezinhos, chapéu de jornal para o “marcha soldado”. Com água e


sabão soltam bolhas que sobe, ao céu. (ALTMAN, 2004, p. 254)

As crianças, atualmente, têm ficado enclausuradas em casas cada vez


menores, muitas vezes sem quintal para brincar, na frente de uma televisão ou
computador brincando com jogos digitais ou eletrônicos.

A rua é usurpada pelos veículos cada vez mais velozes. Agora elas
brincam no quintal, dentro de casa, na vila, no pátio da escola, nos
bancos da praça da catedral, no corredor dos edifícios. [...]
Brinquedos sofisticados, engenhos nunca antes imaginados, atraem
as crianças, sempre ávidas pela descoberta. A tela da TV, o monitor
do computador, passam a fazer parte do mundo infantil. Mas, na
memória de quem foi criança e viveu de brincar, estão bem
arquivados os momentos de uma infância feliz e as brincadeiras e os
brinquedos tradicionais renascem a cada dia, dando novas
oportunidades àqueles que começam a descobrir o mundo.
(ALTMAN, 2004, p. 256)

Em meio a esse contexto social atual as crianças estão seduzidas por


tecnologias cada vez mais atraentes, e sem perceber, estão perdendo o espaço de
liberdade de criação e imaginação. Contudo, na memória dos que tiveram uma
infância cercada por brincadeiras tradicionais nas ruas e praças, juntamente com
várias crianças, sempre criando e arquitetando alguma brincadeira nova, estão
guardados os bons momentos e alegrias, os quais sempre renascem na medida que
contam para suas gerações. A cada lembrança reavive essa infância feliz cercada
de brinquedos, brincadeiras e jogos tradicionais renascendo novas oportunidades às
crianças que ainda desejam possuir um ambiente lúdico tradicional.
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CAPÍTULO 2 – BALANÇA CAIXÃO, BALANÇA VOCÊ...


JOGOS E BRINCADEIRAS TRADICIONAIS NA
ATUALIDADE.

Sonha...
Te transporta à tua porta
Quando te viam brincar,

Naquela rua pacata


Cantavas cantigas de roda
jogavas amarelinha
Alegre pulavas corda

[...]

Não tinhas computador,


Nem tanta ansiedade,
Brincavas na calmaria
Respiravas liberdade!

Isabel Correia da Silva Sousa

Ao recordarmos de nossa infância as primeiras imagens passadas em nossa


mente são as brincadeiras de pega-pega, esconde-esconde, amarelinha, pião,
peteca, pipa, cirandas, parlendas, entre tantas outras. Como eram boas as
brincadeiras nas ruas, nos parques e praças. Não podemos deixar também de
lembrar dos brinquedos que nós mesmos confeccionávamos com toquinhos de
madeira, latas de óleo, gravetos, folhas, frutos, retalhos de tecidos da caixa de
costura da vovó, entre tantos outros objetos que ao olharmos já víamos neles nosso
próximo brinquedo. Quem não se lembra das bonecas de milho, fogãozinho de
tijolos, carrinhos de lata de sardinha, capucheta com folhas de jornais, revistas?
Aprendíamos estas brincadeiras com nossos pais, amigos de brincadeiras nas ruas,
irmãos, primos, tios e avós; enfim chegaram até nossos dias passando de geração
em geração. Nossos avós, quando crianças, também desfrutavam dessas mesmas
brincadeiras.
Estamos falando aqui dos jogos e brincadeiras tradicionais, aqueles que são
transmitidos de uma geração a outra de forma expressiva, fora das instituições
oficiais, e que são incorporados pela criança de forma espontânea, variando as
regras de uma cultura para outra ou de um grupo ao outro. Porém, apesar de mudar
51

a forma, o conteúdo, que é constituído pelos interesses lúdicos particulares ligados a


certo objeto, não muda.

Os jogos tradicionais tem a função de perpetuar a cultura infantil e


desenvolver formas de convivência social. É um tipo de jogo livre,
espontâneo, no qual a criança brinca pelo prazer de o fazer. Por
pertencer a categoria de experiências transmitidas
espontaneamente conforme motivações internas da criança, ele tem
um fim em si mesmo e preenche a dinâmica da vida social,
permitindo alterações e criações de novos jogos. (KISHIMOTO,
1993, p. 16)

O jogo tradicional, sendo parte de uma cultura popular, guarda a produção


espiritual de um povo em certo período histórico. Essa cultura não oficial,
desenvolvida, sobretudo pela oralidade, não fica cristalizada. Está sempre em
transformação, incorporando criações anônimas das gerações que vão se
sucedendo.
Segundo Kishimoto (2004), por ser elemento folclórico, o jogo tradicional
infantil assume características de anonimato, tradicionalidade, transmissão oral,
conservação, mudança e universalidade.
Sua origem é desconhecida, seus criadores são anônimos. O que sabemos é
que são vindos de práticas abandonadas por adultos, de fragmentos de romances,
poesias, mitos e rituais religiosos.
As brincadeiras assumem um caráter de tradicionalidade e de universalidade,
pois os povos da Grécia e Oriente já brincavam de amarelinha, de empinar
papagaios, jogar pedrinhas; até hoje essas brincadeiras são praticadas pelas
crianças. Esses jogos foram transmitidos de uma geração à geração por meio de
conhecimentos empíricos e permanecem na memória das crianças até os dias
atuais. Muitos jogos preservam sua estrutura inicial, outros modificam-se recebendo
novos conteúdos.
O fato de estarem ainda hoje presentes no cotidiano das brincadeiras infantis,
mesmo tendo origem em tempos remotos, decorre do poder da expressão oral. As
brincadeiras tradicionais, fazendo parte da manifestação livre e espontânea da
cultura popular, perpetuam a cultura infantil, desenvolvem forma de convivência
social e permitem o prazer de brincar. Graças a esse caráter espontâneo, a
brincadeira tradicional garante a presença do lúdico e da situação imaginária.
52

Antes, porém, faremos uma caracterização da criança mediante os estudos


de Jean Piaget (1896-1980), estudioso suíço, para compreendermos como se dá o
desenvolvimento cognitivo da criança e a sua relação com os jogos, bem como
verificar a classificação que esse estudioso fez dos mesmos, e sua evolução após o
aparecimento da linguagem.

1. O desenvolvimento infantil e o jogo

Um adulto equilibrado e pleno é reflexo de uma infância e juventude bem


vivida, ou seja, desenvolvida integralmente. Para que esse desenvolvimento integral
da criança ocorra, faz-se necessário uma atenção especial com a saúde da mesma,
no entanto, não são somente com os fatores físicos e biológicos que deverão ser
analisados e trabalhados, mas também, e, principalmente, os emocionais, sociais e
intelectuais, pois eles também influenciam na qualidade de vida infantil.
Nesse contexto, o brincar é fundamental à saúde física, emocional e
intelectual da criança. Como bem descreve Cunha (2005, p. 11), o brincar é “[...]
uma arte, um dom natural que, quando bem cultivado, irá contribuir, no futuro, para a
eficiência e o equilíbrio do adulto”.
Para relacionarmos o brincar ao desenvolvimento infantil, se faz necessário
conhecer e identificar as fases de desenvolvimento das crianças. Para tal, nos
embasaremos no psicólogo suíço, Jean Piaget, estudioso do desenvolvimento
infantil que também analisou o brincar e os jogos.
Piaget (1990, p. 11), defende que “O desenvolvimento é uma equilibração
progressiva, uma passagem perpétua de menor equilíbrio a um estado de equilíbrio
superior”.
Ainda segundo esse autor, diferente do crescimento orgânico, que num certo
ponto atinge um equilíbrio, ou seja, o equilíbrio estático, a inteligência e a afetividade
tendem para um equilíbrio móvel, de modo que o fim do crescimento não marca o
começo de uma decadência assim como no crescimento vegetativo, mas, “permite
um progresso espiritual que nada tem de contraditório com o equilíbrio interior”
(PIAGET, 1990, p. 12).
Desta forma, o desenvolvimento do corpo humano, ou seja, o aumento de sua
estatura, por exemplo, se dá até um determinado período da vida, depois este se
estabiliza parando de crescer na idade adulta. Já o desenvolvimento mental está em
53

contínua construção. Durante todo o período da vida, o ser humano assimila e


adapta informações. Segundo Piaget (1990), mediante o equilíbrio entre assimilação
e adaptação é que se forma a inteligência.
Ao pesquisar o desenvolvimento cognitivo, Piaget divide-o em quatro grandes
grupos, os períodos. O primeiro é o sensório-motor, período compreendido do
nascimento até 18 ou 24 meses. O segundo período é denominado de pré-
operacional, estende-se de 18 ou 24 meses até 6 ou 7 anos. O terceiro, operatório
concreto, inicia-se nos sete anos e chega até os 11 ou 12 anos. Por fim, o quarto
período, hipotético dedutivo ou pensante, estende-se dos 11 ou 12 anos até a vida
adulta. No entanto essas idades são aproximadas.
Faremos um breve relato sobre esses estágios, porém vamos nos deter ao
que se encaixa a idade das crianças participantes de nossa pesquisa, ou seja, de
seis e sete anos.
Cada um desses estádios é, segundo Piaget (1990), caracterizado pelo
aparecimento de estruturas originais, que o distingue dos estádios anteriores. Assim,
constitui-se segundo as estruturas que o definem, mediante uma forma de equilíbrio
particular, equilibrando cada vez mais a evolução mental.

1.1 Período sensório-motor (aproximadamente de 0 a 2 anos)

Denomina-se período sensório-motor, pois com a falta da função simbólica, o


bebê ainda não possui pensamento, nem afetividade ligada a representações que
permitem relacionar pessoas ou objetos na ausência deles. Para um objeto existir,
deverá estar à frente do bebê, pois só existe aquilo que ele possa ver, tocar ou
sentir.

[...] o desenvolvimento mental no decorrer dos dezoito primeiros


meses da existência é particularmente rápido e importante, pois a
criança elabora, nesse nível o conjunto das subestruturas cognitivas,
que servirão de ponto de partida para as suas construções
perceptivas e intelectuais ulteriores, assim como certo número de
reações efetivas elementares, que lhe determinarão, em parte, a
afetividade subseqüente. (PIAGET; INHELDER, 2002, p.11)
54

Segundo Piaget, do nascimento até o aparecimento da linguagem, o


desenvolvimento mental é extraordinário, pois é nesse período que ocorre a
conquista do mundo da criança mediante as percepções e movimentos.
Aos poucos a inteligência da criança vai se formando mediante as impressões
sensoriais e a ação do movimento. Em contato com os objetos, com o seu próprio
corpo ou com o da mãe a criança por meio de seus movimentos e sensações vai
desenvolvendo sua inteligência. Inicialmente, a inteligência é puramente prática,
visando o êxito e não a verdade.

É fato a existência de uma inteligência antes da linguagem. [...] Ela


constrói um sistema complexo de esquemas de assimilação, e de
organizar o real de acordo com um conjunto de estruturas espácio-
temporais e causais. [...] Na falta de linguagem e de função simbólica
tais construções se efetuam exclusivamente apoiadas em
percepções e movimentos, ou seja, através de uma coordenação
sensório-motora das ações, sem que intervenha a representação ou
o pensamento. (PIAGET; INHELDER, 2002, p.12)

Durante essa assimilação sensório-motora, que ocorre dos dezoito meses aos
dois anos aproximadamente. Inicialmente, segundo Piaget (2002), o recém-nascido
tudo chama a si, ao seu próprio corpo, na medida que vai se desenvolvendo, até o
início da linguagem e do pensamento ele já se situa como um corpo entre os outros,
num universo que construiu, e sente como exterior a si.

No ponto de partida da evolução mental não existe, de modo algum,


diferenciação entre o eu e o mundo exterior, quer dizer que as
impressões vividas e percebidas não são ligadas nem a uma
consciência pessoal sentida como um “eu” nem a objetos concebidos
como exteriores: elas são simplesmente dadas num bloco
indissociado ou como postas num mesmo plano, que é interno e
externo, mas a meio caminho entre estes dois pólos. Estes só pouco
a pouco se oporão um ao outro. (PIAGET, 1990, p. 23-24)

Em todas as idades, a ação é reflexo de um interesse ou de uma necessidade


(psicológica, afetiva ou intelectual) sentida pelo indivíduo, ou seja, realizamos algo
porque sentimos a necessidade de fazê-lo, ou por que aquilo nos causa interesse.
No entanto, verificamos nas obras de Piaget, que os “interesses” variam
consideravelmente de um nível mental para outro, e as explicações particulares são
formas muito diferentes conforme o grau de desenvolvimento intelectual.
55

É, portanto, necessário distinguir as estruturas variáveis. “A análise dessas


estruturas progressivas, ou formas sucessivas de equilíbrio que marca a diferença
ou oposições de um a outro nível da conduta, desde os comportamentos
elementares do bebê até à adolescência” (PIAGET, 1990, p. 13-14).

Essas estruturas variáveis são as formas de organização da


atividade mental, no seu duplo aspecto, motor e intelectual por um
lado e afetivo por outro, bem como segundo as suas duas
dimensões, individual e social (interindividual). Para maior clareza,
distinguiremos seis estádios, ou períodos de desenvolvimento, que
marcam o aparecimento destas estruturas sucessivamente
construídas: 1º o estádio dos reflexos, ou montagens hereditárias,
assim como das primeiras tendências instintivas (nutrições) e das
primeiras emoções. 2º o estádio dos primeiros hábitos motores e das
primeiras percepções organizadas, assim como dos primeiros
sentimentos diferenciados. 3º o estádio da inteligência sensório
motora ou pratica (anterior à linguagem), das regulações afetivas
elementares e das primeiras fixações exteriores da afetividade. Estes
três primeiros estádios constituem o período do bebê (até cerca de 1
ano e meio a 2 anos, isto é, anteriormente aos desenvolvimentos da
linguagem e do pensamento propriamente dito). 4º o estádio da
inteligência intuitiva, dos sentimentos interindividuais espontâneos e
das relações sociais de submissão ao adulto (dos 2 aos 7 anos, ou
segunda parte da “primeira infância”). O 5º estádio das operações
intelectuais concretas (início da lógica) e dos sentimentos morais e
sociais de cooperação (dos 7 aos 12 anos). 6º o estádio das
operações intelectuais abstratas, da formação da personalidade e da
inserção afetiva na sociedade dos adultos (adolescência).

Desta forma, Piaget divide esse primeiro período, sensório-motor, em 6


estádios ou estágios, os quais nos possibilitarão compreender a formação da
atividade mental durante os primeiros meses da criança.
Podemos perceber, então, que cada estádio possui estruturas originais,
distinguindo-o de estádios anteriores. Ainda segundo Piaget (1990, p. 15), “Cada
estádio constitui, pelas estruturas que o definem, uma forma de equilíbrio particular,
e a evolução mental efetua-se no sentido de uma equilibração cada vez maior”.
A seguir faremos uma breve descrição dos seis estágios classificados por
Piaget dentro do período sensório-motor.
56

1.1.1 Primeiro estágio – Exercícios dos reflexos

Nesse período do primeiro mês de vida, os reflexos da criança são inatos e,


são eles, que possibilitarão o bebê aprender todas as suas ações futuras. Segundo
Piaget (1990), inicialmente restringe-se apenas aos reflexos involuntários, a vida
mental reduz-se ao exercício de aparelhos reflexos, isto é, de coordenação
sensoriais e motoras montadas na hereditariedade e correspondentes a tendências
instintivas.
As ações da criança são orientadas, principalmente, pelos órgãos de sentido,
os quais são aperfeiçoados na medida em que são utilizados e pela presença da
mãe que lhe confia segurança e, com o tempo, independência.
Nesse primeiro mês os reflexos da criança são enriquecidos pelas primeiras
ações coordenadas, levando a criança a iniciar a exploração das partes do seu
corpo e objetos que estão dentro do seu campo visual, pois, como já vimos, o bebê
ainda não distingue entre ele próprio e o ambiente em que vive.

No ponto de partida da evolução mental não existe, de modo algum,


diferenciação entre o eu e o mundo exterior, quer dizer que as
impressões vividas e percebidas não são ligadas nem a uma
consciência pessoal sentida como um “eu” nem a objetos concebidos
como exteriores: elas são simplesmente dadas num bloco
indissociado ou como postas num mesmo plano, que é interno e
externo, mas a meio caminho entre estes dois pólos. Estes só pouco
a pouco se oporão um ao outro. (PIAGET, 1990, p. 23-24)

A partir de então, a criança aprende a executar voluntariamente esses


movimentos reflexos, tornando-se possível captar, perceber e reter as sensações
constituindo a imagem sensorial dos movimentos.
O brincar nesse período, torna-se muito importante, pois mediante a interação
com as pessoas e objetos o bebê procura moldar-se a si mesmo e desenvolver
funções específicas e complexas.
Nessa primeira fase, das adaptações puramente reflexas, iniciam-se os
exercícios lúdicos, porém é

Muito difícil considerarmos como verdadeiros jogos os exercícios do


reflexo, quando estes prolongam, simplesmente o prazer de mamar e
consolidam o próprio funcionamento da montagem hereditária,
57

manifestando assim uma autêntica função adaptativa. (Piaget, 1978,


p. 118).

Verificamos então, que até os dois anos de idade, onde ocorrem na criança,
inúmeras aquisições, as primeiras atividades lúdicas são exploratórias. O bebê
explora seus movimentos, sons, uso do espaço e comunicação. Assim, “essa fase
exploratória é muito importante para subsidiar o processo de construção do
conhecimento. É importante oferecer oportunidades de exploração do ambiente e
dos objetos para a vivência de experiência que subsidiem e enriqueçam o processo
de aquisição de conhecimentos” (CUNHA, 2005, p. 17).

1.1.2 Segundo estágio – As primeiras adaptações adquiridas e a


reação circular primária

Nessa fase que se estende do primeiro ao quarto mês, há o surgimento dos


primeiros hábitos, que dependem diretamente da atividade do sujeito, ou são
impostos pelo exterior. Os exercícios reflexos, complexificam-se em hábito mediante
o “ciclo reflexo”, que consiste em não apenas repetir o exercício, mas incorporá-lo a
novos elementos, constituindo totalidades organizadas mais amplas.
Essas novas condutas são adquiridas com a ajuda da experiência. Segundo
Piaget (1990, p. 15) “[...] um reflexo condicionado se torna estável através da
constituição de um esquema de assimilação, isto é, quando o resultado alcançado
satisfaz a necessidade inerente à assimilação considerada”.
Verificamos então, que no segundo mês começam a aparecer as reações
circulares, onde a criança provoca involuntariamente um fato e estimulada pelo que
aconteceu, tenta repeti-lo, começando então suas ações coordenadas.

Há sempre um ciclo reflexo, mas um ciclo cujo exercício, em vez de


apenas se repetir, incorpora novos elementos e com eles constitui
totalidades organizadas mais amplas, por diferenciações
progressivas. Em seguida, basta que quaisquer movimentos do bebê
tenham fortuitamente um resultado interessante – e interessante
porque assimiláveis a um esquema anterior – para que o sujeito
reproduza imediatamente estes novos movimentos: esta reação
circular, como lhe chamaram, desempenha um papel essencial no
desenvolvimento sensório-motor e representa uma forma mais
evoluída de assimilação. (PIAGET, 1990, p. 21)
58

Segundo Golse (2005, p. 160) nessa “[...] reação circular primária [...] o
resultado interessante descoberto por acaso é conservado por repetição”. Nessa
fase, esta conduta só diz respeito às atividades relacionadas ao próprio corpo: tais
como [...] as condutas de murmúrio e preensão”.
Na criança, durante esse período, desenvolve os movimentos das mãos e
braços. Quando suas ações e sensações são captadas e percebidas desperta-se
nela o interesse. Percebendo seus movimentos, é estimulada a repeti-los.
Desta forma, nessa fase é interessante a estimulação visual e motora, na qual
são importantes móbiles e bastante conversa, assim como o canto.

1.1.3 Terceiro estágio – As adaptações sensório-motoras


intencionais e a reação circular secundária

Nessa fase de quatro a oito meses, as ações não-intencionais passa a ter


intencionalidade. Os comportamentos adquiridos não dizem respeito somente ao
próprio corpo como também ao meio exterior.
É por volta dos quatro meses que se iniciam as ações intencionais.
Desenvolve-se, na criança a coordenação óptico-manual e a preensão palmar,
possibilitando à criança a condição de estender os braços para alcançar objetos. É
nesta fase que a criança leva tudo à boca, pois está conhecendo os objetos. “Cerca
dos quatro meses e meio, em média, em que há coordenação entre a visão e a
preensão o bebê agarra a manipula tudo o que vê no seu espaço próximo” (PIAGET,
2002, p.16).
No sexto mês a criança amadurece diferentes funções, tornando-se capaz de
agir conscientemente sobre os objetos exteriores ao seu alcance interessando-se
por eles.
Principia-se nessa fase, a “noção de permanência do objeto”, ou seja, a
criança começa a perceber que os objetos continuam existindo mesmo que ela não
esteja vendo-o e passa então a procurá-lo. Segundo Cunha, ao escondermos um
objeto em baixo de uma fralda, a criança dessa idade irá procurá-lo.
Nessa fase, segundo Golse (1998, p. 160), “[...] inicia-se o aparecimento de
reações circulares secundárias que recaem, desta vez, sobre os objetos externos”.
Ainda segundo esse autor, “trata-se de um comportamento que consiste em buscar
59

nos gestos exercidos por acaso uma ação interessante sobre as coisas”. Assim, a
criança ao praticar uma ação ao acaso, e essa ação gerar resultados agradáveis
para ela, cria a necessidade de que ela se prolongue, levando a criança a repetir
novamente a ação.

1.1.4 Quarto estágio – A coordenação dos esquemas secundários e


sua aplicação às situações novas

Compreende o período de 8 a 12 meses. Nessa fase, a criança não


conseguindo alcançar algum objeto distante, utiliza-se de meios a fim a atingi-lo. O
fato de desejar alcançar o objeto é devido a existência de uma intenção, e a
concretização dessa intenção se faz mediante a dissociação ente meio e fim, ou
seja, ela procura meios, para de alguma forma, atingir seu objetivo de alcançar
determinado objeto. Ao notar, por exemplo, que uma chave foi coberta por uma
toalha, querendo alcançar a chave, a criança retira a toalha para apanhar a chave.
Nesse estágio observa-se atos mais complexos de inteligência prática.
Segundo Piaget (2002, p. 17) “[...] no decorrer desse estádio, se a coordenação dos
meios e das finalidades é nova e se renova em cada imprevista, os meios
empregados são tomados de empréstimos aos esquemas conhecidos de
assimilação”.
No decorrer dessa fase, as condutas características desse período
gradativamente, ao serem executadas por pura assimilação, prolongarem-se em
manifestações lúdicas. Pelo puro prazer de agir e sem esforço de adaptação,
procurando atingir uma finalidade determinada.

“Também, nessa fase, a mobilidade dos esquemas permite a


formação de verdadeiras combinações lúdicas, passando o sujeito de
um esquema a outro não para explorá-lo sucessivamente, mas para
assegurar-se dele diretamente e sem qualquer esforço de
adaptação” (PIAGET, 1978, p. 122)

O bebê agora segura um determinado objeto para fazer algo e para obter um
determinado espetáculo que o agrade. A criança aprende a relacionar as coisas
entre si, e com isto está apta a procurar objetos que desaparecem a sua vista, dando
ao objeto um começo de consistência, que independe do eu. Desta forma, segundo
60

Cunha (2005, p. 18), nessa fase “[...] é importante o uso dos brinquedos que se
movem quando ela os toca, como por exemplo, a bola, carrinho. As ações que
inicialmente eram exploratórias agora são manipulatórias. A criança quer mexer,
tirar, encaixar”.
Do 8 aos 12 meses o desenvolvimento motor da criança aumenta. Ela senta e
se locomove mais facilmente, faz movimentos de pinça e é capaz de passar um
objeto de uma mão para outra. Manipula objetos de várias maneiras, imita gestos e
sons e é capaz de antecipar o resultado de algumas ações.

1.1.5 Quinto estágio – A reação circular terciária e a descoberta de


novos meios por experimentação ativa

Nesse período entre 12 a 18 meses a criança experimenta empregando


novos meios, ela já separa o objeto de seu eu, compreende, por exemplo, que o
brinquedo, não faz parte de si, e sim que é um outro corpo.
Nesse estágio iniciasse a procura de novos meios por diferenciação dos
esquemas conhecidos, ou seja, quando algo a atrapalha de realizar alguma ação
busca meios para resolvê-la. Segundo Piaget (2002, p. 16) um caso é a conduta do
suporte, “[...] ao tentar pegar um objeto que está distante, não podendo ser pego
pela criança, porém que está sobre um tapete o qual a criança alcança, ela puxa-o
para perto de si tentando apanhar o objeto que estava sobre ele”.
No decorrer dessa fase, de forma casual, a criança diverte-se a combinar
gestos sem relações mutuas e sem tentar realmente experimentar, para em seguida
repetir esses gestos ritualmente e com eles fazer um jogo de combinações motoras.
Segundo Piaget (1978, p. 125), “[...] enquanto na fase IV consistem, simplesmente,
em repetir e associar os esquemas já constituídos, com um fim não-lúdico, os da
presente fase constituem-se quase imediatamente em jogos e manifestam em
fertilidade, muito maior de combinações”.
A partir dessa fase, segundo Cunha (2005), começa a observar o efeito de
sua conduta no ambiente a sua volta. A criança começa andar, explorar o espaço e
exercitar-se correndo de um lado para o outro, aprende a usar as duas mãos juntas,
aponta objetos, aumentando o seu vocabulário.
61

Ainda segundo a autora citada, nessa fase, são importantes os brinquedos


pedagógicos, tais como, os de encaixar, empilhar, apertar botões, que oferecem
oportunidades de exploração e manipulação.

1.1.6 Sexto estágio – A invenção de meios novos por combinação


mental

Nesse período entre 18 e 24 meses, a criança inventa novos meios, mediante


coordenações internas, para alcançar algum objetivo. Não encontrando nenhum
esquema habitual que possa servir como meio, inventa uma solução, por meio de
um mecanismo de experimentação interna.

Esse estádio assinala o fim do período sensório-motor e a transição


com o período seguinte. A criança torna-se capaz de encontrar meios
novos, não mais por simples tateios exteriores ou materiais, senão
por combinações interiorizadas, que redundam numa compreensão
súbita ou insight. [...] Mas o critério do insight é, por certo, demasiado
estreito, pois é graças a uma série ininterrupta de assimilações de
diversos níveis (I a IV) que os esquemas sensório-motores se tornam
suscetíveis de novas combinações e interiorizações, que
possibilitam, finalmente, a compreensão imediata em certas
situações. Este último nível (VI) não poderia, portanto, destacar
daqueles cujo fim se limita a assimilar. (PIAGET; INHELDER, p. 17-
18)

Ainda nessa fase, segundo argumenta Piaget (1978), o símbolo lúdico deixa a
forma ritual assumindo a forma de esquemas simbólicos, graças a um processo
decisivo no sentido da representação, que se concretiza, precisamente, quando a
inteligência empírica passa para a combinação mental e da imitação exterior para a
imitação interna.
A criança começa a internalizar as ações realizadas e passa a lembrar-se de
pessoas e coisas. Segundo Cunha (2005, p. 18), “[...] como sua memória já está
ativa, começa a desenvolver a capacidade de imitar, iniciando assim o processo de
representação do jogo simbólico, ou seja, o faz-de-conta”.
A motricidade aperfeiçoa-se e a criança já é capaz de correr. Desta forma,
necessita-se de brinquedos que satisfaçam sua necessidade de movimentação, tais
como, brinquedos de puxar e empurrar, blocos de construção, brinquedos de trepar,
passar dentro e escorregar.
62

1.2 Período pré-operacional (aproximadamente de 2 a 7 anos)

Inicia-se nesse período o desenvolvimento do pensamento, o qual encontra-


se no estágio pré-operacional. Relaciona tudo o que acontece ao seu redor, com
seus sentimentos e ações. Nessa fase a criança acredita que objetos, plantas,
nuvens, também tem sentimentos.
A forma de pensamento dominante da criança é o egocentrismo intelectual,
realçando o jogo simbólico, no qual a criança transforma o real às necessidades do
seu momento. Como reflexo desse egocentrismo intelectual, não percebe o ponto de
vista dos outros.
Nessa fase, inicia-se também o aparecimento da linguagem, modificando
profundamente as condutas da criança no aspecto afetivo e intelectual. Segundo
Piaget (1990, p. 30), a linguagem possibilita a criança “reconstituir as suas ações
passadas, sob a forma de narrativa, e de antecipar as ações futura pela
representação verbal”.

Sendo capaz de reconstituir o passado e prever seu futuro resultam-


se três conseqüências essenciais para o desenvolvimento mental:
uma troca possível entre indivíduos, isto é, início da socialização da
ação; uma interiorização da palavra, quer dizer, o aparecimento do
próprio pensamento; finalmente e sobre tudo, uma interiorização da
ação como tal. (PIAGET, 1990, p. 30)

O aparecimento da linguagem acontece no momento em que se inicia uma


troca e uma comunicação contínua entre indivíduos. Essas relações aparecem na
segunda metade do primeiro ano, fruto da imitação, cujos progressos estão em
ligação estreita com o desenvolvimento sensório-motor.

Sabe-se, com efeito, que o bebê aprende pouco a pouco a imitar,


sem que exista uma técnica hereditária da imitação: primeiro, é a
simples excitação, pelos gestos análogos de outrem, dos
movimentos visíveis do corpo (e, sobretudo das mãos), que a criança
espontaneamente sabe executar; em seguida, a imitação sensório-
motora torna-se uma cópia cada vez mais exata de movimentos que
lembram movimentos conhecidos; finalmente, a criança reproduz os
movimentos novos mais complexos (os modelos mais difíceis são
aqueles que interessam as partes não visíveis do próprio corpo, tais
como o rosto e a cabeça). A imitação dos sons segue uma marcha
semelhante e, quando estes são associados a ações determinantes,
prolonga-se finalmente na aquisição da própria linguagem. (PIAGET,
1990, p. 32)
63

A criança dessa idade fala com os outros, e também, frequentemente,


consigo própria sem cessar, em monólogos variados que acompanham os seus
jogos e a sua ação. Segundo Piaget (1990, p. 34-35), “[...] este monólogo constituem
ainda entre crianças de 3 e 4 anos mais de um terço da linguagem espontânea, e
diminuem regularmente até por volta dos 7 anos”.

O exame da linguagem espontânea entre crianças, tal como o do seu


comportamento nos jogos coletivos, demonstra que as primeiras
condutas sociais permanecem ainda a meio caminho da verdadeira
socialização: em vez de sair do seu próprio ponto de vista, para
coordená-lo com o dos outros, o indivíduo permanece ainda
inconscientemente centrado em si próprio e esse egocentrismo para
com o grupo social reproduz e prolonga aquele que notamos no bebê
para com o universo físico; em ambos os casos trata-se de uma
indiferenciação entre o eu e a realidade exterior, aqui representada
pelos outros indivíduos, e já não apenas pelos objetos, e em ambos
os casos esta espécie de confusão inicial leva ao primeiro do ponto
de vista próprio. (PIAGET, 1990, p. 35)

Desenvolve-se, também nessa época no campo afetivo, os sentimentos


interindividuais, tais como a simpatia, a antipatia e o respeito, e uma afetividade
interior organizando-se de maneira mais estável.
Piaget em suas obras examina as três modificações gerais de conduta, nesse
período: socialização, pensamento e intuição.
Inicialmente, a criança interage com as relações sociais e o pensamento
nascente, por um egocentrismo inconsciente, que prolongará o do bebê, e só
progressivamente se adaptará segundo leis de equilíbrio análogas, mas transpostas
em função destas realidades novas.

É esta a razão pela qual se observa, durante toda a primeira infância,


uma repetição parcial, em planos novos, da evolução que o bebê já
teve no plano elementar das adaptações práticas. Estas espécies de
repetições, com desnivelamento entre o plano inferior e os planos
superiores, são extremamente reveladoras dos mecanismos íntimos
da evolução mental. (PIAGET, 1990, p. 30)

Em relação à gene do pensamento, a inteligência que, inicialmente era


sensório-motora ou prática, transforma-se em pensamento propriamente dito, sob a
influência da linguagem e da socialização. A linguagem, auxilia no aparecimento do
pensamento, na medida em que, assim como já vimos, permite ao sujeito contar as
suas ações fornecendo ao sujeito o poder de reconstituir o passado e de antecipar
64

as ações futuras, até mesmo substituindo-as por palavras, mesmo sem nunca
praticá-las.
“A própria linguagem veicula conceitos e noções que a todos pertencem e que
reforçam o pensamento individual com um vasto sistema de pensamento coletivo”.
(PIAGET, 1990, p. 36)
Mas, assim como a conduta, o pensamento incorpora os dados ao seu “eu” e
à sua atividade gradativamente, adaptando-se aos poucos às realidades novas que
descobre e que constrói.
Durante essa fase dos 2 aos 7 anos aproximadamente, todas as transições se
dão em duas formas de pensamento, sendo que a segunda aos poucos predomina
sobre a primeira. A primeira forma segundo Piaget (1990), é a do pensamento por
incorporação ou assimilação puras, cujo egocentrismo exclui, consequentemente,
toda objetividade e a segunda é a do pensamento adaptado aos outros e ao real,
que prepara assim o pensamento lógico.

O pensamento egocêntrico encontra-se no jogo simbólico. Já muito


antes da linguagem, um jogo de funções sensório-motoras é o jogo
do puro exercício, sem intervenção do pensamento nem da vida
social, não aciona senão movimentos e percepções. No nível da vida
coletiva, dos 7 aos 12 anos, pelo contrário, vemos que se constituem
jogos de regras caracterizados por certas obrigações comuns que
são as regras do jogo. (PIAGET, 1990, p. 37)

Entre os dois há um jogo que faz intervir o pensamento, mas um pensamento


individual quase puro e com poucos elementos coletivos, é o jogo simbólico, ou jogo
de imitação ou imaginação, como por exemplo, o brincar de boneca.
Esses jogos simbólicos constituem uma atividade real do pensamento, porém,
muito egocêntrica. Ele satisfaz o “eu” mediante a transformação do real em função
dos desejos. “A criança que brinca de boneca refaz sua própria vida, mas corrige-a
de acordo com a sua idéia, revive todos os seus prazeres e conflitos, mas
resolvendo-os.” (PIAGET, 1990, p. 38)
O pensamento da criança de 2 a 7 anos é espontâneo. Logo que começa a
falar surgem as perguntas: Onde? O que é? E a partir dos 3 anos aproximadamente
até os 7 anos surge o porquê das crianças.
Quanto a intuição, as crianças com menos de 7 anos possuem certa pobreza
de provas em suas informações e uma incapacidade de motivá-las. “A criança dos 4
65

aos 7 anos também não sabe definir os conceitos que emprega e limita-se a
designar os objetos correspondentes ou a definir pelo uso (é para...) sob a dupla
influência do finalismo e da dificuldade de justaposição”. (Piaget, 1990, p. 46)
Nesta fase a criança utiliza-se pouco da verbalização, ainda domina muito a
ação e a manipulação. Existe, entre os 2 aos 7 anos, uma inteligência prática, muitas
vezes, a criança está mais adiantada nas ações do que nas palavras.

Até por volta dos 7 anos, a criança permanece pré-lógica e substitui


a lógica pelo mecanismo da intuição, simples interiorização das
percepções e dos movimentos sob a forma de imagens
representativas e de experiências mentais, que prolongam assim os
esquemas sensório-motores sem coordenação propriamente
racional. (PIAGET, 1990, p. 47)

Na vida afetiva, à partir do período pré-verbal, o desenvolvimento da


afetividade e o das funções intelectuais caminham juntos. Não há uma ação
puramente intelectual, uma vez que nas soluções de problemas matemáticos, por
exemplo, está relacionado o interesse, afeição por essa disciplina. E nunca há
aspectos puramente afetivos, o amor supõe compreensão. Os dois elementos se
pressupõem mutuamente. Assim, como já vimos, nesse nível os sentimentos
afetivos presentes são: afeições, simpatias e antipatias.
O interesse surge de uma necessidade, ao sentir necessidade de algo é que
nos interessamos em buscá-lo, ou seja, um objeto se torna interessante na medida
em que se corresponde a uma necessidade. Assim, segundo Piaget (1990, p. 53),
“[...] com o desenvolvimento do pensamento intuitivo, os interesses multiplicam-se e
diferenciam-se”.
Quando um trabalho nos interessa parecer fácil executá-lo e não há sinal de
fadiga durante o processo. “É por isso que , por exemplo, as crianças de escola
conseguem um rendimento infinitamente melhor se se apelar para os seus
interesses e se os conhecimentos que lhes são impostos corresponderam às suas
necessidades”. (Piaget, 1990, p. 54)
O interesse também implica um sistema de valores, fixando objetivos cada
vez mais complexos à ação.

É assim que, durante a primeira infância, se notarão interesses pelas


palavras, pelo desenho, pelas imagens, pelo rito, por certos
exercícios físicos, etc., adquirindo essas realidades valor para o
66

sujeito à medida das suas necessidades, dependendo estas do


equilíbrio mental de momento e sobretudo das incorporações novas
necessárias à sua manutenção. (PIAGET, 1990, p. 54)

Ainda segundo o autor, “Os interesses, autovalorizações, valores


interindividuais espontâneos e valore morais intuitivos são as cristalizações da vida
afetiva própria deste nível do desenvolvimento”. (PIAGET, 1990, p. 58)
Assim, conforme seus interesses, a criança já planeja suas ações e usa um
objeto representando outro, uma tampinha vida copo, um cabo de vassoura vira
cavalinho.
Esse período pode ser subdividido segundo suas características em outros
dois períodos: o pré-conceitual e o intuitivo. Abaixo relataremos sobre eles.

1.2.1 Período pré-conceitual (aproximadamente de 2 a 4 anos)

De dois a quatro anos, a criança ainda não elabora conceitos concretos, pois,
segundo Cunha, (2005, p. 19) “[...] ainda não forma sub-classes e não generaliza,
relaciona tudo o que acontece ao seu redor com seus sentimentos e ações, ainda
não é capaz de reverter o raciocínio e de perceber o ponto de vista dos outros”.
Há um grande desenvolvimento da linguagem verbal, a criança quer saber o
nome de tudo e define as coisas pela sua função. A criança, nessa fase, tem grande
interesse por livros e gosta de reconhecer figuras, “acelerando assim, o
desenvolvimento da linguagem” (CUNHA, 2005, p. 19).
Os livros, assim como os brinquedos que são miniaturas da realidade
despertam o interesse da criança dessa idade, pois alimentam o “faz-de-conta”, o
imaginário infantil, que possibilita à criança vivenciar fatos de sua vida,
transformando-o conforme a realidade do seu momento, ou seja, refaz sua vida
conforme sua idéia, a criança revive seus momentos de prazer e conflitos
procurando resolvê-los. Durante a brincadeira adquire o poder que na vida real não
possui, sentindo a possibilidade de resolver os problemas.
67

1.2.2 Período intuitivo (aproximadamente de 4 a 7 anos)

Nessa fase a linguagem se aperfeiçoa, e segundo Cunha (2005, p. 19), nesse


período, a criança “[...] começa a argumentar, embora suas razões sem sempre
sejam coerentes com a lógica dos adultos, pois são determinadas por seus desejos
e temores”. Essa fase é marcada pelas perguntas, a criança quer saber o porquê de
tudo, também gosta que lhe contem histórias é a capaz de inferir no final da história
e de prever situações. Ainda tem seu próprio corpo como referência. Já entende que
algumas coisas acontecem antes e outras depois.
Seu pensamento se estrutura de forma mais lógica gradativamente, passando
a basear suas conclusões em fatos observados.
Nas atividades diárias torna-se independente e sua brincadeira passa a ser
cooperativa, brinca em grupos e executa a mesma atividade obedecendo a regras.
Aprimora-se sua coordenação motora fina utilizando ferramentas manais,
como chaves, martelos, tesoura.
Inicia a compreensão da relação número e quantidade, do uso do dinheiro e
interessa-se por letras. Já classifica por cor e forma; gosta de montar e desmontar.
Forma alguns conceitos, mas os conceitos espaciais passam a ter significado a partir
da sua experiência.
O jogo simbólico é enriquecido, aumentando a variedade de objetos de faz-
de-conta e no final compreende melhor o que é real ou fantasia.

1.3 Período operatório concreto (aproximadamente de 7 a 12 anos)

A idade média dos 7 anos, que coincide com o início da escolaridade


propriamente dita da criança, marca uma mudança muito grande no
desenvolvimento mental. Fase em que aparecem formas de organização novas que
completam as construções esboçadas anteriormente e lhes asseguram um equilíbrio
a mais num processo de construções novas.
68

Os progressos da conduta e da sua socialização

Por volta dos 7 anos ocorre a complementação da concentração individual e


da colaboração efetiva.
A criança depois dos 7 anos compreende bem o conceito de cooperação
porque já distingue bem o seu próprio ponto de vista com o dos outros, porém, antes
os dissocia para os coordenar. “As discussões tornam-se possíveis, com os que
comportam de compreensão para com os pontos de vista do adversário, e de
pesquisa de justaposições ou de provas no que se refere à afirmação própria”.
(PIAGET, 1990, p. 60)
Segundo Piaget (1990), há o desaparecimento, quase que total, da linguagem
egocêntrica, e as frases espontâneas da criança, provam, “pela sua própria estrutura
gramatical, a necessidade de conexão entre as idéias e de justaposição lógica”.
(PIAGET, 1990, p. 60)
Quanto ao comportamento coletivo das crianças verifica-se, depois dos 7
anos, uma mudança notável nas atitudes sociais, podemos verificar tal
comportamento nos jogos com regras, por exemplo. Um jogo coletivo supõe um
número de regras muito grande. Todas essas regras, que devem ser cumpridas,
constitui assim uma intuição própria das crianças, mas que no entanto, se transmite
de geração em geração, com uma forte força de conservação.
Os jogadores de 4 a 6 anos imitam os exemplos dos mais velhos e apesar de
observam certas regras, durante o jogo não se preocupam com elas quando o
vizinho é da mesma idade: cada um joga de fato à sua maneira. Ao final todos
ganharam, pois ganhar significa ter se divertido bastante durante o jogo.
Já os jogadores a partir dos 7 anos apresentam um duplo progresso. Mesmo
não conhecendo ainda de cor todas as regras do jogo, pelo menos reconhecem e
admitem as regras admitidas durante a partida e controlam-se uns aos outros
obedecendo as regras do jogo. Por outro lado, o termo ganhar toma sentido coletivo:
é vencer depois de uma competição regulamentada, e é bem claro que o
reconhecimento desta vitória de um jogador sobre os outros, supõe discussões bem
conduzidas e concluentes.
Segundo Piaget (1990, p. 62), em conexão estrita com estes progressos
sociais, assiste-se, assim, a transformações da ação individual, as quais parecem ao
69

mesmo tempo as suas causas e os seus efeitos. O essencial disso é que a criança
se torna capaz de um início de reflexão.
A partir dos 7 ou 8 anos, a criança, mais livre do egocentrismo intelectual,
pensa antes de agir e começa refletir sobre os acontecimentos. Aos sete anos a
criança também começa a libertar-se do seu egocentrismo social e intelectual
tornando-se capaz de coordenações novas, que terão a maior importância para a
inteligência e para a afetividade.
Quanto à inteligência trata-se do início da construção da própria lógica, a qual
permitirá a coordenação dos pontos de vista entre si e a indivíduos diferentes.
Com relação à afetividade, gera uma moral de cooperações e de autonomia
pessoal, que contrasta com a moral intuitiva de heteronomia própria das crianças
pequenas.

Os progressos do pensamento

A partir dos 7 anos inicia-se a compreensão de conservação de distâncias,


em caso de deformação dos caminhos percorridos, conservação das superfícies,
dos conjuntos descontínuos.

As idéias fundamentais de ordem, de continuidade, de distância, de


comprimento, de medida, etc., só dão ocasião, na primeira infância, a
intuições extremamente limitadas e deformadoras. O espaço
primitivo está centrado no sujeito em vez de ser representável, seja
de que ponto de vista for. É depois dos 7 anos que um espaço
começa a construir-se, e é por meio das mesmas operações gerais.
(PIAGET, 1990, p. 72)

As operações racionais

Antes dos 6 ou 7 anos ao ser proposto ordenar objetos de diferentes


comprimentos, a criança apenas constrói uma escada, isto é uma figura perceptiva.
Por volta dos 6 anos e meio ou 7 anos, ela descobre um método operatório que
consiste em procurar o menor elemento, depois a cada vez o mais pequeno de todos
aqueles que restaram. Assim, aos 7 anos descobre-se as operações de seriação, no
que se refere aos comprimentos e quantidade simples de matéria.
70

Devemos então admitir que a passagem da intuição à lógica ou às


operações matemáticas se efetua no decorrer da segunda infância
pela construção de agrupamentos e de grupos, quer dizer que as
noções e relações não se podem construir isoladamente, mas
constituem, por si sós, organizações de conjunto nas quais todos os
elementos são solidários e se equilibram entre si. (PIAGET, 1990, p.
80)

A afetividade, a vontade e os sentimentos morais

Quanto a afetividade dos 7 aos 12 anos há o aparecimento de novos


sentimentos morais e sobretudo uma organização da vontade, que conduzem a uma
melhor integração do eu e a uma regulação mais eficaz da vida afetiva, na medida
em que,

[...] a cooperação entre indivíduos coordena os seus pontos de vista


numa reciprocidade que assegura ao mesmo tempo a sua autonomia
e a sua coesão, e na medida em que, paralelamente, o agrupamento
das operações intelectuais situa os diversos pontos de vista intuitivos
num conjunto reversível, desprovido de contradições. (PIAGET,
1990, p. 81)

Nessa fase ocorre o surgimento do respeito mútuo, que se diferencia


gradualmente do respeito unilateral, conduzindo a uma organização nova dos
valores morais. O seu caráter principal consiste em implicar uma autonomia relativa
da consciência moral dos indivíduos, e deste ponto de vista pode-se considerar esta
moral de cooperações como uma forma de equilíbrio superior à da moral de simples
submissão. (PIAGET, 1990, p. 85)
Ainda segundo Piaget, na segunda infância, o sistema racional dos valores
pessoais são constituídos pela honestidade, pelo sentimento de justiça e pela
reciprocidade em geral.
A vontade é o verdadeiro equivalente afetivo das operações da razão, a
regulação que favorece certas tendências à custa das outras, e aparece, quando há
conflitos de tendências ou de intenções, como por exemplo, quando se oscila entre
um prazer tentador e um dever.
Dos 7 aos 12 anos, o pensamento ultrapassa o nível sensorial. A criança já
forma classes e séries, relaciona fatos e tira conclusões. Os conceitos espaciais são
definidos a partir da relação recíproca estabelecida entre os objetos; e os temporais
71

por meio de sistemas comuns de mediação, como por exemplo, o relógio e


calendário.
É sensível a críticas, gosta de receber elogios e de assumir pequenas tarefas.
Tem grande senso de responsabilidade. É meio independente do adulto, gosta de
cuidar de crianças pequenas e escolhe seus companheiros. Interessa-se por
esportes e seleciona companheiros por afinidades.
Nesta fase os jogos de montar devem ser mais desafiantes e são adequados
os jogos de circuito, de perguntas e respostas de gincanas, de damas. O faz-de-
conta pode acontecer, mas já é totalmente separado da realidade, pois a criança
agora quer ser mais realista e descobrir a verdade dos fatos.

1.4 Período hipotético dedutivo ou pensante (aproximadamente


depois dos 11 ou 12 anos)

Diferentemente da criança, o adolescente é um indivíduo que constrói


sistemas e teorias.

Ele pensa concretamente, problemas após problema, à medida que a


realidade os propõe, e não liga as suas soluções por meio de teorias
gerias que isolassem o seu princípio. Pelo contrário, o que é notável
no adolescente é o seu interesse pelos problemas não atuais, sem
relação com as realidades vividas no dia-a-dia, ou que antecipam,
com uma ingenuidade desconcertante, situações futuras do mundo.
(PIGET, 1990, p. 90)

Depois dos 11 ou 12 anos, inicia-se o pensamento formal, ou seja, as


operações lógicas começam a abandonar as manipulação concreta indo para o
plano dos simples ideais, expressos numa linguagem qualquer (a linguagem das
palavras ou a dos símbolos matemáticos) mas sem o apoio da percepção, da
experiência, nem se quer da crença.
Esse pensamento formal é denominado hipotético-dedutivo, ou seja, deduz as
conclusões e cria hipóteses, e não apenas de uma observação real. As suas
conclusões são válidas independentemente da sua verdade de fato.

Trata-se não apenas de aplicar operações a objetos, por outras


palavras, de executar em pensamento ações possíveis sobre estes
objetos, mas de refletir estas operações independentemente dos
72

objetos e de substituir estes por um pensamento de segundo grau: o


pensamento concreto é a representação de ações possíveis e o
pensamento formal a representação de uma representação de ações
possíveis. (PIAGET, 1990, p. 93)

A livre atividade da reflexão espontânea é o que opõe a adolescência à


infância. Agora ele já é capaz de refletir sobre as ações. A vida afetiva do
adolescente afirma-se pela conquista da personalidade e as sua inserção na
sociedade adulta. Assim, são interessantes nessa fase os jogos para adultos, ou
jogos sociais, que além de propiciar informações, muita diversão, costumam tratar
de temas atuais.

Assim é o desenvolvimento mental, da construção do universo


prático, devida à inteligência sensório-motora do bebê, chega à
reconstrução do mundo pelo pensamento hipotético-dedutivo do
adolescente, passando pelo conhecimento do universo concreto,
devido aos sistemas das operações da segunda infância. (PIAGET,
1990, p. 101)

Após este breve relato sobre o desenvolvimento cognitivo infantil, tomando


por base o estudioso Jean Piaget, em que também já discorremos algumas palavras
sobre o jogo em seus estudos, baseados ainda em uma obra desse mesmo autor
denominada “A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e
representação” faremos à seguir um breve relato sobre o jogo ao longo da vida
infantil segundo esse estudioso infantil.
Na teoria piagetiana, conforme Kishimoto (2005) a brincadeira aparece como
forma de expressão da conduta, dotada de características metafóricas como
espontânea e prazerosa.

Ao colocar a brincadeira dentro do conteúdo da inteligência e não na


estrutura cognitiva, Piaget distingue a construção de estruturas
mentais da aquisição de conhecimentos. A brincadeira, enquanto
processo assimilativo, participa do conteúdo da inteligência, à
semelhança da aprendizagem. (KISHIMOTO, 2005, p. 32)

Quando Piaget (1978) defende que a ficção ou o sentimento do “como se” são
características do símbolo lúdico, em contraste com os simples jogos motores,
entendemos que só há jogo quando o esquema é exercido por prazer e não como
simbolismo. O que caracteriza o jogo simbólico, em contraste com o jogo
meramente motor é a imitação.
73

O símbolo repousa numa simples semelhança entre o objeto


presente, que desempenha o papel de “significante”, o objeto
ausente por ele “significado” simbolicamente, e é nisso que podemos
dizer que existe representação: uma situação não-dada é evocada
mentalmente, e não apenas antecipada praticamente como um todo,
em função de uma de suas partes. (PIAGET, 1978, p. 129)

No jogo de exercício, sensório motor, o objeto é um esquema conhecido e


anterior, na imitação, pelo contrário, o esquema anterior é transformado por
acomodação ao modelo atual, o que permite reconstituí-lo imediatamente ou mais
tarde. “No símbolo lúdico, a imitação não diz respeito ao objeto presente e sim ao
objeto ausente, que se faz mister evocar; e, desse modo, a acomodação imitativa
mantém-se subordinada à assimilação”. (PIAGET, 1978, p. 136)
Sobre os jogos, Piaget classifica-os em três grandes tipos de estruturas que
caracterizam os jogos infantis e dominam a classificação de detalhe: o exercício, o
símbolo e a regra, constituindo os jogos de “construção” a transição entre os três e
as condutas adaptadas.

Certos jogos não supõem qualquer técnica particular: simples


exercícios, põem em ação um conjunto variado de condutas, mas
sem modificar as respectivas estruturas, tal como se apresentam no
estado de adaptação atual. [...] Executa movimentos por mero
divertimento e não por necessidade, ou para aprender uma nova
conduta. (PIAGET, 1978, p. 144)

O jogo de exercício é, o primeiro a aparecer na criança, é o que caracteriza as


fases II a V do desenvolvimento pré-verbal, em contraste com a fase VI, no decorrer
da qual tem início o jogo simbólico. Esses jogos são simples exercícios, a criança
executa movimentos apenas por divertimento e não por necessidade, ou com o
intuito de aprender nova conduta.
Uma segunda categoria de jogos infantis é a do jogo simbólico. A criança
utiliza-se de objetos quaisquer para representar algo em sua brincadeira. Segundo
Piaget (1978), o símbolo implica a representação de um objeto ausente, visto ser
comparação entre um elemento dado e um elemento imaginado. Por exemplo, “a
criança que desloca uma caixa imaginando ser um automóvel representa,
simbolicamente, este último pela primeira e satisfaz-se com uma ficção, pois o
74

vínculo entre o significante e o significado permanece inteiramente subjetivo”.


(PIAGET, 1978, p. 146)
A terceira grande categoria é o jogo de regras. Ao invés do símbolo, a regra
supõe, necessariamente, relações sociais ou interindividuais. A regra sendo uma
regularidade imposta pelo grupo, não pode ser violada pois representa uma falta,
uma quebra de acordos.

Assim como o jogo simbólico inclui, freqüentemente, um conjunto de


elementos sensório-motores, também o jogo com regras pode ter o
mesmo conteúdo dos jogos precedentes: exercício sensório-motor
como o jogo das bolas de gude ou imaginação simbólica, como as
adivinhações e charadas. Mas apresentam a mais um elemento
novo, a regra, tão diferente do símbolo, quando este pode ser do
simples exercício e que resulta da organização coletiva das
atividades lúdicas. (PIAGET, 1978, p. 148)

Ainda segundo o autor, os jogos de construção não fazem parte de uma única
fase, mas situa-se entre o jogo e o trabalho inteligente ou entre o jogo e a imitação.

Se concebermos as três classes de jogos de exercício, de símbolo e


de regras como correspondentes a três fases, estando entendido que
essas fases são também caracterizadas pelas diversas formas
sucessivas (sensório-motor, representativas e refletida) da
inteligência, então, é evidente que os jogos de construção não
definem uma fase entre outras, mas ocupam, no segundo e,
sobretudo, no terceiro nível, uma posição situada a meio caminho
entre o jogo e o trabalho inteligente, ou entre o jogo e a imitação.
(PIAGET, 1978, p. 149)

Os jogos simbólicos são os mais interessantes que a observação fornece no


domínio da construção simbólica intencional da criança. Evolui-se da simples
transposição da vida real, no plano inferior, à invenção de seres imaginários sem
modelos atributivos, no plano superior. Contudo, todos eles possuem, elementos de
imitação e elementos de assimilação deformante. “Na reprodução de cenas reais,
mediante os jogos com bonecas, a imitação está no seu máximo, mas existe, não
obstante, uma transposição com intuitos subjetivos e não cópia num padrão de
acomodação”. (PIAGET, 1978, p. 169)
Segundo Piaget (1978), os jogos de regras podem ser jogos de combinações
sensório-motoras (corridas, jogos de bola de gude ou com bolas) como também
intelectuais (cartas, xadrez), com também, competição dos indivíduos (sem o que a
75

regra seria inútil). Eles podem ser regulamentados por um código transitório de
gerações em gerações, ou por acordos momentâneos.
Ainda segundo o autor, os jogos de regras podem ter sido originados de
costumes adultos que caíram em desuso (de origem mágico-religiosa etc.), ou de
jogos de exercício sensório-motores que se tornaram coletivos. Alguns jogos
simbólicos podem ter sido passados “[...] igualmente a coletivos mas esvaziando-se,
então, de todo ou parte do seu conteúdo imaginativo, isto é, de seu próprio
simbolismo”. (Piaget, 1978, p. 185)
O jogo, segundo Piaget (1978), possui os seguintes critérios: possuidor de
uma finalidade em si mesmo, sendo, portanto, ‘desinteressado’; espontâneo, oposto
às obrigações do trabalho e da adaptação real; prazeroso, ou seja, destinado ao
prazer, desprovido de organização, não possui estrutura organizada, em
contraposição do pensamento sério, que é sempre regulado; e por fim, libertação
dos conflitos, não deve haver nele conflitos, no entanto, se houver é “para libertar o
‘eu’ por uma solução de compensação ou de liquidação”.
Finalizando esse estudo sobre o desenvolvimento infantil e os jogos e suas
classificações baseado em Piaget, a partir do desenvolvimento da linguagem,
verificamos o grande respaldo que esses dois assuntos nos oferecem para
compreendermos de uma forma mais significativa a importância do brincar no
universo infantil e conseqüentemente escolar, assunto que trataremos a no próximo
tópico.

2 Por que brincar? A importância da ludicidade no universo infantil


e escolar

O tempo destinado à brincadeira dentro do ambiente escolar tem se tornado


restrito. Com o passar do tempo, a entrada da criança na escola está sendo cada
vez mais cedo. A instituição escolar, por sua vez, valoriza o aceleramento de seus
programas e da objetividade de seus currículos. Assim, o brincar, um momento tão
importante para o desenvolvimento da criança, muitas vezes, é deixado de lado,
quando se sobra tempo, as crianças brincam. Agindo deste modo, encurtam a
infância, e as crianças são transformadas em adultos precocemente.
Quanto mais cedo a criança entra nesse universo adulto, em situações
rigidamente estruturadas e conduzidas, menos oportunidade ela terá de se auto-
76

conhecer, encontrar seu jeito de ser, sua vocação, sua afetividade, pois a todo
momento há alguém para lhe determinar o que fazer, e como deverá agir. Desta
forma, sua espontaneidade fica comprometida pela necessidade de cumprir tarefas
predeterminadas, as quais fazem parte do mundo adulto.

A ludicidade, tão importante para a saúde mental do ser humano,


precisa ser mais considerada; o espaço lúdico da criança está
merecendo maior atenção, pois é o espaço para a expressão mais
genuína do ser, é o espaço do exercício da relação afetiva com o
mundo, com as pessoas e com os objetos. (CUNHA, 2005, p. 9)

Estamos habituados a ouvir educadores comentando que “na escola não dá


tempo para brincar”, pois há um programa de ensino a ser cumprido e objetivos a
serem atingidos, para cada faixa etária. Mais especificamente no primeiro ano do
ensino fundamental, ouvimos professoras dizendo que “as crianças precisam ser
alfabetizadas”. Com isso, o jogo e a brincadeira ficam relegados ao pátio ou
destinado a “preencher” intervalos de tempo entre aulas. Entretanto, o jogo e a
brincadeira, assim como bem pontua Friedmann (1996, p. 15), “[...] podem e devem
fazer parte das atividades curriculares, sobretudo nos níveis pré-escolares e de
primeiro grau, e ter um tempo pré-estabelecido durante o planejamento, na sala de
aula”.
É necessário um espaço para os jogos e brincadeiras no ambiente escolar,
porque possibilitam que a criança se expresse, descarregue suas energias, e
agressividades, interaja com outras crianças, enfim se desenvolva, aprenda.

É fundamental tomar consciência de que a atividade lúdica infantil


fornece elementos a respeito da criança: suas emoções, a forma
como interage com os colegas, seu desempenho físico-motor, seu
estágio de desenvolvimento, seu nível lingüístico, sua formação
moral. (FRIEDMANN, 1996, p. 14)

O jogo não é um simples ato de brincar. Ele permita que a criança se


comunica com o mundo e se expresse. O brincar é indispensável para a saúde
física, emocional e intelectual da criança.
O brinquedo, além de favorecer o desenvolvimento, estimula a curiosidade, a
iniciativa e a autoconfiança. Proporciona aprendizagem, elaboração da linguagem,
do pensamento e da concentração da atenção. É um convite ao brincar, facilita e
enriquece a brincadeira, proporcionando desafios e motivação.
77

Ao explorar um brinquedo, a criança amplia sua imaginação e habilidades.


Enriquece seu mundo interior comunica-se mais e participa cada vez mais do mundo
que a cerca.

O brinquedo traduz o real para a realidade infantil. Suaviza o impacto


provocado pelo tamanho e pela força dos adultos, diminuindo o
sentimento de impotência da criança. [...] Através da
experimentação, a criança aprende a controlar seus movimentos e a
estabelecer ordem em seu mundo. Os brinquedos são alimentos
para a fome de conhecer da criança. (CUNHA, 2005, p. 12)

Ao estudarmos um jogo, uma brincadeira ou um brinquedo, podemos


observar o comportamento das crianças durante o ato lúdico. Quanto às atividades
físicas e mentais envolvidas no jogo, podemos analisar as características de
sociabilidade, as atitudes, reações e emoções que envolvem os jogadores. Também
podem ser observados os objetos utilizados pelas crianças, no caso os brinquedos.
Ao participar de dramatizações, a criança coloca-se no papel de outra pessoa,
assim, vivendo outras personagens, aumentará sua compreensão sobre os
relacionamentos humanos.
Desta forma, constatamos a importância de momentos em que as crianças
possam se expressar por meio das brincadeiras nos espaços escolares. Este é um
fator muito importante numa sala de aula, se aplicado corretamente, já que jogo livre
não é deixar que se faça o que quiser, mas sim um espaço propício de ludicidade,
em que o professor sem interferir diretamente, analisará o comportamento das
crianças e mediante as informações obtidas, realizará intervenções, as quais,
auxiliarão no desenvolvimento físico, intelectual e social da criança proporcionando
possíveis superações de dificuldades.

Através da observação do desempenho das crianças com seus


brinquedos podemos avaliar o nível de seu desenvolvimento motor e
cognitivo. Dentro da atmosfera lúdica, manifestam suas
potencialidades e, ao observá-las, poderemos enriquecer sua
aprendizagem, fornecendo, através dos brinquedos, elementos
nutrientes para seu desenvolvimento. (CUNHA, 2005, p. 15)

Por meio do brincar, a criança começa a entender como as coisas funcionam.


Outro estudioso do mundo infantil, Bettelheim (1988), afirma que brincando com o
outro, as crianças aprendem que existem regras de sorte e de probabilidade, e
78

regras de conduta que devem ser cumpridas, se quisermos que os outros brinquem
conosco.
Brincando a criança desenvolve seu senso de companheirismo; ao participar
de um jogo com outras pessoas, sejam elas adultas ou crianças, ela aprende a
conviver, ganhando ou perdendo, procurando entender regras e conseguir uma
participação satisfatória.
A esse respeito, Cunha (2005), argumenta que, participando do jogo a criança
aprende a aceitar regras: esperar sua vez, aceitar o resultado dos dados ou roleta.
Esses fatores são bons exercícios para trabalhar com a frustração e elevar o nível
de motivação.
A atividade lúdica infantil fornece informações elementares a respeito da
criança, por meio dela podemos perceber as suas emoções, a forma como interage
com as outras crianças, seu desempenho físico e motor, seu estágio de
desenvolvimento, seu nível lingüístico, sua formação moral. Enfim, analisando bem
as brincadeiras de uma criança podemos conhecê-la melhor, pois mediante o jogo a
criança se expressa, se comunica com o mundo.
Segundo Winnicott (1975) o espaço lúdico vai permitir ao indivíduo criar e
entender uma relação aberta e positiva com a cultura. É brincando que o indivíduo
se mostra criativo.
Brincando a criança alimenta sua vida interior, liberando assim sua
capacidade de criar e reinventar o mundo. O brincar possibilita à criança diferenciar
o seu mundo interior (fantasias, desejos e imaginações) do seu exterior. Cada
criança expressa seu desejo, fantasias, vontades e conflitos. Imaginando e
fantasiando, as crianças irão vivenciar os desafios, instigará a sua curiosidade para
aprender e será mais criativa.
Assim, a respeito da importância do lúdico no universo infantil e escolar, como
bem descreve Cunha (2005, p. 9) “Não basta nutrir o corpo, é preciso nutrir a alma.
Não basta zelar pela qualidade dos alimentos é preciso zelar pela qualidade das
oportunidades que estão sendo oferecidas à criança para desenvolver suas
potencialidades”.
No decorrer desse trabalho utilizamos algumas terminologias que por serem
empregadas com diferentes significados tornam-se imprecisas, é o caso do jogo, do
brinquedo e da brincadeira. Portanto, cabe-nos aqui uma diferenciação desses
79

termos, apesar de ser uma tarefa difícil e complexa chegarmos em uma definição
precisa.
Para tal utilizaremos como referenciais alguns estudiosos sobre o tema tais
como Huizinga (2000), Brougère (1998-2001), Kishimoto (2001-2002), Friedmann
(1996), entre outros.
Contudo, para iniciarmos o esclarecimento das definições desses termos, que
muitos utilizam de formas equivocadas, principiaremos tomando por referência o
Dicionário Aurélio (Ferreira, 2000):
Brinquedo – 1. Objeto que serve para as crianças brincarem. 2. Jogo (1) de
crianças; brincadeira. 3. Divertimento, passatempo, brincadeira.
Brincadeira – Ato ou efeito de brincar; brinco. Divertimento, sobretudo entre
crianças; brinquedo;
Brincar –Divertir-se infantilmente, entreter-se em jogos de criança [...].
Jogo – atividade física ou mental organizada por um sistema de regras que
definem a perda ou ganho. Brinquedo ou passatempo [...]
Jogar – Entregar-se ao, ou tomar parte no jogo de; executar diversas
combinações de (um jogo) [...]
Ludo – jogo, brinquedo , divertimento [...] Lúdico -referente a, ou que tem
caráter de jogos, brinquedo e divertimentos
Após a definição desses termos utilizando o dicionário, cabe-nos também
definir o que são os objetos lúdicos. Como bem define Kobayashi (2008, p. 7)
“objetos lúdicos são aqueles que proporcionam momentos de entretenimento, de
envolvimento, de espaço para que as crianças possam experienciar situações,
vivências”.
Comumente ouvimos falar em jogos políticos, de adultos, crianças, animais,
de palavras, faz-de-conta, simbólico, motores, sensório-motores, entre tantas outras
formas.
A terminologia jogo é usada para situações como uma partida de xadrez, um
gato que brinca com um novelo de lã, uma criança que brinca com bonecas.
Contudo, mesmo recebendo a mesma terminologia, eles têm suas
especialidades. Quando a criança brinca de boneca, o jogo do faz-de-conta, há a
presença da imaginação. No jogo de xadrez a presença da regra, por exemplo.
Como bem pontua Kishimoto (2001, p.15), “[...] a dificuldade aumenta quando
se percebe que um mesmo comportamento pode ser visto como jogo ou não-jogo”.
80

Como bem ela exemplifica, atirar com arco e flecha, para uns, como por exemplo, as
crianças indígenas, é jogo, mas para outros, é preparo profissional.
Huizinga (2000) defende que o jogo é um fato mais antigo que a cultura, pois
esta pressupõe sempre a sociedade humana. Segundo ele, os animais iniciaram-se
nas atividades lúdicas antes mesmo que o homem. Em suas palavras “[...] os
animais brincam tal como os homens” (Huizinga, 2000, p. 3)
Sendo um elemento vivo antes mesmo da cultura existir, o jogo passa a ser
encontrado na cultura, e não criado a partir dela, ele segue-a desde as mais
distantes origens até a fase de civilização em que estamos.
Ainda segundo esse estudioso, o jogo não se limita às necessidades
imediatas da vida. Ele confere um sentido à ação. Todo jogo significa alguma coisa.

A grande maioria preocupa-se apenas superficialmente em saber o


que o jogo é em si mesmo e o que ele significa para os jogadores.
[...] A intensidade do jogo e seu poder de fascinação não podem ser
explicados por análises biológicas. E, contudo, é nessa intensidade,
nessa fascinação, nessa capacidade de excitar que reside a própria
essência e a característica primordial do jogo. (HUIZINGA, 2000, p.
4)

O jogo é caracterizado, primeiramente, pela sua liberdade, ele é livre, ele


próprio, em segundo lugar, por ser uma evasão da vida real, indo para a esfera
temporária de atividade com orientação própria.

Numa tentativa de resumir as características formais do jogo,


poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente
tomada como “não-séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo
tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É
uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a
qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites
espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas
regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a
rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação
ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios
semelhantes. (HUIZINGA, 2000, p. 16)

Brougère (1998) defende que realizando uma análise lexical, a palavra jogo
nos remete a três significados: atividade lúdica, um sistema de regras e um material
de jogo.
81

Sendo uma estrutura, o jogo, assume também um sistema de regras que


existe e subsiste independentemente dos jogadores, fora de sua realização concreta
em um jogo entendido no primeiro sentido.
Por fim, o jogo pode ser também um material de jogo, como, por exemplo, o
jogo de xadrez, enquanto tabuleiro e conjunto de peças que permitem jogar no
sistema de regras o jogo de xadrez.
Esse terceiro significado pode ser associado ao termo “brinquedo”, ou seja,
ao objeto lúdico. Contudo, entre o material lúdico, alguns são chamados de jogo e
outros de brinquedo. O brinquedo relaciona-se com a infância, com uma
indeterminação quanto ao uso, a criança que lhe dará significado, ou seja, não há
um sistema de regras que lhe organize a utilização. “[...] o brinquedo não é a
materialização de um jogo, mas uma imagem que evoca um aspecto da realidade e
que o jogador pode manipular conforme sua vontade”. (BROUGÈRE, 1998, p. 14).
Já o jogo, enquanto material, implica um uso lúdico que assume
freqüentemente a forma de uma regra (jogos de sociedade), ou de uma restrição
interna ao material (jogo de habilidade, de construção) que constituem uma estrutura
preexistente ao material, ou seja, o jogo já vem com regras pré-determinadas.
O jogo deve ser considerado como um fato social, pois remete à imagem do
jogo encontrado na sociedade em que ele é utilizado. Assim, segundo Brougère
(1998), é por isso que fenômenos tão diferentes recebem o mesmo nome.

Há jogo a partir do momento em que a criança aprende a designar


algo como jogo; ela não chega a isso sozinha. Ter consciência de
jogar resulta de uma aprendizagem lingüística advinda dos contatos
da criança desde as primeiras semanas de sua existência. Por detrás
da linguagem é sempre o quadro sócio-cultural que aparece. Não há
fatos puros da linguagem. (BROUGÈRE, 1998, p. 18)

Outra estudiosa sobre o tema é Kishimoto (2001). Para ela, assim como para
Huizinga (2000) e Brougère (1998), o jogo pode ser visto como o resultado de um
sistema lingüístico que funciona dentro de um contexto social, assim como um
sistema de regras e um objeto.
No primeiro caso o jogo depende da linguagem de cada contexto social.
Enquanto fato social, o jogo, recebe a imagem e o sentido que a sociedade em que
está, lhe atribui, ou seja, cada contexto social conforme seus valores e modo de
vida, constrói uma imagem de jogo, expressando-se por meio da linguagem.
82

A noção de jogo não nos remete à língua particular de uma ciência,


mas a um uso cotidiano. Assim, o essencial não é obedecer à lógica
de uma designação cientifica dos fenômenos e, sim respeitar o uso
cotidiano e social da linguagem, pressupondo interpretações e
projeções sociais. (KISHIMOTO, 2001, p. 16)

O segundo caso, o sistema de regras, nos permite diferenciar em qualquer


jogo, uma estrutura que especifica sua modalidade. As regras diferenciam cada jogo,
“São as regras do jogo que distinguem, por exemplo, jogar buraco ou tranca, usando
o mesmo objeto, o baralho”. (KISHIMOTO, 2001, p. 17)
O terceiro refere-se ao jogo como objeto. O xadrez materializa-se no tabuleiro
e nas peças, o pião, seja ele de qual material for, representa o objeto utilizado na
brincadeira de rodar pião.
Outro termo que refletiremos procurando clarear o seu conceito é o
brinquedo. Brougère (2001) associa-o a cultura, e considera o brinquedo como
produto de uma sociedade dotada de traços culturais específicos, que ele deve ser
estudo por si mesmo e levando em consideração que está inserido num sistema
social e suporta funções sociais que lhe conferem razão de ser.
O brinquedo é produto da cultura, possui dimensão e função social, é um
objeto infantil. Por transmitir um sistema de significados permite compreender
determinada sociedade e cultura. Segundo Brougère (2001, p. 13), o brinquedo é
“[...] um objeto que a criança manipula livremente, sem estar condicionado às regras
ou a princípios de utilização de outra natureza”.
Kishimoto (2001) defende que, o vocábulo brinquedo conota criança e tem
uma dimensão material, cultural e técnica. Enquanto objeto é sempre suporte da
brincadeira. Desta forma, a função do brinquedo é a brincadeira, pois em
decorrência do seu valor expressivo, ele estimula a brincadeira abrindo
possibilidades de ações coerentes com a representação. “Pode-se dizer que o
brinquedo socializa o desejo, dando-lhe uma forma que pode ser denominada
através da brincadeira. [...] o brinquedo é, acima de tudo um dos meios para
desencadear a brincadeira” (BROUGÈRE, 2001, p. 21).
Brougère (2001) define os brinquedos de duas maneiras, em relação à
brincadeira, e em relação a representação social. Quanto à primeira, o brinquedo é o
objeto utilizado de suporte para a brincadeira, seja ele manufaturado ou fabricado
por quem brinca, podendo ser de sucata, e ter valor apenas para o tempo da
83

brincadeira, ou seja, ou objeto adaptado para o momento do brincar. “Tudo, nesse


sentido, pode se tornar brinquedo e o sentido de objeto lúdico só lhe é dado por
aquele que brinca enquanto a brincadeira perdura” (Brougère, 2001, p.62-63).
Segundo Kishimoto (2001, p. 19), “o fabricante ou sujeito que constrói
brinquedos neles introduz imagens que variam de acordo com a sua cultura”. O
brinquedo não apenas reproduz objetos, mas uma totalidade social. O brinquedo
propõe um mundo imaginário da criança e do adulto, criador do objeto da realidade.
“O brinquedo supõe uma relação íntima com a criança e uma indeterminação
quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que organizam sua
utilização” (KISHIMOTO, 2001, p. 18).
Já no segundo caso, o brinquedo é um objeto industrial ou artesanal, este por
sua vez, é sempre reconhecido como brinquedo pelo consumidor, em qualquer
momento, não necessariamente no ato lúdico, ele conserva sempre sua função.
“Quer seja ou não utilizado na situação de brincadeira, ele conserva seu caráter de
brinquedo, e pela mesma razão é destinado à criança” (Brougère, 2001, p.63).
O brinquedo possibilita a criança construir suas relações com o objeto,
relações de posse, de utilização, de abandono, de perna, de desestruturação. Esse
fator contribui para que a criança, já na infância comece a lidar com esquemas que
será reproduzido por ela com outros objetos na sua vida adulta. Desta forma, a
criança começa já meninice enfrentar problemas os quais farão parte de sua vida
adulta, mediante o uso do brinquedo.
Ao brincar, a criança não se preocupa com os resultados, ao contrário, é o
prazer e a motivação que impulsionam a ação para explorações livres. “Quando ela
brinca, não esta preocupada com a aquisição de conhecimento ou desenvolvimento
de qualquer habilidade mental ou física”. (KISHIMOTO, 2001, p. 24). Ao brincar a
criança distancia-se do cotidiano, da realidade e entra no mundo do imaginário.
Segundo Brougère (2001, p. 13) “o que caracteriza a brincadeira é que ela
pode fabricar seus objetos, em especial, desviando de seu uso habitual os objetos
que cercam a criança; além do mais, é uma atividade livre, que não pode ser
delimitada”.
Ainda para esse autor, a brincadeira não é natural, e sim, membro de um
contexto social e cultural. Desta forma, ela não é inata da criança, que, participante
de um contexto social, aprende a brincar desde os primeiros meses de sua vida com
quem cuida dela, a mãe, por exemplo.
84

A criança está inserida, desde o seu nascimento, num contexto social


e seus comportamentos estão impregnados por essa imersão
inevitável. Não existe na criança uma brincadeira natural. A
brincadeira é um processo de relações interindividuais, portanto de
cultura. [...] A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social. A
brincadeira não é inata, pelo menos nas formas que ela adquire junto
ao homem. (BROUGÈRE, 2001, p. 97-98)

A brincadeira é, uma confrontação com a cultura, pois nela a criança se


relaciona com conteúdos culturais que ela reproduz e transforma, dos quais ela se
apropria e lhes dá uma significação. (Brougère, 2001, p.76-77)
O brincar é uma atividade espontânea, prazerosa, acessível a todo ser
humano, seja ele de qualquer faixa etária, classe social ou condições econômicas.
Winnicott (1965) coloca o brincar como uma área intermediária de
experimentação para a qual contribuem a realidade interna e externa. A criança
pode relacionar questões internas com a realidade externa tornando-se capaz de
participar seu contexto e perceber-se como um ser no mundo.
Finalizando essa questão de tentar esclarecer a definição de alguns termos
tais como jogo, brinquedo e brincadeiras, assim como bem descreveu Friedmann
(1996, p. 12), “A brincadeira refere-se, basicamente, à ação de brincar, ao
comportamento espontâneo que resulta de uma atividade não-estruturada; jogo é
compreendido como uma brincadeira que envolve regras; brinquedo é utilizado para
designar o sentido de objeto de brincar”.
O brincar é o ato de se divertir; a brincadeira, o ato de brincar; o brinquedo, o
suporte para a brincadeira e o jogo, brincadeira com regras.
Após descrevermos sobre a importância das brincadeiras e suas
contribuições para a vida infantil e escolar, bem como diferenciar os termo que
usualmente utilizamos como sinônimo, mesmo não sendo, tais como brincadeira,
brinquedo e jogo, no próximo item iremos trabalhar com os jogos tradicionais.

3. O folclore a cultura infantil e os jogos tradicionais

Para obtermos uma melhor compreensão da noção de jogo tradicional, é


necessário situá-lo num contexto amplo de cultura, na qual o folclore está incluso.
Também é imprescindível falar sobre a cultura infantil.
85

Segundo Friedmann (1996, p. 40) “O folclore surgiu de uma necessidade


histórica para determinar o conhecimento peculiar do povo, através dos elementos
materiais e não materiais que constituíam a sua cultura”.
O folclore é a maneira de pensar, sentir e agir de um povo, que são
preservados pela tradição popular e pela imitação, para os folcloristas é a “ciência do
saber popular”.
O fato de estar relacionado com a tradição popular não significa que o folclore
seja uma “sobrevivência intocada”, que somente no grupo onde foi originado é que
ele foi criativo e dinâmico. Qualquer que seja a cultura, tudo é movimento, o homem
constantemente cria, recria, faz, refaz. O ser humano está sempre inovando,
recuperando, ele retoma o antigo e a tradição, inova novamente, incorpora o velho
no novo e transforma um em poder do outro.
Segundo Brandão (1982, p. 42), O folclore é “[...] popular, anônimo,
coletivizado, tradicional e persistente, funcional à sua cultura e passível de
modificações. Esses indicadores considerados nos contextos sociais onde existe e
se reproduz a criação popular”.
No folclore uma das características mais críticas é a tradicionalidade.
Conforme relata Friedmann (1996) uma cultura é popular e tradicional, geralmente
porque nela existe uma forte e dinâmica resistência política às inovações impostas
pelas classes dominantes. O folclore é cultural e politicamente ativo, na medida em
que ele decodifica a identidade e reproduz os símbolos que consagram um modo de
vida de classe. A tradicionalidade aqui está relacionada a algo que “[...] é vivo e atual
para as classes produtoras e useiras de sua própria cultura”. (FRIEDMANN, 1996, p.
41).
O folclore é transmitido de uma geração à outra mediante a oralidade ou por
imitação e sem organização de situações formais de ensino-aprendizagem. Ele é
visto como o elo entre o presente e o passado, promovendo a preservação de
valores sociais.
Fazendo parte da cultura folclórica, o folclore infantil manifesta a riqueza
natural da criança, ou seja, suas potencialidades físicas, corporais, motoras,
sensoriais, intelectuais, emocionais e sociais.
Os folguedos, parte do folclore infantil, proporcionam à criança além da
aprendizagem, a aquisição de uma experiência social de completa significação para
o desenvolvimento de sua aprendizagem.
86

[...] É através dos folguedos que as crianças alargam sua área de


contatos humanos, aprendem de modo mais acessível as vantagens
e o significado das atividades organizadas grupalmente,
experimentam os diferentes papéis associados às relações de
subordinação e de dominação entre pessoas da mesma posição
social e se identificam com interesses ou com valores cujas
polarizações de lealdade transcendem o âmbito da família.
(FRIEDMANN, 1996,p. 41)

Grande parte do patrimônio lúdico das crianças são constituídos por


elementos do folclore infantil e são também tradicionais, pois os valores vêm do
passado, da nossa formação e constituem o ambiente moral em que nos formamos.
O folclore infantil é um meio de transmitir elementos culturais. Os elementos
folclóricos aprendidos na rua, provenientes da cultura adulta, permanecem entre as
crianças, constituindo a cultura infantil.
Mesmo com o passar dos tempos e com a transformação das sociedades as
modificações ocorridas nesses elementos foram apenas quanto à forma. A função
social é conservada juntando valores sociais e tradicionais transmitidos por meio da
recreação.
Segundo Friedmann (1996), Os jogos tradicionais infantis são uma forma
especial de cultura folclórica, oposta à cultura escrita, oficial e formal. Sendo uma
produção espiritual do povo, acumulada ao longo do tempo, os jogos tradicionais
são modificados no processo do esforço criativo coletivo e são anônimos. Desta
forma, eles são um tipo de folclore infantil e da cultura popular em geral.
Assim, como vimos, o jogo tradicional é aquele transmitido de geração à
geração de forma expressiva, através da oralidade, fora das instituições sociais, na
rua, nas praças, nos parques. Ele é incorporado pelas crianças de forma
espontânea. As regras variam de uma cultura para outra, ou de um grupo para outro,
ou seja, muda a forma. Contudo, o conteúdo do jogo tradicional não muda. O
conteúdo é o objeto básico do jogo, ou seja, é a boneca, os animais, as construções,
as máquinas, etc. A forma é a organização do jogo do ponto de vista dos materiais
utilizados, do espaço, do numero de jogadores, etc.
A tradição dos jogos tradicionais é perpetuada ao longo dos tempos, porque
estes são imitados e reinterpretados pelas diferentes gerações. O jogo tradicional faz
parte do patrimônio lúdico-cultural infantil. Ele traduz valores, costumes, formas de
pensamento e ensinamentos. Tem um valor imensurável, pois constitui para cada
indivíduo, grupo ou geração parte fundamental da sua história de vida.
87

Chegando ao fim desse tópico, que mostra a riqueza dos jogos tradicionais e
o quanto ele faz parte de longas gerações, verificaremos a seguir o quanto tem
modificado o brincar na vida das crianças, deixando de lado essa rica tradição
folclórica.

4. A modificação do brincar no universo infantil.

Infelizmente, nos dias atuais, com a crescente modernização, industrialização


e urbanização; as desigualdades sociais e econômicas, a mudança dos lares, a
redução ao tempo de brincar, e outras estâncias freqüentadas pelas crianças, o
perigo nas ruas, a violência que assola as cidades; as brincadeiras e os jogos
tradicionais foram aos poucos minguando e hoje quase que desapareceram do
repertório lúdico infantil. Na maioria das vezes, perderam lugar para os brinquedos
eletrônicos, jogos virtuais e ambientes artificiais criados para as crianças.

A rua é usurpada pelos veículos cada vez mais velozes. Agora elas
brincam no quintal, dentro de casa, na vila, no pátio da escola, nos
bancos da praça da catedral, no corredor dos edifícios. [...]
Brinquedos sofisticados, engenhos nunca antes imaginados, atraem
as crianças, sempre ávidas pela descoberta. A tela da TV, o monitor
do computador, passam a fazer parte do mundo infantil. (DEL
PRIORI, 2004, p. 256)

Friedmann (1996) aponta algumas razões pelas quais as atividades lúdicas


mudaram no decorrer do século passado com a crescente modernidade. Dentre as
mais significativas ela aponta a redução dos espaços físicos e temporais (tanto
escolar como familiar), incremento da indústria de brinquedos e a influência da
propaganda.
A redução dos espaços físicos, em conseqüência do crescimento da cidade e
da falta de segurança, promoveu o “encasulamento” das crianças dentro de casa,
que por sinal também estão casa vez menores, favorecendo a diminuição do tempo
de brincadeiras e um aumento de tempo assistindo à televisão.
A redução do espaço temporal, na escola (que deixou o jogo e a brincadeira
de lado priorizando as atividades cognitivas consideradas mais interessantes e
produtivas), assim como na família (da qual a mulher tem cada vez mais se
distanciado, devido sua entrada no mercado de trabalho) aliado ao grande espaço
88

que a televisão tem adquirido no cotidiano das crianças, diminuíram muito o estímulo
para os jogos.
O incremento da indústria de brinquedos, lançando, cada vez mais, no
mercado objetos atraentes, porém com papel relevante, diminuiu o tempo útil do
brinquedo, em conseqüência das necessidades de consumo.
Por fim a propaganda influencia no aumento do consumo e da “entrada” dos
brinquedos industrializados no mundo infantil.
A institucionalização da educação também contribuiu para a modificação do
jogo, ele passou de um ambiente natural para um oficial, considerado por algumas
crianças como um local de trabalho. Perde-se então o caráter de ludicidade do jogo,
tornando-se um dever. Em decorrência à essa institucionalização, o chamado “jogo-
livre” passa a ser considerado por uma atividade não-produtiva.
Desta forma, verificamos que, o jogo infantil, significativo por estabelecer a
verdadeira vida social das crianças, além de sua importância para o
desenvolvimento, não tem espaço no contexto escolar, o qual está preocupado com
a alfabetização e o desenvolvimento de habilidades cognitivas.

Com a modernização e o processo de produção industrial, não


somente as crianças foram institucionalizadas, e portanto, separadas
em agrupamentos sociais, transformando significativamente as
relações, mas também a atividade lúdica foi transformada em
trabalho para a criança. (FRIEDMANN, 1996, p. 46)

Esses fatores geraram a transformação do espaço reservado às brincadeiras


e do próprio brincar. Contudo, mesmo diante dessas mudanças ocorridas nos
diferentes contextos sociais, no decorrer dos últimos anos, o prazer de brincar pode
até ter diminuído, porém não se extinguiu.

O jogo tradicional faz parte do patrimônio lúdico-cultural infantil e


traduz valores, costumes, formas de pensamento e ensinamentos.
Seu valor é inestimável e constitui, para cada indivíduo, cada grupo,
cada geração, parte fundamental da sua história de vida.
(FRIEDMANN, 1996, p. 43)

Desta forma, é lastimável saber que a escola também tem colaborado para
esse desaparecimento das brincadeiras e em particular as tradicionais. Preocupada
em transmitir os conteúdos sistematizados, a instituição escolar não tem oferecido o
devido valor aos jogos livres.
89

Analisando a atividade lúdica em situações espontâneas, em outros contextos


fora da escola como a família, por exemplo, também notamos que ela foi se
desgastando ao longo dos anos e perdendo a importância na vida das pessoas. Em
conseqüência da modernidade, a forma de brincar e os jogos foram transformados.
E esses jogos perderam lugar no ranking de preferência das crianças.
O processo de produção industrial, não somente institucionalizou as crianças
como também as atividades lúdicas. A primeira foi separada em agrupamentos
sociais, transformando significativamente suas relações e a segunda foi
transformada em trabalho para a criança, perdendo assim seu caráter espontâneo.
Essa nova forma de vida necessita de homens instrumentalizados: ativos,
eficientes e com iniciativas. Desde cedo então, sufocam as crianças em tantos
compromissos e tarefas educativas para no futuro serem adultos produtivos. Assim,
pais e educadores deslocam a esfera emocional para segundo plano, valorizando
apenas a formação de um indivíduo produtivo e racional.
Não podemos negar essa realidade nem as transformações que o jogo sofre,
pois assim com vimos o jogo é parte da cultura, a qual sofre transformação ao longo
dos anos, gerando assim a modificação dos jogos e brincadeiras.

Cada tempo histórico possui uma hierarquia de valores que oferece


uma organicidade a essa heterogeneidade. São esses valores que
orientam a elaboração de um banco de imagens culturais que se
refletem nas concepções de crianças e seu brincar. (KISHIMOTO,
2004, p. 7)

Devemos trabalhar com essa realidade e se empenhar em lutar pelo resgate


dos jogos tradicionais nos diferentes contextos sócio-culturais pensando em medidas
dentro das escolas e na comunidade.
Porém, não foram somente os jogos tradicionais que desapareceram do
ambiente escolar, as brincadeiras como um todo tem enfraquecido dentro desta
instituição. Contudo, elas devem ser utilizadas como um instrumento metodológico.
Segundo Friedmam (1996), o jogo não é somente um divertimento ou recreação. As
crianças aprendem com mais facilidade muitas vezes através de jogos em grupo do
que com lições e exercícios exaustivos, que poderão trazer desmotivação e
desinteresse na criança, dificultando seu processo de desenvolvimento escolar. Por
outro lado utilizando-se de momentos lúdicos a aprendizagem se tornará mais
90

prazerosa e, portanto, mais significativa para o desenvolvimento intelectual da


criança.
Ao término desse capítulo, depois de verificarmos a importância do
desenvolvimento infantil, as classificação de seus jogos, a importância do brincar, a
riqueza dos jogos tradicionais, no próximo capítulo analisaremos se esta questão tão
importante do brincar está presente na vida das crianças, se estão presentes em seu
cotidiano, os jogos tradicionais, que, assim como vimos são tão importantes para o
desenvolvimento infantil, favorecendo a socialização, o respeito a regras e a
autonomia.
91

CAPÍTULO III – BRINQUEDOS E JOGOS TRADICIONAIS: O


QUE AS CRIANÇAS SABEM HOJE?

Imaginando oceano as crianças brincam


na poça d’água.
Carlos Novaes

Essa pesquisa é fruto da nossa inquietação quanto à presença das


brincadeiras e jogos tradicionais no universo lúdico infantil atualmente. Buscando
informações para responder às nossas indagações organizamos nossa pesquisa em
quatro etapas: levantamento de referencial teórico sobre o tema, coleta de dados em
instituição escolar, análise dos dados coletados e organização e estruturação do
material para a redação final apresentados nessa pesquisa.
Inicialmente, realizamos o estudo do referencial teórico, pesquisados em
bibliotecas, acervo pessoal e da orientadora, que deu suporte para a investigação do
tema. O levantamento referencial foi realizado por meio de impresso e eletrônico
sobre a história da infância, a importância do brincar, sua relação com o
desenvolvimento e a aprendizagem da criança, a classificação das brincadeiras e
jogos tradicionais e sua contribuição para a educação.
A segunda etapa, das coletas de dados, foi realizada em um estudo de caso,
pesquisa que privilegia um caso particular, uma unidade significativa considerada
suficiente para análises de um fenômeno. A coleta de dados ocorreu em duas
turmas de primeira série do Ensino Fundamental, de uma escola pública estadual na
cidade de Bauru, situada num bairro de classe média-baixa, que atende à crianças
de primeira a quarta série, residentes no próprio bairro ou em bairros vizinhos.
Os critérios adotados pela pesquisadora para a escolha da instituição escolar
foram a proximidade, o período disponível da pesquisadora, a receptividade da
direção, coordenação e professores para a realização da pesquisa e, também por
ser uma escola pública estadual que atende às crianças do primeiro ciclo do ensino
fundamental, objeto de estudo da nossa pesquisa.
Quanto ao estudo de caso, Lüdk e André (1986, p. 17) defendem que,

O estudo de caso é adequado quando, o caso se destaca por se


constituir numa unidade dentro de um sistema mais amplo. O
interesse, portanto, incide naquilo que ele tem de único, de particular,
92

mesmo que posteriormente venham a ficar evidentes certas


semelhanças com outro caos ou situações.

Foi realizada uma pesquisa de campo, buscando informações diretamente


com a população pesquisada. Segundo Gonsalvez (2001), ela exige do pesquisador
um encontro mais direto. O pesquisador precisa ir até o local onde ocorrerá a
pesquisa reunir um conjunto de informações a serem documentadas.
Trata-se também de uma pesquisa qualitativa, pois se preocupa em
compreender e interpretar os fatos. Busca uma compreensão particular daquilo que
estuda, não se preocupa com generalizações, princípios e leis. A generalização é
abandonada, na medida em que, o foco de sua atenção é centralizada no específico,
no peculiar, no individual, almejando sempre a compreensão e não a explicação dos
fenômenos estudados.
A pesquisa qualitativa segundo Lüdk e André (1986) tem ambiente natural
como fonte de coleta de dados e o pesquisador é o instrumento principal. Deve ter
um contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação
investigada mediante o trabalho de campo.
Desta forma, nossa pesquisa, de desenvolveu ao longo de um mês, com
visitas freqüentes à escola durante cinco dias da semana no período vespertino. Ela
fez parte do projeto de intervenção do estágio realizado no último ano do curso de
Pedagogia.
Os alunos com idade entre seis e sete anos, um total de 59 crianças, sendo
28 da turma “D” e 31 da turma “E”.
Inicialmente, ocupamos algumas aulas da professora titular da sala, contudo,
devido aos conteúdos a serem cumpridos, pediram-nos que ocupássemos as aulas
de Educação Física e Artes, já que fazia parte do projeto de intervenção o registro
das atividades na forma de desenhos ou pinturas.
O foco da pesquisa foi levantar quais são as brincadeiras, jogos e brinquedos
tradicionais conhecidos pelas crianças de hoje. Portanto, para a pesquisa, nos
detivemos mais em analisar a entrevista realizada com as crianças, a qual investiga
o cotidiano infantil, e a avaliação realizada ao fim das atividades propostas, que
visava identificar quais foram as brincadeiras, cantigas e brinquedos que mais lhes
interessaram.
93

Utilizamos as intervenções a serem realizadas no último ano do curso de


Pedagogia, para coletarmos os dados de nossa pesquisa, pois assim as orientações
do trabalho de conclusão de curso eram utilizadas nas intervenções em situações
educacionais.
No entanto, faremos um relato do projeto para que nossa pesquisa tenha
sentido, uma vez que fez parte desse projeto como um todo.
A quarta etapa consiste na organização e estruturação do material para a
análise descritiva e, posterior, análise interpretativa gerando a redação final e a
apresentação dos resultados para a comunidade científica.

1. Caminhos percorridos pela pesquisa

Assim, como já explicitamos, a pesquisa é parte do projeto de intervenção, o


que ocorreu em vários momentos: na sala de aula, na aula de Educação Física e
nos intervalos, entrevista realizada pela pesquisadora, exposição do tema mediante
obras de arte, história em quadrinhos, panfleto de brincadeiras antigas, execução de
brincadeiras, cantigas de roda, jogos e confecção de brinquedos tradicionais,
registro das atividades por meio de pintura e desenho, repintura da amarelinha do
pátio da escola e avaliação para levantarmos quais foram as atividades realizadas
durante o projeto que as crianças mais gostaram.
A observação das turmas objetivou a verificação do repertório lúdico das
crianças. Para isso, também participamos dos intervalos, momento em que as
crianças estão livres para brincar de forma natural. Observamos que nesse
momento, algumas crianças não brincam, outras correm bastante pelo pátio, durante
todo o período, brincando de pega-pega ou polícia e ladrão. Verificamos também a
presença de brinquedos “da moda”, tais como io-iô e figurinhas, chamadas de
“Cards”. Brincadeiras de lutas, também são freqüentes nas brincadeiras dos
meninos. Já as meninas são mais tranqüilas, no entanto, participam junto aos
meninos de algumas brincadeiras.
Na sala de aula, no período de observação, não presenciamos momentos de
brincadeira em nenhuma das turmas. Apesar de que as professoras terem afirmado
que usam de alguns jogos pedagógicos como complementação dos conteúdos. Ao
conversarmos com algumas crianças, elas disseram que brincam mais na aula de
Educação Física. Na sala conforme as crianças afirmaram, só brincam “daqueles
94

joguinhos de achar o par” ou “quebra-cabeça”, “quando a gente termina de fazer as


atividades”.
Segundo relataram algumas crianças, as atividades realizadas nas aulas de
Educação Física são bem variadas. A professora intercala esportes com
brincadeiras. Fazem parte das aulas o futebol, basquetebol, voleibol e brincadeiras
como: “Que horas são”, denominada pelas crianças de gato e o rato, patinho-feio e
pega-rabo.
A professora de Educação Física nos relatou que com as turmas de primeira
série ela trabalha a iniciação aos esportes, ensinando as regras básicas. Os
esportes realizados são: futebol, basquetebol, voleibol, e até handbol. Contudo, ela
também utiliza outras atividades lúdicas, como por exemplo, as brincadeiras ditas
pelas crianças que estão especificadas anteriormente.
Uma prática muito interessante realizada por ela, é o “dia livre”, ou seja, ela
reserva alguns dias durante o ano, para que as crianças escolham do que irão
brincar. Disponibiliza os materiais existentes na escola: bola, corda, bambolê, e
outros, para que as crianças escolham qual irão brincar. Também é possibilitado às
crianças realizarem outras atividades, até mesmo subir nas árvores existentes ao
lado da quadra. Nesse dia o objetivo da aula foi avaliar os alunos.
A professora promove, mediante a observação dessa atividade, durante todo
o ano, intervenções que possibilitarão às crianças superar suas dificuldades, como
por exemplo, a dificuldade em aceitar a perda nas brincadeiras e jogos.
Ela foi uma professora bem participativa e interessada em adquirir novos
conhecimentos para enriquecer suas aulas. Também se mostrou disposta para
auxiliar no que fosse preciso, tivemos muito apoio dessa professora. Percebemos
um grande interesse com a educação das crianças. Suas aulas não são desprovidas
de objetivo, pelo contrário, a todo o momento está analisando e intervindo no
comportamento das crianças.
Dando continuidade ao projeto, entrevistamos (ver apêndice A) crianças para
investigarmos quais são as brincadeiras realizadas no cotidiano, quem participa
desses momentos e onde brincam. Também investigamos se a cultura lúdica faz
parte do contexto escolar. Por fim, indagamos se conheciam as brincadeiras
tradicionais, levando-as a compreensão do conceito das mesmas e se faziam parte
se suas brincadeiras, em que momento e com quem aprenderam.
95

Foram entrevistadas 57 crianças. Como ainda não estavam plenamente


alfabetizadas, pois se trata de uma turma de primeira série, as respostas eram
escritas por nós. Algumas falas nos chamaram muita atenção, pois mostram o
quanto o brincar tem desaparecido do universo infantil. Contudo, a necessidade de
brincar não mudou. A criança ainda hoje tem uma imaginação muito rica, uma
necessidade de estar em constante aproximação com o universo lúdico. É ele que
possibilita às crianças a capacidade de criação que terá no futuro.
Também verificamos que realmente as crianças estão, cada vez mais,
abandonando as brincadeiras nas ruas, mesmo aquelas que ainda brincam, não
brincam como antigamente. Percebemos a grande preocupação dos pais com o
aumento e o movimento de carros nas ruas e o grande índice de violência que
assolam a cidade. O quadro 1, com falas das crianças, exemplifica esses fatos.

“Só brinco em casa, porque a rua é perigosa, ela é


movimentada. Moro numa avenida.”
“Não brinco na rua, porque tenho medo. Porque assisto
jornal e as coisas que acontecem eu penso que podem
acontecer comigo (acidente)”
Brincadeiras na rua “Na rua eu não brinco, porque vai que algum homem me
pega!”.
“Na rua não, o carro pode matar”.
“Na rua fico só sentado, meu tio não deixa sair pra fora”.
“Eu brinco de bicicleta lá na rua, porque no quintal de casa
tem caco, porque minha avó junta reciclável”
Brincadeiras “Não brinco de nada... Joguinho da memória, jogo da velha,
presente na escola alongamento [...]”
“Não sei. Brinco na Educação Física e no recreio”
“Na sala, hum... Não tem não! Tem jogo da memória e
dama.”
“No recreio... De correr??? É, De correr!; aí só... Primeiro eu
como depois vou brincar”.
“Brinco mesmo de correr, dançar, artista vou ser.”
“No recreio de polícia e ladrão. Tem vez que fico sozinho.
96

Quando meu amigo não vem fico brincando naquele negócio


lá de pular... (amarelinha)”
“Gosto da aula livre, porque brinco do que quero.”
“Brinco de obedecer.”
“Conheço... Ah! Esqueci... Eles faziam carrinhos, bonecas,
pegando matinho fininho. Macaquinho (subir nas árvores),
pião, amarelinha, escravos de Jó, pipa.”
Brincadeiras e jogos “Eu acho que pipa é mais para moleque, mas eu acho que
tradicionais pipa é legal”.
“Aprendi rodar pião com meu pai... Faz tempo que ganhei,
mas tenho até hoje”.
“Aprendi com minha professora do parquinho.”
Quadro 1 – Registros das falas

Ao analisarmos a entrevista verificamos que uma das brincadeiras preferidas


era pega-pega. Para que as crianças começassem a perceber que uma determinada
brincadeira possui várias outras formas de brincar, utilizando-se da idéia do pega-
pega, num próximo encontro propusemos que brincássemos de lenço atrás, pega-
corrente e pula ponte. Todos eles consistem em uma criança que é o pegador, tentar
pegar as demais, que fogem dela.
Optamos por escolher “lenço atrás”, pois é parecida com o patinho-feio,
brincadeira muito conhecida pelas crianças, e também pelo fato de que faz parte da
cultura do nosso folclore infantil.
Pega-corrente, variação do pega-pega, foi escolhida devido seu caráter de
cooperação e também por desenvolver a coordenação, o equilíbrio e a atenção, pois
precisam estar atentos e sincronizados para que a “corrente” de crianças que vai se
formando ao pegador tocá-las não se quebre.
Pula ponte, brincadeira que a pesquisadora aprendeu com as crianças numa
escola em que trabalhou, foi escolhida, pois também é muito parecido com o pega-
pega.
Por meio dessas propostas, as crianças puderam ampliar o repertório de
brincadeiras. No dia seguinte, várias crianças vieram nos dizer que haviam ensinado
97

as brincadeiras novas a outras crianças e que em casa, ou na rua, haviam brincado


juntas.
Verificamos que a socialização e a interação são aspectos bem trabalhados
nessas brincadeiras e nos jogos tradicionais como um todo. Percebemos que a todo
o momento as crianças se interagiam bem, inclusive aquelas mais retraídas e que
não são tão inclusas no grupo. A professora de uma das salas ao final do projeto
nos relatou que sentiu sua sala mais unida, que a convivência entre eles havia
melhorado muito, estavam mais cooperativos e a amizade entre toda a turma foi
reforçada.
Nesse encontro, foi iniciada uma conversa sobre o projeto e o tema do
trabalho, explicando seus objetivos e suas etapas: realização de brincadeiras, jogos
e brinquedos tradicionais.
No próximo encontro, iniciamos relembrando o tema do projeto: brincadeiras e
jogos tradicionais, ou seja, aqueles bem antigos, que nossos pais e avós brincavam
quando pequenos e que chegaram até nossos dias, pois foram passados de
geração em geração. Assim, juntamente com as crianças, levantamos o nome
desses brinquedos e brincadeiras.
Após essa introdução ao tema, em continuidade às atividades, realizamos a
leitura de uma história em quadrinhos da “Turma da Mônica”, presente na revista
Parque da Mônica (nº 81, p. 57-64), denominada “A turma em: o avarento” que trata
sobre os brinquedos e brincadeiras tradicionais.
As crianças estão brincando na rua e os brinquedos caem no quintal de um
velho, o qual está incomodado com a perturbação e incômodo que elas trazem a ele.
Ao caírem em seu quintal, esses brinquedos: peteca, pipa, pião, e outros, são
recolhidos por ele, que os guarda em sua casa.
Um após outro vai caindo no quintal do velho, ficando, as crianças, sem
brinquedos. Acabando-se os brinquedos, elas resolvem brincar de outras formas:
pega-pega, ciranda, cabra-cega, bola de meia, entre outras brincadeiras tradicionais.
O velho observando aqueles brinquedos amontoados em sua casa lembra-se
de que possuía brinquedos iguais a esses na sua infância. Saindo para a rua vê as
crianças brincando de outras brincadeiras e diz que nunca poderá roubar a infância
delas, então devolve os brinquedos caídos em sua casa.
Essa história em quadrinhos foi lida com o objetivo de exemplificar que os
velhos, quando crianças brincavam com brinquedos de hoje.
98

As crianças conseguiram relacionar a história com o nosso projeto. Disseram


que os brinquedos da história são aqueles que estávamos trabalhando: a pipa, o
pião, cobra cega, peteca, roda-roda, cinco-marias. Assim, percebemos que já
estavam compreendendo que eram as brincadeiras tradicionais, pois antes não
relacionavam brinquedos como: pião, peteca, entre outros, como os brinquedos e
jogos tradicionais. As crianças sabiam que existiam essas brincadeiras, porém não
sabiam que eram antigas, e que até seus avôs tinham brincado com elas.
Em seguida relataram que na história mostrava um senhor idoso, assim como
as crianças, na sua infância também possuía tais brinquedos. Para aumentar a
compreensão de que realmente essas brincadeiras são bem antigas, realizamos
vários questionamentos, os quais proporcionaram às crianças a compreensão de
que assim como seus familiares mais velhos os ensinaram, foram pessoas mais
antigas que ensinaram os velhos, quando estes eram crianças. Desta forma,
compreenderam esses brinquedos e brincadeiras são mais antigos do que eles
imaginavam.
Objetivando demonstrar que várias pessoas de todo o mundo se interessam
em retratar a vida infantil e suas brincadeiras e, que fazem isso há muito tempo,
apresentamos algumas obras de arte, de diversas épocas e de artistas tanto
brasileiro quanto estrangeiros, onde são retratadas diversas brincadeiras e
brinquedos.
Ao apresentarmos os conteúdos que seriam tratados, relatamos que as
cantigas também fariam parte. As crianças conheciam as mais tradicionais: Ciranda-
cirandinha Escravos de Jô, que brincavam com objetos, “Samba Lele. Esta última,
eles cantaram e, como haviam aprendido cada uma em um lugar diferente, e não ali
na escola, houveram versões diferentes. Explicamos que isso é normal acontecer,
pois sendo transmitida de geração em geração, mediante a oralidade, surgiram
variações nas cantigas e também nas brincadeiras e jogos. Assim, há variações de
região para região, é o que acontece com o nome daquela brincadeira “Cabra-cega”
ou “Cobra-cega”, conforme a região ela recebe um desses nomes.
Após a apresentação das imagens as fixamos na lousa para que as crianças
pudessem observá-las melhor, observando seus detalhes.
Iniciamos expondo pela obra: “Brincadeira de rapazes”, de Pieter Bruegel.
Esta tela foi pintada em 1560 e retrata uma pequena aldeia medieval.
99

Figura 1 – Brincadeira de rapazes, Pieter Bruegel (1560). Kunsthistorisches


Museum, Viena. (Fonte: SANTA ROSA, 2001, p. 2)

Nela podemos observar muitos brinquedos e brincadeiras. Mostramos que ela


retrata 55 brincadeiras que estão sendo utilizadas por muitas pessoas, inclusive
adultos, assim como o nome da obra diz são rapazes que estão brincando.
Explicamos que as brincadeiras utilizadas pelas crianças hoje, antigamente
muitas delas eram os adultos que brincavam.
Dando continuidade, apresentamos a obra de Hans Thoma, “Crianças
brincando de roda”, pintada em 1872.

Figura 2 - Crianças brincando de roda, Hans Thoma (1872)


Disponível em: <http://poesia-potiguar.blogspot.com/2007_11_01_archive.html>. Acesso: em 17 nov.
2008.
100

As rodas são muito antigas, as crianças da Europa, e nas aldeias dos tempos
da Idade Média já brincavam de roda. Nesta imagem aparecem meninos e meninas
brincando de ciranda, mostramos então que meninos brincavam de roda juntamente
com meninas. As crianças perceberam que as roupas das crianças eram diferentes
das que as crianças usam hoje, concluindo que eram crianças de tempos muito
antigos, assim foi reforçado a idéia de que são muito antigas essas brincadeiras.
Posteriormente, foi apresentado obras de Cândido Portinari, pintor brasileiro
que valorizou, resgatou e preservou a cultura do país. Além de brinquedos, ele
gostava de pintar as brincadeiras e a vida infantil.
Iniciamos apresentando a obra denominada “Auto-retrato” (1956), para que as
crianças o conhecessem, por meio de uma obra sua.

Figura 3 – Auto-retrato, Cândido Portinari (1956)


Disponível em:
<http://www.portinari.org.br/ppsite/ppacervo/obrasCompl.asp?notacao=1361&ind=10&NomeRS=rsObr
as&Modo=C>. Acesso em: 16 nov. 2008

Em seguida, “Meninos soltando papagaio” de 1947, pintado em tinta a óleo


sobre madeira, sua altura é de 60 centímetros e meio e sua largura é de 73
centímetros. Apresentamos essa obra, pois confeccionaríamos uma pipa com as
crianças. Então, escolhamos essa obra para que elas percebessem a época da
pintura e relacionassem com o tempo que esse brinquedo é utilizado pelas crianças.
101

Figura 4 – Meninos soltando papagaio, Cândido Portinari (1947)


Disponível em: <http://www.portinari.org.br/candinho/candinho/gen_1.pl-BR+next+OA-
1013+attrib+oa_data+GT-02.htm>. Acesso em: 16 nov.2008

Posteriormente, apresentamos a obra “Futebol” (1935), para demonstrarmos


que não foi somente brinquedos que o artista retratou,mas brincadeiras e jogos
também. Essa obra foi feita com tinta a óleo sobre tela de tecido. Tem 97
centímetros de altura por 1 metro e 30 de largura.

Figura 5 – Futebol, Cândido Portinari (1935)


Disponível em: <http://www.portinari.org.br/candinho/candinho/gen_1.pl-BR+previous+OA-
3197+attrib+oa_data+GT-02.htm>. Acesso em: 16 nov.2008.
102

“Meninos no balanço” (1960), fio utilizada para que percebesse que o balanço
também é um brinquedo muito antigo. Geralmente eram feitos em árvores. Essa
obra tem 61 centímetros de altura e 49 centímetros de largura. Foi pintada com tinta
a óleo sobre tela de tecido.

Figura 6 – Meninos no balanço, Cândido Portinari (1960)


Disponível em: <http://www.portinari.org.br/candinho/candinho/gen_1.pl-BR+next+OA-
1398+attrib+oa_data+GT-02.htm>. Acesso em: 16 nov.2008

Em “Meninos brincando”, aparecem dois garotos “plantando bananeira”. Esse


quadro de 60 centímetros de altura por 72 centímetros e meio de largura, foi feito em
1955 com tinta a óleo sobre tela de tecido.
103

Figura 7 – Meninos brincando, Cândido Portinari (1955)


Disonível em: <http://www.portinari.org.br/candinho/candinho/gen_1.pl-BR+previous+OA-
3416+attrib+ao_data+GT-02.htm>. Acesso em 16 nov. 2008

Finalmente, apresentamos “Menino com pião” (1947), nessa obra, Portinari


apresenta dois brinquedos tradicionais, o pião e o chapéu de três pontas. Nesse
quadro, o artista pintou o olho do menino representando o movimento que o pião faz
quando é jogado e sai rodando no chão.

Figura 8 – Menino com pião, Cândido Portinari (1947)


Disponível em: <http://www.portinari.org.br/IMGS/jpgobras/OAa_1204.JPG>. Acesso em: 16 nov.2008
104

Em continuidade, apresentamos algumas fichas com imagens e origens de


alguns brinquedos e brincadeiras antigos. Tais como pipa, boneca, peteca, cinco
marias, brincadeira de roda, amarelinha e pião.
Ao apresentarmos a história da boneca. Uma menina disse que era de pano e
que sabia porque sua mãe tinha dado para ela, uma quase igual a que tinha quando
pequena. No dia seguinte levou para que as crianças conhecessem a boneca com o
corpo de pano e cabeça, braços e pés de porcelana que ela ganhou da mãe.
Mostramos para as crianças e então algumas disseram que era igual a que sua avó
brincava ou que em casa tinha uma dessa, mas que não brincava com ela. A própria
menina disse que era mais de enfeite, mas que de vez em quando brincava com ela.
Algumas crianças não conheciam esse tipo de boneca.
Quando falamos sobre a Pipa, “o peixinho”, e os vários outros nomes que ela
recebe, dependendo de com foi feita, como por exemplo, a capucheta alguns
meninos disseram que conheciam e que já tinham feito uma. Porém, as meninas
disseram que não brincavam muito com pipa, pois “é de menino”.
Por fim apresentamos um painel com várias brincadeiras tradicionais, para
demonstrar que assim como pintores outras pessoas as retratam e que podemos
encontrá-las em gibis do Mauricio de Souza, por exemplo.
Dando continuidade à atividades, foi distribuído um folheto da rede de
lanchonete “Mac Donald’s”, com o tema: “Brinquedos do tempo do vovô que são
divertidos ate hoje”. Nele, havia várias brincadeiras e brinquedos tradicionais.
Observamos juntos todos os brinquedos, muitos eles ainda não conheciam então
explicamos como eram. Após a familiarização com os diversos brinquedos ali
presentes, pedimos para circulassem com uma cor, escolhida por eles, os
brinquedos que já conheciam e com outra cor, também escolhida por eles, os que já
tinham brincado.
Contudo, esse objetivo não foi atingido plenamente, pois haviam muitos
brinquedos que eles não conheciam, dispersando a finalidade do objetivo.
Começaram a circular todos os brinquedos sem diferenciá-los. Foi então que surgiu
a idéia de montarmos uma caixa com a maioria dos brinquedos existente ali para
que eles tivessem contato com eles. Sobre essa caixa falaremos mais logo depois.
Iniciamos então a realização das atividades que havíamos proposto no início:
as cantigas de roda, brincadeiras, jogos e brinquedos tradicionais.
105

1.1 As cantigas de roda

Figura 9 – Ronda Infantil, Cândido Portinari (1932)


Disponível em:
<http://www.portinari.org.br/ppsite/ppacervo/obrasCompl.asp?notacao=3518&ind=10&NomeRS=rsObr
as&Modo=C>. Acesso em: 17 nov. 2008

Para ampliar o repertório de cantigas de roda das crianças, realizamos três


cantigas diferentes: “Escravos de jó”, “De abóbora faz melão” e “Perdi o meu anel”.
A primeira cantiga foi escolhida porque as crianças, de ambas as turmas, já
conheciam a música, porém apenas brincavam com pedrinha, caixinhas; nunca
tinham brincado com o corpo, em roda, assim como foi proposto. Disseram que que
os ensinaram a brincar foram seus familiares, amigos, na escola de Educação
Infantil, porém a maioria aprendeu com familiares.
Pudemos perceber uma efetiva participação de todos. Tanto as meninas
quanto os meninos brincaram e gostaram muito, o que mostra que eles não brincam
não por não gostar, mas por não ter contato, e que mesmo os meninos gostam de
brincar de cantigas, inclusive durante a execução das cantigas um menino de outra
turma, que passava pelo pátio veio nos questionar se também aplicaríamos com sua
sala, porque observando, gostou bastante e também gostaria de brincar. Esse fato
reforça a idéia de que as crianças gostam de brincar o que falta é espaço e
oportunidade. Durante a aplicação da atividade das cantigas, as crianças a
empolgação e participação das crianças foi tamanha que a coordenadora e a
106

diretora ao passarem por perto as observaram e retornaram para filmar e fotografar


as crianças durante as atividades.

1.2 As brincadeiras e jogos tradicionais

Figura 10 – Meninos Pulando Carniça, Cândido Portinari (1957)


disponível em: <http://www.portinari.org.br/candinho/candinho/gen_1.pl-BR+next+OA-
1823+attrib+oa_data+GT-02.htm>. Acesso em 16 nov. 2008

A etapa seguinte foi ampliar o repertório das brincadeiras e jogos tradicionais.


Portanto, foram realizadas as seguintes brincadeiras e jogos: passa-passa, corrida
do jornal, jogo do gavião, mamãe polenta, corrida do saco, pula-sela ou pula carniça
e cabo de guerra.
Iniciamos com o passa-passa. Essa brincadeira foi escolhida para que as
crianças percebessem que existem brincadeiras que utilizamos a música para
brincarmos, assim como as cantigas de roda.
Essa brincadeira, assim como outras tantas tradicionais tem várias versões, a
que realizamos para que todos brincassem foi que, quando a crianças era pega ela
trocava de lugar com a crianças que estava há mais tempo na ponte. Portanto, cada
vez era uma criança da ponte que saia.
A segunda atividade realizada foi a corrida com jornais. Essa brincadeira foi
escolhida porque eles ainda não conheciam, e assim ampliaria o repertório lúdico
das crianças.
107

Por meio dessa atividade pudemos observar que algumas crianças ainda
tinham dificuldades motoras. O que nos mostra que, provavelmente, não estão
habituados a brincar com tais atividades que desenvolvem a coordenação. Em casa,
segundo as entrevistas que realizamos notamos que brincam pouco, assim como no
recreio, na maioria das vezes apenas correm, por correr, essas outras brincadeiras
mais elaboradas, que necessitam de movimentos mais elaborados, pouco brincam.
O próximo foi o jogo do gavião, esse foi escolhido para apresentar um pouco
da cultura indígena, uma vez que esse é um jogo praticado pelas crianças
indígenas.
A brincadeira denominada “mamãe polenta” foi escolhida pelo fato de ainda
existir um pouco do jogo do “faz-de-conta” sendo que nessa fase, mesmo que já no
término, ainda exista um pouco do interesse por esses jogos. Um menino da turma
“E” conhecia a brincadeira, contudo as demais crianças, de ambas as turmas, nunca
tinham brincado. Pedimos para que ele explicasse aos amigos. Ele explicou
exatamente da forma que iríamos explicar. Assim, reforçamos como se brinca, suas
regras e falas e eles foram participar.
Brincaram perfeitamente, todos participaram, inclusive aquelas crianças que
geralmente não gostam de fazer atividades nas aulas de educação física, não ficou
nenhuma criança sem brincar. No momento de correrem, várias crianças ficavam
paradas para serem pegas e serem a mamãe polenta.
As brincadeiras, corrida do saco, pula-sela ou pula carniça e cabo de guerra,
foram escolhidas por serem de competição. Elas foram escolhidas para que
analisássemos como as crianças lidam com esse tipo de brincadeira. Notamos que
há um maior entusiasmo, elas torcem bastante, gritam, brigam com quem acham
que estão lentos ou que não estão ajudando, como é o caso do cabo de guerra, e
algumas crianças não aceitam a perda. Uma das meninas da turma “E” participou
bastante, porém no momento em que seu grupo perdeu uma brincadeira ela disse:
“Ah! Essa brincadeira chata, não quero mais brincar.” Então questionamos por que
ela achou chata. Ela respondeu: “Ah!... É porque não dá pra brincar”. Contudo,
quando ela percebeu que a próxima brincadeira ela poderia ganhar ela voltou para a
quadra para brincar.
No entanto, percebemos que algumas crianças, aquelas quietas e tímidas e
que disseram não brincar muito em casa, no início das brincadeiras de competição
não queriam participar. Porém, pedimos que participassem apenas um pouco e, se
108

não gostassem poderiam parar. Não só participaram como também brincaram


novamente. Creio que por não estarem acostumadas a brincar e até por ser uma
competição, ficaram receosas, com medo de se envergonhar por não conseguir
realizar as atividades, por ter brincado poucas vezes ou talvez por nunca ter
participado dessas atividades. Uma das meninas que não queria participar, esta
entre as crianças que durante o recreio não brinca, todos os dias ela fica sentada no
lugar da fila esperando a professora. Ao questionarmos se não gostava de brincar
disse que não. Inclusive na sua casa não brinca muito. Porém, ela participou de
todas as atividades, inclusive quando repetimos.
Pula-sela foi a brincadeira que mais tiveram dificuldades. Apesar de
explicarmos que deveriam apoiar as mãos no dorso da criança que estava no chão,
elas apenas pulavam. Algumas se atrapalhavam, tropeçavam e ao invés de pular
apenas passavam por cima das crianças. Algumas estavam com tanto medo de se
machucar que ao se ajoelhava no chão seguravam fortemente a cabeça. As últimas
crianças ao ajoelharem ficaram muito perto umas das outras, dificultando o pular das
últimas crianças. Estavam tão apreensivas que mesmo depois que a última criança
pulou, alguns ainda continuaram abaixados no chão. Precisamos pedir para que se
levantassem, pois já havia acabado.
Ficamos admiradas, porque essa sempre foi uma brincadeira que esteve
presentes no universo infantil. No entanto, essas crianças nem sequer a conheciam,
provavelmente não utilizam, apenas uma menina disse conhecer. Tiveram
dificuldades em realizar a atividade, se atrapalhavam quando iam pular seus amigos.
Foram poucas as crianças que apoiaram no dorso do amigo para pular, alguns
esbarravam no amigo no momento em que iam pular. Contudo não foi obstáculo pra
eles, participaram até o final. Percebemos que ficaram bastante apreensivos, tanto
que mesmo quando a ultima criança passou permaneceram agachados.
Cabo de guerra e corrida do saco as crianças já conheciam e disseram
brincar na escola.
Com essas brincadeiras podemos trabalhar de forma participativa: ganhar e
perder, união, saber esperar sua vez, controlar suas emoções, cooperativismo,
percepção de grupo, entre tantas outras. Por isso, sua importância na escola, além
de auxiliar na concentração, na medida em que a criança precisa estar atenta aos
movimentos do colega, como por exemplo, no jogo do gavião, na coordenação,
quando brinca da corrida com jornais, e a percepção de seu lugar no passa-passa,
109

também. Por meio dessas brincadeiras e jogos estamos cultivando nossa cultura e
nosso folclore, que cada vez mais vai desaparecendo se não trabalhado na escola
com a modernização do mundo e as novas tecnologias.
Mediante uma brincadeira podemos observar os comportamentos das
crianças para intervirmos em seu desenvolvimento quando necessário e elaborar
atividades ao nível daquelas que estão mais
Após o término dessas atividades, nos dias seguintes, várias crianças nos
contaram que ensinaram outras crianças em suas casas a brincar com as
brincadeiras que aprenderam. Relataram que gostaram bastante de brincar também.

1.3 A confecção dos brinquedos

Com o objetivo de ampliar o conhecimento das crianças sobre os brinquedos


tradicionais e apresentá-las a condição de que podemos fabricar nossos próprios
brinquedos com materiais acessíveis e até mesmo reutilizáveis, confeccionamos
com as crianças os seguintes brinquedos: peteca, pipa, pião e bilboquê. Eles foram
escolhidos porque no início do projeto, quando apresentamos os brinquedos
percebemos que esses foram os que causaram maior interesse por parte da maioria
das crianças.
110

1.3.1 Peteca

Figura 11 – Petecas (arquivo da pesquisadora)

O primeiro brinquedo a ser confeccionado foi a peteca. Algumas crianças já


haviam feito, porém de formas diferentes. Utilizamos papel celofane, papelão, areia,
saquinho plástico (para colocar a areia) e elástico.
Ao sairmos para brincar com as petecas, duas serventes que estavam no
pátio da escola observando as crianças com petecas disseram que também
brincavam com esse brinquedo quando eram.
Ao terminar a aula da turma “D”, era o horário do intervalo, algumas crianças
guardaram suas petecas, pois estavam com medo de perdê-las. Mas, várias ficaram
brincando no recreio com a sua. Algumas sozinhas, outras em duplas. Crianças de
outras salas pediram para brincar também. Algumas queriam saber quem as tinham
ensinado e vinham nos perguntar se também faríamos com a sua sala. Foi o
primeiro intervalo que vimos crianças brincando com brincadeiras diferentes. Quatro
crianças brincaram o intervalo inteiro.
Durante as explicações, montagem e no momento em que brincavam um
menino muito ativo da turma “E”, nos chamou a atenção, pois ainda não tínhamos
visto tão participativo e prestando tanta atenção nas explicações. No decorrer do
projeto esse menino nos surpreendeu com seu comportamento e atenção.
111

Por meio de um momento lúdico foi trabalhado vários conteúdos e


comportamento com as crianças. Durante a explicação de montagem, trabalhamos
cores, formas, tamanhos, seqüência (pois pedimos que falassem como montamos)
peso, quantidade, posição, habilidades motoras, cooperação, auxílio ao próximo, e
outros, durante a brincadeira pode-se desenvolver o equilíbrio, coordenação,
direção, força e outras mais. Tudo de forma lúdica, sem falar que iríamos trabalhar
determinado assunto. Utilizando a confecção de um brinquedo podemos trabalhar
inúmeros conteúdos que muitas vezes só ocorrem em sala sem um momento de
prazer, que é tão importante para essa fase da criança.

1.3.2 Pipa

Figura 12 – Capucheta
(arquivo da pesquisadora)

O segundo brinquedo que confeccionamos com as crianças foi a capucheta.


Ela foi escolhida porque no dia que utilizamos o folheto com as brincadeiras antigas
nele havia uma figura da capucheta. Algumas crianças não conheciam esse tipo de
pipa, principalmente meninas.
A confecção da capucheta ocorreu da mesma forma que a peteca.
Explicamos as etapas e depois distribuímos as folhas de jornais para então
confeccionarmos juntos.
112

A maioria dos meninos brinca com pipa, já as meninas quase não brincam
com esse brinquedo. Algumas por não brincar na rua, outras porque a mãe julga ser
brinquedo de menino e outras porque os irmãos não as deixam brincar.
Mediante um momento prazeroso como esse, podemos trabalhar diversos
conteúdos. Mas, infelizmente, esses momentos lúdicos, geralmente, são restritos no
ambiente escolar. As brincadeiras são reservadas, em geral, para as aulas de
Educação Física.

1.3.3 Pião

Figura 13 – Piões (arquivo da pesquisadora)

O pião foi confeccionado, mediante o grande interesse das crianças pela obra
de Cândido Portinari, “Menino com pião” e com o objetivo de mostrar que podemos
adquiri-los utilizando materiais recicláveis.
Confeccionamos um pião com tampinha de garrafa pet e palito de churrasco.
Quando terminaram de montá-lo, alguns meninos se reuniram em grupos
para jogarem pião e competir qual rodava mais e quem conseguia bater o seu pião
no do outro.
113

1.3.4 Bilboquê

Figura 14 – Bilboquês (arquivo da pesquisadora)

Apresentamos para as crianças diferentes tipos de bilboquê possibilitando ao


grupo reconhecer as várias formas do brinquedo. Grande parte das crianças nunca
havia brincado com o bilboquê. Esse brinquedo foi confeccionamos com garrafa pet,
barbante e tampinha de garrafa.
114

1.4 Caixa de brinquedos

Figura 15 – Telefone de lata (arquivo da pesquisadora)

Figura 16 – Jogo da Memória


(arquivo da pesquisadora)
115

Figura 17 – Chocalho
(arquivo da pesquisadora)

Figura 18 – Rolete
(arquivo da pesquisadora)
116

Figura 19 – Cata-vento
(arquivo da pesquisadora)

Figura 20 – Pé-de-lata
(arquivo da pesquisadora)
117

Figura 21 – Argolas
(arquivo da pesquisadora)

Figura 22 – Galinha de lata


(arquivo da pesquisadora)
118

O baú de brinquedos foi montado mediante o grande interesse que as


crianças apresentaram em conhecer aqueles brinquedos que estavam presentes no
folheto de brincadeiras antigas.
Nele continham duas petecas, dois jogos de argolas, dois bilboquês, três
piões, dois pés de lata, um telefone de lata, duas galinhas de lata, dois cata-ventos,
dois chocalhos (um com arroz e outro com feijão), um rolete, um dominó, um avião
de papel, um barco de papel, um bate-bate, um jogo cinco-marias, um jogo pega
varetas, um ioiô, uma foquinha, duas cordas, dois vai-e-vem, um cavalinho de pau,
um bambolê, uma capucheta. A maior parte dos brinquedos foi confeccionada por
nós. O tema do dominó são os brinquedos tradicionais.
Muitos brinquedos eles realmente não conheciam, principalmente aqueles
que não são comercializados, como por exemplo, galinha de lata e telefone de lata.
Após a apresentação dos brinquedos as crianças foram brincar na quadra.
Os brinquedos que mais gostaram e brincaram foram aqueles que eles não
conheciam ainda, ou que brincavam pouco, e os que envolviam bastantes
movimentos, tais como vai-e-vem, rolete, pé de lata, telefone de lata (quando ouviam
a voz do amigo
todos se espantavam; alguns ficavam até sem reação).

1.5 Pintura da amarelinha

No pátio da escola tinha três amarelinhas, porém estavam todas bem


apagadas. Então, para que lá continuasse presente por mais algum tempo pelo
menos, alguma forma das crianças continuarem a participar desse universo lúdico
tradicional, repintamos as amarelinhas juntamente com as crianças.
As crianças da turma “D”, disseram que cuidariam dela para que ninguém a
estragasse e que como agora ela estava pintada eles brincariam mais ali. No dia
seguinte na hora do recreio estavam várias crianças brincando nela. Crianças dessa
turma e de toda a escola também.
Como é tinta própria para o piso, é uma tinta forte, poderia sujar a roupa das
crianças, poderiam acontecer alguns imprevistos, por cautela chamamos grupos de
crianças um após outro para que viessem pintar a amarelinha. Com o nosso auxilio
119

eles repintaram a amarelinha do pátio da escola. Disseram que agora brincariam,


pois a cor estava mais forte e era melhor para brincar.

1.6 Avaliação

Em todos os momentos do projeto, estávamos avaliando a participação e


interesse das crianças, porém, para termos um registro, entregamos para as
crianças uma folha (ver apêndice M) contendo as brincadeiras, cantigas, brinquedos
confeccionados e todos os brinquedos da caixa para que elas destacassem qual foi
a atividade de cada grupo que eles mais gostaram.
Fazíamos a leitura dos grupos, com suas respectivas atividades e eles
circulavam qual mais gostaram de cada grupo.
120

2. Tabulação dos dados

2.1 Da entrevista

Para compreendermos melhor o resultado da entrevista, foram elaborados


gráficos com as respostas das crianças. Em alguns casos selecionamos apenas as
brincadeiras preferidas, é o caso dos gráficos 1 e 4.

Gráfico 1 – Do que as crianças brincam em casa?

3% Pega-pega
3%
Bicicleta
3% Boneca
3% Esconde-esconde
16% Pega-congela
3%
Carrinho
3% Futebol
3% Mamãe e filhinha
12% Jogar bola
3%
Com aninal
3% Pipa
Corda
7%
11% Basquetebol
Boneco
8% Escolinha
10% Vídeogame
9%
121

Gráfico 2 – Com quem a criança brinca em casa?

2% 1% Irmão
2%
Amigo
3%
3% Primo

Sozinho
44%
20%
Com aminal

Pais

Vizinho

25% Tios

Gráfico 3 – Onde a criança brinca?

Em casa
2%
7%
Na rua
10%
No quintal

10% 45%
Na rua de vez em
quando

Praça

26%
Parque Playgraund
122

Gráfico 4 – Quais brincadeiras estão mais presentes na escola?

2% Pega-pega
3%
Pega-congela
3%
Basquete
3%
Pega-vela
3% 23% Patinho-feio
4% Futebol
Esconde-esconde
4%
Correr
5% Gato e rato

11% Amarelinha

7% Bola
Dança - Festa Junina

7% 9% Cards - figurinhas

8% Pega-rabo
8%
Polícia e ladrão

Gráfico 5 – Onde estão presentes as brincadeiras no ambiente escolar?

7% Educação
Física

Recreio
50%
43%

Sala de aula
123

Gráfico 6 – Você conhece quais são as brincadeiras tradicionais?

Não conhecia o
significado, mas
9% já brincou

12% Não conhecia o


significado, mas
conhece
46%
Sim

Não
33%

Gráfico 7 – Com que brincadeira tradicional você brinca?

Amarelinha

4% 3% Pipa
9% 24%
Corda

Pião
12%
Peteca

17% Ciranda
14%
Io-iô
17%
Bicicleta
124

Gráfico 8 – Onde acontecem as brincadeiras tradicionais?

Casa
6% 2%
Rua
10%
Campo

10% 46% Quintal

Escola

12%
Calçada

14% Creche

Gráfico 9 – Quem participa das brincadeiras tradicionais?

Irmão
4%
8%
Pais
12%
38%
Primos

Sozinha

19%
Amigos

19% Tios
125

Gráfico 10 – Onde aprendeu?

2%
2% Casa
4%

Escola
18%

Praça

Campo

74%
Parque

Gráfico 11 – Quem ensinou?

Pais
1%
1%
3% Irmãos

6%
Primos
30%
10%
Amigos

Professores

10%
Tios

Avós

15%
24% Bisavo

Apresentadora de
programa infantil de TV
ca ca
b o b o
de de

0
1
2
3
4
5
6
7

0
1
2
3
4
5
6
7
gu gu
er er
Pu ra Le ra

m la o
2.2 Da avaliação

am po Pe at
nt rá
ão e ga s
po co
le co rre
nt rr i nt
Le
nç a da e
2.2.1 Brincadeiras e jogos

o do
at sa
rá co
s Pu
ga la
viã po
pa nt
s sa o e
pa m g av
ss am iã
a ão o
pu
co la co po
le
rr i ce rri nt
da la da a
do do
co jo jo
rri rn rn
da al al
do pu
Pe sa la
ce
Gráfico 12 – Brincadeiras e jogos preferidos da 1ª. D

pa

Gráfico 13 – Brincadeiras e Jogos preferidos da 1ª. E


ga co la
ss
co a
rre pa
nt ss
e a
126
127

2.2.2 Cantigas

Gráfico 14 – Cantigas preferidas pelas crianças da 1ª. D

9,2
9
8,8
8,6
8,4
8,2
8
7,8
7,6
7,4
Da abóbora faz melão Perdi o meu anel Escravo de Jó

Gráfico 15 – cantigas preferidas pelas crianças da 1ª. E

16
14
12
10
8
6
4
2
0
Da abóbora faz melão Perdi o meu anel Escravo de Jó
128

2.2.3 Brinquedos Confeccionados

Gráfico 16 – Brinquedos confeccionados preferidos pelas crianças da 1ª. D

10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
Bilboquê Peteca Pipa Pião

Gráfico 17 – Brinquedos confeccionados preferidos pelas crianças da 1ª. E

12

10

0
Pipa Peteca Bilboquê Pião
0
1
2
3
4
5
6

0
1
2
3
4
5
6
Telefone de lata Galinha de lata
Galinha de lata Bilboquê
Bilboquê Bambolê
Peteca Pião
Cinco marias Cinco marias
Cata vento Cata vento
Corda Dominó
Dominó Cavalinho de madeira
2.2.4 Baú de Brinquedos

Cama de gato Barquinho de papel


Barquinho de papel Foquinha de assopra
Avião de papel Chocalho
Chocalho Rolete
Pião Corda
Pega vareta Cama de gato
Capucheta Avião de papel
Rolete Capucheta
Bambolê Telefone de lata
Pé de lata Peteca
Foquinha de assopra Vai-e-vem
Iô-iô Gráfico 19 – Brinquedos preferidos do Baú da 1ª. E Pega vareta
Gráfico 18 – Brinquedos preferidos do Baú da 1ª. D

Vai-e-vem Iô-iô
Cavalinho de madeira Pé de lata

1a. E
1a. D
129
130

3. Análise dos resultados

3.1 Da entrevista

No gráfico “Do que as crianças brincam em casa?” percebemos que as


brincadeiras preferidas das crianças, em geral, são: pega-pega, bicicleta, boneca,
esconde-esconde. Esta ordem acompanha a seqüência de preferência.
Verificamos que no universo lúdico das crianças entrevistadas, há um número
considerável de brincadeiras tradicionais, mesmo que o conceito destas não era
conhecido pelas crianças. Dentre as brincadeiras preferidas o videogame foi um dos
brinquedos que não faz parte dos objetos lúdicos tradicionais. Contudo, entre as
brincadeiras preferidas citadas podemos verificar mediante o gráfico que o
videogame é o que menos representa, pois enquanto pega-pega está em primeiro
lugar na preferência das crianças com 16% dos votos, videogame, apesar de
aparecer no gráfico tem apenas 3% dos votos, uma quantidade de votos muito baixa
em relação às primeiras que variam entre 16% e 3% dos votos.
O pega-pega e futebol estão entre os preferidos, sendo que a porcentagem
de preferência decai gradativamente. Já o futebol para as brincadeiras de mamãe e
filhinha, pipa e corda, por exemplo, há um decréscimo na preferência.
O gráfico “Com quem a criança brinca em casa?” nos mostra que as crianças
brincam na maioria das vezes com seus irmãos, seguido pelos amigos e,
posteriormente, pelos primos. Desses três grupos para os demais há um declive
enorme no número das pessoas que participam das brincadeiras com as crianças.
Esse segundo grupo é formado pelos animais, pais, vizinhos e tios.
Mediante o gráfico “Com quem a criança brinca em casa?”, vemos como a
figura dos pais está ausente da vida lúdica das crianças. Há mais crianças brincando
sozinhas do que com os pais. Este se iguala ao número de crianças que disseram
brincar com animais.
Também por esse quadro podemos verificar que as crianças não brincam
mais nas ruas como antigamente, que todos os vizinhos saíam pra brincar juntos na
rua. No gráfico “Com quem a criança brinca?” notamos que o número de crianças
que brincam com vizinhos é quase nulo, apenas 2% disseram brincar. Contudo,
devemos relevar, pois muitas vezes os amigos também são seus vizinhos e as
crianças mencionaram como amigos e não como vizinhos.
131

A quantidade de tios que brincam com as crianças que participaram desse


estudo é a menor, apenas 1% disse brincar com seus tios.
No gráfico “Onde a criança brinca?”, a hipótese de que as crianças não
brincam na rua se confirma, pois a metade das crianças entrevistadas não costuma
brincar na rua.
Ao analisarmos os dados desse gráfico vemos que 45% das crianças
disseram que brincam em casa, e 26% na rua. Num primeiro momento podemos
achar que está praticamente igualado. No entanto, em terceiro lugar, com 10% dos
votos, estão as brincadeiras no quintal, que por sua vez faz parte da casa. Portanto,
se somarmos a porcentagem de crianças que disseram brincar em casa com as que
brincam no quintal chegaremos a um resultado de que 55% das crianças,
geralmente, pouco brincam na rua.
Entretanto, os locais onde geralmente ocorrem as brincadeiras são: a casa ou
a rua, pois 10% das crianças disseram que as vezes também brincam na rua e se
somarmos essas crianças com as que disseram brincar freqüentemente na rua
teremos 36% das crianças.
Enquanto isso os demais espaços citados, tais como praça e parques, juntos
receberam apenas 9% dos votos. A escola nem aparece nos dados. Vale lembrar
que essa pesquisa foi realizada em uma escola de ensino fundamental e com
crianças de primeira série, onde a ludicidade deveria estar presente. Podemos
verificar, mediante os dados desse gráfico, que a escola não é vista como um
ambiente onde tenha espaço para o brincar.
O gráfico “brincadeiras mais presentes na escola” nos relata quais são as
brincadeiras utilizadas no ambiente escolar estudado. Por meio dele, verificamos
que a brincadeira predileta é pega-pega com 23% dos votos. Em seguida apresenta
pega-congela, com 11%, basquete e pega-vela, com 9% e 8% do votos
respectivamente. Notamos, portanto, que as crianças preferem correr. Uma vez que,
pega-pega, pega-congela e pega-vela são praticamente a mesma brincadeira. São
apenas variações de pega-pega. Patinho feio, futebol, esconde-esconde, e correr
também estão entre as principais brincadeiras. Analisando esses dados, notamos
que todas envolvem o correr. As brincadeiras das crianças são praticamente as
mesmas, seja qual for o lugar. Percebemos então, que o repertório lúdico infantil é
praticamente restrito.
132

O gráfico ”Onde estão presentes as brincadeira no ambiente escolar?”


verificamos que as brincadeiras no ambiente escolar em que a pesquisa foi
desenvolvida, ocorrem principalmente nas aulas de Educação Física e no recreio.
Enquanto que Educação Física recebeu 50% dos votos e o recreio 43%, a sala de
aula possui apenas 7%.
Podemos perceber por meio do gráfico “Você conhece quais são as
brincadeiras tradicionais?” que as crianças, quase que na totalidade, não sabiam o
que significava as brincadeiras e jogos tradicionais. Contudo, após as ações
realizadas, a maioria compreendeu quais eram essas brincadeiras, pois 46% das
crianças disseram que já brincou com essas brincadeiras tradicionais, 33% disseram
que pelo menos as conhece. 12% das crianças disseram que sabiam do que se
tratava e apenas 9%, mesmo explicando, disseram que não as conheciam.
Ao analisar o gráfico ”Com que brincadeira tradicional você brinca?”,
averiguamos que as brincadeiras tradicionais estão presentes na vida das crianças
de forma significativa. Amarelinha é a brincadeira tradicional que está mais presente
no cotidiano das crianças, recebendo 2% dos votos, e em seguida, aparecem a pipa
e a corda com a mesma quantidade, 17%. O pião e a peteca também estão bem
presentes na vida infantil, recebendo 14% e 12% dos votos respectivamente.
Notamos ainda que, são mais freqüentes na vida das crianças os brinquedos e
brincadeiras clássicos, tais como pipa, corda e amarelinha. Um fato que nos chamou
a atenção foi que nesse contexto a bola praticamente não foi lembrada, tendo
recebido apenas um voto.
O gráfico “Onde acontecem as brincadeiras tradicionais?” que explicita os
locais onde acontecem as brincadeiras tradicionais vem confirmando que as
crianças geralmente brincam em suas casas. 46% das crianças disseram brincar em
casa. Acrescentando a esse índice, 10% disseram que brincam no quintal. O quintal
é parte da casa, portanto, esses, geralmente, também não saem para brincar na rua.
Temos então um percentual de 56% de crianças que brincam em casa oposto a 14%
que brincam na rua.
Outro aspecto importante é que nesse momento aparece a escola como um
lugar onde acontecem brincadeiras tradicionais. Apesar de ser um percentual
relativamente baixo, 10%, de alguma forma ela tem contribuído para que o universo
lúdico tradicional tenha espaço na vida das crianças.
133

No entanto, o que nos chama a atenção nesse gráfico é que agora aparece a
figura da escola, bem como da creche. Apesar de ser uma quantidade não tanto
significativa, ela tem contribuído com a transmissão dessas brincadeiras. No entanto,
ainda é uma porcentagem muito pequena. Ela deveria, principalmente com essas
crianças de primeira série, trabalhar mais esse universo lúdico, tão rico que são os
jogos e brincadeiras tradicionais.
O gráfico “Quem participa das brincadeiras tradicionais” apresenta dados
muito interessantes para serem comparados com os do gráfico ”Com que as
crianças brincam”. Pois, assim como já analisamos, no gráfico ”Com que as crianças
brincam” a figura dos pais quase não se mostrou participativa na vida lúdica infantil.
Já nesse, os pais ocupam o segundo lugar, apesar de não ser uma quantidade tão
significativa, ele aparece em segundo lugar, com 19% dos votos, estando somente
atrás dos irmãos com 38% dos votos. Notamos aqui a grande participação da
família, pois também com 19% dos votos aparece aqui a figura dos primos. Já os
amigos estão em penúltimo lugar com apenas 8% dos votos.
Analisando o gráfico “Onde aprendeu?” verificamos que 74% das crianças
aprenderam as brincadeiras e jogos tradicionais em casa, mais do que a metade,
aproximadamente três quartos das crianças.
Em segundo lugar vem a escola, porém com uma quantidade muito pequena,
apenas 18%.
O gráfico “Quem ensinou?” também trás dados muito interessantes que
confirmam esses dados do décimo gráfico. Nele, verificamos que quem mais
transmite as brincadeiras tradicionais são os pais que está a frente com 30%,
seguido dos irmãos com 24%, primos com 15%e amigos e professores 10%.
Confirmamos, assim, por meio destes gráficos, que as brincadeiras e jogos
tradicionais são aqueles transmitidos fora das instituições oficiais, de forma
expressiva, são passada de geração em geração, os mais velhos transmitem para
os mais novos, oralmente. Percebemos que, mesmo são os pais, irmãos primos que
transmitem essa cultura lúdica tradicional.
Ao fim dessa pesquisa pudemos constatar que as crianças apesar de
conheceram algumas brincadeiras ou jogos tradicionais, estes geralmente não
fazem parte do cotidiano delas. Existe sim a presença de algumas brincadeiras
tradicionais no universo infantil, contudo o repertório é muito restrito. Há inúmeras
opções desses jogos, porém elas conhecem e brincam apenas com as mesmas.
134

A escola se mostra distante da preocupação de incluir os objetos lúdicos


tradicionais em seu ambiente, a fim de contribuir para o desenvolvimento da criança,
acreditando ser ele um simples “jogo livre”, no qual a criança brinca sem nenhum
sentido.
No entanto, como já vimos nos referenciais teóricos estudados e na prática da
professora de Educação Física da escola estudada, se aplicado com um olhar atento
e investigador, esses momentos em que as crianças brincam livremente elas se
expressam, demonstrando possíveis alegrias ou angústias. Desta forma, cabe-nos
nesse momento, observá-la para buscar entender suas potencialidades e limitações,
bem como possíveis problemas internos.
Notamos assim, que geralmente é a família que tem transmitido esses jogos
tradicionais até nos dias atuais. Se a instituição escolar se empenhasse em buscar
um referencial teórico sobre o assunto e introduzir essa prática, não só contribuiria
para a formação da criança como também para a fortificação da cultura lúdica
infantil, assim como do nosso folclore, uma vez que ele abrange a cultura lúdica
tradicional, o qual apesar de ser muito rico está sendo deixado de lado e esquecido
a cada dia.

3.2 Da avaliação

3.2.1 Brincadeiras e jogos

O gráfico “Brincadeiras e jogos preferidos da 1ª.série D” exprime os dados


referentes às brincadeiras e jogos realizados com as crianças da 1ª. série D.
A brincadeira preferida foi o cabo de guerra com seis votos, em seguida,
lenço atrás, com quatro votos. Pega-corrente e corrida do saco empataram com três
votos. Pula ponte, gavião e mamãe polenta igualmente dois votos. Corrida do jornal
foi a última recebendo apenas um voto. Já pula-sela e passa-passa não receberam
nenhum voto.
Ao analisarmos o gráfico “Brincadeiras e jogos preferidos da 1ª série D”,
verificamos que essa turma prefere as brincadeiras de competição, de corrida e
aquelas que têm um pegador. Entre as preferidas estavam cabo-de-guerra, corrida
do saco, ambas de competição. Assim, como pega-corrente e pula-ponte,
135

brincadeiras com pegador. Já passa-passa, que não possui essas características


não teve nenhum voto.
Já o gráfico “Brincadeiras e jogos preferidos da 1ª série E” exprime os dados
da 1ª. série E, também referentes a preferência das crianças pelas brincadeiras e
jogos. Com seis votos, cabo de guerra foi o mais votado, seguido por pula ponte e
mamãe polenta com três votos cada. Lenço atrás, gavião, passa-passa e pula-sela
receberam dois votos cada. Corrida do jornal e corrida do saco foram os derradeiros
com apenas um voto cada. Já pega-corrente não recebeu nenhum voto.
Diferentemente da outra turma, que pega-corrente foi a terceira brincadeira
mais preferida, nessa turma ela não recebeu nenhum voto.

3.2.2 Cantigas

Os gráficos “Cantigas preferidas pelas crianças da 1ª. série D” e “Cantigas


preferidas pelas crianças da 1ª. série E” referem-se aos dados levantados sobre as
cantigas de roda. No primeiro, referente à 1ª. série D, verificamos que as cantigas
que mais agradaram as crianças foram “De abóbora faz melão” e “Perdi o meu anel”
que receberam nove votos, e a última foi “Escravos de Jó”.
Analisando o gráfico “Cantigas preferidas pelas crianças da 1ª. série E”
verificamos que a cantiga “De abóbora faz melão” teve 14 votos. Enquanto que a
segunda preferida “Perdi o meu anel”, teve oito votos e a última “Escravos de Jó”
obteve somente dois votos.
Podemos verificar com a análise desses dados que em ambas as salas a
cantiga menos citadas foram aquelas que ele já conheciam.

3.2.3 Brinquedos Confeccionados

Sobre os brinquedos confeccionados o gráfico “Brinquedos confeccionados


preferidos pelas crianças da 1ª. série D” apresenta que nove crianças da turma “D”
preferiram o bilboquê. A peteca e a pipa receberam a mesma quantidade, ambas
receberam cinco votos. Por últimos, com quatro votos ficou o pião. No entanto,
analisando esse gráfico percebemos que a diferença do primeiro brinquedo para os
demais foi grande, quase o dobro. Os outros brinquedos tiveram uma igualdade,
136

sendo que dois receberam o mesmo número de votos e o último apenas um voto de
diferença deles.
Ao analisarmos os dados, verificamos que a maioria da sala preferiu o
bilboquê, brinquedo que muitos ainda não conheciam.
Em ambas as salas, assim como aconteceu com as cantigas, os brinquedos
que eles não tinham muito contato foram os mais votados e aqueles que são
conhecidos pelas crianças receberam poucos indicações. Percebe-se então, a
grande vontade que eles têm em conhecer novas propostas.

3.2.4 Baú de Brinquedos

Finalmente, quanto ao baú de brinquedos, na turma “D”, os brinquedos


preferidos foram: o pé de lata com cinco votos, seguido por um empate entre io-iô,
pega-vareta e vai-e-vem, que receberam, três votos.
Analisando os dados, verificamos que houve uma diferença maior entre o
primeiro e segundo brinquedo mais citado, com uma variação de dois votos. Apesar
de ser pouca diferença é a maior entre as outras, pois elas estiveram equilibradas
entre si, sendo que algumas receberam a mesma quantidade de votos.
No último gráfico “Brinquedos preferidos do Baú da 1ª. série E”, também
sobre o baú de brinquedos, verificamos que, o cavalinho de madeira e o vai-e-vem
receberam o mesmo número de votos, estando ambos na preferência das crianças,
com cinco votos. Em seguida também com a mesma quantidade de votos aparecem
o io-iô, a foquinha de assoprar e o pé de lata. Com três votos cada. Em seguida,
com dois votos está o bambolê. E também, com a mesma quantidade de votos, por
fim estão o rolete, a capucheta, pega-vareta e o pião. Os brinquedos que não
obtiveram votos foram: chocalho, avião de papel, barquinho de papel, cama de gato,
dominó, corda, catavento, cinco-marias, peteca, bilboquê, galinha de lata e telefone
de lata.
Avaliando os dados e relacionado com o gráfico “Brinquedos preferidos do
Baú da 1ª. série E” notamos que as brincadeiras preferidas das duas salas foram
parecidas, apenas algumas se alteraram de lugar na preferência e outras não foram
eleitas, tais como peteca, telefone de lata, avião de papel e cama de gato que a
primeira turma elegeu e a segunda não. Já a segunda turma elegeu os seguintes
137

brinquedos que a primeira não se interessou: cavalinho de madeira, foquinha,


bambolê e pião. As brincadeiras preferidas pelas duas salas foram: vai-e-vem, io-iô,
pé de lata, rolete, capucheta e pega-vareta.
Quanto aos brinquedos selecionados pelas crianças das duas turmas, estão
aqueles que geralmente não fazem parte do seu universo, pois entre eles há, por
exemplo, pé de lata, vai-e-vem, telefone de lata, rolete, corda, entre outros. Todos
eles, são brinquedos que, geralmente, não são comercializados, e que foram
confeccionados, na atividade do projeto. Isso revela o interesse que as crianças têm
em conhecer novos objetos lúdicos.
A criança é curiosa e quer conhecer coisas novas, diferentes do que estão
habituadas, as quais propiciam desafios novos. Desta forma, esses brinquedos
diferentes dos que fazem parte de seu cotidiano, proporcionaram bons momentos de
alegria e realização. Sendo que a maioria deles foram feitos com objetos que fazem
parte da vida das crianças, os quais poderiam ser confeccionados em casa seus
próprio brinquedos. Pois, ao transformar um objeto num outro a criança aflora sua
capacidade de imaginar. Sendo que a imaginação é uma grande colaboradora para
desenvolver o pensamento.
Este projeto é prova do interesse da criança pelas situações lúdicas e a
possibilidade de conhecer coisas novas.
138

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer dessa pesquisa trilhamos um caminho que contribuiu


efetivamente para com a nossa formação. Por meio da História da Infância,
passamos por caminhos os quais nos mostraram como a criança tem sido vista ao
longo das diferentes sociedades. Passando do anonimato, por um lugar de destaque
na sociedade, e posteriormente até mesmo “paparicada”, chegando até os dias
atuais, em que segundo alguns estudiosos, como por exemplo, Postman (2006),
acreditam que gradativamente ela está desaparecendo. Inúmeros fatores estão
levando à isso, tais como os meios de comunicação em massa que igualam a
criança ao adulto, uma vez que adultos e crianças tem acesso as mesmas imagens
e informações. Esses fatores proporcionaram o nosso aprimoramento e
esclarecimento sobre a relação entre a sociedade e a infância.
Proporcionando um melhor entendimento do desenvolvimento cognitivo das
crianças, o estudo sobre as obras de Jean Piaget, contribuíram para que
pudéssemos entender a importância dos jogos no desenvolvimento infantil. O estudo
e a análise das fases do desenvolvimento nos proporcionaram a compreensão de
como se dá a construção do pensamento na criança. Do jogo de exercício,
puramente exploratório e involuntário inicialmente, em contato com as experiências
motoras-visuais e posteriormente sensório-motoras, no aparecimento do jogo
simbólico até o aprimoramento da linguagem onde se inicia o processo de
desenvolvimento do pensamento e conseqüentemente dos jogos em si, pudemos
acompanhar detalhadamente cada fase e suas respectivas mudanças e evoluções.
Quanto ao universo lúdico, os estudos realizados referentes a esse tema tão
rico e importante para a vida infantil, nos proporcionaram a compreensão de sua
grande importância no desenvolvimento da criança.
No ato do brincar a criança entra em contato com a realidade externa,
começa então, a estabelecer vínculos e passa a interagir com o mundo. Assim,
inicia-se o conhecimento do mundo e conseqüentemente de si própria, gerando o
auto-conhecimento.
O bebê ao entrar em contato com o mundo passa a senti-lo, compreendê-lo e
transformá-lo, desta forma, se dá a interação com o mundo. Pois na medida em que
interage com esse mundo estabelece relações com ele.
139

Na fase do faz-de-conta a brincadeira é essencial, pois ao brincar, a criança


expressa seus sentimentos e busca superá-los durante a brincadeira.
Portanto, um simples ato de brincadeira fornece possibilidades de melhor
compreensão da criança.
O brinquedo é um instrumento de exploração, desenvolvimento da
capacidade motora, cognitiva emocional, sensorial e social da criança.
Ao brincar, a criança expressa seus sentimentos. Mediante seu envolvimento
ela exterioriza suas emoções. Assim, ao sofrer alguma coisa em sua vida transporta-
a para sua brincadeira a fim de quer resolvê-la.

[...] a brincadeira aparece como um meio de escapar da vida limitada


da criança, de se projetar num universo alternativo excitante, onde a
iniciativa é possível, onde a ação escapa das obrigações do
cotidiano. É o universo alternativo que projeta a criança num mundo
adulto, mas num mundo adulto mais apaixonante do que aquele que
a cerca. Este pode ser o universo da aventura, da exploração.
(BROUGÈRE, 2001, p. 78)

Ao brincar com outra criança desenvolve seu processo de socialização, na


medida em que passa a ter que aceitar regras, para estar no grupo. Desenvolve
habilidade que os adultos tanto cobram delas e nem percebem que nesse momento
estão sendo trabalhados. No ato do brincar a criança aprende, pois sempre há algo
novo para se aprender em um jogo; se socializa, pois na maioria das vezes estão
interagindo entre si, o que promove a socialização. Desta forma ela estará se
desenvolvendo.
A criança em seu processo de formação necessita imitar e escolher modelos
para seguir, contudo também necessita expressar-se, ser ouvida e entendida, tendo
seu ponto de vista considerado é que vai desenvolver-se. Ela necessita ser
reconhecida como uma pessoa que possui limitações sim, mas também,
potencialidades, todos nós possuímos limitações. Somente assim, ao ter um espaço
para guiá-la ao mesmo tempo em que lhe permite interagir com ele é que acriança
criará autonomia.
As brincadeiras tradicionais ampliam as áreas de contato humano. Por meio
delas as crianças aprendem de forma mais simples e divertida as vantagens e
significados das atividades em grupos, experimentam diversos papéis sociais,
140

percebem relações de dominação e subordinação entre as pessoas e se identificam


com alguns interesses ou valores de sua sociedade.
A pesquisa realizada confirmou tais argumentos, primeiramente porque
observamos que as brincadeiras e brinquedos mais utilizados pelas crianças são
aqueles comercializados. Verifica-se, então, a grande influência que a sociedade
capitalista possui na vida infantil, interferindo até mesmo nas brincadeiras e
brinquedos infantis.
Também pudemos observar que as brincadeiras tradicionais favorecem a
socialização, pois nos momentos de atividades propostas às crianças, elas se
interagiam bastante entre si. Notamos que até aquelas crianças retraídas e
distantes do grupo ao final estavam mais socializadas com o restante da sala.
Mediante a entrevista percebemos que as crianças conhecem e também
brincam com algumas brincadeiras e brinquedos tradicionais, no entanto, o
repertório dessas brincadeiras é restrito. Percebemos o grande interesse que as
crianças possuem por eles. Falta ser oferecido a elas momentos de contato com tais
brincadeiras, proporcionando que seu repertório dessas brincadeiras aumentem.
Aumentando o conhecimento dessas brincadeiras e jogos tradicionais,
favorecendo a união da comunidade com o ambiente escolar, poderíamos levar à
escola pessoas idosas da comunidade, tais como, avó, tios, bisavós, entre outros,
para numa roda de conversa com as crianças exporem suas experiências lúdicas de
quando eram crianças.
Desta forma, numa sociedade em que os valores se extinguem cada vez
mais, com a diminuição do respeito ao próximo, o idoso seria valorizado. As crianças
conheceriam as brincadeiras praticadas por eles e confirmariam que algumas
brincadeiras utilizadas pelas crianças hoje, seus familiares e amigos próximos já
brincavam quando pequenos.
É por meio dos jogos folclóricos ou das brincadeiras que as crianças, além de
aprender, adquirem uma experiência social de completa significação para o
desenvolvimento de sua personalidade e constituem grande parte do patrimônio
lúdico das crianças. Assim, esse estudo trará contribuições significativas para pais,
professores e para crianças. Para nós professores essa pesquisa é um meio de
conhecermos melhor o universo infantil, o que será de grande valia para a docência
junto aos alunos de educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental.
141

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145

APÊNDICE

Apêndice A - Entrevista feita com alunos do período vespertino da


primeira série do Ensino Fundamental da Escola Estadual
Professor Henrique Bertolucci, situada na cidade de Bauru na Vila
Independência.

1. Em sua casa, do que brinca, com quem?

2. Quais são as brincadeiras utilizadas na escola?

3. Destas, quais você mais gosta de brincar?

4. Você conhece quais são as brincadeiras tradicionais? (Buscamos levar as


crianças à compreensão do significado da palavra “tradicional” e,
consequentemente, o que são as brincadeiras tradicionais).

5. Você brinca com algumas destas brincadeiras tradicionais? Se brincar em qual


lugar brinca?

6. Onde e com que você aprendeu estas brincadeiras?


146

Apêndice B – Avaliação das atividades propostas na pesquisa

CIRCULE, EM CADA GRUPO A BRINCADEIRA OU BRINQUEDO QUE VOCÊ


MAIS GOSTOU.

BRINCADEIRAS / JOGOS

LENÇO ATRÁS

PEGA CORRENTE

PULA PONTE

CORRIDA DO JORNAL

GAVIÃO

PASSA-PASSA

CORRIDA DO SACO

MAMÃE POLENTA

CABO DE GUERRA

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147

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