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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICA SOCIAL
NÍVEL MESTRADO

CINTIA LOPES BRANCO

“VIDA NUA” E ESTADO DE EXCEÇÃO:


A realidade das penitenciárias de Mato Grosso

Cuiabá-MT
2017
CINTIA LOPES BRANCO

“VIDA NUA” E ESTADO DE EXCEÇÃO:


A realidade das penitenciárias de Mato Grosso

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Política Social, nível de Mestrado,
da Universidade Federal de Mato Grosso, como
requisito parcial para a obtenção do título de Mestre
em Política Social na Área de Concentração:
Política Social, Estado, Sociedade e Direitos
Sociais.

Orientadora: Professora Doutora Imar Domingos Queiróz

Cuiabá-MT
2017
CINTIA LOPES BRANCO

“VIDA NUA” E ESTADO DE EXCEÇÃO:


A realidade das penitenciárias de Mato Grosso

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Política


Social da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito necessário para
obtenção do título de Mestre em Política Social.

.
BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________
Prof.ª Dra. Imar Domingos Queiróz (Orientadora – PPGPS/UFMT)

_______________________________________________________
Prof. Dr Edson Benedito Rondon Filho (PPGS/UFMT)

________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Augusto Passos (PPGE/ UFMT)

________________________________________________________
Prof.ª Dra. Leana Oliveira Freitas (PPGPS/ UFMT - suplente)

Apresentação em 29 de agosto de 2017.


Ao meu pai, Antonio Carlos Lopes (in memoriam) e à
minha mãe, Zenir Teresinha Fermino Lopes,
exemplos de amor, vida, dignidade e perseverança.
Ao meu filho Felipe, lembrete diário de que é preciso
lutar.
Ao meu marido, Tiago Branco, companheiro de
História e parceiro de vida.
OS NINGUÉNS

As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que


em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não
chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da
boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce,
ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.


Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não têm cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da
imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.
Eduardo Galeano1

1 GALEANO, 2002, p. 63-64.


AGRADECIMENTOS

Agradeço à Universidade Federal de Mato Grosso pelo entendimento de que


qualificar seu corpo técnico é fundamental para a consolidação da academia enquanto
espaço universal, laico e de qualidade.
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Política Social e ao seu corpo
docente e técnico, em especial aos professores, Dr. Lazaro Camilo Recompensa
Joseph, Dra. Leana Oliveira Freitas, Dra. Erivã Garcia Velasco, Dra. Tânia Maria
Santana Santos, Dra. Isabel Cristina Dias Lira e Dra. Irenilda Ângela dos Santos, e à
Técnica Maria Rosa Santos do Nascimento, pelos momentos preciosos de estudos e
discussões.
Agradeço a Professora Dra. Maria de Sousa Rodrigues, pelo aporte
imensurável a esta pesquisa e por tudo que acrescentou em minha trajetória
profissional e pessoal, exemplo inesgotável de altruísmo, bondade, humildade e
dedicação.
Agradeço a Professora Dra. Imar Domingos Queiroz, pelas contribuições na
banca de qualificação, essenciais para o encaminhamento desse estudo, e por ter
aceito o desafio de me orientar na fase final da pesquisa, tarefa difícil, mas executada
com maestria, compreensão e delicadeza, características imprescindíveis naquele
momento.
Agradeço a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e as unidades
penitenciárias, pela oportunidade de conhecer e estudar suas estruturas e pela cessão
de dados indispensáveis a este estudo. Agradeço em especial a Sra. Joadilma do
Espírito Santo, diretora da Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, May, por
propiciar um entendimento mais apurado da realidade intramuros.
Agradeço ao Professor Dr. Gaudêncio Frigotto, autoridade em Educação, cujas
obras e reflexões fazem parte da minha trajetória enquanto professora e servidora
pública e que, em momento primordial, iluminou o caminho e colaborou para
sustentação da base teórica deste trabalho. Agradeço ao Professor Dr. Marion Cunha,
por proporcionar esse encontro.
Agradeço a Família Zattoni e Silva, que me incentivou desde o princípio e que,
com a mais profunda generosidade, me assegurou as condições necessárias para
cursar o Programa, e em especial a amiga Andreia, que me amparou ao longo desse
trajeto, ouvindo, esclarecendo, colaborando, me fazendo rir de mim mesma, enfim,
sendo uma das melhores e mais fiéis amigas que alguém pode ter.
Agradeço a Família Kitagawa, por me acolher e apoiar, com carinho e cuidado,
e em especial a Adriana, colega de UFMT e de mestrado, amiga do coração e
companheira de aventura, por quem tenho imenso respeito, estima e admiração.
Agradeço a Professora Dra. Elizabeth Madureira Siqueira, por sua contribuição
nas revisões e realinhamento das produções realizadas ao longo dos dois últimos
anos. Sua presteza e olhar histórico são partes concretas dessa pesquisa.
Agradeço aos pesquisadores que validaram os instrumentos de pesquisa, em
especial ao Dr. Marcos Rolim, pela colaboração singular que permitiu o entendimento
e aplicação de diversos conceitos, e ao Professor Dr. José Roberto Temponi de
Oliveira, pelo suporte estatístico e frutíferas contribuições na banca de qualificação.
Agradeço aos servidores da UFMT, campus de Sinop, Professor Ms. Marco
Antonio Araújo Pinto, ao Pró-Reitor Professor Ms. Roberto Carlos Beber, Professora
Dra. Elaine Dione Vênega da Conceição, Professor Ms. Tiago dos Santos Branco,
Professor Dr. Ricardo de Carvalho, Professor Dr. Fábio José Lourenço, Professora
Ma. Maria das Graças de Mendonça Silva Calicchio, Vânia Romancini Musachi,
Tainara Gabriele Brito Rodrigues de Camargo, pela parceria e colaboração. Em
especial às amigas que tenho a honra de conviver diariamente, Francielli Cristina
Francio Vicentini, a menina do cabelo amarelo, e a Professora Dra. Fabiana Donofrio,
que me estendeu a mão inúmeras vezes e me fez manter o foco.
Agradeço as advogadas Elen Matricardi, Mayara Weirich, Scheila Pierdoná e
Terla Rodrigues pela assessoria jurídica que prestaram ao longo desse estudo,
mulheres aguerridas, as quais admiro profundamente.
Agradeço aos amigos da turma da Reação, Carla e Claudio, Eliane e Joacyr,
Elen e Mauro, nossa família em Sinop, pelo amor, apoio e cuidado que dedicam a
minha família, amparando meus guris durante minha ausência e me incentivando em
todas as situações que a vida corrida nos permitia usufruir juntos, amigos que nos
garantem nunca estarmos sós. Agradeço também a amiga Tutuia, Nice Coimbra, por
toda a amizade, atenção, carinho e cuidado para conosco.
Agradeço, com carinho imenso toda a sensibilidade e colaboração, à amiga e
madrinha Maristela Heck, historiadora por formação e revolucionária por essência.
Estendo o mesmo agradecimento aos colegas de mestrado, em especial, a
Fatima Lessa, Dulce Regina Amorim, Samanta Gomes e Amilton Anacleto, pelo
companheirismo e amizade. Da mesma forma, agradeço a colega Taynara Morais,
por todo o auxílio prestado.
Agradeço aos amigos, Cacá e Fred, Pacífica e Claudinha, Ian e Michelle,
Eduardo e Kamilla, Hellen Xavier, André Delgado, Fabiano Cardoso, Gui e Fran,
Clóvis e Dri, Fabiana e Vinícius, Sheila e Rodrigo, Leandro, Joelson, Elene, Laura,
Camila Delgado, e a todos que garantiram um momento de lucidez em minha eterna
loucura.
Agradeço a Família Branco que me acolheu e à qual tenho imenso carinho e
respeito.
Agradeço aos meus pais, Zenir e Antonio Carlos Lopes, meu irmão e cunhada,
Rickson e Michelle Lopes, ao meu amado sobrinho e afilhado, Antônio, pelos
momentos de dor que nos fortaleceram e uniram, e pelos momentos de alegria e amor
que nos compõem enquanto família. Sou grata por serem parte de mim, assim como
agradeço por ser parte de vocês.
Aos meus guris, Tiago Branco e Felipe Branco, amores da minha vida, fontes
inesgotáveis de amor, reflexão e incentivo, muito obrigada! Eu sou porque nós somos!
Amo vocês, mais que ontem e menos que amanhã.
RESUMO
Com a reestruturação do capital e o avanço das políticas neoliberais, a massa de
excluídos aumentou, exigindo mecanismos eficientes de controle social e de garantia
da propriedade privada. Contemporâneas ao advento do capitalismo, as prisões – aqui
compreendidas enquanto espaços de privação de liberdade, onde, a partir da medida
fundante do capital, o tempo, aqueles que não se adequam à nova ordem econômica
e social cumprem sua dívida com a sociedade – apresentam-se como solução, não
mais como espaços para tornar os corpos dóceis, mas enquanto depósitos humanos,
locais onde se confinam os dejetos sociais. Para estigmatizá-los, o capitalismo se vale
da filosofia neoliberal de sucesso individual e de meritocracia, que, amplamente
difundida pela mídia, tipifica e divide a sociedade entre “homens de bem” e “inimigos”,
a partir de critérios previamente construídos, como a cor da pele, o local de moradia,
o tipo de trabalho que executam e os locais que frequentam. Com uma estrutura cruel
e desumana, superlotada graças a seletividade do sistema de justiça, as
penitenciárias se tornaram locais em que as medidas de exceção imperam e onde as
condições sub-humanas de vida são aceitas e até justificadas enquanto necessárias,
uma vez que aqueles que lá estão alcançaram a condição de homo sacer, pessoas
que, para segurança de outros, se tornam matáveis e sacrificáveis. O presente estudo
teve como objetivo analisar as condições de vida nas penitenciárias de Mato Grosso,
confrontando-as com os direitos previstos na Constituição Federal de 1988 e na Lei
de Execução Penal de 1984, evidenciando as medidas de exceção presentes nas
unidades investigadas. Para isso, a pesquisa, de natureza quanti-qualitativa, recorreu
a dois instrumentos: um questionário respondido pelas direções das penitenciárias
sobre o funcionamento dos estabelecimentos, questões estruturais e serviços, e, o
segundo, levantamento de fontes documentais e informações extraídas da mídia
eletrônica, como matérias jornalísticas publicadas na imprensa estadual ao longo dos
anos. A sistematização e análise dos dados revelaram que as condições de vida nas
penitenciárias de Mato Grosso não atendem ao estipulado em lei, presos provisórios
e condenados dividem o mesmo espaço e não há condições materiais para a
individualização de pena. Além disso, o crime organizado ligado ao narcotráfico atua
no vácuo deixado pelo estado, criando um universo independente e perigoso dentro
do aparelho estatal. Ademais, a atuação das instituições religiosas, em muitos casos,
excede ao que preconiza a legislação. O estudo revelou que no sistema penitenciário
de Mato Grosso prevalecem medidas de exceção que alimentam o caos e
transformam o espaço prisional em território onde impera a lei do mais forte. Tal
realidade, magistralmente trabalhada pela mídia, contribui para o entendimento de
que determinadas pessoas deixam de ser portadoras de direitos, pois perderam seu
valor jurídico e social, tornando-se figuras descartáveis. Essa condição de vida nua a
que são relegados os presos e demais indesejáveis – pretos, pardos, jovens, pobres,
mulheres, indígenas– os tornam homo sacer, vida indigna de ser vivida, logo,
passíveis de serem exterminados.

Palavras-chave: Sistema Penitenciário. Estado de Exceção. Vida Nua. Homo Sacer.


Mato Grosso.
ABSTRACT
The restructuring of capital and the implementation of neoliberal policies has led to an
increase in social exclusion, creating a need for more effective mechanisms to
maintain social control and protect private property. With the advent of capitalism,
prisons - conceived as places for the deprivation of liberty, where those who fail to
adapt to the new economic and social order pay their debt to society in the form of
time, the foundational measure of capital - arise as a solution, not as a way to produce
docile bodies, but as a repository of social waste. Its denizens are stigmatized as a
result of the neoliberal philosophies of individual success and meritocracy, both widely
publicized by the media, which divides society into “good men” and “the enemies”
based on pre-established criteria such as skin color, address, occupation, and the
places they frequent. In addition to subjecting individuals to cruel and inhumane
conditions, as well as the overcrowding caused by selective justice, the penitentiary
system is ruled by exception. In these facilities, subhuman living conditions are
accepted and even justified as necessary, since their denizens have taken on the role
of homo sacer, people who may be killed or sacrificed to ensure the safety of others.
The aim of the present study was to analyze the living conditions in the prisons of Mato
Grosso, contrasting them with the human rights provisions of the Federal Constitution
of 1988 and the Penal Code of 1984, in order to highlight the exceptional measures at
work in the facilities investigated. This was achieved using a quantitative-qualitative
approach, involving a questionnaire on the structure and services of each
establishment administered to its wardens, as well as a review of documents and
electronic sources, such as news articles published by state media over the years. The
compilation and analysis of the data revealed that living conditions in the prisons of
Mato Grosso do not comply with the requirements of the law, since suspects who are
temporarily detained are not separated from those who have been convicted, and there
are insufficient resources to allow for the individualization of punishment. Additionally,
the vacuum of state regulation is filled by organized crime and drug trafficking, creating
an independent and dangerous universe within the state apparatus. In many cases,
religious institutions also exceed their legal bounds. The present study showed that
the prison system in Mato Grosso is permeated by exceptional measures which
contribute to the chaos and transform prisons into spaces where the law of the
strongest prevails. This reality is masterfully manipulated by the media to promote the
idea that some people no longer have any rights, as they have lost their judicial and
social value, and have thus become disposable. The bare life to which inmates and
other undesirables - black, brown, young, poor, women, indigenous peoples - are
relegated transforms them into homo sacer, whose undignified lives are unworthy of
living, and therefore liable to extermination.

Keywords: Prison system. State of exception. Bare Life. Homo Sacer. Mato Grosso.
LISTA DE FIGURAS

Figura 01 “Sorriso: Polícia apreende quadrilha dos ‘bebês’, 7, 9, 12 e 12 anos.” 55


Figura 02 “Sorriso: Polícia apreende quadrilha dos ‘bebês’, 7, 9, 12 e 12 anos.” 55
Figura 03 Distribuição de renda, Brasil e Mato Grosso 70
Figura 04 Situação dos detentos na PCE 76
Figura 05 Educação na PCE 77
Figura 06 Trabalho Prisional na PCE 80
Figura 07 Escolaridade dos detentos do CRC 83
Figura 08 Educação no CRC 84
Figura 09 Casamento igualitário realizado no CRC 91
Figura 10 Trabalho prisional no CRC 92
Figura 11 Tipos de crimes Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, May 93
Figura 12 Perfil das mulheres brasileiras 94
Figura 13 Perfil étnico das detentas da Penitenciária Feminina Ana Maria do
Couto, May 95
Figura 14 Escolaridade das detentas da Penitenciária Feminina Ana Maria 96
do Couto, May
Figura 15 Situação das detentas da Penitenciária Feminina Ana Maria do
Couto, May 97
Figura 16 Trabalho Prisional na Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto,
May 101
Figura 17 Educação na Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, May 102
Figura 18 Situação dos detentos da Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino
Leite Ferreira 107
Figura 19 Tipos de crimes Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite
Ferreira 108
Figura 20 Trabalho Prisional na Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite
Ferreira 113
Figura 21 Educação na Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira 114
Figura 22 Perfil étnico dos detentos da Penitenciária Major PM Eldo Sá
Corrêa 117
Figura 23 Escolaridade dos detentos da Penitenciária Major PM Eldo Sá
Corrêa 118
Figura 24 Situação dos detentos da Penitenciária Major PM Eldo Sá Corrêa 119
Figura 25 Educação na Penitenciária Major PM Eldo Sá Corrêa 123
Figura 26 Trabalho Prisional na Penitenciária Major PM Eldo Sá Corrêa 124
Figura 27 Educação na Penitenciária PM Major Zuzi Alves da Silva 130
Figura 28 Faixa etária das pessoas privadas de liberdade em Mato Grosso 139
Figura 29 Raça, cor ou etnia das pessoas privadas de liberdade em Mato
Grosso 140
Figura 30 Estado civil das pessoas privadas de liberdade em Mato Grosso 140
Figura 31 Escolaridade das pessoas privadas de liberdade em Mato Grosso 141
Figura 32 Distribuição por gênero de crimes tentados/consumados entre os
registros das pessoas privadas de liberdade no Brasil e Mato
Grosso 142
Figura 33 Pessoas condenadas e aguardando julgamento em relação ao
número de vagas das penitenciárias informadas 148
Figura 34 Quem como melhor: os presos, os índios ou os alunos? 158
Figura 35 Banner promocional da empresa Jumbo CDP 160
Figura 36 Sugestão de Kit de produtos à venda – Jumbo - CDP 160
Figura 37 Uniformes à venda na página da rede social Facebook do
Conselho de Comunidade de Execução Penal da Comarca de
Sinop 161
LISTA DE ABREVITURAS

Aspec Associação dos Servidores da Penitenciária Central


Bope Batalhão de Operações Especiais
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CNPCP Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
CPI Comissão Parlamentar de Inquérito
CPT Comissão Pastoral da Terra
CRC Centro de Ressocialização de Cuiabá
CV Comando Vermelho
DOU Diário Oficial da União
ETCC Escola Técnica de Comércio de Cuiabá
Funac Fundação Nova Chance
Garra Grupo Armado de Resposta Rápida
Infopen Levantamento de Informações Penitenciárias
INSS Instituto Nacional de Seguridade Social
IPC-IG Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo
IST’s Infecções Sexualmente Transmissíveis
ITTC Instituto Terra, Trabalho e Cidadania.
LAI Lei de Acesso à Informação
LEP Lei de Execução Penal
LGBT Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros
MCCE Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OECD Organization for Economic Co-operation and Development
PCE Penitenciária Central do Estado
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PCC Primeiro Comando da Capital
Rotam Ronda Ostensiva Tático Móvel
Sejudh Secretaria de Justiça e Direitos Humanos
SESP Secretaria de Estado de Segurança Pública
SOPE Serviço de Operações Penitenciárias Especializadas
STF Supremo Tribunal Federal
SUS Sistema Único de Saúde
TJMT Tribunal de Justiça de Mato Grosso
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 18

2 A MÃO INVISÍVEL DO MERCADO NECESSITA DO PUNHO DE FERRO DO


ESTADO.................................................................................................................... 30
2.1 DO SUPLÍCIO AO ZOOLÓGICO HUMANO: O SURGIMENTO DAS
PRISÕES................................................................................................................... 32
2.2 O ESTADO A SERVIÇO DO CAPITAL.................................................... 38
2.3 QUANDO O CRIME É SER POBRE ....................................................... 43
2.4 A BARBÁRIE TELEVISIONADA? O MEDO E A MÍDIA.......................... 49

3 BEM VINDO AO INFERNO: CÁRCERE E PRÁTICAS PENAIS EM MATO


GROSSO................................................................................................................. 65
3.1 O SISTEMA PENITENCIÁRIO DE MATO GROSSO............................... 69
3.1.1 Penitenciária Central do Estado ..................................................... 72
3.1.2 Centro de Ressocialização de Cuiabá............................................ 82
3.1.3 Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, May......................... 92
3.1.4 Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira.......................104
3.1.5 Penitenciária Major PM Eldo Sá Corrêa........................................115
3.1.6 Penitenciária Major PM Zuzi Alves da Silva.................................. 124

4 A LEP E A DIGNIDADE HUMANA NO CONTEXTO PENITENCIÁRIO........ 132


4.1 A LEP E AS PENITENCIÁRIAS DE EXCEÇÃO DE MATO GROSSO ...138
4.1.1 Do Princípio de individualização da pena..................................... 143
4.1.2 Do Princípio de Presunção de Inocência...................................... 145
4.1.3 Da superlotação........................................................................... 150
4.1.4 Da Assistência Material................................................................ 155
4.1.4.1 Da alimentação................................................................. 156
4.1.4.2 Demais produtos e vestuário............................................ 159
4.1.4.3 Das instalações higiênicas............................................... 162
4.1.4.4 Células móveis................................................................. 164
4.1.5 Da Assistência à Saúde............................................................... 167
4.1.5.1 Pessoas em sofrimento mental......................................... 168
4.1.6 Da situação da mulher encarcerada............................................. 170
4.1.7 Do direito a visita íntima............................................................... 173
4.1.8 Do respeito aos Direitos Humanos............................................... 174
4.1.9 Da educação prisional ................................................................. 177
4.1.10 Do trabalho prisional ................................................................ 178

5 CONSIDERAÇÕE FINAIS.............................................................................180

6 REFERÊNCIAS......................................................................................... 191
6.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 191
6.2 REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS.......................................................... 203
6.3 FORMULÁRIOS RESPONDIDOS......................................................... 212
18

1 INTRODUÇÃO

[...] A despeito dos zeladores do novo Éden neoliberal, a urgência, no


Brasil como na maioria dos países do planeta, é lutar em todas as
direções não contra os criminosos, mas contra a pobreza e a
desigualdade [...].
Löic Wacquant, 2011, p. 14.

A sociedade contemporânea vive o que Mézsáros (2011, p. 21) conceituou


como “[...] uma crise histórica sem precedentes que afeta todas as formas do sistema
do capital, e não apenas o capitalismo”, ou seja, não se trata de uma crise sazonal,
mas sim estrutural, que coloca em risco sua própria existência. Nas palavras de
Antunes (2010, p. 145):

Crise estrutural do capital significa, portanto, que, pela


primeira vez na história, o sistema sociometabólico vigente
“confronta-se globalmente com seus próprios problemas”, e
que qualquer tentativa de resolução de tais ‘problemas’
dentro dos limites do capital aproxima a humanidade de sua
real possibilidade de destruição, tanto no plano ecológico,
quanto militar.

Reflexo de semelhante colapso, a crise carcerária é consequência da


exploração e expropriação de uma parcela da população – ao longo de séculos – e
do papel estratégico do Estado na manutenção do modo de produção capitalista. A
“onda punitiva”2 (WACQUANT, 2013) que assolou o mundo a partir da década de
1980, incentivada pela filosofia da “lei e ordem”, gestada nos EUA, representa uma
das questões mais polêmicas da atualidade – não mais solucionável com abertura de
vagas ou a privatização do sistema carcerário –, além de se constituir em um dos
desdobramentos mais violentos e cruéis do caos social. Para o autor, a expansão do
Estado Penal é a resposta paliativa do capital para lidar com os problemas advindos
da desregulamentação econômica e do retraimento das políticas sociais:

No correr das três últimas décadas [...] os Estados Unidos lançaram-


se numa experiência social e política sem precedentes nem paralelo
entre as sociedades ocidentais do pós-guerra: a substituição de um
(semi) Estado-providência por um Estado penal e policial, para o qual
a criminalização da marginalidade e a contenção punitiva das
categorias deserdadas fazem as vezes de política social na

2Segundo Wacquant, a onda punitiva é o avanço do Estado Penal enquanto política adotada para
gerir a miséria nos EUA, a partir da década de 1980.
19

extremidade inferior da estrutura de classe e étnica. (WACQUANT,


2013, p. 86).

No cenário neoliberal de encarceramento em massa, o Brasil é o quarto país


em população carcerária, com 607.731 pessoas privadas de liberdade, segundo o
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), de junho de 2014,
ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e Rússia. De acordo com
Wacquant (2011), a população carcerária desses países é composta por pessoas em
idade produtiva, mas fora do mercado de trabalho:

Isso significa dizer que o sistema penal brasileiro caminha,


atualmente, menos para a consolidação democrática, e muito mais
para a atuação simbólica, traduzida em aumento desproporcional de
penas, maior encarceramento, supressão de direitos e garantias
processuais, endurecimento da execução penal, entre outras medidas
igualmente severas. Tal sistema opera no sentido do “excesso de
ordem”, único capaz de tranquilizar nossa atual sociedade de
consumo hedonista e individualista. (PASTANA, 2009, p. 124).

Operando dentro de sua capacidade prisional, Estados Unidos, China e Rússia


apresentaram variação negativa da taxa de aprisionamento, entre os anos de 2008 e
2014. O Brasil, no entanto, registrou uma taxa ascendente de 33%. A partir de 2000,
esse aumento foi “[...] dez vezes maior que o crescimento do total da população
brasileira”, segundo dados do Infopen (BRASIL, 2015, p. 15), numa demonstração
clara da existência de uma política de encarceramento em massa no país:

Entre 2000 e 2014, a taxa de aprisionamento aumentou 119%. Em


2000, havia 137 presos para cada 100 mil habitantes. Em 2014, essa
taxa chegou a 299,7 pessoas. Caso mantenha-se esse ritmo de
encarceramento, em 2022, a população prisional do Brasil
ultrapassará a marca de um milhão de indivíduos. Em 2075, uma em
cada dez pessoas estará em situação de privação de liberdade.
(BRASIL, 2015, p. 16).

As estatísticas sobre a evolução do encarceramento são aterradoras, porém,


com ampla aceitação social, visto representar um nicho de mercado a ser explorado,
seja nos aparatos de controle social, nas tecnologias que garantem a segurança
privada, ou ainda na manutenção do sistema prisional, uma ramificação próspera, em
que os lucros são produzidos pelo número de presos existentes nos estabelecimentos.
20

Além disso, outro fenômeno ficou evidente nesse processo nacional, qual seja,
a inexorável criminalização de uma parcela específica da população, os pobres. O
perfil da massa carcerária no país demonstra que 61,67% dos presos são
negros/pardos, 55,07% jovens – de 18 a 29 anos – e 75,08%3 têm até o ensino
fundamental completo, em sua maioria presos por crimes ligados ao tráfico de drogas.
Em Mato Grosso, o sistema carcerário conta com 8.264 vagas, dispostas entre
44 cadeias públicas, 4 Centros de Detenção Provisória, uma Colônia Penal -
atualmente desativada - e 6 penitenciárias, as quais somam 3.081 vagas. Do total de
10.138 presos, 75,5% são negros, número maior que a média nacional; 54,82% estão
com idade entre 18 e 29 anos; 73,05% têm até o ensino fundamental completo e
5,34% são analfabetos. Embora os números se assemelhem ao perfil nacional, o que
causa espanto é o número de presos provisórios, 5.672 detentos, o que equivale a
55,9%. Destes, 478 (8%) estão no sistema penitenciário há mais de 90 dias.4
Refletir sobre tais questões é de suma importância num momento em que se
discute nacionalmente a implantação de penas alternativas, aparatos tecnológicos de
controle social e de segurança privada, visando a maximização do Estado Penal –
notoriamente marcado pela adoção de práticas de tolerância zero, a qualquer tipo de
crime, e pelo endurecimento de penas – com a premiação por metas à polícia, de
acordo com número de apreensões, e estímulos a atos de exceção. Além disso, com
o avanço da ideologia neoconservadora, direitos caros à Constituição estão sendo
postos em pauta sob uma revisão neoliberal, como é o caso da redução da maioridade
penal, hoje tramitando no Congresso Nacional, o que demonstra a nova concepção
de crime e de criminoso.
Tal momento sui generis exige um processo de reflexão, principalmente ao
confrontar as condições existentes nas penitenciárias com o perfil dos presos do
Brasil: jovens, pobres, pretos e pardos, com baixa escolaridade e moradores de
periferia. Torna-se urgente entender esse processo de criminalização da pobreza e
como os direitos referentes ao cárcere tacitamente vêm sendo destruídos, e, ainda, a
forma como a ideologia neoliberal fixando a ideia de que esse nicho populacional é
composto por seres descartáveis, de “vida indigna de ser vivida” (AGAMBEN, 2007).

3 A taxa de aprisionamento indica o número de pessoas presas para cada cem mil habitantes. O
objetivo de utilizar essa medida é permitir a comparação entre locais com diferentes tamanhos de
população e neutralizar o impacto do crescimento populacional, permitindo a comparação a médio e
longo prazo. (BRASIL, 2015, p. 13).
4 Dados do Ministério da Justiça referentes a dezembro de 2014. (BRASIL, 2015, p. 21).
21

Sendo assim, como exercício analítico, tornou-se necessário examinar as


condições de vida da população encarcerada nas penitenciárias de Mato Grosso,
confrontando-as com as leis vigentes, em especial com os direitos previstos na Lei de
Execução Penal5 (LEP), e, ao mesmo tempo, desvelar porque – no chamado Estado
Democrático e de Direito – a sociedade aceita e defende as medidas de exceção,
naturalizando a barbárie carcerária e tornando alguns homens mais dignos do direito
à vida do que outros.
É mister conceituar a prisão como instituição total (GOFFMAN, 2015), porém
não mais como um “reformatório” destinado a domesticar os “corpos dóceis”
(FOUCAULT, 1987), uma vez que, com o passar dos anos, a superlotação e as
precárias condições de vida, transformaram tais estruturas em espaço para
aparelhamento do crime organizado e depósito dos indesejáveis sociais, nunca para
ressocializar ou reeducar.
Embora o termo reeducando surja no contexto da Lei de Execução Penal, que
representou uma mudança de paradigma no tratamento do preso e, posteriormente,
adotado em outras áreas do saber, neste estudo o preso não será tratado como
reeducando, pois, de acordo com Goffman (2015, p. 22), as Instituições Totais “[...]
são estufas para mudar pessoas; cada uma é um experimento natural sobre o que se
pode fazer ao eu”. A mudança de que o autor fala não se refere a algo positivo, ao
contrário, uma vez que é nela que se consagra a degradação do eu, por humilhações
e profanações do indivíduo, acabando por ser ela produto final do sujeito despojado
de essência tendo, muitas vezes, sua sobrevivência assegurada pela habilidade de
adaptação ao meio e lealdade ao grupo de internos. Para o desenvolvimento do
presente estudo, foram adotados os termos preso, encarcerado ou indivíduo/pessoa
privado de liberdade, o que, para o Direito, constitui:

[...] o vocábulo empregado, notadamente na linguagem policial e


penal, para designar a pessoa que foi privada de sua liberdade
individual, encontrando-se recolhida a uma prisão. O preso nem
sempre traz o sentido de condenado ou de criminoso. A prisão pode,
por vezes, ser tomada em caráter preventivo ou meramente policial.
Assim, quer exprimir simplesmente: quem está na prisão ou quem está
privado de sua liberdade individual, pelo que perdeu a faculdade de
locomover-se segundo sua vontade. (SILVA, 2010, p. 401).

5A Lei de Execução Penal regulamenta a execução penal no Brasil, estabelece os mecanismos de


execução e fiscalização, dispõe sobre as normas estruturais, trabalho, órgãos que tratam da
execução penal, além de estabelecer os direitos e deveres de todos os envolvidos.
22

Tal escolha se justifica também por constatar que cerca de 55,9% dos presos
em Mato Grosso são provisórios, ou seja, aguardam o julgamento, por motivo de
segurança, em privação de liberdade, além do que, aproximadamente, 5% não têm
acesso à assistência jurídica. Sendo assim, utilizar-se-á o vocábulo preso, de acordo
com o Direito, sem o sentido de condenado ou de criminoso, atendendo ao direito
constitucional da presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado de
Direito.
Cabe alertar que o indivíduo privado de liberdade se encontra sob tutela do
Estado, o que lhe garante, segundo o artigo 5º da Constituição de 1988, a
individualização da pena no cumprimento da sentença em estabelecimentos distintos,
de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, e o respeito a sua
integridade física e moral, dentre outros direitos e garantias fundamentais.
A Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, Lei de Execução Penal, é produto de um
momento sui generis no cenário social brasileiro. Em vias de uma abertura política,
depois da ditadura que durou 21 longos anos e que delegou ao futuro marcas
indeléveis, a LEP surgiu atrelada ao ideal de Welfare Penal6, um processo de
humanização dos estabelecimentos e das relações desenvolvidas em seu bojo.
Entretanto, tal matéria não prosperou. Primeiramente, porque o que propiciou
um Welfare Penal em outras partes do mundo foi a concretização do Welfare State7,
que, no Brasil, pouco se materializou. Segundo que, embora a LEP seja um grande
avanço no campo jurídico, seu curto espaço de implantação encontrou grandes
obstáculos: a implantação do regime de acumulação flexível e do neoliberalismo, os
quais, à medida em que avançavam, desregulamentavam a proposta da LEP. Por
último, alicerçado também na mentalidade neoliberal, ações de cunho humanista
passaram a ser encaradas como perda de tempo e de recursos, especialmente
quando destinadas àqueles que se encontravam atrás das grades. Para a sociedade
neoliberal, ao praticar o crime, o criminoso perde seu valor jurídico de portador de
direitos, passando a existir enquanto “vida nua” (AGAMBEN, 2007), o que naturaliza

6 Uma estrutura “penal-previdenciária” híbrida, que combinava o legalismo liberal do devido processo
legal e da punição proporcional com um compromisso correcionalista de reabilitação, bem-estar e o
saber criminológico especializado (GARLAND, 2014, p. 93).
7 O conceito de Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social, é a concepção de que o homem é

portador de direitos sociais, ou seja, de um conjunto de bens e serviços que lhe são garantidos pelo
Estado.
23

as condições sub-humanas em que vive a população carcerária, legitimando as


prisões de Exceção.
Segundo Mello (2007), a “vida nua” vive em um vácuo criado pelo estado de
exceção, um “[...] espaço altamente artificial que as estruturas de poder geram ao
excluir da proteção jurídica as formas de vida que não se submetam à sua ordem”,
ainda, nas palavras da autora: “vida nua” refere-se à experiência de desproteção e ao
estado de ilegalidade de quem é acuado em um terreno vago, submetido a viver em
estado de exceção”.
À vista disso, é mister considerar que países que gozaram de uma rede de
proteção social próxima aos moldes do Welfare State tiveram condições sócio-
históricas para o desenvolvimento de uma política de humanização do cárcere e de
respeito aos direitos dos presos, o Welfare Penal8 (GARLAND, 2014), que possibilitou,
mesmo com o inchaço do sistema carcerário verificado nas últimas décadas, um
entendimento diferenciado do crime, do criminoso e do cárcere e, consequentemente,
do dever de manutenção da dignidade da pessoa humana nas prisões.
A adoção de medidas de contenção, com o endurecimento das sanções penais
e aumento do tempo de encarceramento, características das políticas de “Janela
Quebradas9” e “Movimento da Lei e Ordem e Tolerância Zero10”, atendem aos anseios
da população que viu a criminalidade disparar a partir de meados da década de 70 e
ser potencializada pela mídia, gerando, assim, um sentimento de insegurança, de
crescimento do crime desproporcional ao de repreensão, disseminando a ideia de
punições mais rigorosas, aliado à vingança (criminologia populista-midiática-
vingativa), mesmo que para isso se coloque em cheque os direitos garantidos na
Constituição. Zaffaroni (2009, p. 3) problematiza esse processo:

Cria-se uma paranoia social, e estimula-se uma vingança que não tem
proporção com o que acontece na realidade da sociedade. Através da
história, tivemos muitos inimigos: hereges, pessoas com sífilis,
prostitutas, alcoólatras, dependentes químicos, indígenas, negros,

9 Teoria norte-americana para o enfrentamento e combate ao crime que apregoa ser a desordem fator
condicionante para elevação dos índices criminológicos. Segundo esse modelo de política de
segurança pública, os pequenos crimes, se não reprimidos e devidamente punidos pelo Estado,
levam aos crimes maiores e à desordem social.
10 Um dos princípios do Movimento de Lei e Ordem é o de separar a sociedade, tendo, de um lado, as

pessoas merecedoras de proteção legal, e, de outro, os delinquentes. Aos últimos devem ser
reservados os rigores da lei e toda a severidade legal, independentemente do tipo de crime cometido.
24

judeus, religiosos, ateus. Agora, são os delinquentes comuns, porque


não temos outro grupo que seja um bom candidato.

Wacquant (2011) ressalta que a implantação do Estado Penal no Brasil ganhou


matizes mais “funestas” em virtude da história nacional, marcada pela subordinação
externa, “hierarquia de classes” e “estratificação etnorracial”, como demonstra ao
descrever as intervenções das forças de ordem:

[...] uma tradição nacional multissecular de controle dos miseráveis


pela força, tradição oriunda da escravidão dos conflitos agrários, que
se viu fortalecida por duas décadas de ditadura militar, quanto a luta
contra a “subversão interna” se disfarçou em repressão aos
delinquentes. Ela apoia-se numa concepção hierárquica e paternalista
da cidadania, fundada na oposição cultural entre feras e doutores, ou
“selvagens” e os “cultos”, que tende a assimilar marginais,
trabalhadores e criminosos, de modo que a manutenção da ordem de
classe e a manutenção da ordem pública se confundem.
(WACQUANT, 2011, p. 11).

Prova material dos argumentos de Wacquant são os autos de resistências.


Resquícios do período militar, eles se constituem em intervenções policiais que
resultaram na morte do suspeito, sob alegação de legítima defesa e resistência à
prisão. Embora sejam tipificados como homicídios, não figuram nas estatísticas
enquanto tal. Além disso, as vítimas executadas nesses casos são, basicamente,
negros e pobres, prova clara da criminalização da camada despossuída da sociedade
brasileira.
Teixeira (2009) é enfática ao declarar que o marco histórico do fracasso da
política de humanização das prisões e do princípio das prisões de exceção é o
Massacre do Carandiru11, ocorrido em 1992:

Pela primeira vez na existência dessa instituição total, um governo de


um Estado democrático autorizava a eliminação de um contingente
expressivo de indivíduos (cidadãos?) que cumpriam suas penas,
aplicadas mediante o devido processo legal, em um estabelecimento
concebido e gerido, inclusive jurisdicionalmente, para assegurar-lhes
não apenas a vida e a integridade física como também “as condições
para sua hormônica reintegração social”. Existia ainda, entre os
exterminados, uma parcela significativa que não havia sido sequer
condenada, que respondia a seus processos presa cautelarmente, e

11O Massacre do Carandiru, como ficou conhecido mundialmente, tendo ocorrido no dia 2 de outubro
de 1992, na Casa de Detenção do Complexo do Carandiru, zona norte de São Paulo, quando a
Polícia Militar foi chamada para conter uma rebelião no pavilhão nove. Foram mortos 111 detentos.
25

a favor da qual regia o desusado princípio da presunção da não


culpabilidade, princípio este caro à constituição do Estado de direito.
(TEIXEIRA, 2009, p. 123-124).

Anterior ao citado Massacre, inúmeras práticas de “contenção, ou seja, de


intensificação do uso de força para o controle e o gerenciamento da massa carcerária”
já eram noticiados, segundo Teixeira (2009, p. 125). No caso do Carandiru, a lógica
de que o extermínio fora natural não veio apenas da parte do Estado, ao não punir os
responsáveis por essa ação criminosa, mas também da população de São Paulo, que
elegeu para deputado estadual o Coronel Ubiratan Guimarães, responsável pela
invasão da Polícia Militar no Pavilhão 8. O Coronel Ubiratan, não só foi eleito, como
também fez sua campanha eleitoral, sob o número 14.111, referência aos 111 mortos
no Carandiru:

[...] Nesse sentido, o totalitarismo moderno pode ser definido como a


instauração, por meio de estado de excepção, de uma guerra civil
legal, que permite a eliminação física não só dos adversários políticos,
mas de categorias inteiras de cidadãos que por qualquer razão não
sejam integráveis no sistema político. A criação voluntária de um
estado de emergência permanente (mesmo se eventualmente não
declarado em sentido técnico) tornou-se, desde então, uma das
práticas essenciais dos Estados contemporâneos, mesmo dos
chamados democráticos. (AGAMBEN, 2010, p. 13).

A partir disso, o que se configura é um abismo enorme entre as letras da Lei -


as que ainda resistem ao projeto neoliberal - e a realidade, onde a Exceção passa a
ser regra, vigorando a norma em oposição aos preceitos legais, e onde os presos não
são vistos enquanto iguais, mas como seres descartáveis, “vida indigna de ser vivida”
(AGAMBEN, 2007).
Finalmente, cabe explicar a escolha dos autores que dão sustentação teórica
ao presente estudo. Embora a prisão como sanção penal surja com o capitalismo,
poucos são os autores notoriamente marxistas que se ativeram ao tema. Engels
(2010) demostrou que as condições de vida da classe operária inglesa, do século XIX,
eram um fator essencial para o aumento da criminalidade, alertando que o respeito à
ordem social não poderia ser exigido daquele que não encontrava motivos para a
manutenção dessa ordem, entretanto, sua contribuição para o tema para por aí. Assim
também o fez Marx, com sua breve alusão ao cárcere na obra Crítica ao Programa de
26

Gotha (2012), quando tratou de forma breve sobre a regulamentação do trabalho nas
prisões.
É inegável que, ao longo dos anos e até mesmo pelas reorganizações
produtivas do capital, a prisão assumiu diversos significados e funções. Foucault
(1987) foi o primeiro a escrever, de forma mais contundente, sobre a função
disciplinadora, de domesticação dos selvagens e dos corpos dóceis. Considerado um
filósofo pós-moderno, embora rejeitasse tal título, é aqui um referencial fundamental,
adotado exatamente por demonstrar o processo de ressignificação da estrutura
prisional dentro do capital e o impacto social por ela gerado. Outra referência é o
trabalho de Goffman (2015), que conceitua a prisão como “instituição total”, tratando
também do estigma (2013) que acompanha o preso e sua família.
A partir desse ponto, e diria exatamente pelo impacto e influência da obra dos
dois últimos autores citados, o tema perpassou por constantes debates. Assim,
Wacquant e Agamben são indispensáveis para demonstrar como a prisão vem se
adequando às novas condições sócio-históricas do capital. Wacquant será primordial
para explicar o avanço da teoria da “lei e ordem” e da maximização do Estado Penal
em todo mundo, bem como o processo de criminalização da pobreza. Agamben
(2010) se faz essencial por conceituar o “estado de exceção” enquanto condição para
tornar legal e regra aquilo que não é. Na realidade prisional é necessário compreender
como as medidas de exceção funcionam, se proliferam e são aceitas socialmente
enquanto necessárias, embora, na maioria das vezes, representem atos bárbaros,
violadores da dignidade da pessoa humana. É mister compreender que as medidas
de exceção só são possíveis a partir de outro conceito apresentado por Agamben
(2007), o da “vida indigna de ser vivida”, demarcando o limite em que a existência
deixa de ser politicamente relevante para o Estado, podendo, nessa medida, ser
eliminada.
O interesse de investigar as condições de vida nas penitenciárias vem da
vivência de coordenar, entre 1997 e 2000, a Educação de Jovens e Adultos e a
Educação Prisional na 9ª Delegacia de Ensino do Rio Grande do Sul, na cidade de
Cruz Alta, órgão estadual responsável pela elaboração e execução de políticas
educacionais em oito municípios. A experiência de conhecer uma unidade prisional
ficou marcada n’alma. O som da batida da tranca ainda provoca arrepios. A penúria,
o lamento, a miséria, mas, principalmente, a constatação, já aquela época, de que ali
27

estavam somente jovens sem oportunidades, vendidos ao mundo do tráfico de drogas


e condenados a uma existência efêmera e sem valor, selaria minha trajetória enquanto
professora.
O tema foi retomado em 2007, através da autoria e coordenação do Projeto I
Fórum de Ética e Cidadania de Sinop, patrocinado pelo Ministério da Educação e
Unesco e executado na Escola Estadual São Vicente de Paula, que objetivou
promover a discussão sobre ética, cidadania e direitos humanos, a partir da
interpretação dos índices de violência do município, o que, consequentemente, gerou
a discussão sobre o sistema prisional do estado. O projeto, além do reconhecimento
do MEC e da Unesco, recebeu o prêmio Construindo a Nação, do SESI, como 1º lugar
na categoria Escola de Ensino Médio, edição Mato Grosso. Mais uma vez, o alto
número de jovens encarcerados na penitenciária de Sinop, os quais estavam detidos
por envolvimento com tráfico de drogas, chamou a atenção, porém, dessa vez, o
impacto foi maior, uma vez que muitos dos que ali estavam tinham sido alunos na
escola, conhecidos de outros momentos e que, nos olhares de desculpas e vergonha,
refletiam nossa derrota em fazer da escola um espaço de transformação da realidade.
O presente estudo é composto por três sessões: a primeira, construída a partir
de revisão bibliográfica, trata da pena de privação de liberdade enquanto mecanismo
de contenção social adotada pelo Capital para controlar a ordem social e manter o
status quo. Para tanto, foram abordadas a criação das prisões enquanto espaço de
privação de liberdade e a necessidade constante de ampliação do poder punitivo do
Estado para o confinamento dos riscos sociais. Abordará ainda sobre como, ao longo
dos anos, camadas significativas da sociedade passaram, de objeto de caridade, a
vagabundas e, por fim, a inimigos públicos, condenados ao confinamento, por serem
pobres. Finalmente, a última parte tratará da mídia e seu papel na propagação do
ideário neoliberal promovido pelo individualismo, o ódio generalizado ao outro,
ampliando a insegurança e colaborando para a construção do medo social, o que, ao
final, levará a abertura de nichos no mercado da segurança privada, mas,
principalmente, à definição de sujeitos com valor jurídico diferenciados, alguns com
amplos direitos e cuja segurança deve ser assegurada, e outros que, por estarem
alheios à produção, perdem seu valor jurídico e passam a constituir um mal a ser
banido para fora do convívio social.
28

A segunda sessão é fruto de dados coletados a partir de questionário enviado


por meio da Secretária de Estado de Justiça e Direitos Humanos de Mato Grosso
(Sejudh) às direções das seis unidades penitenciárias, e de matérias jornalísticas
disponíveis na Internet. Tais fontes possibilitaram a construção de um panorama sobre
as condições de vida no sistema carcerário estadual, especificamente das seguintes
penitenciárias: Penitenciária Central do Estado (PCE), Centro de Ressocialização de
Cuiabá (CRC), Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, May, Penitenciária Dr.
Osvaldo Florentino Leite Ferreira, Penitenciária Major PM Eldo Sá Correa e
Penitenciária Major PM Zuzi Alves da Silva. Com esse estudo, foi possível vislumbrar
o paradoxo que existe na lógica de se encarcerar em massa, utilizando uma estrutura
falida e prestes a ruir. Enfim, a investigação nas penitenciárias de Mato Grosso
demonstrou ser estas um espaço de confinamento para os “indesejados” pelo capital,
local de descarte de jovens, negros, pobres, dos dejetos sociais que, segundo
Agamben (2007), adquirem a condição de homo sacer.
Finalmente, a sessão III discute a materialidade da LEP frente às situações
averiguadas durante a pesquisa, exercício que possibilitou demonstrar que, apesar do
arcabouço jurídico existente, na prática, são as medidas de exceção que vigoram nas
unidades penais mato-grossenses, submetendo as pessoas privadas de liberdade a
uma condição de homo sacer. A sessão se materializou a partir da consulta a fontes
documentais – a LEP e normativas da Sejudh – que regulam o funcionamento das
unidades penais do estado, adicionadas à revisão bibliográfica assentada nas obras
do filósofo italiano Giorgio Agamben, assim como na consulta de periódicos
disponíveis online.
As fontes utilizadas permitiram perceber que as penitenciárias de Mato Grosso
são territórios destinados a contenção dos indesejados sociais, locais onde a lei não
vigora, como ficou evidenciado na superlotação, no desrespeito às Leis, na justiça
seletiva, no encarceramento em massa e no recuo do papel do Estado na Execução
Penal, fazendo com que o crime organizado plante suas raízes e controle a vida intra
e extramuros. Tal condição só se estabelece sob um estado de exceção, onde a
proteção jurídica não se aplica. É nesse espaço de “vida nua” que estão depositados
os jovens, pretos, pardos e pobres de Mato Grosso, que não serve ao mercado, além
de representar um perigo iminente à manutenção do status quo e da propriedade
privada. Um depósito da “vida nua”, onde todos são matáveis e sacrificáveis.
29

Finalmente, cabe ressaltar que tal estudo é, antes de tudo, uma construção
coletiva, calcada na análise e discussão daqueles que contribuem para a construção
dos direitos das pessoas privadas de liberdade, os que entendem que o crescimento
do Estado Penal, a falência da estrutura prisional, a ausência de políticas sociais que
demarquem a atuação do Estado no sistema penitenciário, as precárias condições de
vida, o enfraquecimento da assistência jurídica ou a inexistência dela, o estigma que
envolve o preso e sua família, a falta de políticas de acompanhamento e apoio aos
egressos, entre outros aspectos, perpetuam o ciclo de criminalidade, anunciando uma
tragédia sem precedentes.
Desse modo, a dissertação se constitui em exercício analítico e reflexivo sobre
a vida no cárcere, o crime e o criminoso e sobre o percurso onde o aparato repressor
do Estado se funda a partir de medidas de exceção, tendo como referência as
unidades penitenciárias de Mato Grosso.
30

2 A MÃO INVISÍVEL DO MERCADO NECESSITA DO PUNHO DE FERRO DO


ESTADO

El neoliberalismo no es una teoría del desarrollo, el neoliberalismo


es la doctrina del saqueo total de nuestros pueblos.
Fidel Castro (Discurso, 1993)

Esta sessão trata das condições sócio-históricas, econômicas e políticas que


transformaram, ao longo dos séculos, o cárcere, de espaço de domesticação dos
indivíduos a depósito humano e de contenção social. Aborda também o papel do
Estado enquanto provedor das condições de manutenção do capital e que, juntamente
com a mídia, constroem o processo de transformação do pobre em inimigo -
criminalização da pobreza - e a consequente emergência do Estado penal como
política universal de contenção dos sobrantes do sistema.
Tal percurso foi possível a partir de uma revisão bibliográfica que inclui
clássicos, como Rousseau, Beccaria, Marx e Engels, e obras contemporâneas de
filósofos, educadores, historiadores, assistentes sociais e juristas, especialmente
Foucault, Wacquant, Goffman, Frigotto, Yasbek, Iamamoto, Baierl e Zaffaroni.
A leitura de Engels, Marx, Harvey, Frigotto e Iamamoto foi essencial para
iluminar o olhar acerca do papel do Estado, e como ele, desde o princípio, assegura
as condições necessárias à sustentação do capital, em detrimento da população
desprovida dos meios de produção e de condições básicas de sobrevivência.
Da mesma forma, ler Zaffaroni, Yasbek, Rezende Filho e Berhing foram
primordiais para compreender as mudanças nas formas de tratamento do pobre e da
questão da pobreza, passando, de caridade, a caso de polícia, inaugurando, assim, o
processo de criminalização dessa parcela da sociedade.
Finalmente, a leitura de Santo-Sé, Baierl e Garland foi fundamental para
entender o papel da mídia na construção do medo social e da insegurança
generalizada, que fornece elementos para a consolidação da figura do pobre como
perigo social e o Estado penal como medida de manutenção da ordem pública.

Toda essa caminhada permitiu um entendimento da situação vivenciada nas


últimas décadas, principalmente em relação à política neoliberal e conservadora que
assola o país e transforma parcela da população em uma ameaça à frágil ordem social
estabelecida, apresentando-a enquanto inimiga do Estado.
31

Ao analisar a ideologia neoliberal e sua ênfase na responsabilização


individualista – seja no mérito do sucesso, seja na culpabilidade do fracasso –
percebe-se que o Estado Democrático e de Direito não se concretiza para todos, ao
contrário, manifesta-se apenas no campo político (no ato de votar e ser votado), já
que os demais direitos - como o trato jurídico e o atendimento às necessidade básicas
e à dignidade humana - estão relegados ao campo do mérito pessoal, de acordo com
o valor social atribuído aos indivíduos pela sociedade.
Beccaria (2000, p. 15), em Dos Delitos e das Penas, esclarece essa questão:

Percorramos a História e constataremos que as leis, que deveriam


constituir convenções estabelecidas livremente entre homens livres,
quase sempre não foram mais o que o instrumento das paixões da
minoria, ou fruto do acaso e do momento, e nunca a obra de um
prudente observador da natureza humana, que tenha sabido orientar
todas as ações da sociedade com esta finalidade única: todo o bem-
estar possível para a maioria.

Assim, o estabelecimento da privação de liberdade enquanto sanção penal e a


necessidade da estrutura prisional – inicialmente como reformatório depois como
purgatório – levaram ao entendimento de que a justiça se assemelha a um ato de
vingança, principalmente em sociedades como a brasileira, historicamente marcada
por injustiças sociais, onde tem-se como legítimo o direito dos “homens bons” de
utilizar o castigo como exemplo, evitando que os demais não se deixem levar pelas
paixões particulares e se submetam à ordem. Ao validar socialmente essas práticas,
aceita-se o poder público de punir e, subjetivamente, de utilizá-lo enquanto vingança
coletiva, tanto quanto individual:

[...] a fim, pois de o pacto social não ser um vão formulário, nele
tacitamente se inclui a obrigação, a única que pode fortificar as outras;
que, se qualquer um se recusa a obedecer à vontade geral, todo o
corpo o force à obediência [...]. (ROUSSEAU, 2004, p. 34).

Na sociedade organizada, a obediência passa a ser uma questão vital,


principalmente por assegurar a posse da propriedade e garantir a “liberdade” do
indivíduo “dócil” (FOUCAULT, 1987), “normal12” (GOFFMAN, 2013), socialmente

12 Para Goffman (2013, p. 11;14), “A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o


total de atributos considerados comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias
[...]”, sendo que, aqueles que se adequam são o que Goffman chama de “normais”.
32

aceito, enfim, civilizado. Em tal entendimento social não entram em análise as


condições sócio-históricas e econômicas que determinaram a produção e reprodução
dos indivíduos, ao contrário, espera-se sua submissão cega ao sistema e as leis, como
se de fato a igualdade jurídica estabelecesse, magicamente, a igualdade material
(ROUSSEAU, 2004).
Não reconhecer que as condições sócio-históricas se apresentam enquanto
base da constituição do indivíduo como agente histórico e produto do seu tempo é
negar as condições necessárias à emancipação humana. Significa dizer que o homem
livre não dispõe de liberdade para o ser, devendo se limitar à sua condição de mão de
obra espoliada e a aceitar, de forma racional e pacífica, sua exploração.
Sendo assim, aquele que não adere à lógica neoliberal deve ser marcado,
segregado, punido e domado, por ser selvagem. O animal necessita ser domesticado
e as grades do zoológico humano garantem isso (FOUCAULT, 1987).

2.1 DO SUPLÍCIO AO ZOOLÓGICO HUMANO13: O SURGIMENTO DAS


PRISÕES

Prisão, essa pequena invenção desacreditada desde o seu


nascimento.
Michel de Foucault (Frases, 2017)

Segundo Marx, o capitalismo nasceu fadado ao fracasso, pois carregava em si


o germe de sua própria destruição. Logo, necessitava de mecanismos eficientes que
lhe permitissem sobrepujar suas contradições ontológicas. A prisão integra uma
dessas estruturas. Apesar de existir anteriormente, é no capitalismo que ela passa a
ter caráter de sanção penal, para dominar e disciplinar uma legião de homens e
mulheres expropriados dos meios de produção e explorados enquanto mão de obra.

Na Antiguidade, o ato de encarcerar estava ligado a uma ocorrência provisória


e tinha por objetivo custodiar aqueles que cometiam delitos ou crimes estabelecidos

13 Segundo Foucault (1987), a estrutura panóptica utilizada por Jeremy Bentham para a concepção
arquitetônica de penitenciária ideal foi inspirada em um zoológico de Versalhes do séc. XVII, cujo
conceito era reunir o maior número de animais em um único espaço, fator que facilitaria a observação
individualizada, a classificação e a organização.
33

a partir de códigos de conduta – como, por exemplo: o não pagamento de dívidas e


impostos, a condição de serem estrangeiros ou prisioneiros de guerra – até a
execução da penalidade.
Mesmo não existindo a arquitetura prisional, aqueles que cometiam atos
infracionais eram mantidos provisoriamente em masmorras ou outras instalações. As
punições eram aplicadas pelo Estado, podendo variar de violência corporal,
escravização ou até mesmo execução:

A existência da forma-prisão é anterior à sua utilização sistemática nas


leis penais. Embora seja inegável que o encarceramento de
criminosos existiu desde os tempos mais remotos, ele não tinha o
caráter de sanção penal. Até os fins do século XVIII, a prisão serviu
apenas aos objetivos de contenção e guarda dos réus, para preservar
sua integridade física até o momento de serem julgados e executados.
[...]. (REISHOFFER; BICALHO, 2015, p.13).

Dessa forma, cabia aos infratores aguardar os suplícios e espetáculos


consagrados pelas punições aplicadas. Os aprisionamentos se consistiam em
garantia do domínio físico daquele a ser punido. Segundo Foucault (1987, p. 49):

Procurava-se dar o exemplo não só suscitando a consciência de que


a menor infração corria sério risco de punição; mas provocando um
efeito de terror pelo espetáculo de poder tripudiando sobre o culpado.

A exposição espetacular do suplício servia para disciplinar e conter,


compartilhando publicamente o que acontecia com aquele que violava a ordem
estabelecida. Antes de tudo, era um aviso do que estava por vir:

[...] As pessoas não só têm que saber, mas também ver com seus
próprios olhos. Porque é necessário que tenham medo; mas também
porque devem ser testemunhas e garantias da punição, e porque até
certo ponto devem tomar parte nela. Ser testemunha é um direito que
eles têm e reivindicam; um suplício escondido é um suplício de
privilegiado [...]. (FOUCAULT, 1987, p. 49).

A comunhão do espetáculo reforçava a ideia de contenção, impunha os limites


socialmente aceitos, mas, principalmente, reforçava o poder, tanto de quem
estabelece a punição quanto daquele que se sente digno para exigir seu cumprimento,
relegando aos criminosos um lugar único e abjeto na sociedade.
34

Um dos códigos mais antigos, o Código de Hamurabi 14, com a conhecida Lei
de Talião, vedava a punição excessiva de forma privada por parte da vítima. A
reparação deveria ser de maneira equivalente à infração cometida, e era estipulada a
partir da tipologia do crime cometido e do status de vida pública do criminoso. Segundo
Bouzon (1987, p. 32):

O “Código” de Hamurabi divide a população em três grupos sociais. O


homem livre, com todos os direitos de cidadão, é chamado de awilum.
Esse grupo constituía, sem dúvida, a camada mais ampla da
sociedade babilônica [...]. Havia, naturalmente, entre os awilum uma
gama enorme de diferenças sociais. Esta classe abrangia desde
influentes governadores, sacerdotes e ricos comerciantes até simples
camponeses [...].

Além do grupo de homens livres, havia os wardum (escravo) e os amtum


(escrava), grupo minoritário que, geralmente, era constituído de capturados como
prisioneiros de guerra (BOUZON, 1987). O código ainda cita um terceiro grupo
chamado de MAŠ.EN.KAK, cujo significado exato e hierarquia social são
desconhecidos.
Entretanto, fica evidente que para aqueles que detinham posses, considerados
hierarquicamente superiores aos demais, eram atribuídas multas. Já, para aqueles
que nada dispunham, restava retirar seu bem mais valioso, a vida.
Interessante observar que, a partir da Dinastia de Ur III, passou a vigorar com
maior frequência, principalmente na Babilônia, a possibilidade de entregar a “si
mesmos ou membros de sua família como escravos, para pagar uma dívida”, de
acordo com o que previa o §117 do citado Código, um dos primeiros sinais da privação
da liberdade como sanção penal e como transferência do trabalho:

Se uma dívida pesa sobre um awilum e ele vendeu sua esposa, seu
filho ou sua filha ou (os) entregou em serviço pela dívida, durante três
anos trabalharão na casa de seu comprador ou daquele que os tem
em sujeição, no quarto ano será concedida a sua libertação.
(BOUZON, 1987, p. 131).

Assim como na Antiguidade, no período Medieval também era incomum a


privação de liberdade, não sendo necessária a existência de um local específico para

14 Conjunto de leis escritas de origem mesopotâmica, datada de, aproximadamente, 1772 a. C..
35

o encarceramento. Mais uma vez, o cárcere era apenas um local para manter, sob
custódia, aqueles que sofreriam as punições, definidas pelos governantes, sempre de
acordo com o status social do réu.
Os delitos variavam de blasfêmia, heresia, traição, inadimplência e vadiagem.
As punições eram variavam entre amputação, forca, guilhotina e desmembramento,
todas executadas publicamente e assistidas por multidões. Tais exemplos de
punições públicas eram comuns na Idade Média, sendo o suplício amplamente
valorizado enquanto mecanismo capaz de tornar exemplares as regras de conduta
social. Além disso, tais castigos não atingiam apenas o infrator, mas toda a sua família,
que permanecia, em alguns casos, durante anos estigmatizada socialmente.
Na Idade Moderna, com a miséria que assolava diversos Estados nacionais
durante a implantação dos novos processos de manufaturas e o crescimento das
cidades, o número de expropriados aumentou drasticamente e com eles a
criminalidade. Trabalhadores de todo o mundo eram submetidos a condições
precárias de labor e de vida, assim como a ausência de estruturas mínimas que
assegurassem a dignidade humana. Com essa realidade de exploração constante e
sistemática, o crime se apresentava como uma via de sobrevivência:

O desprezo pela ordem social manifesta-se com a maior clareza em


sua mais extrema expressão, o crime. Quando as causas que
concorrem para degradar moralmente o operário atuam com mais
força e impacto do que de hábito, é tão certo ele tornar-se um
criminoso como é certo que a água passa do estado líquido ao gasoso
se aquecida a 80º Réaumur7. Sob a ação brutal e embrutecedora da
burguesia, o operário transforma-se numa coisa tão desprovida de
vontade como a água e, como esta, submete-se às leis da natureza
com a mesma inevitabilidade – num certo ponto, qualquer liberdade,
para ele, deixa de existir. É por isso que, na Inglaterra, a criminalidade
aumentou em paralelo ao aumento do proletariado e hoje, no mundo,
a nação inglesa detém o primado da delinquência. (ENGELS, 2010a,
p. 167-168).

Ao assumir uma face demasiadamente perversa, o Capital contingenciou


homens e mulheres a se submeterem ao sistema ou, através de vias alternativas, no
caso o crime, dispor de condições materiais para sua sobrevivência. Os delitos se
proliferavam de forma alarmante, colocando a propriedade privada sob constante
risco:
36

[...] Com a multiplicação das riquezas e da propriedade para poucos e


o desenvolvimento da produção, aumenta-se a população miserável,
tornando-se imperativo o aperfeiçoamento dos instrumentos de
controle social para assegurar a ordem pública, Surgem os primeiros
rudimentos da Polícia e passam a constituir-se aparelhos judiciários
que, a serviço da burguesia, irão perseguir e punir as ilegalidades
diretamente ligadas à propriedade em detrimento aos crimes de
sangue e que, nos séculos anteriores, tinham prioridade de
penalização.[...]. (REISHOFFER; BICALHO, 2015, p. 17).

Dessa forma, se fez urgente elaborar mecanismos de contenção social e de


punição. Segundo Foucault (1987, p. 76), foi necessário “[...] diminuir seu custo
econômico e político aumentando sua eficácia e multiplicando seus circuitos. Em
resumo, constituir uma nova economia e uma nova tecnologia do poder de punir [...]”.
Assim, a aplicação de punições outrora perpetradas publicamente e a necessidade de
contenção, repressão e punição de uma população cada vez maior, deram origem às
instituições prisionais:

[...] Em oposição ao poder de punir excessivo, incerto e desigual


disponível nas mãos do soberano, tornou-se imperativo realizar uma
nova economia do poder de castigar: torná-lo mais regular, necessário
e universal, além de inseri-lo de forma profunda e extensível a todo o
corpo social. [...]. (REISHOFFER; BICALHO, 2015, p. 14).

Ainda de acordo com Foucault (1987, p. 76), ”O direito de punir deslocou-se da


vingança do soberano à defesa da sociedade”. O suplício e o espetáculo, outrora tão
valorados, passaram por modificações “[...] diante da exigência de uma universalidade
punitiva concretizada no sistema penitenciário [...]” (FOUCAULT, 2012, p. 33), que
congrega uma enormidade de infratores, que cometeram a mesma pena, em um único
espaço: a privação de liberdade. Ora, nada mais racional do que promover a pena de
acordo com a medida fundante do capitalismo, o tempo:

Tempo de trabalho socialmente necessário é o tempo de trabalho


requerido para produzir-se um valor qualquer nas condições de
produção socialmente normais existentes e com grau social médio de
destreza e intensidade do trabalho. (MARX, 2014, p. 61).

O tempo, até então regulador da produção, passou a ser o grau de reparação


dos delitos, sob alegação de que “[...] o castigo deve ter a ‘humanidade’ como medida
[...]” (FOUCAULT, 1987, p. 64). Para Faceira (2015, p. 1),
37

[...] Assim, os sistemas penais são organizados de acordo com a


configuração do modo de produção capitalista, sendo a propriedade
privada eleita como objeto de máxima proteção e sua violação sendo
atacada com a privação de liberdade do infrator.

Dessa forma, o modo de produção capitalista concebe duas formas de controle


absoluto na domesticação dos sujeitos: uma, sobre os trabalhadores desapropriados
dos meios de produção, que são obrigados a vender sua força de trabalho de forma
“livre” e sob quaisquer condições, aprofundando a exploração material e ideológica,
e, outra, o cárcere, destinado à contenção do exército industrial de reserva. Segundo
Santos (2010, p. 438), “[...] o trabalhador integrado no mercado de trabalho é
controlado pela disciplina do capital, enquanto o trabalhador fora do mercado de
trabalho é controlado pela disciplina da prisão”. Com qualquer uma delas, o objetivo
de manutenção da ordem social é alcançado e, em ambos os casos, a vigilância
permanente deve ser garantida pela estrutura panóptica, seja na fábrica, onde os
trabalhadores exercem suas atividades sob o olhar atento do patrão, na escola,
perante a inexorável disciplina do professor, ou na prisão, onde os custodiados são
mantidos sob indelével e imperceptível observação. Assim, a estrutura panóptica
serve para ao funcionamento da fábrica, da escola e da prisão.
Segundo Foucault (1987, p. 168), a construção da primeira estrutura panóptica
de prisão teve por inspiração um zoológico em Versalhes: “[...] O panóptico é um
zoológico real; o animal é substituído pelo homem, a distribuição individual pelo
grupamento específico e o rei pela maquinaria de um poder furtivo [...]”. O conceito
panóptico passa a ser a marca da nova concepção, não apenas do que se entende
por punição, mas também do entendimento que se passa a ter do crime e do criminoso
no interior de um modo de produção que necessitava, cada vez mais, de mecanismos
que o suportasse.
A prisão, como espaço específico de privação de liberdade, foi pensada
exatamente para aqueles que não possuíam bens e, com isso, ficavam
impossibilitados de compensarem seus delitos. De acordo com Zaffaroni e Pierangeli
(2011, p. 263):
[...] Quando um cidadão não paga uma indenização devida como
resultado da violação de um contrato é forçado a fazê-lo (dele é
expropriado algo de valor), mas os homens dessa massa criminalizada
nada possuíam. O que deles se expropriava? A única coisa que
podiam oferecer no mercado: sua capacidade de trabalho, sua
liberdade.
38

No início do século XX, a função da prisão mais uma vez se desloca, dessa
vez em consonância com o Welfare State, na busca pela humanização do cárcere e
enquanto espaço de promoção da reinserção social, o welfare penal. Tal movimento
chegou tardiamente no Brasil, por volta da década de 1970, deixando como fruto a
LEP, uma tentativa de promover a dignidade nas prisões e assegurar direitos mínimos
às pessoas privadas de liberdade, porém, embora a LEP seja um marco jurídico, a
prisão nunca deixou de ser um espaço destinado aos sobrantes, vista como último
recurso para contenção da barbárie social alimentada diariamente pelo capitalismo.
Portanto, as instituições prisionais nascem da necessidade da sociedade
capitalista disciplinar os corpos e viabilizá-los ao mercado de trabalho, enquanto
massa disforme e manipulável, ao mesmo tempo em que se garante a manutenção
da propriedade privada e dos meios de produção sob o domínio de poucos, mantendo
sobre controle, mesmo que a um alto custo, a harmonia social.

2.2 O ESTADO A SERVIÇO DO CAPITAL

O Estado é a organização econômica-política da classe burguesa. O


Estado é a classe burguesa na sua concreta força atual.

Gramsci (Scritti giovanili. Turim, Einaudi, 1975).

A partir da década de 1970, o capital passou a necessitar de uma nova


organização produtiva, que Harvey (2002, p. 140) cunhou de “acumulação flexível”,
um processo de transformação atrelado à ideologia neoliberal e capaz de alterar a
concepção de trabalho e de espaço geográfico, que, consecutivamente, tem impacto
direto na reprodução dos trabalhadores:

A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um


confronto direto a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos
processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e
padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de
produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de
serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente
intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A
acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do
desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões
geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego
no chamado “setor de serviços” bem como conjuntos industriais
completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas [...].
39

Mais uma vez se faz necessária a reconstrução das estruturas de dominação e


a renovação das estratégias de obtenção de mais-valia, já que o Estado de Bem-Estar
Social – solução encontrada para o enfrentamento da crise de superprodução de 1930
– não garantiam mais os lucros aviltantes da burguesia. Segundo Frigotto (2010, p.
66), “[...] O que entrou em crise nos anos 1970 constituiu-se em mecanismos de
solução da crise de 1930: as políticas estatais, mediante o fundo público, financiando
o padrão de acumulação capitalista [...]”. Tal afirmação deixa claro o processo cíclico
do capital, onde medidas são adotadas para reavivar os ganhos de poucos
empresários em detrimento de uma massa de despossuídos. Frigotto (2010, p. 66) é
enfático ao afirmar que a crise vivenciada a partir dos anos 70 não é fruto da
intervenção do Estado e das políticas sociais, ao contrário, decorre do próprio
processo de acumulação:

[...] A crise não é, portanto, como a explica a ideologia neoliberal,


resultado da demasiada interferência do Estado, da garantia de
ganhos de produtividade e da estabilidade dos trabalhadores e das
despesas sociais. Ao contrário, a crise é um elemento constituinte,
estrutural, do movimento cíclico da acumulação capitalista, assumindo
formas específicas que variam de intensidade no tempo e no espaço
[...].

Iamamoto (2001, p. 19) concebe essa reorganização enquanto um processo


complexo que aumenta as desigualdades, onde a abrupta abertura econômica para o
capital internacional coloca em xeque a indústria nacional, sendo que a necessidade
de investimentos faz crescer as dívidas, interna e externa, e todos os seus
desdobramentos que pesarão sobre o papel do Estado na proteção aos trabalhadores:

[...] As exigências do pagamento dos serviços da dívida, aliada às


elevadas taxas de juros, geram escassez de recursos para
investimento e custeio. Favorece os investimentos especulativos em
detrimento da produção, o que se encontra na raiz da redução dos
níveis de emprego, do agravamento da questão social e da regressão
das políticas sociais públicas.

Essa fase de reconfiguração econômica do capital, segundo Iamamoto (2001,


p. 14), atrelada ao volume incessante de inovações e tecnologia “gera meios de
produção mais eficientes, impulsionando o aumento da produtividade do trabalho
social”. Logo, a intensificação da jornada de trabalho e a redução do tempo
40

socialmente necessário levaram ao arrefecimento da demanda pelo trabalho vivo, o


que impactou o agravamento da questão social:

[...] A necessidade de redução de custos para o capital revela-se na


figura do trabalhador polivalente, em um amplo enxugamento das
empresas com a terceirização e a decorrente redução do quadro de
pessoal tanto na esfera privada quanto governamental. A concorrência
entre os capitais estimula um acelerado desenvolvimento científico e
tecnológico, que revoluciona a produção de bens e serviços. Apoiada
na robótica, na microeletrônica, na informática, dentre outros avanços
científicos, a reestruturação produtiva afeta radicalmente a produção
de bens e serviços, a organização e gestão do trabalho. Verificam-se,
em decorrência, mudanças nas formas de organizar a produção e
consumir a força de trabalho, envolvendo amplo enxugamento dos
postos de trabalho e a precarização das condições de trabalho.
Reduz-se assim a demanda de trabalho vivo ante o trabalho passado
incorporado nos meios de produção, com elevação da composição
técnica e de valor do capital. (IAMAMOTO, 2001, p. 20).

Frigotto (2010, p. 64-65) alerta para o impacto que as novas tecnologias


provocaram, quando conduzidas sob a ótica da exclusão social, e o quanto as
relações no mundo do trabalho sofreram modificações:

O ponto crucial é que o fato de a nova e fantástica base técnica,


potenciadora das forças produtivas, dar-se sob relações de exclusão
social, ao contrário de liberar tempo livre enquanto mundo da
liberdade, produz tempo de tensão, sofrimento, preocupação e flagelo
de desemprego estrutural e subemprego. O trabalho, enquanto força
de trabalho, passa a constituir-se numa preocupação visceral de tal
sorte que, perversamente, como nos indica Francisco de Oliveira
(1990, p. 12) o caráter excludente das relações sociais determina que,
nestas circunstâncias, o trabalhador lute para manter-se ou para
tornar-se mercadoria.

Iamamoto (2001, p. 16), ao abordar o cerne do sistema capitalista, evidencia


as condições desiguais em que trabalhadores e capitalistas se apresentam no
mercado, uma vez que a “capacidade de trabalho é mera potência” e os trabalhadores
só conseguem viabilizá-la se houver demanda por parte dos detentores dos meios de
produção. Dessa forma, a condição de existência, de produção e reprodução dos
trabalhadores depende exclusivamente “de um conjunto” de mediações sociais, onde
o papel do Estado é decisivo para a manutenção da vida e da dignidade da pessoa
humana para determinados segmentos sociais:
41

Isso faz com que o trabalho excedente dos segmentos ocupados


condene à ociosidade socialmente forçada amplos contingentes de
trabalhadores aptos ao trabalho e impedidos de trabalhar, mais além
dos incapacitados para à atividade produtiva. (IAMAMOTO, 2001, p.
14-15).

Wacquant (2012, p. 15-16), utilizando Bourdieu, aclara sobre como o Estado,


nesse processo, se converte em arena, onde objetivos antagônicos e desiguais se
enfrentam a todo o momento:

Em A miséria do mundo e ensaios correlatos, Pierre Bourdieu propõe


que interpretemos o estado não como um conjunto monolítico e
coordenado, mas sim como um espaço fragmentado de forças que
disputam a definição e a distribuição de bens públicos, o qual ele
denomina “campo burocrático”. A constituição desse espaço é o
resultado final de um processo de longo prazo de concentração das
diferentes modalidades de capital que operam em uma dada formação
social, especialmente o “capital jurídico como a forma objetivada e
codificada de capital simbólico”, que capacita o estado a monopolizar
a definição oficial de identidades, a promulgação de padrões de
condutas e a administração da justiça.

A análise de Wacquant sobre o campo burocrático e como ocorrem os


enfrentamentos e tensionamentos no seu interior é elucidativa: a mão direita do
Leviatã, que atende aos interesses do capital, e a mão esquerda, o lado feminino do
Estado, responsável pelas funções sociais:

[...] No período contemporâneo, o campo burocrático é atravessado


por duas lutas intestinas. A primeira contrapõe a “grande nobreza do
estado”, a dos formuladores de políticas que promovem reformas
orientadas para o mercado, à “pequena nobreza do estado”, a dos
executores ligados às missões tradicionais de governo. A segunda
coloca em oposição o que Bourdieu, pegando carona no retrato
clássico de Hobbes de governante, chama de “mão esquerda” e “mão
direita” do estado. A mão esquerda, o lado feminino do Leviatã, é
materializada pelos ministérios “dos desperdícios”, encarregados das
“funções sociais”- educação pública, saúde, habitação, bem-estar
social e legislação trabalhista – que oferecem proteção e amparo às
categorias sociais desprovidas de capital econômico e cultural. A mão
direita, o lado masculino, tem como tarefa reforçar a nova disciplina
econômica através de cortes no orçamento, incentivos fiscais e
desregulamentação econômica. (WACQUANT, 2012, p. 16).

Como se pode observar na citação acima, Wacquant é taxativo ao demonstrar


o papel fundamental que o Estado assume frente ao capital, no que tange à
42

sustentação do sistema, principalmente em suas reincidentes crises, reavivando, à


custa da maioria da população, um sistema ontologicamente falido.
Outra faceta do regime de acumulação flexível é a ideologia neoliberal, que
valora os indivíduos e determina seu local na sociedade, ou a margem dela. Na
ideologia neoliberal, o indivíduo é o único responsável por seu sucesso ou fracasso,
tendo por base sua liberdade e capacidade de produzir seus mínimos de subsistência:

No que concerne ao neoliberalismo, o mesmo resulta da incapacidade,


ao longo da história do capitalismo, da teoria social em explicar e
resolver o conflito insanável entre o indivíduo, suposta e formalmente
livre e em igualdade de condições, e a assimetria de poder entre as
classes e frações de classes sociais. A saída neoliberal foi a criação
de um decálogo de princípios doutrinários orientando a reestruturação
do sistema, mediante a supressão de direitos, a privatização do
patrimônio público, o retorno às teses da soberania do mercado livre
de qualquer controle e a afirmação do individualismo. A máxima de
Margareth Thatcher de que não via a sociedade, mas indivíduos, e
sobre a qual busca quebrar a espinha dorsal da organização dos
trabalhadores e de seus direitos, deu o sinal de largada das políticas
do ajuste neoliberal. (FRIGOTTO, 2009, p. 04)

Nesse sentido, o receituário neoliberal é claro: privatizações, flexibilização das


relações de trabalho, abertura do mercado financeiro e o enxugamento dos gastos
sociais do Estado, gerando, automaticamente, a diminuição da proteção social e o
agravamento da questão social. Segundo Frigotto (2010, p. 174), “a ideia de Estado
mínimo significa o Estado máximo a serviço dos interesses do capital”. Considerando
que o Brasil nunca estruturou um modelo de Welfare State semelhante a alguns
países europeus, percebe-se que o impacto das medidas neoliberais produz um efeito
ainda mais nefasto, visto ser encabeçado por uma burguesia que, para se manter no
poder, alicerça-se em uma história de dominação, expropriação, violência,
autoritarismo social e exclusão, diminuindo ainda mais as parcas condições de
subsistência dos trabalhadores.
Embora os ajustes lançados oficialmente no Consenso de Washington não
mencionassem medidas penais, Wacquant (2011, p. 17) ressalta que elas constituem
um complemento ao Estado Mínimo neoliberal, pois, uma vez que a engrenagem do
regime de acumulação flexível estivesse em funcionamento total, apenas a força
coercitiva do Estado seria capaz de manter a ordem social:
43

[...] Na era do trabalho fragmentado, do capital hipermóvel e do


aguçamento das desigualdades e ansiedades sociais, o “papel central
da assistência na regulamentação do trabalho e da manutenção da
ordem social” (Piven e Cloward, 1993, xviii) é deslocado e
adequadamente suplementado pelo vigoroso emprego da polícia, dos
tribunais e da prisão nos estratos mais baixos do espaço social. À falta
de atenção para com os pobres por parte da mão esquerda do estado
contrapõe-se, com sucesso a dupla regulação da pobreza pela ação
conjunta da assistência social transformada em trabalho social e de
uma agressiva burocracia penal. A cíclica alternância de contração e
expansão da assistência pública é substituída pela contração contínua
do bem-estar e pela expansão descontrolada do regime prisional.

Na compreensão do sistema prisional enquanto um braço do capitalismo, sua


função social é de suma importância, pois delimita um espaço à massa de excluídos
– adjetivados por Marx (2013) e Mészáros (2006) como “supérfluos” e, por Wacquant
(2011), como “dejetos sociais” – evidenciando que, enquanto vigorar esse modo de
produção, somente o “pulso de ferro” do Estado Penal poderá conter, mesmo que
precariamente, os expropriados pelo capital. Nesta perspectiva, a maximização do
Estado Penal não é a solução definitiva para a crise, mas apenas um paliativo com
alto custo social. Assim como em outros períodos históricos, as alternativas são
temporárias e abrem novas rachaduras no interior do sistema.

2.3 QUANDO O CRIME É SER POBRE

Para que aconteça o extermínio é imprescindível que antes se formule


um discurso legitimante.
Raúl Zaffaroni (2012)

Originária do latim paupertas, o termo pobreza assumiu, de acordo com as


configurações sócio-históricas vigentes, diversos significados ao longo da história,
passando de qualidade e virtude – essencialmente pela influência da Igreja Católica –
a vergonha. O termo começou a ser utilizado a partir de século V, durante o modo de
produção feudal. Rezende Filho (2009, p. 2) esclarece o uso da palavra pobre durante
a Idade Média:

A palavra pobre (pauper), por sua vez, sofreu uma alteração


significativa. Originalmente, tinha um sentido adjetivo, denotando uma
qualidade: “uma determinada pessoa é pobre”. Designava pessoas
pertencentes a categorias sociais distintas, atingidas por uma
carência: um homem pobre, um camponês pobre ou um clérigo pobre.
Ao longo do tempo, o vocábulo adquiriu valor substantivo: a pessoa
44

torna-se “um pobre” (MOLLAT, 1966, p. 6-23). E seu emprego no plural


(pauperes) passou a traduzir a percepção quantitativa de um grupo
social de fato e o despertar de um sentimento de piedade ou de
inquietude suscitado pelo número de pobres. Ou seja, a palavra
“pobre” passou a designar uma categoria social específica, foi
numericamente majoritária, durante aquele período.

Ainda na Idade Média, várias foram as designações atribuídas à palavra


pobreza para identificar os indivíduos e seus infortúnios:

Devem-se considerar, ainda, os diferentes significados designativos


de que a palavra “pobre” se revestiu: famelicus, para nomear os
deficientes alimentares; nudus, aqueles carentes de vestuário; os
deficientes físicos e os doentes, caecus (os cegos), claudus (os
aleijados), infirmus (os doentes), leprosus (os leprosos), vulneratus (os
feridos), debilis (os fracos), senex (os velhos); os deficientes mentais,
idiotus (os idiotas), simplex (os retardados); aqueles que passavam
por situações de adversidade, orphanus (os órfãos), viduae (as
viúvas), captivus (os prisioneiros); os humilis, aqueles privados de
justiça; e, os inermes, aqueles incapazes de se defender, entre tantos
outros. (REZENDE FILHO, 2009, p. 2).

Importante ressaltar que no início da Idade Média a pobreza se apresentava


como necessária, uma vez que era a partir dela que se diferenciava os homens de
bem, aqueles que praticavam a caridade. Ora, nada mais imprescindível que a
existência de pobres para a construção social dos bons cristãos:

Não se pode erradicar a pobreza! O que na Antiguidade era


generosidade, na forma de donativos distribuídos pelo Estado
Romano (anona), tornou-se, com o cristianismo, caridade, que,
juntamente com a fé e a esperança, compõe as virtudes teologais.
(REZENDE FILHO, 2009, p. 3).

Além disso:

A Vida de Santo Elói, obra que cobre o período 588-660, traz uma
passagem lapidar: “Deus teria podido fazer todos os homens ricos,
mas quis que houvesse pobres neste mundo para que os ricos
tivessem uma oportunidade de redimir seus pecados” (MIGNE, 1885,
87, col. 533). Trata-se da dialética da pobreza. (REZENDE FILHO,
2009, p. 4).

Rezende Filho (2009) ressalta ainda que, a princípio, a Igreja atribuía seus bens
como patrimônio dos pobres e, nesse contexto, o bispo era figura chave na prática da
45

caridade, o que pode ser verificado em algumas resoluções dos Concílios da Igreja
Católica, como o de Orleans (511), quando ficou estabelecido que parte dos
rendimentos dos bispos fossem destinados a suprir as necessidades dos pobres, e o
de Mâcon (585), quando ficou proibido que os bispos utilizassem cães para impedir a
aproximação dos necessitados.
Com o passar do tempo, a figura do monge, reconhecidamente caridosa,
assumiu o papel desempenhado pelo bispo na assistência aos necessitados,
entretanto, com a miséria que assolou a Europa feudal, o número de pobres, não
apenas da cidade, mas também do campo, se agigantou:

O monge, voluntariamente o pobre de Cristo (pauper Christi), passa a


atender aos pobres involuntários (pauperes inviti). A hospitalidade
beneditina torna-se lendária. Ricos, pobres, viajantes, peregrinos,
todos, sem distinção, recebem, ao menos, acolhida por uma noite e
duas refeições, sendo os necessitados alojados na hospedaria dos
pobres (hospitale pauperum), o que já denota uma clara distinção
social. E, no século IX, o monge encarregado da admissão de
estranhos no mosteiro, o porteiro, passou também a ser o encarregado
da administração do celeiro, sinal inequívoco dos tempos. (REZENDE
FILHO, 2009, p. 4).

A ordem franciscana desempenhou papel importante ao modificar o conceito


de pobreza – percebida como virtude e propositiva da inclusão social – porém, tal
concepção não ganhou muitos adeptos, prevalecendo o conceito de indignidade e de
culpabilidade pela condição individual:

O infortúnio do pobre não é senão fruto de seu mau ânimo e de sua


preguiça, e a pobreza passa mesmo a ser vista como um castigo divino
(FRANCO JÚNIOR, 1995, p. 105). A pobreza torna-se uma
indignidade, um fracasso, aos olhos de quem ocupa uma função
(officium). No dizer de São Boaventura, em meados do século XIII, “A
pobreza é a mãe de todos os vícios porque ela agride a ordem social,
ela é um escândalo” (turpitudo). E, nos sermões dominicais de finais
do século XIII, a avareza deixa de ser apontada como um pecado
grave. (FOSSIER, 1970, p. 146-147; REZENDE FILHO, 2009, p. 6).

A crise que marca o fim do modo de produção feudal e o renascimento urbano


abriu espaço para inovações tecnológicas, aumento da produção, crescimento de
atividades comerciais, o que levou as pessoas a buscar novas oportunidades nas
cidades. Longe dos feudos e não mais presos à terra, o trabalhador apresentava-se
ao mercado desprovido dos meios de produção e sem condições de prover sua
46

subsistência, restando apenas a venda de sua mão de obra. Dessa forma, esses
homens livres passam a compor o proletariado urbano, “[...] Sendo livre, o homem
deve saldar todas suas obrigações em dinheiro, uma vez que as obrigações em
trabalho traduzem a marca da servidão [...]” (REZENDE FILHO, 2009, p. 5).
É nesse contexto que o pobre passou a ser considerado abjeto, sem valor,
indigno e culpado por sua condição. A miséria, que promove o crime e a violência,
passou a ser sinônimo dos indivíduos que compõem esse nicho social, a pobreza.
Naquele período, são criadas instituições assistenciais específicas para atender aos
pobres, preferencialmente em lugares afastados, longe do convívio com os demais.
Segundo Rezende Filho (2009, p. 6):

O reflexo dessa nova visão é a multiplicação das Instituições


Assistenciais e a difusão da prática da caridade coletiva. A esmola não
é mais dada diretamente ao pobre, mas à Igreja, e não mais na forma
de víveres, mas em dinheiro. Ao mesmo tempo, assiste-se à difusão
dos Leprosários e dos Hospitais urbanos que, seguindo a fórmula
“cuidemos de nossos senhores os doentes, nossos senhores os
pobres” (Imbert, 1947, pp. 78-86), procuravam afastar do convívio
comum às marcas da indignidade e do fracasso, expostas pelos
pobres e pelos doentes. Também as Confrarias e as Santas Casas de
Misericórdia, que se popularizam ao longo do século XII, as primeiras
dedicadas à atenção aos enfermos e aos necessitados, e as segundas
sendo mais um abrigo que propriamente um local de tratamento,
operavam na mesma direção: limpar as cidades de seus traços
degradantes. Deve-se esconder a pobreza, ela é feia e, com sua
presença, envergonha a sociedade.

Na sociedade contemporânea neoliberal, a figura do pobre ainda carrega essas


conotações, porém, a ela foi incorporado o signo de perigo. O pobre não é somente
despossuído dos meios de produção, desprovido de bagagem cultural, de hábitos e
atitudes de urbanidade, personificando também o mau, aquele que subsiste na
criminalidade, passando a constituir um perigo real a todos aqueles que vivem de
acordo com o modo de produção capitalista, isto é, que têm acesso aos bens e à
riqueza socialmente construída.
Na matriz ideológica do neoliberalismo, teorias buscam resolver as limitações
que colocam em risco a sociedade capitalista de consumo, seja para justificar as
desigualdades sociais, seja para conter os excluídos pelo capital. Tanto uma como
outra apresentam um traço comum: a criminalização da pobreza:
47

Os modos favoritos de expressão punitiva são, também e


principalmente, modos de segregação e de estigmatização penal. A
preocupação política, hoje em dia, não é apenas puramente punitiva,
nem somente orientada à proteção do público. O novo ideal penal é
que o público seja protegido e que seus sentimentos sejam
expressados. A segregação punitiva – longas penas cumpridas em
cadeias sem privilégios e uma existência marcada e monitorada para
aqueles que sejam finalmente libertados – é cada vez mais, a
estratégia penal preferida. (GARLAND, 2014, p. 316).

Segundo o estudo do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento


Inclusivo (IPC-IG)15, vinculado ao Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), houve um decréscimo da população brasileira que vivia na
extrema pobreza16, entre os anos de 2004 a 2013, entretanto, a projeção é
preocupante, tendo em vista as últimas medidas de cunho liberal adotadas pelo
governo brasileiro, a partir de setembro de 201617:

A pobreza e a extrema pobreza vêm diminuindo de modo expressivo


nos últimos dez anos (2004-2013). A prevalência da pobreza caiu de
20 por cento para pouco mais de 9 por cento da população. No caso
da extrema pobreza, a prevalência caiu de 7 por cento para 4 por
cento. Verifica-se, no atual momento, uma descontinuidade nessa
redução, dado que dois fatores fundamentais da queda da pobreza
apresentam limitações ou problemas bem significativos: o mercado de
trabalho e o gasto social, notadamente o assistencial e o da
previdência. (SOARES et al., 2015, p. 1).

Vale ressaltar que, além dos que vivem na pobreza e na extrema pobreza,
outras parcelas da população serão duramente atingidas com as medidas neoliberais
do atual governo. A título de exemplificação, é o caso dos aposentados e servidores
públicos, que sofrerão um processo de pauperização – que pode chegar a 20 anos –
colocando-os lado a lado com a orla de excluídos.

15 Disponível em <https://goo.gl/HKq9wA>. Acesso em 03 dez. 2016.


16 Segundo o Banco Mundial, estariam na linha de pobreza extrema aqueles que vivem com menos
de 1 dólar dos Estados Unidos diário. Segundo o IDEA, estão em situação de extrema pobreza
aqueles que vivem com rendimento mensal domiciliar de até um quarto do salário mínimo per capita.
17 Em 31 de agosto de 2016, a presidente da República, Dilma Rousseff, foi afastada e impedida de

continuar seu mandato, acusada de crime de responsabilidade. Assumiu o vice-presidente, Michel


Temer. Embora membro da chapa de Dilma Rousseff, Temer coloca em prática seu projeto de
governo intitulado Ponte para o Futuro, plano neoliberal que propõe a retirada de direitos sociais e o
congelamento dos investimentos em educação e saúde, implementando mudanças estruturais, como
a reforma do Ensino Médio e da Previdência, além de desativar outros tantos programas de geração
e distribuição de renda, o que impactará na produção e reprodução dos trabalhadores e no
direcionamento das políticas públicas.
48

Paradoxalmente, esta massa de despossuídos produzida pelo capital se


constitui em um entrave a ele, uma vez que, para ser controlável, necessita de
recursos inestimáveis por parte do Estado – o que contrapõe a lógica neoliberal do
recuo dos direitos sociais – para sanar um problema que promove vários
desdobramentos e que pode colocar em risco seu funcionamento.
Ao definir a pobreza como algo alheio ao modo de produção e ao Estado, criam-
se novos doutrinamentos para lidar com seus resultados, principalmente no tocante à
questão da segurança social. Os dados da pobreza no Brasil revelam quais seriam
as pessoas que compõem o que os neoliberalistas americanos chamam de
underclass, aqueles que, não sendo úteis à sociedade, dela devem ser banidos.
Tal mote modificou o papel do Estado e suas prioridades, não mais
previdenciário, provedor, encarregado da proteção social dos empobrecidos, mas sim
responsável pela segurança de uma minoria favorecida. Berhing (2009, p. 310)
resume as medidas neoliberais para superar a crise:

A fórmula neoliberal para sair da crise pode ser resumida em algumas


proposições básicas: 1) um Estado forte para romper o poder dos
sindicatos e controlar a moeda; 2) um Estado parco para os gastos
sociais e regulamentações econômicas; 3) a busca da estabilidade
monetária como meta suprema; 4) uma forte disciplina orçamentária,
diga-se, contenção dos gastos sociais e restauração de uma taxa
natural de desemprego, ou seja, a recomposição do exército industrial
de reserva que permita pressões sobre os salários e os direitos, tendo
em vista a elevação das taxas de mais-valia e de lucro; 5) uma reforma
fiscal, diminuindo os impostos sobre os rendimentos mais altos; e 6) o
desmonte dos direitos sociais, implicando quebra da vinculação entre
política social e esses direitos, que compunha o pacto político do
período anterior.

Nesse cenário, o caos se instaura e se propaga aos olhos de todos, não como
reflexo de uma sociedade drenada pelo capital, mas como produto aleatório de uma
classe social, de um certo “tipo de gente” que mora em determinados locais e sob
circunstâncias questionáveis:

[...] os “pobres” são produtos dessas relações, que produzem e


reproduzem a desigualdade no plano social, político, econômico e
cultural, definindo para eles um lugar na sociedade. Um lugar onde
são desqualificados por suas crenças, seu modo de se expressar e
seu comportamento social, sinais de “qualidades negativas” e
indesejáveis que lhes são conferidas por sua procedência de classe,
por sua condição social. Este lugar tem contornos ligados à própria
49

trama social que gera a desigualdade e que se expressa não apenas


em circunstâncias econômicas, sociais e políticas, mas também nos
valores culturais das classes subalternas e de seus interlocutores na
vida social [...]. (YAZBEK, 2012, p. 289).

Os pobres, esses cidadãos de segunda ou terceira classe, são considerados


cidadãos apenas por terem direitos políticos, que carregam a culpa por não
alcançarem o êxito financeiro, que não se esforçam o bastante para ascender
socialmente, que se reproduzem e ao mesmo tempo disseminam a miséria social e
cultural, que não passam de um peso morto, uma vez que são eles os beneficiados
das políticas sociais tão onerosas ao Estado, visto que considerados os culpados da
nova crise do capital. Portanto, a eles cabe pagar o preço do mal praticado.
Essa lógica encontra espaço na sociedade contemporânea, onde ilusórias
condições de liberdade e igualdade são apresentadas como base igualitária para
todos, mas onde os direitos são garantidos a uma minoria com condições sociais e
culturais favoráveis.
Num mundo onde o trabalhador é produto da coisificação das relações sociais
e do fetiche da mercadoria (MARX, 2014), onde o ser é ter, o indivíduo se impõe ao
coletivo, a minoria subjuga a maioria, uma vez que o sucesso ou fracasso é um
processo individual. Por isso, nada mais “natural” que buscar em valores
conservadores, sob nova roupagem, as respostas para tratar aqueles que não se
encaixam na sociedade de consumo e, consequentemente, são culpados de todo o
mal. Cada um é o responsável por seus próprios infortúnios, ninguém mais deve ser
pagar o custo pela incapacidade do outro, restando apenas uma questão: o que fazer
com os inconvenientes ao sistema?
Não basta apenas trancafiá-los e esquecê-los, é fundamental que a mídia
aumente o sentimento de insegurança e construa o medo social, criando o caos e
explorando as tragédias, ampliando a violência e propagando a impunidade, para que,
assim, a sociedade pactue com o tratamento concedido aos “dejetos sociais”.

2.4 A BARBÁRIE SERÁ TELEVISIONADA? O MEDO E A MÍDIA

O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas


cobardias do quotidiano, tudo isto contribui para essa perniciosa forma de
cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou só
50

ver dele o que, em cada momento, for susceptível de servir os nossos


interesses.

José Saramago (In: FERNANDES, 2011)

A sociedade brasileira está mergulhada na insegurança, visto que produto de


um espetáculo previamente ensaiado e intencionalmente potencializado pelo aparelho
midiático, que serve aos interesses do capital, com o objetivo único de gerar alarde,
instabilidade, insegurança e impotência.
O medo circunda a sociedade. É algo vivo e, como tal, necessita de ampla
análise, debates, proposições, estudos e estatísticas. A mesma mídia que assombra,
também explora dados e números que se transformaram em mercadorias de consumo
rápido e quase compulsório, alimentando um nicho econômico cada vez maior, o do
mercado do medo e da vigilância:

As políticas atuais de segregação punitiva não devem ser rebaixadas


a um mero rompante de algum instinto punitivo ou emoção primitiva
eternamente presentes. Emoções coletivas certamente são um
componente calculado de tais políticas, como deixa claro a inflamada
retórica política que informa a legislação deste tipo. Mas há algo sobre
a cultura contemporânea que provoca esta emotividade e a enfática
expressão aberta de tais emoções é parte da consolidação e terapia
que ela oferece. Os sentimentos que agora vemos. (GARLAND, 2014,
p. 319).

O clima de incerteza é tal que não se vislumbram saídas, ao mesmo tempo em


que se compactua que algo deve ser feito para frear a insegurança social. Loïc
Wacquant (2011, p. 79), ao analisar as notícias sobre violência veiculada no jornal
francês Libération, exemplifica o papel midiático na construção da insegurança social:
“[...] as mídias contribuem para alimentar a sensação de que a delinquência, como
uma maré, sobe inexoravelmente. Para em seguida “constatar” essa sensação e nela
ver a comprovação empírica do crescimento irresistível da criminalidade a partir do
qual criam suas manchetes e o instrumento do aumento de suas vendas.”
Em matérias veiculadas no ano de 2015, em diferentes canais: “O brasileiro se
sente tão inseguro quanto a população do Afeganistão18”; e “Brasileiro é o povo que
mais se sente inseguro ao sair sozinho à noite...19”, as manchetes assustam e

18 Matéria veiculada no site Implicante Notícias, em 25 de setembro de 2015, disponível em <


https://goo.gl/tYZfjn>. Acesso em 23 nov. 2015.
19 Matéria publicada no site Brasil Notícia, em 14 de outubro de 2015, disponível em <

https://goo.gl/Ki7czm>. Acesso em 23 nov. 2015.


51

remetem, automaticamente, ao sentimento de desproteção. Tais dados foram obtidos


a partir do Relatório publicado pelo Instituto Gallup20 e do Dossiê divulgado pela
Agência Internacional Organization for Economic Co-operation and Development
(OECD)21, respectivamente. Além do impacto que tais matérias representam na
opinião pública, elas têm em comum o fato de partirem de organizações que atuam
produzindo e distribuindo conhecimentos em assuntos estratégicos, as Think tanks,
que Wacquant (2011, p. 73-74) descreve como responsáveis pela: “Gestação e
disseminação, a princípio nacional, depois internacional [...] de termos, teorias e
medidas que se imbricam umas nas outras para, em conjunto, penalizar a segurança
social e suas consequências”. Sobre a atuação dessas organizações internacionais,
Wacquant (2011, p. 171) cita trecho de uma brochura do Manhattan Institute que
descreve sua missão nas visitas aos países da América Latina:

A meta final do nosso trabalho, contudo, não é simplesmente realizar


conferências, mas construir uma relação duradoura para ajudar líderes
nesses países a desenvolver programas práticos de combate ao
crime, construção de escolas e reforma do governo. Por isso, cada
uma de nossas conferências é organizada de modo a conter vários
dias de seminários de trabalho menores e encontros particulares com
funcionários do governo e formadores de opinião.

Wacquant (2011) deixa claro que, junto com a matriz neoliberal importada dos
EUA, a ideologia se manifestou na sociedade brasileira, estabelecendo novas
relações sociais, com valores, hábitos e normas assentados na ótica de
contrarreforma do Estado. Essa perspectiva encontrou terreno fértil em uma história
nacional alicerçada na expropriação de terras, no trabalho escravo e na constituição
de uma classe mandatária que percebe os inativos (ou pouco ativos) da produção
enquanto obstáculo e fonte de gastos incalculáveis para o Estado.
Em uma primeira análise, constatamos como a mídia e seus diversos canais
criam um cenário de guerra social, onde os “cidadãos de bem” vivem acossados por

20 Segundo o site da Empresa, “Ao combinar mais de 80 anos de experiência com sua abrangência
global, a Gallup conhece mais sobre as atitudes e comportamentos de funcionários, clientes e
pessoas ao redor do mundo do que qualquer outra organização. Atuando em três áreas principais ---
Consultoria Estratégica, Desenvolvimento da Liderança e Global Analytics --- a Gallup provê análises
e assessoria para ajudar líderes e organizações a resolverem seus mais importantes problemas.
Disponível em < https://goo.gl/uctBgG>. Acesso em 23 nov. 2015.
21 Com sede em Paris, a organização tem por missão: “promote policies that will improve the

economic and social well-being of people around the world” (Promover políticas que melhorem o bem-
estar econômico e social das pessoas ao redor do mundo).
52

aqueles que escolheram uma “vida fácil”. Tal discurso, a princípio, se apresenta como
resultado de livres escolhas individuais, daqueles que optaram viver no bem e
daqueles que decidiram pelo oposto, o bom versus o mau, o produtivo versus o
improdutivo, o mocinho versus o bandido. Porém, o que passa despercebido, e que
não é alvo de abordagem por parte da mídia, é que tais motes trazem no âmago
relações mais bárbaras: o branco versus o negro, pardo, indígenas; o rico versus o
pobre; o dono dos meios de produção versus os ‘donos’ de uma mão de obra
desqualificada e abundante:

Quanto maiores a riqueza social, o capital em função, a dimensão e


energia de seu crescimento e, consequentemente, a magnitude
absoluta do proletariado e da força produtiva de seu trabalho, tanto
maior o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível é
ampliada pelas mesmas causas que aumentam a força expansiva do
capital. A magnitude relativa do exército industrial de reserva cresce,
portanto, com as potências da riqueza, mas quanto maior esse
exército de reserva em relação ao exército ativo, tanto maior a massa
da superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa do
suplício de seu trabalho. E, ainda, quanto maiores essa camada de
lázaros da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto
maior, usando-se a terminologia oficial, o pauperismo. Esta é a lei
geral, absoluta, da acumulação capitalista. Como todas as outras leis,
é modificada em seu funcionamento por muitas circunstâncias que não
nos cabe analisar aqui. (MARX, 2013, p. 756).

Ao negar as relações estabelecidas a partir da luta de classes, da exploração


e expropriação do trabalho alheio e adotar a estratégia da sociedade espetáculo, de
incapacidade do Estado em articular políticas públicas para dirimir e conter as
desordens sociais, e de conceber a violência urbana como uma deturpação do corpo
social, tem-se algo semelhante ao que Locke (2011, p. 18) conceituou como Estado
de Natureza:
[...] qualquer um pode, por isso, restringir ou, se necessário, destruir
tudo aquilo que lhe seja prejudicial, fazendo recair sobre o
transgressor da lei malefício tal que o faça arrepender-se de tê-lo feito,
e assim impedindo a outros, pelo exemplo deste, de cometer
transgressão semelhante […]

Segundo o autor, no Estado de Natureza todos têm o direito de castigar o


ofensor, tonando-se executor da lei. Assim, o crime é a violação do preceito e
divergência da regra ditada pela razão. Tem-se por crime quando um indivíduo
abandona os princípios da natureza humana, tornando-se um ente prejudicial. Aquele
53

que foi prejudicado tem o direito de castigar, comum a todos os homens, e pedir
reparação. Embora essa concepção jusnaturalista aparenta ter sido superada no
século XIX, se monstra ainda presente na sociedade brasileira, exemplo disso são os
justiçamentos e as chacinas, que apesar de serem crimes, contam com o apoio de
uma grande parcela da população. Encarados como um mal necessário, esses atos
bárbaros servem para diminuir o valor jurídico do criminoso e legitimar as condições
desumanas de vida no cárcere:

Tema central do século XXI, o medo se tornou base de aceitação


popular de medidas repressivas penais inconstitucionais, uma vez que
a sensação do medo possibilita a justificação de práticas contrárias
aos direitos e liberdades individuais, desde que mitiguem as causas
do próprio medo. (BOLDT, 2013, p. 96).

Não se trata apenas de criminalizar alguns indivíduos, mas sim de gestar e


difundir, em todos os níveis e para todos os públicos, um sentimento de abominação
àqueles que não se enquadram no perfil neoliberal, considerados seres inferiores,
incapazes de propagar os ideais da sociedade contemporânea, por serem apáticos,
sem iniciativas, preguiçosos e propensos a práticas amorais e ilícitas:

O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende,


antes de tudo, da própria constituição dos meios de vida já
encontrados e que eles têm de reproduzir. Esse modo de produção
não deve ser considerado meramente sob o aspecto de ser a
reprodução da existência física dos indivíduos. Ele é, muito mais, uma
forma determinada de sua atividade, uma forma determinada de
exteriorizar sua vida, um determinado modo de vida desses indivíduos.
(ENGELS; MARX, 2007, p. 87).

Ao afirmar que o homem é reflexo das relações sociais estabelecidas a partir


do modo de organização da produção, Engels e Marx (2007, p. 87) exteriorizam que
o indivíduo “depende das condições materiais de sua produção e reprodução”. Para
Rodrigues (2011, p. 26), “As relações sociais trazem em seu bojo o conflito que não
se dá aleatoriamente […], pois eles obedecem a um conjunto de normas e regras de
dominação e submissão que visam submeter os sujeitos. […]”. Essas relações, antes
de serem pacíficas, são originárias da luta de classe e se consagram no
estabelecimento do aporte ideológico que sustenta a classe dominante.
54

A atuação da mídia, ao explorar o medo social e maximizar a insegurança


social, fica evidente ao se analisar a grade de programação dos diversos meios de
comunicação. São inúmeros os documentários investigativos sobre crimes e
criminosos, as séries e filmes policiais, os reality shows que tratam da rotina da polícia,
os telejornais que se locupletam, com as já banais reportagens, explorando situações
de violência, espaços cada vez maiores para páginas policiais, reportagens sobre
dicas de segurança e manchetes sensacionalistas.
Além disso, as colunas de opinião são essenciais para a formação do
pensamento individualista e conservador, espaços assinados por supostos
especialistas com o objetivo de dar voz a uma orla de pessoas acossadas pelo medo,
que enxergam no outro o perigo imediato. Espaços esses que, muitas vezes, se
transformam em locais destinados à criminalização do outro, fartos de comentários
preconceituosos, de defesa da pena capital, com argumentos políticos e religiosos
repletos de ódio aos delinquentes, aos diferentes, às minorias, enfim, aos “anormais”
(GOFFMAN, 2013). Exemplo disso é a reportagem “Sorriso: Polícia apreende
quadrilha dos “bebês”; 7, 9, 12 e 12 anos”22, do jornal online MT Notícias.net:

No início da noite desta sexta-feira (18), a polícia apreendeu quatro


“crianças”, depois de eles terem arrombado uma residência, na rua
Xingu, no bairro Jardim Amazonas, em Sorriso. No local eles furtaram
celulares, correntes, pulseiras e R$ 300 em dinheiro.
As 4 crianças possuem 7, 9, 12 e 12 anos e depois de serem
aprendidos eles mesmo disseram aos policiais e à imprensa se
intitulando a quadrilha dos “bebês”.
A vítima informou que estava ausente da residência há dois dias.
Todos foram ouvidos e entregues ao conselho tutelar que levou-os
para as suas respectivas casas. (MTNOTÍCIAS.NET, Sorriso, 19 nov.
2016).

A manchete surpreende pelo teor e pela exposição pública das crianças 23. Na
reportagem, fica evidente o julgamento de valor, tanto na linguagem e nos recursos
linguísticos utilizados para dar ênfase ao tom pejorativo, quanto nas duas fotos em
que expõe as crianças, maculam sua existência e determinam previamente seu fim.

22Disponível em < https://goo.gl/i9E23k>. Acesso em 19 nov. 2016.


23 Embora o Estatuto da Criança e Adolescente- ECA (BRASIL, 1990) conceitue a criança como o
indivíduo de até 12 anos e o adolescente na faixa dos 12 aos 18 anos, essa separação se dá apenas
em função da idade cronológica, não levando em consideração todos os aspectos sociais, psicológicos
e ambientais. Sendo assim, nesse trabalho, por entender a complexidade que envolve o tema e a série
de variáveis que o condiciona, não será adotada tal classificação, entendendo por criança o ser em
formação que deve ter total proteção do Estado e da Sociedade.
55

Figura 01. “Sorriso: Polícia apreende quadrilha dos ‘bebês’, 7, 9, 12 e 12 anos. ”

Fonte: MT Notícias.net. Sorriso, 19 nov. 2016.

Figura 02. “Sorriso: Polícia apreende quadrilha dos ‘bebês’, 7, 9, 12 e 12 anos. ”

Fonte: MT Notícias.net. Sorriso, 19 nov. 2016.

A reação das pessoas também assusta, proliferando comentários repletos de


medo e ódio. Antes de garantir a integridade física, moral e psicológica das crianças,
56

dever de todos – como se espera numa sociedade civilizada – e exigir a proteção


social delas, dever do Estado, as pessoas se unem pelo medo, pela tentativa de
garantir sua proteção com a extinção do outro. Nas imagens não se enxerga crianças
e sim inimigos, “dejetos humanos”, que se expelidos para fora do convívio, mais
tranquilos viverão os homens de bem. Para exemplificar o argumento, segue a
transcrição de três comentários de leitores escolhido aleatoriamente:

Sabem por que a OAB e os políticos defendem tanto os DH de


bandidos? Porque quem precisa de advogado é bandido, gente de
bem não precisa de advogado, primeiro porque a lei nunca ajuda ou
facilita o cidadão de bem, ele está sempre errado, segundo porque
não pode pagar com o salário miserável que recebe e terceiro porque
existe uma inversão de valores total, inclusive na sociedade, que
sempre acha que bandido é coitado, é fruto da sociedade e todas
essas bobagens que se fala. Bandido é bandido e deve ser tratado
como tal. Não pensem vocês que toda essa inversão de valores não
tem gente muito graúda ganhando bilhões de reais com a sua
insegurança. Acordem, quem defende bandido é igual ou pior do que
eles… É necessário penas duríssimas, leis modernizadas e que
realmente o governo se preocupe com quem constrói esse país,
porque para destruir já chega o governo fazendo a sua parte.
(MTNOTÍCIAS.NET, Sorriso, 19 nov. 2016).

Culpa de todos nós nada… nem da sociedade. ‘naum’ existe esse tal
vítima da sociedade…. tem que pegar esses 4 e já mata… esses são
os que vão mata, estuprar… (MTNOTÍCIAS.NET, Sorriso, 19 nov.
2016).

Vou aqui apresentar um pensamento breve de alguém que vejo como


futuro Presidente do Brasil, pq precisamos de pessoas que
verdadeiramente governem o Brasil, que tomem decisões que doa a
quem doer mas que com o tempo muitos vão pensar 10 vezes antes
de praticar o roubo, assalto, assassinato e todas as diversas ações
que vemos ser praticadas diariamente e que atitude vem sendo
tomada para sanar tais problemas que afetam todos nos?. “E eu
também defendo a pena de morte. Se levar o cara para a cadeira
elétrica ele nunca mais vai matar, nem vai assaltar”.
(MTNOTÍCIAS.NET, Sorriso, 19 nov. 2016).

No meio dessa paranoia coletiva, potencializada pela mídia, cidadãos se


preocupam com os efeitos e não com as causas da violência. O sociólogo Herbert de
Souza (1991) ressalta com maestria: “Se não vejo na criança, uma criança, é porque
alguém a violentou antes; e o que vejo é o que sobrou de tudo o que lhe foi tirado”.
Tal sensação de medo generalizado tem impacto direto nas mudanças de
hábitos da população, demonstrando também a fragilidade das instituições em
57

promover a proteção, inaugurando inúmeras medidas de autoproteção, como retrata


Sento-Sé (2003, p. 4):

As estratégias para lidar reativamente com o medo variam


sensivelmente. Elas podem induzir a mudanças de hábitos como evitar
sair à noite, reduzir a frequência a espaços públicos (geralmente, a rua
é encarada como o lugar de risco, ainda que muitas das condutas
violentas sejam perpetradas no espaço doméstico), evitar certas áreas
tidas como mais perigosas. Atitudes como essas implicam claramente
o cerceamento do sentido de liberdade individual e restrições ao direito
de ir e vir, um dos pilares do direito civil. Elas têm consequências
igualmente visíveis sobre os padrões de sociabilidade de uma dada
comunidade e implicam um retraimento da esfera pública. Contudo
ainda que possam ser encaradas como danosas para a qualidade de
vida e para o vigor público de uma sociedade, elas estão longe de se
constituírem como as mais danosas das estratégias de autoproteção
disponíveis.

Sento-Sé (2003, p. 3-4) esclarece ainda o que representa o medo generalizado


a que somos sistematicamente expostos. Segundo ele:
O medo é caracterizado pelo crescimento, em grande escala, do
sentimento de vulnerabilidade dos indivíduos. Dito de forma simples:
ele se torna socialmente relevante numa situação em que um número
cada vez maior de indivíduos se sente mais vulnerável e passível de
ser, direta ou indiretamente, vítima de uma ação violenta perpetrada
por outro indivíduo ou por um grupo. Tal sentimento se traduz, por
exemplo, na corrosão da confiança de que os mecanismos
institucionais de defesa da vida e do patrimônio são eficientes o
bastante para sua proteção. Ora, em vários aspectos, importa pouco
que tal percepção seja ou não fundada, que ela se baseie no
conhecimento adequado dos dados “objetivos” ou seja fruto de uma
visão distorcida do mundo. Cabe ter em mente que, uma vez
largamente disseminada, tal percepção tenderá, necessariamente, a
incidir sobre o comportamento de indivíduos e grupos sociais,
funcionando, provavelmente, como princípio norteador de estratégias
defensivas voltadas para aplacar a vulnerabilidade que,
experimentada como tal, torna-se realidade sociológica.

De acordo com Baierl (2004, p. 37), “O medo tem sido utilizado como estratégia
de manipulação para subjugar, controlar, escravizar e dominar as pessoas. Frente às
situações de uso do medo as pessoas se sentem aterrorizadas, fogem do perigo ou
se entregam”. O mesmo autor demonstra também que o objeto de medo varia de
acordo com a condição social, estabelecendo-se gradualmente de acordo com o grau
de exposição ao objeto, pois, quando mais rotineiro, menos inseguro o indivíduo se
sente frente a situação:
58

Entrevistas realizadas por nós indicam que uma criança moradora de


uma favela não se espanta ou se assusta com um cadáver no chão.
Uma criança de classe média, é provável, se assustaria, já que nunca
ou raramente se deparou com tal cena em seu cotidiano. Em áreas de
favelas a possibilidade de crianças e adultos se depararem com
pessoas assassinadas e presenciarem conflitos armados e violentos
é maior do que em outros espaços territoriais da cidade. Para crianças
e adultos de outros segmentos sociais, a visão da morte violenta
aparece, com certeza, muito mais através da mídia. Enquanto os
moradores de áreas violentas lidam e são afetados muito mais pelo
real vivido cotidianamente, os segmentos de outros territórios lidam
muito mais com um real imaginário distante.

Ainda sobre o medo, Chaui (1995, p. 44), poeticamente, o define:

[...] estranho sentimento é o que nos torna insensatos, pondo ‘asas em


nossos pés’ quando não deveríamos fugir e ‘pregando-nos ao solo’
quando a fuga seria necessária. Rouba-nos a coragem e dá ensejo à
crueldade.

Costa (1994, p. 86, apud BAIERL, 2004, p. 68) vai além e elucida, de forma
precisa, o nascimento do medo social:

Todos se sentem vulneráveis, todos buscam atacar primeiro, todos


vivem sob o temor e a represália... O clima de insegurança e o vivido
persecutório generalizam-se... Os agredidos tornam-se mais
dispostos a conceder aos bandos de extermínio carta aberta para
fazer o que bem quiserem, alegando o que bem queiram. É daí que
nasce o medo social.

Tal afirmação corrobora para o entendimento do fenômeno social que


vivenciamos contemporaneamente, pessoas autointituladas “de bem”, “gente
descente”, “cidadãos modelos”, geralmente de médio a alto grau intelectual, moral ou
religioso, compactuando com atos bárbaros, aplaudindo extermínio e linchamentos,
reivindicando penas maiores e até letais, demandando punições exemplares para
crianças, defendendo condições de vida que afrontam a dignidade humana, como
forma de manter sob controle aqueles que violam a ordem social, como se tal
fenômeno fosse um problema individual e de livre escolha e não reflexo de um modo
de produção que nega, a uma grande parcela da população, a chance de usufruir de
uma vida digna e sob a proteção do Estado:
59

O medo se alimenta, nutre e cresce exatamente pela forma como a


violência se espalha pela cidade e pela ausência ou impotência do
Estado de assumir seu papel de garantia dos direitos e da segurança
da população. Isso permite que os cidadãos tenham resistência a
entender que as formas de enfrentamento que possibilitariam
interromper o ciclo da violência se encontram na esfera pública,
submetidos pelo medo. Os instrumentos legais não se configuram
para a população como legítimos, efetivos e eficientes, considerando
que a polícia aparece como um sujeito que também aterroriza. Isso faz
com que, cada vez mais, as formas de violência sejam banalizadas e
quase aceitas como fato cotidiano e, portanto, com que as pessoas se
acostumem com ela. (BAIERL, 2004, p. 63-64).

Mais complexo e impactante fica o panorama do medo social quando incluídos


os argumentos de Soares (1996, p. 59), de que uma das mais assustadoras
constatações da violência é a simbiose entre agressor e vítima. Uma vez vítima da
violência, transcorrido o medo paralisante, o agredido se percebe arquitetando planos
de vingança e nutrindo sentimentos de ódio em relação ao agressor, transpondo os
limites éticos e morais que defende cotidianamente, revelando não ser diferente em
essência daquele que perpetrou o ato violento, trilhando um caminho sem volta à
barbárie social:

Consideramos que, quando a lei não se constitui como instrumento de


aplicação da justiça, passa a ser arbitrada no âmbito do privado,
conforme normas e padrões formulados por particulares, pautados em
cima de interesses também privados (COSTA, 1994, p. 83). De um
lado, temos a vítima, que tem medo e ódio do agressor, e, de outro, o
agressor, indiferente à vítima, seja esta quem for, mas que também, à
sua maneira, tem medo dela. Costa ressalta que, ao banalizar a
violência, transformando-a, uma nova hierarquia moral vai se
construindo, nivelando os sentimentos por baixo. A relação entre o eu
e o outro se desfaz, e o outro passa a ser visto como um possível
inimigo – um agressor. O clima de insegurança generaliza-se e, de
alguma forma, todos sentem medo e se colocam em atitude de defesa
ou ataque, de fuga ou de paralisia social. (BAIERL, 2004, p. 67-68).

Outro fenômeno desse processo é a proliferação da indústria do medo, que


passa a guiar toda a sociedade, e, com isso criando a sociedade de controle Garland
(2014), na qual os indivíduos têm seus passos constantemente vigiados, onde há
mapeamento de periculosidade de indivíduos em desenvolvimento, como crianças e
adolescentes, onde grupos considerados de riscos têm acesso restrito aos espaços
públicos e onde o julgamento social ocorre em virtude da cor da pele ou da vestimenta,
anterior a qualquer oportunidade de defesa.
60

Na sociedade da “cultura do medo” – termo utilizado por Soares (1996) para


qualificar a ampliação do sentimento de vulnerabilidade entre os indivíduos, bem como
os impactos no cotidiano da população – a maximização da insegurança é vital para
o funcionamento da economia e deve, obrigatoriamente, ser explorada em seu todo o
seu potencial.
A indústria da segurança assume, nessa medida, um importante papel
econômico. Os itens disponíveis no mercado variam de câmera de vigilância a carros
blindados com rastreadores via satélite, toda a tecnologia disponível para manter
seguros e confortáveis aqueles que por ela podem pagar, deixando clara a
inoperância do Estado frente a segurança pública universal. A indústria da segurança
é seletiva e discriminatória, segundo Sento-Sé (2003, p. 4):

Estando associada à degradação da confiança nas instâncias formais


de garantia da segurança, a sensação de medo suscita, com
frequência, a busca de mecanismos alternativos que compensem a
suposta ineficiência daquelas instâncias. Tal estratégia tende a se
efetivar pelo acionamento de recursos privados de proteção. Em sua
versão mais abertamente empresarial, a busca de alternativas
privadas de provimento de segurança alimenta, atualmente, uma
próspera e expansionista indústria que comercializa recursos
humanos e tecnologia cada vez mais avançados. [...]

Com o fracasso estatal de garantir segurança aos indivíduos, a adoção de


medidas privadas de segurança exonera a participação do Estado frente ao problema,
além de legitimar o caráter seletivo das políticas públicas para a segurança, hoje
caracterizadas pela busca interminável de ampliação do número de vagas no sistema
penitenciário e na cultura punitiva direcionada para determinada parcela da
sociedade. Sento-Sé (2003, p. 5) retoma uma forte característica da indústria de
segurança que se desenvolve no Brasil sem o controle e supervisão do Estado, pelo
fato de que “[...] boa parte dos policiais que atuam nas grandes cidades brasileiras
fazerem serviços de segurança prestados privadamente sua segunda (e,
monetariamente, principal) fonte de renda [...]”. A insegurança e o medo assumem
caráter central na acumulação de riquezas para poucos e na geração alternativa de
renda para muitos. Esses últimos, por estarem no setor privado executando tarefas
paralelas àquelas desenvolvidas no âmbito público, mantêm o estigma de não
confiável e facilmente corrompível que cerca, em geral, as atividades policiais, criando
61

um abismo profundo na crença de proteção – por parte do Estado – e aumentando o


sentimento de vulnerabilidade no seio da população.
Engels (2010b), em sua obra A origem da família, da propriedade privada e do
Estado, discorre sobre o papel do Estado, a quem serve e como se impõe à realidade
social, além de traçar os caminhos sem volta do capitalismo e da necessidade de
manutenção da ordem social:

O Estado não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à


sociedade de fora para dentro; tampouco é "a realidade da ideia
moral", nem "a imagem e a realidade da razão", como afirma Hegel. É
antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado
grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se
enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida
por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas
para que esses antagonismos, essas classes com interesses
econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade
numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado
aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o
choque e a mantê-lo dentro dos limites da "ordem". Este poder,
nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez
mais, é o Estado. (ENGELS, 2010b, p. 213).

Importante observar que não apenas a população mais abastada vive com medo,
ao contrário, a maior parte da população vive e convive com a insegurança, porém
seu medo e sua falta de proteção não são televisionados, tampouco representam
preocupação para o restante da sociedade. Muitas vezes sem condições de construir
um abrigo inviolável, quiçá seguro, com muros e grades, sem controle de sua rotina
diária e acesso a espaços privilegiados, veem no reconhecimento de grupos e facções
– constituídas no vácuo de atuação do Estado – a garantia do ir e vir em espaços
controlados. A violência, não apenas física, passa a fazer parte do cotidiano de
homens e mulheres que, por sua condição social, se submetem ao poder paralelo
para garantir sua segurança:

Quando numa sociedade o poder não se constitui como um


instrumento legítimo e legal, os diferentes grupos passam a arbitrar o
que é justo e injusto, a partir de decisões desvinculadas de princípios
éticos. É aí que as estratégias individuais, os revides, a violência pelas
próprias mãos ganha peso e vulto e que o medo prolifera. É quando a
violência passa ser justificativa da própria violência dos justiceiros, dos
traficantes, dos delatores, das revisões constitucionais (tais como
modificar a idade penal, instituir pena de morte), colocando em
62

questão os próprios direitos humanos e, principalmente, o direito à


vida. (BAIERL, 2004, p. 67).

Nessa realidade “alterada”, a violência não se apresenta como um problema


estrutural, mas sim individual, e, com o apoio do aparato midiático, passa a fazer parte
do imaginário coletivo, se transformando em verdade social. Nessa ótica, os crimes
contra mulheres são culpa das vítimas: a estuprada é culpada por estar na rua tarde
da noite, por usar roupas indecorosas, por ter comportamento leviano. A violência
doméstica é igualmente justificada por ser uma relação privada onde só quem a vive,
sabe, de fato, o que acontece, como se na esfera privada os direitos magicamente
esmaecessem. Os linchamentos são considerados necessários, uma vez que a
população vive abandonada a própria sorte, com medo de tudo e a mercê de bandidos
de todos os tipos. Finalmente, a violência policial passa a ser considerada uma
extensão da atividade profissional, afinal os policiais se colocam na linha de fogo,
diariamente. Dessa forma, a mídia alimenta a ideia de que assaltos, roubos,
homicídios, tráfico de drogas, crimes que, em geral, são ligados aos despossuídos,
são delitos praticados por pessoas más e que -dependendo do calor da discussão-
podem ser consideradas como animais ou, ainda, abaixo deles, constituindo atos
criminosos que merecem punições exemplares, para que a sociedade nunca se
esqueça e para que os criminosos sempre deles se lembrem:

Desse modo, a televisão e demais meios de comunicação são


instrumentos, dispositivos culturais e sociais. Quando nesses meios
circulam informações sobre o tema violência, é de forma banalizada,
gerando muitas vezes um clima de pânico e medo na sociedade.
Assim, socializa-se um modo de ver e de interpretar o fenômeno, que
distorce a realidade, hipertrofia os fatos através da espetacularização
da notícia e da estética das imagens, desvia o foco da atenção para o
perigo imaginário que se restringe e localiza em certos tipos de sujeitos
e nas camadas e espaços sociais menos favorecidos. (NJAINE et al.,
1997, p. 412).

Na sociedade capitalista, as mazelas sociais não são vistas como problemas


estruturais e atos de violência praticados diariamente contra a maioria da população.
O desemprego estrutural, a falta de acesso as condições básicas para manutenção
da vida e a exploração da mão de obra de forma cruel e sistemática são apresentados
como produto de falhas individuais – de caráter ético e moral – daqueles não aptos a
compor a sociedade contemporânea. Baierl (2004, p. 52) considera que:
63

Quando uma sociedade trata a violência como corriqueira, o risco que


se corre é de banalização do cotidiano, chegando à barbárie. A
realidade brasileira expressa essa situação. A violência aparece como
algo corriqueiro, típico do cotidiano das pessoas, quer seja a violência
na cidade, quer seja a violência no campo: homicídios, chacinas,
ocupações violentas de terra, dizimação de índios, morte perinatal,
estupros, acidentes de trânsito, assaltos, roubos a banco, sequestros,
vitimização de mulheres e crianças, violência policial, extorsão, tráfico
de drogas, linchamento, tráfico de crianças e uma violência que não
ganha visibilidade pelas marcas que deixa no corpo, mas que se
expressa no conjunto de relações sociais e na vida cotidiana: ausência
de equipamentos sociais mínimos, tempo gasto no transporte,
desemprego, filas de espera, baixos salários, qualidade e quantidade
dos serviços públicos de direito do cidadão, desrespeito, perda de
dignidade, ausência de cidadania, que vai minando o cotidiano dos
sujeitos.

Sobre a barbárie, Marx alertava ser ela intrínseca à sociedade capitalista. Ao


conceber como meta, de um lado, a produção desenfreada, a exploração da mais
valia, o fetichismo da mercadoria e a sociedade de consumo, e. de outro, a proteção
da propriedade privada e de acesso aos bens e serviços para um pequeno grupo de
indivíduos, os capitalistas colocaram, historicamente, em cheque seus sistemas de
regras e comportamentos, instrumentos de contenção da ordem e manutenção social,
gerando gradativamente a barbárie social contemporânea:
No caos social onde o medo transforma todos em inimigo, os meios de
comunicação de massa contribuem para a amplificação da barbárie. Silveira (2013, p.
299) reflete sobre o papel da mídia na sociedade:

[...] é conveniente afirmar que as grandes corporações midiáticas não


possuem vocação para mobilizar e politizar as pessoas, visto que ao
participarem do “jogo comercial” contribuem principalmente para
fomentar o consumo e consequentemente intensificar os receios
xenófobos, iludindo as pessoas no sentido de que a criminalidade e a
violência não cessam de crescer, produzindo ansiedade, fobias e
visões securitárias.

Dessa forma, a mídia é grande colaboradora e articuladora do medo social,


automaticamente, ao gerar a insegurança, apresenta os prováveis culpados,
desenvolvendo, assim, mais uma dualidade na sociedade do capital: a sociedade dos
“homens de bem” e a sociedade dos inimigos:

[...] é de suma importância lembrarmos da lição de Zaffaroni, que


definiu muito bem o principal reflexo inerente ao fenômeno da
64

disseminação do medo no tecido social, explicando que uma


sociedade dominada pelo medo coletivo, naturalmente passa a
fabricar seus próprios inimigos, na medida em que elege algumas
classes como sendo perigosas, tratando seus membros (pobres,
condenados, viciados, prostitutas e etc.) como inimigos em potencial,
problema que agrava ainda mais a segregação social, dentre outros
reflexos. (SILVEIRA, 2013, p. 301).

Não se trata de simplesmente dizer que a violência não existe, ao contrário, a


mídia, ao explorá-la de forma espetacular, maximiza um cenário de guerra social –
encobrindo suas causas e dando ênfase aos seus efeitos – arquitetando um ambiente
favorável para a exacerbação de práticas extremistas e pensamentos ultrarradicais
que nos coloca à beira da barbárie social:

A informação assume a forma e a importância que lhe é dada pela


sociedade. No caso da violência, percebe-se que o grupo social mais
vitimizado é aquele socialmente excluído da festa do consumo,
desprovido dos símbolos que caracterizam o ‘cidadão de bem’,
revestido pelos signos da pobreza, como ser jovem, negro e morar em
morro ou periferia da cidade, sendo identificado como bandido. [...]
Para estes, a sociedade não se importa em esclarecer a morte, porque
no imaginário social essas mortes representam uma espécie de
‘limpeza’ e de solução para o problema da violência e das questões
sociais e econômicas do País. Suas vidas são sentenciadas
sumariamente (Cruz Neto & Minayo, 1994). Assim, a ‘culpa’
socialmente construída e atribuída a esta parcela da sociedade, que
passa a preencher a função de bode expiatório, impede que esta
mesma sociedade tome conhecimento e responsabilize outros
membros, de estratos sociais mais privilegiados, envolvidos em seus
processos de criminalidade. (NJAINE et al., 1997, p. 412).

Os culpados já foram elencados – pretos, pardos e pobres – resta apenas


viabilizar uma forma de segregá-los e, ao mesmo tempo, fomentar o mercado – com
baixo custo e possibilidade de retorno enquanto mercadoria, seja na área de
segurança, de comunicações, de tecnologia, ou quaisquer outras que possam se
beneficiar com a legião crescente de “dejetos sociais”.
Desta forma, examinar as condições de vida nas penitenciárias de Mato
Grosso, sob a luz do que estabelece a Lei de Execução Penal é mister para
compreender a atual conjuntura de maximização do Estado Penal e,
consequentemente, a expansão do mercado do crime e da política de criminalização
de parcela da sociedade.
65

3 BEM VINDO AO INFERNO: CÁRCERE E PRÁTICAS PENAIS EM MATO


GROSSO
O inferno não é embaixo da terra; o inferno é o presídio.

R.S (2012)24

Esta sessão retrata as condições de vida nas penitenciárias de Mato Grosso e


as práticas penais que compõem o cotidiano do cárcere. Para alcançar tal objetivo, foi
enviado questionário à Sejudh, a ser respondido pela direção das unidades. O mesmo
é composto por questões relativas à estrutura física (capacidade, lotação, divisões
internas), perfil dos detentos, serviços de assistência à saúde, jurídica, educacional,
social e religiosa e material, os quais são garantidos por lei e que devem ser
assegurados à pessoa em privação de liberdade. O questionário tratou de questões
administrativas, de âmbito geral, como data de inauguração, nomenclatura do
estabelecimento, localização, maior lotação na história da unidade, seguidos de
questionamentos que permitiriam a construção do perfil do preso na unidade, tipo de
crime cometido por presos condenados e tipologia dos crimes que foram enquadrados
os presos que aguardam julgamento, escolarização, etnia e reincidência criminal.
Avançou para a morbidade, relacionando o número de pessoas ali mortas, denúncias
de maus-tratos, corrupção e tortura. Ainda tratou dos dados sobre visitação, trabalho
prisional, educação e saúde, dados sobre o funcionamento da Execução Penal junto
à unidade, sobre os servidores, as principais queixas dos presos e informações sobre
motins.
Foram visitadas quatro, das seis unidades pesquisadas, PCE, CRC,
Penitenciária Dr. Osvaldo Leite Ferreira e Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto,
May, tendo sido possível, na última, conversar com a diretora da unidade, com pessoal
ligado à área administrativa da penitenciária e sanar dúvidas que surgiram durante a
investigação. Em nenhuma das demais unidades se adentrou o espaço intramuros. O
objetivo das visitas era observar a rotina dos visitantes e o tratamento a eles
dispensados no momento das visitas, como estratégia para estabelecer uma
aproximação com o universo da pesquisa. Para isso, a pesquisadora obteve
autorização da Sejudh.

24R.S. ex-detento, 39 anos, sobre a experiência de viver 12 meses em uma penitenciária de São
Paulo. Disponível em < https://goo.gl/99YDdF>. Acesso em 5 maio 2017.
66

Quanto ao instrumento adotado, o mesmo foi utilizado no levantamento de


dados realizados pela II Caravana Nacional de Direitos Humanos - Sistema Prisional
brasileiro25, disponível em página eletrônica26 do Professor Marcos Rolim. As
Caravanas ocorreram quando o mesmo professor era Presidente da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. O instrumento passou por algumas
alterações, antes do início do estudo, para se ajustar à realidade atual, com a inclusão
de questões que possibilitaram o levantamento sobre a estrutura física, de serviços e
garantia de direitos, bem como das dificuldades de adequação à legislação e às
medidas de exceção adotadas nos estabelecimentos, sejam elas oriundas de prática
cotidiana ou de política governamental.
O projeto de pesquisa, assim como o questionário e a carta de apresentação
da pesquisadora foram encaminhados, via e-mail, à Sejudh, no dia 2 de agosto de
2016. O primeiro questionário, preenchido pela unidade de Sinop data de 19 de agosto
de 2016 e o último, do CRC, foi encaminhado em 20 de abril de 2017. O procedimento
de acesso às informações foi definido pela Sejudh, ficando a mesma responsável por
repassar o instrumento de coleta de dados às penitenciárias, e devolvê-lo à
pesquisadora. Do questionário, alguns quesitos não foram respondidos por nenhuma
das unidades, como os históricos de fugas e motins, sem justificativa para a ausência
de informação.
Foi utilizado o canal de Ouvidoria da Sejudh, com base na Lei de Acesso à
Informação – LAI, para obtenção de dados que se fizeram necessários ao longo da
pesquisa e que não estavam previstos no questionário, entretanto, apenas em
algumas situações as respostas foram satisfatórias, como quando perguntado sobre
a visita íntima
Notícias e reportagens extraídas da mídia eletrônica também foram utilizadas
enquanto fontes de pesquisa. A busca online ocorreu a partir de palavras-chaves,

25 A II Caravana Nacional de Direitos Humanos, que teve como tema a realidade prisional brasileira,
esteve em seis estados: Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e
Paraná. Ao todo, entre presídios, penitenciárias e delegacias, foram 17 as instituições visitadas. O
conjunto de estabelecimentos inspecionados reuniu cerca de 15 mil presos, o que nos confere uma
amostra bastante significativa. Foram 9 dias de trabalho ininterrupto, com visitas que se estenderam,
muitas vezes, noite a dentro. A Caravana foi organizada em uma relação estreita de colaboração com
muitas pessoas e entidades. Deve-se destacar, não obstante, o papel desempenhado, em todas suas
fases, pela Pastoral Carcerária da CNBB. O trabalho anônimo e a dedicação de seus integrantes no
cotidiano da vida prisional escrevem uma das páginas mais honrosas da militância pelos Direitos
Humanos no Brasil.
26 Disponível em < http://goo.gl/97xgaj>. Acesso em 7 jun. 2016.
67

como, por exemplo, o nome da unidade pesquisada. Com o resultado das buscas com
base em vários outros sites de notícias, a procedência da informação, para somente
depois utilizá-la.
Com tais procedimentos foi possível verificar as condições de funcionamento
das unidades investigadas e estabelecer um quadro geral do sistema penitenciário do
estado, espaços que se apresentam sem as condições básicas asseguradas por lei,
o que, aliada à superpopulação, transforma o espaço de privação de liberdade em um
calvário que desvela o lado selvagem do ser humano para a garantia da sobrevivência.
Foucault (1987) conceitua a estrutura prisional como um espaço de dominação
e domesticação dos corpos indóceis:

Com Foucault (1991), as perspectivas dessa abordagem ampliam a


percepção das ambivalências funcionais do sistema de penalidades,
uma vez que são identificados diferenciados objetivos atribuídos e
desenvolvidos pela prisão. Em síntese, nós os teremos tanto como
objetivos ideológicos, que nos remetem à repressão e à redução da
criminalidade, quanto como objetivos reais, isto é, a repressão seletiva
da criminalidade e a organização delinquência, definida como tática
política de submissão. (CHIES, 2013, p. 22).

Além disso, reitera ser este um espaço idealizado para adestramento do


trabalhador e imposição de sua subserviência ao sistema:

As duas principais funcionalidades do sistema de penalidades, então,


consubstanciar-se-iam na docilização dos corpos e na produção da
delinquência, permitindo por parte das dinâmicas de poder e de
dominação social a extração de ganhos estratégicos, seja porque a
docilização dos corpos se dirige também à utilização econômica das
forças corporais (a domesticação do delinquente em trabalhador), seja
porque a produção da delinquência contribui para a moralização da
classe trabalhadora e para o ocultamento da criminalidade que se
pode associar à classe dominante. (CHIES, 2013, p. 22-23).

Entretanto, com o passar das décadas, essa conceituação ficou mais distante
da realidade. Atualmente, a estrutura prisional se destina ao espaço de contenção
daqueles considerados nocivos à sociedade, não apenas enquanto representação de
perigo iminente, mas, principalmente, como prejudiciais à ordem social e,
consequentemente, à atual estrutura econômica:
68

Assim, no contexto atual, os modelos punitivos propostos têm pouca


utilidade econômica, como tiveram no período de formação do
capitalismo industrial fordista. Não se trata mais de preparar, adestrar,
recuperar, treinar, educar, corrigir, disciplinar e, por fim, integrar
socialmente o enorme exército industrial de reserva, uma força de
trabalho abundante que se encontra fora do mercado, mas que, sob a
hegemonia neoliberal, perdeu a função no atual modelo de
acumulação do capitalismo da barbárie. (DORNELLES In:
SOBRINHO, 2010, p. XVI).

O Direito Penal, não alheio ao modo de produção, passou por modificações


significativas em sua constituição. Em países que vivenciaram modelos mais próximos
ao welfare state, os desdobramentos no campo prisional são vistos mais claramente,
e onde é utilizado tratamento humanizado em relação ao preso, assim como a
valorização da retórica de ressocialização:

O que se vê é que com a desvalorização da força de trabalho – uma


realidade de abundância da força de trabalho desempregada – passou
a prevalecer o recrudescimento das práticas punitivas em detrimento
das práticas disciplinares ou de adestramento recuperador. Passa a
existir um afastamento das práticas, dos discursos e das instituições
de inclusão social através de medidas de reeducação e
ressocialização e a prevalência das práticas e do discurso penal,
através da ampliação dos processos de criminalização, principalmente
atingido os amplos e múltiplos contingentes excluídos ou em situação
de vulnerabilidade. O cárcere e as práticas penais perdem as suas
características disciplinares e assumem o seu papel de controle, não
mais espaço de recuperação e reintegração social, mas de punição e
exclusão, de “lixeira social”, “aterro sanitário” dos redundantes, do
refugo humano da pós-modernidade.27 (DORNELLES In: SOBRINHO,
2010, p. XVI).

No Brasil, a despeito da tentativa frustrada de instituir, por meio da LEP, um


welfare penal, tal tentativa pouco se materializou. Destarte, a prisão como espaço de
recuperação e inclusão social se apresenta enquanto falácia, que pode ser, a qualquer
tempo, facilmente substituída por discursos de ódio e de vingança, que concebem a
prisão como espaço exclusivo de expiação de pecados, desforra e,
consequentemente, local onde impera a barbárie.
A sociedade credita ao sistema carcerário a tarefa de depósito humano,
constituindo-se em espaço de barbárie “oficial”, onde um dos problemas sociais mais
graves cria raízes, o crime organizado. No vácuo de atuação do Estado, o poder

27 BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.


69

paralelo alicerça o crescimento de suas inúmeras ramificações e se apropria desse


espaço para controlar a massa de homens e mulheres, abandonados pelo Estado e
pela sociedade, os quais são cooptados para servirem ao crime organizado.
É a partir dessa configuração que se vislumbra a realidade das penitenciárias
de Mato Grosso e as condições de vida a que estão submetidos os detentos, assim
como as mazelas e arbitrariedades subjacentes aos mecanismos que tais aparatos
de controle instrumentalizam para manutenção da ordem social. Longe de ser um
exercício meramente descritivo, tal prática requereu amplas discussões,
desconstruções de valores morais e éticos e de uma constante tomada de posição
frente ao objeto de estudo. Um exercício dialético que exigiu abrir mão de “verdades”
e confrontar o aparente - aquilo que está posto - com sua essência.

3.1 O sistema penitenciário de Mato Grosso

Do fundo do meu coração, se fosse para cumprir muitos anos em alguma


prisão nossa, eu preferia morrer.
José Eduardo Cardozo (G1, 2012)28

Mato Grosso, estado brasileiro localizado na região Centro-Oeste, com


população estimada, no ano de 2016, em 3.305.531 habitantes e área aproximada de
903.378,292 km², constitui um estado próspero na produção de riquezas, ocupando o
11º lugar no ranking nacional em Índice de Desenvolvimento Humano29 - 0,725, com
um Produto Interno Bruto per capita de R$ 23,218 mil. Entretanto, os dados de
distribuição de renda demonstram que essa produção se concentra em mãos de um
grupo seleto, como mostra a Figura que segue:

28 Frase proferida pelo Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em 13 nov. 2012. Disponível em <
https://goo.gl/esn5J2 >. Acesso em 5 jun. 2017.
29 Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013. Disponível em <https://goo.gl/jzUSi7>. Acesso

em 31 mar. 2017.
70

Figura 03. Distribuição de renda, Mato Grosso, 2010

Percentual Percentual Percentual Percentual Percentual Percentual


da renda da renda da renda da renda da renda da renda
Espacialidade

apropriada apropriada apropriada apropriada apropriada apropriada


pelos 20% pelos 40% pelos 60% pelos 80% pelos 20% pelos 10%
mais mais mais mais mais ricos mais ricos
pobres pobres pobres pobres 2010 2010
2010 2010 2010 2010

Brasil 2,41 8,59 19,23 36,60 63,40 48,93


Mato 3,22 10,66 22,32 40,39 59,61 44,74
Grosso

Fonte: PNUD. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2010.

Estado bem-sucedido, Virtute Plusquam Auro30, paraíso do agronegócio e


cenário de riquezas naturais exuberantes, onde o imaginário coletivo cotidianamente
realimenta as máximas de que “em se plantando tudo dá31”, que Mato Grosso se
configura enquanto “terra de oportunidades”, teve por base o discurso propagado pelo
regime militar para incentivar a ocupação da região norte do estado. Semelhantes
falácias percorrem o tempo e, atreladas à ideologia neoliberal, ganham força nos
discursos e na percepção do outro, consolidando homilias de ódio e preconceito,
estigmatizando aqueles que não “aproveitam” as oportunidades, como se elas fossem
para todos.
Estado rico e fausto, em que 7,7% de latifundiários com mais de 1.000 hectares,
detém 77,5% das terras do Estado32, onde as extensas áreas cultivadas pela soja
colocam em risco a fauna e a flora, local em que o latifúndio, a grilagem e a disputa
de terra ceifam inúmeras vidas e onde comunidades indígenas são dizimadas e
expropriadas em nome do progresso.

30 Pela virtude mais que pelo ouro, lema do estado de Mato Grosso.
31 A expressão “em se plantando tudo dá” remete à Carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao rei
Dom Manuel, em 1500, ao descrever o Brasil.
32 Balanço da Violência no Campo, Comissão Pastoral da Terra - CTP -Disponível em

<httpsA://goo.gl/dohsTg>. Acesso em 31 mar. 2017.


71

Os dados sobre a violência no campo em Mato Grosso, no ano de 2015, são


fundamentais para o entendimento dos conflitos decorrentes da luta pela terra.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra, no ano de 2015, 8 pessoas envolvidas na
luta pela terra estão sendo ameaçadas de morte; 62 delas sofreram violência no
campo; 1 pessoa morreu, 1.423 crimes de pistolagem foram denunciados; 320
famílias foram expulsas da terra por grileiros e outras 1.090 famílias foram despejadas
- 724% de aumento em relação a 2014, nos despejos autorizados pelo Poder
Judiciário, sendo que 46 trabalhadores foram encontrados em situação análoga à
escravidão, 128% a mais se comparada a 2014. Ao final, computou-se um total de
31.031 pessoas envolvidas em atos de violência no campo. Em todo o estado foram
computadas 125 mortes na disputa por terra, no período de 1985 a 2015, não se
registrando qualquer condenação.
Mato Grosso, palco de riquezas e de exequibilidades, figura como o segundo
estado mais perigoso para ser gay e o 9º para ser mulher, segundo o Instituto da
Mulher Negra – Geledés33 – e que, não diferente das demais unidades da federação,
relega homens e mulheres a situações sub-humanas de vida, em nome da segurança
social.
De acordo com o 4º Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos no Brasil,
divulgado em 2010, pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP, que abrangeu o
período de 2003 a 2010, Mato Grosso foi o estado onde os crimes violentos contra o
patrimônio mais cresceram, cerca de +109,1%.
Além disso, o estado se coloca em 5º lugar entre as 8 unidades que
“ultrapassam a marca dos 100 homicídios para cada 100 mil jovens negros”, segundo
o Mapa da Violência 2012: a cor dos homicídios no Brasil 34. São elas, pela ordem:
Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Mato Grosso, Distrito Federal, Bahia
e Pará. De acordo com a referida fonte, os índices de homicídios negros entre a
população total também são elevados nesses estados.
É em semelhante cenário de “prosperidade e oportunidades”, mas também de
violência, exclusão e abandono, que estão localizadas as sete penitenciárias,
consideradas por diversos órgãos como barril de pólvora, prestes a explodir. Cada
uma delas é palco de crueldade e barbárie, concebidas enquanto recurso para a

33 Disponível em <https://goo.gl/u5v2eA>. Acesso em 31 mar. 2017.


34 Disponível em < https://goo.gl/PUhR4H > Acesso em 4 mar. 2017.
72

expiação dos crimes dos considerados selvagens, fracassados, inúteis e, por essa
razão, dispensáveis.

3.1.1 Penitenciária Central do Estado

Não é frase pronta, não é ensaiado, é realidade. O governador precisa


agir ou aqui vai explodir também.
João Batista (2017)35

Considerada a maior estrutura prisional de Mato Grosso, a Penitenciária


Central do Estado (PCE), abrigando 2.193 detentos, é também conhecida como
Penitenciária Pascoal Ramos, nome do bairro em que está localizada na capital,
Cuiabá. A construção assusta, não somente pela estrutura gigantesca e sombria, mas,
principalmente, pela proximidade com a sociedade.36 Localizada às margens da BR-
364, sua existência tão visível afronta o pacto de não-ver:

Como aponta Affonso Romano de Sant’anna, essa é uma história


sobre um pacto de não-ver, na qual toda uma “comunidade brinca de
avestruz enquanto alguém lucra com a cegueira estimulada. E porque
todos têm medo da opinião (ou visão) do outro, todos deixam de ver
(e ter opinião). É um caso de cegueira social”. Ou seja, é de fácil
visualização que o poder – em seus mais diversos estratos – produz
um discurso que ordena o que pode e deve ser visto (ou não).
(CARVALHO, 2014, p. 1).

Sem registros oficiais - acessíveis - sobre a data de inauguração, estrutura,


reformas e obras, as condições da unidade serão aqui retratadas a partir de dados
divulgados pela mídia, que não constitui elemento peremptório para análise, assim
como ressalta Marx:

35 Presidente do Sindicato dos Agente Penitenciários de Mato Grosso em declaração sobre a situação
da PCE e de outras unidades do estado, em 8 jan. 2017. Disponível em < https://goo.gl/pZgsPt >.
Acesso em 5 jul. 2017.
36 A LEP determina, em seu Art. 90, que “A penitenciária de homens será construída em local

afastado do centro urbano, à distância que não restrinja a visitação”. Em 6 de junho de 1994, foi
promulgada a Lei Ordinária n. 6.447/1994, que dispõe sobre a criação e instalação de penitenciárias
em áreas urbanas, de autoria do então Deputado Estadual Jorge Yanai: “Art. 1º Fica proibida a
criação e instalação de penitenciárias em áreas urbanas e/ou em suas proximidades, no Estado de
Mato Grosso” (Lei nº 6.447, de 06 de junho de 1994. p. 1). Disponível em <https://goo.gl/6AZ8UU>.
Acesso em 1º abr. 2017.
73

A investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores,


de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e de perquirir
a conexão íntima que há entre elas. Só depois de concluído esse
trabalho é que se pode descrever, adequadamente, o movimento do
real. Se isto se consegue, ficará espelhada no plano ideal, a vida da
realidade pesquisada, o que pode dar a impressão de uma construção
a priori. (MARX, 2014, p. 28).

Especialmente com relação às condições existentes, a mídia oportuniza uma


visão das agruras vividas na Penitenciária, lamentavelmente, retratada pelas mortes
e miséria humana, como o “massacre do Pascoal Ramos”, episódio dantesco, ocorrido
em 2000, envolvendo 362 sentenciados em disputa entre facções criminosas e deixou
13 mortos e 15 feridos em estado grave. Impedida pelos próprios detentos de conter
a rebelião, a polícia “era avisada para ficar de fora, pois ‘aquilo era um acerto de
contas, era uma questão que envolvia apenas os presos, ninguém mais’’ 37

O motim aconteceu por volta das 10 horas quando os agentes


carcerários abriram os portões para o banho de sol. Os agentes foram
obrigados a sair correndo.
De acordo com a polícia, os presos transformaram o pátio da
penitenciária num palco da violência. Armados com centenas de
chuços (armas artesanais confeccionadas com pedaços de metal),
dois revólveres calibre 38, duas granadas de mão e pedaços de pau,
os presos se digladiaram entre si.
"Um grupo de presos ficou do lado de fora no pátio e outro, dentro da
ala A que ficou encurralado. Esse grupo é que ficou com as duas
armas. A rixa é tão forte que eles não estão permitindo nem o socorro
dos feridos", informou coronel Altair Balieiro, no início do motim.
(DIÁRIO DE CUIABÁ, 2000).

O massacre chamou a atenção da mídia e da Organização das Nações


Unidas, e o relato do que ocorreu integrou parte do Relatório Rodley 38, sobre tortura
no Brasil:

Aristeu da Silva, detento da Penitenciária Pascoal Ramos em Cuiabá,


teria sido morto no dia 01 de fevereiro de 2000. Segundo informações
recebidas, ele estava preso no Bloco B e teria sido morto como
resultado de uma briga com a facção rival localizada no Bloco A.
Nelson Rodrigues de Sá teria sido espancado no mesmo dia também
pela outra facção. O delegado e outros policiais teriam sido informados
que alguns detentos teriam armas. No mesmo dia eles teriam efetuado
uma busca na prisão e não teriam encontrado nenhuma arma. Os

37 Jornal Diário de Cuiabá, disponível em <https://goo.gl/U6Gmnh>. Acesso em 3 mar. 2017.


38 Em 11 de abril de 2001, na sede da ONU em Genebra, Suíça, Sir Nigel Rodley, apresentou o
relatório sobre a tortura no Brasil. Disponível em < https://goo.gl/XEcd1A>. Acesso em 4 mar. 2017.
74

detentos teriam entregue uma lista aos diretores indicando os presos


que teriam sido ameaçados de morte por outros presos. No dia 02 de
fevereiro de 2000, o Ministério Público teria recebido uma carta com
17 nomes de detentos que correriam risco de vida como resultado da
rivalidade entre as diferentes facções. No dia 03 de fevereiro de 2000,
o evento, posteriormente conhecido como o "massacre de Pascoal
Ramos", se deu na Penitenciária. Segundo informação recebida pelo
Relator Especial, os guardas notaram que algo estava para acontecer
e abandonaram seus postos. Os presos dos Blocos B e C teriam
atacado os presos do Bloco A. [...] O diretor da Penitenciária teria
proibido a Polícia Militar de intervir e terminar o ataque que teria
durado das 09:40 às 15:00. A versão oficial seria de que os presos
estavam "acertando contas uns com os outros". A Polícia Militar e o
Grupo de Operação Especial do Comando Independente teria cercado
a prisão durante o confronto. Sua função teria sido unicamente de
aprender potenciais fugitivos. Segundo informações recebidas, os
policiais atiraram para o alto para ameaçar aqueles que se
aproximavam da cerca da prisão e Genildo Cosme Tibúrcio Leite e
Miguel Cabrera Toledo teriam sido alvo dos tiros dos policiais. Eles
teriam tentado escapar. Os presos, aparentemente, possuíam armas
de fogo, facas e lanças. Um inquérito teria sido aberto. O relatório do
Ministério Público, publicado no dia 23 de fevereiro de 2000 concluiu
que o estado deveria arcar com a responsabilidade das mortes dos
detentos por ter falhado em prevenir o incidente. O Relator Especial
gostaria de ser informado acerca do resultado desse inquérito.
(RODLEY, 2001).

Segundo o jornal Gazeta Digital, após a divulgação do relatório, outros casos


foram denunciados:

Comprovando o envolvimento e a contribuição de policiais com esse


tipo de crime. Além de serem permissivos com a violência instalada
nas instituições que deveriam "reeducar", os policiais usavam de
técnicas igualmente violentas para arrancar confissões ou impor
autoridade. (GAZETA DIGITAL, 3 jul. 2003)39.

No mesmo ano foi celebrado convênio entre Estado e Federação para reforma
e reestruturação da mesma Penitenciária40. A PCE foi interditada em 2001 e reativada
em 2002, numa obra que ultrapassou R$ 4 milhões de reais – valor significativo, se
comparado com a construção, três anos depois, da primeira escola modelo, referência
para Mato Grosso e para o país, que teve um custo estimado de R$ 1,2 milhões. 41 A
obra da penitenciária Paschoal Ramos consistia em “reforços nas paredes,

39 Disponível em <https://goo.gl/2oc1g1>. Acesso em 4 mar. 2017.


40 Disponível em <https://goo.gl/rG5KKq>. Acesso em 4 mar. 2017.
41 Disponível em <https://goo.gl/X4uRiL>. Acesso em 1º abr. 2017.
75

instalações de pisos, concretagem, fossos de areia, construção de novas alas


independentes, galerias, muralhas e guaritas” (DIÁRIO DE CUIABÁ, 9 jan. 2002):

Com a reestruturação, o Estado pretende melhorar as condições de


desenvolver a ressocialização dos detentos. Foram ampliados cerca
de cinco mil metros quadrados de construção e reformada uma área
de quatro mil metros quadrados, além da construção de 1.368 metros
quadrados de área de lazer.
A novidade é que a penitenciária terá um Hospital de Custódia e
Saúde, o primeiro no Estado a dar atendimento especial a
reeducandos com problemas psíquicos. A Unidade também contará
com três oficinas, onde os detentos irão trabalhar e poderão participar
de cursos profissionalizantes.
A unidade terá ainda um centro médico, quadras de esportes, lazer,
além de salas destinadas à educação regular. Na avaliação de
Hermes de Abreu, o Pascoal Ramos está dentro dos padrões de
humanização, de acordo com a Convenção de Tóquio42. (DIÁRIO DE
CUIABÁ, 9 jan. 2002).

À época, com 750 detentos julgados e condenados, a reativação da PCE


atenderia 1.642 presos, o que representava um superávit de vagas no sistema
penitenciário estadual. A proposta era que a PCE abrigasse apenas os presos
condenados. Os provisórios seriam transferidos para outra unidade. Entretanto, com
o boom do Estado punitivo, isso não ocorreu. Não foi possível precisar o que de fato
aconteceu com a reestruturação da PCE, e o que levou as 1.642 vagas previstas se
transformarem nas 891, informadas pela unidade no questionário aplicado para a
realização do presente estudo. O que se sabe é que atualmente a PCE continua
abrigando presos provisórios, como demonstrado na Figura 4.

42 Disponível em <https://goo.gl/h9sLt7>. Acesso em 4 mar. 2017.


76

Figura 04. Situação dos detentos da PCE

0 0

43%

57%

Condenados Provisórios

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Cuiabá, 06 de março de 2017.

A direção da Penitenciária não informar dados como: o tipo de crime praticado


- ou supostamente praticado - pelos detentos, a etnia, a escolaridade e o índice de
reincidência, apenas informou que a média etária era de 30 anos. A inexistência de
tais registros impede o conhecimento da realidade intra e extramuros, inviabilizando
significativamente a construção de políticas públicas de combate ao crime organizado
e de proteção social, capazes de romper o ciclo de perpetuação de violência e da vida
no cárcere.
A educação, embora seja parte de programa de remição de pena, não conta
com a adesão da maioria dos detentos. Nas aulas regulares de Ensino Fundamental
e Médio, oferecidas na PCE, poucos são os que frequentam, como demostrado na
Figura 05.
77

Figura 05. Educação na PCE

3%
7%

90%

Sem estudar Ensino Fundamental Ensino Médio

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Cuiabá, 06 de março de 2017 e dados da
Corregedoria Geral da Justiça de Mato Grosso.

Nos últimos doze meses, nove presos foram a óbito. Ao final, não foi possível
computar o total de mortos na história da unidade. A direção do PCE declarou não
haver denúncia de maus-tratos e torturas, assim como alegou que as celas obedecem
aos padrões estabelecidos na legislação. As celas consideradas adequadas pela
unidade o seriam, não fosse o fato de a unidade operar com 146% acima de sua
capacidade, o que, para o juiz de Execução Penal, Geraldo Fidelis, beira ao crime de
tortura43 (PONTO DA CURVA, 13 jun. 2016).
Em dezembro de 2016, matéria jornalística, veiculada no portal G1, dava conta
da lotação das celas que, projetadas para abrigar até 8 presos, alojam perto de 30.
Para denunciar a situação, os detentos fizeram um abaixo-assinado ao Juiz de
Execução Penal da Comarca de Cuiabá:

O abaixo-assinado foi feito pelos presos dos quatro raios, além do raio
dos evangélicos, do módulo onde ficam os trabalhadores, e do raio 5,
para presos que cumprem penas mais rigorosas. O documento foi
encaminhado ao juiz Geraldo Fidélis nesta semana44. (G1, 10 dez.
2016).

43 Disponível em < https://goo.gl/AWtk2h>. Acesso em 12 mar. 2017.


44 Disponível em <https://goo.gl/j99eh4>. Acesso em 12 mar. 2017.
78

Na unidade funciona uma cantina administrada pela Associação dos Servidores


da Penitenciária Central (ASPEC). O lucro, segundo a direção da unidade, é revertido
em benfeitorias para os reeducandos, familiares e servidores. Matéria jornalística
disponível no portal G1, “Mercadinhos vendem de bolacha a isqueiros dentro de
presídios de MT45”, de setembro de 2015, denuncia que os presos são proibidos de
portar determinados produtos que não sejam adquiridos nas cantinas das
penitenciárias:

Bolachas, cigarros, lâminas de barbear, produtos de limpeza, óleo de


cozinha e isqueiros são alguns dos itens que a população carcerária
de Mato Grosso não precisa pedir para seus familiares levarem
durante as visitas às unidades penitenciárias: os artigos estão
disponíveis no interior das próprias prisões, em mercadinhos que
funcionam sem regulamentação. (G1, 26 set. 2015).

Os presos podem receber até dois familiares, todas às quartas-feiras, sábados


e domingos alternados, das 8h às 16h. Nessas ocasiões, segundo a direção da
unidade, os visitantes adultos, passam por revista - sem desnudamento - realizada
por dois servidores, sendo submetidos a detector de metais. No caso de crianças e
adolescentes, passam apenas pelo sistema de detecção. É garantida a presença de
uma servidora para proceder à revista de visitantes do sexo feminino. Os 282
servidores - técnicos de nível superior e assistentes do sistema penitenciário - são
revistados e passam por detector de metais e raio X, procedimento que não ocorre
com advogados, juízes, promotores e autoridades, que são submetidos apenas às
revistas mecânicas e eletrônicas.
Constantemente presente em matérias veiculadas nas mídias, a PCE tem sido
arena de inúmeras fugas e de atos de corrupção, como entrada de produtos ilegais
dentro da unidade. Tais ações não envolvem apenas visitantes ou integrantes de
facções - que atuam extramuros, acatando determinações elaboradas pelos chefes
do crime organizado, de dentro da prisão - mas também por servidores ou funcionários
de empresas prestadoras de serviço.
As tentativas de entrada de produtos considerados ilícitos na unidade são
recorrentes, geralmente marcadas pela ousadia e criatividade, demonstrando, a priori,
a fragilidade do sistema e a falta de aparatos efetivos de segurança e controle. Nos

45 Disponível em <https://goo.gl/UK167K>. Acesso em 1º abr. 2017.


79

dois primeiros meses de 2017, foram identificadas duas tentativas de entrada de


material ilícito na unidade. A primeira ocorreu em janeiro, quando um caminhão
entregou um bebedouro contendo 180 celulares escondidos em seu interior 46 (G1, 4
jan. 2017). O bebedouro, embalado e com nota fiscal de empresa especializada, foi
“deixado” por um caminhão que abandonou o local rapidamente. A direção da
penitenciária abriu um processo administrativo para averiguar o caso. A segunda, e
mais recente, foi protagonizada por dois homens, que da rua lateral da unidade,
pilotavam um drone que levaria celulares ao interior da penitenciária 47 (OLHAR
DIRETO, 10 fev. 2017).
Além disso, o envolvimento, em atos de corrupção, por parte de servidores
públicos e funcionários que prestam serviço nas unidades48 também integram a
trajetória da penitenciária, tendo sido um de seus diretores condenado por ato de
improbidade administrativa. Segundo o Jornal online Diário de Cuiabá, em sua edição
nº 14.515, de 29 de junho de 201649:

A juíza Vidotti entendeu que o ex-diretor da PCE agiu de maneira que


acabou por favorecer a fuga de dois presos, “contrariando os
princípios descritos na Constituição Federal e seus deveres de ofício”.
Para ela, a procuradora Karin Gehring conseguiu demonstrar e
fundamentar a tese de que Viccari assumiu o risco de ver escaparem
os dois, um de alta periculosidade, inclusive, ao determinar que este
deixasse a área dos detentos-trabalhadores para lavar uma viatura no
pátio da PCE e depois realizarem reparos de manutenção no
galinheiro da penitenciária.

Outra servidora, recentemente, foi detida em flagrante, quando entrava com


seis smartphones50 (FOLHA MAX, 27 dez. 2016) que seriam entregues ais integrantes
da facção criminosa Comando Vermelho51. As situações aqui apresentadas sobre a
PCE, aliada às péssimas condições de vida dos detentos, à superlotação, ao

46 Disponível em <https://goo.gl/j6Jz5p>. Acesso em 27 fev. 2017.


47 Disponível em < https://goo.gl/vRoUGR >. Acesso em 27 fev. 2017.
48 O servidor público ocupa cargo público proveniente de concurso público e tem seu trabalho regido

pelo Regime Jurídico Único, enquanto os funcionários ou trabalhadores são ligados a iniciativa
privada e regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas.
49 Disponível em <https://goo.gl/UTZExP>. Acesso em 27 fev. 2017.
50 Disponível em <https://goo.gl/hvbdvn>. Acesso em 27 fev. 2017.
51 Comando Vermelho Rogério Lemgruber, mais conhecido como Comando Vermelho e pelas siglas

CV e CVRL, é uma das maiores organizações criminosas do Brasil. Foi criada em 1979 na prisão
Cândido Mendes, na Ilha Grande, Angra dos Reis, Rio de Janeiro como um conjunto de presos
comuns e presos políticos, militantes de grupos armados, sendo os presos comuns membros da
conhecida Falange Vermelha. Disponível em <https://goo.gl/gvMLWT>. Acesso em 28 fev. 2017.
80

abandono do estado e à disputa interna por poder entre as facções do crime


organizado, transformam a maior penitenciária de Mato Grosso em um exemplo
evidente do colapso do seu sistema prisional.
Dos 162 presos que desenvolvem algum tipo de atividade laboral dentro da
unidade, somente 4 recebem o equivalente a um salário mínimo, no valor atual, R$
937,00. Quanto aos demais, não foi informado o valor recebido. Importa esclarecer
que, de acordo com o questionário respondido pela direção da unidade, para trabalhar
é necessário que o preso tenha sido julgado e tenha boa conduta.
De acordo com a Figura 06, apenas 7% dos presos desenvolvem atividade
laboral decorrente de convênio firmando com uma marmitaria 52. O trabalho consiste
na limpeza das cubas onde são servidas as refeições. A direção informou não haver
outros postos de trabalhos disponíveis na unidade, tampouco oficinas
profissionalizantes ou laborais em funcionamento.

Figura 06. Trabalho Prisional na PCE

7%

93%

Não trabalham Tabalham

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Cuiabá, 06 de março de 2017.

52A unidade não deu maiores informações, porém presume-se que a referida marmitaria é a mesma
que o governo contratou por meio de licitação para fornecer alimentação ao sistema penitenciário.
81

Os relatos de familiares sobre as péssimas condições de saúde no interior da


unidade impressionam. Com apenas dois médicos prestando serviço no local, um
clínico geral e um ortopedista, o que equivale a 1 profissional para atender 1.096
presos, sendo mantida a média do atendimento odontológico, as famílias descrevem
um cenário de abandono e de dor. Em matéria publicada pelo site de notícias G1,
intitulada “Dobra o número de presos com tuberculose em penitenciaria de MT ”53, de
18 de março de 2014, ficam evidentes as péssimas condições de vida nas
penitenciárias do estado:

Em nove meses, mais que dobrou o número de presos com


tuberculose na Penitenciária Central do estado, localizada em Cuiabá.
A quantidade passou de 56 em junho do ano passado para 120
infectados, segundo o último levantamento da Secretaria de Saúde do
estado. Outros 20 detentos do Centro de Ressocialização de Cuiabá,
conhecido como Carumbé, e 30 reeducandas do presídio feminino
Ana Maria do Couto também estão com a doença.

Em 2013, durante a Operação da Legalidade54, executada pela Sejudh, foram


isolados 96 presos da PCE, por estarem infectados pela tuberculose:

No dia 16 de junho deste ano, o detento Alan Silva Arruda, de 25 anos,


morreu em uma cela da Penitenciária Central do Estado (PCE) com
sintomas de tuberculose. Segundo a família de Alan, mesmo depois
de ter sido diagnosticado com a doença, ele não recebeu tratamento
adequado e isso teria ocasionado a morte55. (G1, 25 jul. 2013).

Por se tratar de doença bacteriana infecciosa, a questão ultrapassa a


competência da Sejudh, colocando sob ameaça toda a população do estado, uma vez
que é necessário o tratamento precoce para que a cadeia de transmissão da bactéria
seja interrompida.
Abandonados à própria sorte, esquecidos pelo Estado, abominados pela
sociedade, inúteis ao sistema, os presos se amontoam nas celas insalubres da
Penitenciária Central do Estado de Mato Grosso, exemplo maior da tragédia sem
precedentes que se tornou o sistema penitenciário estadual.

53 Disponível em <https://goo.gl/Uxh23k>. Acesso em 1º abr. 2017.


54 A Operação Legalidade foi uma ação desenvolvida pela Sejudh, em 2013, para separar presos
provisórios dos condenados nas unidades penitenciárias.
55 Disponível em < https://goo.gl/135bJj>. Acesso em 1º abr. 2017.
82

3.1.2 Centro de Ressocialização de Cuiabá

A criminalidade é retroalimentada pela reincidência, por conta disso é


impossível reduzir um sem diminuir o outro. O sistema viola a
dignidade do preso e de suas visitas, gera ociosidade ao detento, o
coloca em contato com criminosos mais perigosos e cria uma
atmosfera de constante revolta.

Waldir Caldas56 (In: Diário de Cuiabá, 2015)

Construído na década de 60, a Cadeia Pública do Bairro Carumbé, o “cadeião”,


era uma instituição temida na cidade. As parcas condições de vida e,
consequentemente, o aumento da criminalidade e do número de presos fizeram com
que a estrutura arquitetônica concebida como cadeia passasse por reformas,
transformando-se em presídio e, mais tarde, em 2005, no Centro de Ressocialização
de Cuiabá:

Os Centros de Ressocialização se apresentam enquanto uma nova


experiência na prática de encarceramento, um “modelo” de instituição
prisional, em que as diferenças estruturais e a administração
compartilhada entre Estado e ONGs contribuem para essa legitimação
discursiva, voltada às políticas públicas que ensejam a ressocialização
do sujeito condenado por meio da educação, trabalho e religião, como
acontece no CRC, com a participação da Secretaria de Estado de
Educação (Seduc), com o funcionamento de uma unidade escolar
dentro do CRC – não por acaso denominada Escola Estadual Nova
Chance –, e com a OAB, SENAI, SESI, ROTARY, entre outros, que
promovem cursos, palestras e divulgam os artesanatos produzidos
pelos sujeitos segregados nesse espaço. (BARRETO; BRESSANIN,
2016, p. 268-269).

As reformas que ocorreram no CRC não atenderam totalmente as


necessidades da instituição, ao contrário, as péssimas condições de vida no Carumbé
motivaram conflitos, rebeliões e mortes. Exemplo disso são: a rebelião ocorrida em
abril de 1989, quando morreram 10 pessoas, assim como a de 2000, ambas
motivadas, pela situação calamitosa de vida no interior da unidade e devido à
superlotação:

56Presidente da Comissão de Direito Carcerário da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Mato
Grosso (OAB-MT), em 29 mar. 2015. Disponível em <https://goo.gl/KD4fui>. Acesso em 6 jul. 2017.
83

Em abril de 1989, devido à superlotação, aconteceu uma das maiores


rebeliões do Estado no presídio Carumbé, onde foram constatadas
dez mortes, sendo oito detentos, dois policiais e trinta e duas pessoas
ficaram feridas. Onze anos depois em 2000 ocorrera outra rebelião, no
qual, vários agentes foram feitos reféns. As reivindicações segundo as
informações, foram novamente a superlotação e as deficiências
encontradas no presídio, dentre eles a saúde, alimentação e as
visitas57. (FUNDAÇÃO NOVA CHANCE, 3 abr. 2016).

Com capacidade para 392 detentos, atualmente opera 115% acima da


capacidade, abrigando 846 homens que praticaram crimes, como furto, estupro,
atentado violento ao pudor, crime ambiental e crime de trânsito, segundo informações
da direção da unidade. Os detentos do CRC, em sua maioria, não concluíram o
Ensino Fundamental (Figura 07), perfil condizente com o constatado nas demais
unidades do estado.

Figura 07. Escolaridade dos detentos da CRC

0,80%
4,90%
1,30%
3%

13%

21%
56%

Não alfabetizados Ensino Fundamental incompleto Ensino Médio incompleto


Ensino Médio completo Ensino Superior incompleto Ensino Superior completo
Não informado

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Cuiabá, 20 de abril de 2017.

Mesmo abrigando 3% de não alfabetizados, as aulas regulares que acontecem


no CRC não contam com grande adesão, como revela a Figura 08.

57 Disponível em <https://goo.gl/CMS6J7>. Acesso em 22 abr. 2017.


84

Figura 08. Educação na CRC

5%

18%

77%

Sem estudar Ensino Fundamental Ensino Médio

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Cuiabá, 20 de abril de 2017.

O CRC já foi considerado, na década de 1990, o “corredor da morte das


cadeias”, pois, além das péssimas condições estruturais e da superlotação, “tinha
corredor da morte, valas para jogar presos que eram espancados e até cela da
tortura”58 (HIPER NOTÍCIAS, 14 ago. 2016). O que chama atenção nessa unidade
penitenciária é a forte influência das religiões, uma vez que três igrejas estão em
funcionamento no interior do CRC, sendo a ala evangélica considerada o “paraíso das
cadeias”.
De acordo com Almeida (2013), a estrutura física do CRC está dividida em duas
unidades: a Unidade I e Unidade II, divisão que funciona de acordo com critérios
internos determinados pelas igrejas que atuam no local:

O que nos leva a afirmar, baseados nos estudos de MAIA (2009), que
cada unidade prisional deste Estado e mesmo do país tem uma vida
própria, muitas vezes autônoma dos poderes constituídos. O que
determina a forma, as reformas, a vida cotidiana vai depender mais de
como se dá a disputa de forças dentro da unidade e se a gestão tem
uma habilidade de negociar do que qualquer outro tipo de interferência
central. (ALMEIDA, 2013, p. 31).

58 Disponível em <https://goo.gl/F7etNZ>. Acesso em 22 abr. 2017.


85

Em 2007, a Comissão de Direitos Humanos, desdobramento do Fórum de


Direitos Humanos e da Terra – Mato Grosso, visitou a unidade com o objetivo de
verificar as condições de vida dos detentos. Mais tarde, lançou um relatório onde
alertava que, embora tivesse trocado de nome, o CRC ainda funcionava como
“depósito de humanos”. O relatório apontava os seguintes problemas:
• Misturam-se presos condenados, provisórios e inclusive os psiquiátricos;
• A administração do presídio não fornece vestuário, nem material de higiene,
sendo tudo custeado pelos familiares dos presos;
• A comida é terceirizada e, segundo alguns presos, é ruim e vem em pouca
quantidade, além de ser entregue junto com o café da manhã, sendo servida fria.
Alguns detentos cozinham na cela, como argumentam, para se alimentar melhor;
• As instalações elétricas e hidráulicas exigem reforma imediata, pois já
colocam a vida dos presos em risco;
• Esgoto a céu aberto, exalando mau cheiro insuportável;
• A água é racionada para certas alas do presídio;
• Os sanitários são coletivos e precários, agravando, de certa forma, a higiene;
• Os presos não revelam, à comissão, maus-tratos por parte de agentes, mas
sim entre eles, sendo comuns agressões físicas entre eles;
• Há uma única enfermaria, praticamente em desuso, seja por falta de
equipamentos ou por carência de médicos e enfermeiros, que no momento da visita
por lá não se encontravam;
• O único consultório odontológico está desativado por falta de material de
esterilização, essencial para atendimento;
• Não existe ambulância no presídio;
• A promiscuidade e a desinformação dos presos, sem acompanhamento
psicossocial, levam à transmissão de diversas doenças infectocontagiosas;
• Muitos detentos sofrem de patologias graves (tuberculose, hanseníase, HIV,
sífilis), colocando em risco a saúde dos demais;
• Os cadeirantes alegam que nunca foram encaminhados para tratamento
adequado ou fisioterapia;
• Inexiste assistência jurídica, pois o que se vê são presos que alegam estar
com suas penas vencidas e sem regime de progressão, alegando estar há mais de
ano sem ter a primeira audiência com o Juiz. Muitos imploram por assistência jurídica,
86

devido à falta de um acompanhamento mais eficaz, uma vez que são simplesmente
encarcerados e ali abandonados à própria sorte.
Em 2008, uma denúncia feita à Procuradoria Geral de Justiça, apontava que o
diretor do CRC à época, estava envolvido na fuga de três traficantes. A denúncia
também citava situações de corrupção, dentre elas a venda de regalias dentro da
unidade e desvio de verbas:

A denúncia, que está com o Ministério Público desde a semana passada,


afirma ainda que o diretor do CRC favorece presos em regime de albergue
- que só precisam dormir no CRC, mas não estariam cumprindo com esta
determinação -, prática de nepotismo, venda de transferências e regalias,
grande consumo de energia, desvio de recursos e verbas e lucro indevido
em cima dos produtos que são produzidos pelos próprios presos, dentro
das fábricas que funcionam na unidade e que têm como objetivo a
ressocialização dos reeducandos59.(GAZETA DIGITAL, 29 maio 2008).

A partir de 2009, o abuso de poder exercido pelas igrejas evangélicas ganhou


espaço na mídia. De acordo com denúncias de agentes penitenciários, quem detinha
o poder eram os presos evangélicos que ocupavam 2 alas da unidade 1. Segundo
reportagem do Jornal Gazeta Digital, um dos servidores afirmou que corria risco de
sofrer punições, por manter os convertidos trancados em suas celas:

Afirma que ele e os colegas já foram alertados pelo diretor da unidade,


Dilton Matos de Freitas, que assumirão as "consequências" de manter os
evangélicos presos nas celas, caso "ocorra alguma coisa". Isto porque os
"convertidos", entre outros privilégios, andam livremente pelos corredores
da unidade, sendo apenas monitorados por outros "irmãos" escolhidos por
eles. Mas os agentes relatam que mesmo entre os convertidos estão
criminosos de alta periculosidade e que já estão escolhendo os
carcereiros que querem que atue nas alas, sugestão que vem sendo
aceita pela direção. Além disso, as alas evangélicas são as únicas que
não passam por revistas minuciosas, como as demais. Os próprios
agentes tentaram conversar com a direção da unidade em reuniões que
não aconteceram60. (GAZETA DIGITAL, 23 mar. 2009).

No mesmo ano, o Ministério Público Estadual desarticulou um sistema de


extorsão praticado por membros das igrejas evangélicas dentro do CRC, após várias
denúncias de presos e familiares sobre a cobrança de dízimo:

59 Disponível em <https://goo.gl/c7LeUm>. Acesso em 22 abr. 2017.


60 Disponível em <https://goo.gl/2PnTeZ>. Acesso em 22 abr. 2017.
87

O promotor aponta que as denúncias pesam contra três igrejas


evangélicas: Universal do Reino de Deus, Assembleia de Deus e Deus é
Amor. Ele informou que foram encontrados, aproximadamente, R$ 1,5
mil, com um representante da Igreja Universal. Por mês, a renda de cada
igreja, dentro do presídio, é de R$ 15 mil. No material recolhido pelos
investigadores estão boletos bancários com o nome da igreja, dinheiro,
além de um extrato bancário em nome de um preso e o saldo de pouco
mais de R$ 43 mil61. (MÍDIA NEWS, 22 abr. 2012).

A diferença das alas comandadas pelos evangélicos e a dos “ímpios”, como


são chamados os não convertidos, são evidentes, seja pelo espaço disponível – na
ala evangélica há mais espaço e organização – e pela limpeza do ambiente. A ideia
que se difunde é a de que na ala evangélica estariam os presos com melhor
comportamento e com chance real de recuperação social. Entretanto, relatos de ex-
detentos denunciam o outro lado da vida no espaço destinado aos fiéis, onde a tortura,
a extorsão, o acesso à pornografia e a circulação de garotas de programa, constituem
rotina.
De acordo com investigações do Ministério Público, a escolha dos pastores não
era por acaso, visto que as igrejas buscavam detentos que se impunham sobre os
demais, tanto pelos crimes praticados quanto pelo porte físico, aspectos essenciais
para garantir o pagamento das cotas e dízimos:

O tipo de reeducando escolhido para liderar a denominação facilitava


todo o trabalho de arrecadação. “Se sozinho ele já se impunha perante
os outros, formando um grupo coeso e com o apoio ou a conivência
da direção da unidade eles se tornaram intocáveis dentro do CRC.
Isso impedia qualquer reação dos outros presos”62. (GAZETA DIGITAL,
25 set. 2012).

A maior referência evangélica dentro do CRC trata-se de um dos bandidos


mais temidos de Mato Grosso, condenado a 115 anos de reclusão, e que vive há 15
na penitenciária:
Considerado um dos criminosos mais cruéis com registro na história
jurídica de Mato Grosso, até os 21 anos, Aclídes Marcelo Gomes, o
“Menino Mau” ordenou e participou diretamente de pelo menos 10
homicídios na região metropolitana de Cuiabá. A maioria na região do
CPA. Em um dos casos mais horripilantes, a “Chacina do Altos da
Serra”, seis pessoas foram mortas, sendo que quatro pessoas tiveram

61 Disponível em <https://goo.gl/zcGFfr>. Acesso em 22 abr. 2017.


62 Disponível em < https://goo.gl/AgJRbP>. Acesso em 22 abr. 2017.
88

suas cabeças esmagadas com pauladas e o cérebro esfarelado com


pedradas após recebem tiros63. (FOLHA DO NORTE, 8 ago. 2016).

A atuação dos líderes das igrejas evangélicas aparenta, num primeiro


momento, ser benéfica para os grupos e a organização da penitenciária, inclusive é
incentivada pela direção:

O diretor contou, inicialmente, que o local possui igrejas e que todas


estavam lotadas. “Aqui dentro temos três igrejas, lideradas por
pastores presos, que tiveram um passado superpesado e hoje estão
100% ressocializados. Eles pregam o dia todo para aqueles que
pretendem mudar de vida e escolheram a ala evangélica para conviver
aqui dentro”, disse Winkler64. (HIPER NOTÍCIAS, 14 ago. 2016).

Porém, investigações do Ministério Público, no ano de 2012, trouxeram à


público as práticas das igrejas no CRC - tortura, extorsão e abusos sexuais - inclusive
com o envolvimento de servidores:

Dezesseis presos da Ala Evangélica do Centro de Ressocialização de


Cuiabá (CRC) foram denunciados, pelo Ministério Público, por tortura,
tráfico de influência e extorsão. Outros 3 servidores de todos os níveis
da unidade foram identificados na prática do crime de corrupção e
serão investigados. Promotor de Justiça responsável pelo caso, Célio
Wilson de Oliveira explica que representantes de duas das 3
denominações religiosas que realizam trabalhos junto aos presos
estão envolvidas com o esquema65. (GAZETA DIGITAL, 25 set. 2012).

Para integrar uma ala evangélica, o detento deveria cumprir uma série de
exigências, que iam desde comparecer aos cultos a pagar por regalias. Aqueles que
se negassem a fazer isso sofriam retaliações que iam desde a perda do colchão para
dormir até ameaças de agressões ou de morte:

Os acusados cobravam para que outros presos permanecessem na


ala, além de obrigá-los a frequentar cultos. Ficavam com 40% dos
alimentos e produtos de higiene levados por familiares e vendiam
regalias por meio do pagamento de propina. Uma das “facilidades”
oferecida com a conivência e suposta participação dos servidores
eram indicações para o trabalho externo66. (GAZETA DIGITAL, 25 set.
2012).

63 Disponível em <https://goo.gl/uK6nZH>. Acesso em 22 abr. 2017.


64 Disponível em < https://goo.gl/VMpJ6N>. Acesso em 22 abr. 2017.
65 Disponível em < https://goo.gl/AgJRbP>. Acesso em 22 abr. 2017.
66 Idem.
89

O esquema, promovido pelos líderes das Igrejas Evangélicas dentro da


penitenciária era organizado ao ponto de emitirem boletos a serem pagos pela família,
que na visita posterior deveria apresentar o comprovante de pagamento para que o
detento não sofresse punição:

Em outra frente, 40% de tudo o que os familiares dos presos levavam


nas visitas eram recolhidos pelos líderes e vendido aos reeducandos.
Dos valores arrecadados, uma parte era destinada aos líderes do
esquema. Uma das igrejas, a Universal do Reino de Deus, emitia
boletos que deveriam ser pagos por familiares utilizando, inclusive,
dinheiro do auxílio-reclusão, benefício concedido pelo Instituto
Nacional da Seguridade Social (INSS) para presos condenados que
estavam trabalhando com carteira assinada67. (GAZETA DIGITAL, 25
set. 2012).

Outra prática comum no CRC era o leilão de homossexuais comandado pelas


Igrejas Evangélicas. A cada favor que um detento fazia à ala dos convertidos, um
homossexual era leiloado para ser molestado pelos demais detentos: “Aqueles que
não aceitam a imposição de reprimir a homossexualidade e decidem manter sua
orientação sexual, passam a ser considerados aptos a serem estuprados por outros
presos68 (SÓ NOTÍCIA, 4 mar. 2012).
A divulgação dos leilões de homossexuais na mídia e a atuação de órgãos de
respeito à vida e aos direitos humanos levaram o CRC a se engajar no projeto Arco-
íris, espaço destinado apenas aos detentos LGBT, ação que diminuiu a violência no
cárcere. A ala arco-íris é uma das muitas “concessões” feitas pelo Estado. Até o ano
de 2017 sua implementação não foi estabelecida em Lei, podendo, a qualquer tempo
e motivo ser retirada, o que representaria um retrocesso para a comunidade LGBT. A
não regulamentação dessa ala em Lei é um instrumento de poder que convencionou
não reconhecer os indivíduos, apenas o crime praticado. Tal regulamentação
permitiria que a diversidade sexual não virasse moeda de troca dentro das unidades
e garantiria melhores condições de vida.
Nas demais penitenciárias do estado, os detentos da comunidade LGBT
continuam encarcerados junto os demais presos e, dessa forma, ainda são vítimas,
tantos dos detentos quando do sistema, que reconhece apenas o gênero masculino,
não levando em conta a diversidade sexual que existe dentro de uma penitenciária

67 Idem.
68 Disponível em < https://goo.gl/A4XXP1>. Acesso em 22 abr. 2017.
90

masculina, o que ocasiona violência e abusos sexuais, físicos e emocionais. Segundo


o representante da ONG Livremente:

[...] a violência contra os travestis começa na entrada da unidade


prisional, quando são obrigados a raspar a cabeça e abandonar o
nome social, adotado, além de utilizar roupas masculinas. “É uma
violência simbólica exigida pelos detentos que irão conviver com os
travestis e ocorre, principalmente, onde existem as organizações
evangélicas”69. (SÓ NOTÍCIA, 4 mar. 2012).

Algumas unidades, ao serem questionadas sobre a permissão de visita íntima


homossexual, não responderam ou disseram nunca ter recebido esse tipo de
solicitação, fato no mínimo inquietante, frente as atrocidades praticadas contra os
homossexuais nos cárceres de Mato Grosso.
Em 2015, o CRC foi a primeira unidade prisional mato-grossense a celebrar o
casamento igualitário:

Seguindo os princípios de igualdade e da promoção do bem de todos,


sem preconceitos de origem, raça, gênero cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação, previstos na Constituição, o Governo
de Mato Grosso realizou nesta quarta-feira (03) a primeira celebração
de união estável entre recuperandos do sexo masculino dentro do
Sistema Penitenciário do estado. O evento, organizado pela direção
do Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC), uniu os casais Duda
Marques e Emerson Marques e Rael da Silva e Mauro Lúcio Miranda70.
(CIRCUITO MT, 3 jun. 2015).

69 Idem.
70 Disponível em <https://goo.gl/1nSfrJ>. Acesso em 22 abr. 2017.
91

Figura 09. Casamento igualitário celebrado no CRC

Fonte: Circuito MT, Cuiabá, 3 jun. 2015.

Além da superlotação, outra reclamação dos detentos é com a relação à


precária assistência jurídica, já que a unidade conta com número variável de
defensores públicos atuando no local. Quanto à assistência de saúde, a penitenciária
conta com 1 médico para 211,5 presos e apenas um odontólogo para atender a
totalidade deles, porém, curiosamente, os detentos consideram o CRC como o “céu
das cadeias”.
Considerando que as situações apontadas no relatório pela Comissão de
Direitos Humanos não tenham sido superadas, mas possivelmente agravadas pelo
tempo e superpopulação, o CRC tem alguns diferenciais que poderiam explicar essa
adjetivação, como a implantação da ala arco-íris. No entanto, são os dados sobre o
trabalho prisional que chamam atenção e talvez expliquem o “paraíso”, o que a difere
de outras unidades no estado, uma vez que cerca de 688 presos desenvolvem
atividades laborais, como demonstra a Figura 10, responsável por mudanças
significativas na qualidade de vida no cárcere e garantindo certa autonomia aos
presos para não depender dos familiares ou das relações estabelecidas com o crime
organizado.
92

Figura 10. Trabalho Prisional na CRC

19%

81%

Trabalham Não trabalham

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Cuiabá, 20 de abril de 2017.

3.1.3 Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, May71

Muitas delas chegam até aqui ajudando os maridos, filhos e netos, e


depois ficam sozinhas.
Joadilma do Espírito Santo (In: OLHAR DIRETO, 2016)72

Inaugurada em 2000, a Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, conhecida


popularmente como May, funciona em Cuiabá, no quilômetro 14, da BR-164. Em 2008
foi considerada a segunda melhor penitenciária do país, de acordo com ranking
nacional, divulgado pela CPI do sistema penitenciário (BRASIL, 2009, p. 489) que
levou em conta os seguintes aspectos: superlotação, insalubridade, arquitetura
prisional, ressocialização por meio do Estado e do trabalho, assistência médica e

71 Ana Maria do Couto, May foi uma mulher à frente do seu tempo. Nascida em Cuiabá, no dia 13 de
setembro de 1925, viveu sua vida intensamente e serviu de referência para o movimento feminista de
Mato Grosso. May, apelido de infância que lhe acompanhou durante a vida, era formada em
Educação Física (UFRJ), Contabilidade (ETCC) e Direito (UFMT), tendo sido a primeira professora de
Educação Física concursada no estado, a primeira locutora de notícias estaduais, a primeira mulher a
presidir a Câmara Municipal de Cuiabá e a primeira delas a presidir um time de futebol no país,
dentre tantos outros feitos. Morreu aos 46 anos, vítima de um câncer, no dia 17 de outubro de 1971.
(OLHAR DIRETO, 8 mar. 2013). Disponível em <https://goo.gl/TLtL7Y>. Acesso em 11 jul. 2017.
72 Diretora da Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, May, em 25 dez. 2016. Disponível em

<https://goo.gl/euqyPW >. Acesso em 6 jul. 2017.


93

maus-tratos. Este ranking, no entanto, não representa uma grande conquista, apenas
coloca a penitenciária feminina no segundo patamar menos pior para se estar, quando
privado de liberdade.
Com 180 vagas, atualmente abriga 206 detentas em regime fechado. A unidade
já passou por um período mais conturbado, quando abrigou uma população total de
450 mulheres, com, aproximadamente, 17 presas por cela, oriundas das cadeias do
interior, interditadas por péssimas condições. Atualmente, funciona com 14% acima
de sua capacidade, o que representa, aproximadamente, 6 detentas por cela, número
pequeno se comparado à lotação nas demais unidades prisionais, ainda em
desacordo com o previsto pela legislação. Os crimes são diversos, com destaque para
o tráfico de drogas. Entretanto, chama atenção o número de condenações por estupro
e atentado violento ao pudor, pouco divulgados nos meios de comunicação.

Figura 11. Tipos de crimes Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, May

100
90
90
80
70
60
50
40
30
20 20
20 15
10 10 10 10 10
10 5 4
0 0 0 2 0
0
Homicídio Latrocínio Roubo Furto Tráfico Consumo de Estupro Atentado
Droga violento ao
Provisório Condenado pudor

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Cuiabá, 23 de agosto de 2016.

Quanto às detentas, seu perfil é condizente com o retrato nacional das


mulheres encarceradas: jovens - a média etária é de 26 anos - pretas ou pardas, com
baixa escolaridade e detidas por envolvimento com o tráfico de drogas.
94

Figura 12. Perfil das mulheres brasileiras encarceradas:

Fonte: Mulheres em Prisão, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, 2017.

A classificação étnica demonstra o quanto a mulher preta e parda está mais


vulnerável ao aliciamento do crime e a sofrer com a pena de reclusão. Segundo dados
do Infopen (BRASIL, 2015, p. 24), no Brasil, 2 entre 3 presas são pretas:

As condições de encarceramento no Brasil estão distantes do que se


possa chamar de aceitável. Os relatos de ofensas à sexualidade, ao
corpo, à moral das mulheres são extensos e presentes em todo o
Brasil. Abusos sexuais também estão sempre no contexto das prisões
quando são elas as personagens de um sistema carcerário negligente.
Esse é mais um reflexo da desigualdade de gênero. Mas vale lembrar
novamente: não são todas as classes sociais, nem todas as raças, que
são submetidas à humilhação constante e à violência cotidiana,
expostas à falta de cuidados básicos (inclusive quando gestantes ou
lactantes). As mulheres são, em sua maioria, negras ou pardas, são
aquelas que não passaram do Ensino Médio, são de baixa renda. São,
portanto, as mais vulneráveis no retrato da sociedade brasileira. (ITTC,
2017).

Em relação ao perfil étnico, os dados fornecidos pela direção da unidade


corroboram com as estatísticas nacionais, como sinaliza a Figura 13:
95

Figura 13. Perfil étnico das detentas da Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto,
May

3%
10%

87%

Pardas Pretas Brancas

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Cuiabá, 23 de agosto de 2016.

O número de mulheres encarceradas vem aumentando drasticamente,


principalmente aquelas envolvidas no tráfico de drogas, porém, estudos apontam que
elas não estão no topo da pirâmide do crime, ao contrário, são mão de obra barata e
descartável:

Neste sentido, segundo Iara Ilgenfritz (Ilgenfritz, 2003): “o fato de


ocuparem posições subsidiárias torna as mulheres mais vulneráveis
nas mãos da política de repressão ao tráfico, pois elas têm poucos
recursos para negociar sua liberdade quando capturadas” –
acrescente-se ainda, que aos traficantes, que poderiam fazer este
papel de negociação, não é vantajoso mover esforços em defesa delas
justamente porque são irrelevantes. (CUNHA, 2015, p. 13).

Segundo dados do Infopen (BRASIL, 2015, p. 13), os estados do Paraná e de


Mato Grosso são “os únicos em que a população feminina diminuiu no período”
compreendido entre 2007 e 2014. Mato Grosso apresentou alteração de - 29%. Em
todo o país, de 2000 a 2014, a taxa de evolução da população de mulheres no sistema
penitenciário teve um aumento de 567%. Tal fenômeno merece investigação, para
96

que, com dados mais recentes, sejam explicadas as causas dessa diminuição e se a
situação apresentou alteração, procedimentos não possíveis de realizar nesse estudo.
Nenhuma das detentas da unidade frequentou, mesmo que parcialmente, um
curso superior. Cerca de 43%, não concluíram o Ensino Médio e 50% sequer
chegaram a ele. Desses números, mais de 1% permanece analfabeta, mesmo
havendo aulas regulares na unidade, como ilustrado pela Figura 14.

Figura 14. Escolaridade das detentas da Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto,
May

0 1%
0

5%

26%

44%

24%

Analfabetas Ensino Fundamental incompleto Ensino Fundamental completo


Ensino Médio incompleto Ensino Médio completo

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Cuiabá, 23 de agosto de 2016.

Das 206 detentas que atualmente estão na Penitenciária, 67 não foram


julgadas, ou seja, 32,5% do total das reclusas. Entretanto, vale ressaltar que no estado
de Mato Grosso, no geral, o índice é de 48%. A Figura 15 demonstra a situação da
população carcerária da Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, May que, no
Brasil, é de 30%. Apenas dois estados registram média inferior a 20%, Rondônia e
São Paulo, este último responsável por 39% da população prisional feminina total, o
que garante a “baixa” média nacional. Sergipe apresenta a maior taxa de
aprisionamento de mulheres sem condenação, 99%.
97

Figura 15. Situação das detentas da Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, May

33%

67%

Provisórias Condenadas

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Cuiabá, 23 de agosto de 2016.

Qualquer um desses índices - mesmo que alguns assumam um retrato mais


cruel e assustador da realidade prisional - são inadmissíveis, se considerarmos o
princípio de Presunção de Inocência:

Os enunciados contidos nessas normas fundamentais73 revelam que


é direito fundamental do indivíduo o de ser considerado e tratado como
inocente enquanto não lhe for imposta uma condenação definitiva,
seja esse indivíduo quem for, seja qual for a gravidade do crime de
que é acusado, sejam quais forem as aparências e probabilidades de
ter ele efetivamente praticado tal crime. (KARAM, 2009, p. 2).

A direção da unidade informou que há relatos de maus-tratos, referentes a


revista pessoal vexatória, a que são submetidos os visitantes. Em 2014, um
documento da Pastoral Carcerária de Cuiabá, entregue à Defensoria Pública, ganhou
repercussão nacional, ao denunciar as revistas íntimas a que eram submetidas às
detentas:

73 Em referência às normas contidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao Pacto


Internacional dos Direitos Civis e Políticos e à Constituição Federal Brasileira.
98

As detentas do Presídio Ana Maria do Couto, May, em Cuiabá, estariam


passando, rotineiramente, por revistas íntimas na presença de homens, o
que é ilegal, segundo a legislação brasileira. Algumas, inclusive, teriam
tido suas genitálias fotografadas por agentes prisionais74. (MÍDIA NEWS,
15 jul. 2014).

As visitas ocorrem na primeira quarta-feira de cada mês e também aos


domingos, das 8h30 às 16h30, para familiares de primeiro grau e amigos, entretanto,
enquanto as filas crescem nas penitenciárias masculinas em dias de visita, na
feminina elas nem chegam a se formar, não sendo necessário chegar cedo para
garantir a entrada, tampouco brigar por lugares, como nos estabelecimentos
masculinos. A média de visita recebida é de duas ao ano:

O abandono das mulheres presas ocorre, em um primeiro momento


por seus companheiros, que em pouco tempo estabelecem novas
relações afetivas, e também por seus familiares mais próximos, que
não se dispõem a se deslocar por motivos variados ou, ainda não se
dispõem a aceitar as regras, muitas vezes consideradas humilhantes,
impostas para realização de visita nas unidades prisionais. (OEA,
2007, p. 41).

As detentas podem receber até R$ 200,00 por semana dos visitantes, para
gastos na unidade com produtos e serviços na cantina, na panificadora ou no salão
de beleza. Dos produtos vendidos, parte do lucro fica com as elas e parte vai para a
melhoria da estrutura prisional. A entrada de valores periódicos nas penitenciárias do
Estado garante um comércio paralelo e lucrativo, que funciona à margem do sistema,
porém, não escondido dele.
Na fila, do lado de fora da unidade, enquanto os visitantes esperam, é comum
negociações entre familiares, para que determinado visitante, que não entrará com
dinheiro, leve determinado valor para outra detenta. Esses acordos entre visitantes
demonstram relações de confiança, desenvolvidas a partir de adversidades, deixando
claro, por gestos ou por declarações, que nesses meios o inimigo não é o outro, mas
sim a polícia, os agentes penitenciários, as figuras que representam a manutenção da
ordem.
As situações mais delicadas são das detentas que nunca recebem visitas –
cerca de 60%, ou seja, 120 mulheres, segundo dados fornecidos pela unidade. Elas,

74 Disponível em <https://goo.gl/VKnE9n>. Acesso em 15 abr. 2017.


99

além de não terem contato com amigos e parentes, não recebem comida, roupa e
dinheiro, como é o caso das duas detentas estrangeiras, ambas bolivianas,
condenadas por tráfico internacional de droga. O fato de não receberem visitas e,
consequentemente, não terem acesso aos benefícios que as famílias proporcionam,
as coloca dependentes de um Estado que, embora legalmente responsável pela
integridade das pessoas privadas de liberdade, não lhes garante condições dignas de
vida – tornando-as reféns das relações estabelecidas com as demais detentas ou,
ainda, como vítimas das organizações criminosas que atuam dentro da unidade:

As políticas penitenciárias foram pensadas pelos homens e para os


homens. As mulheres são, portanto, uma parcela da população
carcerária situada na invisibilidade, suas necessidades por muitas
vezes não são atendidas, sua dignidade é constantemente violada.
(COLOMBAROLI, 2011, p. 136).

Desde que comprovado o matrimônio ou a união estável, as presas podem


receber visita para contato íntimo, revogada a pedido da detenta ou caso esta tenha
infringido alguma norma. Tais momentos de intimidade acontecem com pouca ou
nenhuma privacidade, ocasião em que as detentas se organizam para deixar livre a
cela, a fim de que o encontro íntimo aconteça. Nesse ambiente não edificante,
insalubre e inseguro, em dias de visitas, convivem detentas e visitantes, sejam eles
adultos ou crianças.
A unidade permite até mesmo a visita íntima homossexual, um grande avanço
frente à tradição machista e homofóbica presente nos ordenamentos jurídicos e nas
regras sociais, que repudiam, ainda hoje, as relações homoafetivas:

Durante a permanência nas prisões, devido a dependência e solidão


afetiva, muitas mulheres tornam-se homossexuais circunstanciais. Há
um rompimento com seu instinto sexual, segundo Buglione (2000,
online). Como muitas mulheres não podem se relacionar com seus
namorados ou parceiros, acabam se relacionando com quem está
acessível, a exemplo do que também ocorre em outras instituições
totais.
Por outro lado, existe uma parcela de presidiárias homossexuais que
têm companheiras extramuros, mas não podem receber a visita
íntima, pois esta não é permitida para parceiras do mesmo sexo,
representando outra discriminação pautada pela orientação sexual, o
que, em síntese, representa outra forma de homofobia.
(COLOMBAROLI, 2011, p. 139).
100

É perceptível que, muito além de uma necessidade básica do indivíduo, o


relacionamento com o outro traz sentimentos e sensações não presentes em
instituições totais, mostrando-se essenciais à manutenção da sanidade física e mental
e à garantia da dignidade da pessoa humana:

Eu não vou mentir dentro da cadeia eu me envolvi com mulher, sim,


aqui é um lugar que a gente tem tristeza, a gente é magoado por
muitas pessoas. Intendeu, só qui me salva é ela, intendeu, ela me dá
amor, ela me dá carinho, ela me dá atenção, coisas que ninguém dá,
coisas qui.. é coisas di eu dar pros meus filhos, mas como eles não
tão aqui dentro comigo, é ela que me dá, ih eu sinto muito bem do lado
dela...(ROSA VERMELHA In: CALICCHIO, 2015, p. 106).

Entre as reclusas, 30 condenadas que apresentam bom comportamento têm


acesso ao trabalho prisional dentro da própria unidade, como demonstrado na Figura
16, através de contrato celebrado pela Fundação Nova Chance (FUNAC)75, com
salário de R$ 937,0076 mensal. Entre as atividades realizadas estão as de manicure e
cabeleireira, atuando no salão de beleza da penitenciária; de costureira, fazendo os
uniformes do sistema prisional do estado; de faxineira, limpando as dependências da
unidade; e como cozinheira, preparando pães, doces e bolos na panificadora do
estabelecimento. Esses produtos são comercializados para as demais
detentas. Apenas 10 mulheres participam de oficinas profissionalizantes.

75 A Fundação Nova Chance (FUNAC) é uma instituição de Mato Grosso autorizada, pela Lei nº
291/2007 e institucionalizada pelo Decreto 1.478 de 29 de julho de 2008, vinculada à Secretaria de
Justiça e Direitos Humanos (Sejudh/MT).
76 Salário mínimo nacional em vigor a partir de 1º de janeiro de 2017.
101

Figura 16. Trabalho Prisional na Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, May

14%

86%

Trabalham Não trabalham

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição Cuiabá, 23 de agosto de 2016 .

São ministradas aulas regulares no presídio com a participação de,


aproximadamente, 40% das reclusas, que se dividem entre o Ensino Fundamental e
o Ensino Médio. Da mesma forma que o trabalho, o estudo também conta para efeito
de remição de pena, sendo os dois, trabalho e estudos, os únicos programas na
penitenciária com esta finalidade. Entretanto, a unidade relata a dificuldade de motivar
as detentas para estudar, muitas vezes tendo que buscá-las nas celas para assistirem
aulas. Para essa população, o mito de que a educação formal é uma alternativa para
mudança de vida, não encontra terreno fértil, como evidenciado na Figura 17.
102

Figura 17. Educação na Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, May

14%

27%
59%

Sem estudar Ensino Fundamental Ensino Médio

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Cuiabá, 23 de agosto de 2016.

Apesar de contar com atendimento médico – 1 profissional para 51,5 das


detentas e 1 odontólogo para 103 presas – a condição dos medicamentos é precária,
não havendo programa de prevenção a IST-AIDS, embora sejam distribuídos
preservativos. As que apresentam soros positivos recebem medicação e tratamento
disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Outras doenças encontradas
nas penitenciárias do estado, como a hepatite e a tuberculose, não possuem
programas de prevenção e controle.
As celas obedecem ao padrão legal, todavia, a lotação acima da capacidade e
a falta de manutenção da estrutura física da unidade são fatores reveladores de
situações de insalubridade e de desrespeito à dignidade humana. Desde sua
inauguração, as parcas obras de manutenção foram realizadas com recursos
advindos da Associação dos Servidores em Segurança Pública, que administra a
Cantina da Penitenciária.
Na unidade, por motivo de segurança, as detentas são separadas em três alas:
a ala das provisórias, espaço destinado às presas que aguardam julgamento; a ala
das condenadas, para aquelas que já foram julgadas e cumprem a sentença; e a ala
103

conhecida como ‘seguro’, lugar destinado às que cometeram delitos considerados


inadmissíveis, pelas demais detentas, como crimes contra crianças e idosos.
Durante a pesquisa de campo foi possível conversar com uma detenta da ala
“segura”, que acabava de sair da unidade. Contou ela que foi presa, pela segunda
vez, por causa de tortura cometida contra a filha de 9 meses, embora negue o crime
e diga que menina foi mordida por porcos77 (G1, 23 ago. 2016). Sua primeira
passagem pela penitenciária ocorreu por condenação por tráfico de drogas. Ela conta
que o medo e a solidão são constantes na ala onde ficam as presas que precisam de
segurança, porque as mulheres encarceradas não perdoam esse tipo de violência.
Em entrevista ao Jornal Circuito MT, de 10 de janeiro de 201778, o juiz Geraldo
Fidelis retratou a situação das detentas da penitenciária feminina Ana Maria do Couto,
May:

As penitentes apresentaram a este juízo reclamações acerca da pouca


distribuição de papel higiênico e a péssima qualidade do absorvente
interno distribuído. Como cenário do “circo de horrores”, as penitentes
“forasteiras” que não possuem familiares para visitá-las ou que não
exercem atividades laborativas, narraram que se valem de pedaços de
tecidos adquiridos na oficina de costura para que sirvam de
absorvente.

As tentativas de suicídio fazem parte da vida no cárcere. Desesperadas,


abandonadas durante anos, a única saída que algumas consegue visualizar é a morte.
O caso mais recente ocorreu no dia 3 de março de 2017, quando a detenta Paula
Ferreira, 21 anos, se enforcou com uma toalha e com o próprio uniforme, na cela em
que estava isolada há 30 dias:

Paula era condenada pelo crime de tráfico de drogas e estava detida


por 30 dias no presídio Couto, May, para onde foi transferida após ter
agredido a diretora da cadeia feminina de Rondonópolis (212 km ao
Sul de Cuiabá), que fica localizada no anexo do presídio da Mata
Grande79. (REPÓRTER MT, 3 mar. 2017).

A condição de vida na penitenciária feminina demonstra que as mulheres


encarceradas são condenadas não apenas pela Justiça, mas pela sociedade.

77 Disponível em <https://goo.gl/7GnNJP>. Acesso em 15 abr. 2017.


78 Disponível em <https://goo.gl/ZULSW9>. Acesso em 15 abr. 2017.
79 Disponível em <https://goo.gl/wf6yhx>. Acesso em 15 abr. 2017)
104

Levadas ao cárcere, muitas vezes pelos companheiros e filhos, especialmente quando


se trata de tráfico de drogas, essas mulheres são abandonadas à própria sorte. O
Estado, que deveria lhes garantir a dignidade, é o mesmo que as subjuga, não
somente por serem criminosas, mas por serem mulheres.

3.1.4 Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira80

O presídio é uma unidade de segurança máxima. Desde o projeto foi


executado para ser uma unidade de segurança máxima. Nós estamos
trabalhando e vamos colocar em pleno funcionamento com todo o
efetivo de agentes prisionais e corpo técnico necessário, para que ela
funcione a contento.
Célio Wilson de Oliveira (2006)81

Sinop, cidade situada ao norte de Mato Grosso, localizada a 500 km da capital


do Estado, foi colonizada pela Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná (SINOP),
a partir de 1972, quando o governo militar incentivou a ocupação do interior do estado.
De cidade madeireira, até final da década de 1990, a polo educacional, a partir de
2000, Sinop tem o status de cidade planejada, rica em recurso e oportunidade para
todos.
Esse ideário de cidade modelo foi maculado em 2006, com a vinda do então
Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para a inauguração da Penitenciária Dr.
Osvaldo Florentino Leite Ferreira, popularmente conhecida como “Ferrugem”,
estabelecimento destinado ao cumprimento de pena em regime fechado.
Construída na zona rural da cidade, sem placas de sinalização que identifiquem
sua localização ao longo da BR-163 – Estrada Angela, km 5,5 – só consegue chegar
ao local quem realmente necessita. O acesso é difícil, as vias não são pavimentadas
e não há transporte público. Uma placa – proibida a entrada – deixa claro que ali não
é um ambiente amistoso, o clima hostil se se instaura logo na chegada. Nesse ritual

80 Segundo o Jornal Online Só Notícias (21 dez. 2015) o Delegado Dr. Osvaldo Florentino Leite
Ferreira, conhecido como Ferrugem, trabalhou muitos anos na região de Peixoto de Azevedo e
ganhou reconhecimento por prender um criminoso, “Rambo”, que atuava na região e no município de
Castelo dos Sonhos (PA). O jornal ainda informa que “mesmo ficando tetraplégico e obrigado a usar
cadeira de rodas, após levar um tiro durante uma operação, continuou trabalhando e recusou a
aposentadoria.
81 Declaração do então secretário Estadual de Justiça e Segurança Pública, Célio Wilson de Oliveira,

sobre a vinda do Ministro da Justiça para inaugurar a Penitenciária “Ferrugem”, em 23 jan. 2006.
Disponível em < https://goo.gl/VGiFiD>. Acesso em 6 jun. 2017.
105

de encobrimento da realidade, a penitenciária é imêmore para a maioria da população,


concretizando-se, via de regra, apenas nas ocasiões de fuga de detentos. Essa
percepção parcial da realidade muito se assemelha ao conto da cidade de Leônia, de
Italo Calvino:

[...] O Certo é que os lixeiros são acolhidos como anjos e a sua tarefa
de remover os restos da existência do dia anterior é circundada de um
respeito silencioso, como um rito que inspira a devoção, ou talvez
apenas porque, uma vez que as coisas são jogadas fora, ninguém
mais quer pensar nelas.
Ninguém se pergunta para onde os lixeiros levam os seus
carregamentos: para fora da cidade, sem dúvida [...] (CALVINO, 1990,
p. 105-106).82

Planejada como unidade de segurança máxima e considerada, à época, entre


as melhores unidades prisionais do Brasil, a obra recebeu recursos de R$ 12 milhões,
das esferas federal, estadual e municipal, para abrigar detentos de toda a região norte
do estado:

Com 9 mil metros quadrados a unidade é cercada por muros de


aproximadamente 15 metros de altura, com arame farpado,
passarelas com guaritas, grades de ferro embutidas no solo. Entre as
medidas de segurança adotadas estão o uso de uniforme pelos
detentos. Também não é permitido que familiares entrem com roupas,
comida, celular e aparelhos eletrônicos, evitando assim a entrada de
armas e drogas [...] São 40 celas coletivas com capacidade para 16
presos cada, 16 celas individuais e 09 para isolamento. Também
possui quadras de esportes, salas para aulas, espaço para visitas e
encontro íntimo, além da área administrativa [...].83 (SÓ NOTÍCIAS, 23
jan. 2006).

Durante a visitação à unidade, percebeu-se que, embora sua direção, ao


responder o questionário, tenha informado não haver relatos ou denúncias de tortura
ou maus-tratos, os familiares demonstram constante temor em revelar situações que
possam colocar em risco os presos, reiterando a necessidade na manutenção do sigilo
ao responderem qualquer indagação. As últimas denúncias de maus-tratos e tortura
disponíveis na internet remontam ao ano de 2012, quando a unidade foi denunciada
pela comissão formada pelo Centro de Direitos Humanos Padre Burnier, Movimento de

82 Zygmunt Bauman faz a comparação da eliminação dos “dejetos sociais” com o conto da cidade de
Leônia, de Italo Calvino, em sua obra Vidas Desperdiçadas, 2004, p. 7-11.
83 Idem.
106

Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Fórum Estadual de Direitos Humanos e da Terra,


além da Pastoral Carcerária e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Conforme um dos
advogados da comissão, Vilson Nery, a prática de tortura acontece repetidamente na
unidade:

Segundo Nery, o presídio é o mais temido do Estado não porque fica no


meio da floresta, mas pelo despreparo dos servidores, que torturam os
presos diariamente para mantê-los “direitos”. O advogado afirmou que
“spray de pimenta” é usado frequentemente, sem motivo aparente, “só
para deleite e prazer de servidores sádicos”. Além disso, a superlotação
na unidade seria “absurda”84. (MÍDIA NEWS, 26 jan. 2012).

Dos 849 detentos que vivem na penitenciária, com idade que varia entre 18 a
60 anos, pouco se tem registro. Não foram disponibilizados dados oficiais e inteligíveis
sobre sua etnia, idade, escolaridade e reincidência criminal, dentre outros, fator que
inviabiliza estudos e pesquisas que contribuiriam na elaboração de alternativas para
o sistema prisional:

A carência de informações não prejudica apenas o acompanhamento


social do impacto das ações estatais, mas também a formulação,
pelos órgãos públicos, de políticas públicas baseadas em evidências,
que possam ser aprimoradas a partir de monitoramento e avaliações.
(PIMENTA; MOURA, 2016, p. 13, In: Rede Justiça Criminal).

Um dos fatores que agrava a situação da Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino


Leite Ferreira, assim como outras unidades de Mato Grosso, é o número de presos
provisórios (Figura 18), g superlotação e impacta diretamente nas condições de vida
da população carcerária e na manutenção da dignidade humana.

84 Disponível em<https://goo.gl/VpjmkY>. Último acesso em 2 maio 2017.


107

Figura 18. Situação dos detentos da Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite
Ferreira

49%
51%

Provisórios Condenados

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Sinop, 19 de agosto de 2016.

Quanto aos presos não julgados, não foram disponibilizadas informações dos
supostos crimes que os levaram à prisão provisória e nem o tempo que permanecem
aguardando o julgamento, o que dificulta qualquer estudo sobre a situação carcerária
do estado e sua relação com a atuação da justiça. Cabe ressaltar que a situação dos
presos provisórios de Mato Grosso em nada difere do que ocorre no restante do país:

Desse agigantado contingente de pessoas encarceradas,


41% sequer foram condenadas pelo sistema de justiça
brasileiro. Não bastasse o uso da prisão provisória ter se
tornado abusivo, mais da metade dos presos provisórios
estão custodiados há mais de 90 dias85. E apenas 37% das
unidades prisionais foram capazes de enviar essa
informação, as demais unidades não têm controle sobre o
tempo de privação de liberdade desses presos. (REDE
JUSTIÇA CRIMINAL, 2016, p. 2).

8590 dias é o “prazo previsto para encerramento da instrução preliminar do procedimento do Júri e
pouco superior à soma dos prazos do procedimento ordinário para encerramento da instrução e
prolação da sentença”. O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen considera
que, de uma forma geral, e desconsiderando as peculiaridades do caso concreto, é lícito concluir que
esse é um prazo razoável para encerramento da instrução.
108

Entre os crimes cometidos pelos condenados, o tráfico de drogas é o que mais


encarcera, como demonstra a Figura 19:

Figura 19 Tipo de crimes Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira

50

7
116

60

27 23

40

112

Homicídio Latrocínio Roubo Furto Tráfico Estupro Crime de trânsito Outros

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Sinop, 19 de agosto de 2016.

Na luta contra as drogas, as premissas proibicionistas86 dão o tom da guerra


que se trava ao qualificar o consumo como uma prática prescindível e danosa, o que
permite a intervenção do Estado criminalizando sua circulação e consumo. A exemplo
do que aconteceu em outros países, os atingidos diretamente por esta guerra e que
se assomam nas prisões pelo mundo, tal população carcerária é composta por
aqueles já estigmatizados socialmente, os “dejetos sociais”:

Por toda a Europa, a política de luta contra a droga serve de biombo


para “uma guerra contra os componentes da população percebidos
como os menos úteis e potencialmente mais perigosos”, “sem-
emprego”, “sem-teto”, “sem-documento” mendigos, vagabundos e
outros marginais. (WACQUANT, 2011, p. 121).

86O paradigma proibicionista é composto de duas premissas fundamentais: na primeira, o consumo


de drogas é uma prática prescindível e danosa, o que justifica sua proibição pelo Estado, na segunda,
a atuação ideal do Estado para combater as drogas é criminalizar sua circulação e seu consumo
(FIORE, 2012, p. 10-11).
109

Não cabe neste trabalho adentrar à discussão acerca da descriminalização do


uso de drogas, entretanto, é importante registrar que:

Ao proibir a produção, o comércio e o consumo de drogas, o Estado


potencializa um mercado clandestino e cria novos problemas. [...] A
produção e o comércio de drogas ilícitas são, junto com o tráfico de
armas, o maior mercado criminoso do mundo. Funcionando sem
nenhum tipo de regulação, o comércio dessas drogas envolve, na
maior parte das vezes, exploração de trabalho, inclusive infantil,
contaminação ecológica, corrupção de agentes públicos e, o que é
mais grave, utilização de violência armada para demarcação de
interesses e outros conflitos. É importante lembrar, nesse último ponto,
que, diferente do que pregam os defensores da proibição, os dados
empíricos não relacionam o consumo de drogas à violência, mesmo
na dinâmica própria do comércio ilegal. Países da Europa Ocidental,
por exemplo, têm, proporcionalmente, mais consumidores de drogas
ilegais do que a maior parte dos países da América Latina, mas tanto
o consumo como o comércio dessas substâncias se dão de forma
muito menos violenta. Ou seja, a violência do comércio de drogas
responde aos contextos em que ele ocorre e, portanto, ele acentua a
desigualdade internacional e intranacional. (FIORE, 2012, p. 14).

As visitações, liberadas apenas aos familiares, ocorrem nos domingos, das 8h


às 16h, com visita íntima permitida de uma hora por semana, suspensa quando há
prática de ato ilícito ou a pedido do detento. Segundo a direção da unidade, é permitida
a visita íntima homossexual, entretanto, nunca qualquer preso a solicitou. A unidade,
a exemplo das demais, não informou a média de visitas por preso. Não foi possível
averiguar se essa omissão é motivada pela falta de controle ou se considerada uma
questão de segurança.
Os visitantes são revistados ao entrarem na unidade, sendo que não há
desnudamento e tampouco revista em crianças e adolescentes. Nesses dias, são
escalados 25 agentes penitenciários para realizar as revistas. Os servidores, assim
como advogados, juízes, promotores ou outras autoridades passam por scanner e
detector de metais. Em 16 de julho de 2014, o Diário Oficial do Estado de Mato Grosso
publicava a Instrução Normativa nº 002/GAB/Sejudh, que dispôs sobre a
regulamentação do rito procedimental de revista aos visitantes de recuperandos no
âmbito do Sistema Penitenciário do Estado de Mato Grosso e dando outras
providências. Entre os procedimentos constou a proibição da revista vexatória 87.

87Entende-se por revista vexatória o desnudamento, agachamento, procedimentos de contração dos


órgãos genitais e utilização de instrumentos como espelhos, durante a revista dos visitantes.
110

Entretanto, à época, o diretor da penitenciária Ferrugem estabeleceu que, uma vez


que os visitantes não poderiam ser revistados, quem passaria por revista seriam os
presos, tanto no momento em que saíssem para se encontrar com os visitantes quanto
na volta às celas. A medida gerou represália por parte dos detentos que, do interior
da penitenciária, ordenaram a queima de 6 ônibus de transporte público no centro de
Sinop:

Um homem se identificando como representante dos detentos do


Presídio Ferrugem, em Sinop (MT), que assumiram a autoria dos
incêndios a seis ônibus coletivos na noite de domingo em represália
ao sistema de revista na unidade prisional, ligou para a TV Capital,
afiliada da Rede Record, na cidade, e ameaçou ao vivo, durante o
programa Cidade Alerta, viabilizar outros atentados se o sistema de
revista não mudar em 24 horas. Ele afirmou que vão incendiar outros
ônibus e alertou ainda que podem ocorrer mortes88. (PORTAL TERRA,
4 ago. 2014).

Em novembro de 2014, o governo federal abriu o processo de licitação de


registro de preços, modalidade pregão eletrônico, no 13.201/2014 para aquisição de
equipamentos de inspeção a serem usados em estabelecimentos prisionais de todo o
país. Conforme o Diário Oficial da União (DOU), de 13 de maio de 2016, a entrega
desses equipamentos aconteceu em 18 de março de 2016:

PROCESSO N.º 08003.000001/2015-21. Espécie: TERMO DE


DOAÇÃO Nº 1827105/2015. Doador: MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA/DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL e
Donatário: ESTADO DE MATO GROSSO, por meio da
SECRETARIA DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS. OBJETO:
DOAÇÃO dos seguintes equipamentos de inspeção eletrônica: 05
escâner de inspeção por raios-X; 32 equipamentos detectores de
metais, tipo pórtico; 141 detectores de metais, tipo manual (raquetes)
e 61 detectores de metais para inspeção, tipo banqueta, os quais
foram adquiridos pelo Departamento Penitenciário Nacional por meio
do Pregão Eletrônico nº 13201/2014, Processo nº
08016.000710/2014-86, nos termos do compromisso firmado pela
União e o Estado no Acordo de Cooperação Nº 46/2015/GAB
DEPEN/DEPEN. Assinaturas: Renato Campos Pinto De Vitto,
Diretor(a)-Geral do Departamento Penitenciário Nacional, CPF nº
164.221.648-82, em 15/02/2016 e Márcio Frederico de Oliveira
Dorilêo, Secretário de Justiça e Direitos Humanos de Mato Grosso ,
CPF nº 559.532.631-04, em 18/03/2016. (BRASIL, 2016a, p. 125).

88 Disponível em <https://goo.gl/9AbACf>. Acesso em 2 maio 2017.


111

Segundo informações da direção, o juiz da Vara de Execução Penal, da


Comarca de Sinop visitava a unidade, em média, 30 vezes ao ano. Muito ativo na
penitenciária, o Juiz de Execução Penal, João Manoel Guerra, foi o fundador do
Centro de Recuperação Ebenézer, organização voltada para a recuperação de
pessoas dependentes químicas:

Segundo o fundador, o projeto surgiu com objetivo minimizar o


sofrimento dos familiares dos dependentes químicos. “Após ingressar
na magistratura, comecei analisar que as famílias enxergavam no juiz
um equacionador de determinados problemas ou minimizador dos
efeitos de uma tragédia que estava acontecendo em decorrência das
drogas. Isso começou tocar profundamente no meu coração. Devido
a isso, acabei me encorajando, assumi um compromisso e aliança
com Deus. Além disso, aproveitei o momento que estava fazendo
mudanças na minha vida pessoal para levantar esse projeto”89. (SÓ
NOTÍCIAS, 21 dez. 2016).

A Penitenciária Ferrugem é a única no estado a não ter um defensor público


atuando na unidade. As celas obedecem ao padrão legal, entretanto, a superlotação
– opera com 159% acima de sua capacidade – faz com que a penitenciária tenha o
maior índice de ocupação do estado – com 327 vagas, mas abrigando 849 “almas”90
– e seja considerada um barril de pólvora prestes a explodir.
Em abril de 2017 ocorreu a maior rebelião da história da unidade, com cinco
detentos mortos - quatro assassinados por facções e um por infarto – além de 27
feridos. O motivo da rebelião não foi informado, sabe-se, porém, que houve conflito
entre grupos rivais que disputam o poder dentro da unidade:

A rebelião começou por volta das 6h, os agentes penitenciários da


torre perceberam uma movimentação estranha no raio azul e
repassaram a informação aos servidores da parte interna. Quando os
agentes foram verificar o que acontecia, foram feitos disparos por
parte dos detentos. Os servidores recuaram, mas conseguiram conter
os presos na região. Segundo ele, caso os agentes não conseguissem
conter os detentos, eles poderiam tomar toda a unidade. Com isso,
ficaram restritos apenas a duas alas. Neste momento, ocorreu a briga
entre os grupos rivais91. (SÓ NOTÍCIAS, 11 abr. 2017).

89 Disponível em <https://goo.gl/NhqouA>. Acesso em 2 maio 2017.


90 Termo utilizado por Wacquant, 2011, p. 90.
91 Disponível em https://goo.gl/S9Lifr>. Acesso em 2 maio 2017.
112

A rebelião durou dois dias e foi necessária a intervenção de forças especiais,


vindas da capital, para retomar o controle da unidade. Participaram da ação: policiais
do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), Ronda Ostensiva Tático Móvel
(ROTAM), Grupo Armado de Resposta Rápida (GARRA) e Serviço de Operações
Penitenciárias Especializadas (SOE).
Existe uma cantina na unidade, a cargo do Conselho de Comunidade de
Execução Penal que também administra os recursos arrecadados com as vendas de
produtos. A direção da penitenciária diz não ter acesso ao funcionamento da cantina
e afirma que os preços na cantina são compatíveis com os valores praticados fora da
unidade, porém, notícias vinculadas na mídia frequentemente, demonstram o
contrário:

[...] Em 2014, uma fonte de Só Notícias revelou que um pacote de


açúcar chegava a custar na unidade penitenciária, na época, R$ 7.
Sabonetes eram revendidos por R$ 3. Na ocasião, os denunciantes
reclamaram que eram proibidos de entregar aos presos produtos
comprados fora do presídio92. (SÓ NOTÍCIAS, 19 jul. 2016).

Segundo a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, em matéria publicada no


jornal Circuito MT, de 23 de março de 2017, o funcionamento da cantina na
Penitenciária de Sinop, se dá da seguinte maneira:

[...] a família do preso faz um depósito identificado na conta do


Conselho, que gera um crédito na ficha do reeducando. [...] o preso
vai adquirindo os produtos, que são selecionados por meio de uma
ficha entregue semanalmente dentro das celas, e os valores são
reduzidos do saldo. “Com esse método há mais segurança, pois não
há movimentação de dinheiro na penitenciária”, garantiu a Sejudh, que
explicou também que a arrecadação é revertida em estoque, reformas
e pequenos reparos na unidade prisional93.

São vários os fatores que fazem com que a Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino
Leite Ferreira seja vista como uma bomba relógio. O primeiro deles é a falta de
atividades laborais (Figura 20) e de oficinas profissionalizantes, o que faz com que a
maioria dos detentos fiquem na ociosidade e, assim, sem possibilidade de
desenvolver qualquer atividade que possa ajudá-los no processo de reinserção social.

92 Disponível em <https://goo.gl/5m5p87>. Acesso em 2 maio 2017.


93 Disponível em <https://goo.gl/yHva9M>. Acesso em 8 maio 2017.
113

Figura 20. Trabalho Prisional na Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira

12%

88%

Trabalham Não trabalham

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Sinop, 19 de agosto de 2016.

A segunda questão nevrálgica na unidade, a exemplo das demais


penitenciárias do estado, é a baixa participação nas aulas oferecidas regularmente,
como demonstra a Figura 21. Cabe ressaltar que, tanto o trabalho quanto a
participação nas aulas têm caráter de remição da pena, únicos programas para esse
fim disponíveis na penitenciária.
114

Figura 21. Educação na Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira

4%
10%

5%

81%

Alfabetização Ensino Fundamental Ensino Médio Não estudam

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Sinop, 19 de agosto de 2016.

O terceiro problema se deve às parcas condições de vida dentro da


penitenciária. Não há biblioteca, apenas acesso a TV e rádio – que podem ser
retirados a qualquer tempo, como efeito punitivo. A questão de saúde também é um
problema, com 1 médico e 1 odontólogo para 424,5 detentos, o que provoca o
agravamento e a proliferação das doenças.
Todas essas questões, aliadas a maior lotação prisional do estado, fazem da
penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira uma tragédia anunciada. Embora
os habitantes da cidade de Sinop façam questão de esquecê-la, ela sistematicamente
será lembrada como exemplo da incompetência no lidar com os refugos sociais.
115

3.1.5 Penitenciária Major PM Eldo Sá Corrêa94

Portanto, Glória ao Senhor Jesus por este lindo Projeto, e


parabéns à Juíza Tatyana! E que não somente o Judiciário, mas
também o Legislativo e o Executivo possam considerar e
incentivar a leitura da Bíblia Sagrada, e propor isso não só aos
Presídios, como também implantar nas Escolas esse Projeto,
porque uma criança educada pela Bíblia jamais será educada
pela Execução Penal, isto é, uma criança que cresce
aprendendo que ela não é uma “espuma química do acaso”, mas
uma vida projetada por um Criador moral e amoroso, talvez ela
nunca passe por um Presídio!
Suziene de Souza Cavalcante (2015)95.

Localizada na Rodovia MT-130, quilometro 10, zona rural de Rondonópolis, a


popularmente conhecida Penitenciária de Rondonópolis, ou Mata Grande, foi
inaugurada em 1999. Hoje, próxima de completar duas décadas de existência, a
unidade abriga 1.245 presos – em regimes fechado e semiaberto – é marcada por
ter sido cenário da segunda maior rebelião do estado e somar mais de 36 detentos
mortos, muitos deles vítimas de disputas entre os grupos rivais ligados ao crime
organizado que atuam na unidade.
Um dos casos mais emblemáticos desses conflitos ocorreu no ano de 2016,
quando um preso foi linchado pelos colegas de cela. O episódio foi filmado pelos
detentos e o vídeo enviado para a família da vítima. A direção da unidade só tomou
conhecimento do ocorrido quando a mãe da vítima apresentou a gravação do filho
sendo agredido. Tal episódio demonstra que a direção e os agentes penitenciários
perderam o controle do que ocorre na unidade:

O detento linchado até a morte é Kristoffer Richer de Souza Silva, 22,


que havia acabado de dar entrada no anexo do presídio Mata Grande,
depois de ser preso por roubo. O detento deveria ter uma extensa ficha
de bronca com os bandidos do presídio. “Não deu nem tempo dele se

94 O Major PM Eldo Sá Corrêa era diretor do Presídio do Carumbé e foi feito refém durante a Chacina
de 1989, episódio em que a Polícia matou 12 pessoas ao invadir a penitenciária, após encerradas as
negociações que duraram mais de 48 horas. O Major, à época com 60 anos, foi libertado antes da
invasão policial, mas morreu três dias após, em decorrência de um mal súbito. (PRISIONAL, 1º jul.
2011). Disponível em <https://goo.gl/GS76QP>. Acesso em 11 jul. 2017.
95 Suziene de Souza Cavalcante, bacharel em Direito, escritora, cantora e compositora, que atua há 7

anos como agente penitenciária, em Rondonópolis, elogiando a implantação do projeto de incentivo à


leitura bíblica para remição de pena, na Penitenciária Major PM Eldo Sá Correa, de autoria da Dra.
Tatyana Lopes de Araujo Borges, Juíza de Direito que responde pela Quarta Vara de Execuções
Penais em Rondonópolis. Disponível em <https://goo.gl/mXWdQG>. Acesso em 9 jul. 2017.
116

acostumar com a cadeia. Ele foi preso na sexta-feira por roubo e no


sábado foi enviado para o presídio. Tão logo deixamos ele em sua
nova cela já foi linchado”, disse um dos agentes penitenciário,
surpreso com a reação dos detentos em relação ao novo ocupante do
presídio96. (CLICK NOVA OLÍMPIA, 4 set. 2016).

De acordo com o jornal O Estado de São Paulo – Estadão - (07 jan. 2017),
estima-se que há 27 facções criminosas atuando em todos os estados do país, duas
delas, o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), disputam
o apoio dos outros 25 grupos locais pelo comando do crime organizado. Mato Grosso,
embora não esteja na rota principal do tráfico, tem suas facções atuando no tráfico de
drogas na fronteira com a Bolívia, e que também consolida o poder do grupo na
fronteira com o Paraguai. O PCC é o grupo com maior poder em Mato Grosso
atualmente, entretanto, a disputa de espaços com o CV tem trazido instabilidade para
seu sistema prisional:

Para o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de


Combate e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), o CV percebeu
a necessidade de fazer alianças com outros grupos criminosos para
enfrentar o PCC. O grupo do Rio então se aliou à FDN, facção que
comanda o crime no Amazonas e domina a cobiçada Rota Solimões,
e determinou a morte de membros do PCC em cadeias do Norte. O
CV também fez aliados em outros Estados do Norte e Nordeste. Em
contrapartida, a facção paulista ganhou mais força nas Regiões Sul e
Sudeste do País, principalmente no Paraná e Mato Grosso, o que
consolidou o domínio na fronteira com o Paraguai.97 (ESTADÃO, 7 jan.
2017).

Os eventos ocorridos em Roraima, que vitimaram 31 presos, e em Manaus,


com 60 mortos, em janeiro de 2017, demonstram o poder de articulação das facções,
evidenciando como funciona a guerra por domínio do tráfico de drogas:

Segundo a desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-


SP), Ivana David, nos massacres os detentos deixam claro que não
temem represálias do Estado. “Eles matam e filmam como se
ninguém, nenhuma autoridade, estivesse ali. Eles mostram para a
sociedade que não têm medo de retaliações98.” (ESTADÃO, 7 jan.
2017).

96 Disponível em < https://goo.gl/dCHgBk>. Acesso em 8 maio 2017.


97 Disponível em <https://goo.gl/GPo9pS>. Acesso em 8 maio 2017.
98 Idem.
117

A Penitenciária Mata Grande funciona com 39% acima de sua capacidade,


abrigando 1.245 detentos, sendo 171 em regime semiaberto. A Direção da unidade
não informou o perfil criminológico dos reclusos, tampouco o índice de reincidência e
agravamento de conduta, entretanto, foi a única dentre as penitenciárias masculinas
a informar o perfil étnico dos detentos, como observado na Figura 22. Mais uma vez,
a situação corrobora com o perfil nacional, onde os números apontam para 67% de
pretos99, de uma população prisional informada de 45% (BRASIL, 2015, p. 50). No
caso da unidade, esse grupo soma 47% dos detentos.

Figura 22. Perfil étnico dos detentos da Penitenciária Major PM Eldo Sá Correa

1%

16%

36%

24%

23%

Branco Pretos Pardos Outros Sem informação

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Rondonópolis,12 de setembro 2016.

O baixo nível de escolaridade dos detentos dessa Penitenciária também é


condizente com a situação nacional, porém, outro dado chamou atenção, o número
de presos sem informação disponível (Figura 23). De acordo com o Infopen (BRASIL,
2015, p. 57), a falta de informação sobre os detentos é um problema em todo o país:
“A escolaridade foi informada para 241.318 pessoas, o que corresponde a cerca de
40% do total da população prisional”.

99 A categoria preto inclui pretos e pardos (BRASIL, 2015, p. 50).


118

Figura 23. Escolaridade dos detentos da Penitenciária Major PM Eldo Sá Corrêa

1%

18%

45%
13%

14%
5%
2%
2%

Analfabetos Ensino Fundamental Incompleto


Ensino Fundamental Completo Ensino Médio Incompleto
Ensino Médio Completo Ensino Superior Incompleto
Ensino Superior Completo Sem informações

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Rondonópolis,12 de setembro 2016.

Dentre os presos, mais uma vez, chama atenção o número de detentos em


regime provisório, cerca de 28%, como pode-se observar na Figura 24. A presença
de presos provisórios e condenados em um mesmo espaço fere o estabelecido pela
LEP, adicionado à morosidade da justiça de Mato Grosso, uma vez que os presos
provisórios ficam mais de 90 dias aguardando julgamento, o que contribui para que o
sistema funcione acima de sua capacidade. Na unidade, atuam apenas dois
defensores públicos.
119

Figura 24. Situação dos detentos da Penitenciária Major PM Eldo Sá Corrêa

28%

72%

Provisórios Condenados

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Rondonópolis,12 de setembro 2016.

Em 2009, o juiz de Execução Penal da Comarca de Rondonópolis, Wladymir


Perri, autorizou que 69 presos, que cumpriam pena em regime semiaberto, fossem
para casa, em cumprimento de prisão domiciliar, uma vez que a unidade não possuía
condições estruturais de abrigar todos detentos. A matéria do jornal A Tribuna MT, de
10 junho de 2009, revela que um processo do Ministério Público já solicitava a
interdição da unidade, entretanto, a medida só foi implementada após um incêndio
ocorrido em suas dependências:

No entanto, devido aos últimos acontecimentos verificados na


unidade, como o incêndio ocorrido na sala de administração do semi-
aberto, quando um curto circuito elétrico teria provocado um sinistro
que destruiu todo o mobiliário do local, na noite de domingo (7), os
agentes prisionais que promovem o controle de presença na unidade
ficaram sem condições de trabalho100.

A medida de esvaziamento e interdição, mesmo que, no caso, publicada como


excepcionalidade, é uma prática recorrente no sistema prisional de Mato Grosso, que,

100 Disponível em <https://goo.gl/MbkMSP>. Acesso em 22 maio 2017.


120

juntamente com os mutirões carcerários101, sobressaem-se como alternativas para o


esvaziamento do sistema prisional.

Ainda segundo a portaria judicial, como os reeducandos


do semiaberto já vinham sendo apontados pela imprensa
local e pela população como sendo os principais
responsáveis pelo aumento da criminalidade, inclusive
motivando um pedido de interdição por parte do MPE, o
juiz resolveu liberar os presos para que cumpram o
restante da pena em casa102. (A TRIBUNA MT, 10 jun.
2009).

Na realidade, a penitenciária de Mata Grande é um exemplo da relação


estabelecida entre o Judiciário e o sistema penitenciário. O mesmo judiciário que
encarcera é o que concede liberdade por falta de espaço, remetendo os detentos para
suas comarcas de origem para, desse modo, diminuir o índice de criminalidade local.
As tentativas de humanização dos espaços de privação de liberdade se dão,
em grande parte, por ações ligadas à doutrinação religiosa, como é o caso do projeto
“Boas Novas”, de 2015, desenvolvido pela igreja Pentecostal Chama de Fogo em
parceria com a 1ª e a 4ª Varas Criminais de Rondonópolis, que pretendia entregar
uma Bíblia para cada preso da Penitenciária da Mata Grande. Para alcançar esta
meta, os idealizadores pediam doação de Bíblias, ou dinheiro, à população. De acordo
com o Juiz Wladymir Perri (A TRIBUNA MT, 1º jun. 2015), “[...] na rotina das
audiências criminais, os acusados sempre dizem que recorreram a Deus para explicar
que se redimiram do mundo do crime, sendo assim, [...] resolveu participar do
projeto103”.
As ações das igrejas evangélicas dentro da Penitenciária Major Eldo Sá Corrêa
são exaltadas não apenas por parte do Poder Judiciário, mas também pelo Poder
Legislativo municipal, como é o caso da Moção de Aplauso, proposta pelo vereador
Thiago Silva, em 20 de agosto de 2013:

101 Com o objetivo de garantir e promover os direitos fundamentais na área prisional, o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) realiza, desde agosto de 2008, o Mutirão Carcerário. Em síntese, a linha
de atuação nos Mutirões é baseada em dois eixos: a garantia do devido processo legal, com a
revisão das prisões de presos definitivos e provisórios; e a inspeção nos estabelecimentos prisionais
do Estado. A iniciativa reúne juízes que percorrem os estados para analisar a situação processual das
pessoas que cumprem pena, além de inspecionar unidades carcerárias com o objetivo de evitar
irregularidades e garantir o cumprimento da Lei de Execuções Penais. Disponível em
<https://goo.gl/ikPd7A>. Acesso em 8 maio 2017.
102 Idem.
103 Disponível em < https://goo.gl/y5z5y6>. Acesso em 8 maio 2017.
121

A presente Moção tem a finalidade de aplaudir de público ao Pastor


da Igreja Evangélica Assembleia de Deus Pastor ELI ALVES, pelo
excelente trabalho de evangelização realizado nas dependências da
Penitenciária da Mata Grande em Rondonópolis, oferecendo
ensinamentos dentro dos desígnios de Deus e construindo valores
individuais e coletivos, ajudando na formação do caráter, bem como
disseminando a importância do amor ao próximo, da tolerância, do
perdão, sobretudo, disseminando a palavra do Senhor e resgatando
vidas104.

A Penitenciária de Rondonópolis também é alvo de investigações de corrupção


entre os servidores e funcionários que prestam serviços. Em junho de 2015, o chefe
de cozinha da empresa, responsável por fornecer a alimentação para a Penitenciária,
foi preso por tráfico de drogas. Os produtos eram acondicionados nas cubas de
comida. Rotineiramente, a entrada de produtos ilícitos é atribuída aos visitantes,
argumento utilizado tanto para explicar o aparecimento desses artigos na unidade
como para justificar a necessidade de visita íntima. Porém, as notícias demonstram
não ser esta a única forma da entrada de ilícitos:

Conforme a polícia, o chefe de cozinha fazia parte de um suposto


esquema desmantelado no último dia 11 pelo Serviço de Inteligência
do Sistema Prisional. Esse esquema [...] era responsável pelo
abastecimento de droga naquela unidade. Segundo a Polícia Civil, o
cozinheiro assumiu a responsabilidade pela ação e informou que
ganhava R$ 1 mil a cada entrega. Conforme o diretor da Mata Grande,
[...]. Ultimamente, durante as revistas, estavam sendo apreendidos
muitos celulares e drogas. A partir disso, a desconfiança partiu de que
o material estava entrando na unidade dentro das cubas de comida.
Na quinta-feira (11), por volta das 17 horas, abordamos o caminhão
de entrega e descobrimos entorpecentes e celulares em meio à
comida de cinco cubas. Cada uma seria entregue em um raio
diferente. Foram encontrados dois quilos de maconha, 12 celulares,
15 chips e vários carregadores de celular”, explicou o diretor105. (A
TRIBUNA, 16 jun. 2015).

O mercadinho que funciona na Penitenciária de Mata Grande foi motivo de


destaque, em nível nacional, em setembro de 2015, quando uma reportagem do
Jornal Nacional mostrou que produtos perigosos e proibidos eram vendidos no local.
Administrado pela Associação dos Servidores da Penitenciária, o lucro chegava há
mais de R$ 120.000,00 mensais. Os familiares dos detentos eram proibidos de levar
determinados produtos que deveriam ser adquiridos no mercadinho da penitenciária

104 Disponível em <https://goo.gl/6aChBV>. Acesso em 8 maio 2017.


105 Disponível em <https://goo.gl/sN6TM1>. Acesso em 8 maio 2017.
122

e vendidos a preços acima do valor de mercado. Para o funcionamento do


mercadinho, o Diretor da unidade dispunha de servidores que eram retirados de suas
funções de vigia ou administrativas:

O que mais chama a atenção são os produtos vendidos no local


(produtos de limpeza, cigarro e até produtos perigosos, como óleo de
cozinha). O mercadinho é administrado por uma associação de
servidores, mas um agente penitenciário, que faz parte da associação
e preferiu não se identificar, não sabe o que é feito com o dinheiro:
“Estima-se o valor líquido de R$ 120 mil ao mês. Boa parte da
arrecadação lá eles rateiam entre eles (agentes penitenciários),
dividem, né?”106. (OLHAR DIRETO, 27 set. 2015).

Segundo a direção da Penitenciária, atualmente, a cantina ainda é administrada


pela Associação dos Servidores e o lucro é utilizado nas reformas da unidade. O
Ministério Público do Estado, em março de 2017, abriu investigação para apurar
supostas irregularidades nas cantinas e mercadinhos que funcionam nas
penitenciárias de Mato Grosso.
A unidade da Mata Grande dispõe de aulas regulares, porém, como nas demais
penitenciárias, não é registrada grande adesão (Figura 25). Há três alunos cursando
o Ensino Superior, porém, não foi possível averiguar em que circunstâncias isso
ocorre. Presume-se, porém, que sejam detentos em regime semiaberto, uma vez que
a direção não informou a existência de qualquer convênio com instituição de ensino
superior.

106 Disponível em <https://goo.gl/BipeiF>. Acesso em 8 maio 2017.


123

Figura 25. Educação na Penitenciária Major PM Eldo Sá Corrêa

0,3%

3%
7%

89,7%

Sem estudar Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Rondonópolis,12 de setembro 2016.

Há uma biblioteca na unidade, mas não foi possível averiguar as condições do


espaço e do acervo. A unidade não informou os programas para remição de pena hoje
existentes. O jornal A Tribuna MT, em 15 de novembro de 2015, noticiou a existência
do Projeto de Leitura Bíblica107, porém, o mesmo não está mais vigorando. Dessa
forma, as aulas regulares e o trabalho prisional são as únicas formas de diminuição
do tempo de condenação, o grande entrave, em relação ao trabalho, é o número
reduzido de vagas, como mostra a Figura 26:

107 Disponível em <https://goo.gl/mXWdQG>. Acesso em 8 jul. 2017.


124

Figura 26. Trabalho Prisional na Penitenciária Major PM Eldo Sá Corrêa

16%

84%

Trabalham Não trabalham

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Rondonópolis,12 de setembro 2016.

A Penitenciária Major PM Eldo Sá Corrêa apresenta alguns aspectos que a


difere das demais: é a unidade masculina com menor taxa de ocupação e não há
presos em sofrimento mental. Cinco médicos atendem na unidade, o equivalente a 1
profissional para 249 presos, e um odontólogo para todo o conjunto.

3.1.6 Penitenciária Major PM Zuzi Alves da Silva108

O homem é um ser ético e possui necessidades espirituais das quais


pode ou não ter consciência. Se o homem encarcerado tiver essa
consciência e desejar satisfazê-la, precisamos oferecer oportunidades
para que isso seja possível.
Nilson dos Santos Penteado109

Inaugurada em fevereiro de 2006, como unidade de segurança máxima, a


Penitenciária Major PM Zuzi Alves da Silva está localizada na cidade de Água Boa,

108 O Major PM Zuzi Alves da Silva atuou durante 45 anos junto a Polícia Militar e esteve no Comando
da Polícia Civil de 1975 a 1981. Faleceu em 18 mar. 2003. (POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL, 3 jul. 2015).
Disponível em < https://goo.gl/c2sCkL>. Acesso em 11 jul. 2017.
109 Fala de Nilson dos Santos Penteado, Diretor da Penitenciária Major PM Zuzi Alves da Silva, sobre

os a assistência religiosa garantida aos detentos da unidade (ÁGUA BOA NEWS, 6 jan. 2016).
Disponível em < https://goo.gl/AnCtXv>. Acesso em 11 jul. 2017.
125

município próspero da porção média do Vale do Araguaia. Com capacidade para 360
detentos, opera 40% acima de sua capacidade, abrigando o total de 504 homens.
Segundo dados fornecidos pela Direção da unidade, a idade dos detentos varia
entre 18 e 60 anos, sendo que a maioria se autodeclara parda e tem o ensino
fundamental incompleto. Embora não tenha fornecido o número de defensores
públicos que atuam na região, a direção informou que não há presos sem assistência
jurídica, se tornando, assim, a única penitenciária do estado a apresentar tal situação.
Quanto à saúde, a direção informou que 1 médico e 1 odontólogo atendem na
unidade, além disso, há programas de tratamento e prevenção de doenças crônicas
e infectocontagiosas, porém, não revelou se abriga presos em sofrimento mental.
Em setembro de 2006 ocorreu a primeira rebelião, quando mais de 321
detentos se amotinaram exigindo, além da transferência de 40 presos de Água Boa
para o PCE, em Cuiabá, a flexibilização das regras de segurança, como a permissão
de entrada de alimentos na unidade, a exemplo do que ocorrera em outras
penitenciárias do Estado:

Inaugurada há menos de um ano, a penitenciária de Água Boa vive


sua primeira rebelião. A unidade tem hoje 321 detentos e oferece 326
vagas. Portanto, diferentemente dos demais presídios do Estado, não
vive superlotação. No local onde foi construída a unidade, a 35
quilômetros de Água Boa, não há sinal de telefonia celular. No presídio
atuam cerca de 150 funcionários, entre agentes penitenciários e
administrativos110. (DIÁRIO DE CUIABÁ, 2 set. 2016).

Embora funcionasse dentro de sua capacidade, a guarda era realizada por 34


policiais militares, quando o ideal necessário seria de 87 homens. No mesmo dia em
que eclodiu o motim, a Justiça determinou que a Sejudh aumentasse o efetivo na
penitenciária:

Por determinação da justiça, o efetivo da penitenciária terá que ser


aumentado em 20 soldados. Apesar de ser classificada como "de
segurança máxima", a promotora explica que o sistema não está
adequado porque há apenas 34 policiais militares que se dividem entre
turnos com nove PMs cada. A demanda estimada é de 87 soldados111.
(GAZETA DIGITAL, 2 set. 2006).

110 Disponível em <https://goo.gl/d4Q16Y>. Acesso em 9 maio 2017.


111 Disponível em <https://goo.gl/p9jTcX>. Acesso em 9 maio 2017.
126

Durante os quatro dias de rebelião, a energia elétrica, o abastecimento de água


e a entrada das refeições foram suspensos. Dois agentes penitenciários foram feitos
reféns, uma ala da penitenciária foi totalmente destruída e, ao final, os 27 líderes do
motim foram transferidos para outras unidades.
Logo após a rebelião, uma enfermeira que trabalhava na Penitenciária
denunciou maus-tratos aos presos. Segundo ela, os medicamentos não estavam
disponíveis aos detentos, uma vez que chegavam à unidade, mas não eram
administrados aos doentes. Além disso, outras substâncias – como água destilada –
eram aplicadas como sendo remédio para a dor, com o objetivo de causar sofrimento
aos detentos. Ela relatou ainda que a direção da unidade tinha conhecimento do que
ocorria e incentivava tais práticas:

E então ficou pior ainda, depois da rebelião, pois os líderes foram


transferidos e quem ficou, que não havia organizado nem liderado
nada, sofreu na pele a retaliação, até as correspondências que
chegavam, eram rasgadas pelo diretor, pois segundo ele os presos
não mereciam se comunicar com os seus familiares por serem
bandidos. E aí, o sofrimento deles aumentou, no dia de revista (a
denominada geral) não escapa ninguém sem apanhar da PM, que
batem tanto que é de evacuarem nos corredores, as luvas que eles
usam ficam sujas de sangue e ainda usam spray de pimenta direto,
todos os dias112. (REPÓRTER NEWS, 25 out. 2006).

Em janeiro de 2007 ocorreu nova rebelião, dessa vez com 170 presos que
aproveitaram o momento do banho de sol para fazer dois agentes penitenciários de
reféns. A rebelião atingiu três raios da unidade113 e se estendeu por 3 dias.
Dentre várias reivindicações, os presos exigiam a transferência de alguns
detentos para Cuiabá, seus locais de origem e onde residiam os familiares. Segundo
a matéria jornalística do Mídia News, de 5 de janeiro de 2007: “Os presos pedem ainda
melhorias no tratamento dentro do local e regalias, como a liberação de mais visitas. Tem
rebelado pedindo também a progressão de pena e a troca da direção do presídio114.”
Mesmo em situação precária e sem estrutura física de uma unidade de segurança
máxima, a penitenciária de Água Boa seguiu funcionando até o ano de 2011, quando foi

112 Disponível em <https://goo.gl/hgdf2P>. Acesso em 8 maio 2017.


113 A unidade originalmente tinha quatro raios, onde eram divididos os detentos de acordo com o
crime cometido e sua periculosidade, entretanto, um raio foi desativado devido a destruição ocorrida
durante a rebelião de 2006.
114 Disponível em <https://goo.gl/g8KqJ8>. Acesso em 8 maio 2017.
127

embargada pelo juiz da Comarca local, sob alegação de insalubridade, visto que os
despejo do esgoto da Penitenciária eram lançados em um rio da região, sem o devido
tratamento:

A Secretaria Estadual do Meio Ambiente também tomou providências,


multando a unidade prisional em R$ 100 mil pela infração ao meio
ambiente. A decisão judicial determina ainda que o governo estadual
passe a realizar a devida destinação dos resíduos sólidos (lixo)
produzido no presídio, o qual é, segundo a promotora de justiça,
Clarissa Cúbis de Lima, criminosamente descartado em valas no
terreno ao redor do presídio. Depois, o lixo é queimado. A penitenciária
deve também construir um novo poço artesiano, polis hoje não há
água suficiente para o abastecimento da unidade, problema que se
agrava na época da seca115. (CANARANA NEWS, 6 mar. 2012).

A Promotora de Justiça, na oportunidade, constatou as irregularidades da


unidade e a falta de condições mínimas de higiene e saúde. Segundo ela, a
penitenciária apresentava problemas que colocavam em risco, inclusive, a segurança
do local:

1) falta médico para atendimento ambulatorial dos detentos. Os casos


mais graves são encaminhados para atendimento no Hospital
Regional Paulo Alemão. Em outubro de 2011, o único médico da
penitenciária pediu exoneração. 2) Faltam colchões. Cerca de 80%
dos reeducandos ficam sem colchões. 3) Falta material de limpeza
para as celas. 4) Falta de atividade laboral com os detentos. 5)
Deficiência no fornecimento de água com racionamento diário. 6) Falta
de coleta de lixo. 7) Falta de abrigo suficiente e adequado para as
visitas. 8) Número insuficiente de agentes penitenciários116 [...].
(CANARANA NEWS, 6 mar. 2012).

Em 2012 ressurgem denúncias de tortura e maus-tratos na penitenciária de


Água Boa. Na ocasião, o juiz da Vara de Execução Penal, da Comarca, Anderson
Gomes Junqueira, recebeu a denúncia de tortura por parte de quatro agentes
penitenciários, visto que um detento, de 23 anos, recém-chegado à penitenciária teria
sido agredido pelos quatro policiais. Segundo os agentes, “[...] as agressões ocorreram
porque o suspeito estava algemado com as mãos para trás e teria reagido à prisão e
conseguiu passar as algemas para frente”117. (G1, 2 dez. 2012). Além dos quatro

115 Disponível em <https://goo.gl/D5XMP6>. Acesso em 9 maio 2017.


116 Idem.
117 Disponível em <https://goo.gl/3fbvdR>. Acesso em 9 maio 2017.
128

envolvidos na suposta tortura, um quinto agente penitenciário estava presente durante o


ocorrido e, sendo assim, foi denunciado por omissão. O Juiz determinou que os agentes
fossem afastados das atividades até o término das investigações:

No entendimento do juiz “o comportamento dos denunciados demonstra


o total despreparo para o exercício da função pública desempenhada,
mesmo daqueles que agiram com omissão, sendo certo que a não adoção
dessa providência cautelar poderá prejudicar a instrução criminal, eis que
continuarão tendo acesso aos presos e às eventuais testemunhas e, com
isso, poderão frustrar a colheita de provas”, diz o despacho118. (G1, 2 dez.
2012).

No ano de 2013, as denúncias contra servidores da Penitenciária continuaram


a ocorrer. Segundo o jornal Gazeta Digital, de 21 de janeiro de 2014, naquele ano:

[...] foram instaurados 28 procedimentos criminais contra agentes


prisionais com colheita de denúncias de tortura, abuso de autoridade e
maus-tratos para com os reeducandos da referida unidade. Existem,
ainda, vários inquéritos envolvendo tortura em andamento, além da ação
penal proposta em 2012.119

Em novembro de 2013, devido ao grave teor das acusações, uma comissão


formada por representantes da Procuradoria da República, Polícia Militar e Conselho
Penitenciário do Estado visitaram a penitenciária, confirmando a veracidade das
denúncias:

[...] Na ocasião, um dos reeducandos, vítima de tortura, estava preso em


uma cela de isolamento da unidade após espancamento e sem
atendimento médico.
Tal falto culminou no oferecimento de denúncia por crime de tortura contra
6 agentes, que foram afastados cautelarmente do cargo por determinação
judicial. “Importante destacar que as condutas, na maioria das vezes, são
praticadas pelo mesmo grupo de agentes que, até o momento, não sofreu
nenhuma sanção disciplinar por parte da direção do estabelecimento
prisional”, diz o órgão. (GAZETA DIGITAL, 21 jan. 2014).

Além dos agentes penitenciários, o Diretor, João Fernando Feitosa dos Santos,
também foi afastado por possível conivência com o ocorrido.

118 Disponível em <https://goo.gl/8kJ8vQ>. Acesso em 9 maio 2017.


119 Disponível em < https://goo.gl/5oZVYV>. Acesso em 9 maio 2017.
129

Em 2015, já sob a direção do servidor Nilson dos Santos Penteado, foram


instaladas câmeras de alta tecnologia nas dependências da unidade. O projeto para
efetivação dessa melhoria foi fruto de uma ação conjunta da Direção de Água Boa com a
Associação dos Servidores do Sistema Penitenciário de Mato Grosso:

Os equipamentos filmam e armazenam imagens da fachada, corpo da


guarda, galeria principal e das áreas de visita, além de monitorar a
atuação de visitantes que, porventura, tentem entrar com objetos não
autorizados pela direção. O investimento visa prevenir e identificar
práticas ilegais na unidade prisional, bem como inibir tentativas de
fugas, motins e rebeliões. A medida também proporciona mais
segurança aos agentes penitenciários e servidores da
administração120. (ÁGUA BOA NEWS, 12 ago. 2015).

A direção da unidade não informou quantos presos desenvolvem alguma atividade


laboral, entretanto, a penitenciária mantém convênio firmado entre a FUNAC e a
Companhia do Vale do Araguaia, que empregam 32 detentos:

Os presos saem da unidade de segunda a sexta-feira, às seis da


manhã e com agentes penitenciários se dirigem até a sede da fazenda
aonde tomam café e depois iniciam a lida nos talhões de plantação de
teca. Eles recebem pelo trabalho um salário mínimo como pagamento,
além da alimentação e transporte. O projeto está no quarto ano de
atuação e desde então, quatro ex-reeducandos, que receberam alvará
de soltura, trabalham como colaboradores contratados com registro na
carteira de trabalho121. (AGORA MT, 8 fev. 2017).

Os presos que obtém autorização para trabalhar extramuros passam pela


avaliação da Comissão de Trabalho da penitenciária, que analisa seu comportamento
e o cumprimento de 1/6 da pena através de relatório que é enviado ao juiz, para
decisão de mérito.
Ademais, cerca de 20 detentos desenvolvem outras atividades intramuros,
como limpeza das dependências, entrega de alimentação da empresa fornecedora
das refeições, trabalho em serralheria, oficina de costura, assim como em atividades
educacionais e artesanais.

120 Disponível em < https://goo.gl/qhTv57>. Acesso em 9 maio 2017.


121 Disponível em <https://goo.gl/p31St5>. Acesso em 9 maio 2017.
130

A penitenciária desenvolve vários projetos para remição de pena: resenha,


trabalho interno com cela livre, artesanato e reciclagem. Como nas demais unidades,
é baixo o interesse pelas aulas, como demonstrado na Figura 27.

Figura 27. Educação na Penitenciária Major PM Zuzi Alves da Silva

9%

16%

8%

67%

Sem estudar Alfabetização Ensino Fundamental Ensino Médio

Fonte: Formulário respondido pela direção da instituição, Água Boa, 21 de setembro de 2016.

Em novembro de 2016, as disputas entre facções vitimaram um detento, em crime


com requintes de crueldade. A princípio, o assassinato teria acontecido depois que a
vítima decidiu trocar de facção. Os membros do antigo grupo não aceitaram a troca e
esquartejaram o desertor:

Ainda conforme os agentes, o preso foi atraído para uma cela onde
acabou esfaqueado. Os presos passaram a noite esquartejando o corpo
da vítima e despejaram os pedaços na rede de esgoto. O crime foi
descoberto no outro dia, quando os agentes perceberam que o preso
havia desaparecido e encontraram partes do corpo no esgoto122. (G1, 22
nov. 2016).

O Poder Judiciário iniciou, em fevereiro de 2017, na Penitenciária de Água Boa,


o Aprimoramento Processual da Justiça Criminal de Mato Grosso, com o objetivo de

122 Disponível em <https://goo.gl/SCM5GL>. Acesso em 9 maio 2017.


131

conversar com detentos da unidade, levantar informações sobre suas condenações,


bem como verificar as condições físicas e estruturais da unidade. Na visita, os
magistrados vistoriaram todas as instalações, questionaram sobre o funcionamento
da penitenciária e conversaram com os detentos. Foram entrevistados e devidamente
identificados 100% dos presos da penitenciária, com a coleta e confirmação de dados,
como nome, data e local de nascimento, filiação, data de entrada na instituição,
situação na penitenciária – condenado ou provisório – vara pela qual foi preso e o
crime praticado:

A juíza Ana Cristina considerou a unidade tranquila e dentro da


normalidade. “O nosso levantamento é cuidadoso e detalhado. As
atividades dos presos, projetos laborais, oficina de costura, escola,
tudo está aparentemente funcionando bem. Claro que o prédio precisa
de reparos, mas no geral os presos estão com a dignidade pessoal
preservada123. (CIRCUITO MT, 7 fev. 2017)

O fato de a magistrada afirmar que “no geral os presos estão com sua dignidade
pessoal preservada”, leva à reflexão da situação de vida nas penitenciárias de Mato
Grosso. O que significa condições condizentes com a dignidade humana? Há níveis
do que seria degradante ou não, dependendo do público envolvido? Em que momento
a Justiça passou a normatizar a partir de padrões conjunturais e não legais? Até que
ponto o caos do sistema penitenciário do Estado será mantido sob a perspectiva de
que estamos bem, por não estarmos tão mal?

123 Disponível em < https://goo.gl/SkhAL9>. Acesso em 9 maio 2017.


132

4 A LEP E AS CONDIÇÕES DE VIDA NO CONTEXTO PENITENCIÁRIO

Placar dos presídios: Manaus 56 x 30 Roraima. Vamos lá, Bangu! Vocês


podem fazer melhor! #EuAcredito124
Sergio Olímpio Gomes (G1, 8 jan. 2017)

Com a célebre sentença: “Quando vou a um país, não examino se há boas leis,
mas se as que lá existem são bem executadas, pois boas leis há por toda a parte”
(MONTESQUIEU, 2000), Montesquieu, o filósofo francês, em sua obra, sintetiza o
abismo que pode existir entre a letra da lei e sua concretude. Essa constatação
adquire maior impacto já que vivemos em um Estado Democrático de Direito, onde a
participação política e o contrato social – celebrado a partir da proteção jurídica – são
as garantias de democracia representativa, de igualdade jurídica e da liberdade civil.
Quando a base jurídica que sustenta esse Estado se transforma em algo frágil e
seletivo, a ruína é uma questão de tempo, logo se manifestará no prejuízo daqueles
que socialmente possuem menos dispositivos para garantir a materialidade de seus
direitos:

Se, com relação aos direitos sociais, o conservadorismo das políticas


econômicas neoliberais deu o tom da impossibilidade de sua
realização, com relação aos direitos individuais apenas se vivenciou o
outro lado do jogo neoliberal, como acentuou Garland (2005), a
“liberdade” dos investidores (e das classes mais favorecidas) e sua
predisposição a correr riscos no mundo dos mercados financeiros, só
podem ocorrer na medida de um disciplinamento e um controle mais
acirrado às frações da população que ficaram de fora da partilha da
riqueza social. (TEIXEIRA, 2009, p. 104).

Representando um marco no Direito Penal, a promulgação da Lei de Execução


Penal, de 1984, considerada por alguns como uma tentativa de humanização do
cárcere, representou, segundo Teixeira (2009, p. 85) “[...] a constituição do preso
como sujeito de direitos, através, essencialmente, do princípio de
jurisdicionalização125 da execução da pena”. Ademais, apresentou instruções práticas
para o funcionamento e organização dos estabelecimentos prisionais, constituindo-se

124 Publicação do deputado federal Major Olímpio (SD-SP), em rede social na qual faz placar com as
mortes de presidiários em Manaus e Roraima. Disponível em < https://goo.gl/nGaFeu>. Acesso em 13
jul. 2017.
125 Segundo Teixeira (2009, p. 86) “a jurisdicionalização representaria a mediação pelo sistema de

justiça nas relações e situações que caracterizam o cotidiano do cumprimento da pena [...]”
133

em um grande avanço na concepção dos espaços de privação de liberdade e da


garantia do respeito à dignidade humana:

[...] De outro lado, eram também as finalidades atribuídas à prisão que


se deslocavam nesse momento da retribuição e do tratamento para a
ressocialização, instrumentalizando-se essa nova função a partir de
outros dois princípios, apresentados agora reformuladamente: a
individualização e a progressividade da pena. (TEIXEIRA, 2009, p.
85).

Tal marco legal trouxe à luz a figura do preso que, mesmo em privação de
liberdade, é possuidor de direitos:

Equivale dizer que, pela previsão que se inaugurava, a relação do


preso com o Estado punitivo, simbolizado pela prisão, passava a ser
de litígio, na medida em que podia o preso litigar, no cárcere, pelo
exercício de seus direitos, valendo-se para tanto do devido processo
legal. (TEIXEIRA, 2009, p. 86).

A LEP propõe a realização de um trabalho conjunto dos poderes executivo e


judiciário, cabendo ao primeiro prover o suporte material e humano necessário para
transformar o cárcere em um espaço de ressocialização e, o segundo, atuando na
fiscalização e na efetivação dos instrumentos judiciais que garantam a
individualização e progressão da pena, assim como assegurando os direitos
fundamentais das pessoas em privação de liberdade.
Entretanto, logo nas primeiras décadas de sua implantação, a materialização
da LEP encontrou obstáculos frente ao avanço neoliberal ocorrido no país, a partir da
década de 90, e pela onda de aprisionamento em massa motivado pela teoria de “lei
e ordem” importada dos EUA. Dessa forma, a humanização dos espaços de privação
de liberdade e o princípio de ressocialização tornaram-se letras mortas frente aos
novos interesses do capital, ao mesmo tempo em que determinada parcela da
população passou a ser tratada como inimiga:

O que se identificou foi não apenas a persistência com o agravamento


das violações de direitos humanos, não obstante a maior politização e
debate acerca da segurança pública e a mobilização de organizações
que no período iniciaram o maior monitoramento das atividades
repressivas. No entanto, o quadro das violações apresentou-se: na
falta de controle por parte do Estado com relação ao seu próprio
aparato repressivo, que, embora ineficaz à coibição das formas
emergentes de criminalidade, como as organizações criminosas, teve
134

intensificado o uso ilegal e abusivo da força, nas execuções sumárias


e na violência policial que escalaram após a redemocratização; na
manutenção das práticas repudiadas no plano legal como a tortura nos
cárceres; no incremento do número de homicídios nas periferias dos
grandes centros, locais preferenciais não só para a violência policial
como também para a concretização da barbárie que faz jus à ideia de
um espaço de não direito: linchamentos, chacinas, resolução violenta
de conflitos interpessoais (ADORNO, 1996), tudo isso à revelia de um
Estado incapaz de oferecer segurança, justiça e acesso a direitos
fundamentais. (TEIXEIRA, 2009, p. 104-105).

Para compor essa sessão, serão apropriados dois conceitos cunhados pelo
filósofo italiano Giorgio Agamben: estado de exceção, como medida de
excepcionalidade utilizada para conter as crises criadas pelo capitalismo, e homo
sacer, o ser sacrificável, o indivíduo que perde seu valor jurídico ao ponto de se tornar
matável.
Utilizado em situações de excepcionalidade, o estado de exceção, ou um dos
muitos outros nomes que o adjetivam – estado de sítio, estado de emergência,
ameaça à ordem pública, ameaça à segurança nacional – vem sendo empregado
mundialmente como ferramenta para a governabilidade, onde o Estado suspende o
direito para resolver aspectos que considera danosos ao seu funcionamento:

Em bom português, pode-se falar de estado de exceção naqueles


casos em que a legislação prevê que o indivíduo não pode contar com
a legislação para se defender. Historicamente, as constituições
burguesas incluem normalmente esse recurso: no caso de “ameaça à
ordem pública”, “à nação”, “ao povo” etc., o direito é suspenso para
que o Executivo possa agir com “presteza”, “prontidão”,
“energicamente” etc.126 (BLOG DA BOITEMPO, 20 dez. 2013).

Exemplo disso existe em todo o mundo, especialmente nas últimas duas


décadas. O governo americano o utilizou em nome da “guerra contra o terrorismo”, a
partir do atentado de 11 de setembro, quando o presidente George W. Bush sancionou
o decreto conhecido como “Patriot Act”127, que, desde então, embora revestido de
caráter temporário, seguiu paulatinamente sendo prorrogado. O pacote de medidas
da “guerra contra o terror” previu a intercepção da comunicação, o controle de

126Disponível em <https://goo.gl/6o9GMq> Acesso em 20 maio 2017.


127Sancionado em 26 de outubro de 2001, o Patriotic Act é a abreviação de Provide Appropriate
Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism, em tradução livre, fornecer ferramentas
apropriadas necessárias para interceptar e obstruir o terrorismo, um pacote de medidas que restringe
os direitos civis em nome da segurança nacional.
135

transações financeiras, ambas sem autorização judicial, assim como a detenção de


estrangeiros, por tempo ilimitado, independente de provas ou acusações.
O governo brasileiro também fez uso do estado de exceção para lidar com a
“guerra contra as drogas”, quando as Forças Armadas foram acionadas para controlar
o Complexo do Alemão e patrulhar as ruas do Rio de Janeiro, no ano de 2010.
Novamente em 2017, as mesmas Forças Armadas foram convocadas, dessa vez para
guardar o Congresso Nacional durante uma semana, em virtude de manifestações
populares128 ocorridas em Brasília. Nas duas situações, a convocação desse aparato
repressivo constituiu medida de exceção, uma vez que, para ser efetivada, sobrepôs
e negou uma lei maior. De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo
144:
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de
todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes
órgãos:
I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
IV – polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. (BRASIL, 1988,
p. 46).

Assim, as polícias federal, rodoviária e ferroviária, a polícia civil, a polícia


militar e o corpo de bombeiros são órgãos responsáveis pela manutenção da ordem,
do patrimônio e da segurança dos cidadãos. Enquanto as Forças Armadas:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército


e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e
regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a
autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à
defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por
iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (BRASIL, 1988, p. 46).

Nesse sentido, entende-se que as Forças Armadas são instituições para


defesa da Pátria contra inimigos externos. Convocar tais instituições para guardar o
Congresso Nacional durante manifestação popular, ou ainda, para patrulhar área

128No mês de maio de 2017 ocorreu o “Ocupa Brasília”, manifestação convocada por centrais
sindicais e movimentos populares pedindo a renúncia do presidente Michel Temer e a convocação de
eleições diretas (EL PAÍS, 25 maio 2017). Disponível em <https://goo.gl/J6PH14>. Acesso em 12 jul.
2017.
136

considerada de risco, demonstra que, para o Estado Neoliberal e o avanço capitalista,


a ameaça não vem de fora das fronteiras. O inimigo, neste caso, é interno.
As medidas de exceção, que somente agora se apresentam como uma ameaça
aos direitos fundamentais para algumas parcelas da população vêm ocorrendo de
forma sistemática na manutenção da vida no cárcere. Mesmo com a existência de leis,
acordos, pactos, resoluções e portarias que regulamentam a Execução Penal, o
funcionamento das unidades prisionais no Brasil se dá a partir de medidas de exceção
que visam o confinamento dos “dejetos sociais”, a manutenção da ordem pública e a
segurança do patrimônio privado, em detrimento da dignidade humana e à custa do
ordenamento jurídico e de recursos públicos. Como esclarece Agamben (2010, p. 80),
“O estado de exceção não é uma ditadura [...], mas um espaço vazio de direito, uma
zona de anomia em que todas as determinações jurídicas estão desativadas. ”
Agamben (2010, p. 43) ainda questiona:

Se o que é próprio do estado de exceção é a suspensão (total ou


parcial) do ordenamento jurídico, como poderá essa suspensão ser
ainda compreendida na ordem legal? Como pode uma anomia ser
inscrita na ordem jurídica?

Como reflexo do modo de produção, a massa de expropriados aumenta,


enquanto os direitos fundamentais vão se deteriorando. A elevação no número de
crimes – principalmente contra o patrimônio e tráfico de drogas – é parte dessa
engrenagem de destruição da “vida digna”, criando um clima de guerra urbana, de
insegurança e medo, enquanto o Estado apresenta, como medida de governabilidade,
o confinamento dos indesejáveis, em uma estrutura falida e pronta para implodir.
Dessa forma, para justificar o caos social, o Estado, sob a ótica da filosofia
neoliberal, aliada à cumplicidade da mídia, faz com que o cerne do problema se
movimenta do âmbito estrutural para o individual. As condições de produção e
reprodução dos indivíduos não são questionadas, mas sim sua capacidade de
adaptação. Estabelecem-se dois lados entre aqueles que se adaptam e os que não
se adaptam, logo, a sociedade vive numa constante guerra maniqueísta: o bem contra
o mal, o certo contra o errado, o puro contra o pecador, o eu contra ele. Um processo
de doutrinamento que faz com que o eu identifique, automaticamente, o inimigo. Essa
é a realidade contemporânea, considerando que os civilizados, com valor social e
jurídico – aqueles que se rendem aos mecanismos do capital e encontram espaço no
137

mercado produtivo, embora não se tenha garantia por quanto tempo – contra eles, os
excluídos, seres descartáveis de menor ou nenhum valor, que, em nome do bem
comum ou de um objetivo maior, podem ser sacrificados, assumindo a condição
definida por Agamben como Homo Sacer:

Nós já encontramos uma esfera limite do agir humano que se mantem


unicamente em uma relação de exceção. Esta esfera e a da decisão
soberana, que suspende a lei no estado de exceção e assim implica
nele a vida nua. Devemos perguntar-nos, então, se as estruturas da
soberania e da sacratio não sejam de algum modo conexas e possam,
nesta conexão, iluminar-se reciprocamente. Podemos, aliás, adiantar
a propósito uma primeira hipótese: restituído ao seu lugar próprio,
além tanto do direito penal quanto do sacrifício, o homo sacer
apresentaria a figura originária da vida presa no bando soberano e
conservaria a memória da exclusão originária através da qual se
constituiu a dimensão política. O espaço político da soberania ter-se-
ia constituído, portanto, através de uma dupla exceção, como uma
excrescência do profano no religioso e do religioso no profano, que
configura uma zona de indiferença entre sacrifício e homicídio.
Soberana é a esfera na qual se pode matar sem cometer homicídio e
sem celebrar um sacrifício, e sacra, isto é, matável e insacrificável, é
a vida que foi capturada nesta esfera. (AGAMBEN, 2007, p. 90-91).

Ainda para Agamben (2007, p. 171), a figura do homo sacer é “ ‘insacrificável’


no sentido de que não poderia obviamente ser colocada à morte em uma execução
de pena capital”. No entanto, Agamben (2007, p.120-121) afirma ainda que a condição
de homo sacer permite que o indivíduo seja “morto” por qualquer um. No seu entender
esse assassinato não se constituí em uma execução penal ou sacrifício, “[...] mas
apenas a realização de uma mera ‘matabilidade’ [...]” que é inerente a sua condição.
Agamben arremata considerando que a “vida indigna de ser vivida” é a nova categoria
jurídica que determina o limiar - estado de exceção - em que a vida cessa de ser
politicamente relevante para o Estado podendo, então, ser eliminada.
Dessa forma, partindo do entendimento de que o homo sacer só existe sob o
estado de exceção, abordar-se-á, nesta sessão, a Lei de Execução Penal, cotejando
os direitos nela preconizados com as condições em que vivem os presos nas
penitenciárias de Mato Grosso e que caracterizam essas unidades como um espaço
permanente de exceção e os indivíduos privados de liberdade como seres
insacrificáveis e matáveis, em situação de “vida nua”, onde o “desvalor da vida como
tal” os transforma em “vida indigna de ser vivida”.
138

Para constituir tal análise, buscou-se, primeiramente, nas obras de Agamben,


abordar dois conceitos norteadores dessa sessão, o estado de exceção e do homo
sacer. A Fundamentação teórica ainda se sustenta nas obras de Zaffaroni e
Pierangeli, que permitem um olhar apurado sobre o funcionamento da Justiça Penal.
Além disso, as fontes empíricas – o estudo de leis, como a LEP, a Constituição Federal
e as instruções normativas da Sejudh/MT – oportunizaram a verificação das condições
legais presentes no ordenamento jurídico e sua confrontação com as condições reais,
verificadas a partir dos dados coletados através do questionário de pesquisa,
respondido pelas penitenciárias, dos relatórios de órgãos fiscalizadores, como Infopen
(BRASIL, 2015) e as notícias divulgadas na mídia eletrônica estadual, instrumentos
que permitiram apresentar um panorama das medidas de exceção presentes nas
penitenciárias de Mato Grosso. Dada a abrangência da LEP, foram elencados pontos
específicos de análise. O primeiro a ser abordado é o princípio de individualização da
pena, seguido do princípio de presunção de inocência e a questão da superlotação,
vieses essenciais para o entendimento das condições de vida nas penitenciárias do
estado. Além disso, analisou-se as questões no que tange às assistências: material,
saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, para, finalmente, tratar da situação da
mulher no cárcere, do direito à visita íntima e do desrespeito aos direitos humanos,
fatores que, se alinhados, caracterizam um espaço onde o ordenamento jurídico não
vigora e onde o ser “insacrificável, porém matável”, vive na condição de “vida nua”.

4.1 A LEP E AS PENITENCIÁRIAS DE MATO GROSSO

Se tivermos que escolher entre um pai de família e um criminoso, a


Secretaria de Segurança Pública (SESP) vai sempre decidir estar do
lado do primeiro129.
Fábio Galindo (OLHAR DIRETO, 12 fev. 2016)

A LEP (1984, p.19) tem por objetivo “efetivar as disposições de sentença ou


decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado”, assim como assegurar a eles “todos os direitos não

129Declaração do Secretário de Segurança Pública de Mato Grosso criticando a atuação dos órgãos
de defesa dos Direitos Humanos, que, segundo ele, deveriam, antes de tudo, proteger um “pai de
família”: “Quem está sendo culpado pelos crimes são as vítimas e não os bandidos” (OLHAR
DIRETO, 12 fev. 2015). Disponível em < https://goo.gl/qvf7g9>. Acesso em 14 jul. 2017.
139

atingidos pela sentença ou pela lei”, garantindo a não distinção de natureza racial,
social, religiosa ou política:
[...] ao menos em boa medida, o sistema penal seleciona pessoas ou
ações, como também criminaliza certas pessoas segundo sua classe
e posição social. [...] Há uma clara demonstração de que não somos
todos igualmente ‘vulneráveis’ ao sistema penal, que costuma
orientar-se por ‘estereótipos’ que recolhem os caracteres dos setores
marginalizados e humildes, que a criminalização gera fenômeno de
rejeição do etiquetado como também daquele que se solidariza ou
contata com ele, de forma que a segregação se mantém na sociedade
livre. A posterior perseguição por parte das autoridades com rol de
suspeitos permanentes, incrementa a estigmatização social do
criminalizado. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011, p. 73).

Como demonstrado na sessão II, há uma seletividade que rege o


aprisionamento em massa e que compromete a concretização dos objetivos da LEP.
De acordo com dados do Infopen (BRASIL, 2015), o perfil dos presos de Mato Grosso
é composto, em sua maioria, por jovens entre 18 e 30 anos (Figura 28), pretos e
pardos (Figura 29), solteiros (Figura 30) e com ensino fundamental incompleto (Figura
31), perfil condizente com o nacional.

Figura 28. Faixa etária das pessoas privadas de liberdade em Mato Grosso130

1%

6%

15%
33%

19%

27%

18 a 24 anos 25 a 29 anos 30 a 34 anos 35 a 45 anos 46 a 60 anos 61 ou mais

Fonte: BRASIL. Infopen, 2015, p. 49.

130 82% de pessoas com informação. (BRASIL, 2015, p. 49).


140

Figura 29. Raça, cor ou etnia das pessoas privadas de liberdade em Mato Grosso131

Coluna1
0,20% 0,10%

16,20%

83,50%

branca negra amarela indígena

Fonte: BRASIL. Infopen, 2015, p. 51.

Figura 30. Estado civil das pessoas privadas de liberdade em Mato Grosso132

1,6%
2,5%
2,1%

10,4%

43,3%

40,1%

Solteiro(a) união estável casado(a) separado(a) judicialmente divorciado(a) viúvo(a)

Fonte: BRASIL. Infopen, 2015, p. 54.

131 O Infopen considera raça como o grupo definido socialmente em razão de características físicas e,
etnia, por grupo definido pelo compartilhamento histórico, religioso ou cultural. A categoria negra
inclui pretos e pardos. 74% de pessoas com informação (BRASIL, 2015, p. 51).
132 72% de pessoas com informação (BRASIL, 2015, p. 54).
141

Figura 31. Escolaridade das pessoas privadas de liberdade em Mato Grosso133

1%

8% 11%

8%
14%

19%
40%

Analfabeto(a) Alfabetizado (sem cursos regulares) Ensino Fundamental incompleto

Ensino Fundamental completo Ensino Médio incompleto Ensino Médio completo

Ensino Superior incompleto

Fonte: BRASIL. Infopen, 2015, p. 59.

Esses dados são relativos à população carcerária de todas as prisões do


estado – cadeias públicas, centro de detenção provisória, colônia penal e
penitenciárias. Além deles, o Infopen (BRASIL, 2015, p. 62) aponta a existência de
24 pessoas oriundas de países da América Latina e 01 da Europa presas nas
unidades mato-grossenses, o que equivale a 1,4% da população prisional de todo o
estado.
Com relação às pessoas com deficiência – aqui compreendidas a deficiência
intelectual, auditiva, física, visual e múltipla – e em privação de liberdade, são 20 os
casos presentes em Mato Grosso, cerca de 1% da população carcerária (BRASIL,
2015, p. 56).
Os tipos de crimes tentados/consumados pelas pessoas privadas de liberdade
e com registros nas prisões estaduais são semelhantes aos observados em outras
unidades da federação, como mostra a Figura 32:

133 78% de pessoas com informação (BRASIL. Infopen, 2015, p. 59).


142

Figura 32. Distribuição por gênero de crimes tentados/consumados entre os registros


das pessoas privadas de liberdade no Brasil e Mato Grosso134

homens - Brasil
3%
8%

25%
14%

3% 2%
12%
21%

tráfico
mulheres - Brasil
quadrilha ou bando
3% 0%
2% roubo
8%
furto
7% receptação
1%
homicídio
8%
latrocínio
7% 63% desarmamento
violência doméstica
1%
outros

homens e mulheres - MT

21,5%
3,4% 0 27,3%

7,8% 0

18,9%
17,4%
13,1%
0

Fonte: BRASIL. Infopen, 2015, p.70-71.

134Assim como destacado acima, a Figura consolida os registros informados de todas as ações
penais pelas quais respondem as pessoas privadas de liberdade em todo o Brasil, por gênero. Há
pessoas que estão sendo processadas ou já foram condenadas por mais de um crime. Desse modo,
não se pode estabelecer um paralelo entre essa distribuição percentual por crimes e os quantitativos
de pessoas presas (BRASIL, 2015, p. 70).
143

4.1.1 Do Princípio de individualização da pena

Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus


antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da
execução penal.
(LEP, 1984, p. 20).

A garantia de individualização de pena também é regulada na LEP, que


estabelece a constituição de Comissão Técnica de Classificação (CTC), composta por
profissionais multidisciplinares: psiquiatra, psicólogo, assistente social, dois chefes de
serviço, sendo presidida pelo Diretor da Unidade:

O princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF)


estabelece que a punição deve se dar na exata medida do crime
praticado, de forma justa e sem padronizações. Esta determinação
constitucional não se encerra quando a sentença é proferida, exigindo
também que sejam feitas adaptações durante o cumprimento da pena.
Para tanto, o juízo da execução conta com diversos instrumentos
previstos na Lei de Execução Penal, tais como o exame de
personalidade, o exame criminológico e o parecer da Comissão
Técnica de Classificação [...]. (SÁ; ALVES, 2009, p. 1).

Enquanto o exame criminológico é uma perícia estritamente técnica de


avaliação da conduta criminosa do preso, o parecer da Comissão Técnica é algo
individual e complexo. Segundo Sá e Alves (2009, p. 2):

Trata-se, isto sim, de uma avaliação interdisciplinar que a equipe faz


do histórico prisional do preso, de sua conduta, entendida esta em seu
sentido bem complexo, isto é, não restrito às respostas do preso às
normas regimentais da casa. Representa uma avaliação das
respostas que o preso vem dando às propostas terapêutico-penais
que lhe têm sido disponibilizadas. Portanto, para que de fato haja um
autêntico parecer de C.T.C., há que se oferecer um mínimo de
oportunidade ao preso. O ideal é que essa oportunidade seja
minimamente planejada e adequada à sua pessoa, e nela ele possa
se encontrar, conhecer-se melhor, conhecer seus interesses, aptidões
e pensar melhor em seu futuro. E que ele seja acompanhado,
humanamente observado (observação interessada em seu
crescimento pessoal) e estimulado.

Entretanto, a realidade das penitenciárias de Mato Grosso demonstra que este


trabalho não tem sido realizado em virtude da carência de recursos humanos – como
observado na sessão anterior, há déficit de servidores nas penitenciárias, uma relação
144

que pode chegar a 1 servidor para 7,7 pessoas em privação de liberdade. Segundo
Sá e Alves (2009, p. 2), não se trata da elaboração de um parecer padronizado, mas
sim de programas adequados ao perfil (ou perfis) dos presos”, assim como da difícil
tarefa de acompanhar o desenvolvimento de tais programas e a evolução do preso.
De acordo com o Relatório da situação atual do sistema penitenciário: comissão
técnica de classificação (Brasil, 2008 p. 8), Mato Grosso conta com CTC em seus
estabelecimentos penais, porém, essas atuam somente na deliberação sobre exames
criminológicos:

Os Estabelecimentos Penais do Estado contam com Comissões


Técnicas de Classificação, regularmente constituídas, porém não
realizam a individualização da pena, atuando, simplesmente na
elaboração de exames criminológicos, quando solicitados pelo Juiz.

No ano de 2013, o então secretário de justiça e direitos humanos, Luiz


Carvalho, através da Instrução Normativa 002/2013/Sejudh/MT, de 17 de junho de
2013, constituiu as comissões técnicas de classificação em todas as unidades
prisionais de Mato Grosso, visando “avaliar a terapêutica penal em relação aos presos
sentenciado e provisório, propondo as promoções subsequentes, bem como proceder
às perícias criminológicas135” (TOP NEWS, 27 jun. 2013):

A publicação aponta que o exame de personalidade compreende


"exame biológico, psicológico, psiquiátrico e social, sendo de
fundamental importância para a classificação dos presos, a análise
dos seus antecedentes criminais, abrangendo toda a sua vida
pregressa, a fim de permitir a individualização da execução da pena e
a permanência provisório, para que a administração penitenciária
estabeleça a terapêutica penal devida aos objetivos traçados".

No estado, em virtude da falta de servidores com formação específica em


determinadas áreas, como é o caso de médicos psiquiatras, a equipe de profissionais
multidisciplinares sofreu adequações como mostra o Art. 1º:
Art. 1º. A Comissão Técnica de Classificação deverá ter atuação em
todos as Penitenciárias e Centros de Detenção Provisória, sendo
presidida pelo Diretor e composta, no mínimo, pelo Chefe de
Segurança e Disciplina, 01 (um) Líder de Equipe, 1 (um) psicólogo e
1 (um) assistente social. (MATO GROSSO, 2013, p. 23).

135 Disponível em <https://goo.gl/UjZcjG>. Acesso em 13 jul. 2017.


145

Em 2008, o Relatório da situação atual do sistema penitenciário: comissão


técnica de classificação (BRASIL, 2008 p. 8) apontava a existência de CTC.
Entretanto, sua normatização ocorreu apenas em 2013, através da Instrução
Normativa n. 002/2013/Sejudh/MT. Acredita-se, que tal instrução foi homologada no
sentido de regulamentar a criação da CTC em todas as unidades, de acordo com o
quadro de servidores disponíveis, numa mostra de efetivação da LEP. Tal instrução
estabeleceu que as cadeias públicas deveriam ser atendidas pelas CTC das
penitenciárias. Vale ressaltar que a regulamentação de tal comissão – principalmente
se observada sua readequação quanto aos recursos humanos e a previsão de
atuação rotativa das CTC em outras unidades – não garantiu o funcionamento
adequado e o cumprimento do papel essencial da CTC na individualização da pena,
situação que pouco difere Mato Grosso do restante do país:

Muito embora as eloquentes determinações legais, os condenados


[...] não são classificados para a individualização da execução, mas
recolhidos às penitenciárias para cumprimento de penas em
ambientes coletivos, sem infraestrutura condigna, sem trabalho,
ficando na maioria das vezes entregues à própria sorte. A
individualização da pena na fase de execução é, no Brasil, ainda uma
garantia vaga, indefinida, etérea, que permite afirmar que a reclusão e
a detenção não ressocializam, porque não há ressocialização sem
tratamento e sem a livre disposição do condenado de tratar-se”
(BOSCHI, 2000, p. 63, In: SÁ; ALVES, 2009, p. 4).

4.1.2 Do Princípio de Presunção de Inocência

Ei incumbit probatio, qui dicit, non qui negat136.


DIGESTO DE JUSTINIANO, 533, 22.3.4

O Princípio de Presunção de Inocência trata “[...] de uma garantia individual


fundamental e inafastável, corolário lógico do Estado Democrático de Direito”,
consagrado não apenas na Constituição Federal de 1988, mas em outros documentos
que têm por objetivo garantir o direito à vida e o respeito à dignidade humana:

Artigo XI – 1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o


direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha

Um dos princípios do Digesto de Justiniano, do ano de 533, “[...] o ônus da prova recai sobre
136

aquele que acusa, não sobre o acusado”.


146

sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe


tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua
defesa. (ONU, 1948, p. 7).

Artigo 8º - 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se


presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua
culpa (OEA, 1969, p. 04).

Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LVII - ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória. (BRASIL, 1988, p. 11).

Embora a Constituição Federal verse sobre o princípio da não culpabilidade e


assegure o estado de inocência enquanto garantia processual ao acusado, permitindo
um julgamento justo e ampla defesa, na prática, o número de presos provisórios
evidencia que há muito tempo o Princípio da Presunção de Inocência figura como letra
esquecida no Direito Penal Brasileiro:

A presunção de inocência é reconhecida hoje como um direito


universal do indivíduo, decorrente da dignidade humana que possui,
de modo que qualquer afronta à dimensão denominada “mínimo ético
irredutível137”, importa violação dos direitos humanos que lhe são
garantidos. (LIMA, 2014, p. 1).

De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias –


Infopen (BRASIL, 2015, p.13), estima-se que no Brasil existem 222.190 pessoas
privadas de liberdade sem condenação, o que representa afirmar que cerca de 41%
da população carcerária não foi julgada, logo, inocente.
O mesmo levantamento aponta que oito estados: Sergipe, Maranhão, Bahia,
Piauí, Pernambuco, Amazonas, Minas Gerais e Mato Grosso tinham mais presos
provisórios do que condenados (BRASIL, 2015, p. 21). No caso de Mato Grosso, esse
índice era de 53% do total da população encarcerada.
No presente estudo buscou-se averiguar o número de presos provisórios
privados de liberdade nas 6 penitenciárias do estado. Destas, quatro informaram

137PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12 Ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 209.
147

esses dados138 – Penitenciária Major Eldo Sá Corrêa, PCE, Penitenciaria Feminina


Ana Maria do Couto, May e Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira,
possibilitando constatar o número elevado deles aguardando julgamento.
A relação entre o número de presos não julgados e o déficit de vagas em cada
unidade (Figura 33) demonstra o quanto o princípio de presunção de inocência não
se faz presente nas audiências de custódia, e o quanto a presença de presos
provisórios nas penitenciárias é fator decisivo para a superpopulação carcerária. No
caso da penitenciária feminina, números ainda mais reveladores, se não houvessem
presas provisórias, a unidade sequer teria lotação máxima.
Portanto, o desrespeito ao princípio de inocência – um claro descumprimento
do que rege a lei – evidencia uma medida de exceção. Tal situação, associada à
seletividade do sistema penal – comprovada no perfil dos presos em Mato Grosso –
demonstra a existência de uma política de Estado que promove o encarceramento em
massa e a criminalização da pobreza.

138A Penitenciária Major PM Zuzi Alves da Silva e o CRC não informaram o número de presos
provisórios.
148

Figura 33. Pessoas condenadas e aguardando julgamento em relação ao número de


vagas das penitenciárias informadas139

1400 1302
1250
1200

1000 943
891 896 892

800

600 522
435 414
400 327 349 353

146 180
200
60 26
0
PCE Maria do Couto May Dr. Osvaldo Florentino Major PM Eldo Sá CorrÊa
Leite Ferreira

condenadas aguardando julgamento pessoas acima do nº de vagas vagas

Fonte: Formulário respondido pelas direções das instituições, 2016 e 2017.

De acordo com a Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984, p. 48):

Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença


transitada em julgado.
§ 1o Os presos provisórios ficarão separados de acordo com os
seguintes critérios (Redação dada pela Lei nº 13.167, de 2015).
I - acusados pela prática de crimes hediondos ou
equiparados; (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015)
II - acusados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave
ameaça à pessoa (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015).
III - acusados pela prática de outros crimes ou contravenções diversos
dos apontados nos incisos I e II. (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015).

Em 2010, os conselheiros Mario Luiz Bonsaglia e Maria Ester Tavares,


integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público, alertavam para o fato de Mato
Grosso não ter um espaço destinado a sentenciados com progressão para o regime
semiaberto, tampouco local específico para presos provisórios, o que contraria o artigo

139 78% de pessoas com informação. (BRASIL, 2015, p. 59).


149

84 da LEP (BRASIL, 1984, p. 48): “O preso provisório ficará separado do condenado


por sentença transitada em julgado”. Ainda no mesmo artigo, § 1º, está previsto que
“os presos provisórios ficarão separados de acordo com o tipo de crime a que foram
acusados”. Segundo Bonsaglia:

Isto é uma situação intolerável. A separação de presos definitivos e


provisórios é recomendação básica. Não se mistura preso provisório que
responde processo, onde prevalece a presunção de inocência. Não há
separação de presos que cometerem crimes mais graves, com os de
menos gravidade.140 (MIDIA NEWS, 18 nov. 2010).

O quadro de instabilidade política e econômica do país leva ao entendimento


de que o número de presos provisórios tende a aumentar em níveis expressivos, já
que, em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em outubro de 2016,
a Corte negou o Princípio de Presunção de Inocência ao decidir que a sentença
condenatória pode ser executada depois da decisão em segunda instância, em clara
violação a Constituição Federal, que determina que a sentença condenatória só pode
ser executada depois de trânsito julgado, quando não cabe mais apelação.

Sob o argumento de que o princípio constitucional da presunção de


inocência não impede a execução provisória da pena condenatória
imposta e confirmada em 2º grau, ainda que pendente o julgamento
de recurso especial ou extraordinário, visto que estes não possuem o
condão de reanalisar fatos e provas como também não possuem efeito
suspensivo, de acordo com o artigo 637 do Código de Processo penal,
o pretório excelsior atribuiu nova interpretação ao texto constitucional,
movimentando o ambiente jurídico. (LIMA, 2014, p. 16).

É notório que, na história nacional, para determinados grupos, o princípio de


presunção de inocência nunca vigorou, entretanto, a posição da Corte, em
desconsiderar o texto constitucional, marca um momento político extremamente
delicado, onde os direitos civis são cerceados e as medidas autoritárias passam a
valer à revelia da Constituição, numa mostra clara do estado de exceção que se
concretiza no país, onde a prisão é a regra e a liberdade exceção, um retrocesso que
remonta ao período colonial, quando a Justiça era executada de acordo com as
Ordenações Régias de Portugal:

140 Disponível em <https://goo.gl/mcdZzU>. Acesso em 4 mar. 2017.


150

Nas Ordenações Filipinas não havia qualquer previsão explícita ou


implícita da presunção de inocência, pelo contrário: a prisão era a
primeira medida a ser tomada diante da acusação da prática de um
delito, a liberdade era uma exceção. A fragilidade desta norma
processual penal foi responsável por diversos atos arbitrários, em que
pessoas tinham sua liberdade cerceada apenas por terem sido vítimas
de uma acusação infundada, baseada apenas em suposições ou
mesmo em retaliações. (MEDEIROS, 2016, p. 10).

Ademais, tal jurisprudência aprofunda a questão da superlotação do sistema


penitenciário brasileiro, o que, por si só, deveria servir de óbice à decisão do STF.
A incapacidade do Estado em gerir a Execução Penal se caracteriza também
no número irrisório de Defensores Públicos atuando nas penitenciárias. Em um
exercício pueril, na maior delas, a PCE, a média é de 1 defensor para 438 presos, o
que impede, mesmo com esforço sobre-humano, a efetivação de uma assessoria
jurídica de qualidade. Ademais, na Penitenciária Ferrugem, em Sinop, não há
defensor atuando dentro da unidade. De acordo com dados levantados ao longo
dessa pesquisa, todas as penitenciárias mato-grossenses, exceto a Penitenciária PM.
Zuzi Alves da Silva, em Água Boa, têm presos sem assessoria jurídica.
Não bastasse colocar em risco preceitos constitucionais basilares ao Estado
Democrático de Direito, como o Princípio de Presunção de Inocência, o
encarceramento provisório agrava o problema da superlotação, aumentando os
custos da manutenção do sistema penitenciário e expondo um indivíduo inocente a
situações degradantes de vida, assim como ao risco de envolvimento e
comprometimento com o crime organizado, mas, principalmente, consagra todos –
aqueles preteridos pelo capital, logo, abandonados pelo Estado, e que, por qualquer
situação, se apresentem perante a Justiça – como seres sacrificáveis, de acordo com
Agamben, homo sacer.

4.1.3. Da superlotação

A majestosa igualdade das leis, que proíbe tanto o rico como o pobre
de dormir sob pontes, de mendigar nas ruas e de roubar pão.
FRANCE, 1906, p. 118

Como demonstrado na seção anterior, há uma relação direta entre a não


observância do Princípio de Inocência como regra, o aumento do encarceramento
151

provisório e, consequentemente, o caos vivenciado no sistema prisional do país. Em


Mato Grosso, todas as penitenciárias funcionam acima de suas capacidades, bem
como as cadeias públicas e os Centros de Detenção Provisória (CDP), que também
operam acima de seu limite. Muitas foram as interdições da Justiça às unidades penais
do estado, tanto por falta de infraestrutura quanto por superlotação.
Deve-se levar em conta, quando se analisa a superlotação, um fator essencial:
das 59 unidades penais existentes de Mato Grosso, segundo o relatório Infopen
(BRASIL, 2015, p. 32), apenas 28 foram concebidas como estabelecimento penal,
sendo as demais adaptadas para tal função, o que significa dizer que, pelo menos,
51% dos estabelecimentos mato-grossenses podem não apresentar as condições de
permanência e segurança necessárias à manutenção da vida e da dignidade humana.
Longe de se tratar de uma análise meramente especulativa, tal argumento se
fundamenta em dados concretos, visto que 49% das unidades construídas para esse
fim, mesmo dentro das normas técnicas que regulam sua implantação, não
apresentam condições para garantir tais direitos, dessa vez não estrutural, mas devido
à superlotação, logo, se a situação em unidades concebidas para esse fim é precária,
tudo indica que a dos estabelecimentos adaptados seja ainda pior.
De acordo com o Relatório Infopen (BRASIL, 2015, p. 82), dos 59
estabelecimentos penais de Mato Grosso, 55 são geridos pelo Poder Público, 01 por
organização sem fins lucrativos e 02 por parceria Público-Privada. Ainda há um
estabelecimento que não disponibilizou suas informações. Tais dados demonstram
que os problemas enfrentados não são exclusivos dos estabelecimentos geridos pelo
Estado, descontruindo o ideário da privatização do setor como solução para os
problemas.
O Massacre de Manaus141 corrobora nessa análise, uma vez que ocorreu em
uma unidade gerida, desde 2015, pela empresa Umanizzare, em um sistema de
cogestão. Segundo o relatório elaborado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e
Combate à Tortura142, sobre as unidades prisionais de Manaus, as empresas:

141 O massacre, considerado como extermínio por entidades de defesa dos Direitos Humanos,
ocorreu em janeiro de 2017, no Complexo Prisional Anísio Jobim, em Manaus, quando presos da
facção Família do Norte se aliaram ao CV e entraram em conflito com o PCC. Durante a rebelião 56
pessoas foram executadas e 87 presos fugiram.
142 No ano de 2013, o Brasil aprovou a Lei 12.847 que institui o Sistema Nacional de Prevenção e

Combate à Tortura (SNPCT), bem como criou o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
(CNPCT) e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Já o Decreto n.
8.154, de dezembro de 2013, regulamentou o funcionamento do SNPCT, sua composição e o
152

[...] são responsáveis pela segurança interna e pela prestação de


serviços às pessoas privadas de liberdade. No modelo de cogestão as
unidades, que foram construídas com verba pública, são dirigidas por
agentes públicos, enquanto os demais serviços, incluindo a vigilância
e escolta interna, são realizados por agentes contratados pelas
empresas. Além disso, há outras empresas responsáveis pelo
fornecimento de alimentação às pessoas privadas de liberdade. [...] os
agentes responsáveis pela segurança são contratados pela empresa
que realiza a gestão da unidade, a relação entre as pessoas privadas
de liberdade e tais entes fica bastante prejudicada. [...] algumas
pessoas relataram que a contratação dos agentes pela empresa
ocorre sem necessariamente atender aos requisitos da LEP, bem
como, a Regra 74, das Regras de Mandela. Além disso, para que
iniciem os trabalhos, tais funcionários realizam apenas um breve curso
preparatório na Escola de Administração Penitenciária do Amazonas
(ESAP), de modo que não dispõem de conhecimento técnico
suficiente para exercer efetivamente o acompanhamento da execução
penal. Se o trabalho em unidades prisionais já é, em si, uma atividade
de risco, tal condição é ainda mais agravada pela possibilidade de
demissão, pela ausência de um plano de carreira e pela baixa
remuneração dos profissionais (em torno de R$1.700,00,
considerando adicionais e descontos). [...] foram obtidos relatos que
apontam para o medo dos agentes serem agredidos e mortos em
situações fora do trabalho, assim como a existência de suborno de
agentes por presos. (BRASIL, 2016b, p. 14).

Tais práticas de abuso e violência são constantes, não apenas pela pouca
formação, como também pela rotatividade de funcionários:

[...] há uma alta rotatividade de funcionários pelas precárias condições


de trabalho, o que favorece a ocorrência de tortura e maus-tratos. Isso
porque, ao ser praticada uma violação, o agente responsável é
demitido e outro logo assume o seu lugar. Essa alta rotatividade dos
funcionários nas unidades dificulta a identificação dos agentes
agressores, pois eles podem ter sido demitidos ou transferidos para
trabalhar em outra unidade. (BRASIL, 2016b, p. 14).

Vários estudos brasileiros demostram que os agentes penitenciários e os


presos têm perfil sociodemográfico semelhantes: jovens, pretos e pardos, baixa
escolaridade e oriundos de bairros periféricos. Dessa forma, agentes convivem intra
e extramuros com os presos e suas famílias, o que gera insegurança e conflito,
podendo gerar novas relação de poder. Wacquant (2011) alerta que trabalhar no
sistema prisional é uma opção viável para as camadas discriminadas da sociedade,

funcionamento do CNPCT, assim como dispôs sobre MNPCT. (BRASIL. Relatório de Visita a
Unidades Prisionais de Manaus-AM, 2016). Disponível em <https://goo.gl/wu88yd>. Acesso em 13
jun. 2017.
153

pois se trata de um mercado em expansão, que necessita de mão de obra barata e


pouco qualificada.
A ineficácia do estado não se apresenta apenas no controle intramuros de
unidades estatais, mas sim na incapacidade de fiscalizar os contratos estabelecidos
com as empresas privadas. Mais uma vez, o ocorrido em Manaus serve de exemplo:
a unidade funcionava com 170% acima de sua capacidade e não tinha o número de
funcionários estipulado, ou seja, dos 250 previstos em contrato somente 153 estavam
atuando. Em Mato Grosso, nas penitenciárias estudadas, todos os profissionais são
agentes do estado, devidamente concursados, porém, a superlotação faz com que o
efetivo não seja proporcional à quantidade de detentos. As péssimas condições de
trabalho, tanto nos aspectos psicológico (ansiedade, tensão, agressividade) quanto
nos aspectos físicos (insalubridade), impactam ainda mais na relação preso/agente
penitenciário.
Ao tratar da privatização das unidades prisionais, mesmo em sistema de
cogestão, dois aspectos merecem atenção: o primeiro, é que se transfere a
responsabilidade de manutenção, das pessoas privadas de liberdade, a empresas
privadas, cujo objetivo é o lucro e não a garantia de condições dignas e alinhadas com
os Direitos Humanos; em segundo lugar, a transferência do poder de polícia,
delegando o poder de disciplina e controle à esfera privada, pelo Estado, foi
responsável pela violação do Estado Democrático de Direito em, pelo menos, duas
claras violações:

Uma vez que os agentes penitenciários contratados pelas empresas


gestoras exercem, parcialmente, poder de disciplina e controle (pois
estão envolvidos na aplicação de sanções que, inclusive, implicam no
tempo de cumprimento da pena da pessoa), haveria transferência do
exercício de polícia a terceiros. O Estado estaria, pois, delegando
parte de seu monopólio da força legítima para instituições privadas, o
que contrariaria princípios básicos de constituição do Estado
Democrático de Direito. (BRASIL, 2016b, p. 15).

Sob a argumentação de que o Estado não era capaz de controlar o que ocorre
no sistema prisional, argumentos pró-privatização dos estabelecimentos penais
proliferam, incentivados por discursos de ódio e de intolerância, difundidos pela mídia,
agravando o cenário de insegurança e medo, além de contribuir na legitimação no
deslocamento da atuação do Estado em benefício da privatização enquanto solução
154

definitiva para o problema. Não é coincidência que, assim como ocorreu nos EUA, o
Poder Legislativo – comprometido com interesses privados – sejam promovidas
revisões na legislação penal, fazendo vigorar forte repressão às drogas, a chamada
“Guerra às drogas”, e a diminuição da maioridade penal. De acordo com Costa e
Duarte (2017),

Nessa lógica, quanto mais presos, maior é o rendimento à empresa,


sendo o encarceramento a alma do negócio.
Ao privatizar unidades prisionais, o Estado transfere o seu poder
punitivo a uma entidade com interesses meramente lucrativos. A
Umanizzare recebeu em 2016 R$ 326,3 milhões do governo estadual.
Inclusive, o Ministério Público do Amazonas protocolou nesta semana
um pedido ao Tribunal de Contas do Estado para o rompimento desse
contrato, pois há indícios de superfaturamento, mau uso do dinheiro
público, conflito de interesses empresariais e ineficácia da gestão143.
(COSTA; DUARTE, In: JORNAL EL PAÍS, 5 jan. 2017).

A estratégia de atuação do Estado frente à superlotação do sistema carcerário


está pautada exclusivamente no Mutirão Carcerário. Segundo o Conselho Nacional
de Justiça (BRASIL, 2017), durante este Mutirão uma equipe de profissionais
acompanhados por magistrados atua na “[...] revisão das prisões que abriga presos
definitivos e provisórios; e a inspeção nos estabelecimentos prisionais do Estado 144.”
Nessas ações ocorre a revisão de sentenças, a progressão da pena, concessão de
liberdade provisória e de direito ao trabalho externo, dentre outros benefícios e
avaliações necessários para a efetivação do processo de ressocialização dos
detentos:

[...] cerca de 60% dos presos provisórios estão custodiados há mais


de noventa dias aguardando julgamento. As unidades do Ceará que
responderam à questão apresentam a situação mais alarmante: quase
a totalidade dos presos provisórios, 99%, está há mais de noventa dias
encarcerado sem ainda terem passado por julgamento. Em Alagoas
(93%) e Mato Grosso (80%), a situação é análoga. (BRASIL, 2015, p.
22, grifo do autor).

A atuação do Mutirão Carcerário, sem sombra de dúvida, é um elemento


importante para a diminuição da população prisional, mas também para legalizar a
condição dos presos, bastando para isso analisar as denúncias referentes ao tempo

143 Disponível em < https://goo.gl/Y6QB8G>. Acesso em 10 jun. 2017.


144 Disponível em < https://goo.gl/YQsTZT>. Acesso em 20 maio 2017.
155

em que os custodiados permanecem em prisão provisória aguardando julgamento, e


o número de revisões efetuadas ao longo da execução dessa ação, porém, não pode
ser ela a única medida de atuação do Judiciário junto à massa carcerária, tampouco
estratagema do Estado em lidar com a questão da superlotação.
Entre fevereiro e abril de 2017, segundo matéria jornalística 145 do site G1, o
Tribunal de Justiça de Mato Grosso, para reduzir a superlotação e melhorar as
condições de vida nas unidades prisionais, realizou uma força-tarefa para analisar
4.867 processos de detentos recolhidos provisoriamente. Destes, 2.126 prisões foram
mantidas, e 2.741 foram revogadas, sendo que 173 presos provisórios foram
absolvidos.

Conforme os dados do CNJ, Mato Grosso tinha 11.478 presos em janeiro,


sendo 5.242 sem condenação (45%). Em abril, o total de presos era de
11.210, sendo que desse total 5.740 eram provisórios, ou seja, pouco mais
da metade (51,20%) dos detentos do estado naquele mês ainda estava sem
condenação. (G1, 4 fev. 2017).

4.1.4 Da Assistência Material

Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no


fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.
Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que
atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais
destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos
pela administração. (BRASIL, 1984, p. 22).

A LEP, ao elencar as diversas garantias às pessoas privadas de liberdade,


compreende como dever do Estado o zelo e a assistência material de seus
custodiados. A manutenção da vida das pessoas privadas de liberdade e em
condições dignas raramente é vista no cotidiano carcerário, tampouco a preocupação
com a não existência delas, ao contrário, mesmo com gastos exorbitantes, a falta de
qualidade dos serviços prestados, principalmente se tratando de atividades
desenvolvidas por empresas privadas, são minimizadas pelo entendimento de que,
para os custodiados, nada é tão ruim quando comparado ao mal por eles perpetrado.

145 Disponível em < https://goo.gl/SqQfdD>. Acesso em 15 jul. 2017.


156

Nessa medida, tudo o que lhes ocorrer ainda é pouco na satisfação da vingança
pessoal que cada indivíduo “de bem” clama como direito seu.

4.1.4.1 Da alimentação

Conforme evidenciado na sessão anterior, algo em comum a todas as


penitenciárias investigadas são as longas filas de pessoas portando sacolas nos dias
de visitação. Seria algo normal, se dentro dessas sacolas não tivessem as refeições
semanais dos visitados, devidamente embaladas em recipientes transparentes, as
quais são pesadas, de acordo com os critérios elencados pela unidade, para agilizar
a triagem e garantir a entrada dos alimentos.
Tal rotina, que para algumas famílias acontece em até três dias por semana, é
a garantia de uma refeição melhor preparada, ou ainda, a possibilidade de uma moeda
de troca ou pagamento, como no caso do dízimo.
As exigências são muitas, seja quanto ao tipo de alimento permitido, seu
acondicionamento e quantidade. Algumas mulheres, conhecedoras e habituadas às
exigências do sistema, fazem da venda de refeições seu próprio negócio,
abastecendo familiares e amigos na porta das penitenciárias.
Sem condições de preparar as refeições e se atentar às diversas regras
determinadas para a entrada dos alimentos, muitas famílias recorrem a essa
“prestação de serviço”, atividade que funciona em, pelo menos, uma penitenciária do
Estado, dentre as investigadas.
O que causa estranheza não é apenas o fato de as famílias levarem alimentos,
ou de uma atividade comercial ter surgido nessas condições, mas sim a existência de
contratos de fornecimento de refeições mantidos pelo governo do Estado com várias
empresas, como é o caso da Vogue – Alimentação e Nutrição Ltda., que tem um
contrato de, aproximadamente, R$ 30 milhões de reais ao ano, desde 2015, para
fornecer refeições de café da manhã, almoço e jantar para as seguintes unidades:
Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto, Penitenciária Central do Estado, Anexo
da PCE-Polinter, Centro de Ressocialização de Cuiabá, Casa do Albergado de
Cuiabá, Cadeia Pública de Várzea Grande e as unidades masculinas e femininas da
Casa do Albergado de Várzea Grande, e a da Cadeia Pública de Santo Antônio de
Leverger. Tal convênio prevê o fornecimento de cerca de 12 mil refeições ao dia e que
157

servem detentos e servidores. Outras empresas possuem contrato de fornecimento


de refeições e atendem as demais unidades prisionais do estado.
Em janeiro de 2016, servidores lotados na Secretaria de Estado de Justiça e
Direitos Humanos, denunciaram que a empresa Vogue – Alimentação e Nutrição
Ltda., serviu lanches com larvas146. Mesmo assim, a empresa teve seu contrato
prorrogado até dezembro do citado ano.
Na penitenciária Ferrugem, município de Sinop, a empresa W.R Araújo & Cia
Ltda., mais conhecida como Cozinha Brasileira, foi a ganhadora da licitação e recebe
cerca de 4,1 milhões por ano, para fornecer 3 refeições por dia para 780 presos, além
dos servidores.
Em março de 2015, os detentos da Penitenciária Ferrugem passaram 3 dias
se alimentando de pão com mortadela147, no almoço e no jantar, pois a empresa
alegava falta de gás para preparo dos alimentos, mesmo tendo, no mês de julho, já
havia sido notificada duas vezes pelo não cumprimento do contrato.
Segundo o Portal GC Notícias, do dia 28 de julho de 2015148: “A W.R Araújo &
Cia é uma empresa de Tangará da Serra. Em Sinop funciona no mesmo endereço da
empresa Hotel e Restaurante Londres Ltda., responsável pelo serviço de alimentação
no Ferrugem até 2013 ”

[...] a queixa dos agentes penitenciários quanto a qualidade, o número


de refeições abaixo do necessário e a forma com que vinham
acondicionadas. Pelo contrato, a alimentação deve ser servida em
embalagens do tipo “marmitex” e não era o que estava acontecendo.
No mesmo dia, presos ameaçaram fazer uma rebelião alegando que
a comida que recebiam chegava “azeda” (estragada). (GC NOTÍCIAS,
28 jul. 2015).
Além das queixas sobre a qualidade das refeições servidas, denúncias de
corrupção nos processos de licitação são recorrentes:

A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) de Mato Grosso


firmou em 2011 contrato de R$ 14, 357 milhões com uma empresa
que 9 meses depois teve seus diretores presos pela Polícia Federal
em Minas Gerais e Tocantins, sob acusação de fraude em licitações
para fornecimento de alimentação a presos. Apesar dessa situação, a
Stillus continua a fornecer alimentação para presos em três municípios

146 Disponível em <https://goo.gl/QsivZ2>. Acesso em 20 maio 2017.


147 Disponível em <https://goo.gl/B7cKgL>. Acesso em 20 maio 2017.
148 Disponível < https://goo.gl/Ht6AEa>. Acesso em 11 jun. 2017.
158

da Região Metropolitana de Cuiabá (RMC)149. (OLHAR DIRETO, 30


ago. 2012).
Um pregão presencial [...] para compra de alimentação aos detentos
pode se transformar num grande escândalo no palácio Paiaguás
diante das suspeitas de "cartas marcadas". É que denúncias que
chegaram aos órgãos de controle - Ministério Público, Tribunal de
Contas e Assembleia Legislativa - apontam que o certame de cerca
de R$ 60 milhões estaria sendo direcionado para uma empresa ligada
a um político de Minas Gerais. [...] Outro fato interessante é que
atualmente as refeições de cada preso em Cuiabá e Várzea Grande
[...] custam em média R$ 14,50 por dia, sendo que o valor estimado
na licitação da próxima semana é cerca de R$ 21,00.150 (FOLHA MAX,
13 set. 2015).

A realidade é que, embora o Estado tenha recursos empenhados para o


fornecimento de refeições, são as famílias que continuam alimentando grande parte
dos presos, enquanto as empresas privadas se beneficiam de contratos milionários e
mal fiscalizados. Mesmo se tratando de recursos públicos, não há efetiva cobrança
por parte da sociedade, uma vez que o consenso é o de que os presos não deveriam
“ganhar” nada, mas sim trabalhar para produzir seus alimentos. A matéria sobre
custos de alimentação fornecida a três grupos específicos - presos, indígenas e
alunos151 - do Portal GC Notícias é elucidativa para mostrar as comparações e os
julgamento de valores que envolvem a manutenção dos presos.

Figura 34. Quem como melhor: os presos, os índios ou os alunos?

Fonte: GC Notícias, 28 jul. 2015.

149Disponível em <https://goo.gl/tmfqht>. Acesso em 11 jun. 2017.


150 Disponível em <https://goo.gl/UfW1xc>. Acesso em 11 jun. 2017.
151 Disponível em < https://goo.gl/PKmYPA>. Acesso em 20 maio 2017.
159

4.1.4.2 Demais produtos e vestuário

Outros gêneros alimentícios e de higiene podem ser adquiridos nos


mercados que funcionam no interior das unidades prisionais pesquisadas. Em Mato
Grosso, tais estabelecimentos são objeto de investigação por parte do Ministério
Público, aberta em janeiro de 2017, por conta de denúncias sobre a venda de produtos
proibidos de serem comercializados no interior dos estabelecimentos prisionais, mas
que abrange também a administração e destinação dos recursos, imposição de preços
abusivos e a coação para compra de produtos nesses locais. Estima-se que a renda
mensal de cada mercadinho seja de R$ 120 mil reais.
O comércio nos estabelecimentos prisionais já é considerado um mercado em
expansão, prova disso ocorre na cidade de São Paulo, onde a empresa Jumbo-
CDP152 se destaca no fornecimento de produtos às famílias dos detentos. Como se
pode observar nas Figuras 35 e 36, o serviço está disponível em um site na Internet,
onde o comprador faz o cadastro, escolhe a unidade para entrega, preenche os dados
do preso, que recebe os produtos, adquire os produtos, realiza o pagamento, podendo
acompanhar seu envio. Para facilitar, a empresa fornece, de acordo com o
estabelecimento, os produtos e quantidades, além de fornecer sugestões de
“Jumbos”.

152O Jumbo CDP é uma empresa pioneira no envio de jumbo para unidades prisionais. Com sede na
cidade de São Paulo, o Jumbo CDP surgiu com o intuito de beneficiar e minimizar o drama vivido por
familiares e amigos de pessoas que foram detidas. Hoje já são mais de 2 anos de experiência e
comprometimento neste ramo, tornando o trabalho sério e de extrema qualidade reconhecido e até
mesmo indicado por diversas unidades prisionais. Disponível em < https://goo.gl/bLPNjy>. Acesso em
20 maio 2017.
160

Figura 35. Banner promocional da empresa Jumbo CDP

Fonte: Site Jumbo CDP - Loja Especializada na Lista de Jumbo dos CDP de SP, 2017.

Figura 36. Sugestão de Kit de produtos à venda – JUMBO – CDP

Fonte: Site Jumbo CDP - Loja Especializada na Lista de Jumbo dos CDP de SP, 2017.

Nas unidades prisionais pesquisadas não há empresa atuando no ramo de


fornecimento de kits aos detentos. As mercadorias são adquiridas pelos detentos junto
aos mercadinhos ou cantinas instaladas dentro das unidades. Sua administração é
161

feita pelas Associação de Servidores ou, como no caso da Penitenciária Ferrugem,


pelo Conselho de Comunidade, que também é responsável pela venda de uniformes,
como consta em sua página na rede social Facebook153.

Figura 37 – Uniformes à venda na página da rede social Facebook do Conselho de


Comunidade de Execução Penal da Comarca de Sinop.

Fonte: Facebook do Conselho da Comunidade de Execução Penal da Comarca de Sinop, 2017.

Os itens de vestuários, quando fornecidos pelo Estado, se realizam em pouca


quantidade, devendo a família do preso adquirir as demais peças. Iniciativas como a
do Conselho da Comunidade de Execução de Água Boa, que montou uma confecção
onde os detentos fabricam uniformes, ainda são raras. Não foi possível averiguar se
os aprisionados nesta localidade recebem os uniformes, ou se, além de produzi-los,
necessitam comprá-los.
Os itens de higiene e de limpeza são adquiridos nas cantinas das unidades
pesquisadas, ficando as pessoas privadas de liberdade, caso não tenham ninguém a
quem recorrer, à mercê das facções do crime organizado para, através de favores,
adquirir os itens básicos.

153 Disponível em < https://goo.gl/8BkoPE>. Acesso em 20 maio 2017.


162

4.1.4.3 Das instalações higiênicas

Segundo a LEP, os estabelecimentos penais têm por objetivo “proporcionar


condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” e, para
isso, são necessárias instalações adequadas, espaço criativo e produtivo que
oportunize o tão almejado processo de ressocialização.
Embora as seis penitenciárias analisadas ao longo da pesquisa tenham sido
projetadas enquanto estabelecimento penal, nenhuma delas se adequa ao
estabelecido no Artigo 85, da LEP (BRASIL, 1984, p.48): “O estabelecimento penal
deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade”.

Ainda, segundo a LEP (BRASIL,1984, p. 49):

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá


dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração,
insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

Nada poderia ser mais utópico, visto que nas penitenciárias estudadas,
incluindo as construídas após a promulgação da LEP, as condições presentes no
Artigo 88 nunca foram contempladas. E, mesmo se a partir de agora se designasse
uma cela para cada condenado, não haveria estrutura física para abrigá-los, mesmo
construindo novas unidades. Essa é uma conta que nunca fechará, posto que o
aprisionamento é em número maior ao que se liberta:

Ao comparar o fluxo de entrada e saída entre os diferentes tipos de


estabelecimentos, é possível identificar uma grande diferença entre
eles. Enquanto as unidades prisionais destinadas ao recolhimento de
presos provisórios apresentam uma proporção de 68 pessoas saindo
para cada 100 pessoas entrando, nas unidades destinadas ao regime
semiaberto o movimento é inverso – 2 pessoas saem para cada
pessoa que entra. (BRASIL, 2015, p. 46).

Ao longo das duas últimas décadas, diversos órgãos fiscalizadores vêm


alertando o governo e a sociedade de Mato Grosso sobre o caos do sistema
163

penitenciário e também sobre as condições subumanas de vida das pessoas privadas


de liberdade.
Além dessas, outras questões necessitam de averiguação, segundo os
conselheiros:

[...] na Penitenciária Pascoal Ramos, foram verificados problemas


estruturais, como escassez de água e ausência de atendimento
médico. Os presos reclamaram da falta de assistência jurídica. Os
conselheiros também ouviram relatos de tortura contra presos que
teria sido praticada, supostamente, por agente carcerário. O Ministério
Público já instaurou inquérito para apurar a veracidade dos fatos154.
(BRASIL, 18 nov. 2010a).

Em abril de 2012, novamente, o Ministério Público acionou o Estado, propondo


ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela, para que fosse apresentado
projeto arquitetônico para reforma da estrutura física, hidráulica e elétrica da PCE,
além da inclusão de recursos para essas obras no orçamento do ano de 2013. A ação
foi encaminhada pelo Ministério Público após o relatório da Vigilância Sanitária de
Mato Grosso:

Entre os problemas que constam no relatório da Vigilância Sanitária


constam a insuficiência de médicos e profissionais de saúde; áreas
com infiltração de mofo nas paredes e teto; inexistência de registros
de desinsetização, desratização e controle de vetores; ausência de
equipamentos de proteção individual para agentes prisionais; celas
com dimensões incompatíveis com a quantidade de reeducandos;
celas com pouca ou nenhuma ventilação e iluminação, e grande
quantidade de fiação expostas e gambiarras, expondo o risco de
incêndio. “O ambiente é altamente insalubre, o que possibilita a
transmissibilidade de doenças infecto contagiosas. Existe, ainda, a
presença de esgoto no interior das celas e não são garantidas as
condições de segurança contra incêndio, por meio de laudo do Corpo
de Bombeiros, os equipamentos de extintor apresentam-se com carga
vencida”, consta em um dos trechos do relatório elaborado pela
Vigilância Sanitária155. (BRASIL, 30 abr. 2012).

Um ano depois, o mesmo Ministério Público pediu a interdição total da


Penitenciária Central do Estado, pelo não cumprimento, por parte do governo
estadual, das medidas solicitadas na intervenção parcial de 2011, situação de risco
iminente que se agravara desde então:

154 Disponível em <https://goo.gl/5WwAAp>. Acesso em 4 mar. 2017.


155 Disponível em < https://goo.gl/i6KiGb>. Acesso em 4 mar. 2017.
164

[...] Os promotores de Justiça solicitaram a realização de uma vistoria


em todo o presídio, para levantamento de seu sistema de segurança,
levando-se em consideração os problemas apontados, e a fixação de
um prazo urgente para que a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos
apresente um Plano Emergencial visando a correção das
irregularidades. Requereram, também, a definição de políticas de
Estado, a longo prazo, que atendam a exigência da segurança pública
como direito fundamental de todo cidadão156. (BRASIL, 24 abr. 2013).

Desde então, pouco ou quase nada se fez, pois a superlotação agravou os


problemas estruturais e as condições de vida na unidade. Em 2016, agentes
penitenciários foram agredidos por presos dos raios 3 e 4, o que ocasionou uma
rebelião. O motivo alegado pelos rebeldes era a suspensão do banho de sol e das
visitações, já que os servidores estavam em greve157 (REPÓRTER MT, 10 jun. 2016).
Em dezembro de 2016, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos
Advogados do Brasil, Seccional de Mato Grosso (OAB-MT) denunciou a situação da
Penitenciária PCE. Tal atitude teve por base as ocorrências degradantes a que são
submetidos os detentos. Em celas projetadas para oito pessoas, acomodam-se
quarenta:
No local onde ficam recolhidos por mais de 12 horas seguidas, eles
são obrigados a dormir uns em cima dos outros, embaixo das jegas
(camas) e em redes improvisadas nos banheiros158. (REPÓRTE MT,
9 dez. 2016).

É mister esclarecer que, embora o quadro retratado seja da PCE, maior


penitenciária de Mato Grosso, as demais unidades penais estão em situação similar,
o que demonstra o pouco envolvimento do governo estadual em resolver as questões
e em cumprir a LEP, mantendo, através dessa estrutura, o desrespeito aos direitos
básicos dos presos, conforme estipulado em vários tratados internacionais e leis
nacionais.

4.1.4.4 Células móveis

Consideradas cruéis e desumanas, as celas-containers são utilizadas em, pelo


menos, duas penitenciárias do estado. A presente pesquisa não conseguiu a

156 Disponível em <https://goo.gl/uwQJzZ>. Acesso em 4 mar. 2017.


157 Disponível em <https://goo.gl/djNLM6>. Acesso em 4 mar. 2017.
158 Disponível em <https://goo.gl/dKqZ82>. Acesso em 4 mar. 2017.
165

confirmação de quantas delas estão em uso e em quais unidade, assim como são
estabelecidos os critérios para semelhante aprisionamento. Tampouco foi possível
verificar se os containers são novos ou se foram reaproveitados, como o que ocorreu
em Santa Catarina, quando o governo daquele estado comprou as estruturas do setor
de construção civil e os adaptou para uso como celas móveis.
O juiz Luis Lanfredi, coordenador do Mutirão Carcerário de 2011, em visita à PCE
e à CRC, revelou que cada uma das unidades possui uma cela móvel, com capacidade
para 120 presos. Segundo ele:

São acomodações que foram construídas sem aval do Judiciário e que


não atendem as mínimas condições de salubridade. Os espaços não têm
ventilação e os presos são mantidos em altas temperaturas.
Segundo o magistrado, já em 2004, um relatório feito pelo Conselho
Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea) denunciou a
existência destes espaços inadequados para alojamento de presos.
"Naquela época os presos já reclamavam que eram tratados como bichos
nestes locais, o que não podemos aceitar. Os presos precisam ter as
mínimas condições de salubridade e dignidade".
O CNJ pediu medidas urgentes para que estes espaços sejam extintos.
O juiz auxiliar da Presidência, Márcio Fraga, lembrou que a Organização
Mundial de Saúde (OMS) já se posicionou contrária ao sistema e pode
impor sanções ao Estado e ao país se o problema persistir159. (GAZETA
DIGITAL, 20 jan. 2011).

O uso de containers, para aumentar as vagas no sistema penitenciário e


diminuir os índices de superlotação, estão entre as novas estratégias promovida pelos
governos. Com custos menores que a construção de novas penitenciárias ou
adequação das existentes, os governos vêem como uma medida eficaz para
minimizar os problemas. A situação sub-humana é tratada pela mídia e considerada
por parcela da população como uma alternativa curiosa:

A "saída" que o Estado encontrou para esse problema (e que também


não resolveu), é bastante curiosa. As celas são chamadas de
"módulos de aço" ou containers, porque são muito parecidas com
aqueles que a gente vê sobre os caminhões ou navios.
Os containers são colocados um de frente para o outro, deixando um
espaço de um metro e meio entre eles, formando um corredor fechado
por grades, onde os detentos ficam durante o dia.
No teto dos corredores entre um módulo e outro são soldadas grades,
como se fossem uma passarela onde os agentes penitenciários ficam

159 Disponível em <https://goo.gl/na6mxg>. Acesso em 14 maio 2017.


166

desfilando sempre com os olhos voltados para baixo, vigiando os


presos.
Para a proteção climática há uma cobertura com telhas de zinco
vazado por todos os lados. Embaixo desta cobertura a sensação
térmica e de mais ou menos de 40º graus160. (REPÓRTER NEWS, 12
maio 2010).

O relatório da CPI Carcerária, no ano de 2009, realizado pela Câmara dos


Deputados, apontou a preocupação com o uso de celas-containers na Penitenciária
Central do Estado. Segundo eles, “[...] Quando os agentes trancam as portas, lá dentro
fica uma escuridão imensa e um calor insuportável, como se fosse uma jaula
blindada”:

Nos fundos do presídio há contêineres, chamados pelos presos de


“módulos de aço”. Ao invés de construir prédios para abrigar os
presos, a administração contratou uma empresa, que também atende
a outros presídios no Brasil, que instalou o tal módulo de aço.
(BRASIL, 2009, p. 158).

Segundo os mesmos deputados, o baixo custo seria o argumento utilizado para


manter esse tipo de prática:

A explicação é que os “caixotões” custam mais barato do que construir


prédios. Os contêineres são uma espécie de caixote com minúsculas
celas para quatro homens feitas de aço, inclusive as camas. E até eles
estão superlotados: cabem quatro e tinham oito. (BRASIL, 2009, p.
158).

Uma violação clara às Leis e acordos internacionais que estabelecem regras


básicas no tratamento as pessoas privadas de liberdade, como, por exemplo, o Plano
Nacional de Política Criminal e Penitenciária (BRASIL, 2011, p. 12), que, entre
inúmeras metas, está a de “eliminar o uso de celas container”.
Em trecho do Habeas Corpus, nº 164995, do ano de 2010, onde era requerida
a transferência de um preso de container adaptado como cela para a prisão domiciliar
revela a precária situação das celas móveis, presentes nas unidades mato-
grossenses:

Pelo presente, a fim de (fls. 504) prestar informações para o


julgamento do Habeas Corpus (fls. 511) nº 164.995-MT, comunico a

160 Disponível em <https://goo.gl/wSWaEA>. Acesso em 14 maio. 2017.


167

Vossa Excelência que o acusado THIAGO DE ARAUJO MOREIRA,


encontra-se recolhido (2010/0043256-4) desde 17/09/2009 na
unidade 1, cela 09, do Centro de Detenção Provisória desta Comarca,
em virtude de cumprimento de mandado de prisão preventiva
expedido pelo juízo de Cáceres/MT. Outrossim, informo que o referido
estabelecimento prisional possui uma estrutura física metálica,
guarnecido de 24 celas em forma de "CONTAINERS", onde lá se
amontoam mais de 20 presos em cada um deles (vinte e quatro). Vale
ressaltar que foram instalados recentemente ventiladores tipo "tufão"
que têm amenizado a situação do calor nas dependências dos
containers onde ficam recolhidos os presos. Na presente data, aquele
estabelecimento prisional conta com 439 detentos (quatrocentos e
trinta e nove), com capacidade para 308 (trezentos e oito), sendo 35
(trinta e cinco) deles já condenados".
É o relatório161. (BRASIL, 2010b).

Considerada uma solução prática e econômica no interior da construção civil,


o uso de containers para abrigar presos foi denunciado, por entidades de defesa dos
Direitos Humanos, ao Conselho Nacional de Justiça, ao Ministério da Justiça e à Corte
Interamericana de Direitos Humanos, porém, mesmo assim, vários estados analisam
a possibilidade de implantá-los, como é o caso do Rio Grande do Sul, enquanto outros
são mantidos em pleno funcionamento, como o estado de Mato Grosso.

4.1.5 Da Assistência à Saúde

Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter


preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico,
farmacêutico e odontológico. (BRASIL, 1984, p. 22).

Poucos profissionais, infraestrutura precária e insumos básicos insuficientes


são alguns dos problemas enfrentados, em Mato Grosso, pelas pessoas privadas de
liberdade. Embora a LEP estabeleça o atendimento médico e odontológico, o número
destes profissionais não suporta o quantitativo de presos que necessitam de
atendimento. Além disso, a superlotação e a situação precária de manutenção dos
estabelecimentos provocam a proliferação de doenças, que, se não controladas,
colocam em risco não apenas a população carcerária, mas os visitantes e o corpo
técnico, como é o caso das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s), a
tuberculose e a gripe H1N1.

161 Disponível em <https://goo.gl/KhxJa6>. Acesso em 10 maio 2017.


168

Desde 2012, o Ministério da Saúde elencou os detentos como público prioritário


para o recebimento da dose de imunização da vacina contra a gripe H1N1, tendo em
vista que, segundo pesquisas, trata-se do público mais vulnerável à contaminação,
além de representar um foco disseminador em potencial. Mesmo se constituindo em
risco iminente, parcela da população tem dificuldade em entender que as medidas de
saúde pública adotadas não são para benefício único dos detentos, fazendo parte de
uma política mais ampla de contenção das doenças.
A partir disso, discursos de ódio contra presos e seus “benefícios” ganham
espaço nas redes sociais e encontram respaldo em figuras públicas, como religiosos
e políticos, que justificam o caos na saúde pública, que não garante assistência
adequada aos “homens de bem”, mas prevê “regalias” às pessoas privadas de
liberdade.
Embora a LEP verse sobre a assistência à saúde, sua regulamentação e
funcionamento enquanto política pública só foi estabelecida em 2003, com o Plano
Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, que tem por objetivo “prover atenção
integral à saúde da população prisional”, quando, pela primeira vez, foi consolidada
política de saúde específica para as pessoas privadas de liberdade. Entretanto, o
pouco que avançou a questão de saúde torna invisível, devido aos problemas
causados pela superlotação e pelas condições de vida precária dentro do cárcere.

4.1.5.1 Pessoas em sofrimento mental

Em relação à assistência à saúde, uma das questões mais inquietantes refere-


se aos presos com doenças psiquiátricas, que cumprem medidas de segurança 162.
Considerado um grave problema para o estado, a falta de um Hospital de Custódia já
foi motivo de vários relatórios de órgãos fiscalizadores. Na realidade carcerária do
estado, existe um grande abismo entre as condições onde estão abrigadas as
pessoas com sofrimento mental e o que estipula a lei, pelos organismos reguladores.
Em 2002, com a reativação da PCE, segundo o governo de Mato Grosso, a
situação dos presos em sofrimento mental seria resolvida, uma vez que fora projetado
um hospital de custódia para abrigá-los. Contudo, a solução se apresentava como

162
Medidas de Segurança são sanções penais destinadas aos indivíduos inimputáveis e, por vezes,
semi-imputáveis, tendo como objetivo a prevenção especial, por intermédio do tratamento curativo do
agente.
169

ilusória, já que desde a planta as instalações (uma unidade com seis leitos e um
ambulatório) não supririam as necessidades. Segundo Zanizor Rodrigues da Silva,
psiquiatra e diretor do Hospital Adauto Botelho:

O problema dos presos que cumprem medida de segurança é muito


mais sério que apenas desintoxicação ou dependência química. A
estrutura necessária para atendê-los não é apenas celas163. (DIÁRIO
DE CUIABÁ, 14 jul. 2002).

Em 2014, em cumprimento à Lei Antimanicomial, foi determinada a interdição


da Unidade de Saúde II da Penitenciária Central do Estado – única em funcionamento
para acolhimento de medidas de segurança – a pedido do Núcleo de Execuções
Penais, da Defensoria Pública do Estado. Os psiquiatras Zanizor Rodrigues da Silva
e Jonas Eduardo B. Valença atestaram que a unidade II funcionava de forma
improvisada, sendo um local:

Absurdamente pequeno, com grades e celas, sem qualquer estrutura


terapêutica, onde os presos cumprem medida de segurança ou são
encaminhados quando possuem periculosidade no sistema prisional,
fazendo-se de Hospital de Custódia e Tratamento. Foi construído pela
SEJUSP de modo inadequado, sem critério técnico da ANVISA para
internação psiquiátrica e inaugurado pela necessidade premente de
manter os pacientes psiquiátricos do sistema prisional164. (SÓ
NOTÍCIAS, 6 mar. 2014).

O caso mais emblemático do descaso do poder público em garantir os direitos


das pessoas privadas de liberdade em sofrimento mental é o da detenta Rosilda
Pompeo de Oliveira, presa em fragrante em virtude das ocorrências tipificadas pelos
art. 129165, caput, e art, 329166, na forma do art. 69, todos do Código Penal. Segundo
a denúncia:

A ré Rosilda Pompeo de Oliveira, qualificada nos autos, foi denunciada


pelo Ministério Público, por ter, em suma, que no dia 08 de abril de
2014, por volta das 11:00, em via pública, localizada na rua ‘F’, quadra

163 Disponível em <https://goo.gl/7foKD2>. Acesso em 04 mar. 2017.


164 Disponível em <https://goo.gl/qhi5Hz>. Acesso em 04 mar. 2017.
165 Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem [...]CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07

de Dezembro de 1940. (GRECO, 2017, p. 381).


166Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário
competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio [...] CP - Decreto Lei nº 2.848 de
7 de Dezembro de 1940. (GRECO, 2017, p. 114).
170

07, nº 06, bairro Mapim, nesta urbe e Comarca de Várzea Grande-MT,


a ré, agindo com animus laedendi, ofendeu a integridade corporal da
vítima Uanderley Benedito da Costa, policial militar, a qual o golpeou
com garrafas de vidro, atingindo a sua farda, causando-lhe lesões na
face e na mão, as quais serão melhor individualizadas com a juntada
do laudo do exame de corpo delito. O ministério público requereu
conforme recomenda a praxe167. (BRASIL, 2014).

Rosilda foi presa em flagrante, recolhida em prisão preventiva na Penitenciária


Feminina Ana Maria do Couto, May, no dia 8 de abril de 2015, local em que
permaneceu até o dia 24 de maio, quando ateou fogo no corpo. No dia 26 de maio,
Rosilda morreu em virtude de queimaduras de terceiro grau em 70% do corpo. Dois
dias depois, em 28 de maio, a Justiça concedia sua liberdade provisória.

4.1.6 Da situação da mulher encarcerada

Entra em vigor lei que proíbe que mulheres sejam algemadas no


parto168.
EBC – AGÊNCIA BRASIL, 3 abr. 2017.

Em janeiro de 2017, o juiz de Execução Penal, da Comarca de Cuiabá, Geraldo


Fernandes Fidelis Neto, alertou para o fato das detentas da Penitenciária Feminina
May estarem utilizando retalhos de tecido como absorventes, uma vez que a unidade
não tinha os produtos disponíveis em estoque. De acordo com o Relatório sobre
mulheres encarceradas no Brasil (OEA, 2007), situações como essas são
consideradas comuns dentro das unidades femininas em todo o país:

A maioria das mulheres encarceradas não recebe do Estado os


produtos essenciais de higiene e asseio, como papel higiênico, pasta
de dente, xampu, entre outros. O acesso fica restrito à capacidade da
família em comprar e entregar esses produtos nos dias de visita.
Acirrando o quadro de extremo desrespeito aos direitos da mulher, a
maioria das cadeias públicas não disponibiliza absorventes íntimos
para as presas. Há notícias de que aquelas que não têm família ou
amigas que possam ceder o produto, passam todo o mês acumulando
miolo de pão para improvisar absorventes durante o período
menstrual. A pesquisa da Pastoral Carcerária verificou, quanto à
distribuição de produtos de higiene, que somente no Estado do Rio
Grande do Sul, especificamente na Penitenciária Feminina Madre
Pelletier, os produtos de higiene são formalmente disponibilizados a
todas; porém, de janeiro a outubro de 2003, não houve distribuição de

167 Disponível em <https://goo.gl/SZkVPD>. Acesso em 15 jun. 2017.


168 Disponível em < https://goo.gl/yK69nB>. Acesso em 17 jul. 2017.
171

absorventes íntimos. Na Bahia, por sua vez, os produtos de higiene


são fornecidos apenas por doações da igreja. (OEA, 2007, p. 26).

Em primeira análise, rutila-se o óbvio - que o Estado trata as mulheres como


homens, como se fosse apenas uma questão de desrespeito às necessidades de
gênero – porém, essa situação demonstra como o gênero é utilizado enquanto
instrumento de controle, bem como de punição à figura subversiva e criminosa,
responsável por corromper o papel estabelecido ao feminino na sociedade
patriarcal/capitalista, de submissa e dócil:

[...] a violência da prisão não ocorre simplesmente porque mulheres


são tratadas da mesma forma que homens na prisão – que seria a
justificativa para a falta de absorventes -, mas porque o gênero é
instrumentalizado como mecanismo de controle. É isso o que ocorre
quando as mulheres são punidas com faltas disciplinares porque seus
bebês estão chorando ou quando são obrigadas a usarem
anticoncepcionais para terem visita íntima169. (ITTC, 2 nov. 2016).

Algumas entidades que atuam na defesa dos Direitos alertam que, embora as
condições de vida nas penitenciárias sejam precárias, o objetivo maior dessas
organizações é combate ao encarceramento em massa e a seletividade punitiva, pois
entendem que o cárcere é a maior das violações.
A criminologia feminina contribuiu no avanço da discussão de gênero relativa à
questão penal, pois, segundo Silva (2011, p. 21) “[...] situou as categorias de
patriarcalismo ao lado do capitalismo, as relações de gênero ao lado da luta de classes
e as formas de dominação masculina sobre a mulher ao lado da dominação classista”.
Em suas reflexões, Netto e Borges (2013, p. 321) explicam o surgimento dos
mecanismos de controle atribuídos a cada gênero e o que se pretendia consolidar,
seja para recuperação, seja enquanto exemplo para a sociedade:

Desde o surgimento das instituições prisionais ficou explícita a


necessidade de separação de homens e mulheres, porque o
direcionamento a ser dado para as penas imputadas a eles e a elas
deveria ser totalmente distinto. Nos homens os valores a serem
despertados com a pena eram de legalidade e necessidade do
trabalho, já as mulheres desviadas precisavam recuperar o seu pudor
com a pena imputada (ESPINOZA, 2004, p. 17). Dessa forma, as
primeiras prisões femininas localizavam-se em conventos, e as presas

169 Disponível em < https://goo.gl/AECaEH>. Acesso em 20 maio 2017.


172

recebiam orientação religiosa de freiras. (NETTO; BORGES, 2013, p.


321).

Netto e Borges (2013) demonstram também como ocorreu esse surgimento:

Desta forma fica clara a função do direito penal em relação às


mulheres: a punição, em última instância, por não exercerem o papel
social definido para o ser feminino pré-determinado pela ordem
patriarcal de gênero. Ou seja, a mulher que foge do padrão de
normalidade entendido como o da reprodutora, da mãe ou esposa. [...]
A criminalização das mulheres é, portanto, um processo
historicamente construído sobre as bases do exercício do poder
político e econômico de um Estado e de um Direito fundados em bases
patriarcais e machistas, onde a unidade dialética consenso-coerção é
mais intensamente aplicada quanto maior for a vulnerabilidade do
grupo de risco, e as mulheres encontram-se, sem dúvidas, na posição
de maior vulnerabilidade no sistema coercitivo penal brasileiro.
Vulnerabilidade esta que pode ser comprovada quando feita uma
análise concomitante de gênero, raça e classe social dos grupos
criminalizados no Brasil. (NETTO; BORGES, 2013, p. 321-322).

Por fim, os autores constroem um perfil da mulher encarcerada e os crimes por


elas cometidos, destacando-os em duas categorias, os crimes familiares e aqueles
decorrentes da feminização da pobreza:

O principal crime cometido por mulheres é o de tráfico, que


corresponde a 60%, seguido dos crimes contra o patrimônio, que
representam 23% das cifras. O primeiro crime está relacionado com a
questão de gênero, já que na maioria dos casos de tráfico a mulher
está envolvida por conta de um homem de sua família, marido, irmão
ou filho, tornando-se um crime “familiar”, como são os muitos casos
em que é detida ao tentar levar a droga na ocasião da visita intima ao
seu companheiro já preso. Já os crimes contra o patrimônio refletem
outra face da criminalidade feminina, qual seja, a feminização da
pobreza, são crimes cometidos por mulheres de classes
subalternizadas. (NETTO; BORGES, 2013, p. 321-322).

É fundamental ressaltar que a violência sofrida pelas mulheres não é apenas


referente às garantias materiais, mas relacionada a todos os aspectos da vida
prisional, sejam das privadas de liberdade ou visitantes às unidades prisionais. Em
qualquer uma das situações, as mulheres são colocadas em situação de extrema
vulnerabilidade.
173

4.1.7 Do Direito a visita íntima

Art. 41 - Constituem direitos do preso:


X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias
determinados.

(BRASIL, 1984, p. 30)

Segundo Guimarães (2015, p. 68), a Lei de Execução Penal estabelece, em


seu artigo 41, o direito à visita. A autora alerta que “[...] não há reflexão de gênero na
redação do dispositivo legal”, tampouco detalhamento do que compreende, nas letras
da lei, a visita:

O legislador, contudo, ao tratar do direito à visita, não fez distinção


entre visita simples ou visita íntima – esta última entendida como a
visita privada em que relações sexuais são permitidas. Ora, se não há
lei, tampouco sentença, que proíba a visita íntima, é corolário de uma
interpretação extensiva a conclusão de que também se trata de direito
do preso e da presa. Entretanto, diante da omissão do legislador de
1984, a visita íntima, em muitos estabelecimentos prisionais, em
especial nos femininos, ainda é considerada uma regalia, e não um
direito. (GUIMARÃES, 2015, p. 68).

Em muitas unidades da federação, diante do entendimento de que a LEP não


especifica o direito à visitação enquanto de cunho íntimo, as secretarias que
administram as unidades prisionais tratam esse direito como mecanismo de
contenção da massa carcerária e instrumento de coerção ao sistema. Em Mato
Grosso, segundo Despacho nº 1.495/2016/SAAP/Sejudh, de 9 de dezembro de 2016,
do Secretário Adjunto de Administração Penitenciária, Fernando Lopes: “[...] A visita
íntima constitui uma regalia170 e tem por finalidade fortalecer as relações familiares”,
conforme disposto no Art. 130 do Decreto nº 5.383/2002.
Quinze anos depois da promulgação da Lei de Execução Penal, o Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), preocupado com a inexistência
de legislações específicas sobre visitas íntimas, e sabedores do impacto que essa
questão assume no interior das penitenciárias, editou a Resolução 01/1999 (BRASIL,
1999, p. 1), com o objetivo de:

170 Grifo do autor.


174

[...] Recomendar aos departamentos penitenciários estaduais e órgãos


congêneres que fosse assegurado o direito à visita íntima aos presos,
de ambos os sexos, recolhidos aos estabelecimentos prisionais. De
acordo com esta resolução, visita íntima é entendida como a recepção
pelo preso, nacional ou estrangeiro, homem ou mulher, de cônjuge ou
outro parceiro, no estabelecimento prisional em que estiver recolhido,
em ambiente reservado, cuja privacidade e inviolabilidade sejam
asseguradas, pelo menos uma vez por mês. (GUIMARÃES, 2015, p.
68).

Em 2011, o CNPCP, editou a Resolução 4 (BRASIL, 2011, p.01), que revogou


a Resolução 1, como garantia dos direitos à visita íntima à população LGBTI:

[...] A partir desse normativo, compreende-se por visita íntima a


recepção pela pessoa presa, nacional ou estrangeira, homem ou
mulher, de cônjuge ou outro parceiro ou parceira, no estabelecimento
prisional em que estiver recolhido, em ambiente reservado cuja
privacidade e inviolabilidade sejam asseguradas às relações héteros
e homoafetivas.

O artigo 2º da Resolução citada estabeleceu que o direito em questão deveria


ser assegurado às pessoas presas casadas entre si, em união estável ou em relação
homoafetiva. No entanto, uma das unidades pesquisadas afirmou nunca ter recebido
solicitação para visitas íntimas homossexuais. O fato de já ter ocorrido leilão de presos
homossexuais, pela ala evangélica de uma das penitenciárias, demonstra que,
embora ocorram, as relações homossexuais não são aceitas no convívio prisional,
situação que evidencia a necessidade da existência de ala específica à comunidade
LGBTI para a manutenção de sua dignidade e integridade.

4.1.8 Do respeito aos Direitos Humanos

Art. 5º [...] III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento


desumano ou degradante. (BRASIL, 1988, p. 9)

Recentemente, o relator independente da ONU, Juan E. Méndez, em visita às


unidades penais do país, expôs a tortura e os maus tratos a que estão submetidos os
presos e como tais práticas se encontram introjetadas na cultura do cárcere. Isso não
é motivo de surpresa, ao contrário, nos últimos anos o estado brasileiro vem sendo
denunciado às instituições internacionais, como a ONU e a OEA, por compactuar e
naturalizar as práticas cotidianas que infringem os Direitos Humanos:
175

[...] Severe kicking, beating (sometimes with sticks and truncheons),


suffocation, the administration of electrical shocks with taser guns, the
use of pepper spray, tear gas, noise bombs and rubber bullets, and
profuse amounts verbal abuse and threats are reported as the most
frequent methods used by police and prison personnel, not as a means
of legitimate crowd control or of breaking up disturbances that merit
some use of force, but rather in the context of excessive use of force
and/or punishment. (MÉNDEZ, 2016, p. 10).

Em Mato Grosso, as precárias condições de vida das pessoas privadas de


liberdade são frequentemente denunciadas por entidades de defesa dos direitos
humanos e órgãos fiscalizadores. Em 2009, a CPI Carcerária, em seu relatório final,
revelou as mazelas do sistema prisional. Foram visitadas a Penitenciária Central do
Estado, à época, Pascoal Ramos, e a Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto
May. Nessas duas unidades muitas foram as ocorrências que ferem gravemente a
LEP. Sobre a situação encontrada na PCE, destacam-se os seguintes trechos:

“O que é isso? Foi uma paulada que tomei”! respondeu o jovem que
tinha marcas roxas pelo corpo. Este diálogo foi entre o Relator e um
preso de 22 anos, que estava na cela de “castigo”, e que revelou que,
frequentemente, agentes penitenciários batem e torturam. (BRASIL,
2009, p.158).

Neste presídio, além das transferências não acontecerem por falta de


vagas no semiaberto, foi denunciado à CPI que o Juiz local, em todas
as condenações, aplica a pena de detenção mais multa, em valores
altíssimos. Em decorrência, após o cumprimento da pena de privação
da liberdade, o apenado permanece preso por não possuir condições
de pagar a multa aplicada, contribuindo para aumentar a lotação da
Cadeia. (BRASIL, 2009, p. 158).

Na Penitenciária Feminina, embora fortemente elogiada pela comissão que


compunha a CPI, irregularidades foram constatadas. Sobre as duas situações
extraem-se os registros:

Ainda não é um presídio ideal, mas é o melhor presídio feminino


visitado pela CPI. Nem todas as presas trabalham ou estudam porque
não há vagas para todas. As celas, como em todo o País, são
superlotadas e, para dormir, as mulheres colocam colchões no chão.
Muitas dormem no cimento, sob os beliches, por falta de espaço. As
detentas reclamaram da falta de atendimento médico e da
precariedade dos banheiros entupidos e sujos. (BRASIL, 2009, p.160).

Nesse presídio a CPI encontrou uma mulher grávida de 3 meses,


presa provisoriamente, acusada do crime de ameaça entre parentes.
176

Segundo a detenta, embora a queixa tenha sido retirada, a mesma


permanecia atrás das grades, onerando o contribuinte sem
necessidade. (BRASIL, 2009, p. 160).

Embora existam acordos internacionais que visam coibir atos desumanos, eles
não se concretizaram na prática, como é o caso das revistas vexatórias que, embora
proibidas continuam a acontecer cotidianamente.
Em outubro de 2001, de acordo com o Portal da Transparência do Governo
Federal (BRASIL, 2001), foi estabelecido convênio, no valor de R$ 12.500, para
instalação de detectores de metais na PCE e também na Penitenciária Ana Maria do
Couto May171. No ano de 2014, o Ministério Público do Estado pediu ao Poder
Judiciário a regulamentação de procedimentos para a visita na Penitenciária Central
do Estado, visando “[...] abolir a prática rotineira e indiscriminada de revista íntima
vexatória realizada junto aos familiares dos presos”172. (SÓ NOTÍCIAS, 9 jul. 2014).

Os promotores de Justiça ressaltaram, ainda, que o Senado da


República aprovou no dia 04 de junho projeto que proíbe a revista
íntima (sem roupas) em estabelecimentos penais do país. Pela
proposta, todos os visitantes deverão ser revistados por meio de
equipamentos eletrônicos e, nos casos em que houver necessidade
de revista mais detalhada, ninguém poderá ser obrigado a retirar as
roupas173.

Proibidas em Mato Grosso, em julho de 2014, as revistas vexatórias foram


restabelecidas logo depois, por ordem judicial que revogou tal proibição:

Uma decisão proferida, nesta terça-feira (19 de agosto), pelo juiz


Alexandre Meinberg Ceroy, da Comarca de Barra do Bugres (150 km
de Cuiabá), autoriza os agentes prisionais do município a realizarem
revista íntima nos familiares e amigos de reeducandos antes do
horário de visita. A determinação afastou parte da Instrução Normativa
nº 002/GAB, da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos
(Sejudh), que vedava os atos sob a argumentação de que eram
“vexatórios”174. (MATO GROSSO NOTÍCIAS, 20 ago. 2014).

O argumento utilizado pelo magistrado para explicar o retrocesso de direitos


individuais constitui-se em prova incontestável das medidas de exceção presentes no

171 Disponível em <https://goo.gl/636iHx>.Acesso em 4 mar. 2017.


172 Disponível em < https://goo.gl/jUrbJw>. Acesso em 4 mar. 2017.
173 Idem.
174 Disponível em <https://goo.gl/9MeGE2>. Acesso em 4 jun. 2017.
177

sistema penitenciário de Mato Grosso, que tendem a se expandir em tempo e espaço,


prova das estratégias governamentais para contenção do homo sacer:

Segundo o magistrado, num cenário que classificou como “perfeito” e


“utópico”, as revistas, nas quais atualmente os visitantes precisam se
despir, ficar agachados e, em alguns casos, se submetem a exames
clínicos invasivos, não seriam necessárias se o Estado
disponibilizasse aos presídios aparato tecnológico para a identificação
de materiais e substâncias ilícitas que, por ventura, estivessem na
iminência de serem levadas às unidades. “No mundo real e não
utópico, nulificar qualquer constrangimento a uma visita em
estabelecimento prisional é tarefa impossível”, completou175. (MATO
GROSSO NOTÍCIAS, 20 ago. 2014).

4.1.9 Da educação prisional

Art. 25. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar,


ensino básico e fundamental, profissionalização e desenvolvimento
sociocultural.
(BRASIL, 1984, p. 96)

A pesquisa possibilitou verificar que grande parte das ações implementadas


pelo Estado, nas penitenciárias, são meramente paliativas. A educação nas unidades,
embora acessível a todos, não representa perspectiva para os encarcerados, basta
analisar o índice baixíssimo de participação nas aulas regulares ministradas na
unidade. Nas penitenciárias de Mato Grosso, de acordo com os dados levantados, o
índice máximo de participação na educação prisional é de 41%, na penitenciária
feminina e de 33% na Penitenciária Major PM Zuzi Alves da Silva.
A baixa adesão a educação prisional é explicada facilmente já que a
escolaridade dos detentos - em sua maioria com ensino fundamental incompleto -
atesta os poucos anos que permaneceram na escola, fruto da limitação que esta
representa frente ao mundo do consumo exacerbado e da informação instantânea.
Ora, se a escola não se fez atrativa quando esses jovens ainda sonhavam com
possibilidades, não se fará factível quando o mundo do crime é a única via de
sobrevivência.

175 Idem.
178

Ainda, mesmo que os detentos saiam da prisão com um nível de escolaridade


maior, o estigma enquanto ex-detento diminuirá drasticamente sua possibilidade de
reinserção no mercado de trabalho, já abarrotado de “pessoas de bem” e com mão de
obra barata (melhorar). Diante do pesquisado, restam pelo menos duas questões
latentes: qual o objetivo da educação nas unidades prisionais do estado? Como a
educação pode contribui para o processo de reinserção dos detentos quando nem
mais a prisão cumpre esse objetivo? Sem essas respostas, qualquer ação educativa
perde o sentido e se torna meramente figurativa.

4.1.10 Do trabalho prisional

Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de


dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.
(BRASIL, 1984, p. 96)

Quanto ao trabalho, percebe-se que este é fundamental para o


desenvolvimento humano e das relações sociais. No cárcere, sua função é ainda
maior, porque possibilita a materialização da individualidade daquele que o executa.
Porém, em Mato Grosso a oferta de trabalho é irrisória frente ao número de pessoas
privadas de liberdade. A penitenciária conhecida pelos detentos como o “paraíso das
cadeias”, o CRC, é a unidade com o maior índice de detentos exercendo atividades
laborais, mesmo apresentando condições análogas as demais unidades em relação
ao atendimento à saúde, a qualidade de serviços e a superlotação, o que leva a
reflexão de que o trabalho seja o fator que faz com que a unidade se apresente como
uma realidade melhor no cenário prisional do estado.
Ainda em relação ao trabalho prisional, atesta-se seu valor ao motivar o
envolvimento em atividade produtiva, ao dar um significado social ao tempo
transcorrido de pena e oportunizar o aprendizado de atividades diversas, porém, um
outro fator é primordial nessa análise: a geração de renda. Recursos esses que podem
auxiliar na manutenção do preso, tornando-o independente das relações
estabelecidas no cárcere com o crime organizado, desonerando a família dos gastos
de sua manutenção ou ainda, ajudando-a como complementação de renda. Embora
o ônus da manutenção do preso seja do Estado, a inexistência de assistência material
aos detentos, somadas a práticas escusas, como o funcionamento de mercados
179

dentro das unidades geridas pelos servidores ou, como no caso da penitenciária de
Sinop, pelo Conselho de Comunidade, a proibição de entrada de determinados
produtos o que obrigatoriamente faz com que os produtos sejam adquiridos nestes
locais, são práticas que devem ser abolidas do cotidiano prisional. A construção de
um espaço privado no interior de um espaço público, sem regulamentações,
representa um caminho ilegal, perigoso e de exceção no que tange ao trato da coisa
pública.
Ainda sobre o trabalho no cárcere, resta dizer que, em momento algum, essas
atividades podem servir a interesses de outrem, apenas para fins de recuperação do
preso e a serviço da coletividade. Propostas de implementação de fábricas nas
penitenciárias, com incentivos fiscais aos empresários, para a exploração da mão de
obra prisional, desregulamentada, barata e abundante, pode representar uma brutal
violência aos trabalhadores. Tratar o ambiente carcerário como espaço de produção,
sendo esse um ambiente onde leis não vigoram, em que os presos não têm o mesmo
valor jurídico que os demais cidadãos livres e onde prevalecem medidas de exceção
podem coloca-los em situação análoga ao trabalho escravo.
180

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Era a brecha que o sistema queria.
Avise o IML, chegou o grande dia.
Depende do sim ou não de um só homem.
Que prefere ser neutro pelo telefone.
Ratatatá, caviar e champanhe.
Fleury foi almoçar, que se foda a minha mãe!
Cachorros assassinos, gás lacrimogêneo...
quem mata mais ladrão ganha medalha de prêmio!
O ser humano é descartável no Brasil.
Como Modess usado ou Bombril.
Cadeia? Guarda o que o sistema não quis.
Esconde o que a novela não diz.
Ratatatá! Sangue jorra como água.
Do ouvido, da boca e nariz.
O Senhor é meu pastor...
perdoe o que seu filho fez.
Morreu de bruços no salmo 23,
sem padre, sem repórter.
sem arma, sem socorro.
Vai pegar HIV na boca do cachorro.
Cadáveres no poço, no pátio interno.
Adolf Hitler sorri no inferno!
O Robocop do governo é frio, não sente pena.
Só ódio e ri como a hiena.
Rátátátá, Fleury e sua gangue
vão nadar numa piscina de sangue.
Mas quem vai acreditar no meu depoimento?
Dia 3 de outubro, diário de um detento176.
JOCENIR PRADO, Diário de um Detento, 1997.

Produto da reestruturação econômica e de produção ocorridas a partir de 1990,


o estado do mínimo social não teve por preocupação a orla de homens e mulheres
alijados do processo produtivo, assim como não teve por princípio a manutenção
daqueles considerados inúteis ao capital, uma vez que seu objetivo foi o de diminuir
os gastos públicos com as despesas primárias, o que no Brasil corresponde à
ampliação da miséria e da desigualdade social. A prisão, mecanismo pensado
primeiramente para doutrinar e docilizar os corpos – para que esses, quando
domesticados, ocupassem seus lugares na cadeia produtiva, sem resistências – não
mais se apresentam úteis em uma realidade onde nem todos são necessários.

176De autoria do ex-detento Jocenir Prado, a música Diário de um Detento fala do Massacre ocorrido
no maior presídio da América Latina, o Carandiru, em 2 de outubro de 1992, quando 111 presos
foram assassinados pela polícia do estado de São Paulo. A música faz parte do álbum Sobrevivendo
no Inferno, do grupo de Rap Racionais MC’s.
181

Assim, jovens – pretos e pardos, com baixa escolaridade e moradores de


periferia – sem espaço no mercado de trabalho e sem expressão no mercado de
consumo, se veem deslocados a um território inóspito, sem garantia dos direitos
mínimos, deixando de representar uma questão de cunho social e passando a ser
considerados enquanto casos de polícia, cuja permanência no espaço público e na
vivência social deveria ser contida, e, se preciso fosse, exterminados.
Ao descartar parte da população com idade produtiva, o capital destinou a ela
espaços específicos para subsistir: a periferia ou o cárcere, determinando o pouco ou
nenhum valor de sua representação social. Para a sociedade neoliberal, machista,
racista, homofóbica e conservadora, esses jovens e adultos passaram a ser marcados
com o signo do perigo. Seus hábitos, músicas, linguajar, maneira de andar e de se
vestir são produtos da contracultura, a qual o capitalismo não reconhece e não tem
controle. Ademais, a existência dessa população representa uma falha do sistema
capitalista e um risco para uma burguesia nacional, meritocrática no discurso, mas
paternalista no acesso aos recursos públicos.
Assim, a sociedade brasileira está repleta de jovens e adultos que não
possuem acesso aos serviços públicos e tampouco garantia dos seus direitos básicos,
pois a falta de educação, saúde, moradia, emprego e transporte não integram a pauta
das ações governamentais. A eles também não é garantida a segurança, ao contrário,
são alvos de vigilância sistemática e de controle repressivo. A polícia e o judiciário se
fazem presentes em seus cotidianos, não para proteger e garantir justiça, mas, na
maioria das vezes, para enquadrá-los e condená-los. Ao fim, aos descartáveis resta
resistir ou sucumbir, condições inerentes a sua existência.
O Estado capitalista, dado o papel estratégico que exerce na produção e
reprodução do capital, assume a função de definir qual vida merece ser vivida, ao
mesmo tempo em que estabelece o seu contraponto, a vida indigna de ser vivida. A
essas, o Estado impõe à condição de vida nua – abandonada e desprotegida –
pessoas insacrificáveis, embora matáveis. Tal condição só é possível de existência
sob um estado de exceção, onde a vida perde seu valor jurídico, passando apenas a
existir no sentido biológico.
O Massacre do Carandiru é considerado por vários pesquisadores como o
marco histórico do governo de exceção, tanto pela hecatombe oficialmente autorizada
quanto pelos desdobramentos, marcados pela eleição do Coronel de reserva Ubiratan
182

Guimarães – sob o número 111, clara alusão as 111 vítimas do massacre, até a
possível origem do PCC, dentre outras consequências que ultrapassam a lógica
jurídica – que anulou o júri que condenou os PMs envolvidos, mesmo tendo essa
decisão sido proferida por júri popular – destruindo-se os princípios constitucionais, a
soberania da decisão do júri popular – e legitimando o extermínio enquanto prática do
Estado. Após mais de 20 anos da tragédia, nenhum agente condenado.
Repleto de significados, muitas vezes sinalizados pela mídia como mera
casualidade, o Massacre do Carandiru demarcou o exato momento em o Estado de
exceção transformou os cidadãos em homo sacer, legitimando a barbárie como forma
de contenção – ou extermínio – da massa de excluídos da sociedade. Desde então,
o estado penal vem se ampliando, alicerçado na construção do perigo iminente que
representa o outro, na insegurança social e na violência urbana, amplamente
difundidas pela mídia.
Uma das questões constatadas pelo presente estudo diz respeito à
maleabilidade dos princípios constitucionais quando aplicados à determinada camada
da sociedade. Sim, a Justiça é seletiva! Para aqueles que dispõem de condições de
garantir sua ampla defesa, os direitos existem e são efetivados em seus processos
judiciais. No entanto, para aqueles que dependem da proteção jurídica do Estado, os
princípios constitucionais – como o de não culpabilidade, ônus da prova ao acusador
e a condenação somente após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória
– existem apenas nas letras da lei, não integrando a realidade daqueles que não
podem pagar por justiça.
O caos do sistema penitenciário de Mato Grosso é intensificado pela
superlotação, produto da política de criminalização da pobreza e da não garantia dos
direitos constitucionais, fazendo com que presos provisórios se acumulem nos
cárceres do estado. Segundo o Código Penal, as prisões cautelares devem ocorrer
somente em situações excepcionais, quando se qualifica como necessária a
contenção da pessoa cuja livre locomoção põe em risco interesses maiores. Essa
medida cautelar pode ser preventiva, temporária ou em flagrante, mas nunca com
caráter pré-punitivo, devendo somente ser usada em casos em que as medidas
cautelares diversas da prisão não garantem o objetivo final. O número de pessoas
privadas de liberdade e que aguardando julgamento nas penitenciárias de Mato
Grosso demonstra que as prisões cautelares deixaram de se caracterizar enquanto
183

medidas de excepcionalidades constitucionais, e, como só possível em um estado de


exceção, passando a vigorar como rotina.
A maximização das prisões cautelares se torna ainda mais assustadora dada a
seletividade da abordagem policial e do Poder Judiciário, comprovadas a partir do
perfil dos presos de Mato Grosso: jovens, pretos ou pardos, com baixa escolaridade
e moradores de periferia, em sua maioria aguardando julgamento por crimes
relacionados ao tráfico de drogas. Essa seletividade é justificada no discurso
propagado pela mídia e difundido pela sociedade, de que os jovens são “inaptos ao
trabalho” e “propensos a práticas ilícitas”, enfim, uma ameaça constante e crescente
que põem em risco os espaços públicos, a segurança dos cidadãos e a propriedade
privada. O que a mídia não mostra é que, na realidade, eles constituem provas vivas
do retrocesso do papel de proteção do Estado e pelo esgotamento do modo de
produção vigente.
A esta seletividade do estado penal, no uso de medidas de exceção que negam
os direitos constitucionais, da necessidade de contenção dos jovens, junta-se a
filosofia da tolerância zero e do endurecimento das penas, vendidas pela mídia
enquanto garantia de segurança pública e diminuição da criminalidade, o que, aliadas
a uma política de guerra às drogas – que criminaliza o uso e não atinge os grandes
agentes do tráfico internacional – são hoje os responsáveis pela superlotação nas
unidades penais do país. Em Mato Grosso, o tráfico de drogas é responsável por,
aproximadamente, 27% do total de pessoas privadas de liberdade, número acima dos
presos por crimes contra a vida. Somam-se ao primeiro índice os crimes correlatos ao
tráfico e ao crime organizado, como roubo e furto.
Cabe ressaltar que o arcabouço jurídico de uma sociedade, suas regras e moral
são determinados pela elite dominante e condizente com o momento sócio-histórico
vivido, que determina o que é ilícito e o que não o é, logo, o que é crime e o que é
permitido enquanto conduta social. Esse entendimento é primordial para situar a lei
antidrogas no país.
A política criminal que trata da repressão às drogas tem se mostrado ineficaz
quanto à diminuição do uso de entorpecentes, mas extremamente eficiente em
promover o encarceramento em massa. A lei de drogas, promulgada em 2006,
mesmo diferenciando traficante de usuário, sofre do mesmo problema que as demais
leis no país, uma vez que sua existência não garante sua materialidade. Cabe ao juiz
184

– caso a caso, dada a quantidade de substância ilícita apreendida, em observância à


conduta e aos antecedentes do acusado, suas circunstâncias pessoais e sociais e o
local onde ocorreu a situação – determinar quem é o traficante ou o usuário. Tal
subjetividade nos critérios podem levar à construção de estereótipos de inocência e
culpabilidade dependendo do perfil étnico e social do acusado.
Tal premissa se mostra verdadeira ao analisar, mais uma vez, o perfil dos
presos por tráfico de drogas. Não se trata de supor que os jovens de classe média ou
alta não usem ou comercializem substâncias ilícitas, mas sim que estão menos
propensos a ser enquadrados como traficante, enquanto o jovem de periferia está, no
imaginário coletivo, mais próximo do mundo do crime e, logo, mais propício a práticas
ilícitas. Semelhante diferenciação ocorre, inclusive, durante a abordagem policial,
quando ao usuário é vedada a prisão em flagrante, enquanto ao traficante não. Outro
fator que corrobora para a criminalização da pobreza, ao encarceramento em massa
e à seletividade é que um grande número de presos sem passagem pela polícia é
autuado como traficante, muitas vezes com indiciamento baseado apenas no relato
de policiais, visto não contar com advogado no momento da representação da
denúncia.
A Lei 11.343 (BRASIL, 2006) conhecida como Lei de Drogas, foi apresentada
ao Senado Federal em 2002, quando o país era bombardeado pela mídia pelo
surgimento de uma nova modalidade de crime, os “sequestros relâmpagos”. Embora
os alvos dessas ações fossem pessoas com alto padrão financeiro, a mídia tratou os
crimes como se representassem perigo para toda a população, fabricando um clima
de insegurança coletiva. Visto como um produto da violência urbana gerada pelo
tráfico e consumo de drogas, a solução para contenção desse problema foi a
elaboração da lei de drogas, que entrou em vigor no ano de 2006, com amplo apoio
da sociedade.
Entretanto, ao analisar as leis de proibição de drogas ilícitas no Brasil, percebe-
se que o endurecimento das penas não representa a solução dessa problemática. O
endurecimento das sentenças fez com que as penas por tráfico de drogas
aumentassem, de 1 a 5 anos (1940), para 3 a 15 (1976) e de 5 a 15 anos, em 2006.
Porém, o consumo continua aumentando e, com ele, os indiciados por tráfico vão se
avolumando nas prisões.
185

Fato é que a legislação proibicionista da guerra às drogas não estabelece uma


solução – ao contrário, cria necessidade de outros meios para burlar a repressão, o
que equivale a mais recursos financeiros investidos em armas, corrupção, logística,
controle de áreas, enfim, o aparato necessário para a atuação do poder paralelo –
consolidando o tráfico de drogas como uma barreira difícil de transpor.
Além disso, um círculo vicioso se forma, um número maior de pessoas
excluídas da produção procura espaço no crime como forma de sobrevivência, o que
gera mais violência e encarceramento. Sobre esse ponto cabem duas reflexões: a
primeira é sobre o mercado do medo, que surge como oportunidade de lucro para o
capital, que, sob o apoio da mídia e o aporte ideológico neoliberal, demonstra a
incompetência do Estado em garantir segurança, dividindo a sociedade entre os
homens de bem e os inimigos, criando um sentimento generalizado de impotência,
estimulando a sede de vingança e impulsionando o mercado de segurança. Esta, cada
vez mais se desloca do campo público – de dever do Estado – para o privado – dever
do cidadão – o que equivale dizer que tal direito só será gozado por aqueles que
dispõem de recursos materiais para materializá-lo.
O mercado da segurança privada movimenta bilhões de reais no país e tem
produtos para oferecer a todos os públicos, que vão da cerca elétrica aos carros
blindados. Além disso, emprega mais que a polícia. Os aparatos de vigilância e de
tecnologia de proteção de dados, entre outros setores, representam um mercado em
expansão, o que faz crescer a atuação da iniciativa privada na manutenção da
segurança pública, evidenciado com o processo de terceirização e privatizado dos
serviços.
Mesmo nas penitenciárias de Mato Grosso, administradas em sua totalidade
pelo poder público, os serviços, como alimentação, são garantidos pelo contrato de
empresas terceirizadas, o que demonstra um avanço da iniciativa privada no interior
dos espaços públicos. Ademais, a entrega da administração das unidades penais à
iniciativa privada é pauta venal no poder legislativo, abrindo as portas para consórcios
privados, cujo lucro é dimensionado de acordo com o número de presos confinados.
Os serviços prestados por empresas privadas ao sistema prisional do estado de Mato
Grosso demonstram a lucratividade do setor para a iniciativa privada, como
demonstram os contratos de fornecimento de alimentação, cujos preços são
superiores aos praticados em outros órgãos, acompanhado de denúncias constantes
186

de descumprimento do contrato dos serviços estabelecidos, em geral de baixa


qualidade.
A segunda reflexão decorrente do crime como alternativa de sobrevivência tem
como centralidade a mulher encarcerada. Jovens, pobres, pretas ou pardas e com
baixa escolaridade, encontram no tráfico de drogas, um caminho para sua
subsistência, geralmente iniciado no mundo do crime por seus maridos, namorados
ou filhos. As mulheres do tráfico não estão na linha de comando do crime, mas na
linha de frente do encarceramento, pois são alvos fáceis, além de serem
consideradas, assim como as crianças, mão de obra abundante, descartável e de fácil
reposição. Mato Grosso, ao contrário do restante do país, não apresentar índices
crescentes de mulheres encarceradas. Esse fenômeno não pôde ser explicado nesse
estudo, entretanto, requer maiores investigações.
O tratamento dado à mulher encarcerada é semelhante ao vivenciado
extramuros, porém com agravantes, já que elas colocam em cheque o papel social
concebido pela sociedade burguesa de mulher como objeto frágil e submisso,
subvertendo a ordem patriarcal. Em Mato Grosso, um dos piores estados para ser
mulher, paradoxalmente, tem uma das melhores penitenciárias femininas do país,
segundo especialistas. Tal atributo não representa que a unidade atende a todas as
regulamentações legais ou que não tenha superlotação, servindo apenas de
parâmetro se comparado à situação em que se encontram as demais unidades
femininas do país. A penitenciária feminina de Mato Grosso não tem creche, não
dispõe de vaga de trabalho para todas as detentas, acolhe presas em sofrimento
mental, enfim, vivencia todos os problemas estruturais das demais unidades do
estado. As únicas situações que a diferenciam são o número de presas provisórias,
não tão elevado se comparado às unidades masculinas, e a significativa presença
feminina na gestão da unidade, o que proporciona um olhar diferenciado sobre a
condição das detentas e o cotidiano do cárcere.
Com esse estudo, foi possível refletir também sobre os padrões estabelecidos
para determinar as condições de vida dos detentos, não calcado em leis e acordos
internacionais de preservação de dignidade humana e sim de valores morais e até
mesmo religiosos, que definem a forma como a vida no cárcere deve funcionar e que
pouco tem a ver com os conceitos que regem o estado democrático e de direito. O
tratamento dispensado pelos Poderes Executivo e Judiciário acerca da falta de
187

condições de vida digna no cárcere demonstra que os detentos perderam, de fato, o


valor jurídico, existindo apenas em sua condição biológica. O sistema penitenciário de
Mato Grosso funciona mais a partir de juízos de valor do que socialmente se
estabelece como suficiente para aqueles que seguiram pelo mundo do crime. Nessa
perspectiva, abre-se precedente, através de medidas de exceção, para legitimar
situações que, mesmo colocando em risco a vida, submetendo homens e mulheres a
tratamento sub-humano e degradantes, e criando uma situação onde o indivíduo nada
mais tem a perder, são vistas como necessárias.
A prisão, pretensamente construída como território para remição177 da pena, se
transformou em local de remissão178 dos pecados, haja vista o papel exercido pelas
igrejas dentro das penitenciárias e a construção da figura do homem religioso no
cárcere, como exemplificado na figura do Menino Mau. O que se constatou durante a
pesquisa é que o Estado, mesmo laico, institucionalizou a função religiosa enquanto
único caminho de salvação para as pessoas privadas de liberdade. Oficializou-se a
incompetência do Estado, a falência do sistema prisional em recuperar e outorgou-se
às representações religiosas o poder do milagre sobre cada um dos infratores que
encontram seu papel social na fé.
O Estado laico, que constitucionalmente estabelece a igualdade de todos
perante a lei, que não admite discriminação ou favorecimento, concede poderes para
que as instituições religiosas construam, no espaço público das unidades penais,
diferenciações que impactam nas condições de vida de toda população. A cooptação
de fé, que ocorre dentro das unidades através da religião, atinge patamares
criminosos, como visto ao longo dessa pesquisa, com a utilização de extorsão,
violência de gênero e submissão incondicional. O espaço religioso dentro do território
prisional é reconhecido e respeitado até mesmo pelas facções do crime organizado
que dominam as prisões.
Existe um deslocamento das funções dos poderes instituídos, visto que o
próprio Poder Judiciário perde a cada dia sua função, ao admitir que a justiça se torna
secundária frente ao poder de transformação que uma entidade divina pode exercer.
Apoiar ações religiosas, aceitar as condições impostas pelas igrejas no interior das
unidades prisionais, promover a distribuição de livros sagrados ou programa de

177 Ato ou efeito de remir-se, liberação de pena, de ofensa, de dívida; perdão, quitação, resgate.
178 Sentimento de misericórdia, de indulgência; compaixão.
188

remição de pena por meio de estudos bíblicos ferem qualquer princípio de isonomia,
colocando em xeque a laicidade do Estado.
O encarceramento em massa em um espaço reconhecidamente falido
demonstra a não superação de tal modelo. O mais cruel é perceber, através dos
números, que, mesmo desacreditada enquanto forma de recuperação dos infratores,
a prisão continua a ser o destino para jovens, pretos, pardos e pobres relegados ao
cárcere, os quais têm como única opção de manutenção da vida sua submissão ao
poder paralelo ou à conversão religiosa. A lógica neoliberal reafirma, atrás das grades,
que a recuperação ou é fruto do empenho individual ou do poder divino. Tal paradoxo
só é passível de ser esclarecido se a política de encarceramento em massa praticada
pelo Estado for encarada como uma política de genocídio, aplicada contra alguns.
Nada mais, no entendimento desta pesquisadora, explicaria essa lógica cruel de
encarcerar sem perspectiva de reinserção social, mas no aguardo de um milagre que
traria a salvação e a sobrevivência.
A pesquisa demonstrou pontos nevrálgicos do sistema penitenciário de Mato
Grosso, além da superpopulação e privação de liberdade de pessoas ainda não
julgadas, situações por diversas vezes mencionadas. O fato de o estado não dispor
de estrutura que possibilite a separação de presos provisórios dos condenados, e por
tipo de crimes possibilita a organização e a cooptação das facções, colocando cada
vez mais em xeque a estrutura prisional. O fato de Mato Grosso não ter
estabelecimentos para progressão para o regime aberto e uma colônia penal em
funcionamento, favorecem a não progressão da pena e a manutenção de
superpopulação em unidades sem condições dignas de vida. A não existência de um
hospital de custódia, coloca em situação de extrema vulnerabilidade aqueles em
sofrimento mental, uma vez que, mesmo se tratando de questão de saúde
estabelecida em lei, são eles relegados a uma vida de sofrimento e abandono.
Percebe-se que, embora a LEP vigore, o cárcere é alvo de denúncia de maus
tratos, com espaços destinados aos castigos desumanos, algo que coloca os detentos
em uma condição animalesca. A existência de corredores da morte e de tortura não
são os únicos pontos que demonstram que homens e mulheres encarcerados
perderam seus valores jurídicos, mas sim todos os atos deles recorrentes, fazendo do
cárcere um espaço de exceção. Existir em um território onde linchamentos e
189

agressões físicas e psicológicas estão na base das relações estabelecidas é algo


impensável, desumano e aterrador.
As provas de que o indivíduo passa a constituir a vida nua, ao cruzar o limiar
que o separa do mundo extramuros, estão presentes em todos os momentos da vida
do cárcere, seja pela péssima qualidade da alimentação servida ou na falta de
medicamentos. A vida indigna de ser vivida se mostra nos leilões de homossexuais
promovidos pelos líderes das igrejas presentes na penitenciária, no inimigo de facção,
que é desossado e cujo vídeo é enviado a família, ou nas revistas vexatórias ocorridas
por ocasião das visitas, em franca violação dos direitos dos visitantes.
Não bastasse a situação estrutural, a falta de dados precisos e sistematizados
sobre o perfil dos detentos, o índice de reincidência, a “evolução” criminológica dos
presos a partir do período de reclusão e o desenvolvimento do poder paralelo
demonstram que a estrutura prisional necessita de intervenção urgente com base em
ampla discussão social. A atuação frente ao caos do sistema carcerário no estado
não pode se restringir a obtenção de tornozeleiras eletrônicas ou a ações de
esvaziamento, promovidas pelo mutirão carcerário.
No vácuo deixado pelo Estado, a mídia condena, a justiça prende, o tráfico
cresce e a religião salva, enquanto a ilusão da liberdade é vendida como algo tangível.
Entretanto, após a libertação, esses seres ficarão à mercê, ora do mercado, que não
pretende absorvê-los, ora do crime organizado e seu aliciamento constante e
compulsório, enquanto o estado se ocupa em garantir a segurança e o patrimônio de
uma minoria. Assim sendo, todo o caminho empreendido até aqui foi suficiente para
constatar a vigência de medidas de exceção no sistema penitenciário de Mato Grosso,
o que só é possível com a existência de um Estado de exceção. O prognóstico não
garante melhorias no entendimento da sociedade, do ser humano e de suas
necessidades, ao contrário. A conjuntura atual demonstra que, em um curto espaço
de tempo, as medidas de exceção se expandiram, em tempo e espaço, como
estratagemas de contenção da vida indigna de ser vivida, do homo sacer, cada vez
mais propagada pela mídia e aplaudida pela sociedade dos homens de bem.
Assim, o presente estudo propiciou perceber que o pulso de ferro do estado
penal age de maneira seletiva, encarcerando as “sobras humanas” rejeitadas pelo
mercado. Embora possa causar espanto seres humanos serem tratados como lixos,
dejetos ou sobras, ao não encontrarem espaço no mercado produtivo, perdem seu
190

valor enquanto cidadão, representando um entrave ao desenvolvimento do capital. A


esses sobrantes resta os espaços de confinamento que, em Mato Grosso, são
caracterizados pela imundície, superlotação, por surtos de doenças
infectocontagiosas, pela corrupção e extorsão. São espaços onde não são cerceados
apenas a liberdade, a dignidade e o respeito, e sim o direito à vida digna de ser vivida.
Territórios construídos a partir de medidas de exceção, que concebe a existência do
homo sacer, dos insacrificáveis, daqueles que apenas os deuses podem definir o
destino, não como um ato de castigo, mas sim de misericórdia.
191

6 REFERÊNCIAS

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6.2. REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS

ÁGUA BOA NEWS. Câmeras de alta tecnologia são instaladas na penitenciária


de Água Boa. Água Boa:12 ago. 2015.

________. Penitenciária de Água Boa garante assistência religiosa aos


internos. Água Boa: 6 jan. 2016.
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AGORA MT. Sejudh acompanha mutirão processual e mostra projetos de


ressocialização ao Judiciário. Cuiabá: 8 fev. 2017.

A TRIBUNA MT. Juiz esvazia semiaberto da Mata Grande. Rondonópolis: 10 jun.


de 2009.

________. Chefe de cozinha vai responder por tráfico de drogas. Rondonópolis:


16 jun. 2015.

________. Evangelização na Mata Grande: iniciativa propõe uma Bíblia para cada
preso. Rondonópolis: 1º jul. 2015.

________. Parabéns Dra. Tatyana, da Vara de Execuções! Rondonópolis: 15 nov.


2015.

BLOG DA BOITEMPO. Estado de exceção: O que é, e para o que serve. São


Paulo: 20 dez. 2013

BRASIL NOTÍCIAS. Brasileiro é o povo que mais se sente inseguro ao sair


sozinho a noite diz pesquisa. Brasília: 14 out. 2015.

CANARANA NEWS. Penitenciária Regional de Água Boa está interditada.


Canarana: 6 mar. 2012.

CIRCUITO MT. O amor venceu: Centro de Ressocialização de Cuiabá realiza


primeiro casamento igualitário. Cuiabá: 3 jun. 2015.

________. Circo de Horrores: Presas usam retalhos por falta de absorventes em


penitenciária, aponta correição. Cuiabá:10 jan. 2017.

________. Judiciário inspeciona penitenciária de Água Boa. Cuiabá: 07 fev.


2017.
205

________. Cantinas de presídios são investigadas por supostas


irregularidades. Cuiabá: 23 mar. 2017.

CLICK NOVA OLÍMPIA. Detentos da Mata Grande matam presidiário e enviam


vídeo para família. Nova Olímpia: 4 set. 2016.

COSTA; DUARTE, In: JORNAL EL PAÍS. O massacre no Amazonas e as prisões


privatizadas: o lucro como alma do negócio. Madri – ES: 5 jan. 2017.

DIÁRIO DE CUIABÁ. Maior rebelião da história de Mato Grosso deixa treze


mortos. Cuiabá: sd, 2000.

________. Presídio será entregue em fevereiro. Cuiabá: 09 jan. 2002.

________. Hospital de Custódia tem 6 celas e enfermaria. Cuiabá: 14 jul. 2002.

________. Mais de 320 amotinados em Água Boa. Cuiabá: 2 set. 2006.

________. Virou exemplo: Centro de Ressocialização de Cuiabá tem nova


realidade. Cuiabá: 29 mar. 2015.

________. Ex-diretor é condenado por facilitação. Cuiabá: 29 jun. 2016.

EBC – AGÊNCIA BRASIL, Entra em vigor lei que proíbe que mulheres sejam
algemadas no parto. Brasília: 13 abr. 2017.

EL PAÍS. Protesto convulsiona Brasília e Temer é criticado por convocar


Forças Armadas. Brasília: 25 maio 2017.

ESCOLA NOVA CHANCE. A Educação e a Transformação do (CRC) Centro de


Ressocialização de Cuiabá (antigo Presídio do Carumbé). Cuiabá: 03 nov. 2016.
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ESTADÃO. 27 facções disputam controle do crime organizado em todos os


Estados do País. São Paulo: 7 jan. 2017.

FACEBOOK. Conselho de Comunidade de Execução Penal da Comarca de


Sinop. Sinop: 20 maio 2017.

FOLHA MAX. Pregão pode virar escândalo em MT. Cuiabá: 03 set. 2015.

________. Servidora é detida levando celulares para Comando Vermelho em


MT. Cuiabá: 27 dez. 2016.

FOLHA DO NORTE. Autor da chacina mais cruel de Cuiabá, “Menino Mau” vira
um “bom pastor” no presídio. Cuiabá: 8 ago. 2016

GAZETA DIGITAL. Mortes em presídio alertaram a ONU. Cuiabá, 3 jul. 2003.

________. Presos fazem primeira rebelião em Água Boa. Cuiabá: 2 set. 2006.

________. Denúncia aponta fugas facilitadas de traficantes no antigo Carumbé.


Cuiabá: 29 maio 2008.

________. “Evangélicos” ditam normas no CRC. Cuiabá: 23 mar. 2009.

________. “Depósitos Humanos”: CNJ reprova presídios de MT. Cuiabá: 20 jan.


2011.

________. Ala Evangélica – 16 são denunciados e MP aponta até tortura. Cuiabá:


25 set. 2012.

________. Maus tratos no presídio: afastamento de agentes por tortura resulta


em ‘crise’ entre sindicato e MPE. Cuiabá, 21 jan. 2014.
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GELEDÉS INSTITUTO DA MULHER NEGRA. Os 10 piores estados do Brasil


para ser negro, gay ou mulher. São Paulo: 9 mar. 2014.

G1. Ministro da Justiça diz que ‘preferia morrer’ a ficar preso por anos no país.
São Paulo: 11 nov. 2012.

________. ‘O inferno é o presídio’, afirma ex-detento. São Paulo: 18 nov. 2012.

________. Juiz afasta quatro agentes prisionais por suspeita de torturar preso em MT.
Cuiabá: 2 dez. 2012.

________. MT tem 108 casos de detentos com tuberculose nas unidades


prisionais. Cuiabá: 25 jul. 2013.

________. Dobra o número de presos com tuberculose em penitenciária de MT.


Cuiabá: 18 mar. 2014.

________. Mercadinhos vendem de bolacha a isqueiros dentro de presídios de


MT. Cuiabá: 26 set. 2015.

________. ‘Bebê de nove meses pode ter sido vítima de tortura’, diz delegado.
Cuiabá: 23 ago. 2016.

________. Preso é esquartejado e jogado na rede de esgoto de penitenciária de


MTI. Cuiabá: 22 nov. 2016.

________. Presos fazem abaixo-assinado contra superlotação no maior


presídio de MT. Cuiabá: 10 dez. 2016.

________. Bebedouro com 181 celulares é deixado em penitenciária de Cuiabá.


Cuiabá: 4 jan. 2017.
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________. Vamos lá, Bangu! Vocês podem fazer melhor, diz deputado após
massacres. Brasília: 8 jan. 2017.

________. MT é o 10º estado com maior número de presos provisórios, aponta


CNJ. Cuiabá: 4 fev. 2017.

HIPER NOTÍCIAS. Diário de um Presídio. Cuiabá: 14 ago. 2016.

________. MT está à beira de um colapso no sistema penitenciário, alerta juiz e


Sindicato. Cuiabá: 8 jan. 2017.

IMPLICANTE NOTÍCIA. O brasileiro se sente tão inseguro quanto a população


do Afeganistão. [online]: 23 nov. 2015.

JUMBO. Site Jumbo CDP: Loja Especializada na Lista de Jumbo dos CDP de SP.
São Paulo, 20 maio 2017.

MATO GROSSO. Corregedoria Geral de Justiça de Mato Grosso. Cuiabá: 19


mar. 2017.

MATO GROSSO NOTÍCIAS. Justiça autoriza revista íntima para visitantes. Barra
do Bugres: 20 ago. 2014.

MT NOTÍCIAS. Polícia apreende quadrilha dos “bebês”; 7, 9, 12 e 12 anos.


Sorriso: 19 nov. 2016.

MÍDIA NEWS. Presos mantêm rebelião no presídio regional de Água Boa.


Cuiabá: 5 jan. 2007.

________. Superlotação faz do Pascoal Ramos um barril de pólvora. Cuiabá: 18


ago. 2010.
209

________. “Regime de Medo” nas prisões: Dossiê acusa PM e agentes de


tortura em presídios de MT. Cuiabá, 26 jan. 2012.

________. Sem comando, presídio em Cuiabá é controlado por detentos. Cuiabá: 22


abr. 2012.

________. Presidiárias são fotografadas nuas por agentes, diz Pastoral. Cuiabá:
15 jul. 2014.

OLHAR DIRETO. Governo contrata por R$ 14,3 milhões empresa que teve
diretores presos. Cuiabá: 30 ago. 2012.

________. Seu nome era Ana Maria. Cuiabá, 8 mar. 2013.

________. Mercadinho dentro do presídio em Mato Grosso é destaque no JN;


lucro seria de R$ 120 mil. Cuiabá: 27 set. 2015.

________. Secretário critica direitos humanos e afirma que prefere escolher


pai de família do que criminoso. Cuiabá: 12 fev. 2016.

________. Aqui não tem Natal: A realidade e o abandono das recuperandas do


único presídio feminino de Cuiabá. Cuiabá: 25 dez. 2016.

________. Agentes penitenciários flagram dupla pilotando drone ‘carregado’


com celulares. Cuiabá: 10 fev. 2017.

PRISIONAL. Sistema Prisional de Mato Grosso joga fora R$ 35 milhões que


evitaria caos e mortes. Porto Alegre: 1º jul. 2011.

POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL. Diretoria reúne ex-diretores da Polícia Civil em Café


da manhã. Cuiabá: 3 jul. 2015.
210

PONTO NA CURVA. Superlotação nos presídios de Mato Grosso beira a um


crime de tortura, avalia juiz. Cuiabá: 13 jun. 2016.

PORTAL GC Notícias. Estado notifica empresa pela má qualidade da comida


servida no presídio. Cuiabá: 28 jul. 2015

________. Sinop: Presos por três dias comem pão com mortadela em penitenciária.
Sinop: 5 mar. 2015.

PORTAL TERRA. MT: detentos ameaçam incendiar mais ônibus e falam em mortes.
Cuiabá: 4 ago. 2014.

Repórter MT. Contrato de %$ 18 milhões: Vogue Alimentação entrega lanche com


larvas a servidores da Sejudh. Cuiabá: 20 jan. 2016.

________. Rebelião toma conta do Pascoal Ramos; presos exigem visitas e


banhos de sol. Cuiabá: 10 jun. 2016.

________. Presos denunciam superlotação na Penitenciária do Pascoal Ramos.


Cuiabá: 9 dez. 2016.

________. Traficante encontrada morta em presídio pode ter se enforcado com


uniforme. Cuiabá: 3 mar. 2017.

REPÓRTER NEWS. Enfermeira denuncia maus-tratos contra presos e alerta


para rebelião em Água Boa. Cuiabá: 25 out. 2006.

________. Soldado da PM é preso com droga no Presídio Pascoal Ramos em


Cuiabá. Cuiabá: 12 maio 2010.

ROLIM, Marcos. Site Marcos Rolim. Porto Alegre: 15 nov. 2015.


211

SÓ NOTÍCIAS. Ministro da Justiça vem a Sinop em fevereiro inaugurar presídio.


Sinop: 23 jan. 2006.

________. ONG denúncia “leilão” de travestis em penitenciária de MT. Sinop: 4


mar. 2012.

________. Cuiabá: justiça interdita posto de saúde da penitenciária central. Cuiabá:


6 mar. 2014.

________. Cuiabá: revista não deve expor familiares de detentos a situação


vexatória. Cuiabá: 9 jul. 2014.

________. Presídio de Sinop terá nome do delegado Ferrugem. Sinop: 21 dez.


2015.

________. Sinop: MP investiga preços de produtos comercializados no presídio


Ferrugem. Sinop: 19 jul. 2016.

________. Inaugurada em Sinop sede da Funvida-Ebenézer que reforça


estrutura do projeto de ‘restauração de vidas”. Sinop: 21 dez. 2016.

________. Detentos foram decapitados, baleados e um infartou na rebelião em


Sinop; 5 mortos e 17 feridos. Sinop: 11 abr. 2017.

THIAGO SILVA MT. Moção de Aplausos 011/2013 – ao Pastor da Igreja Evangélica


Assembleia de Deus, Eli Alves, pelo excelente trabalho de evangelização realizado
nas dependências da Penitenciária Mata Grande. Rondonópolis: 20 ago. 2013.

TOP NEWS. Governo cria comissão para traçar perfil e classificar presos em
MT. Aripuanã: 27 jun. 2013.
212

6.3. FORMULÁRIOS RESPONDIDOS

CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO DE CUIABÁ. Questionário de pesquisa


respondido pela direção do Centro de Ressocialização de Cuiabá. Cuiabá: 20
abr. 2017.

PENITENCIÁRA CENTRAL DO ESTADO. Questionário de pesquisa respondido


pela direção da Penitenciária Central do Estado. Cuiabá: 06 mar. 2017.

PENITENCIÁRIA DR. OSVALDO FLORENTINO LEITE FERREIRA. Questionário


de pesquisa respondido pela direção da Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino
Leite Ferreira. Sinop: 19 ago. 2016.

PENITENCIÁRIA FEMININA ANA MARIA DO COUTO, MAY. Questionário de


pesquisa respondido pela direção da Penitenciária Feminina Ana Maria do
Couto, May. Cuiabá: 23 ago. 2016.

PENITENCIÁRA MAJOR PM ELDO SÁ CORRÊA. Questionário de pesquisa


respondido pela direção da Penitenciária Major PM Eldo Sá Corrêa.
Rondonópolis:12 set. 2016.

PENITENCIÁRIA MAJOR PM ZUZI ALVES DA SILVA. Questionário de pesquisa


respondido pela direção da Penitenciária Major PM Zuzi Alves da Silva. Água
Boa: 21 set. 2016.

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