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06/01/2020 Outras fitas: Descolonização, necropolítica e o futuro do mundo com Achille Mbembe - A Fita

Política & som, uma vez por semana, um convidado, uma hora (ou mais) de papo.

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06/01/2020 Outras fitas: Descolonização, necropolítica e o futuro do mundo com Achille Mbembe - A Fita

30 DE OUTUBRO DE 2019 / A FITA / 4 COMENTÁRIOS

Outras fitas: Descolonização,


necropolítica e o futuro do mundo
com Achille Mbembe
(Seguindo com as traduções d’A Fita, publico agora uma entrevista longa porém
extremamente necessária com Achille Mbembe, um dos maiores pensadores
contemporâneos sobre política, o mundo que urge por se descolonizar e, em geral, sobre a
merda em que nos metemos. Realizada na Noruega, essa entrevista foi publicada em inglês
[do qual ela foi traduzida] em setembro deste ano pela revista New Frame – clique aqui se
quiser ler a versão original. Quem se interessar e quiser saber mais sobre Mbembe, pode ler
esse ensaio sobre a “guerra ao movimento” na Serrote, ou ir atrás dos livros dele: a n-1
publicou “Necropolitica” e “Crítica da Razão Negra” e a Vozes tem uma edição fresquinha
de “Sair da Grande Noite“. Quem me recomendou a entrevista foi o camarada Tiago
Soares, que inclusive está com um livro pronto sobre neoliberalismo que acho que todos são
obrigados a ler – siga ele no Twi er e ouça o episódio dele n’A Fita. A Taísa não teve tempo
de revisar, então se vocês quiserem apontar qualquer defeito, entrem em contato direto
comigo ou mandem um email para afitapodcast@gmail.com. Divirtam-se! [Mentira, o papo
é meio deprê])

O pensador Achille Mbembe visitou a Noruega pela primeira vez pela ocasião do
Holberg Debate, organizado anualmente pelo Secretariado do Holberg Prize na
Universidade de Bergen em 1º de dezembro de 2018, onde ele proferiu uma
apresentação. Mbembe agora realiza uma série de três palestras com o tema
“Corpos Enquanto Fronteiras” na Casa de Literatura de Oslo nos dias 13 e 14 de
setembro de 2019. A entrevista abaixou foi realizada em Bergen, na Noruega, no
dia 30 de novembro de 2018 por Torbjørn Tumyr Nilsen para o jornal norueguês
Klassekampen.

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Nielsen: Em abril de 2015 a estátua de Rhodes foi derrubada na Universidade de


Cidade do Cabo, na África do Sul. Como você interpreta esse evento?

Mbembe: Para aqueles que não sabem do que estamos falando, Cecil John Rhodes
era um corsário. Ele era um personagem implacável no expansionismo mercantil
que caracterizou o colonialismo do século 19 na parte sul da África. Através de
alianças políticas, brutalidade crua e conveniência, ele tomou para si um grande
pedaço da riqueza mineral da África do Sul, em particular os diamantes de
Kimberley e o ouro de Witwatersrand. Ele cedeu uma parte das terras que tomou
em Cidade do Cabo para a universidade, que, em troca, erigiu uma estátua em sua
honra nos degraus de um dos seus principais prédios.

Rhodes prefigurou a extração e privatização de riquezas obtidas violentamente


que o neoliberalismo hoje realiza com um refinamento não visto na história da
humanidade. Ele foi o precursor de um tipo de sistema econômico predatório e de
política plutocrática que está em pleno funcionamento na maior parte do mundo
hoje, cujos resultados são o estupro da biosfera e a destruição em escala massiva
das condições básicas de vida na Terra.

Eu interpreto a derrubada de sua estátua como uma vitória pequena e simbólica


na longa e prolongada luta por justiça universal.

Então há uma genealogia entre Rhodes e a ordem neoliberal que vemos hoje?

Existe um explícito parentesco entre a escravidão moderna, a predação colonial e


as formas contemporâneas de apropriação e extração de recursos. Em cada uma
dessas instâncias há uma negação constituitiva do fato de que nós humanos co-
evoluímos com a biosfera, dependemos dela, somos definidos por e através dela, e
devemos uns aos outros uma obrigação de responsabilidade e cuidado.

Uma diferença importante é a escala tecnológica que levou à emergência do


capitalismo computacional dos nossos tempos. Não estamos mais na era da

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máquina, mas na era do algoritmo. Essa escalada tecnológica, por sua vez, ameaça
tornar todos nós em artefatos – o que eu chamei em outro momento de “tornar-se-
o-negro-do-mundo” – e em tornar redundante uma grande parte do poder
muscular do qual o capitalismo dependeu por muito tempo. O que se segue é que
hoje, apesar de seu principal alvo seguir sendo o corpo humano e as matérias da
terra, a dominação e a exploração estão se tornando cada vez mais abstratas e
reticulares. Como repositório dos nossos desejos e emoções, sonhos, medos e
fantasias, nossa mente e nossa vida psíquica se transformaram em matéria-prima
sobre a qual o capitalismo digital busca capturar e transformar em mercadoria.

Nos tempos de Rhodes, a exploração do trabalho negro andava de mãos dadas


com uma forma virulenta de racismo. O capitalismo contemporâneo ainda
depende desses subsídios raciais. Mas as tecnologias de racialização têm se
tornado cada vez mais pérfidas e abrangentes. Na medida em que o mundo se
transforma num grande empório de dados, as tecnologias de racialização serão
cada vez mais geradas e instituídas através de dados, cálculos e computação. Em
resumo, o racismo está se realocando ao mesmo tempo sob e sobre a superfície da
pele. Ele se reproduz através de telas e espelhos de vários tipos. Tem se tornado ao
mesmo tempo espectral e fractal.

De qualquer forma, no caso da derrubada da estátua de Rhodes, meu argumento


sempre foi de que ela nem deveria estar lá para começo de conversa.

Como um símbolo?

Sim, como uma lembrança dos vários crimes que esse homem cruel cometeu em
sua tentativa de negar ao povo negro qualquer direito a um futuro humano na
África do Sul. Como um lembrança, também, do cinismo com o qual ele tentou
esconder a imagem da sua riqueza roubada sob o manto da filantropia.

Mas a crítica apropriada do estilo de Rhodes de economia predatória e política


plutocrática não deveria estar limitada apenas à África do Sul ou às fronteiras de

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uma nação-estado específica. O projeto ao qual ele serviu era colonial e imperial.
Seu horizonte não era centrado na África do Sul. Em última análise, Rhodes é o
símbolo do dano duplo que o capitalismo, em sua forma racista, colonial e
imperial, infligiu sobre a humanidade e sobre a biosfera. Esse deveria ser o ponto
de partida para qualquer crítica a Rhodes que queira evitar as armadilhas do
chauvinismo nacionalista.

No evento que você vai realizar na Universidade de Bergen amanhã você vai
discutir movimentos sociais ao o longo da história. Como você descreveria o
movimento social de hoje, comparado, por exemplo, com os movimentos
estudantis do fim dos anos 1960?

São dois eventos diferentes. Eles acontecem em dois momentos históricos e dois
lugares diferentes. Eu nem tenho certeza de que os protagonistas de hoje têm
algum conhecimento ou memória do que aconteceu em 1968.

Se o meu entendimento estiver correto, um dos objetivos perseguidos pelo


movimento de descolonização na África do Sul é desmontar o que é percebido
como uma estrutura de repetição, uma antiga ordem racial que segue vestindo o
manto do “novo” em sua tentativa de mascarar sua degeneração. Nesse contexto,
desconstruir a “branquitude” implica num despertar para o autoconhecimento e o
redesenho de instituições herdades de um passado brutal. Nesse sentido, o projeto
de descolonização é ao mesmo tempo uma crítica das instituições e uma crítica do
conhecimento.

A questão na verdade é se, nesse sentido, tal crítica tem sido articulada de uma
maneira que seja empolgante do ponto de vista intelectual e político. Certamente
com o impulso em direção à automatização da existência, os movimentos sociais
contemporâneos operam em um contexto caracterizado por imensas mudanças na
experiência humana. Não é apenas que a economia venha se tornando o espaço
proeminente das lutas pela vida. É também que as pessoas e coisas, natureza e
objetos, estão cada vez mais sob o risco de serem transformados em artefatos.

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Muitas dessas mudanças foram em parte possibilitadas pela escalada tecnológica


representada pela computação ubíqua. Uma consequência maior dessa “grande
transformação” é que o humano do primeiro quarto do século 21 não é exatamente
o humano do fim dos anos 1960s. Os modos de individuação não são os mesmos.
Nem as formas de subjetivação, ou o seu conteúdo. O enredamento completo entre
o humano e o tecnológico, tão típico da nossa era, transformou profundamente as
maneiras com o qual o processo cognitivo se dá, como as pessoas sonhem e com
que tipo de mudanças elas sonham, em resumo, como o que é político é
configurado e experenciado. Ao analisarmos as qualidades e propriedades das
mobilizações contemporâneas, precisamos ter em conta o impacto das tecnologias
de comunicação e mídia na formação da subjetividade política.

Notável nesse caso é a mudança aparente da política da razão pela política da


experiência, se não da visceralidade. Aos olhos de muitos, a experiência pessoal se
transformou na nova maneira de estar-se em casa no mundo. É como a bolha que
segura a espuma à distância. A experiência hoje em dia supera a razão. Somos
levados a acreditar que a sensibilidade, emoções, afetos, percepções e sentimentos
são a matéria real que forma a subjetividade, e, portanto, a agência radical.
Paradoxalmente, no tom paranoico dos nossos tempos, essa percepção está afinada
com as estruturas dominantes do individualismo neoliberal. E também está
alinhado com as correntes reconfigurações das relações entre tecnologia, razão e
outras faculdades humanas.

Qualquer que seja o caso, isso deu espaço a formas ambíguas de mobilização
coletiva, muitas das quais não deveríamos romantizar. Por trás da máscara do
radicalismo, tem algo profundamente ambivalente no discurso político da
descolonização quando, por exemplo, a determinação pela descolonização vai de
mãos dadas com uma alta tolerância pela xenofobia ou com o desejo de controle e
defesa do que se configura como fronteiras raciais invertidas. Tem algo
fundamentalmente debilitante quando políticas de resistência subalterna se
limitam a uma infinita performance de pureza e farisaísmo, ou a uma competição
sobre quem sofreu mais em uma escalada espiral de vitimização.

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O mesmo pathos pode ser encontrado na maioria dos debates sobre reforma
curricular, sobre o que devemos ou não ler e por que, em resumo, como
reconfigurar ou redesenhar o arquivo. Apesar de serem lutadas em nome da
igualdade e da justiça, algumas dessas mobilizações podem terminar reencenando
uma lógica sectária de cerceamento, estando escoradas em noções frágeis de
identidade, gênero ou cultura como espaços de proteção e imunidade, como
fronteiras que permitem um encastelamento contra “aqueles que não são tão
radicais como nós”.

Finalmente, algumas dessas mobilizações partem de um status preeminente para


noções do indivíduo e suas experiências. A ideia de que o indivíduo e a
experiência – ou então a agência radical – seja encontrado agora nas íntimas
microsferas da experiência do cotidiano precisa se sujeitar a uma minuciosa crítica.
Muito comumente, se presume que nossas interioridades íntimas, nossos humores,
nossos estados mentais seriam “espaços seguros”, os únicos espaços imunes ao
racismo e à intoxicação neoliberal. Na verdade, nas condições contemporâneas,
não há mais uma “zona de ser” que está livre da “contaminação”.

O que é politico não pode ser reduzido ao meticuloso gerenciamento de espaços


emocionalmente seguros e atmosferas compartilhadas. A agência radical não tem
nada a ver com o compartilhamento de fronteiras. É a respeito da
desfronteirização. Simplesmente não é verdade que, a não ser que eu tenha
passado pela exata mesma experiência do outro, que eu não saiba nada sobre a sua
dor e deveria simplesmente me calar. Na medida em que ser humano é se abrir à
possibilidade que já ali está de se tornar outro, tal conceito de self e de identidade
é, por definição, anti-humano. A política do nosso tempo precisa partir do
imperativo de reconstruir o mundo em conjunto. Para que a ideia de
descolonização tenha impacto em uma escala planetária, ela não pode começar
com a suposição de que eu sou mais puro que meu vizinho.

Ao usar o termo “escala planetária” aqui, eu imagino que você vê esse


movimento de descolonização como algo importante também em escala global?

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Meu argumento aqui é que para a ideia de descolonização se transformar em uma


verdadeira força política, teórica e estética em uma escala global, certas condições
precisam ser cumpridas e muito trabalho ainda precisa ser feito. No momento,
essa ideia é, na maior parte das vezes, uma aspiração legítima, e em casos infelizes,
um discurso compensatório.

A ideia de descolonização nunca significou o retorno a alguma egosfera ou a


alguma autoimagem eletiva em busca de uma identidade estável, proteção,
segurança e eventualmente imunidade a um self em apuros. A busca por
segurança e imunidade e o medo do risco tão típicos desta era nunca fizeram
parte, por exemplo, do léxico de descolonização de um Fran Fanon, para quem o
processo é o de um julgamento, ou mesmo ainda uma provação.

Além disso, historicamente o avanço do colonialismo tem a ver com a questão


mais amplo: aq quem pertence a Terra? Essa era uma questão chave que
perpassava a conquista colonial e a expansão imperial desde o século 15. Com a
partilha da África no século 19, os potentados europeus decidiram que a Terra na
sua totalidade pertencia a eles. Eles eram seus verdadeiros donos, e eles poderiam
ocupar as terras que eram povoadas por pessoas estrangeiras. Eles poderiam
explorar essas terras, assim como as pessoas que sempre as habitaram, entalhando
nelas esferas de influência que cada um deles teria controle sobre no futuro.

Num sentido amplo, a expansão colonial foi um projeto planetário. Apesar de ser
impulsionada em grande parte por estados-nação e empresas nacionais, ela tinha
mais a ver com a realocação dos recursos da Terra e a sua privatização por aqueles
que tivessem o maior poderio militar e a maior vantagem tecnológica. É por isso
que, em seu sentido mais histórico, a descolonização é por definição uma empresa
global, uma abertura radical do e para o mundo, um alargamento do mundo em
oposição ao isolamento.

E ao cinismo?

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E ao cinismo, claro. E ao racismo. Porque o racismo está no DNA do colonialismo.


Não há colonialismo que não esteja vinculado a uma forte dose de racismo
estrutural. E não há colonialismo ainda que não seja impulsionado, digamos, por
uma forma ou outra de impulso genocida.

Esse potencial genocida pode vir a se realizar no plano material ou não, mas está
sempre lá. Está ali como demosntrado por Hannah Arendt no seu trabalho sobre
raça e burocracia. O potencial genocida foi ativado nas Américas, na Austrália. Foi
acionado pelos alemães na Namíbia. Então sempre esteve lá. Porque onde há
racismo, esse potencial genocida existe. Onde há racismo, estar-no-mundo é estar-
contra-os-outros. O outro é tratado como uma ameaça contra a qual a própria
existência precisa ser defendida. A todo custo, se necessário.

Alguns diriam então que ainda há estruturas coloniais ou pós-coloniais


operando dentro do projeto neoliberal. Você diria que então existe ainda um
potencial genocida?

Talvez mais do que em qualquer outro momento do passado recente, somos cada
vez mais impelidos a responder à questão do que fazer com aqueles cuja mera
existência não parece necessária para a nossa reprodução, aqueles cuja mera
existência ou proximidade é considerada a representação de uma ameaça física ou
biológica à nossa própria vida.

Ao longo da história, em resposta a essa questão, vários paradigmas de regras


foram projetados para lidar com corpos humanos considerados excessivos,
indesejados, ilegais, dispensáveis ou supérfluos. Uma resposta histórica consiste
em fazer existir arranjos de exclusão espacial. Esse era, por exemplo, o caso
durante as fases iniciais do colonialismo de ocupação ou genocida em relação às
reservas de nativos americanos nos EUA, prisões-ilha, colônias penais como a
Austrália, campos de confinamento ou mesmo bantustões na África do Sul.

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Dois exemplos contemporâneos são Gaza e o encarceramento de crianças


migrantes no contexto da corrente guerra global à mobilidade. Gaza e as crianças
encarceradas podem bem estar prefigurando o que está por vir.

No caso de Gaza, o controle de pessoas vulneráveis, indesejáveis, excedentes ou


racializadas é exercido através de uma combinação de táticas, a principal delas o
bloqueio modulado ou estrangulamento molecular. Um bloquei proíbe, obstrui e
limita quem e o que pode entrar e deixar a Faixa. O objetivo pode não ser cortar a
Faixa completamente das linhas de suprimento, redes de infraestrutura e rotas de
comércio. A Faixa, ainda assim, é relativamente selada e estrangulada de um
modo que efetivamente a torna um território aprisionado. O encerramento amplo
ou relativo é acompanhado de escaladas militares periódicas e do uso
generalizado de assassinatos extrajudiciais. Violência espacial, estratégias
humanitárias e peculiares biopolíticas de punição todas se combinam para
produzir, por sua vez, um espaço carcerário peculiar no qual as pessoas
consideradas excedentes, indesejáveis ou ilegais são governadas através da
abdicação de qualquer responsabilidade sobre as suas vidas e bem-estar.

Mas, como eu sugeri anteriormente, há um outro exemplo também do início do


século 21, que consiste no empreendimento de novas formas de guerra, que
podem ser chamadas de guerras à velocidade e à mobilidade. Guerras à
mobilidade são guerras cujo objetivo é levar os corpos abatidos às fronteiras. Elas
geralmente começam transformando em poeira e pilhas de ruínas o milieux bem
como os meios de existência e sobrevivência de pessoas vulneráveis, que então são
forçadas a fugir em busca de um refúgio. Esse tipo de guerras contra os milieux e
ecossistemas considerados tóxicos ou inabitáveis não são acidentais. Elas são
programadas e conduzidas metodicamente. Os alvos desse tipo de conflito não são
de maneira alguma corpos singulares, mas sim grandes pedaços da humanidade
julgados inúteis ou supérfluos.

Você pode elaborar um pouco mais sobre isso?

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Deixe-me colocar de uma maneira diferente. Hoje em dia o projeto consiste em


tornar supérfluo o maior número de pessoas possível. A novidade é a produção
em escala massiva de corpos “descontáveis”, uma humanidade residual que é
vista como descartável. Com a nossa entrada em um novo regime climático, esse
processo só vai se intensificar. Na medida em que as condições globais para a
produção e reprodução da vida na Terra seguem mudando, as políticas
populacionais em um nível planetário vão se transformar cada vez mais em
sinônimo de gestão de lixo e resíduos. Em termos da geopolítica futura do nosso
mundo, as populações será tratadas mais e mais não apenas nos termos
darwinianos de seleção sexual, mas também dentro dos limites de uma estrutura
utilitária e bio-fisiológica-orgânica.

Pense em um lugar como a África do Sul, onde uma porcentagem bem alta do total
da população está desempregada. Isso não é porque “não há trabalho”. Não é
porque as pessoas não querem trabalhar.

De fato, aqui como outros lugares da África e outras partes do Sul global, quase
tudo está por ser feito. A quantidade de trabalho que precisa ser realizado para
criar uma vida melhor para todos é incalculável. Mas a estrutura da economia na
verdade não precisa de todos nós. Não precisa do nosso tempo. De verdade, não
precisa de cada corpo, dos nossos músculos e energias ou mesmo da nossa
inteligência coletiva e social. E esse vai ser mais e mais o caso no futuro, na medida
em que nos movemos em direção da fase da história humana em que apenas o que
pode ser computado conta. Enquanto conversamos, muitos corpos já estão caindo
fora do escopo do cálculo. A não ser que reinventemos os termos do que pode ser
contado e no processo ressignifiquemos o que significa “valor” e os procedimentos
de atribuição de valor, de mensuração de valor, de troca de valor, as coisas não
vão mudar. Essas são algumas questões chave que qualquer projeto de
descolonização que mereça ostentar esse nome precisa abordar se seu ímpeto em
descolonizar seja mais do que um mero fantasma ideológico.

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De volta ao debate sobre descolonização. Houve um caloroso debate na


Noruega, no verão de 2018, sobre a descolonização da academia. Como o
movimento #RhodesMustFall na África do Sul pode ser relevante para as
universidades no resto do mundo?

A necessidade de uma reavaliação crítica da relação entre conhecimento, poder e


instituições não é uma preocupação exclusivamente sul-africana. Na África do Sul,
o termo “descolonização” é uma maneira em que preocupações sobre
“desracialização” são expressadas. O imperativo para “desracializar” também é
válido para a Europa, para os Estados Unidos, para o Brasil e para outras partes
do mundo. A emergência de novas variedades de racismo na Europa e alhures, a
reafirmação da supremacia branca global, do populismo e do retro-nacionalismo,
o uso da diferença e da identidade como armas não são apenas sintomas de uma
profunda desconfiança com o mundo. Eles também são nutridos por forças
transnacionais capazes de fazer esse mesmo mundo inóspito, inabitável e
irrespirável para muitos de nós.

Tudo isso, claro, é importante. Mas parte do que realmente me assusta é a


recolonização de vários campos do conhecimento por toda a sorte de
determinismos. O que me assusta é a confusão ativa entre conhecimento e dados, a
redução do conhecimento a informação. É a ideia de que o mundo é uma questão
de números e que a tarefa do conhecimento é a de lidar com quantidades. Além
disso, é a crença de que a melhora maneira de gerar informação é através dos
computadores e que o que não é computável não existe. É a aterrorizante ideia de
que o computador é nosso novo cérebro.

Em tal contexo, “descolonizar” é algo que deveria partir da suposição de que o


conhecimento não pode ser reduzido ao processamento computacional de
informação. E aí há a necessidade urgente de recuperar a capacidade de pensar. E,
para mim, o conhecimento está no limite de ser reduzido a uma metáfora reificada.
Como resultado, estamos testemunhando um tremendo empobrecimento do
pensamento em quase tudo.

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No debate norueguês sobre a descolonização, uma das demandas dos jovens


estudantes e ativistas era para ter um currículo escolar mais global. Qual é a sua
opinião sobre isso?

Neste exato momento estamos sendo literalmente atacados por forças que querem
retroceder do mundo e reconstruir uma certa ideia de nação, de comunidade, de
identidade e de diferença cuja premissa se baseia na capacidade de determinar
quem pertence, quem pode ser excluído e não pertencer, quem pode se estabelecer
onde, porque, como e por quanto tempo. Tais forças estão preocupadas com a
ereção de todo o tipo de fronteiras e de como elas devem ser policiadas. Elas
compraram o sonho da comunidade “pura”, uma comunidade de pessoas que se
parecem iguais e agem igualmente. Elas são sustentadas pela crença de que nós
podemos voltar a esse passado porque esse passado é, na verdade, nosso futuro.
Deixe-me chamar isso de sonho de apartheid.

Tem esse outro sonho, talvez não sem relação ao primeiro. Como eu acabei de
ressaltar, é o sonho de reduzir o conhecimento ao cálculo feito por computadores.
Na verdade, é o sonho de reduzir tudo ao cálculo e explicar tudo através das
estrituras da biologia e neurologia. Uma biblioteca planetária, um arquivo, ou, no
caso, um currículo, seria um cujo projeto estretégico seria entender o incalculável e
o incomputável. Ele só pode ser baseado na vontade de ir além do cognitivismo.
Eu não sou contra o cálculo ou a matemática. Do mesmo modo, não sou contra a
computação. Estou simplesmente dizendo que nem o cálculo, nem a matemática,
nem a computação são suficientes para explicar a vida. Não pode ser suficiente
apenas uma matemática correta. Uma vez que garantimos que a matemática está
correta, ainda precisamos determinar o que esse exercício significa para a vida dos
seres. Forçada até certo nível, a matemática correta, mas sozinha, empobrece o
pensamento e destrói a teoria.

De qualquer forma, temos apenas um mundo. Podemos sonhar em colonizar


Marte ou Vênus ou outros planetas desconhecidos no futuro, mas no momento
isso não faz parte da nossa realidade. Temos apenas um mundo, um sistema solar,

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e para esse mundo durar o maior tempo possível e para que o sistema solar não
calcine a vida como conhecemos, precisamos nos tornar um pouco mais
inteligentes e sábios. Essa Terra é nosso teto compartilhado, nosso abrigo
compartilhado. Compartilhar esse teto e abrigo é a grande condição para a
sustentabilidade da vida na Terra. Temos que compartilhar da maneira mais
equânime possível. E, de qualquer maneira, nossas vidas, aqui e alhures, se
tornaram tão ligadas, que tentar separa-las vai requerer uma quantidade
assombrosa de violência. Vai ser preciso muita violência para desmembrar a
humanidade de si mesma e do resto das espécies vivas. E portanto, especialmente
em face aos desafios ecológicos que enfrentamos, é absolutamente importante que
reinventemos formas de vida em comum que vão além do que conhecemos como
estado-nação, etnia, raça, religião, etc. Um currículo que leve a sério tais
preocupações é absolutamente necessário.

E você vê essas duas forças visíveis no debate sobre a composição do currículo?

Sim, eu vejo. Eu iria além e proporia que criar um currículo realmente planetário
implica em resgatar o que quer que tenha sobrado da razão enquanto faculdade
humana compartilhada. Para ter certeza, e em face da sua própria história de
violência e irracionalidade, a razão precisa ser reformada. Mas eu não posso ver
como, sem ela, conseguiremos responder adequadamente uma das questões mais
urgentes que vão assombrar a humanidade neste século – a questão dos futuros da
vida.

Por um longo tempo, estivemos preocupados sobre como a vida surgiu e quais
foram as condições da sua evolução. A questão chave hoje é como ela pode ser
restaurada, reproduzida, amparada e cuidada, tornada durável, preservada e
compartilhada universalmente e sob quais condições ela termina. No geral esses
debates sobre como a vida na Terra pode ser reproduzida e sustentada e sob quais
condições ela termina normalmente são forçados sobre nós pelo nosso próprio
tempo, caracterizado pela catástrofe ecológica iminente e pela escalada
tecnológica. Não tenho certeza de que elas possam ser adequadamente

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respondidas a partir de uma perspectiva de pura lógica de mercado que aborda a


vida como uma mercadoria a ser manipulada e replicada sob condições de
volatilidade.

Por outro lado, há uma distribuição variável de poderes entre o humano e o


tecnológico, no sentido de que as tecnologias estão se movendo em direção a uma
“inteligência geral” e à auto-replicação. Nas últimas décadas, testemunhamos o
desenvolvimento de formas algorítmicas de inteligência. Elas têm crescido
paralelamente à pesquisa genética, e frequentemente aliadas a ela. A integração de
algoritmos e de análise de big data na esfera biológica não apenas traz consigo
uma crença cada vez maior no tecno-positivismo e nos modos de pensamento
estatístico. Também abre caminho para regimes de avaliação do mundo natural e
modos de previsão e análise que tratam a vida em si como um objeto computável.

Concomitantemente, algoritmos inspirados no mundo natural e ideias de seleção


natural e evolução estão em ascensão. É o caso de algoritmos genéticos. Como
Margarida Mendes (“Colonialismo Molecular”) mostrou, a crença hoje é que tudo
é potencialmente computável e previsível. No processo, o que é rejeitado é o fato
de que a própria vida é um sistema aberto, não linear e exponencialmente caótico.

Eu continuo levantando essas questões porque elas estão relacionadas a uma


problemática da “descolonização” que não seria um mero fantasma ideológico. De
fato, essas questões podem ser sintomáticas de um evento verdadeiramente
importante que talvez não estejamos dispostos ou prontos para contemplar. A
razão pode ter atingido seus limites finais. Ou, em qualquer caso, a razão está sob
julgamento. Por um lado, ela é cada vez mais substituída e subsumida por uma
racionalidade instrumental, quando não é simplesmente reduzido ao
processamento algorítmico ou processual da informação. Em outras palavras, a
lógica da razão está se transformando a partir de dentro das máquinas,
computadores e algoritmos, enquanto o cérebro humano está sendo “baixado”
(“downloaded”) para nanomáquinas e todos os tipos de dispositivos.

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À medida que estamos cada vez mais cercados por múltiplas e amplas ondas de
cálculo em expansão, tudo o que estamos dispostos a pedir delas é a detecção de
padrões ou recuperação artefatos cuja existência é derivada de modelos
financeiros baseados em tecnologias de miniaturização e automação. Como
resultado, a técnica (“techne”) está se tornando a linguagem quintessencial da
razão, sua única manifestação legítima. Além disso, a razão instrumental, ou razão
disfarçada de técnica, é cada vez mais utilizada como arma. A própria vida é cada
vez mais interpretada através de estatísticas, metadados, modelagem, matemática.

Se minha descrição das tendências atuais é precisa, uma das perguntas que um
currículo planetário deve fazer é a seguinte: O que resta do sujeito humano em
uma época em que a instrumentalidade da razão é executada por e através de
máquinas de informação e tecnologias de cálculo?

A segunda é: quem definirá o limiar ou definirá o limite que distingue entre o


calculável e o incalculável, entre o que é considerado digno e o que é considerado
sem valor e, portanto, dispensável?

O terceiro é se poderemos transformar esses novos instrumentos de cálculo e


poder em instrumentos de libertação. Em outras palavras, seremos capazes de
inventar modos diferentes de medição que possam abrir a possibilidade de uma
estética diferente, uma política diferente de habitar a Terra, de reparar e
compartilhar o planeta?

Mas e aqueles que estão preocupados com a perda, nesse processo, dos textos de
teóricos e pensadores europeus canonizados?

Eu estou falando em expandir o arquivo, não em extirpa-lo. Para que isso


aconteça, deve ficar claro para todos que apenas o arquivo europeu não pode mais
dar conta das complexidades, tanto da história, do presente quanto do futuro de
nosso mundo humano e outro-que-humano. O que todos herdamos são os
arquivos do mundo em geral. Não é apenas um tipo de arquivo. Para mim, isso é

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uma questão de bom senso. Sou a favor de expandir o arquivo, lendo criticamente
os diferentes arquivos do mundo, cada um com e contra os outros. Não pode
haver outro significado para um currículo planetário.

Em todos os campos?

Em todos os campos Naturalmente. Em qualquer assunto que tenha algum


impacto na história futura do mundo e da vida. Ou deixe-me colocar desta
maneira: sinto muito por qualquer jovem que possa passar pelo sistema
educacional norueguês sem nunca ter aprendido nada sobre África, Ásia ou
China, sem ter lido nenhum romance ou poesia africana, indiana ou chinesa, ou
sem tendo estudado qualquer pensador africano, japonês ou chinês digno de nota.
Sinto muito por essa pessoa. Sua situação me deixa genuinamente triste. Pois é um
tipo de auto-amputação mental, uma forma de rejeição ativa ou passiva do
mundo. O objetivo de um currículo planetário seria curar nossa alma de tais males
infligidos pelo homem.

No debate na Noruega, a demanda por um currículo mais global foi rotulada


pelos detratores como uma campanha por “política identitária”. Como você vê
esse argumento?

É uma descaracterização do que está em jogo. Porque não é isso que é. Na


verdade, não se trata de política de identidade. Diz a respeito dos desafios sobre os
quais falamos anteriormente. É sobre como nos localizamos no mundo hoje. Em
um mundo que precisa ser sustentável, isso deve ser construído em comum. Não
tem nada a ver com o sonho do apartheid.

Há uma crítica à “política identirária” que é uma crítica de direita. Geralmente


vem daquelas forças que usaram o tropo da identidade precisamente para oprimir
e excluir certas pessoas, racializá-las e desumanizá-las. A política de identidade
tem sido historicamente mais usada por aqueles que desejam estigmatizar

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diferentes “raças”, aqueles que em primeiro lugar não acreditam em nossa


humanidade comum. Eles cultuavam a diferença, que eles usaram como arma.

O drama é que as pessoas que foram assim objetificadas e deixadas de lado,


infelizmente abraçaram esses preconceitos e os internalizaram, como mostram
Fran Fanon e muitos outros. Na tentativa de recuperar uma voz, acabaram se
definindo nos termos da “diferença” a que haviam sido designados. Então,
quando dizemos “política identitária”, precisamos saber exatamente qual é a
genealogia histórica desse termo e quem a está praticando. Aqueles que praticam
são, por exemplo, aqueles que, quando um africano negro pousa em um aeroporto
na Noruega, no meio de um grupo de muitas outras pessoas, selecionam
exatamente essa pessoa e racialmente “perfilam” ela ou ela.

Falar sobre um currículo planetário não tem nada a ver com perfilar racialmente as
pessoas, textos ou arquivos. Tem a ver com trazer o mais equitativamente possível
todos eles, todas as pessoas e todos os textos, todos os arquivos e todas as
memórias a uma esfera do cuidado e da preocupação. Tem a ver com a
proximidade em oposição ao isolamento, com a invenção em comum de um
interior compartilhado, um teto compartilhado e um abrigo compartilhado.

Você foi perfilado racialmente em um aeroporto norueguês?

Para muitas pessoas de ascendência africana que viajam pelo mundo hoje, essas
são ocorrências regulares. Não quero dizer mais do que isso.

Mas já que você abriu essa porta, parece-me que a política identitária e outras
formas da política da diferença, são o novo ópio para as massas. Ao me expressar
dessa maneira, não estou tentando prejudicar muitas pessoas que hoje ainda
precisam lutar para recuperar uma voz ou recuperar um rosto que podemos
realmente identificar como voz e rosto humanos.

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06/01/2020 Outras fitas: Descolonização, necropolítica e o futuro do mundo com Achille Mbembe - A Fita

O que quero dizer é que, nesta era do capitalismo globalizado, a identidade é cada
vez mais usada como uma arma para brutalizar ainda mais os mais fracos em
nosso meio e como um mecanismo para reivindicar para si um status de vítima
pura ou autêntica. Ter sido brutalizado ou ter sido vítima, por sua vez, é cada vez
mais visto como a maneira mais potente de reivindicar seus direitos ou seu acesso
a proteção, justiça ou reparação. A pergunta que gostaria de fazer é: por que é esse
o caso? Nas condições de nossos dias, quais são as razões pelas quais a vingança é
cada vez mais confundida com justiça? É porque chegamos a um ponto em que a
forma de capitalismo em que vivemos, o tipo de progresso tecnológico que
alcançamos, não é mais compatível com as democracias liberais?.

As duas figuras da política de identidade que destaquei não salvarão a democracia


liberal de seu envolvimento mortal com o neoliberalismo e o retro-nacionalismo.
Podemos direcionar quantas pessoas quisermos para as coisas que não importam –
quem está usando uma burca em público, que está usando uma barba muçulmana,
aqueles estrangeiros que roubam nossos empregos e “nossas mulheres” e
corrompem nossa cultura – esses subterfúgios não abordarão o que está no cerne
do atual mal-estar mundial. Eles apenas acentuarão o sofrimento atual que muitas
pessoas sentem, inflamarão paixões negativas e abrirão o caminho para o
brutalismo.

Também em seu próprio país, Camarões, você vê essas formas de política de


identidade?

Em Camarões, em particular, um sentimento semelhante envolve a questão das


identidades e línguas herdadas do colonialismo. Uma das disputas em andamento
é sobre quem é mais britânico que francês ou mais francês que britânico. É
totalmente absurdo. Dito isto, a pergunta que precisamos fazer é a seguinte: Por
que várias lutas pela individualidade e direitos comuns necessariamente se
expressam nesses idiomas excludentes? Por que eles não são conduzidos em
termos que não sejam aqueles que meramente imitam as próprias categorias de
opressão? Por que as pessoas continuam conspirando com as forças que

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objetivamente trabalham contra seus próprios interesses materiais? Quais são as


formas de compensação ou gozo que derivam do que parece ser a auto-servidão?

Qual é a solução então?

Precisamos desenvolver uma melhor compreensão do que estamos enfrentando e


jogar fora uma série de suposições antigas. Isso não pode acontecer se não
recuperarmos a faculdade da crítica, reeducarmos nossos desejos e reabilitarmos a
razão como uma faculdade-chave para qualquer projeto de liberação ou
emancipação. A razão está sitiada, reduzida à sua dimensão instrumental. Ela está
sendo substituída pelo tecnicismo, por um lado, e por todas as formas de paixões
negativas do outro.

Estou, é claro, ciente das histórias violentas e trágicas da razão e não apenas em
nossa parte do mundo. Então talvez seja mais uma questão de reformar a razão do
que qualquer outra coisa. Talvez seja sobre educar a razão de conviver com outras
faculdades. Mas não vejo como podemos descartar a razão por atacado sem
danificar profundamente a categoria da verdade em si. Eu acredito
profundamente que a democracia não pode sobreviver na ausência de razão, que
não podemos compartilhar o mundo, repará-lo ou cuidar adequadamente da vida
na ausência de uma noção reformada da razão, casada com pensamento,
sentimento e projeção.

Outra crítica ao movimento de descolonização na Noruega foi que isso cheirava


a “ativismo de campus americano” e, portanto, não era relevante para um
contexto norueguês…

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Uma crítica adequada ao movimento de descolonização deve ser bem informada.


Eu próprio produzi uma série de observações críticas relacionadas a este projeto. É
verdade que existe uma circulação de tropos, conceitos e categorias entre ativistas
nos Estados Unidos e ativistas no resto do mundo. No caso sul-africano, é verdade
que, às vezes, o movimento foi tentado a apostar por atacado em conceitos e
modos de ação extraídos da experiência ou léxico afro-americanos, em particular
no que diz respeito à crítica de raça ou mesmo de gênero. Provavelmente, isso tem
a ver com a incapacidade da África do Sul de teorizar sua própria experiência
histórica, de falar de sua potencial universalidade.

Dito isto, mas para nossos amigos noruegueses, eu simplesmente diria isso: Em
questões de descolonização, você deve inventar formas de ativismo estudantil
relevantes para o seu contexto específico. Mas negar a necessidade de descolonizar
é parte do que Jean-Paul Sartre caracterizou como “má fé”.

Mas, subjacente a esse argumento, provavelmente está a ideia de que as


universidades norueguesas não estão conectadas ao colonialismo, como outras
universidades de outros países.

Ao longo de nossa conversa, tentei oferecer uma teoria da descolonização o mais


abrangente possível. A Noruega não é uma ilha no mundo. A Noruega está
envolvida com o resto do mundo e precisa responder à importância que o resto do
mundo está colocando nela. E deve levar essa questão muito a sério, assim como a
África do Sul tem que responder à questão que lhe é dada pelo resto do
continente, por outras partes do mundo. É assim que salvaremos a razão e
construiremos um mundo que seja sustentável.

Até que ponto nossos sistemas de conhecimento de hoje ainda são determinados
pelo colonialismo ou pela opressão?

Precisamos desenvolver um entendimento mais amplo da “colonização”. Os


sistemas de conhecimento em todo o mundo ainda são sustentados pela lógica da

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extração de valor. De fato, o conhecimento como tal é cada vez mais concebido
como o principal meio de extração de valor. A colonização continua quando o
mundo em que habitamos é entendido como um vasto campo de dados
aguardando sua extração. A colonização continua quando jogamos pela janela o
papel da razão crítica e do pensamento teórico e reduzimos o conhecimento à
mera coleta de dados, sua análise e seu uso pelos governos, burocracias militares e
corporações. A colonização ocorre quando estamos cercados pelos chamados
“dispositivos inteligentes” que constantemente nos observam e nos gravam,
coletando grandes quantidades de dados, ou quando todas as atividades são
capturadas por sensores e câmeras incorporadas a eles. É disso que se trata a
colonização no século XXI. Trata-se de extração, captura, culto aos dados,
mercantilização da capacidade humana de pensamento e dispensa da razão crítica
em favor da programação.

Essas são algumas das questões que o projeto de descolonização deve adotar para
que seja mais do que um slogan. Agora, mais do que nunca, o que precisamos é de
uma nova crítica da tecnologia, da experiência da vida técnica. Por todos os tipos
de razões. O que estamos testemunhando, mesmo que não consigamos observar
diretamente, é o surgimento de uma espécie inteiramente nova de humano. Não é
o ser humano do Renascimento ou do século XVIII, nem o ser humano do início ou
meados do século XX. É uma espécie humana completamente diferente, que está
associada a seu objeto.

As distinções que costumávamos fazer entre o humano e o objeto não são mais
totalmente válidas. Porque hoje em dia não existe ser humano sem sua prótese.
Nosso ambiente não é apenas saturado por todos os tipos de dispositivos
tecnológicos. De fato, passamos a maior parte de nossas vidas vivendo através de
telas. Essa experiência tem implicações muito sérias em termos das novas
naturezas da cognição, em termos de como percebemos as coisas e a própria
realidade, em termos do que sabemos ou devemos saber, em termos de como
sabemos o que sabemos, em termos da distinção entre fato e ficção, matéria e

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06/01/2020 Outras fitas: Descolonização, necropolítica e o futuro do mundo com Achille Mbembe - A Fita

substância ou em termos da monopolização do pensamento dentro das


infraestruturas técnicas.

Para que a “descolonização” seja mais do que um slogan e ganhe algum apelo real,
precisamos atentar a essas mudanças, particularmente em relação ao antropoceno,
bem como em relação à natureza reticular das tecnologias computacionais e à
“softwarização” de nossa existência e de qualquer outra entidade viva na Terra.
Devemos resistir ao impulso de reduzir o conhecimento ao que pode ser
comprado e vendido e reinventar a categoria de “relevância”. Isso só pode
acontecer se colocarmos uma ênfase renovada nas questões dos “fins”, e não
apenas dos “meios”. Dizendo isso, tenho plena consciência de que nosso mundo
está passando por um período em que o niilismo está à espreita, o brutalismo é a
nova norma e o desejo por um apocalipse não está longe.

Recentemente, você também escreveu sobre o que chama de “objetos


selvagens”. O que significa o fato desses objetos ainda estarem em posse de
museus europeus e como a restituição pode ser feita na prática?

Essa é uma questão complexa que foi exaustivamente estudada por Felwine Sarr e
Bénédicte Savoy. Juntos, eles produziram um relatório convincente sobre esses
assuntos, e eu aconselho qualquer pessoa preocupada com a presença contínua de
objetos africanos nos museus ocidentais a lê-lo. Eu tenho tentado relacionar o
pedido de restituição a questões mais amplas de dívida, reparação e justiça
universal.

Nos sistemas pré-coloniais do pensamento africano, a restituição era uma


obrigação no caso de um ato de violação consciente, maliciosa e deliberada ter sido
realizado na vida de outra pessoa. Os erros mais prejudiciais foram considerados
aqueles que causam danos à “força vital” de alguém. Em contextos como esses,
onde a vida era frágil ou passível de ser diminuída, todo ataque à integridade e à
força vital do ser, humano ou qualquer outra entidade, por menor que fosse,
mereceria restauração.

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06/01/2020 Outras fitas: Descolonização, necropolítica e o futuro do mundo com Achille Mbembe - A Fita

Os danos e feridas podem ser calculados em termos econômicos. Mas, em última


instância, danos, feridas ou perdas foram avaliados de acordo com uma medida
do valor da vida. De acordo com essa filosofia, a verdadeira restituição é, portanto,
aquela que participa da reparação da vida. A lei que a subtende é mais pessoal do
que orientada para a propriedade. Onde quer que compensações materiais e juros
entrassem em jogo, o único sentido que eles tinham era realizar essa restauração
da vida.

Em última análise, nenhuma restituição real poderia ocorrer sem o que


deveríamos chamar de confissão, ou seja, a capacidade de dizer a verdade. Desse
ponto de vista, restituir fazia parte de um dever incondicional – parte do
infinitamente irrecusável do que é a vida, toda a vida, dessa forma de dívida que
era a dívida com a verdade.

A verdade é que a Europa tirou coisas de nós que nunca será capaz de restituir.
Vamos aprender a conviver com essa perda. A Europa, por sua vez, terá que se
responsabilizar por seus atos, por aquela parte sombria de nossa história
compartilhada que continua negando ou da qual procurou se alienar. O risco é
que, ao restituir nossos objetos sem prestar contas de si mesma, ela conclua que,
com a restituição completa, nosso direito de lembrá-la da verdade seja removido.
Se novos laços devem ser atados, a Europa deve honrar a verdade, pois a verdade
é a professora da responsabilidade. Esta dívida com a verdade não pode ser
apagada por uma questão de princípio. Nos assombrará até o fim dos tempos.

Honrar a verdade vem com o compromisso de aprender e lembrar juntos. Como


Édouard Glissant nunca deixou de reiterar, cada um de nós precisa da memória do
outro. Não se trata de caridade ou compaixão. É uma condição para a
sobrevivência do nosso mundo. Se quisermos compartilhar a beleza do mundo, ele
acrescentaria, devemos aprender a nos unir a todo o seu sofrimento. Teremos que
aprender a lembrar juntos, e nisso, reparar juntos o tecido e a aparência do mundo.
A restituição será sempre parcial. Existem perdas irreparáveis que nenhuma
compensação pode trazer de volta – o que não significa que não seja necessário

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06/01/2020 Outras fitas: Descolonização, necropolítica e o futuro do mundo com Achille Mbembe - A Fita

compensar. Ter compensado, não significa ter apagado o errado. Compensar,


como Kwame Anthony Appiah sublinha, é uma oferta para a reparação da relação.

Uma versão anterior da entrevista foi publicada em norueguês pela primeira vez
pela Klassekampen em 1º de dezembro de 2018. A transcrição foi editada, com
notas de rodapé, referenciada e alterada por questões de clareza por Sindre
Bangstad, professor de pesquisa do Institute for Church, Religion and Worldview
Research em Oslo, Noruega. Achille Mbembe revisitou a transcrição e a alterou
substancialmente quando necessário. Aqui ela é republicada com o seu
consentimento.

Publicado por A Fita


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Achille Mbembe, Algoritmo, Ciências Políticas, Descolonização, Estudos Culturais,


Necropolítica, Terceiro Mundo

4 thoughts on “Outras fitas: Descolonização, necropolítica


e o futuro do mundo com Achille Mbembe”

Wilson Mattos 9 de novembro de 2019 — 17:37

Ótima entrevista. Pensamento e agenda ultra desafiadores. Achille

Mbembe é um dos melhores pensadores do mundo. Sem dúvidas.

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mundo.

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FUTURO DO MUNDO COM ACHILLE MBEMBE – Raimundo Borges

Katia Aguiar 31 de outubro de 2019 — 09:43

Excelente iniciativa a publicação da entrevista. Ele reafirma alguns

caminhos investigativos e nos abre outros que será de grande valia para

quem se interessa pela construção de um comum. Se tiverem acesso às


conferências que proferiu em Oslo (Corpos como fronteiras) torço para que

partilhem aqui. Obrigada.

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