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Ouro Preto
2019
João Pedro Nascimento
Ouro Preto
2019
João Pedro Nascimento
___________________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Tatiana Ribeiro de Souza – UFOP (Orientadora)
___________________________________________________________________________
Alberto Jorge Sabino Medina (Coorientador)
___________________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª - UFOP Commented [JP2]: Professora, quem será a terceira
pessoa que comporá a banca ao seu lado e ao lado da
professora Natália? Pode ser o Alberto ou existe algum
impedimento ao
___________________________________________________________________________ pelo fato dele ser meu coorientador?
Prof.ª Natália de Souza Lisbôa Obs.: Esclarecendo ao Alberto, esse foi o motivo pelo qual
deixei essa linha a ser preenchida.
Enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal e fazer tudo igual...
(Raul Seixas)
O presente trabalho versa sobre o Ensino Jurídico no Brasil, particularmente no que diz respeito
ao desafio de uma proposta de ensino, a nível de graduação, que considere a complexidade
contemporânea. Um ensino que não seja essencialmente dogmático-positivista e desmistifique
a possibilidade de separação de sujeito e objeto, ideia advinda da modernidade. Parte-se da
constatação de que o ensino jurídico passa por um cenário de crise onde se questiona a
capacidade dos egressos dos cursos de Direito atuarem como agentes transformadores da
sociedade. O método utilizado foi o hipotético dedutivo, cuja tese corresponde à necessária
mudança nas formas de abordagem do ensino tendo em vista a sua insuficiência para atender
as demandas de uma sociedade plural. Como hipótese tem-se o desafio do rompimento com um
modelo de ensino conservador, que parece estar mais comprometido com atendimento de um
sistema econômico (manutenção do poder das classes dominantes) do que com a promoção de
desenvolvimento humano e emancipação dos indivíduos. Sendo a síntese ou o objetivo central
da pesquisa a apresentação do método transdisciplinar como alternativa para a um ensino mais
humanizado e menos mecanicista, um ensino voltado à formação de pensamento crítico e
humanitário, que reconheça as subjetividades e não queira tornar o estudo da ciência jurídica
uma mercadoria. Vale-se, para tanto, de uma metodologia que contextualiza o cenário da atual
política educacional para os cursos de Direito através do estudo de suas Diretrizes Curriculares;
explora os conceitos de multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade; e demonstra os desafios para uma formação crítica em direito.
Concluindo-se, por fim, que o atual modelo de ensino jurídico não consegue acompanhar as
transformações sociais e carece de uma nova forma de abordagem dos conteúdos, forma esta
que seja capaz de fazer com que o conhecimento do Direito não fique adstrito ao estudo de
normas e processos, mas que valorize a diversidade e reconheça a importância de uma unidade
do conhecimento num movimento de integração das ciências.
Keywords:
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art. Artigo
CNE Conselho Nacional de Educação
CES Câmara de Educação Superior
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
IES Instituições de Ensino Superior
LDB Lei de Diretrizes e Base da Educação
MEC Ministério da Educação
SESu Secretaria de Educação Superior
USP Universidade de São Paulo
PPC Projeto Pedagógico do Curso
TC Trabalho de Curso
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 36
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 37
1 INTRODUÇÃO
1 GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria
e prática. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013.
2 Holismo foi um termo adotado por Jan Smuts no seu livro “Holism and Evolution” de 1926. Ele definiu esta ideia
como "A tendência da Natureza a formar, através de evolução criativa, "todos" que são maiores do que a soma de
suas partes". Desde Aristóteles, vê-se as raízes desta ideia, quando em sua metafísica ele afirma: “o inteiro é mais
do que a simples soma de suas partes” (...) Este conceito traz uma visão de mundo integrado, como um organismo.
Esta nova visão baseia-se na inter-relação e interdependência entre todos os fenômenos, sejam eles físicos,
biológicos, psicológicos, sociais ou culturais. Esta proposta prevê uma formulação gradual de uma rede de
conceitos e modelos interligados, além de se contrapor ao modelo mecanicista e reducionista - Holismo e Visão
Sistêmica - Portal Educação - Disponível em: <
https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/psicologia/holismo-e-visao-sistemica/23625>. Acesso em:
02 maio 2019.
contribui para a manutenção de um Direito como mero instrumento de poder e dominação de
povos, servindo mais a um sistema econômico, no qual a necessidade alienação3 e controle
social prevalece sobre a busca por emancipação do indivíduo e autodeterminação dos povos.
Encontra-se nas palavras de Costa e Sousa Júnior, na obra “O Direito Achado na Rua:
uma ideia em movimento”- projeto que propõe um conhecimento interdisciplinar que assume
papel social e ético que supera a dicotomia teoria-prática, uma crítica ao enraizamento do ensino
jurídico nas bases científicas dos séculos passados: Commented [JP3]: Fiz uma pequena alteração para falar
um pouco da obra de onde retirei a referência. Utilizei um
traço para fazer uma explicação, mas não sei se está correto
Pode-se afirmar que o conhecimento jurídico leva às últimas consequências os ou se o melhor seria utilizar vírgulas. Poderia colocar como
posicionamentos e as bases do conhecimento científico em geral. Isso se deve ao fato nota de rodapé?
de que a elaboração e a reprodução do conhecimento jurídico ainda estão no século
XIX, embora se inicie o século XXI, tendo o século XX se encerrado sem maiores
questionamentos acerca de sua fundamentação e produção. O conhecimento jurídico
é ainda hoje permeado por duas noções básicas: o positivismo normativista e o direito
natural.4
3 O termo alienação é a tradução mais divulgada das três palavras alemãs empregadas por Marx para expressar a
ideia de tornar-se estranho a si mesmo, não reconhecer-se em suas obras, desprender-se, distanciar-se, perder o
controle. (QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro.
Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2. ed. rev. amp. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p.59).
4 COSTA, Alexandre Bernardino; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Introdução crítica ao direito à saúde.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009 (Série Direito Achado na Rua, 4.). p.21.
5 Sobre este conceito, ver: NICOLESCU, Basarb. O surgimento da pluralidade complexa. In: NICOLESCU,
Repensar a base curricular dos cursos de Direito no Brasil e a forma de abordagem das
disciplinas do currículo obrigatório certamente é um caminho para uma mudança no modelo de
ensino. Por esse motivo, é fundamental conhecer e compreender a política educacional adotada
pelo Ministério da Educação para os cursos jurídicos no país.
Todos os cursos de graduação devem seguir aquilo que é instituído pelo marco
regulatório do ensino superior no país, razão pela qual é fundamental que seja feita uma breve
análise da normativa que institui e informa as diretrizes curriculares aplicáveis aos cursos de
graduação em Direito no Brasil. Somente após compreender a estrutura, os objetivos e os meios
de atingir a estes objetivos será possível tecer críticas e propor soluções.
Diante disso, passando ao estudo das legislações, quanto à estrutura e às atribuições do
Ministério da Educação na implementação de suas políticas, importa saber que compete ao
Conselho Nacional de Educação (CNE) e às Câmaras de Educação Básica e Superior exercer
as atribuições conferidas pela Lei n.º 9.131/95 - que altera dispositivos da lei que fixa as
diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências (Lei n.º 4.024, de 20 de
dezembro de 1961) - emitindo pareceres e decidindo privativa e autonomamente sobre os
assuntos que lhe são pertinentes, cabendo, no caso de decisões das Câmaras, recurso ao
Conselho Pleno.
Em consulta ao Portal do Ministério da Educação (MEC), encontra-se um breve
histórico da Câmara de Educação Superior e de suas atribuições. Especificamente quanto à
elaboração das normativas que regem os cursos jurídicos no país, tem-se que:
O teor do Parecer n.º 635/2018 apresenta uma revisão das diretrizes curriculares
nacionais do curso de graduação em Direito, tendo sido elaborado pela Comissão de Ensino
Superior do Conselho Nacional de Educação, órgão ligado ao MEC. O objetivo principal, na
sua elaboração, foi a construção das novas Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de
graduação em Direito.
Diante disso, antes de adentrar ao conteúdo da Resolução n.º 5, de 2018, propriamente,
é imprescindível analisar as discussões que permearam a sua edição, razão que motiva o estudo
do respectivo parecer.
Sobre a necessidade da revisão das diretrizes, encontra-se uma justificativa que vai de
encontro ao que se espera deste trabalho monográfico, isso é esboçado na introdução do
Parecer7, quando este fala da relevância da verificação da atualidade dos currículos, seja em
relação ao desenvolvimento da área de conhecimento, seja em relação aos requisitos sociais e
econômicos das atividades profissionais do(a)s egresso(a)s, bem como a articulação
interdisciplinar e as diversas possibilidades curriculares, e sua articulação com pesquisa e
extensão. Mais do que isso, ressalta-se a importância de diretrizes curriculares que estimulem
a formação de competências e habilidades, por meio de metodologias ativas.
8 p.07/08. CNE. Parecer CNE/CES, 635/2018, 4/10/2018. Homologado pela Portaria n° 1.351, publicada no
D.O.U., Seção 1, Pág. 34, 17 dez. 2018. Disponível em: <http://www.portal.mec.gov.br/docman/outubro-2018-
pdf-1/100131-pces635-18/file>. Acesso em: 12 maio 2019.
9 INEP. BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio da Teixeira Inep. Ministério da
Educação (Comp.). Sinopses Estatísticas da Educação Superior – Graduação. 2004 a 2016. Disponível
em:<http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior>. Acesso em: 20 maio 2019.
No tópico em que se discute as DCNs é apresentado o Projeto Pedagógico, a Matriz
Curricular e a Organização e Estrutura para os cursos de Direito. Conforme descrito no próprio
parecer10, com as DCNs:
Percebe-se que a proposta é de um ensino que vai além do estudo das disciplinas. Mais
do que isso, ao se afirmar que a metodologia deve proporcionar uma relação de ensino-
aprendizagem que atenda a um processo de construção de autonomia, de forma
pluridimensional, dos pilares do conhecimento propostos por Delors: “aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser”11, está se falando de uma proposta que
considere dimensões humanas pouco trabalhadas no modelo de educação atual. Nota-se que
essa proposta para articulação dos saberes muito se aproxima do que será chamado neste
trabalho de método transdisciplinar, afinal a essência da transdisciplinaridade está nas
abordagens multidimensional e multireferencial. No entanto, a previsão de um tratamento Commented [JP6]: Anteriormente eu havia escrito
“pluridimensional”, o também não é errado, mas preferi o
transversal dos conteúdos tende mais à interdisciplinaridade. termo “multidimensional”.
10 p.10/11. CNE. Parecer CNE/CES, 635/2018, 4/10/2018. Homologado pela Portaria n° 1.351, publicada no
D.O.U., Seção 1, Pág. 34., 17 dez. 2018. Disponível em: <http://www.portal.mec.gov.br/docman/outubro-2018-
pdf-1/100131-pces635-18/file>. Acesso em 20 maio 2019.
11 Sobre esses pilares, ver: DELORS, Jacques (Coord.). Os quatro pilares da educação. In: Educação: um tesouro
Nota-se, portanto, que a principal normativa que estabelece as diretrizes para o Projeto
Pedagógico dos cursos de Direito no Brasil fala da necessidade de se abranger “formas de
realização de interdisciplinaridade”. Interessa a este trabalho compreender a razão pela qual tal
normativa fala da necessidade de realização do método interdisciplinar e, mais do que isso,
compreender se é possível implementar o conceito de transdisciplinaridade, de forma que este
se torne mais conhecido e explorado nas práticas educacionais, vindo a se tornar o método
preferencial para o desenvolvimento do Direito.
Quer por desconhecimento, quer por incompreensão, a transdisciplinaridade parece não
ter sido considerada quando da elaboração das políticas educacionais, e isso não só a nível de
graduação, como também nos ensinos fundamental e médio. Mais adiante, no parágrafo quarto
do mesmo artigo 2º, tem-se o que parece ser uma das formas de realização da
interdisciplinaridade:
§ 4º O PPC deve prever ainda as formas de tratamento transversal dos conteúdos
exigidos em diretrizes nacionais específicas, tais como as políticas de educação
ambiental, de educação em direitos humanos, de educação para a terceira idade, de
educação em políticas de gênero, de educação das relações étnico-raciais e histórias e
culturas afro-brasileira, africana e indígena, entre outras. (Grifos do autor)
Quanto tal dispositivo diz que é objetivo da formação de bacharéis em Direito no Brasil
assegurar ao graduando sólida formação humanística, capacidade de argumentação,
interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliado a uma postura reflexiva e
de visão crítica que fomente a capacidade para a aprendizagem, autônoma e dinâmica,
indispensável ao exercício do Direito, à prestação da justiça e ao desenvolvimento da cidadania,
ele está, em alguma medida, afirmando que o graduando deve ir muito além do conhecimento
dos fenômenos jurídicos. O desenvolvimento de uma postura crítica e reflexiva só se realiza na
medida em que é oferecido uma proposta de ensino que seja pensada para além das fronteiras
das disciplinas. Interpretar e valorizar fenômenos sociais requer a aprendizagem de áreas do
conhecimento que estão contidos no universo das ciências sociais - e até mesmo em outras
ciências - e que são essenciais para a formação humanística do profissional do Direito. Afinal,
não é possível o estudo do Biodireito, por exemplo, sem um mínimo conhecimento de Biologia,
13Artigo 3: A Transdisciplinaridade é complementar à abordagem disciplinar; ela faz emergir novos dados a partir
da confrontação das disciplinas que os articulam entre si; ela nos oferece uma nova visão da Natureza e da
Realidade. A transdisciplinaridade não procura o domínio de várias disciplinas, mas a abertura de todas as
disciplinas ao que as une e as ultrapassa. Carta da Transdisciplinaridade – Disponível em: <
http://cetrans.com.br/assets/docs/CARTA-DA-TRANSDISCIPLINARIDADE1.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2019.
da mesma maneira que não se estuda os Direitos Econômico, Financeiro e Tributário, sem
noções básicas de Economia, Contabilidade e Matemática.
Portanto, o isolamento do eixo das disciplinas de formação geral pode causar uma
dificuldade de compreensão da necessidade destas disciplinas na formação jurídica. A análise
14 Novamente usa-se o termo “interdisciplinaridade”, mais uma evidência de ser este o método a ser adotado pelos
cursos de graduação em Direito no Brasil.
15 FERRAZ JR. Tércio S. Introdução ao Estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4.ed. São Paulo: Atlas,
2003.
crítica sobre esse isolamento remete aos conceitos de multidisciplinaridade e
pluridisciplinaridade, que serão explorados mais adiante neste trabalho.
O segundo eixo de formação é predominantemente dogmático16, uma vez que é formado
por disciplinas estritamente marcadas pelo positivismo jurídico, com algumas exceções como
no caso da disciplina Teoria do Direito.
As disciplinas deste eixo são marcadas pelo estudo dos códigos, legislações, cujos
conteúdos, em geral, não estão abertos a análises reflexivas, mas orientados para a apreensão
dos conceitos e classificações considerados como válidos. O pensamento dogmático é uma
forma de enfoque teórico no qual as premissas de sua argumentação são inquestionáveis, como
por exemplo, ocorre com a religião por ser a fé inquestionável.
Todavia, a razão pela qual as disciplinas dos eixos zetético e dogmático não devem ser
objetos de estudo isolados está nas precisas lições de Tércio Sampaio Ferraz Jr.:
É preciso reconhecer que o fenômeno jurídico, com toda a sua complexidade, admite
tanto o enfoque zetético, quanto o enfoque dogmático, em sua investigação. Isso
explica que sejam várias as ciências que o tomem por objeto. Em algumas delas,
predomina o enfoque zetético, em outras, o dogmático.17 Commented [JP9]: Acresci essa citação.
Ademais, antes de se falar do terceiro eixo de formação, sobre a relação e as distinções Commented [JP10]: Acresci essa palavra
entre os enfoques zetético e o dogmático, tem-se que:
Por fim, o terceiro eixo de formação é o da prática jurídica, onde se propõe o elo entre
a teoria ministrada no curso e o direito na sociedade. Expressão comumente usada no Direito,
16 O Dogmatismo é um sistema filosófico, o que significa discutível, mas contraria o próprio conceito de Filosofia
ao forjar os dogmas indiscutíveis. (Santos, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del
Rey, 2001. p. 85)
17 FERRAZ JR. Tércio S. Introdução ao Estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4.ed. São Paulo: Atlas,
2003.
18 OLIVEIRA, Rafael. Zetética e dogmática. Jus.com.br, Internet, p. 1-1, mar. 2016. Disponível em:
Antes de se adentrar à conceituação dos métodos é importante ressaltar que apesar das
diferenças é possível a coexistência de mais de um método quando se observa uma determinada
prática de ensino. Quer se dizer com isso que um educador pode (ou deveria poder) ir além do
seu planejamento de aula e levar para seus alunos mais do que o previsto no conteúdo
programático, ou ainda, abordar o conteúdo programático de uma maneira diferente da
convencional. Se a normativa prevê que devem ser observadas as práticas interdisciplinares, ao
educador, no exercício de sua liberdade de cátedra20, deve (ou deveria) ser oportunizado ir além Commented [JP11]: Acresci esta nota ao trabalho.
19 Exprime, pois, a soma de regras instituídas pelos usos e costumes para a prática ou execução dos atos forenses,
autorizada pelas leis processuais, autorizadas pelas leis processuais ou não contrárias a elas. Por ela é estabelecido
o ritual processual a ser adotado, normalmente, na efetivação de qualquer procedimento judicial ou forense.
(SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.625).
20 A liberdade de cátedra foi tema da tese premiada pela CAPES para o curso de Direito no ano de 2017. Com o
título: “A tutela jurídica da liberdade acadêmica no Brasil: a liberdade de ensinar e seus limites” a autora da tese,
Amanda Costa Thomé Travincas, obteve o seu doutoramento. Disponível em: <
http://www.capes.gov.br/pt/premiocapesdetese/noticias/pct/8613-teses-premiadas-em-2017>. Acesso em: 21 jun.
de 2019.
Outra grande dificuldade de inovar advém do perfil de aluno que tem procurado o curso
de Direito, que assume uma postura de consumidor. Isso porque muitas pessoas procuram o
curso justamente pela sua sistemática tradicional e pela demanda no mercado de trabalho, o que
dificulta qualquer mudança nas formas de abordagem dos conteúdos por parte das Instituições
de ensino e, obviamente, por seu corpo docente.
Afirmar que um determinado ensino seja transdisciplinar significa dizer que este tem o
propósito de ir além da pluri, multi e da interdisciplinaridade. Isso não importa na anulação de
um método pelo outro, pelo contrário, importa em sua ressignificação. Nicolescu diz que: “a
disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são as
quatro flechas de um único e mesmo arco: o do conhecimento”21. Commented [TR12]: Você só citou 3. Conferir a citação
Neste trabalho opta-se pela análise dos conceitos de pluri, inter e transdisciplinaridade,
deixando-se um pouco de lado a multidisciplinaridade, mas reconhecendo a importância deste Commented [JP13R12]: Corrigido. Havia ficado faltando
a transdisciplinaridade.
conceito no processo de compreensão dos demais (tópico 3.1). Apenas como um apêndice: “à
estrutura dividida em disciplinas sem nenhuma cooperação entre elas, damos o nome de
multidisciplinar. Nesta estrutura, cada matéria se fecha em seu campo de conhecimento sem
estabelecer um grau de integração (troca, modificação ou enriquecimento) com as demais”22. Commented [JP14]: Acresci este parágrafo
21 NICOLESCU, Basarab. O manifesto da Transdisciplinaridade. Trad.: SOUZA, Lucia Pereira. 3ª ed. São
Paulo: TRIOM, 1999. p.55.
22 RIBEIRO DE SOUZA, Tatiana. ESTADO DE DIREITO INTERNACIONAL: o novo artifício liberal de
Como o prefixo “trans” indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as
disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu
objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a
unidade do conhecimento.26
24 NICOLESCU, Basarab. O manifesto da Transdisciplinaridade. Trad.: SOUZA, Lucia Pereira. 3ª ed. São
Paulo: TRIOM, 1999. p.52
25 Idem.p.11.
26 Idem.p.53.
27 A Carta foi um documento redigido no Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade realizado em
que os cursos de Direito possuem um caráter mais pluridisciplinar, na medida em que existe
Commented [JP22R21]: Corrigido. Sem as vírgulas
uma superposição de disciplinas situadas ao mesmo nível hierárquico e agrupadas de modo que mesmo.
demonstra a correlação entre elas.
Já em relação à diferença existente entre os conceitos de interdisciplinaridade e
pluridisciplinaridade Costa e Sousa Júnior explicam:
28 MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete pluridisciplinaridade. Dicionário
Interativo da Educação Brasileira - Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em:
<https://www.educabrasil.com.br/pluridisciplinaridade/>. Acesso em: 29 abr. 2019.
29 Idem.
30 COSTA, Alexandre Bernardino; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Introdução crítica ao direito à saúde.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009 (Série Direito Achado na Rua, 4.). p.24.
31 GUSDORF, G. Reflexões sobre a interdisciplinaridade. Tradução de Homero Silveira. São Paulo: Convivium,
1986. p.19.
conhecimento, apresentar as disciplinas em uma “grade” curricular, de alguma maneira remete
à uma ideia de “empacotamento” ou “engavetamento” dos conteúdos, o que aparenta ser uma
contradição.
Outra diferença entre inter, multi e transdisciplinaridade pode ser encontrada no artigo
6 da Carta da Transdisciplinaridade, segundo o qual:
Uma pluralidade de olhares e esclarecimentos, que supõe por sua vez diferentes
linguagens descritivas e interpretativas, que não devem ser confundidas nem
reduzidas entre si porque partem de paradigmas bem distintos. A análise
multireferencial de situações, práticas, fenômenos e fatos educativos se propõe
explicitamente a uma leitura plural sob diferentes ângulos e em função de vários
sistemas de referências que vão dar conta do estado de complexidade desses
fenômenos.34
Edgar Morin, em sua obra “Cabeça Bem Feita”, fala do aspecto multireferencial e da
necessidade de integração do todo no interior das partes, como resultado de uma “reforma do
pensamento”:
1990, n.º 3.
34 DUARTE, Francimar Arruda. O olhar multireferencial: uma proposta de conhecimento. Perspectiva,
36NICOLESCU, Basarab. O manifesto da Transdisciplinaridade. Trad.: SOUZA, Lucia Pereira. 3ª ed. São
Paulo: TRIOM, 1999. p.54.
Primeiramente, quanto à origem da escolha pela interdisciplinaridade, Menezes e Santos
afirmam que:
Em que pese ser uma orientação para o ensino médio, é inevitável afirmar que a
tendência é a adequação de todos os currículos (médio e superior) ao método interdisciplinar.
Isso porque infelizmente o processo de educação, quando dividido em classes (fundamental,
médio e superior), leva à falsa crença de progressão linear do processo aprendizagem. Ademais,
como a LDB é a principal lei sobre educação no país, pode-se esperar a tendência de reprodução
do método interdisciplinar também no ensino superior.
Nas precisas palavras de Ribeiro de Souza:
37 MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete interdisciplinaridade. Dicionário
Interativo da Educação Brasileira - Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em:
<https://www.educabrasil.com.br/interdisciplinaridade/>. Acesso em: 20 abr 2019.
38 Comentando sobre o 1º Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, realizado em Arrábida, Portugal, Evandro
Mirra de Paula e Silva relembra que, no trabalho apresentado por Julie Thompson Klein, o porte do problema do
excesso de especialização do conhecimento ficou bastante evidenciado pela apresentação do recenseamento do
número de disciplinas então reconhecidas, que, na ocasião, somavam 8.530 campos do conhecimento devidamente
repertoriados e catalogados. (SILVA, Evandro Mirra de Paula. Os Caminhos da Interdisciplinaridade. In:
DOMINGUES, Ivan (org.). Conhecimento e transdisciplinaridade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. p. 37).
39 RIBEIRO DE SOUZA, Tatiana; ESTADO DE DIREITO INTERNACIONAL: o novo artifício liberal de
40NICOLESCU, Basarab. O manifesto da Transdisciplinaridade. Trad.: SOUZA, Lucia Pereira. 3ª ed. São
Paulo: TRIOM, 1999. p. 56.
Direito como ciência nasce na modernidade, cujo referencial teórico-científico era a física
clássica, de Galileu, Kepler e Newton até Einstein. Aqui é importante explicar que são os
postulados da Física Clássica que marcam o período chamado de modernidade e não os da
Física Quântica, por alguns físicos chamada também de “física moderna”.
De uma forma extremamente didática, Ribeiro de Souza, escreve:
É curioso observar que alguns físicos chamam a nova teoria, que sucedeu a Física
Clássica, de ‘física moderna’. No entanto, não existe expressão mais fiel da
modernidade do que a Física Clássica. Possivelmente, a referência a uma “física
moderna” que superou a Física Clássica seja alusão a algo novo, isso é, moderno no
sentido de atual. Por essa razão, é importante esclarecer a que tradição teórica da física
se quer referir quando se fala em física moderna.
acordo com a evidência fornecida pelos órgãos dos sentidos: não se pode passar de um ponto a Commented [JP28R27]: Problema resolvido nos
parágrafos acima.
outro do espaço sem passar por todos os pontos intermediários”41. Tal ideia está intimamente
ligada à causalidade local: “todo fenômeno físico poderia ser compreendido por encadeamento
contínuo de causas e efeitos: a cada causa em um ponto dado corresponde um efeito em um
ponto infinitamente próximo e a cada efeito em um ponto dado corresponde a uma causa em
um ponto infinitamente próximo”42. O determinismo, por sua vez, está em afirmar que “as
equações da física clássica são de tal natureza que, se soubermos as posições e as velocidades
dos objetos físicos num dado instante, podemos prever suas posições e velocidades em qualquer
outro momento do tempo”43. Por fim, “a objetividade, instituída como critério supremo de
verdade, teve uma consequência inevitável: a transformação do sujeito em objeto”44.
A influência do Física Clássica fez nascer “a ideologia cientificista, que surgiu como
ideologia de vanguarda e que experimentou uma extraordinária disseminação no século XIX”45.
Nas Ciências sociais a ideologia cientificista desfavorece a visão transdisciplinar. No caso do
41 NICOLESCU, Basarab. O manifesto da Transdisciplinaridade. Trad.: SOUZA, Lucia Pereira. 3ª ed. São
Paulo: TRIOM, 1999. p.20.
42 Idem. p.20.
43 Idem. p.21
44 Idem. p.22.
45 Idem. p.22.
ensino jurídico, o fato de algumas disciplinas não serem trabalhadas a partir de uma relação de
dependência entre elas é resultado do reducionismo científico da concepção positivista.
Para Nicolescu, na visão clássica do mundo, a física é a base das disciplinas:
A lógica binária clássica confere seus títulos de nobreza a uma disciplina científica.
Graças a suas normas de verdade, uma disciplina pode pretender esgotar inteiramente
o campo que lhe é próprio. Se esta disciplina for considerada fundamental, como a
pedra de toque de todas as disciplinas, este campo alarga-se implicitamente a todo
conhecimento humano. Na visão clássica do mundo, a articulação das disciplinas era
considerada piramidal, sendo a base da pirâmide representada pela física. A
complexidade pulveriza literalmente esta pirâmide provocando um verdadeiro big-
bang disciplinar.46
É inegável que a lógica binária clássica está muito presente no Direito. O binarismo é
responsável por todo tipo de polarização na sociedade. Um exemplo do que seja esta
polarização e de suas consequências está na perspectiva binária ocidente-oriente. No capítulo
que segue a este será tratado do universalismo europeu. Esta forma de universalismo fez com
que os valores e ensinamentos da cultura oriental fossem subjugados, prevalecendo como
valores mundiais os do ocidente. Diante disso, nos resta uma curiosidade: será que em algum
lugar do outro lado do mundo o ensino jurídico é transdisciplinar?
. Sobre a origem daquilo que se chama de ciência moderna, Nicolescu enuncia:
A ciência moderna nasceu de uma ruptura brutal em relação à antiga visão de mundo.
Ela está fundamentada numa ideia, surpreendente e revolucionária para a época, de
uma separação total entre o indivíduo conhecedor e a Realidade, tida como
independente do indivíduo que a observa. Mas, ao mesmo tempo, a ciência moderna
estabelecia três postulados fundamentais, que prolongavam, a um grau supremo, no
plano da razão, a busca de leis e da ordem: 1. A existência de leis universais, de caráter
matemático. 2. A descoberta destas leis pela experiência científica. 3. A
reprodutibilidade perfeita dos dados experimentais. 47
46 NICOLESCU, Basarab. O manifesto da Transdisciplinaridade. Trad.: SOUZA, Lucia Pereira. 3ª ed. São
Paulo: TRIOM, 1999. Idem. p.43.
47 Idem. p.19.
Assim como conceitos são descontruídos, novos tendem a surgir, por esse motivo, com
a desconstrução da lógica binária da modernidade surge o conceito de transdisciplinaridade.
Nicolescu, sobre a origem da palavra transdisciplinaridade, explica que:
As palavras três e trans tem a mesma raiz etimológica: “três” significa ‘a transgressão
do dois, o que vai além do dois’. A transdisciplinaridade e a transgressão da dualidade
que opõe os pares binários: sujeito/objeto, subjetividade/objetividade,
matéria/consciência, natureza/divino, simplicidade/complexidade,
reducionismo/holismo, diversidade/unidade. Esta dualidade é transgredida pela
unidade aberta que engloba tanto o Universo como o ser humano. 48
48 NICOLESCU, Basarab. O manifesto da Transdisciplinaridade. Trad.: SOUZA, Lucia Pereira. 3ª ed. São
Paulo: TRIOM, 1999. p. 64.
49 RIBEIRO DE SOUZA, Tatiana; ESTADO DE DIREITO INTERNACIONAL: o novo artifício liberal de
Uma teoria (filosófica ou científica) ou uma prática (ética, política, artística) são novas
justamente quando rompem as concepções anteriores e as substituem por outra
completamente diferentes, não sendo possível falar numa continuidade progressiva
entre elas, pois são tão diferentes que não há como nem por que compará-las e julgar
uma delas atrasada e a outra mais adiantada.
(...) Uma concepção semelhante foi desenvolvida pelo filósofo norte-americano
Thomas Kuhn. Segundo ele, essas revoluções acontecem quando uma teoria científica
entra em crise e acaba sendo eliminada por outra, organizada de maneira diferente. 51
Romper com as concepções anteriores talvez seja o grande desafio da ciência jurídica. Commented [TR30]: É preciso desenvolver mais o
parágrafo de encerramento do tópico
Afinal, o caráter mecanicista e uniformizador do ensino jurídico é fruto de toda a influência
Commented [JP31R30]: Conforme orientação, acresci os
exercida pela física clássica e seus conceitos. Toda a influência do racionalismo cartesiano foi parágrafos de encerramento.
50 CHAUÍ, Marilena. Convite a Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2004. p. 105.
51 Idem.
52 RIBEIRO DE SOUZA, Tatiana; ESTADO DE DIREITO INTERNACIONAL: o novo artifício liberal de
53 Sobre o conceito de corpo social, ver documentário: “Marcelo Yuka: A parte que sobrevive”. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=cRQ8uIMkIaI> Acesso em 20 mai 2019.
54 RIBEIRO DE SOUZA, Tatiana; ESTADO DE DIREITO INTERNACIONAL: o novo artifício liberal de
Os desafios para uma formação crítica em Direito são muitos e todos eles refletem a
necessidade de se pensar um ensino menos formalista e mais humanizado. É mister reconhecer
que o ensino jurídico passa por um momento de crise na qual há um questionamento sobre o
perfil dos egressos das faculdades de Direito e a capacidade destes de exercerem a atividade
jurídica de acordo com as premissas Constitucionais e as normas do Estado Democrático de
Direito.
Diante do atual cenário do ensino e da atividade jurídica no país, muito se ouve a
respeito da capacidade que os cursos têm de formar profissionais que sejam cada vez mais
preparados para lidar com o ordenamento jurídico instituído pela Constituição Federal de 1988,
onde os profissionais do Direito devem atuar como verdadeiros construtores da Democracia,
pautados principalmente pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
O desafio para se pensar uma formação crítica em Direito passa, inevitavelmente, por
uma reflexão histórica acerca do desenvolvimento da ideia de ciência, e principalmente da ideia
de ciência jurídica propriamente dita. É de extrema importância compreender as bases sobre as
quais se funda a ciência do Direito e toda a lógica em seu entorno, para então compreender a
história do ensino jurídico.
Antes de se falar da ciência do Direito e dos desafios para uma formação crítica, é
imprescindível contextualizar aquilo que se chama de “universalismo científico”. Este conceito
aparece na obra de Wallerstein, intitulada “O universalismo europeu: a retórica do poder”, na
qual o autor afirma que:
55
WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. O universalismo europeu: a retórica do poder. Tradução: Beatriz
Medina. 1ª. ed. rev. São Paulo: Boitempo, 2007. p.85-86.
só poderia ser concebido como científico se resultasse de um processo de objetivação e
sistematização. Qualquer conhecimento que pretendesse explorar as subjetividades era
rechaçado como não-científico. Ainda de acordo com Wallerstein, depois de 1945 “o
universalismo científico tornou-se inquestionavelmente a forma mais forte de universalismo
europeu, de certo modo inquestionável”56, e ainda nos dias atuais apresentam-se muitos reflexos
disso, principalmente nas ciências sociais.
Wallerstein afirma, ainda, que:
desde a filosofia, psicanálise, até a literatura até a teoria do Direito. Com suas ideias contestadoras e radicais,
vindas de lugares inesperados, marcou profundamente o universo jurídico. (ROCHA, Leonel Severo. A AULA
MÁGICA DE LUIS ALBERTO WARAT: Genealogia de uma Pedagogia da Sedução para o Ensino do Direito.
Anuário 2012 da Unisinos, Portal e-governo, inclusão digital e sociedade do conhecimento, 18 dez. 2012.
Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/aula-m%C3%A1gica-de-luis-alberto-warat-
genealogia-de-uma-pedagogia-da-sedu%C3%A7%C3%A3o-para-o ensino-do-d>. Acesso em: 8 jun. 2019).
60 Idem.
A consequência desse ensino positivista que uniformiza e tem comprometimento com
os valores dos grupos dominantes são salas “lotadas de pessoas cujas esperanças de ascensão
social se depositam sobre o sonho de serem igualmente autoridades, reproduzindo o status quo,
em um país onde só se respeita a autoridade do título ou cargo”61. É justamente devido a esta
constatação que se afirma que o ensino jurídico tende a formar profissionais mais preocupados
com o atendimento de uma demanda de mercado do que comprometidos com a promoção da
justiça.
O desafio de formar indivíduos com pensamento crítico reside no desafio de se repensar
o modelo positivista e a lógica ao seu entorno. A ciência dogmática é falha no que diz respeito
ao desenvolvimento uma vez que desconsidera a pluralidade. Celso Lafer, em prefácio escrito
ao livro “Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação”, de Tércio Sampaio
Ferraz Jr., afirma que a ciência dogmática do Direito, “embora dependa do princípio da
inegabilidade dos pontos de partida – o Direito Positivo posto e positivado pelo poder -, não se
reduz a este princípio, pois não trabalha com certezas, mas sim com as incertezas dos conflitos
na vida social” 62.
As incertezas dos conflitos da vida social devem ser o ponto de partida para uma nova
proposta de educação jurídica. A legislação, ao prever que o ensino deve promover formas de
realização da interdisciplinaridade reconhece que o mesmo ainda não se realizou, sendo,
portanto, algo que que ainda não foi alcançado.
Diante disso, ao reconhecer a insuficiência da interdisciplinaridade ao mesmo tempo
em que se reconhece que ela ainda não fora alcançada, tem-se a compreensão de que a
transdisciplinaridade é algo distante. De toda sorte, é preciso promover um ensino jurídico que
vá além da reprodução de conhecimentos onde alunos e profissionais parecem distantes da
realidade, um ensino onde os indivíduos não queiram apenas ser engrenagens de um sistema.
Se a transdisciplinaridade parece utópica, nada mais justo do que lutar por ela, afinal,
toda utopia deve ser o horizonte pelo qual se deve caminhar. "Ser homem é ter utopias"63.
Acreditar na segurança trazida por uma ciência jurídica objetiva e cheia de verdades é acreditar
que a sociedade não está em constante transformação. Como ciência social aplicada, como
ciência essencialmente humana, o Direito deve estar atento às subjetividades. Só assim será
61 BITTAR, E. C. B. Estudos sobre o ensino jurídico: pesquisa, metodologia, diálogo e cidadania. São Paulo:
Atlas. 2006. p.29.
62 FERRAZ JR. Tércio S. Introdução ao Estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4.ed. São Paulo: Atlas,
2003. p.16.
63 BLOCH, E. O homem como possibilidade. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1976, p. 28. Essa ideia é discutida
e comentada por Pierre Furter em seu texto: A dialética da esperança: uma interpretação do pensamento de Ernst
Bloch. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974.
possível construir uma ciência do Direito que não esteja alheia às mazelas sociais, só assim o
Direito coincidirá com a Justiça.
O direito construído por uma sociedade é o reflexo de seu povo e de suas instituições.
As suas instituições de ensino como um todo, e não somente as faculdades de ensino jurídico,
têm um papel fundamental nesta construção, sendo impossível pensar na transformação social
sem uma educação libertadora que promova, antes de tudo, o desenvolvimento humano.
Portanto, está lançado o desafio de se construir um ensino cuja formação seja crítica e o
desenvolvimento de competências esteja além da reprodução do conhecimento, onde o
conhecimento não esteja limitado aos conteúdos programáticos, que como o próprio nome diz
serve para programar, robotizar. Talvez tal objetivo só seja alcançado se um dia a
transdisciplinaridade for implementada, não somente na formação de bacharéis em Direito, mas
em toda educação, desde a base. Isso importa na mudança das políticas educacionais e
consequente na mudança da legislação.
5 CONCLUSÃO
COSTA, Alexandre Bernardino; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Introdução crítica ao
direito à saúde. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009 (Série Direito Achado na Rua,
4.).
FERRAZ JR. Tércio S. Introdução ao Estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4.ed.
São Paulo: Atlas, 2003.
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