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Artigo original

COMUNALISMO NAS REFUNDAÇÕES


ANDINAS DO SÉCULO XXI
O sumak kawsay/suma qamaña
Fabricio Pereira da Silva
 https://orcid.org/0000-0002-0266-4084

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Rio de Janeiro – RJ, Brasil. E-mail: fabriciopereira31@gmail.com
DOI: 10.1590/3410117/2019

Essa utopia tem raízes poderosas no presente e no dom de acender no passado a fagulha da esperança só é
passado: no presente, porque se apoia em todas as inerente ao historiador que está convencido do seguinte:
potencialidades e contradições da modernidade para nem os mortos estarão seguros diante do inimigo
explodir o sistema, e no passado, porque encontra nas quando este vencer. E este inimigo não tem cessado de
sociedades pré-modernas exemplos concretos e provas vencer.
tangíveis de um modo de vida qualitativamente Walter Benjamin (1989, pp. 180-181)
diferente, distinto da (e, em certos aspectos, superior
à) civilização industrial capitalista. Sem nostalgia do
passado, não pode existir sonho de futuro autêntico.
Nesse sentido, a utopia será romântica ou não será.
Michael Löwy e Robert Sayre Introdução
(2015, p. 269)
Esse artigo analisa o conceito de sumak kaw-
O perigo ameaça tanto o patrimônio da tradição say (em quéchua ou quíchua1) ou suma qamaña
como os que a recebem. Em ambos os casos o perigo (em aimara), respectivamente buen vivir ou vivir
é o mesmo: prestar-se a ser instrumento da classe
dominante. Em cada época deve-se tentar arrancar a bien em tradução aproximada ao espanhol, “bem
tradição ao respectivo conformismo que está a ponto viver”/“bom viver”2 ou “viver bem” em português3.
de subjugá-la. O Messias não vem unicamente como A depender do autor, sumak kawsay poderia ser en-
redentor: vem também como vencedor do Anticristo. O tendido ainda por “vida limpa e harmônica”, ou por
“boa vida”. Suma qamaña poderia significar “viver
Artigo recebido em: 07/01/2017 em paz”, “conviver bem”, levar uma “vida doce”,
Aprovado em: 19/08/2019 “criar a vida do mundo”. Há diversas outras suges-
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tões de tradução para sumak kawsay e para suma presente nesses países. O processo boliviano passa
qamaña, às vezes parecendo haver praticamente uma pela hegemonia de um projeto e de uma aliança
para cada linguista ou intelectual indianista4 – o que social cujo núcleo é camponês/indígena (sejam os
torna o tema de sua passagem ao espanhol proble- sindicatos6 cocaleiros, sejam os ayllus7). O processo
mático. O mais razoável é supor que esses termos equatoriano assume características mais urbanas e
não são passíveis de uma tradução exata para outros de camadas médias, herdando elementos e referên-
idiomas, no máximo de aproximações. cias indígenas do ciclo de lutas anterior, mas não
No entanto, esses termos de difícil tradução no- como o núcleo central de seu projeto – o que se
meiam um corpo de ideias que vem ocupando espa- explica pelo descenso do movimento indígena e de
ço na política, nos movimentos sociais e no mundo seu partido8 no momento de avanço da Revolução
acadêmico desde o início dos anos 2000. À medida Cidadã liderada por Correa. Essa presença distin-
que isso ocorre, tais termos vão assumindo sentidos ta das organizações e projetos indígenas nos dois
diversos no Equador e na Bolívia (lugares de origem países não impede, entretanto, que em ambos os
desses debates), ao mesmo tempo que se expandem casos se recorra às noções respectivamente de suma
para várias partes do mundo (nas quais ganham, qamaña e de sumak kawsay (seja diretamente do
por sua vez, outros usos). Deve-se considerar que o original, seja em traduções ao espanhol), que vêm
conceito constitui desde o princípio um significante exercendo peso considerável nos debates políticos e
em disputa, utilizado em chave positiva para definir acadêmicos desses países.
desde programas e projetos a novas concepções da Na primeira seção do artigo, analiso a origem
vida social – e, eventualmente, em chave negativa e significado do sumak kawsay/suma qamaña. Ma-
para criticar posições rivais e adversários políticos. peio seus diversos usos, debatendo inclusive se ele
Mapear e compreender essas disputas em torno dos deveria ser entendido enquanto ideias distintas
sentidos e usos do sumak kawsay/suma qamaña pode (ainda que intercambiáveis) ou como um conceito
lançar luz sobre diversos aspectos das lutas políticas unitário. Na segunda seção, discuto a apropriação
dos últimos anos no Equador e na Bolívia. Seria in- da noção durante os processos constituintes ocor-
teressante adicionalmente mapear e aventar hipóte- ridos no Equador e na Bolívia. Adicionalmente
ses acerca da expansão do conceito para além de seu demonstro sua utilização como justificativa progra-
lugar andino de origem5. Porém, nesse artigo o foco mática pelos governos de Correa e de Morales e por
estará posto sobre seus usos no Equador e na Bolívia, seus partidos, articulada a ideias limítrofes, como a
onde se tornaram peça central nos programas e dis- de “socialismo comunitário”, defendida pelo vice-
cursos dos governos de Rafael Correa (2007-2017) -presidente boliviano Álvaro García Linera. Como
e de Evo Morales (2006-), nos posicionamentos de conclusão, defendo que essas ideias são apenas a
alguns dos mais relevantes movimentos sociais e, até reedição de um tema recorrente no pensamento das
mesmo, em parte dos setores oposicionistas a esses esquerdas periféricas desde o século XIX: a busca de
governos. Para isso, se baseará primordialmente em pretensos elementos comunais ainda presentes nes-
levantamento de fontes primárias (discursos, pro- sas sociedades, oriundos de um (em certa medida)
gramas, manifestos e propostas teóricas que lançam idealizado passado pré-capitalista e não ocidental,
mão desses conceitos) e secundárias (livros e artigos que serviriam de base material e espiritual para a
que analisam seus usos). Secundariamente, se baseia construção de uma sociedade igualitária no futuro.
em trabalhos de campo realizados pelo autor na Bolí-
via e no Equador, ao longo dos últimos quinze anos.
É impossível abordar a construção e avanço de Os múltiplos sentidos de um conceito em
projetos alternativos desde os anos 1990 na Bolívia disputa
e no Equador sem remeter ao papel dos movimen-
tos indígenas, bem como de ideias que são comu- Antes de tudo, é preciso assumir que o sumak
mente associadas a esses movimentos e de modo kawsay ou suma qamaña constitui uma ideia aber-
geral a uma “herança indígena” ou “comunal” ta, “que se está debatendo, que está em construção;
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é um conceito completamente móvel, que chama rada a segunda questão. Se há eventuais diferenças
a refletir. Se trata de um conceito complexo, não entre o “bem viver” equatoriano e o “viver bem”
linear, historicamente construído e em constante boliviano (e entre as posteriores apropriações rea-
mutação”9 (Ramírez, 2010, p. 139). O debate con- lizadas pelos governos de esquerda em ambos os
ceitual e mesmo semântico acerca do tema é longo, países), essas ideias vêm sendo tratadas por seus
e dificilmente poderia ser diferente, por pelo menos formuladores, receptores pelo mundo e por seus
três razões. críticos10 como algo unitário. Elas remeteriam,
conjuntamente, seja a heranças e releituras de cos-
1. Há discussões entre intelectuais e movimentos mologias andinas (distinguíveis, porém entendidas
quéchuas/quíchuas e aimaras de que sumak nessas análises geralmente como um corpo unifica-
kawsay e suma qamaña poderiam se referir a do em oposição a visões de mundo “ocidentais”),
noções distintas, advindas das diferentes cos- seja a esforços de intelectuais nos Andes e por todo
mologias dos referidos povos. o mundo em buscar alternativas ao desenvolvimen-
2. Nota-se uma divisão espacial na utilização to, ao capitalismo, à modernidade, até mesmo ao
dessas noções. No Equador de forte presença eurocentrismo e ao ocidente.
quíchua, se utiliza geralmente a primeira, en- Desse modo, chega-se ao terceiro problema, ao
quanto na Bolívia de maior presença aimara qual darei maior atenção porque me parece central
no Altiplano, se trabalha com a segunda, o que para a compreensão do surgimento, relevância e
provavelmente deriva desses diferentes pesos sucesso do conceito. Tomo como recente a criação
étnicos e distintas experiências históricas. do sumak kawsay/suma qamaña. Sua aparição como
3. Não há acordo acerca do nível de influência um conjunto de ideias nos debates acadêmicos e
(dita) “ocidental” sobre o conceito, e, conse- políticos se deu, grosso modo, somente no início dos
quentemente, acerca de sua ancestralidade. Es- anos 2000, e sua maior expansão ocorreu a partir
sas ideias seriam para muitos uma construção da segunda metade da década (Vanhulst, 2015)11.
híbrida e recente, fruto do encontro de acadê- Porém, deve-se reconhecer que ele remete ao mes-
micos ocidentais e de identidade mestiza com mo tempo a uma tradição mais larga, que é parte
intelectuais de identidade indianista, propicia- da cultura política e se articula com a materialidade
do por uma recente reativação das identidades desses países. É uma reinvenção recente, iniciada
indígenas. Para outros, é uma noção (mais nos anos 1970 e 1980 com intelectuais indianis-
precisamente uma visão de mundo, um modo tas (principalmente aimaras), que iam se formando
de estar no mundo) majoritariamente ou pu- nas universidades e buscando narrativas alterna-
ramente indígena, com uma continuidade que tivas ao liberalismo e ao marxismo, com o apoio
remeteria a temporalidades anteriores à con- de intelectuais e organizações não governamentais
quista do continente. (ONGs) “ocidentais”. Mas também é uma retoma-
da de repertórios e cosmologias preexistentes, ain-
Quanto ao primeiro problema, considero que da que não decodificadas enquanto conceitos em
esses conceitos guardam uma unidade na pluralida- sentido acadêmico ou político. Ou seja, trata-se de
de. Isso permite abordá-los como algo único, apesar um exemplo concreto nos países andinos de hibri-
das diferenças, visto que boa parte dos que utilizam dização, preservação e mesmo incremento de uma
esses conceitos os consideram expressão de uma “ecologia de saberes”12 (Santos, 2010).
pretensa cultura andina comum – como é sugerido, Em suma, o sumak kawsay/suma qamaña é re-
por exemplo, em Albó (2011). Esse conjunto de cente enquanto um corpo de ideias que pode ser
signos congrega uma pluralidade de conceituações mapeado, estudado e compreendido como parte
e expressões sociais e territoriais, que vem inclusive do pensamento político. Mas alguns elementos que
rompendo os limites andinos e adquirindo incidên- constituem sua base já estavam lá, ainda que não
cia em outros países latino-americanos e europeus. fossem chamados somente por um nome e entendi-
Isso torna em grande medida relativizável e supe- dos como algo que pudesse alimentar um corpo de
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ideias consideradas “respeitáveis”. Do contrário, ele ou “decolonial”, em busca de alternativas ao


seria um conceito artificial, sem qualquer vocação desenvolvimento e à modernidade, como em
hegemônica13. Voltarei mais adiante a esse ponto. Acosta (2016) e Gudynas (2012). Essa verten-
Nesse sentido, sumak kawsay/suma qamaña é, por te propõe mais claramente a apropriação por
excelência, uma construção contemporânea de inte- parte de uma intelectualidade de esquerda de
lectuais indianistas, movimentos camponeses/indíge- sociabilidades comunais, lidas por ela como
nas e, em grau crescente, de acadêmicos do campo originalmente indígenas;
da “teoria crítica” (especialmente de abordagens de- 3. socialista, buscando mesclar elementos comuna-
coloniais), que passaram a visualizar nele um poten- listas oriundos da herança indígena a valores e
cial para conceber uma visão de mundo alternativa. estratégias socialistas, formulando noções como
Mas está em conexão com um passado que, de algu- o “socialismo comunitário” ou “do bem viver”,
ma maneira, ainda persiste no presente. Portanto, há como em Ramírez (2010). Esse uso do sumak
duas temporalidades em jogo: reconstrói-se algo que kawsay/suma qamaña já propõe uma reapropria-
é parte de um passado até certo ponto mitificado, de ção ainda mais explícita, ao entendê-lo como
sociedades pré-capitalistas que seriam coletivas e igua- fonte a inspirar um socialismo alternativo;
litárias; mas, ao mesmo tempo, traços e adaptações 4. neodesenvolvimentista, voltada a estratégias es-
dessas formas de vida e de conceber a si mesmo e ao tatais de desenvolvimento e de equidade social.
mundo ainda se materializam, ao menos parcialmente Essa corrente entende o conceito como um
e de forma adaptada, no presente, em um contexto “desenvolvimento alternativo”, a exemplo de
de sociedades abigarradas14. Assim, remete-se a um Álvarez Lozano (2012), não como uma “alter-
passado que integra o presente ainda que minori- nativa ao desenvolvimento”. Progressivamente,
tariamente ou em potência. Um passado ao qual se hegemonizou os quadros dos governos de es-
deve retornar para construir uma nova possibilidade querda da Bolívia e do Equador, ao menos des-
de futuro. Seria uma ideia recorrente da originalida- de a aprovação das cartas constitucionais. Essa
de tradicionalizada ou tradição tornada original que vertente tende a esvaziar o núcleo comunal do
permeia diferentes conceitos e ideologias produzidos conceito e a negar seu sentido epistemológico
pelo pensamento político das esquerdas na periferia – alternativo, ao associá-lo com “bem-estar” ou
ideia que será mais desenvolvida nas considerações fi- “vida melhor”.
nais deste artigo.
Dito isso, deve-se definir com mais proprieda- Em sua origem, pode-se considerar que o nú-
de o que vem a ser o sumak kawsay/suma qamaña. cleo do conceito implica uma mudança na relação
Deve-se insistir que se trata de um conceito polis- entre os seres humanos, e desses com a natureza.
sêmico e, ademais, em construção, que vem emer- Duas ideias estão em sua base: a primeira, o co-
gindo de quatro fontes ou correntes intelectuais15: munalismo na relação entre os indivíduos, calcado
na reciprocidade e na igualdade; a segunda, uma
1. indianista ou indigenista, formulação dos pró- concepção holística da relação homem-natureza,
prios intelectuais e movimentos indígenas ou de integração em lugar de domínio e exploração,
associada a eles, enfatiza o caráter originário do “de uma ‘externalidade’ para o estabelecimento de
conceito, como em Medina (2011). Eventual- uma relação harmônica, com princípios de justiça
mente, nem o considera de esquerda, enten- intergeracional” (Wray, 2009, p. 53). A relação nes-
dendo “esquerda” e “direita” como parâmetros se ponto se modificaria em duas frentes: homem-
ocidentais alheios ao seu universo simbólico. -natureza e geração atual-gerações futuras. Recasens
Quando o considera, é claramente uma relei- (2014, p. 58) inclusive compreende que essas rela-
tura original da ideia ocidental de esquerda ções partem de três polos:
realizada por esses intelectuais e movimentos;
2. pós-estruturalista, oriunda de intelectuais e [...] o significado dessas referidas expressões
movimentos ecologistas, “pós-moderna” e/ seria o de uma vida digna, ainda que austera,
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que concebe o bem-estar de forma holística, ciado ao avanço da modernidade; seus apoiadores o
identificando-o com a harmonia [1] com o en- verão como “pós”, “trans”-moderno, ou, ao menos
torno social (a comunidade), [2] com o entor- potencialmente, capaz de alimentar “outra moder-
no ecológico (a natureza) e [3] com o entorno nidade”.
sobrenatural (os Apus ou Achachilas e demais As duas bases mencionadas se articulam res-
espíritos de um mundo encantado). pectivamente com o espaço do ayllu e com a noção
de pachamama. O primeiro é o núcleo da convi-
No entanto, é tão evidente que nesse caso o vência indígena comunitária, baseada em laços fa-
chamado “mundo sobrenatural” está imbricado miliares estendidos e territoriais. Nele se expressa
com a dita “vida material” que considero não haver a qama-ña, o lugar do ser/existir, o espaço-tempo
sentido pensar em três polos. O mundo sobrena- social harmônico de bem-estar, lócus da comuni-
tural aqui está subentendido tanto na comunidade dade. Se articula indissociavelmente com a jaka-ña,
quanto na natureza. Deve-se reconhecer ainda que que se refere mais ao viver, ao espaço-tempo onde
mesmo a referida divisão em dois polos, na qual se cria a vida, se (re)produz, e é o lócus do casal,
vou me apoiar aqui por razões argumentativas, é do lar (jaqi); e com a jiwa-ña, o lugar de morrer
adotada apenas para facilitar a explanação, por- (Medina, 2011, pp. 44-45)16. Em resumo, o ayllu
que mesmo ela é em parte conflitiva com a ideia é o espaço onde se vive bem. E qama-ña, jaka-ña
de sumak kawsay/suma qamaña. Para diversos auto- e jiwa-ña, por sua vez, são indissociáveis do espaço
res que se debruçam sobre o tema, esses dois polos da natureza, a pachamama, com a qual se interage e
deveriam ser entendidos holisticamente, como algo convive, na qual se apoia a vida em casal, o estar em
uno: “é necessário ampliar o conceito de comuni- comunidade e a morte. Qamaña
dade, para outro que inclua não só os seres huma-
nos, mas todos os seres vivos enquanto partes de [...] insinua também a convivência com a na-
um ecossistema mais amplo, que se poderia chamar tureza, com a Mãe Terra ou Pacha Mama, ain-
‘comunidade natural’” (Wray, 2009, p. 54). A reci- da que sem explicitá-lo. [...] Qamasa é [...] “a
procidade entre indivíduos no presente e em rela- energia e força vital para viver e compartir com
ção às gerações futuras (e mesmo passadas, dado o outros”. Esta é talvez a relação mais explícita
respeito devido aos antepassados, materializados na entre a raiz qama, como algo que está de ma-
própria natureza) também poderia ser observada na neira muito forte e viva na Pacha Mama, e nós
relação homem-natureza: o homem recebe seu sus- que a habitamos e fazemos dela nossa morada
tento da natureza que integra e, em troca, permite (Albó, 2011, p. 134).
sua regeneração; e ela, mais adiante, agradecida,
voltará a lhe oferecer seus frutos. O sumak kawsay/suma qamaña se aproxima na
Portanto, se assenta em uma concepção de maioria de suas formulações de referências acadê-
circularidade temporal, alternativa à concepção micas “ocidentalistas”, seja apelando para narrativas
de tempo progressista, evolucionista, linear, típica modernistas e socialistas, seja para pós-modernistas
da modernidade (Koselleck, 2006). Remete a uma e decoloniais, encontro que se evidencia quando
cosmologia que não compreende a natureza e a cul- intelectuais mais atrelados ao ambiente acadêmico
tura como apartadas, nem o humano separado do se apropriam do conceito, como Alberto Acosta,
não humano – um tipo de cosmologia que, apesar Edgardo Lander, Eduardo Gudynas e Boaventura
de distinta da concepção cartesiana típica da mo- de Sousa Santos. Alberto Acosta (2011, p. 191)
dernidade, que foi se impondo a partir da Europa chega a afirmar que o conceito não pode se circuns-
do século XVII, é recorrente em milhares de so- crever às sociedades andinas e que não tem apenas
ciedades ao longo do tempo (Descola, 2005). Por um “enraizamento histórico no mundo indígena,
tudo isso, seus críticos entenderão o sumak kawsay/ se sustenta também em alguns princípios filosófi-
suma qamaña como “pré-moderno” e contrário ao cos universais aristotélicos, marxistas, ecologistas,
bem-estar de suas sociedades, bem-estar esse asso- feministas, cooperativistas, humanistas e outros”.
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Por outro lado, o conceito parece relativamente co”17 como etapa prévia a um “socialismo comuni-
mais “autóctone” quando elaborado por intelec- tário” (conceito que ganhou primazia nos trabalhos
tuais indianistas, aimaras como Simón Yampara ou mais recentes do autor, p. ex., 2015, 2011). Em
quíchuas como Luis Macas. outros casos, se enfatiza a impossibilidade de convi-
Em termos econômicos, propõe-se, em geral, vência desse novo conceito com o capitalismo, mas
a superação do extrativismo que constitui a base ao mesmo tempo com o socialismo enquanto um
das economias primárias desses países, mas não paradigma gestado pela modernidade. Finamente,
há qualquer consenso acerca do que deveria subs- há os que associam sumak kawsay/suma qamaña
tituí-lo – e qual seria o papel de políticas estatais com um novo socialismo e, nesse caso, se recorre a
industrializantes e (neo)desenvolvimentistas nesse noções como socialismo “comunitário” ou “do bem
processo. Alguns autores defendem a necessidade viver”. As relações do sumak kawsay/suma qamaña
de um “desenvolvimento alternativo”, um novo com diferentes projetos políticos envolvendo as
conceito de desenvolvimento, um novo “regime noções de desenvolvimento e de socialismo serão
de desenvolvimento”. Outros defendem a própria debatidas na próxima seção.
superação da noção de desenvolvimento, um “não Há, portanto, um papel considerável de inte-
desenvolvimento” ou “pós-desenvolvimento”: “não lectuais “ocidentalizados” e mesmo de ONGs inter-
se trata hoje em dia de buscar e justificar um desen- nacionais, assessores e consultores internacionais na
volvimento alternativo e sim de construir alternati- formulação e expansão do conceito,
vas ao desenvolvimento” (Carpio Benalcázar, 2009,
p. 122; grifos no original). Isso fica claro na formu- [...] atores alheios ao campesinato andino [...].
lação de Acosta: Esta participação é perfeitamente legítima e
não deveria inspirar nenhuma suscetibilidade,
Quando é evidente a inutilidade de seguir cor- sobretudo no caso de pessoas ou instituições
rendo atrás do fantasma do desenvolvimento, caracterizadas por um inquestionável compro-
emerge com força a busca de alternativas ao misso com o respeito à diversidade cultural e
desenvolvimento, ou seja, de formas de organi- às demandas dos povos indígenas. No entan-
zar a vida fora do desenvolvimento, superando to, este papel nem sempre está isento de ris-
o desenvolvimento e, em especial, rechaçando cos, posto que a falta de contato direto com
aqueles núcleos conceituais da ideia de desen- a realidade cotidiana daqueles a quem se pre-
volvimento convencional, entendido como a tende “representar” pode levar à adoção de
realização do conceito de progresso que nos foi propostas idealizadas, irreais e essencialistas
imposto há vários séculos. Isso necessariamente sobre suas necessidades, suas aspirações e em
implica superar o capitalismo e suas lógicas de definitivo sobre seu modus vivendi. […] nos
devastação social e ambiental, o que nos abre encontramos diante de um caso de “tradição
as portas ao pós-desenvolvimento e, claro, ao inventada”, na medida em que alguns inte-
pós-capitalismo (Acosta, 2016, pp. 53-54; gri- lectuais, ao divulgar uma versão idealizada da
fo no original). cosmovisão e dos valores das culturas andinas
e convertê-la numa alternativa à visão desen-
Outro debate inconcluso é sobre se o que de- volvimentista (individualista, economicista, et-
verá substituir aquelas referidas metas e estratégias nocida e ambientalmente agressiva) promovida
associadas ao “fantasma do desenvolvimento” tem durante décadas por governos e instituições de
um conteúdo que pode ser entendido como “so- desenvolvimento teriam contribuído a sobredi-
cialista”. Por vezes, se defende uma mescla entre mensionar e reificar seu significado (Recasens,
elementos capitalistas em chave mais progressista 2014, pp. 63-64).
(neodesenvolvimentista, estatista) e comunalista,
como na proposição de García Linera (2010) da No entanto, mesmo corroborando com par-
necessidade de um “capitalismo andino-amazôni- te das preocupações do autor, quero insistir aqui
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no hibridismo do conceito – que não constitui um estratégias de seus governos de esquerda. O concei-
problema em si, provavelmente o enriquece –, bem to assumiu provavelmente a capacidade de remeter
como nas bases simbólicas e materiais em que ele se ao enraizamento de governos e movimentos em
sustenta para ter obtido a legitimidade e coerência suas sociedades, de maiorias indígenas ou de iden-
necessárias à sua expansão e sucesso. Não parece ha- tidades mestizas recentemente reetnizadas. Nesse
ver dúvidas dos elementos de “tradição inventada” sentido, o conceito parece ter sido introduzido nas
presentes no conceito. Mas algo que os autores que Assembleias Constituintes da Bolívia (2006-2007)
trabalham com a ideia de tradição inventada geral- e do Equador (2007-2008) pela atuação de intelec-
mente ignoram ou pouco enfatizam, a começar por tuais, assembleístas governistas, ONGs e movimen-
Hobsbawm e Ranger18 (2012), é que as tradições tos sociais, de forma a inspirar e a nomear diversas
“inventadas” de “sucesso” devem apresentar sólida inovações institucionais. Além disso, assumiu des-
base material – do contrário falariam para o vazio, de então um papel de legitimação de posições no
teriam grandes dificuldades em contribuir para a interior de disputas intragovernamentais e entre
construção de hegemonias. Iamamoto (2013) obser- governos e setores sociais, servindo de parâmetro
va muito bem esse ponto ao afirmar serem a memó- (desde sua abertura e polissemia) para avaliar se os
ria e o passado elementos essenciais para a constru- dois governos desenvolvem políticas inovadoras, ou
ção da etnicidade e do nacionalismo. O passado é se levam a cabo meras reedições de antigos projetos
inventado, em grande medida, a partir do presente, desenvolvimentistas.
mas isso não ocorre do zero, do nada. Pode-se imagi- Na Bolívia, o conceito foi introduzido na
nar uma via de mão dupla: o presente reformulando Constituição por contribuições de movimentos
o passado e o passado se manifestando no presente e camponeses/indígenas e pela atuação de persona-
retornando de tempos em tempos19. lidades como o ex-ministro das relações exteriores
Em resumo, o sumak kawsay/suma qamaña David Choquehuanca. Ele aparece enquanto prin-
constitui um conceito rico exatamente por sua ca- cípio ético-moral (entre outros) que deve inspirar
pacidade de se prestar tanto para nomear propostas o Estado, a sociedade e o modelo econômico. O
e programas articulados pelos próprios intelectuais Artigo 8 afirma que:
indianistas e movimentos sociais de base campone-
sa/indígena, quanto para a defesa por uma intelec- O Estado assume e promove como princípios
tualidade crítica e por grupos internacionais de um ético-morais da sociedade plural: ama qhilla,
novo projeto societário (em suas versões “fortes”) ama llulla, ama suwa (não seja preguiçoso, não
ou ao menos de propostas socioambientais alterna- seja mentiroso nem seja ladrão), suma qamaña
tivas (em suas versões mais “fracas”). Obviamente, (viver bem), ñandereko (vida harmoniosa), teko
está embutido aí um risco de se tornar tão amplo kavi (vida boa), ivi maraei (terra sem mal) e
que perca qualquer valor. Porém, como apontou qhapaj ñan (caminho ou vida nobre).
Schavelzon (2015), até aqui parece ser exatamente
essa ambivalência o que faz esse conceito relevante O mesmo artigo elenca uma série de valores
nos dias de hoje. que sustentam o Estado “para viver bem”, que con-
sidero mesclarem (de forma sugestiva) elementos
“originários”, das esquerdas “tradicionais” e mesmo
O papel do conceito de sumak kawsay/suma liberais:
qamaña nas refundações da Bolívia
e do Equador O Estado se sustenta nos valores de unidade,
igualdade, inclusão, dignidade, liberdade, so-
O sumak kawsay/suma qamaña tem se articu- lidariedade, reciprocidade, respeito, comple-
lado discursivamente com os processos de refunda- mentaridade, harmonia, transparência, equi-
ção na Bolívia e no Equador20 – tanto durante os líbrio, igualdade de oportunidades, equidade
processos constituintes nos dois países, quanto nas social e de gênero na participação, bem-estar
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comum, responsabilidade, justiça social, dis- e harmonia com a natureza, para alcançar o bem
tribuição e redistribuição dos produtos e bens viver, o sumak kawsay”. Um corpo de direitos fun-
sociais, para viver bem. damentais é constituído pelos direitos “da nature-
za”, talvez a maior inovação desse texto, na medida
Chegou-se à fórmula negociada das naciones y em que a natureza é entendida como um sujeito
pueblos indígena originario campesinos (as três ideias de direitos, em especial quanto à sua preservação e
reunidas numa mesma formulação sem hífen e com regeneração. Para Santos (2010, p. 24),
plural só ao final como se fossem uma única ideia)
para nomear esse novo sujeito social recorrente no [...] o próprio conceito dos Direitos da Pacha-
texto constitucional (Schavelzon, 2012), que reflete mama implica uma mescla, resulta de uma eco-
as identidades híbridas e as alianças na base de sus- logia de saberes: o saber ancestral com o saber
tentação inicial do governo e é, de certo modo, o moderno, eurocêntrico, progressista. É uma
portador dos valores do suma qamaña e agente do hibridização entre a linguagem do direito e a
proceso de cambio. O novo sujeito social é definido linguagem proveniente da cosmovisão indíge-
constitucionalmente no Artigo 30: na, pois nesta última o conceito de direito é
mais exatamente um de deveres.
É nação e povo indígena originário campo-
nês toda a coletividade humana que comparta Além disso, boa parte dos direitos sociais –
identidade cultural, idioma, tradição históri- mais tradicionais ou de elaboração recente – foi
ca, instituições, territorialidade e cosmovisão, agrupada na consigna dos “direitos do bem viver”,
cuja existência é anterior à invasão colonial ou seja, a noção define um corpo de direitos fun-
espanhola. damentais. Os direitos sociais “garantem”, “possibi-
litam”, “realizam” o bem viver. Deles derivam um
Aqui o suma qamaña aparece mais na forma “regime do bem viver”, no qual se agrupam políti-
da coexistência da justiça comunitária com a justiça cas de inclusão e equidade, defesa da biodiversidade
“ocidental” (algo pouco aprofundado desde então) e e dos recursos naturais; e um “regime de desenvol-
da noção de “democracia intercultural”21. Esses as- vimento”, que deve garantir a realização do bem
pectos estão expressados e justificados no Artigo 2: viver. Afirma-se que é dever primordial do Estado,
“para aceder ao bem viver”, “planificar o desenvol-
Dada a existência pré-colonial das nações e vimento nacional, erradicar a pobreza, promover
povos indígena originário camponeses e seu o desenvolvimento sustentável e a redistribuição
domínio ancestral sobre seus territórios, se ga- equitativa dos recursos e da riqueza”. Assim como
rante sua livre determinação no marco da uni- na Constituição da Bolívia, percebe-se na Consti-
dade do Estado, que consiste em seu direito à tuição do Equador a amplitude de significados que
autonomia, ao autogoverno, à sua cultura, ao o conceito pode assumir, remetendo ao mesmo
reconhecimento de suas instituições e à conso- tempo à profunda inovação dos “direitos da nature-
lidação de suas entidades territoriais. za” e associando-se a noções de “desenvolvimento”
(“nacional” e “sustentável”).
No Equador, a ideia se impôs nos debates Para além das constituições, o conceito vem
constituintes por diversos fatores, como o papel dos sendo utilizado recorrentemente nos discursos e
intelectuais quíchuas e dos movimentos indígenas textos presidenciais, especialmente por parte de
nas discussões, bem como a presença de Alberto Morales, bem como nos documentos governa-
Acosta presidindo os trabalhos. Terminou por assu- mentais e programas partidários do Movimento ao
mir uma função de unificação discursiva dos vários Socialismo (MAS) na Bolívia e do Pátria Altiva e
projetos em pugna, desde o preâmbulo, no qual os Soberana (PAÍS) no Equador. Ainda que diversos
assembleístas afirmam ter decidido construir “uma críticos destaquem as estratégias “neodesenvolvi-
nova forma de convivência cidadã, em diversidade mentistas” e “extrativistas” de ambos os governos
COMUNALISMO NAS REFUNDAÇÕES ANDINAS DO SÉCULO XXI  9

(debate que não será aprofundado nestas páginas), carar os problemas das sociedades contempo-
o que pretendo destacar aqui é que o sumak kaw- râneas com responsabilidade histórica. O Bem
say/suma qamaña segue vigente como um signifi- Viver não postula o não desenvolvimento, mas
cante que nomeia o “horizonte histórico” projetado contribui para uma visão distinta da economia,
nos dois países, por mais que possa ter adquirido da política, das relações sociais e da preservação
novos significados no processo ou que possa estar da vida no planeta. O Bem Viver promove a
em contradição com projetos e estratégias dos dois busca comunitária e sustentável da felicidade
governos. coletiva e uma melhoria da qualidade de vida
Pode-se observar que o conceito segue vigente a partir dos valores (Senplades, 2013, p. 23).
como referência fundamental para nomear os pla-
nos governamentais. Na Bolívia, vem sendo exe- Segundo Morales:
cutado o Plano de Desenvolvimento Econômico e
Social no Marco do Desenvolvimento Integral para Enquanto os Povos Indígenas propõem para o
Viver Bem (2016-2020). Nesse documento, mundo o “Viver Bem”, o capitalismo se baseia
no “Viver Melhor”. As diferenças são claras: o
O Viver Bem é uma filosofia que valoriza a viver melhor significa viver à custa do outro,
vida, busca o equilíbrio consigo mesmo e com explorando o outro, saqueando os recursos na-
os demais, o estar bem individual, assim como turais, violando a Mãe Terra, privatizando os
o estar bem coletivo. […] O Viver Bem é o ho- serviços básicos; em troca o Viver Bem é viver
rizonte que reivin­dica a cultura da vida comu- em solidariedade, em igualdade, em harmonia,
nitária em plenitude, em contraposição à cul- em complementariedade, em reciprocidade.
tura do individualismo, do mercantilismo e do [...] O Viver Bem é um sistema que supera o
capitalismo que se baseia na exploração irracio- capitalista, mas também planteia um desafio
nal da humanidade e da natureza, recuperando que põe em xeque alguns preceitos clássicos da
as raízes mais profundas de nossa história e da esquerda que, num ânimo desenvolvimentista,
identidade de nossos povos (Ministerio de Pla- propunha o domínio da natureza pelo ser huma-
nificación del Desarrollo, 2016, pp. 3-4). no (Morales, 2011; grifo no original).

No Equador, os Planos Nacionais de Desen- Morales e seu ex-chanceler David Cho-


volvimento de 2009-2013 e de 2013-2017 foram quehuanca se tornaram referências em arenas inter-
denominados Planos Nacionais para o Bem Viver, nacionais de debate sobre a mudança climática, di-
estruturados pela Secretaria Nacional de Planeja- reitos indígenas, entre outros temas, contribuindo
mento e Desenvolvimento (Senplades). No docu- para a circulação internacional do conceito de viver
mento para 2013-2017, por exemplo: bem. Essas iniciativas culminaram na realização da
Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança
O Bem Viver ou Sumak Kawsay é uma ideia Climática e os Direitos da Mãe Terra, realizada em
mobilizadora que oferece alternativas aos pro- Cochabamba, de 19 a 22 de abril de 201022.
blemas contemporâneos da humanidade. O Por sua parte, nota-se nos discursos de Correa
Bem Viver constrói sociedades solidárias, cor- menor utilização da noção e sua crescente associa-
responsáveis e recíprocas que vivem em harmo- ção ao bem-estar e aos valores do cristianismo so-
nia com a natureza, a partir de uma mudança cial defendidos pelo ex-presidente, por exemplo, ao
nas relações de poder. O Sumak Kawsay forta- defender
lece a coesão social, os valores comunitários e a
participação ativa de indivíduos e coletividades [...] um país sem miséria, mas também sem lu-
nas decisões relevantes para a construção de seu xuriosos esbanjamentos, um país que supere a
próprio destino e felicidade. […] Não se trata cultura da indiferença, onde se acabem os des-
de voltar a um passado idealizado, mas de en- cartáveis da sociedade. No qual trabalhemos
10  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 101

para os filhos de todos e assim, juntos, alcance- comunitário (García Linera, Jorge Viaña, Silvia de
mos o Bem Viver, o Sumak Kawsay de nossos Alarcón, entre outros) é o próprio Marx. No en-
povos ancestrais” (El Comercio, 2015). tanto, a atenção se volta para textos que fogem da
habitual visão de história teleológica expressa em
Para além disso, nos últimos anos Correa pas- geral nas obras marxianas, nas quais a história teria
sou a apresentar o conceito como adjetivação do direção e sentido predeterminados (Bartra, 2015).
socialismo, na forma do “socialismo do bem viver” Mais especificamente, remete a textos marxianos
ou “do sumak kawsay”. alternativos aos Grundrisse (manuscritos de 1857-
Quero me deter um pouco mais aqui na 1858 que delinearam Para a crítica da economia po-
aproximação do sumak kawsay/suma qamaña ao lítica, de 1859) e, principalmente, ao esboço de res-
socialismo, realizada pelos dois governos. Pode- posta de Marx à carta de Vera Zasulich (de 1881).
-se mapear particularmente a ideia de “socialismo Nesses textos, pouco conhecidos e recuperados
comunitário” (mais recentemente complementado posteriormente, Marx defende que a comuna russa
pela expressão “do viver bem”) recorrente na Bolí- (a obschtchina) poderia servir de base para a socia-
via, e a de “socialismo do bem viver” ou “do sumak lização da produção naquele país, não havendo a
kawsay” presente no Equador. Em ambos, sumak necessidade de sua passagem por todas as etapas do
kawsay/suma qamaña remeteria a heranças e valores desenvolvimento capitalista, pelo fato de que tal
indígenas ainda presentes nas sociedades boliviana sistema já estava consolidado internacionalmente e
e equatoriana, que permitiriam nesses casos dotar a Rússia já estava articulada a ele. A comuna pode-
a tradição socialista de conteúdos locais, próprios, ria passar, em suma, de uma forma de organização
nacionais. Esse pano de fundo está presente nas produtiva “arcaica” diretamente a uma forma “su-
duas ideias, mas se elas forem submetidas a uma perior” (Viaña, 2011). Note-se que, se essa formu-
análise mais criteriosa, percebe-se que diferem con- lação parece superar a visão teleológica de história
sideravelmente. Vejamos. do autor, ainda não rompia com seu evolucionismo
A ideia de “socialismo comunitário” tem enfati- eurocêntrico, uma vez que se apontava ainda para
zado nos últimos anos a organização social, econômi- formas “inferiores” e “superiores” de organização
ca, cultural e territorial comunal presente na Bolívia social. É relevante mencionar que os fragmentos
através da permanência/adaptação do ayllu, como na das obras de Marx que sugerem uma visão alterna-
declaração de Morales a seguir. Note-se que ela foi for- tiva de desenvolvimento histórico foram traduzidos
mulada como algo presente, referente ao mundo indí- ao espanhol e editados em livro (junto com textos
gena contemporâneo e a seus movimentos: de Zasulich, Engels e trabalhos de diversos comen-
taristas) pela própria vice-presidência da Bolívia,
[...] somos um socialismo comunitário, basea- sob o título Karl Marx: escritos sobre la comunidad
do no modelo social e econômico do ayllu, na ancestral (Alarcón e Prieto, 2015).
coletividade, reciprocidade e solidariedade. [...] A influência desses manuscritos – além das
Aqui não se discrimina nem se marginaliza, eli- obras de Mariátegui e de René Zavaleta – per-
minamos o sectarismo da esquerda tradicional meiam as proposições do Grupo Comuna, de ma-
(Morales, 2002). neira geral. Esse coletivo de intelectuais críticos,
como García Linera, Raúl Prada e Luis Tapia, teve
Para diversos intelectuais que acompanham o relevância no período de crise orgânica vivenciada
processo refundador boliviano, a ideia central do na Bolívia nos primeiros anos da década de 2000,
conceito é de que a organização comunal, ainda e se vinculou com maior ou menor intensidade à
existente no espaço rural boliviano, não constitui alternativa constituída em torno de Morales. A po-
um atraso na transição ao socialismo, mas sim uma sição progressivamente crítica de alguns desses in-
vantagem23. telectuais em relação ao processo refundador, com-
Além de autores como Mariátegui, a referên- binada à sua defesa irrestrita por parte de outros
cia sempre citada pelos formuladores do socialismo que integram o governo, terminou por desarticular
COMUNALISMO NAS REFUNDAÇÕES ANDINAS DO SÉCULO XXI  11

o grupo24. Para esses autores, não se trata – é im- Por sua vez, o “socialismo do bem viver” ou “do
portante assinalar – de um retorno à comunidade sumak kawsay”, recorrente nos discursos de Correa,
tradicional, organização “limitada”, mas de seu pa- em documentos do PAÍS e nos trabalhos de René
pel central no desenvolvimento de novas sociabili- Ramírez (importante quadro do governo equatoria-
dades comunitárias “superiores”, agregando valores no), reveste-se de conteúdos de fundo ético-moral,
das comunidades historicamente existentes. Assim, do humanismo, do cristianismo, do ecologismo,
“o socialismo comunitário é a forma que assume a do republicanismo. Nele, a base comunitária (bem
luta contra o capital tendo como horizonte e como mais frágil no Equador, diga-se de passagem) ex-
meio de realização as formas comunitárias” (Alar- pressada no ayllu não assume centralidade. Remete,
cón, 2011, p. 443). porém, às tradições originárias, na construção de
García Linera se apresenta provavelmente um socialismo original e adequado ao século XXI,
como o representante mais relevante dessa formu- um “socialismo à equatoriana”, nuestroamericano.
lação, associando-a mais claramente, nos últimos Defende a
anos, ao conceito de suma qamaña, ao propor o
“socialismo comunitário do viver bem”. A citação [...] consecução do bem-estar comum e da
a seguir ilustra claramente sua visão sobre o tema: felicidade de cada um, que não se obtém me-
diante a acumulação de grandes riquezas, nem
[...] como na Bolívia fazemos esta revolução mediante uma capacidade de consumo exces-
desde os Andes, a Amazônia, os vales, as planí- sivo, mas através da maximização dos talentos
cies e o Chaco, que são regiões marcadas pela e capacidades pessoais e coletivas, [...] do des-
história das antigas civilizações comunitárias frute da presença e do acompanhamento dos
locais; então nosso socialismo é comunitário seres queridos, da existência em harmonia com
por seu porvir, mas também o é por sua raiz e a natureza” (PAÍS, 2010a, p. 12).
por seus ancestrais. Já que viemos do comuni-
tário ancestral dos povos indígenas e porque o Propõe, em linhas gerais, um “mundo mais
comunitário está latente no interior das gran- justo, igualitário e sustentável que, pelo menos,
des conquistas da ciência e da economia mo- reduza e, posteriormente, reverta, as dinâmicas de
derna, o futuro necessariamente será um tipo estruturação do capitalismo histórico”. Propugna
de socialismo comunitário nacional, continen- a supremacia do homem e “do trabalho humano
tal e, em longo prazo, planetário. Mas também sobre o capital e em harmonia com a natureza”,
o socialismo do novo milênio, que se alimenta sendo aquele o fim da produção (PAÍS, 2010b, p.
de nossa raiz ancestral, incorporará os conhe- 38). Uma apresentação mais detida do que seria o
cimentos e as práticas indígenas de diálogo e “socialismo do bem viver” encontra-se em Senpla-
convivialidade com a Mãe Terra. O resgate do des (2013, em especial pp. 21-29).
intercâmbio metabólico vivificante entre o ser Desse modo, mesmo integrando um universo
humano e a natureza, praticado pelas primeiras semântico comum, pode-se observar algumas dife-
nações do mundo, pelos povos indígenas, é a renças conceituais nas formulações da Bolívia e do
filosofia do Viver Bem. E está claro que não so- Equador. Quanto a isso, Schavelzon (2015, p. 194)
mente é a maneira de enraizar o futuro em raí- observou que:
zes próprias, mas é ademais a única solução real
à catástrofe ambiental que ameaça a vida intei- As vozes que participam do debate […] são di-
ra do planeta. Por isso, o socialismo do novo ferentes e é notável que aos antropólogos, filó-
milênio só pode ser democrático, comunitário sofos e intelectuais indígenas que participaram
e do “viver bem”. Esse é o horizonte de época da do debate […] na Bolívia se somam também os
sociedade mundial. A única esperança real para economistas no contexto equatoriano. O dado
uma regeneração (García Linera, 2015, p. 73; pode ter relação com os caminhos do conceito
grifo no original)25. nos dois países. Se as menções estatais ao Viver
12  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 101

Bem na Bolívia remetem frequentemente à co- ideia da doble mirada (classe e etnia). A partir daí, há
munidade, no Equador o debate estatal parte diferentes usos, e procurei explicitar esse ponto se-
da discussão ambiental e das políticas públicas, gundo os quatro tipos propostos. Para concluir este
com presença ecologista e da economia solidá- artigo, defendo que o sumak kawsay/suma qamaña é
ria. As distintas características da Chancelaria uma expressão andina contemporânea de um fenô-
na Bolívia e da SENPLADES no Equador, que meno social mais amplo. Farah e Vasapollo (2011, p.
protagonizam o debate, é seguramente um dos 18) observam que
fatores que se somam a uma hostilidade e dis-
tância maior e mais antiga entre o movimento [...] em diferentes zonas do planeta com ou
indígena e o governo do Equador. sem essa densidade [de organização social, co-
munitária e processos de empoderamento so-
Esse trecho ajuda a explicar a abordagem mais cial das comunidades agrárias], se observou a
ecologista e holística do vivir bien observada no go- emergência de noções similares. Noções como
verno boliviano, enquanto a noção de buen vivir se “viver bem”, “bem viver” e “felicidade pública”
confunde mais no governo equatoriano a ideias as- surgiram no trânsito de sociedades predomi-
sociadas a desenvolvimento, progresso e bem-estar. nantemente agrárias às modernas ao amparo
Adicionalmente, se observa da parte de Morales e seu do humanismo social e paradigmas fundados
entorno uma recorrência mais decidida ao conceito, na crítica social aos problemas emergentes com
em comparação com Correa. De todo modo, nota- o capitalismo. Nesse sentido, não é estranho
-se, em ambos os países, maior aderência do conceito que hoje (res)surjam em diferentes lugares do
nos últimos anos a políticas públicas e estratégias de planeta, e sobretudo onde persistem essas es-
desenvolvimento e de industrialização – o que vem truturas de maneira importante.
justificando as críticas de diversos intelectuais que
fomentam o conceito. Essa apropriação do conceito O conceito aqui estudado pode ser associado
talvez ajude a explicar sua crescente articulação “ofi- a diversos outros surgidos nas últimas décadas em
cial” com a ideia de socialismo, bem como sua maior meio a processos de expansão acelerada da moder-
utilização nas traduções ao espanhol. nidade na periferia global. São exatamente essas
modernidades periféricas de capitalismo dependen-
te que geram os hibridismos, heterogeneidades e
Considerações finais: o comunalismo abigarramientos, que permitem propor alternativas
revisitado societárias baseadas em permanências comunais
de um passado mais ou menos idealizado. Essas
Procurei enfatizar ao longo do artigo a expansão formulações implicam elementos de “invenção de
e os diversos usos do conceito, deixando implícito tradições”, mas exigem que esses processos de “in-
que não se trata mais de um conceito “indígena”. venção” encontrem sólidas bases materiais para seu
Talvez nem tenha sido, desde o início, propriamente sucesso. Sucesso aqui entendido como a formula-
indígena. As sociabilidades e epistemologias que o ção de conceitos com vocação hegemônica, em sen-
inspiram são indígenas, mas não necessariamente o tido gramsciano.
conceito, pois ele foi gerado há pouco tempo, jus- Essas referidas permanências comunais eviden-
tamente do encontro de movimentos e intelectuais temente integram o presente de suas sociedades,
“indígenas” com intelectuais e ONGs “ocidentais”. em toda sua complexidade. As visões dualistas das
Mesmo essa dualidade indígena/ocidental que estou sociedades ditas em processo de “modernização” ou
buscando relativizar pelo uso das aspas deve ser em de “desenvolvimento” – tão comuns nas teorias da
boa medida contestada. Os próprios movimentos e modernização do século XX e que implicavam a
intelectuais indígenas já estavam evidentemente atra- crença em um progressivo desaparecimento do “ar-
vessados por hibridismos, exemplificados pelos usos caico” dando lugar ao “moderno”, ou no bloqueio
de noções como “esquerda” e “sindicato”, ou pela do “moderno” pela permanência do “arcaico” – já
COMUNALISMO NAS REFUNDAÇÕES ANDINAS DO SÉCULO XXI  13

foram devidamente criticadas e superadas por todas [...] a capacidade de expressar desequilíbrios
as reflexões dos dependentistas, subaltern studies, de poder contemporâneos; o enraizamento
“pós” e “decoloniais” etc. Se aquelas permanên- no espaço cotidiano dos atores (ou seja, a fa-
cias integram o presente, adaptaram-se, em certo cilidade com que se pode imaginar os eventos
sentido, à modernidade, ainda que a entendamos do passado no espaço vivido); e a existência de
como múltipla e heterogênea26. Nesse processo de metáforas corporais, que expressam a perda e
adaptação, constituíram-se em elementos moder- a necessidade de tornar-se novamente inteiro
nos, mesmo que guardem relações com heranças para construir projetos futuros” (Iamamoto,
pré-modernas e que possam eventualmente servir 2015, p. 51).
de base a projetos alternativos à modernidade. Se
constituem como um “outro”, um discurso alter- A leitura de Revolta e melancolia: o romantismo
nativo, porém do interior da própria modernidade, na contracorrente da modernidade, obra de Michael
no sentido sugerido por Delgado. Löwy e Robert Sayre (2015), lança ainda mais luz
sobre essa questão. Os autores defendem que o ro-
A constatação de que a lógica moderna é ex- mantismo pode ser entendido não como uma cor-
cludente, marginalizando a diferença, não rente artístico-literária do começo do século XIX,
significa afirmar que o “outro” é excluído da mas como um modo de ver o mundo moderno que
modernidade. Ele se constitui na própria mo- se estende até hoje, quase como uma antítese da
dernidade, assim como esta se constrói a partir modernidade (como Marx, segundo os autores, já
da interação entre o “eu” e o “outro”. Pressupor parecia sugerir em seus Grundrisse). Dessa forma,
o contrário seria entender a própria América constituiria uma crítica à modernidade surgida
Latina como externa à modernidade e corro- da própria modernidade, de seu interior. Isso leva
borar a narrativa dominante. Nesse sentido, os autores a questionarem a visão do romantismo
o indígena é “produzido” em meio às relações como algo reacionário, destacando que ele muitas
com o colonizador, sendo excluído não da mo- vezes mostra uma perspectiva de futuro, podendo
dernidade, mas na modernidade, relação que constituir-se inclusive como revolucionário e de
vai se tornando mais complexa historicamente esquerda. Trata-se assim não de um retorno ao pas-
em meio a uma dinâmica social de interação, sado, mas de buscar nele elementos para a constru-
exclusão e tensão (Delgado, 2016, p. 169; gri- ção de um devir alternativo – pois aquele passado é
fos no original). entendido como um momento de realização plena
do indivíduo, da nacionalidade, da comunidade. Se
Ao tratar das memórias que são retomadas nas já ocorreu, poderá novamente se dar, ainda que em
lutas sociais bolivianas contemporâneas, Iamamo- novas bases.
to (2015) sugere que elementos do passado são Como o que interessa nessas páginas é a apro-
estruturantes do presente, ao mesmo tempo que a priação dessas reflexões pelas esquerdas periféricas,
agência dos atores atua na seleção e construção de a ideia de um “romantismo revolucionário” em
memórias. Para a autora, não há contradição en- particular importa para a compreensão de uma
tre esses dois movimentos, que denomina respec- proposta como o sumak kawsay/suma qamaña. Se
tivamente de “constitutivo” e “instrumental”: essas essas esquerdas, nos seus processos de invenção e
memórias “são instrumentais porque se tornam adaptação de conceitos, apelam a um passado (mais
ferramentas na luta política, mas só podem ser po- ou menos mitificado), isso quer dizer que há uma
derosas porque se relacionam com aspectos íntimos apropriação de elementos de um passado que é par-
e constitutivos dos próprios atores” (Iamamoto, te efetiva de um presente. Nos termos de Koselleck
2015, p. 51). Nessa perspectiva, não são quaisquer (2006), um “passado atual” – do contrário não faria
memórias que podem ser instrumentalizadas. Elas sentido realizar tal apropriação –, de modo a refor-
parecem ter çar um projeto de futuro. Trata-se de conectar-se
a um dado “espaço de experiência” para produzir
14  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 101

um novo “horizonte de expectativas”, um novo 2 Na nota introdutória em Acosta (2016), Tadeu Breda,
“futuro presente”. Sugiro aqui que a ênfase dessas tradutor e editor do livro, observa que “bom viver” é
esquerdas segue sendo no futuro, na construção de a tradução que mais respeita o original em espanhol
uma nova sociedade – que pode superar ou não a e quíchua. Isso porque sumak é um adjetivo (que sig-
nifica na tradução ao espanhol hermoso, bello, boni-
ideia de progresso e de modernidade, a depender
to, precioso, primoroso, excelente), assim como buen e
do ponto de vista de cada uma delas, mas procura “bom”. No entanto, o tradutor faz a opção “política” e
ao menos queimar etapas, reproduzir elementos do não “linguística” pelo termo “bem viver”, porque este
desenvolvimento capitalista, romper com posições vem sendo utilizado pelos movimentos sociais brasi-
periféricas no sistema mundial. leiros há alguns anos; é a expressão em uso no Brasil.
Defendo que é possível comparar formulações Neste artigo, utilizo a expressão preferencialmente no
produzidas em diversas partes da periferia, ao lon- original quíchua, mas quando é o caso adoto a ex-
go do processo de expansão da modernidade pelo pressão “bem viver” em português pela mesma razão
globo – como as ideias de ujamaa, négritude, ubun- apontada por Breda.
tu, sumak kawsay/suma qamaña, “felicidade interna 3 Por vezes, se utiliza adicionalmente a expressão gua-
bruta” (FIB) –, ainda que tenham sido concebidas rani ñande reko, que poderia ser entendida por “vida
em diferentes contextos e momentos. Todas elas harmoniosa”. Geralmente, a expressão surge como
sinônimo de sumak kawsay ou de suma qamaña em
constituem propostas de construção de sociedades
discursos políticos, mas não contém necessariamente
alternativas baseadas em modos de viver, produzir, o mesmo sentido para a intelectualidade indianista
socializar, sentir, conhecer, estar no mundo dis- guarani ou para especialistas nos modos de vida da-
tintos da via principal da modernidade ocidental quela nação.
– modos de vida que fariam parte não somente da 4 Aqui se assumem os sentidos de “indianismo” como
memória social daqueles povos que inspiraram esses reflexão originária, declaradamente decolonial, de
conceitos, mas ainda parcialmente de seu presente. intelectuais indianistas; em contraposição ao indige-
Todos esses conceitos remetem àqueles es- nismo, fruto de reflexões de intelectuais criollos ou
forços dos narodniks na Rússia do século XIX (os mestizos “ocidentalizados”. O sentido é extraído dire-
“populistas” russos) em compreender o potencial tamente da literatura especializada hispano-americana
da comuna em uma transição ao socialismo sem a sobre o tema.
necessidade de passar por todos os estágios do de- 5 Haveria diversos elementos interessantes a investigar
senvolvimento capitalista. São formulações típicas nessa expansão. Por exemplo, sua recepção por parte
das intelectualidades constituídas na periferia glo- da intelectualidade crítica e das esquerdas europeias,
bal, em busca de um lugar para elas próprias e para órfãs de projetos transformadores; a apropriação do
conceito por referências cristãs progressistas, como
seus povos no mundo, desde o momento em que
o próprio Papa Francisco, Jorge Mario Bergoglio
essas intelectualidades adquiriram a “consciência de (2015); ou a sua utilização por diversos grupos étnicos
ser periferia” (Devés-Valdés, 2017). Essas formula- com os quais não necessariamente mantinha relação
ções permearam igualmente o pensamento político anterior, como os guaranis, os shuar, os afroequato-
das esquerdas na periferia, constituindo-se em di- rianos, e mesmo movimentos indígenas mapuches e
versos momentos, e onde foi possível, na base para maias (estes mais distantes de sua origem geográfica).
processos de adaptação e de nacionalização dessas 6 Estruturados politicamente como instituições “oci-
esquerdas – processos que considero essenciais para dentais” (daí o próprio nome de “sindicato”), essas
sua maior vocação hegemônica. instituições estão imbricadas com estruturas comu-
nais originárias. Os sindicatos, mais que instrumentos
reivindicativos e de socialização, organizam a vida co-
Notas munitária dos indivíduos e famílias que os integram,
repartindo terras, aplicando justiça comunitária, orga-
nizando trabalho voluntário, comercializando produ-
1 Quéchua no Peru ou quíchua no Equador. O con-
tos cultivados, entre outras funções.
ceito vem tendo menos fortuna no Peru, o outro país
andino no qual a presença indígena é significativa. 7 Núcleo de convivência indígena comunitária calcada
COMUNALISMO NAS REFUNDAÇÕES ANDINAS DO SÉCULO XXI  15

em laços familiares estendidos e territoriais, os ayllus 16 Em círculos concêntricos, o ayllu seria a comunidade
são uma permanência e releitura de estruturas sociais de jaqis, a marka seria a comunidade de ayllus, rumo
anteriores à conquista do continente, basicamente a dimensões mais ampliadas como o Qullasuyu e o
aimaras, quéchuas e urus (Soares, 2014). Servem hoje Tawantinsuyu.
de identificação e delimitação para movimentos étni- 17 García Linera advoga ou prevê uma etapa de de-
cos, como o Conselho Nacional de Ayllus e Markas senvolvimento capitalista de Estado, valorizando o
do Qullasuyu (Conamaq). comunalismo, a pequena produção e a diversidade
8 Refiro-me à Confederação de Nacionalidades Indíge- étnico-cultural, antes do socialismo de novo tipo (“so-
nas do Equador (Conaie) e ao Movimento de Unida- cialismo comunitário”) baseado nas tradições comu-
de Plurinacional Pachakutik (MUPP). nais originárias.
9 Todas as traduções ao português foram realizadas 18 Trata-se de uma ideia interessante que, no entanto,
pelo autor. foi provavelmente motivada pelo internacionalismo/
10 Um bom exemplo de crítica ao conceito (e provavel- antinacionalismo desses autores. Isso deriva do tra-
mente o mais polêmico, ao associar a ele negativa- tamento hegemonicamente negativo que o tema do
mente o epíteto de “pachamamismo”) está em Stefa- nacionalismo moderno recebe no interior do marxis-
noni (2011). mo, e logo da necessidade de reforçar os elementos de
mistificação (e mesmo de consciente “falsificação” em
11 Localizei apenas uma referência anterior aos anos
muitos casos) presente nos nacionalismos modernos e
2000, que sistematiza esse conjunto de ideias: o livro
em seus movimentos. Isso gera pelo menos dois pro-
compilado pelo intelectual aimara Simón Yampara
blemas ao marxismo, um acadêmico e outro político.
(1991).
Academicamente, o impede de avaliar o que faz al-
12 Refiro-me aqui ao “diálogo horizontal entre conheci- gumas tradições “inventadas” sobreviverem enquanto
mentos” diversos, que Santos (2010, p. 53) denomina outras perecem. Politicamente, dificulta a compreen-
“ecologias de saberes” em contraposição à “monocul- são do potencial revolucionário que os nacionalismos
tura da ciência moderna” adquirem na periferia.
13 É como a ideia de ujamaa na Tanzânia recém-inde- 19 Essa ideia ecoa as recorrências à “memória larga” nos
pendente. Sua aparição como um corpo de ideias in- trabalhos de René Zavaleta (2011) e de Silvia Rivera
telectuais e políticas (chegando no limite a uma ideo- Cusicanqui (2010).
logia de Estado) se deveu ao líder da independência e
20 Para uma discussão da ideia de “refundação” e uma
primeiro governante Julius Nyerere, a seus assessores
análise dos governos da Bolívia e do Equador, conferir
e a intelectuais próximos. Mas remetia a traços sociais
Pereira da Silva (2011, 2015).
e a uma visão de mundo minimamente presente na-
quela sociedade – do contrário não teria fortuna. Isso 21 Sustentada “na existência das nações e povos indíge-
serve também para a ideia de “felicidade interna bru- na originário camponeses e das comunidades inter-
ta” (FIB) no Butão, ou para a mais recente formulação culturais e afrobolivianas [...] com diferentes formas
do ubuntu no Sul da África – entre outros conceitos de deliberação democrática, distintos critérios de re-
assemelhados que poderiam ser mencionados aqui. presentação política e o reconhecimento de direitos
individuais e coletivos, [e] baseada na complementa-
14 Conceito formulado por Zavaleta para a Bolívia, que
ridade da democracia direta e participativa, democra-
remete à noção de sociedade heterogênea, variada, col-
cia representativa e democracia comunitária” (Lei do
cha de retalhos ou bricolagem, “uma situação de so-
Regime Eleitoral, apud Colpari, 2011, p. 5).
breposição desarticulada de várias sociedades, em que
os múltiplos grupos sociais e as instituições políticas se 22 Uma compilação dessas intervenções internacionais e
encontram como que sobrepostos, sem estarem articu- de diversos documentos sobre o tema produzidos a
lados. São vários tempos históricos, visões de mundo, partir da chancelaria encontra-se no livro Vivir bien:
vários modos de produção da subjetividade, de sociali- mensajes y documentos sobre el vivir bien 1995-2010,
dade e, sobretudo, várias formas de estruturas de auto- editado pelo Ministério das Relações Exteriores da
ridade ou autogoverno que convivem em um mesmo Bolívia.
espaço e sem articulação” (Freitas, 2012, p. 77). 23 Impossível não remeter a José Carlos Mariátegui e à
15 Sigo parcialmente a proposta de Hidalgo-Capitán e sua formulação de um “comunismo incaico”, memó-
Cubillo-Guevara (2014), ampliando-a e redefinindo ria social que poderia favorecer a construção do socia-
alguns de seus termos. lismo no Peru.
16  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 101

24 Um interessante trabalho sobre a trajetória e as princi- BARTRA, Armando. (2015), “Terca comunidad.
pais formulações do grupo é o livro de Santaella Gon- Karl Marx: sus lecturas, sus lectores”. La Mi-
çalves (2016). graña… Revista de Análisis Político, n. 15.
25 Deve-se mencionar que a vice-presidência da Bolívia BENJAMIN, Walter. (1989), Discursos interrumpi-
vem editando desde 2012 a revista La Migraña… [A dos I. Filosofía del arte y de la historia. Buenos
Enxaqueca...], que é uma das principais divulgadoras Aires, Taurus.
do conceito de sumak kawsay/suma qamaña em suas
BERGOGLIO, Jorge Mario. (2015), “Las tres
diversas formas – não apenas em sua aproximação
com o socialismo.
tareas de los movimientos populares para el
proceso de cambio”. La Migraña… Revista de
26 No limite, é compreender a modernidade e seus tem-
Análisis Político, n. 15.
pos como algo não monolítico. E reconhecer a exis-
tência, particularmente na periferia global, de “tem- CARPIO BENALCÁZAR, Patricio. (2009), “El
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nitaria, socialismo comunitario: debate sobre el
RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS  19

COMUNALISMO NAS LE COMMUNALISME DANS COMMUNALISM IN THE


REFUNDAÇÕES ANDINAS DO LES REFONDATIONS ANDINES ANDEAN REFOUNDATIONS
SÉCULO XXI: O SUMAK KAWSAY/ DU XXIÈME SIÈCLE: LE SUMAK OF THE 21ST CENTURY: SUMAK
SUMA QAMAÑA KAWSAY/SUMA QAMAÑA KAWSAY / SUMA QAMAÑA

Fabricio Pereira da Silva Fabricio Pereira da Silva Fabricio Pereira da Silva

Palavras-chave: Pensamento político Mots-clés: Pensée politique latino-amé- Keywords: Latin American Political
latino-americano; Sumak kawsay/suma ricaine; Sumak kawsay/suma qamaña; Thought; Sumak kawsay / suma qamaña;
qamaña; Comunalismo Communalisme. Communalism

Esse artigo estuda o conceito de sumak Cet article étudie le concept de sumak This paper studies the concept of sumak
kawsay em quéchua/quíchua ou suma qa- kawsay en quechua/quichua ou suma kawsay in Quechua / Quichua or suma
maña em aimara. Na primeira parte, ana- qamaña en aymara. Dans la première qamaña in Aymara. In the first part, it
lisa a origem e significado do conceito. partie, nous analysons l’origine et le sens analyses the origin and meaning of the
Mapeia seus diversos usos, debatendo se du concept. Nous identifions également concept. It maps its various uses, inquir-
ele deveria ser entendido como ideias dis- ses différentes utilisations et débattons si ing whether it should be understood as
tintas ou como um conceito unitário. Na ce concept devrait être compris comme distinct ideas or as a unitary concept.
segunda parte, discute a apropriação da constitué par des idées distinctes ou In the second part, it discusses the ap-
noção durante os processos constituintes comme un concept unitaire. Dans la propriation of the notion during the
ocorridos no Equador e na Bolívia e sua seconde partie, nous discutons l’appro- constituent processes that occurred in
utilização como justificativa programáti- priation de la notion au cours des pro- Ecuador and Bolivia and its use as a pro-
ca pelos respectivos governos, de Rafael cessus constitutionnels qui ont eu lieu en grammatic justification by the respective
Correa e de Evo Morales, articulada a Équateur et en Bolivie et son utilisation governments of Rafael Correa and Evo
ideias de “socialismo comunitário”, como comme justification programmatique Morales, articulated to ideas of “com-
a defendida por Álvaro García Linera. par les gouvernements de Rafael Correa munity socialism”, as defended by Alvaro
Na conclusão, o artigo defende que es- et de Evo Morales, respectivement, arti- Garcia Linera. In conclusion, the paper
sas ideias são a reedição de um tema re- culée aux idées de « socialisme commu- argues that these ideas are the actualiza-
corrente no pensamento das esquerdas nautaire », telle que celle défendue par tion of a recurrent theme of the periph-
periféricas desde o século XIX: a busca Álvaro García Linera. En conclusion, eral left thought since the nineteenth
de pretensos elementos comunais ainda nous défendons que ces idées constituent century: the search for alleged communal
presentes nessas sociedades, oriundos de la réédition d’un thème récurrent dans elements still present in these societies,
um (em certa medida idealizado) passado la pensée des gauches périphériques de- originated on a (to some extent idealized)
pré-capitalista e não ocidental, que servi- puis le XIXème : la recherche de préten- precapitalist and not Western past, which
riam de base material e espiritual para a dus éléments communautaires toujours would serve as material and spiritual ba-
construção de uma sociedade igualitária. présents dans ces sociétés, dérivées d’un sis for the construction of an egalitarian
passé (d’une certaine manière, idéalisé) society.
précapitaliste et non-occidental qui servi-
rait de base matérielle et spirituelle pour
la construction d’une société égalitaire.

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