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Referência Bibliográfica
BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli; NETO,
José Maria [org.] Jardim de Histórias: discussões e experiências
em aprendizagem histórica. Rio de Janeiro/União da Vitória:
Edição Especial Ebook LAPHIS/Sobre Ontens, 2017.
ISBN: 978-85-65996-47-1
Edição Especial Ebook LAPHIS/Sobre Ontens:
www.revistasobreontens.blogspot.com.br

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ANDRÉ BUENO
DULCELI ESTACHESKI
EVERTON CREMA
JOSÉ MARIA NETO

JARDIM DE HISTÓRIAS:
DISCUSSÕES E EXPERIÊNCIAS
EM APRENDIZAGEM HISTÓRICA

Edição Especial LAPHIS/Sobre Ontens


2017

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Nota Introdutória

É com grande alegria e satisfação que apresentamos este nosso novo livro, Jardim de
Histórias. Ele é resultado da terceira edição do Simpósio Eletrônico Internacional de
Ensino de História [www.simpohis2017.blogspot.com.br], e traz as comunicações
apresentadas nas mesas de Aprendizagens Históricas, Mídias, Tecnologias e Fontes e
Religiões e Etnicidade.

No momento crucial que o campo da História vem passando em nosso país, as


investigações sobre a arte de ensinar história, bem como seu desenvolvimento ao longo
dos anos, nos trazem subsídios fundamentais para pensarmos o que erramos, o que
acertamos, o que podemos e precisamos melhorar.

Tanto a escola quanto a academia estão imersos em um profundo momento de reflexão,


buscando resignificar a dimensão de seu trabalho histórico. Nesse sentido, o que pode
ser feito?

Junto com Canteiro de Histórias e Um Pé de Histórias [outros dois livros dessa série]
esse nosso volume visa dar uma pequena contribuição a essas questões.

Seja bem vindo!

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Sumário
APRENDIZAGENS HISTÓRICAS

DIÁLOGOS ENTRE A HISTÓRIA E A GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: RELATO


DE EXPERIÊNCIA NA ESCOLA MUNICIPAL JOSINEIDE TAVARES (MARABÁ-PA)...16

ENSINO DE HISTÓRIA E O PATRIMÔNIO IMATERIAL: O MONGE JOÃO MARIA EM


SÃO MATEUS DO SUL/PR – CRUZES, MEMÓRIAS, ÁGUAS SANTAS E CEMITÉRIOS
DE ANJOS...................................................................................................................................20

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E MEMÓRIA NA ESCOLA....................................................24

A IMPORTÂNCIA DO USO DE ICONOGRAFIA NO ENSINO DE HISTÓRIA:


EXPERIÊNCIAS NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO.............................................................28

A HISTÓRIA DA ESTRADA DO COLONO E A HISTÓRIA REGIONAL............................32

ENSINO MULTICULTURAL: CULTURA JAPONESA EM SALADE AULA.......................35

A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE HISTÓRIA: DESAFIOS E PERSPECTIVA DO


MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL – RELATOS DE UM MINICURSO....................38

DE CURANDEIRAS E BENZEDEIRAS PARA BRUXAS: O PAPEL DA MULHER NESSE


CONTEXTO NA EUROPA.........................................................................................................42

NO BANCO DOS RÉUS: JULGAMENTOS HISTÓRICOS OU O OUTRO LADO DA


MOEDA-A HISTÓRIA VISTA COM NOVOS OLHARES......................................................45

SER CRIANÇA E A INFÂNCIA NO PASSADO AMERÍNDIO: COMO APRENDER COM


AS DIFERENÇAS CULTURAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA...............................................47

O ENSINO DE HISTÓRIA E AS INTERFACES NACIONAL/LOCAL: SOCIALIZANDO


SABERES SOBRE A CASA AZUL...........................................................................................50

NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE MARCO VELEIO PATÉRCULO E A SUA HISTÓRIA


ROMANA PARA OS ESTUDOS SOBRE A HISTÓRIA ANTIGA DE ROMA......................54

THE THIRD WAVE: A ESCOLA E O RESSURGIMENTO DO FASCISMO.........................59

ENSINO DE HISTÓRIA E AS RELAÇÕES CULTURAIS NA REGIÃO DE FRONTEIRA,


POR MEIO DOS CURRÍCULOS ESCOLARES........................................................................62

DISCUTINDO O ENVELHECIMENTO HUMANO NO AMBIENTE ESCOLAR: AS


POSSIBILIDADES DO TEATRO...............................................................................................66

ENSINO DE HISTÓRIA POLÍTICA DO MARANHÃO: PROPOSTA DE UM MATERIAL


PARADIDÁTICO........................................................................................................................71

O ENSINO DE HISTÓRIA ALÉM DA SALA DE AULA: AS AULAS-VISITAS..................75

RESGATANDO MEMÓRIAS: RELATO DE EXPERIÊNCIA.................................................79


5
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA CAMPO-GRANDENSE POR MEIO DO MUSEU JOSÉ
ANTÔNIO PEREIRA..................................................................................................................84

ENSINO DE HISTÓRIA: A “AULA-VISITA” AO MUSEU HISTÓRICO COMO


METODOLOGIA.........................................................................................................................89

EDUCAÇÃO HISTÓRICA E A FORMAÇÃO DOS FUTUROS PROFESSORES DE


HISTÓRIA...................................................................................................................................93

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ARQUIVO PÚBLICO DO RS: MEMÓRIA, JUSTIÇA E


ENSINO DE HISTÓRIA.............................................................................................................99

ENCENANDO O PASSADO: A TRAGÉDIA GREGA NA SALA DE AULA......................105

“A TERRA ENTRE OS RIOS: O ENSINO DE HISTÓRIA SOB UM NOVO VIÉS”............109

AS MÚLTIPLAS TRAJETÓRIAS DE UM COLETIVO JUVENIL: TERRITÓRIOS


EDUCATIVOS E TESSITURAS EM REDES DE SOCIABILIDADE EM BELO
HORIZONTE.............................................................................................................................112

O USO DE IMAGENS NO ENSINO DO EGITO ANTIGO: A RELAÇÃO HOMEM E MEIO


AMBIENTE...............................................................................................................................116

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO DO CURSO DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE


ESTADUAL DO MARANHÃO (UEMA) E OS REFLEXOS NA FORMAÇÃO DOS
GRADUANDOS........................................................................................................................123

OS CRISTÃOS-NOVOS NA PRODUÇÃO DIDÁTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.128

A APRENDIZAGEM COOPERATIVA POR MEIO DA MONITORIA ACADÊMICA:


RELATOS DE UMA EXPERIÊNCIA......................................................................................132

ENSINO DE HISTÓRIA E SIMBOLOGIA PARA SÉTIMOS ANOS: DO PERÍODO


MEDIEVAL AOS DIAS ATUAIS............................................................................................136

REVISITANDO NUREMBERG ATRAVÉS DA ANÁLISE DO DISCURSO: A


IMPORTÂNCIA DAS FONTES NA CONSTRUÇÃO DA APRENDIZAGEM
HISTÓRICA...............................................................................................................................139

O ENSINO DE HISTÓRIA PRÉ-COLONIAL: ESTUDO DE CASO DOS LIVROS


DIDÁTICOS DO 6O ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL..................................................143

ENSINO E HISTÓRIA: UMA ABORDAGEM ATRAVÉS DE MODOS E MODAS EM SÃO


LUÍS (1920)................................................................................................................................146

FUTEBOL, RACISMO E ENSINO DE HISTÓRIA: POSSIBILIDADES EM SALA DE


AULA.........................................................................................................................................150

O PIBID NO COTIDIANO ESCOLAR - UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DA DISCIPLINA


DE HISTÓRIA...........................................................................................................................154

GRÉCIA EM CENA: O APRENDER BRINCANDO..............................................................158

6
GÊNERO, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO: UMA ABORDAGEM DO TEMA ATRAVÉS
DO ENSINO DE HISTÓRIA DA ROMA ANTIGA.................................................................162

UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE QUESTÕES ÉTNICAS NO ANTIGO EGITO.............165

O LÚDICO E O ENSINO DE HISTÓRIA: RELATOS DA AÇÃO DO PIBID NA ESCOLA


ESTADUAL GRACILIANO RAMOS......................................................................................168

MUNDO REPRESENTADO E A POLÍTICA DA IMAGEM..................................................171

OS INDÍCIOS DE EURÍPIDES E A HISTÓRIA DE ESPARTA – ALTERNATIVAS DE


ENSINO E PESQUISA..............................................................................................................174

O PROJETO PROFESSOR DIRETOR DE TURMA - PPDT E A CONSTRUÇÃO DE


IDENTIDADES.........................................................................................................................178

ESPAÇOS URBANOS, PATRIMÔNIO E MEMÓRIA: EM BUSCA DAS SIGNIFICAÇÕES –


UM OLHAR SOBRE AS PRÁTICAS DE ENSINO DE HISTÓRIA NO CURSO TÉCNICO
DO IFMT....................................................................................................................................182

RELATO DE EXPERIÊNCIA DO PROJETO “NOVAS PERGUNTAS EM CADA


RESPOSTA: ENSINO, PESQUISA E INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO
MÉDIO”.....................................................................................................................................185

POR UMA ARQUEOLOGIA PRÉ-COLOMBIANA EM SALA DE AULA..........................189

A VIDA EM PRETO E BRANCO NA CIDADE: EXPERIÊNCIAS DO PIBID COM A


HISTÓRIA LOCAL...................................................................................................................193

HISTÓRIA E PRODUÇÃO DE TEXTO: TRABALHO REALIZADO NA ESCOLA


ESTADUAL ANTONIO TEODORO DE OLIVEIRA EM CAMPO MOURÃO – PR COM
ALUNOS DOS 8º ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE O PERÍODO DA
ESCRAVIDÃO NO BRASIL....................................................................................................202

HISTÓRIA, ENSINO DE HISTÓRIA E A PRODUÇÃO DO HERÓI: EM GOIÁS, TAMBÉM


TEMOS UM...............................................................................................................................205

O QUE É SER BRASILEIRO? A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL


BRASILEIRA NO XIX A PARTIR DE UMA AULA OFICINA.............................................209

O ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA ATRAVÉS DA ANÁLISE DE IMAGENS DO


EGITO........................................................................................................................................212

RAÍZES DO REGIME MILITAR NO AMBIENTE ESCOLAR: UM ESTUDO DE


CASO.........................................................................................................................................216

NOVAS ABORDAGENS NO ENSINO DE HISTÓRIA DO NAZISMO NA EDUCAÇÃO


BÁSICA BRASILEIRA.............................................................................................................220

ENCANTARIA E CULTURA ESCOLAR NO MARANHÃO................................................224

A HISTÓRIA LOCAL DE CAETITÉ ATRAVÉS DO CURANDEIRISMO...........................228

7
O LÚDICO COMO FACILITADOR DA APRENDIZAGEM: GINCANA DO BRASIL
COLONIAL................................................................................................................................231

O QUE LEVOU A REVOLUÇÃO EM CUBA? CHE GUEVARA E FIDEL CASTRO SÃO OS


ÚNICOS A SEREM LEMBRADOS?........................................................................................235

MÍDIAS, TECNOLOGIAS E FONTES

QUADRINHOS NO ENSINO DA HISTÓRIA ANTIGA: GUERRA GÁLICA ATRAVÉS DE


ASTÉRIX O PAPIRO DE CÉSAR............................................................................................240

COMPREENDER A HISTÓRIA ATRAVÉS DAS PAISAGENS: O USO DE


ICONOGRAFIAS NA SALA DE AULA..................................................................................246

WEBLOG E APREDIZAGEM: O USO DO BLOG “CONSTRUINDO HST” COMO


DISPOSITIVO DIALÓGICO DE MEDIAÇÃO NA DISCIPLINA HISTÓRIA DO
MARANHÃO – SÉCULO XVII NO CENTRO DE ENSINO LICEU MARANHENSE – SÃO
LUIS/MA....................................................................................................................................251

FERRAMENTAS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA: COMO EXPLICAR A SEGUNDA


GUERRA MUNDIAL................................................................................................................255

OS JOGOS ELETRÔNICOS COMO ALIADOS NAS AULAS DE HISTÓRIA: AGE OF


EMPIRES E EUROPA UNIVERSALIS SÃO BONS EXEMPLOS.........................................259

O USO DAS IMAGENS E DA MÚSICA COMO FERRAMENTAS DIDÁTICAS PARA AS


AULAS DE HISTÓRIA.............................................................................................................262

IMAGENS E ENSINO DE HISTÓRIA: UM DEBATE NECESSÁRIO PARA OS ATUAIS


TEMPOS....................................................................................................................................266

ENSINO DE HISTÓRIA E TECNOLOGIA: NOVOS DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO NO


SÉCULO XXI............................................................................................................................270

FOTOGRAFIAS EM LIVROS DIDÁTICOS: OS 18 DOFORTE DE COPACABANA.........275

O CINEMA NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA DO CINEMA: O USO DOS FILMES


“OUTUBRO” (1928) E “ADEUS, LENIN!” (2013) EM SALA DE AULA............................280

CINEMA E A SHOAH: ANALISES DE NIGHT AND FOG, THE PAWNBROKE E A


MEMÓRIA DO MASSACRE...................................................................................................284

A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA NO ENSINO DE HISTÓRIA: A REPRESENTAÇÃO


DO FEMININO NA MPB..........................................................................................................288

IMAGENS NO ENSINO DE HISTÓRIA: A UTILIZAÇÃO DA FOTOGRAFIA NO


PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM.........................................................................293

IR AO MUSEU: A POSSIBILIDADE DE SER ATOR E ESPECTADOR SEM ESPERAR


RESPOSTAS PRONTAS – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA CONTRIBUIR COM AS
REFLEXÕES SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA.....................................................................298

8
CENAS, PERSONAGENS E SEUS CONTEXTOS NAS AULAS DE HISTÓRIA: MEMÓRIA,
IMAGEM E FOTOGRAFIA E SUAS RELAÇÕES NO ENSINO DE HISTÓRIA.................301

HISTÓRIA E CINEMA: A UTILIZAÇÃO DE RECURSOS CINEMATOGRÁFICOS NAS


AULAS DE HISTÓRIA.............................................................................................................305

ENSINO DE HISTÓRIA E PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA: UMA EXPERIÊNCIA


DIDÁTICA USANDO CELULARES.......................................................................................309

DEVEMOS ENSINAR AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES SOBRE OS HIPERTEXTOS


DA INTERNET NA AULA DE HISTÓRIA?...........................................................................313

UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO NO


ENSINO DE HISTÓRIA...........................................................................................................317

O USO DE FILMES EM SALA DE AULA: O EXEMPLO DE “1492 – A CONQUISTA DO


PARAÍSO” E AS VÁRIAS NUANCES DA TERRA NO RENASCIMENTO........................321

O USO DO JORNAL DE ÉPOCA COMO PRÁTICA NO ENSINO DE HISTÓRIA: O CASO


DO CONTESTADO...................................................................................................................326

NATIVOS DIGITAIS E AULAS DE HISTÓRIA: COMO FAZER DESTA RELAÇÃO UM


AMBIENTE PRODUTIVO DE APRENDIZAGEM................................................................330

FOTOGRAFIA E CONHECIMENTO: CAMINHOS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA.....336

UNINDO O ÚTIL AO AGRADÁVEL: UMA BREVE ANÁLISE SOBRE AS TEMÁTICAS


DOS QUADRINHOS (COMICS E MANGÁS) DIANTE DA PERSPECTIVA DO ENSINO
DE HISTÓRIA...........................................................................................................................340

OS USOS DE JORNAIS DE ÉPOCA NO ENSINO DE HISTÓRIA: UMA PERSPECTIVA


TEÓRICA, DIDÁTICA E METODOLÓGICA.........................................................................345

MÚSICAS DE RAP: HISTÓRIA E SUBJETIVIDADES.........................................................348

O USO DE IMAGENS NAS AULAS DE HISTÓRIA NO ENSINO MÉDIO.........................351

A PRODUÇÃO FÍLMICA NO ENSINO E NA PESQUISA HISTORIOGRÁFICA...............355

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA NA ERA DA INFORMAÇÃO................359

IDEIAS DE ALUNOS DO SEXTO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL ACERCA DE


FONTES HISTÓRICAS PROPOSTAS NO LIVRO DIDÁTICO............................................362

JOGOS DIGITAIS E ENSINO DE HISTÓRIA: A CULTURA HISTÓRICA EM AGE OF


EMPIRES II................................................................................................................................365

O JORNAL COMO FONTE HISTÓRICA: ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS PARA A


PESQUISA E ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DOS PERIÓDICOS...............................370

O MUSEU EM SALA DE AULA: RELATO DE EXPERIÊNCIA COM MUSEUS


VIRTUAIS.................................................................................................................................375

9
IMAGEM EM MOVIMENTO: ASPECTOS SOBRE O CINEMA NO ENSINO DE
HISTÓRIA.................................................................................................................................379

OS SUPORTES AUDIOVISUAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA............................................382

O USO DA IMPRENSA COMO FONTE HISTÓRICA EM SALA DE AULA......................386

CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA: INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E A IGREJA


PERSEGUIDORA......................................................................................................................390

O USO DOS JOGOS VIRTUAIS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM NAS AULAS


DE HISTÓRIA...........................................................................................................................394

“DIRETO AO PONTO” - A EDIÇÃO DE VÍDEOS E IMAGENS A SERVIÇO DO


DOCENTE.................................................................................................................................397

O USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS E O ENSINO DE HISTÓRIA: A LEI DE ANISTIA


EM PERSPECTIVA...................................................................................................................402

HISTÓRIA E FOTOGRAFIA: UMA VISÃO DE FOTOGRÁFO, DO HISTORIADOR E DO


OBSERVADOR COMUM, AS VÁRIAS INTERPRETAÇÕES ACERCA DA IMAGEM....405

O USO DE REVISTAS COMO RECURSO PEDAGÓGICO NAS AULAS DE


HISTÓRIA.................................................................................................................................408

O USO DA IMAGEM COMO POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA.........412

LUZ, CÂMERA E AÇÃO: O ALUNO COMO SUJEITO OPERANTE NO PROCESSO DE


ENSINO APRENDIZAGEM, PRODUÇÃO DE DOCUMENTÁRIO.....................................415

DOCUMENTOS HISTÓRICOS CONTIDAS NO LIVRO DIDÁTICO E SEU POTENCIAL


COMO SUPORTE PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA...........................419

PROPOSTA DIDÁTICA DE ENSINO DE HISTÓRIA DO DESING E DO PATRIMÔNIO


ARQUITETÔNICO NA CIDADE DE MEDELLÍN, COLÔMBIA: USO DAS SELFIES E O
FACEBOOK COMO FERRAMENTA DE APROPRIAÇÃO PATRIMONIAL.....................423

IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA: UMA INTRODUÇÃO...............................426

JOGAR COM A EDUCAÇÃO E O ENSINO DE HISTÓRIA.................................................430

NOTAS SOBRE O USO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO ENSINO DE


HISTÓRIA.................................................................................................................................433

IDEIAS DE HISTÓRIA QUE CIRCULAM NO CIBERESPAÇO: APONTAMENTOS


INICIAIS....................................................................................................................................437

LUGARES DE MEMÓRIA: REFLEXÕES SOBRE MARCOS TESTEMUNHAIS DE OUTRA


ÉPOCA.......................................................................................................................................441

REFLEXÕES SOBRE A UTILIZAÇÃO DE TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E


COMUNICAÇÃO (TIC) NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA
NA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA.....................................................................................445
10
EXPERIÊNCIA NO PROJETO TECNOLOGIAS E LINGUAGENS E SUA IMPORTÂNCIA
NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE PESQUISA E EXTENSÃO DE ALUNOS
BOLSISTAS...............................................................................................................................449

JORNAIS CATARINENSES E A NOVEMBRADA - MANIFESTAÇÃO CATARINENSE


CONTRA A DITADURA..........................................................................................................452

PRÁTICA DE HISTÓRIA E TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO:


POSSIBILIDADES PARA O PROCESSO DE ENSINO E PESQUISA ATRAVÉS DA
INTERNET.................................................................................................................................457

A LITERATURA NO ENSINO DE HISTÓRIA: O DOCUMENTO, OS CUIDADOS E A


PRÁTICA...................................................................................................................................460

HISTÓRIA E MÚSICA: A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE ENSINO.........................465

FOTOGRAFIAS ESCOLARES COMO FONTE: UMA BREVE ANÁLISE DA


ARQUITETURA DO IEPPEP...................................................................................................468

DISCUTINDO A NOÇÃO DE FATO HISTÓRICO A PARTIR DO ROMANCE O CRIME DE


SYLVESTRE BONNARD, MEMBRO DO INSTITUTO..............................................................474

REFLEXÕES SOBRE AS POTENCIALIDADES DO USO DO CINEMA EM SALA DE


AULA: RELAÇÕES COM O ENSINO DE HISTÓRIA...........................................................477

A MÚSICA COMO FONTE HISTÓRICA: APRENDIZAGEM NO ENSINO DE


HISTÓRIA.................................................................................................................................480

NOTAS ACERCA DA PROPOSTA DE TRATAMENTO TÉCNICO, HIGIENIZAÇÃO E


ORGANIZAÇÃO DO ACERVO DA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL NO IFPR, CAMPUS
UNIÃO DA VITÓRIA...............................................................................................................484

POSSIBILIDADES DO ENSINO DE HISTÓRIA E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS


CONTEMPORÂNEOS A PARTIR DAS NOVAS TECNOLOGIAS......................................488

O ENSINO TEÓRICO-PRÁTICO DE HISTÓRIA DAS REVOLUÇÕES E MOVIMENTOS


SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE: UMA ÓTICA A PARTIR DO USO DAS
MÚSICAS E DA LITERATURA..............................................................................................492

O ENSINO TEÓRICO-PRÁTICO DE HISTÓRIA DAS REVOLUÇÕES E MOVIMENTOS


SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE: UMA ÓTICA A PARTIR DO USO DAS NOVAS
TECNOLOGIAS E DO CINEMA.............................................................................................496

RELAÇÕES DE GÊNERO E ETNICIDADES

AS ESCOLAS DE ÓBIDOS NA LUTA CONTRA A DISCRIMINAÇÃO E O


PRECONCEITO NO ESPAÇO ESCOLAR..............................................................................501

A IMPORTÂNCIA DA LEI 10.639/03 PARA O RECONHECIMENTO DA CULTURA


AFRO-BRASILEIRA ATRAVÉS DAS MUDANÇAS CURRICULARES.............................505

UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A HISTÓRIA DA ÁFRICA NO ENSINO......509


11
A IMPORTÂNCIA E OS LIMITES DOS LIVROS DIDATICOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL E ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE DO PIBID SOBRE A LEI
10639/03.....................................................................................................................................512

RELATO DE EXPERIÊNCIA: O RACISMO DEBATIDO EM AULAS DE HISTÓRIA......516

CULTURA AFRICANA NO BRASIL A PARTIR DA LEI 10639/03.....................................520

PRECONCEITO RACIAL NO COTIDIANO ESCOLAR: DESMITIFICAR PARA


COMBATER..............................................................................................................................524

RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, HISTÓRIA E EDUCAÇÃO: DESAFIOS E POTENCIAIS


NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E DE EDUCADORES SOCIAIS..............................528

ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA NA TRAMA DA NARRATIVA HISTÓRICA DOS


POVOS KIRIRI..........................................................................................................................532

A LEI 10.639/03 E O ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: ALGUMAS


CONSIDERAÇÕES...................................................................................................................537

EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: A LEI Nº 10.639/2003.............................541

O BRASIL É DELAS: A HISTÓRIA TUPINIQUIM PELO PRISMA DE SUAS


PROTAGONISTAS...................................................................................................................544

ENSINANDO ENTRE TELAS: AS MULHERES NA HISTÓRIA E SUAS POSSIBILIDADES


DE ABORDAGEM EM SALA DE AULA ATRAVÉS DO CINEMA....................................547

ENSINO DE HISTÓRIA-ONDE ESTÁ O NEGRO NA HISTÓRIA?.....................................551

O ENSINO DE HISTÓRIA, A LEI 10.639/2003 E AS DIRETRIZES CURRICULARES


NACIONAIS: ANÁLISE DO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DA HISTÓRIA DA
ÁFRICA NO CURRÍCULO DE HISTÓRIA.............................................................................554

CONSCIÊNCIA DE SI, CONSCIÊNCIA DO OUTRO: A HISTÓRIA DOS POVOS


INDÍGENAS NA FORMAÇÃO DOCENTE............................................................................558

INSERÇÃO E PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA HISTÓRIA: COMO O PROFESSOR


TRABALHA A QUESTÃO?.....................................................................................................561

EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E SUA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR......................565

A CAPOEIRA COMO POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI 10.639/03...................570

UM HOLOCAUSTO INDÍGENA AINDA INVISÍVEL NO ENSINO DE HISTÓRIA..........573

PRÁTICAS E EXPERIÊNCIAS NO ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA...........................577

BATALHAS NA TORRE DE MARFIM: O IMPACTO DA INCLUSÃO RACIAL E SOCIAL


NO ENSINO DE HISTÓRIA.....................................................................................................581

A MULHER NEGRA NA EJA: POSSIBILIDADES DE EMPODERAMENTO NO ENSINO


DE HISTÓRIA...........................................................................................................................585
12
HISTÓRIA INDÍGENA E ENSINO: UM DIÁLOGO A SER ESTREITADO (2008-2016)...588

A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA: (RE)DISCUTINDO O


USO DE CONCEITOS NO COTIDIANO DOS ESTUDANTES.............................................592

CONSIDERAÇÕES AO ENSINO DE HISTÓRIA NAS ESCOLAS INDÍGENAS................596

A DOMINAÇÃO APRENDIDA EM BOURDIEU...................................................................601

AS DIFICULDADES EM TRABALHAR A EDUCAÇÃO ÉTNICO- RACIAL NO


AMBIENTE ESCOLAR............................................................................................................604

ENSINO DE HISTÓRIA AFRO-BRASILEIRA: TEORIA E PRÁTICA NA EDUCAÇÃO DE


JOVENS E ADULTOS..............................................................................................................609

DISCRIMINAÇÃO DO NEGRO NO BRASIL: UM OBSTÁCULO A SER VENCIDO........613

DO ANONIMATO À NOTABILIDADE: A MULHER AFRODESCENDENTE NO ENSINO


BRASILEIRO.............................................................................................................................616

A IMPORTÂNCIA DE UMA ABORDAGEM FEMINISTA NOS CURSOS DE


LICENCIATURA EM HISTÓRIA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS........................................620

ÁFRICA QUE CHEGA PELA ORALIDADE: REPRESENTAÇÕES HISTÓRICAS E


COMBATE AO PRECONCEITO EM SALA DE AULA........................................................624

HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRAE AFRICANA NA REDE PÚBLICADE


PORTO VELHO – RO...............................................................................................................628

O ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA: POR UMA HISTÓRIA (DES)


EUROCÊNTRICA.....................................................................................................................632

MULHERES EM CENA: NARRATIVAS HISTÓRICAS E A INVISIBILIDADE DAS


MULHERES NO FILME GERMINAL.....................................................................................637

O NEGRO NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA HISTÓRICA: ENTRE OS DICURSOS


MIDIÁTICOS E A CONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS.....................................................642

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE ÁFRICA NO ENSINO DE HISTÓRIA...........................646

CAMÉLIA BRANCA: O PROCESSO DE ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO EM SALA DE


AULA.........................................................................................................................................650

APRENDIZES DO CONFLITO: O ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA EM PALMEIRA


DOS ÍNDIOS - AL ENTRE DILEMAS....................................................................................654

A HISTÓRIA INDÍGENA NO ESPAÇO ESCOLAR: PONDERAÇÕES A PARTIR DAS


AÇÕES DO PIBID DE HISTÓRIA...........................................................................................658

IMAGINÁRIOS SOBRE O TERMO ESCRAVIDÃO: A VISÃO DE ALUNOS RECÉM-


FORMADOS NO ENSINO MÉDIO, ALGUMAS NOTAS.....................................................662

13
JOGOS E BRINCADEIRAS AFRO-BRASILEIRA: UMA AÇÃO DO PIBID NAS TURMAS
DO 6°ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL...........................................................................666

A INVISIBILIDADE DA TEMÁTICA INDÍGENA NO CURRÍCULO DE HISTÓRIA: UMA


ANÁLISE DA LEI 11.645 DO CURRÍCULO BÁSICO DE HISTÓRIA DO RIO DE
JANEIRO...................................................................................................................................670

“CAÇAR, PESCAR E VIVER NAS FLORESTAS”: REPRESENTAÇÕES DE ALUNOS DA


REDE BÁSICA EM XINGUARA_PA ACERCA DOS POVOS INDÍGENAS......................674

IDENTIDADES INDÍGENAS, O CINEMA E O ENSINO DE HISTÓRIA: REFLEXÕES


NECESSÁRIAS AO SABER HISTORIOGRÁFICO...............................................................679

IDENTIDADE NEGRA E ENSINO DE HISTÓRIA: RELATO DE EXPERIÊNCIAS EM


SALA DE AULA.......................................................................................................................683

CURRÍCULO E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA.............687

VOZES OCULTAS: RELAÇÕES DE GÊNERO E MEMÓRIA NA CONSTITUIÇÃO DE


ARQUIVOS PESSOAIS............................................................................................................690

LIVROS DIDÁTICOS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA


E INDÍGENA: INSTRUMENTO NECESSÁRIO PARA A APLICAÇÃO DE LEIS
FEDERAIS.................................................................................................................................694

MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO(1889-1937): (IN) VISIBILIDADE NO ENSINO DE


HISTÓRIA.................................................................................................................................700

RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E SISTEMA DE COTAS (COR/ETNIA) NO BRASIL


ATUAL......................................................................................................................................704

A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E O PAPEL DO ENSINO DE


HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA..............................................708

14
15
DIÁLOGOS ENTRE A HISTÓRIA E A GEOGRAFIA
NA EDUCAÇÃO BÁSICA: RELATO DE
EXPERIÊNCIA NA ESCOLA MUNICIPAL
JOSINEIDE TAVARES (MARABÁ-PA)
Ádila Cristiene Alves Vital
Diego Armando dos Santos Mota
Eliza Correa Santos

Introdução

Há 14 anos o ensino de história da África tornou-se obrigatório no currículo escolar.


Porém, nesse período, pouco se avançou no debate interdisciplinar em sala de aula,
deixando a história, muitas vezes, como a única ou principal disciplina encarregada de
discutir a história e a cultura afro-brasileira na escola.

Boa parte dessa dificuldade está na formação dos professores, que vem se mostrando,
ainda incipiente no que se refere a esta temática. De acordo com as “Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico– Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”:

(...) Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar.
Têm que desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o
etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais,
desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a palavras
e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizados vivida
pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhe são atribuídas nas
escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas (...)”

Esse relato de experiência fruto do projeto de pesquisa intitulado Programa de Apoio a


Projetos de Intervenção Metodológica – PAPIM 2016, coordenado pelo Prof. Me.
Janailson Macêdo Luiz (UNIFESSPA), que teve como principal objetivo apresentar
ações, estratégias metodológicas voltados para a abordagem das relações étnico-raciais
no âmbito da educação básica. Além de fazer um debate entre a história e a geografia
dentro da temática das relações étnico-raciais.

A escola de ensino fundamental Josineide Tavares, localizada no bairro Liberdade no


município de Marabá no Pará foi uma das escolas trabalhadas pelo projeto. Pudemos
desenvolver atividades junto as turmas de 6° ao 8° ano nas aulas de Geografia do
professor Diego Armando dos Santos Mota, um dos autores do presente artigo, durante
os 11 meses de aplicação do projeto. Para além da sala de aula, momentos de discussões
e debates eram realizados todas as quintas-feiras na sala do N’umbuntu na Unifesspa
com o professor coordenador do projeto, discentes de graduação e outros professores da
educação básica. Essas atividades de estudos possibilitaram a organização e discussão
16
do planejamento das ações a serem desenvolvidas em sala de aula com alunos, também
eram debatidos textos, filmes e trocas de experiências entre os componentes do grupo.

Metodologia

Durante as primeiras aulas de geografia acompanhadas, na turma de 6° ano, o professor


regente procurou fazer uma abordagem relacionando as teorias da criação do universo,
como o big-bang, com a visão Iorubá de origem africana, sobre a criação do mundo. Tal
método além de apresentar e ampliar aos alunos as diversas possibilidades de um início
do universo, mostrou também a cosmovisão de religiões de matriz africana,
contribuindo para os conhecimentos acerca da cultura afro-brasileira.

Em outros momentos, com turmas de 7° ano, optou-se por fazer uma abordagem mais
comparativa, trabalhando a geografia física do continente africano e do Brasil, fazendo
um comparativo em relação aos biomas, as florestas, os rios, o que aproxima e o que
afasta o nosso país de alguns países da África. Pôde-se perceber a grande participação e
curiosidade por parte dos alunos no que tange o método comparativo naquilo que muitas
vezes os faziam pensar ser o Brasil quando na verdade era um país do continente
africano.

Uma das ferramentas para se abordar a cultura afro-brasileira de maneira didática foi a
apropriação das mídias sociais, como forma de pesquisa e disseminação do que se é
trabalhado em aula. Alunos nessa faixa etária estão o tempo todo conectados, já que
pertencem a uma geração onde tudo pode ser encontrado de maneira rápida e resumida,
num simples clique, o que dificulta trabalhar com textos mais densos e detalhados.

Nesse sentido, a constante atualização do professor se faz necessária para buscar


métodos práticos e que instigam o interesse dos estudantes. Uma outra forma didática
de se trabalhar é utilizando jogos e aplicativos eletrônicos, como o jogo Feitiço de Exú,
como proposto por Ribeiro (2015).

No debate das relações étnico-raciais, com enfoque na geografia, faz-se necessário um


diálogo entre a realidade do aluno e a temática trabalhada. Por exemplo, trabalhar a
história do bairro, bairro esse de maioria negra que se localiza numa zona periférica da
cidade, relacionando com uma questão mais ampla como a geopolítica espacial. Ou a
vinda de africanos escravizados para o Brasil e suas lutas ao longo dos anos. É
importante que o professor sempre se atente para fugir dos estereótipos, a imagem do
negro apenas como o escravizado acorrentado ou a imagem da África como país de
miséria e doenças. Aliado a isso é de extrema importância a formação continuada de
professores, a busca por atualizar-se e utilizar de métodos que contribuam para a
diminuição das desigualdades e do preconceito a partir da sala de aula.

Segundo Munanga (2005, p. 15) na apresentação do livro “Superando o racismo na


escola”: Essa falta de preparo, que devemos considerar como reflexo do nosso mito de
democracia racial, compromete, sem dúvida, o objetivo fundamental da nossa missão no
processo de formação dos futuros cidadãos responsáveis de amanhã.

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Resultados

Após os primeiros momentos de debate sobre o tema em sala de aula, o professor junto
aos alunos procurou desenvolver jogos de tabuleiro com a temática voltada a mitologia
ioruba como produto final das discussões trabalhadas ao longo da disciplina. O mais
interessante foi perceber o envolvimento de toda a turma na confecção do jogo, e com
isso colocar em prática os conhecimentos adquiridos em sala de aula.

O material foi produzido por eles, desde a narrativa, o cenário e os personagens ao


percurso utilizado pelo jogador. Alguns limites foram encontrados no desenvolver dessa
atividade como os materiais e ferramentas de impressão, tendo que ser adquiridos a
partir de recursos particulares do professor Diego, a falta de espaço adequado para a
produção dos jogos foi outro fator que prejudicou o andamento da atividade.

A mesma atividade foi aplicada as turmas de 7° ano, um dos materiais didáticos e


metodológicos desenvolvidos pelos alunos em sala de aula foi a criação e montagem
desses jogos educativos com temática voltada aos assuntos trabalhados em sala, como a
história da África, a Geografia física do continente e de seus países, vegetação, entre
outros. Jogo da memória, caça-palavras, jogo de tabuleiro e de cartas são alguns
exemplos do material desenvolvido pelos estudantes. Cerca de 100 alunos, entre turmas
de 6º ao 9º ano foram envolvidos no projeto durante os dez meses de atividades. Os
materiais e jogos produzidos ficaram à disposição da escola, na sala da biblioteca,
podendo ser utilizados pelas demais turmas em outros momentos, seja durante uma
discussão com temática voltada ao continente africano, seja em momentos de interação
entre os alunos. O livro é um suplemento didático no que se refere ao ensino de história
da África e cultura afro-brasileira

Considerações finais

Diante dos resultados observados, podemos inferir acerca da importância do ensino da


cultura africana e afro-brasileira de forma interdisciplinar em sala de aula, não só na
manutenção da memória e identidade étnico-racial, mas também na luta contra a
discriminação e o preconceito, além de assegurar o cumprimento da Lei 10.639/2003,
ressaltando a preservação, reflexão e debates acerca da memória e identidade do povo
brasileiro. Vale ressaltar a importância de um diálogo com todo o corpo escolar nas
práticas educativas realizadas nas escolas. Apesar de alguns entraves, o projeto foi
alcançando o resultado esperado, ampliando o debate acerca do tema, bem como
desenvolver metodologias e materiais didáticos que sirvam como subsídios para os
professores do ensino básico, promovendo também a reflexão e valorização do estudo e
ensino da história dá África e cultura afro-brasileira.

Referências

BRASIL. Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003. DOU de 10/01/2003.

18
BRANDÃO, A. P. (Coord.). Saberes e fazeres: modos de sentir - Rio de Janeiro:
Fundação Roberto Marinho, 2006. (A cor da cultura, V. 2).

MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. Brasília: MEC, 1999.

RIBEIRO, Cristhyane. Cayres, Victor; BRITO, Jailson de Brito; Souza, Tatiane Silva.
Histórias da Criação - Resgate, Preservação e Disseminação da Cultura Afro-
Brasileira através de Jogos Eletrônicos. XIV SBGames, Teresina-PI, nov. 2015.

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ENSINO DE HISTÓRIA E O PATRIMÔNIO
IMATERIAL: O MONGE JOÃO MARIA EM SÃO
MATEUS DO SUL/PR – CRUZES, MEMÓRIAS,
ÁGUAS SANTAS E CEMITÉRIOS DE ANJOS
Alcimara Aparecida Föetsch
Mário Sérgio Deina

A História enquanto disciplina escolar é entendida, nesta proposição de reflexão, como


instrumento provocador e instigador de profundas análises sociais, notadamente
culturais. Neste sentido, o ambiente criado na escola permite um espaço ímpar de
diálogo, descoberta, discussão e aprendizagem, onde problematizar o lugar de vivência
e de pertencimento serve de motivação e suporte ao desenvolvimento de uma
consciência histórica de valorização, respeito e preservação – trata-se do “se sentir
parte”, do “ser integrante”. Neste sentido, se a problematização partir dos lugares
vividos diariamente, carregados de simbolismo, pode impulsionar a dinâmica
ensino/aprendizagem a partir da história local. Esta última é compreendida por Goubert
(1992) como aquela que se refere a pequenos espaços, ou seja, “uma área geográfica
que não seja maior do que a unidade provincial comum” (p. 70), ou ainda, entendida
como uma porção do espaço – espaço, neste caso, dotado de identidade cultural (HALL,
2005).

A história local se apresenta, assim, com um novo significado, destacando-se por ser
autêntica e fundamentada, onde os espaços são transformados em lugares a partir das
experiências vivenciadas, preenchidas de sentimentos, sensações, emoções e memórias
individuais ou coletivas que os tornam “um recortado emocionalmente, nas experiências
cotidianas” (MELLO, 1990, p.102). A vila, a comunidade, os locais de lazer e
peregrinação emergem, dessa forma, como cenários supramateriais carregados de
simbolismo e devoção. Ao se trabalhar o contexto local é possível estabelecer relação
com acontecimentos mais abrangentes e espaços mais distantes, percebendo as
interligações, tendo em vista que as regiões estão igualmente relacionadas com o
nacional, o latino-americano e o mundial (SCHMIDT e CAINELLI, 2009, p. 138). No
mesmo raciocínio, Barros (2004) destaca que compreender essas porções do espaço
torna possível compará-los com outros espaços similares em um universo maior. Sendo
assim, história local pode, dentre outros olhares, evidenciar a preocupação com a
valorização do patrimônio cultural dos lugares. E é justamente neste sentido que aqui se
propõe pensar uma relação entre o Ensino de História e a valorização do patrimônio
cultural, neste caso, imaterial, dos lugares.

O patrimônio cultural divide-se em bens materiais e imateriais (PELEGRINI e


FUNARI, 2009, p. 27). Este último, o patrimônio imaterial, não se trata de um mero
objeto e perceber sua significação só é possível de forma fluída, compreendendo-a
como processo, como referência a partir de sua espacialidade e temporalidade. São os
20
ditos “bens culturais intangíveis” que, apesar de impossíveis ao toque, se evidenciam
nas tradições, expressões, práticas e rituais, dada sua beleza, vitalidade e valoração.
Declarações, convenções, recomendações, cartas patrimoniais entre outros documentos,
buscam, ao longo do tempo, reconhecer, conceituar, atestar a importância e fornecer
instrumentos normativos para salvaguardar o patrimônio da humanidade. No Brasil, a
inclusão dos Artigos nº 215 e nº 216 na Constituição Federal é o que, de fato, garante o
pleno exercício dos direitos culturais, sendo dever do Estado proteger tais
manifestações. Dessa forma, ficou estabelecido que constituem o patrimônio cultural
brasileiro tanto os bens de natureza material quanto os bens de natureza imaterial, em
especial, as formas de expressão, de viver e os espaços destinados às manifestações
culturais (BRASIL, 1988, Art. nº 216).

Neste contexto, propõe-se dialogar sobre a forma com que o patrimônio imaterial pode
contribuir no Ensino de História e como recorte espacial de análise, utiliza-se o
município paranaense de São Mateus do Sul e sua forte relação com o Monge João
Maria. Muito se fala e se ouve na região Sul do Brasil sobre esta figura mítica peregrina,
os escritos vão desde poemas, músicas, dramatizações, relatos, contos e teorias sobre
sua vida, passagens e desaparecimento. Na crença popular são predições, devoções,
pregações, memórias e histórias de fé. Na paisagem são cruzes, árvores brotadas, olhos
d´água, cemitério de anjos e lugares de peregrinação. Pregador de um catolicismo
rústico, o Monge cultuava a natureza e defendia o amor ao próximo. Conhecedor
profundo dos poderes da homeopatia, receitava chás e infusões que tratavam a
população carente e distante da medicina. Andarilho viajante, levava e trazia
informações sobre o mundo distante fortalecendo a crença em suas visões abençoadas.
Conhecedor da Bíblia e de Deus, arrebanhava fiéis seguidores crentes em suas palavras
de Salvação. E assim, durante décadas em São Mateus do Sul, foi se construindo a
crença e fortalecendo a fé em São João Maria, não mais Monge peregrino, agora Santo
dos altares. Um Santo que foi visto, ouvido e tocado por avós, pais, familiares e amigos,
uma figura do povo ao alcance de todos. Multiplicam-se as histórias contadas que
evidenciam a importância desse personagem no município, apesar de muito ter se
perdido com o tempo, as memórias ainda estão na lembrança de quem as reconta com
um sentimento de devoção único, singular e marcante. Quase é possível ver, através dos
olhos de quem conta, a imagem nunca por estes vista, mas que é tão sagrada quanto a fé
que a alimenta. Impossível mapear todos os lugares de passagem, pousio, peregrinação
e pregação do Monge, muitos já se perderam com o tempo, sobretudo, com o avanço do
desmatamento, da agricultura e da urbanização. Somam-se a isso as memórias perdidas
que eram vivas somente na recordação dos que já faleceram ou não deram conta de
transmiti-las. As marcas no espaço são o patrimônio material, edificado e construído
como local de devoção; as memórias são o patrimônio imaterial criado e alimentado
para dar suporte à crença.

A junção destes, materialidade e imaterialidade, é o que dá alma aos lugares tornando-


os espaços de práticas individuais e coletivas carregadas de simbolismo e significado.
Fato é que com o tempo os lugares associados ao Monge no município pesquisado
foram formando um verdadeiro mapa da cultura popular, uma cartografia mística dos
lugares da memória. Essas lembranças, cultos e referências fazem parte do cotidiano do
município de São Mateus do Sul e podem se apresentar como uma importante
ferramenta no Ensino de História, a partir da história local. Nas palavras de Bittencourt

21
(2004), o professor, ao recorrer a vestígios e fontes históricas nas aulas de História
favorecendo o pensamento e desenvolvendo a autonomia intelectual permite que o
aluno realize análises críticas da sociedade e de seus lugares de vivência. Muitos desses
alunos conhecem as crenças e os lugares associados ao Monge e utilizar dessas
referências pode se apresentar como um interessante recurso didático para se
problematizar o tempo e o espaço, apontando vários outros elementos, fatos e
acontecimentos que contribuíram para a formação sócioespacial do município e da
região. Destacando que, neste sentido, o “patrimônio, antes restrito ao excepcional,
aproximou-se, cada vez mais, das ações quotidianas, em sua imensa e riquíssima
heterogeneidade” (PELEGRINI e FUNARI, 2009, p. 30). Acrescentando que, segundo
Brodbeck (2012), conhecer o aluno e suas experiências é fundamental para o bom
encaminhamento das aulas, pois permite ao professor viabilizar, socializar e sistematizar
esses conhecimentos, em processo de construção coletiva, levando o aluno a elaboração
e ao domínio de conceitos que irão se formando, se ampliando e ganhando novos
significados, numa relação dinâmica com outros conceitos e processos históricos (p.18).
E assim, o Ensino de História pode, partindo dos lugares de vivência da história local,
utilizar da mística, do simbolismo e das crenças uma vez que a proteção deste
patrimônio “está diretamente vinculada à melhoria da qualidade de vida da população,
pois a preservação das memórias e das identidades é uma demanda social tão importante
quanto qualquer outra” (PELEGRINI, 2009, p. 32).

Referências Bibliográficas

BARROS, J. D'A. O campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis, RJ:


Ed Vozes, 2004.

BITTENCOURT, M. C. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo:


Cortez, 2004.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF, Senado, 1998.

BRODBECK, M. de S. L. Vivenciando a História- Metodologia do Ensino de


História. Anos Finais do Ensino Fundamental Regular. Curitiba: Base Editorial, 1ªed,
2012.

GOUBERT, P. História Local. In: História e Perspectivas. Uberlândia, nº 6 (p. 45-47),


Jan/Jun, 1992.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz da Silva, Guacira


Lopes Louro. 10 ed. Rio de Janeiro; DP & A, 2005.

MELLO, J. B. F. de. Geografia Humanística: A perspectiva da experiência vivida e uma


crítica radical ao Positivismo. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, (p.
91-116), 1990.

22
PELEGRINI, S. C. A.; FUNARI, P. P. A. O que é patrimônio cultural imaterial. São
Paulo: Brasiliense, 2008. (Coleção: Primeiros Passos, nº. 331).

PELEGRINI, S. C. A. Patrimônio cultural: consciência e preservação. São Paulo:


Brasiliense, 2009.

SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar História. Ed Scipione, São Paulo, 2009.

23
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E MEMÓRIA NA
ESCOLA
Alex Juarez Müller

A educação patrimonial efetiva “é dialógica, reflexiva e crítica, que contribui para a


construção democrática do conhecimento e para a transformação da realidade. Isso
implica conceber o patrimônio cultural como um elemento social inserido nos espaços
de vida dos sujeitos” (TOLENTINO, 2016, p. 38).

O que a educação patrimonial não é? De acordo com Tolentino (2016) a educação


patrimonial não é cinco falácias: 1 - educação patrimonial não é um instrumento de
alfabetização cultural, pois isso coloca a cultura como superior à outra; 2 - educação
patrimonial não surgiu, no Brasil, somente nos anos 1980, pois a relação de educação e
patrimônio está presente nos museus desde o século XIX; 3 - educação patrimonial não
é conscientizar para preservar, se fosse assim não seriam preservados em sua maioria os
bens de herança europeia; 4 - educação patrimonial não é apenas para os bens tutelados
pelos Estado, é preciso o compromisso com a diversidade cultural; 5 - educação
patrimonial não é apenas conhecer por si só, para garantir a preservação é preciso
conhecer o patrimônio de uma forma crítica.

A educação patrimonial dialógica, reflexiva e crítica é aquela que atenta para os anseios
do presente. Esse tratamento implica em seguir uma ordem sugestionada por Cuesta
(2010) que é: problematizar o presente, pensar historicamente, educar o desejo, aprender
dialogando e impugnar os códigos pedagógicos e profissionais (p.29). Portanto o ponto
de partida na escola não são propriamente bens culturais já consolidados, mas as
memórias do presente que necessitam ser problematizadas historicamente, para isso é
preciso superar modelos já formatados de organização escolar, inclusive, indo além dos
muros escolares e buscar pistas nas comunidades que rodeiam, como já destacamos
anteriormente.

A escola se transforma no encontro desse processo, onde as memórias são tratadas


historicamente e coletivamente, elas são intermediárias entre os indivíduos e as marcas
culturais presentes nos lugares. Importante ressaltar que essas memórias passaram por
relações de poder através de lutas e classificações que resultaram em fronteiras entre o
visível e o não visível (BOURDIEU, 1989), assim o patrimônio não é estável e neutro e
logo a educação patrimonial não pode simplesmente conscientizar para preservar, mas
problematizar como os bens culturais são apropriados de maneira desigual
(TOLENTINO, 2016).

A problematização das memórias não é só tarefa de alunos, mas também da comunidade


e dos professores, pois o entendimento histórico não deve ser apenas de um grupo, mas
todos que fazem parte daquele espaço necessitam estar engajados, fundamentalmente
aqueles docentes que permanecem resistentes em romper com o código disciplinar
escolar. A alternativa é buscar novos cenários que constituem em novas vozes, novos

24
textos, novas imagens e novas memórias almejando a desescolarização do
conhecimento e a desprivatização do público através da introdução da educação dos
problemas sociais relevantes que nos preocupam dentro e fora das aulas (CUESTA,
2010).

Romper o código escolar é romper com os métodos convencionais que ainda lembram a
escola a serviço da construção nacional do período Vargas, é sair da convencionalidade
de que conhecimento ocorre somente em sala de aula a partir de profissionais
diplomados e hierarquizados em categorias de níveis diversos (VIÑAO, 2002). Longe
de querer descontruir o papel social do professor, entretanto é digno que a docência olhe
para o presente e proporcione a problematização das diversas realidades que alunos e
seu entorno carregam consigo. Abrir um canal direto de diálogo com o público escolar é
um bom começo, inclusive já perdi a contagem correta de quantos alunos já
mencionaram que sentem falta de professores que tenham paciência, que estejam
dispostos a ouvir e conversar e que fujam do convencional “senta e copia”.

Usar e abusar da escola como ponto de encontro das diferentes memórias, fazer com
que os alunos tragam suas vivências para dentro da aula de forma a serem tratadas
através da crítica coletiva, situação que faz com que os próprios colegas se conheçam e
possam saber sobre o outro. A partir da memória dos alunos é possível o
(re)conhecimento de suas vidas e ampliar a noção de fontes além do tradicional tripé
livro, quadro e professor. Fazer com que tragam documentos diversos como fotografias,
certidão de nascimento, objetos diversos (roupas, brinquedos, etc.) e relatos orais (pais,
avós, etc.) possibilitam a problematização sobre suas realidades.

A educação patrimonial pode auxiliar no processo de identificação dos alunos e da


comunidade com a escola e vice-versa, auxiliando no entendimento que o patrimônio
presente é de todos e que sua manutenção depende da coletividade, superando a falácia
que patrimônio é necessariamente um bem cultural tutelado pelo Estado, podendo ser
também qualquer equipamento social que esteja disponível aos grupos sociais.

Isso acontece quando a comunidade está dentro da escola e a escola dentro da


comunidade, onde a educação patrimonial traz para a aula as memórias, problematiza,
faz o trabalho de contramemória e retorna para a comunidade escolar. Superar o
conjunto de normas e saberes inertes ao longo do tempo por culturas escolares
peculiares a cada instituição de ensino (VIÑAO, 2002) exige desprender-se da sala de
aula como único espaço de diálogo, assim é importante ensinar os alunos e professores a
problematizarem o bairro. Digo problematizar porque ambos já conhecem o espaço que
estão, pois transitam por ele para chegar a escola, porém nunca fizeram o serviço de
contramemória.

A educação patrimonial possibilita realçar os bens patrimoniais materiais e imateriais


presentes nos lugares, mas antes disso, constrói significados sociais para grupos
esquecidos e permite reconhecer e discutir como é a paisagem que estão inseridos e
entrar em temas como saneamento básico, exploração do meio ambiente, quais sãos
equipamentos públicos existentes no bairro, o perfil da população, organização do
espaço urbano, entre outros. Atos de violência com os lugares e com as pessoas que ali
estão deixam de ser praticados quando se descortina o pertencimento escondido dos
indivíduos com suas comunidades.
25
A Educação não acontece somente dentro da escola e educação patrimonial não ocorre
somente na disciplina de história. A educação pode envolver todas as áreas do saber, a
comunidade e outros espaços oficiais e não-oficiais que possibilitam a educação
patrimonial dialógica, reflexiva e crítica. Uma educação cidadã que busque a
autodeterminação dos sujeitos e que distancie-se de culturas escolares enrijecidas nos
seus códigos hierarquizados é bem-vinda.

O diálogo amplo, reflexivo e crítico permite a abertura para outros espaços, como
museus, centros culturais, diferentes áreas urbanas e rurais. A educação patrimonial não
ocorrerá nesse caso de forma dada e muito menos passiva, pois se o trabalho de
contramemória for realizado previamente possibilitará a problematização dos espaços
visitados.

Os novos espaços podem ser inclusive virtuais como a ferramenta Google Art Project,
que nos mostra a importância da fotografia como documento como por exemplo, no uso
das imagens do Museu Afro Brasil localizado em São Paulo. Por meio das imagens do
museu podemos levantar diversas discussões atuais como: a questão das cotas raciais na
educação, condição da população afrodescendente no Brasil na atualidade, o trabalho
escravo na construção do Brasil, História da África e religiosidade afro-brasileira,
herança cultural na música (pagode, samba, hip hop, funk, rock n roll), entre outros.

O museu de hoje não deve ser o museu de ontem, ou seja, instituições voltadas
unicamente para o ensino das ciências físicas, história natural, do estudo das grandes
coleções e da legitimação de elites locais ou da nação (Gil & POSSAMAI 2014,
POSSAMAI 2010). Assim, as instituições museológicas necessitam tratar das memórias
através de processos educativos, inclusive podemos citar exemplos: as ações educativas
do Centro Histórico Cultural Santa Casa que oferece uma oficina através do lixo
arqueológico; e o serviço de educação patrimonial oferecido pelo Arquivo Público do
Estado Rio Grande do Sul com os documentos da ditadura civil-militar e com a caixa
pedagógica contendo documentos da escravidão.

Um espaço pertinente é o Instituto Inhotim, localizado em Brumadinho/MG, onde é


possível analisar diferentes paisagens. O Inhotim nos permite pensar sobre a arte
contemporânea, a fauna e a flora do Brasil. É possível em cada região buscar um espaço
de contemplação e análise da paisagem, não sendo necessariamente um parque. Até
mesmo os nomes que os lugares carregam são fontes de interpretação e
problematização, como por exemplo, Região das Hortênsias, na Serra Gaúcha, que
lembra uma planta asiática e Morro Ferrabrás, em Sapiranga/RS, nome de um monstro
sarraceno de lendas medievais árabes – europeias.

Os museus locais também são excelentes equipamentos culturais para dialogar, refletir e
problematizar o presente através da contramemória, pois habitualmente esses espaços
reproduzem uma história narrada de forma cronológica com referência a determinados
grupos sociais demonstrando o jogo de poder envolto na região. Nesse caso, é pertinente
tratar a memória como fonte, como algo a ser problematizado, caso contrário a visita
pode se tornar em apenas uma reprodução e perpetuação do que já existe.

O bairro da escola também é um museu, mesmo que informal, onde os olhares podem
extrais muitas informações que permitem conhecer os ofícios locais, entender a
26
dinâmica econômica através de comércios e indústrias, identificar lugares que sofrem
com a violência urbana e discutir para compreender os problemas e agir com soluções
possíveis.

Os espaços de memória estão presentes em distintos lugares, desde ambientes privados


a um indivíduo ou um grupo seleto de pessoas ou a lugares públicos como uma rua ou
praça. A educação patrimonial permite problematizar essas fontes que se deparam na
escola e no seu entorno, portanto, ela não é um método pronto como uma receita de
bolo, cada lugar tem sua dinâmica social e requer a sua crítica própria. Aos docentes, ela
proporciona ultrapassar os muros escolares e, aos alunos e comunidade, compreenderem
que são sujeitos que possuem o seu patrimônio cultural à espera da sua própria crítica.
Em vista disso, a educação patrimonial traz a necessidade da discussão regional e
nacional da reorganização dos conteúdos curriculares, já proposta pela Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), como forma de reconhecer a importância dos anseios
locais e retirar do silenciamento e da invisibilidade as memórias dos grupos sociais,
portanto a escola encontra-se no entreposto onde pode ser realizado esse trabalho de
contramemória.

Referências Bibliográficas

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

CUESTA, Raimundo. Antología de una década: artículos de Raimundo Cuesta (2000-


2010). Memoria, Historia y Didáctica. Salamanca: 2010. Disponível em: <
http://www.nebraskaria.es/wp-content/uploads/2016/08/Antolog%C3%ADa-de-una-
d%C3%A9cada.pdf > Acessado em jan/2017.

GIL, Carmem Zeli de Vargas; POSSAMAI, Zita Rosane. Educação patrimonial:


percursos, concepções e apropriações. MOUSEION, Canoas, n. 19, dez., 2014, p.13-26.

POSSAMAI, Zita Rosane. “Lições de coisas” no museu: o método intuitivo e o museu


do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, nas primeiras décadas do século XX. Anais do
VIII Congresso Luso-brasileiro de história da educação. São Luís: 2010.

TOLENTINO, Átila Bezerra. O que não é educação patrimonial: cinco falácias sobre
seu conceito e sua prática. In: TOLENTINO, Átila Bezerra; BRAGA, Emanuel Oliveira
(Orgs.). Educação patrimonial: políticas, relações de poder e ações afirmativas. João
Pessoa: IPHAN-PB; Casa do Patrimônio da Paraíba, 2016.

VIÑAO, Antonio. Sistemas educativos, culturas escolares y reformas: continuidades y


câmbios. Madrid: Ediciones Morata: 2002.

27
A IMPORTÂNCIA E OS LIMITES DOS LIVROS
DIDATICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E
ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE DO PIBID
SOBRE A LEI 10639/03
Aline dos Santos Oliveira
Luciene Alves Fernandes

O presente trabalho consiste em uma pesquisa de análise dos livros didáticos de Alfredo
Boulos Júnior, utilizados pelos alunos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, do
Colégio Estadual Tereza Borges de Cerqueira, Caetité- BA. A referente pesquisa foi
desenvolvida pelos bolsistas de Iniciação à Docência no Subprojeto “A Formação
Inicial do Professor de História e sua Atuação na Escola Básica: o ofício do
historiador na docência” / PIBID/ Capes. E tem como objetivo compreender como
autor trabalha os conteúdos das temáticas africana e afro brasileira nas duas
modalidades de ensino acima citada, analisando as interfaces com a constituição das
memórias e das representações relacionando-se com a demanda necessária a partir da
obrigatoriedade da Lei 10.639/03 para Educação Básica

A atuação dos bolsistas de Iniciação à Docência, no Projeto PIBID/CAPES, tem sido


uma oportunidade aos acadêmicos dos cursos de licenciaturas em adquirir experiência
voltadas para a sala de aula a partir da prática da docência acompanhada. No caso mais
específico do PIBID de História vale ressaltar o subprojeto: “A Formação Inicial do
Professor e sua Atuação na Escola Básica: O Oficio do Historiador” que propicia aos
bolsistas participação, experiências metodológicas por meio da prática de caráter
inovador e interdisciplinar identificados no processo de ensino à aprendizagem.

Nesse sentido, de identificarmos o processo de ensino aprendizagem, e percebermos a


importância do livro didático, partindo da análise de SILVA(2001) e FAGE( 1982) que
criticam os conteúdos eurocêntricos e superficiais da História da África nos livros
didático, entrelaçamos o estudo que (Lajolo, 1996), faz quanto a importância dos
mesmos no que tange aos mecanismo na homogeneização dos conceitos, conteúdos e
metodologia educacionais, no entanto, ela também deixa claro, que ainda há lacunas nos
livros didáticos, pois estes “apresenta conteúdos fragmentados para tornar acessível à
compreensão do aluno”, e percebemos um agravamento maior ao se tratar dos
conteúdos referente continente africano.

Dessa forma, a reflexão sobre o subprojeto, já citado, tem fomentado nossa inquietação
quanto ao papel que devemos desempenhar frente aos mais diversos problemas
enfrentados na construção do conhecimento histórico em sala de aula. É nesse
pressuposto que parte a nossa ação – analisar como Alfredo Boulos Júnior trabalha a
História da África. Nesse cenário, cabe ao nosso olhar de professor/historiador analisar
os conteúdos das temáticas africanas e afro brasileira no âmbito do Ensino Fundamental
28
II e do Ensino Médio, verificando qual a importância e os limites desses conteúdos nos
livros de História adotados pelo Colégio Estadual Tereza Borges de Cerqueira. Este
trabalho foi realizado em parceria com a supervisora Jumara Carla e as bolsistas de
iniciação à docência Aline Santos e Luciene Fernandes.

Ao se debruçar na análise minuciosa da Lei: 10639, de 09 de janeiro de 2003, “Art. 26


A” que torna obrigatório nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, oficiais
e particulares o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, deixando nítida a
obrigatoriedade que o ensino passa a ter com os conteúdos sobre a matriz negra africana
na constituição da nossa sociedade no âmbito de todo o currículo escolar. Nesse sentido,
vale ressaltar que mesmo com a obrigatoriedade muitos dos professores nas mais
diversas disciplinas não exploram conteúdos referentes a essa temática, deixando muitas
vezes o conteúdo evadir quando o mesmo se encontra embutido no livro didático. Estes
apresentam-se cheios de lacunas, distorções e estereótipos de fome, miséria e doenças
reforçado as nas imagens dispostas nos conteúdos.

Analisando os livros de história do Ensino Fundamental de autoria de Alfredo Boulos,


diagnosticamos que ele aborda várias temáticas do continente africano, no entanto, é
muito superficial, não há um aprofundamento e dessa forma deixa algumas lacunas.
Como exemplo, o livro do Ensino Fundamental do 6º ano onde ele traz 11 capítulos
dentre eles, 3 aborda sobre o continente africano. Já no livro do 7º ano somente um
capítulo é destinado a esse conteúdo abordando sobre a África antes dos europeus. No
livro do 8º ano uma temática interessante que ele aborda é a relação do presente com o
passado, através das máscaras de flanges, comparando a máscara utilizada por uma
escrava e atualmente pelos artistas da Banda Didá, no entanto, não explora
questionamentos nessa relação. O que pode ser compreendido como uma deixa para que
o professor explore outros recursos, utilize de outras metodologias para incitar um
debate tão rico ou pode também acontecer o contrário o professor vendo o livro como
uma “muleta” deixa passar despercebido essas nuances do continente africano.

Outro fato notório é com relação aos livros do 9º ano, onde os mesmos traz pouca
referência sobre a temática do continente africano, ilustrando somente a Independência
da África nos dezessete capítulos o que fica também evidenciado em apenas um e o que
é pior somente a metade desse capítulo é que contempla os conteúdos do continente
africano e em uma mísera folha no capítulo dezesseis menciona o levante popular na
África e no Oriente Médio, oportunidade esta que terá o professor de História de
associar essas realidades com a brasileira, num período de crise que passamos.

Quantos aos livros de História do Ensino Médio é perceptível que o autor traz nos três
volumes questões extremamente importantes sobre a África, que demandam uma
enorme discussão sobre o assunto, quando ele traz a questão da formação política
africana, os africanos no Brasil: dominação e resistência e a Independência da África faz
uma breve referência, na qual cada conteúdo é explorado em um número muito pequeno
de páginas com capítulos extremamente sucintos e o que é pior ainda, que no Ensino
Médio os alunos são contemplados com apenas duas aulas semanais.

Dessa forma, de um modo geral diagnosticamos nos livros Boulos uma eventual
referência da África com temáticas de suma importância e que não eram abordados em
volumes anteriores de outros autores, porém é interessante pensar que ele deixa algumas
29
lacunas e temáticas que deveriam ser trabalhadas e exploradas como por exemplo: os
sujeitos africanos, o cotidiano, a religiosidade de um povo.

Nessa perspectiva, o livro didático não deve ser um fiel escudeiro do professor, onde
nele se apoiam e depende única e exclusivamente de o livro didático para poder
compreender e repassar o conteúdo para os alunos, pois, a importância atribuída ao livro
didático em toda a sociedade faz com que ele acabe determinando conteúdos e
condicionando estratégias de ensino, marcando de forma decisiva o que se ensina e
como se ensina, o que se ensina (LAJOLO, 1996, p. 4).

É nesse sentido, que faz necessário uma tomada de consciência por parte dos
professores, ao planejar suas aulas buscar outros recursos para que os alunos possam ver
o conteúdo de forma diversificada, mas como também possa inserir no ambiente escolar
um debate crítico e coerente do mundo que o cerca.

Ao concluirmos o trabalho de análise do livro didático do autor Alfredo Boulos Júnior,


percebemos sim, uma preocupação na inserção dos conteúdos africanos, este fato pode
estar relacionado as seleções que os livros passam no Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) para ser aprovado e comercializado. Outro fator pode estar
relacionado a aprovação das leis: 10.639/03 e 11.645/08 que promove a obrigatoriedade
do ensino da História Afro brasileira nas instituições escolares. No entanto, mesmo que
de forma muito detalhada e pouco problematizada os conteúdos são dados cabendo aos
professores um bom planejamento para ampliar, reforçar, problematizar esses assuntos.

Referência bibliográfica:

BARROS, José D’Assunção. A escola dos Annales e a crítica ao positivismo e ao


historicismo. In: Revista Territórios e Fronteiras V.3 N.1 – Jan/Jun 2010.

BOULOS, Júnior, Alfredo. História sociedade e cidadania- Edição reformulada,


(Coleção do Ensino Fundamental II e Médio). – 2.ed.- São Paulo: FTD, 2012.

BRASIL. Marcos Legais da Educação Nacional. Brasília, DF: Ministério da


Educação, 2007.

DIRETRIZES Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais e


para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília, DF: MEC,
2004.

FAGE, J. D (1982). “A evolução da historiografia africana”. In J. Ki-Zerbo (org.),


História geral da África: metodologia e pré-História da África. vol. I. São
Paulo/Paris, Ática/ Unesco, pp. 43-59.

LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto,


Brasília, n. 69, v. 16, jan./mar. 1996.

MEGID NETO, J.; FRACALANZA, H. O livro didático de ciências: problemas e


soluções. Ciências e Educação, Bauru – SP, v. 9, n. 2, p. 147-157, 2003
30
SILVA, Maria Aparecida da. Formação de educadores/as para o combate ao
racismo: mais uma tarefa essencial. In: CAVALLEIRO, Eliane (Org). Racismo e
anti-racismo na educação: repensando nossas escolas. São Paulo, Summus, 2001.

SILVÉRIO, Valter Roberto. Síntese da coleção História Geral da África: século XVI
ao século XX/ coordenação de Valter Roberto Silvério e autoria de Maria Corina Rocha
e Muryatan Santana Barbosa.- Brasília: UNESCO, MEC, UFSCar, 2013.

31
A HISTÓRIA DA ESTRADA DO COLONO E A
HISTÓRIA REGIONAL
Aline Karine Nunes

A “estrada do colono” pode ser chamada também de “caminho do colono”, é uma


estrada de chão batido e terra vermelha. Sua localização geográfica é conhecida
nacionalmente, pois, situa-se dentro do Parque Nacional do Iguaçu no Estado do Paraná.
Sua história é contada pelo povo que mora na região de geração em geração e contada
por quem teve a oportunidade de realizar a travessia pela estrada dentro do Parque
Nacional do Iguaçu. A estrada possui de 8 a 12 metros de largura, e 17 km de extensão,
e liga as regiões do Oeste e Sudoeste do Paraná, interligando as cidades de Serranópolis
do Iguaçu e Capanema.

A estrada do colono tão antiga que em 1533 fez parte do Caminho do Peabiru, utilizada
pelos índios Guaranis e padres jesuítas. E durante o período de 1887 até 1903, a estrada
do colono foi utilizada para a demarcação da fronteira entre o Brasil e a Argentina. De
acordo com o relato do general João Alberto Lins de Barros no seu livro “Memórias de
um Revolucionário” diz que em 1925 a Coluna Prestes passou pela estrada do colono.
Há relatos em livros de que a estrada do colono foi aberta pela Coluna Prestes na
metade da década de 1920 e utilizada na década de 1930, antes mesmo da criação do
Parque Nacional do Iguaçu.

A partir de 1940, muitos colonos do Rio Grande do Sul utilizaram este caminho para
povoar as regiões Oeste e Sudoeste do Paraná. Naquela época, a estrada tinha suas
vantagens, pois, os colonos que viviam no Oeste economizavam tempo com suas
viagens, traçando um caminho no meio da mata e no meio do Rio Iguaçu para poder
chegar ao Sudoeste tendo acesso à cidade de Capanema.

Em meados da década de 50, a estrada do colono foi utilizada por colonizadores


italianos e alemães. A estrada do colono foi chamada assim, porque quem fazia a
travessia eram os colonos e os mesmos utilizavam a estrada no meio do Parque
Nacional como um atalho e atravessar de barco o Rio Iguaçu até chegar ao outro lado.
Compreende-se assim que a estrada era utilizada na época sem nenhuma lei existente, e
quem cuidava da preservação da fauna e da flora eram os colonizadores mais próximos.
Sendo assim, com o passar dos anos ocorreu à primeira ordem para o fechamento da
estrada do colono, que foi o primeiro Plano de Manejo do Parque, publicado durante o
Governo Militar. A estrada funcionou ilegalmente por mais de 40 anos, até o seu
fechamento no dia 12 de Setembro de 1986 por uma Liminar de um ambiental onde
questionava a questão do asfaltamento da estrada.

Com o fechamento da estrada em 1986, foram fechadas todas as guaritas de acesso e até
mesmo a de fiscalização. Muitos conflitos ocorreram em maio de 1987, cerca de 1.500
pessoas ocuparam a estrada. No dia 13 de Maio do mesmo ano, reuniram mais de 50 mil
pessoas nas duas extremidades da estrada, fazendo em seguida uma caminhada pela

32
estrada. Uma nova Liminar no dia 27 de Maio de 1987, proporcionou a reabertura da
estrada pelo período de 23 dias. Esse tempo foi suficiente para conseguir o
cascalhamento da estrada e colocá-la em funcionamento novamente em 1997, até
outubro de 2001. (DALLO, 1998)

Durante a reabertura da estrada, ocorria tudo bem, as cidades de acesso a estrada do


colono, tanto Capanema quanto Serranópolis mantinham uma economia em alta. Na
cidade de Capanema o comércio estava em destaque, principalmente nas extremidades
onde a balsa parava para que os carros de pequeno porte subissem para fazer a travessia
do Rio Iguaçu. Neste mesmo período, houve uma ação com mais de 400 Policiais
Federais para interditar e conseguiram fechar a estrada em 2001.

No dia 03 de outubro de 2003, ocorreu um novo conflito envolvendo a estrada do


colono, seria esta mais uma tentativa forçada de reabertura da estrada ilegalmente. No
dia 08 de outubro do mesmo ano, a Polícia Federal cumpriu a decisão judicial, e
retomou a estrada utilizando apoio e agentes convocados para a operação.

O início do conflito dessa vez foi devido a uma balsa que estava sendo soldada em
Capanema para viabilizar a travessia dos veículos pelo Rio Iguaçu. E mesmo com a
desocupação do Parque, a justiça manteve a exigência de apreensão e destruição da
balsa que os manifestantes haviam transportada para a praça central da cidade sobre o
argumento de que ela simbolizava o “movimento de resistência” diante do fechamento
da estrada do colono.

Uma balsa inacabada motivou o confronto entre cerca de 150 policiais e 1.500
moradores de Capanema. No desfecho da desocupação da estrada do colono, oito
manifestantes foram hospitalizados e mais cinco ficaram feridos. O conflito entre
policiais e moradores que se recusavam a entregar a balsa, começou perto da meia noite.
A polícia tentou isolar a área onde estava a embarcação, mas o grupo de moradores
reagiu e o tumulto se alastrou. E durante quase uma hora policiais atiraram, e alguns
deles de helicóptero atirando com balas de borracha e bombas de efeito moral nos
manifestantes com o objetivo de acabar o movimento de resistência.

Após o confronto os manifestantes ficaram intimidados e não houve nenhuma reação.


No dia seguinte os policiais retiraram a balsa da cidade. Ocorreram ameaças a
população por parte dos policiais porque um cidadão capanemense tentou reagir com
palavras sobre impostos, e ainda argumentou que nós cidadãos pagamos os impostos, e
mesmo não sendo um desacato a autoridade, este cidadão acabou sendo algemado e foi
preso por desacato a autoridade.

Com o fechamento da estrada em 2001, os municípios de Capanema e de Serranópolis


do Iguaçu sofreram grandes impactos econômicos, porque antes lucravam com o
comércio. Atualmente quem volta para visitar a cidade e a antigo porto da travessia da
estrada tem a impressão de ser um local fantasma, pois, está tudo abandonado e ficou
como era desde o fechamento da estrada. Sendo assim, o fechamento da estrada está
marcado para sempre na história de Capanema com a explosão da balsa em 2003,
finalizando assim a história do caminho do colono.

33
Referências Bibliográficas

DALLO, L. Caminho do Colono: Vida e Progresso. 2ª ed., Francisco Beltrão: Grafit,


1998.

LINS DE BARROS, J. A. Memórias de um Revolucionário. 1.° parte: A Marcha da


Coluna. Rio de Janeiro, Ed. Civ. Brasileira, 1953.

MARIN, R. De sol e lua, por onde anda: fatos e personagens da história de Medianeira
e região. 1ª ed., Santa Maria: Gráfica Palotti, 2003.

34
ENSINO MULTICULTURAL: CULTURA
JAPONESA EM SALA DE AULA
Ana Paula Bührer Gonçalves

Este texto tem como objetivo discutir a importância de um ensino de história


multicultural tendo como ponto de partida a experiência obtida em estágio realizado no
CEEBJA (Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos), no município de
União da Vitória, estado do Paraná, tendo como temática a cultura japonesa.

O ensino multicultural tem como objetivo integrar diferentes culturas e diferentes


grupos sociais, levando em conta tanto a cultura nacional quanto a cultura individual, já
que os sujeitos que integram as sociedades serão influenciados e influenciarão aspectos
culturais, adequando-se a sua própria maneira, como afirma Schmidt (2011), a cultura é
um conjunto ou um produto da experiência humana e é através dela que a humanidade
se manifesta como existência.

De acordo com Ramos (2007) o multiculturalismo desenvolve-se através da


globalização que tem como forma de difusão as relações de poder e as interações
culturais, essas relações e interações geram uma supremacia de uma cultura em
detrimento da outra, com isso, a globalização presume a negação dx “outrx”, e essx
“outrx” é aquele que resiste a essa supremacia cultural e é a partir dessa resistência que
o multiculturalismo nasce, para que esse sujeito oprimido e marginalizado socialmente
tenha voz, pensar de forma multicultural é pensar que todxs devem ser inseridxs de
forma justa e igualitária. Assim, a autora afirma que o multiculturalismo é uma postura
ética, sociopolítica que transforma a economia, a política, a cultura e gera a
possibilidade de compreender a diversidade, reconstruindo as ordens sociais impostas
partindo do ponto de vista dx oprimidx.

Para Rüsen (2015) existe uma necessidade de humanismo para que possamos
compreender que vivemos em um mundo globalizado, no qual existem as interações
sociais e as relações de poder, mas que ainda assim as sociedades conseguem manter
suas particularidades, das quais devem ser apreendidas e respeitadas. Sendo assim, o
ensino deve integrar diferentes sociedades e diferentes grupos sociais, sejam eles,
homossexuais, heterossexuais, mulheres, homens, cis ou trans, pobres, ricos, negros,
indígenas e brancos.

Dessa forma, o ensino multicultural é pensar na pluralidade de culturas e sujeitos, na


tentativa de reconstruir as estruturas sociais a partir da visão dx oprimidx, não apenas
aqueles que possuem uma cultura diferente, mas também para xs estudantes que estão
inseridos nesse meio, tanto como sujeitos que agem culturalmente como sujeitos que
são oprimidos socialmente.

Fonseca e Silva (2007) declaram que o ensino multicultural é uma crítica ao sistema
tradicional de ensino brasileira que exclui pessoas e que aprofunda as relações dos
setores dominantes nas sociedades, o multiculturalismo rejeita a escola excludente
35
defendendo o ensino para todxs, com isso busca criar um sentido, fazendo com que o
ensino se torne algo que faça a diferença na vida daquele que aprende, criando
possibilidades para o sujeito saiba como agir em relação às diferentes culturas,
diferentes sujeitos sem levar em conta estereótipos marcados pelo preconceito,
associando a vida prática com a instituição de ensino. E é a partir dessa teoria que o
estágio foi realizado.

Os CEEBJAs ou EJAs são instituições de ensino que tem como objetivo atender jovens
e adultos, que por diversos motivos, não concluíram a sua formação nas escolas
regulares, com isso, xs estudantes da turma em questão possuíam a idade entre 15 e 18
anos. O tema, cultura japonesa, foi abordado de forma ampla, mostrando diferentes
aspectos da cultura. Pensando em uma melhor forma de desenvolvê-lo, foi dividido em
etapas: cultura pop (mangás, animes, filmes e jogos), mulheres na sociedade, honra e
suicídio e por fim tatuagens com ênfase na máfia Yakuza, problematizando pontos
positivos e negativos a cerca do Japão, aproximando esta com a cultura brasileira, para
que xs alunxs pudessem perceber as diferenças e semelhanças entre elas. O objetivo em
torno desse tema seria a formação de respeito à diversidade de culturas, sujeitos,
vivências e realidades, buscando o debate sobre uma cultura que está distante, porém
temos acesso a aspectos dela.

A escolha dessa divisão dá-se por conta da aproximação e comparação com a cultura
brasileira. Através do tema cultura pop, por exemplo, buscou-se mostrar como o Japão
faz uso desses meios de entretenimento para demonstrar aspectos de sua cultura geral
em diferentes temporalidades, como por exemplo, lendas, vestuário, alimentação,
relação com pós-guerra, comparando com a cultura brasileira, debatendo assim, o uso
desses meios para refletir certas características das sociedades. Já no tema suicídio a
discussão surgiu a partir da religião, já que no ocidental existe a recriminação do ato, e
para os japoneses, por muito tempo, o suicídio era visto como algo honroso,
principalmente no que se refere aos samurais.

Mas o tema que mais gerou debate foi em relação as tatuagens e a máfia. Primeiramente
iniciamos a discussão sobre surgimento da tatuagem no Japão e como ela era usada
pelos antigos como distinção e aceitação social. Para que xs estudantes
compreendessem essa relação de permanência e aceitação, foi comparada a tatuagem
com outras formas de simbologias corporais, como roupas, postura corporal forma de
falar e de agir que nos distingue e nos aproximam de certos grupos sociais. Quando o
assunto máfia veio à tona as discussões partiram para vários pontos interessantes.
Analisamos um documentário que relatava as relações da Yakuza com a criminalidade e
com as tatuagens. A Yakuza foi relacionada com a realidade dxs estudantes, ocorreu a
comparação entre a violência praticada pela máfia com a violência que sofrem por parte
de policiais. Alguns relataram que a violência praticada por policias era pelo fato dessas
pessoas freqüentarem o EJA.

O histórico escolar dessxs alunxs que chegam ao EJA são envoltos a esse tipo de
relação violenta. Parte dessxs estudantes que frequentam essa instituição não
conseguem se “adequar” ao ensino regular causada por diversos fatores como: gravidez
na adolescência, violência doméstica, reprovações, dentre outros motivos, e é pensando
nesses sujeitos que os EJAs foram criados, atender aqueles que não tiveram a
oportunidade de concluir seus estudos, mas que agora estão tendo a oportunidade. A
36
violência cometida muitas vezes é motivada justamente por esse histórico de abandono
e pela relação que alguns e algumas possuem com as drogas.

Esse tipo relato nos faz pensar na necessidade de debatermos mais com nossxs alunxs as
estruturas sociais, as relações de poder, as multiplicidades de sujeitos, e a importância
de um ensino multicultural, já que, como dito anteriormente a cultura não é apenas
nacional, é individual, é familiar,

E como debatido também, o ensino multicultural surge para inserir sujeitos, incluindo
nossxs alunxs que por vezes têm seus saberes e vivências negados pelo sistema.
Necessitamos de uma educação humana e plural.

Referências

RAMOS, Márcia Elisa Teté. O Ensino de História e a questão do multiculturalismo


depois dos Parâmetros Curriculares Nacionais. In: CERRI, Luiz Fernando (org.).
Ensino de História e Educação: olhares em convergência. Ponta Grossa, UEPG, 2007.

RÜSEN, Jörn. Humanismo e Didática da História. Editora W. A. Curitiba, 2015.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A Cultura como Referência para Investigação sobre


Consciência Histórica: Diálogos entre Paulo Freire e Jörn Rüsen. In: BARCA, Isabel
(0rg.). Educação e consciência histórica na era da globalização. Braga: Centro de
investigação em educação; Instituto de Educação; Universidade do Minho, 2011.

SILVA, Marcos; FONSECA, Selva Guimarães. Tudo é História: o que ensinar no


mundo multicultural? In: Ensinar História no Século XXI: em busca do tempo
entendido. Papirus Editora – Campinas, São Paulo, 2007.

37
A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE
HISTÓRIA: DESAFIOS E PERSPECTIVA DO
MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL –
RELATOS DE UM MINICURSO
André Ricardo Barbosa Duarte
Paula Ricelle de Oliveira

Essa comunicação tem por objetivo relatar as atividades desenvolvidas no minicurso “A


formação do profissional de história: desafios e perspectivas do mercado de trabalho no
Brasil” ofertado no V Encontro de Pesquisa em História (EPHIS/2016), que
proporcionou importantes debates entre os participantes sobre a profissão do professor
(a) de História e do Historiador (a), tendo em vista as demandas e atuação no mercado
de trabalho.

A ideia de ministrar um minicurso sobre as profissões do historiador (a) no V


EPHIS/2016, nasceu dentro do próprio evento que ocorreu no ano anterior. O EPHIS
iniciou em 2012 por meio de iniciativas dos discentes do departamento de História da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e tem por objetivo promover o
intercâmbio e diálogo entre os pesquisadores de História do país. Por ser um evento
organizado por e para estudantes, recebe número expressivo de inscrições de
graduandos. Participamos do encontro em 2015 e, ao assistir a apresentação de trabalho
desses discentes, percebemos inquietações quanto ao planejamento de sua formação já
no inicio do curso, pois ao ingressar na graduação em História os discentes se deparam
com a necessidade de definir sua trajetória de formação acadêmica entre optar pelo
currículo do bacharelado e/ou licenciatura.

Nesse sentido elaboramos o minicurso “A formação do profissional de história: desafios


e perspectivas do mercado de trabalho no Brasil” com objetivos de discutir sobre a
profissão do professor (a) de História e do Historiador (a) à luz das demandas do
mercado de trabalho no Brasil. Ao graduar em História quais são as possibilidades e
nichos de mercado para esses novos profissionais? Quais são as demandas e exigências
do mercado para ingresso e permanência na profissão? Essas foram às questões que
nortearam o nosso minicurso.

O minicurso foi ofertado em dois dias totalizando seis horas de duração. Dentro desse
espaço foi possível apresentar e discutir a situação atual do mercado para professor (a)
de História e Historiador (a), traçando a memória de formação do trabalho docente no
Brasil e a trajetória de reconhecimento do historiador como profissão.

Logo no inicio nos deparamos com um problema, a falta de referências bibliográfica


sobre o tema, pouco são as pesquisas que aceitam o desafio de discutir o mercado de
trabalho para o professor (a) de História e o historiador (a). Assim, apoiamos o nosso

38
trabalho nas poucas pesquisas disponíveis e levantamos dados e fontes que nos
auxiliaram na construção da proposta.

Desta maneira, o percurso formativo da proposta abordou um conjunto de dados obtidos


pelo Censo da Educação Básica e do Ensino superior elaborado pelo Instituto de
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e a Relação Anual de Informações
Sociais (RAIS) elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), bem como
recentes pesquisas, tais como Alves e Pinto (2011); Cara (2011); Gatti Barreto (2009) e
Gatti (2010; 2011) e Oliveira (2010; 2011) que apontam para a escassez de docentes nas
redes públicas e privadas e as condições de trabalho desses profissionais.

Também, foi abordada é discutida a trajetória e memória dos projetos de lei tramitados
nas instâncias legislativas nacionais, com foco no Projeto de Lei nº 4.699/2012, que tem
o objetivo de reconhecer e regulamentar o métier do historiador, logo os espaços de
atuação. Para tanto, consultamos a página da Câmara dos Deputados a fim de traçar o
percurso do PL, bem como os autores Margarida Maria Dias Oliveira (2004); André
Castelo Branco Machado (2010), que contribuíram para o debate a cerca do projeto,
além de alguns sites que abordavam o tema. Anthony Grafton; Jim Grossman (2011) e
James M. Banner JR. (2012) nos auxiliaram na discussão teórica.

Como uma das propostas do minicurso é apresentar as diversas possibilidades de


inserção do historiador no mercado de trabalho para além da atividade docente,
executamos um levantamento de concursos públicos no Brasil com demandas de vagas
para historiador (a). Desta maneira, realizamos buscas no site PCI-Concursos em maio
de 2016, com a palavra chave “historiador”. Foram encontrados 37 editais de concursos
públicos publicitados no período de 2010 a 2016, com isso foi possível trabalhar dados
a respeito de vagas para historiador no mercado de trabalho no Brasil.

Com intenções de levantar dados que nos leve a entender quais são os interesses dos
participantes em relação ao mercado na área de História, solicitamos que eles
respondessem um questionário com cinco perguntas objetivas, sendo três fechadas e
duas abertas.

As duas primeiras questões tinham o intuito de levantar informações quanto a atual


formação do respondente em relação ao curso de História. Já as outras questões
buscavam perceber a atuação profissional e suas expectativas em relação ao mercado de
trabalho. Foi possível coletar 17 questionários. Entretanto, mesmo não sendo solicitada
a identificação, 03 deles não autorizaram o uso das informações, sendo esses excluídos
da amostra.

Assim, com base nas respostas dos 14 participantes, obtivemos os seguintes dados: 11
estão com o curso em andamento; 03 são formados em História; 11 optaram pela
licenciatura; 02 possuem ambas as formações (licenciatura e bacharel); 01 não informou
sua opção de formação.

Na questão 03 perguntamos aos respondentes se eles atuam no campo da História, 08


afirmaram que sim e os outros 06 assinalaram o não. Na sequência solicitamos, em
questão aberta, qual a atuação profissional no momento. As respostas demonstraram que

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06 participantes lecionam História; 03 são estudantes; 02 se dedicam a iniciação
científica; 01 trabalha com teatro; 01 afirmou não estar atuando; e 01 não respondeu.

Na questão 05, perguntamos quais são as intenções para atuar no mercado de trabalho
na área da História. Optamos por colocar essa questão em aberto, pois consistia em uma
das propostas do minicurso discutir sobre as possibilidades de mercado para quem
possui o diploma em História. Dessa forma, os respondentes colocaram mais de uma
opção, e foi possível obter os seguintes resultados: 08 pretendem exercer a docência na
educação básica; 02 no ensino superior; 04 no magistério, sem especificar em qual
nível. Em relação ao exercício da pesquisa como atividade profissional, foi a opção de
04 dos informantes.

Esses dados levam a várias discussões e suscitam outras questões. A priori, é


importante ressaltar que o fato de grande parte dos respondentes estarem com o curso
em andamento se deve ao contexto no qual o questionário foi coletado. O EPHIS é um
evento que acontece anualmente e recebe um número significativo de inscrições por
parte dos graduandos em História. Ademais, vale observar que a opção expressiva pela
licenciatura ocorre, pois, na UFMG, ao fazer a matrícula, o aluno é direcionado para a
licenciatura. Porém, durante a graduação o estudante pode optar pela troca para o
bacharelado, já que no início do curso as disciplinas são as mesmas, ou, ainda, podem
ser cursadas como complemento à formação após a obtenção da primeira opção. Então,
como o EPHIS acontece dentro da UFMG, consequentemente grande parte dos
participantes desse levantamento são dessa instituição.

É considerável o número de respondentes que atuam no campo da História, tendo em


vista que a grande maioria dos respondentes, 11 no total, declarou estar com a
graduação em andamento. Outro fator que nos chama a atenção concentra-se na
intenção de atuação desses sujeitos, ao responder a questão 05, que se configura de
forma aberta. Foi possível constatar que todos têm pretensão de seguir na carreira
docente, independente do nível de ensino. Por outro lado, não foi constatada em
nenhum questionário a pretensão de atuar no campo, como o da preservação
patrimonial, documental, entre outros, que vão além da docência e pesquisas
acadêmicas.

Durante toda a apresentação do minicurso optamos por deixa-lo aberto a qualquer


interferência dos cursistas, assim foi possível obter uma dinâmica mais interativa e
colaborativa. Dessa forma concluímos que a realização do minicurso parece ter
cumprido o objetivo inicial apresentado na proposta do evento, ou seja, proporcionado o
debate e reflexão sobre a profissão do professor (a) de História e do Historiador (a).

O interesse dos cursistas sobre o tema impulsionou a formação de um grupo no


Facebook nomeado “Historiadores profissionais” com objetivos de divulgar vagas de
estágios, empregos, concursos... entre outros para os portadores de diploma de História.
Também buscamos divulgar eventos, palestras, artigos, cursos, exposições... na área de
história e ciências humanas. É nosso foco, também, expor e divulgar leis, decretos,
normas, resoluções... que giram em torno da nossa profissão.

Com as vagas esgotadas, esse ano iremos novamente ofertar o minicurso no


EPHIS/2017 com uma nova roupagem e um grande desafio: a reforma do ensino médio.
40
Também iremos apresentar um trabalho para divulgar o tema e a nova coleta de dados
que já estamos realizando. A intenção dessa comunicação no 3º Simpósio Eletrônico
Internacional de Ensino de História é expor a necessidade de abordar esse tema e
ampliar o leque de discussão.

Referências bibliográficas

ALVES, Tiago; PINTO, José. M. R. Remuneração e características do trabalho docente


no Brasil: um aporte. In. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. 143, maio/ago.
2011. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
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Historiador e dá outras providências.

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MACHADO. André Castelo Branco. Contribuições ao debate sobre a regulamentação


da profissão de Historiador. Revista Espaço Acadêmico. nº 113. 2010.
41
DE CURANDEIRAS E BENZEDEIRAS PARA
BRUXAS: O PAPEL DA MULHER NESSE
CONTEXTO NA EUROPA
Andréia Sznicer
Thaynara Morganna de Souza Lima

Visando o ensino de história, pautado em acontecimentos relacionado ao sexo feminino,


o assunto em questão será voltado para a participação que muitas mulheres tiveram na
vida das pessoas no século XV (dentre outros séculos), de forma mais específica, as
curandeiras e benzedeiras da época em questão.

As mulheres neste período não tinham uma posição social de igualdade frente aos
homens. O ideal de mulher estava atribuído à virgindade, a pureza, a submissão e a
maternidade. O poder dos clérigos e dos príncipes era um poder voltado ao sexo
masculino, misóginos porque estavam convencidos da impureza e da inferioridade da
mulher, e até mesmo de sua “ruindade” (PERROT, 2007, p.88).

Vários fatores contribuíram para a naturalização da inferioridade da mulher no discurso


dos homens na Idade Média. Especialmente nos países católicos, a escolarização das
mulheres fez-se bastante restrita e tardia ainda no século XVI (PERROT, 2008, p.43).

O desprezo que os homens tinham pelas mulheres nesta época encontrava-se expresso
nos próprios termos designativos dos dois sexos. De acordo com o livro “A Feiticeira”
de Michelet, a palavra latina empregada para nomear o sexo masculino vir, lembrava
virtus, ou seja retidão. Já mulier, que seria o qualificativo do sexo feminino, lembrava
mollitia, ou seja moleza, que tinha relação com fraqueza, flexibilidade (MICHELET,
2002, p.28). Esses homens, independente de sua posição social, como pais ou marido,
reservavam-se o direito de castigar a mulher como se castigava uma criança ou mesmo a
um escravo (MICHELET, 2002, p.102).

A própria mulher neste período, pelo contexto histórico em que se encontrava, acabava
por partilhar, em alguns casos, o odioso preconceito sobre si e considerava-se imunda,
como Michelet revela, deixando bem clara essa posição da mulher, sendo que em sua
leitura defende que ela “quase pedia perdão por existir, viver, realizar as condições de
vida”. A medicina da Idade Média ocupava-se unicamente do ser considerado superior
e puro, o homem, o único que podia se tornar padre e também que sozinho representava
Deus (MICHELET, 2003, p.103).

As sociedades europeias seguiam com constantes mudanças, as quais influenciavam


também o modo com que concebiam a magia, a feitiçaria e a bruxaria, assim também as
magas, curandeiras, benzedeiras e adivinhas, que fizeram parte dessa mudança durante
mil anos.

42
O único médico do povo foi à feiticeira (MICHELET, 2003, p.13), mas a Igreja
Católica não concordava com a ideia de que a mulher pudesse curar com suas ervas
medicinais, pois quem devia praticar a cura nesta época eram os homens formados, e
muitas dessas mulheres não tinham uma formação, pois detinham certo conhecimento
que fora passado de geração para geração.

Muitos desses homens que podiam praticar a cura estavam ligados com a igreja, desta
forma também existia um jogo de interesses, de modo que a Igreja Católica seguiu
declarando, no século XIV, que se a mulher ousasse praticar a cura, sem ter estudado
para tanto, seria considerada feiticeira e teria como punição a sua morte.

Desta forma a feiticeira arriscava muito, pois ninguém pensava que aplicados
exteriormente, ou tomados em dose muito pequena, os venenos podiam ser utilizados
como remédios, assim também como algumas ervas. Michelet defende que “é certo que
a planta assusta”. “Trata-se do meimendro, veneno cruel e perigoso, mas poderoso
emoliente, suave cataplasma sedativo que resolve, distende e resolve a dor e muitas
vezes cura” (MICHELET, 2003, p.100).

Essas mulheres passaram a ser vista com maus olhos, sendo algumas acusadas até de
bruxaria, em que dentre esse grupo, estavam as que tinham um contato muito grande
com as mulheres nesse período, pois nesse tempo a mulher nunca teria admitido um
médico homem (MICHELET, 2003, p.97-98).

Essas mulheres são então proibidas pela Igreja Católica de professar as suas curas,
assim como auxiliar as mulheres em seus partos, de Feiticeiras (sendo mulheres que
trabalhavam sozinhas), passam a ser acusadas de bruxas (mulheres que agiam em grupo,
tendo ela um certo contato com o demônio). Um documento, que foi escrito por
inquisidores, visando a suposta eliminação desse grupo indesejável, tem como função
desencadear uma perseguição a essas mulheres acusadas de bruxaria, o Malleus
Maleficarum.

Esse documento inquisitorial, o Malleus Malificarum, contribuiu para uma construção


negativa da imagem da mulher, pois suas páginas seguem tentando persuadir o(a)
leitor(a) a acreditar que a figura feminina era inferior. Na tentativa de convencer de que
a mulher deveria ser considerada um mal, os autores do Malleus apresentam uma série
de fatos históricos voltados à queda de alguns Impérios, que de acordo com o
documento, teriam sido derrubados por mulheres. Citam exemplos como o de Tróia, que
pelo rapto de uma mulher teria sido destruída, gerando a morte de milhares de gregos.

Consideradas inferiores, possuíam também uma memória fraca nesta acepção, julgando
assim a sua “indisciplina” como um vício natural, mais amarga que a morte, um inimigo
secreto e enganador. Essa concepção de um ser enganador fica evidente em trechos do
manual de Heinrich Kramer e James Sprenger:

Mentirosas por natureza, o seu discurso a um só tempo nos aguilhoa e nos


deleita. Pelo que sua voz é como o canto das Sereias, que com a sua doce
melodia seduzem os que se lhes aproximam e os matam. E os matam
esvaziando as suas bolsas, consumindo as suas forças e fazendo-os
renunciarem a Deus (KRAMER; SPRENGER, 2010, p.120).
43
Desta forma, a mulher era considerada pelos autores perigosa e comparada a uma
armadilha, mas não sobre o conceito das armadilhas de caçadores, mas sim a dos
demônios, sendo os homens atraídos pelo desejo carnal que sentiam quando avistavam
uma mulher.

As sociedades europeias seguiam com constantes mudanças, as quais influenciavam


também o modo com que concebiam a magia, a feitiçaria e a bruxaria, assim também as
magas, curandeiras, benzedeiras e adivinhas, que fizeram parte dessa mudança durante
mil anos.

Compreendemos então, que a mulher se encontra em muitas passagens da história, mas


que na maioria das vezes não é lembrada de tal forma, dentre essas mulheres estavam as
curandeiras, que com o seu conhecimento a cerca das ervas medicinais, assim como
experiência, auxiliaram muitas pessoas dentre os séculos XV, XVI e XVII. Como o
Michelet ressalta em seu livro a Feiticeira, que o médico do povo eram muitas vezes
essas mulheres, que não detinham uma formação, mas que conheciam muitas ervas, e
também em que cada uma podia ajudar essas pessoas nesse contexto (MICHELET,
2003, p.13). Passaram então a serem vistas como supostas bruxas, sendo esse processo
desencadeado, com a ajuda do Malleus, baseado no contexto em que se encontravam e
as relações de poder da época.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

MACEDO, José Rivair. A Mulher na Idade Média, revista e ampliada. São Paulo,
Editora Companhia das Letras, 2002.

MICHELET, Jules. A Feiticeira, tradução: Ana Moura- São Paulo: Aquariana, 2003.

PERROT, Michelle. Minha História das Mulheres, tradução: Angela M. S. Corrêa.


São Paulo, Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda), 2007.

STRAUSS, Claude Lévi. Antropologia Estrutural/ Tradução Chain Samuel Katz e


Eginardo Pires. Tempo Brasileiro LTDA. Rio de Janeiro. 1967. (cap. Magia e Religião).

KRAMER, Heinrich e SPRENGER, James. O Martelo das Feiticeiras: Malleus


Maleficarum/tradução de Paulo Froés- 22°=ed. Rosa dos Tempos, Rio de Janeiro,
2010.

44
NO BANCO DOS RÉUS: JULGAMENTOS
HISTÓRICOS OU O OUTRO LADO DA MOEDA-A
HISTÓRIA VISTA COM NOVOS OLHARES
Aristides Leo Pardo

Pelas presentes linhas iremos discorrer acerca de um projeto que paulatinamente será
implantado em minhas aulas, com alunos do Ensino Médio, que visa analisar a História
por um outro prisma, fugindo dos livros didático e do lugar comum, fazendo com que
uma ampla pesquisa seja realizada em busca das mais diferentes fontes, com o objetivo
de realizar um “Julgamento” de personagens históricos escolhidos pela própria turma.

Colocado em prática pela primeira vez este ano, a experiência será um laboratório para
que tal prática possa ser aprimorada para os anos seguintes, sendo assim, foi colocado
no quadro alguns nomes sugeridos pelo professor, como os do “Ditador” Fidel Castro,
do “Assassino” Ernesto Che Guevara, do “Demônio” Adolf Hitler, do “Pai dos Pobres”
Getúlio Vargas, dos “Heróis Nacionais” Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes e
Zumbi dos Palmares, que foi acrescido de indicações do alunado, como Josef Stálin,
Mahatma Gandhi, Saddan Hussein, Leon Trotsky, George Bush, Nelson Mandella e
“Ditadura Militar Brasileira”, tendo sido o escolhido para ser “julgado” pela turma, o
recém falecido líder da Revolução Cubana de 1959, Fidel Castru Ruz (1926-2016).

Um personagem citado por um dos alunos, que merece aqui sua citação, pois despertou
surpresa e curiosidade deste professor, foi o nome do Papa Francisco, apontado por uma
reportagem de Nepomuceno (2013, p. 46-52), como cúmplice (ou ao menos omissão),
quando na época em que era, o Cardeal Jorge Mário Bergoglio, de Buenos Aires, acerca
das atrocidades da Ditadura Militar de seu país, liderada pelo General Vidella,
mostrando o comprometimento do alunado com a atividade proposta.

O grupo foi dividido em um “juiz”, cinco “jurados”, advogados de acusação e de defesa,


que terão que colher provas contra o “réu”, acusado de ser um terrível ditador e
causador da desordem da paz mundial. Após algumas orientações foi indicado algumas
obras literárias para que acusação e defesa pudessem dar seu pontapé inicial no caso.

O grande objetivo desta ação, é não ficar somente no que nos dizem a grande mídia e o
senso comum, buscando diversas fontes para que possamos desfazer algumas ideias
prontas e que durante o “julgamento”, cada participante possa dar seu próprio veredito,
pautado pelas “provas” apresentadas pela acusação e pela defesa do personagem em
questão, pois como nos diz Carvalho (2000, p. 13) que: “O passado serve ao futuro no
presente, por quê? Porque todo julgamento infalivelmente depende de comparação. Ora,
haverá melhor parâmetro do que o registro das ações, fruto do comportamento
humano”.

45
E essa comparação, mediante vasta pesquisa será realizada pelo alunado que de maneira
individual, ou em duplas, darão seu veredito em forma de texto, que será uma das
avaliações deste exercício histórico, como nos fala Veyne (1998, p. 11), ao afirmar que:

A história é uma narrativa de eventos. Todo o resto resulta disso. Já que é de


fato, uma narrativa, ela não faz reviver esses eventos, assim como tampouco
o faz o romance; o vivido, tal como ressai das mãos do historiador, não é o
dos atores; é uma narração, o que permite evitar alguns falsos problemas,
Como o romance, a história seleciona, simplifica, organiza, faz com que um
século caiba numa página. VEYNE, 1998, p. 11).

Após algumas indicações literárias por parte do professor, como as obras “Alina” (Alina
Fernandez, 1998), “A Ilha” (Fernando Morais, 1976), “Os Meninos do Dolores”
(Patrick Symmes, 2009), entre algumas reportagens e documentários, para que o
pontapé inicial das pesquisas possam ser efetuados e acompanhados de perto.

Dessa maneira, poderemos analisar o personagem “julgado” de todas as formas


possíveis, desmistificando o foco único, difundido pelos livros didáticos mais antigos e
pela grande mídia, fruto da “Sociedade do Espetáculo” termo cunhado por Debord
(1997, p. 11) e seguindo novamente a ideia de Veyne (1998, p. 18), que afirma que:

Quando dirigimos nossos olhares para o arcaico não conseguimos trazer a


história em sua totalidade, mas apenas seus fragmentos (...), o
preenchimento lacunar a partir da construção de nosso interesse e
curiosidade sobre os fatos que ora narramos.

Como este texto narra uma experiência que está sendo colocada em prática pela
primeira vez, por este que vos escreve, não há uma nota conclusiva, que espero divulgar
em outra oportunidade, relatando o desenrolar desta atividade, porém, o leque para que
esta prática se prolongue ano após ano, sempre estará aberta, pois não são poucas as
personalidades que são retratadas de maneira uma e que poderão ser “julgadas” pelos
mais diferentes prismas.

Referências

CARVALHO, Waldir P. Campos Depois do Centenário, 2. ed. v. 3. Campos dos


Goytacazes: Vionetos e Filhas, 2000.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

JAPE, Anselm. Guy Debord. Petrópolis: Vozes, 1999.

NEPOMUCENO, Eric. Francisco ou Pilatos? Revista Carta na Escola, nº 76, São


Paulo: Carta Capital/Confiança, 2013.

VEYNE, Paul. Como se Escreve a Historia e Foucault Revoluciona a Historia. 4. ed.


Brasília: Universidade de Brasília (UnB), 1998.

46
SER CRIANÇA E A INFÂNCIA NO PASSADO
AMERÍNDIO: COMO APRENDER COM AS
DIFERENÇAS CULTURAIS NO ENSINO DE
HISTÓRIA
Avelino Gambim Junior
Jelly Juliane Souza de Lima

Introdução

O tema sobre as crianças foi inaugurado no Brasil com a publicação do livro História
das crianças no Brasil de Mary Del Priore (1991). Ao beber da chamada Nova História
da década de 1980, os historiadores passam a dar atenção as vozes silenciadas como as
das mulheres e crianças vítimas de preconceitos. Afinal, como as diferentes culturas
lidam com essa questão e como essas podem ser apresentadas aos alunos na sala de aula
e fora destas? A proposta deste estudo é trazer à tona, um tema mais delicado. Onde
estão as crianças nos sítios arqueológicos? Quais são os indicativos da presença das
mesmas? Assim como na História e Antropologia a Arqueologia passou a lidar com
essa temática ao absorver tais discussões.

A criança/infância na foz do rio amazonas

Uma das formas de compreender o tema das crianças é a partir do registro arqueológico
através das práticas funerárias, pois é desta forma que vamos encontra-las e
compreender as variações culturais ao longo. Na região amazônica da Foz do Rio
Amazonas, desde o século XIX, uma grande variabilidade nas práticas têm sido
descritas. Pesquisas recentes feitas na capital Macapá, mostram como alguns sítios
arqueológicos pré-coloniais podem contribuir com a temática da criança e da infância,
conforme indica a figura 01.

Figura 01: À direita, sepultamentos do sítio Curiaú Mirim I. O círculo na cor vermelha
demarca as deposições de sepultamentos de crianças. Fonte: Acervo IEPA.
47
As diferentes ontologias

É importante frisar que relatos etnohistóricos dos últimos 500 anos, mostram outras
concepções de mundo e diferentes ontologias dos quais decorrem tais práticas culturais
das sociedades indígenas amazônicas (CHAUMEIL, 2007; PY-DANIEL, 2015;
ROSTAIN, 2011), mostrando uma longa duração e permanência de em alguns
elementos das práticas funerárias encontradas na etnografia ameríndia, o que pode ser
utilizada como uma boa fonte de inspiração para interpretar o registro arqueológico,
além de contribuir com os estudos de História das crianças no Brasil.

Na etnologia ameríndia é constatado que para estas sociedades, principalmente


amazônicas, o corpo é submetido a transformações conscientes durante todas as etapas
da vida, onde a pessoa é submetida a transformações constantes ao longo da vida, como
por exemplo, em ritos de passagem, desde o concebimento pelos pais até o nascimento,
na amamentação, nas restrições e prescrições corporais, reclusões e exibições, até
chegar a maioridade e assumir distintos papeis sociais de acordo com o gênero,
amadurecimento, envelhecimento e na morte (SEEGER, DA MATTA, VIVEIROS DE
CASTRO, 1979).

Dentro de um olhar “amazonificado”, ao falarmos da plasticidade do corpo e de sua


materialidade, conforme expomos acima, podemos explorar formas de interpretar os
restos humanos contextualizados, onde o corpo, a vida e a morte são elementos
tangíveis que podem ser “lidos” no registro arqueológico (SOFAER, 2006, GAMBIM
JUNIOR, 2016).

Voltando-nos ao campo da arqueologia, a ideia da construção do corpo ao longo da


vida, as técnicas corporais aprendidas que moldam o corpo (MAUSS, 2005), e o próprio
rito de passagem da vida para a morte manifestada nas práticas/gestos funerários estão
intimamente ligados ao modo pelos quais diversas sociedades ameríndias enxergam a
corporalidade.

Nesse sentido, ao se pensar essas categorias a mesma deve ir na contra mão dos nossos
padrões ocidentais do que é ser criança, que enfatiza o desenvolvimento biológico e
físico dentro do ciclo de vida, o que os torna, dentro de uma abordagem mais
interpretativa invisíveis na arqueologia ou considerados como menos importantes
(BAXTER, 2008). Porém, indo de encontro com as referidas etnografias ameríndias e
mesma a noção de corporalidade ameríndia, podemos discutir sobre a infância dentro
deste olhar “amazonificado” (GAMBIM JUNIOR, 2016).

Afinal como eram as crianças ameríndias no passado? O que é ser criança? O que
significa a infância e quando a mesma acaba?

Considera-se a relevância desta pesquisa devido à escassez de estudos voltados às


práticas funerárias na região amazônica, especialmente aquelas com enfoque justamente
nos aspectos funerários voltados ao estudo dos remanescentes esqueléticos humanos de
crianças e dada a escassez ainda maior de estudos sobre a infância, seja na História,
Antropologia e na Arqueologia como um todo, onde se busca ainda hoje quebrar
paradigmas e na arqueologia amazônica é uma oportunidade de discutir a infância à luz
da etnologia amazônica ameríndia.
48
Considerações finais

As concepções sobre a infância destas sociedades antigas da Amazônia eram


diametralmente opostas ao que conhecemos hoje em dia pelo menos para a sociedade
ocidental judaico cristã. Desta forma os esqueletos humanos lidos como um tipo
especial de cultura material, em conjunto com as cerâmicas funerárias e devidamente
contextualizados, mostram como os mortos eram em vida e como os mesmos foram
simbolizados pelos vivos, mostrando como bebês e crianças foram representados e
pensados dentro de uma lógica onde a corporalidade e sua construção era muito
presente no cotidiano dessas pessoas.

Referências bibliográficas

BAXTER, Jane E. The archaeology of childhood. Annual Review of Anthropology,


v. 37, p. 159-175, 2008.

CHAUMEIL, Jean P. Bones, flutes, and the dead: memory and funerary treatments in
Amazonia. Time and memory in indigenous Amazonia: Anthropological perspectives,
p. 243-283, 2007.

DEL PRIORE, M. História das crianças no Brasil. Editora Contexto, 2001.

GAMBIM JUNIOR, Avelino. Corpo, vida e morte na Foz do rio Amazonas: as


estruturas funerárias do sítio Curiaú Mirim I/AP. Dissertação (Mestrado em
Arqueologia). Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, Museu Nacional, UFRJ.
Rio de Janeiro, 2016.

MAUSS, Marcel. As técnicas corporais. In: Marcel Mauss: sociologia e antropologia.


Trad. Paulo Neves. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

PY-DANIEL, Anne Rapp. Os contextos funerários na arqueologia da calha do rio


Amazonas, Tese de doutorado, USP, São Paulo, 2015.

ROSTAIN, Stephen. La mort amérindienne en Amazonie. In Les Indiens des Petites


Antilles: Des premiers peuplements aux débuts de la colonisation européenne, editado
por Bernard Grunberg, pp. 221- 254. Cahiers d’histoire d'amérique coloniel. Numéro
5. L’Harmattan, Paris, 2011.

SEEGER, Anthony; DA MATTA, Roberto; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A


construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. In: Oliveira Filho, JP
Sociedades indígenas e indigenismo no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, Marco Zero.
1979.

SOFAER, Joanna R. The Body as Material Culture: A Theoretical


Osteoarchaeology. Cambridge University Press, New York. 2006.

49
O ENSINO DE HISTÓRIA E AS INTERFACES
NACIONAL/LOCAL: SOCIALIZANDO SABERES
SOBRE A CASA AZUL
Janailson Macêdo Luiz
Beatriz Francisca de Lima
Naurinete Fernandes Inácio Reis

Introdução

Como está registrado no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), a


Casa Azul, atual sede do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
(DNIT), localizada em Marabá-PA:

(...) foi um centro de prisão clandestino utilizado pelo Centro de


Informações do Exército (CIE) como um Centro de Informações e Triagem
(CIT). No local, estima-se que morreram, em decorrência de tortura ou por
execução, mais de 30 guerrilheiros que faziam oposição ao regime militar e
que atuavam na Guerrilha do Araguaia. Os principais alvos eram militantes
do PCdoB e moradores locais acusados de apoiar a Guerrilha (COMISSÃO
NACIONAL DA VERDADE, 2014, p. 793).

Este trabalho está vinculado ao Projeto de extensão Guerrilha do Araguaia e direito à


Memória: Socialização de fontes históricas e informações sobre a Casa Azul,
desenvolvido no âmbito da UNIFEESPA, e que procura produzir conhecimentos
relacionados à Guerrilha do Araguaia e, principalmente, sobre a Casa Azul, para
contribuir com a socialização das memórias relacionadas aos acontecimentos ocorridos
durante a Ditadura Civil-Militar na Região do Araguaia-Tocantins: Norte de Goiás,
Sudoeste do Maranhão e Sul e Sudeste do Pará. Visa trabalhar o ensino de História local
em suas conexões com a história nacional. Percebemos que em Marabá-PA, num
contexto que não difere da realidade educacional de outros espaços da acima citada
região do Araguaia-Tocantins, há uma grande lacuna nos temas relacionados com a
historia local, especialmente quando tratam de questões que perpassam o tema da
ditadura, tendo em vista os silenciamentos e as relações com o esquecimento que tal
tema ainda provoca na região.

Consideramos, porém, que o silêncio e o esquecimento sobre o passado pode ser um


suporte para outras discussões: o que os grupos sociais hegemônicos, como ocorreu com
os militares entre 1964-1985, buscam apagar ou inserir da escrita da história? Quais as
condições de possibilidade preparam o terreno para que certas questões sejam mantidas
submersas, repassada apenas entre sussurros e interditos, ou possam ser trazidas à tona e

50
colocadas abertamente sob análise da sociedade? Quem tem interesse quanto ao
apagamento dos rastros sobre determinadas memórias?

Essas perguntas se tornam bastante pertinentes no que se refere a abordagem da Casa


Azul no ensino de História no âmbito da educação básica, e de outras disciplinas como
a Sociologia e a Geografia. Nesse sentido, o artigo visa discutir acerca de possibilidades
de abordagem sobre a Casa Azul no Ensino de História, buscando constituir junto aos
alunos uma visão mais ampla de seu lugar na sociedade, bem como, sua importância
enquanto agente de sua própria História.

(Novos) recursos para o ensino da história local

Como destaca Barbosa (2006), abordar temas da História Local torna-se um importante
meio de contribuir com a ampliação da consciência histórica por parte dos estudantes,
contribuindo para a ampliação de sua inserção crítica junto aos espaços, agentes sociais
e instituições a que está relacionado. Abordagem essa da História local que não se
restringe apenas, a nosso ver, ao conhecimento histórico, podendo ser apropriada de
forma interdisciplinar por intermédio de outras disciplinas relacionadas às Ciências
Humanas, a outros saberes que formam o currículo escolar da educação básica e a
espaços de educação não formal, como aos organizados pelas associações e movimentos
sociais.

Para efetuar tais abordagens, como destaca Martins, os docentes devem assumir
posicionamentos distintos da visão que coloca o livro didático como a única fonte de
conhecimento e assumir-se enquanto professores/pesquisadores:

Os professores de História, para levar às salas de aula a História Regional e


Local, terão que virar pesquisadores. Ensino e pesquisa, teoria e prática
terão que ser definitivamente associados, respeitando-se, é claro, as
situações concretas vividas pelos profissionais de História (MARTINS,
2009, 146).

A partir dessas compreensões propomos a apropriação, nas aulas de história (podendo


ser abordado igualmente em disciplinas como Estudos Amazônicos e Geografia) a nível
fundamental e nas disciplinas que compõe o campo das Ciências Humanas a nível do
Ensino Médio, de fontes que tratam da Casa Azul, que podem ser utilizadas como
recursos didático-pedagógico, em especial: publicações veiculadas pela mídia local ou
nacional; relatórios, como o já citado relatório da CNV; trabalhos de campo; produções
literárias; fotografias; e relatos orais de memória.

Cada recurso deve, evidentemente, ser trabalhado explicando-se as suas características


como um gênero textual e como textos passíveis de serem apropriados como fontes
históricas por parte dos historiadores e outros pesquisadores que se debruçarem sobre o
tema. As especificidades próprias a produção de um artigo jornalístico ou a um relato
oral de memória devem ser explicitados, contribuindo também com a ampliação da
compreensão por parte dos estudantes quanto as atividades de pesquisa e quanto ao
ofício de historiador.
51
Um dos textos sugeridos, a título de exemplo, trata de uma reportagem de 06 de julho
de 1996, onde o jornal O Globo publicava que um Militar que participou da repressão
às atividades dos militantes do PCdoB rompe o silêncio:

Em abril deste ano, Manuel Leal Lima, o Vanu, que trabalhou como guia e
coveiro do Exército, e mais seis moradores da região localizaram para O
GLOBO oito cemitérios clandestinos onde estariam enterrados os corpos de
pelo menos 41 guerrilheiros que participaram dos combates em as Forças
Armadas entre 1972 e 1975.

No quintal do DNER de Marabá [espaço da Casa Azul], por exemplo,


estariam as ossadas de Demeval da Silva Pereira e Divino Ferreira de Souza;
na Fazenda Bacabas, em São João do Araguaia, Lúcia Maria de Souza; na
Fazenda Brasil Espanha, em São Domingos, Antônio de Pádua, Luis René
da Silva e Maria Célia Correia; na Fazenda Vaca Preta, André Grabois (...).

Entre as inúmeras possibilidades de abordagem da referida reportagem está a conexão


entre os vários locais utilizados à época para ocultação dos corpos dos guerrilheiros e a
principal fonte de informação para chegar até eles, num contexto em que até o momento
não foram abertos os arquivos dos militares, a saber, os relatos de memória dos
sobreviventes da Guerrilha, entre camponeses, guerrilheiros e militares. Algumas dessas
memórias são expressas no relatório da CNV, como a do camponês Abel Honorato
expressa abaixo, e podem ser trabalhadas junto a uma atividade de pesquisa onde os
estudantes entrevistem os seus pais e avós sobre o tema, buscando suas compreensões e
memórias a respeito dele:

Disseram pra mim: ‘Você vai agora voltar e vai ter que dar conta dos seus
companheiros’. Fui obrigado a trabalhar de guia até depois da guerra, sob
os olhos de Curió [o Sebastião Alves (sic) [Rodrigues] de Moura. Até em
Serra Pelada [garimpo dirigido por Curió na década de 1980], fiz missões
para ele. Tem 40 anos dessa guerra, mas pra mim é um desgosto. Fui
muito judiado, fui muito acabado. Até hoje eu não sou ninguém. [...] Eu
tive de contar até o que não sabia para escapar. Eu tive que dizer, forçado,
que fui um amigo do Oswaldão, mas hoje eu posso dizer, de verdade, que
fui amigo dele, pois ele foi amigo da região, ajudou muita gente.

Também podem ser trabalhadas as conexões entre a Guerrilha e outros temas, como o
garimpo em Serra Pelada, aludido acima pelo senhor Abel, e outros conflitos ocorridos
na região do Araguaia Tocantins após o fim da Guerrilha. Um breve sobrevoo sobre o
tema, porém, mesmo marcado pelo limite de extensão deste artigo, já apresenta como
são possíveis inúmeras conexões entre o tema da casa Azul e outros relacionados a
história local, amplamente conectados com a história nacional, a exemplo da relação
entre a Guerrilha e Ditadura Civil-Militar.

Referências

BARBOSA, Vilma de Lurdes. Ensino de História local: redescobrindo sentidos.


Saeculum, [15]; João Pessoa, jul./dez. 2006. p. 57-85.

52
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Memória e história local. In: Ensino de
história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2009.

BRASIL. COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Casa Azul. In: Relatório:


Volume I. Brasília: CNV, 2014.

CORRÊA, Carlos Hugo Studart. A lei da selva: estratégias, imaginário e discurso dos
militares sobre a Guerrilha do Araguaia. São Paulo: Geração editorial, 2006.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução de Bernardo Leilão. 5. ed.


Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.

MARTINS, Marcos Lobato. História Regional. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.).
Novos temas nas aulas de História. São Paulo: Contexto, 2009.

MACÊDO, Janailson. Crônicas do Araguaia. Marabá: Edição do autor, 2015.

MONTEIRO, Ana Maria. Ensino de História: entre história e memória. Revista do


Núcleo de Estudos de Currículo do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ,
2012.

O GLOBO. 06 de junho de 1996, Matutina, O país, p. 10. Acervo digital do jornal O


Globo.

POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Revista de estudos Históricos. Vol.


5, n. 10. Rio de Janeiro, 1992.

REIS, Naurinete Fernandes Inácio. Memória social e Guerrilha do Araguaia. 2013.


172 f. (Dissertação Mestrado em Sociologia) — Universidade Federal de Goiás,
Goiânia, 2013.

53
NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE MARCO VELEIO
PATÉRCULO E A SUA HISTÓRIA ROMANA PARA
OS ESTUDOS SOBRE A HISTÓRIA ANTIGA DE
ROMA
Carlos Eduardo da Costa Campos

Parece justo afirmar que, nos últimos trinta anos, tem prevalecido uma abordagem um
pouco distinta do modelo tradicional, que imperou sobre os estudos na área da História
Antiga, em boa parte do século XX. Os textos históricos são analisados e avaliados com
novas perspectivas. A própria disciplina de História passou por uma reavaliação
bastante complexa, e tanto filósofos como historiadores começaram a questionar o valor
e alegações epistêmicas da narrativa histórica tradicional. Hoje, existe uma consciência
que nenhuma História pode ser completa (desde a seleção daquilo que o historiador
considera como importante e essencial para a sua apresentação), nem pode ser livre de
alguns (culturalmente predeterminados) pontos de vista. O status da História também
tem sido questionado em uma direção diferente: sendo considerada a sua forma literária;
ou seja, os estudiosos agora enfatizam as afinidades da História narrativa com a ficção e
outras formas de prosa discursiva. Nessa perspectiva, eles voltam seus olhares para as
inúmeras características que tanto o discurso ''factual'' e o ''fictício'' compartilham entre
si.

Esta reavaliação da História, em geral, tem influenciado a abordagem adotada por


estudiosos do Mundo Antigo, cujas investigações agora tendem a desviar o olhar das
questões tradicionais que eram guiadas pela confiabilidade das fontes e tendem a se
concentrar no exame dos objetos literários como produtos da arte dos sujeitos, que
possuem uma estrutura própria, temas e preocupações. Esta nova geração de estudos,
procura descobrir o funcionamento retórico que está subjacente ao texto, mais
especificamente, a maneira que o significado e a explicação foram construídos
linguisticamente. Nesse sentido, alguns historiadores tendem a enfatizar, em suas
análises, a ''construção'' da narrativa, com isso eles abordam o conteúdo da obra como
uma versão do passado, ao invés de procurarem uma realidade dos fatos passados,
inacessíveis para os estudiosos contemporâneos.

No que tange a Antiga Roma, claramente os antigos pensavam que a elaboração de uma
narrativa histórica, como a historiografia, era uma área com o seu próprio tema, matéria
e método, havendo assim debates sobre a exatidão de seus antecessores e se algo
aconteceu desta ou daquela forma. Tal preocupação demonstra que eles conferiam um
sentido ao gênero literário e que a sua tarefa não era simplesmente a de apresentar uma
plausível narrativa. Assim, a caracterização da historiografia antiga é uma questão que
vai muito além da geração de rótulos sobre virtude ou vício, ligados a pessoas em
particular pelo narrador. O ato de caracterizar uma personagem também pode ser uma
questão de estilo, de inflexão, ou de estrutura (MARINCOLA, 2007, p.1-10).

54
Os historiógrafos do período Augustano, assim como os do Imperial ocupam um lugar
considerável na sobrevivência de elementos literários e históricos da época. Certamente,
eles recontam parte da história romana, entretanto, também são o espelho dessa Roma
que descrevem nos seus relatos. Os historiógrafos de Roma são verdadeiros
monumentos humanos do processo de exaltação à glória de Roma e dos seus
governantes (MARTIN; GAILLARD, 1990, p.107-108). Vale mencionar que a
transição do estilo de escrita histórica da República Romana Tardia para o período de
Augusto não é marcado por qualquer fronteira clara, simples e imediata. Afinal, ainda
havia uma geração mais velha de historiadores que prestava sua fidelidade, por
nascimento e perspectivas, para a República. Essa questão explica o porquê de Salústio
ser comumente considerado um autor republicano, embora sua atividade tenha
coincidido com os primeiros anos de Augusto, quando Virgílio e Horácio ainda estavam
no início de seus trabalhos. Essa historiografia augustana é marcada pelos ecos da
Batalha do Ácio e a influência da pax augusta. Logo, os escritores vivenciavam o
momento de uma nova ordem social, após o período de caos e desordem política
romana.

Ao analisarmos os relatos contidos na Historiografia do Alto Império, nota-se que as


conquistas desde Augusto ocorreram com menos intensidade do que no período
Republicano. Nesse contexto de manutenção da ordem social do império, mais
precisamente entre os séculos I - III E.C. temos produções historiográficas em menor
montante do que conhecemos na República Tardia. Afinal, os papéis do Senado e dos
magistrados republicanos também tinham mudado com a nova ordem do Principado
Augustano, lembrando que boa parte dos escritores eram provenientes do seio
aristocrático. Contudo, demarcamos que novas frentes de escritores foram formadas no
contexto imperial, os quais vinham de outros segmentos sociais, tendo em vista que os
líderes militares da guarda pretoriana ampliaram a sua influência junto aos imperadores,
por exemplo. Assim, enquanto uma fachada republicana era estampada, surgia, por trás
dela, uma burocracia imperial trazendo membros da plebe e de libertos no interior da
sua gestão. Ou seja, os perfis das personagens públicas se redesenhavam em Roma.
Também, percebemos a amplitude das narrativas historiográficas sobre os imperadores
no desenvolvimento da literatura da época, como vimos fortemente no caso da
biografia.

Para Alain M. Gowing (2007, p.411-18), é essencial efetuarmos releituras sobre as


obras clássicas. O autor evidencia que, por muitas vezes, as gerações de estudiosos
criam certos estigmas sobre assuntos e autores. Esse foi o caso do cidadão romano
Marco Veleio Patérculo e sua obra História Romana. Esta obra foi considerada
historicamente superficial, marcada por um forte desejo para agradar o imperador
Tibério e, também considerada um veículo para propaganda imperial. Frente a isso o
trabalho de Veleio teve pouca atenção acadêmica, se comparada aos trabalhos dos
outros historiógrafos romanos. No que diz respeito a essa atitude, consideramo-la um
tanto quanto inquietadora, pois diversas foram as obras com um propósito similar. Alain
Gowing chama a atenção para como a breve história de Veleio (contida em dois livros
que abrangem o período da fundação de Roma até 29 E.C) estabelece pontes e demarca
junções para a transição da República ao Principado. Na visão do autor, o valor de
Veleio encontra-se em seu lugar social como um dos principais literários que emergiram
imediatamente após Augusto e, portanto, um produto do novo sistema, o Principado.

55
Gowing frisa que a sua perspectiva é valiosa, pois fornece aquilo que denominou como
um antídoto para o cinismo de Tácito, o qual tinha poucas dúvidas de que o Principado
de Augusto gerou a falência da República em Roma. Nesse sentido, os leitores
modernos, no entanto, por tenderem a seguir o ponto de vista taciteano, que é
reconhecidamente expresso por uma narrativa poderosa e envolvente, até sendo
considerado o autor “mais crível”, acabam por descreditar do otimismo de Veleio sobre
o período. Ademais, para Gowing (2007, p.411-18), este desdém científico se refletiu na
própria escassez de traduções e comentários sobre Veleio, preterido em prol de outros
escritores que lhe eram contemporâneos. Um fato que não há como negar é que toda
seleção elaborada toma como ponto a proposta de um segmento. Não seria Tácito uma
voz complexa para o período por refletir os interesses senatoriais? O que temos em jogo
são visões de mundo, que, ao analisarmos em conjunto, podem fornecer interessantes
dados para uma pesquisa e a construção de aulas para o primeiro ano do Ensino Médio.
Afinal, nos intriga desvelar: Quais as características de sua obra?

Marco Veleio Patérculo, 20/19 A.E.C. – (31 E.C.) (Marcus Velleius Paterculus) - seu
praenomem considerado como controverso é oriundo da aristocracia municipal romana,
de um grupo social que ganhou importância naquele período. Seu avô paterno, C.
Veleio, tinha sido praefectus fabrum sob Pompeu, seu pai era praefectus equitum sob
Augusto e um cliente de Tibério Claudio Nero, pai biológico do imperador Tibério. Na
perspectiva da historiografia, Veleio foi um proeminente cliens de Tibério, assim
detendo uma personalidade influente no contexto político de Roma (MORENO, 2011,
p.523-27; GOWING, 2007, p.411-18).

Seus relatos em Historia Romana, em boa medida, refletem a sua própria vivência
política. Veleio serviu como tribuno militar nas legiões da Trácia e Macedônia (II, 2.
101. 3). Em 4 E.C., ele assistiu Otávio Augusto adotar Tibério (II. 103. 3), assim como
no período foi elevado a praefectus equitum (II. 104. 3) acompanhando Tibério em uma
expedição ao Reno. Posteriormente se tornou quaestor em 6 E.C. sem ser capaz de
exercer esse cargo, visto que ele tinha de ajudar Tibério durante um motim na província
da Panônia (II. 111. 3). Entre 9 e 11 ele acompanhou Tibério em suas campanhas nas
Germânias e testemunhou o seu triunfo em Roma, 12 E.C. (II. 121. 3). Em 15, tornou-se
pretor (II. 124. 4).

Sabe-se que sua obra foi dedicada a M. Vinicius, que era filho de seu antigo
comandante militar. Sua obra é caracterizada pela brevidade. Veleio utilizou-se da ideia
de escrever um trabalho que viesse a cobrir pelo menos o período desde o início da
guerra civil entre César e Pompeu aos dias dele próprio, o sujeito locutor. Em sua
produção, vemos sua própria biografia através dos vestígios legados em sua obra.
Desse modo, reconhecemos o tema do novus homo, a devoção de um soldado para
Tibério e a sua proximidade com o círculo literário dos Vinicii. Na visão de Alain
Gowing e de Isabel Moreno, Veleio voltava-se para a necessidade da edificação moral
do Principado de Tibério, não apenas para a figura de Tibério (MORENO, 2011, p.523-
27; GOWING, 2007, p.411-18). Vale mencionar que Veleio usa os padrões e modelos
republicanos passados por Tito Lívio em sua escrita. Assim, convergimos com os
autores sobre a perspectiva de que havia uma busca por demonstrar, através de
personalidades do passado, todo o conjunto de virtudes que o mais nobre cidadão da
República tem de portar ao personificar a liderança de Roma, ou seja, o exemplum para
aquele que vai ser o optimus princeps (II.126.5).
56
Seguindo esse viés pontuamos que a História Romana de Veleio narra sim uma gênese,
porém não apenas do Principado, mas as dos principes em uma República que estava
sendo restaurada. Para servir à sua "república imperial'', ele retoma do passado as
qualidades que considera como essencialmente positivas para serem consubstanciadas
na mais notável personalidade da época. Desse modo, mesmo que Veleio tenha sido
relutante em admitir a modificação do sistema político da República para o novo
Principado, seu uso dos exempla, no entanto, revelam como a paisagem política e
cultural tinha sido alterada nas últimas décadas do I A.E.C. e I E.C..

A História Romana de Veleio consiste em dois livros. O primeiro está mutilado no


início e exibe uma lacuna considerável nos capítulos 8/9. Ele trata o tempo a partir do
final da Guerra de Tróia até 146 A.E.C. em 18 capítulos. O segundo livro é constituído
de 131 capítulos e discute longamente o período de 146 A.E.C até Veleio, assim
terminando com um panegírico para Tibério. Para Isabel Moreno, a obra pode ser
caracterizada como um Breviário, que integra o gênero da historiografia romana. O
breviário era uma composição pessoal, que detinha uma nítida intencionalidade, com
uso próprio, peculiar e específico no manejo das fontes. A autora salienta que é uma
obra com uma distinta e complexa originalidade na elaboração retórica do assunto a ser
abordado. Além da leitura de historiógrafos anteriores como Tito Lívio e Salústio, da
sua experiência pessoal, Veleio também possuía acesso às Atas do Senado e aos demais
arquivos imperiais, como base documentais para sua produção, como foi exposto por
Isabel Moreno (2011, p.523-27).

Em suma, a obra de Veleio Patérculo emerge como uma fonte intrigante sobre o cenário
político de Roma. Seus relatos nos possibilitam compreender o processo de adoção de
Otávio Augusto por Júlio César até a morte do princeps em 14 E.C., sendo fecundos
para obtermos indícios que viessem a complementar os biógrafos de Augusto. Logo,
tomamos Veleio Patérculo como uma base de reflexão política dos aristocratas sobre
esse momento de gradual modificação política e cultural romana.

Referências Documentais:

TACITE. Annales. Tome I. Livres I – III. 1re éd. 3. Texte établi et traduit par Pierre

Wuilleumier. Paris: Les Belles Lettres, 2003.

_____. Annales.Tome II. Livres IV – VI. 1re éd. 3. Texte établi et traduit par Pierre

Wuilleumier. Paris: Les Belles Lettres, 2003.

_____. Annales. Tome III. Livres XI – XII. 1re éd. 3. Texte établi et traduit par Pierre

Wuilleumier. Paris: Les Belles Lettres, 2003.

_____. Annales. Tome IV. Livres XIII – XVI. 1re éd. 5. Texte établi et traduit par Pierre
Wuilleumier. Paris: Les Belles Lettres, 2003.

57
_____.Histoires. Tome I. Livre I. 1ère éd. 2. Texte établi et traduit par Pierre
Wuilleumier et Henri Le Bonniec, annoté par Joseph Hellegouarc’h. Paris: Les Belles
Lettres, 2002.

VELLEIUS PATERCULUS. Compendium of Roman History. Translation: Frederick


W. Shipley. London: William Heinemann Ltd., 1961.

VELEYO PATERCULO. História Romana. Tradução: Maria Sanchez Manzano.


Madrid: Editorial Gredos, 2001.

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1997.

CABANES, P. Introdução à História da Antiguidade. Petrópolis: Ed. Vozes, 2009.

ESTEVES, Anderson Araújo Martins. Os textos literários antigos e o historiador:


desafios e abordagens. Cadernos do LEPAARQ, Vol. XII, n°24, 2015, p.200-210.

GOWING, Alain. The Imperial Republic of Velleius Paterculus. In: MARINCOLA,


John. A Companion to Greek and Roman Historiography. Vol.:1. Oxford – UK:
Blackwell Publishing Ltd, 2007, p.411-418.

GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013.

MARINCOLA, John. Introduction. In:_____. A Companion to Greek and Roman


Historiography. Vol.:1. Oxford – UK: Blackwell Publishing Ltd, 2007, p.1-10.

MARTIN, R.; GAILLARD, J. Les genres littéraires à Rome.Paris: Nathan, 1990, p.107-
108.

MORENO, Isabel. Veleyo Patérculo. In: CODOÑER, Carmen [ed.]. Historia de la


Literatura Latina. Madrid: Ed. Cátedra. 2011, p.523-527.

PINSKY, Carla (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Editora Contexto, 2010.

58
THE THIRD WAVE: A ESCOLA E O
RESSURGIMENTO DO FASCISMO
Caroline de Alencar Barbosa

Esta pesquisa analisará uma experiência ocorrida na Cubberley Senior High School, em
Palo Alto, Califórnia, em 1976, denominada de The Third Wave (traduzido como A
Terceira Onda), desenvolvida e aplicada nas turmas dos segundo, quinto e sexto
períodos da disciplina História do Mundo Contemporâneo, ministrada pelo professor
Ron Jones. Pretendendo mostrar aos alunos a capacidade de persuasão de um grande
líder ao educar as massas para a disciplina, seguimento de uma ideologia e a obediência
utilizou como modelo o Partido Nazista, liderado por Adolf Hitler (1889-1945), que
conseguiu mobilizar a população durante os anos de governo do Terceiro Reich (1933-
1945).

O que deve ser destacado em relação à Terceira Onda é a sua repercussão que pode ser
observada através da análise do periódico estudantil The Catamount produzido pelos
alunos da escola, onde percebemos o momento em que o experimento saiu do controle
quando os alunos tomados pela ideologia e imersos na simulação como algo real
passaram a agir de forma violenta. Foram desenvolvidos símbolos para o movimento
inspiradas no nazismo como, por exemplo, a insígnia que consistia em uma onda (como
a suástica), a saudação que era feita com a mão curvada semelhante à saudação nazista,
além da disciplina e atenção enquanto o “Furher” Jones falava (KLINK, 1967, p.3).

O conceito norteador para pensar esse tema consiste nos “Fascismos” e a partir de
Francisco Carlos Teixeira da Silva (2015) definimos o fascismo como um conjunto em
ascensão de movimentos de extrema-direita caracterizados pelo antiliberalismo,
antiparlamentarismo e antimarxismo, com apego às tradições nacionais, a um líder de
personalidade autoritária, além da adoção de uma teoria de conspiração voltada para um
inimigo comum, a exemplo os judeus na Alemanha. O agir político fascista pode ser
compreendido como a reprodução de um sentimento de superioridade que promove a
construção de identidade nacional comum.

Os Fascismos alemão e italiano iniciaram suas ações quase em simultâneo após a crise
que se gerou com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Expressavam
repúdio radical da ordem política liberal e parlamentar, assumindo antimaterialismo e
buscando novos valores como antissocialismo, valorização das forças irracionais,
exaltação do instinto e da violência na vida política. Contemplavam um maciço projeto
de reeducação da cultura nacional que envolvia medicina, biologia e ciências sociais,
com o objetivo de educar o povo a aceitar o novo sistema de valores e rejeitar as antigas
normas culturais (DE GRAND, 2005).

Ainda que existam controvérsias em relação à emergência desse fenômeno político em


sociedades que não vivenciaram contextos de crise no período entre guerras (1918-
1939), podemos identificar traços fascistas nos movimentos de extrema-direita que

59
emergiram a partir da segunda metade do século XX e primeiros anos do século XXI.
Porém, nenhum fascismo será idêntico aos outros, tendo em vista sua capacidade de
assumir uma nova roupagem condizente com seu contexto histórico, o inimigo objetivo,
além das características que determinam a busca pelo caráter nacional (SILVA, 2015).

A partir do que Peter Gay denominou como “outro conveniente” ou “inimigo objetivo”,
alguém que é apontado como culpado por problemas que atingem determinada sociedade,
portanto, como uma ameaça a ser combatida com violência, compreendemos a afirmação
de Paxton (2008) que, a respeito de “um fascismo norte americano”, este seria
“autenticamente popular, religioso, antinegros e, a partir do 11 de setembro, também
antiislâmico” (P.287). Deste modo, percebemos que a possibilidade da apropriação do
fascismo em um contexto totalmente distinto é possível a partir da inclinação das
massas em aceitar a ideologia, reforçada pela censura, violência e propaganda.

Para estudar o caso é necessária a compreensão de que forma as organizações de massa


na Alemanha foram projetadas para inculcar nos jovens os mitos básicos do regime
como o culto ao Fürher, sentimentos nacionalistas e raciais, aceitação das guerras e da
violência. (DE GRAND, 2005), pois estas foram as bases para a elaboração do projeto
A Terceira Onda. Dessa forma, a realização de debates em torno desses movimentos
fornece subsídios para os educadores pensarem a discussão em sala de aula em torno de
sistemas políticos autoritários e formas de intolerância geradas a partir deles.

Esse estudo se justifica ao pensar a escola como um ambiente de conscientização e


formação de opinião contra a barbárie e o extremismo político. É “preciso reconhecer os
mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos” (ADORNO, 1995,
p.120) tornando a educação um instrumento transformador enquanto auto-reflexão e
crítica social. O ensino e a pesquisa nesse sentido devem se auxiliar mutuamente, pois a
produção do conhecimento através de fatos e fontes privilegiará a reprodução e
discussão nas disciplinas escolares desses conteúdos em sala de aula pelo docente.

Para isto, a metodologia desta pesquisa partirá do levantamento das edições do jornal
The Catamount, que estão disponíveis para consulta e download em formato PDF no
site The Wave (http://www.thewavehome.com/) gerido e supervisionado pelos
participantes originais do movimento Terceira Onda. Essas fontes serão coletadas,
catalogadas e arquivadas em um banco de dados que facilite o acesso do pesquisador às
principais fontes de pesquisa, caso o site seja retirado de circulação. Realizaremos uma
investigação das informações referentes à Terceira Onda e ao professor Ron Jones, que
deverão ser traduzidas para o português.

Durante a análise das fontes devemos entender que uma das preocupações essenciais ao
se trabalhar a partir da perspectiva histórica é de não limitar os acontecimentos às ações
e esquecer as ideologias e mentalidades motivadoras para tal fato (BLOCH, 2011). Esta
pesquisa deve entender quais as motivações dos estudantes americanos que integraram o
movimento da Terceira Onda ao tomarem para si a ideologia de cunho fascista em um
contexto que não pertencia à Segunda Guerra Mundial.

Portanto, a relevância deste trabalho consiste em através do estudo da Terceira Onda


tratar da intolerância e dos fascismos, temas relacionados ao ensino de história. A
pertinência desta pesquisa se justifica pela ascensão de movimentos de extrema-direita
60
na atualidade, inclusive no Brasil. Os discursos de ódio proferidos por esses grupos e
apropriação de posturas de cunho fascista devem ser analisados pela perspectiva da
educação com a finalidade de promover um debate significativo entre os profissionais
do ensino.

Referências bibliográficas

ADORNO, Theodor W. Educação após Auschwitz. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995,
p. 117-138.

BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar Editor, 2001.

DE GRAND, Alexander J. Itália fascista e Alemanha nazista/ Alexander J. De Grand;


[tradução Carlos David Soares]. – São Paulo: Madras, 2005.

PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. Tradução de Patrícia Zimbes e Paula


Zimbes. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Enciclopédia de guerras e revoluções: vol II:
1919-1945: a época dos fascismos, das ditaduras e da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945)./ Francisco Silva. 1º Ed.- Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

Fonte

KLINK, Bill. ‘Third Wave’ presents inside look into Fascism. The Catamount.
Cubberley Senior High School, Pala Ale, vol. 11, nº 14, 21 de Abril de 1967, p. 3.
Disponível em: <http://www.cubberleycatamount.com/Content/66-
67/Catamount%20Pages/V11No14/670421.pdf. Acesso em 22.09.2016.

61
ENSINO DE HISTÓRIA E AS RELAÇÕES
CULTURAIS NA REGIÃO DE FRONTEIRA, POR
MEIO DOS CURRÍCULOS ESCOLARES
Daniela Carine Machado Dohs

Introdução

No presente trabalho, apresento a importância do ensino de história no currículo


escolar, em seu contexto fronteiriço, na região entre o Brasil e o Uruguai, sendo que
este, é permeado por diferentes formas ou representações que o termo cultura manifesta
em nossa sociedade.

Tudo o que acontece e rege a vida do homem é cultural, não existe prática humana
que não seja cultural e segundo Veiga-Neto (2003), a cultura atual pode ser vista como
algo central na vida das pessoas, não porque ocupa uma posição de destaque, mas
porque abrange tudo o que ocorre em nossas vidas.

Para Eagleton (2005), a cultura é o conhecimento implícito do mundo pelo qual as


pessoas negociam maneiras apropriadas de agir em contextos específicos. Tudo o que a
pessoa viveu, compartilhou ou absorveu de suas vivências se transformará em cultura.
E, no caso da educação, esta cultura estará representada no currículo escolar, no ensino
da história, na forma como a educação acontecerá, a forma de um professor conduzir
seu trabalho, os valores, as referências que considera importante, a cultura e os
aprendizados dos educandos.

As relações expressas no currículo escolar estão carregadas de manifestações


culturais, e com elas, relações de poder e dominação; como a classificação entre a
cultura erudita e a cultura popular, que agrega valores e importâncias a cada uma delas,
o que gera uma relação de poder de certas culturas sobre outras. Ou seja, qualquer
conhecimento está diretamente relacionado com relações de poder e dominação e este
conhecimento precisa ser revisto nos currículos escolares da Região de Fronteira, para
que assim, possa agregar os conhecimentos populares com os eruditos.

Por se tratar de uma pesquisa bibliográfica, utiliza o método qualitativo, que segundo
Bogdan e Biklen (1994), este, respeita os saberes populares e aproxima o ambiente
escolar, com o objeto de estudo.

Currículo escolar na região de fronteira

O currículo escolar, historicamente construído, não valoriza a história pessoal de cada


um, suas experiências e conhecimentos pessoais, mas generaliza todos os educandos e
classifica-os como homogêneos, sendo que esta não deveria ser a perspectiva da
62
educação escolar, mas sim, um espaço de acolhimento e valorização das diferentes
culturas, reconhecendo os indivíduos como seres pertencentes a uma mesma nação,
porém, com trajetórias singulares.

Segundo Veiga-Neto (2003), nas últimas décadas, a diferença cultural vem tornando-se
cada vez mais visível em nossas relações pessoais, profissionais e assim também no
currículo escolar,

Assim, algumas sociedades utilizam-se das relações culturais para exercer algum tipo de
domínio sobre outros povos, sendo que as relações de poder são capazes de oportunizar
mudanças estruturais nas organizações e na educação estabelecida. Da mesma forma
que a pedagogia organiza a vida dentro do espaço escolar, e com ele também carrega
suas relações de poder e valorização de culturas consideradas aquém ou além do
conveniente, esta, constrói o poder para incluir ou excluir conteúdo e modificar o
currículo.

Nesta perspectiva, a educação na Região de Fronteira faz-se necessária, em que


perscrutar e repensar o ensino de história, de forma que privilegie esta cultura intrínseca
na região de divisa entre os países do Brasil e do Uruguai, torne-se uma realidade a ser
incluída no planejamento e currículo escolar. Em que os costumes, culinária,
vestimentas, tradições e tantas outras expressões e diversificações culturais, estejam
presentes no cotidiano escolar, não apenas de forma superficial, mas de forma efetiva e
contínua.

Ao se estudar a Região de Fronteira, compreende-se a essência de um modo de vida


cercado por uma mistura cultural e histórica. Tal essência é representada pelos
habitantes do lugar. Esses por sua vez, formam laços de amizade, inimizade ou de
parentesco entre os dois países vizinhos, que ultrapassa a demarcação oficial
estabelecida pelos estados fronteiriços.

Esta ligação está tão enraizada na cultura local, que muitos dos moradores destas
regiões não se veem como cidadãos de uma Região de Fronteira, não conhecem a sua
história, não percebem as diferenças culturais e não refletem sobre elas, pois já estão
habituados.

A legislação brasileira (Lei de Fronteira, nº 6.634 / 79), define como Região de


Fronteira a faixa de território que corresponde a 150 km (cento e cinquenta quilômetros)
para além dos limites internacionais com quaisquer países.

A Região de Fronteira compreendida entre estes dois países configura-se como uma
fronteira seca, ou seja, onde não existe um rio, lago, ou oceano separando, apenas uma
delimitação simbólica de que ali acaba um país e começa o outro. A circulação das
pessoas por entre estas Fronteiras ocorre de forma desimpedida, sem controle
beligerante. Esta boa relação entre os países vizinhos, é que deve ser destacada e
valorizada no fazer pedagógico, primando por uma educação que evidencie a boa
convivência e o respeito entre as diferentes culturas dos países e das pessoas.

Segundo Raffestin (1993), a Fronteira é uma linha imaginária que, quando efetivada, se
torna ideológica e carrega consigo relações de poder e integração entre os sujeitos. E,
63
por estarmos inseridos em uma Região de Fronteira, nossa cultura, costumes e tradições
se interligam e pulverizam umas nas outras, gerando assim, uma cultura única, com
características e peculiaridades próprias.

A proximidade entre estes dois países faz com que eles não compartilhem somente o
território geográfico, mas toda a construção cultural e histórica fronteiriça, como a
língua, a culinária, os costumes, a vestimenta, entre outras caraterísticas próprias da
região que foram recriadas ao longo dos anos.

Por ser uma região de movimentação de pessoas, que carregam consigo uma bagagem
cultural, a educação tem importante papel nesta região com o objetivo de amenizar as
possíveis diferenças ou adversidades culturais. Assim, o currículo escolar deve destacar,
trabalhar e valorizar a diversidade cultural dos educandos, ressaltando as diversas
culturas que uma Região de Fronteira apresenta e fazendo com que os habitantes do
lugar se identifiquem como cidadãos fronteiriços.

Segundo Santomé (2002), para a real construção de uma sociedade crítica, em que seja
valorizado o aluno e sua cultura, é necessário repensar a educação atual, juntamente
com uma reformulação das práticas inclusivas. Na condução destas novas práticas, é
necessário ultrapassar os conteúdos escolares e trabalhar os conteúdos culturais,
objetivando assim, trazer à sala de aula todos os grupos sociais e dar voz e notoriedade
às vozes ausentes, reconstruindo o currículo escolar, assim, “O currículo é, pois, uma
atividade produtiva nesses dois sentidos. Ambos os sentidos tendem a destacar o
aspecto político do currículo. Ambos os sentidos chamam a atenção para seus vínculos
com relações de poder” (SILVA, 2002, pág. 194).

Devemos mudar o discurso, de forma a torná-lo mais inclusivo, partindo do cotidiano e


das vivências dos educandos, para assim, alcançar uma aprendizagem significativa,
pois, uma das missões-chave do sistema educacional é a de “contribuir para que os
alunos e alunas possam reconstruir a cultura que essa sociedade considera mais
indispensável para poderem ser cidadãos e cidadãs ativos/as, solidários/as, críticos/as e
democráticos/as” (VEIGA-NETO, 2002, p. 165).

Em busca de uma educação inclusiva, em que as diversas culturas são trabalhadas e


considerando os conhecimentos dos educandos, o planejamento pedagógico deve
ultrapassar o conteúdo escolar, perpassando pelos conteúdos culturais.

Considerações finais

Após a discussão da importância em se repensar os currículos escolares na


especificidade da Região de Fronteira, agregando as características e peculiaridades da
cultura local, compreende-se que esta nova proposta curricular não pode ficar restrita às
unidades didáticas isoladas e descontextualizadas, é preciso uma reflexão diária e
permanente do fazer pedagógico, a fim de incluir e não excluir, de agregar e não de
separar.

64
Questionar as verdades impostas pelo currículo se faz necessário, uma vez que ele
seleciona grupos que serão trabalhados e deveria abranger as diferentes culturas, não
apenas aquelas ditas como eruditas ou da classe dominante da sociedade.

No currículo da Região de Fronteira, cabe a nós, professores de história trabalharmos


em sala de aula estas diferenças culturais, linguísticas, geográficas e históricas,
ressaltando as relações que os dois países mantêm, utilizando-a não apenas de maneira
isolada, como também de forma interdisciplinar e colaborativa, de modo que o aluno
possa perceber-se como parte integrante e importante desta região.

Referências

BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma


introdução às terias e aos métodos. Portugal: Porto Ed, 1994.

BRASIL. Lei n° 6.634, de 2 de maio de 1979. Dispõe sobre a Faixa de Fronteira, altera
o Decreto-lei n° 1.135, de 3 de dezembro de 1970 e dá outras providências. Disponível
em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6634.htm. Acesso em: 11 dez. 2015.

EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: UNESP, 2005.

FIORIN, José Luiz. Língua, identidades e fronteiras. Diversitas, [S.l.], jul.2013.


Disponível em:<http://www.revistas.usp.br/diversitas/article/view/58381>. Acesso em:
11, dez. 2015

RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.

SANTOMÉ, Jurjo Torres. As Culturas Negadas e Silenciadas no Currículo. In: SILVA,


Tomaz Tadeu da. Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 159 – 177.

SANTOS, Boaventura de Souza. Modernidade, identidade e a cultura de fronteira.


Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 5 (1-2): 31-52, 1993 (editado em nov. 1994)

SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo e Identidade social: Territórios Contestados In:
Silva, Tomaz Tadeu da. Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 190 –
207.

VEIGA-NETO, Alfredo. Cultura, culturas e educação. Rio de Janeiro: Revista


Brasileira de Educação, n.23, mai-ago, 2003. p.5-15.

65
DISCUTINDO O ENVELHECIMENTO HUMANO
NO AMBIENTE ESCOLAR: AS POSSIBILIDADES
DO TEATRO
Daniela Maria do Nascimento
Adaiane Giovanni

Neste espaço apresentam-se breves considerações sobre a temática do envelhecimento


humano, a partir dos resultados de uma atividade realizada com discentes de uma escola
estadual de Campo Mourão/PR no ano de 2015, por acadêmicos do curso História
vinculados ao Programa de Iniciação a Docência, da Universidade Estadual do Paraná.

Cabe esclarecer que a proposta e realização do estudo acerca dessa temática foram
motivadas por duas questões centrais. A primeira está relacionada à mudança no perfil
demográfico no país, visto que, em 2009, o Instituto Brasileiro de Estatística e
Geografia (IBGE) apontou para um aumento progressivo da população idosa no século
XXI (CALDAS; THOMAZ, 2010).

A segunda questão está relacionada à implementação da lei 10.741 de 1 de outubro de


2003, que dispõe no artigo 22 a inserção de conteúdos voltados ao processo de
envelhecimento humano nos currículos escolares em diversos níveis do ensino formal.

Diante dessa realidade social, podemos observar que apesar da criação de políticas
públicas que visamà integração social do idoso como é o caso da lei citada acima, se vê
também que de outro lado existe uma carência de recursos humanos especializados
nesse tema. Uma vez que a sociedade brasileira ainda não avaliou de modo satisfatório a
situação social do idoso (SCORTEGAGNA; OLIVEIRA, 2012).

Frente a essas discussões e com a intencionalidade de corroborar com o


desenvolvimento de uma abordagemsobre o envelhecimento humano no ambiente
escolar, os acadêmicos de História propuseram uma atividade a ser realizada em duas
fases com alunos entre 11 e 14 anos. A primeira fase teve como característica a atuação
dos bolsistas por meio de uma apresentação teatral, na qual foram expostos os diversos
contextos reais do idoso na sociedade atual. Na segunda fase, buscou-se estimular a
prática teatral com os alunos integrando o processo de dramaturgia, cenografia e
encenação.

Preparação e desenvolvimento do tema envelhecimento humano no âmbito escolar

Em todo inicio de trabalho, é preciso que seja reservado um momento de estudo e


discussão para que ocorra a preparação, planejamento e organização das atividades que
se deseja realizar.

66
Após a realização de leituras, discussões e participação em palestras com profissionais
da área da saúde que trabalham com idosos, os acadêmicos de história se deparam com
o desafio de pensar uma metodologia para abordar o processo de envelhecimento
humano no ambiente escolar.

Deste modo, quando surgiu entre os acadêmicos o desafio de trabalhar com este tema, a
primeira coisa feita foi à escolha do colégio e a ida até o local para conhecer a
instituição e as pessoas responsáveis por sua administração.

Para a ação de intervenção foi escolhido o Colégio Estadual Unidade Polo, localizado
nas proximidades da região central de Campo Mourão/PR. Após conhecer o local, foi
decidido juntamente com a direção, iniciar o trabalho com o tema sobre o
envelhecimento humano com alunos do 7º ano do Ensino Fundamental II. Todavia,
antes de realizar qualquer abordagem sobre o tema, se elaborou um questionário com 10
questões, que permitiram conhecer o perfil de alunos com quem se iria trabalhar e ao
mesmo tempo averiguar os conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema.

Responderam ao questionário 25 alunos com idade entre 11 e 14 anos. Quando


questionados sobre elementos mais pontuais acerca da velhice, as respostas não foram
muito diversificadas, como podem ser vistas no quadro a seguir:

É ser uma pessoa mais velha que precisa de


cuidados especiais.
O que é ser idoso para você? É ser uma pessoa sensível, como se fosse criança
pela 2ºvez, só que com mais cuidados.
É ser uma pessoa com conhecimento, que viveu
muito tempo.
Uma pessoa com menos movimento, mas com
Como você se imagina na velhice? mais conhecimento.
Com cabelos brancos, coluna encurvada, pele
fina e enrugada.
Uma senhora com filhos e netos numa casa
enorme e “antenada”.
Uma pessoa que gosta de tudo certo, mas, às
Qual sua visão sobre ser idoso vezes, implicante.
atualmente? Justifique! Uma pessoa que mima os netos e é carinhosa.
Com rugas e que precisa de ajuda para fazer
algumas coisas.
Pessoas mais animadas, mas que muitas vezes
são maltratadas.
FONTE: Dados da pesquisa. Disponível em: PIBID/História

Esses exemplos nos permitem observar que os discentes retrataram em sua maioria os
idosos como pessoas sensíveis, que precisam de cuidados, carinho que por vezes sofrem
de maus tratos. Fato que revelou a ideia de que, ao tornar-se idoso, o ser humano entra
no campo da passividade.

Feita essa sondagem, deu-se início a atividade de intervenção. O objetivo dessa


intervenção era trabalhar com algo que de algum modo tivesse impacto no cotidiano dos
jovens alunos, que rompesse com o habitual espaço da sala de aula e que fosse
67
trabalhado de forma coletiva, de modo que os alunos se sentissem motivados a
participar. A partir disso, para abordar o envelhecimento humano o grupo de
acadêmicos decidiu por trabalhar com o teatro.

Para apresentar o tema aos alunos o grupo de acadêmicos produziu e apresentou a peça
“Feliz-idade”. Na peça foram trabalhadas questões do dia-a-dia comum na vida da
pessoa idosa. Na sequência para finalizar essa primeira fase da atividade foi realizado
um bate-papo com alunos.

A segunda fase da intervenção foi dividida em quatro momentos: a) oficina de iniciação


ao teatro; b) realização de entrevistas dos alunos com idosos de sua comunidade; c)
produção de texto a partir das pesquisas realizadas com idoso e sua adaptação para
dramatização; e d) realização da representação teatral a ser apresentada pelos
estudantes.

A oficina contemplou jogos e exercícios lúdicos teatrais, seguindo as ideias teóricas e


metodológicas da dramaturga, teatróloga e diretora estadunidense Viola Spolin (1906 –
1994), onde os atores-alunos aprendem e praticam teatro através de jogos dramáticos
livres e de improvisação, compondo suas próprias habilidades no jogo ao decorrer da
prática.

Em seguida os alunos dividiram-se em grupo para realizar entrevistas com idosos de sua
comunidade. Para isso, receberam um roteiro com algumas possibilidades de perguntas
a serem realizadas.

Na aula da semana seguinte, com a entrevista realizada em mãos e contando com a


mediação dos acadêmicos os alunos elaboraram seus textos com base nos resultados das
entrevistas e os adaptaram para a dramaturgia que seria apresentada na aula da próxima
semana.

No dia da apresentação os alunos chegaram eufóricos para mostrar os resultados de seus


trabalhos, houve grupo que abordou a cena de um idoso morador de rua e teve aqueles
que até elaboraram um monólogo retratando os sentimentos de uma senhora idosa.

Concluída a atividade, os acadêmicos aplicaram um segundo questionários com as


mesmas questões do questionário inicial para verificar se a atividade realizada havia
provocado uma alteração no modo de pensar dos alunos sobre o envelhecimento
humano. Os resultados dessa avaliação contextual podem ser vista no quadro a seguir:

68
É ter idade mais avançada, só que eles são como
todos.
É uma nova fase.
O que é ser idoso para
você? É quando tem mais experiência vida e, claro, a
pele meio flácida.
Ter dificuldades, experiência e sabedoria.
Uma pessoa com menos movimento, mas com
mais conhecimento.
Como você se imagina na Com cabelos brancos, pele enrugada, fazendo
velhice? exercícios.
Um pouco chata, mas sempre em forma e
saudável.
Pessoas experientes que ainda têm muito que
contribuir com a sociedade.
Os idosos também se divertem como todo mundo
Qual sua visão sobre ser e, por isso, aprendi que ser idoso não é chato
idoso atualmente? como eu imaginava.
Justifique! Minha visão mudou sobre os idosos, pois eu
pensava que essa fase da vida seria muito chata,
mas não é.
Nem todos os idosos são rabugentos e alguns até
são bem atualizados com a tecnologia.
FONTE: Dados da pesquisa. Disponível em: PIBID/História

Como podemos observar, a ideia de que as dificuldades, experiência, sabedoria, além


das questões estéticas, ainda serem elementos presentes na velhice, vemos que alguns
aspectos positivos foram acrescentados quando os alunos se deparam novamente com as
questões: O que é ser idoso para você? E Como você se imagina na velhice? O olhar
sobre cuidados com a saúde e a prática de exercícios parecem estar ocorrendo de forma
mais natural.

Diante do questionamento: Qual sua visão sobre ser idoso atualmente? Justifique!,é
possível perceber a presença de verbos utilizados no pretérito imperfeito, comonas
palavras “eu pensava” ou “eu imaginava” não quer dizer que houve por completo uma
mudança de pensamento, mas mostra que está ocorrendo um processo de reflexão, na
qual os sujeitos começaram a olhar a velhice por um outro ângulo sem levar em
consideração apenas aspectos negativos, de forma que a velhice se constitui como uma
fase da vida, um processo natural do ser humano, visto que todos caminhamos com a
possibilidade de chegarmos até ela.

Referências

BRASIL. Lei n 10741. Estatuto do idoso de 1 de outubro de 2003. Brasília: centro de


documentação e informação, 2004.

69
CALDAS, Célia Pereira; THOMAZ, Andrea Fernandes. A velhice no olhar do outro:
uma perspectiva do jovem sobre o que é ser velho. Revista KÁIROS, São Paulo, v. 13, n.
2, 2010, p. 75-89.

FREITAS, Silvane Aparecida de; COSTA, Maria Jacira. A identidade social do idoso:
memória e cultura popular. Revista Conexão, Ponta Grossa

IBGE. Indicadores sociodemográficos e de saúde no Brasil, 2009 – Disponível em:


http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/indic_sociosaude/2009/ consulta
em: 22 de julho de 2015.

SCORTEGAGNA, Paola Andressa; OLIVEIRA, Rita de Cássia da Silva. Idoso: um


novo ator social. IX ANPED Sul, 2012, p. 1-17.

70
ENSINO DE HISTÓRIA POLÍTICA DO
MARANHÃO: PROPOSTA DE UM MATERIAL
PARADIDÁTICO
Drielle Souza Bittencourt

A partir de experiências em sala de aula, surgiram algumas reflexões quanto ao ensino


dos processos eleitorais para o cargo de governador do estado do Maranhão durante o
regime autoritário vivido no Brasil (1964 a 1985). Esse período foi marcado por uma
grande instabilidade política, pois, a cada Ato Institucional ou medidas que visavam
reconfigurar as sucessões para os cargos políticos, o processo eleitoral mudava
consideravelmente.

Em 1964 o Brasil sofreu um golpe de Estado, sendo destituído o presidente


democraticamente eleito João Goulart. Em 09 de abril de 1964 foi instaurado o Ato
Institucional nº1 (AI-1), que estabeleceu eleições indiretas para presidência da
República, sendo assim eleito pelo colégio eleitoral o Marechal Humberto Castelo
Branco.

De acordo com a Constituição de 1946, em 1965 deveriam ser realizadas eleições para
governadores em onze estados (Minas Gerais, Guanabara, Paraná, Santa Catarina,
Goiás, Paraíba, Pará, Rio Grande do Norte, Maranhão, Mato Grosso e Alagoas). Castelo
Branco cumpriu o calendário e as eleições aconteceram no dia 03 de outubro de 1965. O
livro didático História, do Projeto Múltiplo, escrito por Claudio Vicentino, Gianpaolo
Dorigo e José Vincentino, lançado pela editora Scipione, faz a seguinte análise sobre o
resultado dessas eleições:

Os políticos ligados ao regime militar sofreram sucessivas derrotas


eleitorais, como em 1965, na eleição para governador de estado (vitória de
Negrão Lima na Guanabara e Israel Pinheiro, em Minas Gerais, ambos
ligados a Juscelino Kubitschek). (VINCENTINO; DORIGO; VICENTINO,
2014, p. 946)

Com esse trecho é possível perceber que o governo ditatorial perdeu em estados fortes,
além da Guanabara e Minas Gerais, também em Santa Catarina e Mato Grosso. Com
essas vitórias expressivas da oposição o governo autoritário criou estratégias para que
seu poder não fosse enfraquecido. Assim, em 17 de outubro de 1965 foi assinado o Ato
Institucional N° 2, poucos dias após as eleições. Outro livro didático intitulado História:
conexões com a História, elaborado por Alexandre Alves e Letícia Fagundes e lançado
pela editora Moderna, apresenta da seguinte forma o AI-2:

O Ato Institucional Nº 2 estabelecia eleições indiretas para presidente da


República, alterava a composição do Supremo Tribunal Federal e extinguia
os partidos políticos. No lugar dos antigos partidos foram criados dois
novos, os únicos que poderiam funcionar: a Aliança Renovadora Nacional
71
(ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). No
bipartidarismo imposto pelo AI-2, a ARENA aglutinava os apoiadores do
governo e o MDB reunia os políticos de oposição (ALVES, OLIVEIRA,
2015, 649).

Como apresenta o material didático, com o AI-2 só poderiam existir dois partidos e a
sucessão dos presidentes seria feita de forma indireta, o que afetou significativamente a
configuração do processo eleitoral. Mas, as alterações na política não paravam por aí,
como demonstra esse trecho do mesmo livro trabalhado anteriormente:

O espaço para a sociedade participar da política ficou ainda mais reduzido


com o decreto dos Atos Institucionais n° 3 e n°4, em 1966. O AI-3
transformava em indireta a eleição para governador e vice-governador e
suspendia as eleições para prefeito das capitais, que passava a ser indicado
pelos governadores. O AI-4 fortalecia o Poder Executivo e extinguia os
efeitos da Constituição em 1946 (ALVES, OLIVEIRA, 2015, 649).

Os autores apresentam as principais características dos Atos Institucionais, mas


poderiam problematizá-los mais, explicando que com AI-3, que estabeleceu eleições
indiretas para governadores, o governo ditatorial teve maior controle nas sucessões,
principalmente, nos estados importantes em que fora derrotado em 1965. Em relação ao
AI-4 o jogo de palavras poderia ser melhor, deixando claro que com ele foi discutida e
ratificada a Constituição de 1967, legalizando muitas medidas excepcionais decretadas
nos atos institucionais e complementares.

Em 1979 o processo eleitoral sofreu outra mudança com a Lei Orgânica dos Partidos,
que extinguia o MDB e a ARENA e voltava o pluripartidarismo, como explica essa
passagem do livro didático Historia: conecte, de autoria de Ronaldo Vainfas, Sheila de
Castro Faria, Jorge Ferreira e Georgina Santos, lançado pela editora Saraiva:

Foi realizada ainda uma reforma partidária, autorizando o pluripartidarismo.


Com isso, novos partidos foram fundados, como o Partido dos
Trabalhadores (PT), sob a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, e o
Partido Democrático Trabalhista (PDT), liderado por Leonel Brizola, que
perdeu juridicamente a sigla do velho PTB para outro grupo político. O
MDB, uma frequente de oposições, mudou o nome para Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). O núcleo da antiga Arena
fundou o Partido Democrático Social (PDS), continuando na posição de
partido do regime militar (FARIA, VAINFAS, [et al], 2014, p. 232).

Os autores apresentam como foram criados esses partidos que até hoje existem, porém,
também poderia haver uma maior problematização em torno dos reais interesses por trás
dessa mudança, como dividir e enfraquecer a oposição. O que foi ainda mais acentuado
em novembro de 1981 com a criação do “pacote eleitoral” que visava garantir a vitória
do PDS nos estados na eleição de 1982, pois ficou acordado que em 15 de novembro de
1982 ocorreriam eleições gerais. Todos os partidos legalizados poderiam participar.

Esta analise foi feita usando três livros didáticos para demonstrar como é trabalhado o
processo eleitoral no Brasil de 1965 a 1982. Por tudo apresentado, é possível perceber
72
como houve muitas oscilações na política e como esses livros apresentam certo avanço
por apresentarem discussões sobre esses processos, apesar de faltar mais
problematização.

É importante destacar que esses livros são usados no ensino de história em escolas do
Maranhão. Suas abordagens, todavia, apresentam uma realidade histórica do centro-sul
como hegemônica, deixando as especificidades regionais de lado.

Dessa forma, está sendo proposta a construção de um novo saber histórico sobre o
período em análise, adaptando a produção acadêmica para um trabalho a ser utilizado no
cotidiano escolar, que ajudará a suprir o hiato entre o que é discutido na academia e o
que é ensinado em sala de aula.

O uso dos impressos também abrirá um espaço de demonstração para os alunos sobre a
diversidade de fontes históricas existente, rompendo com a noção de que os documentos
oficiais são as únicas fontes possíveis para construção historiográfica.

Além disso, a criação de materiais além dos livros didáticos é extremamente necessária,
como explica os Parâmetros Curriculares Nacionais de História (1998), todo material
que tenha a função de mediar à comunicação entre professores e alunos, pode ser
considerado um material didático. E a sua produção é muito importante, pois:

É um instrumento específico de trabalho na sala de aula: informa, cria


conflitos, induz à reflexão, desperta outros interesses, motiva, sistematiza
conhecimentos já dominados, introduz problemáticas, propicia vivencias
culturais, literárias e cientificas, sintetiza ou organiza informações e
conceitos. Avalia conquistas. (Parâmetros Curriculares Nacionais de
História, 1998, p. 79).

Para uma melhor elaboração desse material paradidático, também serão utilizados
gráficos, tabelas e imagens que servirão como mais um elemento auxiliar para os alunos
conseguirem formular ainda melhor seu pensamento crítico sobre o período estudado.

Quanto ao uso da fonte, serão selecionados reportagens/editoriais que abordem a


história política, sobretudo, as sucessões eleitorais para o cargo de governador do estado
do Maranhão, de 1965 a 1982, para assim ser construído um material paradidático que
servirá para professores e alunos do ensino básico. Esse material abordará os processos
eleitorais no Maranhão no período em questão, ressaltando suas especificidades.

Dessa forma, professores e alunos poderão fazer discussões para além do livro didático,
mesclando o ensino de história do Brasil com o da história do Maranhão. Assim, os
alunos terão a compreensão que o Maranhão não ficou de fora da dinâmica política dos
governos ditatoriais e se soltarão dos tentáculos do ensino de história que privilegia o
eixo sul-sudeste do Brasil.

73
Referências bibliográficas

ALVES, Alexandre. OLIVEIRA, Letícia Fagundes de. História: conexões com a


História. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2015.

ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984)-2.ed.-


Petrópolis: Vozes.1984.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Ensino Fundamental. História


Brasília: MEC, 1998.

VAINFAS, Ronaldo. FARIA, Sheila de Castro. [et al]. Conect: história, volume
único. 1º Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

VICENTINO, Cláudio. DORIGO, Gianpaolo. VICENTINO, José. História: projeto


múltiplo, volume único. São Paulo: Scipione, 2014.

74
O ENSINO DE HISTÓRIA ALÉM DA SALA DE
AULA: AS AULAS-VISITAS
Eduarda Borges da Silva

Ensinar História é pensar o mundo além da sala de aula. Evidentemente que este espaço
e a escola são importantes para a formação dos alunos. Contudo, o objetivo deste texto é
abordar as aulas-visitas, principalmente as visitas desenvolvidas extraclasse.

Durante uma saída de campo pode se promover a conscientização do estudante


enquanto sujeito histórico e ele pode perceber a historicidade do seu bairro e da sua
cidade, através da observação direta e da experimentação sensorial (SCHMIDT &
CAINELLI, 2004).

Muitos são os lugares que um professor de História pode levar suas turmas: museus de
História, arquivos, monumentos e patrimônios. Mas os museus são os locais geralmente
escolhidos, seja pela acessibilidade ou por se reportarem de forma direta à disciplina em
questão.

Alguns desses espaços oficiais de memória ainda mantêm a tradição positivista de


salvaguardar a história das elites, dos heróis nacionais e dos líderes políticos, deixando à
margem a atuação de mulheres, trabalhadores, crianças e oprimidos sociais. Mas só
estes espaços tem historicidade?

Devemos estudar/conhecer a história local (oficial e informal), os patrimônios não


oficiais da comunidade em que se atua, a história do bairro, da escola, de cada aluno/a.
Segundo Schmidt e Cainelli (2004) o ensino da história local é uma forma de construir o
conhecimento histórico articulando-o aos interesses do aluno e suas vivências.

Ademais, três palavras devem nortear uma saída de campo: Aproximar, sensibilizar e
significar. O professor que leva a turma a uma visitação deve conhecer seus alunos
suficientemente para planejar a atividade. Devemos indagar quais locais poderão
proporcionar um sentimento de pertencimento e de reflexão, ou seja, um conhecimento
significativo, para que os alunos possam relacionar os conteúdos ensinados ao cotidiano
vivido.

Visitar

Durante o Estágio Supervisionado no Ensino Médio no Instituto Federal de Educação,


Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense levei meus alunos da turma de Eletrotécnica IV
para conhecer alguns locais da cidade, Pelotas – RS, em 2013.

A primeira visita foi a Tecelagem Tricotrama e a Zona do Porto (bairro industrial que na
primeira metade do século XX impulsionou a economia da cidade), com suas antigas
75
indústrias, quase todas fechadas e em ruínas. O tema de nossa aula foi a industrialização
em Pelotas nos governos de Getúlio Vargas. Consegui desenvolver a atividade com o
apoio do colega estudante de Licenciatura em História Valdemar Menezes. Ele é tecelão
na Tricotrama desde a sua fundação, sendo o único operário que opera os dois teares em
atividade, além da dona da tecelagem que faz os desenhos e de uma senhora que
costura.

Valdemar contou da fundação da tecelagem, quando trabalhavam trinta operários e


exportavam tecidos e roupas para várias cidades e que a lã era importada do Uruguai.
Ligou os teares e mostrou o funcionamento das máquinas. Os alunos puderam observar
o processo de fabricação dos tecidos e refletir sobre a condição do trabalhador e sobre o
sistema capitalista.

Para avaliação pedi um relatório sobre a visita no qual refletissem sobre a relação entre
trabalho e tecnologia, fundamental ao curso de Eletrotécnica.

Depois trabalhando o conteúdo de Ditaduras na América Latina visitamos o Okupa 171


(uma casa ocupada por anarquistas que desenvolvem atividades culturais) e a Câmara de
Vereadores de Pelotas.

O espaço anarquista conta com teto solar, horta, estúdio de fotografia (no qual as
máquinas são feitas a partir de latas de alumínio) e de arte, biblioteca sobre comunismo,
marxismo e anarquismo e um espaço para treinos físicos, apesar de o prédio ter muitas
rachaduras e goteiras. Moram três estudantes da UFPel, sendo uma chilena. Contaram
que o espaço abriga além de militantes, mochileiros e estudantes.

Realizam encontros para debater sobre o anarquismo abertos ao público. Também


fazem na rua XV de novembro em frente ao Okupa feiras onde são vendidas roupas,
CDs, artesanatos, livros e comida. Contaram que dividem as tarefas de manutenção da
casa sem distinção entre os sexos e recebem alimentação diariamente de um restaurante
vegano. Falaram aos alunos sobre a concepção de mundo pelo viés anarquista, como
pensam as relações entre os gêneros, a família, o amor, a política, o trabalho, etc. e
fizeram criticas a nossa sociedade atual.

Já na Câmara de Vereadores os estudantes se impressionaram com o debate violento


entre os vereadores e com a estrutura da Câmara. Nenhum dos alunos conhecia o
espaço.

A avaliação deu-se com um debate sobre a apropriação desse local, que é de poder
público, questionando-os por qual motivo não conhecemos e frequentamos o espaço
onde as principais decisões sobre a cidade são tomadas.

Identifiquei alguns problemas durante as aulas-visitas: Falta de acessibilidade nos


espaços (sem mediadores ou sem adaptações para alunos com necessidades especiais); o
fato de ser estagiária e sair da escola com uma turma de menores de idade; os recursos
da escola para o ônibus e o tempo fazer as visitas (apenas duas horas-aula).

Como principal solução está o planejamento. Identificar problemas que pudessem


ocorrer e pensar em locais e atividades viáveis, levando em conta a condição particular
76
de cada aluno bem como, a relação coletiva da turma. Elaborar com antecedência,
visitar o local previamente, agendar a visita e manter o contato, pedir autorização dos
responsáveis, pensar atividades conectadas ao conteúdo, ao espaço e a quantidade de
alunos, considerando o tempo. Não perder a ludicidade e ter um “plano B” caso seja
necessário ficar ou voltar antes do programado à escola. A possibilidade de aulas
interdisciplinares também é interessante para ampliar os debates e conseguir um tempo
maior para a visitação.

As aulas-visitas geralmente devem fazer parte de um programa de avaliação


continuada. O professor deve questionar aos alunos e a si próprio se a atividade cumpriu
com as expectativas. Alunos e professores são avaliados em conjunto, a partir de
relatórios da saída de campo, de uma conversação geral, de exposições de fotografias ou
desenhos, entre outras formas de sistematizar e relembrar o que foi aprendido. Desse
modo, salienta-se a importância dos registros (fotos, vídeos, anotações e depoimentos).

A seguir alguns espaços para aulas-visitas em Pelotas (além dos Museus de História):
Museu Farmacêutico Moura, Bibliotheca Pública Pelotense, o Laboratório de Ensino e
Pesquisa em Antropologia e Arqueologia (UFPel), o centro histórico com seus casarões,
as praças dos bairros, os espaços políticos, os estádios de futebol, as comunidades
quilombolas, as colônias, dentre outros.

Receber visitas

O Desafio Pré-vestibular é um projeto da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)


destinado a comunidade carente de Pelotas e região, no qual alunos da UFPel de
diversos cursos, principalmente das Licenciaturas dão aulas voluntárias preparativas
para os vestibulares e Enem. Fiz parte deste projeto nos anos de 2012 e 2013.

Durante a disciplina de História Geral no turno da noite as aulas-visitas apareciam como


uma metodologia praticamente impossível de ser desenvolvida, devido à violência da
cidade, a falta de espaços abertos neste horário e porque a maioria dos alunos são
trabalhadores que ao fim do dia estavam exaustos.

Assim, levar visitantes até o espaço escolar tornou-se um modo de transformar o espaço
da sala de aula. Recebemos a visita da historiadora Luise Rodrigues com sua exposição-
palestra sobre o Egito Antigo.

Luise levou sua coleção de objetos-réplicas e permitiu que todos os alunos tocassem e
fizessem fotos. Foi uma atividade lúdica e interativa. Os alunos foram hospitaleiros com
a palestrante, participando e demonstrando interesse em sua apresentação.

Visitas Virtuais

Além das visitas físicas é possível realizar visitas virtuais, a partir da Internet. Para isso,
é necessário que a escola possua um laboratório de informática. Este é um recurso de

77
acessibilidade digital e de inclusão, que permite aos alunos conhecer vários locais do
mundo, desde que estes estejam aptos para tanto.

Uma pequena busca rápida na Internet irá direcionar o pesquisador a diversos museus e
espaços de memória virtuais. Cabe ao professor selecioná-los e verificar sua
potencialidade para a aula que pretende realizar.

Somente o Canal do Ensino indica uma lista com 50 museus virtuais para se visitar
online, entre eles o Museu do Louvre (Paris, França). Geralmente os programas que
permitem esse tipo de acesso, reproduzem os espaços em tamanho proporcional ao
navegador de modo bastante realista, com a intenção de que este se sinta no interior do
museu e a partir de movimentos do dedo no mouse ele pode passear pelo espaço.

Por fim, o professor deve escrever e divulgar suas reflexões (ponderando as


dificuldades, os acertos e os erros) sobre a metodologia escolhida. A prática docente
desenvolve-se também através do compartilhamento de experiências. Socializar com os
outros profissionais da área atividades produtivas é um dever pedagógico.

Acredita-se que o estudo do meio no qual o estudante está inserido é, portanto, um


recurso em potencial que o estimula a indagar o mundo. O aluno se sensibiliza para a
pesquisa histórica, passa a questionar o passado e o presente, quando se percebe como
um agente social capaz de escolher, de transformar e de se sentir parte da História.

Referência bibliográfica:

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo:


Scipione, 2004.

78
RESGATANDO MEMÓRIAS: RELATO DE
EXPERIÊNCIA
Eliana Pereira da Silva
Maria Aparecida Pereira

Introdução

Narrar ou contar histórias é uma arte milenar. Antigamente era o contador de histórias o
detentor da experiência, do conhecimento e da sabedoria. No passado, esse rito familiar
criava um clima intimista entre as gerações nas sessões de “contação” de histórias. A
das crianças, jovens e adultos. Atualmente, com a supremacia da imagem, da televisão,
figura do avô ou da avó era ícone do faz-de-conta, agente de introspecção imaginativa
do computador e da informação, as histórias contadas ou narradas por um interlocutor,
oferecem, apenas, um divertimento que está implícito em cada um, com seus valores
subjetivos.

Ao longo de nossa trajetória com a aplicação do projeto, colecionamos diversas


histórias que nos foram contadas, vivenciamos intensos momentos que guardamos como
relíquias de nosso passado e presenciamos acontecimentos que produzem marcas para
além do tempo. Todo esse material se constitui, juntamente com outros elementos, em
matéria-prima para a subjetividade.

Para possibilitar aos idosos a prevenção ou alivio da depressão que a idade pode
acarretar, usamos da expressão e do ritmo com atividade que resgatou suas memórias,
bem como a interação entre eles.

A Oficina Resgatando Memórias é um método de intervenção baseado nas teorias de


grupo e no contexto sociocultural. O objetivo do trabalho foi contribuir para a
estimulação da memória e assim poder aumentar a autoestima e valorização dos idosos.

Resultado

As aulas oficinas foram desenvolvidas na Associação das Senhoras da Caridade de


Caetité- ASCC, no período de 11 a 25 de abril de 2016, com a duração de 3 horas- aula
cada, no turno vespertino. Antes, porém, fizemos uma visita a Casa de Caridade, para
escolher o público – alvo (10 idosos) e o espaço físico, o pátio e uma sala
disponibilizada pela diretoria.

Foi importante proporcionar aos idosos um ambiente de interação, se sintam à vontade e


dessa forma sermos contemplados com as suas memórias. Pensando nisso, criamos um
espaço de memória, expondo na sala, onde foram aplicadas as oficinas objetos que eles
utilizou e que concomitante relembram o seu passado.
79
As oficinas foram trabalhadas de forma articulada e adaptada às necessidades e a as
condições dos participantes, num constante processo de construção de conhecimento,
baseado em aspectos significativos da realidade vivenciada por eles. Numa visão
esquemática, as oficinas assim se constituíram, em termos de conteúdos de
aprendizagem e da metodologia empregada:

Oficina 1: Com o objetivo de preservar e divulgar a herança cultural de gerações


passadas, e com base nas ideias de Durval de Albuquerque (1994, p.44), “O ato de
lembrar, é sobretudo o trabalho de localizar lembranças no tempo e no espaço (...)”,
foi trabalhado a exposição de fotos e objetos antigos. Onde eles puderam visitar o
cenário, e reviver seus costumes de infância e pré- adolescência.

Oficina 2: Pensando em aumentar a autoestima e estimular suas memórias e trazer de


volta suas emoções, lembranças e sentimentos foi passado músicas regional da época:
Luiz Gonzaga, “Asa Branca”, Raul Sampaio, “Quem eu quero não me quer”, Cantiga
popular, “Meu limão, meu limoeiro”, Sérgio Reis, “O menino da porteira”, Padre
Alessandro Campos, “O Que é Que Eu Sou Sem Jesus?”. De forma surpreendente, ao
término da cantiga popular, meu limão, meu limoeiro os idosos começaram a jogar
versos, como fazia nas festas.

A memória pode atuar em diversas esferas sociais, sejam elas econômicas, políticas ou
culturais, na legitimação de um determinado poder, tradição ou identidade. (LE GOFF,
1984).

Oficina 3: Com o intuito de preservar as funções intelectuais promover intervenções


terapêuticas através da estimulação da memória, organização do pensamento e
concentração, foram realizadas atividades tais como: Palavra Cruzada, 7 erros e
colagens (grãos). Neste dia da oficina dona Helena, uma das participantes, ao
apresentarmos a atividade de colagem dos grãos disse: “é hoje que não saio daqui, não
vou conseguir’, no entanto minutos antes do término nos apresentou a tarefa pronta”.

Outro momento de grande aprendizagem para nós mediadores da oficina foi quando
dona Ormezinda, ao final da oficina nos disse: “vocês usaram frutos de nossos trabalhos
da roça”, porém não havíamos pensado nisso.

Esse acolhimento oferecido ao idoso, no sentido de conceder um serviço humanizado.


Houve uma aproximação e valorização do ser humano através deste momento único que
é o ensinar, o dividir seus conhecimentos com o objetivo de tornar a vida do próximo
melhor.

Oficina 4: A fim de incrementar a socialização dos idosos, cujos vínculos sociais


encontram-se fragilizados, melhorar sua autoestima e contribuir para o aumento da sua
capacidade cognitiva, trabalhamos com fotografias propondo a comparação entre as
fotos antigas e atuais de Caetité. Em seguida, fizemos um diálogo sobre as mesmas e a
realização de pinturas em papel A 4. Mais uma vez fomos surpreendidas por eles, suas
agilidades e desempenhos.

Oficina 5: Pensando está trabalhando com um grupo com potencial forte para questão
oral, de posse de muitas experiências, criamos um cordel retratando suas vivências
80
acerca de suas falas nas oficinas anteriores, após serem lidos questionamos se gostaram
e se os descrevemos da forma correta como haviam relatado. Nessa perspectiva de
trocas de saberes compartilhamos a fala de Gonh (2006), “a educação não-formal é
aquela que se aprende “no mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de
experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas”.

Oficina 6: A exibição do filme, Vida Maria mostrou o quão é prejudicial a


naturalização da vida no sertão, quanto a alfabetização nesse período, principalmente
das mulheres. Após o final do filme e com o relato da idosa Ormenzinda “(...) eu não
estudei porque meu pai não deixava, e para não ter a fama de mal “pagadeira” teria que
ir para roça trabalhar”. Realizamos a atividade de cobrir o nome.

Nesse sentido de que o estudo não era tão importante, quanto o trabalho, Rago (2007)
ressaltou que: para as meninas, o bom aprendizado das chamadas “prendas domesticas”
era considerado (...), mais importante do que o das letras, pois constituía um condição
sine qua non para um bom arranjo matrimonial, segundo a mentalidade dominante e a
divisão sexual dos “papeis sociais”. (Rago,2007, p.57)

Oficina 7: Neste último dia, fizemos a socializado do trabalho, avaliamos o que


aprendemos durante os dias de oficina, e a nossa contribuição para com eles.
Finalizamos com o bingo.

Avaliação

Por meio do desenvolvimento do projeto “Resgatando Memórias”, abordamos a


temática do envelhecimento humano com o objetivo de relatar memórias dos idosos,
possibilitando evidenciar a importância da valorização das narrativas de pessoas idosas
na rememoração do seu passado.

Portanto, apresenta- se a discussão desenvolvida sobre a importância da apropriação das


lembranças e narrativas de pessoas idosas por parte dos profissionais que atuam com
essa população, em especial, a visão das acadêmicas de História.

Em nossa experiência de atuação junto ao grupo de idosos, percebemos que o passado,


seja ele advindo de uma história de vida ou mesmo de acontecimentos do cotidiano, é
muitas vezes privado de expressão no meio social. Muitas de suas histórias chamadas
“do arco da velha” permanecem guardadas num museu peculiar: seu próprio corpo. E
nós futuros historiadores devemos intervir, como afirma Rusen (2001, p.57), “é a
consciência histórica que une passado, presente e futuro. A História é uma condição
humana e um nexo dessa tripartição temporal” (...). Deste modo, a consciência histórica
exerce a função de orientação para o presente e para isto é fundamental a competência
narrativa, que é a capacidade de se apropriar do passado e desvendar nas entrelinhas de
tal maneira que a realidade presente se torne algo compreensível, tornando possível
estabelecer orientação para uma intervenção do indivíduo nesta realidade.

Foi percebida a disposição com que os idosos iam para os encontros, fazia com que eles
adotassem decisões próprias assim percebendo como é importante a participação nesse
81
grupo, ao realizarem atividades físicas eles tornaram mais ativos, dispostos sem contar
como faz bem para a saúde mental, pois ao participarem das atividades de lazer as quais
requerem esforços faz com que eles se envolvem cada vez mais.

Conclusão

A oficina de memória teve como intuito primordial realmente representar um projeto de


extensão no sentido mais amplo da palavra.

Os resultados de nossa experiência nos permite concluir que o fato de se ter um espaço
para que as histórias de vida e a memória cultural venham à tona é densamente rico e
essencial. Para a acadêmica Maria Aparecida que também é secretaria da ASC relata
que: “Nunca participei de um momento tão importante com os idosos desde quando
comecei a trabalhar aqui, há mais de 5 anos. A prática do projeto me fez aprender mais
sobre os idosos mesmo com tanto tempo vivenciando o cotidiano com eles”. Para os
idosos, é uma possibilidade de resgate das próprias histórias que muitas vezes ficaram
esquecidas por eles mesmos. É a possibilidade de poderem ter um espaço com
interlocutores dentro e fora do seu próprio grupo de pares, uma vez que essas histórias
podem circular amplamente por meio de panfletos, revistas, cartas, cartazes e outras
formas de comunicação.

Referência bibliográfica

ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de. Violar Memórias e Gestar a História:


Abordagem a uma problemática fecunda que torna a tarefa do historiador um “parto
difícil”. In: ______. (org). História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da
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LE GOFF, Jacques. Memória. In: Enciclopédia Einaudi vol. 1- Memória- História.


Edição portuguesa, 1984.

MEDIANO, Zélia. A formação em serviço de professores através de oficinas


pedagógicas. In: CANDAU, Vera M. (Org.) Magistério: construção cotidiana.
Petrópolis: Vozes, 1997. p.91-99.
82
GARRIDO, R.; MENEZES, P. R. O Brasil está envelhecendo: boas e más notícias
por uma perspectiva epidemiológica. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v.
24, n. Supl. I, p. 3-6, 2002.

MENDES, Márcia. R. S. S. Barbosa. et al. A situação social do idoso no Brasil: uma


breve consideração. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 422-426,
2005.

RÜSEN, Jörn. Razão histórica - Teoria da história: fundamentos da ciência


histórica. Trad. Estevão de Rezende Martins. Brasília: UnB, 2001

83
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA CAMPO-
GRANDENSE POR MEIO DO MUSEU JOSÉ
ANTÔNIO PEREIRA
Elaine Cristine Luz Santos de Moura
Luciano Pereira de Souza Júnior

Os pioneiros

Partindo do pressuposto que o Estado é o agente de modernização, e que isso significa


que ele é propulsor de uma nova ordem social (ORTIZ, 1988), é essencial o estudo
sobre a construção da identidade que é construída como forma de legitimar a capital sul-
mato-grossense. Assim, torna-se fundamental uma abordagem para contextualizar a
imigração à região do sul do Mato Grosso, com o intuito de compreender a construção
da identidade por meio do Museu José Antônio Pereira (MJAP).

Segundo Barros (2010), a intensificação migratória na região do Centro-oeste, descreve


que após a Guerra da Tríplice Aliança contra do Paraguai surgiram histórias sobre terras
devolutas e sobre a existência de gados nessa região, acarretando assim a motivação da
Família Pereira a realizar a mudança da cidade de Monte Alegre, localizada em Minas
Gerais, para o Sul de Mato Grosso.

Assim, em 1872, o mineiro José Antônio Pereira encontrou nesta região um poconeano
chamado João Nepomuceno e algumas famílias camapuanas fixadas ao redor do córrego
Prosa, onde cultivavam suas roças (GARCIA apud WEINGARTNER, 1995).
Posteriormente, José Pereira ergueu um rancho nesse local conhecido como Serra de
Maracaju.

No ano seguinte, José Antônio regressou a Minas Gerais com a intenção de buscar seus
familiares, deixando João Nepomuceno, para ser o guardião de seu rancho, prometendo-
lhe o pagamento após o seu retorno (BARROS, 2010). Dessa maneira, percebe-se que
José Antônio Pereira e sua família não eram os primeiros residentes de Campo Grande,
contrapondo a afirmação de seu trineto Eurípedes Barsanulfo Pereira:

Fica evidente, a par dos escritos destes eminentes historiadores, que estes
sítios da então Província de Mato Grosso, ao tempo da chegada de José
Antônio Pereira, era solo de ninguém, área devoluta e sem habitantes.
Constituída de excelentes terras para o cultivo e vastas campinas para a
criação, guardou as suas potencialidades para serem feridas, à hora
aprazada, pelas mãos daquele mineiro idealista, e transformadas em leiras
fecundas, que acabaram brindando seus primeiros cultivadores, com
produções de ótima qualidade (PEREIRA, 2001, p. 21).

84
Além disso, Barros (2010) descreve que após três anos, surge a migração de outro
mineiro chamado Manuel Vieira de Souza, com a companhia de alguns familiares e
escravos. João Nepomuceno, sem esperanças do retorno de José Antônio Pereira,
negociou a transferência de terra, porém ressaltando o acordo que tinha feito com o
antigo proprietário. Contudo, após alguns meses, José Antônio Pereira retorna com seus
familiares.

Aos 14 de agosto de 1875, chega finalmente ao local de destino. José


Antônio não encontra o zelador que ali deixara, mas sim, a família de
Manoel Vieira de Souza (Manoel Olivério), mineiro de Prata (antigo
povoado de Nossa Senhora do Monte do Carmo, do Distrito da Farinha
Podre) que igualmente fora atraído para estas plagas, pelas notícias da
Vacaria, e que estava no local há cerca de dois meses. É recebido
cordialmente, com a intenção manifesta de Manoel Olivério, de devolver-
lhe a propriedade. José Antônio Pereira, idealista e cordato, propõe-lhe
parceria nas atividades a desenvolver (MACIEL, s.d.).

Após acordado, as duas famílias uniram-se e construíram o arraial de Santo Antônio de


Campo Grande. Unidas, dedicaram-se a construção de mais ranchos denominando
posteriormente como arraial de Santo Antônio de Campo Grande (BARROS, 2010).

Observa-se que já haviam residentes nessas terras, e que José Antônio Pereira
“apontado” como desbravador de Campo Grande é uma figura remanescente de uma
construção identitária com o intuito de legitimar a sua fundação do Arraial de Santo
Antônio do Campo Grande.

Como foi possível observar, a história da fundação de Campo Grande é contemplada


por uma historiografia constituída por obras de cronistas e memorialistas, em defesa da
identidade e do passado, verificando-se que há uma escassez de pesquisas acadêmicas
sobre essa temática. O trabalho de cronistas e memorialistas é importante porque muitas
vezes eles se utilizaram de documentos que não podem mais ser recuperados. Tais
escritos concentram seus objetos em datas, como por exemplo, a inauguração da cidade
e os feitos de políticos que, de acordo com seu entendimento, marcam o pioneirismo na
região, sem demonstrar as lutas e conflitos.

Todavia, considera-se que essas produções resgatam a história de um lugar, de um povo


e de uma sociedade, mesmo sem o engajamento de um referencial teórico-
metodológico. (ALVES, 2001). Partindo dessa perspectiva, ao se lançar mão desses
escritos, entende-se que a fonte deve ser questionada e relativizada com cautela e
entendimento, pois não são neutros, buscando desnaturalizar as ações daqueles que
ficam eternizados como pioneiros.

O museu José Antônio Pereira

A antiga Fazenda Bálsamo, localizada na Avenida Guaicuru S/N, foi doada em 1966,
por Carlinda Contar, filha de Antônio Luiz Pereira, tornando-se o MJAP. Segundo
Mitidiero (2009), “o museu mantém a estrutura arquitetônica, explanando a visitação
85
pública a história regional através dos mediadores e do acervo”, e concomitantemente o
MJAP tende a corroborar para a construção do imaginário campo-grandense sendo
construído em 1873 e tombado como Patrimônio Histórico e Cultural em 1983.

Observa-se na figura a seguir o MJPA após a restauração realizada, em 1999. A partir


de então, considerado patrimônio histórico e cultural de Campo Grande, tornando-se um
espaço voltado para educação, arte e lazer.

Figura 1 – Museu José Antônio Pereira, em destaque escultura de Antônio Luiz Pereira,
com a esposa Anna Luiza e filha Carlinda (1999).

Fonte: Acervo do MJAP

Por meio da exposição do mobiliário “pertencente à família”, o museu pretende


promovendo um resgate ao cotidiano doméstico, além dos equipamentos de trabalho,
que demonstram a vivência no século XIX.

[...] a questão da identidade permanece. Não mais nutrida pelo impulso


inicial de encontrar a essência cultural do estado, de formular uma tradição,
mas por novos parâmetros impostos pela conjuntura global, em que as
fronteiras culturais tornaram-se mais elásticas e permeáveis às influências
do outro (BANDUCCI JUNIOR, 2009, p. 1).

Dessa maneira, observa-se que o MJAP propõe-se a demonstrar a história da Família


Pereira, partindo do pressuposto de que eles foram os pioneiros de Campo Grande, e

86
apresentar por meio dos artefatos e de sua arquitetura como era a vivência no final do
século XIX.

Segundo Ortiz (1988), na verdade não existe uma única identidade, mas uma história da
“ideologia da cultura brasileira”, variando ao longo dos anos e de acordo com os
interesses políticos dos grupos que a elaboram. Concomitantemente, entende-se que o
museu pode ser ressignificado pela população como lugar de lazer e realização de
projetos socioculturais e pelos mediadores culturais ao desconstruírem essa versão
histórica. Partindo do pressuposto de que “As identidades espaciais são fabricações
humanas, não estão inscritas na natureza, como algumas abordagens naturalistas
parecem indicar. Além do que não há elemento que componha um dado território que
não possua historicidade” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2008, p. 63).

Assim sendo, percebe-se que a sociedade sofre de uma forte miopia cultural
(SCHWARZ, 1994), sem notar a construção de uma identidade que pode ser observada
nos museus, monumentos, pinturas, hinos, bandeiras, além de diversas construções que
limitam fronteiras, criam oposições e legitimam territórios.

Referências

ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. Receitas Regionais: a noção de região como um


ingrediente da historiografia brasileira ou o regionalismo como modo de preparo
historiográfico. XIII Encontro de História da Associação Nacional de História. Rio de
Janeiro, 2008. Disponível em
<http://encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/durval.pdf>Acesso em julho
de 2016.

ALVES, Gilberto Luiz. Nacional e Regional na História Educacional Brasileira: uma


análise sob a ótica dos Estados Mato-grossenses. In: SBHE. Educação no Brasil:
História e Historiografia. Campinas: Autores Associados

BANDUCCI JUNIOR, A. Tradição e ideologia: a construção da identidade em


Mato Grosso do Sul. IN: MENEGAZZO, M. A. Travessias e limites: escritos sobre
identidade e o regional. Campo Grande, MS, Editora da UFMS, 2009.

BARROS, V. M. Atlas Campo Grande: Geográfico e Histórico. Campo Grande, MS.


Ed. Oeste. 2010.

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Municipal de Cultura. Campo Grande, MS, 2006.

GARCIA, D. S. Identidade Cultural e Imagem Turística Projetada da Cidade de


Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Tese (doutorado em Geografia). Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, PR, 2013. Disponível em
<http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/30030/R%20-%20T%20-
%20DANIELA%20SOTTILI%20GARCIA.pdf?sequence=1> Acesso em julho de 2016

87
MACIEL, M.L. Bodas de ouro de Anna Luiza e Antônio Luiz (04/03/1928). Fazenda
Bálsamo. Campo Grande, MS. Disponível em
<http://www.campograndems.net/fazbal/> Acesso em julho de 2016

MITIDIERO, M. B. O Museu José Antônio Pereira no ensino da história:


patrimônio, identidade e desenvolvimento local no contexto da territorialidade.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Local) -UCDB. Campo Grande, MS, 2009.

ORTIZ, R. A Moderna Tradição Brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São


Paulo, Editora Brasiliense, 1988.

PEREIRA, E. B. História da fundação de Campo Grande. Campo Grande, MS,


Editora da UFMS, 2001.

RAMOS, F.R.L. A danação do objeto: o museu no ensino de história. Chapecó: Argos,


2004

SCHWARZ, L. M. Complexo de Zé Carioca: Notas sobre uma identidade mestiça e


malandra, 1994.

88
ENSINO DE HISTÓRIA: A “AULA-VISITA” AO
MUSEU HISTÓRICO COMO METODOLOGIA
Eliane dos Santos Malheiros

Este trabalho é resultado da análise de uma metodologia aplicada no ensino de história,


sendo a aula de campo ao Museu Histórico de Londrina-Pr, Padre Carlos Weiss, a
atividade desenvolvida com alunos do Ensino Fundamental II (8° e 9° anos), do Colégio
Estadual Nossa Senhora de Lourdes, no período de 2008-2014.

O problema norteador, foi justamente, os apontamentos que nossos alunos do Ensino


Fundamental II apresentavam sobre suas percepções a respeito da disciplina de História,
classificando-a como essencialmente teórica, tediosa e distante da realidade vivida por
eles. Ressaltando que essa percepção não deve pode ser generalizada, pelo fato de que
muitos alunos se identificam com a disciplina, bem como a forma como esta é ensinada.

Nosso objetivo principal foi desconstruir este esteriótipo pejorativo associado à


disciplina de História. Assim, fomos motivados à planejar estratégias que
contribuíssem, no sentido de fomentarmos uma ressignificação a respeito deste
esteriótipo pré-estabelecido pelos alunos. Então, nos propusemos à desenvolver a “aula-
visita”, definição esta utilizada por Compagnoni (2009), ao Museu Histórico, como
metodologia aplicada no Ensino de História.

Ressaltamos que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), n° 9.394/96, em seu


Art. 36°, II, aborda sobre a importância da utilização de metodologias de ensino, bem
como, instrumentos avaliativos que incentivem a participação dos alunos. Tendo este
respaldo previsto na LDB (9.394/96), justifica e legaliza nossa proposta metodológica
em irmos além da forma tradicional de ensinar história, ampliando a abordagem
histórica restrita aos fatos históricos, as datas, as causas, e consequências, os nomes e
ações dos “grandes homens”, segundo Silva (2010), entre os séculos XVIII e XIX, foi
dado enfoque a história destes “grandes homens” pelos positivistas

Ao planejarmos desenvolver a aula-visita ao Museu Histórico com os alunos,


estabelecemos como nossos objetivos específicos: conscientizar nossos alunos sobre a
importância da fundamentação teórica na disciplina de história, como se fosse “um
alicerce”, primordial na elaboração do estudo e na formulação de hipóteses/ teorias,
destacando que a disciplina de História consiste em uma ciência investigativa, portanto
que requer sim um aprofundamento teórico. Este objetivo específico foi apontado no
sentido de refutar a ideia de que a disciplina de História é muito teórica, pois sabemos
que a teoria é imprescindível para o entendimento e sistematização da nossa prática.

O segundo objetivo específico, diz respeito a importância das fontes históricas,


classificando-as em três grupos: fontes escritas, não-escritas e orais. A preservação
documental, torna-se fundamental para a análise destas fontes, e o Museu Histórico
personifica este “laboratório de estudo das fontes”, portanto, têm um caráter dogmático,
tanto na obtenção, preservação e divulgação das fontes históricas.
89
Como terceiro objetivo específico, apontamos que a participação dos alunos consiste em
algo de extrema importância durante todo o processo de desenvolvimento desta
metodologia, pois o envolvimento destes contribuirá para os resultados, positivos [ou
não] desta atividade, fomentando para que se percebam como protagonistas na
construção da história, a partir da constatação de que são sujeitos históricos.

Destacamos que, compreender o contexto histórico em que está inserida a disciplina de


história, consiste em algo básico e importante, necessário antes de pôr em prática
qualquer metodologia de ensino, neste caso, a aula-visita ao Museu Histórico.

Schmidt e Cainelli (2009), trazem esta abordagem sobre a implantação da disciplina de


História, inserida a partir da revolução burguesa na França do século XVIII, cujas
reivindicações seriam “pela educação pública, gratuita, leiga e obrigatória” (SCHMIDT
& CAINELLI, p. 11, 2009).

As autoras traçam os caminhos que esta disciplina percorreu, ao ser legitimada enquanto
disciplina no Brasil, a partir do século XIX, no colégio Dom Pedro II, sendo que a
trajetória desta disciplina consiste em algo bastante complexo, sendo sustentada por
diferentes concepções e tendências historiográficas.

O panorama geral da fundamentação teórica que a disciplina percorreu no Brasil, é


abordado por Schmidt e Cainelli (2009), destacando que, inicialmente esta priorizava o
ensino da história da Europa Ocidental, e em segundo plano, abordava sobre a história
do Brasil nas séries finais do ginásio. Já no período republicano, a partir de 1889,
segundo as autoras, a concepção da disciplina de História adquire o caráter de formar
cidadãos, sendo que seus conteúdos tinham como tema central “a pátria”.

Schmidt e Cainelli (2009), apontam que, com a lei n° 5.692/71, houve a implantação da
disciplina de Estudos Sociais e, a disciplina de História ficou restrita apenas ao 2° grau,
com abordagem tradicional.

Após a ditadura militar, já na década de 1990, conforme observam as autoras, a História


passa por uma crise e abre possibilidades para amplas discussões e novos modelos
teóricos. Com a lei federal n° 9.394/96, a LDB aponta sobre a necessidade de um
currículo global, contendo os conteúdos mínimos que deveriam ser trabalhados, na
tentativa de padronizar o ensino nacional. Em 1997, são criados os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) pelo Ministério da Educação (MEC). A partir dos anos
2000, amplia-se as possibilidades de abordagens da história e memória, sob novas
perspectivas historiográficas, como a educação histórica, fomentando novas formas de
ensinar história, bem como, novos conteúdos.

Portanto, a atividade que desenvolvemos com os alunos dos 8° e 9° anos, entre os anos
de 2008 e 2014, consiste em uma metodologia para o ensino de história, cujos
pressupostos estão fundamentados na educação histórica, pois busca compreender as
situações de ensino e aprendizagem histórica, bem como as apropriações feitas pelos
alunos, tendo em vista que estamos trabalhando com situações concretas de
aprendizagem, conforme observa Barca (2012).

90
A metodologia desenvolvida com os alunos, abrangeu as seguintes etapas: primeiro,
fundamentação teórica, com análise de textos sobre memória/documento, como aborda
Jacques Le Goff (1996): “Estes materiais da memória podem apresentar-se sob duas
formas principais: os monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do
historiador” (LE GOFF, 1996, p. 535)

O aluno compreender como um material (registro, objeto, depoimento, por exemplo)


pode ser considerado um documento histórico, faz com que todo o trabalho
desenvolvido por ele tenha um significado muito maior, obtendo um olhar mais refinado
em relação a história.

Na segunda etapa os alunos foram divididos em equipes e, depois, foram sorteadas as


temáticas: história da cidade de Londrina, fontes históricas, evidências sobre a presença
feminina/masculina, através das fontes presentes no museu. A terceira etapa, foi a aula-
visita, em que cada grupo realizou, através de registros (fotografias, vídeos, áudios,
anotações) suas coletas de dados, observados no Museu Histórico. Na etapa final, cada
grupo fez sua análise de todo o processo, desde o levantamento teórico, a coleta de
dados (aula-visita), e estabeleceram de que maneira iriam apresentar aos grupos em sala
de aula, podendo utilizar como recursos: power point, cartazes, vídeo clipe, e trazendo
seus objetos para representar a catalogação das fontes (escritas, não-escritas e orais).

No decorrer destes anos de 2008-2014, cada turma que participou desta atividade da
aula-visita ao Museu Histórico (8° e 9° anos), foi visível a mudança nestes alunos
quanto a percepção sobre a história, tendo em vista que muitos deles apresentavam uma
visão estereotipada e pejorativa em relação a história, portanto, nosso objetivo geral foi
atingido, pois podemos constatar através da avaliação das apresentações das equipes,
bem como nas mudanças de posturas no decorrer do ano letivo, em que se posicionaram
como protagonistas na construção da história, observando-a de forma mais dinâmica,
crítica e contextualizada.

Aplicação desta atividade como metodologia para o ensino de história, possibilitou que
refletíssemos sobre a nossa postura enquanto professores de história, ao desenvolvermos
determinadas metodologias, poderemos estar contribuindo [ou não] para o aprendizado
dos alunos, bem como, fazer com que os alunos participem das atividades propostas, e
constatem a importância desta participação, representa que conseguimos contagiá-los.

Por fim, ao apresentarmos esta metodologia da aula-visita ao Museu Histórico de


Londrina, aplicada com alunos do Ensino Fundamental II (8 e 9 anos), bem como o
detalhamento das etapas percorridas na execução desta, temos a intenção de
compartilhar uma proposta de atividade à ser desenvolvida no ensino de história,
considerando que não se trata de uma “receita mágica”, mas de uma possibilidade
metodológica que, como tal, requer sistematização e persistência.

91
Referências

BARCA, Isabel, O papel da educação histórica no desenvolvimento social. In.


CAINELLI, Marlene; SCHMIDT, Maria Auxiliadora (org). Educação Histórica:
teoria e pesquisa. Ijuí : Ed. Unijuí, 2011.

___________. Ideias chaves para a educação histórica: uma busca de (inter) identidades
Hist. R., Goiânia, v. 17, n. 1, p. 37-51, jan./jun. 2012, 28 de maio de 2012

COMPAGNONI, Alamir Muncio. “ Em cada museu que a gente for carrega um


pedaço dele”: compreensão do pensamento histórico de crianças em ambiente de
museu.Curitiba, 2009.

Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica / Ministério da Educação.


Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Brasília:
MEC, SEB, DICEI, 2013.

LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de


dezembro de 1996.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. 4.ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.

LEME, Edson José Holtz. O teatro da memória: O Museu Histórico de Londrina –


1959-2000. Assis, 2013.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora & CAINELLI, Marlene. Ensinar história. São Paulo:
Scipione, 2009

PINSKY, Carla B. (org.) Novos temas nas aulas de História. 2 ed. São Paulo:
Contexto, 2010.

92
EDUCAÇÃO HISTÓRICA E A FORMAÇÃO DOS
FUTUROS PROFESSORES DE HISTÓRIA
Elizabete Cristina de Souza Tomazini

“Eu sabia que queria ser professora, por que gosto muito de ensinar e
sabia da importância que meu professores tiveram no meu processo de
crescimento como aluna e como pessoa”. [Bolsista Rosa]

Introdução

Este texto apresenta resultados parciais da pesquisa que estamos realizando para o
Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Londrina e tem como título
provisório ” APRENDER A SER PROFESSOR: CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO
HISTÓRICA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES (PIBID HISTÓRIA
/UEL 2011-2013)”, seu objeto central é analisar como a participação de licenciandos do
curso de História desta universidade, no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID), pode contribuir para a formação destes futuros profissionais . Para
tanto, foi estabelecido um recorte temporal que contemplou o Subprojeto de História do
referido programa entre os anos de 2011-2013, por entender que neste período foram
realizadas atividades pensadas a partir de diálogos com o campo da Educação Histórica.
A seguir analisaremos algumas pesquisas deste campo sobre a formação inicial dos
professores de História.

Educação Histórica

A Educação Histórica, Segundo Barca(2001), fortaleceu-se como campo de


investigação a partir da década de 1970 , trazendo como cerne das suas pesquisas “a
tarefa sistemática de estudar os princípios e estratégias da aprendizagem em História ,
de crianças , jovens e adultos” e entendendo que seu “pressuposto teórico, parte da
natureza do conhecimento histórico” e que o “pressuposto metodológico empreende a
análise de ideias que os sujeitos manifestam em e acerca da História” (BARCA, 2001,
p.13) . Com isso a autora defende que sujeitos de todas as idades podem aprender
história.

Porém, Barca(2001) ressalta que para essa aprendizagem ocorra é preciso refletir
tambem sobre “a formação em Ensino de História e as práticas decorrentes que para
Barca não podiam ser ignoradas ”(BARCA,2001,p. 14). Por isso, se faz necessário focar
a atenção do professor muito mais em fortalecer a progressão dos conhecimentos
históricos que os alunos apresentam , em detrimento das convenções quantitativas e
conteudistas presentes até então. Contudo isso só ocorreria se os professores tiverem a
clareza sobre como atuar dentro destas novas perspectivas, para isso, ela destaca que:
93
1-Será útil que os professores experienciem a pesquisa histórica e, com
base nele, aprofundem o debate em torno de conceitos inerentes ao saber
históricos.

2-O contacto com os resultados recentes da investigação sobre o


pensamento histórico de alunos e professores torna-se igualmente
imprescindível. Estes resultados poderão fornecer elemento para a
elaboração de materiais criteriosos e aplicar um ensino de História com
qualidade.(BARCA, 2001. P. 21)

Assim, o conhecimento não é mais um mero produto de descobertas espontâneas, nem é


transmitido mecanicamente pelo meio exterior ou pelo professor, mas sim, é "resultado
de uma interação com o meio físico, social e simbólica, na qual o sujeito é sempre um
elemento ativo, que procura compreender o mundo e resolver as interrogações que este
mundo provoca" (CAIMI, 2007. p. 26).

Schmidt e Garcia(2006) afirmam que a partir da década de 1980 “as pesquisas sobre
ensino de História têm crescido gradativamente no Brasil” e uma das questões que
despontaram foi a necessidade de “ melhorar a formação dos mestres e profissionalizar
o ofício de professor, desenvolvendo pesquisas que construíssem um repertório de
conhecimentos específicos sobre ensino[...]”( 2006. P. 16), pois muitas investigações
apontavam que melhorar a formação incial dos futuros professores poderia impactar nos
resultdos obtidos pelos alunos da Educação Básica.

Seria a experiência da Universidade Estadual de Londrina, realizada no PIBID, capaz de


transformar práticas ainda presentes no ensino de História como as aulas palestras, o
professor como detentor do conhecimento, o ensino de uma história linear e
conteudista? A participação num projeto que se pautou pelas ideias da Educação
Histórica sobre o ensino e aprendizagem poderia “lançar as sementes” para modificar
este quadro?

Monteiro (2001) defende que a formação inicial pode ser um importante momento na
constituição dos saberes do futuro profissional desde que ele se constitui-se como um
processo de formação continuada , pois assim ele possibilitaria trocas, sensibilizar e
instrumentalizar os futuros docente em diferentes situações que provavelmente acabaria
se deparando em sua vida profissional.Além disso, ela defende que o professor é
“sujeito do trabalho que realiza e não um simples repassador de saberes produzidos por
outros.” (MONTEIRO, 2001).

Assim, uma formação que privilegiasse a experiência pautada na teoria poderia ser um
caminho no sentido de ampliar e melhorar a formação oferecida ao licenciandos de
história. Cainelli (2008) afirma, que a História ensinada pertence ao domínio do saber
historiográfico e que seu estatuto é o mesmo da História erudita. É preciso entender o
conhecimento histórico na perspectiva da investigação histórica para se ter condições de
ensinar história. (CAINELLI, 2008, p. 3). Este pensamento, segundo a autora não é
recente e quando analisamos os currículos propostos desde a implantação do Ensino de
História no século XIX até os dias atuais percebemos que houve uma preocupação em
relacioná-los com os estudos historiográficos, porém nem sempre o saber histórico
produzido em sala de aula seguiu o rigor científico exigido pela academia.
94
Entre as produções acadêmicas que tem como objeto de estudo os professores
analisamos as pesquisas de Gago(2007) Theobald(2007), Feitosa(2009), Cainelli(2012),
Divardim Oliveira(2012), Sobanski(em andamento) ainda que não estritamente focadas
na formação inicial dos professores de História, essas pesquisas nos forneceram
subsídios para refletir sobre o nosso objeto.

Marilia Gago(2007) em sua tese de doutoramento” CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E


NARRATIVA NA AULA DE HISTÓRIA: CONCEPÇÕES DE PROFESSORES”,
destaca que as investigações sobre da Educação Histórica procuravam compreender
como se da o processo de ensino aprendizagem dos alunos da educação básica, a partir
de suas narrativas. Contudo a intervenção dos professores suscita a necessida de
identificar como este sujeito entende e constroi sua próprias narrativas e ideias sobre a
história.

Assim, a partir desta autora, podemos inferir que a formação do professor afeta a forma
como ele se relaciona com alunos e conteúdos escolares. Por isso, Gago(2007) propõe
analisar como isso se dá partindo de uma investigação onde ela se utiliza da
metodologia da Grounded Theory . Como questão central de sua investigação pretendia
identifcar os perfis conceituais que os professores de História apresentavam em suas
narrativas , entendida por ela como uma das face da consciência histórica. Em suas
conclusões apontava que “ os dados do estudo final sugerem existir uma relação entre o
perfil da consciência histórica dos participantes e os sentidos de aprendizagem dos
alunos.(GAGO, 2007, p. 355). Assim percebia que um debate sobre como
“operacionalizar as questões referentes a Epistemoloia do conhecimento social” era
necessário e urgente.

Para Gago(2007, p. 339), esses debates não poderiam ser feitos de maneira unilateral ,
mas sim num “ percurso a ser construido entre professores de História e
educadores/formadores de professores de História, entre a escola e o ensino superior,
visando contínuo crescimento profissional de forma transformadora”.

Também sobre a formação de professores Henrique Rodolfo Theobald(2007) em sua


dissertação “A EXPERIÊNCIA DE PROFESSORES COM IDÉIAS HISTÓRICAS: O
CASO DO ‘GRUPO ARAUCÁRIA’”, pesquisa a partir de um estudo de caso, como
os professores de História da rede de ensino do município de Araucária conceituam
História. Para tanto Theobald utiliza-se de algumas categorias presentes no arcabouço
das pesquisas da Educação Histórica como os conceitos de idéias históricas substantivas
e idéias históricas de segunda ordem de Lee . A partir dessa identificação buscou

categoriza-las na perspectiva da tipologia de consciência histórica


desenvolvida por Jorn Rüsen: tradicional, exemplar, crítica e genética,
para verificar a presença da idéia predominante e a ocorrência de
possíveis mudanças na estrutura da consciência histórica por meio das
idéias expressas pelos professores.(THEOBALD, 2007, p. X)

Para Theobald(2007, p.52) a atividade de ensino exige, assim como a atividade de


pesquisa, uma qualificação específica. “ Assim, para que a prática educativa se realize
em função da atividade de pesquisa, é necessário que sejam fornecidos os meios
adequados para a produção do conhecimento”
95
Para pensar a formação dos professores na perspectiva da Educação Histórica Thiago
Augusto Divardim de Oliveira(2012) “A RELAÇÃO ENSINO E APRENDIZAGEM
COMO PRÁXIS: A EDUCAÇÃO HISTÓRICA E A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES”,

Defende a necessidade de incorporar a discussão sobre a teoria da


Consciência Histórica, desde a formação dos professores até o
desenvolvimento dos programas da disciplina para a melhoria do ensino de
história como indicação a todos que pretendem realizar bem as funções que
se relacionem a história, seja como pesquisador ou como professor.
(OLIVEIRA, 2012, p. 1)

Partindo das ideias que aponta que a capacidade de orientar-se no tempo seria a nossa
consciência histórica (RÜSEN,2001), Divardim de Oliveira(2012) investigou junto a
professores da rede publica de Araucária como estes constituiam o conceito de
aprendizagem histórica a partir das ideias de Rüsen (1992; 2001; 2006; 2007; 2009 e
2010), Schmidt (2009; 2010 e 2011), Barca (2006) Lee (2006). Como resultados de sua
pesquisa aponta que

[...]as consciências históricas dos professores entrevistados estão


perspectivadas pelo referencial da educação histórica.[...]Os professores
demonstraram preocupações com a dimensão ética da consciência histórica
dos alunos, e o sentido apontado através da práxis está na intervenção
pautada na humanização. O conceito humanização foi identificado nas
respostas dos professores e sistematizado a partir de um diálogo entre a
epistemologia da História de Jörn Rüsen e a teoria educacional de Paulo
Freire, cruzando os dois campos teóricos pertencentes a educação histórica:
o campo da teoria da história e o campo da educação. Tais resultados
permitem apontar que o ensino de História pode auxiliar no
desenvolvimento de consciências históricas mais complexas e
humanizadas.(OLIVEIRA, 2012, p. 11)

Outra pesquisa que busca refletir sobre os impactos da formação inicial no futuro
docente foi realizada por Mariana Reis Feitosa (2009), que em sua dissertação “O
LUGAR DA PRÁTICA DE ENSINO E DO ESTÁGIO SUPERVISIONADA NA
FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE HISTÓRIA: UM ESTUDO SOBRE O
CURSO DE HISTÓRIA DA UNESP/ ASSIS”, em seus estudos entrevistou egressos do
curso de História da Universidade Estadual Paulista, e identificou que a “Universidade
ainda discute pouco, ou de forma sutil a formação de professores”( FEITOSA,2007, p.
7). Para ela esta situação deveria servir como um “alerta para uma revisão a respeito da
preparação de professores por parte de docentes e discentes do referido curso e de
outros cursos de licenciatura.”(FEITOSA, 2007, p. 7)

Feitosa (2009) destaca que essa necessidade em repensar da formação dos professores
poderia ser explicada pelo, aparente, distanciamento das universidades em relação à
Educação Básica, e pela percepção de que existiria um pretenso privilégio da pesquisa
e da pós-graduação, em detrimento aos, cursos de graduação, principalmente, as
Licenciaturas.

96
Rita de Cássia Gonçalves Pacheco dos Santos em sua tese “A SIGNIFICÂNCIA DO
PASSADO PARA PROFESSORES DE HISTÓRIA” entende que

O professor de História, também um historiador, pode ser entendido como


um sujeito historicamente situado e com maneiras específicas de ver e
entender o mundo que o cerca. Sendo assim, estudar as formas como
entende a epistemologia da ciência de referência – História auxilia no
entendimento de como ele se relaciona com a disciplina que
trabalha.(SANTOS, 2013, p.25)

Ou seja, como os outros autores aqui citados identifica que o professor de História
carrega para as suas atividades profissional ideias que podem interferir e influenciar a
forma e o que ele trabalha com os alunos da Educação Básica. Em sua pesquisa
investiga um grupo de professores da rede pública de Curitiba (Paraná), entendendo que
“são sujeitos importantes dentro do contexto escolar e estudar suas ideias e suas crenças
auxilia o entendimento do processo de aprendizagem histórica”(SANTOS, 2013, p. 26)

Sobanski(2015), em pesquisa para doutoramento, que se encontra em fase de


finalização, investiga como professores apropriam da teoria da Educação Histórica e
as insere em suas práticas na sala de aula. Assim como Theobald e Divardim , a autora
realiza seus estudos a partir de um grupo de professores da Rede Estadual e Municipal
da região de Curitiba( Paraná) e suas experiências de formação continuada tendo como
referencial teorico as pesquisas da Educação Histórica.

Sobanski(2015) entende que identificar como esses sujeitos conceituam História e se


relacionam com algumas ideias como conhecimentos previos, narrativa, conteúdos
substantivos e de segunda ordem podem promover uma reflexão sobre como ensinar,
o que ensinar, que resvalaria no currículos escolares, cursos de formação e de
atualização.

Conclusões parciais

Apresentamos aqui algumas obras que investigam o professor a partir do campo teórico
da Educação Histórica, na maioria delas percebemos que a formação inicial tem um
papel significativo na forma como este profissional desempenha suas funções em sala
de aula. Ideias que já eram debatidas por Cainelli(2001), quando esta apresenta
importante discussão sobre a formação que se deveria oportunizar aos licenciandos do
curso de História.

Partindo de sua experiência como professora da área de Metodologia e Prática de


Ensino, no departamento de História, da Universidade Estadual de Londrina, a
pesquisadora identifica que era preciso refletir sobre a formação oferecida nos cursos de
História, pois esta se baseava num curriculo dualista do qual poderiamos trazer alguns
questionamentos “Ser professor é uma profissão que se aprende? Ou acredtiamos que
basta ter contéudo? Ou basta ter talento?” ( CAINELLI, 2001, p. 73). Partilhamos com a
autora dessas indagações e são elas que trazemos para nossa investigação: “Como se
aprende a ser professor ?”
97
Referências

BARCA, I. Educação Histórica: uma nova área de investigação. Revista da faculdade


de Letras-História. Porto III Série . volume 2. 2001. Pp. 013-021

CAIMI, Flavia Eloisa. Por que os alunos (não) aprendem História? Reflexões sobre
ensino, aprendizagem e formação de professores de História. Revista Tempo, Rio de
Janeiro. v.11, n. 21, 2007 Disponível em:
http://www.historia.uff.br/tempo/site/?cat=49. Acesso em: 30 de Abril de 2012

CAINELLI, Marlene. A relação entre conteúdo e metodologia no ensino de História:


apontamentos para repensar a formação de professores, bacharéis ou profissionais da
História. Saeculum–Revista de História, v. 6, 2001

_________________. "Os saberes docentes de futuros professores de história: a


especificidade do conceito de tempo." Currículo sem Fronteiras 8.2 (2008b): 134-147.

OLIVEIRA, Thiago Augusto Divardim de. A relação ensino e aprendizagem como


práxis: a educação histórica e a formação de professores. Mestrado, UFPR. Curitiba,
2012.

FEITOSA, Mariana Reis. O lugar da Prática de Ensino na formação inicial do


professor de história: um estudo sobre o curso de história da UNESP, campus de
Assis. Londrina, 2009.(Dissertação)

GAGO, Marilia. Consciência Histórica e Narrativa: concepções de professores.Tese


de Doutoramento. Braga: IEP, Universidade do Minho. 2007

MONTEIRO. Ana Maria. A prática de ensino e a formação inicial de professores.


2001. in: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/0032a.html Acesso
em agosto de 2016.

SANTOS, Rita de Cássia Gonçalves Pacheco dos A significância do passado para


professores de História (Tese) Curitiba, 2013.

SCHMIDT,M. A. GARCIA, T. M. B. Pesquisas em Educação Histórica: algumas


experiências. Educar, Curitiba, Especial, p. 11-31, 2006. Editora UFP

SOBANSKI, Adriane Quadros. "Formação dos professores de história: educação


histórica, pesquisa e produção de conhecimento." História & Ensino 20.2 (2015): 129-
142

THEOBALD, Henrique Rodolfo. A Experiência de Professores com Ideias


Históricas: o caso do “grupo Araucária”. 2007. 240 f. Diss. Dissertação (Mestrado em
Educação)–Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2007.

98
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ARQUIVO
PÚBLICO DO RS: MEMÓRIA, JUSTIÇA E ENSINO
DE HISTÓRIA
Erick Vargas da Silva

Neste trabalho buscaremos apontar aspectos do diálogo possível (e necessário) entre o


ensino de História e a Educação Patrimonial, a partir das reflexões decorrentes da
experiência da oficina “Resistência em Arquivo: Patrimônio, Ditadura e Direitos
Humanos”, desenvolvida no Arquivo Público do Estado do RS (APERS).

A oficina “Resistência em Arquivo” se insere no esforço que recentemente a APERS


tem desenvolvido na realização de oficinas de educação para o patrimônio, sendo esta
oferecida desde setembro de 2013. Esta oficina nos permite refletir sobre as
potencialidades no trabalho conjunto entre ensino de história e a educação patrimonial.
Ao trazer documentos que trazem histórias de personagens que foram vítimas da
violência de estado praticadas durante o período da Ditadura civil-militar de 1964, a
oficina permite uma aproximação e da materialidade a este período histórico para um
conjunto de estudantes do ensino médio.

Em uma temática como a do ensino sobre a ditadura, levantam-se questões sobre a


pertinência do uso da memória no ensino de História, sobre a relação entre o direito a
memória e o ensino e sobre como estas dimensões seriam indissociáveis do conceito de
Justiça. Como incorporar e trabalhar com alguns destes aspectos, na prática de ensino de
História em educação básica, é um desafio que está colocado e que buscaremos apontar
alguns de seus elementos.

A Educação Patrimonial no espaço do Arquivo Público do RS

A fundação da APERS data de 1906 e levaria pouco mais de um século para que viesse
a se abrir para a realização de ações educativas, através de uma parceria com a
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) a partir de 2008. Esta recente
abertura da APERS para as ações educativas representa uma importante mudança no
perfil da própria instituição, que corrobora para uma alteração do papel desempenhado
pelos Arquivos Públicos no país. “As ações educativas ainda representam uma atividade
que se desenvolve na menor parcela dos arquivos públicos brasileiros.” (RIBEIRO;
TORRE, 2012, p.67). Lacuna que talvez ajude a explicar o certo distanciamento
colocado entre tais instituições e a população em geral.

Romper com o distanciamento entre as instituições patrimoniais e a sociedade é um


caminho muitas vezes tortuoso e sujeito a diversos percalços. Esta distância não ocorre
apenas devido a ações e escolhas pontuais e arbitrárias de determinadas instituições,
mas se inserem em largos processos de distanciamento entre o popular e o patrimonial,
99
como reconhece o próprio IPHAN, que “(...) nem sempre a população se identifica ou se
vê no conjunto do que é reconhecido oficialmente como patrimônio cultural nacional.”
(2014, p.20). Entre as alternativas e políticas decorrentes para a alteração desta situação,
que não adentraremos por escapar ao espaço do presente trabalho, as ações educativas
mostram-se como um instrumento valioso de aproximação junto a comunidade.
“Cultivar a relação entre esses dois polos – acervo e comunidade –, fortalecendo os elos
de pertencimento e de identidade, pode contribuir para a atribuição de valor simbólico
aos arquivos e para a ampliação do entendimento da noção de cidadania dos
consulentes.” (RIBEIRO; TORRE, 2012, p.74)

Atualmente são desenvolvidas três oficinas de educação patrimonial na APERS,


destinada para públicos específicos. A oficina “Os Tesouros da Família Arquivo”,
voltada aos alunos do 6º e 7º anos do Ensino Fundamental; a “Desvendando o Arquivo
Público: historiador por um dia” para os 8º e 9º anos do Ensino Fundamental e a
“Resistência em Arquivo: Patrimônio, Ditadura e Direitos Humanos” para estudantes do
Ensino Médio e de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Esta última foi escolhida
como objeto do presente artigo por entendermos que ela possibilita abordarmos uma
questão sensível e pertinente ao ensino de História que é a temática da Ditadura civil-
militar e a sua relação com os temas da memória e justiça.

A ditadura de 1964: direito a memória e a justiça

O tema do golpe de 1964 e o regime ditatorial que segui-se até o ano de 1985, tem
ganhado no último período uma importante visibilidade na sociedade como um todo. Ao
se completarem os 50 anos do golpe neste ano de 2014, suscitou-se um importante
debate sobre a memória destes acontecimentos e a busca por justiça as violações
praticadas pelo regime ditatorial. Ao longo dos últimos anos, diversos atores da
sociedade civil têm pressionado o Estado brasileiro em busca de reparações e
reconhecimento, fomentando um maior ativismo social em torno do tema. A memória
como um objeto de luta de movimentos sociais se faz cada vez mais presente, como
podemos observar nas mobilizações em diversos pontos do país para alteração de nomes
de lugares e espaços públicos que prestam homenagens a agentes da ditadura. A
instalação da Comissão Nacional da Verdade, em 16 de maio de 2012, ainda que com
seus limites de atuação, representou um importante avanço no reconhecimento do
Estado sobre a necessidade de um ajuste de contas entre a verdade e a memória em
nosso país.

Tomando os devidos reparos e cautela, esse novo ambiente, de alguma forma faz
emergir uma revigorada noção de “dever de memória” ou “direito a memória” -
conceito talvez mais adequado a realidade brasileira - onde a memória deve se articular
a noção de justiça.

A afirmação do dever de memória, nos dias de hoje, remete, portanto, à


ideia de que cada grupo social, em outro tempo vítima, e hoje herdeiro da
dor, pode reivindicar a celebração de seus mártires e heróis, bem como o
reconhecimento pelo dano sofrido e uma forma de reparação. Nesse sentido,
defender o dever de memória é afirmar a obrigação que tem um país de
100
reconhecer o sofrimento vivido por certas categorias da população,
sobretudo na medida em que o Estado tem responsabilidade nesse
sofrimento. (HEYMANN, 2006, p.7)

Se é um fato que inegavelmente muito se avançou no Brasil nestes últimos anos, ainda
temos um longo percurso a ser trilhado para romper com certos “esquecimentos”, sejam
eles deliberados ou involuntários. O direito a memória e a justiça se apresentam como
uma questão inconclusa na sociedade brasileira, “a evocação pública dessa memória não
remete a uma obrigação socialmente compartilhada" (HEYMANN, 2006, p.21), sendo
este um embate que ainda seguirá na “ordem do dia” no debate público. O ensino de
História pode e deve ser pensado incorporando criticamente esta problemática.
Possibilitando a docência em História ganhar uma importante dimensão reflexiva ao
empreender um esforço de ligar a prática educativa ao debate da memória.

O uso da memória e o ensino de História

Refletir o ensino de História e o uso da memória pressupõe escolhas e posturas por parte
do professor. Se como apontou Nora, "a memória é um tipo de justiça", o professor de
História deveria empreender este esforço em sua prática docente, pois "hoje em dia, a
História deve proporcionar o conhecimento, mas a memória dá o significado."
(NORA,2009, p.9). O que pode decorrer desta noção uma perspectiva de
complementariedade entre a História e o uso da memória. As opções efetuadas pelo
docente na busca por significados se dá em condições que envolvem uma tensão entre a
História e o uso da memória. As fronteiras que delimitam os espaços de cada uma
destas dimensões nem sempre são nítidas e pacíficas.

A utilização da memória no ensino de História pressupõe certos cuidados com relação


ao papel que cada uma ocupa. “Se a memória propicia o reconhecimento, é necessário
admitir que a história se faz no conhecimento. Sem as interferências da história, a
memória costuma transformar o temporal em eterno, o sentimento em ressentimento.”
(RAMOS, 2010, p.407). O professor de História, assim, deve ter a cautela de não se
utilizar da memória descolada dos conhecimentos históricos, do aporte conceitual e
metodológico que propicie uma perspectiva problematizadora, que a situe em processos
históricos mais amplos.

Memória e justiça são questões que se apresentam de maneira indissociáveis no ensino


de História sobre o tema da Ditadura de Segurança Nacional. Se por um lado temos hoje
uma maior visibilidade ao tema, como mencionado acima, e inúmeras pesquisas a
fornecerem valiosos instrumentos para uma melhor compreensão do período por parte
do docente, por outro, “há inúmeras lacunas na implementação de políticas de memória
mais amplas”, que deem conta da superar uma série de desafios postos no campo do
ensino, como por exemplo, “a falta de diretrizes específicas para a inserção destas
temáticas na escola e a produção de materiais didáticos que venham a instrumentalizar
os professores para a sua abordagem em sala de aula.” (PADRÓS; GASPAROTTO;
ASSUMPÇÃO, 2013, p.45).

101
Nesta perspectiva, buscando contornar a tensão entre o ofício da História e a memória,
preenchendo algumas das lacunas para a prática de ensino, que se coloca a importância
das Ações Educativas para o ensino de História na educação básica.

A oficina como espaço de aproximação entre memória e ensino de História

O uso eficaz de instrumentos de memória na prática de ensino de História podem


possibilitar pontes entre o passado e o presente no processo educativo. Processo que
envolve diversos fatores, aos quais podemos destacar desde a problematização das
fontes a serem escolhidas para a ação educativa, onde deve se operar um esforço de
aproximação entre os objetos de memória e o estudante. “Os acervos documentais,
como parte do patrimônio cultural de uma dada coletividade, não podem ser
desvinculados desses sujeitos nos projetos educativos.” (RIBEIRO; TORRE, 2012,
p.74).

A oficina “Resistência em Arquivo” utiliza-se como objeto de memória processos


administrativos gerados durante os trabalhos da Comissão Especial de Indenização,
criada em 1997 para avaliar pedidos de indenização financeira de ex-presos políticos
durante o período ditatorial. Entre os cerca de 1.704 processos recolhidos na APERS,
foram selecionados seis que buscaram compor um panorama das diferentes vítimas do
regime: Eloy Martins (dirigente do PCB, vitima da ditaduras do Estado Novo e de pós-
1964), Emilio Neme (militar ligado a Leonel Brizola perseguido pelo regime), Alcides
Kitzmann (agricultor do interior do RS que teve a família vítima de torturas), Cláudio
Gutierrez (militante do movimento estudantil e preso político), Ignes Serpa e Nilce
Azevedo (mulheres militantes de esquerda vitimas de torturas). Ao dar um rosto, um
nome, uma trajetória, a oficina aproxima e da materialidade a este período histórico para
os estudantes.

Em sua metodologia, a oficina “Resistência” estimula um envolvimento prévio do


professor junto a turma, com o envio de um texto elaborado pela equipe do projeto, que
busca instigar e introduzir o tema para a turma antes da visita ao APERS. Organizada
em diferentes etapas, em sua maioria com um envolvimento direto dos estudantes nas
atividades, a oficina permite que o conjunto da turma tenha contato não apenas com os
diferentes personagens apresentados nas “caixas educativas”, mas em seu conjunto,
possibilitam uma associação entre a memória e a história do período. O que se
comprova pela reação dos alunos, que combina reações que vão desde a surpresa frente
a situações até então desconhecida por eles indo até mesmo uma identificação com as
histórias e trajetórias dos personagens apresentados.

As questões, problemas e os diferentes saberes estimulados e levantados pela oficina,


permitem estabelecer uma relação entre a História, direito a memória, justiça e verdade.
A continuidade destas discussões em sala de aula possibilitariam o aprofundamento de
uma série de questões relevantes para uma enriquecida compreensão crítica do período.
Atividades que busquem complementar ou aprofundar alguns aspectos do período – a
censura, a violação dos direitos humanos, as “heranças” da ditadura nos dias de hoje, etc
- poderia ser um bom caminho a ser trilhado. “A história serve para que se perceba o
ser do presente como devir, como parte de um processo marcado por rupturas e
102
descontinuidades, mas também por continuidades e permanências.” (JUNIOR, 2012,
p.31).

O ensino de História, associado a ações de educação patrimonial, pode viabilizar um


enriquecido uso da memória em sala de aula. Operando uma aproximação da escola
com outros espaços de saberes, conferindo ao ensino uma maior amplitude. “A escola
como instituição fechada em si, que transmitia saberes para uma escola que se coloca
em diálogo com outros espaços de educação” (GIL, 2013, p.160)

Conclusões

A experiência da oficina “Resistência em Arquivo” da APERS nos permitiu observar


algumas das múltiplas potencialidades do ensino de História associado a educação
patrimonial, área que possivelmente poderemos ainda ampliar significativamente seu
alcance e abrangência. Esta nossa breve experiência apontou para uma nítida
sensibilização dos alunos participantes da oficina sobre o tema. O contato do estudante
com espaços de preservação da memória, possibilitam que a experiência educativa
incorpore uma gama maior de elementos. As questões relacionadas a memória e justiça
se apresentam, a nosso ver, de maneira indissociável no ensino de História sobre a
temática (mas não apenas) da ditadura civil-militar.

O direito a memória e a justiça, para o docente de História se inscreve no próprio


compromisso ético a ser assumido no ofício de historiador. Como apontava Benjamin,
“O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do
historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo
vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.” (2009, p.68). Superando uma
história dos “vencedores” e dos grandes feitos, que incorpore aqueles que resistiram, o
Historiador restabelece o direito a memória aos “vencidos” pela “marcha da história”.
Onde se busca despertar em elementos do passado as “centelhas da esperança” que
podem incendiar a “pólvora” no presente, trazendo assim a dimensão da justiça a
memória e a História.

Bibliografia

BENJAMIN, Walter. Conceptos de filosofía de la historia. Buenos Aires: Terramar,


2009.

GIL, Carmem Zeli de Vargas. Patrimônio Cultural e ensino de história: reflexões sobre
a remoção de uma vila de classes populares. In: GASPAROTTO, A. et al. Ensino de
história no CONESUL: Patrimônio cultural, territórios e fronteiras. Jaguarão:
Evangraf, 2013.

HEYMANN, Luciana. O "devoir de mémoire" na França contemporânea: entre a


memória, história, legislação e direitos. Rio de Janeiro: CPDOC, 2006.

IPHAN. Educação Patrimonial : histórico, conceitos e processos. 2014


103
JÚNIOR, Durval Muniz de Albuquerque. Fazer defeitos nas memórias: para que serve o
ensino e a escrita de história? In: ROCHA, Helenice; REZNIK, Luís; MONTEIRO, Ana
Maria. Qual o valor da História hoje?. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.

RAMOS, Francisco Régis Lopes. Uma questão de tempo: os usos da memória nas
aulas de história. In: Cadernos Cedes, vol.30, nº82. Campinas: Unicamp, 2010.

RIBEIRO, Raphael Rajão e TORRE, Michelle Márcia Cobra. Diálogos com a


Educação Patrimonial e o Ensino de História em Instituições Arquivísticas: ações
educativas no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. Revista Acervo do
Arquivo Nacional Vol.25, nº1. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012

NORA, Pierre. Memória: da liberdade à tirania. In: MUSAS. Revista Brasileira de


Museus e Museologia, nº4. Rio de Janeiro: IBRAM, 2009.

PADRÓS, Enrique Serra, GASPAROTTO, Alessandra e ASSUMPÇÃO, Marla.


Ditaduras civil-militares do Cone Sul: experiências de trabalho e práticas para a sala de
aula. In: GASPAROTTO, A. et al. Ensino de história no CONESUL: Patrimônio
cultural, territórios e fronteiras. Jaguarão: Evangraf, 2013.

104
ENCENANDO O PASSADO: A TRAGÉDIA GREGA
NA SALA DE AULA
Erivaldo Cavalcanti dos Santos Jr

Em suas origens, na Grécia, o teatro surge da tradição oral, que por meio da fusão entre
a música e a poesia (Ditirambo), traduzia num coro seus louvores aos deuses, sobretudo
com exaltações direcionadas ao deus Dionísio. Estes coros, inicialmente formados por
dois grupos de dez pessoas, sendo dez homens e dez rapazes (CASTIAJO, 2012, p.
103), apresentou uma série de evoluções, sendo o mais notável progresso, introduzido
por Téspis, creditado como o primeiro a se distinguir do coro e interpretar as narrativas
de seus antepassados.

Com o progressivo aperfeiçoamento do teatro, e o crescimento dos Festivais


Dionisíacos, as interpretações aliadas aos enredos cada vez mais complexos ganharam
maior relevância, visto que, os dramaturgos buscavam explorar os elementos políticos e
pedagógicos existentes no teatro. Dessa forma, o teatro grego converteu-se num
complexo enfrentamento de ideologias, que até dias atuais desperta interesse nos
profissionais de História.

De fato, tanto na tragédia como em especial na Comédia Antiga, isto é, na


comédia ateniense do século V a.C, tem sido assinalada a presença de
intenção e reflexos políticos. O dramaturgo equacionava nas suas peças os
problemas fundamentais da polis, procurando oferecer possibilidades de
solução e, dessa maneira, atuar pedagogicamente sobre os cidadãos reunidos
no teatro. Esta ambição de intervir civicamente, isto é, de educar o povo,
apoia-se, como já referi, na tradição que atribui à poesia uma função
pedagógica. Ora, mesmo nessa perspectiva restrita, a formação do cidadão
era uma atividade de carácter eminentemente político, não só por razões de
moralidade como até por motivos epistemológicos. (OLIVEIRA, 1993, p.
71).

Ainda que o fascínio pelo teatro grego fosse existente por parte dos historiadores e o
desejo de portar estes elementos pedagógicos do teatro para a educação fosse existente,
uma relutância à introdução de novas metodologias no currículo escolar do ensino de
História se fazia maioria. A herança ainda pulsante dos acadêmicos, principalmente os
do século XIX, o que tornava inviável a utilização das artes como fonte (WHITE, 1994,
p.40-41).

No século XX, com a difusão das novas correntes de pensamento, sobretudo as ideias
propagadas pelos historiadores franceses, foi possível vislumbrar um enfrentamento aos
antigos paradigmas existentes na produção historiográfica. Estas correntes de
pensamento surgem com o objetivo de repensar o ofício do profissional da História e
principalmente de problematizar o passado. Posteriormente estes debates foram
amplificados e levados para o âmbito educacional.

105
"É bem possível que a tarefa mais difícil que a atual geração de
historiadores é chamada a realizar seja expor o caráter historicamente
condicionado da disciplina histórica, presidir a dissolução da reinvindicação
de autonomia que a história mantém com respeito às demais disciplinas e
promover a assimilação da história a um tipo superior de investigação
intelectual que, por estar fundada numa percepção mais das semelhanças
entre a arte e a ciência que das suas diferenças, não pode ser adequadamente
assinada nem por uma nem por outra". (WHITE, 1994, p. 41)

No Brasil, a influência da Escola Nova gerou constantes críticas à metodologia de


ensino vigente. O que levou alguns educadores durante os anos 60 a defenderem uma
renovação no ensino, levando a uma revisão na metodologia. Inicialmente, “prevalecia à
concepção de que o conteúdo das disciplinas escolares era apenas um meio de para
atingir determinado tipo de aprendizado” (BITTENCOURT, 2008, p. 225). Os avanços
na maneira de repensar a metodologia de ensino continuaram durante a próxima década.

Conduzidos pelos avanços tecnológicos, os educadores, principalmente das ciências


humanas, passaram a introduzir os audiovisuais nas salas de aula. As transparências
contendo mapas, relevos, planícies ofereciam maior imersão, mesmo que mínimo, um
avanço. Apesar dos constantes debates, ainda não era possível visualizar a inclusão do
teatro como metodologia de ensino para a História, visto que os chamados “métodos
tradicionais” correspondiam à ampla maioria nas escolas. Cenário este que viria a ser
modificado na a partir dos anos 80.

“Os anos 80 foram momentos de intensos debates sobre a renovação do


ensino de História, nos quais igualmente ocorreram as questões acerca de
seu método de ensino, em razão de sua caracterização como disciplina que
exige do aluno apenas ‘saber de cor’ nomes e datas de fatos e personagens
ilustres. Nesta época de debates muito intensos, como foi assinalado
anteriormente, aprofundou-se o problema do método tradicional e foi então
possível compreender melhor o significado das relações entre método e
conteúdo” (BITTENCOURT, 2008, p. 227).

Ainda nesta mesma década, houve um acirramento no debate sobre a renovação dos
métodos de ensino. De um lado estavam aqueles que defendiam a plena renovação dos
métodos de ensino de História, alegando que a “História tradicional” já não
correspondia aos novos questionamentos dos estudantes e que a grade curricular e seus
extensos e abrangentes conteúdos não envelheceram bem. Por outro lado, os
“tradicionais” afirmavam que grande parte destas experiências já haviam sido testadas e
em poucas ocasiões obtiveram resultados relevantes.

Apesar dos constantes combates de ideias, por fim, existiu-se o consenso entre as partes.
Os “tradicionais” tornaram compreensíveis seus argumentos aos “inovadores” de que é
inviável por muitas vezes desfazer-se dos métodos que fazem o ambiente escolar ser o
ambiente escolar. Por sua vez, os inovadores também se fizeram compreender aos
tradicionais a necessidade de modificar os métodos de ensino as diferentes formas de
aprendizado e as diferentes condições culturais e sociais dos estudantes. Com esse
consentimento de ambas as partes, tornou-se possível, enfim, ao teatro ocupar o devido
espaço como um método para o ensino de História.
106
“O desejo de mudanças para melhor desempenhar o trabalho com os alunos
tem estado presente na história da prática docente, mas é preciso entender
que métodos e conteúdos se constroem historicamente e fazem parte de uma
produção escolar sedimentada e incorporada pela sociedade. As mudanças
de métodos e conteúdos precisam ser entendidas a luz de uma ‘tradição
escolar’, sendo necessário perceber, por intermédio desse conceito, dois
aspectos fundamentais. [...] Outro aspecto a ser levado em conta no processo
de renovação é o entendimento de que muito do ‘tradicional’ deve ser
mantido, porque a prática escolar já comprovou que muitos dos seus
conteúdos e métodos escolares tradicionais são importantes para a formação
dos alunos e não convém serem abolidos ou descartados em nome do
‘novo’”. (BITTENCOURT, 2008, p. 229).

A alternativa de inserir o teatro como método de ensino de História, possibilitou aos


docentes uma seleção de temáticas para provocar os estudantes a se aprofundarem em
temas outrora irrelevantes a sua existência. A atuação viria a aproximar os alunos do
período histórico o qual se propõe a estudar, fazendo-lhes compreender que as
problemáticas debatidas em tempos passados continuam sendo questionadas no tempo
presente.

O teatro grego então se apresenta como uma ferramenta valiosa para a criação de pontes
conectando o passado que aparentemente está isolado e intocável com a nossa realidade.
Esta característica de comparar a Antiguidade e o tempo presente é maior aproveitada se
o docente apresenta conhecimento prévio das obras utilizadas e, quando o mesmo se
propõe a adaptar o enredo das peças, reduzindo e mesmo simplificando alguns diálogos
e suavizando algumas temáticas de maior densidade. Estas práticas que parecem claras a
aqueles que pretendem utilizar o teatro como método de aprendizagem ou mesmo como
fonte, porém, no ambiente escolar, a realização destas pequenas atividades de maneira
prévia tende a poupar o tempo hábil para executar tais projetos.

As tragédias gregas tem maior utilização em ambientes escolares, pois, trás como
característica personagens de grande personalidade, envolvidas em intrínsecos dramas
pessoais com grande carga emocional. O enredo, o destaque maior do espetáculo
trágico, era utilizado pelos tragediógrafos como um espelho perverso da sociedade
ateniense, e questionava poderes políticos e sociais.

Importante salientar também a característica fundamental da tragédia, a identificação


com as adversidades vividas pelos personagens. Este fator de atração carrega o
espectador para o drama, e este por fim, identifica-se com o protagonista, levando ao
que Aristóteles em A Poética chamou de Catarse (Kathársis). Este processo de
identificação, segundo Aristóteles era responsável por purificar a alma utilizando-se da
descarga emocional provocada da passagem do personagem principal da felicidade para
a infelicidade (ARISTÓTELES, 2003, p. 36).

A Catarse será um dos elementos da tragédia que justificam sua utilização em sala de
aula, não a purificação da alma, mas a identificação com a problemática apresentada e
ao identificá-la trazer estas questões para o nossos tempos, tomadas as devidas
proporções, baseado nas experiências transmitidas pelos heróis trágicos e as lições
retiradas das peças de teatro.
107
Pode-se, por exemplo, citar Antígona, tragédia pertencente a Sófocles, que narra a
persistência de uma mulher, que na antiga Grécia tinha suas atuações limitadas ao
ambiente doméstico, em desafiar as imposições tiranas de Creonte, rei de Tebas seu tio.
Antígona rebela-se contra suas limitações políticas e domésticas, travando um combate
pelo seu espaço na sociedade, tal qual as mulheres que nos dias atuais ainda buscam
posições de maior destaque na sociedade. Ou mesmo os dramas vividos por Hécuba em
As Troianas de Eurípides, que mostra o lado inglório dos vencedores de um combate e o
drama dos derrotados, o mesmo drama que assistimos diariamente nos meios de
comunicação.

Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES. Arte Poética. São Paulo: Martin Claret, 2003.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e


métodos. São Paulo: Cortez, 2008.

CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

CASTIAJO, Isabel. O Teatro Grego em Contexto de Representação. Coimbra:


Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012.

CHEVITARESE, A. L; CORNELLI, G.; SILVA, M. A de O. (Org). Tradição Clássica


e o Brasil. Brasília: Archai/UNB/Fortium, 2008.

GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013.

LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: Danças, Piruetas e Mascaradas. Belo


Horizonte: Autêntica, 2013.

OLIVEIRA, Francisco de. Teatro e Poder na Grécia. Humanitas, Coimbra, v. 45, p. 69-
94, 1993.

WHITE, Hyden. Trópicos do Discurso: Ensaios Sobre a Crítica da Cultura. São


Paulo: EdUsp. 1994.

108
“A TERRA ENTRE OS RIOS”: O ENSINO DE
HISTÓRIA SOB UM NOVO VIÉS
Fernanda Carolina Pereira dos Santos
Heloisa dos Santos Santana

O Oriente Médio foi palco de mudanças decisivas na história da humanidade: o


nascimento das primeiras cidades, a invenção da escrita e do Estado que depois se
espalham para as regiões circunvizinhas. A Baixa Mesopotâmia emerge nesse cenário
como um dos primeiros agrupamentos humanos em um território localizado entre os
Rios Tigre e Eufrates, que hoje compreendemos como Iraque. Foram os povos Acádios,
Amoritas, Caldeus, Sumérios e Assírios que fundaram as primeiras cidades em um
contexto de dominação, guerras e invasões. Observando o clima característico daquela
região: quente e seco e a vegetação pobre vale destacar o papel desses rios que
possibilitam o desenvolvimento da agricultura e assim evitaram os longos períodos de
fome. Essa realidade pode ser comparada com o sertão nordestino do Brasil que, devido
à escassez de chuvas e o clima e vegetação característicos, atribuía-se a esses elementos
a explicação pela situação de miséria da região. Contudo, com a chegada da irrigação
proporcionada pelos rios, em especial o rio São Francisco, em algumas áreas é notado
um crescimento agrícola e um desenvolvimento social e econômico.

Desta forma, apresentamos nesta comunicação o projeto desenvolvido pelas bolsistas


Fernanda Carolina e Heloisa Santana integrantes do PIBID HISTÓRIA – UFS,
intitulado de “A terra entre os rios: O ensino de história sob um novo viés”. O mesmo
foi desenvolvido no Colégio Estadual Tobias Barreto, localizado em Aracaju - SE, com
a turma do 6° C no período de 08 de setembro a 22 de setembro. Percebendo o pouco
interesse que os alunos têm pela disciplina de história, elaboramos tal projeto com o
intuito de aproximar o aluno da temática e despertar nele o interesse na produção do seu
próprio material de estudo, proporcionando a este o desenvolvimento de algumas
técnicas de estudo que irá o auxiliar na disciplina em questão e em tantas outras.
Ressaltamos que para Piaget, o que importa não é maximalizar o conhecimento, mas
aprender e poder levá-lo para as mais diversas situações. Assim, o conhecimento
transmitido poderá ser utilizado depois em outras disciplinas e até mesmo na rotina
diária de estudo dos alunos. Inicialmente tivemos como objetivo geral discutir com os
alunos as características sociais, políticas, religiosas e geográficas da Mesopotâmia e os
povos que ali se desenvolveram para que assim eles pudessem ter uma visão geral da
temática que seria trabalhada posteriormente. Ao partirmos para as especificidades do
projeto nossos objetivos específicos foram: viabilizar ao alunado a construção do seu
material de estudo, explicar e produzir um mapa conceitual referente a Mesopotâmia e
seus povos, trabalhar de forma didática o conteúdo visando a fixação do mesmo por
meio da música e relacionar a realidade local com o conteúdo exposto, dando ênfase a
interação homem – meio ambiente.

De modo geral, os objetivos citados acima foram elaborados com o intuito de aproximar
o aluno do conteúdo de história através de ferramentas da utilização de ferramentas por
109
tecnológicas (celular, tablet, youtube). Em relação a metodologia utilizada no
desenvolvimento do projeto, esta foi dividida em cinco etapas. Inicialmente, houve um
trabalho de instigação dos alunos e explicação da metodologia do projeto, no qual a
turma foi dividida em grupos para a distribuição dos temas. Em seguida, as bolsistas
juntamente com os alunos construíram um mapa conceitual referente às noções básicas
de conhecimento sobre a Mesopotâmia. No segundo encontro, trabalhou-se com os
alunos considerações sobre a irrigação na Mesopotâmia e a partir disso foi feita a
comparação entre a irrigação mesopotâmica e a realizada no semiárido nordestino.
Nessa aula, também houve a utilização do Google Maps como ferramenta que permitiu
aos alunos a visualização da atual localização mesopotâmica e pontos do nordeste onde
são realizadas irrigações dos mais diversos tipos. Na terceira aula os alunos produziram
os mapas conceituais a respeito de cada um dos povos mesopotâmicos com o auxílio de
pesquisas na internet. Na quarta aula realizou-se a elaboração das paródias, que como já
mencionando teve como objetivo durante o projeto auxiliar a fixação do conteúdo,
possibilitando um conhecimento descontraído e um meio de avaliação não tradicional.
Na quinta e última aula os alunos expuseram os produtos obtidos (mapa conceitual e
paródia) no projeto para a turma.

Para o desenvolvimento deste projeto utilizamos notebook, retroprojetor, livro Didático,


internet, quadro, giz, Google Maps, 5 cartolinas, papel madeira, celular e o youtube para
postagem das paródias. Para avaliar a eficiência do projeto foi passado no ultimo dia de
execução, 22 de setembro de 2016, um questionário que pedia para que os alunos
atribuíssem um índice de satisfação para os itens: projeto, bolsistas, conhecimento
adquirido, conteúdo apresentado e metodologia. Na avaliação do projeto realizado,
53,3% dos alunos assinalaram como ótimo, 40% como bom e 6,7% como razoável. O
desempenho das bolsistas obteve o índice de 60% para ótimo e 40% para bom. Para
item conhecimento adquirido foi atribuído 60% para ótimo, 33,3% para bom e 6,7%
para razoável. O conteúdo apresentado foi avaliado com 53,3% para ótimo, 26,7% para
bom e 20% para razoável. E por fim, a metodologia recebeu 66,67% para ótimo, 20%
para bom e 13,3% para razoável. Nenhum dos itens foi avaliado por nenhum dos alunos
com a categoria ruim. Além das atribuições de categorias, foi pedido na avaliação para
os alunos registrarem o que o projeto possibilitou para o seu aprendizado e a explanação
em linhas gerais dos pontos positivos e negativos dessa experiência. Os alunos
registraram que o projeto possibilitou uma melhor compreensão do conteúdo tratado, foi
mais estimulante e agradável o estudo não só na sala de aula, mas em casa também. Foi
relatado ainda que a disciplina história tornou-se mais agradável e que as estratégias
traçadas permitiram uma fixação do conteúdo. Os estudantes destacaram nos pontos
positivos que o projeto saiu do padrão convencional e proporcionou a construção do
conhecimento de maneira mais divertida. A metodologia diferenciada também foi
citada, destacando a parodia como uma maneira de aprender brincando. Os pontos
negativos apresentados foi que os alunos não conseguiram conversar entre si durante as
aulas.

Referências

110
CARDOSO, C. F. Sociedades do Antigo Oriente Próximo: São Paulo, 2005. P. 29 –
50.

LEAKEY, Richard. A Evolução da Humanidade. São Paulo: Melhoramentos, 1982, p.


198- 212.

ROAF, Michael. Videlec, S.L. Mesopotâmia e o antigo Médio Oriente. Tradução de


Videlec, S. L.. Lisboa, 1997. V. 1. 128 p.

111
AS MÚLTIPLAS TRAJETÓRIAS DE UM
COLETIVO JUVENIL: TERRITÓRIOS
EDUCATIVOS E TESSITURAS EM REDES DE
SOCIABILIDADE EM BELO HORIZONTE
Flávia Cristina Lages Vasconcelos

A proposta deste projeto emergiu de nossas inquietações pessoais e acadêmicas como


professora de história e pesquisadora sobre as culturas de rua e juventude. Essas
inquietações surgiram com um convite de alunos para conhecermos o espaço onde
acontecem, todas as semanas, os duelos de MCs – debaixo do viaduto Santa Teresa.
Logo, esse contato resultou em novos saberes, repertórios culturais, políticos e sociais
que emergem no campo da juventude.

Desde o primeiro encontro com os jovens nesse espaço, surgiram questões que
estiveram presentes nos debates em sala de aula. Na realização dessa etapa, outros
questionamentos emergiram.

Esse coletivo surge, em um primeiro momento, na organização dos duelos de MCs no


viaduto de Santa Teresa, depois sua atuação expande-se para outras atividades ligadas à
cultura de rua. Ele sempre esteve demarcado em suas concepções pela cultura de rua.
Com isso, foi natural sua agregação a outros movimentos sociais, a outras demandas
coletivas e à ampliação de sua atuação dentro da cidade.

Com essa frase – “se ninguém faz, nós pega e faz” –, esse coletivo tem atuado nas áreas
culturais, sociais e políticas da cidade e em outras localidades. Todos seus integrantes
salientam a força e a união como articuladoras de um projeto de inserção na cultura de
rua e da juventude na cidade, carente de espaços de lazer, cultura e conhecimento.

A apropriação das ruas e espaços públicos está além dos direitos sociais, é o locus de
representações e interações sociais, em que coabitam sociabilidades, identidades e
concepções de pertencimento.

O embate entre o projeto político-social de uma cidade planejada em uma perspectiva


positivista, em que vigiar e punir são parâmetros de tentativas de convivência entre as
classes sociais, a periferia constrói outras configurações de lazer, sociabilidade,
coletividade e cultura.

Ao pensarmos na categoria juventude, cultura de rua e redes sociais tem-se um


panorama geral das construções sociais que se articulam nas grandes metrópoles do
país, avançando em especial nas periferias, aglomerados e subúrbios.

Sendo assim, periferia, favela, morro, subúrbio, vila, aglomerado, comunidade, gueto,
classes populares, pobres, miseráveis, favelados, manos, minas, jovens, adolescentes,

112
trabalhadores, estudantes... Tratando-se de nomeações nativas ou de categorias de
análise, todas essas palavras identificam lugares e sujeitos que é alvo de pesquisas em
diferentes campos de conhecimento, principalmente nas áreas da Educação e Ciências
Sociais, bem como foco de ações públicas e políticas. Essa pluralidade de nomes e
conceitos indica uma multiplicidade de maneiras de apreensão da dinâmica das cidades
focalizada nos espaços, nas práticas, nas sociabilidades, nas vivências e nas
representações de seus moradores.

Esses jovens tornam-se protagonistas dentro da cidade, em uma efervescência cultural


que abrange todos os grupos sociais da periferia, situando e apontando, pela ação
coletiva, um diálogo de produção de intervenções socioculturais. Essa produção abarca
todos os campos da informação e da comunicação, como rádios comunitárias, internet,
fanzines, grafite, vídeos, shows, saraus literários e outros. Desse modo, podemos dizer
que esses jovens são produtores de ideias, culturas, concepções de pertencimento,
vivências, sociabilidade e memórias.

Conforme Carrano (2001, p. 17), a sociabilidade praticada no lugar é, contudo, única,


sendo vivida pessoal e coletivamente no contexto das muitas configurações que se
estabelecem entre os diferentes grupos juvenis.

Essas tessituras de sociabilidade que são produzidas pelos jovens do coletivo e pelos
participantes nos mais variados eventos socioculturais podem possibilitar o
fortalecimento das experiências e vivências de cada um deles, como também os
vínculos com um conhecimento prévio dos espaços subterrâneos da cidade, isto é, o
reconhecimento das inúmeras dificuldades de quem vive e mora nas periferias e interage
com os espaços públicos no centro da cidade, tornando-se protagonistas e sujeitos de
seu tempo.

Toda cidade tem seus espaços de múltiplas identidades e habilidades, em consonância


com as novas demandas sociais que instituem ações que podem direcionar instâncias
educativas.

Assim posto, as reflexões educativas sobre esses territórios espaciais dentro da cidade
apontam direcionamentos que articulam as tessituras entre saberes, conhecimento,
vivências, experiências, capacitação, convivências, que são identificados como
aprendizagem não formal que dialoga, em várias instâncias, com uma aprendizagem
formal.

A concepção de cultura de rua está intimamente ligada à centralidade de vivências e


experiências de seus atores sociais, pois as práticas culturais desenvolvidas por esse
coletivo juvenil ou por seus participantes individualmente estão ligadas às suas histórias
e trajetórias de vida, que estão ancoradas às demandas sociais nos espaços periféricos da
cidade.

A participação em inúmeros movimentos sociais populares dos jovens organizadores


desse coletivo juvenil possibilita e potencializa novas mediações pedagógicas da
realidade social da cidade. Dessa forma, esses jovens dialogam com diferentes aspectos
socioculturais que estão no debate político no contexto atual, tais como questões de
gênero, diversidade cultural e social, violência doméstica e policial nas periferias e no
113
centro da cidade, mobilização nas ocupações em prol de moradia e espaço de
acolhimento a mulheres e crianças.

Sendo assim, a realidade (re)construída e (re)vivida pelos membros desse coletivo


juvenil pode também mediar diálogos em que as narrativas de vida são sempre postas
como questão social.

Assim é possível percebermos e apontarmos possíveis interconexões entre conceitos e


teorizações sobre a socialização no contexto das redes sociais, levando-nos a pensar e
refletir sobre as experiências e vivências dos jovens no universo on-line.

Pode se dizer que os ambientes virtuais se configuram como locais em que diferentes
sujeitos, a maioria jovens, constroem representações de si mesmos. Composições que
combinam a participação em uma variedade de comunidades que auxiliam na
identificação dos gostos dos usuários e publicam atributos, vontades, desejos pessoais e
minimamente os compartilham com outros. Nesse sentido, interessa, portanto
compreender a “construção de sociabilidade” desses jovens que na construção de um
perfil se amparam por novos elementos definidores de si, apresenta formas de ser e estar
no mundo através das redes digitais de comunicação.

Nesse sentido, vale à pena indagar: Existe uma dimensão educativa nesse coletivo
juvenil e suas ações? Quais as características desse coletivo juvenil em suas ações no
campo objetivo e subjetivo, e na dimensão político-pedagógica? Como podemos
perceber se existe uma diversidade dentro desse coletivo juvenil e em suas variadas
interações? Como categorias usuais da cultura, tecnologia e da educação podem
dialogar com a constituição do universo on-line nesse coletivo juvenil? Qual é a
dimensão espacial, isto é, lugares e não lugares de atuação do coletivo em processos
educativos? Como se dá a construção, a disseminação e a participação desse coletivo
juvenil em outros movimentos dentro da cartografia da cidade e sua relação com o
poder instituído?

Diante de um modelo que configura uma maneira de ser visto e compartilhando suas
idéias é através das redes sociais, que hoje tem imenso alcance universo dos jovens que
compartilham maneiras de ser, estar e participar da cartografia da cidade.

Segundo Sposito (2008), apesar da significativa produção sobre a temática da juventude


em diferentes áreas do conhecimento, ainda são necessárias novas pesquisas sobre o
tema. Mas o que entendemos por juventude? Compreendemos a juventude como

[...] uma categoria socialmente construída, que ganha contornos próprios em


contextos históricos, sociais e culturais distintos, marcada pela diversidade
nas condições sociais (origem de classe, por exemplo), culturais (etnias,
identidades religiosas, valores, etc.), de gênero, e até mesmo geográficas,
dentre outros aspectos. Além de ser marcada pela diversidade, a juventude é
uma categoria dinâmica, que se transforma na medida das mutações sociais
que vêm ocorrendo ao longo da história. Na realidade, não há tanto uma
juventude, e sim jovens, enquanto sujeitos que a experimentam e sentem de
acordo com um determinado contexto sociocultural em que se inserem
(DAYRELL, 2006, p. 5).
114
Compreendendo juventude a partir de uma categoria socialmente construída, não
podemos nos esquecer de que esses jovens a serem pesquisados têm em comum o fato
de serem pobres e de vivenciarem experiências e vivências em um contexto de
desigualdade social, que implica no esgotamento das possibilidades de mobilidade
social para a maioria da população, principalmente para o segmento juvenil.
(DAYRELL; LEÃO; REIS, 2007, p. 56). Além disso, não podemos nos esquecer de que
esses jovens são sujeitos que estão incorporados a uma dinâmica sociocultural, afetiva,
econômica e política dentro de um contexto de condições e projetos de vida.

Sendo assim, partimos do princípio de que um dos pressupostos é que esses jovens estão
construindo mediações com todos os movimentos sociais e que suas estratégias de
atuação compõem redes de sociabilidade por meio da produção de saberes.

Referências

CARRANO, Paulo César Rodrigues. Jovens na cidade. Trabalho e Sociedade, Rio de


Janeiro, v.1, n.1, p.12-34, 2001.

DAYRELL, Juarez. A escola “faz” juventudes? Reflexões em torno da socialização


juvenil. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL “CUITAT.EDU: NUEVOS RETOS,
NUEVOS COMPROMISSOS”. Barcelona, out. 2006.

DAYRELL, Juarez; LEÃO, Geraldo; REIS, Juliana Batista. Juventude, pobreza e ações
educativas no Brasil. In: SPOSITO, Marília Pontes. Espaços públicos e tempos
juvenis: um estudo de ações do poder público em cidades de regiões metropolitanas
brasileiras. São Paulo: Global, 2007. p. 47-82.

115
O USO DE IMAGENS NO ENSINO DO EGITO
ANTIGO: A RELAÇÃO HOMEM E MEIO
AMBIENTE
Geraldo Magella de Menezes Neto

Introdução

O Egito antigo, como conteúdo didático propriamente dito, aparece, em


geral, nos livros de história da 5ª série do ensino fundamental. Quase
sempre, entretanto, os temas abordados são bem genéricos e enfocados de
forma bastante resumida: fala-se brevemente da sociedade, com destaque
para o faraó, do rio Nilo, da escrita egípcia (hieróglifos), da religiosidade,
das pirâmides e esfinges. Depois dessa rápida e prévia apresentação, o Egito
só reaparecerá no primeiro ano do ensino médio. (FUNARI, 2004, p. 148).

A forma como o conteúdo de Egito antigo é abordado nos livros didáticos é criticada
por Raquel dos Santos Funari. Apesar de ser um assunto presente nas mídias, como o
cinema e jogos, o Egito acaba sendo visto de forma resumida no livro didático. No
entanto, Pedro Paulo Funari destaca que houve uma renovação nos estudos sobre a
História Antiga no Brasil desde os anos 1980, ressaltando que esta “não se faz apenas
com documentos escritos, mas também com a cultura material, com o estudo
arqueológico de edifícios, estátuas, cerâmica, pinturas.” Nessa perspectiva, o Egito já
não são apenas os faraós, mas também as muitas e muitas aldeias, não há apenas
continuidade, mas mudança, mostra-se que ali conviviam povos e culturas variadas.”
(FUNARI, 2012, p. 96-97).

Nesse sentido, propomos neste breve trabalho uma forma diferente de se trabalhar o
Egito antigo no ensino fundamental: a partir de imagens que explorem a relação entre
homem e meio ambiente. Várias pinturas de tumbas egípcias representam cenas da
atividade agrícola e os usos dos animais, sendo uma fonte importante para ser utilizada
em sala de aula. Segundo Eduardo França Paiva, “a iconografia é, certamente, uma
fonte histórica das mais ricas, que traz embutida as escolhas do produtor e todo o
contexto no qual foi concebida, idealizada, forjada ou inventada.” (PAIVA, 2006, p.
17).

A natureza nas aulas de História

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) de História para o ensino fundamental


sugerem que o professor trabalhe a relação homem e meio ambiente. Os conteúdos da
disciplina de História estão articulados com os temas transversais, privilegiando “a
relação entre o homem e a natureza, nas dimensões culturais e materiais, individuais e
coletivas, contemporâneas e históricas”, envolvendo “a construção de paisagens e o
116
discernimento das formas de manipulação, uso e preservação da fauna, flora e recursos
naturais.” (BRASIL, 1998, p. 48).

Arthur Soffiati propõe a inclusão, nos livros didáticos de história, de “tópicos


específicos, enfocando criticamente o relacionamento das sociedades humanas com o
meio ambiente, bem como suas respectivas representações mentais”; além da
“ilustração deste novo objeto, sempre que possível, com fontes primárias escritas e com
outros documentos”, tais como pinturas, esculturas, textos literários, desenhos de humor
e letras de músicas. (SOFFIATI, 1989/1990, p. 56). Carlos Renato Carola aponta que no
âmbito do ensino, podemos por meio da História Ambiental, “compreender as relações
entre cultura e natureza que se desenvolveram em distintas épocas e lugares”
(CAROLA, 2010, p. 178).

Já Gilmar Arruda afirma que a responsabilidade, ou o desafio do ensino de história, é o


de “construir uma identidade não mitológica, que deve estar baseada em pressupostos
racionais, ou em uma consciência histórico-ambiental, por meio de seu papel de
orientação, através da estrutura do tempo.” A consciência histórico-ambiental pressupõe
uma crítica ao modelo de racionalidade econômica que define a importância dos atores
sociais e da natureza em função de seu valor econômico. (ARRUDA, 2008, p. 63).
Assim, é fundamental a abordagem da natureza pelo professor de História.

A agricultura no Egito antigo e os usos dos animais

Uma discussão importante a se trabalhar com os alunos em relação ao Egito antigo diz
respeito à agricultura, pois as atividades agrícolas eram o setor fundamental da
economia agrícola antiga, sendo suas cenas representadas nas pinturas e relevos murais
das tumbas. A vida agrícola se desenvolvia, segundo Ciro Flamarion Cardoso, em
função das três estações do ano: a inundação (julho-outubro), a “saída” ou
reaparecimento da terra cultivável do seio das águas, época da semeadura (novembro-
fevereiro), e a colheita (março-julho). (CARDOSO, 2004, pp. 28-29).

117
Imagem 1: Um relevo de túmulo descreve trabalhadores arando os campos, colhendo as
colheitas e trilhando o grão sob a direção de um superintendente, pintado no túmulo de
Nakht. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/File:Tomb_of_Nakht_(2).jpg
Acesso em: 27 fev. 2017.

A imagem 1 pode ser tomada como ponto de partida para se fazer uma descrição da
atividade agrícola no Egito Antigo e as etapas de arar, colher e trilhar. Uma atividade
possível a partir dessa imagem seria estimular os alunos a criarem histórias em
quadrinhos tendo como foco a agricultura, retratando o cotidiano de uma família
egípcia. Raquel Funari sugere, por exemplo, “pedir ao aluno que crie seus próprios
personagens”, sendo o que importa é que “o cenário em que se desenrola a ação seja o
antigo Egito. (FUNARI, 2004, p. 152).

Nas cheias do rio Nilo, os egípcios aproveitavam para praticar a irrigação em lugares
mais distantes com o uso do shaduf:
118
Imagem 2: Cena de um jardineiro usando um Shaduf – Tumba de Ipuy em Deir-el-
Medina, margem ocidental de Tebas. Disponível em: http://antigoegito.org/agricultura-
egipcia/ Acesso em: 27 fev. 2017.

A imagem acima demonstra o uso do shaduf, um instrumento simples, baseado no


princípio do contrapeso, para elevação de recipientes com água. Foi introduzido no
século XIV a.C. (CARDOSO, 2004, p. 27). O shaduf ajudava os camponeses nos
cultivos mais intensivos, que exigiam irrigação permanente, como a horticultura, sendo
produzidos alho, cebola, pepino, alface e outras verduras e legumes. (CARDOSO, 2004,
pp. 29-32). A partir da imagem, o professor pode refletir com os alunos a importância
do shaduf para a irrigação num espaço cercado pelo deserto, que permitiu o
desenvolvimento da agricultura no Egito Antigo, além de problematizar a questão do
acesso à água na contemporaneidade, que apesar de se caracterizar pela alta tecnologia,
não garante o acesso à água para todos.

Os egípcios antigos também se utilizaram muito de animais no seu cotidiano. Cardoso


afirma que “chegaram a experimentar domesticar hienas, antílopes, gruas e pelicanos!”
(CARDOSO, 2004, p. 32). Na imagem abaixo, temos uma representação do uso do
gado na lavoura:

119
Imagem 3: Lavoura – Pintura na tumba de Sennedjem. Disponível em:

http://antigoegito.org/agricultura-egipcia/ Acesso em: 27 fev. 2017.

O gado maior, como os bois e asnos, servia em primeiro lugar para puxar o arado, para
separar os grãos da palha e para o transporte. A criação do gado era feita em duas
etapas: na primeira fase, os animais viviam em liberdade; em seguida, alguns deles eram
selecionados para a fase de engorda, durante a qual eram cevados, às vezes à força. Já o
cavalo era usado para puxar carros, e não montado. (CARDOSO, 2004, pp. 32-33).

Imagem 4: Pintura de parede do túmulo de um nobre chamado Nebamun. O túmulo de


Nebamun foi construído por volta de 1400 a.C. perto da cidade de Tebas. Disponível
em: http://www.ancientegypt.co.uk/life/explore/main.html Acesso em: 28 fev. 2017.

A partir das imagens 3 e 4, o professor pode discutir com os alunos os diferentes usos
dos animais no Egito Antigo, e o quanto eles foram fundamentais para aquela
sociedade. Essa abordagem nos leva a “observar a espécie humana como uma das
espécies constitutivas da natureza, cuja possibilidade de existência só é possível numa
‘relação de interação’, e não de destruição ou exploração do meio natural.” (CAROLA,
2010, p. 178). Em relação aos animais, ainda podemos tratar da caça, que segundo
Cardoso, era praticada no deserto e nos pântanos, usando-se para tal o cão, o arco e o
laço, e capturando-se aves selvagens com redes. (CARDOSO, 2004, p. 33). A imagem
abaixo, por exemplo, representa uma cena de caça de pássaros.

120
Imagem 5: Pintura de parede do túmulo de um nobre chamado Nebamun. O túmulo de
Nebamun foi construído por volta de 1400 a.C. perto da cidade de Tebas. Disponível
em: http://www.ancientegypt.co.uk/life/explore/hunt.html Acesso em 01 mar. 2017.

Eduardo Paiva nos alerta que a imagem “não é a realidade histórica em si, mas traz
porções dela, traços, aspectos, símbolos, representações, dimensões ocultas,
perspectivas, induções, códigos, cores e formas nela cultivadas.” (PAIVA, 2006, p. 19).
Dessa forma, ao se trabalhar com os alunos, é necessário chamar a atenção de que essas
imagens sobre o Egito são fontes históricas que nos trazem indícios da sociedade
daquela época. A recorrência da presença de animais pode ser percebida como um sinal
de que eles eram valorizados naquele contexto, e que eles auxiliavam a movimentar a
economia agrícola.

Uma atividade interessante seria uma comparação entre os usos dos animais no Egito
antigo e no presente. O professor pode solicitar aos alunos que façam dois desenhos, um
representando as semelhanças, e outro as diferenças no modo como as duas sociedades
se relacionam com os animais. Em cada desenho o aluno deve escrever uma legenda
explicativa.

Esperamos que este breve trabalho possa estimular novas abordagens no ensino do
Egito antigo. Entendemos que o Egito pode ser visto de forma mais criativa e
significativa para os alunos, estabelecendo relações entre o passado e o presente. Nesse
sentido, o uso de imagens que exploram a relação homem e meio ambiente pode ser um
interessante caminho para isto.

121
Referências Bibliográficas

ARRUDA, Gilmar. Natureza: uma nova “sala de aula” para o ensino de História. In:
OLIVEIRA, Margarida Dias de; CAINELLI, Marlene Rosa; OLIVEIRA, Almir Felix
Batista de (orgs.). Ensino de história: múltiplos ensinos em múltiplos espaços. Natal:
EDUFRN, 2008.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:


história. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito Antigo. São Paulo: Brasiliense, 2004.

CAROLA, Carlos Renato. Meio ambiente. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (org.). Novos
temas nas aulas de História. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2010.

FUNARI, Pedro Paulo. A renovação da História Antiga. In: KARNAL, Leandro. (org.).
História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2012.

FUNARI, Raquel dos Santos. O Egito na sala de aula. In: BAKOS, Margaret. (org.).
Egiptomania: O Egito no Brasil. São Paulo: Paris Editorial, 2004.

PAIVA, Eduardo França. História & imagens. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

SOFFIATI, Arthur. A ausência da natureza nos livros didáticos de História. Revista


Brasileira de História. São Paulo: v. 9, n. 19, set. 89/ fev. 90, pp. 43-56.

122
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO DO CURSO DE
HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO
MARANHÃO (UEMA) E OS REFLEXOS NA
FORMAÇÃO DOS GRADUANDOS
Gustavo Barra de Araujo

Nesse artigo são expostas possíveis conclusões que podem ser tomadas a partir do
trabalho de conclusão de curso realizado em 2014 onde se utilizou dos relatórios de
estágio para, através desses relatos de experiências, se analisar como tem sido o ensino
de História em escolas da rede pública de Ensino Médio de São Luís do Maranhão. Para
isso, leva-se em consideração a importância dada ao estágio curricular, componente
curricular da Dimensão Prática dos cursos de licenciatura da Universidade Estadual do
Maranhão (UEMA).

Dimensão Prática nos cursos de licenciatura da UEMA propõe, dentre outros, aproximar
a realidade dos futuros profissionais da educação com a realidade da prática docente.
Seus componentes curriculares (prática curricular; estágio curricular das licenciaturas e
outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais/AACC) foram
sistematizados por meio da Pró-reitoria de Graduação (PROG), presentes na Resolução
nº 890/2009/ CONSUN/ UEMA e no Manual da Dimensão Prática dos Cursos de
Licenciatura da UEMA (2011).

Percebe-se assim que a UEMA e o seu curso de História têm alterado suas estruturas
pedagógicas visando possibilitar que o estudante em licenciatura imerja no cotidiano
escolar e possa tecer reflexões sobre as práticas realizadas pelos professores e elaborar
seus diagnósticos sobre o ensino durante suas vivências e as regências de classes. Das
atividades propostas, preserva-se a importância dos estágios curriculares, onde as
reflexões e diagnósticos realizados pelos estagiários devem estar presentes em seus
relatórios. Acredita-se que a prática curricular permite desenvolver esse processo de
imersão durante o processo de formação, sendo o estágio o momento em que o aluno
tem uma relação mais direta com a atuação docente que será constante em sua profissão.
Essa relação se faz necessária para possibilitar uma maior aproximação entre teoria e
prática, considerando também o que expõem Barreiro e Gerbran (s/d, p. 88):

o preparo do docente nos cursos de formação deve contemplar elementos


que orientem e façam a mediação entre o ensino e a aprendizagem dos
alunos, e que favoreçam uma ação pedagógica significativa, propiciando-lhe
maior compromisso com o sucesso da aprendizagem, o desenvolvimento de
práticas investigativas, a elaboração e a execução de projetos para trabalhar
com os diferentes conteúdos curriculares, a utilização de novas
metodologias de ensino e de avaliação e o desenvolvimento de trabalhos
coletivos.

123
Destarte, crê-se que, conforme defendido por Pimenta e Lima (2001, p. 45 e 49), se
facilita que as teorias sirvam como “trilhas para a proposição de novas experiências”,
possibilitando aos professores tomar as ações de análise e compreensão dos “contextos
históricos, sociais, culturais, organizacionais, e de si mesmos como profissionais, nos
quais se dá sua atividade docente, para neles intervir transformando-os”.

Dos componentes curriculares da Dimensão Prática do curso de História, considerou-se


os relatórios de estágio como possuidores de uma análise mais profunda pelo aluno
sobre a relação teoria-prática do ensino de história. Essa consideração partiu da
percepção que durante o estágio o acadêmico tem contato com experiências
relacionadas a sua futura atuação docente.

Assim sendo, realizou-se análise dos relatórios dos estagiários do curso de História da
UEMA para, a partir de experiências e inferências por eles feitas, procurar compreender
como essa instituição de ensino superior tem possibilitado aos graduandos analisar as
práticas realizadas no cotidiano escolar e relacioná-las com as teorias que tem contatado
nos componentes curriculares do curso de graduação. Além disso, visou-se perceber
como o curso de História dessa instituição tem possibilitado que seu corpo discente
possa traçar caminhos para buscar alcançar os objetivos presentes em documentos
legais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) e os
Parâmetros Curriculares Nacionais (2000), sobre o ensino da História.

Partindo das análises desses relatórios, depreendeu-se muitas reflexões teóricas sendo,
de algum modo, incorporadas pelos estagiários. Tais reflexões podem ser observadas
principalmente quando citam alguma dificuldade vivenciada (período de regência do
estágio curricular) ou observada (período de observação do estágio curricular). Como se
vê nos seguintes trechos de relatórios:

O professor [...] me deu inúmeras vezes a impressão de que os alunos não


aprendiam, não porque não tinham uma boa base educacional ou ainda
porque não queriam, mas simplesmente porque tinham deficiência na
aprendizagem, citando por vezes a palavra “burrice”. Essa ideia soa mais
como uma justificativa para o aprendizado não efetivo dos conteúdos que
ele passava de maneira muito fragmentada e inconsistente [...] Sendo assim,
concluo, sobre esta questão, que os alunos por terem uma base educacional
deficiente podem sofrer muitas complicações no Ensino Médio para
aprender, entretanto, os conteúdos podem ser passados com eficácia se
forem observadas as categorias distintas de ensino, mudando-se as
estratégias e as dinâmicas também. (Relatório de Estágio de Ensino Médio,
2013)

Os educadores devem estar sempre em um processo de atualização e


aperfeiçoamento das práticas educacionais.

[...]

Os educadores devem buscar métodos e estratégias para capacitar nos


alunos o gosto pela pesquisa e leitura, incentivando-os a comparar

124
ambientes diferentes, o particular e o geral, o local e o regional, a pensar no
seu patrimônio cultural. (Relatório de Estágio de Ensino Médio, 2013)

[A aula] se resumia a uma empobrecida leitura do livro didático e uma


rápida avaliação sobre o texto lido, em que se incluía a participação do
aluno quase que exclusivamente na leitura. Assim as turmas passaram a
supervalorizar a utilização do livro, reivindicando o seu uso toda vez que
uma aula fugia um pouco dele. (Relatório de Estágio de Ensino Médio,
2013)

Os discentes mostraram um nível de concepção baixo, assim como o nível


de leitura, pois ao avaliar os trabalhos escritos produzidos para a obtenção
da segunda nota, eles não conseguiram articular idéias e nem mesmo
estabelecer paralelos e pontos de criticidade entre os conteúdos ministrados.
Alguns nem mesmo se interessaram em realizar a atividade que valia
pontos.

Ao ler os trabalhos constatamos que a maioria copiou os pontos trabalhados


nos roteiros, e transcreveram o conteúdo presente no livro didático. A
dificuldade encontrada pelos discentes reflete os hábitos dos mesmos, ou
melhor a falta de hábito de ler. (RELATÓRIO DO ESTAGIÁRIO B, 2013).

Os estagiários traçaram suas análises de modo que podemos perceber a proximidade


com os pensamentos de diversos estudiosos do Ensino de História, citando-se por
exemplo, Bittencourt (2004, p. 118), que, em sua análise das propostas curriculares do
Ensino Médio, o ensino de História

Tem como preocupação maior aprofundar os conceitos introduzidos a partir


das séries iniciais e ampliar a capacidade do educando para o domínio de
métodos da pesquisa histórica escolar, reforçando o trabalho pedagógico
com propostas de leitura de bibliografia mais específica sobre os temas de
estudo e com a possibilidade de dominar o processo de produção do
conhecimento histórico pelo uso mais intenso de fontes de diferentes
naturezas. Não inclui, entre seus objetivos, a formação de “um historiador”,
mas visa dar condições de maior autonomia intelectual ante os diversos
registros humanos, assim como aprofundar o conhecimento histórico da
sociedade contemporânea.

E ainda ao abordar a importância de se ter olhar crítico sobre o livro didático, pois

[…] o livro didático é um importante veículo portador de um sistema de


valores, de uma ideologia, de uma cultura. Várias pesquisas demonstraram
como textos e ilustrações de obras didáticas transmitem estereótipos e
valores de grupos dominantes, generalizando temas, como família, criança,
etnia, de acordo com os preceitos da sociedade branca burguesa.
(BITTENCOURT, 2009, p. 72)

Diante disso, percebe-se que o Estágio Curricular possui grande importância para
possibilitar ao estagiário trilhar suas ações docentes a luz das teorias contatadas na sua
125
formação no curso de História. Vê-se também que há ainda muitas problemáticas a
serem enfrentadas no ensino de História. Um ponto perceptível está na própria atuação
do docente. O seu planejamento e as metodologias utilizadas ainda estão, muitas vezes,
muito distantes da realidade do alunado. Não se possibilita muito o uso da criticidade
por parte do aluno.

Ademais, sente-se também uma problemática ainda mais difícil de se superar, o


analfabetismo funcional. Neste ponto, faz-se interessante perceber a importância das
séries iniciais do Ensino Fundamental, incumbidas do processo de alfabetização e
letramento pela Leide Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei 9394, de 1996. Para
compreender as consequências desse analfabetismo funcional necessita-se conhecer o
significado desse termo. Conforme Ribeiro:

A definição de alfabetização que a Unesco propusera em 1958 fazia


referência à capacidade de ler compreensivamente ou escrever um
enunciado curto e simples relacionado à sua vida diária. Vinte anos depois, a
mesma Unesco proporia outra definição, qualificando a alfabetização de
funcional quando suficiente para que os indivíduos possam inserir-se
adequadamente em seu meio, sendo capazes de desempenhar tarefas em que
a leitura, a escrita e o cálculo são demandados para seu próprio
desenvolvimento e para o desenvolvimento de sua comunidade. O
qualitativo funcional insere a definição do alfabetismo na perspectiva do
relativismo sociocultural. Tal definição já não visa limitar a competência ao
seu nível mais simples (ler e escrever enunciados simples referidos à vida
diária), mas abrigar graus e tipos diversos de habilidades, de acordo com as
necessidades impostas pelos contextos econômicos, políticos ou
socioculturais.

Por conseguinte, vê-se como o Estágio Curricular é importante para o processo de


ligação teoria-prática para o graduando. Ademais, pode ser um ótimo objeto de pesquisa
para percebermos as problemáticas para um significativo ensino de História. E como
muitos problemas podem ser oriundos de questões que ultrapassam os limites do ensino
da história. Sendo necessário fazer uma análise de como aperfeiçoar o processo de
alfabetização do alunado, por exemplo, para facilitar o processo de analise da história
pelos alunos.

Referências

BARREIRO, Iraide Marques de Freitas; GEBRAN, Raimunda Abou. Práticas de


Ensino e Estágio Supervisionado na Formação de Professores. São Paulo:
AVERCAMP.

BITTENCOURT, Circe. (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo:


Contexto, 2009.

____________. ENSINO DE HISTÓRIA: fundamentos e métodos. São Paulo:


Cortez, 2004.
126
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

____________. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Senado,


1996.

____________. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e Tecnológica.


Ensino Médio: ciência, cultura e trabalho. Brasília: MEC, 2004.

____________. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e Tecnológica.


Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – Ciências Humanas e
suas Tecnologias. Brasília: MEC, 2000.

____________. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 1 de 18 de fevereiro de


2002. Brasília: MEC, 2002.

____________. Resolução nº 2, de 19 de fevereiro de 2002. Brasília: MEC, 2002.

GONTIJO, Rebeca. IDENTIDADE NACIONAL E ENSINO DE HISTÓRIA: a


diversidade como “patrimônio sociocultural”. In: ABREU, Martha; SOIHET,
Rachel. ENSINO DE HISTÓRIA: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro:
FAPERJ, 2009.

GUIMARÃES, Selva. Didática e prática de ensino de História. Campinas: Papirus


editora, 2011.

PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e Docência. 6 ed.
São Paulo: Cortez, 2011.

RIOS, Maria de Fátima Serra. UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO:


dimensão prática nos cursos de licenciatura – organização técnico-pedagógica da
UEMA. São Luís: UEMA, 2009.

TOLEDO, Maria Aparecida Leopoldino (Org.). Ensino de História: Ensaio sobre


questões teóricas e práticas. Maringá: Eduem, 2011

127
OS CRISTÃOS-NOVOS NA PRODUÇÃO
DIDÁTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Helena Ragusa

Este trabalho é resultado de uma dissertação de mestrado – parte dela - defendida no


ano de 2012, que dentre outros, teve como objetivo pensar como a figura do cristão-
novo é compreendida no material didático utilizado na escola judaica, ao mesmo tempo
estabelecer relações com aquele que é produzido fora dela. Ao longo de nossas análises
foi possível perceber algumas nuances entre uma escrita e outra, levando-nos a constatar
que nos materiais adotados nas escolas judaicas o neocristão é percebido logo nos
primórdios de nossa colonização, ao contrário do que ocorre nas obras didáticas que
comumente são utilizadas em nossas escolas tanto aquelas voltadas para a esfera
pública, quanto privada. A pesquisa contou com reflexões de autores que contribuíram
de forma significativa no que se refere a noção de cultura escolar, como é o caso de
Dominique Julia (2001), André Chervel (1990) e Forquin (1993), e também daqueles
que nos ajudam a elucidar a complexidade que existe em torno do cristão-novo, como é
o caso das inúmeras pesquisas realizadas por Anita Novinsky (1972).

“A história da educação judaica no Brasil ainda está por ser feita” (FALBEL, 2008, p.
321), deste modo num amplo leque de possibilidades e perspectivas para refletir em
torno desta questão, optamos por situar nosso estudo nos primórdios de nossa
colonização, quando os cristãos-novos já marcavam presença, conforme constatamos na
análise dos textos veiculados em escolas de orientação judaica. Já no que toca a
produção didática brasileira, que entre outras demandas, buscam atender as Diretrizes
Curriculares Nacionais e o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), constatamos
algumas lacunas, silêncios e distorções em relação à atuação destes sujeitos, como se
não tivessem participado de nossa formação.

É significativo o número de estudos sobre os cristãos-novos em nossa historiografia,


porém, a relação entre o ensino de História e produção historiográfica demonstra que, os
avanços no sentido de uma aproximação mais consistente entre os saberes produzidos
são demasiados tímidos. Tal distância não nos remete, como ocorre para alguns
estudiosos, à ideia da transposição que carrega em si a imagem de uma escola
conservadora, que não passa de “um mero agente de transmissão de saberes elaborados
fora dela” (CHERVEL, 1990: 182). É a partir da noção de cultura escolar, que
justificamos as ausências em relação ao estudo do cristão-novo em nossa literatura
didática, uma vez que o livro didático é parte dela, como um produto dessa cultura que
influencia diretamente na sua elaboração.

Refletindo sobre a questão das finalidades ou demandas, aquelas das quais nos fala Julia
(idem:10), nos voltamos para aquelas que atentam para o cunho religioso. Conforme
Anne-Marie Chartier (2005), embora não se creia mais no papel cristianizador das
escolas, nos países que sofreram a colonização, como é o caso do Brasil, a dominação
cultural exercida pelo Ocidente, impondo seus modos de pensar, suas categorias, suas
128
referências e seus sistemas de valores promoveram certamente uma educação pautada
no cristianismo (idem:18).

Os livros didáticos que ora nos propusemos a investigar foram aqueles que de maior
circulação e que tiveram o conceito ótimo pelo PNLD, e, no que diz respeito ao material
didático utilizado pelas escolas de orientação judaica, nosso critério pautou-se também
na circulação de um deles, que ainda é significativa e em um outro por apresentar
aspectos diferentes quanto à sua elaboração quanto na utilização. O fato é que sobre
estes últimos, o cristão-novo surge de modo muito mais abrangente do que aquela
percebida nos materiais que circulam as escolas não judaicas. Este é o caso do III
volume da série Caminhos do povo judeu, organizado por Renato Mezan, voltado para o
Ensino Médio. Parte de uma série organizada para o curso de História Judaica, traz
também inúmeras referências à História Geral e a nossa História, não estando, portanto,
desvinculado do conhecimento histórico que abarca as estruturas das demais sociedades
e dos períodos que a compõe. Nele, o autor refere-se aos cristãos-novos como aqueles
que colaboraram ativamente nos anos iniciais do povoamento da colônia portuguesa,
como foi o caso de Fernando de Noronha, um dos que recebeu a concessão de
monopólios reais.

É no período da ocupação holandesa que mais se destaca a escrita de Mezan ao


descrever os cristãos-novos no Brasil Colonial, como aqueles que atraídos pelo
desenvolvimento da cana-de-açúcar, se inseriram na comunidade nordestina,
envolvendo-se em várias atividades como a de soldados, desbravadores, capatazes, “um
grupo dinâmico na sociedade colonial” (MEZAN, 1974, p. 191).

Outro aspecto completamente ignorado pelas obras didáticas seguidas pelas escolas não
judaicas em comparação à obra de Mezan seria a importância que os judeus tinham para
a Corte Portuguesa e os conhecimentos desenvolvidos e aprimorados por eles durante as
Grandes Navegações.

O segundo material investigado foi produzido pelo Laboratório de Estudos da


Intolerância (LEI) da Universidade de São Paulo, utilizado por uma escola específica do
Estado de São Paulo, a qual chamamos de Cheder, direcionado para o 7º ano.

O programa adotado na instituição obedece às demandas do currículo oficial, bem como


também procura atender os parâmetros judaicos. O acesso ao material nos possibilitou
encontrar o cristão-novo numa perspectiva temporal e espacial mais abrangente do que
aquela apresentada pelo nosso material, como é o caso do texto A Inquisição na Bahia,
o primeiro texto. Logo no início da narrativa a autora faz questão de informar ao leitor
sobre a origem dos cristãos-novos, quantos estavam estabelecidos na região, e também
sua integração na sociedade, passando pelo processo de miscigenação. Num outro texto,
Em Judeus, cristãos-novos e calvinistas durante a ocupação holandesa no Brasil,
notamos que a professora preocupou-se em contextualizar o período que antecede a
ocupação holandesa e também, depois, quando se deu a chegada dos holandeses ao
Brasil. Sua narrativa inicia com a morte do Rei Sebastião, e no que isso acarretou para
os portugueses, até chegar às razões que teriam atraído os holandeses para a Bahia
primeiramente e depois para Pernambuco.

129
A partir desse momento, surge o cristão-novo como colaborador do domínio da Holanda
sobre o Brasil e o retorno dos mesmos para sua antiga religião. Os judeus de Amsterdã
também aparecem, ao lado de outros soldados contratados para ajudar no plano de
dominação, ao lado dos cristãos-novos enquanto financiadores da indústria do açúcar, e
outras atividades que provinham da mesma. Ao descrever sobre os diversos setores em
que a comunidade israelita atuou, judeus e cristãos-novos, e o modo como contribuíram
para o desenvolvimento da região a autora possibilita ao aluno ter uma maior dimensão
sobre a participação dos mesmos na sociedade que passaram a integrar e os legados por
eles deixados, tanto na medicina, quanto a própria religiosidade, a engenharia, a
advocacia.

Em Nas selvas brasileiras: marranos constroem as primeiras vilas de ouro (Minas


Gerais – século XVIII),a autora traz os cristãos-novos logo no início da narrativa, como
aqueles que atraídos pela descoberta do ouro teriam contribuído para a fundação das
primeiras vilas da região. Por último, São Paulo Colonial e os Bandeirantes, a autora
traz o cristão-novo na figura de José de Anchieta e enfatiza a condição do Apóstolo de
descendente de israelitas quando se refere à sua descendência materna e a seu trisavô
queimado pela Inquisição acusado de judaizar. No mesmo contexto, surge o Padre
Leonardo Nunes, outro cristão-novo, responsável pela vinda de Anchieta ao Brasil, e
que teve segundo ela, sua origem documentada, em uma carta de 1553 do Jesuíta
Vicente Rodrigues endereçada à Companhia de Jesus, reclamando do grande número de
neocristãos na Vila de São Paulo.

Entendemos que a presença do cristão-novo é, ao contrário do que ocorre nas obras


didáticas investigadas no capítulo anterior, significativa. O fato de apontarem para os
diferentes espaços e tempos que os neocristãos vieram a ocupar no Brasil colonial,
demonstra o quanto foi de fato ampla e diversa sua atuação, não deixando dúvidas
acerca das contribuições deixadas por eles na sociedade que aqui se formou.

Fontes:

BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais (5ª a 8ª séries). Brasília:


MEC/SEF, 1998. 10 volumes.

BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio). Brasília:


MEC/SEF, 2000. Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/index.html>. Acesso em: 20 outubro.
2011.

LEVY, Daniela. São Paulo Colonial e os Bandeirantes de origem judaica. LEI-USP.


Novembro 2011, p. 1-5.

_____________. Judeus, cristãos-novos e calvinistas durante a ocupação holandesa no


Brasil. LEI-USP. Novembro 2011, p. 1- 6.

_____________. Nas selvas brasileiras: marranos constroem as primeiras vilas do ouro.


( Minas Gerais – séc. XVIII). LEI-USP. Novembro 2011, p. 1- 2.
130
______________. A Inquisição na Bahia. LEI-USP. Novembro 2011, p. 1- 2.

MEZAN, Renato. Caminhos do povo judeu. São Paulo, 2ª edição: Editora Renascença,
1974. Vol III.

Referências bibliográficas

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de


pesquisa. In: Teoria & Educação. Porto Alegre, 1990.

FORQUIN, Jean Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do


conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. In: Revista brasileira de
História da Educação. Campinas, 2001.

NOVINSKY, Anita Waingort. Cristãos-novos na Bahia: a inquisição. São Paulo:


Perspectiva, 1972.

131
A APRENDIZAGEM COOPERATIVA POR MEIO
DA MONITORIA ACADÊMICA: RELATOS DE
UMA EXPERIÊNCIA
Heraldo Márcio Galvão Júnior
Rafael Rogério Nascimento dos Santos

Introdução

As universidades brasileiras passaram a adotar os programas de monitoria oficialmente


a partir da Lei 5540, de 28 de novembro de 1968, cujo artigo nº 41 traz:

As universidades deverão criar as funções de monitor para alunos do curso


de graduação que se submeterem a provas específicas, nas quais
demonstrem capacidade de desempenho em atividades técnico-didáticas de
determinada disciplina.

Esta Lei, que fixava normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua
articulação com a escola média, trazia apenas o pequeno excerto transcrito acima
referente à monitoria e precedeu o Decreto nº 66.315, de 1970, que dispôs sobre o
programa de participação do estudante em trabalhos de magistério e em outras
atividades dos estabelecimentos de ensino superior federal. Neste, a função da monitoria
aparece de maneira mais especificada e detalhada.

A partir daí, as Universidades, especialmente federais, passaram a adotar a monitoria


como componente importante a partir de legislações internas específicas. A partir de
1980, segundo Ana Maria Iorio Dias (2007), houve a descaracterização do programa
como componente de iniciação à docência no ensino superior quando outras
modalidades de bolsas foram surgindo, notadamente as de iniciação científica, havendo
a valorização exacerbada da pesquisa em detrimento do ensino.

Percebe-se hoje, especificamente no curso de História da Unifesspa de Xinguara, que as


monitorias interessam aos alunos em dois momentos específicos: quando estes
percebem que gerarão pontos importantes no Lattes e que ampliarão suas chances
empregatícias ao se formarem ou quando não há esperança imediata de bolsas de
pesquisa. Em relação aos docentes, há a nítida preferência da maioria em relação a
bolsistas de pesquisa.

Em contrapartida, esta Universidade, compreendendo que a monitoria acadêmica


representa um espaço de formação para o monitor e para o professor orientador,
contribuindo assim para a melhoria do ensino de graduação, abre editais constantemente
e promove incentivos, como a ampliação do número de bolsas, eventos específicos para
apresentação dos resultados e relatos de experiências, como o Seminário de Projetos
Integrados.
132
Monitoria acadêmica: disciplina, aprendizagem e relato de experiência

O presente trabalho traz os resultados de uma orientação de monitoria da disciplina


“Sociedades autóctones das Américas” do curso de Licenciatura em História do
Instituto de Estudos do Trópico Úmido da Universidade Federal do Sul e Sudeste do
Pará, em Xinguara. Tal empreitada foi possível devido ao Programa Institucional de
Monitoria, doravante PIM, que tem como intuito melhorar os indicadores de ensino-
aprendizagem, permitindo que os discentes, na condição de monitores remunerados ou
não, possam obter uma formação mais completa, portanto, integrada às atividades de
ensino, pesquisa e extensão. Além disso, a monitoria pode criar um sistema de
cooperação dentro de sala de aula que pode beneficiar todos os alunos, pois promove a
realização de atividades entre docente e monitor, sendo esse, ainda, um sujeito ativo no
processo de ensino-aprendizagem.

Ao discente coube auxiliar o professor na orientação de alunos, esclarecendo e tirando


dúvidas em atividades de classe; identificar, em conjunto com o docente, as dificuldades
enfrentadas pelos alunos da disciplina; discutir com o professor as metodologias,
conteúdos e ações a serem priorizados; coordenar grupos de trabalho ou estudo, tendo
em vista a orientação da aprendizagem dos colegas; exercer suas atividades conforme o
Plano de Atividades de Monitoria, elaborado em conjunto com o orientador; cumprir
vinte horas semanais de atividades de monitoria, conforme horários preestabelecidos;
apresentar, mensalmente, um resumo das atividades realizadas; elaborar relatórios;
participar e apresentar trabalhos em atividades acadêmicas (EDITAL Nº 04/2016 –
PROEG SELEÇÃO DE MONITORES – 2016/2).

Nesse sentido, a monitoria atendeu uma turma de 26 alunos de graduação da referida


disciplina no período de 21/03/2016 a 20/07/2016, cujos temas principais recaíram
sobre a diversidade cultural dos povos autóctones e sua organização política, econômica
e cultural nos Andes, Meso-américa e América do Norte e as tradições históricas desde
os povos originários da América. Foi feita publicidade aos estudantes sobre os espaços,
locais e horários de atendimento em relação à coordenação de grupos de estudos,
conforme definido no Plano de Atividades de Monitoria. Toda quinta-feira, sem
exceção, das 16:00 às 20:00, a monitora esteve disponível para discutir os textos
abordados e a serem abordados em sala de aula, assim como auxiliar na preparação de
seminários, montagem dos planos de aula e aprofundamento dos temas definidos no
Plano de Ensino do docente.

No período supracitado, a monitora demonstrou assiduidade em relação aos


compromissos firmados com o orientador, responsabilidade para com as tarefas
desenvolvidas individualmente e em grupo e interesse em relação à disciplina, ao
aprendizado e à bibliografia. Demonstrou proximidade e disponibilidade em relação à
turma, marcando, inclusive, reuniões extras a fim de auxiliar na preparação de
seminários. Apresentou, ao orientador, fichamentos, resumos e resenhas da bibliografia
básica e complementar, comprovando seu interesse e domínio sobre os temas abordados
em sala de aula.

Todos estes aspectos foram essenciais para a os resultados positivos e maior


aproveitamento dos alunos, haja vista que a monitora contribuiu com participações
consistentes em discussões em sala de aula, reuniões com os alunos com dificuldades de
133
compreensão do texto, auxílio na preparação de seminários e planos de aula, assim
como sugeriu intervenções metodológicas e didáticas ao professor orientador.

O Plano de Atividades de Monitoria foi cumprido de acordo com o planejamento


realizado, em conjunto, pelo professor orientador e pela discente monitora. As reuniões
semanais ocorreram em três momentos: 1. Um dia antes de cada aula a fim de discutir
as principais idéias dos textos, abordagens, preparação de aula, plano de aula, entre
outras questões imediatas. Nesta reunião, a monitora entregava os
fichamentos/resumos/resenhas dos textos; 2. Logo após as aulas, para avaliação, análise
dos resultados e do desenvolvimento da turma; 3. Às segundas-feiras, com a finalidade
de discutir os principais problemas e dificuldades identificados pela monitora em suas
reuniões com os alunos. Além das reuniões semanais, houve reuniões mensais para
entrega de relatório, para relatos acerca do desenvolvimento da turma e da própria
monitora.

Em relação à turma, houve diminuição do índice de reprovação em comparação à outra


que cursou a mesma disciplina. Do total de reprovados na turma que cursou a disciplina
anteriormente, apenas um continuou no curso. Não houve reprovação nesta turma. O
índice de evasão da turma anterior desta disciplina não pode ser calculado, pois a evasão
da disciplina ocorreu juntamente com a evasão das outras e desistência do curso. Dessa
maneira, não é possível fazer um paralelo entre a anterior e a atual. Pode-se inferir que
não houve evasão na disciplina atual.

Houve um aumento considerável na média da turma em relação à anterior. Como fui


professor desta turma em outras disciplinas, também pude notar um maior
desenvolvimento dos alunos enquanto discentes do curso de licenciatura em história.

A ação de monitoria apresentou resposta positiva às dificuldades de ensino-


aprendizagem no sentido de ajudar os alunos a identificarem os pontos essenciais de
cada tema discutido de acordo com análises historiográficas contemporâneas, a
compreenderem e refletirem acerca dos conceitos fundamentais da disciplina, assim
como pode auxiliar indiretamente em outras disciplinas devido a discussões acerca da
metodologia de pesquisa e de ensino. No mesmo sentido, a monitora obteve um
desenvolvimento excepcional ao sentir-se responsável/coadjuvante no processo de
ensino-aprendizado de seus calouros.

Foi notável a melhora no desenvolvimento individual e coletivo dos alunos em relação à


bibliografia, apresentações de seminários, trabalhos entregues, discussões focadas e
fundamentadas. Notou-se uma melhora na análise dos conceitos fundamentais da
disciplina por um viés histórico e historiográfico. A monitora demonstrou muito
interesse na vida acadêmica e docente em nossas reuniões e conversas.

Em certas ocasiões, os próprios alunos se sentiram mais à vontade em consultar seus


parceiros para sanar suas dúvidas ou repassar questões ao docente. Esta aprendizagem
cooperativa, estudada por Robert Slavin (1990), é apresentada como alternativa no
ensino-aprendizagem devido ao monitor participar da cultura dos próprios alunos,
cultura esta que possui diferenças em relação à dos professores, ou seja, a interação do
monitor com o docente e os alunos favorece a aprendizagem cooperativa, favorecendo a
aprendizagem de todos.
134
Entretanto, a relação entre alunos e monitor não se restringiu a um tira-dúvidas, pois
esteve relacionado a reuniões de aprofundamento, preparação de seminários e grupo de
estudos.

Referências Bibliográficas

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

IOKOI, Z. e BITTENCOURT, C. (orgs.) Educação na América Latina. Rio de Janeiro:


Expressão e Cultura; São Paulo: EDUSP, 1996.

KARNAL, L. (org.)- História na sala de aula. Conceitos, práticas e propostas. São


Paulo: Contexto, 2003.

NATÁRIO, E. G. Programa de monitores para atuação no ensino superior: proposta de


intervenção. Campinas. 2001.Tese (Doutorado em Educação) Pontifícia Universidade
Católica de Campinas.

NUNES, J. B. C. A socialização do professor: as influências no processo de aprender a


ensinar. 2001.

SANTOS, M. M.; LINS, N. M. (Orgs). A monitoria como espaço de iniciação à


docência: possibilidades e trajetórias. RN: EDUFRN, Natal, 2007.

SLAVIN, R. E. Research on cooperative learning: consensus and controversy.


Educational Leadership, v. 47, n. 4, p. 52-54, 1990.

135
ENSINO DE HISTÓRIA E SIMBOLOGIA PARA
SÉTIMOS ANOS: DO PERÍODO MEDIEVAL AOS
DIAS ATUAIS
Isabele Fogaça de Almeida
Lucas Eduardo de Oliveira

A importância dada aos símbolos na atualidade é extremamente relevante. Como afirma


Ribeiro “Vivemos rodeados por símbolos, são eles desde o aceno de mãos em uma
despedida ao alfabeto que utilizamos para falar e escrever” (2010, pág. 46). Esses estão
presentes em todos os aspectos do cotidiano. A maioria das pessoas consegue
reconhecer uma marca de grande empresa ou instituição, sem que esta venha com seu
nome, apenas pela logomarca.

Mas é válido notar que o uso de símbolos não é uma característica dos tempos atuais,
pois sempre estiveram presentes nas organizações dos grupos sociais. Em especial, no
período medieval, é possível perceber o uso da simbologia.

Predominava a concepção de que a meta do homem era o Reino de Deus e


de que a Revelação estava contida nas Sagradas Escrituras. Dessa forma,
não se observava a natureza para deduzir explicações ou levantar hipóteses,
mas para ver os símbolos dos desígnios divinos. [...]. (FRANCO JUNIOR,
1986, p.143)

Nas afirmações de Franco Junior, nota-se como o simbolismo permeava a mentalidade


medieval, com o objetivo de ligar o mundo divino ao humano, era a interpretação para
leitura do universo naquele período. Em tal visão o universo era entendido como um
aglomerado de símbolos, onde até mesmo o homem era um dele; o que limitava
inclusive, o avanço da ciência, já que a maneira de expressão e entendimento sobre o
mundo, o homem, e da sociedade era também norteada pelo simbolismo.

Este trabalho visa apresentar os resultados de uma experiência didática realizada por
meio de uma oficina pedagógica que teve como objetivo aprofundar o conhecimento
sobre alguns dos símbolos utilizados na época medieval e que tem elementos presentes
na sociedade atual. Essa oficina consistiu-se em uma das formas de intervenção do
subprojeto de História, do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência
(PIBID), da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) na disciplina de História,
em turmas do sétimo ano do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Professora Linda
Salamuni Bacila, em 2015. O projeto de ensino foi complementar ao conteúdo previsto
no Plano de Trabalho Docente sobre a Idade Média.

Atendendo à proposta metodológica problematizadora da disciplina, buscaram-se


estabelecer relações entre presente e passado, correlacionando os símbolos medievais e

136
sua importância com os logotipos utilizados na sociedade atual e sua importância
simbólica.

A oficina pedagógica foi realizada em quatro horas-aulas, sendo dividida em quatro


momentos: símbolos na atualidade, origem dos brasões, origem dos sobrenomes e jogo
Rei dos Reis do professor de História da turma - Marcelo Kloster, professor supervisor
do subprojeto de História do PIBID. No primeiro momento, através de uma
apresentação de slides, um dos pibidianos mostrou apenas a imagem de alguns símbolos
famosos de marcas como Nike, Apple, Mc Donald’s, Pepsi e escudos de alguns times de
futebol mais conhecidos em nível nacional. Os alunos identificaram prontamente os
símbolos, sem que fosse necessária explicação das imagens. Esse exercício mostrou aos
alunos o quanto uma imagem pode ser carregada de símbolos e significados.

Estabelecendo relações com essas imagens, foi apresentada a origem dos brasões
utilizados pelas famílias e instituições na Idade Média. A utilização dos brasões, a
princípio consistia num desenho que seguia as leis da heráldica, com o intuito de
identificar famílias. Para explicar como eram escolhidos e compostos os brasões na
Idade Média, na sequência, foi entregue aos alunos uma folha com significado de cores
e símbolos que poderiam compor um brasão, conforme a heráldica, ciência que estuda
os brasões, e estes foram convidados a criar um brasão referente a si mesmo, que
fossem estruturados de acordo com a sua personalidade, aspirações, família, dentre
outras características, para ser apresentado e explicado na próxima aula.

Logo em seguida foi abordado sobre a origem dos sobrenomes no período medieval,
que tinham relação com a região onde morava, ofício, origem, fortuna, aspecto físico,
personalidade. Para finalizar, foi entregue a cada aluno uma descrição sobre a origem
do seu sobrenome, resultado do trabalho de pesquisa feito pelos pibidianos com
antecedência, com base na listagem dos nomes presentes no diário de classe da turma.
Dessa forma, poderiam utilizar elementos de significado de seu sobrenome na criação
do seu brasão.

As duas últimas horas-aulas da oficina aconteceram na semana seguinte, como


acordado, os brasões foram entregues e cada aluno explicou o significado dos elementos
que o compunham. Nas apresentações dos alunos notou-se que houve entendimento
sobre a simbologia utilizada nos brasões construídos a partir de elementos significativos
para cada um deles e, desse modo puderam reconhecer a importância atribuída aos
brasões na sociedade medieval, na qual a simbologia era um elemento essencial para o
entender o mundo.

Concluindo a oficina, foi explicado o jogo Rei dos Reis. O jogo criado tem por objetivo
aguçar a compreensão do aluno sobre as relações de poder estabelecidas na sociedade
feudal, por meio da simulação de guerra entre feudos. Nas cartas do jogo cada feudo
tem um símbolo.

O jogo se organiza em batalhas, na qual cada jogador recebe um conjunto de cartas.


Cada uma delas tem um valor que somado refere à quantidade de seu exército. Dando
sequência, o ataque é realizado pela escolha do rei – este que já foi previamente
escolhido no início do jogo. Os ataques são feitos até que todo o exército perca, tendo

137
apenas o rei para se defender e atacar. Ganha o time que conseguir derrubar o rei
adversário.

Os alunos foram divididos em equipes na sala, cada equipe foi composta por seis
componentes, e cada conjunto de cartas era disputado por duas equipes. Os estudantes
puderam utilizar seu brasão durante o jogo, representando seu escudo de guerra para
defender seu feudo, este que eles deram um nome também.

Para socialização dos resultados desse trabalho com a comunidade escolar, foi montada
uma exposição no mural, no saguão da escola em formato de castelo, com os brasões
dos alunos, para apreciação dos trabalhos durante a semana.

Após o fim das oficinas ministradas pelos pibidianos, pôde-se notar que houve uma
atenção maior por parte dos alunos ao que se refere aos símbolos presentes no seu
cotidiano, no sentido de perceberem os significados que carregam e a importância
social, política ou econômica que possam ter. Eles puderam reconhecer elementos de
sua identidade pessoal na experiência de criação de um brasão próprio, com elementos
de sua própria cultura, reconhecendo o significado de seu sobrenome assim como sua
origem étnico-cultural. Os resultados expressos nos brasões por eles confeccionados
foram bem estruturados atendendo as orientações, o que foi extremamente
reconfortante.Assim como o interesse demonstrado pelos alunos em aprender sobre o
assunto, visto que, foi possível introduzi-los na História.

Com essa experiência didática, percebeu-se a importância de inovar no Ensino de


História, sendo esta possível e imprescindível. Manter um estudo sobre a história apenas
na teoria não demonstra a perspectiva da disciplina, que é trabalhar com o agora e não
somente passado. Quando se inova no ensino, diferentes atividades são realizadas,
fazendo com que passado e presente se interliguem, e assim os alunos possam
compreender e se reconhecer como pertencentes à história.

Referências

FRANCO JÚNIOR, Hilário. Idade Média: Nascimento do Ocidente. São Paulo:


Brasiliense, 2007.

KLOSTER, Marcelo. CARVALHO, Silvana Maura Batista de. O jogo de cartas Rei
dos Reis: uma contribuição do lúdico na aprendizagem sobre as relações de poder
na baixa idade média. Ponta Grossa. 2015.

RIBEIRO, Emílio Soares. Um estudo sobre símbolos, com base na semiótica de


Peirce. Rio Grande do norte. 2010.

138
REVISITANDO NUREMBERG ATRAVÉS DA
ANÁLISE DO DISCURSO: A IMPORTÂNCIA DAS
FONTES NA CONSTRUÇÃO DA APRENDIZAGEM
HISTÓRICA
Jean Marcos Bonatto

As fontes históricas abrem um leque considerável de possibilidades para as abordagens


dos mais diversificados temas em sala de aula, elas fazem com que os estudos sobre o
passado supram os problemas e as demandas do presente, elas privilegiam também a
transversalidade e as múltiplas formas de estudo, e deixam de lado o caráter
reducionista de ensino de História. A palavra seja ela escrita ou falada pode ser um
caminho valioso para a investigação histórica, principalmente quando tais discursos
envolvam disputas políticas, manifestações culturais, ou a institucionalização do poder
pelo qual os indivíduos que produzem tal discurso estejam envoltos. O documento
histórico é nas palavras de um dos expoentes da História Jacques Le Goff nada mais que
o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente da história, da época, da
sociedade que o produziram. (LE GOFF, 2003, p. 547)

Vivemos tempos em que o “fazer histórico”, e não obstante o Ensino de História, não
trabalha mais como se fazia ainda no século passado, com as convicções políticas para
“separar o joio do trigo”, para identificar os vilões e os mocinhos. O denso estudo das
estruturas de poder e dos discursos fazem parte hoje, da complementação da pesquisa
histórica. O Tribunal de Nuremberg por sua vez, teve toda a sua atenção voltada para o
discurso produzido pelos réus, o Tribunal serviu – mesmo que de forma forçosa – como
uma maneira de trazer a tona a estruturação do poder e o exercício da barbárie nazista.
Boa parte dos testemunhos dados ao Tribunal pelos réus ficaram apenas na obviedade,
porém algumas coisas que ficaram subentendidas pelos discurso podem revelar certos
aspectos da cultura da política e dos anseios nazistas pelo poder. Este texto pretende
fazer um breve apanhado de possibilidades de abordagens de ensino com base na
análise do discurso nos interrogatórios do Tribunal de Nuremberg.

Antes de tudo devemos deixar claro aos estudantes no que consiste o discurso, qual a
abordagem analítica que se pode fazer sobre ele, e com o que a análise do discurso pode
contribuir para a aprendizagem histórica, para a cognição dos fatos e para a formação
intelectual do estudante. Nesse sentido, a análise do discurso através da fonte histórica
pode ser usada em sala de aula para preencher as lacunas que porventura a bibliografia
venha a deixar. Deve-se ressaltar com cuidado que aquilo que se apresenta ao aluno
pode não ser fiel à realidade histórica, o discurso é produzido por um indivíduo, com
desejos, anseios políticos, e pode ser moldado e propagado da forma a subverter a
exatidão dos fatos, para que então a aprendizagem seja isenta de juízos de valor. Ainda
que, para isso, o professor deve antes de tudo fazer com que o aluno reconheça o
discursista e saiba qual o meio político e ideológico que o cerca. Michel Foucault alerta

139
que todo discurso é controlado conforme o meio, e definido socialmente conforme as
instituições de poder:

suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo,


controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de
procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar
seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.
(FOUCAULT, 1996, p.8)

Todavia o discurso, no tocante a aprendizagem histórica, deve produzir uma


inquietação, uma vontade pelo “querer saber mais” uma excitação na qual nem mesmo a
bibliografia sobre o assunto produza, e é dessa inquietação na qual será produzida a
aprendizagem, de acordo com Foucault uma inquietação no sentido de:

[...] sentir sob essa atividade, todavia cotidiana e cinzenta, poderes e perigos
que mal se imagina; inquietação de supor lutas, vitórias, ferimentos,
dominações, servidões, através de tantas palavras cujo uso há tanto tempo
reduziu as asperidades. (FOUCAULT, 1996 p. 8)

Nesse sentido, o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg (1946) acabou por revelar
projetos engendrados pelos nazistas, que podem ser explorados pelo professor como
formas de abordagens comparativas do contexto sócio-político, surgindo assim novos
problemas e objetos de estudo. Um exemplo de abordagem que possa surtir efeito no
processo de ensino e aprendizagem é estudar cada indivíduo conforme sua posição na
hierarquia e obviamente seu discurso produzido. Para isso as fontes sobre o Tribunal de
Nuremberg possibilitam o aluno conhecer, por exemplo, o projeto de perseguição e
represália aos judeus revelados nos depoimentos de Julius Streicher:

Mesmo antes de 1933, durante o período chamado de luta, quando ainda


tínhamos o outro governo, afirmei publicamente durante uma reunião que
era uma desgraça que houvesse colocado na Cidade Velha uma
monstruosidade tão oriental de um edifício. Após a tomada do poder, eu
disse ao prefeito que a sinagoga deveria ser destruída, e ao mesmo tempo o
planetário. (STREICHER, 1946)

[...] a ordem foi então dada em Novembro daquele ano para atear fogo às
sinagogas, que não foi culpa minha. Então eu dei a ordem, após a tomada do
poder para que cada sinagoga na minha cidade fosse derrubada.
(STREICHER, 1946)

E ainda, os projetos de trabalho escravo nos campos de concentração revelados nos


depoimentos de Fritz Sauckel:

As condições de vida nos campos dependiam das circunstancias da guerra


e, em contraste com o tempo de paz, estavam sujeitas às mesmas
limitações que se aplicavam a população alemã. (SAUCKEL, 1946)

A propaganda do partido nazista e o projeto de conspiração através dos depoimentos de


Hans Fritzsche:
140
DR. FRITZ (interrogador): Seus superiores exigiram que você marcasse sua
propaganda com o selo do antagonismo ou para estimular o ódio?

FRITZSCHE (interrogado): Sim, isso acontecia com frequência, mas não


era exigido que o antagonismo ou o ódio fosse agitado contra os povos. Isso
foi expressamente proibido porque queríamos conquistar esses povos para o
nosso lado, mas repetidamente eu fui solicitado a despertar o ódio contra os
indivíduos e contra os sistemas (FRITZSCHE, 1946)

No entanto, o discurso é mutável conforme a situação em que se encontra o indivíduo,


isso pode ser a chave para uma boa análise dos documentos históricos, instigar o aluno a
procurar discrepâncias nos discursos dos indivíduos pode contribuir para a
aprendizagem, de acordo com Foucault “Por mais que o discurso seja aparentemente
bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação
com o desejo e com o poder.” (FOUCAULT, 1996, p. 10) Exemplificando a partir das
fontes, no momento em que os réus poderiam fazer seu apelo ao Tribunal seus discursos
mudaram totalmente daquilo que podia se ver durante todo o julgamento:

Mas a desgraça reside justamente no fato de não ter defendido todas essas
doutrinas que guiam secretamente as ações de Hitler e um pequeno círculo
que, à luz do testemunho das testemunhas Hoess, Reinecke e Morgen,
entre outros, é agora lentamente emergindo da neblina em que estava
escondido até agora. (FRITZSCHE, 1946)

Fui abalado até as profundezas da minha alma pelas atrocidades reveladas


neste julgamento. (SAUCKEL, 1946)

O Hitler deste julgamento eu não poderia reconhecer. (SAUCKEL, 1946)

Eu quase nunca tive contato social com os ocupantes dos altos cargos do
Reich. (SAUCKEL, 1946)

Nesta última palavra, garanto solenemente que fiquei surpreso com todos
os acontecimentos políticos estrangeiros e com o início de todas as ações
militares. (SAUCKEL, 1946)

Podemos analisar a partir disso que a estratégia dos indivíduos, através do discurso
elaborado, foi fazer com que o peso da justiça fosse aliviado colocando a culpa no Alto
Comando, ele sabiam do poder da palavra por era por meio dela que se articulou seu
próprio partido, e sabiam também que dependendo de sua perspicácia para pronuncia-
las elas surtiriam um efeito totalmente favorável para eles.

Mas afinal, em que isso contribui para a construção da aprendizagem histórica do aluno
e para o ensino de História de um modo geral? Podemos dizer que a análise dos
discursos seja em fontes escritas ou fontes orais aproximam ainda mais o estudante do
contexto histórico no qual ele está estudando, e ainda fazem refletir sobre o próprio
meio em que vive, a sociedade, a política, a cultura e é claro os discursos produzidos em
sua época. O discurso contribui, sobretudo, para desfazer certo afastamento de interesse
que o jovem tem da forma de ensino mais pautada na bibliografia. Desse modo
141
podemos considerar que o uso do documento histórico em sala de aula é imprescindível,
pois, além de facilitar o processo de aprendizagem do aluno, revela ao professor
inúmeras formas de como trabalhar com temas que por vezes podem ser maçantes
quando pautados apenas nas bibliografias.

Referências

BLOCH, Marc L. B. A observação histórica. In: ______. Apologia da História, ou, o


ofício de historiador. prefácio, Jacques Le Goff; apresentação a edição brasileira, Lilia
Moritz Schwarcz; trad. André Telles. – Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 14ª ed. – São Paulo: Edições Loyola,
1996.

FRITZSCHE, Hans; STREICHER; Julius; SAUCKEL; Fritz. Depoimentos prestados


ao Tribunal de Nuremberg. Yale University, The Avalon Project Documents in Law,
History and Diplomacy. The Blue Set vol. 11 ao 22. Acesso em:
Avalon .law.yale.edu em 01 mar. 2007.

142
O ENSINO DE HISTÓRIA PRÉ-COLONIAL:
ESTUDO DE CASO DOS LIVROS DIDÁTICOS DO
6O ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Jelly Juliane Souza de Lima
Cecília Maria Chaves Brito Bastos

Introdução

“Ao projetarmo-nos rumo ao passado, acabamos por nós conhecer melhor”


(HODDER, 1986, p. 106).

Considerando a citação acima, essa apresentação tem como objetivo mostrar o que têm
sido escrito sobre a temática do passado pré-colonial nos livros de História do 6o ano do
ensino fundamental distribuídos nas escolas públicas da capital Macapá/AP. Para tanto,
alguns livros didáticos selecionados serviram como base para o presente estudo.

Ensino de História e Arqueologia

A produção acadêmica voltada para o processo de ensino-aprendizagem dos diferentes


níveis escolares referentes à temática indígena data de 22 anos atrás. Como exemplo de
livros especializados, podemos citar “História dos índios no Brasil”, organizado por
Manuela Carneiro da Cunha (1992) e “Temática indígena na Escola. Novos subsídios
para professores de 1 e 2 graus”, organizado por Aracy Lopes da Silva e Luiz Donizete
Grupioni (1995). Na sala de aula das universidades são essas algumas das obras
indicadas como leitura para os acadêmicos, bem como para dar suporte na sala de aula.

Entretanto, a maior parte das publicações especializadas não chegam ao grande público
e na universidade. A esse respeito, mesmo nas universidades o conhecimento produzido
pela arqueologia é pouco difundido, ficando por vezes reservado aos profissionais dos
departamentos que lecionam disciplinas específicas ou ainda dos setores de pesquisa em
arqueologia que fazem parte destas instituições (LEITE, 1995), o que também não
garante que os acadêmicos formados saiam do curso preparados para lecionar sobre a
História Pré-colonial.

A partir da importância do estudo sobre o passado pré-colonial é que se faz necessário


que se discuta e se criem estratégias que busquem valorizar a nossa história e a ensiná-la
na sala de aula. Nesse sentido, o livro didático é uma das ferramentas que podem ajudar
a difundir esse conhecimento. Mas como lecionar esse tema? Onde achar os aportes
necessários para torná-lo atraente para os alunos? Voltemos ao livro didático.

143
Os livros didáticos

As primeiras percepções sobre os ameríndios pode ser encontrada na historiografia.


Entre os séculos XVI ao XX, vários discursos acabaram por influenciar a escrita da
nossa história. Como o livro didático é por vezes utilizado como material exclusivo, os
mesmos não acompanham as discussões produzidas dentro da História, acarretando na
propagação de visões tradicionais. Pesquisas sobre a produção e uso de livros didáticos
no ensino de História têm proliferado na forma de artigos, monografias, dissertações e
teses (BITENCOURT, 2004, p. 296).

Ademais, livros didáticos são importantes documentos utilizados por professores como
forma de ensinar e aprender na sala de aula. Por isso, é necessário ter atenção e fazer
leituras críticas antes de utilizá-lo. Um outro ponto a ser levantada recai sobre o governo
e editores. Ambos se aproveitam do despreparo dos professores e das condições de
trabalho nas escolas e assim encontram um espaço lucrativo para vender os “pacotes
educacionais” (BITTENCOURT, 2004, p. 295).

Em decorrência dessas deficiências podem ser encontrados conteúdo defasados, lacunas


e erros conceituais. Além disso, quando se trata das produções didáticas, os assuntos são
muito variados, o que torna complicada a missão de escrever um livro com temas tão
diversos. Na própria graduação em História, por exemplo, é difícil ser conhecedor de
todos os temas, fator pelo qual a formação se restringe, usualmente, a um campo do
saber (BARROS, 2004).

Os livros usados para fazer o diagnóstico são: História temática: diversidade cultural e
conflitos, 2004; História: sociedade e cidadania, 2006; História das cavernas ao terceiro
milênio. Dos primeiros seres humanos à queda do império Romano, 2006; Amapá:
vivendo a nossa História, 2008; Projeto Araribá história: ensino fundamental, 2010;
Estudar história: das origens do homem à era digital, 2011; História viva e integrada 6
ano, 2011 e Projeto Radix: raiz do conhecimento-História-6 ano, 2011, todos usados no
6o ano do ensino fundamental.

Para fazer o diagnóstico fez-se uso da referência “Ensino de História: Fundamentos e


métodos. São Paulo: Cortez, 2004”, principalmente o capítulo “Livros e Materiais
didáticos de História”. Em geral todos os livros usados em 2013 já estavam
desatualizados. Quanto as teorias existe a presença do etnocentrismo, primitivismo,
evolucionismo e determinismo. O uso de conceitos é extremamente equivocado. Em
relação aos sítios citados, predominam como conhecidos os de Minas Gerais com o
achado do crânio de Luzia, Piauí com a Serra da Capivara e Santa Catarina com os
Sambaquis. Na região Amazônica são citados apenas os sítios marajoara do Pará.

Alternativa

Dentre os demais Estados do Brasil, o Amapá é um dos que se destaca pela quantidade
de sítios arqueológicos e de suas características singulares, o que atesta uma riqueza
cultural do nosso passado pré-colonial. Para enfim responder as perguntas feitas
inicialmente: como lecionar esse tema? Onde achar os aportes necessários para torná-
144
lo atraente para os alunos?, pois não bastava apontar as falhas dos livros didáticos do
6o ano do ensino fundamental.

A alternativa encontrada foi trabalhar com os eixos temáticos e a chamada História local
bem como as proposta da Educação Patrimonial. Além disso, fez-se a produção de uma
cartilha didática sobre a História Pré-Colonial do Amapá sistematizando as informações
sobre a arqueologia da região. Com a cartilha, montou-se um kit didático contendo
réplicas de artefatos arqueológicos que fazem parte das atividades propostas. Desta
forma, ao apresentar ao aluno o objeto, o mesmo fará parte da etapa do processo de
ensino-aprendizagem.

Considerações finais

É necessário que cada vez mais as pesquisas se voltem para o livro didático a fim de que
contribuam com propostas de criação de estratégias que desconstruam os discursos
cristalizados na História do Brasil. Contudo, nesse momento, ressalto que um livro ideal
é sempre questionável. Esses lacunas vão continuar a perdurar enquanto não haver uma
articulação entre o conteúdo e metodologia; professores, governo e editoras, bem como
entre História e Arqueologia.

Referências Bibliográficas

DA SILVA, Aracy; GRUPIONI, Luís & MACEDO, Ana. A temática indígena na


escola: novos subsídios para professores de 1o. e 2o. graus. Mec, 1995.

BARROS, JOSÉ. O campo da história: especialidade e abordagem. Petrópolis:


Vozes, 2004.

BITTENCOURT, Circe. Identidade nacional e ensino de história do Brasil. In:


História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 2 ed. São Paulo. Contexto,
2004.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: Fundamentos e métodos. São Paulo:


Cortez, 2004.

CUNHA, MANUELA. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1992.

LEITE, NÍVEA. O ensino da Pré-História nas escolas de 1 a 2 graus. IN: KERN, Arno
Alvez. Anais, 8ª Reunião Científica da SAB-Sociedade de Arqueologia Brasileira,
Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.

145
ENSINO E HISTÓRIA: UMA ABORDAGEM
ATRAVÉS DE MODOS E MODAS EM SÃO LUÍS
(1920)
Jéssica Mayara Santos Sampaio

Este trabalho se propõe a analisar as transformações sociais no contexto urbano da


cidade de São Luís, por meio da análise da moda e do comportamento no período de
1920, com o intuito de compreender os reflexos do processo histórico e das relações
presentes na sociedade, através da questão da moda, um dos traços da relação entre o
indivíduo e a sociedade, elucidando as alterações que acompanharam o ritmo de
modernização das cidades.

O cenário urbano propiciava para homens e mulheres novos espaços de sociabilidade.


No entanto, para as mulheres da elite, que passaram a ter mais contato com o espaço
público, era necessário mostrar roupas que não desconstruísse sua moralidade, elegância
no modo de andar e falar, a sedução através dos artifícios da beleza, o que era ideal para
conseguir um bom casamento e status social.

Em 1920, estar na moda é adequar-se aos novos hábitos de influência, principalmente,


francesa, que se instalaram nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo e depois
chegaram à cidade de São Luís, que não se encontrava no mesmo ritmo de
modernização.

Silva (2011, p. 29) entende que, com o crescimento das cidades e o surgimento do modo
de viver urbano que se fixou no início do século XX, homens e mulheres tiveram que
adaptar-se a vida na cidade. A urbanização e a modernidade criaram um novo ambiente
na cidade para a sociedade, porém a infraestrutura caminhava em um ritmo diferente da
modernização.

Esse momento de transição de cenários urbanos, costumes e valores, revela as


transformações que vão desde a preocupação com a beleza e saúde até a circulação de
mulheres da elite na ruas, devido ao desenvolvimento de locais de interação social,
cinemas, cafés, praças, bailes.

A moda também é um “instrumento” de rivalidade entre classes. As classes mais


favorecidas economicamente estão em busca da mudança e novidade, com a finalidade
de esbanjar, identificar a posição social. O sentimento de pertencimento está
relacionado com a aparência, o ter e o ser, o investimento para aparecer nas ruas ou em
reuniões é exorbitante, pois além de manter, revigora as relações políticas, econômicas e
sociais.

A modernidade representou a novidade do progresso e uma possível ruptura com a


tradição, relações sociais e estilo de vida. Lipovetsky (2009, p. 32) afirma que a partir
desse momento as mudanças vão precipitar-se; as variações do parecer serão mais
146
frequentes, mais extravagantes, mais arbitrárias; um ritmo desconhecido até então, ou
seja, a mudança tornou-se uma característica da modernidade e, além disso, despertou o
fascínio pela distinção social e pela (re)construção da tradição e comportamentos.

A beleza, e não o intelecto, era a arma para ser ou se tornar “alguém”, afirma Calanca
(2011, p.98). Desse modo, a aparência se tornou uma alternativa às mulheres para
estreitar as interações sociais, as mudanças em relação ao destino da mulher, que agora
podia participar de outro espaço que não fosse o privado, com nova representação do
vestir, através do refinamento e da conduta.

Devido à dinamização da vida social e urbana, as oportunidades de exibição se tornaram


mais frequentes, assim como os olhares sob a conduta e as críticas. Diante das
transformações do espaço urbano, houve grande preocupação acerca do comportamento
e valores tradicionais da sociedade. Para isso, foram estabelecidos novos ideais de
comportamento e modelos para que houvesse a possibilidade de enquadramento em
novos padrões.

O desenvolvimento da moda produziu no século XX, a busca pelo bem estar,


identidade, afirmação social. Os discursos e práticas sociais indicam que a moda, os
objetos e o afastamento entre classes diferentes, permitem o entendimento das relações
política, social e econômica, já que a moda se torna um elo entre o consumo, aparência
e a sociedade.

A História Social da moda e dos costumes é equivalente ao estudo das transformações


sociais, culturais e econômicas da sociedade, de modo que estão articulados com as
condições das mudanças e a forma como as pessoas se posicionam frente a padrões
novos ou modificados.

A abordagem sobre moda, gênero e comportamento é pertinente na medida em que


existe a preocupação com o momento de transição do cenário urbano, costumes e
valores, que vão desde a manutenção da beleza até os locais de interação social que
surgiram com o novo ritmo de vida. Por isso, a importância da utilização de fontes
como periódicos e estudos bibliográficos, instrumentos de construção da memória,
análise de acontecimentos individuais e coletivos para a compreensão das
transformações urbanas e de beleza para compreender os papéis sociais de homens e
mulheres, padrões de comportamento, as mudanças urbanas e os discursos de
representação que envolvem ideias e experiências de determinado período.

Dentro do ensino da História, os livros didáticos seguem a tradição da narração e da


abordagem reducionista, ainda que apresentem construções históricas conflitantes,
geralmente ficam a disposição do professor para esclarecer e apresentar novas
informações, para aumentar as possibilidades de interpretações sobre os temas
abordados em sala de aula.

Entende-se que há necessidade de incluir reflexões e investigações sobre modos e


modas em conteúdos presentes nos livros didáticos, que não abordam com freqüência,
temáticas referentes à questão de gênero, beleza, comportamento, representações,
desenvolvimento da cidade, entre outros. De modo que, o livro didático como suporte
do conhecimento escolar, representa um “vínculo de um sistema de valores, de
147
ideologias, de uma cultura de determinada época e de determinada sociedade” (
BITTENCOURT, 2004, p. 302).

No entanto, pode-se também recorrer a uma diversidade de fontes para construir ou


reinventar um tema, basta que o professor tenha comprometimento e proporcione como
afirma Bittencourt (2004, p. 320), “no cotidiano das aulas, as ferramentas básicas para o
saber estudar ou saber pesquisar”.

O estudo do passado se desenvolve através de interrogações que surgem no cotidiano,


para então interpretar fatos e construir novas reflexões de variados temas. Logo, o livro
didático ainda representa importante fonte para o leitor. De acordo com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional ( Lei Nº 9394/96 LDB), principal lei que
ampara a educação no Brasil, no artigo 26, é possível observar a importância das
características regionais e locais que tem por objetivo contribuir com o desenvolvimento
do aluno através do conhecimento sobre a cultura, econômica e outros aspectos
importantes para o estudo.

O livro didático ainda é o instrumento mais utilizado no processo ensino aprendizagem,


no entanto o aprendizado fica a cargo do professor que elabora formas de ver e entender
os acontecimentos, seja através da política, da educação, entre outros. A abordagem
elucida as transformações sociais por meio da análise da moda e das representações de
gênero, o ensino da História deve problematizar os conteúdos, temas e explorar a
história local.

O trabalho do professor em sala de aula requer cuidados, é importante organizar os


conteúdos e utilizar ferramentas que dinamizem a transmissão de informações sobre
determinado assunto, para que exista interação e interesse dos alunos.

É necessário que professores e alunos busquem a renovação dos conteúdos e


problematizações históricas, de modo que “estabeleça um elo com o presente através de
características e acontecimentos do passado”, bem como afirma Schmidt e Garcia
(2005). Desse modo, perceber questões urbanas e sociais através da leitura da moda,
seja pela vestimenta ou a sua produção, a estruturação da cidade, a política, entre outros,
como um novo instrumento para o olhar do aluno sobre a história de São Luís.

Cada aluno tem de se perceber como um ser social, como sujeito de sua própria história
(Pinsky. In: KARNAL, 2005, p. 28). Logo, a aproximação com a História permite a o
estreitamento com a cultura, a educação, entre outros, e o desenvolvimento de um
cidadão que responda questionamentos que duram décadas, como as relações de gênero
por exemplo, e a cultura. Sendo assim, o ensino da história pode proporcionar ao aluno
a problematização de conceitos, a contextualização de problemas e as condições para
buscar possíveis soluções.

Referências

BITTENCOURT, Circe Maria F. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São


Paulo. Ed Cortez, 2004.
148
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília-DF: 1996

CALANCA, Daniela. História Social da Moda. 2 ed. São Paulo: Editora Senac, 2011.

FREYRE, Gilberto. Modos de homem e modas de mulher. 2 ed. rev. São Paulo:
Global, 2009.

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades


modernas. São Paulo: Companhia das letras, 2009

PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma história prazerosa e conseqüente.
In.: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.
São Paulo: Contexto, 2005.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos; GARCIA, Tânia Maria F. Braga. A
formação da consciência histórica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de
história. Caderno Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 297-308, set./dez. 2005.

SILVA, Camila Ferreira Santos. “A mulher deve ser bela, deve ter graças e
encantos”: educação de salão na São Luís republicana (1890-1920). Dissertação
(Mestrado em Educação) – Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade
Federal do Maranhão, São Luís, 2011.

149
FUTEBOL, RACISMO E ENSINO DE HISTÓRIA:
POSSIBILIDADES EM SALA DE AULA
João Pedro Pereira Rocha

O campo do Ensino de História, em particular, recorre a problemáticas que fazem parte


do cotidiano de crianças e jovens, possibilitando caminhos de interpretações sobre o
passado. O presente, por meio de problemas diversos, pode ser tomado como ponto de
partida nas aulas de história. Nesse contexto, a discussão aqui apresentada caminha no
sentido de lançar algumas reflexões acerca de uma questão presente na sociedade
brasileira, o racismo. Assim, o objetivo aqui é apontar possibilidades de abordar o
racismo nas aulas de história, fazendo uso de um elemento significativo da cultura
brasileira, o futebol.

As reflexões serão construídas a partir de dois episódios da História do Futebol


Nacional e que fornecem subsídios para pensamos seu uso como ferramenta na
discussão sobre racismo nas aulas de história: o contexto de sua popularização e o da
Copa de 1950. A presença da história do esporte em sala de aula, com vistas à
historicidade do racismo nos diversos meios de relações sociais será o curso das
reflexões aqui apresentadas. Os resultados expostos será fruto de possibilidades de uso
didático do futebol na disciplina história.

O pesquisador Roberto DaMatta (1982) define o futebol como sendo o local por meio
do qual a sociedade fala, apresenta-se, deixa descobrir-se, enfiam, permite um leitura
sociológica da sociedade. Essa leitura social, e que o futebol permite fazer lança luzes
para abordagens que objetivam a historicidade do futebol, seu desenvolvimento ao
longo da história. Assim, e como afirma Carlos Moore (2007), a análise sobre o racismo
dar-se em uma perspectiva que atenta para sua construção histórica e social.

Ao fazer uso do futebol como elemento histórico na discussão sobre racismo em sala de
aula, a história do esporte poderá se abordada de modo a apresentar fatos e
acontecimentos que prescrevem a atuação do racismo na sociedade, por exemplo. A
popularização do futebol no Brasil ocorreu no momento em que a participação dos
negros no futebol tornou-se mais evidente, inclusive com a participação em agremiações
desportivas. Entretanto, essa participação sempre foi permeada de conflitos, os quais
tinham na questão racial a raiz para os embates, inclusive em meio a manifestações de
racismo.

O modo como às relações sociais eram estabelecidas, na origem, ou pelo menos quando
algumas dos atuais e populares clubes desportistas começavam a se desenvolver tipifica
bem a configuração social do Brasil no inicio do século XX. Mario Filho assim
descreve a realidade construída em torno da popularização do futebol, no Brasil:

150
O Fluminense e o Botafogo não viam problema nessa vulgarização do
futebol. A arquibancada ficava de um lado, a geral do outro. Tudo separado.
Não bastava saber jogar futebol para entrar num clube como o Fluminense e
o Botafogo. Era preciso ser de boa família. (FILHO, 2010, p. 51)

É no próprio Fluminense Football Club que a trajetória do esporte no Brasil registrou


um fato marcante. Na ocasião o ex-jogador negro, Carlos Alberto, em 1914, teria usado
pó-de-arroz como forma de “clarear” a pele. A reflexão exigida em sala de aula não
pode se restringir ao fato em si; ao pensar a história ensinada, as discussões devem ir
além. A contextualização do fato apontará, entre outras, um Brasil que há poucas
décadas abandonará o regime escravista em meio a nenhuma política de reparação
frente ao povo negro. Aliado ao descaso promovido pelo Estado estaria o modo como às
relações sociais eram estabelecidas, e é nesse ponto que o comportamento do ex-jogador
Carlos Alberto pode ser interpretado. Essa abordagem em sala de aula poderá ser feita
tomando o ato do jogador como forma de inserção em um meio racista, tendo em vista
que clubes como o Fluminense, na época, limitava espaço aos jogadores negros. Assim,
a discussão poderá desembocar em caracterizações sociais pelas quais o negro busca
ascensão e aceitação social, por meio de um esporte que se popularizava.

Tomando o racismo como construção histórica (MOORE, 2007), sua abordagem em


sala de aula deve compreender sua atuação ao longo do tempo. No caso da História do
Futebol, outro episódio em que o racismo se manifestou, e que pode ser abordado em
sala de aula, ocorreu no ano de 1950, na Copa do Mundo realizada no Brasil, e que
ficou conhecido como “maracanaço”. Em sala de aula essa questão poderá, a critério do
profissional, ser abordada dentro de um plano no qual a historiografia do futebol
discute: o contexto social e político do Brasil em meados do século XX.

A Copa de 1950 procurou, entre outras, comprovar a capacidade evolutiva e


civilizacional da sociedade brasileira, sobretudo aos europeus (FRAGA, 2014). A
derrota na final ante a seleção uruguaia colocou por terra muitas expectativas, causou
decepções e deixou latente algumas veias históricas, dentre as pulsantes estava o
racismo. Sobre a derrota o historiador Gerson Fraga escreve:

Não havia porque fazer tabula rasa de um passado marcado por


preconceitos. Eles estavam ali, dissolvidos entre os expectadores da partida,
entre aqueles que haviam lido Oliveira Lima, Euclydes da Cunha ou Paulo
Prado, mas também entre aqueles que não haviam lido, ou sequer sabiam
ler, mas que eram atingidos por tais teorias através de outros caminhos...
(FRAGA, 2014, p.434)

Já o historiador Hilário Franco Júnior, assim comentou o fato:

Mas sobre três jogadores negros é que foram lançadas as críticas mais
pesadas: o goleiro Barbosa, o zagueiro Juvenal e o lateral-esquerdo Bigode.
O problema da raça brasileira reaparecia de forma aguda, reforçando o
complexo de inferioridade existente. Para muitos discursos racistas a
composição étnica havia definido a sorte de nossa seleção assim como
definiria a sorte da própria sociedade. (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 91)

151
A culpabilidade destinada ao negro pela infelicidade em campo, como aponta os
historiadores, é carregada de preconceito racial. Um racismo que vinha de todos os
lados, independente da instrução o julgamento aos culpados selecionou o homem negro
como responsável pela derrota. Essa situação caracterizou a sociedade brasileira da
metade do século XX, que na complexidade de suas raízes refutava a possibilidade de
uma “democracia racial”.

Abordadas em sala de aula essas questões podem proporcionar discussões que


contextualizam quadros da formação social brasileira. Neles o aspecto do racismo se fez
presente em diferentes momentos da história do futebol, algo que aponta para
abordagens que exponham a dimensão de seu enraizamento das esferas da sociedade.
Esse ponto poderá desencadear discussões, em sala, que pensem estratégias de combate
ao racismo observando suas diferentes estâncias de manifestação. Como assinala a
pesquisadora Hebe Mattos:

Se o racismo não diz respeito apenas à intolerância cultural, mas a


preconceitos ainda mais profundos, o aprendizado do respeito às diferenças
está na base de qualquer possibilidade de superação de sua recorrência na
sociedade brasileira. (MATTOS, 2009, p. 127)

A orientação que a pesquisadora deixa sobre a profundidade do racismo poderá nortear


reflexões de sua relação com os episódios aqui apresentados, e passíveis de uso nas
aulas de história. Na medida em que ações com a do ex-jogador Carlos Alberto servem
para abordar o conceito em sala de aula, também auxiliam discussões que possibilitam
ao estudante perceber o uso do “pó-de-arroz” como sendo uma forma de driblar um
preconceito institucionalizado. O recurso poderá ser debatido a partir de uma
perspectiva de negação a cor, uma vez que a opressão psicológica desencadeada por
atos racistas levam sujeitos a buscar inclusão em normas de padrões estabelecidas, e a
da época tinha o universo branco como plano de fundo.

Em conjunto com o episódio na Copa de 1950 os casos de racismo descritos aqui


poderão ser discutidos por professores de história, também e, a partir de casos recentes
de manifestações racistas no futebol. Por um lado estudantes terão a oportunidade de
visualizar o racismo como construção histórica e que sua presença no século XXI é uma
declaração das profundezas necessárias ao seu combate. Com isso, enfatizar o respeito
ao outro, aos direitos humanos e a justiça social são caminhos necessários ao
desenvolvimento pleno da cidadania. Indagar em sala de aula as possíveis mudanças e
permanências em relação ao racismo de ontem e de hoje, por meio do futebol, pode vir a
ser um caminho positivo na objetivação do papel social do conhecimento histórico em
sala de aula.

Referências Bibliográficas

DAMATTA, Roberto. Futebol: Ópio do Povo ou Drama de Justiça Social? Novos


Estudos Cebrap, São Paulo, v. 1, 4, p. 54-60, nov. 1982.

152
FRAGA. G. W. Uma triste história de futebol no Brasil: o maracanaço –
nacionalidade, futebol e imprensa na Copa do Mundo de 1950. Passo Fundo: Méritos,
2014.

FRANCO JÚNIOR, Hilário. Futebol, micro-história do mundo contemporâneo. In: A


dança dos deuses: futebol, sociedade, cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 2007,
p. 25-162.

MATTOS, H. O ensino de história e a luta contra a discriminação racial no Brasil. In:


ABREU, Martha, SOIHET, Rachel. Ensino de história: conceitos, temáticas e
metodologia. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra. 2009, p. 127-136.

MOORE, Carlos. Racismo: passado conflituoso, presente comprometido, futuro incerto.


In: Racismo e sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racismo. Belo
Horizonte. Mazza Edições, 2007, p. 279-304.

153
O PIBID NO COTIDIANO ESCOLAR - UM
RELATO DE EXPERIÊNCIA DA DISCIPLINA DE
HISTÓRIA
Kêmeron Chagas dos Reis Almeida
Carlos Jordan Lapa Alves

Introdução

Segundo pesquisa realizada pela BBC/Brasil (2014), que compara notas e alfabetização
em 40 países, o Brasil ficou em 38º lugar. Diante disto, infere-se que há muito que se
fazer para alavancar a Educação Brasileira. Diante desta realidade surge a questão:
Como desenvolver uma educação de qualidade e o que seria uma educação de
qualidade? Freire (1967, p. 90) aponta a educação como aquela que proporciona “ao
homem uma discussão corajosa de sua problemática, [...] que o colocasse em diálogo,
que predispusesse a análise crítica de seus achados”.

Considerando essa educação, a que se julga como sendo ''de qualidade'', vê-se a
importância de destacar o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência -
PIBID/CAPES como mecanismo de promoção de uma educação de maior qualidade,
pois além de permitir aos Bolsistas de Iniciação a Docência elaborarem e
desenvolverem projetos direcionados à formação da qualidade de alunos da Educação
Básica o projeto potencializa a formação dos licenciandos participantes do programa.
Nesse contexto, o presente relato pretende fazer um paralelo entre duas escolas do
município de Cachoeiro de Itapemirim, ES. A primeira, doravante “Escola A”, é
beneficiada pelo programa, a segunda, doravante “Escola B” é despossuída dos
investimentos financeiros e dos recursos humanos do PIBID. Nesse sentido, é
importante ressaltar que um dos autores deste relato participou do cotidiano de ambas as
escolas, sendo a primeira como bolsista do PIBID e a segunda como estagiário, parte
dos requisitos para colação de grau.

O papel da escola

Muitos dos problemas encontrados no processo de ensino-aprendizagem não é somente


responsabilidade do professor. A própria escola possui, também, grandes
responsabilidades, por exemplo, mediar situações com a família e viabilizar meios para
que todos os agentes que coexistem na escola, possam crescer juntos. Chervel (1990, p.
184) apud Fonseca (2003, p. 34) diz que o papel da escola é duplo: “(...) de fato, ela
forma não apenas os indivíduos, mas também uma cultura que vem, por sua vez,
penetrar, moldar, modificar a cultura da sociedade global”.

154
A escola tem um papel fundamental de interagir com a família dos alunos no contexto
escolar. Afinal, é preciso que a família passe a acompanhar de forma efetiva a vida
escolar de seus filhos, para que o papel de ambos se complemente. Trata-se de uma
relação de mudança educacional como forma de reavaliar, de refazer as práticas
pedagógicas para inclusão dos alunos de forma eficaz nas aulas, permitindo que eles
sintam, se não prazer, ao menos a necessidade de um estudo sério das disciplinas,
reconhecendo-as como fundamentais para a formação enquanto alunos. Nesse sentido, a
escola precisa trabalhar junto ao professor, pois como afirma Nóvoa (1992, p. 17) as
escolas não podem mudar sem o empenho dos professores, e estes não podem mudar
sem uma transformação das instituições em que trabalham. O desenvolvimento
profissional dos professores tem que estar articulado com as escolas e seus projetos.

Além disso, “a mudança educacional depende dos professores e da sua formação.


Depende também das transformações das práticas pedagógicas na sala de aula”
(NÓVOA, 1992, p. 17), ou seja, é muito difícil melhorar a qualidade na educação
brasileira se não houver um sincronismo entre escola, professores, alunos e famílias.
Dessa maneira não há chances de existir uma educação que possibilite uma
aprendizagem mais inovadora, lúdica, que desperte o senso crítico dos alunos fazendo-
os formadores de opiniões.

Os dois lados da educação: relato de experiência

Diante deste contexto, fica evidente a preocupação de se estabelecer uma educação de


qualidade, e é importante que o professor que está em início de carreira profissional
saiba lidar com as problemáticas em seu dia-a-dia escolar, tendo o mínimo de
experiência possível para saber tomar decisões cabíveis. No entanto, como esse “novo
professor” pode possuir algum tipo de experiência, uma vez que esta é sua primeira
experiência como professor regente? Essas experiências devem se originar com o
contato com as escolas no início de sua formação, através dos estágios supervisionados,
por exemplo, ou então através do PIBID, que muito tem contribuído para a formação e
capacitação de professores.

Na presença de ambas as escolas, foi possível perceber na Escola “A” como que o Pibid
ajuda na elaboração de projetos e eventos, os quais na Escola “B” percebe-se
dificuldades. Por exemplo, na elaboração da Semana Cultural ocorrida na Escola “B”,
houve uma dificuldade muito grande por parte dos professores, que em sua maioria
buscava algo menos trabalhoso, uma vez que, não possuíam tempo suficiente para uma
organização de maior porte. O evento ocorreu às pressas, sendo organizado de última
hora, não por má vontade dos profissionais, mas porque foi a melhor maneira
encontrada diante do tempo escasso de cada professor.

Agora, se a Escola “B” possuísse bolsistas do Pibid, assim como na Escola “A”, não
digo que a organização do evento seria perfeita, mas com certeza com melhor
planejamento, uma vez que o bolsista estaria nos bastidores, auxiliando os professores,
ao mesmo tempo em que aprende sobre as atribuições docentes, uma vez que estando
inserido num contexto escolar, está à mercê de todas as situações em que o mesmo
poderá enfrentar futuramente quando de fato assumir uma sala de aula.
155
O primeiro projeto vivenciado enquanto bolsista do PIBID na Escola “A” era voltado
para observação e interação, no qual o bolsista tinha que acompanhar cada professor da
Escola “A” em dias diferentes e conhecer as especificidades de cada turma, observando
suas limitações e dificuldades, promovendo planos de estratégias para uma possível
diminuição do problema, além de promover também atividades que objetivavam
interagir o aluno, professor e, também com o bolsista. Dessa maneira, o bolsista ajudava
não somente em manter a ordem em sala de aula, como também auxiliava o professor
no processo de aprendizagem e, além disso, no desenvolvimento dos princípios éticos,
estéticos e políticos. Por outro lado, analisando a realidade da Escola “B”, se houvesse a
existência de bolsistas que auxiliassem tais professores nesse processo, possibilitaria
talvez uma diminuição na falta de atenção existente por parte dos alunos, e ajudaria na
propagação do respeito mútuo entre colegas de classe.

Com a análise do cotidiano da Escola “B”, verifica-se a necessidade da aplicação de


determinados projetos para melhoria da escola. Por exemplo, uma turma específica da
Escola “B” foi considerada a pior turma da instituição, pois os mesmos não são
interessados, alguns são arrogantes, não estão preocupados com suas notas e com sua
formação. Nesse caso, se houvesse a intervenção do Pibid poder-se-ia, juntamente com
os professores, ser organizado um projeto de intervenção trabalhando questões
humanísticas com a turma, com mensagens de motivação, mostrando para os alunos que
eles são importantes e que precisam pensar em suas escolhas de vidas no futuro.

Outro relato necessário a se fazer para destacar a melhoria da qualidade da educação da


Escola “A” refere-se a aplicação do projeto “Brincando e Interagindo”, desenvolvido
pelo Pibid. O projeto tinha como objetivo utilizar os jogos, no caso em grupos paralelos,
no processo de alfabetização, de uma forma lúdica e menos cansativa dos alunos serem
alfabetizadas. Percebeu-se que essa metodologia de ensino, foi muito importante e
necessária para trabalhar com os alunos com maiores dificuldades de reconhecer as
letras, sílabas e palavras.

Em suma, observa-se que a presença de um bolsista do Pibid na escola facilita o


trabalho do professor, uma vez que muitos destes acabam ficando condicionados a
transmissão de conteúdos e contribui para a formação de uma educação de qualidade.

Considerações finais

Diante das experiências vividas foi possível compreender que a Escola “B” fica em
grande desvantagem em relação a Escola “A” a nível de práticas pedagógicas
diferenciadas, ou seja, a presença do Pibid, seja em qualquer escola, se bem
implementada por seus bolsistas tende a trazer grandes benefícios tanto para escola,
quanto para o bolsista que se encontra na graduação. Situação também benéfica para
escola porque os bolsistas do Pibid podem trabalhar de forma integrada com toda a
comunidade escolar, através de projetos que venham influenciar direta ou indiretamente
na melhoria da qualidade da educação do educando.

Por outro lado é vantajoso para o bolsista, uma vez que o mesmo estará investindo em
sua formação, aprendendo jeitos, maneiras de se portar com determinados problemas no
156
dia-a-dia escolar. E se a escola fizer a sua parte, e se o professor também o fizer,
obtendo ainda o auxílio de bolsistas do Pibid, com certeza o caminho para uma
educação de qualidade será ainda melhor, sem tantas dificuldades como àquelas
vivenciadas na Escola “B”.

Conclui-se então que, com o Programa Institucional de Iniciação à Docência – PIBID,


num futuro não tão distante, será possível obter boas mudanças na qualidade da
educação brasileira, o que poderá ser confirmado pelas pesquisas de rankings
futuramente realizadas.

Referências bibliográficas

BBC BRASIL. Brasil se distancia da média mundial em ranking de educação.


2014. Disponível em <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/05/brasil-se-
distancia-da-media -mundial-em-ranking-de-educacao.html> Acesso em 09 ago. 2014.

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: Experiências,


reflexões e aprendizados. Campinas, SP: Papirus, 2003.

FREIRE, Paulo. Educação Como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1967.

NOVOA, António. Formação de Professores e Profissão Docente. 1992. Disponível


em: <http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4758/1/FPPD_A_Novoa.pdf>. Acesso em:
13 jan. 2015.

157
GRÉCIA EM CENA: O APRENDER BRINCANDO
Laerte Pedroso

A história como ciência precisa estar em constante movimento e adaptação, de acordo


com as necessidades da sociedade contemporânea. O mesmo acontece com o ensino de
História. Ainda hoje o modelo de ensino predominante nas escolas de Pelotas/RS é o
Tradicional, no qual o professor é detentor do conhecimento, acumulado ao longo do
tempo, e os educandos são Alunus (sem luz) que necessitam acumular conhecimentos
para serem bem sucedidos. Nosso educando está cada vez mais conectado,
bombardeado diariamente com inúmeras informações de seu interesse, deixando a
escola, por conseguinte, cada vez mais desinteressante. Assim nos propusemos a estudar
de uma forma diferenciada conceitos sobre a Grécia Antiga através de uma metodologia
lúdica, usando o teatro como ferramenta agregadora do processo de ensino-
aprendizagem.

O teatro é uma invenção grega do século VI, surgiu em festas conhecidas como
dionisíacas, em homenagem ao deus do vinho. Por isso consideramos que ao
utilizarmos o teatro como ferramenta pedagógica para ensinar Grécia Antiga tenha um
valor simbólico muito forte. A arte dramática é apresentada na forma de jogos teatrais
em que o educando se sente transportado ao passado para interagir com o Antigo, como
se fosse Novo.

O grande objetivo foi transformar o ensino de História Antiga em algo novo, palpável,
que o educando se sentisse parte daquele processo, vivenciando o Mundo Antigo.

Revitalizando a prática pedagógica

A escola tem papel fundamental na vida todos nós, mas preciso resaltar que a minha
escola, La Salle – Pelotas, possui um papel ainda mais importante, pois embora seja
uma escola particular tem como público alvo crianças à beira da miserabilidade social
que estão inseridas em bairros pobres da nossa cidade: Bairro Navegantes, Bairro
Fátima e Bairro Cruzeiro.

Nossa escola trabalha com o norte da transformação social de uma comunidade muito
carente, que necessita de todo tipo de amparo presente e opção de futuro e, para tanto,
busca unir as forças entre professores, pais, alunos para alcançar esses objetivos.

Como educador acredito na transformação da sociedade através da educação, e o nosso


papel é mediar o conhecimento para que os educandos alcancem o maior sucesso
possível em suas vidas. Assim, minha prática pedagógica deve estar sempre em
transformação, acompanhando as novas tecnologias e metodologias de ensino-
aprendizagem, fornecendo inúmeras formas de colaboração.

158
Cena 1: Proposta e metodologia

Educar é uma tarefa complexa que exige muito estudo, qualificação e dedicação,
segundo Freire (1997, p. 25 – 26).

Quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e


forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir
conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador
dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. ( … ) Quando
vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender
participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica,
gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se
de mãos dadas com a decência e com a seriedade

Avaliando essa perspectiva todo início de ano letivo explico ao educando o que será
estudado durante o ano. Apresento o livro, os autores e o tipo de metodologia que
costumo utilizar em sala de aula, a partir daí formatamos o contrato didático que
segundo Brousseau (1996, p. 50).

O conjunto de relações estabelecidas explicitamente e/ou implicitamente


entre um aluno ou grupo de alunos, um certo milieu (...) e um sistema
educativo (o professor) para que esses alunos adquiram um saber
constituído ou em vias de constituição.

Partindo dessa investigação solicitei aos alunos que me indicassem a forma como
gostariam de aprender os conteúdos do 6º ano. Grande parte indicou que gostariam de
aprender brincando, que usasse recursos tecnológicos e práticos. Surgiu então a ideia do
teatro para o terceiro trimestre, pois aprenderam que na Grécia essa arte havia surgido e,
portanto seria legal conhecê-la por meio dessa prática. Possuo experiência em teatro
como autor, ator e diretor, assim, considerei a ideia como sendo muito válida.

Elaborei uma proposta de ação pedagógica que foi prontamente aceita pela minha
coordenação e direção da Escola La Salle – Pelotas, que me apoiaram na ideia e
propiciaram os recursos necessários para a realização da mesma, mostrando que o papel
da escola está justamente fundamentado na mediação do conhecimento.

No dia 14 de Setembro de 2015 teve início o terceiro trimestre na escola e apresentei


aos educandos a proposta de teatro. Toda a nota trimestral seria fornecida por esse
trabalho que, para tanto, seria avaliado em diversas etapas:

1. Aula expositiva e dialogada sobre Grécia Antiga. (oito aulas de 50


minutos cada).

2. Pesquisa sobre o cotidiano da Grécia Antiga (Família, relação com os


deuses, casamento, educação, arte, filosofia, música, etc.). (três aulas de
50 minutos cada).

3. Escolha do tema (uma aula de 50 minutos).

4. Elaboração do roteiro teatral. (quatro aulas de 50 minutos cada).


159
5. Produção e confecção de figurinos, adereços e cenários. (duas aulas de
50 minutos cada).

6. Criação de uma paródia musical sobre o tema. (uma aula de 50


minutos).

7. Ensaios. (três aulas de 50 minutos cada).

8. Apresentação para a comunidade escolar. (Uma aula).

Produção do roteiro teatral

Essa foi uma etapa recheada de desafios. Ao passo que iam escrevendo eu ia
acompanhando, fazendo correções históricas, dando dicas cênicas para o melhor
aproveitamento das cenas. Aos poucos, os grupos foram definindo que tipos
personagens seriam e que histórias contariam. Todos os grupos fizeram seus roteiros em
sala de aula, uma exigência minha, para que todo o trabalho fosse desenvolvido em sala
de aula, para minha mediação se fazer presente em todas as etapas da produção
intelectual e para que eles não se sentissem desamparados ou buscassem algo pronto na
internet.

Concluída essa etapa, os grupos passaram para a próxima: confecção de figurinos e


adereços.

Os ensaios

Provavelmente um dos momentos mais esperados. Inicialmente os grupos organizados


como tais fizeram leituras de texto, privilegiado as entonações que deveriam dar em
cena, formatando a personagem de acordo com aquilo que eles consideravam ser o
ideal.

Foi um momento de grande reflexão, já que os ensaios eram abertos ao público da


turma. Tomei essa atitude para evitar a “surpresa” e com ela a vergonha de se apresentar
perante a turma. Assim toda turma acompanhou o processo de todos, deixando-os mais
à vontade.

Os ensaios serviram, também, como um momento de descoberta. Muitas ações que


haviam pensado aplicar durante as leituras, não ficaram tão bons e precisaram ser
alterados.

Um grupo teve a ideia de construir uma paródia sobre os espartanos, uma feliz ideia que
foi contagiando diversos outros grupos a também criarem as suas, deixando o trabalho
mais atrativo para quem assistisse. Isso fez com que voltassem à pesquisa teórica para
que a produção musical tivesse de acordo com aquilo que buscavam apresentar.

160
Grécia em Cena

A sala de multiuso da escola foi utilizado como palco para as apresentações, contando
com a presença do nosso diretor, nossa coordenadora pedagógica e nossa orientadora
pedagógica.

As temáticas foram as mais variadas, porém algumas merecem destaque. Um grupo de


meninas elaborou uma peça teatral sobre o machismo na Grécia Antiga. Elas seriam
deusas que estariam reunião para discutir o machismo e como evitá-lo em Atenas. A
temática mais utilizada foi o modo de vida dos espartanos. Ao final de cada
apresentação os convidados faziam suas colocações, elogiando ou dando contribuições
para melhorias nos trabalhos.

Considerações finais

Não há ensino sem o educando, assim cabe ao professor e equipe de colaboradores,


fazer o possível para deixá-los cada vez mais motivado para realizar as tarefas de aula.

Percebemos que essa atividade envolvendo teatro e história na verdade extrapolou o


campo dos dois componentes, pois os educandos perceberam a importância da língua
portuguesa para produzirem seus roteiros, a importância da geometria e geografia para
fazerem seus figurinos e adereços. O trabalho deixou de ser apenas um teatro sobre
história para se transformar num teatro multidisciplinar.

Portanto, percebemos a importância do uso da arte como uma pedagogia diferenciada.


Nela encontramos o aporte do lúdico para produzir um bom resultado na aprendizagem.
Ao longo da jornada de professor sempre devemos nos revisitar, buscar novas
ferramentas para aperfeiçoarmos nossa prática. O teatro se mostrou muito uma
ferramenta eficaz, pois os alunos se sentiram agentes produtores de conhecimento e não
meros reprodutores. O educando ativo se mostra mais motivado a produzir, a engajar-se
num contexto diferenciado. Assim, podemos deixar a escola mais interessante e toda a
comunidade escolar mais feliz e realizada.

Referências Bibliográficas

BROUSSEAU, Guy. A Teoria das Situações Didáticas e a Formação do Professor.


Palestra. São Paulo: PUC, 2006.
________________. Fundamentos e Métodos da Didáctica da Matemática. In: BRUN,
J. Didática das Matemáticas. Tradução de: Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto
Piaget, 1996a. Cap. 1. p. 35-113.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.
12ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
TEIXEIRA, Anísio. Educação e o mundo moderno. São Paulo: Ed. Nacional, 1977.

161
GÊNERO, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO: UMA
ABORDAGEM DO TEMA ATRAVÉS DO ENSINO
DE HISTÓRIA DA ROMA ANTIGA
Larissa Faesser

Este texto surge da necessidade de trabalhar as temáticas de gênero e sexualidade no


contexto escolar e do desejo de promover junto às escolas uma forma de abordar esses
temas; a partir dos conteúdos trabalhados em sala de aula. Articulando discussões que
possam promover um debate em torno de gênero e sexualidade no âmbito escolar
apresento aqui, formas de refletir sobre a sexualidade por meio da História Antiga
Romana, para que desta maneira, professores e alunos, encontrem nesse período, um
propósito de estudar a história pelo viés do espaço social e cultural.

A existência de discursos moralizantes relacionados à sexualidade em nossa sociedade,


não é algo difícil de ser observado, eles fazem parte de uma construção social,
influenciada por diversos aspectos, históricos, culturais, econômicos, políticos e
religiosos, que revelam a separação entre o que é considerado apropriado para feminino
e o masculino como algo natural, pré-determinado. Mas a partir de estudos no âmbito
do gênero e da sexualidade, é possível compreender, que estas noções foram construídas
historicamente e aprendidas nas relações entre os sujeitos.

Nesse contexto, a escola se torna um importante cenário de análise da reprodução destas


construções sociais, uma vez que, segundo Martelli “A sexualidade e suas
manifestações, na maioria das vezes, são abordadas com preconceitos, repressão ou
reduzidas ao sexo, à reprodução e a contracepção” (MARTELLI, 2016, p. 3). É de
extrema importância repensar os métodos usados para lidar com essas manifestações,
pois estes, revelam concepções equivocadas, que vão permear a educação do aluno.

A combinação entre sexualidade e educação é um tema que remonta aos primórdios da


instituição escolar brasileira, o encontro com a perspectiva de gênero e sexualidade
sempre foi uma problemática neste ambiente. A partir dos anos de 1990, com a criação
dos Parâmetros Curriculares Nacionais, esse conteúdo passou a aparecer mais nos
discursos do ambiente escolar, mas ainda assim, existem conflitos relacionados a
maneira de como tratar essa temática. Muitos professores acham que o assunto
sexualidade não deve ser debatido dentro das escolas, transferindo essa responsabilidade
para outras instâncias sociais, como a família. Mas a escola como detentora de saberes e
formadora de indivíduos sociais, deve encontrar abordagens que se adequem aos
diversos assuntos promovidos durante a vida do aluno.

As manifestações da sexualidade pertencem ao cotidiano escolar; nas


conversas entre as crianças e adolescentes, nos desenhos e nas palavras
rabiscadas nas portas dos banheiros e nas paredes das salas, nas brincadeiras
e nas piadas, nos namoros, nas primeiras sensações afetivas, bem como nas

162
salas de aula, nas falas e ações dos professores e das professoras e dos
alunos e das alunas. (LOURO, 2003, p. 131).

Lidar com as manifestações da sexualidade dentro de sala de aula, conduz o professor a


repensar a sua forma de lecionar, a postura de silêncio e repressão em relação às dúvidas
associadas ao assunto, não é uma atitude correta, pois fazendo isso, o professor está
omitindo uma parte importante da vida dos alunos. Em vista disso, é importante que o
professor reveja os discursos moralizantes relacionados ao assunto, e promova
discussões a partir de conteúdos trabalhados em sala de aula.

Problematizar o natural e desconstruir os estereótipos faz parte das ações que precisam
se apresentar nas escolas, o professor se depara com diversas opções de assuntos que
podem ser trabalhados, para refletir as relações de gênero e sexualidade no ensino de
história. Esses conceitos são inseridos a partir de várias perspectivas da História Antiga
Romana, segundo Feitosa:

Sobre a História Antiga Romana, esses estudos têm permitido rever as áreas
de atuação tradicionalmente atribuídas às mulheres, as diversas formas de
atuação política e os fundamentos, composição e participação dos grupos
sociais nas variadas esferas da organização social. (FEITOSA, 2008, p. 125)

Desta forma, o professor pode encontrar na história antiga, vários materiais que o
permitam explorar a multiplicidade de linguagens e abordagens para trabalhar gênero e
sexualidade em sala de aula. Neste texto separamos dois exemplos, na História antiga de
Roma, relacionados a temática: as formas com as pessoas lidavam com a
homossexualidade e as expressões de cunho sexuais expostas nos diversos objetos
Romanos.

Na Roma antiga não se estabelecia distinções entre o amor homossexual e o


heterossexual, o prazer sexual era visto como algo natural e não trazia discursos
moralistas. Mas, segundo Brown (2009, p.219), “julga-se – e muito severamente – o
efeito que tal prazer pode exercer sobre o comportamento público e as relações sociais
do homem”. Ser homossexual na Roma Antiga, não era um problema, mas sim, ser
passivo, estes não deviam sentir prazer nas relações sexuais, mas somente dá-lo. Desta
forma, os homens de classes superior que se submetiam a “humilhação” de serem
passivos, eram julgados pela sociedade.

As representações “eróticas” encontradas no universo romano, reproduzidas em


pinturas, esculturas, cerâmicas, louças de luxo, moedas romanas, objetos lamparinas,
fontes ou pichações em muros, não eram usadas necessariamente, para representações
de cunho erótico, mas também assumiam conotações religiosas, satíricas, humorísticas,
ou simplesmente mostravam um componente natural da vida.

Apesar de expressões como sexualidade e gênero não serem empregadas naquele


período, podemos encontrar discussões que perpetuam até os dias de hoje, cabe ao
professor estudar as melhores maneiras de discutir esses assuntos, nos exemplos citados,
podemos ressaltar a questão da homossexualidade, em que o professor pode relacionar
alguns dos valores impostos na antiguidade, com o que vivemos hoje, pois em nossa
sociedade ainda presenciamos pessoas sendo julgadas ao se relacionarem com parceiros
163
do mesmo sexo. O professor precisa apenas considerar que a sociedade Romana, não
corresponde aos modelos de domínio ou submissão, com o qual as pessoas se
identificam nos tempos modernos.

A escola, como qualquer outro espaço social, é local de assuntos relacionados a


sexualidade, proporcionar maneiras de tornar esse tema mais acessível aos alunos, é
fazer com que um ambiente de opressão e repressão, se torne um espaço livre de
padrões sexistas, machistas, misóginos e homofôbicos e principalmente, com uma
vivência mais livre e prazerosa em relação ao bem-estar de todos os envolvidos no
processo.

Referências

LOURO, Guacira Lopes. Corpo, escola e identidade. In: Educação e Realidade,


Jul/dez. 2000.

FEITOSA, Lourdes Conde W. Gênero e Sexualidade no mundo romano: a


antiguidade em nossos dias. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 48/49, p. 119-
135, 2008.

POSSAMAI, Paulo César. Sexo e poder na Roma Antiga: o homoerotismo nas obras
de Marcial e Juvenal. Bagoas, nº 05, p.79-94, 2010.

MARTELLI, Andréa Cristina. Ações docentes diante das manifestações da


sexualidade. Reunião Cientifica Regional da ANPED, Curitiba, nº6, p.1-16, 2016.

ZARBATO, Jaqueline Aparecida Martins. As estratégias do uso do Gênero no ensino


de História: narrativa histórica e formação de professores. Revista Trilhas da
História, v.4, nº8, p.49-65, 2015.

164
UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE QUESTÕES
ÉTNICAS NO ANTIGO EGITO
Leonardo Candido Batista

Atualmente voltou à tona nas redes sociais um debate sobre como eram as pessoas no
antigo Egito. Essa é uma questão que sempre aparece, principalmente com as diversas
apropriações da mídia. A “novela os dez mandamentos” da rede Record ajudou a lotar
de comentários sobre a fidedignidade da produção, já que os atores eram brancos e não
tinham quase nenhum negro. As redes sociais ferveram com matérias sobre a herança
cultural negra do Egito, que de fato é evidente e inquestionável, mas muitos não tinha
uma pesquisa de know-how acadêmico, deixando as matérias muito vagas, com vários
buracos e dúvidas sobre o tema. Nesse breve texto tentaremos mostrar como a
etnicidade era vista no antigo Egito, e como questões modernas podem nublar nosso
conhecimento sobre o vale do Nilo.

Não há dúvidas que o cinema ajudou a difundir a imagem do Egito antigo. A cultura
popular se enriqueceu de uma forma inimaginável com a quantidade de imagens e
filmes que saíram sobre o tema. Um filme que marcou época foi “Os dez mandamentos”
de 1956 dirigido por Cecil B. Demille, com destaca para o famoso e consagrado ator
Charton Heston no papel de Moisés e Yul Brynner interpretando Ramsés II. Esse como
tantos outros filmes mostrando o Egito, mostram personagens famosos de sua história
como brancos, o que levou a uma série de debates de como seriam as composições
étnicas no antigo Egito. Os egípcios seriam brancos ou negros? É bom lembrar que essa
problemática é um discurso eurocêntrico do século XIX não existiam em qualquer
hipótese no tempo dos faraós, e qualquer discussão desse tipo fazem sentidos apenas em
debates da nossa temporalidade. Como destaca Kathryn A. Bard (1996) e Andrés Diego
Espinel (2006) as questões sobre etnicidade no Egito antigo eram vistas de formas
tribais, regionais e locais, ao que pertencia ou não ao vale do Nilo. Sendo assim, povos
que viviam fora do território conhecido como Egito eram vistos como manifestações do
caos e, portanto, inimigos:

Marcelo Campagno (2005, p. 692) explica que a consolidação dentro do Egito de uma
visão de mundo centrada no rei como o fiador da ordem cósmica, que gera uma imagem
fortemente negativa de regiões periféricas, concebidas, em contraste, como lugares
dominados pelo caos. Tal concepção do mundo afeta a etnicidade, desde que isso tenda
a o território político controlado pelo estado vivendo nesse lugar, então diferenças
internas serão ignoradas pelo bem de uma ideia de um todo homogêneo, unificado pela
articulação da prática estatal.

Diego Espinel (2006, p.430) comenta que tanto as representações canônicas como as
profanas da população egípcia, mostram uma entidade homogênea ambas no aspecto
cultural e racial. A uniformidade uma representação arquetípica bem definida e
estabelecida do que é egípcio, na qual pode não corresponder para a muito mais
complexa realidade, na qual diferenças físicas e, em um menor grau, diferenças
165
culturais, entre os habitantes de diferentes partes do Egito deviam ter sido
impressionantes.

Kathyrin A. Bard (1996, p.106) explica como o estudo do Egito sempre esteve
vinculado com o do Oriente próximo, sendo que ele indecisamente partilha dessas duas
regiões geográficas. Por causa de sua localização no continente africano, o antigo Egito
foi uma civilização africana, apesar de talvez sua identidade africana ter sido sutilmente
minimizada com os estudos do Oriente próximo, na qual têm raízes em no Orientalismo
europeu do século XIX. Muitos especialistas trabalhando nessa época, particularmente
na época do Império Britânico, assumiram que a história antiga começava com o Egito e
a Mesopotâmia, sendo que as primeiras civilizações começaram no Oriente Próximo, e
o Egito deveria ser entendida como tal, e não como uma civilização africana. Teorias do
tipo, como a de Sir Flinders Petrie, por exemplo, colocavam que o Egito foi invadido
por uma raça dinástica vinda de algum lugar do sudoeste da Ásia e assim dando origem
a organização desse estado.

A partir desse panorama sempre houve discussão sobre a questão racial no antigo Egito.
Muitas perspectivas ainda contêm um pouco do discurso eurocêntrico, outras
perspectivas mais africanistas, colocam o Egito como um composto racial inteiramente
negro. Deve ficar claro que as coisas não eram tão maniqueístas assim, e esses discursos
duais sempre invadiram as discussões sobre as origens da terra dos faraós:

Os antigos egípcios eram povos mediterrânicos, nem negros sub-saarianos, nem brancos
caucasianos, mas pessoas na qual a pele era adaptada para uma vida em um ambiente
desértico subtropical; O antigo Egito era um caldeirão das raças; pessoas de diferentes
identidades étnicas migravam para o vale do Nilo em diferentes períodos em sua pré-
história e história. A questão se os egípcios eram negros ou brancos escurece sua
própria identidade de povo agrícolas da Kmt oposto a dsrt, a estéril “terra vermelha” do
deserto. Kmt significa “terra negra” a planície fértil no baixo vale do Nilo, onde
colheitas de cereais cresciam em abundância. Não significando “terra dos negros”
(BARD, 1996, p.104).

Então é importante lembrar que não existia essas tendências raciais no Egito, sendo
completamente anacrônico colocar essa discussão em tal época, é um erro como coloca
Kathyrin A. Bard (1996, p.111) com tons suaves racistas que apelam para aqueles que
desejam aumentar ao invés de diminuir as tensões raciais existentes na sociedade
moderna.

Outra questão a salientar é que a arqueologia e os estudos do Oriente próximo e Egito


surgiram nessa perspectiva “Orientalista”:

E, ainda assim, devemos nos perguntar várias vezes se o que importa no


Orientalismo é o grupo geral das ideias que domina a massa de material –
impregnados de doutrinas de superioridade europeia, vários tipos de
racismo, imperialismo e coisas semelhantes, visões dogmáticas do
“oriental” como uma espécie de abstração ideal e imutável – ou trabalho
muitas vezes variado produzido por um número quase incontável de autores
individuais, que podem ser considerados como exemplos individuais de
autores que tratam do Oriente (SAID, 2003, p.35-36).
166
Como comenta Baines e Malék (1996, p.226) a descoberta do túmulo de Tutancâmon,
gerou uma nova onda de trivialidades egipcianizantes também nas artes decorativas.
Margaret Bakos (2004, p. 87) comenta que outros apropriadores de símbolos egípcios
foram movidos por motivos mais simples, com os anúncios comerciais e a busca pela
estética criativa, sendo que determinados padrões artísticos distinguiram os egípcios de
outros povos, sendo muitas vezes copiados, e os hieroglíficos ficaram como sendo
remanescentes de elementos mágicos da mais bela escrita do mundo.

Referências

BAINES, John e MALÉK JAROMIR. O Mundo Egípcio: Deuses, Templos e Faraós


Vol II. Madrid: Edições Del Prado, 1996.

BAKOS, Margaret. Arte e Decoração Egípcia. In Bakos (org). Egiptomania: O Egito


no Brasil. São Paulo: Paris Editorial, 2004

BARD A, Kathyrin. Ancient Egyptians and the Issue of Race. In: Lelkowitz and
MacLean Rogers (orgs.). Black Athena Revisited. North Carolina: The University of
North Caroline Press, 1996.

CAMPAGNO, Marcelo. Ethnicity and Changing Relationships Between Egyptians


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Conference “Origin of the State. Predynastic and Early Dynastic Egypt; 2005.

ESPINEL, André Diego. Etnicidad y Territorio en el Egipto del Reino Antiguo.


Barcelona; Universitat Autònoma de Barcelona Servei de Publicacions, 2006.

SAID W, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo:


Companhia das Letras, 2003.

167
O LÚDICO E O ENSINO DE HISTÓRIA: RELATOS
DA AÇÃO DO PIBID NA ESCOLA ESTADUAL
GRACILIANO RAMOS
Lucas Emanoel Soares Gueiros

Introdução

Este texto se propõe a apresentar uma descrição dos benefícios de atividades lúdicas
como recurso metodológico no ensino de História na Escola Estadual Graciliano
Ramos, localizada no município de Palmeira dos Índios no Estado de Alagoas. O estudo
foi construído a partir da leitura da obra do historiador Marc Bloch e também dos textos
mais contemporâneos de Circe Bittencourt, Élia Santos, Flávia Caimi, Kellen
Bernardelli, Margarida de Oliveira e Tânia fortuna, acerca do tema da ludicidade como
elemento fundamental para o avanço do ensino e aprendizagem na disciplina de História
do ensino básico e da observação e aplicação dos projetos lúdicos elaborados pelos
bolsistas do PIBID em duas turmas do primeiro ano do ensino médio da referida escola.

A importância da ludicidade no ensino de História

O lúdico é uma ferramenta ou um conjunto de atividades e procedimentos


metodológicos muito utilizados pela pedagogia e outras disciplinas, necessitando ser
considerada e trabalhada dentro do ensino de história, para aperfeiçoar a transmissão de
conteúdos curriculares, e mais ainda para que haja um ensino e aprendizagem longe da
ótica conservadora e tradicional e da ideia de que a história apenas faz estudos tidos
como cansativos e desestimulantes que são aqueles fatos ocorridos no passado ou de
ações dos grandes ‘heróis’, segundo Oliveira:

O senso comum sobre a disciplina História, partilhado, inclusive, por parte


dos profissionais de outras áreas de conhecimento, concebe a História como
o resgate de todo o passado de todas as sociedades. Essa visão não é de todo
desproposital. (OLIVEIRA, 2010, p. 9)

As concepções tradicionais acerca do que realmente vem a ser o objeto de estudo da


História, afeta até os dias atuais a sala de aula. Os professores continuam apenas
ministrando aulas que explanam os grandes fatos das distantes e grandes sociedades do
passado, enaltecendo os feitos de conquistadores, ‘heróis’ e esquecendo de inserir
conteúdos sobre os conquistados, a minoria que é maioria e principalmente o estudo da
realidade e sociedade em que os seus alunos estão inseridos, fazendo com que os
estudantes não sintam-se motivados a querer estudar História e sim fugir desta
disciplina por conta de uma visão do senso comum e por práticas tradicionais por parte
de profissionais da área que reproduzem a visão da História de séculos passados.
168
A História não tem como objetivo realizar apenas o estudo de fatos ocorridos em um
passado distante, e ainda não deve limitar-se aos feitos de um único homem, ou seja, o
‘herói’ ou conquistador, mas sim, ter como objeto de estudo os homens e suas ações no
tempo. Segundo o historiador Bloch:

Há muito tempo, com enfeito, nossos grandes precursores, Michelet, Fustel


de Coulanges, nos ensinaram a reconhecer: o objetivo da história é, por
natureza, o homem. Digamos melhor: os homens. Mais que o singular,
favorável à abstração, o plural, que é o modo gramatical da relatividade,
convém a uma ciência da diversidade.. (BLOCH, 2001 p. 54)

A História tem como campo de estudo as ações dos homens no tempo, trabalhando com
a pluralidade e não se detendo apenas a história de um único ser. Assim como na ideia
do historiador Marc Bloch, o ensino na disciplina de História deve abordar a
pluralidade, não limitando o seu campo de estudo apenas a uma mera reprodução das
datas e feitos de ‘heróis’. E que não tenha como finalidade o simples estudo de eventos
presos no passado, pois “A história não é a acumulação dos acontecimentos, de
qualquer natureza, que se tenha produzido no passado. Ela á a ciência das sociedades
humanas.” (BLOCH, 2001 p. 54). Sendo assim, cabe ao professor de História em suas
aulas, não fazer uma mera reprodução de tempos anteriores, mas sim, fazer com que o
seu ensino englobe a contemporaneidade e a pluralidade de sociedades como, por
exemplo: as comunidades quilombolas e indígenas. E ainda inserir em sala de aula o
contexto social em que seus alunos estão inseridos.

Aprendizado formal e informal

A disciplina de História com o uso da ludicidade fez com que os alunos do primeiro ano
do ensino médio trabalhassem e desenvolvessem o aprendizado da temática dentro da
sala e fora dela, ou seja, fez com que o conhecimento do assunto estudado não ficasse
preso apenas a formalidade da sala de aula, mas também em outros ambientes.

As peças teatrais, poemas, objetos e paródias foram produzidas pelos alunos antes da
data em que iria ocorrer o evento, para serem apresentadas durante a gincana. Suas
elaborações foram realizadas de maneiras formais: dentro da sala de aula com a
utilização de aulas explicativas, livro didático e escritas no quadro; e de maneiras
informais: fora da sala de aula com a utilização do pátio da escola e até mesmo fora do
âmbito escolar, já que os alunos também realizaram suas produções em suas casas e
efetuaram pesquisas pela internet e em livros não didáticos. Sobre o desenvolvimento de
atividades lúdicas dentro da sala de aula a autora Bernardelli afirma que:

Na sala de aula, o trabalho com atividades lúdicas está cada vez mais
frequente nas instituições escolares, o qual é associado também ao
conteúdo. Os docentes elaboram jogos, histórias para apresentar ou
complementar o currículo de maneira significativa para os alunos. Os
jogos, em especial, criam condições fundamentais para o desenvolvimento
do aluno, além de promoverem a participação coletiva e individual em
ações que possam melhorar o seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e
social. (BERNARDELLI, 2015, p. 30)

169
O lúdico é uma ferramenta importante para o estimulo ou incentivo de estudantes,
fazendo com que adquiram um conhecimento de maneira significativa. É uma ação a ser
desenvolvida e utilizada mais vezes pelos educadores para que seja efetuada uma
aprendizagem dinâmica, longe de um modelo de ensino antigo e ultrapassado.

Existiu para os alunos o incentivo a pesquisa, informação e a busca pela aprendizagem


fora do ambiente escolar e fora do livro didático por eles utilizado; mostrando que
podem e devem utilizar suas casas ou outros âmbitos para estudar e ir à busca de
diversas informações em outros livros, meios de comunicações como a internet, etc. O
lúdico foi de fato um sucesso para a motivação dos estudantes para que realizassem o
estudo e pesquisas sobre a temática medieval. Segundo Santos:

[...] o lúdico é uma estratégia insubstituível para ser usada como estímulo na
construção de conhecimento humano e na progressão das diferentes
habilidades operatórias, além disso, é uma importante ferramenta de
progresso pessoal e de alcance de objetivos institucionais. (SANTOS, 2010,
p. 2)

O lúdico é uma necessidade a ser utilizada pelo professor de História em sala de aula e
até mesmo fora dela, já que o ensino dos conteúdos curriculares não precisa limitar-se
apenas a formalidade, dentro de uma sala de aula, com apenas a utilização do quadro e
livro didático.

As brincadeiras e produções da gincana não apenas enalteceram o desenvolvimento do


aprendizado dentro do ensino de História e em especial do assunto Idade Média, mas
também desenvolveram várias outras capacidades cognitivas dos educandos, como:
produções textuais com criações de paródias e poemas, a capacidade de trabalhar em
equipe e também a questão da expressão e oralidade, fazendo com que o aluno melhor
se expressasse durante a declamação dos poemas e do cantar da paródia.

As provas da gincana serviram como conteúdos extracurriculares do ensino e


aprendizagem da disciplina história, fazendo com que houvesse o desenvolvimento das
capacidades cognitivas dos alunos, ou melhor, o enaltecimento do aprendizado dos
próprios alunos para com o conteúdo anual curricular por eles estudado.

Referências

BLOCH, Marc. Apologia da História ou O Ofício de Historiador. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar Ed, 2001.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e
Métodos. São Paulo. Ed Cortez, 2004.
BERNARDELLI, Cristina Costa Alves. A criança no Ciclo de Alfabetização:
Ludicidade nos Espaços/Tempos Escolares. IN. Pacto Nacional pela Alfabetização na
Idade Certa. A Criança no ciclo de alfabetização. Caderno 02 / Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. –
Brasília: MEC, SEB, 2015.

170
MUNDO REPRESENTADO E A POLÍTICA DA
IMAGEM
Luciana das Neves Rosa Costa
Igor Fernandes de Alencar

No início do atual século, no cenário brasileiro, vivenciamos a provocativa ao debate


acerca das identidades nacionais, ou seja, sobre os componentes identitários que
permitem nos pensar enquanto um mesmo povo. A tensão foi incitada pela
implementação de ações afirmativas, na categoria política de cotas raciais/sociais em
algumas universidades públicas brasileiras. Esta contenda trouxe à baila a discussão que
ocorreram dentre suas dinâmicas temporais em outros contextos brasileiros, mas, desta
vez não sendo uma questão restrita as elites nacionais.

Observamos de fato o continuar das experiências de fabricação da


Identidade Nacional, talvez tão impactantes quanto aquelas iniciadas na se-
gunda década do século XIX (marcada pela negação da pluralidade étnica,
pela valorização de nossa suposta euro-descendência e pelos referenciais
teóricos do Determinismo Racial) e na década de 1930 (com a defesa de
uma suposta cultural nacional homogeneizadora e embebida na ideia da
miscigenação e da “democracia racial”). O atual momento foi, na realidade,
iniciado há mais tempo, cerca de quarenta anos, e refunda algumas de nos-
sas velhas crenças redefinindo a identidade nacional a partir da combinação
ou co-existência de outras identidades. Esse “novo” diálogo de imagens e
reflexos identitários, que é muito mais revelador para os teóricos/educado-
res, e muito mais significativo para aqueles que se vêem forçados a assumir
ou a negar o pertencimento a alguma dessas “outras identidades”, parece ser
muito mais funcional e crível do que o suposto manto de uma identidade
comum que recobriria a todos (OLIVA; FELICI, 2014, p. 193-194).

Várias identidades, que permaneciam em nós invisibilizadas pela máxima “ser


brasileiro”, foram fortemente acessadas. Somos brasileiros, bem como, mulheres e
homens; negros e brancos; nordestinos e nortistas; portadores de crenças e estilos
distintos. Aqui, estenderemos pelo viés teórico de sujeitos com experiências diaspóricas
ou pós-coloniais, não somente pelas buscas explicativas como suas vivências de
trânsitos e enfretamentos.

Dentre os especialistas vinculados aos “Estudos Culturais” (Cultural Studies) ou aos


Estudos Pós-Coloniais, estaremos a caminhar na trajetória reflexiva do sociólogo
jamaicano Stuart Hall, criador do Center for Contemporany Cultural Studies (CCCS) na
Universidade de Birmingham, do qual foi diretor de 1968 a 1979. Coadunaremos a estas
experiências reflexivas um diálogo com a legislação escolar vigente que estabelece as
diretrizes e bases da educação brasileira – LDB; os Parâmetros Curriculares Nacionais –
PCNs; as Leis 10.639/03 e 11.645/08, que tratam da obrigatoriedade da temática
História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena; e as Diretrizes Curriculares Nacionais
171
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana.

Não por acaso, o que vem ocorrendo desde fins da década de 1990, com as noções de
cultura e diversidade cultural, assim como de identidades e relações étnico-raciais,
integrando as normatizações estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC) com o
objetivo de regular o exercício do ensino fundamental e médio, especialmente na área
de história. Ações que aliam-se aos espaços de representatividade conquistados no
cenário político e social dos movimentos negros e anti-racistas no processo político
brasileiro, e no campo educacional em especial (ABREU; MATTOS, 2008, p. 06).

Em uma sociedade democrática, dentre as várias instituições sociais, a escola é apontada


sempre como uma instituição-chave. Isso, por sua capacidade de reparar cidadãos e
cidadãs para o convívio social (SILVÉRIO, 2006, p. 7). E, dentre as discussões e
reflexões vivenciadas no contexto de ensino-aprendizagem, sobre a relevância dos
conteúdos vinculados à história africana, afro-brasileira e a educação étnico-racial existe
um eixo obrigatório ou elemento de articulação: a identidade.

O conceito de identidade poderia ser empregado para significar uma espécie de “ponto
de encontro”. E, “[...] entre os discursos e as práticas que tentam nos ‘interpelar’, nos
falar ou nos convocar para que assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de
discursos particulares...” (HALL, 2000, p. 110-112). Assim, quando levantamos o
questionamento basilar em nossa identificação – quem somos? – também se faz
necessário contrastar também como os outros nos enxergam e nos definem; outros com
os quais temos que interagir, dialogar e negociar continuamente nossas identidades, em
circunstâncias por vezes desiguais e conflitivas.

Identidade, aqui, está intimamente ligada a conhecimento e mais amplamente a


representação. As imagens que cinge a nossa volta corriqueiramente, são também
objetos de disputas no mundo representado – a política da imagem, a disputa de sentido.
Stuart Hall analisou criticamente a representação do negro nas imagens do capitalismo e
do imperialismo britânico.

Os teóricos e estudiosos das identidades, em certa tendência, evadem das definições


essencialistas acerca das identidade, além dos efeitos sociais negativos de tal
perspectiva, a impossibilidade de se pensar a identidade como estática, imutável, rígida,
absoluta e autorreferencial. Este dispositivo busca caracterizar a identidade mais como
um processo de construção, determinado histórica, social e culturalmente – enfatizando,
dessa maneira, o caráter dinâmico, provisório e relacional das identidades.

Desde a “virada cultural” nas ciências humanas e sociais, contudo o sentido


é visto como algo a ser produzido – construído – em vez de simplesmente
“encontrado”. Consequentemente, circunscrita ao que veio a ser chamado de
“abordagem social construtivista” ou “construtivismo social”, a
representação é concebida como parte constitutiva das coisas; logo, a cultura
é definida como um processo original e igualmente constitutivo, tão
fundamental quanto a base econômica ou material para a configuração de
sujeitos sociais e acontecimentos históricos – e não uma mera reflexão sobre
a realidade depois do acontecimento (HALL, 2016, p. 25-26).
172
Este sentido de cultura, surge com este peso, sobretudo advindo da chamada “virada
cultural” nas ciência humanas e sociais, especialmente nos estudos culturais e na
sociologia da cultura. Com isso, em nossa contemporaneidade, a cultura acaba por
desrespeitar a produção e ao intercâmbio de sentidos – o “compartilhamento de
significados” – entre os membros de um grupo ou sociedade.

Há de se notar a via analítica destes estudos e uma contundente crítica ao suposto


caráter sólido, rígido e fixo das identidades que, ao contrário, deveriam ser tomadas
como processos permanentes de identificação. É por este caminho que Hall nega o
essencialismo que tem como pressuposto um núcleo fixo, estável, idêntico e imutável,
para defender, em seu lugar, um conceito de identidade estratégica e posicional, sujeita
a um constante processo de mudança e transformação, seja ela individual ou coletiva
(HALL, 2000, p. 108).

Referências Bibliográficas

OLIVA, Anderson R.; FELICE, Renisia C. G. Identidades em construção: pluralidade


cultural, o ensino de história africana e a educação étnico-racial, diálogos necessários.
In.: MORAES, Cristina de Cássia. HCABA, Goiânia, 2014

MOORE, Carlos. Do marco histórico das políticas públicas de ações afirmativas –


perspectivas e considerações. In.: Ações afirmativas e combate ao racismo nas
Américas/ Organizador, Sales Augusto dos Santos. – Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. 400 p. –
(Coleção Educação para Todos)

ABREU, Martha; MATTOS, Hebe. Em torno das “Diretrizes curriculares nacionais


para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-
brasileira e africana”: uma conversa com historiadores. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol. 21, nº 41, janeiro-junho de 2008, p. 5-20.

SILVÉRIO, V. R. A diferença como realização da liberdade. In. ABRAMOWICZ, A.;


BARBOSA, L. M. A.; SILVÉRIO, V. S. (Org.). Educação como prática da diferença.
Campinas, SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2006.

HALL. Stuart. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.)
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000. p. 103-133.

HALL, Stuart. Cultura e representação / Stuart Hall; Organização e revisão técnica:


Arthur Ituassu; Tradução: Daniel Miranda e William Oliveira. – Rio de Janeiro : Ed.
PUC-Rio : Apicuri, 2016.

173
OS INDÍCIOS DE EURÍPIDES E A HISTÓRIA DE
ESPARTA – ALTERNATIVAS DE ENSINO E
PESQUISA
Luis Filipe Bantim de Assumpção

Ao dialogarmos com o arcabouço conceitual da Análise do Discurso Francesa,


verificamos que todo discurso é dotado de uma intencionalidade específica que lida com
os interesses de seu locutor, mas também se encontra sujeita ao lugar que este ocupa em
sociedade. Por isso, a percepção de que um discurso não lida obrigatoriamente com a
verdade ao criar uma lógica particular do mundo ao qual se remete, ressalta que toda
manifestação discursiva promove uma representação do objeto que analisa. Mediante
esse breve comentário iremos discorrer sobre a maneira como o discurso poético do
ateniense Eurípides contribui para a produção da História de Esparta.

A singularidade do corpus documental de Eurípides reside na maneira como o poeta


denunciou os excessos da Guerra do Peloponeso através do teatro e da adequação das
narrativas míticas. Joyce Salisbury afirmou que, no caso de Eurípides, os mitos
ancestrais articulavam práticas sociais que nem sempre foram representadas como
socialmente evidentes (SALISBURY, 2001, p. 66). Raffaele Cantarella corrobora com
Salisbury ao destacar que a ação inerente a tragédia transfigurava a dramaticidade da
vida por meio da arte. Nesse caso, seria por intermédio dos mitos tradicionais que a
tragédia realçaria os acontecimentos de um dado contexto histórico ao permitir que os
espectadores se identificassem com a encenação do “passado imemorial” de sua pólis
(CANTARELLA, 1971, p.177).

Endossamos Salisbury e Cantarella com os apontamentos de Peter Burian. Segundo o


pesquisador a tragédia manipula a tradição e os mitos – bem como as suas convenções
genéricas – objetivando construir redes elaboradas de similitudes e diferenças capazes
de transmitir aquilo que o poeta almeja. Essa exposição/adaptação das narrativas míticas
forçaria ou deslocaria a atenção dos espectadores por confirmar, alterar ou desmoronar a
sua expectativa no interior do teatro. Entretanto, Burian adverte que a revisão do
discurso mítico ocorreria conforme a circunstância e dentro de limites aceitos, uma vez
que os mitos eram históricos (BURIAN, 2003, p. 178-180). As considerações de
Salisbury, Cantarella e Burian nos remete a outro contexto da Análise do Discurso, isto
é, a intertextualidade.

Em suas peças Eurípides se utiliza, amplamente, de um dispositivo que modernamente


identificamos como intertextualidade, sendo esta uma propriedade constitutiva de todo
texto e do conjunto de relações – explícitas e implícitas – que mantém com outros
escritos. A intertextualidade emerge da relação de vozes, consciências e discursos,
sugerindo novas orientações e/ou significados a uma obra (MAINGUENEAU, 2014, p.
288-289). Afirmamos que intertextualidade adotada por Eurípides – com ênfase aos
mitos narrados por Homero e que integravam o “passado imemorial” dos atenienses do
Período Clássico – almejava exprimir os acontecimentos contemporâneos através da
174
tradição oral e literária. Também destacamos que o poeta ateniense exprimiu os seus
anseios e críticas acerca da Guerra do Peloponeso através do teatro e da adaptação dos
mitos, ou seja, mediante a intertextualidade.

Em virtude da proposta não poderemos nos alongar em demasia, por isso selecionamos
como estudo de caso uma análise de O Cíclope. Ainda que esta peça não tenha sido
identificada como uma tragédia, e sim como um drama-satírico, a mesma integra o
corpus documental de um poeta e tragediógrafo de suma importância para a literatura
clássica. Do mesmo modo, o discurso e a representação que Eurípides faz de Esparta
nesta obra corresponde aos nossos objetivos com este texto.

Raffaele Cantarella propôs que O Ciclope tenha sido encenado por volta de 422 a.C.,
ano no qual os comandantes Cleon de Atenas e Brásidas de Esparta tombaram em
combate (CANTARELLA, 1971, p. 288). Nesse momento os ânimos estavam tensos
entre as póleis beligerantes e somente em 421 a.C. que a “Paz de Nícias” seria
estabelecida. Com isso, o momento no qual O Ciclope fora apresentado se mostrava
favorável para uma crítica ateniense feita a sociedade de Esparta. Destacamos que O
Ciclope fornece indícios para se investigar as questões políticas, sociais e étnicas no
contexto da Guerra do Peloponeso. A caracterização do ambiente geográfico em que
residia o ciclope Polifemo poderia ser uma alusão à localização de Esparta no interior da
Lacedemônia, bem como das atividades econômicas desta pólis. Seguindo essa
perspectiva o comportamento de Polifemo poderia representar como os esparciatas e os
lacedemônios eram vistos por uma parcela dos atenienses, ou seja, rústicos e de atitudes
“bárbaras”, além de estarem geograficamente isolados de outras regiões da Hélade. Se
comparada a Atenas, Esparta seria uma pólis rudimentar por não ter conseguido se
aprimorar tal como os homens da Ática – como consta na “Oração Fúnebre de Péricles”
na obra de Tucídides.

Entretanto, o trecho que nos interessa para perceber a representação que o discurso de
Eurípides promoveu sobre a mulher espartana é relativamente curto, pois situa-se entre
os versos 175 e 186. Nesta conjuntura, Eurípides narra a chegada de Odisseu e seus
companheiros a ilha de Polifemo, que logo se deparam com a caverna do ciclope. Ali, o
rei de Ítaca se encontra com o velho Sileno e os seus filhos, os quais foram feitos
prisioneiros de Polifemo. Nesse processo de apresentações mútuas, o coro de sátiros
começa a indagar Odisseu sobre as suas aventuras, possivelmente no intuito de ratificar
a identidade do herói. Com isso, o coro questiona:

Coro: Você capturou Tróia e tomou Helena como sua prisioneira?

Odisseu: Sim, e nós saqueamos toda a propriedade dos priâmidas.

Coro: E após capturarem a jovem [Helena], todos vocês, um a um a


curraram, haja vista o prazer que ela sentia tendo mais de um homem?
Traidora! Bastou ver “calças” coloridas sobre as pernas de um homem e
um colar de ouro ao redor do pescoço que logo perdeu a cabeça e
abandonou o pobrezinho do Menelau (O Ciclope, vv. 175-186 – grifo
nosso).

175
Aqui verificamos um exemplo da intertextualidade de Eurípides, que ao tomar o
discurso mítico da chegada de Odisseu e sua tripulação a ilha de Polifemo acabou
inserindo elementos particulares ao mesmo sem que o cerne do poema homérico fosse
deixado de lado e/ou perdesse as suas principais características. Apesar disso, essas
transformações que Eurípides emprega no drama pretendia corresponder ao estilo
literário e artístico desta peça, mas também aos seus objetivos políticos enquanto um
cidadão ateniense em plena a Guerra do Peloponeso. Outro aspecto que enfatizamos
está atrelado à datação aproximada da encenação desta peça, pois, se esta foi
desempenhada em 422 a.C. – um ano antes do estabelecimento da “Paz de Nícias” –
seria justificável a maneira ofensiva como os costumes espartanos foram representados,
seja na figura de Polifemo ou na caracterização de Helena.

Observamos que o discurso de Eurípides representou Helena como uma mulher sem
comedimento sexual, adúltera e sedenta por luxo e riqueza. Como comentou Ellen
Millender (1999, p.360), em inúmeras de suas peças Eurípides tentou destacar a falta de
moralidade e comedimento das mulheres de Esparta era um reflexo das deturpações de
toda a sociedade lacedemônia. Por meio desse artifício discursivo Eurípides estaria
tomando Esparta como o contraponto do modelo ideal de mulher e de pólis. Ao
proceder dessa maneira, o tragediógrafo estaria apresentado para o seu público no
interior do teatro justificativas plausíveis para a continuidade da Guerra do Peloponeso,
uma vez que esta estaria sendo realizada contra homens “bárbaros”, ainda que helenos.
Essa postura também acabaria endossando a superioridade da pólis de Atenas diante da
Hélade e legitimaria a autoridade que vinha exercendo nas Cíclades e na Jônia.

Sendo assim, concluímos que o discurso de Eurípides se utilizou da intertextualidade


proveniente de toda uma tradição mítica presente na literatura e na oralidade para
permitir que os seus interlocutores identificassem as representações presentes nas
encenações teatrais. No caso d’O Ciclope verificamos que a rusticidade de Polifemo
poderia ser uma alusão aos valores e as práticas culturais de Esparta que, durante a
Guerra do Peloponeso, rivalizou com os interesses de Atenas. Logo, representar os
espartanos como pessoas rústicas validaria a ideia de uma “superioridade” ateniense, a
qual justificaria o conflito por uma questão de princípios. Quanto ao comentário sobre a
conduta sexual de Helena, o poeta teria ampliado a conotação de barbaridade dos
costumes de Esparta, onde as mulheres eram descomedidas e se entregavam ao sexo
com outros homens além do seu esposo. Essa impressão que o discurso de Eurípides
edificou de Esparta acabaria por disforizar a cultura desta pólis, além de assegurar aos
atenienses um lugar de destaque junto a Hélade e aos helenos que lhes forneceria o
“direito” e o “dever” de promover o seu “império marítimo” no Egeu. Por fim,
Eurípides nos fornece parâmetros para repensar as representações tradicionais de
Esparta e entender as motivações pelas quais estas foram desenvolvidas, o que torna a
investigação rica e instigante para quem a realiza e para aqueles que dela se beneficiam.

Documentação Literária

EURIPIDES. Electra, Orestes, Iphigeneia in Taurica, Andromache, Cyclops. Trans.:


Arthur Way. London: William Heinemann, 1929.

176
EURÍPIDES. Tragedias. Vol. I. Trad.: Alberto Medina González; Juan Antonio López
Férez. Madrid: Editorial Gredos, 1983.

BURIAN, Peter. Myth into muthos: the shaping of tragic plot. In: EASTERLING, P.E.
(Ed.). The Cambridge Companion to Greek Tragedy. Cambridge: Cambridge University
Press, 2003

Referências Bibliográficas

CANTARELLA, Raffaele. La Literatura Griega Clasica. Trad.: Antonio Camarero.


Buenos Aires: Editorial Losada, 1971.

MILLENDER, Ellen. Athenian Ideology and the empowered Spartan woman. In:
HODKINSON, Stephen; POWELL, Anton (Ed.). Sparta – New Perspectives. Swansea:
The Classical Press of Wales, 1999.

POOLE, William. Euripides and Sparta. In: POWELL, Anton; HODKINSON, Stephen
(Ed.). The Shadow of Sparta. London: Routledge, 1994.

SALISBURY, Joyce. Encyclopedia of women in the Ancient World. Santa Barbara:


ABC-Clio, 2001.

177
O PROJETO PROFESSOR DIRETOR DE TURMA -
PPDT E A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES
Maria Raquel Moreira Leite
Renato Alcântara de Abreu

O Projeto Professor Diretor de Turma – PPDT caracteriza-se, fundamentalmente, por


um conhecimento aprofundado e sistematizado do aluno. Na mediação que se realiza
entre os alunos, os demais professores da turma e núcleo gestor, promove-se o
desenvolvimento de um trabalho cooperativo, que oportuniza aos docentes e gestores
conhecerem as problemáticas que fazem parte do cotidiano de cada aluno e implicam
diretamente no seu desempenho escolar e consequentemente permanência na escola. E
como professor de História, tem-se a responsabilidade dobrada diante das angústias
atuais.

Todos conhecem os estereótipos sobre o professor de história: ora é o


“revolucionário”, ora o “guardião” do civismo, da moral e da identidade
nacional; isso para não citar os problemas que afligem muitos professores
hoje: onde termina o papel do professor e começa o da família? Até que
ponto o professor deve ser também psicólogo, enfermeiro, orientador e
babá? (PACIEVITCH, 2007, p. 69).

Nesse projeto educacional na rede estadual de ensino do Ceará, cada turma fica aos
cuidados de um professor denominado Diretor de Turma que passa a conhecer melhor
cada estudante, a ter informações sobre o seu histórico de vida, interesses, atitudes,
valores e perspectivas de futuro.

O ponto de partida do projeto Professor Diretor de Turma é uma escola


“desmassificadora”, ou seja, uma escola que tenha como elemento de
atenção um conhecimento aprofundado de cada aluno a partir do
estabelecimento de uma relação mais estreita com um de seus professores (o
diretor de turma) e, em consequência, com os demais professores. (CEARÁ,
2010, p. 12).

O projeto pretende e consegue fortalecer a construção de um ambiente escolar que


valorize as diferenças, de forma a proporcionar um nível elevado das relações entre
professores, alunos, funcionários, pais e/ou responsáveis e comunidade.

O PPDT lança mão da afetividade e busca construir uma relação de confiança e


reciprocidade entre educadores e educandos, numa busca constante pelo estreitamento
das relações entre os atores escolares.

“O Projeto Diretor de Turma visa à construção de uma escola que eduque a


razão e a emoção, onde os estudantes são vistos como seres humanos que
aprendem, riem, choram, se frustram [...]. Uma escola que tem como
178
premissa a desmassificação. Uma escola com plenos objetivos de Acesso,
Permanência, Sucesso e Formação do Cidadão e do Profissional.” (CEARÁ,
2010, p. 3)

O Diretor de Turma assume na escola uma função tríade de intermediação na gestão da


turma que dirige – alunos, professores e família – e da gestão escolar.

Há uma tríade fundamental para os bons resultados: trabalho efetivo na sala de aula,
acompanhamento pedagógico e monitoramento por parte do núcleo gestor e no caso
específico, o feedback do diretor de turma.

Jörn Rüsen, em Razão Histórica (2001b), explica que o saber histórico não
existe apenas na sua forma científica, mas apresenta múltiplas manifestações
nos mais diferentes setores da vida humana. No entanto, há um elemento
que realiza a ligação entre todos esses fatores: trata-se da consciência
histórica. Numa forma esquemática, pode-se dizer que todo homem, na
tentativa de alcançar o equilíbrio entre o tempo natural e suas expectativas,
desejos e sofrimentos, realiza interpretações do tempo através de elementos
da memória individual e coletiva (incluindo o conhecimento histórico
científico). As mudanças vividas no tempo acarretam em carências de
orientação e para resolvê-las, as pessoas articulam experiências do passado
com seus projetos de futuro, a partir das vivências presentes. É essa
estrutura de pensamento, esse tipo de relação com os três tempos que, para
Rüsen, permeia as demais manifestações de saber histórico. (PACIEVITCH,
2007, p. 86).

O presente projeto leva em consideração o desenvolvimento do conhecimento do


educando em todas as dimensões, oferecendo um clima de liberdade, que facilite as
adaptações sociais, físicas e intelectuais, onde possa cultivar a solidariedade, a
integração, estimular a curiosidade, valorizando-o para que adquira autonomia
progressiva, espírito crítico, participativos e capazes de assumir direitos e deveres em
parceria com os pais e a comunidade, e assim, alcançarmos nossos objetivos, que tem
como resultado para os alunos a aquisição de competências básicas e a convivência
harmoniosa na escola.

O desenvolvimento do PPDT se ampara nos quatro pilares da educação (DELORS,


2012, p. 47):

 Aprender a conhecer – parte de uma cultura geral.

 Aprender a fazer – favorece o desenvolvimento de competências que


capacitem os jovens a enfrentar as situações cotidianas.

 Aprender a viver juntos – desenvolve com os jovens as competências


necessárias para a superação de conflitos.

 Aprender a ser – desenvolve a personalidade autônoma de


responsabilidade pessoal e profissional.

179
Através dele, percebemos o elevado índice de frequência cotidiana, alunos sentem
prazer em estudar e, portanto, frequentar o ambiente escolar fora do seu horário habitual
de aulas. É perceptível uma melhoria no combate a indisciplina que em nossas escolas
estaduais eram alarmantes e hoje, devido acolhidas e sensibilizações oferecidas
diariamente, temos bons resultados, muitos alunos revisaram o contrato didático da
escola e auxiliam no seu bom andamento.

As considerações acerca do Projeto Professor Diretor de Turma estão pautadas em uma


avaliação contínua, formativa e diagnóstica, através da observação de mudanças de
hábitos e atitudes, nos registros da rotina de atividades vivenciadas. Isto tem contribuído
para verificar e constatar o desempenho e o potencial dos alunos, as dificuldades e seus
limites, intervindo sempre que precisem de ajuda.

O acompanhamento do desempenho, dos hábitos e das atitudes dos jovens na escola e


fora da mesma, do corpo docente, bem como do núcleo gestor, através da observação e
de intervenções projetam produzir o salto qualitativo desejado. Embora recente, menos
de dez anos no estado do Ceará, o aspecto da integração de professores com o grupo
gestor, alunos e os pais/responsáveis é o que tem causado diferença. Todos os atores no
processo educacional são consultados para que as decisões sejam tomadas e o novo
clima de convivência criado indique indícios de renovação de atitudes. A ascendência
de capacidade de resolver problemas, de elaborar hipóteses conceituais e de práticas
mais autônomas do educando é e será o horizonte a alcançar.

As considerações dão conta de que o professor diretor de turma realiza um


trabalho de integração entre a escola e a família. Trata-se de um trabalho
que incentiva seus pares para o ato pedagógico e é também uma ação de
cooperação, tendo em vista a sua atuação junto aos demais segmentos da
escola. Enfim, o professor diretor de turma assume um papel importante na
mobilização de estratégias para o desenvolvimento da aprendizagem e de
combate a evasão escolar (LIMA, 2008, p. 16).

A partir do processo de disciplinamento e sobre como essa disciplina interfere no


ambiente educacional e nas relações professor/aluno, aluno/aluno, professor/pais,
inclusive com relação aos aspectos da educação no contexto atual, com suas variáveis e
diversidade, pode-se verificar como políticas educacionais influenciam nas relações
sociais dos indivíduos que integram o espaço da escola.

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Congresso. Brasília, DF, 1988.
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180
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http://diretordeturma18.blogspot.com.br/. Acesso em 01 de março de 2017.
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enquanto Mediador Sociocultural e Gestor Intermediário na Organização Escolar.
Dissertação de Mestrado. Administração e Planificação da Educação, Universidade
Portucalense Infante D. Henrique, Porto, 2007.

181
ESPAÇOS URBANOS, PATRIMÔNIO E
MEMÓRIA: EM BUSCA DAS SIGNIFICAÇÕES –
UM OLHAR SOBRE AS PRÁTICAS DE ENSINO
DE HISTÓRIA NO CURSO TÉCNICO DO IFMT
Marciane de Souza

O aprendizado da história se faz em qualquer lugar, pois a memória não é estanque e


nem fixa e não está só em livros ou museus, ela está nestes lugares, mas em muitos
outros, se constrói dentro de contextos sociais que atribuem valor diferenciado a
determinados lugares ou manifestações. Este texto tem por objetivo discutir
possibilidades teórico-metodológicas sobre a utilização de espaços urbanos, se
utilizando como maior referência o local de moradia dos alunos, para o
desenvolvimento da educação patrimonial e como instrumento didático nas práticas de
ensino de história.

O ensino de história trata de elementos do passado, cronologicamente em um tempo


histórico distante do aluno, realizar um processo de interligação entre as histórias deles
com a história dos livros se torna primordial para o entendimento do papel que exercem,
eles alunos, como agentes históricos, atuantes na construção e reconstrução da memória
local, conectando suas histórias de vida com os processos históricos relacionados ao seu
lugar, as continuidades e rupturas.

A escolha por espaços urbanos ditos comuns, como praças, ruas, campos de futebol,
igrejas, bairros, parques e até monumentos constituídos pelo Estado vem para agregar
valor à construção da memória local feita pelos locais, tirando o viés da história e
memória oficial e deixando fluir o que os próprios moradores delimitam como
patrimônio material ou imaterial que os representa e quais memórias afetivas e pessoais
se interligam com as memórias oficiais na construção de uma representação coletiva.

Busca-se através desta proposta teórico-metodológica contribuir para a construção de


práticas pedagógicas, na perspectiva em que o ensino de história se interligue com a
educação patrimonial, abarcando os espaços urbanos onde os alunos vivem,
possibilitando assim, uma construção da representação e da memória local a partir do
convívio com aquele espaço.

Para o ensino de história e da educação patrimonial utilizando-se de espaços urbanos


faz-se necessário levantar conceitos relacionados a tais espaços e seus usos e qual sua
importância como lugares de memória, conforme Pierre Nora (1993) que utiliza desta
expressão para apontar espaços e temporalidades que são transformados por
determinados grupos em lugares que marcam o tempo e a história daquele povo, que
significam suas práticas e validam sua existência em uma memória coletiva com um
passado comum, que produz identidade e torna o lugar parte do grupo e de sua história.

182
A construção dessa história comum a todos daquele lugar, daquele espaço passa a fazer
parte e a pertencer àquela geração e às próximas, criando uma teia de um passado
comum a todos. Ecléa Bosi ressalta: “[...] cada geração tem, de sua cidade, a memória
de acontecimentos que são pontos de amarração de sua história” (1987, p. 199-200).

Busca-se através desta proposta teórico-metodológica contribuir para a construção de


práticas pedagógicas para o ensino de história priorizando uma visão da experiência
estética do grupo sobre os espaços urbanos que vivem através da produção de vídeos
sobre estes locais, as pessoas que convivem e dividem estes espaços, buscando indícios
da ligação da memória individual e coletiva com a memória construída nos livros.

Como forma prática de execução da atividade os alunos formaram grupos de interesse


de objeto de análise, usando como elemento de coesão a região ou bairro que residiam.
Em sala de aula foi estudado os conceitos de patrimônio material e imaterial, história e
memória, objetivando situar os alunos sobre as formas de construção da memória e da
história. Além desta etapa houve outro momento de apresentação de questionamentos
para a organização e fundamentação da sequência de pesquisa, sendo elas: o que já
sabemos sobre o espaço ou monumento que pesquisaremos; o que queremos saber a
mais sobre; por que pesquisar sobre este espaço urbano; os objetivos que levam a
questionar este espaço; as fontes analisadas e a forma de compartilhamento da pesquisa.
Todas as etapas foram divididas por atividades com prazos preestabelecidos para
cumprimento.

Como forma de compartilhamento e avaliação a criação de grupo em rede social, o


Facebook, e através dele disponibilizamos materiais para auxílio das pesquisas e
também para o compartilhamento das etapas cumpridas, assim todos os alunos
possuíram mecanismos de análise do desenvolvimento do seu trabalho e também dos
colegas, podendo melhorar e corrigir, além de inspirar os demais com ideias
diferenciadas.

A culminância da atividade se deu com apresentação de vídeos, produzidos e editados


pelos alunos contando sobre seu objeto de pesquisa que foram dos mais variados como
praças, monumentos, bairro da periferia, uma lagoa de tratamento de água, um parque,
lugares estes aos quais os estudantes e moradores atribuem valor histórico e consideram
parte da construção da memória coletiva, atrelada a sua existência como indivíduo.

Os vídeos nos revelaram os muitos caminhos interpretativos quanto a problematização


do patrimônio histórico e cultural e a construção de memórias que envolvem as
regionalidades. Com isso, o bairro, a cidade, as feiras tornam-se elementos
impulsionadores das narrativas das pessoas que vivem lá.

Utilizar as aulas de história para propor reflexões quanto ao lugar de sujeito histórico
que os alunos possuem, utilizando-se do contexto histórico no qual estão inseridos
contribui para uma melhor compreensão dos conceitos e conteúdos históricos mais
abrangentes espacialmente.

Sendo assim, interligar as narrativas históricas dos alunos, os espaços que ocupam na
cidade e como ligam suas memórias a estes espaços, traz para a sala de aula o debate e

183
articula os saberes, dando sentido a aprendizagem histórica e resinificando o processo
de construção do passado.

Referências Bibliográficas

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e


métodos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

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POLLAK, Michael. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, Rio de


Janeiro, vol. 2, n.3, 1989.

184
RELATO DE EXPERIÊNCIA DO PROJETO
“NOVAS PERGUNTAS EM CADA RESPOSTA:
ENSINO, PESQUISA E
INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO MÉDIO”
Mariane Moser Bach
Josei Fernandes Pereira

Este relato é fruto das leituras e das vivências realizadas junto ao projeto Novas
Perguntas em Cada Resposta: Ensino, Pesquisa e Interdisciplinaridade no Ensino
Médio, que integra o Grupo de Pesquisa Interdisciplinar de Humanidades no Ensino
Médio (GPEI), da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ). O projeto visa refletir sobre a pesquisa e a interdisciplinaridade como
princípios pedagógicos para o ensino-aprendizagem de História e Ciências Humanas no
Ensino Médio, produzindo conhecimento sobre didáticas e formação de professores.

Este projeto de pesquisa é desenvolvido em duas partes, sendo uma prática e outra
teórica. A parte teórica diz respeito ao estudo dos autores que fundamentam a pesquisa,
tais como Pedro Demo, Edgar Morin e os documentos oficiais que regem e orientam a
educação no país. Ademais, também são analisados os dados coletados através das
observações da prática educativa na escola de aplicação do projeto. Essa prática consiste
no acompanhamento da disciplina de História em uma turma do primeiro ano do Ensino
Médio do Centro de Educação Básica Francisco de Assis (EFA), que integra o
complexo educacional da fundação mantenedora da universidade a qual o projeto está
vinculado. Nesta turma, os alunos desenvolvem pesquisa orientada sobre a história do
trabalho, aliando-a aos estudos e conteúdos estipulados pelo currículo. Entende-se, aqui,
que o conhecimento histórico ultrapassa qualquer concepção meramente informativa,
constituindo-se como uma ferramenta necessária para a compreensão da complexidade
social e cultural da humanidade. Assim, espera-se que esta experiência de educar pela
pesquisa traga bons resultados acerca da dinâmica das aulas, da construção dos saberes,
do estímulo à curiosidade investigativa e das relações interdisciplinares, ou seja, à
formação integral do sujeito.

O projeto se desenvolveu da seguinte maneira: no início do ano letivo, cada aluno, entre
os 23 que compõem a turma, escolheu, para pesquisar ao longo de todo o ano, uma
atividade profissional que despertasse seu interesse ou curiosidade. As profissões
escolhidas e a porcentagem que cada área representa entre as escolhas foram as
seguintes: Ciências Exatas, Engenharias e Tecnologia (Arquitetura, Design, Engenharia
Civil, Engenharia da Computação, Programação) – 35%; Ciências da Saúde
(Enfermagem, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrologia, Odontologia) - 22%;
Ciências Naturais (Astronomia, Biologia, Geologia) – 13%; Gastronomia – 9%;
Linguagens (Dança, Escritor) – 9%; Ciências Agrárias (Agronomia) – 4%; Ciências
Sociais (Juíz de Direito) – 4% e Espionagem – 4%.
185
Desse modo, primeiramente, os alunos realizaram uma pesquisa sobre as atividades
produtivas e as características da profissão escolhida, por meio de questões como: quem
faz este trabalho, quais são as suas ferramentas (meios de produção), qual é a
remuneração média etc., resultando na construção de um resumo. Em um segundo
momento, após a apresentação dos primeiros resultados em forma de seminário, iniciou-
se o aprofundamento sobre cada tema em perspectiva histórica. A partir disso, cada
aluno construiu a estrutura do projeto que iria executar ao longo do ano, paralelamente
ao estudo da evolução histórica dos modos de produção, considerando a importância da
atividade produtiva escolhida ao longo da História e na atualidade, e estabelecendo os
objetivos a serem alcançados com a pesquisa.

A produção do trabalho foi dividida em etapas, para facilitar a orientação e manter os


alunos empenhados ao longo de todo o ano. Sendo assim, no primeiro trimestre os
estudante produziram a introdução das suas pesquisas, contendo informações iniciais
sobre a atividade produtiva, a justificativa, os objetivos da pesquisa e, também, os
primeiros questionamentos surgidos durante as apresentações. Tudo isso, considerando
os conteúdos de História aprendidos em sala de aula naquele trimestre, ou seja, o
surgimento da atividade na pré-história e nas civilizações clássicas. No segundo
trimestre, a pesquisa entrou em fase de desenvolvimento, com a construção de capítulos
que abrangessem os principais momentos da evolução histórica da atividade
profissional escolhida. Sendo assim, os alunos refletiram sobre o papel daquele
determinado tipo de trabalho numa perspectiva histórica, percebendo a evolução da
maneira como foi desempenhado, a sua importância em contextos socioeconômicos
diferenciados, o papel da tecnologia em sua atividade produtiva.

A última versão do trabalho foi entregue ao final do ano, dentro das normas da
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), incluindo resumo acadêmico em
dois idiomas e palavras-chave. Por último, foi realizada a sistematização em forma de
seminário de pesquisa sobre a História do trabalho, na qual cada aluno apresentou o
resultado de sua produção aos demais colegas. Cabe destacar que durante toda a
realização desse trabalho de pesquisa, os alunos tiveram o acompanhamento e
orientação do professor de História, da bolsista de iniciação científica, que auxiliou,
principalmente, na parte de produção textual, bem como, de três voluntários do Curso
de História, que exerceram seus papéis de co-orientadores por meio de ambiente virtual
de aprendizagem.

Depois de finalizado o trabalho, colhemos alguns depoimentos dos alunos sobre o que
haviam realizado, por meio de quatro questões: a) O que você entende por pesquisa?; b)
Em que medida a pesquisa sobre a história do trabalho contribuiu para o estudo da
história econômica da sociedade?; c) A pesquisa sobre a profissão que você escolheu
mudou e/ou ampliou sua visão sobre ela? Justifique; d) Depois da realização desse
trabalho, você se sente mais preparado para realizar pesquisas futuras? Justifique. De
uma forma geral, a primeira pergunta foi respondida como sendo a busca de
informações para obter conhecimento sobre algo, coleta de dados, investigação de um
assunto. Cabe destacar a resposta de uma aluna que diz: “Eu entendo que pesquisar é a
forma de procurar a fundo o assunto de interesse, é buscar, questionar, duvidar e quando
achar a resposta se perguntar o porquê daquela resposta. A pesquisa nos leva a pensar e
leva a novos caminhos, entendo que pesquisa não é só buscar, mas sim compreender e
interpretar o que foi encontrado.”
186
As respostas da pergunta “B”, por sua vez, giram em torno de que foi possível perceber
como as profissões se relacionam, que cada profissão tem sua importância na
construção da sociedade, bem como, que a pesquisa sobre as profissões permitiu um
aprofundamento do estudo dos períodos históricos da humanidade, posto que era
necessário compreender a evolução da profissão ao longo da História. A questão “C”,
que faz refletir e comparar sobre a visão que se tinha sobre a atividade profissional antes
e depois da pesquisa, teve respostas bem diversas: para alguns a pesquisa permitiu
perceber que não é a área que querem seguir, ou seja, fez alguns alunos mudarem de
ideia sobre seu futuro profissional, o que, sem dúvida, é algo de grande importância.
Para outros, a pesquisa fez somente aumentar o desejo que se tinha em seguir
determinada profissão. Além disso, enquanto parte dos alunos relataram que a pesquisa
modificou o olhar sobre a profissão, outros disseram manter as mesmas perspectivas de
antes.

A última questão relevou que todos os alunos se sentem mais preparados para realizar
pesquisas futuras. Nas respostas encontramos frases como “aprofundou meu
conhecimento sobre metodologia de pesquisa fazendo ser mais interessante a busca do
assunto de forma geral”; “me sinto mais preparado para realizar pesquisas com
segurança e qualidade”; “compreendi como organizar corretamente um trabalho”; “a
cada pesquisa realizada surge alguma dúvida ou curiosidade que nos faz pesquisar e ir
muito além do que nós mesmos pensávamos”; “maneiras de como fazer pesquisa, onde
procurar informações, me ajudou a escrever melhor”; “tenho ideias melhores”; “o
trabalho e a apresentação me fizeram criar e me desafiar a dominar o conteúdo para
apresentar, vencendo a angustia e o nervosismo”.

Por tudo isso, percebemos que o trabalho de pesquisa foi significativo à maneira de cada
um, seja porque ampliou ou modificou o olhar que se tinha sobre determinada profissão,
alterando, até mesmo, seu desejo sobre exercê-la ou não, seja porque permitiu aprender
a pesquisar. Parece que aí está o aspecto mais importante. Conteúdos podem até ser
esquecidos, mas o aprender a aprender, aprender a pensar, aprender a pesquisar,
referem-se a um âmbito da formação que dificilmente será desconstruído.

Foi fundamental, ao analisarmos os trabalhos entregues, considerarmos o caráter


incipiente da pesquisa realizada pelos alunos, isto é, esta foi a primeira pesquisa com
maior aprofundamento e com normas no padrão científico realizada por eles. O
resultado foi positivo, embora constatamos, ainda, muita cópia e o fato de que alguns
alunos poderiam ter se aprofundado mais. Porém, parece-nos que o mais importante
aqui é considerar o processo: foi o primeiro movimento realizado em direção a uma
pesquisa científica, os alunos se esforçaram para buscar e estabelecer relações entre a
profissão escolhida e os temas trabalhados em aula, a maioria se esforçou para escrever
com alguma autonomia e para adequar a formatação às normas. Vale ressaltar, aqui,
uma passagem de Demo, a qual aponta que “o aluno que vai tentar, pela primeira vez,
uma pesquisa de estilo acadêmico não tem ainda condições de fazer mais que uma
interpretação reprodutiva. Caberá, sobretudo, ao orientador apontar para o caráter
incipiente, inicial, insuficiente deste nível” (DEMO, 2009, p. 40). Enfim é pesquisando
que se aprende a pesquisar.

Referências bibliográficas

187
DEMO, Pedro. Pesquisa e construção de conhecimento: metodologia científica no
caminho de Habermas. 7ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2009.

188
POR UMA ARQUEOLOGIA PRÉ-COLOMBIANA
EM SALA DE AULA
Marlon Barcelos Ferreira

O presente trabalho é uma pequena reflexão sobre as contribuições que a ciência


arqueológica tem introduzido no conhecimento histórico e sua relação com o conteúdo
sobre a história americana presente nos livros didáticos destinados aos alunos e
professores do Ensino Médio. Analisando como o conhecimento socialmente produzido
no ambiente acadêmico é abordado pelos livros didáticos (Bittencourt, 2005, p.72)
destinados aos alunos do ensino médio da rede pública.

Não se pretende neste breve artigo salientar a importância do livro didático, mas apenas
analisar brevemente o conteúdo nele trabalhado sobre a pré-história americana e
mostrando que em muitos casos é o único texto disponível na formação dos estudantes e
também dos professores (FERNANDES; MORAES, 2005, p. 143-144).

Para dar conta deste objetivo, tomei como referencia os textos presentes nos livros
didáticos de história do Ensino Médio e distribuídos aos alunos através do Plano
Nacional do Livro Didático (PNDL) do Governo Federal de 2015.

A Arqueologia e a História: Uma convergência?

Durante muito tempo a história americana do período pré-histórico ficou restrita ao


ambiente acadêmico dos arqueólogos e antropólogos, deixando à ciência histórica a
tarefa de estudar o período colonial na qual se tem escritos diversos produzidos pelos
colonizadores.

Nas ultimas décadas diante das mudanças que a historiografia sofreu ao longo do século
XX, a história ganhou novos objetos, métodos e abordagens, alargando o sentido do
documento para as situações em que não há registros escritos.

Para dar conta desse novo universo de pesquisa ao qual a história se lançou em
detrimento de uma história meramente política, os historiadores ampliaram a noção de
documento histórico. (LE GOFF, 1993, p.28). Assim, através de uma metodologia
específica e dialogando com a arqueologia, o historiador busca também entender este
período através da análise da cultura material dessas populações que povoaram a
América antes da conquista europeia.

Apesar de todos os avanços na história com a incorporação e o uso de fontes diversas,


os historiadores brasileiros têm dedicado pouca atenção a esta período da história
americana. Segundo o historiador Pedro Paulo Funari (2016), a inexistência da cadeira
de pré-história nos cursos de história tem afetado a formação dos nossos professores e o

189
que acaba levando a carência de trabalhos acadêmicos sobre esses povos pré-contato
que aqui habitaram.

Assim, como também salienta a professora Marisa Lajolo (1996, p.4), o livro didático
no Brasil assume uma grande importância dentro da prática de ensino dos professores,
pois os livros didáticos são muitas das vezes o único recurso que o professor possui para
não apenas para preparar e desenvolver sua aula, mas também para estudar o conteúdo
e suprir lacunas na sua formação acadêmica. Desta maneira, o papel do livro didático é
ampliado e ele “acaba determinando conteúdos e condicionando estratégias de ensino,
pois, de forma decisiva, o que se ensina e como se ensina o que se ensina”. (LAJOLO,
1996, p.4).

Também ressaltamos que os livros didáticos acabam assumindo um papel muito


importante, pois segundo a Professora Circe Bittencourt (2005, p.72) o livro didático
transpõe a produção realizada na academia pelos pesquisadores para o ambiente escolar
(professores e alunos) no processo de sua elaboração e consumo posterior.

Por esse motivo surgiu à preocupação de fazer uma análise de como esse instrumento de
ensino-aprendizagem vem transpondo os trabalhos acadêmicos e historiográficos sobre
o tema para sala de aula e assim servindo de material de estudo dos alunos e também de
muitos professores que veem nele o único meio de se aprofundar sobre determinados
temas que não foram trabalhados na Universidade como o da pré-história americana.

Os Livros Didáticos e a Pré-História Americana

Para realizar uma pequena análise de como a Pré-História da América está sendo
trabalhado nos livros didáticos, foram escolhidos três coleções de história do ensino
médio destinadas aos alunos da rede pública disponíveis pelo Programa Nacional do
Livro Didático do Governo Federal para o triênio 2015-2017.

Livro - Título Autor (es) Editora

História Georgina dos Santos, Jorge Ferreira. Ronaldo Saraiva


Vainfas, Sheila de Castro Faria

História em Gislane Azevedo e Reinaldo Seriacopi Ática


Movimento

História Geral e do Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo Scipione


Brasil

QUADRO 1: Títulos de História PNLD 2015

A historiografia ainda em sua maior parte usa a divisão clássica entre pré-história e
história. No caso do continente Americano, a divisão usual pela historiografia é do
período histórico sendo o período posterior à chegada dos europeus e a pré-história
sendo o momento anterior aos europeus (FUNARI; NOELI, 2005, p.14). Nos livros

190
citados, a história dos povos americanos aparece apenas em dois momentos com
relevância e destaque.

No primeiro momento, quando falam sobre a expansão do homem pelo planeta e tratam
do povoamento da América, percebemos que os três livros destinam poucas linhas a
este momento e no geral reproduzem a teoria mais aceita que é a Teoria Clóvis
(FUNARI; NOELI, 2005, p.34-35). No máximo fazem referência a outras teorias e
datações como discordâncias entre os arqueólogos. Na verdade, este é um dos mais
acalentados debates dentro da arqueologia americana atualmente, com diversas datações
e teorias em luta. Mereceria um destaque maior diante das várias teorias e implicações,
como no caso do Brasil, onde temos o caso do crânio denominado de Luzia, sendo um
caso especial de um não mongoloide ocupando a região sul da América e com datação
bem recuada perante a teoria Clóvis (FUNARI; NOELI, 2005, p.34-35).

Num segundo momento, nos três livros selecionados, os povos ameríndios aparecem
somente no momento da expansão marítima europeia. Como se a história desses povos
começasse naquele momento, reforçando a ideia de que a América é um produto
europeu (KOLING, 2008, p.3). Dentro desta visão, ressaltamos que no livro História
dos autores Georgina dos Santos, Jorge Ferreira, Ronaldo Vainfas e Sheila de Castro
Faria, a parte destinada aos Astecas e Incas aparecem em um subcapítulo cujo título é
“Os Império que os Espanhóis encontraram” (FARIA; FERREIRA; VAINFAS;
SANTOS, 2010, p.220).

Da mesma forma, reforçando essa visão eurocêntrica da história da América, a


separação dos povos nativos da América nos livros didáticos se dá por regiões
dominadas pelos países europeus, sendo um capítulo para os povos das regiões
espanholas e um outro para os nativos da porção da América dos portugueses. Numa
demonstração de que “A história era e, em certo sentido continua sendo, a história da
civilização europeia (ou ocidental), não indígena” (FUNARI; NOELI, 2005, p.14).

Por fim, ressaltamos que a maneira como esses povos aparecem nos livros dão a
entender que com a chegada dos europeus essas populações desapareceram. Afinal, os
diferentes povos ameríndios mesmo com a dominação e conquista ainda continuaram a
resistir e muitas dessas populações ainda lutam para manter sua cultura nos dias atuais.

Por isso, o professor ao lidar com o livro didático deve entender que a construção do
livro passa pela sociedade e governo na qual está inserido. Assim, os livros não
simplesmente reproduzem as pesquisas acadêmicas da arqueologia ou da história, pois
também transmitem a visão do governo e da sociedade na qual ele está inserido
(BITTENCOURT, 2008, p.78).

Considerações finais

Assim verificamos a necessidade de um diálogo maior entre aqueles que produzem a


ciência, seja arqueológica ou histórica e os que produzem os livros didáticos para que se
possa dispor de um material de qualidade e que seja capaz de contextualizar os mais
variados aspectos da história americana. Desta forma, o aluno e o professor terão um
191
material de apoio adequado e baseado em pesquisas sérias, que os ajude a deixar de
reproduzir ideias, lendas e conceitos errados sobre as populações nativas da América.

Pois, como salientam as pesquisadoras Isabel Rodrigues e Marcia Marinoci (2003, p.7)
talvez o problema mais sério não esteja na simplificação ou generalização dos livros
didáticos, mas na ausência da própria historiografia brasileira, que não possui uma
produção sistemática nessa área.

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, G. e SERIACOPI, R. História em Movimento. São Paulo: Ática, 2014.

BITTENCOURT, Circe. Livros Didáticos Entre Textos e Imagens. In:


BITTENCOURT, Circ. O Saber Histórico na Sala de Aula. São Paulo: Editora
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DORIGO, G. e VICENTINO, C. História Geral e do Brasil. São Paulo: Scipione,


2014.

FARIA, Sheila, FERREIRA, J.; SANTOS, G. ; VAINFAS, R.. Historia. São Paulo:
Saraiva, 2010.

FERNANDES, Luis Estevan; MORAIS, Marcus Vinícius de. “História da América:


renovação da História da América” In: KARNAL, Leandro (org.). História na Sala de
Aula: conceitos, práticas e propostas. 3. ed, São Paulo: Contexto, 2005. p. 143-162

FUNARI, P. P.; NOELLI, F. S. Pré-História do Brasil. São Paulo: Contexto, 2005.

FUNARI, Pedro Paulo. Série Entrevista. Disponível


em:<http://www.editoracontexto.com.br/blog/entrevista-com-pedro-paulo-funari-sobre-
o-livro-a-tematica-indigena-na-escola-subsidios-para-os-professores/> Acesso em 20 de
Outubro de 2016

.LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto, Brasília:


n. 69, v. 16, jan./mar. 1996.

LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

RODRIGUES, I. C.; MARINOCI, M. C. A Pré-história do Brasil nos livros de


História para 5ª a 8ª séries do ensino fundamental. Anais do VI Encontro Nacional
Perspectivas do Ensino de História: Londrina, 2003.

192
A VIDA EM PRETO E BRANCO NA CIDADE:
EXPERIÊNCIAS DO PIBID COM A HISTÓRIA
LOCAL
Max Lanio Martins Pina
Maria Doralice Nepomuceno Barbosa

A cidade é um importante local onde são observados encontros e desencontros, assim


como a interação de indivíduos que se descobrem diariamente através de sociabilidades
e sensibilidades, que deixam marcas em relevo no tempo e no seu espaço físico e
imaginário. A urbe se caracteriza como um lugar de construção de sentido para a vida
humana prática com seus meandros, seus sons, seus odores, sua alegrias e seus
dissabores, que assinalam marcações por meio de uma infinidade de acontecimentos e
experiências vividas.

A humanidade elegeu a cidade como ponto essencial para construção da civilização.


Isso indica que na História quase tudo está relacionado ao aspecto da vida urbana, como
a cultura, a religião, a música, as invenções, o trabalho, o lazer entre outros. É quase
impossível a compreensão da modernidade sem relacioná-la a essa realidade tangível e
intangível ao ser humano. A urbe é um local repleto de memórias que estão sobrepostas.
Isso nos permite afirmar que a cidade do presente é formada por várias civitas que
existiram antes dela. Não há como negar que o local onde habitamos e estamos
deixando nossas impressões, já foi palco para outros fazerem suas marcações temporais
e espaciais.

Para Pesavento (2008, p. 03) é na cidade que estão nossos pontos de ancoragem da
memória, pois ela se constitui de lugares visíveis, invisíveis e imaginados que são o
sustentáculo do nosso reconhecimento indenitário, levando em conta que as
experiências cotidianas ou excepcionais nos dotaram de carga simbólica que nos
permite diferenciar ou identificar espaços construídos pelo tempo, neste sentido, a
cidade é concebida como um lugar de memória. Por isso ela representa para o
historiador um campo fértil a ser descortinado, pesquisado e analisado.

Na cidade permanecem os vestígios do passado que podem ser observados nas ruas, nas
construções, nos espaços, nos monumentos, enfim em cada canto onde existem
lembranças das experiências do vivido. São memórias que precisam ser resgatadas e
trazidas ao presente por meio da História. Para isso um dos instrumentos que
possibilitam esse resgate são as fotografias que estão guardadas em arquivos pessoais,
particulares e familiares. De acordo com Sant’Anna (2012, 48) “A fotografia, como um
sedioso documento provido de linguagem visual, pode nos revelar informações e
emoções às vezes imperceptíveis por outras linguagens, como a oralidade ou a escrita”.
Conforme Sant’Anna (2012) haverá sempre um objetivo por trás da produção de
imagens, elas são produzidas para atender a determinados fins. Posto isto, entendemos
193
que as fotografias são fontes que revelam muito além daquilo que ela expõe para o
resgate do passado.

Pensando assim, o subprojeto do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à


Docência/PIBID de História da Universidade Estadual de Goiás/UEG, Câmpus
Porangatu, decidiu trabalhar/refletir/discutir durante os encontros de formação semanal
do primeiro semestre de 2016, a temática que relacionava História, Fotografia e Cidade.
Deste modo, a finalização do semestre culminou com uma exposição na escola campo,
de fotografias em preto e branco que representavam diversos aspectos da vida urbana
local e regional durante as décadas de 1940 até 1990.

Um dos exemplos explorados sobre os aspectos ligados a história local é a vida


religiosa, que pode ser observado no conjunto de imagens 1, 2 e 3, as quais representam
vários momentos da Igreja Matriz Nossa Senhora da Piedade, que hoje é conhecida
como “Matriz Velha” pela população do município de Porangatu/GO. Ela foi construída
por volta do final do século XIX em estilo colonial sobre um morro artificial e ao longo
desse tempo foi submetida a reformas e restauração.

Imagens 1: Igreja Matriz Nossa Senhora da Piedade entre os anos 1950-1960.

Fonte: Domínio público.

Imagens 2: Igreja Matriz Nossa Senhora da Piedade nos anos 1970

194
Fonte: Domínio público.

Imagens 3: Igreja Matriz Nossa Senhora da Piedade na atualidade

Fonte: Os autores
195
O apoio teórico

O estudo da história local torna o ensino de história mais interessante e atraente, na


medida em que são abordados temas mais próximos da realidade e da vivência do aluno,
tanto no tempo como no espaço. Contribui para a apropriação da realidade e dos bens
culturais deixados pelos antepassados, além de corresponder às exigências de uma
corrente historiográfica que valoriza a micro história. Ao citar os Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCN, Caime (2010, p.69) afirma que “os estudos de história
local constituem o ponto de partida da aprendizagem histórica, uma vez que permitem a
abordagem dos contextos mais próximos em que se inserem as relações sociais entre os
professores, os estudantes e o meio”.

A partir desta proposta dos PCN’s percebemos a importância da história local para a
formação de uma consciência crítica da realidade social e da consciência histórica, que
valoriza as experiências culturais de sua comunidade e o seu pertencimento à mesma.
Isto vem de encontro com o projeto de uma educação libertadora, transformadora e
autônoma, pois segundo Freire citado Dias e Soares (2007, p. 72) “O ser alienado não
procura um mundo autêntico. Isto provoca uma nostalgia: deseja outro país e lamenta
ter nascido no seu. Tem vergonha de sua realidade”. A educação deve abranger o
educando como um todo, visando o pleno desenvolvimento de suas potencialidades,
capacitando-o para agir e interagir no meio e na sociedade, a reconhecer-se como
cidadão com direitos e deveres, possuidor de uma identidade que o torna ao mesmo
tempo indivíduo e membro de uma coletividade. E nesse sentido “o ensino-
aprendizagem da história local configura-se como um espaço de reflexão crítica acerca
da realidade social e, sobretudo referência para o processo de construção das
identidades destes sujeitos e de seus grupos de pertença” (CAIMI, 2010, p. 69).

Para Cainelli (2009, p. 139) a história local pode ser uma estratégia de aprendizagem
que garanta uma melhor apropriação do conhecimento por parte do estudante, inserindo-
o na comunidade onde ele vive, gerando nele atitudes investigativas a partir do seu
conhecimento, facilitando sua percepção de continuidades, diferenças, mudanças,
conflitos e também permanências. Contribui para a construção de uma história mais
plural, menos homogênea, além de dar vozes aos sujeitos históricos que foram
silenciados e contribui, ainda, para a formação identitária e social do aluno.

Nesse caso, a memória e o patrimônio sobressaem como indispensáveis para o estudo


da história local, uma vez que nem sempre esta possui registros escritos, muito embora
faça parte de um contexto histórico mais amplo, regional ou nacional. Pode-se entender
aqui a memória como sendo as fontes orais, mas também os lugares de memória: como
museus, centros históricos, casas ou conjuntos arquitetônicos. Estas memórias,
conforme Paim (2010, p. 90) são “plenas de conhecimento e sensibilidades,
relacionadas com o vivido”. Em outras palavras os lugares de memória contam história,
a história silenciada. Parafraseando Paim (2010, p. 90) torna-se difícil delimitar as
fronteiras entre a memória e a história, pois uma envolve os componentes da outra.

Estes lugares de memória, no seu conjunto, constituem o patrimônio cultural como


herança das gerações passadas, fruto da cultura de uma sociedade, elo entre o presente e
o passado. O patrimônio pode cumprir uma função social e educadora quando
preservado e explorado com a finalidade de tornar concreta a história abstrata narrada
196
nos livros didáticos. Pode-se estabelecer um importante diálogo entre o patrimônio e a
escola.

De acordo com Pesavento (2005, p. 14) uma cidade, “inventa seu passado e cria o seu
futuro para explicar o seu presente”. Por isso, é aceitável afirmar que ao longo dos anos
a cidade foi representada por palavras, faladas e escritas, por músicas através de
melodias e canções, por imagens desenhadas, pintadas ou projetadas do seu todo ou de
suas partes. Elas também foram “sonhadas, desejadas, temidas, odiadas” e admiradas
(PESAVENTO, 2007, p. 11).

Todavia, compreendemos a cidade também como sociabilidade, porque “ela comporta


atores, relações sociais, personagens, grupos, classes, práticas de interação e de
oposição, ritos e festas, comportamentos e hábitos” (PESAVENTO, 2007, p. 14), entre
outras situações que são eternizadas pela sensibilidade da fotografia. Nesse ponto do
trabalho, destacamos o papel fundamental da fotografia como recurso para compreensão
dos traços que fizeram parte do passado dos atores históricos que vivem e viveram na
cidade.

A fotografia é uma invenção do século XIX. Seu surgimento foi marcado de acordo
Mauad (1996, p. 2) por polêmicas ligadas aos seus usos e funções, porque trazia consigo
o caráter de prova irrefutável daquilo que de fato havia acontecido, isto é, transformou-
se num espelho, cuja função era eternizar a imagem que refletia. Essa visão já não
define a fotografia na atualidade, as reflexões sobre o tema conforme a Mauad (1996, p.
6) classifica essa prática como “circuito social da fotografia”, problematizando a
“natureza técnica da imagem fotográfica como o próprio ato de fotografar, apreciar e
consumir fotografias”.

Sendo assim, a fotografia pode ser qualificada ou interpretada como “resultado de um


trabalho social de produção de sentido, pautado sobre códigos convencionalizados
culturalmente” (MAUAD, 1996, p. 7). Ela opera como informação que se processa
através do tempo, cujos constituintes são culturais, porém, são significados
diferenciados, porque são entendidos numa generalidade que está relacionada com o
contexto, com a mensagem veiculada e com o local no interior da própria imagem
(MAUAD, 1996).

A relação existente entre História, cidade e fotografia abre um leque de infinitas


possibilidades de construção e reconstrução do passado, da vida privada e pública,
permitindo assim um acesso aos locais de memória e espaços sociais sobrepostos por
outras realidades que no futuro também serão substituídos por outras formas e práticas
socioculturais e religiosas.

A experiência

Semanalmente o grupo de bolsistas do PIBID de História se reunia nas dependências da


Universidade Estadual de Goiás, Campus Porangatu para debater e refletir o quanto a
centralidade citadina nos influencia e condiciona a nossa existência fazendo parte de
nossas relações. Nesse sentido, o foco principal dos encontros semanais de formação
197
teórica do primeiro semestre do ano de 2016, era criar possibilidades que permitissem
aos pibidianos transformar o conhecimento teórico intelectual, em ferramenta prática
para auxiliar no cotidiano escolar das aulas de História sob a responsabilidade da
professora supervisora.

Assim sendo, os bolsistas desenvolveram para o Colégio Estadual Presidente Kennedy,


aqui configurado como escola campo, um projeto de exposição de fotografias históricas
com o título “Memórias em arquivo de família: a vida em preto e branco”, que foi
dividido em várias estações, as quais procuravam abordar diversas facetas que
representavam pessoas ou indivíduos como homens, mulheres, crianças, casamentos, a
relação entre pais e filhos, lugares do campo e da cidade, os monumentos e funerais
(conferir imagens 4). As imagens que foram expostas pertencem a arquivos pessoais e
privados que foram cedidas para a ocasião, bem como a páginas do Facebook de
moradores do município onde o projeto foi desenvolvido.

Imagens 4: Exposição de fotografias históricas na escola campo.

Fonte: Os autores.

As sete estações com as fotografias separadas por categorias foram afixadas em murais
no corredor da escolar e em cada uma delas se encontrava um bolsista do PIBID que
explicava para os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, bem como para os
demais funcionários da escola o que representavam aquelas imagens e a sua importância
como elemento fundamental para conservação da memória e resgate do passado
individual e coletivo da história local. Difundiu-se por meio dos bolsistas a ideia de que
todas as pessoas produzem memórias através das imagens que produz, como por
exemplo, a selfie que se tornou uma mania entre os portadores de aparelhos celulares
198
capazes de produzir fotos em altíssima resolução e representam um comportamento do
tempo presente.

Os estudantes do Ensino Fundamental ao se depararem com as imagens expostas


demonstraram no primeiro momento uma reação de espanto que foi seguida da
curiosidade em querer saber os sentidos e as explicações por traz daquela produção.
Percebeu-se que a avaliação do olhar era sempre do presente para o passado, isto
significa que as referências que permitem os escolares compreenderem as imagens estão
estabelecidas a partir de sua vida prática.

Vale ressaltar que os estudantes em sua maioria notaram que as fotografias que
continham a representação de crianças, homens, mulheres e casais, possuíam uma
característica em comum. Em todas elas não se encontravam sorriso e quase sempre, as
pessoas ali representadas estavam em poses rígidas (conforme o conjunto das imagens 5
e 6). Tal situação permitiu aos bolsistas explicarem que a sociedade e seus valores estão
sempre mudando, por isso é necessário a História, para que se possa compreender que
nem sempre a humanidade foi o que ela é no presente, mas que existiram outras formas
de experiências do vivido.

Imagens 5: Casal recém-casado e crianças em pose para foto.

Fonte: Arquivo familiar privado.

199
Imagens 6: Crianças em pose e uma distinta senhora.

Fonte: Arquivo familiar privado.

Considerações Finais

As mudanças e permanências ocorridas ao longo do tempo nos espaços urbanos podem


ser visíveis, invisíveis ou imaginadas, muitas vezes passam despercebidas diante dos
olhos destreinados e incapazes de captar os ricos traços deixados pelo tempo. Cabe aos
historiadores e professores de História colorir esse mundo invisível de transformações e
despertar em cada indivíduo o sentimento de valorização de suas próprias memórias
inseridas nos territórios construídos e destruídos pertencentes à cidade.

Portanto, observamos por meio dos estudos e da aplicação do projeto na escola campo
que a fotografia é um elemento muito importante para fazer e refazer as ligações da
memória com o passado cotidiano e privado da vida de indivíduos que contribuíram e
deixaram suas marcas visíveis e invisíveis na urbe.

Consideramos que a aplicação do projeto na escola superou nossas expectativas porque


a experiência nos permitiu ainda observar que os alunos, os professores e os
funcionários da escola, ficaram impactados quando eles perceberam que a memória
evocada pela imagens fotográficas fazia referência a um passado do qual eles fazem
parte e que, no entanto, já havia sido esquecido pela sensação que temos de viver num
constante e eterno presente.

Referências

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Margarida Maria Dias de. (Coord.). História: Ensino Fundamental. Brasília: Ministério
da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010.

200
CAINELLI, Marlene; SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Ensinar História. São Paulo:
Scipione, 2009.

DIAS, Guilherme; SOARES, André Luís Ramos. Educação Patrimonial e Educação


Popular: um viés possível. In: SOARES; André Luís Ramos; KLAMT, Sérgio Célio.
(orgs.). Educação Patrimonial: Teoria e Prática. Santa Maria: Ed. UFSM, 2007.

FLORES, Maria Bernardete Ramos; Campos, Emerson César de. Carrosséis urbanos:
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Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, nº 53, p. 267-296, 2007.

MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e história interfaces. Tempo, Rio
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NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Tradução: Yara
Aun Khoury. Proj. História, São Paulo, (10), dez. 1993.

PAIM, Elisom Antônio. Lembrando, eu existo. In: Oliveira, Margarida Maria Dias de.
(Coord.). História: Ensino Fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Básica, 2010.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidade, espaço e tempo: reflexões sobre a Memória e o


patrimônio urbano. Cadernos do LEPAARQ – Textos de Antropologia, Arqueologia e
Patrimônio, V. II, n°4. Pelotas, RS: Editora da UFPEL. Ago/Dez 2005.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades


imaginárias. (Abertura). Revista Brasileira de História, vol. 27, nº 53, junho de 2007.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História, memória e centralidade urbana. Rev.


Mosaico, v.1, n.1, p.3-12, jan./jun., 2008.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Muito além do espaço: por uma história cultural do
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SANT’ANNA, Thiago Fernando. Fotografia e ensino de História: entre composições de


imagens e de aulas de história. In: SILVA, Maria da Conceição; MAGALHÃES, Sônia
Maria de. O ensino de História: aprendizagens, políticas públicas e materiais didáticos.
Goiânia: Editora da PUC Goiás, 2012.

201
HISTÓRIA E PRODUÇÃO DE TEXTO:
TRABALHO REALIZADO NA ESCOLA
ESTADUAL ANTONIO TEODORO DE OLIVEIRA
EM CAMPO MOURÃO – PR COM ALUNOS DOS
8º ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE O
PERÍODO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL
Michel Henrique Patricio

Introdução

O presente relatório tem por objetivo apresentar as atividades desenvolvidas no Colégio


Estadual Antonio Teodoro de Oliveira, especificamente com os 8º anos do ensino
fundamental do período vespertino, onde entre às quatros turmas (8º A, B, C, D), foi
selecionado o 8º D.

Atividade

As atividades começaram no mês de agosto com aplicação de questionários nas quatro


turmas já citadas. Nestes questionários percebia-se uma rejeição aos trabalhos em grupo
por haver falta de responsabilidade e interesse por parte de alguns membros. Isto levou-
nos a pensar em uma atividade não colaborativa, mas cooperativa entre os envolvidos.
Por sugestão da supervisora, professora Nair Sutil, o tema escravidão foi selecionado
para a realização da atividade. Através da observação de suas aulas percebemos um
apego ao livro didático. Preferimos então um método que saísse desse limitador. Nesse
contexto, surge a ideia da oficina de produção de texto.

A oficina consiste em quatro pré-roteiros passados para quatro grupos de alunos que
produziriam um texto em um sistema de rodízio. Este sistema visa a cooperação, pois se
este requisito não existir, não consegue-se montar um texto, além de promover a
integração não apenas do grupo em questão, mas também interação entre os demais
grupos. Com a produção de texto ficcional, tendo apenas por tema base, a escravidão, o
aluno acaba tendo que desenvolver a sua própria criatividade, onde o livro didático
torna-se incapaz de fornecer este material, logo rompe-se com ele. Dessa forma, a
atividade cumpre com o objetivo proposto de ser uma atividade que leve os alunos a
cooperação e rompa com o modelo do livro didático.

A atividade começou a ser realizada com uma aula expositiva, onde foi passado a linha
do tempo da escravidão no Brasil, com uma explicação breve dos principais
acontecimentos. Em seguida, pediu-se para que a turma formar quatro grupos e foram
expostos os seguintes roteiros:

202
1. Uma mulher negra que nasceu escrava e para se casar foi liberta, depois da
morte do marido se vende novamente como escrava, acaba por conseguir a
liberdade para casar novamente e vive do dinheiro do marido até a velhice
onde se vende novamente como escrava.

2. Um adolescente, filho de negros libertos, corre nas ruas fazendo pequenos


serviços e convivendo com negociantes.

3. Um homem negro ao ir dar água aos animais encontra uma mulher, ele a
segue e encontra um quilombo e junto com outros negros preparam uma
rebelião para libertar seus colegas

4. Após uma visita seus parentes, ela/ele acorda no passado, antes da abolição
da escravidão.

Perante a apresentação dos roteiros os grupos escolheram suas histórias, por haver uma
disputa entre dois grupos pela história 4 e não havendo a história 1 chamado a atenção
do grupo em questão houve uma mudança sendo que a história 1 passou a ser: alguém
que era escravo acaba dormindo e acordando no presente. Ou seja, uma inversão da
história 4.

No segundo dia de atividade, além de uma retomada da atividade, também houve a


necessidade de uma nova explicação, sendo que dois grupos acabaram por esquecer as
atividades começadas na aula anterior. Um dos grupos conseguiu relembrar o que tinha
sido produzido e reproduziu, o outro, no entanto, apesar da nossa orientação modificou
o roteiro completamente, criando uma história diferente da proposta, esta foi então
modificada para um homem rico que patrocina um menino negro pobre a ingressar na
arte da pintura. Os grupos que trouxeram suas histórias, conseguiram apresentar bem a
história, mas nenhum conseguiu chegar a sugestão dada a cada grupo por nós. Ainda
houve a primeira troca de histórias, como também, a delimitação da ordem de trocas das
histórias seguintes.

No terceiro dia, foi realizado as trocas onde um dos grupos adiantou a história, mas
outros grupos não. Logo o grupo acabou por realizar outras atividades, enquanto os
demais produziam seus textos. No final da aula houve a troca dos textos e também
tempo para a leitura dos mesmos.

No quarto dia de atividade, além da finalização dos textos, houve também um momento
de avaliação da atividade em si com os alunos. Uma aluna chegou a declarar que foi um
dos momentos que eles interagiram com a sala toda. A professora supervisora
perguntou-nos sobre o nosso parecer, onde foi levantados os pontos positivos e
negativos.

No quinto dia de atividade, foi realizado uma roda de leitura para que os alunos viesse a
ter conhecimento do que produziram.

203
Conclusão

Podemos concluir que a atividade cumpriu os objetivos propostos pelo planejamento,


pois conseguimos a interação cooperativa entre os alunos, bem como, a saída do
material didático. A interação da sala mostrou-se produtiva, a criatividade foi explorada,
como também, a capacidade interpretativa dos alunos, sem fugir do tema proposto.

Referências Bibliográficas

BOULLOS JUNIOR, Alfredo. História e Cidadania: 8° ano. FTD: São Paulo, 2012.

PIETROVSKI, Maria Célia de Souza; AMARO, Hudson Siqueira. Leitura,


Interpretação e Produção de Texto: Ferramentas para o ensino de história. Acessado
em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2259-8.pdf

TORRIGLIA, Patricia Laura; CISNE, Margareth Feiten. Processo de produção e de


apropriação de conhecimento: o papel da atividade como prioridade ontologia.
Disponível em:

http://www.seer.ufv.br/seer/educacaoemperspectiva/index.php/ppgeufv/article/viewFile/
244/86

204
HISTÓRIA, ENSINO DE HISTÓRIA E A
PRODUÇÃO DO HERÓI: EM GOIÁS, TAMBÉM
TEMOS UM
Miriam Bianca Amaral Ribeiro

Este texto compõe a pesquisa em andamento “Cultura Histórica e História ensinada em


Goiás (1934-2005)”, vinculada ao DHUCA, Diálogos Humanidades, Ciência e
Aprendizagem – Núcleo de Extensão e Pesquisa, da Faculdade de Educação da UFG.
Trata-se de uma investigação das relações entre nação e região na constituição e
afirmação dos projetos de poder em disputa e as tarefas colocadas para o ensino da
história, nesse contexto. A delimitação temporal está assentada sobre a publicação do
primeiro livro didático sobre história de Goiás, para crianças (Goyaz, coração do Brasil,
de Ofélia Nascimento – Ed. Oriente: 1934) e dois antes da publicação de nosso livro
didático sobre o mesmo tema, também para crianças (Redescobrindo Goiás, FTD:
2007).

Quem ensina história no Brasil convive com um emaranhado de grandes datas, grandes
heróis e grandes fatos que, mesmo diante de tantas discussões teórico-metodológicas
como as que se acumularam ao longo das últimas décadas, insiste em se colocar como
um quase sinônimo de aula de história. As salas de professores do Ensino Fundamental
e Médio ainda são decoradas pelos imensos calendários com datas comemorativas que
povoam o cotidiano da sala de aula, das quais os livros, o professor, alunos e seus
cuidadores ainda estão quase reféns. Ao lado dos calendários, não raramente
encontramos um painel de ‘vultos’ nacionais.

Isso não é um acaso e sim um projeto político elaborado nos meados do século XIX,
quando, na pós-colônia e recente império, urgia elaborar um projeto de nação que
convencesse a todos os membros da suposta nova nação – o novo homem brasileiro –
que tínhamos o destino da grandeza. Um povo sem cultura e memória históricas oficiais
poderia se achar capaz de elaborar histórias diversas, sob diferentes matizes e interesses,
colocando em risco o trunfo da unidade política e territorial, além de fragilizar o
controle deste mesmo povo.

Fazia-se necessário e premente elaborar, sistematizar e ensinar uma história que fosse,
ao mesmo tempo, suporte para a manutenção do poder imperial e instrumento a serviço
do ‘apaziguamento’ das lutas internas, dos movimentos sociais de toda ordem, que
ameaçavam a execução do projeto de nação unificada. Essa tarefa foi cumprida pelo
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e pelo Colégio Imperial D. Pedro II, que,
respectivamente, inventaram e ensinaram a história encomendada pelo império. Entre os
instrumentos interpretativos dessa história, algumas datas foram inventadas para serem
seus marcos temporais e políticos desta, identificadoras de alguns grandes feitos
somente realizáveis por alguns grandes homens que mereceriam 'entrar para a história' e
serem reverenciados.

205
De lá para cá, sempre que as forças hegemônicas do Estado Nacional precisam reunir
forças para garantir a manutenção de seus projetos, o ensino de história é convocado
para dar esse suporte, para elaborar o convencimento. Foi assim, então, no Império, foi
assim no Estado Novo e na ditadura civil-militar instalada em 1964. Entender esse
trajeto da história ensinada no Brasil nos ajuda a não reproduzir, nos dias de hoje, esses
mesmos rituais.

Para que isso possa ser dito hoje, já faz um bom tempo que pesquisadores e professores
tem-se debruçado sobre esse objeto: o ensino de história. Longe de uma visão
maniqueísta da história ensinada e de seus atores, que identifica bons e maus, certos e
errados, bonitos e feios, bandidos e mocinhos, trata-se de compreender os porquês. Não
se trata de realizar julgamentos, trata-se de construir explicações científicas. Somos
todos sujeitos e objeto desta educação.

Alie-se a isso, dois outros elementos: o desenvolvimento da historiografia brasileira,


que tem nos proporcionado novas leituras sobre novos e antigos temas e o avanço das
discussões teórico-metodológicas que nos trazem abordagens e conceituações que nos
fazem repensar o que é, enfim, a história e daí, seu ensino. Portanto, a produção de uma
compreensão do significado historicamente contextualizado da história dos grandes
feitos, grandes datas e grandes heróis (e do nosso ponto de vista, sua desconstrução), é
tarefa componente de nossa formação de historiadores e professores.

Hoje, alguns dos componentes mais arraigados desta história ensinada a partir do
Império e ainda presente em nossa cultura histórica, já foram objeto da investigação
científica e já se encontram desconstruídos. Vamos citar apenas um deles: o
'descobrimento' do Brasil. Ninguém mais fala em 'descobrimento' do Brasil, para se
referir ao confronto de culturas ocorrido no século XVI, sem que isso remeta ao uso de
aspas ou de uma explicação que rediscuta essa terminologia. Por um conjunto amplo de
razões, falar em 'descobrimento' como tal, revela, no mínimo, ignorância, para não falar
em eurocentrismo, preconceito étnico e cultural, entre outras tantas possibilidades.

Ocorre que é uma luta desigual, como desigual tudo é numa sociedade de classes como
a nossa. Enquanto pesquisadores e professores, não raramente a mesma pessoa, levamos
anos... Décadas para demonstrar de onde vem a história inventada e contada desde o
império brasileiro, uma campanha midiática reedita a história produzida pelo IHGB. Foi
assim nos '500 anos' de Brasil em 2000. Seria óbvio de não fosse trágico. Se dizemos
que o Brasil tem 500 anos, comemoramos isso com relógios e eventos, reafirmamos o
que o IHGB dos tempos imperiais elaborou: antes do português, com sua moderna
superioridade, não havia civilização por essas paragens. Para ser uma grande nação é
preciso desconsiderar o 'selvagem' como membro da nação, até que ele se integre
plenamente ao projeto, assumindo seu lugar subalterno até a extinção. Antes disso, tudo
é apenas natureza: gente, bicho e planta. Não é demais lembrar que nas 'comemorações'
dos '500 anos', índios, camponeses e estudantes foram devidamente punidos quando
manifestavam sua interpretação dos acontecimentos. Não é demais registrar que o
caderno especial “ Páginas da História: o retrato de um povo tradicional e
contemporâneo” do jornal ‘O Popular’, diário de maior circulação em Goiás, publicado
como encarte em dezembro de 2013 e fartamente doado às escolas públicas, traz em sua
apresentação: “O percurso da formação de Goiás e de seu povo começou no final do
século 18, com a chegada dos bandeirantes atrás do ouro (...).” Ou seja, antes dos
206
bandeirantes não havia história em Goiás, como não havia no Brasil antes de 1500.

E aí, chegamos à parte que nos cabe nesse latifúndio: a história de Goiás.

Não é de hoje que se estuda e ensina a história de Goiás, dentro e fora das
universidades. Estão disponíveis nas estantes das bibliotecas públicas, nas atividades
escolares do ensino fundamental e médio, nos acervos de trabalho de fim de graduação,
nos arquivos dos programas de especialização, mestrado e doutorado da área de
Ciências Humanas, nos 'sebos' da capital, centenas de obras que tratam de centenas de
temas da história regional. Muito já se estudou, escreveu, reescreveu e continuamos
escrevendo.

Aqui também há uma história ensinada a partir de um conjunto de interesses em disputa.


Um dos elementos mais presentes na cultura histórica regional é a questão da
construção de Goiânia e a transferência da capital. Trabalhos consistentes discutiram a
Primeira República em Goiás, a Revolução de 1930 em Goiás, a questão das oligarquias
e do poder politico, a construção da nova cidade e sua transformação em capital, entre
tantos outros temas dele decorrentes.

A ideia de que a Cidade de Goiás não mais comportava as tarefas de uma capital, pelas
características do terreno, pela suposta insalubridade, pela pouca água e outros
argumentos levantados pelos defensores do projeto de transferência da sede de governo,
devem ser pensados como elemento próprio de uma disputa oligárquica. O Palácio
Conde dos Arcos, então sede do governo, era uma ilha Ludovico cercada de Caiados por
todos os lados, posto que Pedro Ludovico foi içado ao posto de interventor pelas mãos
de Vargas, na reordenação do pacto oligárquico que colocou os Caiado nos ostracismo,
enquanto até então eram a mais plena expressão do mandonismo local na região. Não há
como tratar essa disputa oligárquica como se tivéssemos que escolher de que lado ficar:
mudancistas ou não mudancistas, defensores do moderno ou do atraso. Não é a postura
de quem estuda a história como ciência.

Ocorre, que, desde 1930, vem se construindo a ideia de Pedro Ludovico como homem à
frente de seu tempo, de herói, de grande promotor da modernidade em Goiás, que teria
tirado Goiás do atraso, por construir Goiânia e transferir a capital. Sucessivos governos
disputam o capital político acumulado por esse procedimento, e para isso, tem que
reeditá-lo. Mesmo não se sustentando sob uma investigação histórica e historiográfica,
essa história vem sendo contada, recontada, reescrita e ensinada cotidianamente em
Goiás, através dos mais variados instrumentos. Por exemplo, em 2010 foi instalada, nos
gramados do Centro Administrativo, em Goiânia, uma enorme estátua de Ludovico,
com os dizeres ‘Uma trajetória marcada por grandes obras, rupturas, combates, avanços
e modernidade. Nesta data, o governo de Goiás cumpre o compromisso dos goianos de
agradecer a cidade de Pedro.’ Não há como detalhar aqui, mas, temos identificado livros
de literatura infantil e infanto-juvenil, gibis, revista feminina com o nome ‘Ludovica - a
revista da mulher goiana moderna’, livros didáticos, noticias de jornal escrito e
televisado, comemorações, distinções e comendas, entre dezenas de outros dados em
levantamento e análise, nos convenceram da invenção/produção do herói regional como
instrumento de reedição de uma versão da história de Goiás, ensinada dentro e fora das
salas de aula, a serviço da afirmação da ideia de história como ação de alguns,
superiores a todos os outros, com o endereço político aqui já mencionado.
207
Referências Bibliográficas

Le GOFF, Jaques. História e Memória. Ed. Unicamp, Campinas:1990.

MONTEIRO, Ofélia Sócrates Nascimento. Goyaz, coração do Brasil. Ed. Oriente,


Goiânia:1934.

RIBEIRO, Miriam Bianca Amaral Ribeiro. Resdescobrindo Goiás: a história e a


sociedade. Ed. FTD, SP:2007.

208
O QUE É SER BRASILEIRO? A CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE NACIONAL BRASILEIRA NO XIX A
PARTIR DE UMA AULA OFICINA
Nathalia Hermann
Vitor Gasparetto

O presente texto se propõe a analisar uma aula oficina realizada a turma do 8ºano da
Escola de Educação Básica Municipal Henrique Veras em Florianópolis. A aula oficina,
na perspectiva da historiadora portuguesa Isabel Barca, se constrói a partir da ideia de
que os estudantes são os próprios agentes do seu conhecimento. Esse mesmo
conhecimento é proporcionado através de indagações feitas pelo professor por meio de
atividades intelectualmente desafiadoras, como por exemplo a análise de documentos
(2004). O professor é peça chave do processo de construção da aula oficina e segundo
Isabel Barca o mesmo

Terá que assumir-se como investigador social, aprender a interpretar o


mundo conceptual dos seus alunos não para de imediato classificar em
certo/errado, completo/incompleto, mas para que esta sua compreensão o
ajude a modificar positivamente a conceptualização dos alunos. (BARCA,
2004, p. 133)

O objetivo da oficina analisada era trazer questões sobre identidade, nação e o passado
presente na consciência histórica de cada aluno e discutir como essas narrativas foram
construídas. A consciência histórica, segundo o teórico alemão Jörn Rüsen, pode ser
definida como uma categoria que se relaciona a toda forma de pensamento histórico,
através do qual os sujeitos possuem a experiência do passado e o interpretam como
história. Em outras palavras ela é “(...) a suma das operações mentais com as quais os
homens interpretam sua experiência da evolução temporal de seu mundo e de si
mesmos, de forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no
tempo” (RUSEN, 2010, p. 57).

Durante o planejamento da aula oficina a mesma foi pensada para ser realizada em três
momentos: Dois debates e uma análise de documentos. Os debates, que ocorreram no
início e final da oficina, serviriam para trazer a tona quais são os conhecimentos já
existentes na mente dos alunos e alunas. A turma tinha acabado de estudar sobre os
processos de vinda da corte real portuguesa em 1808 e a independência do Brasil e,
apesar dos alunos terem aprendido sobre um suposto “projeto de nação” construído na
época, queríamos mostrar as permanências desse mito no nosso discurso e como nos
identificamos com o ser “Brasileiro”. Nessas discussões buscamos a opinião dos alunos
sobre eles “se considerarem brasileiros” e o que tornaria alguém brasileiro, lendo a
visão deles sobre identidade.

209
A análise em sala foi realizada com base em documentos adaptados que buscavam
narrar sobre uma “pluralidade” de identidades que existiam no Brasil do século XIX.
Cada um desses documentos tratava de um grupo étnico-social (Negros em de origem
Malê, Grupos Indígenas, Açorianos, Alemães e Portugueses da corte real) e a turma foi
separada em quatro grupos para examiná-los. Junto com as fontes uma série de questões
serviram como guia para a análise dos trechos. O questionário trazia perguntas sobre as
características do documento (“quando ele foi escrito?”, “quem escreveu?”, “sobre
quem fala?”) bem como indagações em aberto sobre a identidade desses personagens
históricos, buscando a interpretação e a opinião pessoal dos alunos e alunas (“Você acha
que essas pessoas eram brasileiras? Porque?”). Essas questões serviram como base para
um segundo debate com os alunos, que deveriam discutir sobre ser brasileiro agora e no
século XIX utilizando-se desses exemplos.

De 1831 a 1840 o Brasil vivia o Período Regencial, não havia um imperador de fato e
várias províncias abrigavam movimentos separatistas. Por isso, a unidade do Estado
Imperial estava ameaçada e a História surge como um elemento capaz de construir uma
identidade nacional “aglutinadora”. A partir dessa necessidade é criado o IHGB
(Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), que surgiu com o objetivo de ajudar a
elaborar uma narrativa sobre o passado nacional que valorizasse os feitos políticos
ligados à monarquia portuguesa e construía os mitos fundadores que sustentariam a
idéia de nação brasileira. Uma produção historiográfica que, segundo o historiador
Manoel Guimarães “escapa às regras e injunções específicas do mundo acadêmico”
(GUIMARÃES, p.9, 1988)

Deste lado do Atlântico outro será o espaço da produção historiográfica.


Não o espaço sujeito à competição acadêmica própria das universidades
européias, mas o espaço da academia de escolhidos e eleitos a partir de
relações sociais, nos moldes das academias ilustradas que conheceram seu
auge na Europa nos fins do século XVII e no século XVIII.
(GUIMARÃES, 1988, p. 5)

Essa é uma narrativa que apesar de já apresentar o “mito das três raças”, colocava o
elemento europeu como encabeçador de um processo civilizador. Essa era uma narrativa
que também tentava diminuir os contrastes regionais, pois os elementos regionais eram
vistos como fragmentadores dessa identidade nacional. Apesar de hoje em dia, no
discurso dos alunos, encontrarmos muito elementos de narrativas locais (como, por
exemplo, a figura dos açorianos, muito presentes na tradição florianopolitana e por
consequência na própria tradição da escola), a construção narrativa de uma “mistura”
entre elementos europeus, negros e indígenas, que se iniciou no século XIX e depois se
tornou o “mito da democracia racial” continua sendo o elemento central na discussão
dos alunos ao se referenciar a “ser brasileiro”.

Não se pode esquecer que a democracia racial foi criada para fundamentar uma
homogeneização cultural e omitir as diferenças e desigualdades sociais e serviu para
fortalecer a ideia de uma história nacional com a ausência de conflitos entre os povos.
Com a oficina e a análise dos documentos os alunos aparentam ter notado as
intencionalidades de certos grupos ao se escrever as narrativas clássicas sobre
identidade brasileira bem como os conflitos entre diferentes grupos e identidades, que
apareciam muito fortemente nesse Brasil do século XIX.
210
Referências

BARCA, Isabel. Aula Oficina: do Projeto à Avaliação. In. BARCA, I. (Org.) Para uma
educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro
de Investigação em Educação (CIED)/ Instituto de Educação e Psicologia, Universidade
do Minho, 2004, p. 131 – 144.

GUIMARÃES, Manoel Luis Lima Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o


Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Revista
Estudos Históricos, v. 1, n. 1, 1988, p. 5-27.

RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. 1ª


reimpressão. Brasília: Editora UNB, 2010.

211
O ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA ATRAVÉS DA
ANÁLISE DE IMAGENS DO EGITO
Nathália Machado Freire de Arruda

De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) vemos que o objeto do
componente curricular de História é viabilizar a compreensão e problematização, pelos
estudantes, dos processos de constituição e transformação de valores, saberes e fazeres,
em diferentes tempos e espaços, de pessoas e coletividades.

A BNCC aborda ainda o direito de todos ao entendimento das múltiplas temporalidades


vivenciadas pelas sociedades, bem como a tomada de consciência de que as sociedades
têm histórias diversas, que podem ser abordadas a partir de diferentes pontos de vista.
Nós, como professores de História, temos que escolher qual o fato que queremos
destacar e como trabalharemos a memória de forma crítica e consciente.

O ensino de história no Ensino Fundamental, e também no Ensino Médio,


tem como objetivo fundamental proporcionar a nossos(as) alunos(as) as
condições para que eles(as) consigam se identificar enquanto sujeito
histórico, participando de um grupo social, ao mesmo tempo único e
diverso. (ARAUJO,2006. p.3)

Com foco no ensino de História Antiga, temos diversas formas de explorar este período
histórico em sala de aula, não apenas com documentos escritos, mas também com a
cultura material, com o estudo arqueológico de edifícios, estátuas, cerâmica, pintura,
entre outras categorias de artefatos (FUNARI, 2007, p. 97). Com a seleção desse
material, o professor pode abordar diferentes aspectos da sociedade e estimular
reflexões sobre as estruturas econômicas, sociais, políticas e cultural da antiguidade
(FUNARI, 2004, p.2).

Uma das formas que podem ser trabalhadas em sala de aula é a análise de imagem, pois
nos permite observar o passado de forma mais vívida. As imagens trazem mais
ludicidade e interação com o conteúdo em análise (BITTENCOURT, 2008) Como
sugerido pelo crítico Stephen Bann, citado no livro Testemunha ocular, nossa posição,
face a face com uma imagem, nos coloca face a face com a História (BURKE, 2004,
p.17). Paulo Knauss, fala em seu texto, O desafio de fazer história com imagens: arte e
cultura vizual, sobre o desafio de estudar história com imagens, diz que a imagem pode
ser caracterizada como expressão da diversidade social, exibindo a pluralidade humana.

Peter Burke completa, afirmando que as imagens, assim como textos e testemunhos
orais, constituem-se numa forma importante de evidência histórica. O autor ainda
afirma que o uso das imagens, em diferentes períodos, como objetos de devoção ou
meios de persuasão, de transmitir informação ou de oferecer prazer, permite-lhe
testemunhar antigas formas de religião, de conhecimento, crença, deleite, etc.(BURKE,
2004, p.17)

212
Por isso, um direcionamento lúdico a alunos do ensino fundamental vai estimular o
aprendizado sobre as estruturas sociais e as produções artísticas e culturais, além de um
aprofundamento na civilização que está sendo trabalhada em sala. Além disso, a
imagem possui um registro abrangente, baseado em um dos sentidos que caracterizam a
condição humana (KNAUSS, 2005, p. 99).

O professor de História Antiga encontra várias barreiras, uma das maiores é fazer com
que o aluno se interesse pelo conteúdo trabalhado em sala de aula. Uma maneira de
despertar este interesse é levar imagens e analisar junto com a turma, fazendo assim
com que os alunos tenham uma maior aproximação com o tema abordado. Peter Burke
afirma que a imagem pode ser usada como evidência histórica, já que a arte pode
fornecer informações sobre os aspectos da realidade social, que os textos muitas vezes
abordam superficialmente.

Uma das sociedades antigas, que deixou um bom acervo de material, foi o Egito, já que
eles utilizavam diversos suportes para registrar sua história. Um dos mais conhecidos
são as paredes e portas dos templos, onde encontram-se narrações sobre os feitos dos
soberanos, mas também grande número de autobiografias e matéria religiosa, como os
Textos das Pirâmides (ARAUJO, 2000, p.28). Podemos usar como material de analise
em sala de aula as imagens das pirâmides, por exemplo, que vão nos dar muitas
informações sobre esta sociedade.

Quando analisamos o estilo egípcio (cânones), que é um conjunto de normas especiais,


regras, modelos e padrões que deveriam ser repetidos nas obras executadas (
ARAUJO,2006, p. 28), observamos que esse estilo depois de escolhido não se alterava;
é por causa desta padronização que nos deparamos nas artes egípcias com a repetição de
temas (cotidiano e religioso) e eram realizados em construções bidimensionais
(desenhos e relevos) nas paredes dos templos (SILVA, 2006, p.18).

O estilo egípcio tinha varias regras que fazia com que a arte permanecesse num padrão,
como por exemplo:

Os homens eram sempre pintados com a pele mais escura do que as


mulheres; a aparência de cada deus egípcio era rigorosamente estabelecida.
Hórus, o deus-céu, tinha que ser apresentado como um falcão ou com uma
cabeça de falcão; Anúbis, o deus dos ritos funerais, como um chacal ou com
uma cabeça de chacal. (GOMBRICH,1999, p. 65).

Como essa regra definia o padrão da arte egípcia, encontramos características como:

Os olhos e o torso nunca estão de perfil, já os membros superiores e


inferiores são colocados de perfil “deformando” a lógica da observação
natural da figura. As estátuas são esculpidas como “um todo”, deixando os
membros “colados” ao corpo; Para representar duas ou mais pessoas
organizava-se uma relação de posição social, quem fosse “mais importante”
seria representado maior e à direita do subsequente. (SILVA,2002, p. 32).

213
Tendo por base os padrões que estão em toda a arte egípcia, podemos analisar algumas
imagens e aprender mais sobre essa sociedade. Podemos encontrar através da imagem
abaixo as características citadas anteriormente, como a questão do tamanho em que a
pessoa era representado, que mostrava sua classe naquela sociedade. Observamos
também na imagem a forma como os corpos eram desenhados.

Cena de caça. Tumba de Nebamum. C. 1400 a.C. Pintura de parede, 31 cm.


British Museum. Disponível em:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/bd/Tomb_of_Nebamun.jpg

Podemos ver no centro da imagem um homem maior que as demais pessoas, isso
representa que ele tem uma importância social maior do que os outros indivíduos
presentes na imagem. Logo abaixo dele tem uma menina em tamanho menor, o que
representa que ela é inferior ao homem e à mulher ou que é filha deles; a mulher
também é representada com menos importância do que o homem, que é o elemento
central da imagem. Outros elementos que podemos encontrar é o papiro, planta que
dava origem á folha de papiro; temos também aves que estão possivelmente sendo
caçadas, e vemos também os peixes no rio Nilo, que representam a sua fertilidade para o
povo egípcio.

Ao levar as imagens para serem analisadas em sala de aula, vemos que os objetos, as
pinturas e as esculturas têm sempre um tema recorrente que é a religião, e com isso
podemos mostrar para o aluno, a relação que esse poder tinha com os deuses.

O formato e os símbolos eram primeiramente estudados para, então, serem


usados na construção da mensagem religiosa das obras. Essa mensagem
visava fornecer o material de leitura para os vivos e para os mortos, pois o
povo egípcio acreditava que seus deuses observavam tudo que era realizado
no aquém e além túmulo. (SILVIA, 2002, p.18).

214
No Antigo Império, podemos abordar a análise das imagens das pirâmides, mostrando
como foi o processo de construção, a evolução das mastabas, que eram túmulos com o
formato retangular, até as grandes pirâmides conhecidas mundialmente. Podemos levar
imagens que mostrem o interior delas e explicar, por exemplo, a crença dos egípcios no
pós-morte, o motivo das grandes pirâmides, o local onde ficava o corpo, inclusive
abordar todo o processo funerário que este povo realizava.

Ao levar esta metodologia para a sala de aula, fazemos com que o aluno desperte o
interesse e tenha uma maior facilidade de compreender esta parte da história do Egito, já
que, quando ele se depara com imagens, concretiza melhor o conhecimento e sai do
censo comum.

Referencias Bibliográficas

ARAÚJO, Emanuel (org.). Escrito para a Eternidade: a literatura no Egito


Faraônico. Brasília: Editora da Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa oficial
do Estado, 2000.

Base nacional comum curricular, 2ª versão revista. Ministério da Educação, 2016.


Disponível em: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/bncc-
2versao.revista.pdf >

Burke, Peter. Testemunha ocular: história e imagem / Peter Burke; tradução Vera
Maria Xavier dos Santos; revisão técnica Daniel Aarão Reis Filho. –
Bauro,SP:EDUSC,2004.

Espaços educativos e ensino de História. Boletim 02, Ministério da educação, 2006.


Disponível em: <
http://cdnbi.tvescola.org.br/resources/VMSResources/contents/document/publicationsSe
ries/18493502-EspacosEducativos.pdf >

KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula : conceitos, práticas e propostas -


5.ed. São Paulo : Contexto, 2007.

Knauss, Paulo. O desafio de fazer história com imagens: Arte e cultura visual. João
Pessoa, 2005. Disponível em: <
http://www.artcultura.inhis.ufu.br/PDF12/ArtCultura%2012_knauss.pdf >

Pedro Paulo Abreu Funari e Renata Senna Garraffoni, História Antiga na Sala de
Aula. Campinas, IFCH/UNICAMP, Julho de 2004, Textos Didáticos n. 51.

SILVA,Rita Tatiana. Do cânone à criação: A simbologia usada na representação do


Faraó Akhenaton. São Paulo, 2006. Disponível em: <
http://livros01.livrosgratis.com.br/ea000416.pdf>

215
RAÍZES DO REGIME MILITAR NO AMBIENTE
ESCOLAR: UM ESTUDO DE CASO
Pedro Henrique Caires de Almeida
Valdemir Paiva

É correto pensar que, após o fim da ditadura militar dissiparam-se todas as suas heranças
autoritárias, sobretudo no campo educacional? Buscamos aqui, tenta responder à questão, ou
trazer o tema à baila, tendo como base observações feitas em um colégio estadual na cidade
de Campo Mourão, Paraná.

A massificação da educação, bem como a industrialização de produção dos materiais


didáticos foi um processo que teve início no período da intervenção militar. Como Silva
(1990) salienta, entre 1950 e 1980, ocorreu no Brasil o mais intenso processo de
modernização pelo qual o país já passou, alterando profundamente a fisionomia social,
econômica e política do país. Foi nítida a mudança em todos os setores da vida
brasileira, com alterações estruturais relevantes e definitivas na industrialização, a
integração no conjunto econômico capitalista mundial, concentração de renda e na área
educacional.

A escola foi gradativamente sendo descaracterizada: de uma instituição responsável em


promover o ensino e aprendizagem, aberta a questionamentos e reflexões, passa a ser
rigidamente controlada pelo governo de forte hierarquia que ditava o que se deveria ser
lecionado. Depois de todas as restrições impostas ainda na década de sessenta, o
governo militar, juntamente com os membros políticos estadunidenses concretizaram
acordos através da parceria entre o então Ministério da Educação e Cultura (MEC) e
United States International for Development (USAID) realizando acordos responsáveis
por reformas de leis no nosso sistema educacional, que tinham como finalidade atribuir
à educação características autoritárias e domesticadoras.

O Decreto-Lei n° 477, de 1969, ampliou a repressão e o terrorismo governamental às


redes de ensino. O primeiro artigo desse decreto definiu como “infração disciplinar” de
professores, alunos e funcionários dos estabelecimentos de ensino público e particular:
o aliciamento e incitamento à greve, o atentado contra pessoas, bens ou prédio, os atos
destinados à organização de movimentos subversivos, o sequestro e o uso de
estabelecimentos escolares para fins de subversão, entre outros (PILETTI, 1990, p. 115-
116).

Uma das leis mais emblemáticas instituídas ao sistema de educação foi a de n° 5.692, de
1971. Romanelli (1996) comenta que a intenção desta lei, foi de criar uma maneira de
formar estudantes, com o objetivo de, após qualificá-los, atender a necessidade latente
do mercado de trabalho. Assim, cabia à escola promover conteúdos e métodos que
possibilitassem além da cultura geral básica, também a educação para o trabalho e a
educação de formas de relacionamento humano em que estivessem proscritos, “de uma
vez por todas, seus aspectos autoritários e inibidores” (p. 237).
216
Como destaca Piletti (1990), nos currículos de 1º e 2º graus emergiu um núcleo comum
obrigatório, integrado pelas disciplinas de Língua Portuguesa, Estudos Sociais,
Matemática, Ciências, Educação Moral e Cívica (EMC), Educação Física, Educação
Artística e Programas de Saúde (PILETTI, 1990, p.122). Em relação a esse núcleo
comum e obrigatório, ele trouxe prejuízos para a educação, tais como: a abolição de
algumas disciplinas escolares como a Sociologia, Filosofia e a Psicologia.

A imposição de poderes à instituição escolar tem como artifício instituir e delimitar os


espaços, comportamentos, ideais. O modelo de ensino usado por uma instituição não
são novos, originais, atuais ou criados para atender uma especifica realidade. Sob os
modelos usados na instituição escolar, são verificáveis métodos, que são construídos de
modo a formar uma teia de discursos e representações que reverberaram no produto
final, o aluno.

Isto posto, queremos com esse trabalho mostrar que, mesmo sendo uma escola civil, o
Colégio Estadual Marechal Rondon possui características militares em sua pedagogia,
adjacentes, provavelmente, do período do Regime Militar, época onde a instituição mais
cresceu e se tornou referência de ensino na cidade.

No Rondon, é notório o cultivo de atividades cívicas que são remanescentes do período


militar, atividades essas que buscam, a nosso ver, cultivar o valor nacionalista. Nos dias
que compreendem a Semana da Pátria, a escola cumpre um ritual de cantar os Hinos da
Independência e o Nacional, onde os alunos, enfileirados por turma acompanham o
hasteamento das bandeiras nacional, estadual e municipal. Após o ensejo, ocorre
normalmente a leitura de uma mensagem, poema ou curiosidade sobre o assunto. Além
disso, é também obrigação dos alunos (visto que há atribuição de nota) desfilar no dia
do feriado de 07 de setembro, data em que tradicionalmente as escolas saem para
desfilar e comemorar a Independência do Brasil e também fazer viver o sentido de
patriotismo.

A instituição escolar se destaca pela demonstração da força de uma “tradição” iniciada


no período da militarização que ainda faz viver não só o elemento de desfiles nas
avenidas de forma sempre a colocar os alunos perfilados, uniformizados e sem bonés,
na intenção de demonstrar respeito, mas também o elemento da fanfarra que desfila com
tambores, batuques e zabumbas, aludindo às bandas marciais das Forças Armadas. No
Marechal Rondon, o tema civismo tem sido prioridade para os professores que efetuam
ações como a leitura dos hinos cívicos e pesquisas sobre os símbolos nacionais. É
possível ainda identificamos o monitoramento dos alunos em pátios e corredores (agora
feito por câmeras), a delimitação dos locais (carteiras) onde os alunos sentam-se na sala
de aula, conhecido como “mapeamento de escolar”, além disso, há presença frequente
de policiais militares na instituição.

No que tange à presença do policiamento no ambiente, cabe ressaltar a presença de duas


moradias de policiais militares nas dependências da escola a fim de zelar pela
segurança. Tais elementos são considerados como mecanismos de controle e porque são
“um modelo de ensino” de fortes raízes militar e tradicional. No pátio, em grandes e
desenhadas letras, podemos encontrar a letra do hino do colégio, o verde das paredes se
faz forte e se torna vivo quando olhamos os alunos uniformizados impecavelmente, sem
nenhuma exceção. O controle do bom andamento das aulas recebe incondicional
217
atenção da equipe que está sempre em contato com os pais. Os inspetores de corredor
são responsáveis em manter a ordem e coibir dispersões.

Ao considerarmos os métodos organizacionais, tendo como principais mecanismos de


administração da instituição, regras tradicionais e conseguintemente não só para a
administração da escola, mas também por necessidade, tendo em vista o precário
repasse para inovar o ensino e buscar a inclusão de novas formas didáticas para o ensino
bem como novas ferramentas para auxilio do professor em sala de aula, os principais
descontentes com a falta de interesses são os alunos e alunas.

No decorrer desta pequena investigação, percebemos os efeitos que o político e o


econômico do país incidem sobre a educação, deixando cicatrizes ainda visíveis.
Controlar, instituir e delimitar podem ser consideradas como sendo palavras-chaves do
período que compreendeu a ditadura militar. No entanto, foi neste contexto de
autoritarismo em que a educação passou por um processo ímpar: a massificação da
educação, o processo de ensino seriado, a divisão do ensino em médio e fundamental,
além do forte controle por parte do governo. Nesta trama, muitas disciplinas foram
prejudicadas como a História, Filosofia e Geografia, sendo reformuladas, comprimidas
a fim de ceder espaço a outras novas disciplinas como “OSPB” e “Moral e Cívica”.

Ao passo em que o Brasil vivia os avanços de prosperidade econômica até então nunca
visto, ocorrendo a imediata necessidade de formar técnicos para suprir a necessidade de
operários que soubesse e fossem minimamente educados para o trabalho, vivíamos a era
do tecnicismo.

Após o período da redemocratização, os ares educacionais tiveram outras atenções, mas


agora com intuito de democratizar o processo de ensino e aprendizagem, visando buscar
desenvolver a crítica, interpretações e debates, elementos de uma nova geração da
educação iniciado no final do século XX e inicio do século XXI.

O grande desafio da educação brasileira se passa nesses limiares, na transição de uma


educação em que visa entendimentos, interpretações dos sujeitos e não um ensino
direcionado e tendencioso como era passado no período militar.

Conseguimos visualizar no Colégio Marechal Rondon os entraves em que muitas


instituições brasileiras passam. Ao buscar promover a educação sem uma atualização
estrutural, muitas vezes a instituição escolar acaba adotando métodos antigos, arcaicos a
fim de promover o processo de ensino. Proibir o uso de aparelhos celulares na escola,
delimitar o espaço do aluno, vigiar, uniformizar e criar um ambiente de poder a ser
obedecido se faz presente na escola investigada, com a intenção de priorizar o processo
de ensino, que como vimos não possui uma estrutura de ferramentas capaz de inovar,
atrair e reter a atenção da nova juventude.

Portanto, escolas como a pesquisada usam de mecanismos remanescentes da ditadura a


fim de controlar e promover a educação democrática e moderna, no entanto, essa
modernidade é apenas de conteúdos, pois no que se refere à estrutura escolar, bem como
todo aparado de ferramentas que auxiliam o professor no ensino, que fazem parte do
mundo interativo que vivemos, não tem-se usufruto, pois os investimentos não são

218
suficientes para reformular e atualizar os métodos de ensino, pois o que se percebe é a
mudança dos alunos e a estagnação da estrutura escolar.

Referências bibliográficas

PILLETI, Nelson. História da Educação no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1990.

Projeto Político Pedagógico Colégio Estadual Marechal Rondon. Disponível em:


http://www.cpmrondon.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=26>.
Acesso em 24 de setembro de 2015.

ROMANELLI, Otaízo de Oliveira. História da educação brasileira (1930-1973). 18.


Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História geral do. 4. Ed. Rio de Janeiro, 1990.
P.273-303.

219
NOVAS ABORDAGENS NO ENSINO DE
HISTÓRIA DO NAZISMO NA EDUCAÇÃO BÁSICA
BRASILEIRA
Priscilla Piccolo Neves

A historiadora Márcia Menendes Motta (2012) destaca que segundo Nolte, ao contrário
de outras tragédias da humanidade, a experiência nazista havia deixado marcas
indeléveis na história alemã e era reiteradamente lembrada como uma história do
passado que havia fincado raízes no presente. Na mesma linha, o historiador alemão
Hinnerk Bruhns, postula que a construção de uma nova identidade alemã no contexto da
reunificação não deveria eliminar a experiência de Auschwitz. Assim, seria legitimo
guardar na memória coletiva alguns esforços em prol da democracia nos períodos
anteriores ao nazismo, inclusive ressaltando determinadas possibilidades não realizadas
desse passado. Mas a verdade é que para este autor aqueles elementos tinham menos
importância como parte da identidade alemã “do que os que marcaram o advento e os
horrores do nazismo”.

A pequena exposição dos posicionamentos dos historiadores acerca dos horrores do


nazismo e, por consequência, das atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial,
demonstram a atualidade do tema. Os embates em torno da memória do nazismo e,
destacadamente, sobre o holocausto, dividem os historiadores e são responsáveis por
uma das mais intensas querelas entre os estudiosos do tema.

Muito já foi produzido sobre o tema. Incontáveis são as obras sobre as estratégias
militares, a trajetória pessoal de Hitler, seus aspectos psicológicos que explicariam os
horrores do nazismo. Inúmeros são os museus que buscam manter viva a memória do
holocausto. Até mesmo um Estado independente foi criado em decorrência do ocorrido
com os judeus. No entanto, quando os componentes curriculares “Nazismo e Segunda
Guerra Mundial” adentram o cotidiano escolar, vem a tona, como ferramenta
pedagógica primordial, o livro didático, em todo seu formalismo e limitações.

A proposta central desta pesquisa reside na possibilidade de introdução de novas


perspectivas no ensino do Nazismo e da II Guerra Mundial a partir do recurso a uma
ferramenta muito divulgada, mas, de fato, ainda pouco utilizada em sala de aula: os
estudos literários, mas especificamente obras biográficas.

Parte-se aqui da perspectiva de que o uso da literatura como ferramenta pedagógica em


sala de aula é crucial para compreender o caráter de mudança e continuidade em torno
dos novos métodos de investigação da história e de seu ensino. Algumas obras literárias
reproduzem de uma forma mais didática fatos históricos. Impossível pensar no ensino
de história sem levar em consideração sua multiplicidade pedagógica existentes na
atualidade.

220
De acordo com Christian Laville (1999), no passado o dever do ensino de Historia era
apenas uma forma de educação cívica, ou seja, tinha o papel de confirmar a nação no
estado em que se encontrava no momento, legitimando sua ordem social e política.
Ensinado ao povo respeito por ela e dedicação para servi-la. O aparelho didático desse
ensino era simples: uma narração de fatos seletos, momentos fortes, etapas decisivas,
grandes personagens, acontecimentos simbólicos e, de vez em quando, alguns mitos
gratificantes. Cada peça de narrativa tinha sua importância e era cuidadosamente
selecionada.

Com a modernização tecnológica e com avanços no campo das pesquisas pedagógicas,


surgiu a necessidade de se repensar as formas de ensino, embora muitas instituições
ainda optem por usar métodos arcaicos e se aterem apenas ao livro didático como
recurso metodológico. A progressão dos estudos didáticos vem mostrando que cada vez
mais é possível ensinar e formar uma consciência critica com recursos que acompanham
a modernização.

Usando como principio a constatação de Vesna Gidiva e Valentina Hlebec (1999) de


que é mais do que evidente que ensinar História é antes de tudo um trabalho ideológico
e político e não uma questão de normas profissionais, pode-se destacar o quanto a
utilização de outras formas de ensino é importante para a formação de uma consciência
critica do aluno.

A importância deste estudo remete ao fato de se sublinhar e tentar comprovar teorias


pedagógicas de utilização de outras ferramentas para além do livro didático. O presente
estudo se propõe construir ferramentas pedagógicas capazes de viabilizar a inserção de
obras literárias no ensino de Historia, envolvendo temas que permeiam os fatos
ocorridos no período da Segunda Guerra Mundial. Está sendo proposto, então, a
utilização de obras literárias que tenham como plano de fundo acontecimentos ocorridos
durante a II Guerra Mundial, através de obras que perpassam por relatos de indivíduos
que presenciaram e fizeram parte direta ou indiretamente desta época.

As obras literárias devem ser apropriadas como mais um método de transmissão do


conhecimento. Sua utilização deve ser sublinhada, pois permite a quebra das barreiras
disciplinares nas escolas.

O Brasil ainda possui muitas escolas em que as formas de ensino ainda não dialogam
com as novas formas de se pensar o Ensino de Historia, continuando presas a
paradigmas doutrinários mais próximos ao século XIX do que ao XXI. Para muitos
pesquisadores, ainda é valida a ideia de que o Ensino de Historia tem como sua
principal função moldar a consciência e a ditar as obrigações e os comportamentos para
com a sociedade, ao invés de guiar os cidadãos para desenvolverem uma capacidade
autônoma e reflexiva para participarem da sociedade de uma forma colaboradora.

O papel do professor é saber conciliar as diferentes interpretações de um fato,


explorando a diversidade presente na pluralidade das interpretações, estimulando assim
um senso critico no aluno, ensinando-o a questionar todo o tipo de verdade, pois, para a
história não existe uma diversidade absoluta. Pode-se vê-la como uma investigação
permanente dos fatos, uma vez que seu objeto de estudo foi produzido através de
interpretações de algumas pessoas de um mesmo tema. As obras literárias, desta forma,
221
podem ser uma importante ferramenta para esta investigação, pois, muitas vezes, são
escritas de uma forma mais clara e interessante, o que acaba estimulando o interesse dos
alunos pelo tema. Podem se constitui, assim, poderosas ferramentas capazes de
dinamizar o cotidiano escolar.

Segundo Katia Maria Abud (2003), a história como disciplina escolar, também é
histórica e, como campo de conhecimento, passa por mudanças e transformações que a
fazem filha do seu tempo. As novas abordagens, os novos objetos, outras fontes, outras
linguagens foram se incorporando ao Ensino de História. As novas tendências e as
correntes historiográficas que entendem a História como construção, aliadas a
concepções que envolvem o processo de ensino-aprendizagem, provocaram
transformações bastante profundas na construção da história como conhecimento
escolar. Tais transformações produziram modificações na Didática da História e
provocaram uma reformulação na prática pedagógica. É necessário que se destaque a
introdução e a permanência, nos documentos curriculares, de orientações sobre o uso
das novas linguagens, a despeito da inércia da organização escolar no sentido de
consolida-las como práticas cotidianas.

Ainda segundo Abud, a História escrita pelos historiadores dos Anales indicou novos
caminhos para a Historia e no Pós-Guerra, no período que cobre os anos 1950 e 1960,
pelo menos duas correntes desdobraram-se da proposta francesa: a chamada história
social e a da história das mentalidades. No mesmo período, nos Estados Unidos, Suíça,
França e Itália, educadores e estudiosos da Psicologia da Aprendizagem opunham-se às
práticas pedagógicas tidas como tradicionais, visando a uma educação que pudesse
integrar o individuo na sociedade e, ao mesmo tempo, ampliassem o acesso de todos à
escola. Reconheciam que as transformações pelas quais a sociedade ocidental passava
exigiam a utilização de diferentes métodos de ensino que enfatizassem o lado criativo
do aluno e as possibilidades de participação na elaboração do conhecimento. A noção de
que cabia a criança descobrir o conhecimento por meio dos sentidos, e que era a partir
do trabalho em sala de aula, ou em atividades extraclasses que o saber deveria ser
construído pelo aluno, individual e coletivamente, pesava na organização das propostas
metodológicas para o ensino. As novas tecnologias eram apontadas como recursos
didáticos para o desenvolvimento dessa Escola Nova, como passou a ser denominado o
conjunto de ideias que combatia o ensino tradicional.

Bibliografia

ABUD, Katia Maria. A construção de uma Didática da História: algumas ideias sobre a
utilização de filmes no ensino. História. São Paulo. Vol. 22. 2003.

BERSTEIN, Serge. A História da Cultura Política no século XX. Revisão da História.


Paris, Imprensa da Fundação Nacional das Ciências Políticas, nº 35, julho-setembro,
1992.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Aprendizagens em história. In: Ensino de


História: fundamentos e métodos. Editora Cortez. São Paulo. 2004;

222
CARDOSO, Oldimar. Para uma definição de Didática da História. Revista Brasileira
de História. São Paulo. Vol. 28, n° 55. 2008;

HOBSBAWM, Eric. Sobre a História. São Paulo: Cia das Letras, 1988.

LAVILLE, Christian. A guerra das narrativas: debates e ilusões em torno do ensino de


História. Revista Brasileira de História. São Paulo. V. 19, n° 38. 1999;

MOTTA, Márcia Maria Menendes. História, memória e tempo presente. In: org.
CARDOSO, Ciro Flamarion; e VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História.
Elsevier Editora Ltda. Rio de Janeiro. 2012.

NETO, Antonio Simplício de Almeida. Dimensão Utópica nas representações sobre o


ensino de História: Memória dos professores. Educação Social Campinas. Vol. 31, n°
110, jan.-mar. 2010.

223
ENCANTARIA E CULTURA ESCOLAR NO
MARANHÃO
Reinilda de Oliveira Santos

Em um país onde, segundo Fernandes (2005), o mais adequado seria falarmos em


“culturas brasileiras” ao invés de “cultura brasileira” ainda é comumente perceptível um
desconhecimento e despreparo em se trabalhar a diversidade cultural no ambiente
escolar. Constantemente, é observado na sociedade, manifestações de incompreensão e
preconceito existente em relação às religiões afro-brasileiras. No universo escolar,
crianças e adolescentes oriundos dessas vertentes religiosas geralmente passam por
situações constrangedoras devido a esse processo de desrespeito que está arraigado na
própria constituição do Brasil. Na realidade, é nesse ambiente que elas se sentem mais
reprimidas em assumir determinadas identidades.

Antes de tudo, deve-se destacar que em vários estados do Brasil é possível perceber a
disseminação dos cultos afros. Esta proliferação pode ser vista, de certa forma, como a
vitória de saberes e fazeres que, através de homens e mulheres africanos que
atravessaram o oceano, se arraigaram á sociedade brasileira. Assim, variando de acordo
com a origem territorial africana e o contato com práticas e saberes nativos, foi se
configurando um campo múltiplo, diversificado e rico de expressões culturais e
religiosas de marca popular e negro-mestiça. No caso do Maranhão, tornou-se muito
comum o Tambor de Mina, no Piauí o Catimbó, no Amazonas a Pajelança, em Alagoas,
Sergipe e Pernambuco o Xangô, na Bahia o Candomblé, na região central a Umbanda, e
na região sul o que se convencionou denominar de Batuque. Essas são categorizações
comuns, entretanto há inúmeras variações no âmbito de cada uma dessas regiões.

Em vista disso, é inquestionável a necessidade de se explorar esses temas em sala de


aula levando em conta sua diversidade e peculiaridades. No Maranhão, a partir da
análise da literatura existente sobre a temática e experiência no universo da macumba,
pode-se aferir que são mais comuns na cidade de São Luís a pajelança e o tambor de
mina, contudo no interior do estado essas expressões recebem classificações diversas:
Badé, Berequete, Pajelança, Jirumga, Panguará, Iemanjá, Baía, Terecô, Cura, Brinquedo
de Cura ou simplesmente Brinquedo.

Desta forma a escola, que deveria ser um ambiente que subsidiasse uma leitura crítica
da diversidade religiosa existente no país, muitas vezes se posiciona de forma
inadequada, trazendo elaborações equivocadas com o intuito de desqualificar e
demonizar essa religião. Diante disso é válido frisar que, além das ações afirmativas de
grupos específicos como o movimento negro e o advento da lei 10.639, um passo
importante e demasiado necessário que precisa ser trilhado é o da mudança no processo
educacional, sobretudo, no ensino fundamental. Nesse contexto, a disciplina de História,
assim como a de Ensino Religioso, deve colaborar nesse processo de valorização e
legitimidade das diferentes concepções de religião, desde que as mesmas sejam
ministradas por profissionais qualificados para tal tema, concentrando, assim, a atenção
224
necessária para se compreender a diversidade cultural e religiosa existente no país,
voltado principalmente para realidade a qual os alunos estão inseridos.

O advento da Lei nº 10.639/2003 se deu em meio a um intenso debate social


amplificado pela mídia, que expressava os primeiros impactos da
implantação de programas de ação afirmativa em algumas universidades
brasileiras. O texto das "Diretrizes" apresenta dimensões normativas
relativamente flexíveis, sugerindo referências, conteúdos e valores para a
ação docente, em consonância com o pressuposto formativo e educativo da
valorização da pluralidade cultural - mote, aliás, já presente nos Temas
Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais, de 1998. (PEREIRA,
p.01, 2001)

Vale destacar que o terreno da questão religiosa é, no campo educacional, um dos mais
árduos a se debater, especialmente no que se refere à cultura afro-brasileira,
considerando não apenas o processo histórico de estigmatização dessas religiões desde o
Brasil Colônia, mas também os movimentos mais recentes de ataque, fomentado
,sobretudo, por igrejas evangélicas. Assim é necessário problematizar esse tema nas
escolas, pois, de um lado, ao incorporar essa discussão, abre-se a possibilidade de um
rompimento real com o proselitismo no ambiente escolar, por outro, deve-se reconhecer
este como um espaço indispensável para se pensar a problematização das relações
étnico-raciais no país. Partindo assim do pressuposto de que é significativo criar um
sentimento de pertencimento do aluno á realidade histórica.

Para tanto é preciso construir leituras sobre o mundo e sobre si capazes de


fornecer o sentimento de identidade (por conseguinte, de pertencimento) e
ao mesmo tempo a capacidade crítica para reconhecer e lidar com as
diferenças e situa-las no tempo, (ou seja, situá-las historicamente) nesse
sentido pode-se dizer que o objetivo da História escolar é ensinar/aprende a
pensar historicamente rompendo com as naturalizações e abrindo o
horizonte de expectativa. (ROCHA, 2009, p.16)

De acordo com o argumento de Martins, “a tessitura dos processos reflexivos do


pensamento e da consciência histórica se dá em diferentes círculos da vida pessoal e
social.” (p, 2001.45) Assim, pensar o ensino de história e seus desdobramentos implica
compreender a complexa maquinaria que circunda a realidade escolar. Com isso, é
interessante repensar, por exemplo, a forma de organização curricular e também
incentivar ações pedagógicas, esse é um dos passos mais importantes nesse processo, a
partir daí os professores reformulariam meios de implantação do que está posto no
currículo. Partindo disso, no âmbito da sala de aula é interessante inicialmente trabalhar
a sensibilização dos alunos, fazendo com que estes entendam as diferenças religiosas
dentro do contexto da História da nação, contextualizando com o ambiente no qual estão
inseridos.

Neste sentido, é válido pensar que o motor da transformação historiográfica é a


demanda social, a realidade dos alunos, ou seja, a revisão da historiografia não começa
na academia, mas na sociedade e nesse momento se inclui a escola, como local visível
destes descompassos. Assim, é a partir da vivência dessas pessoas que o professor
precisa considerar o processo de problematização de determinados assuntos. Esta
225
informação torna-se pertinente uma vez que inclui a história científica como uma das
possibilidades de orientação e constituição de identidades na vida prática. Ou seja,
dentre os inúmeros polos formadores do pensamento histórico, capazes de atribuírem
sentido e orientação, à escola cabe o papel da inserção do conhecimento metodizado
como realimentação do conhecimento cotidiano.

Assim, ao ensino da História pode-se dizer, cabe uma dupla missão: a de identificar a
tradição presente nas narrativas e a de propiciar o desenvolvimento da competência
narrativa dos alunos, garantindo que não se perca neste processo a racionalidade contida
no conhecimento histórico em sua dimensão científica, capaz de satisfazer interesses e
orientar o aluno para um entendimento da sua vivencia. Dessa forma, a relação entre a
teoria da História e o ensino se dá na medida em que compreendemos como dimensão
da ciência especializada da história, sua relação com o cotidiano, com os interesses e
com a orientação da vida prática. Nesse sentido se faz necessário frisar como a vida
prática está sendo problematizada em sala de aula, com foco especifico nas práticas
religiosas. Na realidade, pensar a História enquanto objeto de prática pedagógica e,
sobretudo, fazer uma relação entre a História escrita e a ensinada é uma tarefa árdua.
Daí a importância de pensar em seus percalços antes de entender como ela pode ser
melhorada.

Assim, fica claro que as identidades religiosas são frequentemente negadas e


consequentemente silenciadas no espaço escolar, e com isso o preconceito ganha
contornos ainda mais nítidos, e é ante a esse contexto que as crianças oriundas dessas
vertentes religiosas criam estratégias de invisibilidade e adoção do catolicismo como a
religião a que pertencem. Por fim, saliento que a escola tem um papel importante no
processo de reconhecimento e valorização e deve contribuir para o empoderamento dos
sujeitos socioculturais, sobretudo, os subalternizados e negados. E esta tarefa passa por
processos de diálogo entre diferentes conhecimentos e saberes presentes na escola e
estratégias como a utilização de linguagens plurais, variedade de recursos didáticos, uso
da realidade dos alunos como forma de problematizar certos conteúdos, enfim, os
educando possuem ferramentas para ajudar no combate ao preconceito e discriminação
que marcam o contexto escolar.

Acredito ser essa uma importante forma de construção de uma escola mais democrática
e dinâmica, o que supõe articular igualdade e diferença nas salas de aula. Tendo em
vista que a dimensão cultural é inerente aos processos pedagógicos, pois, como assegura
Candal, (2008) “está no chão da escola” e potencia processos de aprendizagem mais
significativos, no instante em que permite que os alunos se sintam pertencentes
enquanto sujeitos ativos. Ajudando assim no processo de combate a esse silenciamento,
invisibilidade e sentimento de inferiorização desses sujeitos.

Referências

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2008.

226
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experiência religiosa do candomblé. Rio de janeiro: Vozes, 1998.

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MENESES, J. G. de C. et. al. Educação básica: políticas, legislação e gestão. SP:
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PEREIRA, Júnia Sales. Reconhecendo ou construindo uma polaridade étnico-


identitária? Desafios do ensino de história no imediato contexto pós-Lei nº 10.639.
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ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO, Rebeca. A Escrita da


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História hoje: errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasileira de História, v. 30, n.
60, 2010.

227
A HISTÓRIA LOCAL DE CAETITÉ ATRAVÉS DO
CURANDEIRISMO
Siméia Teixeira Gomes de Souza Silva
Jumara Carla Azevedo Ramos Carvalho

O presente trabalho tem por objetivo relatar os resultados e pontos relevantes a respeito
da aplicação de uma caixa temática sobre história local de Caetité, essa proposta foi
pensada pela coordenação do PIBID de História e diante desse desafio surgiu a ideia de
trabalhar com o curandeirismo, um fazer muito presente na sociedade caetiteense, mas
que por uma série de fatores essa prática foi e é vista tanto no município quanto no
Brasil de forma preconceituosa.

Para a realização das caixas temáticas, propomos um assunto pouco discutido nas
escolas, mas que possui vasto campo de estudo, pois envolve as questões afro-
brasileiras e também questões cotidianas de um povo e obviamente os diversos aspectos
dessa sociedade no qual esses sujeitos viviam. A finalidade desse trabalho foi entender
o contexto histórico pelo qual as práticas de cura foram negativadas e a partir daí
estudar e entender como que essa sociedade via os curandeiros bem como, os sujeitos
que iam a procura destes e perceber as rupturas e permanências da mentalidade
caetiteense em relação às curas populares. Objetivando difundir conhecimento da nossa
cultura suprimindo preconceitos e estereótipos enraizados no conceito popular sobre o
curandeirismo, a fim dos alunos conhecerem um pouco dessa história, que explica
muito dos conceitos prévios que os mesmos tem sobre tal fazer.

O trabalho foi desenvolvido em duas aulas e por equipes para execução das quatro
missões. Dentro de cada caixa possuía todas as instruções mais alguns envelopes de
cores diferentes com as fontes necessárias para desempenhar a tarefa.

Antes da divisão das equipes foi feito um breve histórico de como surgiu essas práticas
de cura no Brasil e quais os fatores que levaram tal fazer, ser visto de forma negativa na
sociedade brasileira e após essa explanação foi trazido essa problemática para a história
local de Caetité, traçando um paralelo histórico da cidade que levou o município a
negativar o curandeirismo.

A primeira missão possuía alguns trechos do Processo crime movido em 1967 contra o
curandeiro Antônio Lessa, que residia em Tanquinho do Papagaio em Maniaçu
(Caetité). E através desse processo os alunos responderam alguns questionários que os
levavam a analisar como essas práticas eram vistas antes e hoje em Caetité, quais as
rupturas e permanências, levando a refletirem sobre o conceito popular que as os
mesmos tem sobre essa temática.

Na segunda missão foi apresentado aos alunos duas entrevistas, feita pela historiadora
Adriana Sacramento, a uma benzedeira da região de Caetité conhecida como Dona
Eliza, nesse relato oral essa senhora narra como ela produz seus remédios e como estes
228
são preparados. E a partir da análise dessas entrevistas, foi pedido aos educandos para
destacarem quais das ervas medicinais citadas eles conheciam, apresentando como que
as mesmas são utilizadas de acordo seus conhecimentos, foi pedido também aos alunos
que relatassem outras ervas medicinais utilizadas pela população caeteense,
descrevendo-as e qual sua a sua finalidade. O objetivo com essa proposta foi fazer com
que os discentes percebessem como que essas práticas de cura esta presente em nosso
cotidiano e através disso conhecerem um pouco dessa tradição cultural, que nos é
passado de geração em geração e que esta gravada nos seios das famílias caeteense, mas
que ainda precisa ser reconhecida como algo cultural.

Na terceira missão foi apresentada aos alunos uma imagem veiculada no Jornal A Penna
no ano de 1912, e para fundamentar a proposta debruçamos no trabalho de Adriana
Sacramento, que utiliza a imagem como fonte de pesquisa. A imagem estudada é um
anúncio de remédios para variados males corriqueiros na sociedade de Caetité naquele
período, todavia o medicamento da propaganda, diferente das curas popular era um
remédio farmacêutico comprovado pela ciência. Além dessa imagem na caixa também
possui algumas ervas medicinais utilizadas por benzedeiras e que fazem bem para a
saúde comprovado cientificamente. Nessa incumbência foi pedido aos educandos, que
após essas leituras, pesquisasse sobre pessoas próximas de sua família ou comunidade
que fazem essas práticas de benzer, cultivar e vender ervas, após isso estes deveriam
fazer descrição desses sujeitos e qual e o lugar destes na sociedade e como essa mesma
sociedade os vê hoje. Assim, a finalidade dessa missão foi fazer uma relação passada e
presente do embate entre a medicina oficial e popular e como que isso reflete na nossa
região hoje.

E por fim, na quarta missão foi trabalhado com outra imagem encontrada no Jornal A
Penna e que também foi utilizada por Adriana Sacramento, essa imagem é muito
interessante, pois ela é uma propaganda de um remédio para dor de cabeça. Todavia o
titulo do anúncio é “Benzedura” o que leva o leitor em primeiro momento a acreditar
que a propaganda é sobre esse fazer, mas na verdade é apenas uma crítica a cura
popular, além disso, a figura apresentada é marcante, pois mostra uma senhora negra
com um galho na mão, benzendo uma moça branca que esta deitada na cama fazendo
alusão de dor na cabeça. Além dessa fonte na caixa, possuíam alguns textos explicando
o que é religião, diversidade religiosa, intolerância e também alguns trechos da
Constituição Federal evidenciando que é crime a intolerância religiosa e ainda alguns
artigos do Código Penal de 1890, no qual as práticas de cura eram considerada crime.

Nessa última missão foi pedido para que a equipe criasse uma história fictícia que
envolvesse a benzedeira da imagem, apontando a intolerância religiosa e a importância
de respeitar a religião do outro, apontando algumas possíveis estratégias de combate à
intolerância religiosa, no nosso município. O objetivo foi trabalhar a analogia do negro
com as práticas, de cura e a relação desse preconceito associado com histórico brasileiro
de inferiorização, da cultura africana embasadas em uma ideologia eurocêntrica.

O trabalho sobre história local através do curandeirismo deu muito certo, pois
alcançamos o nosso objetivo que era desenvolver a consciência histórica nos alunos
através de mecanismos que os facilitassem a compreender a sociedade relacionando o
passado com o presente e possibilidades para o futuro. Os estudantes conhecerem um
pouco da história local de Caetité, reformularam seus conceitos prévios sobre as práticas
229
de cura popular, principalmente sobre a figura do curandeiro, até então visto pela
maioria dos alunos como um ser diabólico e demoníaco que fazia mal para as pessoas.

A partir de determinadas colocações dos alunos e após algumas intervenções eles


começaram enxergar uma tradição cultural nos fazeres desses sujeitos e perceberem que
independente da religião o curandeirismo é uma prática que faz parte da nossa cidade e
isso fica perceptível na fala de uma aluna: “Para usar as ervas medicinais não precisa
procurar um curandeiro”. Partindo dessa colocação os estudantes começam a
compreender que as famílias caetiteenses por si só já carregam uma herança cultural que
é passada de geração em geração no qual é transmitidos saberes dessa cura intitulada
como popular, onde as pessoas aprendem com pais e avós como curar determinados
males com ervas e chás.

Diante dessa e de outras colocações percebemos o quanto a cultura de utilizar as receitas


caseiras faz parte da nossa tradição, esses alunos apesar da pouca idade eles já carregam
consigo essa tradição cultural e isso é muito significativo para formação da identidade
desses enquanto sujeitos sociais. O que falta é o reconhecido do valor desses saberes
tradicionais, falta há esses meninos e meninas reconhecerem sua história e assim se
encontrar dentro do mundo e parar de valorizar o que é do outro para valorizarem a si
mesmos e o primeiro passo é justamente esses aprender mais sobre si, sobre sua cultura,
sobre sua história.

Referências

OLIVEIRA, Ires Verena. O Feitiço da Cura: História do Povo de Santo, Feitiçaria e


Curandeirismo na Bahia (1930-1960). Salvador. Tese de Doutorado em Estudos
Étnicos e Africano/UFBA,2014.

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que se temem: Análise do processo Criminal de Antonio Lessa da Silva (Caetité-
1967). UNEB. 2014.

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Recôncavo da Bahia. Salvador. Edufba, 2009.

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mediadora do professor no processo de construção do conhecimento histórico pelos
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Unijui, 2004. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1988. (Coleção
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ensino de História: a História Local e a Consciência Histórica. Revista Latino-
Americana de História. Vol. 2, nº. 6 – Agosto de 2013 – Edição Especial.

230
O QUE LEVOU A REVOLUÇÃO EM CUBA? CHE
GUEVARA E FIDEL CASTRO SÃO OS ÚNICOS A
SEREM LEMBRADOS?
Solange Fragoso

Podemos destacar primeiramente que antes de Cuba viver um regime considerado por
todos ditatorial por Fidel Castro e seu “fiel escudeiro” e irmão Raul Castro, o país que
por vezes no passado ser uma colônia reconhecido pelos seus avanços nas técnicas de
cultivo de açúcar e que no século XVIII ter escolas e hospitais, ou seja, estava em forte
desenvolvimento econômico e social, antes dos anos 60 em meados do século XXI,
passava um regime ditatorial por Fulgencio Batista, mas, para entender como a ditadura
de batista se tornou peça chave para a revolução de 1959. Inicialmente Cuba através da
“guerra necessária” de 1895 idealizada por José Martí, trava uma guerra contra a
Espanha em 1898 há a entrada dos Estados Unidos, em 1899, basicamente Cuba estava
livre do domínio espanhol, mas, o Estados Unidos militarmente tomaria por completo a
direção de Cuba, graças ao “tratado de Paris”, no qual diz que a Espanha passaria
administração da ilha aos Estados Unidos até a formação da república estivesse
completa. E em 1901 através de uma assembleia constituinte, os EUA ficou sobre o
controle da ilha “independente”.

O mais importante presidente e anterior a revolução de 1959 foi Fulgencio Batista,


como já mencionado. Sua entrada ao poder, apoiada pelos Estados Unidos foi em 1952
através de um golpe.

Após assumir seu cargo, ocorreram inúmeras revoltas até a de 1959, mas, como tentar
entender a revolução de Cuba, SADER cita como podemos descrever essa revolução.
“Revolução, nesse sentido, é o conjunto de processos de mobilização, organização e
luta do povo, em condições históricas concretas, contra o poder instituído, pela
construção de um novo poder político que dirija as transformações radicais das
estruturas dominantes na sociedade. ” (SADER, p.02). Assim, apesar das consequências
que levaram a revolução cubano como demonstram como o processo histórico fica
evidente em Cuba.

Em 1953 houve um levante a prisão de Moncada em Santiago, mas, muitos foram


presos e outros mortos entre os presos estava um jovem advogado chamado Fidel Castro
e seu irmão Raul Castro, Fidel fez uma brilhante defesa, mas, pegou 15 anos de cadeia e
seu irmão 13 anos. Em 1955 Batista se elege já que o outro candidato e ex-presidente
de Cuba, Grau San Martin desiste da candidatura. Com sua reeleição Batista anuncia a
libertação de inúmeros presos políticos, inclusive os irmãos castro. Assim os
organizadores, RODRIGUES RIBEIRO, DIAS e MELO citam:

“Nesse mesmo ano, eles partem para o México para recrutar pessoas e
organizar um novo movimento visando à derrubada do governo de Batista.
231
É nesse país que os irmãos Castro conhecem o argentino Ernesto (Che)
Guevara, revolucionário que posteriormente tornar-se-ia um dos principais
personagens da Revolução Cubana (GOTT,2006; GONZALEZ, 1966). Em
dezembro de 1956, Fidel Castro desembarca com mais 81 companheiros
em um mangue, ao sul da Playa Las Coloradas, no extremo sudeste da
província de Oriente, após uma viagem precária a bordo do navio Granma
que levou dois dias a mais do que o previsto. Esse atraso fez com que
falhasse o plano existente de coincidir a chegada dos revolucionários com
uma rebelião em Santiago.” (RODRIGUES RIBEIRO, DIAS e MELO,
p.26, 2012).

No livro didático para Ensino Médio de História de Gilberto Cotrim, encontramos


características muito marcantes sobre a revolução cubano e forma que é abordada como
cita COTRIM: “Reagindo a situação de dependência e subordinação em relação aos
Estados Unidos, um grupo de guerrilheiros, comandado por Fidel Castro e Ernesto
Che Guevara, começou a lutar contra o governo de Batista em 1956. Ao longo de dois
anos de combate e guerrilha foi conquistando simpatia popular e acabou por derrubar
a ditadura de batista, em janeiro de 1959. ” (COTRIM, p. 163, 2010).

Neste trecho pequeno, já que o se trata sobre a revolução em si, é apenas esse trecho no
livro didático, podemos perceber inúmeros detalhes que seriam importantes para
entender como foi o processo revolucionário cubano como as personalidades deste
contexto como Camilo Cienfuegos e Raul Castro que seus papeis foram essenciais neste
período em Cuba, e no livro aparece apenas Fidel e Guevara. E no livro diz “ao longo
de dois anos de combate”, mas como já citado, percebemos como foi o decorrer desse
período, as fugas, as guerrilhas, os fuzilamentos, Sierra Maestra, entre outros detalhes
importante. O livro traz uma constante problemática que apenas fixar os olhos na
relação dos Estados Unidos e Cuba após a revolução, assim, o aluno perde o melhor da
história, que historiografia, fontes, história comparada, os processos internos de Cuba,
além EUA, etc., mas o livro traz seus pontos positivos quando cita: “... além disso seus
líderes, construíram o primeiro Estado socialista do continente, baseado no modelo
soviético. Depois de décadas priorizando a educação e a saúde, o governo de Fidel
Castro passou a exibir frutos nessas áreas: eliminação do alfabetismo; redução do
desemprego; (...) no campo político, entretanto são inúmeras as críticas feitas ao
regime cubano que permanece como ditadura do Partido Comunista (...) (COTRIM,
p,165, 2010). Mesmo o livro contém alguns problemas conceituais, ele traz uma
discussão neutralizante, os dois lados após a revolução, pontos negativos e positivos,
dando a possibilidade de que um aluno de Ensino Médio possa problematizar de forma
mais ampla sobre o assunto.

Frank País que não é citado no livro didático tem um importante papel na revolução
como os guerrilheiros se escondiam nas montanhas e assim nascerá o Movimento 26 de
julho, ele era quem fornecia comida, armas e munições para os treinamentos de
guerrilha nas montanhas. O movimento de Fidel tinha aliados desde do campo até os
centros urbanos assim RODRIGUES RIBEIRO, DIAS e MELO citam: No entanto,
como a greve seria de muito maior relevância para o Movimento nas cidades do que
para a guerrilha de Castro, gerando assim, uma tensão entre os dois grupos.

232
“Faustino Pérez, líder do Movimento em Havana, acreditava que as
condições já estavam maduras para o início da greve, enquanto Castro não
estava tão confiante disso. Apesar de relutante, Castro assina, junto a
Pérez, um manifesto, “Guerra Total Contra a Tirania”, no qual conclamava
à greve e declarava que a luta contra Batista entrava em sua fase final (...)
Estabeleceu-se então 9 de abril de 1958 como a data em que a greve geral
teria início, com a explosão de bombas em Havana durante o mês anterior
para começar a instituir um espírito de caos. ” (RODRIGUES RIBEIRO,
DIAS e MELO, p. 28, 2012).

Batista se sentiu confiante controlando as greves, e mandou mais de 10 mil homens as


montanhas contra os guerrilheiros, me dois meses de conflitos os homens de Fidel
saíram por vitoriosos.

No Ano-novo de 1959, Batista foge com sua família e amigos para Camp Columbia.
No dia seguinte Fidel faz seu discurso de vitória sobre o regime de Batista. Apesar que
ocorreu o fim do regime ditador o novo sistema implantado por Fidel, recebera a
nomemclatura de ditadura, assim, Cuba sai de uma ditadura e entre em outra e que dura
mais de 50 anos.

Fidel em uma entrevista há Louis Wiznitzer, enviado especial do Globo a Havana, em


entrevista publicada em 24 de março de 1960 diz que “Eu tinha a maior vontade de
entender-me com os Estados Unidos. Até fui lá, falei, expliquei nossos objetivos. (...)
Mas os bombardeios, por aviões americanos, de nossas fazendas açucareiras, das
nossas cidades; as ameaças de invasão por tropas mercenárias e a ameaça de sanções
econômicas constituem agressões à nossa soberania nacional, ao nosso povo”. Esta
declaração de Fidel demonstra como é importante levar aos alunos esse tipo de relato,
mas, não apenas dos líderes revolucionários, mas, também a contrarrevolução e fazer os
apontamentos necessários com os alunos.

Com a entrada de Fidel o Estado Unido fecha os portos para a compra do açúcar
cubano, assim, Cuba faz negócio com a União Soviética para a compra de seu açúcar,
tornando o discurso de Fidel oficialmente socialista a partir desses acordos.

Concluímos que foram inúmeros fatores que levaram a revolução em Cuba desde de sua
independência, e que no livro didático pouco ou nada se fala sobre as consequências das
revoltas cubanas, mesmo que esse país passe por um regime a mais de meio século e
que mesmo com a morte de Fidel ela se perpetua. Com os alunos os professores, dever
ter um cuidado com as fontes a historiografia utilizada com os alunos, porque esse tema
envolve ideologias muito especificas e o papel do professor e problematizar os assuntos
com o apoio das fontes diferenciadas.

Referências bibliográficas

COTRIM, G. História Global: Brasil e Geral, volume 3. São Paulo: Saraiva, 2010

233
RODRIGUES, RIBEIRO, DIAS, MELO. Os rumos da revolução cubana. Simulação
das nações unidas pra secundaristas. 2012.

SADER, Emir. Revolução Cubana: uma revolução na América Latina. São Paulo:
Moderna, 1985.

234
O LÚDICO COMO FACILITADOR DA
APRENDIZAGEM: GINCANA DO BRASIL
COLONIAL
Wallysson Klebson de Medeiros Silva

Neste ensaio, tenho como objetivo apresentar um relato de experiência realizado na


turma do segundo ano do ensino médio, em uma escola pública do município de Alagoa
Grande – Paraíba. O jogo pedagógico, por meio de uma gincana, foi proposta como
última etapa de execução do conteúdo Brasil Colonial, como forma de fixação e
facilitação de um melhor aprendizado sobre o tema, em uma abordagem lúdica. Além
disso, tenciona colocar o posicionamento do autor com criticidade em correspondência
às experiências vividas e seus resultados.

Atualmente, no ensino da história nas escolas, os estudantes opõem-se a sua absorção


pela forma que é ensinada, baseando-se ainda no ensino tradicionalista, onde o professor
trás o conteúdo pronto e o aluno se limita a ouvir e repetir os ensinamentos passados,
fazendo com que seja cansativo para o aluno e frustrando o professor, por não conseguir
prender a atenção de seus discentes. Assim, ao refletirmos sobre a atual realidade da
sala de aula – em especial nas escolas públicas, nos esbarramos com um grande número
de estudantes com problemas de aprendizagem e sem motivação para os estudos.

Para mudar tal conjuntura, é imprescindível o emprego de propostas construtivistas.


Através do ensino lúdico é possível estimular no estudante o interesse e assim,
aumentando sua desenvoltura e participação nas aulas, além de ser um método
pedagógico dinâmico e motivador, tornando o aprendizado leve e prazeroso.

Os jogos pedagógicos são realizados como instrumentos de desenvolvimento,


compondo elementos benéficos no reforço de conteúdos já estudado, ajudando na sua
fixação e maior aproveitamento posteriormente visto na sala de aula, que ao ativar sua
memória vira a lembrança de algo distinto, resgatando seu aprendizado. Assim,
desenvolve o espírito investigativo, proporciona o debate de ideias entre os estudantes e
na efetivação da afetividade e autonomia dos alunos propagada pelas relações solidárias.

A exploração do aspecto lúdico, pode se tornar uma técnica facilitadora na


elaboração de conceitos, no reforço de conteúdos, na sociabilidade entre os
alunos, na criatividade e no espírito de competição e cooperação, tornando
esse processo transparente, ao ponto que o domínio sobre os objetivos
propostos na obra seja assegurado (FIALHO, 2007, p. 16).

É importante perceber que o lúdico é educativo, quando desperta curiosidade. Por meio
da atividade lúdica, o jovem cria condições de entender melhor os conceitos, relacionar
as ideias, determinar relações lógicas, assimilar percepções, além de aumentar a sua
sociabilização.

235
Como afirma Moyles (2002, p.21) “A estimulação, a variedade, o interesse, a
concentração e a motivação são igualmente proporcionados pela situação lúdica”. Sendo
assim, o lúdico faz parte da grandeza humana e assim torna-se necessária unir essa
dimensão à práxis pedagógica, provocando condições de ensino-aprendizagem e
promovendo a construção do conhecimento.

O lúdico e os jogos didáticos no ensino de história é uma metodologia de ensino que


pode ser utilizada para motivar os estudantes, revisar e fixar o conteúdo, motivar a
curiosidade, incentivando-o a pesquisar mais sobre o assunto. Contudo, esta abordagem
não substitui a didática tradicional, nem mesmo pode ser considerada a salvação do
ensino de História (FERMIANO, 2010).

Para uma melhor especificação da pesquisa, selecionou-se o conteúdo Brasil Colonial,


mas salienta-se que qualquer conteúdo de história pode ser desenvolvido e aplicado com
atividades lúdicas, melhorando o ensino e aprendizagem, através de uma prática
agradável para discentes e docentes, visto que o lúdico quando aplicado de forma
coesiva, alveja um modo eficiente na progressão das distintas habilidades operatórias.

A Atividade Desenvolvida

Na última aula expositiva sobre o conteúdo Brasil Colônia, solicitei para a turma se
dividir em quatro grupos. Além disso, previamente já havia falado para a turma estudar
todo o conteúdo, pois na gincana haverá um Quiz de História Colonial. Nesta aula,
também adiantei que eles devem elaborar uma paródia e que precisariam conhecer a
imagem e vida de personagens que representam a época colonial, que os mesmos irão
caracterizar-se, além de criar um grito de guerra e que tragam adereços relacionados a
cor de cada equipe.

A primeira prova da gincana colonial foi um Quiz, com objetivo de revisar todo o
conteúdo já trabalhado em sala de aula. Cada equipe escolheu cinco alunos para
participar da tarefa, todas as perguntas foram retiradas do livro didático.

A segunda prova foi a realização de uma paródia, cujo objetivo é associar os fatos
antigos ocorridos na época estudada, com temas atuais. Os alunos que não participaram
do quis, obrigatoriamente participaram dessa etapa. A paródia foi dividida em eixos
temáticos, cada equipe sorteou um tema. Os temas eram: Discriminação, Exploração
dos recursos naturais, Mão de obra Escrava e Minorias.

A terceira prova foi um desfile baseado nos personagens do Brasil Colonial, que tinha
como objetivo trazer um pouco da época para o ambiente escolar, por meios da
caracterização. Cada equipe escolheu um aluno para desfilar caracterizado do
personagem. Cada equipe escolheu de livre escolha personagens relacionados à época.
As equipes escolheram: Caramuru, Manuel da Nóbrega, Chica da Silva e Maurício de
Nassau.

A quarta prova foi uma caça ao Pau-brasil, cujo objetivo era mostrar a importância da
exploração da primeira atividade econômica do país. Funcionamento: Espalhei por toda
236
escola sementes do Pau-brasil e o objetivo das equipes eram encontrar cinco sementes
em dez minutos.

A quinta prova foi um jogo chamado Sim ou Não, cujo objetivo é entender as
características específicas da época, por meio de objetos e comidas. Funcionamento:
Durante a atividade levei objetos e comidas que relembrassem a época, os alunos
deveriam responder Sim ou Não em relação à época histórica de cada coisa. Alguns
objetos e frutas levado a sala de aula foram: Jabuticaba, Caju, Banana, Concha de
Batismo, Imagem de São Manuel e Sino.

A sexta prova foi um quebra-cabeça, as equipes deveriam montar um mapa da época


colonial, o objetivo da tarefa foi conhecer o mapa do Brasil na época colonial. A
importância do uso de mapas como documentos históricos na sala de aula é de grande
importância, como salienta Molina (2003, p.1), “em meio aos documentos visuais
disponíveis, podemos considerar os mapas como testemunhos de mentalidades de uma
época em seu caráter administrativo, político, estratégico e científico”.

A sétima prova foi denominada de quilombo. Os quilombos são espaços secularmente


habitados por descendentes de escravos, foi reconhecida na Constituição Federal de
1988, por meio dos artigos 215 e 216, como patrimônio cultural de interesse da União,
estados e municípios. Essa legitimação levou a Fundação Cultural Palmares, em 1994, a
conceituar os quilombos como: "toda comunidade negra rural que agrupe descendentes
de escravos vivendo de uma cultura de subsistência e onde as manifestações culturais
têm forte vínculo com o passado" (ARRUTI, 2002, p. 246). Levando em consideração
que para fugir dos senhores de engenhos, os escravos passavam por um verdadeiro
‘labirinto’, o objetivo dessa prova é chegar no quilombo. Funcionamento: Será dado a
cada equipe uma folha com um labirinto, que possui apenas uma entrada e uma saída,
com milhares de percursos possíveis de se fazer para chegar ao seu fim, porém apenas
um deles levará ao fim da prova.

Algumas Considerações

No decorrer do desenvolvimento dessa experiência, pude reafirmar a importância do


ensino lúdico para a aprendizagem do aluno. É curioso o fato de que, os alunos se
sentem muito mais motivados a aprender determinado conteúdo, quando utilizamos uma
abordagem mais criativa.

As perspectivas atuais na educação, sobretudo na escola pública, devido a sua


fragmentação, situa a realidade contemporânea da qualidade da educação brasileira e
sua vulnerabilidade em relação à aprendizagem, sendo primordial a introdução de novas
metodologias que ajude o aluno a pensar e não apenas reproduzir o que foi ensinado. O
ensino lúdico por meio de jogos educativos é uma atividade que pode suprir esses
obstáculos entre a escola atual e o ensino-aprendizagem, promovendo novos
conhecimentos e curiosidades aos alunos.

O modelo didático utilizado apresentou ótimos resultados. Após uma comparação dos
resultados do segundo bimestre com o terceiro bimestre (quando foi aplicado) foi
237
constatado um melhor rendimento dos alunos, além de entusiasmo e curiosidades sobre
o tema abordado.

Sendo assim, espera-se que esse trabalho possa contribuir na sensibilização de outros
professores de história, sobre a necessidade de utilizar a criatividade, o ensino lúdico,
para auxiliar no processo de aprendizagem dos alunos, o que irá promover grandes
mudanças.

Referências Bibliográficas

ARRUTI, J. M. A. Etnias Federais: O Processo de Identificação de ‘Remanescentes’


Indígenas e Quilombolas no Baixo São Francisco. Tese de Doutorado, UFRJ, 2002.

FERMIANO, Maria A. B. O jogo como um instrumento de trabalho no ensino de


história?. Revista da ANPUH. v. 3, n. 7, 2010.

FIALHO, Neusa Nogueira. Jogos no Ensino de Química e Biologia. Curitiba: IBPEX,


2007.

MOLINA, A. H. Mapas históricos: alguns apontamentos e uma abordagem


pedagógica. Disponível em: <http://www.anpuh.uepg.br/xxiii-
simposio/anais/textos/ANA %20HELOISA%20MOLINA%201.pdf>. Acesso: 26 de
janeiro de 2017.

MOYLES, Janet R. Só brincar? O papel do brincar na educação infantil. Tradução:


Maria Adriana Veronese. Porto Alegre: Artmed, 2002.

238
239
QUADRINHOS NO ENSINO DA HISTÓRIA
ANTIGA: GUERRA GÁLICA ATRAVÉS DE
ASTÉRIX O PAPIRO DE CÉSAR
Allef de Lima Laurindo Fraemann Matos
José Pedro Lopes Neto

O reconhecimento das Histórias em Quadrinhos como uma maneira de auxiliar nas


práticas pedagógicas só ocorreu oficialmente no Brasil no final de 1996 quando foi
promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Assim as HQs passaram a ser
instrumentos de educação, e estas abrem um amplo leque de possibilidades e de temas a
serem abordados com auxílio delas em sala de aula.

A utilização de quadrinhos no ensino proporciona uma série de vantagens, pois é mais


fácil incentivar os estudantes a lê-los, já que fazem partes do seu cotidiano e assim ir
criar uma identificação com o que está sendo lido. Podemos através das HQs abordar
diversas temáticas sobre variadas áreas como, por exemplo, a inclusão de pessoas com
deficiência através da personagem Oráculo, uma cadeirante, que auxilia o Batman; ou
preconceito e segregação racial, assuntos constantes nas histórias dos X-Men.

Paiva ressalta outro ponto positivo da utilização dos quadrinhos no processo de


aprendizagem até nos primeiros anos da vida escolar: “ler uma HQs pode acontecer
mesmo antes da alfabetização, uma vez que os desenhos conduzem a ‘leitura’, seja feita
até em um idioma diferente, estimulando a criatividade, a imaginação e comunicação.”
(PAIVA,2012, p.67).

“As HQs, contribuem na prática de leitura, pois um leitor, por desenvolver o gosto por
esse hábito terá muito mais chances de se tornar alguém que leia outros gêneros
textuais, como jornais, livros e revista.” (PAIVA, 2012, p.64 apud VERGUEIRO 2006)
As histórias em quadrinhos ainda podem acrescentar um valor visual aos elementos
verbais.

Para aulas de História as muitas narrativas podem ser utilizadas: Muas, que aborda o
extermínio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, As histórias de Magneto, um
dos principais vilões do Universo Marvel, que é conhecido por seu ódio contra a
humanidade devido aos maus trados sofridos, durante sua estadia em um campo de
concentração alemão; as primeiras aventuras do Capitão América, mostrando como o
eixo era retratado durante a segunda guerra mundial, a corrida espacial, através das
aventuras do Quarteto Fantástico durante a Guerra Fria, Adeus, chamigo brasileiro,
história ambientada na Guerra do Paraguai, Chibata! , sobre a Revolta da Chibata,
acontecida em 1910, quando marinheiros negros amotinaram-se no Rio de Janeiro para
forçar o governo a abolir os castigos físicos.

240
Através dessa perspectiva, pretendemos aqui estabelecer um suporte metodológico para
utilização de HQs no ensino de História Antiga, fazendo uma relação entre Os
Comentários da Guerra Gálica, escritos por Júlio César e a revista de história em
quadrinhos Astérix – O papiro de César. Astérix – O papiro de César historicamente se
passa durante o período republicano romano (509 a.C a 27 a.C), período que Roma era
governada pelo Senado. As histórias de Astérix também vão apresentar os aspectos do
processo da conquista da Gália, pelo general Júlio César.

Já Os Comentários sobre a Guerra Gálica, César relata suas incursões na região da


Gália. O texto foi produzido com objetivo de informar o Senado sobre as ações tomadas
na área. Além disso, podemos destacar que o texto possuía a finalidade de exaltar a sua
imagem perante a sociedade romana. Tendo em vista que grande parte dos comentários
foram lidos no Senado ou em praça pública, esta autopromoção tinha como objetivo a
continuidade do financiamento das expedições pelo Senado.

Que, se o povo romano fizesse com helvécios paz e amizade, haviam os


helvécios de ir para onde, e permanecer aonde quisesse César; mas se
persistisse em guerreá-los, tivesse em lembrança o antigo desastre do povo
romano e o valor dos helvécios. (CÉSAR, Júlio. LIVRO I. CAP. XIII, p.25)

A exaltação à imagem de César está presente nas primeiras páginas do quadrinho,


quando Promocionus, o conselheiro de César diz a seguinte frase “Para o senado seu
livro seria a prova que toda Gália foi conquistada, assim continuariam financiando suas
novas expedições.” Outro elemento que podemos perceber trata-se da semelhança física
de Júlio César apresentado nos quadrinhos [ver figura 1], com suas estatuas e bustos
feitos em sua homenagem.

Outro aspecto que podemos destacar é o mapa introdutório presente em todas ou quase
todas as histórias de Asterix [ver figura 2], que citado faz uma alusão à divisão
geografia da Gália durante o processo de conquista romana, no qual o general Júlio
César vai dividir a região em três partes, das quais habitam os belgas, os aquitânios e os
celtas

A Gália está toda dividida em três partes, das quais uma é habitada pelos
belgas, a outra pelos aquitânios, a terceira pelos que usa língua deles se
chamam celtas [...] aparte ocupada pelos gauleses tem principio no rio
Ródano; limite, no Garona, no Oceano, e nas fronteiras dos belgas; toca
também no Rim pelo lado dos sequeanos e dos helvécios, os belgas
começam na extrema fronteira da Gália. (CÉSAR, Júlio. LIVRO I. CAP. I,
p.17)

É importante ressaltar que caso o professor tiver pretensão de utilizar o mapa presente
no quadrinho ele deverá antes apresentar a divisão da Gália, caracterizando os aspectos
físicos das três regiões e processo expansionista de Roma na área, permitindo com isso
uma melhor compressão pelo alunato e evitando uma assimilação errônea ou fictícia
pelo mesmo.

Dentre de alguns povos apresentados nas histórias de Asterix estão os gauleses, que são
representados com elementos bastante similares à sua cultura, como costume de
241
consumir carne javalis e tradição oral [ver figura 3], e os romanos que raramente são
retratados como maus, mesmo com a tentativa de conquistar as aldeias gaulesas. Vale
salientar que os gauleses nas histórias de Asterix não odeiam os romanos, pelo
contrário, eles só querem preservar sua cultura: exemplo disso é que mesmo eles
possuindo uma porção [ver figura 4] que concede uma força sobrenatural, os gauleses a
usam somente para fins de defesa contra o imperialismo romano. De acordo com Vilela,

Trata-se de uma crítica a toda forma de expansionismo militar. Outra razão


para os romanos, apesar de adversários dos gauleses, serem na sua maioria
personagens simpáticos é que Goscinny e Uderzo jamais poderiam negar ou
desprezar a herança cultural deixada por Roma. (Idem)

Outrossim, lembremos que a Gália foi a província do Império Romano que mais
assimilou elementos da cultura romana e exemplo disto é o próprio idioma, pois “a atual
língua francesa surgiu do latim, a língua falada pelos antigos romanos, e que também
deu origem ao italiano, ao português, ao espanhol e ao romeno (falado na Romênia).”
(Idem).

“Toda a Gália foi ocupada pelos romanos.... Toda? Não! Uma aldeia povoada por
irredutíveis gauleses ainda resiste ao invasor.” Através desta passagem retirada do HQ,
temos que analisar a veracidade presente na informação. Se considerarmos que
incialmente algumas tribos gaulesas conseguiram resistir à conquista, mas acabaram
sendo subjugadas, assim o trecho referido possui todo sentido histórico. Exemplo desta
resistência é o chefe gaulês Vercingetorix, que conseguiu unir algumas tribos da Gália
com intuído de combate a expansão romana. César nos Comentários a Guerra Gálica,
faz menção a Vercingetorix, no seguinte trecho:

mui poderoso, cujo pai foi o primeiro em toda a Galia, e, por aspirar a
realeza, tinha sido morto por sua cidade, reunidos os seus clientes,
facilmente os inflama. Conhecido o seu plano, correse às armas.
Contrariado, e expulso de Gergovia por Gobanicião, tio seu paterno, e
outros principais, que entendiam não se dever correr o risco de semelhante
empresa, persiste nada menos no seu propósito, e faz nos campos um
alistamento de pobretões e homens perdidos. (CÉSAR, Júlio. LIVRO VII.
CAP. IV, p 137)

O quadrinho também vai abortar elementos da estrutura social nas aldeias gaulesas, de
acordo com Júlio César a Gália socialmente, divide-se em dois grupos de homens, os
cavaleiros e os druidas, que são responsáveis “por decidem de quase todas as contendas
públicas e particulares; e se comete crime, ou perpetra morte, se se disputa sobre
herança ou limites, julgam e estabelece recompensas e castigos.” (CÉSAR, Júlio.
LIVRO VI. CAP. XIII, p 120). Nos quadrinhos o druida é representado por Panoramix
que exerce a autoridade na aldeia gaulesa, sendo venerados pelos habitantes e
responsável pela criação da poção mágica, que concerte força a quem toma.

Vemos, portanto, com o exemplo de O papiro de César que a arte sequencial é uma rica
ferramenta a ser utilizada no Ensino de História, pois “indiscutivelmente, as revistas de
HQ, por fazerem parte importante do universo de crianças e jovens, podem ser

242
igualmente utilizadas como ferramenta pedagógica criativa e eficiente.” (FUNARI,
2004, p.152 apud NETO, 2016, p. 135).

Referências Bibliográficas

CÉSAR, Júlio. Os comentários das Guerras Galicas. Rio de Janeiro. Ediouro, 1975.

GOSCINNY, René. O papiro de César / texto Jean-Yves Ferri; ilustração Didier


Conrad; tradução Gilson Dimenstein Koatz. Rio de Janeiro: Record, 2015.

NETO, José Maria. ENSINO DA HISTÓRIA ANTIGA E ARTE SEQUENCIAL:


ESBOÇOS INTRODUTÓRIOS. In.: BUENO, André; ESTACHESKI, Dulceli;
CREMA, Everton [orgs.] Para um novo amanhã: visões sobre aprendizagem
histórica. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição LAPHIS/Sobre Ontens, 2016.

OLIVIERI, Filippo Lourenço. O papel dos druidas na sociedade célticas na Gália


nos séculos II e I A.C. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História.
2008. 324 f. Universidade Federal Fluminense, Centro de Estudos Gerais, Programa de
Pós-Graduação em História. Niterói. 2008

PAIVA, Fábio da Silva. Educação e violência nas histórias em quadrinhos de


Batman. – a percepção dos leitores de Batman. 2011. 107 f. Dissertação apresentada
ao curso de mestrado em educação. Universidade Federal de Pernambuco – Centro de
Educação Programa de Pós-Graduação em Educação. Recife. 2011

VERGUERIO, Waldomiro. Santos. R. E. História em quadrinhos no processo de


aprendizado: da teoria à prática. Eccos – Rev. Cienti. São Paulo, n. 27, p. 81-95, jan. /abr. 2012.

VILELA, Túlio M. R. A utilização dos quadrinhos no em ensino de história:


Avanços, desafios e limites. 2012. 319 f. Dissertação do curso de mestrado em
educação. Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Humanidade e Direito.
São Bernardo do Campo.2012

243
Anexos

Fig.1

Fig.2

244
Fig.3

Fig.4

245
COMPREENDER A HISTÓRIA ATRAVÉS DAS
PAISAGENS: O USO DE ICONOGRAFIAS NA
SALA DE AULA
Ana Marcela França

A relação com o meio biofísico foi expressa de distintas maneiras dentro do processo
histórico ocidental, seja através dos usos das tecnologias para a melhor adaptação desse
meio seja através de expressões artísticas. A proposta da seguinte comunicação será
mostrar dois exemplos de uso de iconografias de paisagem para que possa o professor/a
ter uma ideia de como usa-las em sala de aula, uma vez que são fontes que podem trazer
inúmeras informações sobre um dado contexto.

Como a palavra natureza implica uma complexidade de compreensões (WILLIAMS,


2011), o ambiente natural é apreciado e recebe atribuições diversas pelas distintas
sociedades. O fato de ser ele apreciado já demonstra tipos de gostos que podem estar
ligados à convivência com aquele local. Aspectos como socioeconômicos, nacionais,
conhecimentos ligados à ciência, à cultura, entre outras coisas, influenciam o olhar e são
indicativos da preferência que se tem por uma dada localidade.

A vida social é construída em cima de numerosos contrastes, oposições,


maniqueísmos e simetrias. A visão da sociedade em relação à paisagem
também não escapa destes estigmas. Um bom exemplo é a clássica
dicotomia que opõe natureza à cultura. Poucos ambientes recebem de
forma tão intensa o conceito de “natural” como o que é conferido às
florestas. O lado natureza do eixo cultura-natureza parece estar fortemente
apoiado no imaginário humano nas florestas, idealizadas como uma
espécie de espaço sacralizado, como que livres da influência antrópica.
Assim, este estigma considera apenas a floresta-natureza, desarticulando-a
completamente de uma possível floresta-cultura. (OLIVEIRA, 2011,
p.287)

Assim, uma paisagem natural pode trazer muitas informações sobre a história, a
geografia ou a flora de uma dada região, assim como irá trazer também consigo o
ponto de vista do observador, as suas preferências e muito de sua cultura. Como dito
por Simon Schama, em Paisagem e Memória:

É evidente que o próprio ato de identificar (para não dizer fotografar) o


local pressupõe nossa presença e, conosco, toda a pesada bagagem cultural
que carregamos. (...) Afinal, a natureza selvagem não demarca a si mesma,
não se nomeia. (SCHAMA, 1996, p. 17)

Ou seja, a paisagem pode ser entendida como uma construção cultural advinda das
relações existentes entre seres humanos e ambiente natural.

246
O fato de ser a paisagem um espaço emoldurado, resultante de um ponto de vista, em
que essa percepção estaria vinculada a um tipo, ou vários, de representação, é que faz
dela uma fonte importante para o historiador. A partir desse ponto de vista, o qual faz o
registro de um ambiente, percebe-se muito do contexto que o autor está situado,
oferecendo, no que diz respeito à história da natureza, uma vasta gama de informações
sobre não só como esta era percebida, mas também sobre como era a interação com ela.
É o uso que Peter Burke faz da imagem, então como uma evidência histórica, capaz de
registrar algo como “atos de testemunha ocular.” (BURKE, 2004, p.17). Deste modo, o
historiador defende a ideia de que as imagens não devem ser usadas somente como
ilustrações, dizendo que “Nos casos em que as imagens são discutidas no texto, essa
evidência é frequentemente utilizada para ilustrar conclusões a que o autor já havia
chegado por outros meios, em vez de oferecer novas respostas ou suscitar novas
questões.” (idem, p. 12). Com essa concepção as imagens seriam capazes de trazer
consigo não só informações diversas, como também de trazer questões que
enriqueceriam a pesquisa do historiador, e a meu ver, também o ensino do professor/a e
o aprendizado do aluno/a. No entanto, Burke comenta que é necessário um olhar crítico
sobre essas imagens, como com qualquer outra fonte, uma vez que elas podem estar
maquiadas pelos caprichos de seus autores ou daqueles que as teriam encomendado -
“maquiagens” estas que podem enriquecer ainda mais o entendimento de um
determinado contexto se bem estudadas.

1) No contexto da invasão holandesa no nordeste do Brasil, entre 1630-1654, a comitiva


de Nassau se instala na região do Recife, trazendo consigo diversos profissionais. Frans
Post vem como pintor e passa então sete anos no Brasil junto a Nassau, produzindo
desenhos e pinturas que tinham como objetivo descrever os domínios brasileiros da
Holanda. Nas telas de Post observa-se a topografia da região, juntamente às espécies da
flora e da fauna, as quais estão acompanhadas em sua maioria de tipos humanos e de
alguma arquitetura típica. Em geral, tais elementos eram colocados todos juntos em uma
mesma composição, na intenção de ser mostrado visualmente o máximo possível das
características e peculiaridades desse universo pouco conhecido pelos holandeses. As
pinturas de Post já mostram o que seriam as paisagens do Nordeste do século XVII ao
representar com um certo rigor os elementos que as comporiam, seja se tratando da natureza
seja da arquitetura luso-brasileira dos engenhos. Um ambiente estranho ao pintor holandês
ocupa as suas telas, em que a natureza do local se adequa às técnicas pictóricas da sua nação
de origem, como se pode ver na palheta ocre que mancha desde as árvores do primeiro
plano até o céu, o qual ocupa dois terços do quadro (horizonte baixo) – características estas
típicas das pinturas de paisagens holandesas (GOMBRICH, 1999).

247
1. Engenho, Frans Post, 1668. Fonte: Domínio público.

2. O Rio S. Francisco e o Forte Maurício, Frans Post, 1638. Fonte: Domínio público

A imaginação está presente quando adapta a paisagem natural à técnica pictórica,


quando, inclui, por exemplo, animais diversos junto aos escravos negros e às vegetações
locais no primeiro plano. Mas, ainda assim, a função descritiva tem aí um apuro
primordial.

2) Os viajantes no contexto das expedições científicas que vieram para o Brasil no século
XIX trouxeram diversos profissionais que tinham como objetivo coletar exemplares e
informações da fauna, da flora, dos costumes, entre outras coisas, das diferentes regiões do
Brasil. Dentre esses profissionais estavam presentes artistas que tinham a função primeira
de transformar em imagens o que era visto, seja animais, espécies botânicas, pessoas ou
paisagens. Devido à influência do romantismo e do naturalista alemão Alexander von

248
Humboldt, o uso da arte se unia à ciência para que o universo natural fosse de fato
compreendido. Isso porque as impressões estéticas estavam no contexto de uma atividade
científica sistemática:

(...) cabia a eles [os viajantes-naturalistas] transformar sensações, experiências


e seres vivos em novas espécies de animais e plantas que se encaixassem na
ordem natural das famílias, em herbários, animais empalhados, bichinhos
imersos em álcool, descrições detalhadas escritas de modo inteligível em
cadernos de viagens, etc... (KURY, 2001, p. 865)

E nas pinturas de paisagens o espectador poderia realmente vivenciar a observação e o


conhecimento de uma planta no que seria o seu habitat natural. O indivíduo vegetal
passa assim a ser pensado em um todo, em um espaço que torna propício o seu
surgimento e o seu desenvolvimento. Deste modo, voltar o olhar para a diversidade da
mata, indo para além da espécie registrada isoladamente como na tradição botânica, se
torna necessário nesse momento e olhar para a formação e o entendimento da paisagem
como um todo se faz coerente no sentido de se obter o estudo sobre as vegetações e a
sua mútua relação com o ambiente.

As pinturas de paisagem para os viajantes, assim, eram capazes de traduzir essa


diversidade, pois visavam abarcar uma parcela do todo orgânico movido pelas
diferenças, que propiciavam a riqueza das florestas brasileiras.

3. Serra do Ouro Branco na Província de Minas Gerais, Rugendas, s/ data. Fonte:


domínio público

249
A imagem 3, do alemão J. M. Rugendas, apresenta a araucária (Araucaria
angustifólia), uma espécie arbórea que ocorre na região Sul do Brasil e nos estados
de São Paulo e no sul de Minas Gerais. Nesta gravura, o artista destaca para o leitor
essa árvore típica da região, no que seria o seu habitat natural. Outras plantas estão
aí representadas com bastante apuro e maestria, de tal forma que se faz possível
admirá-las por seus detalhes.

Nesses dois exemplos tentei mostrar rapidamente como que a análise de paisagens
auxilia o professor/a e o aluno/a a aprofundar os estudos sobre um contexto
específico. Deste modo, foi visto que usando as imagens como fontes é possível
conhecer mais sobre como era vista a natureza brasileira, de tempos em que ela era
chamada frequentemente de bela, “virgem” e “selvagem”.

Referências

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: Educs, 2004.

GOMBRICH, E. H. História da arte. Rio de Janeiro, LTD, 1999.

KURY, Lorelai. Viajantes-naturalistas no Brasil oitocentista: experiência,


relato e imagem. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. VIII
(suplemento), 863-80, 2001.

OLIVEIRA, Rogério; FRAGA, Joana Stingel; BERCK, Dean Eric. Uma floresta de
vestígios: metabolismo social e a atividade de carvoeiros nos séculos XIX e XX no Rio
de Janeiro, RJ. Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, v. 8, n. 2, p. 286-
315, dez. 2011.

SHAMA, S. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

WILLIAMS, R. Ideias sobre a Natureza. In: Cultura e Materialismo. São Paulo: Ed.
Unesp, 2011.

250
WEBLOG E APRENDIZAGEM: O USO DO BLOG
“CONSTRUINDO HST” COMO DISPOSITIVO
DIALÓGICO DE MEDIAÇÃO NA DISCIPLINA
HISTÓRIA DO MARANHÃO – SÉCULO XVII NO
CENTRO DE ENSINO LICEU MARANHENSE –
SÃO LUIS/MA
Ana Paula dos Santos Reinaldo Verde

O uso do blog “construindo hst” na disciplina história do maranhão século xvii


através do olhar dos alunos do 2º ano matutino do ensino médio do liceu
maranhense

A construção do Blog “Construindo HST” nasceu particularmente da necessidade de


relacionar o “mundo” vivenciado pelo aluno, a sociedade da informação, com a
Disciplina História. Nesse sentido, foi exposta a justificativa de tal metodologia
direcionada a forma de avaliar, pois “A Avaliação é um processo de captação das
necessidades, a partir do confronto entre a situação atual desejada, visando uma
intervenção na realidade para favorecer a aproximação entre ambas”
(VASCONCELOS, 2008). Uma vez que, na sociedade da informação faz-se
imprescindível, habilidades e competências, com as Tecnologias da Informação e
Comunicação, não apenas para a prática social, mas doravante no mundo do trabalho.

Dessa forma, o Blog “Construindo HST”, ancorado na Disciplina História, direciona o


aluno como sujeito histórico, proporcionando competência e valores necessários para
fazer história, utilizando o conhecimento como mecanismo de intervenção social,
proporcionando habilidade de aprender a aprender, a pensar, a comunicar-se, a
pesquisar e a agir; a compreender textos, imagens, monumentos, documentos, músicas,
entrevista a ter autonomia intelectual e uma visão crítica.

O primeiro material metodológico, utilizado no Blog, foi o Documento, gênero carta. A


Carta de Pero Vaz de Caminha rendeu muitos comentários postados, revelando que
aquele aluno que pouco participa em sala de aula, por motivos pessoais, como
vergonha, ou uma cultura de ser apenas receptor de informação, pode se colocar como
protagonista, dentro do ambiente virtual.

Assim, segundo Schmidt e Cainelli, uma nova concepção de documento histórico,


implica a desconstrução de determinadas imagens canonizadas a respeito do passado,
ajudando a tirar o aluno de sua passividade e reduzindo a distância de sua experiência e
seu mundo de outros mundos e outras experiências descritas no discurso didático.

A luz desse documento, alguns alunos postaram:

251
Em 1500, numa expedição liderada por Pedro Álvares Cabral os
portugueses chegaram ao Brasil e logo se depararam com um povo de
características diferentes das suas, que equivocadamente os denominaram
índios, por apresentarem características semelhantes à população da Índia.

Pero Vaz de Caminha foi um escrivão responsável pela descrição do


“achado” em terras brasileiras por meio de uma carta ai réu Dom Manuel.
Em uma de suas colocações ele ressalva o estranho modo de nudez
apresentado pelo povo apenas acompanhado por uma extraordinária pintura,
além do interesse em troca seus arcos e setas por carapuças e outras coisas
lhes dadas.

Em síntese Pero Vaz de Caminha não só percebe a fácil interação indígena


com os desconhecidos, mas também a inocência que o povo tinha em
mostrar o corpo descoberto como se fosse o próprio rosto.

Ele só não disse se eles pegavam as indígenas... hahaha, com certeza!


(INGRID NAZÁRIO; GLEYSON; TAYRO BARBOSA, TURMA
202/MAT., 2011).

Faz-se necessário, colocar que a utilização do documento histórico em sala de aula, não
pode deixar em nenhum momento de lado a participação do professor, que deve estar
consciente de seu papel mediador na construção do conhecimento, por parte do aluno.

O uso de documentos, associado à história local proporcionam ao aluno a sua inserção


na comunidade da qual faz parte, criando sua própria historicidade e identidade,
possibilitando analisar as micro-histórias, pertencentes a alguma outra história, que
favoreça a sua própria particularidade, com a história local, a nacional, e a Universal.

Dessa forma utilizamos um Documento, gênero carta, remetido por Dom Felipe III, rei
da Espanha, e de Portugal, bem como de todas suas colônias, no período histórico
conhecido como União Ibérica (1580-1640) ao governador do Brasil, Gaspar de Sousa,
ano de 1612-1615, retirada do livro de MARIZ, Vasco; PROVENÇAL, Lucien. La
Ravardière e a França Equinocial: os franceses no Maranhão (1612 – 1615). Rio de
Janeiro: Topbooks, 2007. p. 203 – 207

Comentários postados:

Construindo a História disse...Nesse texto do Rei Felipe III ao


Governador geral do Brasil D. Gaspar de Souza, relata a expulsão dos
Franceses no Maranhão em 1615, e a inserção que há do Brasil – Colônia
na União Ibérica em 1580-1640. Nesta carta, o Rei da Espanha manda
ordens de expedições irem as Terras do Maranhão para a expulsão dos
franceses dessas terras; e também para ganhar a confiança dos nativos
dessa região, tudo isso visando o poder e o fortalecimento da região. O
objetivo era tentar ganhar a amizade dos índios e conquistar a confiança do
líder português, para se beneficiarem. (ISADORA PASSOS; SAFIRA
SOUSA; INGRID ISABELA, TURMA 202. MATUTINO).

252
Construindo a História disse... A carta relata, primeiramente, a saída de
Jerônimo de Albuquerque e os homens mandados por ele Do Rio Grande
até Pereira (primeira barra do MA). Após tal acontecimento, relata-se o
choque que houve entre seus homens e os franceses a tréguas das terras do
MA. Os franceses, apesar de estarem acompanhados por índios e soldados
armados, não foi capaz de vencer a batalha o que o custou a morte de
muitos. Na carta, o Rei Felipe III da Espanha cita as descobertas que
fizeram após se assentarem em terra firme, tais descobertas. Afirmavam a
presença dos franceses a mais de três anos em amizade com os nativos e,
portanto há o interesse do mesmo, o que ordena o Rei Felipe III.
(AMANDA LARYSSA; JULIANA ROLIM; LARISSA ALVES)

Percebemos que, a análise dos alunos, direcionado ao Documento, através do uso do


Blog, proporcionando um espaço de comunicação, através de uma situação relacional,
onde os mesmos expressaram a experiência da sua própria aprendizagem, construindo
conhecimento a partir da interação social, com os seus colegas de turma, com o
professor e com outros indivíduos. A escrita no Blog remete a representação do
destinatário, a situacionalidade (acesso direto a fontes de informação), contextualização,
interdisciplinaridade, e a intencionalidade do ato comunicativo, bem como a co-autoria.

Outras possibilidades no uso do Blog, estar na familiaridade dos alunos na rede mundial
de computadores e seu vocabulário, como: navegação, endereço na internet, site,
imagem, enviar, postar, comentário, pesquisar, editar, blog, login, e-mail, post, link, etc.
A interdisciplinariedade nesse trabalho envolve as disciplinas de Língua Portuguesa,
Inglês e Geografia.

A partir do final do século XIX, e com o início do século XXI, o surgimento e


desenvolvimento, bem como a expansão, de novas linguagens de comunicação e
informação, como a fotografia, a televisão e a internet, possibilitaram novas formas de
se trabalhar a História, enquanto disciplina escolar, proporcionando o desafio de se
constituírem novas interpretações das fontes históricas, como o documento.

Dessa forma, com a abertura curricular e avaliativa, dentro do ambiente escolar, foi
possível, coadunar, a realidade vivenciada pelos alunos, pautada em uma sociedade da
informação, com a Disciplina História e sua interdisciplinariedade, a utilização de
fontes primarias de pesquisa, a noção do Blog, enquanto instrumento e objeto de
comunicação, e co-autoria, nas interações entre educador e educando enfatizando o
papel do professor passando este a conduzir, selecionar, organizar, intervir e orientar os
educandos nas descobertas, processos esses necessários ao desenvolvimento de novos
níveis de conceitualização sobre a disciplina História, visto que a História enquanto
disciplina também deve acompanhar os avanços tecnológicos.

Em síntese, temos no uso de um blog pedagógico a possibilidade de mediação no


processo ensino-aprendizagem, haja vista, seu caráter comunicacional, relacional, sendo
uma ferramenta pedagógica virtual, que contribui no aspecto da produção textual tendo,
sobretudo o favorecimento da autonomia digital.

253
Referências bibliográficas

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:


terceiro e quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Lei nº. 9.394/96. Estabelecem


diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1999.

BRAZÃO. José Paulo Gomes. Tese de doutorado. Weblogs, aprendizagem e cultura da


escola: um estudo etnográfico numa sala de 1º Ciclo do Ensino Básico. Funchal:
UMa/PT. 2008 (impresso).

DELLORS, Jacques et al. Educação um tesouro a descobrir: relatório para a


UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo:
Corte/MEC, 2000.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 24. ed. São Paulo: Paz e
GIROUX, Henry. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da
aprendizagem. Tradução de Daniel Bueno. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&, 2007.

LIBÂNEO, Jose Carlos. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São


Paulo: Cortez, 2008.

MARIZ, Vasco; PROVENÇAL, Lucien. La Ravardière e a França Equinocial: os


franceses no Maranhão (1612 – 1615). Rio de Janeiro: Topbooks, 2007. p. 203 – 207.

SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo:


Scipione, 2004.

TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na Educação: novas ferramentas para o


professor da atualidade. 2. ed. São Paulo: Érica, 2000.

VASCONCELOS, Celso dos S. Avaliação: concepção dialética-libertadora do processo


de avaliação escolar. 15. ed. São Paulo: Libertad, 2008.

254
FERRAMENTAS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA:
COMO EXPLICAR A SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL
Ana Letícia Pasquali Kziozek
Bruna Brandel Meleck

Este artigo busca discutir o uso de novas tecnologias nas aulas de história como
métodos de ensino, buscando uma maneira de transformar uma aula ou conteúdo que é
entendido como exaustivo em algo prazeroso, trazendo aos alunos uma socialização e
uma compreensão do conteúdo de maneira clara.

Segundo Nascimento (2008) para melhorar a educação o professor deve-se utilizar de


todos os recursos tecnológicos que estejam ao seu alcance, e ressalta ainda como o
papel do professor é fundamental, pois é ele quem contextualiza, e elabora os métodos
de conhecimento.

Em maior parte, os autores que trabalham com essa temática concordam que o uso de
recursos auxilia no processo de aprendizagem, sendo que este deve estar ligado ao
contexto das aulas. Mas o professor necessita preparar uma aula elaborada, fazendo com
que os alunos percebam a importância do uso das tecnologias como complemento do
conteúdo, entendendo que o mesmo não é somente uma diversão.

O cinema e a sala de aula

Para demonstrar que o filme tem um objetivo específico, e que faz parte do conteúdo, o
professor necessita trazer aos alunos uma percepção e conhecimento do mesmo,
produzindo uma aula que tenha um caráter de socialização, procurando que os alunos
discutam entre si sobre o que assistiram e relacione o que foi trabalhado como conteúdo.
Mas como o professor pode utilizar o filme? Que filmes utilizar?

Primeiramente o professor precisa selecionar filmes que sejam apropriados para a faixa
etária em que irá lecionar, tendo eles linguagens de fácil acesso para os alunos, e que
atendam a maioria do conteúdo que está sendo discutido, para que não se torne algo
solto no ar, e uma mera diversão sem conhecimento. Observando que o cinema nas
aulas aproxima os alunos de situações, fatos, do passado e do presente, podendo assim
fazer diversas ligações sobre ambos.

Em um segundo momento precisa observar como irá utilizar esses filmes, ou seja,
selecioná-los de acordo com o momento, pesquisar como o filme está inserido no tema
trabalhado e também perceber que suas aulas não precisam ser todas baseadas em filmes
para explicitar o conhecimento de forma mais aprofundada. Portanto precisa saber

255
utilizar-se do cinema de forma saudável, nem sempre como única tentativa de
abordagem mais ampla do conhecimento.

E que filmes podem ser utilizados? Primeiramente o professor precisa assistir ao filme
que levará para a sala de aula, para observar se atende as suas expectativas, e que não se
torne algo cansativo para os alunos fazendo com que não entendam o que o professor
queria repassar, buscar filmes que possuam som e imagem de qualidade também é
importante. Antes de passar o filme o professor precisa explicar aos alunos o porquê
usar desse meio, e sempre buscar meios de questionar o que o filme reproduz, como em
que parte está ligado ao conteúdo, ou o que ele significou para cada aluno, isso pode ser
trabalhado de maneira individual ou coletiva, em forma de questões abertas ou escritas.

Por exemplo, para um professor trabalhar a Segunda Guerra Mundial, precisará levar
filmes que explorem os acontecimentos da guerra, e também dos campos de
concentração que existiram durante a mesma, estes que foram responsáveis pela morte
de milhares de pessoas, principalmente judias. Quais os filmes que ele pode buscar? Vê-
se que há vários filmes que estão discutindo este acontecimento, e trabalhando alguns
conceitos que podem ser debatidos. Um deles é o filme “A vida é bela”, filme baseado
em uma história real, e lançado em 1999. No qual um menino e seu pai são mandados
para um dos campos de concentração, e o pai luta para esconder o menino dos soldados,
falando a ele que tudo é um jogo e que eles precisam vencer. Com esse filme o
professor pode trabalhar o conceito de cotidiano, discutindo com os alunos como era a
vida do menino no campo, entre outras questões.

Pode ser trabalhado também o filme “O menino do pijama listrado”, lançado em


2008, e que é baseado em fatos verídicos, traz a história de um menino filho de um
general do exército alemão que faz amizade com outro menino que vive no campo de
concentração, o mesmo pode ser discutido como conceito de infância, como as crianças
que viviam nos campos trabalhavam, brincavam, a discussão pode ser bem elaborada.

Outro filme interessante, que traz uma reflexão sobre a Segunda Guerra Mundial, é o
filme “A lista de Schindler”, também baseado em fatos reais, lançado em 1993, que
conta a história de uma fábrica de utensílios, onde muitos judeus trabalharam durante as
perseguições na Segunda Guerra Mundial, e por isso foram salvos, pois o dono Oskar
Schindler, conseguiu mantê-los longe do exército alemão. Com esse filme poderá ser
discutido o conceito de trabalho, como era feito e quem era responsável pelo mesmo,
pode-se ainda ligar aos dias atuais, e como são as funções de trabalho.

A música e a sala de aula

Como o aluno pode construir seu conhecimento histórico através da música?

Existem inúmeras possibilidades de utilizar a música como recurso didático no ensino


de história. E ao analisá-la o professor deve relacioná-la com o meio social em que o
aluno está inserido, para facilitar o entendimento do aluno ao questionar os motivos que
levaram o professor escolher a música em específico, e qual a relação da história com a
música que toca até nas rádios.
256
A música pode estar relacionada com fatos breves ou eventos sociais. Para estudar a
Segunda Guerra Mundial, pode-se utilizar das traduções das músicas do álbum
“Heroes” da banda Sabaton, em que todas as músicas refletem sobre acontecimentos da
guerra. Como na música Hearts Of Iron, em que retrata sobre o término da guerra:

veja o Reich em chamas, tentar salvar Berlim em vão, é uma estrada


através da morte e da dor, na outra margem, está o fim da guerra, quem
poderia ter acreditado, parece que nada foi conquistado, basta andar um
dia, ir até o fim, as frentes estão se fechando, à medida que o fim está
próximo, o 12° exército interfere, abrindo uma rota, tirando as pessoas,
suas forças estão espalhadas, é o fim da guerra.

Este é apenas um exemplo dentre várias músicas que podem ser utilizadas.

A história em quadrinhos e a sala de aula

A história em quadrinhos pode ser uma ferramenta importante para aproximar a vida
escolar do cotidiano do aluno. Os quadrinhos apresentam uma forma de comunicação
visual e verbal, facilitando uma nova forma de ver e ler o conteúdo, e de obter com
maior peculiaridade a atenção dos alunos.

Para entender a Segunda Guerra Mundial através de história em quadrinhos é


recomendável a utilização do livro “MAUS” de Art Spiegelman. O livro é baseado em
fatos reais, e conta como foi a trajetória enfrentada pelos judeus na época. Através de
desenhos os judeus são representados como ratos, os alemães como gatos, os
americanos cachorros, e os poloneses como porcos. Com auxílio do livro o professor
encontra a oportunidade de mostrar através de ilustrações desde como ocorreu a invasão
na Polônia, até como funcionava a vida dentro de Auschwitz.

Considerações finais

Nenhuma das metodologias tratadas acima pretendem ser únicas, apenas são opções
diversas para facilitar a eficácia do ensino de história dentro da sala de aula. E não
existem regras quanto as suas utilizações, o professor escolhe a maneira que tem maior
aptidão e facilidade de aplicar junto aos os conteúdos. O intuito do artigo é auxiliar os
docentes que buscam novos recursos para levar aos alunos.

Referências:

GÓES, Priscilla da Silva. A utilização da música nas aulas de história com os alunos
do 8º ano. V Colóquio internacional “Educação e contemporaneidade”, 2011, São
Cristovão- SE.

257
PALHARES, Marjory Cristiane. História em quadrinhos: Uma ferramenta pedagógica
para o ensino de história. Paraná, Rede Pública do Paraná, 2008.

NASCIMENTO, Vera Lúcia. Cinema e Ensino de História: em busca de um final


feliz. Revista Urutaguá- Revista acadêmica multidisciplinar- n.16- ago./set./out./nov.
2008- Quadrimestal- Maringá- Paraná- Brasil.

258
OS JOGOS ELETRÔNICOS COMO ALIADOS NAS
AULAS DE HISTÓRIA: AGE OF EMPIRES E
EUROPA UNIVERSALIS SÃO BONS EXEMPLOS
Anderson Carlos Meira Rodrigues

“De acordo com dados recentes, desde 2002, a indústria dos jogos digitais vem
superando o cinema, música e livros – o que a coloca como principal referência no setor
de entretenimento” (ARRUDA, 2009, p. 12). O jogo eletrônico apesar de muito
venerado na contemporaneidade ainda não é utilizado entre os professores com tanta
avidez. Além disso, boa parte de professores, sejam de antigas ou novas gerações
percebem o jogo eletrônico como algo “corruptível”, o qual impede em muitos
momentos o aluno de se interessar pelo estudo proposto na escola. Neste sentido
podemos acreditar que apesar desta visão negativa de muitos a respeito dos jogos
eletrônicos este recurso pode nos proporcionar grandes resultados pedagógicos.

Este trabalho nasce das minhas experiências no estágio de prática de ensino na


disciplina de história do Colégio de Aplicação, localizado na Universidade Federal de
Pernambuco. A turma que me inseri para a intervenção pedagógica foi o 7° ano, que
tinha em sua unidade a incumbência de estudar a colonização na América durante a
Idade Moderna. Para trabalhar a temática, resolvi utilizar os jogos eletrônicos Age Of
Empire e Europa Universalis.

O fato dos jogos eletrônicos não serem explorados por professores com muita
frequência, faz com que o próprio alunado perceba tal prática como um entretenimento
fútil. Desta forma, para utilização dos jogos Age Of Empires III e Europa Universalis
IV na sala de aula foi importante, desde o principio, demonstrar aos alunos que aquilo
não se tratava de uma mera diversão. Assim, a sala foi dividida em grupos, ou melhor,
foi produzido uma espécie de um contrato, o qual os alunos foram inseridos em um
mundo historiográfico, ou seja, tornaram-se estagiários cujo a sua função seria a
vanguarda de analisar documentos históricos ainda não analisados na escola: os jogos
Age Of Empires III e Europa Universalis IV.

O critério para divisão dos grupos foi o sorteio. Esta estratégia deveu-se ao fato para que
aumentassem as chances de integrações entre grupos na sala de aula, já que pouco se
integravam. Dividido os grupos e assinado o contrato pedagógico foi solicitado que os
alunos jogassem os jogos eletrônicos citados desde a primeira aula, além de que
demonstrassem suas considerações acerca destas primeiras impressões. Ficou
constatado, nas primeiras impressões a falta de uma visão de historicidade dos alunos,
com isso, esta foi a oportunidade de situá-los no tempo e no espaço que os jogos se
inserem, claro, com as ressalvas necessárias.

As explicações de colonização, feitoria, pirataria, a religião, o pacto colonial (relação


entre a metrópole e a colônia) dentre outros, que são tão importantes nas aulas sobre as
grandes navegações da Idade Moderna, foram trabalhados a partir dos jogos. Além
259
disso, os acordos/desacordos políticos e as rivalidades entre as nações navegadoras
europeias, somado ao comércio, as dificuldades de povoamento (provisões, conquista,
moradia...), o trabalho e o papel do colonizador, temas já discutidos habitualmente nas
salas de aula são representados de uma maneira interessante no jogo.

O jogo e a história sempre estiveram interligados. Muitos são os jogos que buscam de
alguma maneira recriar o passado como uma representação eletrônica. Trabalhar com
jogos em aulas de história, sem dúvida, representa um projeto de interdisciplinaridade.
Podemos constatar que os jogos eletrônicos como uma das formas de reflexo do saber
histórico, cujo suas bases podem estar longe do ambiente escolar, ou seja, estaria
inserido a ideia de que a história transcende os espaços tradicionais de conhecimento e
ensino.

O jogo eletrônico, como estratégia pedagógica poderá ajudar ao professor, dentre outras
coisas, para manter alunos motivados. “A ação pedagógica por meio de projetos supõe
primeiramente que os alunos estejam motivados, envolvidos, quer individualmente,
quer em grupo (...)” (FONSECA, 2009). Acreditamos, sinceramente, que o jogo
eletrônico pode ter o poder de aproximar os conteúdos ministrados em aula com o
alunado, já que se trata de um grande entretenimento atual. Esta experiência
pedagógica proporcionou uma motivação por boa parte dos alunos. Verificamos que a
utilização dos jogos eletrônicos proporcionou a integração e a participação na sala de
aula com alguns alunos, que até então possuíam um histórico de pouca interação no
espaço escolar.

Os jogos eletrônicos como material pedagógico pode ser considerado ainda algo a se
explorar. Concluímos que a utilização deste artificio representa um grade desafio que
proporciona a classe docente sair de uma “zona de conforto”. Os jogos eletrônicos com
toda certeza é um grande equipamento pedagógico, tendo a necessidade deste
reconhecimento pela classe docente. No caso mais especifico do ensino de história na
educação básica, os jogos eletrônicos, podem servir como uma materialização do
passado, no sentido da representação do mesmo. É bastante obvio que o jogo jamais
representará o passado real, tão buscado por muitos historiadores, no entanto, este
artificio demonstra como aquele fato histórico é representado e o imaginário que ele
proporciona.

Referências Bibliográficas

ALVES, Lynn. Games: novo lócus de aprendizagem. Disponível em:


http://portalmultirio.rio.rj.gov.br/portal/riomidia/rm_materia_conteudo.asp?idioma=1&i
dMenu=5&label=Artigos&v_nome_area=Artigos&v_id_conteudo=65515. Acesso em
29/01/2013.

ARRUDA, Eucidio Pimenta. Jogos digitais e aprendizagens : o jogo Age of Empires


III desenvolve ideias e raciocínios históricos de jovens jogadores? Tese de Mestrado,
UFMG/FaE, 2009.

260
AMARAL, Ricardo Ribeiro; PACHECO, Soênia Maria. Roleplayng game e excursões
didáticas: extrapolando os muros da escola. In: Rosa, Adriana Letícia Torres da. e
Barros, Natália Conceição Silva (Org) Ensino e Pesquisa na Educação Básica:
abordagens e tecnologias. Recife, Editora Universitária da UFPE.

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e pratica de ensino de história: Experiências,


reflexões e aprendizados. 9ed.Campinas, SP: Papirus, 2009.

AGE OF EMPIRES III (versão em português). United States of América, Microsoft


Corporation, 2005.

EUROPA UNIVERSALIS III. Suécia: Paradox Interactive, 2007.

261
O USO DAS IMAGENS E DA MÚSICA COMO
FERRAMENTAS DIDÁTICAS PARA AS AULAS
DE HISTÓRIA
Aline da Rocha Coutinho

Ser professor nos dias de hoje é mais desafiador que em outros momentos. Nessa era
tecnológica, temos uma geração de indivíduos mais questionadores que a todo momento
são bombardeados por informações vindas de lugares diversos, tornando o fazer
docente, através das novas demandas da educação cada vez mais fascinante. É na
formação inicial do professor que começa a qualidade de ensino da educação.

O processo de ensino aprendizado pode ser dinâmico e prazeroso para aluno e professor.
Existem inúmeros meios de levar os estudantes a conhecerem outras maneiras de ver o
mundo sem ter que “explicar o conteúdo”. As aulas de História muitas vezes se tornam
“chatas” por nos prendermos apenas a um produto didático enquanto temos uma
infinidade de opções para desenvolvermos um trabalho dinâmico e agradável,
proporcionando aos educandos habilidades para desenvolverem uma percepção mais
ampla a respeito do mundo que os cerca.

O período entre os dias 22 de agosto e 17 de outubro do ano de 2016, dei início as


atividades do estágio III na escola Zelinda Carvalho Teixeira, situada no distrito de
Maniaçu, pertencente ao município de Caetité –BA. Para a realização das atividade,
houve a seguinte divisão: A primeira semana - duas aulas ficaram para observação, na
segunda semana, houve a coparticipação em duas aulas, e, na semana teve início ao
período de regência.

Este último tópico teve início no dia 22.08 com o conteúdo Independência da África e
da Ásia. A discussão ocorreu em apenas em duas aulas, uma vez que as escolas do
município apresentam em sua grade curricular a disciplina HAB- História Afro
Brasileira, que, como bem sabemos, é um componente obrigatório nas escolas da rede
pública de ensino. Sendo assim, os conteúdos de África é destinado a disciplina já
mencionada, no entanto, o professor não pode “pular” e passar para o próximo conteúdo
sem fazer abordagens sobre a referida temática, então, são reservadas duas aulas para
realizar a discussão da melhor maneira possível. A aula teve início a partir dos
conhecimentos prévios dos alunos, com perguntas, como: Quando falamos em África e
Ásia, o que vem à mente de vocês? Que cidades desses continentes vocês já ouviram
falar (televisão, rádio, internet, etc.)?

Através dessa abordagem, pude notar que todos os discentes possuíam uma visão
estereotipada em se tratando do continente africano. O ponto se deu apenas para o lado
depreciativo – a África como uma savana habitada apenas por animais, ou como
continente castigado pela fome e pelas doenças. A intervenção feita partiu das
discussões realizadas nas aulas de História da África I e História da África II. Discuti

262
sobre as inúmeras riquezas desse continente e do interesse das grandes potencias em
explorar as riquezas deste lugar.

Foi com base nesta observação que passei a utilizar a imagem e a música como auxílio
para o desenvolvimento das atividades propostas. Segundo Valesca Giordano Litz em O
Uso de Imagens no ensino de História nos traz que:

No processo pedagógico com o uso de imagens deve-se avaliar a


importância da influência ideológica que as aplicam, em que o próprio
processo de cognição e codificação da História seja o viés pelo qual os
alunos, enquanto sujeitos do conhecimento, entendam que também são
atores sociais e tomem consciência de seus atos (LITZ s/d, p.3).

O uso de imagem é imprescindível no ensino de História. Em se tratando do conteúdo


de África, levei para a sala diversas imagens da África as quais surpreenderam os
alunos, cidades modernas, como Cidade do cabo na África do Sul, Cairo (Egito),
Marrocos, dentre outras. Dos centros apresentados, muitos se espantaram com o Egito,
uma vez que a maior parte da turma não tinha este como pertencente ao Continente
Africano, tão pouco como um país africano.

O conteúdo seguinte- O socialismo real: China, Vietnã e Cuba, precisei voltar aos
conceitos de capitalismo e socialismo. Ao falar de Cuba, muitos manifestaram contra o
sistema político da ilha. Os alunos ficaram surpresos com a educação, política e
principalmente com as condições precárias de um lugar onde todos deveriam apresentar
as mesmas condições econômicas e sociais. Selecionei duas imagens – uma de uma
comunidade do Rio de Janeiro e outra de um bairro de Cuba. Passei as duas imagens e
perguntei se eles poderiam me informar qual das imagens representava o Brasil e qual
destinava-se a Cuba, muitos identificaram a ilha por conta dos veículos velhos.

As imagens serviram de suporte para fazê-los pensar que o Brasil, embora tenha o
capitalismo como modelo político, há muitos lugares (cidades, povoados, bairros) que
passam por dificuldades econômicas, é uma nação onde a desigualdade social afeta mais
da metade da população, no entanto, não vemos isso na grande mídia. Novamente me
portei a imagem da comunidade e perguntei se a vemos nas propagandas e jornais a não
ser quando se trata de um capítulo ou reportagem depreciativa. Para fechar apresentei
um vídeo com os pontos turísticos de Cuba apontando suas belezas naturais, uma vez
que muitos a olhavam como um lugar de miséria esquecendo-se que Cuba é uma ilha e
apresenta muitas belezas naturais.

O último conteúdo discutido em sala, foi a Ditadura Militar no Brasil. Para trabalhar
essa temática, a música foi essencial. Silva nos traz que:

A sala de aula é o espaço de promoção de saber, transmissor de informação


e construções de sentidos. O professor tem a opção de utilizar a música e
propiciar na aprendizagem um meio para a instrução e compreensão da
disciplina história, no qual busca meios para transformar ideias. O ensino da
música é identificado pela visão humanista a demarcar tendências
tradicionais e escolásticas (SANTOS, 2014 p. 164).

263
A música é um mecanismo de grande valor enquanto material didático que pode a todo
momento ser utilizado em sala de aula. Circe Bittencourt (2004) nos fala da música
enquanto objeto de estudo para muitos pesquisadores além de ser utilizada como
material suporte no ensino de História, basta que o professor saiba utilizar, tornando
assim elemento necessário para a construção de conhecimento.

Miranda nos traz que,

[...] cabe ao professor de História, quando opta por esse tipo de fonte,
questionar e refletir sobre o contexto em que foi produzida a letra. Enfim,
para que seu uso faça sentido para os alunos, devem estar claras para o
professor algumas questões norteadoras: como? por quê? e para quê? ele
está utilizando essa fonte em suas aulas. Além disso, é preciso evidenciar
aos alunos que a letra da música não retrata uma verdade absoluta, mas sim
uma espécie de linguagem com uma intencionalidade (MIRANDA 2010 p.
10)

Com base nesses argumentos, trabalhei o uso da música na ditadura militar com os
alunos do nono ano. A princípio, foi necessário explicar o conceito de ditadura, em
seguida, falei sobre a democracia, estabelecendo a diferença entre as duas situações.
Para discutir a temática proposta, revisei a Experiência democrática no Brasil, período
entre 1945 a 1964, trazendo para os estudantes o processo político vivido no Brasil
neste contexto, cada administração trabalhada, abordei tópicos específicos, como: A
mídia e suas inovações- a chegada tv ao Brasil no governo de Dutra, estilos músicas
como a Bossa Nova no período de JK, a construção de Brasília e a alta inflação neste
mesmo governo, etc.

Para prosseguir a aula, passei uma seleção musical– A “evolução” da música brasileira,
começou nos anos 10 e seguiu até os dias atuais. A princípio, muitos questionaram, à
medida que os anos se passavam eles mostravam mais interesses e se atentavam. Ao
fim, falei da produção musical do regime militar e a conjuntura vivenciada no Brasil
naquele período.

O trabalho desenvolvido na turma, foi satisfatório e completo, apesar do curto período.


Os alunos participaram das aulas, se divertiram com as dinâmicas e passaram a ter outra
visão de mundo, foram quebrados os velhos paradigmas e construídos novos. O trabalho
através das imagens e da música tornaram as atividades mais completas e dinâmicas. A
maior parte das aulas foram iniciadas com um vídeo motivacional ou com uma música
relacionada ao tema abordado, deixei o espaço para os alunos darem sugestões sobre
outros mecanismos, deixando bem claro que a sala de aula é um laboratório de
conhecimento, e, o ambiente nada mais é que uma troca de saberes entre estudante e
professor mediador.

Referências

BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. São


Paulo: Cortez, 2004.
264
BOULOS Júnior, Alfredo. História: sociedade e cidadania – Edição reformulada, 9º
ano- 2ª edição: FTD 2012.

MIRANDA, Vera Regina. A música Popular Brasileira no Regime Militar. Paraná


2010.

SANTOS, Rosana Meneses. O uso da Música na prática do Ensino de História,


Aracaju V.2 Out. 2014.

265
IMAGENS E ENSINO DE HISTÓRIA: UM DEBATE
NECESSÁRIO PARA OS ATUAIS TEMPOS
Arnaldo Martin Szlachta Junior

No cotidiano escolar muitas são as ideias e tentativas para um bom trabalho de sala de
aula, um trabalho que tenha uma proximidade à realidade do aluno e esteja em sintonia
com os debates presentes na academia. Desde muito tempo há estudos sobre a utilização
das imagens na composição da história, assim como o seu uso em sala de aula.

No campo da arte, a ideia de imagem está vinculada às representações visuais, sejam


elas por afrescos, pinturas, iluminuras, ilustrações, desenhos, gravuras, filmes, vídeo ou
fotografia. Ao buscarmos a raiz etimológica da palavra ‘imagem’ encontramos o termo
imago do latim, que faz referência à máscara mortuária utilizada nos ritos fúnebres na
Antiguidade romana (JOLY, 2006, p.18). No discurso científico, dentro das ciências
humanas, podemos utilizar o termo ‘imagem’ de tantas formas e com tantos sentidos
que seu uso torna-se polissêmico, nossa intenção não é questionar os usos da palavra ou
reelaborar um conceito, mas nos faz necessário delimitar em qual sentido e de que
forma estamos aplicando o termo.

De acordo com Antonio Vicente Pietroforte, entende-se por imagem aquilo que se pode
ver:

Fala-se em Imagem da fotografia, da pintura, da escultura, da arquitetura


etc., sugerindo que “imagem” se refere a qualquer manifestação numa
semiótica plástica. Quando a palavra “imagem” aparece em estudos da
semiótica aplicada a esse domínio da expressão, entende-se “imagem” como
aquilo que se pode ver. (PIETROFORTE, 2008, p.33)

Conforme os estudos da semiótica, na linha estrutural de Algidar Julien Greimas,


apontados por Antonio Vicente Pietroforte, a semiótica tem por objeto de estudo a
significação, definida em conceito de texto, esse texto pode ser classificado como um
sistema de significação verbal, não verbal ou sincrético (PIETROFORTE, 2010, p.11).
O modo de significação verbal ocorre por meio de textos ou construções das línguas
naturais, já o não verbal é composto pelos demais sistemas como a música e artes
plásticas e o chamado sistema sincrético são aqueles que acionavam várias linguagens
de manifestações, ou seja, num mesmo conteúdo é expresso significados por meio de
formas verbais e não verbais como, por exemplo, nas tiras de quadrinhos.

No ambiente escolar, a presença das imagens, sejam elas desenhos de uma época,
pintura ou fotografia, fornece aos professores uma presença significativa no processo de
aprendizagem dos alunos da educação básica. Tal destaque é notório pela forma como a
imagem é apresentada: sejam os traços de um cartunista, as pinceladas de um artista, um
instante do passado congelado, seja em preto e branco ou colorido. A imagem mostra o
povo ou uma região de determinado período e produzido por olhos da época, fazendo
assim uma relação com o discurso histórico do professor naquele momento.
266
Vale lembrar o poder que as imagens têm no mundo atual - os alunos estão propensos a
serem seduzidos por elas, e é nesse momento que cabe ao professor mediador, com o
auxilio do material didático repleto de imagens, trilhar os caminhos que ajudarão na
formação de alunos capazes de criar um senso e um raciocínio crítico e histórico social,
nos enfoques das sociedades e suas produções culturais e materiais, como também a
posição ideológica de determinados grupos.

Vários pesquisadores analisam a relação da produção de conhecimento e a imagem,


dentre eles temos Circe Bittencourt que privilegia a ação questionadora sobre as
imagens nos materiais didáticos. Em sua obra Livros didáticos entre textos e imagens a
autora questiona como são apresentadas as imagens nos livros didáticos, considerando
que o livro é um produto, uma mercadoria do mundo das edições e leva em questão seu
processo de transformação no que diz respeito a sua fabricação, indagando sobre esse
objeto:

A reflexão sobre as diversas ilustrações dos livros didáticos impõe-se como


uma questão importante no ensino das disciplinas escolares pelo papel que
elas têm desempenhado no processo pedagógico, surgindo indagações
constantes quando se aprofundam as análises educacionais. Como são
realizadas as leituras de imagens nos livros didáticos? As imagens
complementam os textos dos livros ou servem apenas como ilustrações que
visam tornar as páginas mais atrativas para os jovens leitores?
(BITTENCOURT, 1997, p. 70)

Essas interrogações abrem caminho para inúmeras problemáticas que poderíamos


levantar sobre o uso da imagem no livro didático, entretanto vamos focalizar uma
proposta central que é a presença e o uso das pinturas em um livro didático de história.
O uso da imagem vem ganhando uma valorização significativa pelos teóricos que
discutem o ensino de história e a historiografia, criando um espaço gerador, um campo
rico de debates e opiniões.

No decorrer do trabalho do professor, ao elaborar seu material ou escolher um livro


didático, busca-se um texto recheado de imagens, e se tratando dos conteúdos finais que
se localizam mais na contemporaneidade temos a presença de imagens que se espera
naquele momento gerar uma aula mais dinâmica e atrativa? E por que não fazer o aluno
imaginar aquele determinado instante um momento único à formação de conhecimento?

Todavia, não podemos simplesmente estabelecer uma ação de acordo com ideias ou
vontades. Ana Heloísa Molina estabelece que o professor, ao agir como um mediador
entre as informações intrínsecas na imagem e o conhecimento dos educandos, não deve
apresentar uma aula pronta que considere somente um ponto de vista ou uma opinião. O
uso de imagens pelos professores de história deve levantar, a partir das respostas dos
alunos, as possibilidades de investigação da construção do conhecimento histórico
(MOLINA, 2007, p.24).

[...] as imagens usadas em sala de aula não devem sê-lo gratuitamente, mas
é necessário conhecer seus componentes semânticos para adequá-los aos
objetivos propostos. Assim o desafio e o limite imposto ao professor de
história serão o de redimensionar e explorar as competências específicas da
267
imagem, não somente para motivar e envolver, mas reelaborar, recodificar,
ordenar e organizar conceitos, transformando uma relação sócio-afetiva com
a imagem em uma situação de cognição. (MOLINA, 2007, p.25).

Nas últimas décadas, o crescente aumento do uso das imagens nas aulas de história vem
sendo permitido pelas novas possibilidades técnicas, pela queda dos custos de
impressão e as formas de adquiri-las em fascículos próprios ou mesmo na Internet. É
claro que, aliado a essas facilidades, destacamos também os métodos pertinentes à
academia, como os já mencionados e os quais iremos apresentar nos capítulos
subsequentes. A relação com as novas correntes historiográficas do pós-segunda guerra
mundial, na qual temos em destaque a Nova História Cultural, possibilita um diálogo
entre pesquisas acadêmicas e professores em sala de aula.

A ideia de didática vem sendo construída e reconstruída ao longo dos anos e,


atualmente, com as possibilidades de reprodução que a era digital nos proporciona, o
assunto ganha força principalmente como um recurso que permitiria a construção de
conhecimentos e significados e não simplesmente como uma mera ilustração dos
conteúdos dispostos no livro didático - as novas abordagens caminham para a
problematização e enfoques de análises em sala de aula na perspectiva da construção de
conhecimento.

Contudo é preciso ressaltar que as imagens são cenas recortadas, representadas numa
imagem congelada, momentos registrados que podem ser aleatórios, construídos e
manipulados, mas que usando as informações de fatos históricos presentes nesse tipo de
documento, de acordo com uma metodologia amparada nas recentes pesquisas do
campo de ensino de história e nas ferramentas oriundas de outras áreas como história da
arte, comunicação entre outras, estas podem auxiliar na formação de indivíduos capazes
de raciocinar historicamente, com uma criticidade maior, e mais sensibilidade sobre a
cultura, a materialidade e a dinâmica das sociedades.

Uma série de reflexões sobre o ensino de história e a produção de narrativas históricas,


devem ser as orientações para pesquisas do ensino de História, pensando a realidade das
escolas, a situação dos alunos e como seria a prática do professor em sala de aula
possibilitando o diálogo da academia, sendo assim não podemos nos afastar dos
pressupostos sobre Teoria da História. Como observa José Carlos Reis (REIS, 2005),
uma pesquisa histórica empírica deve estar em diálogo com a teoria da história a fim de
construir uma possibilidade de conhecimento histórico ao mesmo tempo em que
apresenta os passos percorridos na prática da pesquisa.

Referências

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro didático e conhecimento histórico:


uma história do saber escolar. Tese (Doutorado)- FFLCH, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 1993.

268
______________, Circe Maria Fernandes. “Livro didáticos entre textos e imagens.” In:
______________, Circe Maria Fernandes (org.). O saber histórico na sala de aula.
São Paulo: Contexto, 2002.

GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e História. Petrópolis: Vozes, 1995 Tradução


de Tomaz Tadeu da Silva.

JOLY, Martine. Introdução à análise da Imagem, Campinas, Papirus Editora, 2006

MOLINA, Ana Heloisa. Ensino de história e Imagem: possibilidades de pesquisa. In.


Domínios da Imagem, Revista de LEDI, Ano 1, Volume 1. Londrina, Eduel. 2007

PIETROFORTE, Antonio Vicente. Análise do texto visual: a construção da imagem,


São Paulo, Editora Contexto, 2008.

REIS, José Carlos. História & Teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e


verdade. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2ª edição. 2005.

269
ENSINO DE HISTÓRIA E TECNOLOGIA: NOVOS
DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI
Bruna Carolina Marino Rodrigues

Introdução

Com o desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação (TICs) e a


configuração de redes virtuais de interação global (CASTELLS, 2012) novos desafios e
problemáticas foram sendo incorporadas às discussões que envolvem o fomento da
qualidade da educação brasileira. Das expectativas às frustações da inserção da
tecnologia na educação, atualmente há um consenso entre poder público, educadores e
pesquisadores que não podemos mais negar que ela faz parte do cotidiano escolar.
Crianças e jovens compartilham da cultura digital nos corredores das escolas e fora
delas, os professores também recorrem à internet para fazerem suas pesquisas, buscarem
conteúdos, interagirem e compartilharem conhecimentos.

Para o historiador Robert Darnton (2010) uma das questões centrais para se discutir a
relação tecnologia e educação são os rumos da democratização do conhecimento e o seu
livre acesso, pois, empresas como Google estão criando formas de mercantilização do
conhecimento e monopólio da informação. Na contramão desse processo, cresce o
movimento pelo acesso livre e Educação Aberta que buscam fomentar ações para
alternativas sustentáveis na produção e compartilhamento do conhecimento,
enxergando-o como um bem público da humanidade (ROSSINI, 2010).

Neste sentido, o objetivo desse trabalho é refletir sobre os desafios de se pensar a


tecnologia no ensino de história discutindo seus limites e possibilidades, pois, com a
entrada da História na cultura digital, modificações estão acontecendo na produção e
recepção do seu discurso, e, na criação de novos espaços para comunicação entre
historiadores e o público em geral (CHARTIER, 2009). Desse modo, um dos grandes
desafios para professores e pesquisadores no século XXI é lidar com essas novas formas
de acesso às fontes históricas, disponibilização de milhares de documentos em suportes
variados e o surgimento de novos objetos históricos na web.

A cultura digital nas escolas

Os objetos culturais produzidos pela cultura digital são uma realidade nas escolas, a
virtualização do cotidiano tem criado novos espaços de sociabilidades e interação entre
os indivíduos na internet (LÉVY, 1999). De acordo com a pesquisa TIC Educação
2015, 73% dos professores afirmaram utilizar o computador ou internet com os alunos
para alguma atividade em aula. Outro dado importante da pesquisa TIC Kids Online
Brasil 2015 evidenciou que entre as atividades mais frequentes de crianças e
adolescentes na web estão o entretenimento, a comunicação e a pesquisa escolar, sendo
que 80% dos entrevistados apontaram o uso da rede para fins pedagógicos.
270
Os principais resultados da pesquisa TIC KIDS online Brasil evidenciou que o uso da
internet por crianças e adolescentes cresce na medida em que aumentam suas
experiências de uso na rede propiciando o crescimento de competências digitais.
(CETIC, 2016, p.153). Os indicadores apresentados demonstram que a cultura digital e
as TICs já integram o cotidiano dos agentes escolares, entretanto, muitos são os desafios
de se educar na cultura digital (PRETTO, 2011) já que questões como infraestrutura,
falta de apoio pedagógico e motivacional para os docentes e de discussões que estejam
em sinergia com a realidade dos professores e alunos limitam as potencialidades da
utilização da tecnologia em ambiente escolar.

História Pública e Digital, REA e Educação aberta: novos caminhos para se pensar
o ensino de história

Professores e pesquisadores de história estão criando novas formas de comunicação e


compartilhamento das informações. Com o avanço da internet as redes virtuais de
comunicação entre professores, pesquisadores e o público configuraram-se como
espaços legítimos de trocas de saberes e de produção colaborativa do conhecimento
histórico, como por exemplo, a rede social Café História e o evento online Simpósio
Eletrônico Internacional de Ensino de História (UNESPAR).

Com as mídias sociais novas perspectivas foram incorporadas ao saberes e fazeres dos
professores e pesquisadores de história. A digitalização dos documentos históricos e as
plataformas digitais têm contribuído para este debate. As bibliotecas e repositórios
digitais tem possibilitado que professores tenham acessos a variados tipos de recursos
com grande potencial a ser explorado na aprendizagem, a exemplo: Biblioteca
Brasiliana/USP, Portal do Professor, Arquivo Nacional e Domínio Público. Logo, essas
discussões podem ser aprofundadas pelos estudos da História Pública e Digital, nos
orientando a pensar sobre as relações entre conhecimento histórico e tecnologia, isto é,
sobre as representações do passado no espaço virtual e o papel do ensino de história no
debate contemporâneo dos usos políticos e sociais das narrativas históricas (SILVA,
2016).

Segundo Silva (2016, p.16) as reflexões atuais sobre a História Pública têm estimulado
professores e pesquisadores de história a discutirem sobre como as representações do
passado circulam no espaço público. Segundo Carvalho (2016), as discussões sobre
História Pública tem se consolidado há 40 anos em diversos lugares como na Inglaterra,
Estados Unidos, África do Sul, Canadá e Nova Zelândia. Atualmente, a internet e a
História digital têm fomentado novas possibilidades para História Pública, a exemplo,
questões como a multiplicação dos meios de divulgação e de representação da história
pelos meios de comunicação, incluindo os usos e apropriações da História por diversos
tipos de leitores.

De acordo com Lucchesi (2014), foi na década de 1990, com o desenvolvimento das
TICs e o avanço da internet, que muitos historiadores ao redor do mundo começaram a
pensar sobre o papel das TICs na produção e disseminação do conhecimento histórico e
no seu ensino. Neste contexto, emergiram debates sobre a História Digital nos Estados
Unidos com a Digital History, na Itália como Storiografia Digitale. No Brasil, a
271
História Pública e Digital tem ganhado espaço nos últimos anos, destacando-se com
discussões, publicações e eventos que buscam tratar de três dimensões: ensino, pesquisa
e divulgação da História na cultura digital. Além disso, busca aproximar o público dos
processos de construção da História (CARVALHO, 2014; 2016).

Neste cenário, as pessoas não estão mais sujeitas a serem somente leitores ou
observadores de conteúdo, já que a internet permitiu uma ampla participação da
população redefinindo seu locus de criação (ROSSINI, 2010). Novos modos de se
pensar a educação surgem buscando a liberdade do conhecimento, o compartilhamento
das ideias, da cultura da transparência e que, em sinergia com a filosofia dos Recursos
Educacionais Abertos (REA) e da Educação Aberta, podem contribuir para com novas
perspectivas para o ensino de história.

O Projeto Brasileiro sobre Recursos Educacionais Abertos tem início em 2008


adequando às discussões internacionais sobre REA e Educação Aberta ao contexto
brasileiro. Atualmente, os REA foram incluídos no Plano Nacional da Educação (2014-
2020), além de fomentarem debates nacionais pelo acesso público a materiais
educacionais, modelos abertos de negócios e questões que envolvem o nicho
mercadológico dos livros didáticos e nos direitos autorais no Brasil, pois, mesmo sendo
distribuídos gratuitamente nas escolas, o uso e replicação desses materiais são de
propriedade das editoras. Por isso, o conceito de REA é definido como “materiais de
ensino, aprendizagem e pesquisa veiculados em qualquer suporte ou mídia, que estejam
sob domínio público ou licenciado de maneira aberta por licenças de direito autoral
livres, que permitam o uso e remix sem restrição” (ROSSINI; GONZALES, 2012,
p.39).

Imaginemos então, que os materiais didáticos elaborados pelos professores ao longo dos
seus anos de profissão, as produções dos seus alunos e o planejamento de suas aulas,
que raramente são vistos como valiosas, fossem pensadas pela riqueza da sua produção
e utilidade, os professores teriam ao alcance um vasto material de qualidade sem
restrição de uso (AMIEL, 2014). Assim, a ideia do remix não busca simplesmente
copiar o original para benefício próprio, é um reconhecimento do trabalho dos autores
originais, quando damos crédito aos autores, honra-se o seu trabalho, ao estudá-lo com
profundidade, incorporando a sua influência e reconhecendo publicamente essa
associação (AMIEL; DURAN, 2015, p.79).

Por isso, um dos objetivos do REA e da Educação Aberta é contribuir para a


“transformação da aprendizagem escolar, pois, o aberto se opõe a receitas prontas. O
convite para o aberto dos recursos educacionais é oferecer nossas ideias e de nossos
alunos para enriquecer materiais e compartilhar nossos conhecimentos para que pessoas
possam se inspirar” (STAROBINAS, 2012, p.122). Assim, colocar em debate esse
tema é estimular que professores de história produzam e compartilhem suas
experiências na internet produzindo um ciclo de colaboração entre seus pares,
possibilitando que seus alunos tornem-se protagonistas do processo de ensino e
aprendizagem fomentando novas práticas pedagógicas com uso da tecnologia.

272
Conclusão

Pensar alternativas sustentáveis para a educação no século XXI é compreender questões


que envolvem formação inicial e continuada dos professores, métodos de ensino e
aprendizagem que envolvam as ideias dos formatos abertos e do livre acesso ao
conhecimento e de mecanismos que favoreçam as potencialidades da cultura digital em
ambiente escolar. Iniciativas promissoras estão crescendo no Brasil como o REA-
Paraná e o portal EduCapes que buscam promover a ideia de produção colaborativa e
liberdade para o conhecimento. Destaca-se neste contexto, a importância da valorização
dos professores nesse processo e na adequação de suas realidades e a de seus alunos
para o desenvolvimento de competências digitais. Dessa forma, a História Pública e
Digital tem o potencial de oferecer subsídios valiosos para se pensar a relação entre
ensino de história, tecnologia, cultura digital, espaço público e às novas formas de
acesso, recepção e produção do conhecimento histórico. Por fim, mais do que construir
certezas esse texto buscou provocar reflexões sobre o impacto da tecnologia nos saberes
e fazeres de professores e pesquisadores de história.

Referências Bibliográficas

AMIEL, Tel. Recursos Educacionais Abertos: uma análise a partir do livro didático de
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BITTENCOURT, Circe Maria F. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4° ed.


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CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2012, v.1.

CARVALHO, Bruno Leal Pastor De. Faça aqui o seu login: os historiadores, os
computadores e as redes sociais online. Revista História Hoje, n.5, 2014.

CARVALHO, Bruno Leal Pastor De. História pública e redes sociais na internet:
elementos iniciais para um debate contemporâneo. Transversos: Revista de História.
Rio de Janeiro, v. 07, n. 07, set. 2016.

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COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL – CGI.br. Pesquisa sobre o uso das


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COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL – CGI.br. Pesquisa sobre o uso da


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Bianca Santana; Carolina Rossini e Nelson De Luca Pretto Editora: EDUFBA. São
Paulo/Salvador, 2012.

274
FOTOGRAFIAS EM LIVROS DIDÁTICOS: OS 18
DOFORTE DE COPACABANA
Caroline Tecchio

Ao abrimos um livro didático, antes mesmo de decodificar o texto, entramos em contato


com a leitura de imagens. Fotografias, paisagens, desenhos, símbolos e pinturas são
formas de apresentar o conteúdo por meio da linguagem visual. O estudo aqui proposto,
embora se utilize de reflexões acerca de imagens como um todo, pensa particularmente
o uso de fotografias em livros didáticos para retratar a Revolta dos 18 do Forte de
Copacabana, de 1922. O processo de criação de símbolos permite que tenhamos uma
carga de conhecimentos suficiente para assimilar, por exemplo, que uma fotografia de
soldados em um campo de batalha estará associada a um texto escrito sobre
enfrentamentos armados, sendo que o ângulo selecionado pelo fotógrafo produz
significados.

Pensando na interação entre imagem e texto escrito, buscamos avaliar a utilização de


imagens vinculadas ao ensino de história. Como recorte temático optamos por tratar de
fotografias que acompanham o conteúdo da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana em
dois livros didáticos: “Descobrindo a História: Brasil Independente”, de Sônia Maria
Mozer e Vera Lúcia Pereira Telles Nunes e “História para o ensino médio: história geral
e do Brasil”, de Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo. Sobre esse material procedemos
a analise do lugar da imagem no conteúdo – relação texto/imagem –, avaliando os
elementos comuns e as diferenças entre o tratamento dado à imagem pelos autores.

Os livros didáticos acima mencionados permitem observar a maneira pela qual os


autores dos textos utilizam a imagem enquanto recurso de ensino. A reflexão sobre esse
tema se faz presente tendo em vista que é comum encontrar imagens apenas ilustrativas,
ou enquanto um mero complemento do conteúdo escrito. Acreditamos ser necessário
um olhar mais atento para o conteúdo do qual a própria imagem é carregada. A
informação da imagem e do texto devem interagir, sem que o conteúdo de uma dessas
linguagens se sobreponha ao outro, mas sim auxilie. Para Meneses (2004), as imagens
não podem ser utilizadas apenas como recurso de “ilustração” de um texto, pois são um
tipo específico de linguagem, que requer uma metodologia adequada de tratamento.

As discussões atuais sobre ensino permitem superar a idéia de imagem ilustração,


aquela que apenas enfeita o texto ou se apresenta como um apêndice. A utilização de
imagens como ilustração é um problema do trabalho historiográfico, e que se apresenta
tanto em textos acadêmicos quanto em textos didáticos. Para superar essa dificuldade,
quando trabalhamos com imagens na história temos que nos aproximar de outros
campos, como a história da arte ou as artes plásticas, pois a história ainda não constituiu
um campo epistemológico para o estudo da imagem. No entanto, as imagens devem ser
entendidas em sua materialidade, nesta esteira as imagens são objetos e não apenas
significações ou representações.

275
Como a inserção mais efetiva de imagens como objeto de estudo é relativamente
recente, observamos a preocupação teórica em aprimorar o uso de imagens. No que diz
respeito ao ensino, o importante é tomar a fotografia como fonte. Isso pode ser feito
juntamente com o trabalho dos textos dos livros nos quais elas estão inseridas. Nesse
sentido, temos as discussões de Saliba (2006), que mostra que é necessário uma gama
de elementos, informações, textos para que se compreendam melhor a relação entre o
texto e a imagem. Visto que "As imagens são estratégias para o conhecimento da
realidade, mas não constituem sucedâneos para nenhum suporte escrito. Ao contrário do
que se diz frequentemente a imagem não fala" (SALIBA, 2006, p. 123).

As imagens não são vistas e compreendidas da mesma maneira com que se procede a
leitura de um texto. A operação mental que se executa para a compreensão leva em
consideração outros aspectos. Ao professor cabe orientar os estudantes em direção à
uma leitura dessas imagens, mas o texto precisa servir como um elemento cooperativo
nessa leitura e análise. Do mesmo modo como se indagam as fontes ou documentos
escritos, as imagens devem ser olhadas a partir de problemas e desconfiança.

A primeira fotografia a ser analisada encontra-se no livro “História para o ensino médio:
história geral e do Brasil” de Vicentino e Dorigo, na página 491, e é seguida do
comentário reproduzido no quadro abaixo:

A Revolta do Forte de Copacabana, em 1922, foi a primeira das rebeliões tenentistas a


abalar o domínio oligárquico. Na foto, marcha dos tenentes na avenida à beira-mar no
Rio de Janeiro, à qual juntou-se um civil (centro).

Quanto à interação entre texto e imagem, Vicentino e Dorigo situam adequadamente


essa fotografia. A imagem vem precedida do seguinte trecho: “Essa seria a primeira
grande rebelião tenentista, que, mesmo fracassada, teve grande importância, pois tornou
público o movimento, e alguns de seus líderes seriam transformados em verdadeiros
heróis. (VICENTINO; DORIGO, 2001, p.491).” A fotografia está em harmonia com o
tema tratado no texto escrito, no entanto, se observarmos detalhadamente, nos
perguntamos quem é o civil que esta em um plano privilegiado da imagem? Seria a
intenção do fotógrafo centralizar a imagem do civil? Qual a importância de sua adesão
ao movimento? Em que meios a fotografia foi divulgada?

276
O civil que acompanhava a marcha dos 18 do Forte era Otávio Corrêa. Comentando
essa mesma fotografia, Cápua (2001, p. 78) descreve que o tenente Siqueira Campos
estava mais à frente do grupo e por isso não aparece. Observando os escritos de Cápua,
conseguimos complementar algumas informações, bem como identificar quem eram os
líderes posteriormente transformados em “verdadeiros heróis”. Podemos perceber que o
livro didático não oferece subsídios suficientes para que se chegue à uma interpretação
satisfatória das fontes.

Do livro “Descobrindo a história: Brasil independente” observamos duas fotografias. A


exemplo do texto produzido por Vicentino e Dorigo, as autoras Nunes e Mozer também
inserem um texto condizente com a imagem. É interessante perceber que Nunes e
Mozer primeiro inserem uma fotografia formal do Exército, possibilitando a leitura do
meio em que saem os futuros tenentes. Apesar de parecer uma informação óbvia,
consideramos importante trazer presente nos livros didáticos e oferecer recursos para
que os alunos visualizem que as Revoltas Tenentistas partem do Exército, e que a partir
do envolvimento dos tenentes em questões políticas, o Exército se divide entre legalistas
e revolucionários, e paralelo a isso a população se envolve nos confrontos.

Abaixo temos uma imagem retratando a formalidade do Exército, e em seguida a outra


fotografia do Levante do Forte.

Militares da Guarnição do Forte de Copacabana, Rio de Janeiro, 1922. Nesse ano,


ocorreu a primeira revolta tenentista. Entre os oficiais sentados na primeira fila, o sexto
da direita para a esquerda é o tenente Siqueira Campos, um dos líderes da revolta.

277
Os Tenentes rebeldes do Forte de Copacabana caminham pela Avenida Atlântica em
direção ao centro da cidade. No caminho, junta-se a eles o engenheiro Otávio Correia,
de chapéu e trajes civis no lado esquerdo da foto. Rio de Janeiro, 6 de julho de 1922.

Novamente a presença do civil Otávio Corrêa é destacada. Notamos que a fotografia


registra a mesma cena trazida no livro didático de Vicentino e Dorigo, mas captada de
ângulos diferentes. Na primeira imagem o fotógrafo se encontrava de frente para
“revoltosos”, ampliando o plano da imagem e dando a entender que talvez a marcha
tivesse sido até mais grandiosa do que realmente foi (apenas 18 homens). Por sua vez, a
segunda imagem é captada na lateral direita da marcha, dando justamente uma ideia
contraria da primeira fotografia: poucos homens marchando acompanhados de um civil.
Nesse jogo de posições, a mesma cena captada de duas maneiras distintas pode sugerir
aos estudantes duas ideias diferenciadas do acontecimento aprisionado pela câmera
fotográfica.

Mas, se não temos um padrão para a leitura de imagens como para a leitura de textos
escritos, necessitamos que o texto ultrapasse os limites da descrição e instigue os alunos
a pensarem no que ela significa, tendo para si clareza de que a imagem é “construída”,
tem sua intencionalidade e que trata-se também de “representação”, conforme evidencia
Barbosa (2009, p. 107) "Somos tentados a tomar como verdade fatos e pessoas que se
apresentam fotografados”.

Ao entrar em contato com fotografias, corremos o risco de tomar como verdade, e


interpretarmos que as imagens analisadas acima, por exemplo, registram fielmente os
acontecimentos que se passaram no Rio de Janeiro em 1922. No entanto, estamos
visualizando apenas uma parte do que foi aquele movimento, bem como estamos tendo
278
contato com uma representação a partir daquilo que o fotógrafo julgou melhor registrar,
do ângulo por ele escolhido e da maneira como este achou melhor fazê-lo. As imagens,
sejam fotografias ou pinturas, não tem o poder de nos revelar o passado, ou então de
resgatá-lo, não podem nos mostrar como as coisas aconteceram. Elas nos ajudam a ter
acesso a uma parcela desse passado, registrada a partir da intencionalidade de um
terceiro. Cabe a nós, a partir da pesquisa, saber tratá-las como documentos que nos
aproximam do passado, documentos que podem nos ajudar, e aos alunos, a construir
nossa compreensão sobre a história.

Referências bibliográficas:

AGUIAR, Edinalva Padre; FONSECA, Selva Guimarães. Livro didático e ensino de


história: aproximações e distanciamentos com o currículo oficial. In: FONSECA, Selva
Guimarães. Currículo e ensino de história: entre o prescrito e o vivido. Vitória da
conquista/BA, Brasil (1993/2000). Disponível em: <HTTP://www.bdtd.ufu.br>. Acesso
em: 01 fev. de 2011.

BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. História, historiadores e imagem: algumas notas


introdutórias. In.: SEBRIAN, Raphael Nunes Nicoletti (Org). Leituras do Passado.
Campinas, SP: Pontes Editores, 2009.

CÁPUA, Cláudio de. Revolução de 1924 e seus desdobramentos até 1930. São Paulo:
Editor Ação, 2001.

KORNIS, Mônica Almeida. História e cinema: um debate metodológico. Estudos


Históricos, Rio de Janeiro, vol.5, n. 10, 1992, p.237-250.

MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Cia das
Letras, 2001.

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Rumo a uma história visual. Texto inédito,
2004.

SALIBA, Elias Thomé. Experiências e representações sociais: reflexões sobre o uso e o


consumo das imagens. In: BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula.
São Paulo: Contexto, 2006.

Lista de fontes:

VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História para ensino médio: história


geral e do Brasil. Volume único. São Paulo: Scipione, 2001.

MOZER, Sônia Maria; NUNES, Vera L. P. T. Descobrindo a História: Brasil


Independente. 1ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2002.

279
O CINEMA NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA DO
CINEMA: O USO DOS FILMES “OUTUBRO”
(1928) E “ADEUS, LENIN!” (2013) EM SALA DE
AULA
Celso Ramos Figueiredo Filho

Esta comunicação tem por objetivo apresentar os resultados de uma experiência


pedagógica aplicada junto a alunos do curso de Licenciatura em História, realizada em
setembro de 2014. A sala cursava o sexto e último semestre do curso, na disciplina
História Contemporânea II. Na ocasião, experimentamos a utilização de obras
cinematográficas como ferramentas pedagógicas.

À guisa de introdução, creio ser pertinente uma digressão que situe historicamente o
cinema enquanto produção técnica e artística.

Partimos da premissa de que vivemos em uma sociedade midiática, e,


consequentemente, as imagens terem um poder de mobilização e de persuasão
inigualáveis. Por essa razão, o cinema (considerado como a sétima arte, e filho do
próprio do próprio desenvolvimento técnico atrelado ao avanço do sistema capitalista)
muito rapidamente, logo nas primeiras décadas do século XX, ganhou o status de
poderosíssima indústria de entretenimento. Mas, o poder do cinema – e das artes de uma
forma geral – vai muito além de um leve lazer. Ele pode ser importante difusor de
ideologias e padrões de comportamento e consumo.

Por essa razão, o cinema tem sido um importante interlocutor com a história, sendo ele
próprio fruto das condições sócio-históricas do momento da sua produção. Como
dissemos, somente em uma sociedade que dispõem de poderosíssimos recursos
tecnológicos a produção de uma arte como a cinematográfica é possível. Ao mesmo
tempo, a produção de um filme, por mais modesta que seja, exige uma sofisticada
divisão social do trabalho, só possível em sociedades industriais. E, por fim, ela
depende também de multidões de espectadores, reunidos invariavelmente em centros
urbanos. Em suma, o cinema é um produto direto da Revolução Industrial, que
possibilitou, simultaneamente, os meios técnicos e administrativos para sua execução, e
o público para o seu consumo.

O Cinema e a história (com hagá minúsculo) e a História (com hagá maiúsculo)

Com hagá minúsculo se refere ao cotidiano das gentes e dos indivíduos, por exemplo,
nossa história pessoal de vida. Com hagá maiúsculo trata-se da Ciência da História, uma
cátedra universitária, com metodologia própria e compartilhada por uma comunidade
internacional de acadêmicos.
280
O filme, pronto e acabado para ser projetado para o espectador, permite ao historiador e
a todos aqueles interessados em compreendê-lo integralmente, uma tripla abordagem: o
cinema enquanto técnica, e também enquanto estética e discurso político.

1) ele é um documento histórico em si mesmo, refletindo, como dissemos, os processos


sociais e estéticos da época da sua execução, estabelecendo um diálogo, às vezes mais,
às vezes menos consciente com essa realidade que lhe é externa, mas que o condiciona.
Noutras palavras, a produção cinematográfica tem uma história própria, que reúne tanto
as transformações dos seus aspectos técnicos de produção – filmes mudos, em branco e
preto, três D, etc, - como os aspectos estéticos, a exemplo das diferentes escolas
cinematográficas: o Expressionismo Alemão, de um Murnau ou Fritz Lang, o Neo-
Realismo Italiano de Vitório de Cica; o Novo Cinema Alemão dos anos 70, de
Fassbinder e Herzog dentre outros.

2) o filme intervém nessa mesma realidade, ao atingir a subjetividade do espectador,


podendo levá-lo a rever seus valores e seus posicionamentos. A exemplo de “Juventude
Transviada”, onde o “rebelde sem causa” James Dean serviu como modelo de
comportamento para milhares de jovens por todo o mundo insatisfeitos com as
promessas de conforto da sociedade burguês do pós-guerra, mas vazias de experiências
pessoais. Ou ainda, o clássico do soviético Sergei Eisenstein, “Encouraçado Potemkin”,
que mobilizou jovens por todo o planeta em defesa dos ideais socialistas e da Revolução
Russa de 1917.

3) por essas razões, o filme é uma ótima ferramenta pedagógica, pois, possibilita ao
professor mobilizar seus alunos nos dois sentidos acima citados e, com isso, obter uma
aprendizagem mais significativa.

Os filmes que abordam temas históricos, pela sua própria natureza temática, têm essas
características acima apontadas, inerentes a toda obra cinematográfica, explicitadas. O
diálogo com a história e a historiografia são, nestes casos, os móbiles da produção;
esses filmes convidam aos professores e seus alunos a repensarem a história e, portanto,
a si próprios.

A Experiência: A Revolução Russa de 1917 através de dois filmes

Desde meados do século XIX o ideal socialista é cultivado por amplos segmentos da
população em todo o planeta. A Revolução Russa de 1917, enquanto primeira revolução
socialista mundial, é um tema histórico de abrangência planetária, considerado por Eric
Hobsbawm o evento mais importante do século XX. Portanto, o estudo dessa vivência
humana, que extrapolou as fronteiras da União Soviética, é de fundamental importância
a todos aqueles que pretendem compreender o século passado e buscar perspectivas para
uma vida mais digna no futuro.

Por essas razões estamos propusemos aos alunos um pequeno debate entre os filmes
“Outubro”, de Sergei Eisenstein, produzido em 1927 na URSS em comemoração aos
dez anos da Revolução de 1917, com o filme “Adeus, Lênin”, produzido em 2003, e que
retrata os momentos de crise e desaparecimento do regime soviético. Os filmes foram
281
apresentados aos alunos após uma aula de contextualização histórica do processo
revolucionário russo de 1917, e também da sua crise nos anos oitenta.

Sergei Eisenstein já era um internacionalmente notório diretor e produtor


cinematográfico graças ao seu sucesso com o “Encouraçado Potemkin”. Neste filme,
recorreu a técnicas inovadoras de filmagem e de edição, usando diferentes câmeras,
postadas em ângulos diversos para filmar a mesma cena por pontos de vista diferentes e
repassá-los para o seu espectador, criando assim uma incomparável carga dramática.
Além disso, recorria a atores amadores, populares, que representavam a si próprios em
seus filmes, aumentando assim o realismo das cenas. Além disso, era sabidamente um
entusiasta da revolução. Ou seja, era o camarada ideal para dar conta da produção.

Ao final, o filme não teve o mesmo brilhantismo que os anteriores, e acabou sendo
muito mais um discurso de loas à revolução do que uma grande contribuição ao cinema.
Isso se deve muito mais às interferências do poder soviético sobre o cineasta, que o
fizeram perder o entusiasmo com a produção – lembrando que se iniciava a terrível era
do estalinismo. Cenas inteiras que retratavam Leon Trotsky, desafeto político de Stalin
foram cortadas. Apesar disso, o filme se utilizou de muitas cenas de arquivo, gravadas
no calor dos acontecimentos de outubro de 1917, inclusive discursos de Lenin, tendo,
portanto um grande valor histórico. Mesmo assim, há cenas antológicas, como a dos
relógios, onde uma série de relógios indica a hora de diversas capitais do mundo,
entretanto, na hora da Revolução, os mesmos se põem a girar loucamente até se
sincronizarem com o tempo histórico de Moscou, com a hora universal que se vivia,
indicando que a história conflui para o socialismo.

O final da experiência histórica do socialismo não poderia ter sido mais lacônico – e,
brilhantemente retratado no filme “Good bye, Lenin”, “Adeus, Lenin”.

Sinopse: Em 1989, pouco antes da queda do muro de Berlim, a Sra. Kerner passa mal,
aficcionada pelo socialismo, entra em coma e fica desacordada durante os dias que
marcaram o triunfo do regime capitalista. Quando ela desperta, em meados de 1990, sua
cidade, Berlim Oriental, está sensivelmente modificada. Seu filho Alexander (Daniel
Brühl), temendo que a excitação causada pelas drásticas mudanças possa lhe prejudicar
a saúde, decide esconder-lhe os acontecimentos. O filme tem um tom de comédia leve,
sobretudo quando o filho passa a ter ajuda de um produtor de TV que transmite na TV
da sra. Kerne programas antigos do regime soviético para que ela não conhecesse a
nova realidade. Em resumo, uma paródia das “mentiras” contadas pelo regime para
“enganar” o povo ocultando assim seu insucesso. Mas, ao mesmo tempo, há cenas de
desemprego e de “gangs” de jovens que, sem outro propósito e “serventia” para o novo
sistema que se impunha, o capitalismo, delinquiam e drogavam-se a esmo. O filme
recebeu diversos prêmios internacionais, sendo considerado uma obra indispensável
para se conhecer a filmografia e a história do final do século XX.

Os filmes foram projetados na sequência cronológica dos acontecimentos, após uma


aula introdutória e seguidos de uma aula para debates e impressões. O filem do
Eisenstein causou mais impacto, sobretudo por se tratar de uma estética com a qual não
estão familiarizados. Um misto de estranhamento e surpresa. Muitos, decididamente,
não gostaram: “filme escuro”, “muito parado”, “ gente estranha”, foram algumas das
impressões registradas. No entanto, preferiram o desfecho da desta história...
282
O “Adeus Lênin”, produção atual, foi mais palatável para os alunos. Esteticamente,
estabeleceu um vínculo maior. E, também, pela narrativa menos dramática. Contudo,
lamentaram da falência da experiência do socialismo real devido, sobretudo, à falta de
democracia do sistema.

Foi uma experiência riquíssima, que permitiu aos alunos de Licenciatura em História
não só se apropriarem de conhecimentos específicos de forma mais aprofundada, mas
também de experimentarem estratégias de aulas factíveis para os demais níveis de
ensino.

Referências:

HOBSBAWN, Eric – Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo:
Cia. Das Letras, 1995.

“Outubro”, Sergei Eisenstein, URSS, 1928, 104’.

“Adeus, Lenin”, Wolfgang Becker, Alemanha, 2003, 121’.

283
CINEMA E A SHOAH: ANÁLISES DE NIGHT AND
FOG, THE PAWNBROKE E A MEMÓRIA DO
MASSACRE
César Filipe Alves Barbosa da Silva

Com a ascensão do partido nazista em 1933 a perseguição aos judeus iria piorar
largamente em todo o país. As leis de Nuremberg foram um conjunto de leis baseadas
em princípios raciais que em suma negavam aos Judeus sua participação na comunidade
e estes perderam os direitos garantidos pelo estado a qualquer cidadão. Este conjunto de
Leis entrou em vigor em 1935. Já a “Noite dos Cristais” ficou marcada pela extrema
violência dirigida aos Judeus, e estes foram obrigados a sair da Alemanha, tiveram seus
bens retirados, muitos foram mortes e um considerável número de feridos em maior e
menor grau. Várias sinagogas foram queimadas e também comércios que pertenciam a
Judeus foram depredados neste episódio. O ódio para com os Judeus tinha chegado a
níveis ainda mais alarmantes e infelizmente, algo pior estava por vir (GUTMAN, 2003).

É importante esclarecer que a Shoah, o extermínio em massa de milhões de judeus não


foi orquestrado e colocado em práticas por pessoas loucas, monstros ou demônios, já
que sua crueldade e barbárie remete a isso, mas por homens comuns. Essa discussão é
elucidada por Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém (1963), onde relata o
julgamento do principal homem do regime nazista a fazer a triagem de pessoas para os
campos de concentração. Outra importante obra sobre essa discussão é Ordinary men
(1992) de Browning Christopher, tendo o autor analisando o batalhão de policia 101,
formado por pessoas comuns e as brutalidades que esses cometeram.

Como ferramenta utilizada em sala de aula para abordar incontáveis temas históricos e
por isso muitas vezes usada de forma errada pelos educadores, os filmes podem levar a
caminhos perigosos se não separado em seus aspectos e analisados de forma coerente
por quem o utiliza na sala de aula. Um dos pioneiros na relação cinema/história, Marc
Ferro nos diz: “analisar no filme tanto a narrativa quanto o cenário, a escritura, as
relações do filme com aquilo que não é filme: o autor, a produção, o público, a crítica, o
regime de governo. Só assim se pode chegar à compreensão não apenas da obra, mas
também da realidade que ela representa.” Dito isso, trabalhar com eventos traumáticos
torna essa ferramenta bem mais complicada, já que as memórias desses acontecimentos
podem ainda está viva nas vítimas ou em seus descendentes.

Theodor Adorno nos alerta em Educação após Auschwitz, quinto capitulo de Educação
e Emancipação (1995), que o sistema educacional deve se preocupar devidamente com
Auschwitz para que as atrocidades lá realizadas não venham a se repetir. Vimos e
infelizmente vivemos em um período onde o fascismo está representado através de
figuras influentes e também em indivíduos comuns e cabe a educação lembrar o que foi
Auschwitz através do ensino deste nas escolas. Usar filmes que retratam a vítima e seus
mais variados aspectos e assim ensinar através da memória individual e coletiva dos
sobreviventes é de uma importância impar para o entendimento da Shoah e sua não
284
repetição. Não só apresentar essas películas, mas discuti-las, pois o educador deve fazer
as análises em sala baseado em autores renomados no assunto e esse também deve ter
conhecimento de relatos de sobreviventes para um maior entendimento do ocorrido.
Sem o conhecimento necessário, o educador irar falhar em tratar da memória dos
sobreviventes e repetirá o discurso apresentado pelo filme e suas falhas.

Night and Fog (Alan Resnais, 1956) nos mostra o horror e a crueldade humana e narra
como a sociedade civil foi importante no processo maligno feito nos campos de
concentração. Sem a sociedade civil, Auschwitz nunca teria ocorrido. O processo de
extermínio dos judeus foi tão marcante para o mundo por causa dos setores que
apoiaram e colocaram a solução final e seus modos de operação. Construtoras
disputando quem construiria os campos, empresas bélicas e químicas que testavam
gazes em pessoas, a maldade que fazia o carrasco matar apenas para acabar com o tédio.
Tudo isso só foi possível com o apoio da sociedade e usando o pretexto para ascender
socialmente, militarmente e também lucrar com a morte de milhões e com esses fazer
fortunas, pessoas foram exterminadas na máquina da morte nazista.

O documentário mostra um campo abandonado, sem seus antigos guardas e carrascos,


sem seus deportados que aguardavam por um destino qualquer, pois a morte era certa.
Ferrugens e a vegetação tomaram o lugar que antes era um local de morte, mas agora o
esquecimento habitava os campos. Deixar que Auschwitz fosse esquecido é um crime
contra os que ali morrer em vida e para os outros que morrem em alma. Aquela pequena
“cidade” criada para ceifar vidas, onde mulheres eram exploradas sexualmente, onde
médicos faziam experimentos crieis em pacientes, soldados que atiravam nos
deportados por diversão. As perversidades de Auschwitz se esquecida, podem voltar a
ocorrer. Vimos e infelizmente vivemos em um período onde o fascismo está
representado através de figuras influentes e também em indivíduos comuns e cabe a
educação lembrar o que foi Auschwitz através do ensino deste nas escolas.

Assistir aos 30 min de Night and Fog e dele ver que não há limites para a crueldade. A
impotência de ver aquelas cenas e saber que não podemos fazer nada nos deixa com
raiva, nos faz querer ir hoje a Europa e destruir todos os campos, preservados ou não,
para que o vazio dentro no peito pare. Infelizmente fazer tal ato só iria deixar essa
lacuna dentro de nós mais funda. Auschwitz não deveria ter existido, mas aconteceu e lá
milhões foram mortos. Infelizmente é um fato. Destruir o que resta daqueles muros é
destruir a memória, é destruir o horrendo aprendizado que tiramos desses locais.

Optamos por deixar The Pawnbroke (Sidney Lumet, 1964) por segundo e não por esse
ser mais reflexível que o anterior, mas pela figura de Sol Nazerman (Rod Staiger) e
como esse personagem que anteriormente foi uma vítima do fascismo, vítima de
práticas horrendas onde esse homem perdeu seus filhos e esposa em um campo de
extermínio. A perspectiva da vítima e como essa encarar suas dores, e essas
acompanham o perseguem onde quer que ele vá. Esse personagem representa todas as
vítimas que sofrem e perderam seus entes queridos, que sofrem por terem um pedaço da
alma arrancada de dentro de si para alimentar o prazer sádico de seus.

The Pawnbroke dialoga com a relação da dor, memória e o esquecimento. Para muitos o
passado ficou para traz e não é necessidade de voltar a vê-lo, mas as vítimas do regime
opressor que por anos roubou, torturou, matou e desumanizou os rebaixando a pragas
285
que deveriam ser exterminadas, para essas pessoas o passado jamais irar passar. O
trauma dos campos, de ter vivido no inferno construído por homens não pode ser
apagado com o tempo e é essa visão que nos é passada através da película. Se
posicionar no lugar não só de Sol, mas também dos outros milhões que morrer e dos que
por pouco não tiveram o mesmo destino é fundamental para entender a dor dessas
pessoas. Não vamos poder sentir a dor das vítimas, mas cometer o erro e arquivar esse
passado em gavetas escuras causa ainda mais dor para aqueles que muito já sofreram.

O filme de Sidney Lumet é bem pontual ao mostrar a figura da vítima, a figura dura e
dolorosa do sobrevivente. Sol Nazerman tem suas expressões frias, sua pouca
comunicação com outros personagens nos mostra quanto à dor ainda habita a alma
daquele homem. A solidão do personagem que mesmo cercado em alguns momentos
prefere ficar só, prefere não falar com os outros. The Pawnbroke quer nos deixar
também a nossa responsabilidade de lembrar e não perpetuar doutrinas que no futuro
podem levar outros a novos campos. A questão da memória e de como a sociedade
ignora essa e a dor dos outros é gritante no filme. O ato de se virar contra o homem que
explora mulheres e o dinheiro dessa pratica era lavado ilegalmente por Sol (No decorrer
do filme ele descobre a origem do dinheiro sujo) se torna uma ponte para as suas dores
antigas que ainda estavam bem vividas nele, pois sua mulher foi forçada a ser escrava
sexual dentro do campo e sentir aquela dor o fez ver as dores das mulheres exploradas.
Sol, a vítima infelizmente sentir a dor de ver alguém que ama ser usada, explorada e
morta e por isso se revoltou contra o criminoso, ele sabia como era a dor. The
Pawnbroke nos mostra a dor do passado, a dor de sofrer só, a dor de estar entre tantas
pessoas, mas essas pouco ou nada se importam com seu sofrimento. Se Auschwitz
continuar a ser facilmente esquecida, suas vítimas foram torturadas não só em sua
estadia, mas também fora pelo esquecimento.

Referência bibliográfica

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Trad. Wolgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terro, 1995.

ANDREW, James Dudley. As principais teorias do cinema: Uma introdução/ J.


Dudley Andrew; tradução, Teresa Ottoni – Rio de Janeiro: jorge Zahar Ed. 2002

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287
A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA NO ENSINO
DE HISTÓRIA: A REPRESENTAÇÃO DO
FEMININO NA MPB
Cilésia Lemos

Os estudos sobre música popular brasileira têm aumentado significantemente em


número e qualidade, no entanto suas abordagens sobre a aplicação desta no ensino de
história são ainda escassas. Utilizando-se de referencial teórico sobre estudo da música,
em que possibilita reconhecer que os debates a partir das interpretações e reflexões de
suas letras corroboram com o fato de que a música popular brasileira - desde sua
origem - se configura enquanto um campo privilegiado de discussão dos problemas
sociais do Brasil, no sentido em que a partir de seus versos, rimas e melodias aborda
questões de classe, étnico-raciais e de gênero, assim como se tornam evidentes alguns
períodos críticos da história e da política do nosso país. (MENEZES BASTOS, 2008).

Com o objetivo de acrescentar a estes trabalhos nos propomos a discutir o uso de


análises musicais no processo de ensino e aprendizagem da história. O uso deste objeto
possibilitará o resgate de sujeitos excluídos dos processos socioculturais na sociedade
brasileira, e como as mulheres são representadas no cenário musical popular brasileiro,
principalmente em relação a representação do feminino em canções populares de
cantores como Tom Zé, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, dentre outros
representantes da MPB em que retratam em suas canções o objeto de estudo referido.

É neste sentido de trabalhar novas metodologias e o uso de objetos históricos ainda


pouco utilizados em sala de aula que este trabalho se guiará, pois, discutiremos o uso da
música como fonte e objeto crítico da história e sua aplicabilidade no ensino, o que
viabilizará uma nova proposta de ensino de história, possibilitando a análise além das
fontes escritas ditas cristalizadas e imóveis, permitindo a interpretação de músicas em
que estão contidas o pensamento e visão do compositor da época em que estão
inseridos.

A necessidade de recursos didáticos como facilitadores para a formação do conhecimento


transmitido no sistema escolar, em conjunto às contribuições sociais e históricas que as músicas
brasileiras carregam, representam os objetos que compõem este trabalho, numa proposta de
educação não sexista, e comprometida em possibilitar a formação de cidadãos críticos com
vistas à construção de uma sociedade menos excludente e sem preconceitos, instituindo espaços
mais justos possibilitando a luta equidade de gênero no ambiente escolar.

Partindo do princípio que o campo das relações de gênero existentes na música popular
brasileira passou por profundas transformações, de modo que diversos aspectos da
participação feminina na sociedade foram resinificados, pois em algumas décadas atrás
era impossível de se pensar uma música em que retrate a mulher com um papel “ativo”
ou a perceba independente na sociedade brasileira.

288
Fazer uso da música como objeto histórico, é compreender a presença da mulher nas
letras das músicas de forma distinta, pois em cada letra, mesmo produzidas em
contextos diferentes nos leva a perceber como o imaginário sobre a mulher foi
constituído pelos discursos masculinos através dos anos.

Como alternativa didática, a música se transforma em recurso indispensável na medida


em que são utilizadas para responder perguntas adequadas aos objetivos da história,
utilizada como resgate do registro da visão de época dos cantores, tornando-os passíveis
de ser selecionados e utilizados enquanto recurso didático. Um desses objetivos é o de
promover o desenvolvimento da consciência histórica a partir do processo de
transformação de conhecimentos prévios que o aluno possui, à conceitos científicos.

A música pode contribuir para a discussão sobre a visibilidade/invisibilidade das


mulheres, e também remeter a outros sujeitos excluídos da história, abrindo espaço para
o debate sobre lacunas de análises historiográficas, permitindo a compreensão das novas
questões e temáticas no âmbito da história social e cultural. As relações de gênero
fazem parte do cotidiano e da intimidade; se propostas em sala de aula, pode levar à
percepção de espaços pouco vistos na história e à crítica de abordagens apoiadas nos
acontecimentos políticos e/ou econômicos, percebidos em muitos materiais didáticos.

Carla Bassanezi Pinsk em seu trabalho Estudos de gênero e história social aborda
como a categoria gênero se insere e colabora com a história social, faz também uma
retrospectiva historiográfica a partir de estudos iniciais da categoria gênero. Segundo a
autora o estudo de gênero, “remete à cultura, aponta para a construção social das
diferenças sexuais, diz respeito às classificações sociais de masculino e de feminino”.
(PINSK, 2009)

Justificamos a proposta indicando a importância que o tema feminino possui, a


constante abordagem e existência dele na música, o que nos impulsiona a pensar
historicamente as representações da mulher existentes nas canções, como esta é
apresentada contextos históricos, e como são descritas por discursos enraizados
presentes na sociedade até os dias atuais.

Neste sentido, essa proposta de discussão permite uma possível mudança na


transmissão de conhecimentos históricos apresentados em sala de aula, percebendo que
as metodologias de ensino cada vez mais exigem uma reelaboração dos elementos
didáticos, considerando a relação entre o conteúdo curricular que é transmitido e a
vivência de cada estudante.

Ao trabalhar com música na sala de aula pensa-se na importância de explorar os


significados presentes nas canções, com uma forma de interpretar nossa sociedade a
partir de suas mensagens e ideologias, percebendo a música como um veículo possuidor
de grande propriedade de comunicação e divulgação.

A música como objeto histórico está arraigada de significações que ao serem utilizadas
como material didático pode trazer ao aluno o conhecimento cultural, político e social
sobre a época em que esta foi produzida. Neste mesmo sentido se desenvolve também a
capacidade de interpretação de textos e de leituras aos alunos, que além de estar
presente na proposta dos PCNs, propõe que seja realizado nas aulas de História o
289
desenvolvimento de competências ligadas à leitura, análise, contextualização e
interpretação das diversas fontes.

Sendo assim a contribuição e a validade da utilização da música no ensino e da


importância de professores e pesquisadores do ensino de história e música que faz uso
desse recurso, pois desvenda uma imensa fonte informações e investigação histórica
tornando o ensino de história rico e prazeroso, contribuindo assim de forma de
construção do conhecimento histórico.

[...] a música popular tem ocupado espaço, como instrumento pelo qual se
revela o registro da vida cotidiana, na visão de autores que observam o
contexto social no qual vivem. As representações sociais de autores e
intérpretes serão instrumentos na transformação dos conceitos espontâneos
em conceitos científicos, porque como registros são evidências, restos que o
passado deixou para trás e que facilitam a compreensão histórica pelos
alunos, pela empatia que estabelecem entre eles e aqueles que viveram em
outros contextos históricos. (ABUD, 2005, p. 4)

Ao fazer o uso de canções como fonte histórica, se torna um recurso didático


riquíssimo, pois segundo Kátia Abud, os alunos podem construir seu conhecimento
histórico através do uso de documentos diferenciados, pois a música expressa à
realidade em que o compositor viveu, contribuindo assim para uma aproximação do
passado a partir de documentos não estáticos em que demonstram apenas versões
apresentadas por um lado da história.

Neste sentido de aproximar a aula de história para a realidade dos alunos, que o uso da
música popular tem seu papel de descrever o pensamento de determinada época, e para
desenvolver as aulas em que será utilizada a música é preciso, segundo Abud que;

[...] um trabalho didático, no qual as letras de músicas populares sejam


colocadas como evidências de fatos históricos. Elas são representações, não
se constitui num discurso neutro, mas identificam o modo como, em
diferentes lugares e em diferentes tempos, uma determinada realidade social
é pensada e construída (ABUD,2005, p.312)

Por fim vamos trabalhar com abordagens fundamentais para o trabalho com fontes
musicais, entender a articulação entre a letra e música, abordar este tipo de fonte de um
modo que não deixamos passar o sentido sociocultural, ideológico por tanto histórico,
pois estes segundo Napolitano seria o conjunto dos produtos de uma canção.

As chamadas linguagens alternativas para o ensino de história mobilizam conceitos e


processam símbolos culturais e sociais, mediante os quais apresentam certa imagem do
mundo. (ABUD, 2005, p.2)

A proposta de trabalhar com um objeto histórico dito novo na sala de aula, é a de gerar
interesse e demonstrar que podemos apreender o processo histórico de diversas formas,
e consequentemente aproximar estes conteúdos para a nossa realidade. É fundamental a
compreensão de todos os aspectos abordados, sejam eles sociais, culturais, econômicos,
políticos, pois as ausências destas temáticas no ensino podem legitimar estereótipos
290
mesmo que de forma subjetiva, reproduzindo preconceitos que contribui para a
normatização de desigualdades socialmente construídas, como a desigualdade de
gêneros.

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292
IMAGENS NO ENSINO DE HISTÓRIA: A
UTILIZAÇÃO DA FOTOGRAFIA NO PROCESSO
DE ENSINO APRENDIZAGEM
Clara Zandomenico Malverdes
Maria Alayde Alcantara Salim

Introdução

Este texto é fruto do processo de estudo que conduz nossa pesquisa no Curso de
Mestrado em Ensino na Educação Básica no Centro Universitário Norte do Espírito
Santo, e do interesse de dialogar com a realidade escolar em que atuamos. Buscaremos
refletir e proporcionar contribuições que visem o rompimento de modelos tradicionais,
no qual o ambiente de aprendizagem se restringe ao espaço da sala de aula, ao domínio
quase que exclusivo do livro didático e a um processo educativo marcado pela
centralidade do professor.

Objetivamos promover discussões a respeito das questões sobre o ensino de História


local, educação patrimonial, usos de espaços de memórias na consolidação do
conhecimento e, consequentemente, sobre metodologias de ensino e aprendizagem que
possibilitem a construção da formação dos alunos num tema carente de tanto de material
didático e quanto de bibliografia voltados para os professores das séries iniciais.

Dentro dessa perspectiva e na busca por novas ferramentas de apoio para o processo de
ensino aprendizagem a fotografia apresenta-se como um instrumento significativo nas
aulas de história, por permitir aos professores e alunos recursos diferenciados capazes
de captar por meio dessa imagem informações sobre fatos históricos e para além das
informações, trabalhar a capacidade de analisar criticamente e com sensibilidade os
fatos historicamente construídos, como também suas implicações na sociedade, na vida
cultural, dentre outros aspectos.

Na tentativa de refletir sobre essa realidade, apresentaremos uma proposta metodológica


que promova o desenvolvimento de novas habilidades e estratégias para alfabetização
visual em contextos interculturais através da aplicação do método de ensino intitulado
“Imaginando”, desenvolvido por uma equipe da Universidad Complutense de Madrid,
com coordenação dos professores Juán Miguel Sánchez Vigil, Maria Oliveira Zaldua,
Antonia Salvador Benítez e Frederico Ayala Sorenssen, que consiste na utilização de
imagens produzidas por alunos para representar diversos conceitos trabalhados em sala
de aula, com intuito de produzir um conhecimento individual e compreensão do
conteúdo proposto.

O projeto trás como proposta a participação do aluno como protagonista na construção


do seu próprio conhecimento, colaborando com a aprendizagem do coletivo. Portanto, a
293
intenção é que a partir da produção da imagem por meio da captação do seu olhar
individual através da fotografia, o aluno possa desenvolver habilidades enriquecedoras
na compreensão e assimilação a respeito de determinados conteúdos propostos e por
meio dessa ação seja capaz de analisar criticamente o que foi produzido por ele
individualmente e em colaboração com o conhecimento produzido em grupo. A questão
principal para este trabalho fornecerá indícios que contribuam para responder a
indagações como: É possível utilizar a imagem no processo de ensino e aprendizagem
no ensino básico para quebrarmos o paradigma do analfabetismo visual no ensino de
história?

A pesquisa, portanto, busca contribuir na discussão sobre a utilização da fotografia no


processo de ensino aprendizagem, trazendo o aluno como produtor e investigador do
seu próprio conhecimento histórico. Acreditamos que uma pesquisa a respeito do uso da
fotografia como processo de aprendizagem na consolidação do conhecimento histórico
pode contribuir significativamente para o ensino.

Fundamentação teórica

A utilização de diferentes fontes documentais foi ampliada com o surgimento de uma


nova corrente historiográfica, a Escola dos Annales. Entre as propostas de renovação
defendidas pelos Annales, chama a atenção para este trabalho a ampliação da noção de
fonte histórica, rompendo com a visão positivista calcada em fatos históricos de grandes
acontecimentos dentro de uma cronologia linear.

Marc Bloch (2001), defendia o rompimento dessa construção tradicional do fazer


histórico e exaltava uma historiografia que fosse resultado de toda a atividade humana.
Nessa perspectiva o autor afirma que: “Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que
fabrica o que toca pode e deve informar sobre ele.” (BLOCH, 2001, p.79). Dentro dessa
premissa, cabe ao historiador a responsabilidade na construção dessa história
incorporando neste contexto a ampliação da concepção de documento considerando
suas fragilidades e promovendo análises críticas e necessárias.

O resultado dessa nova prática historiográfica revela diferentes perspectivas no campo


do ensino e no trabalho na sala de aula com as mais variadas fontes escritas, orais,
iconográficas que através do movimento dos Annales, possibilitou a inserção de
atividades modificando o método de trabalho do professor.

Nesse contexto, ensinar história não pode resumir-se a análises descontextualizadas de


figuras de livros didáticos. Devemos levar os alunos a questionar e desconstruir aquilo
que vêem. Nesse sentido, como afirma Circe Bittencourt:

(...) independentemente da origem da imagem, o problema central que se


apresenta para os professores é o tratamento metodológico que esse acervo
iconográfico exige, para que não se limite a ser usado como ilustração para
um tema ou como recurso para seduzir um aluno acostumado com a
profusão de imagens e sons do mundo audiovisual. (2012, p.360)

294
Buscamos dessa forma uma metodologia de ensino e aprendizagem voltada para a
formação do sujeito crítico, levando os alunos a ultrapassarem a condição de meros
sujeitos passivos do conhecimento, para tornarem-se sujeitos construtores no processo
de ensino-aprendizagem. Entretanto, como afirma Bittencourt, historicamente há poucos
registros referentes ao uso de imagens no ensino. Segundo a autora:

Para o ensino de História não existem muitas referências sobre o uso de


imagens, apesar da ampla produção, a partir dos anos 50 e 60, de
psicólogos, sociólogos e especialistas em semiologia ou teorias de
comunicação, os quais tinham como principal preocupação o rádio, o
cinema e a televisão na configuração de uma cultura de massa. Na trilha
desses pesquisadores, historiadores vêm-se dedicando ao estudo da
iconografia, incluindo análise das denominadas “imagens tecnológicas”.
(2012, p.361)

É de suma importância que o trabalho com o uso da iconografia, defendida nessa


pesquisa através do uso da fotografia, faça parte do cotidiano da sala de aula desde as
séries iniciais, mas que essa prática não se restrinja as imagens presentes nos livros
didáticos. O interesse ao se trabalhar a imagem no âmbito deste trabalho é possibilitar
ao aluno ser o produtor da mesma, captando através do seu olhar a imagem/fotografia
dos conceitos e ideias tratados dentro da disciplina de história.

Recorreremos a Boris Kossoy, para refletirmos a respeito de abordagens que tragam a


“fotografia enquanto instrumento de conhecimento, análise e reflexão[...](KOSSOY,
2007, p.25-26), avaliando “seu alcance e potencialidades enquanto instrumento de
pesquisa, análise e interpretação da vida histórica, sua importância enquanto documento
histórico e social, e elemento de fixação da memória[...]” .(KOSSOY, 2007, p.28)

Dessa forma, ao utilizarmos a fotografia como fonte, devemos realizar uma reflexão
antecipadamente, de cunho teórico-metodológico sobre a mesma, pois estão contidas em
sua interpretação, múltiplas abordagens pautadas na construção humana de mensagens
não verbais. Sendo assim, como afirma Mauad (2005):

A fotografia deve ser considerada como produto cultural, fruto do trabalho


social de produção sígnica. Nesse sentido, toda a produção da mensagem
fotográfica está associada aos meios técnicos de produção cultural. Dentro
dessa perspectiva, a fotografia pode, por um lado, contribuir para a
veiculação de novos comportamentos e representações de classe que possui
o controle de tais meios, e por outro, atuar como eficiente meio de controle
social, através da educação do olhar. (MAUAD, 2005, p.144)

Buscamos através dessa “educação do olhar”, produzir olhares de sentidos individuais e


coletivos, na tentativa de desnudar a visão, como salienta Rolland Barthes, no qual a
fotografia seja retirada do seu habitat costumeiro de “técnica”, “Realidade”,
“Reportagem”, “Arte”, etc.: nada dizer, fechar os olhos, deixar o detalhe remontar
sozinho à consciência afetiva (BARTHES, 1984, p.84-85).

295
Metodologia

Abordaremos as questões pertinentes do problema, buscando explorar a revisão de


literatura, realizaremos também uma pesquisa ação com a aplicação de uma oficina,
envolvendo professores e alunos de uma turma de 5º ano, visando o aprimoramento e
conceitos relativos à educação patrimonial (patrimonial cultural, patrimônio materiais
móveis e imóveis, patrimônio imaterial e cultura) e história local(história do bairro,
história da família, história e memória e história cultural). Foi escolhida essa turma, por
considerarmos importante essa etapa de transição da etapa inicial para a etapa final do
Ensino Fundamental, no qual detectamos a existência de uma ruptura de conceitos e
significados a respeito do conhecimento histórico.

Evidentemente não se pode esquecer que a pesquisa-ação é uma pesquisa coletiva,


colaborativa. A reflexão pessoal é importante, mas a verdadeira mudança vem da
autorreflexão coletiva. Por isso, serão blocos de atividades, conforme proposta do
projeto imaginando e as adequações realizadas na proposta, para cada campo de
conceitos. Na primeira etapa irá acontecer uma discussão teórica, embasada em material
didático escolar, para atingir um nível comum de compreensão conceitual em termos
específicos; no segundo momento ocorrerá a produção de imagens inéditas
representativas das ideias e/ou conceitos trabalhados. No terceiro momento haverá a
consolidação de conceitos e ideias mediante discussão das imagens realizadas por todos
(alunos e professor) em sala de aula; na etapa seguinte será elaborada uma ficha
descritiva e texto explicativo sobre cada imagem final, com vistas à documentação,
criando um banco de imagens colaborativas para a continuidade do processo de ensino
nas redes virtuais dos alunos da oficina e de outros alunos e professores da instituição
escolar; depois de concluído se parte para um novo ciclo com a temática e conceitos
propostos na descrição acima e repte-se o mesmo conjunto de atividades.

Após a aplicação da metodologia buscaremos verificar se as finalidades da proposta do


método imaginando foram inseridas no grupo e se foi possível alcançar os objetivos
propostos pela pesquisa.

A mensuração dos resultados da oficina será realizada durante dois momentos. Durante
o processo através de observações diretas e da análise do material produzido. No
segundo momento será realizada entrevistas estruturadas e semi estruturadas com os
alunos e professores sobre as transformações alcançadas com a metodologia, seus
pontos fracos e positivos.

Considerações finais

Acreditamos na necessidade de desenvolver nos alunos capacidades perceptivo-visuais


através de um esforço de alfabetização visual, ou seja, capacitar os alunos a interagirem
com as imagens de forma consciente e poderem extrair e compreender suas mensagens
mais subjetivas.

Neste sentido, reafirma-se a importância de se inserir as imagens no cotidiano da sala de


aula, promover debates sobre suas mensagens, instrumentalizar o aluno à
296
problematização das informações, lançar mão das diferentes linguagens na prática do
ensino de História, formando sujeitos que possam atuar com autonomia na sociedade,
de forma crítica e consciente.

Referências

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Fronteira, 1984.

BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo;


Cortez Editora, 2012.

BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar Editor, 2001.

KOSSOY, Boris. Os Tempos da Fotografia: O Efêmero e o Perpétuo. São Paulo:


Ateliê Editorial, 2007.

MAUAD, Ana Maria. Na mira do olhar: um exercício de análise da fotografia nas


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297
IR AO MUSEU: A POSSIBILIDADE DE SER ATOR
E ESPECTADOR SEM ESPERAR RESPOSTAS
PRONTAS – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA
CONTRIBUIR COM AS REFLEXÕES SOBRE
ENSINO DE HISTÓRIA
Cristina Helou Gomide

Como professora, sempre que vou ao museu com meus alunos e alunas, espero que eles
se lembrem do que lhes disse antes de nossa visita, que se recordem de que todo espaço
é histórico e que toda cidade é um grande museu a céu aberto. Comumente, como
professores e professoras de história, conduzimos nossos alunos com algumas
expectativas, que depois esperamos encontrar nas suas leituras dos espaços visitados.
No entanto, como não somos sujeitos estáticos e nem o museu é um espaço fossializado,
interpretações diversas aparecem e nem sempre o que esperamos é o que escutamos.
Nesse sentido, chamo a atenção, para pensarmos que quando estamos em um museu,
podemos ser “atores e espectadores”, e assim interpretarmos o museu com os olhos e
movimentos com os quais estamos lidando. Ir ao museu, me parece assim, como ir a um
espetáculo. Lembro-me, por exemplo, de ainda muita jovem, ver a Mona Lisa e pensar:
Por que ela é tão pequena? Ora, isso não retira a obra da condição de marco no campo
da história da arte e do movimento humano, mas meu olhar naquele momento me
conduziu a outros questionamentos que não os que formalmente se espera de quem vai a
um museu para ver a Mona Lisa. Quando caminhei de um canto para outro e os olhos
daquele quadro me seguiram, fiquei extasiada, como uma criança que brinca no tempo,
pensando “como Leonardo Da Vince fez isso?” Naquele momento, eu não era a jovem
professora, era “ator e espectador” assistindo ao espetáculo de interpretar aquele quadro.
Se o fizesse no tempo presente, provavelmente teria outras expectativas sobre a tela, e a
leria de forma mais acadêmica.

Ir ao museu pode representar a busca pelo conhecimento. Porém, entendo que não
necessariamente é o conhecimento, mas a possibilidade crítica dele. Ir ao museu e
dialogar com a cultura material exposta é participar de um jogo, uma expedição a um
espetáculo onde somos de mão dupla: ator e espectador. Gadamer (1999) explica que o
jogo não é um estado de ânimo – nem daquele que o cria nem daquele que joga, mas é o
próprio modo de ser da arte. Isso significa que quando você se propõe a jogar,
estabelecem-se regras, que não implica no desaparecimento da ludicidade inerente ao
jogo, mas apenas na sua suspensão.

Nesse sentido, quando estou trabalhando assumo um papel. Quando vou ao cinema,
assumo outro. Somos uma mesma pessoa assumindo vários papéis em vários momentos.
Visitar um museu pode implicar então, em viver um “momento”, um determinado
papel, naquele determinado momento. Esse é o estado que Gadamer denomina diálogo.
A discussão do autor não é sobre a subjetividade do jogo, mas do “modo de ser do jogo
298
como tal”. Assim, o autor aborda a obra de arte como uma forma de experiência que só
se efetiva quando experimentada. A ludicidade fica suspensa, e o jogo aparece como
movimento, vivência, diálogo. Podemos assim refletir sobre os objetos expostos em um
museu, sua disposição, os jogos de luzes, sua intenção. O ato de jogar transfigura aquele
que o vivencia. Portanto, o “sujeito” do jogo não é aquele que está jogando. O que joga
lhe dá apenas representação. É o que podemos experimentar quando vamos a um museu
e visualizamos o que está exposto – interpretamos suas imagens. Se essa interpretação
não acontece, não experimentamos o jogo – ou o museu -, portanto não dialogamos nem
interpretamos o espaço visitado. Assim, se antes da ida a um museu, nosso aluno espera
que o museu esteja repleto de “coisas velhas”, como comumente se imagina estar
carregado o espaço do museu, é o “velho” que ele irá procurar. Provavelmente verá algo
produzido recentemente e ainda assim, poderá remetê-la a um passado distante. Nós,
professores e professoras, encontramos desafios parecidos com frequência.

Esse jogo de interpretação das coisas possui um movimento constante. A visita a uma
cidade chamada histórica (por exemplo), proporciona a vivência de um momento, a
criação de um “novo” olhar para aquele espaço já constituído, mas esse “novo” não é
totalmente “novo”, porque é uma recriação dentro daquele espaço já existente. A
disposição das casas, a proposta turística do lugar, os lazeres, tudo se configura em um
jogo de apresentações. A Cidade de Goiás, antiga capital do Estado de Goiás,
considerada cidade histórica, reconhecida pela UNESCO como tal desde 2001, é um
bom exemplo disso. Logo que a cidade recebeu o título de Patrimônio Histórico e
Cultural Mundial, o local sofreu com um acidente terrível, quando as fortes chuvas do
mês de dezembro provocaram uma enchente, destruindo monumentos e casas
localizados no centro histórico da cidade. À época, trabalhava com uma pesquisa sobre
patrimônio e busquei saber de alguns moradores locais sobre o que mais achavam
necessário reconstruir. Para minha surpresa, ficaram desolados com a destruição da
estátua do bandeirante paulista, símbolo da dominação e escravidão indígena. Por outro
lado, muito se ouvia dizer da necessidade de usar a verba para revitalizar a cidade, no
sentido de criar novas oportunidades de trabalho, pois a cidade, embora tivesse o título
de Patrimônio Mundial, possuía poucas perspectivas econômicas no campo da indústria,
ficando muitas vezes vinculada ao campo do turismo. Mas como construir algo novo em
um local considerado histórico? Esse é um problema. Há uma expectativa sobre a
cidade e o “novo”, mesmo que não destrua o “velho”, pode ameaçar as expectativas
criadas para ela. Assim, como faria o visitante para reconhecer o potencial histórico da
cidade se nela também esperasse ver o novo?

Venho trazendo essas considerações no intuito de lançar reflexões sobre como criamos
expectativas em nossos alunos, e muitas vezes em nós mesmos, quando programamos
trabalhos de campo, atividades de extensão, e os conduzimos a espaços de visitação
com o intuito de produzir conhecimento.

Esta reflexão posta aqui, não pode se reduzir a essas poucas colocações, mas visto que
devemos ser objetivos, penso que esta é apenas uma primeira questão para pensarmos
nas atividades com as quais lidamos fora das salas de aula e com as possibilidades que
temos quanto a sermos atores e espectadores nesse jogo que é interpretar o espaço do
museu.

299
Bibliografia:

ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método – traços fundamentais de uma


hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes, 1999.

MERLEAU-PONTY, Maurice. A Prosa do Mundo. São Paulo: Cosac&Naify, 2002.

WILLIAMS, Raymond. Marxismo y Literatura. Barcelona: ediciones península,


1980.

300
CENAS, PERSONAGENS E SEUS CONTEXTOS NAS
AULAS DE HISTÓRIA: MEMÓRIA, IMAGEM E
FOTOGRAFIA E SUAS RELAÇÕES NO ENSINO
DE HISTÓRIA
Daniel Luciano Gevehr
Vanuza Mittanck

De olho na imagem: texto e contexto da pesquisa

Iniciamos nosso estudo sobre o uso da fotografia enquanto fonte histórica e também
ferramenta pedagógica para o ensino de história com o pensamento proposto por Peter
Burke (2009, p.282) quando afirma que “a câmara nunca mente”. O autor mostra como a
fotografia, em seu contexto de invenção no século XIX, era vista como a reprodução
digna e fiel da realidade e, portanto, dotada da mais pura verdade.

Daquele tempo para cá, o processo de produção da fotografia mudou. Do efeito de pura
realidade, passamos ao exercício crítico “da captura da imagem”. É nessa perspectiva
crítica, de pensar a fotografia enquanto fonte e possibilidade de trabalho voltada para o
ensino de história, que iniciamos a discussão sobre o uso da imagem e do registro
fotográfico.

Nesse estudo, apresentamos os principais resultados de uma experiência pedagógica,


pautada pelo uso da fotografia como instrumento para o ensino de história, no qual
alunos do Ensino Médio valeram-se da produção de registros fotográficos para
representar determinados aspectos do período histórico estudado nas aulas de história.
As cenas produzidas pelos estudantes nessas fotografias procuraram mostrar a riqueza
de detalhes do período. Cenas nas quais questões de relações de poder, status quo de
época, gêneros, papéis sociais e outros elementos aparecem como “retratos” da
sociedade de época e contribuíram, para a compreensão dos fatos estudados nas aulas de
história.

É indispensável situar os estudos sobre fotografia e história no campo da cultura visual.


Essa aproximação entre a história e a fotografia é na opinião de Mauad e Lopes (2012),
resultado das transformações da consciência historiográfica, que permitiu a incorporação
de novas fontes e documentos ao campo da história. De acordo com os autores [...] “a
fotografia pode ser um indício ou documento para se produzir uma história; ou ícone,
texto ou monumento para (re)apresentar o passado” (MAUAD; LOPES, 2012, p.263).

Outro autor fundamental é Peter Burke (2004, p.13), que ensina que as imagens exercem
um papel fundamental na construção dos imaginários sociais, na medida em que
apresentam ao público um determinado ponto de vista, uma determinada realidade.

301
Para Burke “as imagens oferecem virtualmente a única evidência de práticas sociais”.
Além disso, o autor acrescenta que no caso da fotografia, essa tem um duplo sentido,
sendo ela “evidência da história e história” (Ibidem, p.29) ao mesmo tempo.

Concordamos, ainda, com Jean-Claude Abric (1998, p.28) ao afirmar que uma
representação – como a imagem - não é um simples reflexo da realidade, ela é uma
organização significante, ao ter uma relação direta com o contexto físico e social no
qual é produzida. Assim, a imagem, como a fotografia, por exemplo, é resultado de
escolhas e enquadramentos da memória que se quer “guardar” ou registrar.

Para Nora (1993, p.25), a “memória pendura-se em lugares como a história em


acontecimentos”, logo os lugares de memória, além de serem socialmente construídos,
consistem em mecanismos de perpetuação da memória coletiva.

Nesse estudo, buscamos compreender em que medida as imagens contribuem para o


ensino de história e como estas imagens contribuem para uma aprendizagem
significativa e duradoura.

Enquadrando o foco da pesquisa: as fotografias e a perspectiva do ensino de história

As imagens, enquanto representações do passado permitem-nos pensar naquilo que


Pollack (1989) denominou de trabalho especializado de enquadramento. Nessa
perspectiva, a memória é alvo de manipulações e defesa de interesses pessoais e
coletivos. Cabe ao trabalho pedagógico com o ensino de história, interpretar
criticamente essas imagens do passado, percebendo nelas idealizações ou até mesmo
ausências, propositalmente dispostas nesses enquadramentos da memória.

Para Burke (2004, p.175) “imagens têm evidência a oferecer sobre a organização e o
cenário de acontecimentos grandes e pequenos: batalhas; cercos; rendições; tratados de
paz; greves; revoluções; concílios de igreja; assassinatos; coroações; as entradas de
governantes ou embaixadores em cidades; execuções e outras punições públicas e assim
por diante”. Para ele, estas imagens revelam detalhes e particularidades que reportagens
verbais acabam omitindo, permitindo ao espectador distante no espaço e no tempo o
“senso da experiência” (Ibidem, p.189).

Além disso, a imagem enquanto representação do passado, precisa ser interpretada a


partir de sua intencionalidade, ou seja, “aquilo que se queria mostrar”, de fato. Além
disso, Pesavento (2002, p.162), enfatiza a necessidade de considerar as representações
como produzidas social e historicamente, não sendo “anacrônicas, deslocadas ou
necessariamente falsas, pois traduzem formas de sentir, pensar e ver a realidade.” Sobre
isso, Mauad e Lopes (2012, p.279) enfatizam que [...] “podemos conceber experiências
históricas nas quais as fotografias – meios – transformam e criam sentidos sociais sobre
a realidade mediada, de acordo com a prática social do fotógrafo – mediador”. Daí a
necessidade do professor apresentar [...] “as fotografias como práticas sociais e
experiências históricas” (Ibidem, p.279).

302
Cenários e poses na sala de aula: fotografias, fatos e contextos

A proposta curricular para a disciplina de História direcionada aos alunos do terceiro


ano do Ensino Médio propõem a análise e discussão sobre as principais características e
mudanças que ocorrerem no Brasil nos anos de 1950. Destacando aspectos como a
sociedade, arte e cultura dentro deste recorte temporal, buscou-se despertar a
curiosidade e interesse dos alunos sobre este assunto, propondo a eles uma atividade
diferenciada, através do uso de fotografias.

Como afirma Fonseca (2009, p. 173), os professores devem utilizar “diversos meios,
materiais, vozes, indícios que contribuem para a produção do conhecimento e
aprendizagem histórica”. Tornando a aprendizagem mais atrativa, estimulante e
prazerosa.

Como fonte principal de pesquisa, o trabalho de conclusão do curso em Licenciatura em


História, realizado pela própria professora foi disponibilizado para consulta, por abordar
exatamente o assunto proposto.

As fotografias foram entregues e foi possível perceber a riqueza de cada detalhe. A


preocupação com o cenário, vestuário e até os gestos representados por eles. De fato, a
dedicação, as leituras e pesquisas realizadas, pelos alunos foram a base fundamental
para um trabalho significativo e com resultados surpreendentes como este. Auxiliando
tanto para a aprendizagem do conteúdo em si, como a vivência e aproximação do que
aprendem em sala de aula, de maneira significativa e duradoura. Autores como Schmidt
e Cainelli (2009, p. 149) nos aconselham a utilizar e explorar outros ambientes para o
ensino de História, “ultrapassar os muros da escola significaria dar um passo em direção
à realidade, tornando significativo aquilo que se aprende, ao se conseguir relacionar os
conteúdos ensinados ao cotidiano vivido”. Foi seguindo este conselho que se realizou
esta atividade, proporcionando aos alunos a possibilidade de vivenciar, o que se aprende
em sala de aula.

Considerações finais

A pesquisa mostra as potencialidades que a fotografia apresenta no contexto do ensino


de história, na medida em que permite aos estudantes melhor compreender as diversas
questões do cotidiano que marcaram os diferentes capítulos da história – em diferentes
escalas, como a mundial, nacional e regional. Através da fotografia pode-se visualizar
as imagens de uma época, percebendo-se suas peculiaridades e singularidades, que por
sua vez, explicitam aspectos muitas vezes negligenciados pelos livros didáticos mais
“tradicionais”, que muitas vezes enfatizam uma história econômica e política,
desconsiderando, ou colocando quase que como “anexo” as questões culturais.

Através da fotografia, percorremos parte das experiências do fazer pedagógico que


permeia o ensino de história, fazendo-nos refletir sobre os reais desafios para o ensino
de história, contextualizado nas novas demandas sociais e nas novas inquietações dos
estudantes, que não respondem mais passivamente diante das aulas simplesmente
expositivas e pautadas pela lista de conteúdos programáticos, que devem ser seguidos à
303
risca pelo professor. Afinal, dessa forma, estaríamos desconsiderando todo um universo
de possibilidades e de proposição de espaço de crítica, no qual a fotografia aparece
como uma possibilidade inovadora e investigativa para a construção do conhecimento
histórico.

Referências

ABRIC, Jean-Claude. A abordagem estrutural das representações sociais. In:


MOREIRA, Antônia S. P. e OLIVEIRA, Denise C. de. Estudos interdisciplinares de
representação social. Goiânia: AB Editora, 1998. p.27-38.

BURKE, Pater. O historiador como colunista. Ensaios para a Folha. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2009.

________. Testemunha ocular. História e imagem. Bauru: EDUSC, 2004.

FONSECA. Selva Guimarães. Fazer e ensinar História. Belo Horizonte: Dimensão,


2009.

MAUAD, Ana Maria; LOPES, Marcos F. de Brum. História e Fotografia. In:


CARDOSO, Ciro F.; VAINFAS, Ronaldo (orgs). Novos Domínios da História. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2012. p.263-282.

MONTEIRO, Charles. Porto Alegre e suas escritas. Histórias e memórias (1940 e


1972). São Paulo: 2001. 460p. Tese (Doutorado em História). PUCSP.

NORA, Pierre Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto história.
São Paulo, n. 10, dez. 1993. [Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em
História e do Departamento de História PUCSP].p.07-28.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade. Visões literárias do urbano.


Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2002.

POLLACK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de


Janeiro, v. 2. n. 3, 1989. p.03-15.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo:


Scipione, 2009.

304
HISTÓRIA E CINEMA: A UTILIZAÇÃO DE
RECURSOS CINEMATOGRÁFICOS NAS AULAS
DE HISTÓRIA
Débora Dorneles Uchaski
Ismael Paiva da Silva

Quando relacionamos a História e a educação, temos que compreender que o objetivo


desta disciplina escolar é estudar as problemáticas contemporâneas relacionando com as
diversas temporalidades, fornecendo estrutura para a reflexão e a tomada de uma
consciência crítica, para que o indivíduo diante das situações sociais possa ter
autonomia de pensamento e se sinta sujeito desse processo histórico. (BRASIL, 2008,
p.20)

Cabe às ciências humanas a responsabilidade de formar uma cultura educacional que


acompanhe o ritmo acelerado de transformações da sociedade em que vivemos. De
acordo com Parâmetros Curriculares Nacionais:

O papel das disciplinas que compõem a área de Ciências Humanas, para


esse nível de ensino e o momento histórico que se está vivendo, deve ser
entendido em sua dimensão mais ampla, envolvendo a formação de uma
cultura educacional. Vive-se hoje em uma sociedade marcada pelo domínio
do mito do consumo e pelas tecnologias, com ritmos de transformações
aparentemente muito acelerados e informações provenientes de vários
espaços, embora predominando os meios audiovisuais, e ainda pela
fragmentação do conhecimento sobre os indivíduos e a vida social.
(BRASIL, 2008, p.20)

A pesquisa histórica vem se empenhando em combinar a micro e a macro-história,


buscando detalhes dos acontecimentos e as generalizações necessárias para a
compreensão do processo histórico. Ou seja, utilizando da História do Estado
(documentações oficiais) e também da história da vida cotidiana (história oral e outros
recursos).

A pesquisa histórica esforça-se atualmente por situar as articulações entre a


micro e a macro-história, buscando nas singularidades dos acontecimentos
as generalizações necessárias para a compreensão do processo histórico. Na
articulação do singular e do geral recuperam-se formas diversas de registros
e ações humanas tanto nos espaços considerados tradicionalmente os de
poder, como o do Estado e das instituições oficiais, quanto nos espaços
privados das fábricas e oficinas, das casas e das ruas, das festas e das
sublevações, das guerras entre as nações e dos conflitos diários para
sobrevivência, das mentalidades em suas permanências de valores e crenças
e das transformações advindas com a modernidade da vida urbana em seu
305
aparato tecnológico. (BRASIL, 2008, p.21)

Portanto, passa-se a valorizar outras fontes documentais, além do documento escrito,


como a história oral, análise iconográfica e recursos cinematográficos, entre outros. O
documento perde o seu caráter de verdade absoluta, devido a sua subjetividade e por ter
sido produzido por um indivíduo que viveu em uma sociedade da época em que o
documento é criado, onde há ideologias, formas de pensamento variadas, etc.
Atualmente, através de diversas metodologias podemos analisar o documento como
parte da construção de uma época e de suas articulações. Direcionando-nos, mais para a
identificação do indivíduo e que tipo de sociedade estava inserido.

Metodologias diversas foram sendo introduzidas, redefinindo o papel da


documentação. À objetividade do documento – aquele que fala por si
mesmo – se contrapôs sua subjetividade – produto construído e pertencente
a uma determinada história. Os documentos deixaram de ser considerados
apenas o alicerce da construção histórica, sendo eles mesmos entendidos
como parte dessa construção em todos seus momentos e articulações.
Passou a existir a preocupação em localizar o lugar de onde falam os autores
dos documentos, seus interesses, estratégias, intenções e técnicas. (BRASIL,
2008, p.22)

História e Cinema: utilizando recursos cinematográficos em sala de aula

Atualmente quando nós educadores da História queremos alcançar esses objetivos


propostos e nos deparamos com a sala de aula, percebemos que o método tradicional
tem sido insuficiente para que o discente consiga alcançar o processo de ensino-
aprendizagem e de formação identitária. Por isso é necessário a utilização de novos
recursos tecnológicos para acompanhar o ritmo acelerado da sociedade em que estamos
inseridos.

Vivemos em uma sociedade audiovisual, estamos a todos os momentos voltados para


uma tela, seja de um smartphone, computador ou televisão. Da mesma forma que a
sociedade muda, as instituições também devem se adaptar. Não é raro observar em uma
sala de aula, um aluno voltado para o celular enquanto o professor disputa sua atenção
utilizando o livro didático. De acordo com Maffesoli (2004) vivemos em um “mundo
imaginal”, um mundo perpassado pela imagem, pelo simbólico, em que a imagem se
tornou o principal elemento do vinculo social. Assim sendo, o professor, sujeito
integrante desta realidade, deve compreender o papel fundamental que as mídias
audiovisuais exercem na vida das pessoas, logo, dos educandos e deve pensar maneiras
de melhor aproveitá-las em sala de aula. Um recurso riquíssimo, podendo ser utilizado
em sala de aula, porém com alguns cuidados, é o cinema.

A desordem cultural persistirá enquanto a escola pretender educar as


crianças com instrumentos e sistemas que tiveram validade há 50 anos (…).
Subsistirão as lições, os braços cruzados, as memorizações, enquanto fora
da escola haverá uma avalanche de imagens e de cinema. (BENCINI, 2005,
p.03 apud FREINET)
306
A exibição de filmes em sala de aula pode ser um momento de crítica e aprofundamento
do tema, para isso é necessário a intervenção do professor para a escolha do filme,
analisar se será necessário passar o filme inteiro ou apenas alguns trechos, a elaboração
de roteiros, de textos-base sobre o conteúdo à ser trabalhado no filme, o cuidado com
cenas desapropriadas para a faixa etária, a ênfase em pontos importantes da película, a
explicação para os educandos sobre a utilização do recurso cinematográfico em aula,
etc.

Para isso é necessário que partimos do argumento de que todo filme é um documento.
Marc Ferro ainda nos diz que há uma duplicidade da narrativa cinematográfica,
existindo duas vias de leitura e análise do cinema para o historiador: a leitura histórica
do filme (corresponde à leitura do filme relacionada ao período em que foi produzido) e
a leitura cinematográfica da história (corresponde à leitura de filme históricos no
período da narrativa).

Em relação a leitura histórica do filme, podemos partir da premissa que o cinema é um


testemunho da sociedade que o produziu, aderindo um caráter de fonte documental para
a História. Para utilização de tais recursos é necessário cautela e cuidados especiais.
Primeiro, porque a análise não será de uma forma direta, o historiador deverá se
distanciar da visão mecânica para poder enxergar através das entrelinhas do filme, é
necessário também que o historiador se volte para a análise da estética do filme e a
linguagem cinematográfica que está ligada a sociedade que a produziu. Ou seja, buscar
os elementos da realidade através da ficção.

A análise de um filme possui infinitas possibilidades, algumas películas, por exemplo,


podem ser muito importantes para reconstrução dos gestos, dos vestuários, do
vocabulário, da arquitetura e dos costumes da época. Marc Ferro segundo sua teoria do
vísivel e o não-vísivel nos diz:

O filme, aqui, não é considerado do ponto de vista semiológico. Não se trata


também de estética ou história do cinema. O filme é abordado não como
uma obra de arte, porém como um produto, uma imagem-objeto, cujas
significações não são somente cinematográficas. Ele vale por aquilo que
testemunha. Também a análise não trata necessariamente da obra em sua
totalidade; pode apoiar-se em resumos, pesquisar “séries”, compor
conjuntos. A crítica não se limita somente ao filme, integra-o no mundo que
o rodeia e com o qual se comunica necessariamente. (…). Nessas condições,
empreender a análise de filmes, de fragmentos de filme, de planos, de temas,
levando em conta, segundo a necessidade, o saber e o modo de abordagem
das diferentes ciências humanas, não poderia bastar. É necessário aplicar
esses métodos a cada substância do filme (imagens, imagens sonoras,
imagens sonorizadas), às relações entre os componentes dessas substâncias;
analisar no filme principalmente a narrativa, o cenário, o texto, as relações
do filme com o que não é o filme; o autor, a produção o público, a crítica, o
regime. Pode-se assim esperar compreender não somente a obra como
também a realidade que representa. (FERRO, 1989, p.203)

Portanto, os filmes são como documentos ou como toda produção humana, históricos, e
contenedores de elementos que lhe são inseridos de maneira consciente ou não. Mas que
307
retratam uma ideologia estando ligada a sociedade que o produziu. Por isto, Marc Ferro
defende que devemos fazer uma análise do filme em si, mas também ligarmos a quem
os produziu, que tipo de sociedade estão inseridos.

Conclusão

Concluímos, portanto, que a utilização do recurso cinematográfico em aulas de História,


pode ser uma grande experiência tanto para o educador quanto para os educandos.
Proporcionando uma aula diferente, com recursos lúdicos, permitindo que o aluno tenha
uma outra concepção sobre o estudo da história. Porém, para que seja uma experiência
positiva é necessário que o professor realize um planejamento e se prepare em nível
teórico e técnico. Conhecimentos básicos sobre a relação cinema-história, sobre as
teorias da comunicação e da educação, a linguagem cinematográfica e das técnicas de
cinema e vídeo. O professor não deve inibir-se de tentar, mesmo não possuindo todos os
requisitos, muito das experiências se dá através da prática.

Referências

BENCINI, Roberta. O filme na aula de História. Revista Escola, 2005.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Ensino Médio. Brasília:


MEC/SEF, 1998.

FERRO, Marc. O filme: uma contra análise da sociedade? LE GOFF, Jacques; NORA,
Pierre. História: Novos Objetos. RJ. F. Alves, 1989

MORRETIN, Eduardo. O cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro.


CAPELATO, Maria Helena… [et al.]. História e Cinema: dimensões históricas do
audiovisual. SP. Alameda, 2011

FERRO, Marc. Cinema e história; tradução Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1992.

MAFFESOLI, M. Notas sobre a pós-modernidade: o lugar faz o elo. Rio de Janeiro:


Atlântica, 2004.

MOCELIN, Renato. O cinema e o ensino da história. Curitiba: Nova Didática, 2002.

NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história. Disponível em:


http://www.pearltrees.com/wlippold/pratica-ensino-vi/id12162098/item182267384
Acessado em: 11 de novembro de 2016.

308
ENSINO DE HISTÓRIA E PRODUÇÃO
CINEMATOGRÁFICA: UMA EXPERIÊNCIA
DIDÁTICA USANDO CELULARES
Deibson Joaquim dos Santos

Introdução

A utilização das novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs) nos


ambientes escolares tem motivado muitas querelas entre os educadores (as) nas semanas
de planejamento pedagógico. As discussões versam sobre os métodos para a utilização
das ferramentas tecnológicas nas salas de aula, como também, a permissividade no
ambiente escolar.

Sabemos que tais ferramentas estão ocupando cada vez mais espaços nos ambientes
educativos, na condição que futuramente a maior parte das atividades realizadas
dependerá da utilização das NTICs. Por isso, se torna emergencial a reinvenção das
práticas pedagógicas inserindo as NTICs no âmbito das ações que estimulam os
processos de ensino/aprendizagem e a construção do saber histórico.

Para isso, a experimentação dessas ferramentas nas aulas de história, como também, a
divulgação das experiências exitosas são fundamentais neste processo. Uma vez que “ao
incorporarmos diferentes linguagens no processo de ensino de História, reconhecemos
não só a estreita ligação entre os saberes escolares, as culturas escolares e o universo
cultural mais amplo, mas também a necessidade de (re)construirmos nossas concepções
pedagógicas” (GUIMARÃES, 2012, p. 259).

Em 2015 apresentamos o projeto “‘Curtas’ história de Direitos humanos e Cidadania”


ao Programa Mestre da Educação, da Secretaria de Estado da Educação da Paraíba –
SEE/PB: cujo objetivo foi à produção de filmes “curta metragens” com temáticas em
direitos humanos.

O projeto foi executado na Escola Estadual de Ensino Fundamental Gustavo Fernandes


de Lima Sobrinho, Bairro do Areal, Mamanguape, Paraíba. Na execução do projeto
optamos pela utilização dos celulares como ferramenta didática e a produção
cinematográfica na condição de estratégia para o ensino de história.

Com o projeto pretendíamos estimular o respeito à diversidade cultural e sensibilizar os


educandos a perceberem em seu dia a dia as situações de violação aos direitos humanos.
Além disso, cumprirmos umas das principais funções do ensino de História:
“desenvolver nos indivíduos uma criticidade voltada aos problemas sócio-econômicos
nacionais, destinada à intervenção e à transformação da realidade brasileira” (SILVA;
ALEIXO; ARAÚJO, pag. 05).

309
O uso dos celulares para o ensino de história

Dentre os vários aplicativos e aparelhos oriundos nas NTICs, o celular é motivador de


muitas polêmicas, argumenta-se que seu uso na escola dificulta a aprendizagem, pois
alguns aplicativos instalados nos aparelhos celulares retiram à atenção das atividades
educativas.

Assim, a utilização do celular e outros aparelhos eletrônicos não são permitidos em


algumas escolas, inclusive, estimulando a criação de leis estaduais ou municipais: a Lei
18.118/2014 do Paraná, por exemplo, “Dispõe sobre a proibição do uso de
aparelhos/equipamentos eletrônicos em salas de aula para fins não pedagógicos no
Estado do Paraná”. Todavia, “é inegável que o uso dos aparelhos celulares hoje é um
recurso riquíssimo de informação e mídia que, se bem utilizados no contexto escolar,
tornam-se um grande aliado para desenvolver práticas educativas mais atualizadas”
(VIVIAN; DEPRÁ, 2012. p. 04).

No caso da produção cinematográfica, há de se dizer que “o cinema detém um enorme


poder de produção, de difusão dos valores, ideias, padrões de comportamento e
consumo, modos de leitura e compreensão do mundo” (GUIMARÃES, 2012, p. 260).
Dessa forma, a produção cinematográfica foi à ferramenta para estimular a
pesquisa/aprendizagem em história, como também, mecanismo na aquisição do saber
histórico.

A execução do projeto “‘Curtas’ História de Direitos Humanos e Cidadania” aconteceu


entre os meses de julho e outubro de 2015 cumprindo algumas etapas: divisão dos temas
por turmas; aulas sobre história do cinema; pesquisa e elaboração de roteiros
cinematográficos; filmagens e edição de vídeos; mostra cinematográfica.

No conjunto das temáticas sobre direitos humanos separamos quatro temas, pois são as
principais violações aos direitos humanos observadas na escola e no Bairro do Areal:
Bullying, violência contra a mulher, racismo e tortura (a tortura policial ainda é muito
comum na região). Dessa forma, dividimos as turmas por temática: para o sexto ano,
bullying; sétimo ano, violência contra a mulher; oitavo ano, racismo; nono ano, tortura.

Nas aulas sobre História do cinema dialogamos sobre o papel do cinema na


representação do passado, desconstruindo a concepção que penetra o imaginário dos
jovens, que os fatos históricos retratados no cinema são “fatos verdades”, portanto,
incontestáveis. Assim, buscamos sensibilizar os jovens quanto à importância dos filmes
para a compreensão do passado: Há de se dizer que “a produção fílmica é um recurso
para produzir leituras sobre o passado e para construção do saber histórico, desde que se
observe que a mesma está sujeita as interferências culturais de uma dada época”
(SOUZA; SOARES, 2013, p.03). Além disso, discutimos sobre a origem do cinema e
seu papel cultural ao longo da história, inclusive, sobre a utilização com fins ideológicos
durante os regimes autoritários.

A construção dos roteiros foi fundamental para a aprendizagem em história, uma vez
que permitiu aos jovens investigarem as temáticas que resultaria nos curta metragens,
possibilitando que eles estabelecessem relações criticas com o ambiente no qual estão
inseridos.
310
Na elaboração dos roteiros os estudantes foram auxiliados (as) pelas professoras das
Disciplinas de Português e Artes, estimulando a interdisciplinaridade.

No desenvolvimento dos roteiros os celulares foram utilizados como ferramenta de


pesquisa e comunicação, uma vez que criamos grupos nas redes sociais que facilitou a
coordenação das atividades e as pesquisas para a construção dos roteiros.

Os roteiros reproduziram cenas do cotidiano dos jovens que interagiram na


rememoração do passado. Por exemplo, o sexto ano, com simplicidade e emoção,
representou atos violentos em escolas, causados por vitimas de bullying; o sétimo ano
demonstrou as condições históricas que motivaram a Lei do Feminicídio; o oitavo ano
representou um julgamento de racismo, nos discursos relembraram Zumbi dos Palmares
e Martin Luther king; o nono ano inspirou-se na tortura aos presos políticos durante o
regime militar e a violência policial para elaborar o roteiro do filme.

Os celulares foram às principais ferramentas para as filmagens e edição dos filmes,


porque os aplicativos instalados nos aparelhos facilitaram a criação de efeitos comuns às
produções cinematográficas e ajudaram no recorte das cenas. Para isso, foi necessário à
utilização de aplicativos como Vídeo Editor Andromedia. Além disso, as encenações
para a realização dos filmes contou com a participação da professora da Disciplina de
Artes, oferecendo os recursos teóricos necessário à linguagem corporal prevista nos
filmes, unindo o lúdico aos processos de ensino/aprendizagem.

A culminância do projeto aconteceu com uma mostra cinematográfica aberta à


comunidade, que assistiu aos curtas produzidos pelos estudantes na escola. O evento
facilitou na divulgação de políticas publicas voltada a promoção dos direitos humanos,
já que os vídeos divulgaram as redes de proteção, assim como, de denúncias das
violações aos direitos humanos.

As atividades do projeto permitiram aos jovens relacionarem questões atuais com o


passado, fortalecendo o processo cognitivo de pensar historicamente, como também, a
promoção do sentido histórico – elemento tão importante para construção da
consciência histórica (CERRI, 2011).

Conclusão

Apesar das polêmicas que envolvem a utilização de NTICs no ambiente escolar, o uso
dessas ferramentas pode favorecer as práticas pedagógicas e a aquisição do
conhecimento histórico: como demonstramos nas ações do projeto “‘Curtas’ História de
Direitos Humanos e Cidadania”, onde a utilização didática do celular foi primordial na
divulgação das políticas de direitos humanos, através de filmes curtas metragens
produzido pelos estudantes. Da mesma forma que a produção cinematográfica foi
estratégica para o ensino de História, durante a execução do projeto.

Dessa forma, é preciso que esses aparelhos/aplicativos sejam introduzidos, de fato, na


cultura escolar, desde que, na condição de ferramentas didáticas a serviço das práticas

311
pedagógicas. Pois assim, contribuirão na construção dos processos de
ensino/aprendizagem, do saber histórico e na efetivação das consciências históricas.

Referências

CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência históricas: Implicações


didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro: FGV, 2011.

GUIMARÃES, Selva. Didática e Prática de Ensino de História: Experiências


reflexões e aprendizagens. 13ª ed. Campinas: Papirus, 2012.

PARANÁ. Lei 18.118, de 25 de junho de 2014.

SILVA, Wagner Tavares da; ALEIXO, Ramon Alcântara; ARAÚJO, Patrícia Cristina
de Aragão. Aspectos da construção da cidadania no ensino de história: um olhar sobre o
ensino médio. In. XIII Encontro Estadual de História. ANPUH-PB, Guarabira, 2008.

SOUZA, Polyana Jessica do Carmo de; SOARES, Valter Guimarães. Cinema e ensino
de História. In: XXVII Simpósio Nacional de História. Natal, 2013.

VIVIAN, Caroline Deprá; PAULY, Evaldo Luis. O uso do celular como recurso
pedagógico na construção de um documentário intitulado: fala sério! Pelotas: Revista
Digital da CVA, 2012.

312
DEVEMOS ENSINAR AS CRIANÇAS E
ADOLESCENTES SOBRE OS HIPERTEXTOS DA
INTERNET NA AULA DE HISTÓRIA?
Éder Dias do Nascimento

Anita Lucchesi em seu artigo intitulado “História no Ciberespaço: Viagens sem Mapas,
sem Referências e sem Paradeiros no Território Incógnito da Web”, oferece um ponto de
partida interessante para essa comunicação quando enfatiza a “ausência de critérios que
agrupem ou classifiquem de maneira inteligível a enorme e plural oferta de recursos
disponibilizados” (2012, p.02). Lembra-nos sobre a condição distinta em que a internet,
com seus infinitos usos, dinamizou várias áreas da vida humana, alterando a forma de
senti-la e vivê-la. Em decorrência dessa conjuntura, a História passou a não escapar dos
processos dinâmicos de transmissão e recepção de conhecimento no mundo virtual,
tendo que refletir sobre questões relacionadas à maneira como o público não
especializado, interage com a mesma nos dinâmicos suportes tecnológicos.

Partindo desse quadro e antes de responder ao questionamento anunciado no título desse


trabalho, é importante refletir sobre o hipertexto. Segundo Pierre Levy, na web é
disponibilizado diariamente enorme quantidade de escritos, imagens, sons, documentos,
gráficos etc. Tais artefatos formam de maneira não linearizada um enorme conjunto de
rastros digitais conectados, traduzidos em um verdadeiro emaranhado de informações,
cruzando-se constantemente e originando o chamado hipertexto (1993, p. 33). Esse tipo
de texto pode ser lido, modificado ou compartilhado de acordo com os parâmetros
colocados por seus leitores e as ferramentas utilizadas.

Sendo uma síntese de mudanças históricas, sociais e técnicas, principalmente no ramo


das comunicações e sua existência, não é atribuível somente às descobertas tecnológicas
das últimas décadas. Isso porque a necessidade de comunicar-se sempre foi uma questão
para a qual o ser humano encontrou diversas respostas ao longo da história. E na
transição dos ritos de cultivo da memória predominantemente pela oralidade, até a
aquisição de formas escritas de seu registro, os seres humanos saíram de um sistema que
necessitava da interação entre um sujeito transmissor e um receptor, para um sistema no
qual a presença do autor de uma narrativa escrita não era necessária para entendê-la
(DIAS, 1999, p.269). De mudanças relacionadas às formas de interação com as
informações no decorrer de séculos, as práticas de interpretar e transmitir as mesmas,
ganharam roupagens distintas, constituindo a hipertextualidade enquanto resultante de
uma infinidade de experiências históricas acumuladas.

Dados esses contornos, como uma das resultantes dessas transformações, a prensa de
Johannes Gutenberg no século XV, deu condições para o aumento da produção de
livros. Seguindo esse percurso, as transformações no campo comunicacional foram
contínuas e no século XX, várias inovações surgiram, entre elas: o cinema falado, a
televisão e o rádio. Porém, todas essas novidades não permitiam a alteração dos
conteúdos transmitidos.
313
Tal conjuntura sofreria um grande abalo nos anos 90, nos quais respingava a discussão
em curso das décadas anteriores, sobre a implantação de sistemas hipertextuais,
dinamizadores de acesso às informações. Esse quadro em muito refletia a empolgação
de uma época marcada pela disseminação da internet, agora não mais restrita somente
ao uso das universidades e pela criação da linguagem HTML e o protocolo de
comunicação HTTP. Avanços responsáveis por dar suporte a escrita e a disseminação de
hipertextos no ciberespaço (DIAS, 1999, p.274). Por consequência, a rede mundial de
computadores foi ganhando mais fios com o aumento de pessoas conectadas e os novos
recursos comunicacionais colocados em cena.

Deste gradativo aumento de indivíduos conectados, que perdura até a atualidade, formas
peculiares de acessar, compreender e divulgar as informações produzem tramas de
sentido que tem como um dos seus recursos, o uso de artefatos hipertextuais. Por
exemplo, um adolescente que está lendo uma reportagem sobre a ditadura militar no
Brasil na tela do seu celular, pode contar com a opção de acessar os diversos links
disponibilizados, com os quais pode ver vários vídeos, entrar em outras páginas,
analisar memes e talvez saia admirando os militares por seu papel como guardiões de
nossa frágil democracia. Ou pelo contrário, construa um entendimento divergente em
relação a essa perspectiva e entenda a intervenção militar como um dos atos mais
antidemocráticos da história brasileira. De toda forma, a liberdade de tecer relações e
criar sentidos com o hipertexto pode gerar narrativas bastante indigestas para muitos
indivíduos, se esperam ver suas idéias recebidas com objetividade na internet.

Mesmo com esses argumentos, seria exagerado afirmar que ninguém mais se entende no
ciberespaço devido à hipertextualidade virtual, pois a formação de grupos e
comunidades pautados em interesses comuns testifica o contrário dessa ideia. Todavia, a
perspectiva de que a opinião nos dias de hoje é lapidada pelo rápido acesso as
informações e a falta de tempo para maturação das mesmas abre questionamentos sobre
a utilização nada reflexiva dos recursos da internet. Processo bem relacionado ao uso
em massa de tecnologias, nas quais a execução de comandos repetitivos na tela de
computadores, celulares, smartphones etc. não implicam que os seus utilizadores se
tornem cidadãos “mais críticos e autocríticos” (DEMO, 2008, p. 07), em relação às
informações recebidas ou transmitidas por meio desses dispositivos.

Nesse esquadro, a má qualidade de alguns debates entre os usuários do facebook e os


demais espaços da internet, sobre temas relacionados à política e economia do nosso
país, entre outros, demonstram muito bem essa condição antropológica de muitas
sociedades atuais. A possibilidade de deslocamentos sem a necessidade de longas
viagens a arquivos históricos e museus, o cruzamento de informações da rede e o acesso
às fontes históricas digitalizadas trouxeram mudanças ao perfil do trabalho do
historiador e muito mais na forma como o público não especializado tem se relacionado
com a história (LUCHESI, 2012, p.29). Sugestivamente, um exemplo pode ajudar a
pensar melhor esse ponto específico.

314
Figura 1. Postagem sem menção de autoria (Facebook-2016).

A imagem acima foi extraída da rede social já citada, consideremos perdoável


confundir Lenin com Karl Marx, num eventual embaraço de memória visual de alguém.
De outro ponto de vista, sugerir que ele governou a China, não tem nenhuma coerência
histórica. Curiosamente, trata-se de uma informação dentre muitas, demonstrando usos
pouco elaborados da história. O que se pretende frisar desse caso é que muitos
internautas tratam o saber histórico e o senso comum como medidas equivalentes, não
recorrendo a nenhum tipo de evidência ou interpretação científica para construir suas
afirmações. Algo observável na sugestão fantasiosa da postagem mostrada, de que Marx
matou 11 bilhões de pessoas dentro do regime comunista.

De fato, a grande quantidade de material lançado diariamente na internet, sem menção


a sua autoria ou as fontes consultadas é um entrave para alavancar usos mais
consistentes do conhecimento, principalmente sobre temas históricos. E sobre essa
questão, bem lembra Denis Rolland: “o escrito “virtual”, raramente assinado, oferece,
amiúde, para os consumidores, sem que o internauta o saiba, uma história sem
historiador” (2001, p.02). Tomando como base esse argumento e o desenho brevemente
realizado até aqui, pode-se dar a seguinte resposta à questão utilizada como título desse
texto.

315
Sim, é fundamental ensinar crianças e adolescentes sobre o hipertexto na aula de
história. Pois a finalidade do aprendizado sobre ele (desde os primeiros hipertextos até
os dias atuais) tem o objetivo de fazer esses sujeitos entenderem a historicidade das
práticas comunicacionais do ser humano. Contexto no qual também podem ser
extraídos elementos para compreender a relação entre os suportes de transferência das
informações e outros aspectos da nossa sociedade contemporânea. Horizonte propício
igualmente para produção de práticas escolares que considerem o relacionamento entre
as evidências históricas e os critérios de “verdade” empregados para construir diversos
discursos na web, como caminho mais facilitado para compreensão da dinâmica de
circulação das informações nesse espaço. Entretanto, não se trata de inserir mais um
conteúdo no currículo, mas pontuar uma perspectiva de trabalho relevante para o ensino
de história, tendo em vista as problemáticas emergentes no século XXI.

Referências

COSTA, Marcella Albaine. Currículo, história e tecnologia: que articulação na


formação inicial de professores? Dissertação de Mestrado, UFRJ, 2015, p. 145.
Disponível em: <
http://www.educacao.ufrj.br/ppge/dissertacoes2015/dmarcellaalbaine.pdf>. Acesso em:
05/12/2016.

DIAS, Claudia Augusto. Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais. Ci. Inf.,
Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999

DEMO, Pedro. Habilidades do Século XXI. B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de
Janeiro, v. 34, n.2, maio/ago. 2008.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento na era da


informática. Trad. Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: 34, 1993. (Coleção TRANS)

LUCHESI. Anita. Histórias no Ciberespaço: Viagens sem Mapas, sem Referências e


sem Paradeiros no Território Incógnito da Web. Cadernos do Tempo Presente – ISSN:
2179-2143 Edição n. 06 – 06 de janeiro de 2012.

ROLLAND, Denis. Internet e história do tempo presente: estratégias de memória e


mitologias políticas 2001. Disponível em: <
http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg16-4.pdf.>. Acesso em: 05/12/2016.

316
UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DA
INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO NO ENSINO
DE HISTÓRIA
Eduardo da Silva Melo

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) contribuem consideravelmente na


construção de uma nova realidade ao longo da história da humanidade nos seus diversos
âmbitos: histórico, social, político, econômico, cultural, etc.

Desde seus primórdios a tecnologia sempre afetou a vida do homem. Mudou


hábitos acarretando amplas e profundas mudanças sociais e culturais, em um
processo de elaboração e mudanças, o que impõe transformações no que se
entende por ensino e aprendizagem (ROMEIRA; ALTOÉ, s/d, s/p).

Dessa forma, as tecnologias provocam transformações na coletividade e como


consequência, “a transformação geral da sociedade repercute, sim, na educação,
nas escolas, no trabalho dos professores” (LIBÂNEO, 2001, p.21 apud MENDES,
2011, p. 14), ou como alerta Santos (s/d):

O mundo está mudando e isso está ocorrendo a uma velocidade sem


precedentes na evolução histórica da humanidade. A globalização, o
surgimento de novas tecnologias, como o avanço das telecomunicações e da
informática, contribuem para que ocorra mudanças, também, na Educação.
A interação professor - aluno vem se tornando muito mais dinâmica nos
últimos anos. O professor tem deixado de ser um mero transmissor de
conhecimentos para ser mais um orientador, um estimulador de todos os
processos que levam os alunos a construírem seus conceitos, valores,
atitudes e habilidades que lhes permitam crescer como pessoas, como
cidadãos e futuros trabalhadores, desempenhando uma influência
verdadeiramente construtiva (SANTOS, s/d, s/p).

As TICs são peças fundamentais no processo de ensino-aprendizagem, pois dinamizam


os métodos tradicionais aplicados nas escolas. Assim, na busca por uma educação mais
efetiva, lançar mão de propostas pedagógicas atraentes, perpassando pelo uso das
tecnologias disponíveis, é de crucial importância para se lograr êxito na sala de aula,
principalmente no que concerne ao ensino de História.

Considerando o papel da escola na sociedade da informação, podemos


tomar como referência o pensamento de Freire (1997), quando diz que
ensinar é algo de profundo e dinâmico, não é mera transferência de
conhecimentos, mas sim conscientização e testemunho de vida. Portanto, é
preciso mudar profundamente nossos métodos de ensinar para reservar ao
cérebro humano o que lhe é peculiar: a capacidade de pensar, a dominar as

317
linguagens (inclusive a eletrônica) a pensar criticamente (MENDES, 2011,
p. 19).

A escola deve abrir-se ao novo contexto sócio-cultural vigente. Este faz uso de novas
tecnologias para ter acesso à informação e para empreender a comunicação. Afinal,
educação é uma forma de comunicação. Comunicação do conhecimento, das
perspectivas sociais, das necessidades da sociedade, dos anseios da comunidade escolar,
em fim é comunicar ao outro o seu eu.

Cabe frisar que emitir opinião não quer dizer necessariamente comunicar-se. A
comunicação exige uma posição formada a partir de leituras diversas e da reflexão sobre
elas. Ser opiniático é emitir sua opinião sem muito embasamento.

Entre a escola e os novos aportes tecnológicos precisa-se construir uma ponte, um elo
forte que possibilite, perenemente, a construção do conhecimento e facilite o processo
de aprendizagem, tornando-o cada vez mais atrativo, moderno e lúdico. Cabe ao
educador a tarefa de construir a ponte necessária para que haja a construção e troca de
saberes.

Assim, o professor precisa trabalhar pensando nas possibilidades de


convergência de hipertexto, multimídia, realidade virtual e agentes virtuais
que têm possibilitado a mudança dos modos de comunicação,
entretenimento, trabalho e cognição, consequentemente transformando
também os modos de ensino-aprendizagem [...].Pressupõe uma mudança de
cultura, a tal ponto de os indivíduos passarem a utilizar as novas
tecnologias, de forma criativa e inovadora, para o desempenho melhorado
de funções outrora executadas tradicionalmente (SILVA, s/d, s/p).

Constitui-se um grande desafio para as instituições de ensino, principalmente as


públicas, e para professores e professoras, aderirem a esse novo contexto. Mas “não se
pode admitir que justamente a escola, local onde se produz conhecimento, fique à
margem da maior fonte de informações disponíveis e, mais, não seja capaz de orientar
sua utilização” (FERREIRA, 1997, p. 87, FRANÇA; SIMON, s/d, s/p).

No entanto, fazendo uso dos mecanismos certos, utilizando-se de maneira equilibrada,


coesa, coerente e “com propriedade” – dos instrumentos tecnológicos disponíveis – o
ambiente escolar só tem a ganhar.

Quando o professor de história inclui imagens e dinâmicas que trazem


acréscimos aos conteúdos tradicionais ele está convidando o aluno a uma
possibilidade de compreensão de forma mais maleável e interessante. Além
disso, a utilização de pequenos documentários científicos também são bem
vindas, uma vez que por serem menores do que um filme maior, conseguem
dialogar com o conteúdo da aula de maneira resumida e interativa
contribuindo também para a ampliação do conhecimento dos alunos
(SANDRE, s/d, s/p).

Junto com a internet, os canais de comunicação e informação como o e-mail, os chats,


os fóruns, os grupos de WhatsApp, comunidades virtuais do Facebook, os canais no
318
Youtube, os vlogs, os blogs, etc, formam uma verdadeira rede, que revolucionou os
relacionamentos humanos. Esses meios digitais de interação virtual possibilitam, de
maneira dinâmica, o estreitamento das relações interpessoais, por meio do uso das TICs
(Tecnologias da Informação e Comunicação), integrando conteúdos, informação e
entretenimento, que convergem para a inserção no processo de ensino-aprendizagem.

A sociedade atual vivencia um amplo processo de transformação no que diz


respeito à intensificação do acesso à comunicação e informação. Trata-se da
sociedade do conhecimento, na qual os saberes são transitórios e há
necessidade de estarmos constantemente aprendendo, construindo novos
conhecimentos. O espaço educacional, não diferente de outros espaços, mas
de um modo particular, tem sido cada vez mais demandado na perspectiva
de se experienciar novas formas de construção e difusão do conhecimento
(VIEIRA, 2011, p. 65-66).

Dos diversos recursos multimídias existentes, muitos já são utilizados com sucesso em
algumas escolas, no ensino de história, a exemplo do datashow (usado na exibição de
audiovisuais), do aparelho de som (quando o objeto de análise e/ou exposição da aula é
um áudio/música), etc.

Multimídia é o conjunto dos mais variados meios de comunicação (meios


digitais, tais como texto, gráfico, imagem, áudio, animação, vídeo) que
visam transmitir de alguma forma as informações. (Schnotz e Bannert,
2003; Akkoyunlu e Yilmaz, 2005; Montazemi, 2006; Rose e Fernlund,
2009). Nas escolas, a utilização de fotos, rádio, televisão, softwares
educativos e sites da Internet estão sendo utilizados como meios
tecnológicos por alunos e professores para fins educativos (LEE et al,2006).
Para Prieto et al. (2005) as atividades digitais multimídia, na sua maioria,
possuem grande apelo visual, acabam encantando pelo layout com cores
vibrantes, som e movimento e fascinando alunos e professores que se
impressionam com a interface colorida, o áudio e os vídeos (OLIVEIRA et
al.,2013, p. 02).

Nisso, entende-se que o ensino de história, por meio do uso das Tecnologias da
Informação e da Comunicação torna o acesso aos conteúdos didáticos aplicados na sala
de aula, de maneira mais instantânea, flexível e dinâmica. Assim promove-se e
desenvolve-se a pacificação entre tecnologia e educação.

Referências

FRANÇA, Cyntia Simioni; SIMON, Cristiano Biazzo. Professores de história: o uso


do computador na construção do conhecimento histórico escolar. Disponível em
<http://www.revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180306122014186/37
15>. Acesso em 01.03.2017.

319
MENDES, João. Tecnologias da Informação e Comunicação Educativa. Curitiba:
UFP, 2011.

OLIVEIRA, André Junior de; KLEIN, Luciana; ALMEIDA, Lauro Brito de;
SCHERER, Luciano Márcio. Recursos Multimídia no Processo de Ensino-
Aprendizagem: Mocinho ou Vilão. Disponível em <
http://www.anpad.org.br/diversos/trabalhos/EnEPQ/enepq_2013/2013_EnEPQ187.pdf>
. Acesso em 05.03.2017.

ROMEIRA, Tony Eudes; ALTOÉ, Anair. Tecnologia de informação e comunicação e


ensino de história: possibilidades de diálogo. Disponível em
<http://www.ppe.uem.br/publicacoes/seminario_ppe_2009_2010/pdf/2010/036.pdf>.
Acesso em 01.03.2017.

SANDRE, Lara Patrícia. Novas tecnologias no curso de história: uma didática


possível. Disponível em <https://pos.historia.ufg.br/up/113/o/27_-
_Novas_Tecnologias_no_Curso_de_Hist%C3%B3ria.pdf>. Acesso em 02.03.2017.

SANTOS, Elenir Souza. O Professor como Mediador no Processo Ensino


Aprendizagem. Disponível em
<http://www.udemo.org.br/RevistaPP_02_05Professor.htm>. Acesso em 03.03.2017.

SILVA, Marcos. Ensino de história e novas tecnologias. Disponível em


<http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/fevereiro2012/historia_artigos/
2silva_artigo.pdf>. Acesso em 02.03.2017.

VIEIRA, Rosangela Souza. O Papel das tecnologias da informação e comunicação


na educação a distância: um estudo sobre a percepção do professor/tutor. Disponível
em <http://seer.abed.net.br/edicoes/2011/Artigo_05.pdf>. Acesso em 04.03.2017.

320
O USO DE FILMES EM SALA DE AULA: O
EXEMPLO DE “1492 – A CONQUISTA DO
PARAÍSO” E AS VÁRIAS NUANCES DA TERRA
NO RENASCIMENTO
Eduardo Gomes da Silva Filho
Lucas Montalvão Rabelo

Atualmente, os professores que trabalham com o ensino de História no Brasil enfrentam


dificuldades relacionadas à mediação do conhecimento histórico para os estudantes do
sistema de ensino. Para facilitar esse processo, muitos docentes utilizam recursos de
mídia, como filmes, músicas, documentários, jogos entre outros. Segundo José Manuel
Moran:

O vídeo parte do concreto, do visível, do imediato, próximo, que toca todos


os sentidos. Mexe com o corpo, com a pele - nos toca - e "tocamos" os
outros, estão ao nosso alcance através dos recortes visuais, do close, do som
estéreo envolvente. Pelo vídeo sentimos, experienciamos sensorialmente o
outro, o mundo, nós mesmos. (MORAN, 1995, p. 01).

Entretanto, deve-se ter em conta um cuidado para que estes recursos não criem uma
compreensão errônea dos processos históricos. Nossa proposta, com este texto é trazer
um questionamento do filme “1492 – A Conquista do Paraíso” (“1492 – Conquest of
Paradise” no original) que é muito divulgado em sala de aula, no Ensino Médio, ao ser
estudada a Expansão Marítima Europeia.

O primeiro passo, ao trabalhar com qualquer filme, é tratá-lo também como uma fonte
histórica datada. “1492”, como qualquer outra produção cinematográfica, não pode ser
compreendido enquanto uma janela de acesso ao século XV, mas sim, uma
interpretação visual daqueles acontecimentos por parte dos produtores do filme feito no
século XX. Lançado em 9 de Outubro de 1992 nos EUA e três dias depois na França,
nos âmbitos de comemoração dos 500 anos de descoberta da América, a produção
franco-estadunidense foi escrita pela francesa Roselyne Bosch; produzida pelo francês
Alain Goldman juntamente com o famoso produtor inglês Ridley Scott, que também
participou como diretor. Conta ainda com o ator francês Gérard Depardieu no papel de
Cristóvão Colombo. Este conhecimento sobre aqueles que participaram da criação do
filme é importantíssimo para revelar detalhes da forma como os acontecimentos são
trabalhados na película. A exposição destes dados deve ser realizada aos alunos antes
que assistam ao filme, pois, é importante que o compreendam enquanto uma leitura
acerca daquilo que os homens realizaram em um tempo passado.

Aliada com esta primeira etapa, faz-se necessário um domínio do enredo do filme por
parte do professor (a), para uma compreenção de seu sentido total , mesmo que não seja

321
exposto na íntegra aos estudantes. “1492” retrata vinte anos da vida de Cristóvão
Colombo, período em que teria “descoberto” a esfericidade da Terra e teve embates com
intelectuais da Universidade de Salamanca que o contestavam; buscou financiamento
espanhol para a expedição rumo ao Grande Cã, localizado do outro lado do mundo;
chegou às Antilhas e iniciou sua colonização, além de contar com o embate dos nativos
com os europeus; e no final da vida, sua condição de líder da colonização foi contestada
e enfrentou questionamentos.

Optamos, neste texto, por desconstruir a crença demonstrada de que Colombo seria um
homem revolucionário que descobriu a forma redonda da Terra. O texto inicial, presente
na introdução filme, apresenta o caráter revolucionário do navegador genovês em
contraposição ao atraso da Espanha:

Há 500 anos, a Espanha era uma nação dominada pelo medo e pela
superstição, governada pela Coroa e por uma feroz Inquisição que perseguia
os homens que se atrevessem a sonhar. Um homem desafiou este poder.
Guiado pela sua percepção do destino, ele atravessou o Mar das Trevas em
busca de honra, ouro e da grande gloria divina. (1492..., 1992, introdução).

Ao apresentar Colombo, existe uma crítica forte ao império espanhol taxado como
“nação dominada pelo medo e superstição” além de ser governado por uma “feroz
Inquisição”. Logo na introdução, é vinculada uma desqualificação clara da religião
católica provavelmente elaborada para agradar ao público inglês e estadunidense, em
sua maioria de religião protestante. Assim, a imagem do navegador genovês é
construída, no filme, como sendo oposta ao misticismo católico. Entretanto, o final do
texto traz uma contradição inerente com esta condenação ao dizer que Colombo buscava
a “glória divina”. Algo que não deixa de ser místico. Além disso, ao conhecer a história
deste personagem, sabe-se que afirmou ter encontrado na costa da Venezuela o Paraíso
Divino. Isso demonstra “(...) a presença do vínculo entre o pensamento medieval e o
pensamento renascentista” (SILVA, 1990/1991, p.30). Uma forte relação deste
personagem renascentista com as crenças medievais de uma realidade geográfica dos
escritos presentes na Bíblia Sagrada.

Acrescenta-se, ainda, que existiam outros navegadores provindos da região itálica como
o genovês naturalizado veneziano John Caboto (esteve na Espanha no mesmo período
que Colombo e frustrou-se pela escolha do financiamento deste e partiu para a
Inglaterra e viajou ao Novo Mundo em 1497), o florentino Américo Vespúcio (viajava
com os portugueses, a partir de 1497, e posteriormente tornar-se-ia o primeiro piloto-
mor de Espanha) e outros.

Na sequência da introdução do filme, Colombo, ao explicar ao seu filho Fernando sobre


a esfericidade da Terra, mostra um navio desaparecendo no horizonte e explica a sua
ocorrência ser devido a Terra possuir uma forma semelhante à laranja. A construção
realizada neste momento e em outros induz ao espectador a ideia de que, através de seu
raciocínio, Colombo seria o responsável por este pensamento. Entretanto, a esfericidade
terrestre não era uma novidade.

De acordo com o autor W. G. L. Randles (1990), as justificativas para a forma universal


da Terra, vigentes entre os séculos XII ao XV, resumiam-se basicamente em duas
322
sínteses: “[...] o mito bíblico da Terra plana com a ideia grega de uma Terra redonda:
plana ao nível da ecúmena habitável, esfericamente e unicamente ao nível da
astronomia” (p.11). A partir da ideia de Crates de Malo (c. 160 a. C.), autores como
Marciano Capela (século V) e Macróbio (século V) e, posteriormente, Guilherme de
Conches, mencionavam uma esfera preenchida na sua maior parte por água onde
haveria quatro ilhas separadas por corredores de água. Uma delas estaria povoada pelos
cristãos e as outras não seriam habitadas devido à incomunicabilidade de ambas. Assim,
o único habitat dos humanos era plano se considerada a imensidão esférica do globo.

Por outro lado, o modelo aristotélico, que não se liga diretamente ao Aristóteles
clássico, foi defendido por João de Sacrobosco em sua obra Tratado da Esfera
(princípios do século XIII). O mundo estaria dividido em duas partes: do éter e dos
elementos. Esta última estaria composta por quatro partes: no centro a terra; na
sequência a água; depois o ar; e por fim o fogo puro. Cada um desses elementos estaria
em uma proporção de 1 para 10. Para garantir a sobrevivência da espécie humana, com
base no Gênesis ou no Salmo 103, Deus teria feito no terceiro dia a concentração das
águas. Assim, uma pequena parte de terra ficou submersa diante da grande imensidão
das águas. Com isso, a Terra habitável estaria plana na pequena parte descoberta, e,
esférica se considerada seu todo, com a maior parte coberta de água. (RANDLES, 1990,
p.14). Era, portanto, a junção de dois modelos explicativos: o aristotélico e o bíblico
(Bíblico-aristotélico).

Além deste pensamento, no século XV ocorreu uma maior influência de Ptolomeu, um


sábio astrônomo, matemático e geógrafo que nasceu em Ptolemaida Herminou entre os
anos de 85 a 100 d.C e viveu em Alexandria durante o governo de Marco Aurélio (161-
180). Ele compôs a Geographia, uma compilação do conhecimento da Antiguidade
sobre o orbe terrestre apresentando o conjunto de cidades e vilas conhecidas e sua
localização no espaço através do cruzamento de retas abstratas (paralelos e meridianos).
Assim, “Ptolomeu fue el primero en emplear los términos de latitud y longitud para
situar los lugares en un mapa. Formó un sistema reticular de paralelos y meridianos
distribuidos a intervalos regulares y calibrados em grados y estos divididos en
minutos” (PORTO, 1990, p.27).

Um sistema de grande influência tanto na localização espacial ao longo do globo,


quanto a sua representação em uma superfície plana. Ptolomeu também influenciou os
homens da época das Grandes Navegações com seus cálculos da circunferência da
Terra, pois, esta seria menor do que realmente devido à medida que Ptolomeu
considerou extraindo de Posidonio, 180.000 estádios (33.723 km), no lugar de uma
medida mais correta, como de Eratóstenes (250.000 estádios). Esse equívoco
influenciou decisivamente o pensamento de Cristóvão Colombo (CONTA, 2004, p.37).
Ao tomar por base o sábio alexandrino, treze séculos depois, o navegador genovês
organizou sua empreitada saindo da Espanha e rumando através do Mar Oceano para
atingir as Índias acreditando atingi-las navegando menos do que o necessário. Assim, ao
atingir as Antilhas em 12 de Outubro de 1492, Colombo acreditou ter percorrido o
caminho ao continente asiático o que provocou o seu clássico engano.

Buscou-se exemplificar neste texto, através de algumas concepções equivocadas do


entendimento da Terra no século XV e de uma crítica exagerada ao catolicismo
espanhol, que ao se trabalhar em sala de aula com o filme “1492” deve-se sempre
323
transparecer aos alunos a existência e influência da mediação do conhecimento histórico
realizada pelas mídias. Assim, ao invés de não aproveitar estes recursos, deve-se sempre
realizar uma desconstrução deles compreendendo-os como interpretações realizadas em
uma determinada época sobre outra e não como a verdade das ações humanas no
passado. Um exercício interessante para realizar isso é mostrar outra mídia que
trabalhou com o mesmo tema, mas de forma completamente diferente. Sugerimos aqui
o episódio “1992 Ligou”, em que graças a um equívoco vão até 1492, do desenho
animado estadunidense “Titio Avô” (Uncle Grandpa). Desta forma, com a exibição de
trechos das duas produções, podem ser questionados os objetivos de cada uma delas e as
formas de representação utilizadas para mostrar aquele passado histórico.

Referências

1492 – A Conquista do Paraíso. Direção: Ridley Scott. 148 minutos. Título original:
1492 – Conquest of Paradise. Gaumont Film Company et alli, 1992. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=fUIm3z1lcL0 > Acesso em: 02 março de 2017.

1992 Ligou - Desenho animado estadunidense “Titio Avô”. Título original: (Uncle
Grandpa). Episódio 5, 2016. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=CSkpHR-HHHk. Acesso em: 02 de março de 2017,
às 22:00h.

A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Barueri-SP:


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CONTA, Gioia. “La Cartografía Romana” in: Semanas de Estudios Romanos – Vol. XII.
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325
O USO DO JORNAL DE ÉPOCA COMO PRÁTICA
NO ENSINO DE HISTÓRIA: O CASO DO
CONTESTADO
Eloi Giovane Muchalovski

Desde o início do século XX a pesquisa em história passou por uma sucessiva cadeia de
alterações teóricas e metodológicas, especialmente com o advento da Escola dos
Annales, movimento intelectual que propôs novos nortes à disciplina, em alternativa a
proposições da escola metódica dita positivista.

A partir de então encaminhamentos frutíferos na problematização das fontes se deram.


Documentos antes não considerados válidos – por não possuírem uma “verdade”
histórica, ou seja, não serem fontes ditas oficiais –, passaram a figurar entre os trabalhos
dos historiadores. Destaque para fontes ditas orais, bem como a fotografia e o jornal,
este último, apesar de muito questionado quanto sua confiabilidade documental,
exigindo em sua análise um necessário cuidado metodológico, mostrou-se
consideravelmente dinâmico.

Principalmente a partir da década de 1970, os periódicos impressos, materializaram-se


de vez como importante instrumento para o desenvolvimento do conhecimento
histórico. Apesar de ainda haver uma certa relutância pela utilização da imprensa como
fonte histórica, pois pesquisava-se a história da imprensa, mas não a história por meio
da imprensa (LUCA, 2008), o uso deste tipo de documento foi verificado em diversas
obras, em especial pela renovação metodológica proposta pela história cultural
(BURKE, 2005, p. 7).

Na mesma medida, as teorias educacionais trilharam um caminho bastante símil na


introdução de ideias inovadoras que possibilitaram o uso de materiais externos ao
padrão apresentado pelo livro didático, especialmente no ensino de história. As sempre
relevantes contribuições de Paulo Freire, trouxeram novos ares e inspirações na
elaboração de uma proposta de ensino aprendizagem que fugisse da tradicional
“educação bancária”, tão criticada por Freire.

Mesmo módica, foi também a partir da década de 1970 que a utilização de documentos
históricos na sala de aula apresentou-se como algo perceptível, em especial por obras
organizadas pela professora Therezinha de Castro e do próprio MEC, através de
professores do CAP da UFRJ, publicando coletâneas de documentos históricos para uso
em sala de aula (KNAUSS, 2012, p. 34). Todavia o uso do jornal como fonte nem
sempre foi uma realidade, e seu uso, em muitos casos, dera-se de maneira inapropriada,
muito pela abordagem literal das notícias em sala de aula. Ao se considerar todo o
cuidado necessário para o tratamento analítico deste tipo de fonte, a fim de evitar-se a
perpetuação de discursos estereotipados, o uso literal do texto jornalístico, sem a devida
problematização por parte do professor, pode enfatizar preconceitos, ao invés de
contribuir para o aprimoramento do conhecimento histórico.
326
Hoje – principalmente devido o belo trabalho desenvolvido pela Fundação Biblioteca
Nacional, instituição que digitalizou e disponibilizou na internet grande parte de seu
acervo documental jornalístico, como também esforço de outras instituições, como por
exemplo o trabalho de digitalização e publicação de jornais de época desenvolvido pelo
Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAED) / IDCH, Instituto de
documentação e Investigação em Ciências Humanas da Universidade do Estado de
Santa Catarina e a Biblioteca Pública de Santa Catarina e o projeto de pesquisa
desenvolvido pela professora Marcia Janete Espig, finalizado em 2013, junto a
Universidade Federal de Pelotas, no qual se fez a digitalização e disponibilização em
CD de todas a matérias publicadas pelo jornal A Federação sobre a Guerra do
Contestado –, o acesso a uma diversificada hemeroteca digital tornou-se algo acessível
aos professores de história nos diversos níveis do ensino. Cabendo a estes profissionais,
apenas a devida escolha de um tema específico e a realização de uma busca on-line no
material documental disponível, via qualquer computador com acesso à web. Obtendo
assim, em instantes, um bom conjunto de documentos para utilização em sala ou como
material de pesquisa. No que tange a história local e/ou regional, as hemerotecas digitais
demonstram serem profícuas para esse expediente.

Segundo Tonon e Lima (2016, p. 193), “trabalhar com história local requer por parte do
professor certa delimitação das fontes a serem investigadas ou mesmo da forma como
elas serão analisadas”. No caso específico do planejamento de aulas de história que
tenham como tema o Movimento ou Guerra Sertaneja do Contestado (1912-1916), estes
documentos digitalizados podem constituir-se em valiosas ferramentas para o
desenvolvimento cognitivo nos mais diversos aspectos, aprimorando competências
como a compressão da produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e
econômicas, associando-as às práticas dos diferentes grupos e atores sociais, tal como o
entendimento da gênese e da transformação das diferentes organizações territoriais e os
múltiplos fatores que neles intervêm como produto das relações de poder (BRASIL,
2006).

Matérias jornalísticas sobre o Contestado foram publicadas em grande escala por jornais
de todo o país desde do ano de 1900 até 1917, destaque para gazetas dos estados do
Paraná e Santa Catarina. Neste expediente, os jornais O Dia, República, Gazeta de
Joinville, A Republica e Diário da Tarde, entre outros, produziram interessantes
matérias sobre o assunto, seja da controversa questão de limites como do próprio
desenrolar do conflito a partir de 1912. Durante a abordagem jornalística deste contexto,
menções de personalidades conhecidas por alunos da atual região geopolítica do
Contestado – conhecimento obtido pela corriqueira homenagem prestada as estas
pessoas da elite regional, geralmente coronéis, os quais tiveram seus nomes atribuídos à
monumentos públicos, tal como ruas, praças, bibliotecas, escolas e ginásios –, aparecem
nestes jornais, possibilitando ao professor trabalhar com a construção mental destes
símbolos públicos como algo vivo na memória coletiva, apontando suas origens e
possibilitando, por parte do aluno, o desenvolver da compreensão de si próprio
enquanto sujeito ativo do processo histórico, associando manifestações políticas,
econômicas, sociais, culturais e religiosas do presente ao respectivo contexto histórico
de que o educando faz parte.

Nada obstante, é sugestível que tal abordagem seja efetivada de modo a não legitimar
ainda mais o domínio elitista sob ideário escolar. Pois, a “linguagem, a grafia, a
327
organização editorial e as construções discursivas dos jornais antigos são obstáculos a
serem enfrentados pelo professor, mas não motivo para a desistência da utilização de
tais fontes documentais (ALVES, 2012, p.3). Mais importante que o trabalho acerca de
personalidades que tiveram seus nomes destinados a denominação de monumentos, é
desejável que se discuta o cotidiano, a vida e o contexto de toda sociedade da época,
temas possíveis de serem abordados por meio dos jornais (CAPELATO, 1988, p. 34).
Uma boa forma para isso, seria a contraposição dos discursos presentes nos periódicos
com um bom texto historiográfico do tema, o qual possa estabelecer um diálogo que
evidencie a diferentes intenções políticas presentes no discurso jornalístico, facilitando
para o aluno o entendimento de que aqueles documentos de época estudados não são
neutros, da mesma forma que a mídia jornalística de hoje também não é, desenvolvendo
assim o senso crítico e a capacidade reflexiva quanto aos diferentes meios de alienação
impostos, em diferentes espaços temporais, pela indústria da mídia.

Outra perspectiva de uso do jornal para o ensino da história da Guerra Sertaneja


Contestado, é a demonstração de como os diferentes interesses estaduais – Paraná e
Santa Catarina – aparecem materializados nas matérias anteriores a Batalha do Irani de
1912, marco inicial do conflito. As mídias jornalísticas dos respectivos estados, entre
1900 e 1908, estabeleceram verdadeiras batalhas discursivas para expor ao público
leitor, os ideais de cada governo sobre a Questão de Limites. Por inúmeras vezes,
intelectuais publicaram textos elucubrados para legitimar o direito de posse do território
para cada lado que representavam na disputa judicial. Fazer uso da leitura desses textos,
de maneira comparativa, permitirá ao professor expor como as construções ideológicas
sobre determinados objetos históricos são efetivadas através dos documentos,
possibilitando, desta forma, que os educandos compreendam a complexidade do
trabalho do historiador e motivem-se para deterem o domínio das técnicas de pesquisa
histórica, tornando as aulas muito mais dinâmicas e participativas.

Trabalhar com o ensino de história nessa perspectiva, é de fato entender o processo de


aprendizagem como dialogia entre ensino e pesquisa. Muitas das vezes os
questionamentos dos alunos não poderão ser respondidos pelo professor de imediato,
exigindo deste, assim como do aluno, a execução de pesquisas que solucionem, se
possível, os problemas levantados (KNAUSS, 2012, p. 44). No que tange o
conhecimento docente sobre o Contestado, mesmo na região em que o conflito foi
placo, este demonstra ser deficitário (TONON; LIMA, 2016, p. 200), exigindo do
educador uma postura muito mais aberta ao desenvolvimento da pesquisa, a qual, é,
quem sabe, o caminho propício ao êxito e a consolidação da educação histórica,
enquanto disciplina capaz de dar condições para formação de cidadãos conscientes de
seu papel político na sociedade brasileira.

Referências
328
ALVES, Francisco das Neves. O ensino da história por meio dos jornais antigos: as
imagens acerca dos atores político-partidários à época imperial. Historiae, v. 3, n. 1, p.
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329
NATIVOS DIGITAIS E AULAS DE HISTÓRIA:
COMO FAZER DESTA RELAÇÃO UM AMBIENTE
PRODUTIVO DE APRENDIZAGEM
Evelline Soares Correia

Introdução

Hoje comumente encontramos nas mais diferentes localidades mundiais, jovens de


diferentes idades, etnias e classes sociais andando pelas ruas portando fones de ouvido,
de cabeça baixa, manuseando seu celular de última geração, se conectando às mais
diversas formas de interação online. Em casa provavelmente estarão em frente à um
computador realizando ao mesmo tempo diversas tarefas, convivendo e se relacionando
com amigos reais e até mesmo virtuais conectados a grande rede denominada Web.

Para entendermos melhor esta geração digital, buscamos em Prensky (2001) que há
mais de quinze anos, elaborou conceitos observando estudantes que já começavam a
mostrar mudanças de comportamento devido à era das novas Tecnologias da
Informação e da Comunicação (TICs).

Segundo o autor, os nativos digitais são aqueles que nasceram e cresceram cercados
pelas novas tecnologias, ou seja, os que já nasceram em um universo digital, em
contanto com a Internet computadores e games. São jovens que falam sem “sotaque”, o
idioma digital é a sua língua materna. Já os imigrantes, são aquelas pessoas que
aprenderam a usar as tecnologias digitais ao longo de sua vida adulta, e ainda
manifestam “sotaques” observáveis na forma como manuseiam os recursos digitais em
seu cotidiano. (PRENSKY,2001).

Os imigrantes são aquelas pessoas que necessitam de apoio para leitura no computador,
ou seja, precisam imprimir os textos para fazerem leitura dos mesmos, utilizar papel e
caneta para escrever um texto antes de digitá-lo e ainda tendem a buscar informações
em livros e outras formas de mídia impressa, situação impensável para o nativo digital.
Para o imigrante é necessário a materialidade para haver produção.

Já o nativo digital, segundo Prensky (2001) pensam e processam informações de uma


forma diferente do imigrante, para esta nova geração é preciso estímulo, complemento e
reflexão, as diferentes experiências vividas devido as TICs os levaram a diferentes
interesses e formas de ver e entender o mundo. São acostumados a obter informações de
forma rápida e recorrerem primeiramente a fonte digital interagindo nas mais diversas
mídias ao mesmo tempo. Além disso tem o hábito de ficarem conectados aos seus pares,
ou por meio do celular ou computador, conseguem ter familiaridade com imagens,
códigos e símbolos de forma não linear.

Segundo o Dr. Bruce Perry da Baylor College of Medicine até sua estrutura cerebral
pode ser diferente (COUTINHO, 2010).
330
Cabe lembrar que estes dois conceitos não foram divididos pelo autor, relacionando-os
por idade, classe social ou econômica e sim por seu contato às novas tecnologias.
Entretanto, entende-se que alunos da mesma faixa etária dependendo também de sua
posição social, pode ter acesso ou não às novas tecnologias, sendo assim, as diferenças
culturais também são fatores influenciáveis.

No Brasil, temos jovens imigrantes, nativos e ainda o excluído da era digital, ainda
assim, não se pode admitir que todo jovem é um nativo da era digital, mas também não
se pode desconsiderar que os jovens cada vez mais usam a tecnologia no seu cotidiano.

E é desta forma, que os alunos, nativos digitais, chegam às salas de aula, e se deparam
com os professores, os imigrantes digitais, para o estabelecimento de uma relação entre
ensino-aprendizagem. Como se sentem os nativos digitais frente a este processo
educacional? De que forma as aulas de História se enquadram nesta nova realidade
apresentada?

O Ensino de História e a cibercultura

No século XXI, com o surgimento da cibercultura, ou seja, uma nova cultura com o uso
do computador, redes e suportes tecnológicos, as práticas e conhecimentos ficam
ultrapassados em curto espaço de tempo, a linguagem torna-se hipertextual, as
comunicações escritas são mais resumidas e cheias de expressões cifradas, de forma que
as palavras são lidas como imagens (PAVANATI, 2011).

E como a História formal tem sua origem vinculada ao surgimento da escrita, abrem-se
questionamentos de como os historiadores, profissionais do texto por excelência
(Dantas, 2009), conseguem manter esta relação, de forma a se tornar um desafio
educacional contemporâneo. Dentro deste desafio observa-se que os nativos digitais
apresentam maior dificuldade na linguagem escrita e matemática, já os imigrantes
apresentam dificuldade na mídia digital.

Autores já demonstram a necessidade de uma reflexão em relação a metodologia do


ensino de História frente aos novos processos tecnológicos. Para Selva Fonseca (2003),
há uma necessidade de um estudo aprofundado sobre as diferentes linguagens, pois
estas são constitutivas da memória social e coletiva, expressam identidades sociais,
relações de trabalho, cultura e religião.

Maria Auxiliadora Schimidt (2002) propõe uma nova visão da prática pedagógica do
professor de História a partir das renovações teórico-metodológicos. Assim amplia-se a
noção de documento e do uso das fontes, sendo possível uma aproximação maior da
História que se ensina e a História que se escreve. Cabendo ressaltar segundo Schimidt
(2002) que as inovações tecnológicas devem ser encaradas como processo e não como
produto, sendo assim a escola precisa tomar o cuidado de não impedi-la mas também de
não substitui-la pelo papel do professor.

Utiliza-la à seu favor, como ferramenta de apoio ao professor, como recursos de


multimídia, computação gráfica, coletas de dados para construção de temas históricos,
331
cabendo ao papel do professor, segundo Ferreira (1999), de orientar e mediar a
produção do aluno-autor para um desenvolvimento crítico e criativo.

As redes sociais podem também serem aliadas à prática pedagógica do professor, estas
são formadas por participantes autônomo que unem os recursos e ideias em torno de
interesses comuns, independentemente da posição geográfica, em um espaço de
interação e compartilhamento de informações (PIERRE LEVY 1999, apud, SOUZA et
BORGES,2009).

Jogos Eletrônicos nas aulas de História

Uma das ferramentas possíveis de ser utilizada que contribui para este desenvolvimento,
são os jogos eletrônicos. De acordo com Filomena (2007, apud Kasvi,2006) game é um
conjunto de atividade que envolve um ou mais jogadores, que estão competindo
isolados ou em grupos, seguindo metas, desafios e consequências, por meio dos jogos
eletrônicos (CARNIELLO, 2010).

Os jogos eletrônicos segundo Huizinga (2001, apud Mattar, 2010) apresentam


características específicas que o caracterizam como jogo: é uma atividade sem
imposição, livre, voluntária e prazerosa, são um mundo imaginário, criam momentos e
situações provenientes às regras, leva a uma interação, colaboração, conectividade e
criatividade (CARNIELLO, 2010).

Assim, os gamers que segundo Mattar (2010) e Prensky (2007), são as pessoas que
fazem uso de jogos eletrônicos, desenvolvem diferentes habilidades, facilidade de
trabalhar em grupo, capacidade de aprender de forma rápida, iniciativa, criatividade,
resolução de problemas e raciocínio lógico, processamento de informações não linear,
aceso amplo de informações, preferência visual ao textual, sentimento positivo em
relação ao uso da tecnologia e por fim, o desenvolvimento de atividades simultâneas.

Desta forma, o uso de games na prática pedagógica do professor de História, tende a ser
uma das possibilidades de suporte do professor-aluno frente a aprendizagem. Dentre
eles citamos, Making History (Fazendo História) e World in Conflict (Mundo em
Conflito), inspirados em eventos e períodos históricos. World of Warcraft e Prince of
Persia também abordam conteúdos aplicáveis em História e Geografia. Spore é um jogo
em se se pode desenvolver espécies de animais e observar sua evolução. No Game
Maker o jogador é capaz de produzir seu próprio videogame.

Frente a tantas habilidades possíveis de serem trabalhadas nos games, há entretanto, que
se lembrar que os jogos são produtos comerciais e não pedagógicos, por isso deve-se ter
sempre a participação direta do professor. Outra possibilidade é a presença de
preconceito e violência subentendidos, por isso Arruda (2009) orienta os docentes a
importância de mostrar que os jogos são documentos históricos carregados de
ideologias políticas, referências culturais e intenções mercadológicas.

Lynn Alves (2004) e Prensky (2010), discordam da visão em relação à influência dos
games em comportamentos violentos, segundo Prensky, nos Estados Unidos a
332
incidência de crimes violentos diminuíram paralelo ao período que o uso dos games
aumentou extraordinariamente. Alves (2004) reforça este pensamento dizendo que o
meio onde a criança ou jovem está inserido é o fator determinante para causa e efeito
dos usuários dos jogos.

Assim devemos também de ter o cuidado de relacionar os jogos com as disciplinas


curriculares, deve haver uma conexão da tecnologia com as atividades propostas em
sala de aula.

Considerações finais

A partir do que foi apresentado, não podemos dizer que todos os alunos hoje estão
imersos na era digital, e que nem todos podem ser considerados nativos digitais,
entretanto grande parte deste público está imerso nesta tendência que tende a aumentar
cada vez mais no decorrer dos anos.

Diante desta realidade, cabe a escola e ao professor uma nova prática pedagógica, e os
jogos eletrônicos podem ser uma delas, sem elegê-los como a solução das questões e
problemas de aprendizagem hoje vivenciados, a escola precisa admitir que está
recebendo alunos diferentes daqueles que nós, professores fomos. E que esta nova
forma de pensar, está diretamente relacionada a aprendizagem.

Matar (2010) afirma que a escola separa aprendizagem do prazer, como se fosse
fenômenos distintos. Os jogos podem ser uma das alternativas prazerosas onde o aluno
aprende e reproduz conhecimento de forma natural e até coletivamente.

Cabe a História, com base no estudo crítico dos fatos passados, compreender o seu
tempo, seu contexto atual e assim também é com o professor de História, em seu desafio
de aprimorar sua prática pedagógica de acordo com o seu tempo. É preciso investir mais
no aprendizado da cibercultura para que os imigrantes possam transitar pelos caminhos
hoje possíveis entre a mediação do saber e a prática pedagógica. Uma ação conjunta
entre nativos e imigrantes focada na construção e desenvolvimento de materiais
didáticos e acadêmicos, focados na interação, seria uma das ações que levariam o aluno
a ser ouvido, ser observado em sua relação com os pares e ainda seria possível aprender
com eles novos recursos tecnológicos, possibilitando ao professor uma reflexão de sua
prática.

Esta relação de parceria entre nativos e imigrantes, alunos e professores, segundo


Palfrey e Urs (2008) pode ser um lugar incerto e arriscado, porém é impossível não estar
mais inserido neste mundo e como hoje as pessoas se comportam dentro dele.

Para que isto aconteça é preciso flexibilidade, certa humildade, disposição para
aprender, pois o professor com seu saber pedagógico aliado ao tecnológico, é capaz de
produzir tecnologias educacionais e por consequência, materiais didáticos, muito mais
atrativos e motivadores dos que hoje disponibilizamos.

333
Referências

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335
FOTOGRAFIA E CONHECIMENTO: CAMINHOS
PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
Eudes Marciel Barros Guimarães

Com a ampliação do campo da História desde os Annales – “a revolução francesa da


historiografia”, segundo Peter Burke –, abriu-se a possibilidade de abordar questões e
fontes até então colocadas em segundo plano na perspectiva dos metódicos
oitocentistas. Mas somente por volta dos anos 1980, com as concepções formuladas no
que se chamou de Nova História Cultural, as fontes visuais passaram a ser estudadas
mais detidamente por historiadores, o que exigiu métodos específicos de investigação
inspirados em áreas como a Antropologia e a História da Arte.

Ficou claro para os pesquisadores da “dimensão visual da cultura”, usando os termos de


Ulpiano Bezerra de Meneses (2003), que o verbal e o visual constituem linguagens
distintas e, portanto, não se pode reduzir uma a outra. Por conseguinte, ao estudar uma
imagem, o historiador precisa de um instrumental próprio para interpretar os
significados culturais nela impressos, articulando-a à experiência social do período que
focaliza. Em vista das especificidades do visual, para além do próprio campo da
História, formou-se uma área interdisciplinar denominada Cultura Visual (Visual
Culture), com raízes nos Estados Unidos, cujo escopo consiste em investigar os modos
de funcionamento das imagens visuais nos mais diferentes circuitos, tendo como
principal ponto de interlocução a concepção de que a visualidade não se trata de uma
reprodução ou “espelho” do real, mas de expressões culturais que instituem, participam
e interagem na experiência social. Um panorama desses esforços pode ser lido na
coletânea que reúne artigos e entrevistas dos nomes mais expressivos dessa área,
organizada por Margaret Dikovitskaya (2005).

Quando nos detemos na história da cultura desde o século XIX, é inegável o papel da
fotografia em novas formas de expressões artísticas, comunicação social e
representações visuais em geral. No decorrer do século XX, com a popularização de
câmeras portáteis, a fotografia passou a fazer parte do cotidiano das pessoas num mundo
cada vez mais interligado. Há alguns anos, tenho me dedicado ao estudo das séries
produzidas por dois fotógrafos franceses que percorreram o Brasil entre as décadas de
1940 e 1960. Pierre Verger e Marcel Gautherot viveram intensamente o clima cultural
parisiense das décadas de 1920 e 1930, período em que se formaram como fotógrafos
dentro de um circuito social de amplas dimensões de interesses: da arte à etnografia, da
arquitetura à política. Verger e Gautherot são, portanto, profissionais cujo trabalho
fotográfico esteve pautado na dimensão documental e na perspectiva etnográfica.

Pensando nos avanços dos estudos visuais nas pesquisas acadêmicas, sinto que seria
profícuo um diálogo mais estreito com a História ensinada nas escolas. Desse modo,
neste 3º Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História, parece-me oportuno
encaminhar uma possibilidade de abordar imagens fotográficas nas aulas de História do
ensino básico, mais especificamente no Ensino Médio. Não é o caso, neste momento, de
336
propor qualquer tipo de manual metodológico, tampouco de fazer um estudo exaustivo
de uma problemática. Por meio de um tema que escolhi a partir do que pesquiso, o meu
objetivo consiste em elaborar caminhos possíveis para uma discussão fecunda em sala
de aula, de modo que a fotografia esteja presente não como mera ilustração do
conteúdo, mas como partícipe na construção do conhecimento histórico tanto do tema
que ela diz respeito quanto na interpretação mais dimensionada desse tema.

Ao estudar a representação do sertão brasileiro entre as décadas de 1940 e 1960, dois


espaços na geografia nacional ganham um enorme peso simbólico. O primeiro deles é
Canudos, lugar de memória de um evento que levou à aniquilação de uma cidade inteira
e colocou em xeque a República recém-instaurada. O segundo espaço é Brasília, a
capital que estava sendo construída no coração do Brasil, cuja monumentalidade
moderna espelhava o futuro grandioso que se projetava para o país. Ocorre que em
1946, Pierre Verger registrou diversas imagens da região de Canudos, no momento em
que se completava o cinquentenário da guerra. Suas fotografias foram publicadas na
revista O Cruzeiro, acompanhadas de textos de Odorico Tavares. Anos depois, na
medida em que avançava a construção de Brasília, Marcel Gautherot foi contratado
como fotógrafo oficial da nova capital, em conformidade com as expectativas de Lúcio
Costa e Oscar Niemeyer. As fotografias de Gautherot ganharam importância em
exposições e revistas nacionais e internacionais.

Nessas imagens de Canudos e Brasília – metonímias dos sertões do país –, há uma


relação simbólica entre passado e futuro: Canudos representando o passado do sertão
como ruínas a serem superadas; Brasília representando o futuro do sertão como um
projeto moderno monumental, o ponto de integração de um imenso território.
Ironicamente, ambos os lugares reuniram gentes de diversas origens regionais, que
tinham como principal objetivo a construção de uma vida possível e menos precária em
meio às misérias e perspectivas que caracterizaram cada um desses períodos.

Em Canudos, Pierre Verger privilegiou rostos de idosos, lugares e objetos que remetiam
à guerra. É interessante, como forma de comparação, propor um diálogo dessas
fotografias de 1946 com os registros feitos por Flávio de Barros no calor do conflito.
Barros privilegiou a empreitada militar, com ângulos e poses que heroicizam os
soldados. A paisagem, nesse sentido, configura o atributo épico da luta da “civilização
contra a barbárie”, como se imaginou nos jornais da época. Em Brasília, Marcel
Gautherot, por sua vez, privilegiou a dimensão monumental do centro cívico e a
composição estética da paisagem urbana moderna por meio das sombras projetadas
pelas ferragens, estruturas de concreto, vidros e os corpos de trabalhadores. Por outro
lado, não deixou de registrar os candangos que se agrupavam nos arredores da nova
capital, cujas fotografias revelam a extrema pobreza de quem estava completamente à
margem do poder. Um número significativo dessas imagens fotográficas pode ser
facilmente encontrado nos acervos virtuais da Brasiliana Fotográfica, da Fundação
Pierre Verger e do Instituto Moreira Salles.

Imagino como seria interessante uma aula em que a representação do sertão brasileiro
fosse abordado a partir das imagens de Flávio de Barros, Pierre Verger e Marcel
Gautherot. Para o embasamento do professor disposto a elaborar tal aula (que pode,
evidentemente, se desdobrar em outras aulas), há uma bibliografia recente que se ancora
nos estudos da Cultura Visual a que me referi no início deste texto. Uma interpretação
337
mais sistematizada das fotografias de Flávio de Barros foi feita por Natalia Brizuela
(2012) que, a partir da ideia de “sertão à margem da história”, toma os registros de
Barros e os textos de Euclides da Cunha como documentos que elaboram o imaginário
das ruínas como códigos para se pensar a própria história do Brasil. Antonio Fernando
de Araújo Sá (2010), por sua vez, assina um artigo intitulado O sertão de Pierre Verger,
em que estuda as imagens publicadas na revista O Cruzeiro. No âmbito da
documentação visual de Brasília, há o excelente livro de Heloísa Espada (2012), que
resultou de sua tese de doutorado sobre a representação do centro cívico por Gautherot.
Por fim, para ampliar essas questões e estabelecer um diálogo mais facundo, cabe
destacar um texto de Nicolau Sevcenko (2000) em que ele elabora uma relação direta
entre Canudos e Brasília para compreender aspectos importantes da história do Brasil
republicano.

Como afirmei no início deste texto, nos estudos da cultura visual, as imagens, sobretudo
a fotografia, não devem ser tomadas como “espelhos” do real, tampouco como meras
ilustrações de conteúdos didáticos. Elas criam, instituem, participam e interagem nas
experiências das sociedades. Assim, se a pesquisa acadêmica tem avançado na
construção de metodologias mais sofisticadas, o ensino básico de História pode se
tornar ainda mais fecundo ao levar em conta esses avanços e adaptá-los ao
funcionamento das aulas. Há de se aprender a ler e interpretar imagens e seus
funcionamentos distintos dos textos verbais. Concluo lembrando o que disse, uma vez, o
fotógrafo americano Lewis Hine: “se eu pudesse contar uma história em palavras, não
precisaria carregar uma câmera” (apud SONTAG, 2004, p.201).

Referências bibliográficas:

BRIZUELA, Natalia. Fotografia e império: paisagens para um Brasil moderno. Trad.


Marcos Bagno. São Paulo: Companhia das Letras; IMS, 2012.

BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa da


historiografia. Trad. Nilo Odalia. São Paulo: Ed. da Unesp, 1997.

DIKOVITSKAYA, Margaret (org.). Visual Culture: the study of the visual after the
Cultural Turn. Massachusetts: MIT Press, 2005.

ESPADA, Heloísa. Monumentalidade e sombra: o centro cívico de Brasília por Marcel


Gautherot. São Paulo: Annablume, 2016.

MENESES, Ulpiano Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, História visual: balanço
provisório, propostas cautelares. In: Revista Brasileira de História, v. 23, n. 45, 2003, p.
11-36.

SÁ, Antônio Fernando de Araújo. O sertão de Pierre Verger. In: Projeto História, n. 40,
jul. 2010, p. 357-391.

SEVCENKO, Nicolau. Peregrinations, visions and the city: from canudos to Brasília,
the backlands become the city and the city becomes the backlands. In: SCHELLING,

338
Vivian (org.). Through the kaleidoscope: the experience of modernity in Latin America.
New York: Verso, 2000, p. 75-107.

SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004.

339
UNINDO O ÚTIL AO AGRADÁVEL: UMA BREVE
ANÁLISE SOBRE AS TEMÁTICAS DOS
QUADRINHOS (COMICS E MANGÁS) DIANTE DA
PERSPECTIVA DO ENSINO DE HISTÓRIA
Felipe Adriano Alves de Oliveira

Introdução

O entretenimento sempre esteve atrelado a um conjunto de atividades com propósito de


distrair e divertir, seja um filme, uma música ou uma leitura descontraída. Com o
advento da internet as formas de entretenimento tem se pluralizado e se difundido de
uma maneira mais eficiente entre a população mundial, tornando o mais acessível. Essa
acessibilidade tem atingido diversas esferas do convívio social inclusive na área da
educação (LUYTEN, 1985; 2014).

Como mencionado anteriormente, as formas de entretenimento são diversas, sendo sua


maior parte voltada a produção industrializada. É diante desse processo que surgiu um
novo conceito de cultura, denominado “cultura pop”. De acordo com Luyten (2014), e
Khumthukthit (2010), a cultura pop se caracteriza pelo conjunto de manifestações
culturais voltadas ao entretenimento que se estabelece em produções de filmes, séries,
animações, vídeos, programas de TV, músicas e literatura, sendo essa última pautada
inclusive pela produção de histórias em quadrinhos (HQs). Pode se considerar portanto,
que a cultura pop é uma cultura do entretenimento.

Tomando como ponto central as temáticas que as HQs abordam e sua utilidade
histórica, é importante ressaltar a sua importância enquanto material de uso histórico,
pois com a ampliação do conceito de fonte histórica pela historiografia, mais
precisamente durante a 3ª Geração de Annales, diversos materiais sendo estes, parte de
uma produção social, foram considerados fontes de pesquisa, pois carregam consigo
valores, mentalidades, vivências e construção de um saber social. Diante disso, a
vertente historiográfica denominada “História Cultural” passou a fazer o uso dos
materiais que fossem parte de produtos culturais como rica fonte de pesquisa. Com isso
pode ser citado, por exemplo, o historiador Chartier e sua discussão em torno do
conceito de representação e leitura (REIS, 2004; TÉTART, 2000).

Alguns historiadores que visam o campo da educação escolar, tal como Fronza (2012),
destaca que:

Deslocando a discussão das estratégias didáticas para uma concepção de


aprendizagem baseada na narrativa histórica dos sujeitos, faz-se possível
fundamentar a autoria do relato do estudante e do professor historiador e
indicar o sincretismo da História, principalmente pelo aparecimento de

340
múltiplas temporalidades reveladas pelas respostas e narrativas do mesmo.
(FRONZA, 2012, p. 06).

Fronza (2012) argumenta que as narrativas descritas nas HQs auxiliam a complementar
o aprendizado obtido através da leitura de textos, pois suas ilustrações despertam o
interesse e auxiliam na cognição histórica. Nesse sentido, o presente artigo se destina a
fazer uma breve discussão das temáticas históricas presente nas HQs diante da
perspectiva de aprendizagem histórica, unindo dessa forma, o entretenimento e o ensino
da disciplina de história.

A utilização das histórias em quadrinhos como material auxiliar no ensino de história,


exige do professor uma metodologia, para que dessa forma, as aulas sejam produtivas e
os alunos possam extrair elementos que induzam o desenvolvimento da análise,
interpretação e consciência histórica. A escolha dos quadrinhos como ferramenta para a
aprendizagem histórica parte de uma premissa estratégica, já que a tipologia desse
entretenimento alcança um público-alvo sendo sua maioria jovens estudantes, tanto em
processo de alfabetização quanto alfabetizados (FRONZA, 2012).

Discutindo a relação: As histórias em quadrinhos e os fatos históricos

As histórias em quadrinhos carregam consigo elementos variados em sua temática, que


apesar de alcançar um público jovem adolescente, e até mesmo adultos, visa a atenção
de seus leitores, mesclando muitas vezes elementos e fatos históricos junto a uma
narrativa de cunho fictício. Isso tudo é presente tanto nos comics - quadrinhos
estadunidenses, sendo a DC Comics e Marvel suas principais editoras -, quanto nos
mangás – quadrinhos de origem japonesa, sendo a Kodansha e Shueisha suas maiores
editoras (OLIVEIRA, 2016).

A lista de quadrinhos que carregam consigo elementos históricos é complexa, mas pode
ser citado algumas, como por exemplo: do lado dos comics (X-man, Capitão América,
Quarteto Fantástico), (GUERRA, 2011). Fazendo análises nos temas que esses comics
abordam em suas histórias, é possível notar as representações históricas inseridas em
seu conteúdo. De acordo com Luyten (1985), os quadrinhos são compostos por valores
e elementos sociais, sendo eles mesmos veículos ideológicos.

Para Guerra (2011), os comics principalmente aqueles produzidos entre os anos de 1960
e 1980, carregam uma temática envolta por conflitos político-sociais. Fazendo a
contextualização histórica desses períodos mencionados, os produtores dos comics
estavam enfrentando um período de tensões entre os Estados Unidos e União Soviética,
marcado dessa forma, pela Guerra Fria. McCloud (1995) se aprofunda nessas
características presente entre a temporalidade histórica e seus produtores, e afirma que
os quadrinhos são compostos pela mentalidade e vivência dos artistas, seguindo ao
mesmo tempo as tendências político-sociais que os inserem.

Guerra (2011) cita alguns exemplos de histórias em quadrinhos e seu conteúdo: Os X-


Men, por exemplo, produzido na década de 60, com uma narrativa sobre a convivência
entre mutantes e pessoas comuns, fazem uma alegoria à luta social pela igualdade,
341
sendo esses movimentos, expressivos nesse mesmo período, encabeçados por
representantes como Martin Luther King e Malcolm X; O Capitão América criado nos
anos 40, traz elementos tanto da 2ª Guerra Mundial e a luta contra inimigos nazistas,
quanto da Guerra Fria; Enquanto o Quarteto Fantástico também criado na década de 60,
aborda os acontecimentos da corrida armamentista e científica entre os dois países
(EUA x URSS).

Os mangás já trazem consigo fatos históricos mais voltados para o contexto japonês,
exceto alguns como Trinity Blood e Hellssing que dentro de suas histórias fictícias,
carregam elementos da luta entre o catolicismo e protestantismo ocorrida no século XVI
na Guerra dos Trinta Anos, e alguns pontos conflituosos na Irlanda do Norte que se
desenrolaram entre os anos de 1968 e 1998. Os Cavaleiros do Zodíaco (Saint-Seya) faz
uma abordagem envolvendo a mitologia grega e nórdica (DUTRA, 2014). Já os de
contexto japonês têm-se os mangás Rorouni Kenshin (Samurai X), e Drifters que
carregam o contexto do Japão feudal em suas histórias, além dos mangás expoentes
sobre os conflitos da Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria, sendo respectivamente,
Hadashi no Gen, e Akira. (FEIJÓ, 2013; OLIVEIRA, 2016).

A relação que se estabelece entre as histórias em quadrinhos e fatos históricos é a da


representação, pois a intencionalidade do artista que produz os quadrinhos é fazer a
fusão entre sua vivência e a do leitor, ou o contexto em que ambos estão inseridos, além
da ficção para dar corpo a sua história, atraindo dessa forma o leitor, que vai estabelecer
uma conexão entre o seu conhecimento e o que está sendo lido, ou seja, haverá um
processo interpretativo entre o leitor e o modo de leitura (EISNER, 1989).

Chartier (2002) coloca de modo sucinto que a representação se relaciona com as


imagens, na qual pretende mostrar uma imagem presente no lugar de um objeto ausente,
para que possa assim representá-lo, e é justamente nessa “ausência” que se desenvolve o
processo da interpretação daquilo que não se encontra presente, surgindo dessa forma,
as relações entre leitor/quadrinhos, e quadrinhos/fatos históricos, ou seja, o leitor é o
“protagonista” dessa relação, cabe a ele relacionar os elementos históricos e
compreendê-los.

História “e” quadrinhos: Uma forma eficiente de aprendizagem sobre análise e


interpretação

Essa relação entre aluno e quadrinhos é trabalhada com o objetivo de que o aluno passe
a desenvolver suas habilidades de interpretação, e isso apenas se dá com o processo da
leitura, análise, e identificação do conteúdo, estabelecendo assim, o senso crítico, a
compreensão, e associação com os fatos históricos.

Esse aspecto de ampliar a percepção histórica dos alunos por meio dos quadrinhos parte
de uma premissa destacada por Rüsen (2010), de que os alunos dependendo do contato
que estes têm com os fatos históricos, tendem a desenvolver as proto narrativas, ou seja,
as ideias prévias de um determinado fato. Com a utilização dos quadrinhos com o
objetivo de separar o que é fato e o que é ficção, instiga o processo de investigação dos

342
alunos ao fazer tal análise, desenvolvendo uma percepção maximizada e equilibrada de
suas narrativas (BARCA, 2007).

Considera-se, portanto, que as histórias em quadrinhos se estabelecem como objeto de


análise, essa relação auxilia também na questão da noção dos alunos sobre a disciplina
de história enquanto ciência e, com o esse projeto de investigação utilizando quadrinhos
com os alunos, auxilia-os na participação enquanto agentes de construção histórica, em
outras palavras, quando o professor utiliza os quadrinhos em sala de aula com os alunos
para pesquisar determinados elementos inseridos nos quadrinhos e que fazem ligação
com uma determinada temática – guerra fria por exemplo – os alunos precisam analisar
as narrativas históricas contidas nos quadrinhos, o contexto de sua produção e qual a
intenção que as ilustrações desejam causar no leitor.

Já o contato dos alunos com os mangás, auxilia na ampliação e no contato com culturas
diferentes das do ocidente. Feijó (2013) destaca que além de fazer essa ligação
interpretativa entre realidade e ficção presente nas narrativas dos mangás, possibilita a
apresentação de uma nova cultura, no caso, a cultura japonesa, enriquecendo as noções
entre cultura oriental, e ocidental, ou seja, a percepção e compreensão do outro.

Diante disso, essa breve discussão contribui para abordagem sobre novas ferramentas
que auxiliam na aprendizagem histórica e que propicia o desenvolvimento da
consciência histórica e a aproximação dos alunos como sendo agentes da história, os
quadrinhos sendo parte da cultura pop podem sim desempenhar um papel importante
enquanto ferramenta de aprendizagem e objeto de pesquisa mesclando o ensino com o
entretenimento, sendo “útil” em termos da utilização da disciplina de história, e o
“agradável” como os quadrinhos enquanto material cotidiano de entretenimento a gerar
significado para a aprendizagem.

Referências bibliográficas

BARCA, I. Investigação em Educação Histórica: possibilidades e desafios para


aprendizagem histórica. In:_____SCHMIDT, M. A; GARCIA, T. M. F. B. (orgs).
Perspectivas de investigação em educação histórica: atas das VI jornadas
internacionais de educação histórica. vol. 1. Curitiba: Editora da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, 2007, p. 26-42.

CHARTIER, R. A História cultural entre práticas e representações. Algés


(Portugal): DIFEL, 2002.

DUTRA, D. S. A mitologia grega no mangá Saint Seya – Cavaleios do Zodíaco.


Monografia (Graduação em História), Lajeado: Centro Universitário Univates. 2014.

EISNER, W. Quadrinhos e arte seqüencial. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

FEIJÓ, L. C. C. Narrativa e Representação nos quadrinhos: A Restauração Meiji


(186) nos mangás. (Dissertação), Pelotas: Universidade Federal de Pelotas – (Programa
de Pós-Graduação em História), 2013.

343
FRONZA, M. A intersubjetividade e a verdade na aprendizagem histórica de
jovens estudantes a partir das histórias em quadrinhos. (tese), Curitiba:
Universidade Federal do Paraná, 2012.

GUERRA, F. V. Super Heróis Marvel e os conflitos sociais e políticos nos EUA


(1961-1981). (Dissertação), Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2011.

KHUMTHUKTHIT, P. A nova diplomacia do Japão. (Dissertação), Rio de Janeiro:


PUC-Rio, 2010.

LUYTEN, S. M. B. Mangá e anime: ícones da cultura pop japonesa. São Paulo,


2014, (artigo). Fundação Japão em São Paulo.

_____, Histórias em Quadrinhos (leitura crítica). São Paulo: Edições Paulinas, 1985.

MCCLOUD, S. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: Makron Books, 1995.

OLIVEIRA. F. A. A. MANGÁS, ENTRE A REALIDADE E A FICÇÃO: Um olhar


histórico-analítico sobre o mangá Akira e sua relação com os “loucos anos 60” do
Japão. (monografia), Itararé: Faculdades Integradas de Itararé, 2016.

REIS, J. C. Escola de Annales: a inovação em história. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

RÜSEN. J. Narratividade e objetividade nas ciências históricas. In:____SCHIMIDT,


M. A; BARCA. I; MARTINS, E. R. (orgs). Jorn Rüsen e o ensino de História.
Curitiba: Ed. UFPR, 2010b. p. 93-103.

TÉTART, P. Pequena história dos historiadores. Bauru: EDUSC. 2000.

344
OS USOS DE JORNAIS DE ÉPOCA NO ENSINO DE
HISTÓRIA: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA,
DIDÁTICA E METODOLÓGICA
Gabriel dos Santos Birkhann

Em primeiro lugar, destaca-se que esta comunicação se trata de uma discussão


científica, que tem como objeto o uso de jornais de época no ensino de História. O
ensino de História suscita, nos dias atuais, alguns questionamentos a respeito de alguns
aspectos que ocorrem na sala de aula, nos diferentes níveis e modalidades de ensino.

Um desses aspectos refere-se à metodologia adotada e aos recursos didáticos utilizados


durante o processo de ensino-aprendizagem, os quais muitas vezes não se encontram em
sintonia com as demandas dos diferentes discentes.

Sabe-se que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9394/96 (também


conhecida como “LDB” ou “LDBEN”), em seu artigo segundo reza que “a educação
(...) tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Neste sentido, faz-se necessário refletir sobre a inclusão de novos recursos e


metodologias de ensino no ambiente escolar. Como base da discussão, indica-se o jornal
como um recurso didático importante e o debate, mediado pelo professor, como uma
metodologia adequada.

Pretende-se, portanto, nesta comunicação reconhecer as fontes impressas,


especialmente os jornais, como instrumentos necessários à pesquisa e ao ensino de
História.

Por isso, percebendo o quão notório é o grande desafio que os docentes enfrentam no
exercício das atividades inerentes à sua profissão, entendeu-se que promover a reflexão
sobre os benefícios que a utilização de jornais no ensino de História pode acarretar seria
não só necessário, como urgente. Entende-se que a superação de práticas pedagógicas
anacrônicas não é somente indicada, mas viável em termos de ensino e aprendizagem.

De modo a se obter embasamento teórico, pode-se recorrer à Libâneo (2014, p.40), que
com sua contextualização a respeito das tendências pedagógicas nos mostrou a
importância de se levar à sala de aula conteúdos “concretos e, portanto, indissociáveis
das realidades sociais” (p.40), tal como a Tendência Crítico-social dos Conteúdos
preconiza. Além disso, a professora Souza (2010, p.1), por seu turno, colocou a
importância de se evitar a chamada “farsa do planejamento”, na qual o improviso é
constante.

345
Ou seja, compreende-se também que é necessário que o professor se atenha ao Plano de
Ensino da Disciplina que ministra, observando o tempo que dispõe, além das
condições e limitações físicas do seu ambiente de trabalho.

Isso não implica, é claro, em uma rigidez, mas somente em um cuidado necessário já
que o docente deve preparar a turma de modo que ela entenda que os próprios
documentos são objetos de transformações históricas.

É mister destacar que os “PCNs” para a área de Ciências Humanas e suas Tecnologias
destacam justamente isso, colocando que os alunos devem compreender o jornal não
como apenas o alicerce da construção histórica, mas também como parte dessa
construção em todos seus momentos e articulações (BRASIL, p.22).

Destaca-se também o preparo docente, visto que o profissional da educação deve


possuir conhecimentos teóricos (conceitos) e didática adequada, de modo a orientar
corretamente as atividades discentes. É nítido, portanto, que o professor pode valer-se
de metodologias variadas nas situações de ensino-aprendizagem, tais como debates,
seminários ou aula expositiva dialogada (quando o conteúdo for o estudo de história
local ou conceitos como cultura e tempo, por exemplo).

Uma relação dessas atividades encontra-se em “Didática e pratica de ensino de historia:


experiências, reflexões e aprendizados”, livro escrito por Selva Guimarães Fonseca.
Mas, como indica Rivas (2012, p.8, tradução nossa), permeia todo este processo o
cuidado que o professor deve ter para que o aluno compreenda que inexiste neutralidade
no documento:

(...) Os textos não são neutros nem ingênuos e tão pouco dão conta de
verdades absolutas; no máximo entregam interpretações dos fatos, os quais,
por sua vez são tratados y hierarquizados de acordo a concepções e motivos
muito particulares e subjetivos.

Por causa disso, o docente deverá fazer um trabalho profundo, com atenção,
desvelando-se os problemas, alinhavando as dúvidas, sempre atento, como colocaria
GINZBURG (2012, p.144), aos “pormenores mais negligenciáveis”.

Este trabalho do professor deve se desenrolar no sentido do desenvolvimento de


competências e habilidades que permitam ao aluno o crescimento rumo a um
conhecimento sistematizado e organizado. O docente, ao estabelecer os objetivos de
ensino, deverá levar em conta que os próprios documentos são objetos de
transformações históricas, vide que em cada época são interpretados de maneiras
diferentes por agentes históricos singulares, e deverá transmitir isso aos seus alunos.
Assim, o discente analisará que ao longo do tempo diferentes interpretações sobre um
determinado fato histórico se tornam dominantes para em seguida caírem em desuso.

Podendo “desempenhar um papel importante na configuração da identidade, ao


incorporar a reflexão sobre a atuação do indivíduo nas suas relações pessoais”
(BRASIL, 2000, p.22), os jornais locais/regionais podem ajudar os alunos a entender as
dinâmicas sociais que aconteciam em sua cidade e a compreender a importância do

346
estudo de História Local, visto que é em sua comunidade onde suas relações e empatias
são desenvolvidas em primeiro lugar.

Os documentos, como coloca BRASIL (2000, p.22) “deixaram de ser considerados


apenas o alicerce da construção histórica, sendo eles mesmos entendidos como parte
dessa construção em todos seus momentos e articulações”.

Neste sentido, após refletir sobre o uso de jornais de época no ensino de História, pode-
se inferir que o aluno estará não somente aprendendo o conteúdo específico da aula,
mas irá estar também refletindo sobre a construção do conhecimento histórico,
desenvolvendo a consciência a respeito da importância da valorização da memória local
e da conservação de documentos históricos e de todo o patrimônio cultural de uma
determinada sociedade.

Conclui-se, portanto, que os jornais são instrumentos necessários à pesquisa e ao ensino


de História, os quais devem ser introduzidos no ambiente escolar.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro


de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares


nacionais. Ciências Humanas e suas Tecnologias. Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. –Brasília: MEC, 2000. Disponível em: <
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/cienciah.pdf>. Acesso em: 4 mai. 2016.

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e pratica de ensino de historia: experiências,


reflexões e aprendizados. São Paulo: Campinas, 2012, 13. e., 443 p. (Coleção
Magistério Formação e Trabalho Pedagógico).

GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, Emblemas e


Sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, 288 p.

LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: A pedagogia crítico-social


dos conteúdos. São Paulo: Edições Loyola, 28ª e., 2014, 160 p. (Coleção Educar).

RIVAS, Fernando. La prensa escrita como documento histórico: cuidado, prevenciones


y consideraciones. Disponível em:
<http://www.observatoriodecomunicacion.cl/sitio/wp-content/uploads/2012/08/La-
prensa-escrita-como-documento-hist%C3%B3rico_-cuidado-prevenciones-y-
consideraciones1.pdf>. Acesso em: 10 set.2016.

SOUZA, Maria Inês Flôres Marcondes de. A farsa do planejamento. Disponível em: <
http://www.institutounipac.com.br/aulas/2010/1/UBEDF02N1/000094/000/afarsadoplan
ejamento.doc>. Acesso em: 10 mai. 2016.

347
MÚSICAS DE RAP: HISTÓRIA E
SUBJETIVIDADES
Gabriel Passold

Há um senso comum que pressupõe, nas músicas de rap, uma maior importância do
texto em detrimento dos seus outros aspectos sonoros. Autores como Oliveira (2011) e
Righi (2011), além de vários outros, compartilham desta visão. Isso não significa que o
senso comum é apropriado para falar de todo o universo rap, ou seja, que o rap é mais
texto (letras) do que melodia (música). Significa apenas que muitos o abordam nessa
perspectiva. E mesmo que parte do próprio universo rap compartilhe disso, partimos do
pressuposto de que as letras não são obrigatoriamente a tônica das músicas de rap, mas
são parte de um tecido histórico e estético mais amplo, composto por outros elementos
sonoros não menos importantes que a letra, como por exemplo, o flow proporcionado
pelo arranjo das rimas. Nosso debate é sobre uma possibilidade de análise das músicas
de rap em contrapartida à ideia de um senso comum que implica numa vanguarda
canônica de “representantes” engajados do rap nacional, ou seja: pensá-lo a partir de um
senso comunitário.

Façamos um breve parêntese para algumas considerações teóricas que contribuem para
o debate. Se é possível falar de política numa expressão estética e ela não está ligada um
arranjo artístico com determinado conteúdo, como uma espécie de senso comum
compreende, mas antes, a um senso comunitário prioritariamente estético, um dos
primeiros autores a refletir sobre isso foi Immanuel Kant na Crítica da faculdade do
juízo (2012), de 1790, que propôs uma “propedêutica de toda arte bela” não mais
abalizada em preceitos da tradição,

[...] mas na cultura das faculdades do ânimo através daqueles conhecimentos


prévios que se chamam humaniora, presumivelmente porque humanidade
<Humanität> significa de um lado o universal sentimento de participação e,
de outro, a faculdade de poder comunicar-se íntima e universalmente; estas
propriedades coligadas constituem a sociabilidade conveniente à
humanidade <Menschheit>, pela qual ela se distingue da limitação animal
(KANT, 2012, p. 219).

Kant contribui para pensar que o sentido comunitário, aplicado ao rap, não se liga
necessariamente a territorialização do sentido – com tal discurso ligado a tal lugar e
grupo – mas se liga a outra espécie de comunidade, baseada em outros pressupostos,
como, por exemplo, da igualdade das inteligências e das capacidades de indivíduos
quaisquer em comunicar suas histórias, ou seja, num “universal sentimento de
participação”.

Nessa perspectiva, não buscamos analisar o rap apenas por um suposto conteúdo
discursivo político – pois, antes de tudo, esse conteúdo não é simplesmente pautado tão
somente nisso – mas sim, algo que se tece sobre uma humanidade compartilhada

348
universalmente por sentimentos – e não por ideias e conceitos já estabelecidos, como no
caso de CONTIER (2005), que aborda as suas letras por um cunho ideológico.

Como demonstração deste critério por nós adotado, continuaremos o debate a partir de
um exemplo de letra de rap. Vamos ao seguinte trecho da segunda parte da letra da
música Hoje Cedo (2013) de Emicida, com a participação da cantora/compositora Pitty:

Vagabundo a trilha é um precipício, tenso, ou melhor, quero salvar o


mundo, pois, desisti da minha família e numa luta mais difícil a frustração
vai ser menor, digno de dó, só o pó, vazio comum, que já é moda no século
21, blacks com voz sagaz gravada, contra vilões que sangra a quebrada, só
que raps por nóiz, por paz, mais nada, me pôs nas gerais, numa cela
trancada, eu lembrei do Racionais, reflexão, aí, os próprio preto num tá nem
aí com isso não, é um clichê romântico, triste, vai perceber, vai ver, se
matou e o paraíso não existe, eu ainda sou o Emicida da rinha, lotei casas do
sul ao norte, mas esvaziei a minha, e vou, por aí, taleban, vendo os boy
beber, dois mês de salário da minha irmã, hennessys, avelãs, camarins, fãs,
globais, mano, onde eles tavam há dez anos atrás, showbiz como a regra diz,
lek, a sociedade vende Jesus, por que não ia vender rap? O mundo vai se
ocupar com seu cifrão dizendo que a miséria é que carecia de atenção
(EMICIDA, 2013).

Quais os significados da letra desta música? É possível compreendê-la em uma narrativa


de “engajamento”? Ou então seria uma crítica a essa ideia? Não temos como responder,
pois a música pode, de fato, estimular várias interpretações; logo, não se trata de
enquadrá-la num ou noutro lugar de fala, mas essas perguntas mostram uma
problemática a ser levantada acerca da relação do pesquisador acadêmico com os signos
da expressão artística desse momento estético/político do rap no cenário nacional
contemporâneo. A operação que o insere num determinado quadro histórico-social e, a
partir daí, extrai as possíveis significações de seus signos discursivos tem, como
fundamento a priori, a ideia que a expressão artística – sobretudo aquela da “periferia”
– ocuparia, de início, posição de discurso inferior em relação à interpretação acadêmica,
por não se enquadrar em um modelo de argumentação racional.

Podemos pensar na questão histórico-social, por exemplo, como sugere Rancière: de um


social que implica o “desvio das palavras em relação às coisas” ou, mais precisamente,
do “desvio das nomeações às classificações” em que “nenhum conjunto de traços
distintivos” garante mais as posições desses seres falantes em seus “níveis sociais”
(RANCIÈRE, 1994, p. 43-44), pois o “social” surge justamente nessa época
democrática “engendrada por uma pura abertura do ilimitado e constituída a partir de
lugares de fala que não são localidades designáveis”, mas “que são articulações
singulares entre a ordem da fala e a das classificações” (RANCIÈRE, 1994, p. 99-100).

Além disso, questionamos a ideia de analisar o rap estritamente pelo “discursivo”, e


apontamos para a importância de uma análise de outros elementos, que no caso das
letras, pode se ater além do conteúdo significante, como no flow das rimas de Emicida,
nos sons de instrumentos como a bateria e piano, no refrão melódico pela voz da Pitty,
entre outros aspectos estéticos de músicas como Hoje cedo.

349
As letras, por vezes, podem estar inclusive em segundo plano em relação aos sons,
afinal, no rap, ainda se trata de música, e nela podem prevalecer quaisquer outros
elementos estéticos sobre a necessidade de significar, pois a música não é
necessariamente uma “representação” de algo, mas antes, constitui-se de um tecido
estético múltiplo, e um timbre, um ritmo ou uma rima, por exemplo, podem desencadear
sentimentos que uma preposição muitas vezes não é capaz de expressar.

Ainda que o conteúdo das letras seja de fato, uma parte importante das criações
artístico-musicais do rap, quando há uma predominância de um senso comum na
história do rap com base quase que exclusivamente nesse aspecto, corre-se o risco de
desconsiderar grande parte do processo criativo implicado numa expressão estética
como essa. Não podemos esquecer que essas palavras sofrem processos de
ressignificações e, portanto, entendê-las a partir de significações objetivas pode
inclusive bloquear o seu caráter estético/político/histórico. Ao debatemos outras
possibilidades de abordagem com as músicas de rap, que não tão somente baseadas no
senso comum que analisa as suas letras numa perspectiva de conteúdo direcionado, mas
num senso comunitário onde o que está em jogo são as possibilidades
educativas/emancipatórias/subjetivas, nos atemos a historicidade das próprias
expressões estéticas, que é a historicidade democrática.

Referências bibliográficas

CONTIER, Arnaldo Daraya. O Rap Brasileiro e os Racionais MC’s. In: Anais Simpósio
Internacional do Adolescente. São Paulo. 1,. Out. 2005. Disponível
em:<http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000
082005000100010&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 9 mar. 2016.

EMICIDA. Hoje cedo. In: EMICIDA. O glorioso retorno de quem nunca esteve aqui.
São Paulo: Laboratório Fantasma, 2013. MP3, 192 Kbps.

KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária,


2012.

OLIVEIRA, Roberto Camargos de. Música e Política: Percepções da vida social


brasileira no Rap. 2011. 177 fls. Dissertação (Mestrado em História Social) –
Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, MG: 2011.

RANCIÈRE, Jacques. Os nomes da História: Ensaio de Poética do Saber. São Paulo:


EDUC/Pontes, 1994.

RIGHI, Volnei José. RAP: Ritmo e Poesia. Construção identitária do negro no


imaginário do RAP brasileiro. 2011. 515 fls. Tese (Doutorado em Literatura e Práticas
Sociais) - Universidade de Brasília. Brasília, DF: 2011.

350
O USO DE IMAGENS NAS AULAS DE HISTÓRIA
NO ENSINO MÉDIO
Gabriela Alves Monteiro

Introdução

Este texto aborda questões pertinentes ao uso de imagens nas aulas de História no
Ensino Médio. O objetivo consiste em identificar tendências de usos/abordagens das
imagens na prática dos professores de História. Para tanto, foi realizada uma pesquisa
de campo na Unidade Escolar Professora Maria de Lourdes Rebelo, escola parceira do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da Universidade
Federal do Piauí (UFPI). Essa escola estadual se localiza em Teresina, capital do Estado
do Piauí, Brasil. Ela funciona desde 1972, oferecendo, primeiramente, o Ensino
Fundamental e atualmente o Ensino Médio nos três turnos: manhã, tarde e noite. A
instituição também oferece a 856 alunos o Ensino Médio, na modalidade regular e por
meio do projeto Jornada Ampliada. Para efeitos deste trabalho, delimitamos nossa
observação somente às aulas do 3ª ano do Ensino Médio.

De acordo com Selva Guimarães Fonseca (2003), o uso de diferentes linguagens e


fontes tem sido um tema muito debatido na área da metodologia do ensino de história
nos últimos anos. Além disso, sabemos que o conhecimento não é o único fator
responsável pelo processo ensino-aprendizagem. Nesse sentido recorremos ao
pensamento da historiadora Áurea Paz Pinheiro, que afirma que:

O educador contemporâneo deve desenvolver práticas educativas fundadas


em um referencial teórico-metodológico consistente, buscando, através da
organização do trabalho pedagógico, a articulação consistente das
dimensões técnico-metodológicas, humana e político-social inerentes a
qualquer ação educativa, partindo sempre do contexto sociocultural de sua
ação, do tipo de sujeito que deseja formar (PINHEIRO, 2007, p.133).

Para que essa competência seja atingida com satisfação, o professor, no cotidiano
escolar, pode fazer uso de variadas práticas que possibilitem ao aluno contato com
novas metodologias de aprendizagem. Nos próprios Parâmetros Curriculares Nacionais
do Ensino Médio esse tipo de atuação é instigada:

Na transposição do conhecimento histórico para o nível médio, é de


fundamental importância o desenvolvimento de competências ligadas à
leitura, análise contextualização e interpretação das diversas fontes e
testemunhos das épocas passadas – e também do presente. (PARÂMETROS
CURRICULARES NACIONAIS DO ENSINO MÉDIO, 1999, p. 22).

Nesse sentido, o professor deve estar atento aos procedimentos e deve agir para que o
aluno compreenda que o texto não é o único a transmitir mensagens. As imagens
também refletem inúmeras ideias e conceitos. Portanto, compreendemos que uma
351
imagem não ilustra e nem reproduz a realidade, mas ela a constrói a partir de uma
linguagem própria.

Metodologia

Esta investigação tem como objetivo analisar o uso de imagens na prática pedagógica
do professor de História no Ensino Médio buscando identificar tendências de
usos/abordagens. Desse modo, a pesquisa foi realizada com um professor de História na
escola anteriormente citada durante dois meses. O professor era supervisor do PIBID e
durante a observação das aulas buscamos direcionar o olhar para os recursos didáticos
utilizados por ele na sala de aula, com ênfase na utilização de imagens.

A abordagem metodológica escolhida para o trabalho foi a de uma pesquisa de campo.


Esse tipo de pesquisa procedeu à observação de fatos e fenômenos como ocorrem na
sala de aula, à coleta de dados referentes aos mesmos e, finalmente, à análise e
interpretação desses dados, com base numa fundamentação teórica, objetivando
compreender e explicar o problema pesquisado.

Entendemos também que esta investigação se trata de um estudo de caso, uma vez que
será explorado aqui um caso específico e único, durante um período de tempo limitado,
objetivando esclarecer um problema que é: como o professor de História, no Ensino
Médio, utiliza do recurso das imagens em sua prática pedagógica?

Na busca de resolver esse problema, primeiramente foi feito um levantamento


bibliográfico sobre os principais autores que pesquisam a temática, procurando
compreender o atual estado dos trabalhos sobre esse campo, a fim de se construir um
embasamento teórico para a pesquisa. Em um segundo momento, realizou-se a
observação da prática pedagógica do professor de História durante as aulas, na escola
anteriormente citada. O instrumento de coleta de dados que foi utilizado nesta pesquisa
foi um diário de campo comum, onde observações das aulas foram anotadas. Depois da
fase de observação, foi feito o exame do material coletado com base nas anotações e na
análise das imagens utilizadas pelo professor. Por fim, selecionados os dados relevantes
para a pesquisa, buscando sempre a melhor compreensão possível do caso. A última
parte deste processo foi à interpretação dos dados coletados e as conclusões remetem
basicamente à escrita deste trabalho.

Resultados

Teceremos aqui algumas considerações sobre o que foi possível concluir acerca do uso
de imagens na prática pedagógica do professor de História no Ensino Médio.
Ressaltamos que por se tratar de um estudo de caso, não podemos generalizar os
resultados aqui obtidos a todos os professores de História. Contudo, pensamos que a
relevância deste trabalho está em contribuir para a compreensão da prática pedagógica
relacionada à importância que a análise de imagens tem no ensino de História.

352
Concluída observação, verificamos serem verdadeiras as constatações da literatura
pedagógica sobre o uso de imagens no ensino de História. O que pudemos observar é
que há muito tempo essa metodologia foi incorporada na prática docente
(BITTENCOURT, 2011). Apesar de não se valer dos recursos visuais em todas as aulas
observadas, o professor de História observado nesta pesquisa, mostrou-se atento e
disposto a incorporar as novas tecnologias/linguagens/fontes no ensino e o fez quando
possível.

Buscando identificar tendências de uso/abordagem das imagens em sala de aula, durante


o período analisado, outra conclusão que chegamos é que dentre o variado universo
visual que poderia ser empregado é no registro fotográfico que se apoia
predominantemente o professor. As fotografias eram exibidas através do aparelho
Datashow ou problematizadas a partir do livro didático.

Quanto à metodologia empregada, verificou-se que o professor tem consciência do


poder que as imagens têm de nos informar sobre determinado momento histórico. Nesse
sentido, podemos pensar que a metodologia empregada por ele faz com que a imagem
não se apresente apenas como uma ilustração do assunto, mas como um próprio
conteúdo (XAVIER, 2010). Notamos que são nesses momentos, em que o professor
instigou os alunos compreenderem o que a imagem está “falando” e principalmente
quando ele fez ligações com o contexto da imagem e o presente, que os alunos mais se
atentaram a aula.

Contatamos também que as imagens utilizadas pelo professor no Datashow não


possuíam nenhuma referência de data ou de autor e também não possuíam legendas. O
que verificamos na prática do professor observado é que apenas as fotos contidas no
livro didático continham essas informações. Porém, nas imagens presentes nos slides
esses dados foram ignorados. É preciso estar atento a esses detalhes para que se evite
desta maneira, de cair no erro de utilizar o conhecimento de forma equivocada, apenas
descrevendo o que está visível e reforçando discursos construídos ideologicamente
(COELHO, 2007). Ressaltamos aqui que preferencialmente o trabalho com imagens
deve possibilitar discussões acerca das condições de produção da mesma.

De fato, parece-nos claro que o uso de imagens requer uma prática adequada, uma vez
que sabemos que apenas o conhecimento não é suficiente pra um ensino eficaz. O
conhecimento deve ser aliado a uma prática competente, de preferência aquela que
instrumentalize o aluno a se compreender como sujeito, tomando consciência de seus
atos.

A partir dessas constatações concluímos que o uso de imagens no ensino é cada vez
mais uma tendência, tanto como pesquisa acadêmica quanto como prática docente.
Concluímos também que o uso de imagens no ensino de História é uma tarefa possível e
eficaz quando bem utilizada.

353
Referências

BITTENCOURT, C. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez,


2011.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros


Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC – Secretaria de Educação
Média e Tecnológica (SEMTEC), 1999.

COELHO, T. S. A Percepção da Sociedade Visual: As Imagens no Ensino de História.


In: Anais do III Seminário Educação, Imaginação e as Linguagens Artístico Culturais.
Criciúma,2007.

FONSECA, S. G. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e


aprendizados. Campinas-SP: Papirus, 2003.

PINHEIRO, A. P. O educador como gestor do processo de ensino-aprendizagem. In:


Paisagens educativas: saberes, experiências e práticas educativas. Teresina: Colégio
Diocesano, 2007.

XAVIER, E. S. Ensino e História: o uso das fontes históricas como ferramentas na


produção do conhecimento histórico. In: Anais da XXII Semana de História da
Universidade Estadual do Norte do Paraná. Jacarezinho, 2010.

354
A PRODUÇÃO FÍLMICA NO ENSINO E NA
PESQUISA HISTORIOGRÁFICA
Gustavo Batista Gregio

O presente trabalho busca realizar uma breve discussão e reflexão sobre a produção
fílmica como documento e fonte no ensino e na pesquisa historiográfica. Para tanto, é
necessário compreender que a produção cinematográfica no decorrer do século XX
adquiriu significativa importância seja como produção cultural ou instrumento de
ensino. O cinema antes visto apenas como objeto de diversão e entretenimento popular
adquiriu principalmente nas Ciências Humanas novo status, transformando-se em fonte
e documento para novas abordagens teóricas, especialmente temáticas cujo enfoque
fosse às culturas e as sociedades.

Na História, inúmeros estudiosos buscaram analisar e compreender as estratégias, os


elementos, as técnicas e os signos empregados na produção fílmica. A atual relação
interdisciplinar da História com outras áreas do conhecimento ocorreu inicialmente a
partir das teorias elaboradas pela École des Annales, a qual figura na história da
historiografia como o movimento que, efetivamente, rompeu com os modelos
tradicionais historiográficos do século XIX, instaurando uma nova concepção de se
produzir o conhecimento histórico.

Na ótica de Le Goff (2003), o principal objetivo dos Annales foi destronar a História
política numa tentativa de reformular uma nova História política, no caso, uma história
com uma nova concepção do político. As reformulações proposta pelos Annales
impulsionou um profundo movimento de transformação na historiografia, criando uma
geração de historiadores que passou a questionar a hegemonia da História política e a
defender uma nova concepção de História, na qual o social tornar-se-ia fundamental.

Os Annales e posteriormente a Nova História, constituíram novas visões para a análise


histórica, reformulando paradigmas e assinalando que o conhecimento histórico não
poderia jamais se fechar em si mesmo. Deveria apresentar caminhos alternativos para a
pesquisa, atingindo sempre novos elementos distintos, unindo áreas do saber, no diálogo
para a construção do conhecimento científico.

Surgiram novas problemáticas e sentidos para a História, muitas vezes sequer


entrelaçados entre si. Essa nova perspectiva historiográfica se caracterizou não somente
por trabalhar com um corpo documental diversificado e novos objetos de pesquisa, mas,
por buscar nas velhas fontes, novas leituras. A partir da Nova História, surgiu a História
Cultural, que teve maior visibilidade a partir das últimas décadas do século XX.
Chartier (1990) compreende que a História Cultural é a história da maneira como os
indivíduos e a sociedade representam a realidade e de como essas representações
orientam suas práticas socioculturais.

De forma sucinta, assinalamos as transformações que ocorrerem na construção do


conhecimento histórico e que tais problemáticas tornaram a História interdisciplinar,
355
possibilitando novas perspectivas e incorporando novas fontes na pesquisa
historiográfica, como a produção audiovisual. Marc Ferro foi um dos pioneiros
responsáveis por essa inovação. O autor defendia que a não aceitação da linguagem
cinematográfica no fazer histórico ocorreria em função desta ser concebida como parte
do imaginário social, que, por sua vez, também não pertencia ao campo de estudo da
História. Entretanto, essa nova historiografia ao romper com tais paradigmas, fez com
que o historiador buscasse na projeção da ficção a percepção de novas sensibilidades,
elencando-as como objeto de questionamento, na tentativa de decifrar práticas
socioculturais representadas.

Entrementes, a representação fílmica passou a ser maior aprendida a partir dos anos
finais do século passado, indo de encontro com o grande desafio da História Cultural, o
qual era de atingir um reduto das sensibilidades e de perceber como se dão os processos
de reconstrução da realidade.

As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar


deste mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e
pautam a sua existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas
sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do
real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações
que constroem sobre a realidade (PESAVENTO, 2004, p. 39).

Como apontamos, a História Cultural abriu um novo leque de possibilidade para a


pesquisa e o ensino da História, mas, é importante salientar que um estudo ou pesquisa
que se paute nas representações audiovisuais e na produção cinematográfica, requer
abordagens metodológicas específicas. Pois, a “imagem-movimento” dessas obras,
aliadas às múltiplas técnicas de filmagem, montagem, seleção do enredo, de elenco, de
locações, de cenários e de figurinos criam um sistema de significações que cabe aos
historiadores decifrarem.

Esses elementos constroem a “impressão de realidade” que têm o poder de materializar


uma narrativa, através de suas representações, “tem valor não apenas teórico, mas
histórico (ela caracteriza uma época [...])” (AUMONT; MARIE, 2003, p. 163). A
“impressão de realidade” é resultado da riqueza receptiva típica do cinema e de suas
técnicas, no qual o som e a imagem são complementos fundamentais nessa construção.

Igualmente à presença simultânea da imagem e do som... dando assim a


impressão de que o conjunto de dados perspectivos da cena original foi
respeitado. A impressão é muito mais forte quando a reprodução sonora tem
a mesma “fidelidade fenomenal” que o movimento... ela é mais reforçada
pela posição psíquica na qual o espectador se encontra no momento da
projeção... definida por dois de seus aspectos. Por um lado, o espectador
passa por uma baixa de seu limiar de vigilância; consciente de estar em uma
sala de espetáculo, suspende qualquer ação e renuncia parcialmente a
qualquer prova de realidade. Por outro lado, o filme bombardeia-o com
impressões visuais e sonoras (AUMONT, 1995, p. 150).

A “impressão de realidade” tem como função em uma narrativa fílmica representar a


realidade como se ela estivesse sendo capturada e apresentada tal como ela é, criando
356
um simulacro tão fiel ao real que o processo de representação se torna imperceptível aos
olhos dos espectadores. Assim, a linguagem cinematográfica constrói uma série de
signos de uma realidade, traduzindo os significados do real, apresentando-os através da
narrativa audiovisual.

Santaella (2000) observa que a secularidade dos signos sempre tem a possibilidade do
efeito de impressão, o qual está apto a produzir por meio de significados. Contudo, o
olhar que o espectador lança sobre esses signos representados não está livre, pois esses
elementos são regidos pelas escolhas que o diretor, produtores, entre outros, operaram
no momento de roteirização, filmagem e edição da obra.

Qualquer coisa de qualquer espécie, imaginada, sonhada, sentida,


experimentada, pensada, desejada... pode ser um signo, desde que esta
´coisa´ seja interpretada em função de um fundamento que lhe é próprio,
como estando no lugar de qualquer outra coisa. Ser um signo é ser um termo
numa relação triádica específica. Essa relação não precisa necessariamente
estar armada de maneira prévia para que o signo funcione como tal
(SANTAELLA, 2000, p. 90-91).

Em suma, essas narrativas fílmicas têm o poder de nos transportar para um novo mundo
de significados, capaz de estimular o nosso inconsciente e de ultrapassar as fronteiras do
que entendemos por realidade e ficção. Contraditoriamente, para compreendermos esse
mundo ficcional criado pelo cinema, é necessário o apreendermos como uma forma de
“realidade”. No qual, os códigos e os signos expressos nas fontes audiovisuais
representam outra realidade, outra história e outro tempo.

Toda representação é relacionada por [...] seus espectadores históricos e


sucessivos – a enunciados ideológicos, culturais, em todo caso simbólicos,
sem os quais ela não tem sentido. Esses enunciados podem ser totalmente
implícitos, jamais formulados: nem por isso são menos formuláveis
verbalmente, e, o problema do sentido da imagem é, pois o da relação entre
imagens e palavras, entre imagem e linguagem. Ponto bastante estudado, do
qual vamos só lembrar que não há imagem ‘pura’, puramente icônica, já que
para ser plenamente compreendida uma imagem necessita do domínio da
linguagem verbal (AUMONT, 1995, p. 248).

Por fim, a produção fílmica transformou o século XX e os anos inicias do século XXI
em um gigantesco laboratório de observação, produzindo e reproduzindo imagens e
significados dos mais variados possíveis, criando suas próprias representações da
História, da cotidianidade e principalmente das relações e das práticas socioculturais.

Desse modo, o historiador deve estar ciente das problemáticas que envolvem apreender
a narrativa fílmica como objeto de estudo, pois a linguagem audiovisual, como a
imagética, não deve ser apreendida como uma mera ilustração da realidade ou fiel a ela,
mas como uma representação, construída a partir de um processo técnico, com visões e
escolhas preestabelecidas, as quais devem ser problematizadas, para posteriormente se
tornarem conhecimento historiográfico.

357
Referências bibliográficas

AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário Teórico e Crítico de Cinema.


Campinas: Papirus, 2003.

AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 1993.

________________. A estética do Filme. Campinas: Papirus, 1995.

BURKE, Peter. A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP.
1992.

CHARTIER, Roger. A História cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel;


Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora Unicamp, 2003.

________________. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

NAPOLITANO, Marcos. A História depois do papel. In. PINSKY, Carla Bassanezi


(Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2008, p. 235-289.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte:


Autêntica, 2004.

SANTAELLA, Lucia. A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as


coisas. São Paulo: Pioneira, 2000.

358
REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA NA
ERA DA INFORMAÇÃO
Hélia Costa Morais
Jessica Gleyce dos Reis Felix

A partir do século XX temos passado por inúmeras transformações sociais, culturais e


econômicas que repercutiram diretamente na maneira como lidamos e enxergamos a
nossa realidade. As transformações trazidas pela era da “revolução da informação”
foram tantas que se faz difícil perceber as continuidades no decorrer deste processo,
uma vez que as descontinuidades são bem mais visíveis. No entanto, é válido salientar
que as mudanças ocorridas nas instituições, nas mentalidades, nas tecnologias e nas
práticas não ocorreram de maneira uniforme, isso porque no campo das ideias leva-se
mais tempo para se modificar e delinear tais mudanças.

Não existe uma sociedade que permaneça estática, em todas há transformações que
procuram romper de alguma maneira com a cultura herdada, a fim de recriá-la. A
educação surge como fundamental para o processo de socialização cultural, num
exercício que permite ao ser humano tornar-se agente na construção histórica e cultural.
Assim sendo, a educação não se configura como simples difusão do legado dos
antepassados às novas gerações, mas enquanto processo de desenvolvimento da
capacidade intelectual e moral do ser humano, que visa sua integração individual e
social. No entanto, a educação não pode ser compreendida à margem da história, mas
sempre vinculada a um contexto histórico, abrindo espaço para uma reflexão acerca da
atuação do indivíduo na construção do seu próprio saber.

Le Goff (1992) aponta que a cultura histórica consiste na possibilidade de um diálogo


entre a história, o saber e a sociedade, uma vez que consiste na relação entre as mais
diversas áreas do conhecimento na construção das práticas e discursos. Neves (2001),
por sua vez, atenta para o papel do historiador no processo de mediação do
conhecimento histórico, ao afirmar que:

[...] mais do que nunca os historiadores têm a responsabilidade de definir o


seu próprio, específico e intransferível papel, bem como equacionar a
relação entre o conhecimento acadêmico ou cientificamente produzido e as
outras formas de produção do saber, na construção da cultura histórica
(NEVES, 2001, p. 46).

A ciência ocidental moderna deu início a um conhecimento multifacetado, dinâmico,


para muitos até democrático, que instiga inúmeras problematizações, discussões e
pesquisas no que se refere à elaboração do conhecimento que se tem produzido.
Contudo, essas mudanças não se deram de uma hora para outra e, como afirma Peter
Burke (2012), o acesso não foi sentido por todos os indivíduos e sociedades da mesma
maneira, mas gradativamente.

359
Neste processo transitório acerca do entendimento da própria concepção do
conhecimento histórico e sua aplicação na realidade prática, o ensino de história passou
a se adequar à realidade do mundo contemporâneo ao buscar desempenhar um papel
efetivo e decisivo na formação social dos sujeitos. Para tanto, passou-se a refletir acerca
de uma transformação na didática do ensino de história, que deveria se centrar no
aprendizado dos alunos e por isso, pensar num espaço de ensino que possibilitasse a
participação destes no processo de ensino-aprendizagem.

Sendo assim, acreditamos que pensar o ensino de história na contemporaneidade é uma


tarefa que envolve múltiplas questões, que perpassam inclusive a disparidade entre a
formação docente nas universidades e a prática efetiva em sala de aula. Em
consonância, a utilização de novas tecnologias figura entre os principais temas de
interesse entre historiadores e pesquisadores em exercício na educação básica em todo o
país, que além das dificuldades inerentes ao cotidiano das escolas, vêem-se cada vez
mais desafiados a encontrar formas de estimular o interesse pela disciplina,
desconstruindo os estereótipos que a circundam e reiterando sua importância na busca
pela autonomia e capacidade de questionamento dos indivíduos.

Para tanto, fez-se preciso verificar empiricamente como os suportes tecnológicos


modernos podem e têm contribuído para os objetivos do ensino-aprendizagem. Uma vez
que estes devem oferecer a possibilidade de os alunos se pensarem historicamente, a
ponto de esboçar problematizações quanto às suas condições de ser social e da realidade
na qual estão inseridos, devendo considerar o que Bezerra (2005) reflete no trecho a
seguir, sugerindo que o ensino de história instigue nesses alunos o:

[...] respeito às diferenças culturais, étnicas, religiosas, políticas, evitando


qualquer tipo de descriminação; busca de soluções possíveis para problemas
detectados em sua comunidade de forma individual e coletiva, atuação firme
e consciente contra qualquer tipo de injustiça e mentiras sociais; valorização
do patrimônio sociocultural, próprio e de outros, incentivando o respeito à
diversidade; valorização dos direitos conquistados pela cidadania plena, aí
incluídos os correspondentes deveres, sejam dos indivíduos, dos grupos e
dos poucos, na busca da consolidação da democracia (BEZERRA, 2005, p.
47-48).

O historiador Nicolau Sevcenko (2001), levanta para além da discussão das


novas formas de informatização e tecnologização, a importância de uma crítica social
acerca dos rumos que a evolução tecnológica tem conduzindo a nossa sociedade,
argumentando que a sociedade não deve permanecer-se alheia em meio a esse constante
e crescente desenvolvimento, ao contrário, deve desenvolver o poder da crítica ou será
obliterada por essa realidade de acontecimentos efêmeros que burlam a compreensão
dos fenômenos culturais e sociais em processo. É uma reflexão que certamente cabe e
precisa ser pensada no âmbito do ensino de história.

Burke (2012) defende que para que haja uma transformação do conhecimento não é
suficiente a obtenção de informações, mas sua discussão e problematização. Pois, a
discussão causa dúvidas e a constante busca por novas informações, sendo este um dos
princípios basilares do ensino de história: o incentivo ao pensamento crítico da
realidade. Como alerta Burke, a excessiva carga de informação tem sobrecarregado a
360
sociedade e as pessoas que se alimentam dessa rede desenfreada de conhecimento que
pode não representar algo benéfico.

Portanto, é primordial incentivar o caráter democrático-participativo, a fim de promover


um diálogo entre os diversos sujeitos envolvidos no processo educacional. A escola
deve estar sempre em diálogo com os sujeitos que a compõe, buscando com isso, a
construção de uma educação calcada em uma visão reflexiva de si mesma. Isabel
Alarcão chama atenção para a escola que pensa a si própria, suas ações e metas, como
sendo:

Uma escola que se assume como instituição educativa que sabe o que quer
e para onde vai. Na observação cuidadosa de sua realidade social, descobre
os melhores caminhos para desempenhar a função que lhe cabe na
sociedade. Aberta a comunidade exterior dialoga com ela. (2001, p. 25).

Assim, é importante ter em mente que o foco da ação escolar precisa ser alterado diante
dos desafios impostos por esta nova realidade. Portanto, é primordial que a ação
pedagógica embora deva dialogar amplamente com a qualificação técnica e cientifica,
não esteja voltada exclusivamente a este aspecto, para que haja uma consciência crítica
e reflexiva acerca da prática educativa. Por isso, é fundamental que os
professores/pesquisadores conduzam a sociedade no exercício de reflexão que vise a
tomada de consciência, fazendo com que os sujeitos aprendam a questionar, a
problematizar a si próprios, a sociedade, suas produções e os possíveis efeitos de suas
escolhas.

Referências

BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. In:


Karnal, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São
Paulo: Contexto, 2005. P. 43-4.

BURKE, Peter. Cronologia do Conhecimento. In:________. Uma história social do


conhecimento II: da Enciclopédia à Wikipedia. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. p. 309 –
344.

SEVCENKO, Nicolau. A Corrida para o Século XXI: no Loop d Montanha Russa.


São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 2. ed. Campinas: Editora da UNICAMP,


1992.

NEVES, Joana. Participação da comunidade, ensino de História e cultura histórica.


Sæculum - Revista de História, João Pessoa, DH/UFPB, n. 6/7, dez. 2001, p. 35-47.

361
IDEIAS DE ALUNOS DO SEXTO ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL ACERCA DE FONTES
HISTÓRICAS PROPOSTAS NO LIVRO DIDÁTICO
Heloisa Pires Fazion
Marlene Rosa Cainelli

O presente texto possui como objetivo apresentar considerações sobre a pesquisa que
está sendo desenvolvida no Mestrado em História Social na linha de História e Ensino
da Universidade Estadual de Londrina.

Inicialmente sublinha-se que esta investigação se insere num campo de estudo


denominado Educação Histórica. De acordo com Cainelli e Schmidt (2011) este campo
surgiu na Inglaterra por volta da década de 1970 e tem se difundido paulatinamente em
diferentes países do mundo. No Brasil um dos centros mais expressivos dessa área está
localizado na cidade de Curitiba-PR com a pesquisadora Maria Auxiliadora Schmidt, a
qual coordena o Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH). Destaca-
se que nas investigações realizadas nesta área a escola é, prioritariamente, o campo de
pesquisa por excelência.

Isto posto, destaca-se que a pesquisa será aplicada num Colégio Estadual da cidade de
Londrina, de maneira que a problemática principal é perceber como alunos do sexto ano
do Ensino Fundamental utilizam fontes históricas textuais e visuais presentes no livro
didático “BOULOS, Alfredo. História, sociedade e cidadania, 6º ano. 3ª edição. São
Paulo: FTD, 2005, 448p.” A justificativa para a realização desta pesquisa reside
primeiramente na importância de se trabalhar fontes históricas com os alunos, bem
como de instigá-los a pensar as fontes não como uma cópia fiel do passado, mas sim
como uma produção contextualizada que permite diferentes interpretações. Além disso,
está sendo levada em consideração a lacuna que ainda existe nas investigações
referentes ao livro didático. Nas palavras de Rüsen (2011, p.111) “quase não existe
investigação empírica sobre o uso e o papel que os livros didáticos desempenham
verdadeiramente no processo de aprendizagem em sala de aula”.

Durante o final do século XIX e início do XX o estudo e o ensino da História limitaram-


se a abordar os acontecimentos passados de maneira linear, compreendendo o
documento histórico como uma verdade inquestionável. O documento era, portanto,
entendido como a materialização do passado, e sendo assim, capaz de apesentar os fatos
como realmente haviam acontecido. De acordo com Janotti (2005, p.11), “a concepção
dominante na historiografia era de que a comparação de documentos permitia
reconstruir os acontecimentos passados”.

Esse cenário modificou-se a partir do século XX com o advento da chamada “revolução


documental”. Esta foi essencialmente idealizada por pesquisadores pertencentes ao
movimento dos Annales (1929-1989). De acordo com Burke (2010, p.09) a criação dos
362
Annales possibilitou uma “renovação dos estudos historiográficos”. Burke (2010)
aponta que os Annales defendiam três ideias principais. A primeira delas refere-se a
mudança de uma história ancorada numa narrativa tradicional dos acontecimentos para
uma “história-problema” (BURKE, 2010, p.12), ou seja, “as fontes deveriam ser
buscadas e interpretadas segundo as hipóteses que partiam do historiador” (JANOTTI,
2005, p.13); em seguida, a ideia de considerar historicamente não apenas eventos
políticos e econômicos, mas sim todas as atividades humanas, envolvendo, portanto,
aspectos sociais e culturais. Por fim, a busca pelo diálogo entre as mais variadas
disciplinas, procurando demonstrar a importância da interdisciplinaridade para as
pesquisas em diferentes áreas do conhecimento.

Isto posto, ressalta-se que devido à influência dos Annales o olhar sobre o que poderia
ser considerado um documento histórico foi ampliado. Assim, nesse novo cenário, os
estudiosos não consideram apenas documentos escritos e oficiais, mas sim toda
produção humana, incluindo, no repertório do que pode ser considerado um documento
histórico, imagens, músicas, entrevistasse artefatos, por exemplo.

Bacellar (2005) aponta questões essenciais no que se refere ao uso das fontes. A
primeira delas diz respeito à contextualização. É fundamental que o pesquisador
investigue quando e por quem a fonte foi produzida, até porque “documento algum é
neutro, e sempre carrega consigo a opinião da pessoa e/ou do órgão que o escreveu”
(BACELLAR, 2005, p.63). A necessidade em se entender o contexto no qual o
documento histórico foi produzido é de suma importância, pois o significado das
palavras pode diferir do que atualmente é.

Em seguida, o autor assinala que o olhar crítico sobre a fonte também é imprescindível.
Isto deve-se ao fato de que quem produz algo, o produz com alguma intencionalidade,
tendo em vista seus interesses. Dessa maneira é necessário ter em mente que as fontes
estão carregadas de subjetivismo. Devido a isto, a análise “exige que se desconfie das
fontes, das intenções de quem a produziu, somente entendidas com o olhar crítico e a
correta contextualização do documento que se tem em mãos” (BACELLAR, 2005,
p.64). Outro aspecto refere-se a “perceber a qualidade das informações que ela pode ou
não nos fornecer” (BACELLAR, 2005, p.68). Aqui reside a importância em
compreender que as fontes são produzidas visando atender as problemáticas de sua
época, e que, portanto, apenas respondem as questões que para ela são direcionadas, até
porque nenhum documento fala por si só.

Já Pereira e Seffner (2008) defendem que a utilização de fontes históricas em sala de


aula contribui de forma significativa para que os alunos aprendam História, almejando
não os transformar em historiadores, mas sim possibilitar que os mesmos percebam que
o conhecimento da história é fundamental para que possam compreender o mundo no
qual vivem. Diante disto, os estudiosos destacam que é essencial pensar e elaborar
“alternativas pedagógicas que incluam a possibilidade de usar, no cotidiano da sala de
aula de história do ensino fundamental e médio, as mesmas fontes com as quais os
pesquisadores criam relatos sobre o passado” (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p.114).

Após todas as considerações acima é importante ressaltar aspectos primordiais desta


pesquisa. Inicialmente serão realizadas observações nas turmas de sextos anos, para que
posteriormente seja escolhida uma turma. Após a escolha será aplicado um questionário
363
composto por três questões, sendo elas: 1) Se você tivesse que contar a história da sua
família, como você contaria? 2) Como nós sabemos o que aconteceu no passado? Por
exemplo, como sabemos que Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil? 3) Como o autor
do seu livro didático sabe o que aconteceu? Após a aplicação do questionário será
escolhido um conteúdo específico do livro didático para que, levando em consideração a
dinâmica da turma, seja elaborado um kit de fontes históricas, o qual conterá fontes
textuais e visuais. Pretende-se que os alunos interpretem essas fontes e produzam suas
narrativas.

Por fim, destaca-se que a metodologia utilizada será a Grounded Theory (teoria
fundamentada), a qual é frequentemente utilizada pelos pesquisadores da Educação
Histórica. Sublinha-se que o grande diferencial dessa teoria reside no fato do estudioso
construir suas próprias categorias, referentes ao objeto de estudo, a partir dos dados que
são obtidos no decorrer da pesquisa, de maneira que “os dados formam a base da nossa
teoria, e a nossa análise desses dados origina os conceitos que construímos”
(CHARMAZ, 2009, p.15). Portanto, as narrativas produzidas pelos alunos serão
analisadas para que posteriormente possam ser construídas as referentes categorias.

Referências Bibliográficas

BACCELAR, Carlos. Uso e mau uso dos arquivos. In: PINSKY, Carla Bassanezi;
BACELLAR, Carlos; GRESPAN, Jorge; NAPOLITANO, Marcos; JANOTTI, Maria de
Lourdes; FUNARI, Pedro Paulo; LUCA, Tania Regina de; BORGES, Vavy Pacheco;
ALBERTI, Verena. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, 302p.
BOULOS, Alfredo. História, sociedade e cidadania, 6º ano. 3ª edição. São Paulo:
FTD, 2005, 448p.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da
Historiografia. 2.ed. São Paulo: Editora da Unesp, 2010, 172p.
CAINELLI, Marlene Rosa; SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Percursos das Pesquisas em
Educação Histórica: Brasil e Portugal. In: ______. Educação Histórica: teoria e
pesquisa. 1.ed. Ijuí: Unijuí, 2011. p.9-17.
CHARMAZ, Kathy. Convite à Teoria Fundamentada. In: _____. A Construção da
Teoria Fundamentada. Porto Alegre: Artmed, 2009. p.13-28.
JANOTTI, Maria de Lourdes. O livro Fontes Históricas como fonte. In: PINSKY, Carla
Bassanezi; BACELLAR, Carlos; GRESPAN, Jorge; NAPOLITANO, Marcos;
JANOTTI, Maria de Lourdes; FUNARI, Pedro Paulo; LUCA, Tania Regina de;
BORGES, Vavy Pacheco; ALBERTI, Verena. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto,
2005, 302p.
PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história? Sobre
o uso de fontes na sala de aula. Anos 90, Porto Alegre, v.15, n.28, p.113-128, dez. 2008.
RÜSEN, Jörn. Jörn Rüsen e o Ensino de História. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora;
BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende (org.). Curitiba: Ed. UFPR, 2011,
150p.

364
JOGOS DIGITAIS E ENSINO DE HISTÓRIA: A
CULTURA HISTÓRICA EM AGE OF EMPIRES II
Hezrom Vieira Costa Lima

O saber histórico na sala de aula não é restrito ao professor /historiador, pois conforme
destacou Ferreira (2012, p.184), “o historiador não possui o monopólio sobre a
memória”. Mediante essa percepção, o processo de construção do conhecimento
histórico, por parte do alunado, perpassa não apenas o momento da “aula de história”,
mas também disputa espaços com elementos fora do âmbito escolar. A mídia de uma
maneira geral, em que se destacam a atuação da televisão, cinema, histórias em
quadrinhos e, nos últimos anos, os jogos eletrônicos, é a principal articuladora do
conhecimento histórico nesse sentido. Dessa forma, os professores, convivem com
alunos que “vivenciam, com intensidade, o presente marcado pelos ritmos acelerados
das tecnologias” (BITTENCOURT, 2004, p.7).

Romera e Ojeda (2015, p.7) chamam a atenção para a capacidade de os videogames


terem se transformado em uma forma cotidiana de conhecimento:

Lo que en su origen aparecía como una forma de entretenimiento radicada


en la dimensión lúdica de cada uno de nosotros como intervinientes reales o
potenciales, se ha transformado, dentro del contexto sociocultural
contemporáneo, en un artefacto generador de contenidos y capaz de
desplazar, desde un punto de vista historiográfico, el propio discurso
científico del conocimiento del passado y sus acontecimientos definidores.

De acordo com resultados obtidos por estes pesquisadores espanhóis, o potencial dos
jogos eletrônicos extrapola o limite do entretenimento. O conhecimento presente nesses
jogos pode, inclusive, dialogar e, até mesmo, deslocar, a mentalidade coletiva e o
conhecimento historiográfico sobre determinado período histórico ou personalidade
histórica, em suma, são capazes de transformar a consciência histórica sobre o passado
em si. Dessa maneira os jogos eletrônicos, sobretudo aqueles que tem como objetivo
retratar determinado acontecimento histórico, denominados de history games, pois tem
como objetivo uma reprodução fidedigna de um período histórico (NEVES, 2011, p.15),
são elementos cruciais desse processo.

Dessa maneira os history games podem ser compreendidos na definição de cultura


histórica proposta por Rüsen (2007) que entende a mesma como a forma de construção
do saber histórico além do campo da historiografia. Dessa forma entendemos os history
games como produtores de uma cultura histórica.

365
Jogos Digitais e Ensino de História: history games em sala de aula

As transformações ocorridas nos embates do campo historiográfico são perceptíveis no


“fazer histórico”, da mesma forma os resultados dessas implicações devem ser
estimulados no campo pedagógico. Sobre a questão implícita de ensinar história, Karnal
(2007, p.8-9) destaca que a esta atividade está submetida a duas transformações
permanentes “do objeto em si e da ação pedagógica”,

Estas mudanças na ação pedagógica, relacionada as modificações dos seus agentes – o


professor de história, serão o foco da discussão desenvolvida a seguir. Para suscitar o
debate, um questionamento inicial se faz necessário, por que escolher, dentre tantas
outras fontes, os history games para auxiliar no ensino de história?

Dois aspectos, que trabalham de forma simbiótica, servem como resposta dessa questão.
Primeiro, é notória em nossa sociedade, sobretudo a partir da segunda metade do século
XX, a dependência “da imagem como linguagem e ferramenta imprescindível de
comunicação entre as pessoas” (PAIVA, 2006, p.102), e segundo, e até de certa forma,
como consequência da primeira, os professores por estarem inseridos nesse meio social,
são também consumidores desses artefatos culturais, dessa forma, o diálogo
estabelecido por óticas distintas torna a interpretação desse fenômeno em uma análise
mais complexa, permeando a construção e interpretação de sentidos dos alunos sobre os
jogos, e também dos professores, pois mediante a recepção por parte dos seu alunado
terá uma gama maior de possibilidades para serem trabalhadas. (ALVES, 2008).

A utilização dos jogos em sala de aula não se inicia (ou encerra) no momento do jogo
em si, ela possui uma gama considerável de funções, que poderão ser utilizados pelo
professor. Sobre essa questão, menciona Meinerz (2013, p.108)

Especificamente no ato educativo escolar, o jogo pode atender a distintos


objetivos, desde uma sondagem ou revisão de conteúdos formais e de
saberes informais, até o manuseio mais sofisticado de conceitos, a
visualização concreta de processos complexos ou abstratos, e ainda o
diagnóstico avaliativo do conhecimento dos alunos.

Dessa forma fica evidente que a utilização de jogos eletrônicos em sala de aula pode
ocorrer de maneiras distintas, devendo ser uma atividade que favoreça o diálogo com o
alunado, permitindo uma visualização mais ampla do conteúdo abordado.

Compreendendo o período feudal através de Age of Empires II

Age of Empires II: The Age of Kings é um jogo de estratégia em tempo real,
desenvolvido pela Ensemble Studios e publicado pela Microsoft, lançado originalmente
em 1999. O contexto do jogo AoE2 se passa no período medieval, e possui 13
civilizações jogáveis, que se distinguem arquitetonicamente em 4 grupos, civilizações
da Europa Ocidental – bretões, celtas e francos, da Europa Central – góticos, teutões e
vikings, do Oriente Médio – bizantinos, persas, turcos e sarracenos, e do Extremo
Oriente – chineses, japoneses e mongóis.
366
Por se tratar de um jogo de estratégia em tempo real que simula um período histórico
específico, AoE2 conta com dois modos de jogo, o modo campanha, onde o jogador tem
a possibilidade de controlar personagens específicos, como Joana D’arc na França e
Saladino durante as Cruzadas, além de personagens que estavam envolvidos naquele
período, como soldados, comerciantes, monges e camponeses. O modo campanha,
possuí 5 campanhas ao todo, uma de William Wallace, onde os celtas lutam contra os
ingleses, uma de Joana d’Arc, onde o jogador controla o exército francês contra os
ingleses, na terceira é possível jogar com Saladino, retratando as cruzadas, na quarta
pode-se jogar com Genghis Khan e a conquista do império bizantino e por fim, também
pode jogar com uma campanha relacionada à Barbarossa.

A narrativa apresentada a seguir tem como base os resultados da nossa prática docente
na educação básica, com duas turmas do 7º ano do ensino fundamental 2, entre os anos
de 2015 e 2016. Tendo como objetivo ampliar o conhecimento sobre o período estudado
no primeiro semestre, o período medieval, decidimos em conjunto com a sala, utilizar
um jogo, que contemplasse o período estudado, para ampliar o conhecimento sobre o
assunto analisado em sala de aula.

Como metodologia ficou decidido dividir a turma em grupos. Na primeira turma, no ano
de 2015, em um total de 24 alunos, estes foram divididos em 5 grupos, 4 deles com 5
integrantes e outro com 4 alunos. Já na segunda turma, em 2016, 4 grupos com 5 alunos
e 1 grupo com 4, apesar de ser sugerido que os grupos fossem mistos, o que privilegia o
potencial de contribuição de cada aluno para seu grupo, o critério escolhido pelos alunos
foi a afinidade, priorizando o contato desenvolvido ao longo da vida escolar dos
mesmos.

Terminada a escolha dos grupos, foi passada um CD com uma cópia do jogo Age of
Empires II para cada grupo, para que os membros responsáveis instalassem o jogo nos
seus respectivos computadores em casa, e, ainda em sala de aula, foi realizada uma
espécie de oficina, seguindo a metodologia de Lopes (2016) explicando passo a passo as
etapas de extração do arquivo e instalação do jogo. Após essa primeira etapa concluída,
foram explicados determinados campos, relacionados as ferramentas, funcionalidade,
objetivos, modo campanha e o banco de dados com as informações sobre as
civilizações, que estão presentes no menu do jogo. Para ilustrar a explicação, foi
selecionado o modo campanha para explicar a movimentação, que é toda realizada com
o mouse, tendo apenas algumas teclas de atalho no teclado e as características das
unidades principais, como os trabalhadores, que são responsáveis pela obtenção de
recursos (madeira, pedra, comida e ouro) e construção das estruturas e unidades
militares, responsáveis pela proteção do território controlado pelo jogador.

Como objetivo geral, os grupos deveriam reconstruir o universo feudal utilizando o jogo
Age of Empires II, de acordo com o que for estudado em sala de aula. A primeira
atividade proposta foi de cada grupo construir, dentro do jogo, o ambiente do mundo
feudal europeu. Para isso, os alunos utilizaram como base o mapa do mundo feudal,
contemplando a Europa ocidental, o norte da África e o atual Oriente Médio,
respeitando os limites geográficos e os aspectos físicos de cada região.

Em seguida, as equipes foram instruídas a construir um feudo, percebendo as


características dessa unidade básica de produção durante o período feudal. Tendo como
367
objetivo perceber os critérios de autossuficiência dos feudos bem como os papéis
sociais desempenhados pelos indivíduos, os alunos puderam vivenciar, mesmo que de
forma virtual, os aspectos sociais e econômicos que a população do período estudado.
Contribuindo para a construção imagética do período medieval para além de castelos,
princesas e dragões (SILVA, 2010).

Após as instruções os alunos conseguiram construir, de maneira satisfatória, um feudo


conforme fora solicitado e conseguiram perceber as nuances características do período
feudal, percebendo os papéis sociais desenvolvidos pelos indivíduos bem como obter
uma percepção maior do período medieval, avaliação que foi percebida durante a
apresentação do produto final, em sala de aula.

Referências

- Jogos Eletrônicos -

AGE OF EMPIRES II: The Age of Kings. Estados Unidos, Ensemble Studios, 1999.

- Bibliografia -

ALVES, Lynn (2008). Relações entre os jogos digitais e aprendizagem: delineando


percurso. In: Educação, Formação & Tecnologias. Portugal, vol.1 (2); pp. 3-10,
Novembro de 2008, disponível no URL: http://eft.educom.pt.

BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. 9.ed. São Paulo:
Contexto, 2004

FERREIRA, Marieta de Moraes. História Oral: velhas questões, novos desafios In:
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Novos Domínios da
História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.


5.ed. São Paulo: Contexto, 2007.

LOPES, Ramon Mulin. O lúdico digital nas aulas de história: aplicação do game Caesar
III como material lúdico nas turmas de sexto ano do centro educacional São José
(Miracema – RJ). 2º Simpósio Eletrônico Internacional de Ensino de História.
Universidade Estadual do Paraná: União da Vitória, 2016.

MEINERZ, Carla Beatriz. Jogar com a História na sala de aula. In: GIACOMONI,
Marcello Paniz; PEREIRA, Nilton Mullet (Orgs.). Jogos e Ensino de História. Porto
Alegre: Evangraf, 2013.

MOTTA, Márcia Maria Menendes. História, memória e tempo presente. In:


CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. (Orgs.) Novos Domínios da
História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

368
NEVES, Isa Beatriz da Cruz. Jogos digitais e potencialidades para o Ensino de
História: um estudo de caso sobre o history game Tríade – Liberdade, Igualdade e
Fraternidade. 2011. 243f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.

ROMERA, César San Nicolás; OJEDA, Miguel Ángel Nicolás (comps.). Videojuegos
y sociedade digital: nuevas realidades de estudio para la percepción del pasado
histórico. Mar del Plata: Universidad Nacional de Mar del Plata, 2015.

RÜSEN, Jörn. História Viva: Teoria da História III: formas e funções do conhecimento
histórico. Tradução Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 2007.

SILVA, Cristiani Bereta da. Jogos digitais e outras metanarrativas históricas na


elaboração do conhecimento histórico por adolescentes. In: Antíteses, Londrina,
Programa de Pós-Graduação em História Social, vol. 3, n. 6, jul-dez., 2010.

369
O JORNAL COMO FONTE HISTÓRICA:
ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS PARA A
PESQUISA E ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS
DOS PERIÓDICOS
Isaias Holowate

O jornal é uma fonte de pesquisa muito agradável de se utilizar. As notícias em suas


páginas atraem o leitor. Ler um jornal de hoje nos informa sobre determinadas
representações da atualidade (CHARTIER, 1990, p. 21); ler um periódico de cem anos
atrás, nos permite dar um passeio pela sociedade daquela época, ou pelo menos nas
representações de determinados grupos daquela época (HOLOWATE, 2017, p. 11).

Tais possibilidades costumam atrair tanto estudantes da educação básica, pressionados


pelas “tarefas de casa” encomendadas pelos seus professores, quanto os estudantes de
graduação, muitas vezes sob pressão para a produção de seus TCCs.

Porém, muitas vezes tais jovens, ao serem apresentados à fonte jornalística, não
possuem ainda o preparo indispensável para a pesquisa no jornal e o resultado, muitas
vezes é desastroso. Um exemplo disso, é que em Ponta Grossa, uma das fontes
jornalísticas mais importantes – o centenário jornal Diário dos Campos – possui em
algumas páginas antigas, rabiscos e anotações de estudantes da Educação Básica, de
uma época em que por descuido, ele era liberado para pesquisa sem o devido
acompanhamento e orientação.

Por isso, busca-se aqui apontar alguns preceitos para a pesquisa no jornal. Obviamente
não se pretende esgotar o tema, que por si é riquíssimo. O foco é na análise discursiva
do jornal e suas relações entre a escrita e seu público. Ao mesmo tempo objetiva-se que
essas reflexões sobre a utilização do jornal como fonte de pesquisa sejam úteis tanto
para estudantes da educação básica quanto para estudantes e pesquisadores.

O jornal como uma representação da realidade

Hoje em dia, as pessoas leem as notícias em grande quantidade. Sejam nas páginas
impressas, sejam nas digitais. As publicações de grandes corporações jornalísticas
atingem grande parte da população, influindo nas discussões diárias, nos
posicionamentos políticos e sociais da população. As pessoas leem o jornal, com
objetivo de saber “o que aconteceu”. Da mesma forma, quando se busca saber “o que
aconteceu” no passado, hoje é comum ir atrás dos jornais de época. Tal fato se dá por
uma crença social de uma certa objetividade jornalística.

370
Essa crença não atinge apenas a população leiga ou os estudantes da educação básica:
atinge também muitos estudantes da graduação, de forma com que é bastante comum
encontrarmos na leitura de Monografias e artigos, uma proliferação de produções que
utilizam o jornal como um relato fiel da realidade, embora muitas vezes, as reproduções
sejam involuntárias, já que o estudante culturalmente se acostumou a “confiar” nos
jornais. A constante citação literal dos parágrafos presentes na notícia sem a devida
crítica aponta para isso.

Por isso, o primeiro pressuposto ao encontrar um jornal, é desfazer-se dessa cultura de


objetividade: as fontes jornalísticas são subjetivas, e seu estudo, não deve pressupor
uma “verdade” presente nas fontes, mas deve-se ter elas como construções da realidade.
Pontes e Silva (2012, p. 52) apontam para a presença dessa subjetividade nas páginas de
um jornal:

Tendo a capacidade de mobilizar ou de garantir a construção subjetiva do


“informado” o jornal deve ser visto como um campo de disputas políticas,
econômicas e, principalmente, culturais. Os grupos são influenciados pelos
jornalistas e também se articulam para exercer influência na mídia noticiosa
[...]. A mídia noticiosa possui um próprio modo de afirmar a realidade que
retrata/constrói e isso acontece em negociação com os receptores.

Portanto, assumindo que os conteúdos dos jornais não são objetivos, mas que possuem
uma subjetividade por detrás da escrita das notícias, reportagens, editoriais etc.,
percebe-se que o periódico pode ser estudado como uma fonte desde que considerados o
meio em que foi escrito, os personagens que o escreveram, a forma física que sua
produção assume e as relações com o público ao qual atingia.

O jornal como um espaço de relações sociais

Quando um estudante ou pesquisador pega em suas mãos um jornal, deve-se levar em


conta, é que essa mercadoria foi produzida por alguém com algum objetivo (SARTRE,
1979, p.53), ou mais precisamente, foi produzida por diversos “alguéns” com interesses
variados que muitas vezes são internegociados ou impostos, pois o espaço de produção
de um jornal é um espaço de relação entre pessoas – os jornalistas – que negociam,
organizam-se e produzem o jornal.

As relações entre os membros do jornal influenciam decisivamente naquilo que é


produzido. As notícias variam de acordo com os interesses dos grupos que participam
da produção jornalística.

Assim, a hierarquia na produção das notícias e seu posicionamento na página precisam


ser analisados como um dado relevante, ao qual o pesquisador precisa levar em conta:
geralmente um redator, editor, e chefes de seção possuem mais poder de decisão sobre
uma notícia veiculada no jornal do que um jornalista que as escreve. O que não significa
que o jornalista primário, que buscou a notícia e que a escreveu não possua influência
na escrita – pelo contrário: a base semântica do texto é composta por suas observações

371
sobre o tema e a influência de sua cultura na escrita é também extremamente decisiva
para o texto que será veiculado na página.

Os aspectos do jornal: Por que as notícias são como são

Observadas essas precondições iniciais na pesquisa em jornalismo, é preciso observar


também aspectos físicos do jornal, para compreensão da notícia: o jornal em si, como
página impressa ou digital, possui uma série de estruturas que definem seu formato,
estatuto e organização.

Geralmente na atualidade os jornais constituem-se de dezenas de páginas, com uma


página inicial, a capa, onde são publicadas as notícias consideradas pelo corpo
jornalístico daquela instituição como as mais relevantes. A capa em si diz muito sobre a
estrutura do jornal e a mensagem que ele pretende passar para seu leitor. Através da
capa o jornal diz ao leitor o que ele deve ler primeiro, e o que o jornal quer que o leitor
enfoque.

A estrutura da capa também é importante. A notícia principal, geralmente acompanhada


por uma imagem ou infográfico presente na capa apontam para a principal notícia do dia
do jornal. Assim, a leitura do jornal e especificamente da capa ajuda a entender os
interesses por detrás da escrita do jornal. As páginas seguintes do jornal também podem
facilitar a compreensão da imagem que o jornal pretende passar da realidade para seu
leitor e a forma com que ele representa a realidade.

Ao mesmo tempo a presença de propagandas e o posicionamento delas – seja em uma


página reservada no início ou no fim da publicação - também buscam em determinados
graus, atrair a atenção do leitor.

Assim, o aspecto fisco da escrita busca passar uma série de mensagens ao leitor: da
mesma forma, conhecendo esses códigos, o pesquisador pode realizar uma leitura mais
atenta e crítica ao produzido no jornal.

Outro aspecto importante na leitura do jornal é o conhecimento das hierarquias de


informação, que é a forma com que os jornalistas costumam organizar as mensagens em
uma página do jornal. A hierarquia pode ser entre várias produções ou dentro de uma
mesma notícia. No primeiro caso, pode se notar, como foi dito acima, que as notícias
consideradas mais relevantes pelo corpo jornalístico, costumam ficar numa forma de
leitura facilitada pela clássica ocidental, ou seja de cima para baixo, da esquerda para
direita. Notícias posicionadas na parte mais superior e em maior destaque- títulos
maiores, proeminência de imagens são notícias destacadas, para chamar a tenção do
leitor.;

Da mesma forma, dentro de uma própria noticia também a um posicionamento


hierárquico de informações: no estilo de escrita jornalístico clássico,
predominantemente os primeiros parágrafos costumam passar as informações
consideradas pelo escritor como as mais importantes, e os seguintes, menos, em ordem

372
de escrita. Tal escrita se dá pela necessidade da redação em certos casos, precisar cortar
um ou mais parágrafos da escrita do jornalista.

Assim, o jornal, longe de ser uma página objetiva por si só envolve uma série de
hierarquias, sejam físicas, pelo posicionamento da notícia, sejam, hierárquica pela
estrutura das representações apontadas e pelas relações entre os membros do jornal e do
jornal com a sociedade.

Vale lembrar que esse é o terceiro ponto da produção da notícia: elas são sempre
produzidas tendo em vista seu leitor e dialogam com aquele que as lê. O jornal atua de
forma a construir uma realidade, dizendo ao seu leitor quais são os fatos relevantes do
dia. Contudo, o jornal só poderá vender isso se os fatos estiveram em concordância com
o leitor e obtiverem a sua aceitação, pois sendo o jornal uma mercadoria, ele é
produzido para ser vendido.

O jornal e seu público: as relações de agendamento e contraagendamento

Da mesma forma que um estudante e pesquisador ao ter contato com um jornal não
deve assumir que ele se trata de uma representação da realidade de toda a sociedade de
um determinado espaço, ele também não deve cometer o equívoco de assumir que o
jornal se trata apenas dos jornalistas que o produzem. Pelo contrário, o jornal é
construído em sua relação com seu público. Alguns aspectos dessa relação ao qual
convém refletir são os conceitos de agendamento e contraagendamento.

O jornal através do bombardeio diário de informações com a mesma temática em dias


seguidos, utilizando-se das seleções e da forma com que a noticia é publicada para
atingir o leitor de determinadas formas, agenda e influencia o modo com que o leitor vai
pensa a realidade e os temas que geralmente discutidos naquele dia, naquele período.
Essa influência do jornal chama-se agendamento (MC COMBS, 2009), e através da
relevância do jornal e seu consumo nos permite inquirir sobre o que a sociedade leitora
consumia e pensava se apropriava naquela realidade.

Ao mesmo tempo, existe o contraagendamento (SILVA, 2007, p. 84-102), que consiste


no fato de que através de determinados mecanismos alguns grupos da sociedade
possuem poder suficiente para influenciar na produção jornalística.

Por exemplo, nos jornais do início do século XX se pegarmos o caso de Ponta Grossa, a
presença de patrocínio das farmácias, que eram naquele momento, naquele espaço
cultural, importantes empresas, produzia um contraagendamento que influenciava na
produção jornalística de forma a defender s interesses médicos.

Vale lembrar que todo agendamento e contraagendamento normalmente é uma relação


dual e negociada, ou seja, o jornal e a população cedem espaço a ideias diferentes, mas
sem perder seu corpo principal de pensamento.

Nos poucos casos em que o contraagendamento envolve grupos e ideias bastante


divergentes – Por exemplo os movimentos sociais, os quais ao atingirem grande parte

373
da população acabam, “obrigando” as grandes corporações a tornarem eles notícias – os
fatos acabam sendo adaptados de forma a serem publicados no formato de discursos
reconstruídos e negociados para serem aceitos na perspectiva do jornal e do seu grupo
leitor.

Considerações Finais

Obviamente, esse breve ensaio não teve, em momento algum o objetivo de esgotar os
princípios teórico metodológicos para a pesquisa histórica em jornais. A quantidade de
relações presentes na produção de uma notícia e na sua veiculação, seu relacionamento
com a sociedade e sua hierarquização envolvem tantos fatores sociais e econômicos que
precisariam de muitíssimas produções e ainda assim faltariam espaço para atingir.

Contudo, busca cumprir com seu objetivo de compor algumas reflexões para um aluno
ao se deparar com um jornal num museu ou em qualquer local de leitura e pesquisa e a
historiador iniciante na carreira a levar em conta as especificidades dessa riquíssima
fonte, seja de leitura, seja de pesquisa.

Referências

CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Lisboa:


Ed. Difel, 1990.

HOLOWATE, Isaias. Representações sobre a eugenia no jornal Diário dos Campos,


1907-1921: representações e ressignificações. Saarbrucken, Alemanha. Novas edições
Acadêmicas, 2017.

MC COMBS, Maxwell. A teoria da agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis:


Vozes, 2009.

PONTES, Felipe Simão; SILVA, Gislene. Mídia noticiosa como material de pesquisa:
Recursos para a pesquisa de produtos jornalísticos. In: BOURGUIGNON, Jussara
Ayres; OLIVEIRA JUNIOR, Constantino Ribeiro de, (orgs). Pesquisa em Ciências
sociais: interfaces, debates e metodologias. Ponta Grossa. Toda palavra, 2012.

SARTRE, Jean-paul. Crítica de la razón dialéctica. Libro I. Buenos Aires, Losada,


1979.

SILVA, Luis Martins da. Sociedade, esfera pública e agendamento. In: LAGO, C. e
BENETTI, M. (orgs). Metodologia de pesquisa em Jornalismo. Petrópolis: Vozes,
2007.

374
O MUSEU EM SALA DE AULA: RELATO DE
EXPERIÊNCIA COM MUSEUS VIRTUAIS
Israel Aquino

Neste trabalho, procuramos colocar a questão de que lugar as instituições ligadas à


preservação e exposição do patrimônio histórico devem ocupar em uma sociedade que
se volta cada vez mais para o cibernético, em um mundo em que as representações
virtuais vêm cada vez mais ganhando espaço no cotidiano das pessoas, bem como o
papel que o ensino e os educadores tem a cumprir nesse processo. O trabalho se
desenvolveu a partir de uma experiência com alunos de ensino médio de uma escola
pública de Porto Alegre, nas aulas da disciplina de História, realizada a partir do acesso
compartilhado ao site Google Art Project (http://www.googleartproject.com/pt-br/), que
disponibiliza o acervo de diversas instituições museológicas na Internet para acesso
livre e gratuito de seus usuários.

Relações entre tecnologia e patrimônio: desafios e potencialidades para o ensino

Aparentemente, o primeiro desafio encontrado pelos profissionais em salas de aula


refere-se a pouca familiaridade ou conhecimento das ferramentas e tecnologias
disponíveis dentre o aparato tecnológico contemporâneo. Esse tipo de dificuldade em
relação ao uso e domínio das novas tecnologias geralmente contrasta com a atitude das
gerações mais novas, que aparentam grande facilidade no domínio destas desde cedo,
sendo por vezes chamados de “nativos digitais” (BENNETT et. al., 2008). Esse seria
um momento ideal para estabelecer uma dinâmica de troca de conhecimentos,
extrapolando a lógica do ensino tradicional, de maneira a possibilitar maior interação
entre aluno e professor, mas sabemos que boa parte dos educadores ainda tem grandes
dificuldades com este tipo de prática.

Por outro lado, percebemos que a apropriação destas tecnologias, quando ocorre, tem
sido realizada de maneira a reforçar uma abordagem tradicional do ensino, em propostas
que não diferem das práticas tradicionais, e não colaboram para uma reciclagem destas,
contribuindo para reforçar posturas de apropriação acríticas (FISS & AQUINO, 2013, p.
204). Assim, ocorre o alento do “caráter tradicional da educação, baseado na
transmissão de conhecimentos para que os alunos os assimilem de forma passiva”
(FRANÇA & SIMON, 2008). Entende-se, assim, que a superação desse tipo de
abordagem passa por uma mudança nas concepções e práticas pedagógicas que
norteiam a educação.

Ulpiano Menezes (2007) aponta como preocupante a multiplicação de dados na


chamada Sociedade da Informação, que muitas vezes implica em uma apreensão rasa e
superficial, em detrimento da construção de novos conhecimentos. Esse excesso de
conteúdo informacional deixa os indivíduos sem foco, redundando em saturação.
Segundo o autor, a hiperinformação gera desinformação (MENEZES, 2007). Ao
375
mencionar os museus virtuais, o autor defende que estes precisam ser desnaturalizados e
problematizados, para que através do distanciamento necessário possa haver o
discernimento e a apreensão do conhecimento. Assim, Menezes não se opõe
estritamente a esta tendência: aceita-a, mas também procura problematizá-la,
ressaltando que “é preciso fazer do virtual um território de exploração e não de rendição
incondicional ou de sedução consentida” (Idem).

Nesse sentido, Dodebei (2011) aponta que a virtualização dessas instituições implica no
surgimento de novos processos de subjetivação, apropriação e uso das narrativas, no
momento em que o espaço virtual se transforma ele próprio em um lugar de memória,
para usar a classificação de Pierre Nora (1984). Por outro lado, Rosali Henriques indica
que a Internet possibilita, através das chamadas visitas virtuais, uma maior visibilidade
das instituições patrimoniais, podendo atrair um público maior para as exposições
presenciais. Ao transformar “átomos em bits”, o mundo virtual permite aproximar a
instituição de uma nova geração cada vez mais “virtual”, auxiliado pelo fato de que “o
museu na Internet nunca fecha” (Henriques, 2004). Em suma, podemos ver que os
autores não negam a potencialidade oferecida pela parceria entre tecnologias e
instituições de patrimônio, e as possibilidades que dai surgem para o ensino, porém não
as superestimam, buscando sempre chamar a atenção para a necessidade de uma
apropriação crítica, que estimule a produção de conhecimento a partir de uma postura
analítica e problematizadora.

Entendemos que no plano educacional, a superação desses obstáculos se vincula


principalmente, a adoção de uma postura crítica e comprometida por parte de
educadores e educadoras. A implementação de estratégias pedagógicas que envolvam
as TICs requer a adoção de posturas que permitam adaptabilidade e a cooperação. Mas
não se trata de colocar em questão a presença dessas tecnologias em sala de aula, mas
sim a extensão e o sentido de sua presença. A chave não está, em nosso entendimento,
em comparar a utilização destas ferramentas com o ensino tradicional, tentando
estabelecer as vantagens e inconvenientes de um e outro. Em vez disso, melhor seria
pesquisar como podemos utilizar essas tecnologias para promover a aquisição e o
desenvolvimento de novas competências.

Portanto, entendemos que no ensino a utilização destes recursos requer a adoção de uma
postura crítica e coerente. Acreditamos que as TICs apresentam forte potencial, no
sentido de ampliar as possibilidades do ensino e contribuir inclusive para promover
transformações nas habituais relações escolares. A mudança de papéis decorrentes das
formas de apropriação dessas ferramentas possibilita, também, que educadores e
educadoras sejam impelidos à pesquisa e à reflexão, a fim de responder as novas
demandas que surgem nos espaços de aprendizado - presenciais ou não.

Considerações Finais

A proliferação das TICs trazem para o trabalho com o patrimônio e para a educação
patrimonial novas perspectivas, não somente por permitir potencializar o acesso aos
museus, mas também por dar oportunidade aos museus de saírem de seus muros,
conforme aponta Henriques (2004). Contudo, essas tecnologias não vêm para substituir
376
as instituições existentes, mas para quiçá potencializar uma nova perspectiva de
interação com o patrimônio.

A experiência realizada mostrou-se bastante proveitosa. Para além da “novidade” com


que se deparavam, sempre destacada pelos alunos, foi possível observar que os
conteúdos trabalhados e exemplificados através da realização destas visitas “virtuais”
aos acervos destas instituições eram sempre os mais lembrados pelos estudantes na
avaliação final da disciplina. A ferramenta virtual, utilizada como auxiliar no trabalho
de determinados conteúdos e problematizada em sala de aula junto aos estudantes
mostrou-se eficaz como complemento ao trabalho do professor, na medida em que se
demonstrou que a experiência produziu maior assimilação e interesse entre a turma.

Isso nos permite apontar pistas dos caminhos a percorrer. Conforme Magaly Cabral
(2004), “devemos buscar metodologias que permitam [...] a ressignificação cultural e a
reformulação de discursos pelo museu, pelo professor e pelo público visitante, [...]
[buscando assim alcançar] a democratização do museu”. Para tanto, é essencial que o
educador e o profissional das instituições de patrimônio encarem as novas tecnologias
como ferramentas com grande potencial inovador, mas que ao mesmo tempo procurem
manter uma postura crítica e problematizadora frente a elas.

Finalmente, entendemos que esse potencial transformador está condicionado pelas


apropriações que são feitas e pelas relações conscientes que são estabelecidas nesse
processo. Nesse sentido, temos claro que é preciso respeitar o conhecimento alheio,
buscar aperfeiçoamento e incentivar a curiosidade. O novo não traz respostas por si: é
preciso refletir sobre ele, buscar, pensar, pesquisar. O papel de educadores continua
sendo o de construir o conhecimento através de uma postura crítica, coerente e
comprometida; o conhecimento continua um produto da ação consciente e da reflexão
humana.

Referências

AQUINO, Israel. Experiências compartilhadas entre a História, o Ensino e as Novas


Tecnologias Digitais. Revista Vernáculo, n. 38, p. 106-126, 2016. Disponível em:
<https://goo.gl/A22vWs>. Acesso em 03/02/2017.

CABRAL, Magaly. Museus e o patrimônio intangível: o patrimônio intangível como o


veículo para a ação educacional e cultural. MUSAS - Revista Brasileira de Museus e
Museologia do IPHAN, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 49-59, 2004. Disponível em:
<https://goo.gl/JXUZXR>. Acesso em 25/11/2016.

DELEUZE, Gilles. O atual e o virtual. Em: __________. Filosofia Virtual. São Paulo:
Editora 34, 1996. pp. 49-56.

DODEBEI, Vera. Memória e patrimônio: perspectivas de acumulação/dissolução no


ciberespaço. Aurora - Revista de Arte, Mídia e Política, São Paulo, n. 10, p. 36-50,
2011. Disponível em: <https://goo.gl/9qoNXT>. Acesso em 25/11/2016.

377
DODEBEI, Vera; GOUVEIA, Inês. Memórias de pessoas, de coisas e e computadores:
museus e seus acervos no ciberespaço. MUSAS - Revista Brasileira de Museus e
Museologia do IPHAN, Rio de Janeiro, n. 3, p. 93-100, 2007. Disponível em:
<https://goo.gl/mJPsfK>. Acesso em 25/11/2016.

FRANÇA, C. & SIMON, C. Como conciliar ensino de história e novas tecnologias?.


Anais do VII Seminários de Pesquisa em Ciências Humanas. Londrina: Eduel, 2008.
Disponível em: <https://goo.gl/PCsNqf>. Acesso em 25/11/2016.

FISS, Doris; AQUINO, Israel. Tecnologias de informação e comunicação (TIC), autoria


colaborativa e produção de conhecimento no ensino superior. Reflexão e Ação, v. 21, n.
2, p. 199-226, 2013. Disponível em: <https://goo.gl/LW84qF>. Acesso em 27/01/2017.

HENRIQUES, Rosali. Museus Virtuais e cibermuseus: a Internet e os museus.


Disponível em: <https://goo.gl/S0bYOx>. Acesso em 25/11/2016.

__________. Os museus na era virtual. XVI Seminário Internacional Museus, Ciência e


Tecnologia, Rio de Janeiro: MNH, 2007.

NORA, Pierre. Les Lieux de memoire. Paris, Gallimard, 1984.

378
IMAGEM EM MOVIMENTO: ASPECTOS SOBRE O
CINEMA NO ENSINO DE HISTÓRIA
Israel de Lima Miranda

Introdução

Atualmente a sociedade vive um momento em que as mídias visuais tomam cada vez
mais espaço nas relações de convivência e de aprendizagem. Podemos destacar como os
principais meios de mídias visuais: o cinema, a televisão e, o mais atraente, a internet.
Dentre todas estas mídias destacamos o cinema e sua relação com o meio social.
Sobretudo, podemos identificar a capacidade que as produções cinematográficas têm de
encantar o grande público e atrair, também, os jovens para as salas de cinema. Neste
sentido muitos pesquisadores/professores vêm desenvolvendo estudos que buscam
ampliar a relação entre o cinema e o ensino de História. Mesmo com o crescimento de
pesquisas neste tema Cristiane Nova sinaliza que

As relações existentes entre a história e o cinema não são recentes, pois


datam do surgimento deste, há um século. No entanto, o seu estudo mais
aprofundado remonta há apenas três décadas e ainda se encontra longe de
alcançar uma situação de relativo conforto no que concerne à formulação de
um arcabouço teórico sólido. (NOVA, s.d.)

O cinema enquanto objeto de estudo para a ciência histórica é algo bastante recente.
Somente a partir da década de 1970 é que o filme passou a ter o caráter de fonte
histórica, ou seja, começou a ser visto como um possível documento para a investigação
histórica. Tal fato é consequência da renovação historiográfica, movimento iniciado
pela Escola dos Annales, fundada pelos historiadores Lucien Febvre e March Bloch.
Neste contexto, alguns historiadores se debruçaram sobre esta temática buscando dar
conta da relação Cinema-História. Podemos destacar, atualmente, entre eles o pioneiro e
principal teórico historiador Marc Ferro. Revisitando estes teóricos, temos como
objetivo contribuir com uma breve reflexão sobre a importância do cinema para o
ensino de História.

O cinema e suas possibilidades no ensino de História

O início da história do cinema nos remonta ao fim do século XIX, na França, quando os
irmãos Lumiére produziram e projetaram dois filmes num café parisiense. Foi projetado
o famoso filme L’Arrivée d’um train em gare (“Chegada de um trem à estação), pela
primeira vez as pessoas tiveram a possibilidade de ver imagens reais em movimento.

Se os franceses foram os pioneiros no cinema industrial e artístico, no final


da década de 1910 os EUA já despontavam como o grande pólo de

379
produção cinematográfica mundial, posição mantida ao longo de todo o
século XX. (NAPOLITANO, 2009, p.69)

Esta posição consolidada na indústria cinematográfica pelos EUA pode explicar sua
força e eficácia na ação de expandir seu modelo cultural, modo de vida e
comportamento. Conforme Marc Ferro o filme desde que tornou-se arte, começou a
intervir na história e a ser usado para doutrinar pessoas e para glorificar lideres e
instituições. (1988, p.203)

Assim como a introdução de novas fontes se deu na construção do conhecimento


histórico também houve mudanças no “ensinar história”. Porém “Ainda existem
professores que empregam o cinema como divertimento ou como ilustrador do
conteúdo.” (LERA; ROSA, 2013, p. 190). Este é um dos pontos principais sobre as
discussões a respeito da função das películas no ensino de história. Para romper com
esta prática, antes de tudo, o professor de história deve compreender as diversas
características que este tipo de instrumento possui. Dentre estas características
destacamos: o papel do filme como fonte documental, ou seja, um objeto de
determinado período que carrega significados e valores de sua época, e como uma
representação do passado histórico.

É importante que o professor compreenda que os filmes de história falam


mais do presente e menos do passado. Desta maneira, ao escolher um filme
histórico para “ilustrar” o conteúdo, o professor deve levar em consideração
que ele é um olhar sobre o passado. (LERA; ROSA, 2013, p. 197)

As produções de Hollywood são outro importante ponto a ser ressaltado, tais produções
tradicionalmente valorizam a emoção sobre a razão. É importante frisar para os alunos
que o cinema apenas representa o passado, e não tem o compromisso com a verdade
histórica. O cinema “Como todas as representações, [...] trazem embutidos em si os
elementos da narratividade, da ficcionalidade. Falar sobre o real é produzir um discurso
que já é, a priori, ficcional, pois é narrativo, é representação.” (ROSSINO, 2008, p. 139)

Além disso, o cinema é capaz de fazer com que os alunos compreendam de forma mais
significativa diversos conceitos, o que é fundamental para a aprendizagem histórica.
Como exemplo temos o clássico filme de Charles Chaplin “Tempos Modernos”
(Modern Times, EUA, 1936) em que o personagem principal é um operário do início do
século XX, Carlitos.

O filme dá ao professor a possibilidade de trabalhar com o conceito de


Fordismo, onde o operário trabalha na linha de produção de automóveis, [...]
faz uma critica ao sistema de produção, que aliena o operário na fábrica, e
ao capitalismo. Indo um pouco além, o filme também proporciona uma
reflexão sobre a classe burguesa e o proletariado. (LERA; ROSA, 2013 p.
202)

Dependendo da temática que o professor estiver trabalhando em sala de aula os filmes


podem nos mostrar mais do que uma história de ficção, não só os filmes históricos são
importantes. “Algumas películas, por exemplo, podem ser muito úteis na reconstrução
dos gestos, do vestuário, do vocabulário, da arquitetura e dos costumes da sua época,
380
sobretudo aquela em que o enredo é contemporâneo à sua produção. (NOVA, s.d.) Tais
aspectos podem ser de grande valor não só para o historiador em suas pesquisas, mas
também para o professor refletir com seus alunos e construir juntos novos caminhos de
compreensão do passado.

Refletir sobre a relação entre Cinema-História é de extrema importância para o


momento em que vivemos. Trazer os alunos para esta discussão é apresentar a eles
novas possibilidades de aprendizagem e ampliar a relação destes com o mundo e a
produção de significados que os cercam. É preciso reforçar que os filmes podem
dinamizar o ensino da História e também, trazer novos personagens e novos olhares
sobre a cultura de um determinado contexto histórico. Neste sentido, o uso dos filmes se
torna um desafio, pois se trata de uma busca de compreender outro campo, o
cinematográfico, e dar conta de suas linguagens, suas imagens em movimento, as cores,
as escolhas do diretor, etc.

Referências:

BARROSO, Vera Lúcia Maciel et al. Ensino de história: desafios


contemporâneos. Porto Alegre: EST: Exclamação: ANPUH, 2010. 296 p.

BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p.


225.

FERRO, Marc. O Filme: uma contra-análise da sociedade? In: LE GOFF, Jaques;


NORA, Pierre (Orgs.) História: novos objetos. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1988.

LERA, Maria Caparrós; ROSA, Cristina Souza da. O cinema na escola: uma
metodologia para o ensino de história. Revista Educação em foco, Juiz de Fora, v.18,
n.2, p. 189-2010, jul/out. 2013

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. 4.ed. São Paulo:
Contexto, 2009.

NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento de História. Olho da História, n. 3,


[s.d.].

PEREIRA, Nilton Mullet; SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de História?


Sobre o uso de fontes no ensino de História. Anos 90. Porto Alegre, v. 15, n. 28, p.
113-128, dez. 2008.

ROSSINI, Mirian de Souza. O Cinema e a história: ênfase e linguagens. In:


PESAVENTO, Sandra Jatahy; SANTOS, Nádia Maria Weber; ROSSINI, Mirian de
Souza. (orgs.) Narrativas, imagens e práticas sociais: percursos em história
cultural. Porto Alegre: Asterisco, 2008.

381
OS SUPORTES AUDIOVISUAIS NO ENSINO DE
HISTÓRIA
Janaina da Silva

A crescente dificuldade por parte dos educadores de conquistar e manter a atenção dos
alunos durante suas explicações vem causando uma inquietação na esfera educacional.
É preciso encontrar alternativas educacionais que sejam mais atraentes aos estudantes e
as novas tecnologias de comunicação podem colaborar com o trabalho do educador
quando utilizadas de forma adequada, como um‘suporte educacional’ excedendo as
funções de ilustração ou aprofundamento. O presente texto não ambiciona servir de
manual, ele apenas sugere o uso cauteloso de histórias em quadrinhos, pequenos filmes,
imagens e obras de arte como suportes audiovisuais que contribuem para seduzir os
jovens, garantindo uma educação efetiva e prazerosa.

As histórias em quadrinhos no ensino de história

Atualmente a eficácia dos quadrinhos em classe é bastante reconhecida entre


educadores, inclusive os livros didáticos mais recentes trazem muitas tirinhas e
personagens como forma de cativar o publico jovem. A influência que uma obra deste
tipo exerce sobre os estudantes é evidente, isso acontece por causa de duas linguagens
em ação simultânea, a verbal e a visual, o que lhe confere características dinâmicas e
velozes tornando o aprendizado mais prazeroso e significativo. Esse material pode ser
produzido pelos alunos, para os alunos, ou ser uma publicação popular sem finalidade
educacional. PALHARES (2008, p. 3) comenta sobre sua utilização:

As histórias em quadrinhos podem ser utilizadas para introduzir um tema,


para aprofundar um conceito já apresentado, para gerar discussão a respeito
de um assunto, para ilustrar uma ideia. Não existem regras para sua
utilização, porém, uma organização deverá existir para que haja um bom
aproveitamento de seu uso no ensino podendo, desta forma, atingir o
objetivo da aprendizagem.

A organização citada pela autora é fundamental, pois o professor tem a capacidade de


conferir caráter educativo a um material não didático desde que o trabalhe corretamente,
tenha claro em mente os objetivos de sua aula e mantenha cuidado para não deixar os
alunos desprezarem a atividade considerando-a uma maneira do educador ‘matar aula’
ou ‘matar tempo’ como alguns estudantes assim consideram por falta de informação
e/ou incapacidade de aceitar novas modalidades de ensino.

Quando trabalhados de forma planejada os quadrinhos desenvolvem o senso de


compreensão e colaboram na formação critica do aluno como percebemos em
PALHARES (2008, p. 11) que nos adverte: “capazes de divulgar valores e questões
culturais que não devem ser simplesmente assimilados, mas avaliados e criticados”.
382
Especificamente na disciplina de História podem ser utilizados de duas maneiras, como
fontes históricas do contexto em que foram produzidos ou como um recurso de
interpretação do passado.

Os pequenos filmes no ensino de história

Os filmes podem ser considerados antigos aliados da educação. Quando comparados


aos demais materiais didáticos citados neste artigo seu uso é muito mais comum e
frequente. Os alunos costumam recebê-lo de forma bastante sociável por isso sua
aplicação é relativamente prática. Entretanto para que o mesmo se transforme em um
suporte pedagógico significativo é necessária uma série de cuidados muito importantes
por se tratar de um material produzido, na maioria das vezes, para o entretenimento e
não para a informação.

Nesta experiência consideramos por filme educativo o mesmo estabelecido por LITZ
(2009) “qualquer gênero cinematográfico pode ser utilizado, seja ele documentário,
filme histórico ou ficcional”. O requisito ‘pequeno’ foi empregado para salientar a
importância de trabalhar com materiais de curta duração ou recortes de grandes obras
conforme o sugerido por SARTORI (2008, p. 72) “o professor assistir ao filme
previamente e utilizar trechos, e não o filme todo, pois teria de utilizar várias aulas e
nem sempre é pedagogicamente viável”.

No caso dos filmes ficcionais o educador deve esclarecer suas características e o


objetivo de sua utilização, assim os alunos podem compreender que é uma obra
cinematográfica e como tal tende a transformar os acontecimentos em espetáculo,
exaltando certos personagens e versões do fato em detrimento dos demais. REZENDE
(2008, p. 2) enfatiza que “cabe ao professor apontar e discutir com os alunos como são
apresentadas e reconstruídas as versões da História presentes nos filmes.”.

Antes da exibição também é necessário considerar a faixa etária e o contexto social dos
acadêmicos alvos da apresentação. Assim como nas histórias em quadrinhos os filmes
não podem menosprezar nem superestimar os conhecimentos prévios das crianças. Eles
podem ser produzidos exclusivamente pra aula ou não, o importante é o professor deixar
claro de que maneira ele contribui para o entendimento da temática em questão,
elucidando se sua finalidade é a informação, ilustração, provocação ou avaliação.

As imagens no ensino de história

As imagens constituem a parte mais complexa e abrangente deste artigo. Elas podem ser
de variados tipos, funções e origens. Segundo LITZ (2009): “Atualmente, o uso de
imagens [...] é uma das formas mais eficazes utilizadas como recurso pedagógico no
ensino de história” isso porque elas incrementam o processo de aprendizagem tornando-
o muito mais significativo. A autora completa sua opinião afirmando:

383
Trabalhar com a análise de fotos, slides, transparências, filmes, músicas,
mapas, imagens que sejam significativos e relacionados aos assuntos que
estão sendo estudados, instigam o senso da observação e da percepção.
Quando se apresenta uma imagem ao aluno (fotografia, pintura, gravura,
etc), ele pode associar a imagem que está vendo às informações que já
possui, levando em conta seu conhecimento prévio. Como toda imagem é
histórica, o aluno pode perceber a marca e o momento de sua produção.

Este trecho evidencia as possibilidades abertas pelo uso deste material no ensino da
disciplina de História, assim como nas demais ciências. O primordial entre essa gama de
opções é escolher corretamente qual delas ilustra de maneira apropriada o conteúdo
trabalhado atingindo os objetivos previamente planejados para a aula. Seja ela uma
tabela repleta de estatísticas ou uma simples ilustração comercial, o importante é que
esteja bem atrelada ao assunto abordado na classe.

Nossos alunos estão imersos em uma sociedade de imagens desde seu nascimento, não
importa em que classe social o aluno esteja, ele têm acesso diário a uma série de
informações imagéticas. As imagens são de fácil acesso, estão nas ruas em outdoors,
placas, letreiros; estão em casa dentro da televisão, do computador, dos livros; e estão
também nos espaços públicos nos panfletos, jornais, revistas, etc. Negar sua influência
na formação social de nossos alunos seria um grande equívoco, e associá-las a nossa
didática pode solucionar vários problemas.

Pensando nisto SARTORI (2008, p. 73) alerta: “Trabalhar com imagens, sejam filmes,
gravuras, quadros ou representações, possibilita ao aluno visualizar na concretude o que
se vem discutindo e pode abrir espaço para novas leituras e interpretações.” Desta forma
possibilitamos ao aluno o desenvolvimento crítico de seu olhar, preparando-o para atuar
em futuras atividades sociais com conhecimento e responsabilidade.

As obras de arte no ensino de história

Das opções de materiais didáticos apresentados neste artigo, as obras de arte são as mais
complexas, elas compõem a metodologia menos acessível aos educadores e mais
complicada aos olhos dos alunos. A própria designação ‘obra de arte’ é motivo de
muitas controvérsias. Afinal é preciso ser belo para ser arte ou qualquer produção
humana pode receber esta nomeação. Vejamos o que nos diz SOLTAU (2011, p. 14):

Trabalhamos aqui com conceitos abstratos: o que é arte? O que é belo?


Imagem e memória, tempo e arte. Conceitos que estão em nosso modo de
ver o mundo, mas, nem por isso, de fácil compreensão. Imaginem comigo
um aluno nos últimos anos do ensino fundamental: como lida com esses
temas? O mais provável é que, ao estimulá-los para tanto, você seja
considerado um professor exigente, pois está lidando com exercícios de
pensamento e não com mera “decoreba” de conteúdos.

384
Logo no início de sua colocação o autor afirma que o conceito de arte está em nosso
modo de ver o mundo, logo podemos concluir que a arte não é algo homogêneo, ela
depende da subjetividade e opinião de seu observador, sendo assim o que é visto como
arte por alguns para outros pode não ter a mesma relevância. Daí deriva a complexidade
do trabalho do professor ao levar um material desta natureza para a sala de aula.

A arte nas palavras de CARVALHO e SOARES (2006, p. 4) é: “tudo o que rodeia o


homem e tenha sido feito pela sua mão – todo o mundo da cultura diferente do mundo
da natureza”. Seguindo o pensamento das autoras tudo o que for criado pelo ser humano
é arte, assim o professor terá em mãos uma grande quantidade de objetos artísticos que
poderá lançar mão durante suas aulas.

Rompemos com o conceito clássico de arte e nos lançamos em um mundo de


possibilidades onde o professor de história pode trabalhar de duas maneiras bem
instigantes: estimular seus alunos a relacionarem o que veem com algum momento
histórico, ou trabalhar o momento histórico da produção artística e como ele influenciou
na sua produção.

Referências bibliográficas

CARVALHO, Carla; SOARES, Maria Luiza Passos. A Formação Estética do


Professor: conceitos de artes visuais. 2006. Disponível
em:<http://www.periodicos.udesc.br/index.php/arteinclusao/article/viewFile/1628/1317
> Acesso em: 03 mar. 2017.

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em: < http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1402-6.pdf> Acesso
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PALHARES, Marjory Cristiane. História em Quadrinhos: Uma Ferramenta


Pedagógica para o Ensino de História. 2008. Disponível em: <
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2262-8.pdf> Acesso em 04
mar. 2017.

REZENDE, Luiz Augusto. Historia das Ciências no Ensino de Ciências:


contribuições dos recursos audiovisuais. 2008. Disponível em:
http://www.cienciaemtela.nutes.ufrj.br/artigos/0208rezende.pdf> Acesso em: 04 mar.
2017.

SARTORI, Anderson. Metodologia de Ensino da História. Itajaí: Universidade do


Vale do Itajaí, 2008.

SOLTAU, André. História da Arte. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2011.

385
O USO DA IMPRENSA COMO FONTE HISTÓRICA
EM SALA DE AULA
João Pedro Basso
Pedro Ernesto Miranda Rampazo

Introdução

O objetivo deste texto é entender de que forma o uso de fontes históricas, mais
precisamente a mídia impressa, pode otimizar o ensino de História e contribuir para o
aprendizado histórico em sala de aula, se atentando para os cuidados ao tratar com esse
tipo de documentação.

Muitos são os debates referentes ao ensino de História nas escolas brasileiras. Existem
ainda muitas permanências do período militar que contribuem para a desvalorização da
História, acentuada com a recente decisão do governo em retirar a obrigatoriedade da
disciplina no Ensino Médio.

Além disso, em muitas escolas “o professor ‘passa’ a matéria, os alunos escutam,


respondem o ‘interrogatório’ do professor para reproduzir o que está no livro didático,
praticam o que foi transmitido em exercícios de classe ou tarefas se casa e decoram tudo
para a prova” (LIBÂNEO, 2013, p.83). Além disso, a História é apresentada tanto pelo
professor, como pelos livros didáticos como uma verdade absoluta, concreta e imutável,
assim como factual e linear (positivista).

Refletir sobre o estado do conhecimento histórico já era realidade entre alguns autores,
sobrando críticas aos currículos fragmentados, formação curta de professores em
Licenciaturas e conteúdos dos livros didáticos. Com o tempo, os estudos acerca do
ensino e aprendizagem de História no Brasil cresceram, passando a valorizar cada vez
mais a cultura escolar, saberes e práticas educativas desenvolvidas por docentes e outros
atores do processo educativo, reafirmando que ensinar História não é apenas uma mera
reprodução de conhecimentos eruditos, mas existe também uma produção escolar.
(SILVA; FONSECA, 2010) Essa produção escolar pode se relacionar ao uso de fontes
históricas em sala de aula. As autoras ainda afirmam que produção acadêmica e as
publicações sobre ensino de História se ampliaram, assim como muitas
problematizações relevantes sobre Ensino e História, por diferentes agentes e
instituições, procurando responder a questões emergentes nesse campo de análise.

A importância do uso de fontes em sala de aula

A importância das fontes históricas no auxílio ao trabalho do professor de História em


sala de aula ultrapassa a mera ilustração de um conteúdo abordado, e os próprios PCN’s
(Parâmetros Curriculares Nacionais) apontam para a necessidade de abordar o uso
386
dessas fontes no processo de construção do conhecimento histórico. As fontes históricas
são os materiais pelos quais o historiador investiga o passado através da interpretação,
seguindo métodos e técnicas variadas a fim de tecer um discurso histórico. Antes elas se
limitavam apenas aos documentos oficiais, mas hoje o conceito de fonte histórica se
ampliou, porém ainda ocorre a exigência de uma análise crítica e historicizada
(XAVIER, 2010).

Caimi (2015) afirma que entre as demandas que se apresentam ao trabalho do professor
de História está o uso de fontes históricas. Segundo a autora, o estudante deve ter
contato com as mais diversas fontes históricas, de origens diferentes, de forma que ele
entenda como o saber histórico é construído a partir de interrogações levantadas ao se
analisar essas fontes. A necessidade de aproximação do estudante com o ofício do
historiador é clara.

O uso didático destes documentos possibilita ao professor instigar a curiosidade de seus


alunos pelo conhecimento histórico, saindo da rotina dos livros didáticos que
reproduzem maciçamente conteúdos pouco flexíveis, tratados quase sempre como
verdades inquestionáveis (SILVA, 2014).

Dentro deste processo, que deve estar alinhado com objetivos específicos e planejados
pelo professor, de forma que a experiência não seja caótica, este assume um papel de
mediador, uma vez que o conhecimento histórico não é simplesmente reproduzido.
Através das fontes, o aluno entende de forma didática que o saber histórico é feito de
vestígios deixados pelos homens do passado e que elas se constituem no material em
que o historiador vai se debruçar para entender sociedades das mais remotas
localizações ou temporalidades (CAIMI, 2015) (SILVA, 2014) (XAVIER, 2010).

A fonte então se torna uma ferramenta psicopedagógica que auxilia a estimular a


imaginação do aluno na aprendizagem de História (XAVIER, 2010).

Além disso, o uso de fontes históricas em sala de aula promove o desenvolvimento da


capacidade de observação crítica, formando assim um futuro cidadão ativo socialmente.
Também pode desmistificar a ideia de que apenas grandes monumentos é que podem vir
a ser objeto de estudo do passado (SILVA, 2014).

A intenção não seria de formar jovens historiadores, mas sim elucidar em sala de aula a
ideia de que a História está além dos grandes personagens, e que os alunos são sujeitos
históricos inseridos em uma sociedade passível de ser modificada (CAIMI, 2015)
(SILVA, 2014) (XAVIER, 2010).

Entre as obrigações do professor de História está a “mobilização de metodologias que


contemplem o uso de fontes históricas (...)” (CAIMI, 2015, p.117).

O uso da imprensa

A mídia impressa ainda nos dias atuais, além de informativa, é um meio importante de
comunicação entre esferas sociais. Contudo, no Brasil entre o início do século XIX e a

387
metade do século XX, essa força comunicativa e informativa era mais expressiva, pois
era a imprensa uma das formas mais eficientes do governo se comunicar com a
população, de ideologias serem apresentadas, comunidades científicas exporem suas
pesquisas e debates, eventos serem divulgados, notícias exibidas. No Brasil:

a participação dos jornais nos grandes acontecimentos da época, que


encapam e lideram, seja a campanha abolicionista, seja a republicana, as
vezes até a radicalidade de defender uma revolução. Ou seja, os jornais,
estritamente partidários ou não, alinham-se juntos aos principais debates da
nacionalidade (HOHFELDT, 2011, p.41).

Quanto ao estudo da fonte, há um desequilíbrio, pois existe fartura de materiais


veiculados pela mídia impressa, por outro lado, a escassez de documentos que ajudem a
entender decisões editoriais de jornais que refletem naquilo que é publicado
(SILVEIRA, 2014).

É importante saber que os jornais são fontes de discursos ideológicos, uma vez que os
jornalistas possuem suas crenças, suas ideias, suas convicções políticas. Isso deve ser
motivo de atenção do historiador e também do professor que usa essa fonte em sala de
aula. Ao mesmo tempo em que se deve atentar a este fato, o mesmo proporciona a
possibilidade de se analisar esses discursos dos jornalistas que escrevem as matérias,
buscando entender as várias visões de contemporâneos ao fato estudado (TEIXEIRA,
2008).

Entre outros motivos de atenção que deve ser tomada quanto ao estudo dessa fonte, está
a taxa de analfabetismo da população, pois estes não eram o público alvo dos jornais. O
público alvo também deve ser considerado, pois o apontamento sobre a esfera social em
que o jornal age, possivelmente revela intenções e abordagens do periódico, assim como
é importante saber quem são seus financiadores, sejam eles de natureza pública ou
privada.

Conclusão

Em meio às dificuldades no ensino de história, é encontrada na mídia impressa uma


fonte a ser trabalhada em sala de aula com o objetivo de levar ao aluno algo que vai
além do livro didático, assim como apresentar o ofício do historiador como pesquisador,
com todas as dificuldades e cuidados ao realizar tal trabalho.

Com o uso de fontes históricas em sala de aula, pode-se ampliar o senso crítico do aluno
quanto ao entendimento da complexidade de processos e sociedades.

É importante que o professor não faça da atividade de ministrar aulas, algo mecânico,
mas sim algo dinâmico, que apresente conhecimento histórico como mutável e
complexo.

388
Referências

SILVEIRA, F. A. A imprensa como objeto de estudo da história: problemas e


possibilidades. In: VII ENCONTRO DO CEDAP: Culturas indígenas e identidades,
2014. UNESP – Campus de Assis. Anais VII Encontro do Cedap. Recurso eletrônico.
Disponível em:
<http://www2.assis.unesp.br/fcl/livro/anais_vii_encontro_cedap/files/assets/basic-
html/index.html#1> (p. 166-178).

CAIMI, F. E. O que precisa saber um professor de História?. História & Ensino,


Londrina, v. 21, n. 2, jul.-dez. 2015. Disponível em:
<http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/histensino/article/view/23853/17741>.
Acesso em: 29. Fev. 2017.

HOHFELDT, A. Perspectivas e desafios para compor uma história da imprensa: o que o


pesquisador precisa saber e a que se deve dispor. In: LOSNAK, C. J.; VICENTE, M. M.
(org.). Imprensa e Sociedade Brasileira. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2011,
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LIBÂNEO, J.C. O processo de ensino na escola. In: LIBÂNEO, J.C. Didática. 2. ed.
São Paulo: Cortez, 2013, p. 82-95.

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criticidade. Revista Profissão Docente. Uberaba, vol. 14, n. 30, jan.-jun. 2014.
Disponível em: <http://www.revistas.uniube.br/index.php/rpd/article/view/844/1099>.
Acesso em: 27. Fev. 2017.

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perdas. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 31, n. 60, p. 13-33. 2010.

XAVIER, E. S. da. O uso das fontes históricas como ferramentas na produção de


conhecimento histórico: a canção como mediador. Antíteses, Londrina, vol. 3, n. 6, jul.-
dez. 2010. Disponível em:
<http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/view/5062/7069>. Acesso
em: 28 fev. 2017.

TEIXEIRA, N. Jornais. In: CAMPELLO, B.; CALDEIRA, P. T. (Org.). Introdução as


fontes de informação. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008, p. 67-88.

389
CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA:
INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E A IGREJA
PERSEGUIDORA
José Luciano de A. Dias Filho

A história das religiões monoteístas está marcada pela intolerância, no momento em que
estas exigem a verdade em uma única divindade, um deus único onipotente, se torna
inerente a resistência as outras divindades. Mesmo que elas façam discursos sobre amor,
caridade e misericórdia, sobrevive uma porção de intolerância ao outro, quando este
representa um grupo religioso, a fraternidade ocorre principalmente entre os que
compartilham a mesma fé. (SOUSA FILHO, 2014, p.4) Como escreveu Peter
Sloterdijk, em seu livro O zelo de Deus: “Assim, já nos escritos do apóstolo dos povos
anuncia-se um amor que, caso não seja correspondido, se transforma em maldade com
ânsia de extermínio.” (SLOTERDIJK, 2016, p.79)

As religiões monoteístas conquistaram os corações de um número altíssimo de pessoas,


sendo o cristianismo e o islã as duas grandes potências religiosas atuais. A Igreja
conseguiu sua ascensão definitiva no governo de Teodósio I (378- 395 D.C), no qual o
cristianismo virou religião oficial do império, tendo fortalecimento no poder político
oferecido pelo Estado e endurecendo a legislação no trato de judeus, pagãos e hereges.
(GONÇALVES, 2013, p.12)

Essa relação entre política e religião cristã se estabeleceu no Império Romano e foi
marcada por uma violenta e intensa intolerância religiosa, que resultou na perseguição
de pagãos, judeus e até mesmo grupos cristãos heréticos ou cismáticos, que não seguiam
as doutrinas da Igreja Católica. A cristianização do mundo pagão, não pode ser lida
apenas sob a ótica da evolução, romântica, idealizada no espaço de louvação de novo
sistema religioso, na qual a figura do oponente desaparece como um primitivo
desgovernado. O processo de cristianização dos homens precisa ser lido, como qualquer
outro, na inflexão da violência. (NAGEL, 2006, p.118) A intolerância estava na raiz da
sua expansão religiosa, o combate ao outro, aquele que não era cristão católico, passou a
ser uma prática cotidiana quando a igreja conseguiu autonomia e poder.

Logo, discutir intolerância religiosa na sala de aula se torna uma necessidade dupla,
tanto por ser um fenômeno praticado no passado, quanto por continuar existindo na
atualidade. A intolerância religiosa pode acontecer de várias formas diferentes,
praticadas por vários grupos religiosos distintos, ou um grupo não religioso, porém, o
cerne da discussão fica centrado na intolerância religiosa cristã para com outros grupos.
Uma ótima forma de levar esse, ou outros debates, para a sala de aula é usando filmes
como recurso e ferramenta de ensino, pois é uma mídia em que os alunos estão
acostumados e está normalmente associado aos momentos de lazer. A proposta de
discussão sobre determinada temática fica mais lúdica e rompe com a monotonia das
aulas cotidianas.

390
Para Robert A. Rosenstone é preciso aceitar que o cinema, especialmente longa-
metragens dramáticos, podem transmitir um tipo de História, que referido pelo autor
com “H” maiúsculo, seria um conhecimento sério e acadêmico em que as pessoas
acreditam encontrar apenas nos livros de história. (ROSENSTONE, 2010, p.15) As
obras cinematográficas de representação histórica alcançam públicos gigantescos, basta
olhar a bilheteria de filmes como Tróia (2004) ou 300 (2006), que no primeiro caso se
apresenta como uma adaptação pouco fiel da Ilíada, e no segundo mistura bizarrices em
meio a trama do conflito espartano. Tais obras cinematográficas vão continuar fazendo
sucesso com o público, independe se os professores de história irão ou não usar esses
filmes para ensinar sobre o passado. O fato é que tais filmes afetam a maneira como as
pessoas vêem o passado e compreendem os processos históricos, deixá-los de fora da
equação significa ignorar a maneira como um segmento enorme da população passou a
entender os acontecimentos. (ROSENSTONE, 2010, p.17)

O filme escolhido para conduzir a discussão sobre intolerância religiosa foi Ágora
(2009), lançado no Brasil como Alexandria. É um filme espanhol, dirigido por
Alejandro Amenábar, que conta a história da filósofa alexandrina Hipátia (Hipácia), que
viveu em um período de turbulência religiosa em sua cidade, e no final acabou sendo
vítima da violência causada pela intolerância. O filme pode ser dividido em duas partes,
tendo a destruição da Biblioteca de Alexandria como um marco divisor. Na primeira
parte os cristãos são apresentados como um grupo em ascensão, combatendo as
religiões pagãs que eram cultuadas em Alexandria. O filme inicia com uma discussão
entre fanáticos da irmandade cristã dos Parabolanos e pagãos que cultuavam as
divindades locais, o fervor da discussão é tão intenso, sobre qual religião é a verdadeira,
que um líder da irmandade chega a jogar um pagão contra o fogo.

Outro momento de forte intolerância demonstrada pelos cristãos, é quando eles se


reúnem na Ágora para zombar dos deuses pagãos, essa atitude vai gerar uma reação
violenta fazendo com que pagãos armados ataquem os cristãos. No entanto, como o
cristianismo já estava bem estabelecido, possuindo fieis na maioria da população da
cidade, os pagãos tiveram que fugir, perderam o confronto e tiveram sua biblioteca,
símbolo de conhecimento pagão, saqueada e destruída. A destruição da Biblioteca de
Alexandria representa a derrota pagã na cidade, logo os cristãos se voltaram contra os
judeus, atacando-os violentamente até expulsarem da cidade.

A igreja em sua origem não demonstrava uma natureza intolerante com ações violentas,
o cristianismo sempre foi uma religião de forte proselitismo, mas não combatia ou
reagia aos ataques de outros grupos religiosos com agressividade. “Durante o período de
repressão, os cristãos permanecem fiéis à sua postura fundamental de não violência, de
passividade extática.” (SLOTERDIJK, 2016, p.75) Porém, após o Édito de Milão (313
D.C), medida que retirava o cristianismo da clandestinidade reconhecendo o princípio
de liberdade de crença, o número de cristãos cresce vertiginosamente, pois Constantino
vai garantir que a Igreja Católica seja privilegiada de muitas formas pelo governo:
“Entende-se muito bem o que historiadores críticos à Igreja querem dizer quando datam
o pecado original do cristianismo no momento em que começou a dividir o
acampamento com o poder secular.” (SLOTERDIJK, 2016, p.75)

No momento em que Igreja começou a se misturar com o Estado, o poder de controle


social modificou o cristianismo em uma religião que não aceitava o outro, apenas
391
aqueles que comungavam da mesma fé, o amor que Jesus pregou ao próximo só era
válido se o próximo fosse cristão. De acordo com José Mário Gonçalves, a vida em
sociedade é uma construção humana, e nessa construção a religião ocupa um espaço
mais destacado, pois ela atua em um papel de legitimação da ordem social,
relacionando- a com a ordem suprema e sagrada. Por isso a religião é um lugar
privilegiado para a prática da intolerância, uma vez que qualquer crença ou prática
religiosa vista como desviante poderia ser tida como uma ameaça à estabilidade da vida
política social. (GONÇALVEZ, 2013, p.7) A religião cristã, após passar pelo processo
de clandestinidade, até a sua ascensão, vai ocupar esse lugar de poder legítimo da ordem
social romana, sendo praticamente impossível as suas ações intolerantes e violentas.

De acordo com a perspectiva de Paul Veyne, Constantino não colocou o altar a serviço
do trono, mas o trono a serviço do altar, ponderou os objetivos e o progresso da Igreja
em uma missão essencialmente do Estado. Isso foi uma novidade, é do cristianismo que
se origina a entrada sistematizada do sagrado na política e no poder. (VEYNE, 2010,
p.110-111) Dessa forma, Igreja se torna intolerante a medida que ganha poder do
Estado, tornando-se responsável de barrar qualquer crença ou prática religiosa que
ameace a estabilidade da vida política social.

Alexandria era a capital da província do Egito, logo se tornou um dos grandes centros
nascentes do cristianismo, que era uma religião essencialmente urbana. Sua
considerável população cosmopolita fazia dela a segunda cidade mais importante do
império, alimentava um clima de liberalismo espiritual e cultural, propício ao
desenvolvimento de todas as doutrinas. (PELLISTRANDI, 1976, p.99) Motivo
suficiente que levou a Igreja a combater violentamente os grupos pagãos da cidade, para
conseguir o controle sócio-político que almejavam. Qualquer grupo religioso que não
fosse cristão católico, era visto como um perigo em potencial, pois sobre esses
indivíduos a Igreja não tinha controle. A brutalidade da morte da filósofa Hipátia
(Hipácia), protagonista do filme, mostra o grau de intolerância religiosa para com
aqueles que continuavam resistindo e confrontando a Igreja. Hipátia foi retalhada pelos
Alexandrinos e seu corpo foi esquartejado por toda a cidade. (SOUZA NETO, 2016,
p.335)

A partir dos discursos e representações apresentados pelo filme Ágora (2009), é


possível compreender boa parte do aspecto religioso do período, tendo a intolerância
religiosa como enfoque do debate, tanto sobre a forma como a religião cristã conduziu
sua expansão, sobre como sobreviveram os novos formatos de intolerância religiosa na
atualidade. Segundo Ferro, o filme enquanto agente histórico desempenha um papel
ativo contribuindo para uma conscientização, no entanto, a obra cinematográfica
também é uma contra-análise da sociedade. (FERRO, 2010, p.11) A partir da
representação do passado é possível refletir sobre o nosso presente.

Referência bibliográfica

FERRO, Marc. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

392
GONÇALVES, José Mário. (In)Tolerância religiosa na antiguidade tardia:
apontamentos históricos. REFLEXUS- Revista de Teologia e Ciências das religiões,
Ano VII, n. 9, 2013/1.

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na antiguidade: história, filosofia e educação. Maringá: Eduem, 2006.

PELLISTRANDI, Stan- Michel. Grandes civilizações desaparecidas: o cristianismo


primitivo. Rio de Janeiro: Editions Ferni, 1976.

ROSENSTONE, Robert A. A História nos filmes, os filmes na História. Paulo:


Editora Paz e Terra, 2010.

SLOTERDIJK, Peter. O zelo de deus: sobre a luta dos três monoteísmos. São Paulo:
Editora Unesp, 2016.

SOUSA FILHO, Vicente Gregório. Religião, gênero e dignidade humana.


Protestantismo em Revista: São Leopoldo, v. 35, p. 116-126. Set./Dez. 2014

SOUZA NETO, José Maria; SILVA, Kalina Vanderlei; SCHURSTER, Karl. Pequeno
Dicionário de Grandes Personagens Históricos. Alta Books: Rio de Janeiro, 2016.

VEYNE, Pual. Quando o nosso mundo se tornou cristão: (312- 394). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2010.

393
O USO DOS JOGOS VIRTUAIS NO PROCESSO
ENSINO-APRENDIZAGEM NAS AULAS DE
HISTÓRIA
Karoline Margarida Fernandes Januário

É de suma importância que a educação busque subsídios para entender a influência que
a mídia exerce na escolarização dos jovens. O grande desafio dos profissionais da
educação enfrenta é adentrar estas mídias dentro das escolas verdadeiramente, pois
negar a sua entrada neste ambiente consiste em negligenciar o “mundo” em que os
educandos estão inseridos, a escola é um ambiente mutável e é preciso quebrar os muros
que ainda consistem em separar o mundo modernizado ao ambiente escolar que ainda é
muito resistente para o novo. Segundo KENSKI (1995, p. 132), não compreende o
porquê de não explorar esse interesse dos jovens pelos jogos virtuais, os docentes
poderiam se apropriar desde recurso para ligar as regras institucionalizadas nos games
para as que são aplicadas na prática, melhorando assim a aceitação das regras pelos
discentes.

Negar a entrada das imagens e dos sons à sala de aula é negar, portanto, o mundo no
qual crianças, jovens e adultos estão imersos. É negar possíveis desdobramentos
pedagógicos que podem vir à tona frente às novas circunstâncias que se colocam no
cotidiano das escolas. (TAVARES, 2006. P. 46) Neste ponto, a escola poderia se
beneficiar em adotar novos modelos didáticos, que além de fortalecer o ambiente
escolar traria novas possibilidades de aprendizagem aos jovens, já que os educandos
estão emersos estes ambientes. Segundo BRENELLI (1996), o jogo deve ser
considerado uma atividade séria para o desenvolvimento do individuo, já que a criança
aprende por meio de regras e códigos para executar tarefas.

Desta forma pode-se observar que o jogo cumpre um papel muito importante na
formação moral e social no desenvolvimento cognitivo das crianças, já que o mesmo
aparece como um meio implícito de impor regras e responsabilidades. A inserção dos
jogos virtuais no âmbito educacional deve-se a busca de adequar a escola com a
modernização da sociedade pensando na educação como transformadora e inovadora,
conciliando o novo e o tradicional fazendo assim aproximar ás novas tendências com a
sala de aula, não fazendo com que a mesma fique em desvantagem. Em resumo, os
jogos de regras são jogos de combinações sensório-motoras (corridas, jogos de bola de
gude ou com bolas, etc.), ou intelectuais (cartas, xadrez, etc.), com competição dos
indivíduos (sem o que a regra seria inútil) e regulamentados quer por um código
transmitido de gerações em gerações, quer por acordos momentâneos. Os jogos além de
contribuir para uma melhoria significativa do processo cognitivo auxiliam para a
construção de valores humanos como estabelecer regras e respeito mútuo, porém estes
recursos entraram em desuso, já que o senso comum acredita que a educação está
pautada apenas em meios tradicionais, como ler e escrever. De acordo com MATTAR
(2010), a utilização de jogos tanto virtuais como de tabuleiro favorecem o pleno

394
desenvolvimento sensório-motora e intelectual dos educandos, trazendo benefícios que
vão além do processo avaliativo que a escola realiza.

A priori pode-se imaginar que o ensino de História e os jogos digitais fossem ter um
distanciamento imenso, uma vez que para o senso comum o ensinar e produzir História
precisaria do passado fornecido por fontes e documentos, todavia é preciso compreender
que a utilização dos mesmos será necessária para a percepção histórica e não no “fazer”
histórico, o jogo nesse caso seria para aprofundar e aproximar os jogadores/alunos nos
conteúdos da própria disciplina.

Segundo NADAI (2002), o professor tem papel fundamental neste processo da


construção do tempo histórico, estimulando e direcionando o alunado na
problematização das permanências e rupturas dos fatos. Integrando o conteúdo ensinado
com o conhecimento adquirido durante o processo. A História integrada proposta pela
autora nos dá a ideia do desafio imposto ao professor em trabalhar os conteúdos de
modo que proporcione aos educandos condições de compreensão e assimilação
simultânea e dinâmica para estas ações, se faz com o ensinar a pensar e discutir
criticamente e os jogos surgem como recurso didático apropriado para que aconteça este
processo, já que o mesmo estimula o raciocínio e a lógica construtivista, analisando o
todo antes da ação. Pensar o ensino de História de forma moderna e contextualizada
com as inovações tecnológicas é extremamente necessário neste processo histórico em
curso já que as crianças e jovens são nativos destes recursos tão indispensáveis como
computadores, celulares, smartphone e internet, estes são primordiais para a interação e
comunicação dos mesmos. Para KARNAL (2003, p.116), é necessário usar o mundo
usar o mundo em sala de aula, explorar o ‘caos criativo’ permitir que a escola se torne
atrativa para a construção do conhecimento.

Mas necessariamente é indispensável trazê-lo para o ambiente escolar, fornecendo aos


mesmos o conteúdo que se faz importante para a formação destes. Os conteúdos que
seriam trabalhados são mesmo que se pode encontrar nos livros didáticos fazendo assim
um recurso extra para a aprendizagem dos alunos. A Escola deve enfatizar o jogo, as
situações-problemas, os desafios e conflitos. Essas práticas devem ser frequentes nas
salas de aula, pois, por meio do jogo, a criança sente uma razão intrínseca para exercitar
sua inteligência e capacidade. As crianças podem reforçar conteúdos vistos em aula de
uma maneira atraente e gratificante. O jogo na perspectiva construtivista constitui-se em
um recurso pedagógico de inestimável valor (...) além de propiciar o desenvolvimento
cognitivo. (Falkemback, 2012 p. 27)

Os jogos devem ser vistos como um excelente recurso didático que além de aprimorar a
inteligência fortalece o vinculo afetivo entre os educando tornando o aprender mais
prazeroso. Os jogos virtuais ainda sofre muita resistência por parte dos educadores, em
algumas disciplinas pode-se notar que é maior do que em outras, no caso de História
podemos perceber que seus métodos ainda são bem tradicionalistas e metódicos,
fazendo que a disciplina sofra pela falta de interesse e desmotivação por parte dos
alunos, em pleno século XXI não se pode deter-se aos métodos que funcionavam no
século passado, querendo que os resultados sejam satisfatórios, já que a clientela se
modernizou, o ensino também deve acompanhar estas transformações. MATTAR
(2009), afirma que os jogos virtuais favorece o desenvolvimento cognitivo e intelectual
das crianças, porém ainda existe uma resistência em sua inserção da educação.
395
No caso do âmbito educacional é necessário compreender que as transformações do
público atendido sempre acontecerão já que a escola é reflexo do mundo exterior e não
ao contrário, a mesma deve traçar caminhos para esta modernização efetiva.

Como no passado, maior parte dos pais e professores imigrantes digitais de hoje supõe
que ‘as crianças são iguais desde sempre’ e que ‘os mesmos métodos que funcionaram
para a educação quando eles eram estudantes vão funcionar para seus alunos agora’.
Mas atualmente essas antigas suposições não são mais válidas. Os estudantes de hoje
não são mais as pessoas para as quais nosso sistema educacional foi desenvolvido. A
maioria dos pais não acredita que as crianças possam aprender enquanto assistem TV ou
ouvem música, só porque eles não conseguem. (PRENSKY, 2010 p. 60-61)

Modernizar-se vai além do uso de filmes, projetores e aparelhos de som, parte da ideia
de integrar o ambiente escolar aos das mídias e dos novos recursos didáticos. O
tradicional não deve ser encarado como modelo pedagógico fracassado, mas sim de um
modelo que precisa de adequações aos tempos atuais já que os objetivos traçados de
aprendizagem não serão os mesmos. Os jogos virtuais no ensino de História podem ser
considerados uma estratégia de recurso didático para auxiliar ao docente na assimilação
de conteúdos didáticos. Neste universo digital podemos citar alguns nomes de jogos que
contém recursos históricos que podem favorecer este conhecimento historiográfico.
Jogos que reproduzem desde a idade da pedra até a grande guerra.

Referências

BRENELLI, R. P. O jogo como espaço para pensar: a construção de noções lógicas


e aritméticas. Campinas: Papirus, 1996.

FALKEMBACH, G.A.M. Concepção e desenvolvimento de material educativo digital-


Revista Novas Tecnologias na Educação - CINTED - Centro Interdisciplinar de Novas
Tecnologias na Educação - Vol. 3 No 1 (março/abril) e Revista Novas Tecnologias na
Educação(ISSN 1679-1916). UFRGS, 2012.

KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.


São Paulo: Contexto, 2003.

MATTAR, J. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo:


Pearson Prentice Hall, 2010.

NADAI, P. O Ensino de História e a “Pedagogia do Cidadão”. In. PINSKY, J. (Org.) O


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PRENSKY, Mark. Não me atrapalhe, mãe - Eu estou aprendendo. São Paulo:


Editora Phorte, 2010.

TAVARES, M. T. de S. Jogos Eletrônicos: Educação e mídia. In:Seminário Jogos


Eletrônicos, Educação e Comunicação: cons... Disponível em <http://www.
comunidades virtuais.pro.br/seminario2/index2.htm>. Acesso em: 22/11/2015

396
“DIRETO AO PONTO” - A EDIÇÃO DE VÍDEOS E
IMAGENS A SERVIÇO DO DOCENTE
Leonardo de Jesus Tavares

O uso didático das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC´s)

No relato de minha experiência, devo dizer que, durante minha formação sempre tive o
interesse de utilizar o recurso do audiovisual como apoio para as aulas. Imagens, filmes,
músicas, todo esse material serviria de grande recurso para compreensão dos estudantes,
se utilizados de maneira objetiva e esquemática dentro de um procedimento de aula
previamente pensado.

Ao ingressar no trabalho docente – na Secretaria Estadual de Educação do Rio de


Janeiro, no ano de 2010 – com turmas cheias e indisciplinadas, tive a intenção de
utilizar recursos de mídias que havia produzido durante a licenciatura, para envolver os
estudantes nas propostas de aula. Porém percebi que utilizar massiva e constante os
recursos de mídia tiram deles o encantamento lúdico necessário para que os estudantes
interajam com as aulas. O que as primeiras tentativas me ensinaram foi que o recurso de
mídia não exclui, nem diminui a importância da exposição verbal do docente, momento
no qual aluno e professor estabelecem um vínculo vital para o processo de
aprendizagem.

Concordo com a afirmação de MENEZES (2013), segundo a qual “... para o processo
de aprendizagem se efetivar é necessário que haja motivação e interação entre
professor e aluno ...” , ou seja, o docente deve estar em constante esforço de interação -
integração com os seus estudantes, estabelecendo e desenvolvendo vínculos, que serão
facilitadores para o bom desempenho das propostas educacionais.

Sobre a forma como os estudantes vivenciam as aulas, MORAN (2004) possui um


estudo que ilustra a percepção dos discentes. De acordo com esse estudo, “... a maior
reclamação dos alunos é a forma como os professores ministram suas aulas, falando
por horas, expondo o conteúdo, com pouca possibilidade de participação dos discentes,
não ocorrendo assim uma interação professor-aluno ...” (in.: MENEZES, pg.: 4). É
fato que a geração atual de jovens encontram-se em uma freqüência de velocidade de
resposta e uma conseqüente inquietação com longos processos. Destaco aqui, que a
vivencia com os estudantes tem me despertado o ímpeto de ser cada vez mais ágil e
direto em minhas exposições explicativas dos temas das minhas aulas, aproveitando ao
máximo os momentos (curtos) de atenção que os estudantes nos ofertam. Constatar essa
inquietude e aceleração dos jovens, nos auxilia, enquanto facilitadores de informações
educacionais, à manter o foco na objetividade de nossa fala.

O uso de ferramentas tecnológicas como apresentações de Power Point são um


considerável apoio para a organização de uma abordagem retilínea de temas
educacionais. Especificamente na experiência de trabalho escolar que venho relatar por
meio dessa comunicação, a plataforma PowerPoint foi utilizada como recurso
397
expositivo bastante satisfatório. Unindo possibilidades diversas de exposição de áudio,
desenhos, mapas, e vídeos, encontrei sempre soluções bastante praticas para as minhas
necessidades de expositor.

Sendo de uma família de professores, eu dispunha em minha casa, de várias as


informações sobre a crise social que causava o desinteresse dos estudantes pela
aprendizagem, e das propostas governamentais que imputavam plenamente, os docentes
pelo fracasso escolar.

Minha preocupação didática era produzir um material que proporcionasse aumento de


curiosidade nos estudantes, e a experiência me permitiu perceber que os recortes de
vídeo causavam uma curiosidade para o decorrer do filme, porém, no momento da aula
o ideal é que a informação áudio-visual seja bastante objetiva, para evitar dispersão da
atenção dos estudantes. Sobre esse aspecto do trabalho enfatizarei no subitem referente
à Metodologia.

Ainda sobre os profissionais de ensino que atuam nas salas de aula na nossa realidade
brasileira de 2017, considero válido dizer que; os professores não recebem o devido
treinamento e capacitação para introduzir as TIC (Tecnologias de Informação e
Comunicação) em suas práticas de sala de aula. Em muitas das vezes, realmente o
quadro que temos é de docentes acomodados e reticentes com todos os movimentos de
renovação e modernidade. Porém, ainda existe um numero importante de docentes que
pretendem realizar trabalhos com significado para seus alunos.

A crítica sobre o uso de filmes em sala de aula é bastante forte. Ainda existem até hoje
atitudes com as aulas com vídeo, como se elas fossem uma recreação simples, um tipo
de aula divertimento, ou uma demonstração pura e simples dos conteúdos da disciplina.
Esse fato é enfatizado por CAPARRÓS-LERA & ROSA (2013):

(...) identificamos que não são todos os mestres que sabem utilizar a sétima
arte dentro do processo de ensino. Ainda existem professores que empregam
o cinema como divertimento ou como ilustrador do conteúdo. Para essa
atitude temos uma explicação muito simples: o professor não tem
conhecimento de como utilizar o cinema nas aulas de História (...) in.:
CAPARRÓS-LERA, Josep M. & ROSA, Cristina S. O cinema na escola:
uma metodologia para o ensino de História. 2013 pg.: 190

O uso que sempre pretendi fazer dos trechos de filme, nunca foi de “ilustração de
conteúdo”, metodologicamente poderia dizer que me aproximo conceitualmente com
alguns aspectos da proposta de Jonatas Serrano e Venâncio Filho, autores do livro
“Cinema e Educação” (1930). Nesse livro os autores sugerem algo que considero de
fundamental importância para que a aprendizagem seja bem sucedida - o auxilio do
professor passo-a-passo junto aos estudantes: “... os autores sugeriam o emprego do
cinema como auxiliar de ensino, em que as exibições de filmes seriam acompanhadas
pelas explicações do professor ...” (in.: CAPARRÓS-LERA & ROSA, pg.: 192).
Utilizei a referencia do livro “Cinema e Educação” (VENANCIO FILHO; SERRANO,
1930) como um auxilio sobre alguns aspectos da metodologia da narrativa fílmica em
sala de aula; porém, no produto educacional que produzi e relato a experiência didática

398
nessa comunicação, sempre utilizei trechos curtos de cenas de filmes, agilizando e
dinamizando o andamento das aulas.

Outro item válido em minha avaliação prévia dessa experiência didática, foi a
articulação entre a proposta de trabalho e os Parâmetros Curriculares Nacionais, que
estimulam “... o desenvolvimento de atividades com diferentes fontes de informação
(livros, jornais, revistas, filmes, fotografias, objetos, etc) para confrontar dados e
abordagens; e o emprego de documentação variada, como sítios arqueológicos,
edificações, mapas, instrumentos de trabalho, objetos cerimoniais e rituais, adornos,
meios de comunicação, vestimentas, textos, imagens e filmes.” (BRASIL, 1998, pg.:
77).

Em minha experiência de trabalho, identifiquei que o Power Point se configurou como a


plataforma mais adequada para a utilização das múltiplas mídias com as quais trabalhei.
Os recursos oferecidos pelo software, me possibilitaram fazer incursões em imagens
(fotografias, charges, pinturas, etc), músicas e vídeos de forma bastante produtiva.
Dessa forma, harmonizo-me com a conclusão de NOGUEIRA sobre o referido software
e seu uso educacional: “... o Power Point, como recurso tecnológico, pode facilitar o
ensino e a aprendizagem de determinados conteúdos e pode motivar o aluno levando-o
a ter interesse pela aula, desde que o professor saiba conduzi-la, promovendo reflexões,
debates e abrindo espaço para questionamentos a respeito dos conteúdos abordados
...” (in.: NOGUEIRA, 2013. Pg.: 25).

Metodologia do trabalho

Particularmente discordo com um procedimento sugerido por CAPARRÓS-LERA &


ROSA sobre cenas de violência e sexo nos filmes:

(...) Se o filme tem cenas de sexo ou violência, é interessante falar sobre isso
com os alunos, principalmente com os adolescentes, para que as imagens
não se tornem motivo de piada, distraindo a turma (...) in.: CAPARRÓS-
LERA, Josep M. & ROSA, Cristina S. O cinema na escola: uma
metodologia para o ensino de História. 2013 pg. 201.

Acredito que as cenas “inapropriadas” devem ser utilizadas em circunstancias bem


especificas, cercadas de um objeto bem preciso de instrução. Um bom exemplo seria a
cena clássica de sexo entre o monge e a camponesa do filme “O nome da Rosa”. Tal
cena poderia ser exibida durante o 3º ano do Ensino Médio, em um debate sobre a
História da exploração da sexualidade feminina, pois na faixa etária desse ano de
escolaridade, os estudantes costumam estar mais abertos ao debate necessário para que
o objetivo da cena não se perca com agitações e brincadeiras inadequadas.

As apresentações PowerPoint que produzi possuem um foco na agilidade e objetividade.


Desenvolverei a partir de agora, uma síntese sobre a apresentação que produzi que
causou melhores resultados educacionais, com o tema de Consciência Negra.

399
Considerações parciais: Uma síntese sobre a Apresentação PPT Consciência
Negra.

A apresentação PPT Consciência Negra foi produzida no ano de 2014, para


apresentação na escola onde trabalho, a Unidade Escolar CIEP Brizolão 324 – Mahatma
Gandhi, como parte das atividades de celebração ao dia da Consciência Negra. A
referida apresentação é composta de 35 slides, constituídos por: 4 mapas, 3 fotografias, 18 gifs
animados, 1 pintura, 6 sons de música (mp3), e 11 trechos de filme.

Os resultados de aprendizagem obtidos com essa apresentação PPT, foram altamente


satisfatórios, com um grupo significativo de estudantes realmente impressionados com
os processos de violência e desumanização praticados contra a população negra ao
longo da História, e que se manifestam até os dias de hoje em forma de ações racistas
nos meios de comunicação e internet. Entretanto, devo destacar que esse trabalho foi
realizado com grupos de estudantes que já participavam de aulas interativas semelhantes
apresentadas bimestralmente comigo, à pelo menos 3 anos, e estavam acostumados a
refletir através das emoções despertadas pelas imagens dos trechos de filmes. Ou seja
um resultado, a longo prazo, porem visível que demonstra melhoras na compreensão e
envolvimento dos estudantes com as praticas educativas.

Devo destacar que ainda não realizei uma conclusão final sobre outros aspectos do
trabalho pois o mesmo ainda encontra-se em processo de estudos inserido como produto
educacional em meu projeto de Dissertação de Mestrado, no PROFHISTÓRIA –
UFRRJ.

Referências Bibliográficas:

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:


História. Brasília: MEC: SEF, 1998.

CAPARRÓS-LERA, Josep M. & ROSA, Cristina S. O cinema na escola: uma


metodologia para o ensino de História. Educação em Foco. Juiz de Fora, v. 18 n.2, pg.:
189-210, jul./out. 2013.

MAHAR, Steve; YAYLACICEGI, Ulku e JANICKI, Thomas N. Less is more when


developing PowerPoint Animations. Proc ISECON, 2008, v. 25 (Phoenix): § 3115
(refereed).

MENEZES, S. D. Mídia e educação: O uso das novas tecnologias em sala de aula.


Disponível em URL:

< http://www.ucpel.tche.br/senale/cd_senale/2013/Textos/trabalhos/122.pdf>. Acesso


em fevereiro de 2017.

MORAN, J. M. (2004). Os novos espaços de atuação do professor com as tecnologias.


In: ROMANOWSKI, J. P. et al. (Org.). Conhecimento local e conhecimento universal:
diversidade, mídias e tecnologias na educação. Curitiba: Champagnat.

400
MORAN, J. M., MASETTO, M. T. & BEHRENS, M. A. (2000). Novas tecnologias e
mediação pedagógica. Campinas, SP: Papirus.

NOGUEIRA, Jorge Bonfim. A utilização de animações em Power Point como


ferramenta Didático-Pedagógica para o ensino de Matemática. Dissertação de
Mestrado Profissional em Ensino de Matemática, Polo Universidade Estadual da Bahia
– UESB. 2013.

ROULKOUSKY, Emerson. Tecnologias no ensino de matemática. Curitiba: Ibpex,


2011 – Série Matemática em Sala de Aula.

VENÂNCIO FILHO, Francisco; SERRANO, Jonathas. Cinema e Educação. São Paulo:


Companhia Melhoramentos, 1930.

401
O USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS E O ENSINO
DE HISTÓRIA: A LEI DE ANISTIA EM
PERSPECTIVA
Leonardo Leal Chaves

Muito se tem discutindo sobre a utilização de novas tecnologias como recurso


pedagógico para o ensino de história, especificamente embasada nas premissas dos
Parâmetros Curriculares Nacionais ou diretrizes curriculares, e sobre o impacto destas
no processo de ensino-aprendizagem dos processos históricos. As TICs (Tecnologias de
Informação e Comunicação) podem ser analisadas aqui como capazes de proporcionar
um acesso livre à informação, possibilitando o compartilhamento de experiências e a
produção/circulação de conhecimento.

Sobre a temática aqui explorada, a Lei de Anistia de 1979, ainda predominam em sala
de aula, filmes, produção bibliográfica ou nos livros didáticos as leituras do período
ditatorial que tem no Centro-sul do país o palco por excelência dos principais
acontecimentos históricos. Nesse sentido, são nacionalizadas explicações que dão conta
do universo histórico de cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, mas
que não contemplam as especificidades das demais regiões do Brasil, como por
exemplo, o Maranhão. A proposta deste estudo caminha em outra direção. O que está
sendo aqui proposto é a recuperação das especificidades do período ditatorial no
Maranhão como forma de, não só elaborar um texto meramente acadêmico, mas como
e, principalmente, promover algum tipo de intervenção nas práticas pedagógicas
vigentes.

Nesse sentido, propõe-se aqui a construção de um canal direto, dinâmico e interativo, ou


seja, um blog histórico (como parte de um repositório digital) capaz de fornecer ao
corpo docente, e quiçá discente, múltiplas ferramentas que possibilitem o repensar e a
reelaboração das estratégias pedagógicas no ensino das singularidades maranhenses
durante o período ditatorial, nesse estudo, concernentes à Lei de Anistia. No
campo da cibercultura (LEVI, 1999, p. 46), mais exatamente na web (ou ciberespaço),
encontram-se trabalhos pioneiros e audaciosos, espécies de mecanismos virtuais de
memórias e possibilidades de mobilização em torno do tema da anistia, como a
impunidade dos agente oficiais do Estado envolvidos em tortura, desaparecimentos
forçados e mortes, voltados para as disputas de memória. Não obstante, mesmo nestes
blog e repositórios digitais encontram-se ausentes dados, informações, lugares (virtuais)
de memórias que enfoque nas pessoas envolvidas nessa luta por uma anistia "ampla,
geral e irrestrita", mesmo que a aprovada tenha sido "parcial e recíproca", anistiando
aqueles que cometeram crimes políticos e "conexos" a estes, ao estenderem o benefício
da anistia aos próprios militares. Esta produção no ciberespaço ocorreram com mais
ênfase após a divulgação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade ou
tentativa de revisão da Lei de Anistia engendrada pela Ordem dos Advogados do Brasil

402
e rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal por unanimidade, uma vez mais em nome da
pacificação nacional.

No entanto, ao pensarmos este panorama, faz-se necessário destacar que, nas palavras
de Jayme Pinsky e Carla Pinsky (2005), o elevado grau de transformação nas esferas
políticas e econômicas ocorridas no final do século passado e que acentuaram o
ceticismo entre professores e estudantes de História em geral em relação ao próprio
conhecimento histórico e seu potencial transformador. Nas escolas, este ceticismo
desdobrou-se no questionamento acerca do sentido do ensino de história. Paralelo a tal
processo, o próprio livro didático, enquanto instrumento ímpar do processo de
aprendizagem, também tem sua validade posta em xeque, principalmente diante da
explosão de novas tecnologias que passaram a ser vistas como "sepultadoras" do livro
impresso. Sepultados seriam, também, tanto a figura do professor como agente de
ensino (tidos como comunicadores inábeis e incompetentes) quanto das propostas
curriculares ligadas às realidades nacional e local (vistas como inadequadas e
ultrapassadas).

Assim,

procurando acompanhar as mudanças, os novos tempos, muitos professores


acabem comprando a ideia de que tudo que não é muito veloz é chato. Na
sala de aula, o pensamento analítico é substituído por "achismos", alunos
trocam a investigação bibliográfica por informações superficiais dos sites
"de pesquisa" pasteurizados, vídeos são usados para substituir (e não
complementar) livros. E o passado, visto como algo passado, portanto
superado, tem tanto interesse quanto o jornal do dia anterior (PINSKY,
Jaime; PINSKY, Carla, 2005, p. 17-18).

Em função da longa duração do período ditatorial, será realizado um corte cronológico e


temático para que essa proposta se torne viável de realização no período de duração do
mestrado. Assim, o blog terá como tema central o processo de transição política da
Ditadura rumo à democracia, sendo, portanto, privilegiada aqui a aprovação da Lei de
Anistia. Para que as singularidades do Maranhão possam emergir em meio a esse arco
de questões aqui anunciadas, esse estudo terá como corpus documental uma
multiplicidade de fontes compostas por jornais de circulação local, como O Estado do
Maranhão, O Imparcial e O Jornal Pequeno, música compostas por artistas regionais,
produção literária, fontes iconográficas, entrevistas como personagens destacados do
período e outras possibilidades que poderão vir a ser construídas durante a pesquisa.

Deste modo, a criação/utilização de novas ferramentas pedagógicas para o ensino de


história se faz urgente em tempos de blogs, webquests, repositórios digitais, redes
sociais, armazenamento de arquivos na nuvem, compartilhamento de informações e
arquivos e uma miríade de possibilidades que poderiam potencializar o envolvimento
dos alunos no fosso que separa a produção acadêmica e cotidianos escolar, mais
evidente no que diz respeito à produção de conhecimento histórico. Ao relacionarmos
essa possibilidade digital/informatizada em rede com a tentativa de transposição
didática mediada pelas TICs, voltamos-nos à Jean-Claude Forquin (apud MONTEIRO,
2003, p. 13) e sua reflexão sobre o saber escolar. Assim,

403
a perspectiva de constituição de um saber escolar tem por base a
compreensão de que a educação escolar não se limita a fazer uma seleção
entre o que há disponível da cultura num dado momento histórico, mas tem
por função tornar os saberes selecionados efetivamente transmissíveis e
assimiláveis. Para isso, exige se um trabalho de reorganização,
reestruturação ou de transposição didática que dá origem a configurações
cognitivas tipicamente escolares, capazes de compor uma cultura escolar sui
generis, com marcas que transcendem os limites da escola.

A utilização dessas novas tecnologias e sua inserção no cotidiano escolar não estão
isentas de fatores que tornam essa manutenção da distância entre professor x aluno,
saber acadêmico x saber escolar, teoria x prática, abissais. São frequentemente
apontadas como causas do insucesso a dificuldade dos professores na compreensão e
manuseios dessas "ferramentas", a quase impossibilidade se sugestão de atividades fora
do livro didático ou do esquema quadro/pincel dentro do espaço físico da sala de aula,
bem como a exígua (porém exigente) carga horária escolar. Esta proposta aqui
germinalmente exposta direciona seus esforços no sentido de possibilitar a preservação
da memória e das especificidades concernentes à Lei de Anistia no Maranhão,
disponibilizando através da interface da web e das acessíveis linguagens e programas
para construção de site e blogs, dados, suporte, relatos, multimeios, abrindo
possibilidades exploratórias sobre o tema por parte dos professores de um recurso atual
e dinâmico, (relativamente) acessível e de fácil manuseio/manipulação pelos alunos da
geração net.

Referências bibliográficas

LEMOS, Renato. “Anistia e crise política no Brasil pós-64”. Topoi. Revista de


História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ; 7
Letras, n. 5, setembro de 2002, pp.287-313.
LEVI, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. p. 21-110.
MONTEIRO, Ana Maria. A história ensinada: algumas configurações do saber escolar.
História & Ensino. Londrina, v.9. p. 09-36, out. 2003
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla. O que e como ensinar. Por uma história prazerosa e
consequente. In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos,
práticas e propostas. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2005. p.17-36.
RODEGHERO, Carla Simone. A anistia de 1979 e seus significados, ontem e hoje. In:
REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs.) A
ditadura que mudou o Brasil. 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
SAES, Décio. República do Capital. Capitalismo e processo político no Brasil. Rio de
Janeiro. Boitempo, 2001
FERNANDES, Sidneia Caetano de Alcântara. As tecnologias de informação e
comunicação no ensino e aprendizagem de história: possibilidades no ensino
fundamental e médio. Dissertação de mestrado. UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM
BOSCO. Campo Grande - MS, AGOSTO – 2012
404
HISTÓRIA E FOTOGRAFIA: UMA VISÃO DE
FOTÓGRAFO, DO HISTORIADOR E DO
OBSERVADOR COMUM, AS VÁRIAS
INTERPRETAÇÕES ACERCA DA IMAGEM
Lucas Eduardo de Oliveira
Pablo Kyoshi Rocha

Na programação da Primavera de Museus, os estagiários de História da Associação


Parque Histórico de Carambeí (APHC), citados acima, confeccionaram a oficina
“Historiografia e Fotografia”. Desenvolvida durante os dias 20 a 23 de setembro de
2016 para alunos entre 10 e 15 anos, a oficina teve como objetivo provocar o público a
pensar a respeito das reconstituições de algumas peças do museu e ainda refletindo a
respeito da própria História como disciplina, trabalhando com a perspectiva de “como
fazer história” do ofício do historiador, prescrito pelo renomado Marc Bloch.

Foi considerado que todos os alunos presentes não possuíam nenhum tipo de
conhecimento cientifico quanto à fotografia e história, ou uma visão diferente quanto à
fotografia e o seu uso cotidiano. Sendo assim, montou-se uma oficina que abordasse ao
mesmo tempo, a construção de passado e a construção do presente, e relacionou-se esta
concepção à construção das Alas museais do Parque Histórico de Carambeí. Para isso
foi necessário uma abordagem minuciosa, juntando os pequenos fragmentos contidos
nos próprios alunos, interligando a história disciplinar com a história científica, para que
então definir-se coletivamente a história investigativa que acerca o documento
imagético, a visão do fotógrafo e a concepção do historiador.

Em um primeiro momento os alunos foram recebidos em uma sala para o momento


teórico da oficina. Um dos estagiários tinha uma fala acerca da visão do fotógrafo e da
fotografia. Também sobre as origens da fotografia e para qual função ela surge. Com o
objetivo de “registrar a luz” o ato de fotografar surge para guardar momentos e datas
que devem ser lembradas. Com isso a imagem torna-se uma fonte, que mostra muito a
respeito de um local, época, povo e demais aspectos. Em seguida, foi apresentada aos
alunos que o “ato de fotografar”, até mesmo nos dias atuais, é sim uma forma de
construir a história, pois não deixa de ser uma fonte de analise, tais como as imagens de
hoje, para compreender nossa realidade.

Dando sequência, os alunos foram encaminhados até o local da primeira parada: Casa
do Colono. Neste local – em exposição na Vila Histórica do APHC – eles ficaram de
frente com a primeira fotografia e também com o espaço físico mostrado na imagem.
Neste momento, foi aplicada a primeira comparação e análise de imagem. Eles
observaram quais eram as semelhanças e diferenças entres imagem e espaço físico.
Foram citados pelos estudantes qual fora o objetivo do fotógrafo no momento em que

405
capturou tal imagem e a partir disso montar sua própria concepção e imersão sobre a
história local.

A próxima parada foi na Igreja da Vila Histórica. Neste local os estudantes tiveram
contatos com as imagens da construção da Igreja e em seguida dela já pronta. Outra foto
que também foi apresentada a eles, foi de um casamento nesta igreja.

Em seguida, o próximo ponto foi na Escola da Vila Histórica, onde eles conheceram o
espaço físico e então analisaram a imagem do acervo, que mostra os alunos da década
de 1920 a 1940 da Colônia Holandesa dentro desta sala de aula com sua respectiva
professora.

A última parada foi na ponte principal do Parque, que dá acesso as alas museais. Neste
momento os alunos puderam observar de forma mais apurada a ponte pela qual já
tinham atravessado, mas sem muita atenção. Na imagem, era mostrada uma ponte na
Holanda, assim, eles puderam observar as semelhanças da ponte do Parque com a da
imagem.

É importante destacar que todas as imagens eram fotografias originais da época da


Colônia Holandesa de Carambehy entre as décadas de 1920 a 1950. Os espaços físicos
citados que foram utilizados na oficina foram da Vila Histórica, uma réplica com 60 por
cento do tamanho real da vila original.

A oficina teve por objetivo, oferecer uma visão diferente do museu e de suas
construções. Foram utilizadas fotografias disponíveis no acervo do APHC, como fonte
de pesquisa e de estudos, e o ensino retórico para que o público chegasse as suas
conclusões e interpretações. Diante de cada cenário ou objeto, os estagiários colocavam
a fotografia ao lado e perguntavam o que os alunos conseguiam ver naquela foto; o que
acontecia; se haviam pessoas e o que elas faziam; se fosse algum objeto, qual era sua
função. Assim, eles (alunos) observaram as fotos e usaram do imaginário para criar
alguma cena nas construções da Vila ou para os objetos utilizados.

A intenção do projeto era que os alunos observassem as peças e o processo da Vila


Histórica como objeto do seu interesse, os quais representam elementos da imigração
holandesa e da Colônia Holandesa de Carambehy. Transmitir que uma prática diária
simples, o “ato de fotografar”, pode ser tão importante quanto um documento escrito há
muitos anos atrás. E alegar a importância do mesmo como um objeto de estudo.

Ao final, como atividade prática, os alunos deveriam usar suas máquinas fotográficas
(celular, tablet, etc.) e fotografar com “a visão de fotógrafo”um cenário de dentro da
Vila Histórica e em seguida deviam apresentar aos colegas e explicar os seguintes itens:
de que forma aquela imagem era uma fonte; o que poderia se aproveitar dela; como foi
sua visão na hora de capturar a imagem.

Fechando o ciclo, tiveram-se então as três interpretações que se tinha como objetivo, do
fotografo, do historiador e do observador comum. Foi analisado o que o fotógrafo tinha
como intenção transmitir, qual era sua visão ao fotografar tal imagem. Em seguida, os
alunos colocaram-se como historiadores e tentaram compreender o que este último

406
observaria, qual seria a visão do historiador sobre as imagens. Por fim, como
observadores comuns, os alunos deram suas opiniões sobre o que viam nas fotografias.

A oficina contou ao final com 54 alunos, sendo que esta foi uma das várias atividades
ocorridas durante a programação do evento.

Referências

BORGES, Maria Eliza Linhares. História & fotografia. São Paulo: autêntica, 2003.

KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial. 2014

407
O USO DE REVISTAS COMO RECURSO
PEDAGÓGICO NAS AULAS DE HISTÓRIA
Lucimar Alberti

Ao longo dos últimos anos os contínuos progressos na área da comunicação,


principalmente no que tange as mídias sociais, tem produzido grandes transformações
nas relações que mantemos com os meios de comunicação e com a informação de
maneira geral. Esse processo também tem trazido conseqüências ao espaço escolar,
reorganizando nossa relação com o saber, bem como as relações entre professores e
alunos e, destes últimos com o conhecimento de uma maneira geral. Em nenhum outro
momento da trajetória humana produziu-se tanto conteúdo e, também, nunca antes na
História tivemos acesso a tanta informação sobre os mais diversos temas. Se por um
lado obtivemos vantagens, principalmente no que diz respeito ao acesso à informação
por outro lado apresenta-se o desafio de saber localizar, identificar e separar a
informação pertinente aos nossos interesses daquela que não auxilia em nosso processo
educativo. De acordo com Pinsky e Pinsky (2009), cabe ao professor a tarefa de
transformar essa massiva quantidade de informação em conhecimento. Para os autores
“a informação chega pela mídia, mas só se transforma em conhecimento quando
devidamente organizada [...] porque a informação chega aos borbotões, por todos os
sentidos, é que se torna mais importante o papel do bom professor” (PINSKY;
PINSKY, 2009, p.22).

A partir dessa grande quantidade de material que encontramos a nossa disposição


entendo tratar-se de prática fundamental na sala de aula investir tempo na formação da
capacidade leitora dos nossos estudantes, assim como colaborar na no desenvolvimento
de um senso crítico no que diz respeito à seleção de material que consumimos. Não
implica aqui assumir que este ou aquele veículo de comunicação é melhor ou pior.
Antes disso, trata-se de construir com os estudantes a compreensão que existem dos
modelos e propostas de mundo com a qual cada veículo de comunicação está associado.
E, que suas reportagens são publicadas em conformidade com isso, produzindo e
articulando maneiras de estar no mundo. Logo o que se pretende é possibilitar que os
estudantes construam uma leitura crítica, aprendendo a confrontar versões e selecionar o
que se apresenta nos meios de comunicação de uma maneira geral e, de forma mais
específica nas revistas semanais.

Cabe, no entanto, a partir deste ponto uma pergunta: como a disciplina de História pode
contribuir para a melhora na capacidade leitora dos estudantes ao mesmo tempo em que
desenvolve uma prática conectada ao programa da sua disciplina? E, de maneira mais
específica, como, na disciplina de História, podemos desenvolver essa prática a partir do
uso de revistas semanais? O presente artigo pretende apresentar algumas considerações
acerca do uso das revistas semanais como material de análise para as aulas da disciplina
de História assim como oferecer um exemplo prático das suas possibilidades de
utilização. Para tanto é importante deixar claro desde agora que escrevo considerando
algumas proposições dos Estudos Culturais, como, por exemplo, a compreensão que os
408
artefatos culturais, neste caso, as revistas, atuam em nossa educação na medida em que
informam e transmitem determinadas maneiras de estar no mundo. Utilizo também
contribuições da História, principalmente sua metodologia para pesquisas com revistas
ao mesmo tempo em que faço uso do conceito de discurso a partir das teorizações de
Gilian Rose (2001).

Pensando numa prática de sala de aula é importante primeiramente selecionar o material


que será utilizado, considerando a possibilidade de estabelecermos uma série longa de
exemplares. De acordo com Luca (2006) precisamos “historicizar a fonte” (LUCA,
2006, p. 132), observando suas condições de publicação, ou, a “materialidade de jornais
e revistas em diferentes momentos” (LUCA, 2006, p.131). O que significa dizer que é
necessário considerar quais eram os recursos tecnológicos do período de quando a
revista foi publicada bem como a sua organização interna. Assim, pensando um
exemplo prático poderíamos selecionar a Revista Veja enquanto acervo documental
para ser trabalhado em sala de aula. Essa escolha justifica-se pelo fácil acesso ao
material, que se encontra hospedado em sua totalidade no sítio da própria Revista o que
nos asseguraria a possibilidade de estabelecer uma série longa de exemplares. Quanto
ao tema poderíamos pensar o uso da Revista Veja para verificar o discurso ufanista do
Regime Militar (NAPOLITANO, 2013), observando como este se manifestava de
formas variadas, em diversos setores da sociedade ou mesmo se existem contrapontos a
esse discurso. Em outras palavras, se o que aparece na fonte que selecionamos reforça
ou questiona esse ufanismo característico do período. Assim, a proposta que trago seria
identificar alguns elementos dos discursos que se produzia sobre saúde, nas páginas da
Revista Veja, durante o Regime Militar Brasileiro, mais especificamente no ano de
1968, quando do lançamento da Revista.

Estabelecido nosso recorte temporal e temático é importante deixar claro o que entendo
por discurso. Tomando as discussões de Rose (2001) entendo discurso como “um grupo
de enunciados que estruturam a maneira de algo ser pensado e a maneira de agirmos
com base nesse pensar. [...] um determinado conhecimento sobre o mundo que molda a
forma do mundo ser compreendido e das coisas serem feitas nesse mundo” (ROSE,
2001, p. 136). Assim, a partir da concepção de discurso apresentada aqui entendo ser
possível analisar que tipo de discurso se manifesta nas reportagens sobre saúde da
Revista Veja. Verificando em que medida esse discurso reforça a ideia de um Brasil que
avança rumo a um futuro maravilhoso ou se as fontes apresentam elementos que nos
permitam pensar de maneira diferente. Outro aspecto importante ao se propor esse tipo
de análise consiste em fazer as perguntas adequadas para as fontes selecionadas. Assim,
seguindo as indicações de Rose, devemos questionar “como determinado discurso
descreve as coisas [...] como constrói a culpa e a responsabilidade [...] como categoriza
e particulariza” (ROSE, 2001, p. 150).

Para exemplificar o que proponho trago uma reportagem da Revista que trata sobre os
transplantes no período selecionado. Na reportagem “Mãos de ouro” (VEJA,
11/09/1968) aborda-se os transplantes sob uma perspectiva extremamente positiva.
Como o próprio título já faz referência, valoriza-se muito a ação dos médicos que
realizam transplantes. Estes, os médicos, são apresentados como profissionais
profundamente envolvidos com sua profissão, talentosos e que constantemente estão em
busca de aperfeiçoamento profissional. As condições desfavoráveis para trabalhar até
surgem, no entanto, a ênfase está no elogio aos profissionais. De acordo com a Revista,
409
os médicos, “no jogo contra a morte enfrentam simultaneamente vários outros
adversários; entre eles as más condições para seu trabalho. Mesmo assim estão
acostumados a vencer” (VEJA, 11/09/1968, p.46). Esse posicionamento, aliás, fica
ainda mais evidente ainda quando a Revista decreta: “os cirurgiões vencem antes de
tudo pelas suas próprias mãos” (VEJA, 11/09/1968, p.46). Mas, independente das
condições de trabalho que existem, “a cirurgia brasileira vai ganhando o jogo contra a
morte” (VEJA, 11/09/1968, p.49).

Apesar da breve apresentação da fonte utilizada aqui, acredito que é possível identificar
algumas possibilidades de uso desse tipo de recurso em sala de aula. Ao recrutar uma
fonte primária, de fácil acesso como um exemplar da Revista Veja, já encontramos uma
considerável variedade de informações que podem ser utilizadas nas aulas de História.
Ao adotar esse tipo de prática, por exemplo, podemos, em se tratando do Regime
Militar Brasileiro, estabelecer alguns questionamentos acerca de todo esse progresso
difundido pela propaganda oficial. Se os avanços foram tão expressivos como nos
fazem pensar através do Milagre Econômico, como é possível identificar críticas às
condições de trabalho nos hospitais brasileiros? Ou mesmo, atribuir o “sucesso” da
medicina no Brasil à capacitação dos nossos médicos, adquirida no exterior, aliás, do
que aos investimentos do Governo Brasileiro? Podemos considerar, a partir do exposto
que entre a propaganda oficial do Regime Militar e o que de fato acontecia existia um
hiato que precisa ser melhor explorado pelos professores de História em sala de aula.

Assim, acredito que tomando as reportagens de Veja como material de análise para o
período e temas indicados anteriormente, podemos demonstrar aos alunos como essas
notícias vão se articulando na construção de um quadro mais amplo acerca do país bem
como dos serviços de saúde no Brasil. Além disso, o uso de documentos históricos pode
auxiliar para tornar as aulas mais dinâmicas, interessantes e produtivas, satisfazendo
assim professor e alunos. Contribuindo, também, para que o saber histórico seja
reconstruído em sala de aula e não apenas reproduzido. Finalizando, acredito que
através de propostas como essa seja possível articular, na disciplina de História, uma
prática educativa preocupado com a melhora da habilidade leitora dos nossos estudantes
ao mesmo tempo que colaboramos com a construção da capacidade de leitura crítica,
fundamental para um época onde transbordam informações.

Referências Bibliográficas

LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In.: PINSKY,
Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Editora Contexto, 2006. P.111 – 154.

Mãos de Ouro. In.: Veja. Nº1. São Paulo: Editora Abril, 1968. P.46 – 49

NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo,


Editora Contexto: 2013.

PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. O que e como ensinar. In.: KARNAL,
Leandro (Org.). História na Sala de aula: conceitos práticas e propostas. São Paulo:
Contexto, 2009. P.17-39.
410
ROSE, Gillian.Visual Methodologies: an introduction to the interpretation of visuals
materials. Londres: Sage, 2001.

O USO DA IMAGEM COMO POSSIBILIDADES


PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
411
Maria Conceição da Silva

O presente trabalho tem como objetivo mostrar as possibilidades de trabalhar com


imagens no espaço da sala de aula. Nesse sentido e importante mostrar outras
experiências com outros recursos, o uso de charges, letras de músicas e principalmente
o uso de imagens que podem ir além do livro didático. Entendendo a escola como um
espaço dinâmico que se vivencia inúmeras práticas do conhecimento, os métodos
utilizados para promover a aprendizagem dos alunos e de extrema importância. Ao
assumir o compromisso de ser professor do ensino de história percebe-se a necessidade
de muitas estratégias além do livro didático para explicar os conteúdos proposto no
currículo. Assim o uso de imagem como fonte dentro dos assuntos explicados
contribuem para que tanto o aluno como professor tenha um melhor desempenho e
entendimento no decorrer da aula. Partindo da análise de Circe Bitencourt que o livro
didático e parte integrante de um sistema institucionalizado (p. 23). Também refletido
sobre a postura do professor o uso de imagens e interessante na produção de
conhecimento histórico para com o aluno, sendo que o conteúdo didático precisa ser
desenvolvido de acordo a cultura e a experiência já construída pelo aluno, levando em
conta o seu conhecimento prévio sobre determinado assunto.

Quando se trabalha com a análise de uma imagem, alguns procedimentos e necessário


no processo de ensino e aprendizagem, para que não se perca a intencionalidade. Por
isso, qualquer imagem precisa ser bem utilizada e bem explorada, e quando necessário
articulada a algum texto, passível de ser interpretada, pois, representa uma determinada
época. Dessa forma, se constituirá em uma autêntica fonte de informação, de pesquisa e
de conhecimento, a partir da qual o aluno pode perceber diferenças e semelhanças entre
épocas e culturas e lugares distintos.

Ao pensarmos em um trabalho dessa natureza devemos estar atentos, que é necessário


que os alunos aprendam ou que tenham noções básicas do que será trabalhado. É
essencial pensar os alunos no momento em que estamos elaborando as atividades como
propostas de intervenção na construção do conhecimento histórico. Ao se trabalhar com
a parte da icnografia e importante que o professor saiba interpretar as imagens antes de
aplica-las para os alunos, e de fundamental importância sabê-las interpreta-las esses
signos visuais.

O uso de imagens precisa também ser melhor entendida e aproveitada e não ser vista
apenas como desenho e figura ilustrativa, mas sim uma fonte privilegiada para a
disciplina. Assim ressalta Paiva:

A iconografia e tomada agora como registro histórico realizado por meio de


ícones, de imagens pintadas, desenhadas, impressas ou imaginadas(...). São
registros com os quais os historiadores e os professores de História devem
estabelecer um diálogo continuo. E preciso saber indaga-las e deles escutar
respostas. (PAIVA, 2006, P. 17)

412
Paiva refere-se a capacidade profissional que o historiador e professor tem demonstrado
em relação a icnografia, que deixa de ser vista apenas como ilustração para distrair o
aluno. Num período em que as imagens estão expostas em todos os lugares fora da
sala de aula, sendo que merece toda uma atenção por parte do educador em
compreender qualquer ilustração antes de usa-las como recurso didático. O uso de
fontes históricas em sala de aula possibilita o aluno a pensar historicamente e assim ele
percebe as ações dos sujeitos em um determinado tempo, servindo para introduzir temas
diferentes dentro de um mesmo conteúdo. Nessa perspectiva a imagem pode ser
considerada como um documento e material didático no ensino de história, sua
utilização expressam uma melhor comunicação levando em conta que a mesma tem suas
especificidades. Como fonte histórica ela se distingue, algumas são visuais ou
audiovisuais, fixas ou em movimento, então deverá o professor ter a preocupação de
tratar esse recurso como fonte ou material didático.

Nos conteúdo do ensino de história estão repletos de imagens, muitas delas aparece
como culto aos heróis e figuras públicas em alguns fatos históricos. Desse modo e de
fundamental importância que professores na atualidade use a fonte icnográfica para
desmitificar essas imagens que mostra fatos do passado como certeza, através destes
trabalhos com as mesmas há possibilidades dos alunos ter sua criticidade a respeito das
manifestações passadas de uma certa época da história. Dessa forma independente da
imagem apresentada ela permitirá uma capacidade informativa de propor mensagens e
significados diferentes.

Para a construção do conhecimento em História e interessante também que o professor


em sala de aula da ênfase aos assuntos do cotidiano como os fatores políticos,
econômicos, sociais, culturais, ideológicos, sempre mostrando relação entre diversos
aspectos, mostrando para os alunos que eles podem fazer suas escolhas. A construção da
sociedade e resultado das ações e decisões humanas e cada um de nós contribuem de
alguma forma nessas mudanças, quanto maior o conhecimento dos alunos em todos
esses aspectos mais possibilidades de uma elaboração de um saber crítico. Muitas vezes
o professor de História tem apenas nos livros didáticos como fontes para exploração de
imagens. Para alguns as imagens são vistas como ilustração e complementos de textos,
quando na verdade a interpretação das ilustrações e mais importante do que está escrito.
Ao aluno não cabe ver a imagem como fotografia real daquele fato histórico estudado,
mas questionar sua função.

Para Circe Bitencourt, o uso de livros didáticos é uma alternativa na leitura das imagens
quando nas escolas públicas não houver recursos como projetores slides, computadores
ou vídeos (2001, p. 86). Atualmente isso não impossibilita o professor levarem imagens
impressas em tamanho grande.

O objetivo dos professores não deve ser aulas, que tenha o intuito de resumir, reproduzir
conhecimentos para apenas memorizar e depois repetir. No entanto o professor deve ser
um mediador buscando levar o educando a analisar e sintetizar algum assunto, de forma
que ele chegue a um conhecimento mais elaborado, e não fragmentado e baseado apenas
no senso comum.

Referências bibliográficas

413
BARROS, Ricardo. O uso da imagem nas aulas de história. São Paulo, 2007.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro Didático e Conhecimento Histórico:


Uma História do Conhecimento Escolar. São Paulo, 1993. (Tese de Doutorado).

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Florianópolis: Edusc, 2004.

PAIVA, Eduardo França. História & imagens – 2 ed. – Belo Horizonte: Autêntica,
2006.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora Ensinar História. Ed – São Paulo: Scipione, 2009


(coleção Pensamento e ação na sala de aula)

414
LUZ, CÂMERA E AÇÃO: O ALUNO COMO
SUJEITO OPERANTE NO PROCESSO DE ENSINO
APRENDIZAGEM, PRODUÇÃO DE
DOCUMENTÁRIO
Maria Geanne Matias Gonçalves

A História é a ciência que influência significativamente a formação do indivíduo,


oportuniza pensar o espaço no qual nos encontramos inseridos, consequentemente
contribui para a formação da consciência crítica do sujeito, auxiliando-os a construírem
seus conhecimentos de forma independente sabendo, “absorver” das teorias que lhes
chegam conceitos úteis para o dia-a-dia, para sua formação enquanto pessoa, como
afirma Selva Guimarães: “A história tem como papel central a formação da consciência
histórica dos homens, possibilitando a construção de identidades, a elucidação do
vivido, a intervenção social e praxe individual e coletiva”. (FONSECA, 2005, p.89).

Pensando assim, recorrer a produções fílmicas torna-se um artifício interessante a ser


utilizado, é um recurso que possui a capacidade de fomentar a construção do
conhecimento histórico, um instrumento através do qual é possível, levar os discentes a
perceberem com outros olhares a História, favorecendo a aquisição de um
conhecimento, problematizado visto de diferentes maneiras de forma a levá-los a
questionamentos, a proporem problemas, ressignificando os conhecimentos já
adquiridos.

Uma produção cinematográfica se configura como artefato cultural


complexo. Envolve uma ampla gama de processos constitutivos, que
perpassam escolhas e possibilidades técnicas, financeiras, culturais e
políticas. Esse emaranhado de questões condiciona a produção de uma
película, seja industrial ou artesanalmente, e interfere no resultado do
trabalho que será observado pelo espectador. (SOUSA, 2012, p. 05).

Verifica-se que a disciplina de História em alguns casos ainda é vista por muitos dos
alunos, como algo que lhes soa desinteressante, decorativa, sem utilidade na vida
prática. Este representa um desafio para docentes de História, tornar a disciplina
atrativa, ajudar o discente a descobrir a importância dos estudos históricos e sua
influência no tempo presente.

Essa posição indica o desconhecimento da importância da História em suas vidas,


advém das formas pelas quais o ensino se deu nos últimos anos, onde a História
abordada remetia a grandes feitos e heróis que em nada era associada à vida prática e
cotidiana do aluno. As imagens nesse momento desempenhavam um papel de
confirmação e de diferenciação de classes e importância das pessoas, vejamos como
eram tratadas há alguns anos atrás “(...) os organizadores propõem que a imagem visual

415
seja considerada como o lugar de construção e figuração da diferença social”.
(MENESES: 2003, p.17).

Quando os próprios alunos conjuntamente com os professores definem e produzem sua


própria ferramenta didática, os conhecimentos adquiridos vão além de um entendimento
somente do assunto em voga, eles se ampliam e passa a entender questões que
dificilmente seriam compreendidas apenas com aulas expositivas, tais como: escolhas
temáticas, sequências de cenas, seleção de textos e ideias, roteiros, duração.

O público envolvido foram duas turmas do segundo ano do ensino médio da escola
publica, José Alves de Figueiredo, localizada na Cidade de Crato no Ceará, foi
identificado pelos professores uma dificuldade de respeito para com a diversidade
religiosa presente na escola, pressupôs-se que aquele preconceito advinha da falta de
conhecimento e trabalhar essas questões em forma de documentário que ao final
pudesse ser debatido com toda a escola, seria uma excelente ferramenta de combate ao
preconceito e a ignorância sobre as diferentes práticas religiosas.

Em conversas e planejamentos delimitamos quatro práticas religiosas mais presentes na


fala dos alunos e de professores da escola que conhecem bem aquele bairro, sendo elas
o Catolicismo, o Protestantismo, Religiões de Matriz Africana (Candomblé e Umbanda)
e a Religião do Vale do Amanhecer, que é espiritualista. Elaboramos também oficinas e
rodas de conversa com alunos objetivando prepará-los para a execução do projeto além
de fazer com que eles se inteirassem mais de todo o processo que permeia a produção de
um documentário.

Previamente foi pedido aos alunos para identificarem locais e praticantes de cada
religião, também foi realizado um roteiro de possíveis perguntas que pudesse melhor
encaminhar as entrevistas. Foram divididos quatro grupos, cada grupo ficaria
responsável por identificar, entrar em contato com os possíveis entrevistados e realizar
as entrevistas de uma determinada religião. Após essa etapa do projeto (o trabalho em
campo) nos reunimos para encaminhar e começar o processo de edição do
documentário.

Nesse ponto do projeto, foram realizados diversos planejamentos e reuniões para


escolher e decidir as cenas, as músicas, legendas, sequências e tudo mais que compõe
esse processo de produção. Foram delimitadas temáticas centrais para guiar as
sequências de entrevistas, a primeira trabalharia a importância da religião na vida dos
entrevistados, a segunda trabalharia as especificidades de cada religião, como
funcionam, quais os rituais e as práticas, a terceira seria a intolerância religiosa e o
respeito e por último a sociedade e a religião. Todos esses tópicos serviram de base para
organizar a sequência das entrevistas e a fala dos entrevistados de acordo com a nossa
proposta.

Depois do documentário finalizado, ele recebeu o título de “Cidadania na Fé”, o que


significa que cada um tem a liberdade de exercer qualquer que seja a prática religiosa,
isso é um direito supremo do cidadão cabendo a cada um apenas respeitar a diversidade.
Foi um trabalho extremamente proveitoso, uma experiência gratificante e
enriquecedora, todos tivemos a oportunidade de aprender de uma forma diferente,
fugindo um pouco da dinâmica da sala de aula e do ambiente escolar, mas indo a
416
campo, se informando e conhecendo para melhor construir o documentário, além de
poderem discutir e refletir conceitos como o de cidadania, identidade, sentirem e
refletirem sua ação como sujeitos históricos e atuantes na sociedade.

Nos fez refletir também a importância de inserir novas práticas pedagógicas no ensino
de História e na educação como um todo, numa sociedade cada vez mais tecnológica, é
relevante inserir esses novos meios e adequá-los a sala de aula.

O vídeo documentário, quando bem trabalhado na educação básica, pode-se


tornar uma prática pedagógica com dinâmica própria, capaz de instigar o
exercício do pensamento reflexivo, integrando a arte, a cultura, os valores,
propiciando, assim a recuperação da autonomia dos sujeitos e de sua
ocupação no mundo de forma significativa. (FERNANDES, 2012, p.10).

Para finalizar esse trabalho a escola realizou um pequeno evento para exibir o resultado
do trabalho de três meses, foram convidados a se fazerem presentes o corpo gestor da
escola juntamente com outros professores e, sobretudo os alunos participantes que
puderam dividir com toda a escola o relato dessa experiência em suas vidas e o mais
importante ver partir deles o discurso contra a intolerância religiosa, tudo isso nos faz
perceber o quanto iniciativas um pouco mais ousadas são importantes para construção
do aluno enquanto pessoa e cidadão. Certamente o aprendizado se deu de modo
particular para cada um dos mais de cinquenta alunos envolvidos, certamente nem todos
os envolvidos mudarão suas atitudes por completo, mas foi plantada em cada um a
semente da tolerância e do respeito e as que germinarem será árvores importantes para
disseminar um novo modo de ser e perceber o outro em toda a escola.

Em nenhum período da história houve uma única religião em todo o mundo,


como também nunca foram dominantes as atitudes de tolerância no passado
da história das religiões. A associação entre Estado e igreja é uma dessas
formas de intolerância, não deixando, por isso mesmo, uma boa lembrança.
A imposição de uma fé como oficial e a consequente exclusão das outras
(inclusive com perseguições declaradas) deixou seu rastro perverso no
passado. No presente, muitos conflitos continuam sendo alimentado a partir
de convicções ou bob a justificativa de crença, como vemos no Oriente
Médio ou na Irlanda (SILVA, 2004, p. 02).

Dessa forma nosso objetivo primordial consistiu em diminuir os preconceitos existentes,


ajudar os discentes a cultivarem o respeito para com a crença escolhida pelo colega,
sempre enfatizando a igualdades entre as religiões e percebendo-as como um elemento
significativo na vida. de muitas pessoas, merecendo ser respeitada. “(...) a religião
aparece como elemento estruturador e, ao longo da evolução da humanidade, sempre
ocupou papel de destaque, sendo muitas vezes causadora de transformações e de
revoluções”. (COSTA, 2010, p.14).

417
Referências

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História: O Ensino de


História e a Construção da cidadania. p. 89à 96 4ª. Ed. São Paulo: Papirus, 2005.

SOUZA, Éder Cristiano de. O que o Cinema pode Ensinar sobre a História? Ideias de
Jovens Alunos sobre a relação entre Filmes e Aprendizagem Histórica. História e
Ensino. Londrina, V.16, n.1, p. 25-39, 2010.

FERNANDES, Márcio Regis. Vídeo Documentário: Instrumento do Ensino-


aprendizagem de História. Fortaleza, 2012.

MENESES, Ulpiano B. Fontes. Fontes Visuais, cultura visual, história visual: Balanço
provisório. In: Revista Brasileira de História: O ofício do historiador, nº 45. São Paulo,
ANPUH, 2003.

SILVA, Eliane Moura da Silva. Religião, Diversidade e valores Culturais: conceitos


teóricos e a educação para a Cidadania. Revista de estudos da religião Nº 2/2004/p.1-
14. ISSN 1677-1222. PUC, SP, 2004.

COSTA, Flamarion Laba da. Religiões: Algumas Abordagens Teórico Metodológicas.


Ed. UNICENTRO. Paraná, 2010.

418
DOCUMENTOS HISTÓRICOS CONTIDAS NO
LIVRO DIDÁTICO E SEU POTENCIAL COMO
SUPORTE PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DE
HISTÓRIA
Maria Juliana de Freitas Almeida

Em 1995, Gabriel, O Pensador, na música Estudo Errado, chamava a atenção para o


método de ensino em que privilegiava a memorização, e não o entendimento: “[…]
Decoreba: esse é o método de ensino […]”, que segundo o rapper não permitia aos
alunos o raciocínio, mas apenas um conhecimento superficial e momentâneo, que após
as provas já seria esquecido, e que ainda teria como consequência não permitir a
compreensão dos fatos “[…] Desse jeito até história fica chato […]”.

Passadas mais de duas décadas, por mais que se preconizem mudanças e transformações
na educação e no ensino, quem lida diariamente com a sala de aula percebe que para
maioria dos alunos a História ainda é uma disciplina considerada pouco interessante. Os
motivos pelos quais isso ainda ocorre são os mais variados, desde questões
socioeconômicas, heterogeneidade das turmas, a formação docente, o distanciamento da
sala de aula com o dia a dia dos alunos, insuficiência de recursos financeiros e de
materiais didáticos, entre outros.

Neste texto, não há a pretensão de discutir ou aprofundar cada um destes motivos, mas
sim, apontar uma alternativa que pode tornar mais atraente o ensino de História, e mais
significativo o conhecimento histórico, ao promover o aprendizado, para além das
formulas de memorização, utilizando o material didático mais abundante nas escolas de
todo o país: o livro didático de História. Não é objetivo, tampouco, analisar o livro
didático, em suas qualidades e deficiências, mas sim, propor a utilização do mesmo de
forma a explorar suas potencialidades.

A simples menção ao livro didático pode fazer com que muitos torçam o nariz,
culpando-o pelo atavismo presente no ensino de História,

Muito criticados, muitas vezes considerados os culpados pelas mazelas do


ensino de História, os livros didáticos são invariavelmente um tema
polêmico. Diversas pesquisas têm revelado que são um instrumento a
serviço da ideologia e da perpetuação de um “ensino tradicional”.
(BITTENCOURT, 2009, p. 300).

419
Mas, graças ao PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), este é o material didático
mais abundante nas escolas públicas de norte a sul do país, desde as escolas rurais, de
pequenas cidades até aquelas localizadas nas periferias dos grandes centros. O que por
si só, faz desse material didático uma ferramenta dignade uma análise mais acurada, “é
fundamental considerá-lo como um recurso didático que oferece condições ao professor
de concretizar os objetivos educacionais propostos” (BERUTTI; MARQUES 2009, p.
97).

Diante das críticas recebidas, e da maior demanda por livros didáticos de História, estes
vem se transformando, convertendo-se em uma ferramenta “polifônica”, com várias
funções, entre elas oferece grande gama de documentos nos mais variados suportes
(BITTENCOURT, 2009, p. 307), o que se torna fundamental para o ensino de História,
“o trabalho para entender e desvelar o discurso histórico impõe uma atividade
incessante e sistemática com o documento em sala de aula” (SCHMIDT; CAINELLI,
2009, p. 111).

Se para Febvre (1974, apud. SCHMIDT; CAINELLI, 2009, p. 112) “a história se faz
com os documentos escritos, sem dúvida, quando eles existem. Mas ela pode ser feita,
ela deve ser feita com tudo o que a engenhosidade do historiador lhe permitir utilizar”.
Sendo assim, o ensino de História deve ser viabilizado com todos os recursos possíveis,
que a criatividade do professor propor. E neste caso, propõe-se o uso criativo do livro
didático, explorando não apenas o texto didático, mas os vários documentos que o
compõem.

[…] os manuais didáticos, de maneira geral, têm-se esmerado na inclusão de


documentos. Estes são de natureza diversa, destacando-se excertos de
notícias de jornais, de obras literárias, de obras de historiadores e letras de
músicas, além de ilustrações, gráficos, mapas e dados estatísticos. […].
(BITTENCOURT, 2009, p. 310).

E é o melhor aproveitamento desta verdadeira coleção de documentos que poderá


renovar o ensino de História,

A utilização de documentos históricos em sala de aula, se bem desenvolvida,


pode propiciar momentos de extrema riqueza e soma-se aos esforços de
possibilitar ao aluno contato com outras sociedades e temporalidades, por
meio de registros textuais, iconográficos ou materiais. Além disso, o
trabalho com documentos permite ao professor e ao aluno refletirem juntos
sobre o ofício do historiador. (CANO, 2012, p. 19).

O trabalho com os documentos históricos permite inserir os alunos no caminho da


pesquisa histórica, integrando ensino e pesquisa, claro que, conforme nos lembra os
PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) sem a pretensão de fazer do aluno um
historiador, “[…] é imprescindível que fique evidente para o aluno que o documento
expressa um ponto de vista e não a verdade sobre um período histórico ou uma
sociedade” (CANO, 2012, p. 21). O uso do documento em sala de aula deve extrapolar
a simples ilustração de um período ou povo, ao propor novos questionamentos sobre o
passado.

420
Conforme Cano (2012, p. 25) o ideal seria que nas escolas houvesse coleções de objetos
e documentos disponíveis para o trabalho didático, mas a ausência de tais coleções o
trabalho com documentos não deve ser abandonado, e o livro didático é uma
possibilidade para a execução do trabalho, ao se explorar as múltiplas linguagens que o
compõem.

O trabalho com documentos em sala de aula exige que sejam adotados alguns
procedimentos, em três passos, como sugerem Schmidt e Cainelli (2009, p. 118-125): 1)
O documento deve ser identificado quanto a origem, natureza, autoria, datação e pontos
relevantes do mesmo; 2) Explicação do documento: o contexto e a crítica; 3) comentário
do documento: dividida em introdução, desenvolvimento e conclusão.

O uso de documentos em sala de aula pode contribuir para ilustrar o tema trabalhado;
ser estudado como fonte de informação histórica; empregado como fonte para a
construção de um problema ou hipótese histórica; fonte de respostas para hipóteses ou
problemas (SCHIMIDT; CAINELLI, 2009, p. 125-127), escolhidos de acordo com os
objetivos estabelecidos pelo professor. Os documentos podem ser selecionados
individualmente ou em conjunto, com linguagens variadas (escrito, ou iconográfico),
além da possibilidade incluir outros documentos como os guardados pelos próprios
alunos ou professores, assim como pertencentes a arquivos e acervos particulares,
excedendo assim os que são apresentados no livro didático.

Com vistas a contribuir sobre os limites e possibilidades do uso de documentos em sala


de aula, os debates acerca do livro didático e as dificuldades do ensino de História, é
que o subprojeto do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência/PIBID de
História da Universidade Estadual de Goiás/UEG, Câmpus Porangatu, juntamente com
a professora supervisora, chegaram a esta proposta, que será implantada a partir do
primeiro semestre de 2017.

Espera-se que com a implantação da proposta o professor possa despertar em seus


alunos o interesse pelo conhecimento histórico, estimular o posicionamento crítico dos
alunos frente aos mais variados documentos, bem como, incentivar a produção de
narrativas orais e escritas, tornando o ensino de História mais dinâmico. Embora ainda
se continue utilizando o livro didático, busca-se mais autonomia para professor e aluno
frente aos conteúdos e de forma criativa pretende-se driblar uma das maiores mazelas
do ensino público que é a falta de investimento em materiais didáticos, ao se utilizar
aquele que é o mais abundante, senão o único disponível, em várias escolas brasileiras.

Referências

BERUTTI, Flávio; MARQUES, Adhemar. Ensinar e aprender História. Belo


Horizonte: RHJ, 2009.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos.


3ª ed. São Paulo: Cortez, 2009.

421
CAINELLI, Marlene; SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Ensinar História. São Paulo:
Scipione, 2009.

CAMPOS, Helena Guimarães; FARIA, Ricardo de Moura. História e Linguagens. São


Paulo: FTD, 2009. (Coleção História e Linguagens).

CANO, Márcio Rogério de Oliveira (coord.). História. São Paulo: Blucher, 2012.
(Coleção A reflexão e a prática de ensino; 6).

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares


Nacionais: História e Geografia. 2ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

422
PROPOSTA DIDATICA DE ENSINO DE
HISTORIA DO DESING E DO PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO NA CIDADE DE MEDELLÍN,
COLÔMBIA: USO DAS SELFIES E O FACEBOOK
COMO FERRAMENTAS DE APROPRIAÇÃO
PATRIMONIAL
María Isabel Giraldo Vásquez

Esta proposta mostra o resultado da aplicação de didáticas de aula para o ensino da


história do design, do patrimônio arquitetônico e de valores estéticos populares durante
o final do século XIX e início do XX na cidade de Medellín- Colômbia. O estudo de
caso inclui a análise de estratégias didáticas de ensino no curso de História do Design
oferecido como disciplina obrigatória para os estudantes do programa de graduação em
Design Visual da Fundação Universitária Bellas Artes, instituição com uma trajetória de
mais de 100 anos na educação em artes visuais e música na cidade de Medellín,
Colômbia.

Se propõe, apresentar uma ação didática específica, considerada com sucesso. O


desenvolvimento do exercício acadêmico começou a partir dos questionamentos como
professora de História do Design para encontrar estratégias e ferramentas de ensino que
conseguissem gerar empatia, conexões sensíveis e relacionamentos significativos com a
vida dos estudantes e cativá-los no exercício da pesquisa, observação e compreensão
das dinâmicas populares que constroem e constituem a história e o património material
e imaterial de uma cidade (RUSEN, 1994, p 3-26) Esta abordagem metodológica
significa conceber o património cultural como uma entidade viva, ativa e crítica em
relação ao presente. Uma das principais dificuldades encontradas é a percepção de que
os cursos de história correspondem apenas a uma dimensão teórica e narrativa da
história, e não ativa e dinâmica em relação ao presente. O problema é agravado ao
entender que o perfil do programa de Design Visual da Fundação Universitária Bellas
Artes, assim da maioria dos perfil dos programas de graduação relacionados com design
da cidade preferem o desenvolvimento de habilidades práticas e técnicas, não críticas,
nem de investigação ou teóricas.

A proposta do exercício acadêmico, tem como objetivo interligar as novas formas de


comunicação dos jovens estudantes, as facilidades que atualmente se têm para a
fotografia com o uso de celulares e a massificação das redes sociais como mecanismo
de comunicação primário dos alunos com o patrimônio na cidade, utilizando estas
facilidades como ferramenta para o reconhecimento da cidade como espaço gerador de
memória coletiva. Além disso, pretende-se estabelecer um diálogo entre as aplicações
tecnológicas utilizadas pelos alunos (a exemplo do Facebook) e as experiências
populares da e na cidade. Foi proposto um jogo visual articulado entre fotografia

423
patrimonial e fotografia contemporânea. O conhecimento da cidade e a concepção do
espaço como patrimônio arquitetônico popular fazem entender que, quando se fala do
popular neste exercício, pretende-se que os estudantes se assumam como parte da
cidade, identifiquem o espaço e se reconheçam dentro dele como agentes que
possibilitam trocas, experiências, transformações e mutações.

Embora o exercício não trabalhou sob nenhuma corrente pedagógica particular, se


poderia dizer que ele é moldado e ligado à metodologia da investigação-ação-
participação (IAP), proposta pelo sociólogo colombiano Orlando Fals Borda
(BORDA,1991), que sugere gerar experiências de ligação com o conhecimento dos
contextos sociais por parte dos sujeitos de investigação, de modo tal que sejam eles
mesmos a construir um conhecimento de acordo com seus interesses e possibilidades. A
metodologia de Fals Borda é pesada sobre “as realidades colombianas, mediante a
observação e catalogação metódica dos fatos sociais locais, sim perder de vista a
dimensão universal da ciência” (CATAÑO, 1987, p 88). Assim, o pesquisador - e o
professor, por analogia -, é basicamente um mediador no conhecimento específico dos
contextos culturais do sujeito-objeto de estudo. Borda, na sua metodologia permite não
só o conhecimento cientifico exato de dados ou informações, mas também permite a
participação e a geração de experiências diretas, trabalhando assim a função social em
este exercício: a aprendizagem e o reconhecimento do patrimônio e a cultura popular
em Medellín- Colômbia e o estabelecimento de relações entre o passado e o presente
para a geração de uma memória coletiva.

O trabalho foi realizado assim: através de um desafio se logra conectar aos estudantes
com as dinâmicas populares da cidade. Este desafio consiste em publicar semanalmente
durante todo o semestre no Facebook uma foto antiga de um espaço medianamente
reconhecido da cidade de Medellín, depois, os estudantes tem uma semana para tentar
reconhecer o lugar, obter algum tipo de informação sobre ele (antiga e recente) e visita-
lo, tirar uma “selfie” mostrando o espaço atual e publica-la no Facebook. Na seguinte
semana durante a aula, o estudante conta para a sala inteira a sua experiência e as suas
averiguações (que incluem usualmente leituras na internet sobre o lugar, informações e
histórias transmitidos pelas suas famílias, e as vezes, contos e lendas dos moradores
daqueles espaços), e o professor termina de completar a informação trazida pelo aluno e
resolve das dúvidas trazidas pelo estudante ou as questões que aparecem durante a
explicação na aula. O desafio finaliza com pontos extra para o estudante que completou
o desafio primeiro e o reconhecimento público de forma lúdica durante a aula. O
exercício não é de obrigatória participação dos alunos da turma e sempre é de caráter
optativo, participar ou não e uma escolha do estudante.

Como resultado desta experiência ao final do semestre os estudantes mesmos geram as


conclusões sob o exercício, eles reconhecem uma aprendizagem e reconhecimento do
patrimônio e da cultura popular em Medellín do final do século XIX e início do XX;
estabelecem conexões com as aulas teóricas e a vida pratica da cidade, geram
pensamento crítico em relação aos eventos populares que permitem o estabelecimento
de relações entre passado e presente para acrescentar uma memória coletiva, viva e
dinâmicas da sua cidade e participam da construção da memória social e coletiva da
cidade que habitam.

424
Referências bibliográficas:

CATAÑO, Gonzalo. Ciencia y compromiso. En torno a la obra de Orlando Fals


Borda. Bogotá, Asociación Colombiana de Sociología, 1987.

FALS, Orlando. Acción y conocimiento: rompiendo el monopolio con la IAP.


Bogotá: Rahman, 1991.

FALS , Orlando. Historia doble de la Costa, 4 Vols. Bogotá, Carlos Valencia Editores,
1979-1986

RÜSEN, Jörn. ¿Qué es la cultura histórica?: Reflexiones sobre una nueva manera de
abordar la historia. [Unpublished Spanish version of the German original text in K.
Füssmann, H.T. Grütter and J. Rüsen, eds. (1994). Historische Faszination.
Geschichtskultur heute. Keulen, Weimar and Wenen: Böhlau, pp. 3-26], 2009.
Disponível em: http://www.culturahistorica.es/ruesen/cultura_historica.pdf . Acesso em
19 abr. 2016.

425
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA: UMA
INTRODUÇÃO
Márcio Vitor Santos

Sobre a problematização que envolve o ensino de História, vários pontos devem ser
levados em consideração, visto que uma determinada questão ou problema é construído
a partir de diversos fatores. Talvez um que mereça destaque é a “história decorada pelo
aluno”. Circe Bittencourt (2011, p. 68-69) nos fala que a metodologia utiliza nos livros
escolares do século XIX apelava mais para a memorização das datas e dos grandes
nomes da História. A História, portanto, passa a ser um amontoado de informações que
simplesmente devem ser memorizadas pelos alunos, que muitas vezes não conseguem
entender o assunto abordado ou até mesmo não fazem reflexões sobre o acontecido ou
sobre sua vida pessoal. Em suma, é enfatizado que

“(...) parece ter prevalecido não exatamente a preocupação com uma


memorização ativa, mas simplesmente com a decoração de nomes e datas
dos grandes heróis e dos principais acontecimentos (...). Os métodos de
ensino baseados na memorização correspondiam a um entendimento de que
‘saber história’ era dominar muitas informações, o que, na prática,
significava saber de cor a maior quantidade possível de acontecimentos de
uma história nacional. (BITTENCOURT, 2011, p. 69)”

Um dos principais propósitos de se estudar História é promover a formação individual,


além da tomada de consciência do indivíduo como sujeito do processo histórico.
Indagar-se sobre qual o lugar do indivíduo na trama da História é refletir sobre as
complexas relações sociais e cotidianas (BEZERRA, 2005, p. 45). Portanto, a História
se torna fundamental para a vida do educando. Em outras palavras, “essa área do
conhecimento tem muito a contribuir para a formação dos indivíduos, pois ela nos
permite compreender as transformações socioeconômicas, políticas e culturais que
estamos vivenciando, desenvolver valores e construir identidades. (SERRAZES, 2014,
p.1)”

Outro ponto deve ser destacado: a precariedade de novos métodos de ensino. Segundo
Boris Kossoy (2001, p. 30), a tradição escrita tornou-se o método mais tradicional para
a transmissão do saber. Entretanto, há um aprisionamento multissecular a essa tradição,
impossibilitando assim o uso de novos métodos para ensinar História.

Esse aprisionamento atinge principalmente os professores de História Antiga. No


mundo contemporâneo, a Antiguidade torna-se cada vez mais distanciada,
principalmente no ponto de vista do educando, que vê a História como algo a ser
decorado e que não terá influência significativa em sua concepção de mundo, uma vez
que o mundo antigo situa-se em um período remoto. Nesse contexto, há uma
necessidade de aproximação entre os mundos.

426
Antiguidade nos deixou um vasto legado cultural, através de suas artes e construções,
como os vasos gregos, as pirâmides egípcias e as estátuas romanas, que são exemplos
da ampla cultura material produzida nos tempos antigos. Percebe-se, então, que o
profissional de História Antiga dispõe de elementos que podem ser úteis para a
produção do conhecimento histórico. Contudo,

“(...) a construção do conhecimento histórico, bem o sabemos, requer


contextualização, e ao professor de História Antiga tal necessidade é, talvez,
ainda mais premente, dadas as distâncias espaço temporais que separam
seus educandos dos temas abordados. (NETO, 2014, p. 5)”

Nessa abordagem, aquilo que Pedro Paulo Funari (2005) chamou de “renovação do
ensino da História Antiga” pode ser bem discutido: novas estratégias de ensino,
incentivando o aspecto lúdico do aprendizado e da pesquisa, a produção de
conhecimento histórico sob a capa da espontaneidade, da brincadeira. Segundo o
próprio, “a História, em especial a Antiga, não se faz apenas com documentos escritos,
mas também com a cultura material” (FUNARI, 2005, p. 96). Essa cultura material –
reproduzida nos vasos gregos, nos grandes monumentos, nas construções das cidades
antigas – pode ser apresentada aos professores como novas ferramentas pedagógicas de
ensino e, doravante, levando à formulação de novas estratégias para se ensinar História.
Dessa maneira, o diálogo entre a Antiguidade e o mundo dos educandos torna-se mais
interessante, levando o indivíduo a aguçar sua curiosidade intelectual e, assim,
exercitando sua capacidade analítica.

Na atualidade, devido aos avanços científicos e tecnológicos, uma gama de


conhecimentos e possibilidades de compreensão surge. “As mudanças culturais
provocadas pelos meios audiovisuais e pelos computadores são inevitáveis, pois geram
sujeitos com novas habilidades e diferentes capacidades de entender o mundo
(BITTENCOURT, 2011, p. 108)”.

Nessa perspectiva, o profissional de História – que também está inserido nesse contexto
de mudanças culturais e avalanches de informações – deve apropriar-se desses meios
como ferramenta pedagógica. Um dos meios que mais podem ser proveitosos para o
ensino de História são as imagens e fotografias, pois

“vivemos em uma sociedade visual com intensas transformações


tecnológicas onde uma avalanche de imagens tem atravessado o espaço
social e o mundo do espetáculo exerce uma influência considerável nas
relações sociais. Por todos os lugares em que andamos, encontramos
imagens que formam sentidos e criam significados. Tal situação pode
interferir na naturalização das imagens por parte de professores e alunos.
Mas o trabalho com imagens em sala de aula pode ainda se constituir em
uma experiência riquíssima de aprendizado, servindo para o questionamento
das verdades imagéticas e, portanto, para a sua desnaturalização. (SILVA,
2010, p. 177)”

A fotografia, por exemplo, “teria papel fundamental enquanto possibilidade inovadora


de informação e conhecimento, instrumento de apoio à pesquisa nos diferentes campos
da ciência e também como forma de expressão artística” (KOSSOY, 2001, p. 25).
427
Surgida após a Revolução Industrial, essa nova ferramenta emerge como uma nova
forma de compreensão do mundo. As imagens registradas pelos aparelhos fotográficos
possibilitaram ao indivíduo conhecer novos lugares, sem precisar viajar ou locomover-
se por grandes distâncias. Além disso, possibilitou também o conhecimento de micro
aspectos até então desconhecidos.

A fotografia também pode ser considerada, nas mãos do historiador, como fonte.
Diferente do Positivismo, que dava apenas credibilidade aos documentos e registros
oficiais, a Escola dos Annales abriu um leque de novos objetos que podem ser
considerados como fontes e “foi fundamental para esse novo estatuto das imagens e
outros documentos, o que ampliou os objetos de estudo da história” (SILVA, 2010, p.
174).

Na sociedade contemporânea, as imagens podem ser interpretadas de diferentes


maneiras pelos indivíduos que compõem essa sociedade, ou seja, o olhar do observador
modifica o objeto. É o que Kossoy também alerta sobre a “leitura” das imagens:

“No esforço de interpretação das imagens fixas, acompanhadas ou não de


textos, a leitura das mesmas se abre em leque para diferentes interpretações
a partir daquilo que o receptor projeta de si, em função do seu repertório
cultural, de sua situação socioeconômica, de seus preconceitos, de sua
ideologia, razão por que as imagens sempre permitirão uma leitura plural.”
(KOSSOY, 2001, p. 115)

Diante disso, as informações textuais são imprescindíveis para o melhor entendimento


do que a imagem quer mostrar e quais informações ela pode oferecer. “A transposição
em linguagem textual auxilia a decifração visual, intercalando as linguagens visual e
verbal, pois a descrição não deixa de ser a mediadora da explicação” (MOLINA, 2008,
p. 123).

A partir do momento em que o profissional de História apodera-se dos novos métodos


de ensino de História, sua prática docente atinge melhores desempenhos e novas
perspectivas, levando sempre a repensar sua própria prática. As imagens como
ferramenta pedagógica no ensino de História Antiga podem atuar como mediadoras
culturais, levando os alunos a construírem suas visões da História Antiga a partir desse
contato.

Referências

BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. In:


KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.
São Paulo: Contexto, 2005.

BITTENCOURT, Circe Maria F. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4. ed.


São Paulo: Cortez, 2011.

428
FUNARI, Pedro Paulo. A renovação da História Antiga. In: KARNAL, Leandro (Org.).
História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005.

KOSSOY, Boris. Fotografia e história. 2. ed. rev. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.

MOLINA, Ana Heloisa. Imagens como documentos – Professores, alunos e o ensino


e aprendizagem de História: uma relação complexa. Textura, Canoas, n. 17, p. 121-
134, jan./jun. 2008.

NETO, José Maria Gomes de S. O teatro ateniense na formação do historiador.


Boletim Historiar, Santa Catarina, n. 4, p. 3-19, jul./ago. 2014.

SERRAZES, Karina Elizabeth. Fundamentos e métodos do ensino de História:


algumas reflexões sobre a prática. In: XXII ENCONTRO ESTADUAL DE
HISTÓRIA, 1., 2014, São Paulo. Anais do XXII Encontro Estadual de História da
ANPUH-SP. São Paulo: ANPUH, 2014.

SILVA, Edlene Oliveira. Relações entre imagens e textos no ensino de história.


Sæculum – Revista de História, João Pessoa, n. 22, p. 173-188, jan./jun. 2010.

429
JOGAR COM A EDUCAÇÃO E O ENSINO DE
HISTÓRIA
Marcello Paniz Giacomoni

Não é novidade que os jogos, especialmente os digitais, estão cada vez mais presentes
no dia a dia das pessoas. Celulares e outros dispositivos oferecem aplicativos de jogos
para todas as idades, consumidos tanto em momentos de folga, viagens de ônibus,
intervalos quanto, é claro, durante as nossas aulas. Não acredito que nós professores
sejamos ingênuos a ponto de acharmos que as aulas convencionais são mais atrativas
que esse conjunto de games, nem por isso desistiremos. Defendo que podemos fazer do
uso de jogos uma estratégia que congrega o lúdico ao aprendizado, ressaltando que isso
não significa o abandono das aulas expositivas, atividades, leituras, resolução de
problemas, etc. Tampouco utilizar os jogos como "iscas, a partir do que nos ensina a
professora Tânia Fortuna quando diz que o jogo não deveria ser apenas um recurso para
“fisgar” a atenção dos alunos. Defendo que os jogos são estratégias complementares
para a construção do conhecimento escolar. A partir deles colocam-se em jogo relações
entre objetos, estratégias e conceitos, constituindo narrativas cuja imprevisibilidade do
desfecho abre espaço para a intuição e para a imaginação, nem sempre valorizadas, mas
absolutamente importantes na construção de qualquer conhecimento.

Penso no uso dos jogos em três caminhos (sem negar que existam outros, claro): a
construção de jogos pelos professores para seus alunos, a construção de jogos pelos
próprios alunos em projetos variados e o uso de dinâmicas que remetem a estéticas ou
mecânicas de jogos, sob o conceito de gamificação.

Sobre o primeiro caminho possível, cito como exemplos dois jogos produzidos por mim
e que visavam determinados aprendizados na disciplina de História, da qual sou
professor de formação. O Centralizador, produzido em 2011, tem como superfície um
tabuleiro que simula uma paisagem genérica europeia do final da Idade Média. Nele
interagem alunos que representam os cinco principais grupos sociais envolvidos no
processo de centralização do poder dos reis: o rei, a burguesia, a Igreja, os senhores
feudais e os servos / camponeses. Em cada rodada são retiradas cartas-acontecimento
que tratam de fatos e processos da centralização do poder nos quatro casos estudados:
França, Inglaterra, Espanha e Portugal. A partir de perguntas, respostas e o lançamento
de dados, os grupos sociais inserem edifícios no mapa, representando ganhos de poder.
O objetivo pedagógico do jogo, em um primeiro momento, foi de revisar conteúdos
desenvolvidos em aulas anteriores, mas rapidamente mostrou um potencial para fabular
a imprevisibilidade do futuro. O rei poderia centralizar o poder, mas também poderia
não centralizar. Dessa possibilidade em aberto nasceu um grande potencial de reflexão
conceitual, que em geral exploro em aulas posteriores à aplicação desse jogo.

O Nazarenos, produzido em 2016, problematiza o crescimento do cristianismo no


contexto do Império Romano. Os jogadores partem da região da Judeia e devem
converter as populações pagãs e judaicas preexistentes transformando-as em populações
430
cristãs. Cada jogador é um pregador, e opta por estratégias variadas visando converter
novos fieis. Em cada rodada (ou determinado número de rodadas) é retirada uma carta-
acontecimento, que articula acontecimentos históricos com alterações na dinâmica do
jogo. Por exemplo, durante as perseguições de Nero de 64 d.C., a capacidade de ação
dos pregadores é diminuída, ou durante a conversão de Constantino em 312 d.C.
(primeiro imperador romano a converter-se ao cristianismo) o custo de construção de
igrejas é menor. O objetivo pedagógico do jogo é problematizar a simultaneidade entre
os processos históricos do império romano com a dinâmica de crescimento da religião
cristã, de uma pequena seita judaica para uma religião universal, processo nem sempre
simples de compreender em aulas convencionais.

Esses exemplos situam uma possibilidade para o uso dos jogos na educação da qual sou
um entusiasta: objetos de aprendizado criados pelos professores visando determinadas
escolhas pedagógicas por ele enfatizadas, dentro de temáticas mais amplas. Um
professor que conhece sua prática, suas escolhas teóricas e políticas e, especialmente,
seus alunos (com seus interesses, dificuldades, potencialidades). Ele toma para si o
papel de protagonista da sua prática, criando seus próprios materiais didáticos que darão
uma identidade única às suas aulas.

Uma segunda estratégia é propor a construção de jogos pelos próprios alunos. Ao longo
de 2016 propus um projeto entre os alunos do 8º ano do Ensino Fundamental II do
Colégio Israelita Brasileiro em que os mesmos deveriam criar jogos escolhendo
livremente temáticas da disciplina de História do ano corrente ou do anterior. No
primeiro trimestre foi construído um projeto do jogo, prevendo a temática, a superfície
(onde a narrativa aconteceria), os objetivos, as dinâmicas, as regras e o layout. Após as
revisões dos projetos, na segunda etapa (que ocorreu no segundo trimestre), foram
construídos protótipos dos jogos visando testar o funcionamento das mecânicas. Após a
testagem dos protótipos pelos colegas (que emitiram pareceres sobre o processo)
passou-se para a terceira etapa. Durante o terceiro trimestre os grupos procederam à
construção definitiva dos tabuleiros, seguindo critérios específicos de qualidade estética
e jogabilidade.

A construção de jogos pelos alunos articula grande quantidade de habilidades


cognitivas: é necessário, no caso específico da História, dominar fatos e processos de
determinada temática e relacionar com a narrativa estabelecida com o jogo de forma que
haja coerência entre ambas. Essas narrativas devem também ser relacionadas com a
dinâmica geral do jogo e com as mecânicas específicas. Por fim o aluno deve criar uma
estética que dialogue com todo o processo anterior. Trata-se de um amplo processo que
demanda pensamento complexo e grande capacidade imaginativa visando conciliar
todos os elementos a serem relacionados.

Uma terceira estratégia, a chamada gamificação, é fazer uso de dinâmicas, estratégias e


objetos de jogos inseridos no cotidiano das aulas, sem se tratarem de jogos
propriamente ditos. Por exemplo, em uma atividade envolvendo alunos do curso de
licenciatura em História da Uniritter, cuja proposta era efetuar a leitura contextualizada
de fontes históricas medievais, propus que os mesmos, a partir de um conjunto de fontes
selecionadas, construíssem um personagem fictício. Em uma projeção de slides, eu
fornecia desafios em sequência para a constituição do personagem, do tipo "Em que
região da Europa ele(a) vive?", "Qual a relação dele(a) com a Igreja?", "Como ele(a)
431
garantia sua subsistência básica?". Os alunos recebiam um número limitado de fontes,
que podiam ser trocadas entre os mesmos, visando obterem novas informações. Durante
todo o processo os mesmos registravam os detalhes do personagem em um pequeno
banner, que devia ser ilustrado com uma representação do mesmo. Ao final da
atividade, os grupos apresentavam para toda a turma. Nesse momento eram colocadas
em debate desde a interpretação das fontes produzidas pelos alunos até anacronismos e
lugares comuns acerca do passado medieval. Tenho pensado nessa dinâmica como um
“coringa”, que pode ser adaptada para várias disciplinas e temáticas, mantendo os
desafios da leitura, interpretação e imaginação.

Enfim, são três formas de utilizar os jogos que possuem, de formas variadas, grandes
potenciais pedagógicos. Não apenas negociam distâncias entre alunos cada vez mais
nativos de um ambiente gamificado com a escola, como possibilitam aprendizados por
outros caminhos, mais próximos da estética, da intuição, da imaginação...

Referências

FERMIANO, Maria A. Belintane. O Jogo como um instrumento de trabalho no ensino


de História? História Hoje. ANPUH. vol. 3. n 07, julho 2005. Disponível em:
http:www.anpuh.uepg.br/históriahoje/voI3n7/maria.htm

GIACOMONI, Marcello Paniz; PEREIRA, Nilton Mullet (org.). Jogos e Ensino de


História. Porto Alegre: Evangraf, 2013. Disponível em:
http://www.ufrgs.br/lhiste/download-jogos-e-ensino-de-historia/

HUIZINGA, ]ohan. Homo ludens – o jogo como elemento de cultura. São Paulo:
Perspectiva, 1998.

ANDRADE, Débora El-Jaick. O lúdico e o sério: experiências com jogos no ensino de


história. História & Ensino. Londrina, v.13, p.91-106, set. 2007.

432
NOTAS SOBRE O USO DE HISTÓRIAS EM
QUADRINHOS NO ENSINO DE HISTÓRIA
Márcio dos Santos Rodrigues

Neste texto busca-se estabelecer balizas para a utilização das Histórias em Quadrinhos
no Ensino de História. Deste modo, esperamos contribuir para a construção de
instrumentais de modo que historiadores licenciados transitem pelo mundo histórico
configurado pelos quadrinhos (também denominados HQs). O que considerando como
HQs é o gênero de mídia baseado numa sequência narrativa visual, no qual imagens se
juntam no interior de quadros, interagindo simultânea e indissociavelmente
(McCLOUD, 1995; GROENSTEEN, 1999). A proposta aqui delineada é a de tratar as
HQs não apenas como ferramenta que o professor de História teria para tornar suas
aulas “mais atrativas”, mas apresentar pressupostos teórico-metodológicos que
possibilitem o uso desse objeto cultural em práticas docentes. Dito de outra forma, não
se deve usar os quadrinhos como pretexto para facilitar o interesse dos alunos pelo
estudo da História, mas salientar que várias questões que interessam aos educandos
fazem parte de determinados processos. O caráter deste texto, assim, é um tanto
prescritivo.

Um dos pontos defendidos é que o educador deve interpretar as HQs como objeto do
conhecimento e um ponto de partida para discussões mais aprofundadas acerca de temas
históricos. Usar os quadrinhos tão- somente como suporte de informações é limitar
bastante seu potencial como prática cultural, construtora de significados, e sua
capacidade de interferir no mundo social. Assinalamos que não é nossa intenção
apresentar de maneira unívoca como os quadrinhos devem ser empregados em sala de
aula. Há inúmeras possibilidades de abordagem das HQs como fonte documental. Tais
possibilidades variam conforme a temática a ser trabalhada em sala de aula e com o
método pedagógico a ser utilizado e/ou ainda conforme os diferentes níveis de
familiaridade e compreensão da linguagem das HQs por parte dos professores e
educandos. É importante, como nos indica um dos pioneiros da pesquisa de quadrinhos
no Brasil Waldomiro Vergueiro, que o professor lance mão de uma abordagem mais
ousada, apresentando e contextualizando as mais diferentes tradições e gêneros de HQs,
a fim de que se obtenha resultados mais significativos em torno do seu emprego em sala
de aula (VERGUEIRO, 2004).

Até pouco tempo não havia debates correntes sobre o uso dos quadrinhos nas aulas de
História. Todavia, no contexto atual teses e dissertações têm sido defendidas. Alguns
estudos apresentados em livros têm buscado entender como os quadrinhos podem ser
mecanismos importantes da construção da História, como, por exemplo, os trabalhos de
Marco Túlio Vilela no campo do Ensino de História, por meio de representações, e as
investigações de Fronza sobre as possibilidades investigativas da aprendizagem
histórica de jovens a partir dos quadrinhos. Grande parte dos trabalhos no campo do
ensinar e aprender História, contudo, cai no equívoco de, em nome de uma base
conceitual já definida, usar os quadrinhos apenas como suporte de informação. Ao invés
433
de partir de um exame contextual das fontes, confrontando-as com ferramentas
conceituais, ignoram que representações construídas nos e pelos quadrinhos dizem mais
do contexto em que foram produzidas do que propriamente de uma temporalidade
passada.

Quadrinhos podem nos apresentar aspectos de uma realidade passada, mas passam
longe de nos fornecer uma tradução literal dos acontecimentos que tiveram lugar em
uma temporalidade passada. Longe de serem retrovisores, os quadrinhos ao lidar com a
história acabam também por reconstruir o passado que não pode ser acessado tal como
ele foi ou transcorreu, mesmo porque uma realidade passada é múltipla e, portanto,
inapreensível na íntegra. Um reflexo seria fiel, prova de uma realidade. É preciso
considerar que quadrinhos interpretam e argumentam muito mais do que refletem.
Tentam apresentar e divulgar uma certa interpretação da existência através de sua
narrativa visual. Ou seja, não são reflexo, mas argumento. Nessa tentativa de
monumentalizar os quadrinhos o professor pode recorrer ao conhecido texto
“Documento-monumento”, do historiador francês Jacques Le Goff, para trabalhar nas
intenções de autores.

A tarefa de lidar com os quadrinhos no âmbito do ensino de História recai também em


compreendê-los como práticas culturais e/ou resultados de um terreno de disputa e
negociação em torno de questões pertencentes a determinado contexto. Eles devem ser
vistos como práticas, formas de se pronunciar, debater, questionar questões políticas,
sociais, econômicas da época, do momento de sua produção. O professor pode
instrumentalizar os quadrinhos relacionando-os com o conteúdo ensinado e, ao mesmo
tempo, interpretá-los como um diálogo com o tempo em que foram concebidos. Assim,
reforçamos também a necessidade do docente verificar em um primeiro momento os
conteúdos prévios dos alunos acerca dos temas apresentados em determinados
quadrinhos. Em seguida, o professor pode juntamente com os educandos construir
entendimentos acerca de processos históricos apresentados por meio da ficção dos
quadrinhos. Esse gênero de leitura está, em maior ou menor grau, presente em várias
situações da vida de alunos das mais variadas faixas etárias, seja por meio do caráter
intermidiático dos quadrinhos – traduzido através das adaptações cinematográficas,
jogos, brinquedos, roupas e desenhos animados, etc. Portanto, a discussão torna-se
oportuna, em virtude de uma suposta cumplicidade de alunos com as HQs.

Consideramos que por vezes alunos constroem uma relação íntima com o conhecimento
histórico, com a memória e com a história, que eventualmente foge do âmbito de livros
e revistas da área. Nessa construção, há a participação de meios/suportes da
comunicação de massa e talvez o envolvimento comece pela televisão e pelos filmes.
Quadrinhos também se enquadram nesses meios, dentro do conceito de cultura da mídia
aos moldes de um autor como Douglas Kellner. Se atentarmos para a importância da
cultura da mídia, que tem impactos os mais diversos na sociedade, é bem provável que
os quadrinhos integrem seu campo de reflexão. Isso traz desdobramentos no ensino, não
implicando que a dimensão da aprendizagem seja algo menor ou subordinada a da
pesquisa. É um outro processo.

Quadrinhos podem ser consultados em espaços diferenciados e particularmente


estranhos àqueles que licenciados ou pesquisadores da História estão habitualmente
acostumados. Está interessado em utilizar histórias em quadrinhos como fonte histórica
434
e não sabe muito bem onde encontrá-las? Gibitecas podem ser espaços por onde você,
professor, pode ter contato com elas. Além disso, há um repertório imenso de
quadrinhos circulando pela rede mundial de computadores, sob diferentes formas. É
preciso, além disso, de uma boa dose de “erudição”. Muitas das vezes, a chamada
“cultura inútil” pode ser válida para a análise.

É importante considerar também que estudar os quadrinhos no campo da aprendizagem


histórica tem um aspecto diferente daqueles das fontes textuais. Quadrinhos possuem
uma forma de sistematização distinta de objetos da cultura escrita. Além disso,
quadrinhos ainda são chamados equivocadamente de literatura. HQs têm uma
linguagem própria que necessariamente não carece de textos. Aliás, eles são uma
linguagem da cultura visual. A linguagem escrita passa longe de ser o elemento
essencial, obrigatório, nos quadrinhos. Há quadrinhos em que os autores optam por não
utilizar nenhuma palavra escrita (excetuando o título da obra, que serve tão somente
para situar o leitor a respeito do título e acerca do autor da obra). Basta que imagens
sejam articuladas em um espaço específico de uma página ou mesmo através da
disposição em tiras para oferecerem ao leitor a impressão de que uma história é contada
(McCLOUD, 1995). Elementos textuais quando presentes devem ser vistos como
indissociados dos imagéticos. Não há motivos para considerá-los como superiores, mais
complexos. É exigido uma percepção deles como um todo. Juntos compõem a ideia de
um sistema de linguagem. Para estudar os quadrinhos como fonte é preciso conhecer
seus aspectos formais. Todavia, isso não basta. HQs não devem ser reduzidas às
determinadas características, mesmo porquê certas convenções do gênero estão em
permanente mudança ao longo do tempo. Quadrinhos não são, quadrinhos estão sendo
configurados

Quadrinhos, da mesma forma que as fontes textuais, estão sujeitos aos questionamentos
da crítica histórica. Todavia, carecem de um enfoque diferenciado, que considere tanto
aspectos formais quanto mediações históricas envolvidas nas produções de tal e qual
título. Para usar os quadrinhos como fonte histórica devemos considerar primeiramente
que esse gênero de leitura tem uma história, além de sua linguagem própria. É essencial
ter além da capacidade de decodificar os quadrinhos, uma predisposição ao novo, se
quisermos utilizá-los no contexto escolar.

Bibliografia

FRONZA, Marcelo. Ensinar e aprender História: histórias e quadrinhos e canções.


Curitiba: Base Editorial, 2009

GROENSTEEN, Thierry. Système de la bande dessinée, Paris: puf, Formes


sémiotiques, 1999.

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política


entre o moderno e o pós-moderno, Bauru, SP, EDUSC, 2001.

LE GOFF, Jacques. “Documento/monumento”. In: Enciclopédia Einaudi. Vol. 1 -


Memória- História. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, p. 95-106.
435
McCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. M. Books, São Paulo. 1995.

RAMA, Angela; VERGUEIRO, Waldomiro (Org.). Como usar as histórias em


quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.

VILELA, Marco Túlio Rodrigues. A utilização dos quadrinhos no ensino de


História: avanços, desafios e limites. 2012. 322 f. Dissertação (Mestrado em
Educação). Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São
Paulo, São Bernardo do Campo, 2012.

436
IDEIAS DE HISTÓRIA QUE CIRCULAM NO
CIBERESPAÇO: APONTAMENTOS INICIAIS
Matheus Henrique Marques Sussai

Nos últimos anos, as redes sociais online como o Facebook, o Twitter, o MySpace, entre
outros, ganharam repercussão em assuntos sobre a política contemporânea brasileira.
Isso se deu devido a uma quantidade significativa de páginas criadas nessas redes
sociais que se destinaram a discutir o contexto histórico contemporâneo brasileiro,
tomando as mais diversas posições do âmbito político, desde a extrema esquerda até a
extrema direita.

A partir das discussões de Dilton Ribeiro do Couto Júnior (2013), vemos como os
usuários dessas redes sociais ganharam espaço para produzir informações, e não apenas
receber e divulgar as mesmas. Isso é uma das principais características da web 2.0, a
internet como a conhecemos hoje, na qual todo usuário pode produzir informações, não
havendo o monopólio desta, o que faz com que cada pessoa seja um ator em rede, um
web ator (PISANI; PIOTET, 2010, p. 119). Com o surgimento de páginas que se
destinaram a discutir política, notamos muitos usuários se formando politicamente e
historicamente através dos conteúdos publicados no ambiente virtual, no ciberespaço.
Como nos lembra Jörn Rüsen (2007): “[...] os processos de aprendizado histórico não
ocorrem apenas no ensino de história, mas nos mais diversos e complexos contextos da
vida concreta dos aprendizes [...]” (p. 91). Por que então, não poderíamos considerar a
internet, a web 2.0, como um local propício para a elaboração do conhecimento
histórico? É o que pretendemos fazer neste estudo, tomar a internet como um acervo
para o historiador, na qual muitos jovens e adultos se formam politicamente, levando
suas ideias para dentro da sala de aula.

Por isso, podemos tomar a internet como uma “[...] nova categoria de fontes
documentais para pesquisas históricas” (ALMEIDA, 2011, p. 09), na qual, devido ao
seu caráter movediço, o historiador só tem acesso a essa fonte em uma restrita janela
temporal. Isso ocorre porque “o texto eletrônico, tal qual o conhecemos, é um texto
móvel, maleável, aberto. O leitor pode intervir em seu próprio conteúdo, [...] deslocar,
recortar, estender, recompor as unidades textuais das quais se apodera” (CHARTIER,
2002, p. 25).

Toda essa breve apresentação se fez necessária para dizer que essas páginas do
Facebook, que pretendemos investigar enquanto documentos históricos, difundem
opiniões que defendem uma “direita” política, mesmo sendo consideradas por muitos
uma opinião de senso comum. E por isso, acabam utilizando ideias de história que não
circulam no ambiente acadêmico. Ou seja, é um argumento com referencial histórico
(geralmente temas como “ditadura militar”, “regimes totalitários”, “fascismo”,
“comunismo”, entre outros), que não foram produzidos dentro do ambiente escolar ou
científico. Ainda assim, são noções de história que circulam no ciberespaço, no qual
muitas pessoas se informam e se formam a partir delas. Curtindo, compartilhando e
437
debatendo, os usuários dessas páginas do Facebook se interagem em um novo tipo de
cultura que é denominada de “cibercultura”, formando opiniões e elaborando versões de
história.

Pierre Lévy (1999) entende por cibercultura “[...] o conjunto de técnicas (materiais e
intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se
desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (p. 17). Os seres humanos
são parte fundamental dessa cultura, afinal, sem eles, ela não existiria. E por isso é
possível o estudo das redes sociais online, ou melhor, das informações presentes no
ciberespaço, como objeto da História. Afinal, como nos ensina Marc Bloch (2001): “[...]
o objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os homens.” O bom
historiador, “onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça” (p. 54).

Diante dessas páginas do Facebook que se denominam como defensoras de uma direita
política, nas quais os seus administradores argumentam os mais variados temas da
história e da política nacional, surgiu o interesse em investigar essas noções de história a
partir da perspectiva da Didática da História, discutida por Klaus Bergmann
(1989/1990):

A Didática da História é a disciplina científica que investiga


sistematicamente os processos de ensino e aprendizagem de História, que
são processos de formação de indivíduos, grupos e sociedades. [...]
Informações históricas são assimiladas a partir da: a) história vivida e
experimentada no seu devir de todos os dias; b) história não experimentada
nem vivida imediatamente, ou seja, transmitida, cientificamente ou não; c)
história apresentada pela Ciência Histórica como disciplina específica [...].
A partir dessas intenções, a didática se vê obrigada a incluir nos objetos de
sua pesquisa empírica também as recepções extra-escolares de História.
Dessa forma, ela não apenas tematiza a História regulada e disciplinada pela
ciência e pelo ensino mas também abarca a História transmitida no processo
de socialização, que não é filtrada por nenhuma disciplina científica. [...]
investiga o significado e a importância do mundo do vivido fora das
instituições científicas e escolares [...] (p. 30-32).

Vemos como a Didática da História também se interessa pelas formas de elaboração da


história que se inserem em socializações e ambientes extraescolares, e também não
acadêmicos. Por isso, surgiu o interesse de investigar essas noções de História que
circulam na História Pública, na qual muitos jovens estão se formando e levando essas
ideias para dentro de sala de aula. Por entendermos que a cibercultura, essas redes
sociais online, e as comunidades virtuais compõem a cultura histórica do momento,
pretendemos investigar quais as ideias de história que mais circulam nessas páginas do
Facebook; qual História está sendo mais aprendida; pois, ao sabermos as ideias de
história que circulam no ciberespaço, e nas quais os alunos estão imersos e presentes em
suas elaborações, pretendemos colaborar com os professores de história a lidar de uma
melhor forma em sala de aula.

O historiador Jurandir Malerba (2016) nos atenta para a expansão vertiginosa do


público consumidor de história nos últimos anos. O autor ainda diz que: “A história não
mais [...] se produz somente na academia; muito menos se veicula apenas por meio do
438
livro impresso. As plataformas digitais subverteram as bases da produção e circulação
das narrativas sobre o passado.” (MALERBA, 2016, p. 11). Nessas bases digitais,
qualquer pessoa pode colaborar na compreensão sobre o passado, e também nos usos
deste. Os jovens chegam às salas de aula com ideias que possivelmente possam ter sido
elaboradas e discutidas dentro dessas comunidades virtuais, e cabe aos pesquisadores da
História se interessar sobre essa nova fonte que se coloca no ciberespaço.

Temos um crescimento no campo da História Pública, que ainda tem muito que ser
discutida, mas neste campo podemos perceber uma:

[...] recente explosão ruidosa de formas populares de apresentação do


passado. Esses mesmos fenômenos acontecem em maior ou menor medida
no Brasil: constata-se uma sensível demanda social por história nos mais
diversos espaços de formação de opinião fora das universidades, novos
lugares de exercício da profissão, uma demanda crescente de consumo
popular de história [...] (MALERBA, 2014, p. 32).

Ao falar de uma demanda social por história, Jurandir Malerba também está discutindo
o ofício do historiador, ao dizer que este precisa tomar as plataformas digitais como um
local de trabalho, de ensino de História. O que mais nos interessa aqui é a atenção que o
autor dá para as plataformas digitais e as elaborações de história nesse ambiente. A
academia não é mais o único lugar onde a História é produzida. Claro que sem o rigor
científico, mas ainda assim, circulam versões de história que interessaram a nós
enquanto pesquisa visando uma colaboração ao campo da História e Ensino.

Referências

ALMEIDA, Fábio Chang de. O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da
internet como fonte primária para pesquisas históricas. Revista do corpo discente do
PPG-História da UFRGS, v. 3, n. 8, janeiro/junho. 2011, p. 09-30.

BERGMANN, Klaus. A História na reflexão didática. Revista Brasileira de História.


v.9, n.19, set.89/fev.90, p. 29-42.

BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. – Rio de Janeiro:


Jorge Zahar Ed., 2001.

CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. Trad. Fúlvia M. L. Moretto. São Paulo:


Editora UNESP, 2002.

COUTO JUNIOR, Dalton Ribeiro do. Cibercultura, Juventude e Alteridade:


aprendendo-ensinando com o outro no Facebook. Jundiaí, Paco Editorial: 2013.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.

MALERBA, Jurandir. Acadêmicos na berlinda ou como cada um escreve a história:


uma reflexão sobre o embate entre historiadores acadêmicos e não acadêmicos no Brasil

439
à luz dos debates sobre a Public History. História da Historiografia, v. 15, p. 27-50,
2014.

______. Os historiadores e seus públicos: Desafios ao conhecimento histórico na era


digital. Texto de Divulgação. 2016. Disponível em:
<https://www.academia.edu/27247441/Os_historiadores_e_seus_p%C3%BAblicos_Des
afios_ao_conhecimento_hist%C3%B3rico_na_era_digital>. Acesso em 02 de outubro
de 2016.

PISANI, Francis; PIOTET, Dominique. Como a web transforma o mundo. A


alquimia das multidões. Trad. Gian Bruno Grosso. São Paulo: Editora SENAC, 2010.

RÜSEN, Jörn. História viva. Teoria da História III: formas e funções do


conhecimento histórico. Trad. Estevão de Rezende Martins. Editora Universidade de
Brasília: Brasília, 2007.

440
LUGARES DE MEMÓRIA: REFLEXÕES SOBRE
MARCOS TESTEMUNHAIS DE OUTRA ÉPOCA
Matheus M. Cruz
Michele Rotta Telles

Pierre Nora (1993) nos afirma que museus, objetos, documentos e construções são
exemplos de marcos testemunhais de outras épocas, ou seja, são testemunhas que nos
contam sobre um passado, vivido por nós ou não. Assim, lugares de memória (NORA,
1993) são marcos testemunhais responsáveis por lembrar-nos do passado que forma a
identidade de uma localidade.

Entretanto, o mero armazenamento de memórias sem comunicação e circulação do


conteúdo das mesmas pode ser compreendido pelo conceito de memória-arquivo
(NORA, 1993), uma vez que o esforço de guarda ocorre pelo medo de esquecer em
detrimento da referência à memória de sujeitos e lugares.

Portanto, o objeto central do presente texto é a problematização teórica e metodológica


sobre lugares de memória elaborada para pesquisa histórica com fins de aplicação como
oficina didática com alunos do Ensino Médio. A produção culminou em um Caderno-
Roteiro sobre a Estação Paraná e o Museu Campos Gerais como lugares de memória da
cidade de Ponta Grossa, explorando a metodologia do Estudo do Meio em sua
potencialidade de propiciar ao educando construção de conhecimento e leitura
contextualizada da história e das relações sociais. Desta maneira, tomamos a história
local como palco para a metodologia adotada, valorizando-a não apenas pela conexão
imediata de proximidade que pode suscitar, mas pela necessidade de articular processos
locais e particulares com aqueles de alcance geral e coletivo.

Lugares de Memória: Estação Paraná e Museu Campos Gerais

Pierre Nora (1993) entende que lugares de memória são locais reservados à
rememoração. Para tanto, é preciso primeiramente identificação do sujeito com o lugar
visitado no presente (PINTO, 2013, p. 91). A necessidade da identificação com o sujeito
se faz plausível devido a não espontaneidade da memória (NORA, 1993, p. 13).

Por sua vez, evocações ao passado fixam traços na identidade da própria cidade, e
podem materializar-se em lugares de memória. Pollak (1992, p. 5) confirma o
fortalecimento das características e idiossincrasias formadoras do que o próprio
município é, e aquilo que seus moradores fazem com que ele seja, por meio do terreno
fértil dos lugares de memória.

A Estação Paraná, hoje Casa da Memória, foi inaugurada oficialmente em 1894,


marcando a inserção de Ponta Grossa como importante cidade no contexto paranaense
441
da virada do século. A chegada da ferrovia, que visava ligar Curitiba ao Porto de
Paranaguá, dá o start para o desenvolvimento urbano da cidade de Ponta Grossa,
mudando “rápida e radicalmente o panorama do local” (CHAVES, 2011, p. 18). Há
ainda uma grande relação com o entendimento do que passou a ser pontagrossense, pois
se desenvolveu uma grande ligação com noções que dizem respeito aos conceitos de
“urbanidade, modernidade, progresso e civilização” (CHAVES, 2011, p. 19).

Já o Museu Campos Gerais foi inaugurado em 28 de março de 1983, e desde então


integra a estrutura da UEPG. Na mesma data, o jornal Diário dos Campos ressaltou que
o Museu é uma das expressões da “filosofia da instituição, que é a de fomentar a difusão
dos fatos culturais à coletividade”. Entretanto, o evento de inauguração contou apenas
com “expressivas presenças do mundo cultural, social e político da cidade”, não
havendo menção a uma coletividade mais ampla e diversificada.

Em fevereiro de 2003 o Museu restringiu visitações pelas más condições do prédio, o


qual havia sido sede do Fórum. Em outubro do mesmo ano a instituição se mudou para
um prédio provisório, onde permanece até hoje, sem as adequadas condições para
abrigar um museu.

Musealização

Huyssen (2000) trata sobre a musealização na sociedade pós-moderna, em tempos que


as inovações são apresentadas e alteradas rapidamente. Nesse contexto, por vezes
tentamos guardar o máximo possível, na ânsia de sobrevivermos às mudanças.

Refletir sobre tal movimento ganha vulto ao considerarmos a Estação Paraná e o


Museu Campos Gerais, uma vez que são lugares responsáveis por guardar acervos e
memórias da cidade. Enquanto a primeira não têm no prédio identificação alguma sobre
sua importância histórica, o segundo não tem espaço para organizar exposições, nem
mesmo para uma reserva técnica viável.

Impõem-se então questionamentos sobre o suporte estrutural, financeiro, de recursos


humanos e políticas públicas que deveriam existir e funcionar para fins de guarda e
comunicação da memória da cidade nos referidos espaços.

Ademais, ao olharmos para fontes históricas que são ou podem ser objetos de guarda
nos referidos espaços, podemos pensar o conceito de memória-arquivo de Nora (1993,
p. 15), que se refere a: “constituição gigantesca e vertiginosa de estoque material
daquilo que nos é impossível lembrar, repertório insondável daquilo que poderíamos ter
necessidade de lembrar”. Do que decorre a crítica de Huyssen Huyssen (2000) à
musealização da sociedade, como processo de luta para não esquecer de nada. Portanto,
é possível ponderar também se os lugares de memória que temos comunicam um
passado, ou são apenas lugares separados para a guarda de memória.

Notamos que Ponta Grossa segue tirando do seu olhar traços do passado, mas
acumulando em seu HD – apelidado de Casa da Memória e Museu Campos Gerais –

442
arquivos-objetos para evitar o esquecimento. O cotidiano corrido e ocupado na busca de
progredir não permite lembrar. Segue a ânsia de não esquecer, esquecendo-se.

História Local e Estudo do Meio

O ensino de História que utiliza fontes históricas, inclusive do próprio local em que se
vive, amplia a percepção de que a história é cotidiana, escrita e construída em lugares e
por pessoas como quaisquer outras, e não por entidades superiores à humanidade do
próprio educando.

Quando se ensina que a história é escrita a partir das perguntas que elaboramos, as quais
procuramos responder por meio de fontes históricas, também oportunizamos ao
educando a condição de sujeito da construção do conhecimento. Paulo Freire (2002, p.
25) afirma: "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a
sua produção ou a sua construção".

Por sua vez, a história local oferece a oportunidade dos estudantes perceberem de modo
mais conexo que “aprender História é ler e compreender o mundo em que vivemos e, no
qual outros seres humanos viveram” (GUIMARÃES; SILVA, 2010, p. 24).

Ao relacionarmos ensino de História e lugares de memória refletimos sobre a guarda e


comunicação didatizada de memórias em seu potencial de formação histórica, servindo
para maior compreensão sobre o passado, e possibilitando ler o mundo pela perspectiva
do cotidiano e atuação como sujeitos.

Para valorizarmos tais confluências, recorremos metodologicamente ao Estudo do Meio,


baseado na construção do conhecimento dentro de determinado espaço, aproximando-se
da atividade de pesquisa científica que envolve o aluno diretamente com as fontes
documentais (MELLO, 2013, p. 14-15).

Roteiro

O Caderno-Roteiro instrumentaliza uma oficina didática para o Ensino Médio, reunindo


documentos e atividades correlatas à interação com e nos lugares de memória citados. O
pano de fundo é a (des)valorização dos lugares, (re)conhecimento das pessoas em
relação aos locais, e importância que possuem na (re)construção da identidade da
própria cidade.

Abordamos a Estação Paraná como antiga estação e não como Casa da Memória,
focando na falta de informações públicas sobre sua história. Sobre o Museu Campos
Gerais refletimos sobre a adequação das instalações para abrigo do mesmo, e o
significado do tratamento despendido ao Museu no contexto de preservação, guarda e
comunicação de memórias da cidade.

Problematizamos assim as funções que os lugares de memória da cidade têm cumprido,


bem como quais narrativas sobre os mesmos são (re)conhecidas pelos estudantes.
443
Durante as visitas e no encerramento propõe-se incentivar aos estudantes que pensem o
papel do Museu e dos lugares de memória dentro da sociedade, e inclusive para cada
um. O Caderno-Roteiro está disponível, na sua versão integral, no link a seguir:
http://matheusmcruz.blogspot.com.br/p/lugares-de-memoria-e-de-guarda-de.html

Referências

CHAVES, N. Botequins da belle époque ponta-grossense: Lazer e sociabilidade no


interior paranaense do século XX. [S.l.]: Estúdio Texto, 2011.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 24ª.


ed. São Paulo: Paz e Terra (Coleção Leitura), 2002.

HUYSSEN, A. Passados Presentes: Mídia, Política, Amnésia. In: _________Seduzidos


pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000. p. 9-
40.

MELLO, P. Sistemática para avaliação institucional e educacional do Sistema


Municipal de Ensino de São José dos Campos – SP. Secretaria Municipal de
Educação de São José dos Campos e a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. São José dos Campos - SP. 2013.

NORA, P. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. Proj. História, São
Paulo, v. 10, p. 7-28, 1993.

PINTO, S. Museu e Arquivo como lugares de memória. Museologia &


Interdisciplinaridade, v. 2, n. 3, p. 89-102, 2013.

POLLAK, M. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, v. 5, n. 10, p. 200-


212, 1992.

SILVA, M.; FONSECA, S. Ensino de História Hoje: Errâncias, Conquistas e Perdas.


Revista Brasileira de História, v. 31, n. 60, p. 13-33, 2010.

444
REFLEXÕES SOBRE A UTILIZAÇÃO DE
TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO (TIC) NO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA NA
EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA
Nícollas Voss Reis

Atualmente vivemos em uma sociedade cercada pelo que chamamos de “Tecnologias de


Informação e Comunicação”, ou, simplesmente “TIC”. Notebooks, Celulares, Tablets,
Smartphones, etc., são inúmeros os aparelhos que nos conectam diariamente com a rede
mundial de computadores (internet). Nesse ponto, percebemos algumas dificuldades das
instituições públicas de educação básica brasileira em acompanharem a velocidade
dessas transformações socio-tecnológicas que ocorrem para além dos portões escolares.
Nossos alunos estão imergidos nesse processo de avanços, e, ao que parece, muitos
professores ainda tem dificuldade em utilizar as TIC como instrumento facilitador no
processo de ensino-aprendizagem. A falta de treinamento oferecida aos profissionais de
ensino pelos órgãos gestores torna a tecnologia para a grande maioria dos docentes algo
complexo.

A valia do estudo apresentado está em delinear caminhos para enfrentarmos as


dificuldades encontradas na utilização das TIC em sala de aula. Acreditamos que tal
ferramenta tornou-se, durante a ultima década, imprescindível no processo de ensino-
aprendizagem pois nossos alunos convivem com as mesmas diariamente.

Convenhamos que desde os tempos mais primórdios os seres humanos buscam


ferramentas e mecanismos para adaptar o meio ambiente em que vivemos propiciando
sucessivas revoluções tecnológicas, que vêm facilitando o cotidiano de nossa espécie.
Podemos citar vários exemplos desde da Pré-História, como o domínio do fogo e a
invenção da roda, onde os humanos revolucionaram seu modo de viver provocando
enormes mudanças nas estruturas sócio-culturais. Outros exemplos podem ser
dimensionados como as revoluções agrícolas, industriais e tecnológicas ocorridas em
séculos passados que facilitam nosso dia-a-dia, mas, o ponto que nos importa é: como
essas tecnologias atuais influenciam em nosso cotidiano?

Tal síntese esdrúxula não tem pretensão de equacionar ou minimizar o processo


histórico das revoluções tecnológicas, apenas o utilizamos para entender como são
importantes tais mudanças, já que, conforme Castells (2005, p. 17) “a sociedade é que
dá forma à tecnologia de acordo com suas necessidades, valores e interesses”, ou seja,
vivemos hoje em uma sociedade da tecnologia e da informação estratificada em nosso
cotidiano.

445
Atualmente o conjunto dessas ferramentas tecnológicas (via hardware ou software) são
denominados “TIC” e podem ser entendidos como “uma nova forma na organização da
economia e da sociedade. Inovam as formas de relações sociais, ampliam nossa
memória e garantem novas possibilidades de bem-estar”. (FERNANDES, 2012, p. 24).

Sendo assim, a integração das TIC nas escolas se torna “fundamental porque estas
técnicas já estão presentes na vida de todas as crianças e adolescentes e funcionam (...)
como agentes de socialização, concorrendo com a escola e a família.” (BÉVORT;
BELLONI, 2009, p. 1084).

Portanto, acreditamos que tais tecnologias são essenciais para compor as ferramentas
utilizadas por educadores em todos os níveis de ensino, quebrando alguns paradigmas
escolares de décadas passadas, aproximando os alunos das escolas. Não podemos ser
alheios as (r)evoluções sócio-tecnológicas, e, a escola não deve se prender em uma
doma anacrônica onde os docentes vêem a tecnologia como inimiga, não como aliada.

Como dito, estamos vivenciando um processo de revolução tecnológica global “assim, o


processo educacional e as mudanças sociais sofrem influências visíveis e tangíveis na
construção e evolução da sociedade.” (SANTINELLO, 2013, p. 38). Ou seja, a
educação está inerente a todo esse movimento.

Neste contexto, nossos alunos estão sendo bombardeados de informações pelas mídias
digitais onde passam grande parte do tempo. Portanto, acredita-se que cabe ao professor
atualizar-se e interar-se com os novos meios de comunicação, afim de aproximar e
orientar os discentes sobre os conteúdos que circulam na rede. Miranda (2007, p. 45)
afirma que “se o professor dominar estas novas ferramentas poderá apoiar os alunos a
explorar as potencialidades destes novos sistemas”.

Contudo, ao que parece, o ensino de História ficou atrelado durante anos a uma prática
considerada tradicional. Podemos observar conforme os estudos de Ferreira (1999, p.
140), que até o final da década de 1990, a disciplina de História nas escolas
demonstrava-se atrasada quanto à utilização de TIC no processo de ensino-
aprendizagem. “O ensino de História ainda é predominantemente factual, trabalhando
com tendências narrativas e positivistas, tornando-se dessa forma, para os alunos um
ensino desinteressante, confuso, anacrônico, burocratizado e repetitivo.”

Nesta conjuntura, Ferreira (1999, p. 146) explana que “neste sentido, é necessário,
portanto, que os professores de História passem a compreender que os processos de
inovação, derivados do emprego dos recursos tecnológicos, servirão para oxigenar a
prática docente.” E é nesse ponto que devemos nos debruçar.

Sendo assim, diante de tais desafios apresentados, com quais ferramentas das TIC
podemos nos amparar para despertar e aproximar nossos alunos do conteúdo
programático de História?

Neste ponto, apontaremos brevemente algumas ferramentas que podem ser utilizados no
processo de ensino-aprendizagem para enriquecer a interatividade entre professor, aluno
e conteúdo.

446
Primeiramente para tornarmos as aulas mais interativas e quebrarmos com a prática do
“quadro negro e giz”, faz-se necessário incorporar tais TIC no dia-a-dia escolar, sendo
assim, aconselhamos a utilização de dois softwares interessantes para dinamizar os
conteúdos, o PowerPoint e o Prezi. O PowerPoint é uma ferramenta encontrada no
pacote do Windows Office (Microsoft) e consiste basicamente em apresentações
dinâmicas de slides podendo-se utilizar diferentes línguas de comunicação para a
aplicação dos conteúdos como: sons, imagens, textos e vídeos que podem ser animados
ao seu critério.

O Prezi tem sua versão gratuita disponível em www.prezi.com, e da mesma forma que o
PowerPoint, disponibiliza de forma dinâmica ferramentas para apresentações de slides.
Contudo, o Prezi é mais “moderno” e suas animações e zooms tornam-no mais atrativo
aos jovens.

Com os conteúdos organizados em apresentações de slides animados precisamos de


ferramentas interativas que possibilitem o armazenamento e compartilhamento de
nossos arquivos em nuvens que podem ser acessadas de qualquer dispositivo com
acesso a internet.

Para tal armazenamento em nuvens recomendamos a utilização de duas ferramentas


gratuitas, o Dropbox e o Google Drive. O primeiro é uma ferramenta disponível no site
www.dropbox.com, que após a criação de uma conta para acesso, em poucos minutos
você poderá fazer upload de seus arquivos seguramente em uma nuvem e acessá-la de
qualquer dispositivo com internet, deixando seus arquivos de aulas mais sincronizados
com dispositivos móveis. O segundo funciona da mesma forma que o Dropbox (em
arquivos de upload seguro em nuvens), mas necessita uma conta no Gmail
(www.gmail.com). Após criar a conta, de forma bem simples e dinâmica, o Google
Drive possibilita compartilhar suas pastas e arquivos com os alunos criando um espaço
virtual de acesso aos conteúdos, ou seja, o aluno de seus dispositivo eletrônico,
consegue acessar arquivos compartilhados em sua nuvem, como slides, imagens,
músicas, filmes, etc.

Conforme Ferreira (1999, p. 152) “A informática possibilita hoje (...) uma oportunidade
de abrir novos caminhos para além da estrutura física de sala de aula convencional.”
Nesse ponto, já imaginou em uma aula de Antiguidade do Egito fazer uma “tour” pelas
pirâmides de Gizé sem sair da escola? Pois isso é possível!

O Google Earth é uma ferramenta gratuita que necessita de download (disponível em


www.google.com/earth), e quebra as barreiras fronteiriças da educação. Sendo assim,
professores e alunos podem viajar virtualmente para qualquer lugar do mundo e
explorá-lo em 3D.

Outras formas de interação professores/alunos podem ser aprimoradas através de


paginas da web como as redes sociais (facebook.com, twitter.com, youtube.com, blogs e
etc.) que são bem mais populares do que as ferramentas já citadas, e são de fácil
utilização e acesso gratuito.

447
Referências

BÉVORT, Evelyne; BELLONI, Maria Luiza. Mídia-educação: conceitos, histórico e


perspectivas. CEDES, vol. 30, no. 109, Campinas: SP, UNICAMP, 2009. p. 1081-
1102.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Editora Paz e Terra, 8ª edição,
2005.

FERREIRA, Carlos A. L. Ensino de História e a incorporação das novas


Tecnologias da Informação e Comunicação: uma reflexão. Revista de História
Regional vol. 4 (2), Ponta Grossa: PR, UEPG, 1999. p.139-157.

FERNANDES, Sidineia Caetano de Alcântara. As Tecnologias de Informação e


Comunicação no ensino aprendizagem de história: possibilidades no ensino
fundamental e médio. Dissertação de Mestrado. Universidade Católica Dom Bosco.
Campo Grande: MS, 2012.

MIRANDA, Guilhermina Lobato. Limites e possibilidades das TIC na educação.


Sísifo. Revista de Ciências da Educação, no. 3, 2007. pp. 41-50.

SANTINELLO, Jaime. Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) aplicada


a formação do gestor escolar. Guarapuava: PR, UNICENTRO, 2013.

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EXPERIÊNCIA NO PROJETO TECNOLOGIAS E
LINGUAGENS E SUA IMPORTÂNCIA NA
FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE PESQUISA E
EXTENSÃO DE ALUNOS BOLSISTAS
Neidi N. Skakum

O projeto Tecnologias e Linguagens para o ensino de história, no qual fui bolsista, sob
orientação do professor Everton Crema, buscou trabalhar com a conservação e
tratamento de fontes históricas, para seja possibilitado seu uso na prática do ensino,
pesquisa e extensão. Essas fontes são em sua maioria processos trabalhistas e de
cobrança, que se encontram no Arquivo Histórico da Unespar de União da Vitória.

A preservação de um arquivo é muito importe pois nela podemos encontrar a história de


um grupo de pessoas ou do passado de uma localidade. É no arquivo que está guardada
o resultado da produção humana de uma época, ali podemos encontrar respostas, sob
um direcionamento correto, para compreendermos questões do presente. Como no
Brasil não temos uma lei que regulamenta de que forma essa preservação deve ser feita,
vários arquivos públicos acabam fazendo a conservação de seus documentos de maneira
inadequada, acarretando em perdas para a história de um povo ou de uma localidade.
Apesar do dever que o poder público tem em conservar a documentação que produz, e
disponibilizar o acesso ao público, por falta de interesse em tornar esse material um
instrumento de pesquisa, após um determinado período, optam por eliminá-lo ou
repassar á instituições acadêmicas. O arquivo histórico da Unespar surgiu do interesse
de alguns professores do colegiado do curso de História, em preservar a documentação
do Fórum de União da Vitória, mas devido ao período em que não recebeu atenção
adequada no arquivo, essa documentação acabou sendo prejudicada.

O arquivo histórico da Unespar possui processos da vara civil e da vara família, que foi
repassada a instituição para que possibilitasse aos docentes e dissentes um apoio para
suas pesquisas no âmbito de história local, sendo que essa documentação possui caráter
de fonte primária. Os processos são datados desde meados dos anos de 1930, possuindo
temas diversos como Ações de cobrança, depósito, despejo, executiva, de trabalho,
Alvará, Anulação, Assento de óbito e testamento, Assistência jurídica, Busca e
apreensão, Certidão de partilha, Concurso, nomeação, cargos na prefeitura, Consignação
e pagamento, Desapropriação, Desquite e separação, Emancipações, tutela e curatela,
Embargos, Indenização, Justificação, Mandado de segurança, Pagamento, Reclamação
trabalhista, Reintegração de posse, Rescisão de contrato, Restauração de casamento,
nascimentos, entre outros, que envolvem indivíduos e empresas de União da Vitória e
região, possibilitando pesquisas de análises das relações de classe, relações trabalhista, e
questões de leis trabalhistas e execuções de dívidas, sempre partindo de questões do
presente.

449
O pesquisador pode explorar diversos aspectos da história local e assim aprimorar sua
formação acadêmica, por conseguir ter um contato mais acessível com a fonte. O
projeto de extensão realizado dentro do arquivo tornou possível esse contato e
conhecimento do conteúdo de uma fonte, criando um elo entre o conteúdo aprendido na
licenciatura com a prática. Quando conhecemos uma fonte, como por exemplo, os
processos que estão no acervo do arquivo, á partir de uma orientação da maneira de
como utiliza-las tanto na pesquisa como no ensino, aperfeiçoa-se assim a formação
acadêmica tanto na licenciatura como na pesquisa.

Democratizar o acesso á essa documentação aos pesquisadores empenhados em criar


um elo entre presente e passado, acaba gerando novas demandas para que esse material
seja utilizado, mas que mantenha sua integridade. A digitalização é uma das formas de
preservar essa documentação. Quando a fonte está digitalizada, permite-se o acesso á
ela por meio do computador, onde o pesquisador tem acesso ao instrumento de pesquisa
e ao documento virtual, evitando assim o manuseio excessivo do material físico, que
pode acabar acarretando em maiores perdas á sua integridade, que já possuí uma certa
fragilidade por conta do tempo.

O conteúdo do arquivo de história está disponível para pesquisa acadêmica, mas o ideal
seria se todo o acervo estivesse digitalizado para uma melhor preservação,
principalmente os processos crimes, por ser uma documentação mais antiga, mas a
digitalização está sendo feita á medida que são aprovados projetos voltados para esse
trabalho, contribuindo assim para a preservação da história local. Queremos que
futuramente, o conteúdo do acervo esteja disponível no meio eletrônico, para que
facilite o acesso aos pesquisadores, bem como divulgar a importância dos arquivos
históricos e laboratórios de pesquisa para pesquisadores de fora da instituição, que
possuem pesquisas voltadas para o âmbito local, ampliando assim sua possibilidade de
uso na produção de conhecimento.

A primeira tarefa realizada no início do projeto foi a organização das caixas que contêm
os processos, recolocação de processos que estavam espalhados pela sala nas referentes
caixas, depois foi feito o registro do assunto de cada caixa em uma planilha no Excel
juntamente com o numero de caixas, na sequência se deu início a digitalização, o
primeiro tema digitalizado foi “executivo fiscal”, utilizando pincel e luvas descartáveis
foi feita a higienização de cada página para retirar resquícios de sujeira e pó, depois
realizamos pequenos reparos com os materiais disponíveis e então passamos a
fotografar página por página de cada processo, após fotografar todo o conteúdo da
caixa, passamos as imagens para o computador e editamos as imagens, corrigindo a
iluminação, posição de ‘quadro’ e a partir daí foi renomeado cada imagem de acordo
com o numero de registro do processo. Cada processo digitalizado foi separado em uma
pasta no computador, nesta pasta contem as imagens de cada página do processo e um
arquivo do Word em modelo de ‘instrumento de pesquisa’ que trás as principais
informações deste processo, como local, data, nome dos envolvidos bem como um
pequeno resumo do conteúdo escrito do processo e data da transcrição, após isso, os
processos físicos são colocados novamente nas caixas e voltam para a estante.

Também foram registrados em planilha os demais documentos que o arquivo possui,


como jornais, revistas, fitas de vídeo, CDs, livros, mapas, documentação da instituição,
folders, fotografias, entre outros.
450
Com a experiência do projeto, obtivemos uma melhor compreensão da importância de
um arquivo histórico e da preservação de seu conteúdo, bem como tivemos o
conhecimento da possibilidade de uso para esse material na produção e conhecimento.
Através do que é produzido á partir de seu conteúdo é possível preservar, relembrar e
compreender a história local, pois á partir de novas abordagens é possível obter novas
visões para um determinado fato.

Apesar do período do projeto ter sido curto, de alguma forma acabou contribuindo para
a preservação da documentação, e também para dar mais visibilidade aos arquivos
históricos, e de suas possibilidades.

Referências

ALBUQUERQUE, Revista. Fontes históricas: olhares sobre um caminho percorrido e


perspectivas sobre os novos tempos. Por: BARROS, José D’assunção, 2010.
Disponível em: http://amazonia.fiocruz.br/arquivos/category/22-historia-da-
saude?download=429:fontes-historicas-olhares-sobre-um-caminho-percorrido-e-
perspectivas-sobre-os-novos-tempos acessado em 01/08/2016
BIBLIONLINE, Revista. A importância dos arquivos públicos na construção da
memória da sociedade. Por: SILVA, Maria Amélia Teixeira da, CRUZ, Adêmia Silva,
CAMPOS, Fabíola Mota, DIAS, Guilherme Ataíde. Biblionline, João Pessoa, 2009.
Disponível em: http://www.ies.ufpb.br/ojs/index.php/biblio/article/view/3951/3114
acessado em 28/07/2916
CDHIS, Revista Cadernos De Pesquisa Do. A FONTE HISTÓRICA E SEU LUGAR
DE PRODUÇÃO. Por: BARROS, José D'Assunção. Universidade Federal de
Uberlândia,2012. Disponível em:
http://www.seer.ufu.br/index.php/cdhis/article/view/15209 acessado em: 28/07/2916
SILVA, Felia Lopes da. Cap. 4 Os centros de documentação das universidades:
tendências e perspectivas. In. Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e
perspectivas. São Paulo. Unesp, 1999.
SIQUINELLI, Aldanila Enite Woynarowski. O arquivo e a memória histórica. FAFI,
União da Vitória, 2009.
V EPEAL, Pesquisa em educação: desenvolvimento, ética e responsabilidade social.
Os arquivos históricos na sala de aula: os documentos no processo ensino-
aprendizagem. Por VEIGA, Flávio Cavalcante. Alagoas, Ufal, 2009. Disponível em:
http://dmd2.webfactional.com/media/anais/OS-ARQUIVOS-HISTORICOS-NA-
SALA-DE-AULA--OS-DOCUMENTOS-NO-PROCESSO-ENSINO-
APRENDIZAGEM.pdf Acessado em: 28/07/2016
X ANPED SUL, Revista. Fontes para a história da educação: a importância dos
Arquivos. Por: IVASHITA, Simone Burioli. Florianópolis, 2014. Disponível em:
http://xanpedsul.faed.udesc.br/arq_pdf/144-0.pdf acessado em: 28/07/2016

451
JORNAIS CATARINENSES E A NOVEMBRADA -
MANIFESTAÇÃO CATARINENSE CONTRA A
DITADURA
Paola Vieira da Silveira

Introdução

Florianópolis, 30 de novembro de 1979. Estudantes liderados pelo DCE (Diretório


Central do Estudante) da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) organizam
uma passeata até a praça XV. Localizada em frente ao Palácio Cruz e Souza, sede do
governo estadual na época e onde se encontrava o então presidente da república, João
Figueiredo. O protesto que ficou conhecido como a Novembrada, reivindicava desde a
situação social de pobreza da população até os exorbitantes gastos para receber o
presidente em Florianópolis, e claro, a Ditadura Militar que se vivia no Brasil.

A preocupação por parte dos governos em abafar a manifestação e criar uma ‘verdade’
sobre o episodio, resultou na versão que o protesto na capital catarinense foi realizado
por um pequeno grupo de estudantes, quando na verdade - não oficial - o protesto foi
apenas iniciado por esse grupo. Posteriormente teve apoio da população e dos taxistas,
que protestavam contra o aumento da gasolina, assim a manifestação obteve proporções
bem maiores do que se esperava.

A presente pesquisa que é resultado de um Trabalho de conclusão de curso para a


obtenção do título de bacharel e licenciada em História da Universidade do Extremo Sul
Catarinense – UNESC, tem por objetivo fazer a análise de como a Novembrada foi
interpretada pela imprensa Catarinense.

Resultados e discussão

Nos anos seguintes ao manifesto estudantil, diversos foram os artigos em jornais


relembrando o episódio, episódio este, lembrado com orgulho pelos catarinenses.
Geralmente é retratado como um fato importante na história catarinense pelos Jornais O
Diário Catarinense, O Jornal da Capital, Jornal de Santa Catarina, Jornal do Centro e
outros. O Jornal A Notícia ousa mais, dando uma importância nacional ao movimento.
Em 1998, por exemplo, publica uma matéria com a manchete, “Catarinenses
relembram a Novembrada”, “A manifestação puxada pelos estudantes de Florianópolis,
marco do fim da Ditadura, completa amanha 19 anos” (JORNAL A NOTICIA, 1998).

Contudo, a revolta liderada pelos estudantes também foi noticiada em diversos jornais
na época, sejam os de circulação na capital ou em outras cidades. Os discursos
produzidos sobre a Novembrada e o espaço para noticiá-la em cada periódico foi
diferente, alguns se propuseram a apenas divulgá-la, enquanto outros fizeram uma
452
cobertura completa, documentando a manifestação e seu desenrolar, até o julgamento
dos estudantes presos como lideres do protesto.

Compreender o projeto editorial do jornal, seu posicionamento político, é importante,


pois implica na forma que a notícia foi problematizada pelo jornalista. Sartori (2008, p.
44) informa que os meios de comunicação em Santa Catarina estão ligados a duas
famílias: “a família Ramos representada pelo PSD (Partido Social Democrata) e as
famílias Konder – Bornhausen representadas pela UDN (União Democrática
Nacional).” Posteriormente estes partidos se unem na ARENA, e após a extinção do bi-
partidarismo ressurgem como PDS. Logo, OE e o JSC eram comandados por pessoas
ligadas ao Partido Democrático Social.

Tem-se conhecimento de que muitos jornais foram fechados na Ditadura militar do


Brasil. De Luca (2005) coloca que Maria Aparecida de Aquino, a partir de uma
perspectiva comparativa, discute a ação e os efeitos da censura imposta pelo regime
militar ao semanário Movimento e ao Jornal O Estado de S. Paulo. Devido à censura
passaram a apoiar o regime, porém, depois sentindo o peso desse regime autoritário,
procuraram fazer denuncias por meio de estratégias criativas. Considerando que em
1979, o Brasil estava em pleno processo de redemocratização, os jornais catarinenses
aproveitavam de mais liberdade, mas nunca fazendo críticas explícitas ao governo.

Embora tivessem a mesma linha política, ligados ao PDS havia diferença na forma de
abordagem dos periódicos OE e JSC. O que ocorria era que o jornalista que cobria a
Novembrada pelo OE era um militante de esquerda, dando mais destaque aos estudantes
do que JSC, que oferecia “menos voz” a oposição. Geraldo Barbosa em entrevista
concedida a Sartori (2008) em 24/11/2003 comenta a cobertura feita pelo Jornal OE.

Sobre a imprensa há um aspecto interessante. Quem estava cobrindo para o


jornal O Estado a Universidade era um militante de esquerda. Então eles
davam uma cobertura favorável a nós. Uma cobertura ampla e democrática.
E deram uma cobertura excelente da Novembrada, colocaram tudo no
jornal.

Destacam-se aqui dois exemplos que evidenciam a diferença entre os jornais na


cobertura da novembrada. OE apresentou a fala do senador Jaison Barreto, que
defendia os estudantes argumentando que a culpa do acontecido em Florianópolis era da
própria situação do estado brasileiro.

Esses moços não podem ser responsáveis pelo caldeirão fervente que é o
país hoje. [...] Julgados deveriam haver de ser o salário mínimo, o modelo
econômico, a dependência externa, o Governo elitista e a farsa política, estes
sim os verdadeiros responsáveis pelos acontecimentos. (JORNAL O
ESTADO, 4 de dezembro de 1979, p. 3)

O JSC menciona a declaração de Jarbas Passarinho, líder do governo do senado em 79.


Passarinho diz “que não vincula o incidente de Florianópolis, [...] a uma insatisfação da
população causada pela crise econômica que aflige o país e os constantes aumentos de
combustíveis, e suas consequências inflacionárias. (JORNAL DE SANTA CATARINA,
2/3 de dezembro de 1979, p.18) E continua afirmando, para ele a manifestação não foi
453
espontânea, e sim organizada por um grupo de provocadores que se aproveitaram da
difícil situação do Brasil.

OE deu ênfase à prisão dos estudantes, aos atos públicos pedindo suas libertações, e
procurou ainda depoimentos de familiares dos presos. Dentre suas matérias ele mostra o
posicionamento do MDB, que como oposição procurou tirar proveito da situação
ficando do lado do povo.

O MDB vai participar do ato público em protesto pelas prisões de


estudantes e sua bancada federal não irá comparecer hoje à tarde no gabinete
da presidência da Republica para agradecer ao general João Baptista
Figueiredo para agradecer a visita e o anuncio de que a Sidersul será a
primeira siderúrgica a ser construída em seu Governo. (JORNAL DE
SANTA CATARINA, 2 e 3 de dezembro de 1979, p. 18)

O jornal também exibiu depoimentos que relatam o protesto como não sendo apenas de
uma minoria, um deles foi do deputado arenista João Linhares.

Não podemos olhar as manifestações como sendo um ato de minorias, não


podemos esconder nossa cabeça na areia ou fugir das responsabilidades
minimizando o fato; temos que olhá-los como sinais visíveis da inquietação
e da insatisfação de populares que chegam a índices perigosos: façamos
como o homem do campo: colemos os ouvidos no chão para ouvir o tropel”,
protestou ontem de Brasília o deputado arenista João Linhares, de Santa
Catarina, que não entendeu a atitude das autoridades que procuraram
“diminuir” os acontecimentos ocorridos quando da visita do presidente
Figueiredo. (JORNAL O ESTADO, 6 de dezembro de 1979, p. 2).

Destacou ainda o depoimento da mãe de Ligia Giovanella - estudante de medicina e


vice-presidente do DCE, que estava presa – em um dos atos públicos em favor dos
estudantes. “Porque minha filha sempre me dizia, mama, vai lá com a gente. E como ela
não está, eu estou aqui representando. [...] Mais eu prometo pra vocês que se vocês
souberem reivindicar os seus direitos, os direitos de cada um, nós vamos ser gente.”
(JORNAL O ESTADO, 6/12/1979, p. 2). O pai de Marize Lippel também se manifestou
em outro momento, dizendo que: “ Estou preocupado como pai, mas acredito que a
polícia não vá cometer excessos.” Da mesma forma, o jornal trazia depoimentos de
parentes de Adolfo, Rosangela, e demais universitários presos pela manifestação em
Florianópolis.

OE procurou mostrar os dois lados da Novembrada, tanto do governo quando dos


estudantes, que não tinham espaço nos demais jornais. Desta forma, publicou uma nota
do prefeito de Itajaí em solidariedade a Bornahusen e João Figueiredo, e na mesma
página uma nota do Diretório Central da Furb, de Blumenau, apoiando os estudantes.

O JSC abordou a Novembrada, de forma que beneficiava a imagem do presidente


Figueiredo, talvez ainda no intuito da construção da popularização dele. A manchete do
periódico no dia seguinte a manifestação dizia: Protestos e tumulto não impedem o
apoio de Figueiredo a Sidersul. Em seu conteúdo:

454
No único discurso que fez durante a visita a capital -na churrascaria para
seis mil pessoas - o presidente, depois de lamentar o incidente ocorrido no
centro, afirmou categoricamente que “a primeira siderúrgica a ser
implantada no país, com a cobertura da Siderbrás, será a Sidersul, em Santa
Catarina. (JORNAL DE SANTA CATARINA, 1 de dezembro de 1979, p 4)

Outra matéria, diz que o presidente amigavelmente cumprimenta populares no momento


de sua chegada ao Palácio Cruz e Souza. Porém depois de apontar o dedo a um
estudante – referindo-se ao famoso gesto do presidente, que embora negado pelo
governo, foi interpretado como um OK, que no Brasil tem sentido malicioso - querendo
mostrar que eram poucos os manifestantes, é agredido moralmente, desta forma
justificando o fato de Figueiredo voltar-se contra os estudantes.

O presidente, como de praxe, quebrou o protocolo e se misturou ao povo.


Abraçou e beijou crianças, mulheres e velhos. [...] Mas o clima se agravou
com a decisão do presidente. Ele resolveu descer da sacada, imediatamente,
o que é normal, foi cercado e bastante cumprimentado. Após, partiu em
direção, segundo se explicou, para dialogar franca e abertamente, com os
estudantes. (JORNAL DE SANTA CATARINA, 1 de dezembro de 1979, p.
2-5)

O JSC dois dias depois da Novembrada publica uma matéria dizendo que para o palácio
do planalto a manifestação já estava encerrada, declaração do assessor de imprensa do
Palácio, Marcos Kramer. A declaração era na tentativa de minimizar o episódio, e o
jornal acabava por ajudar.

Considerações finais

A imprensa foi por muito tempo a única fonte na pesquisa sobre a Novembrada, porém,
como colocam Cruz e Peixoto (2007), é importante analisar a ideologia da objetividade
e da neutralidade da imprensa, pois como é construída historicamente, deve ser
confrontada em ser ou não um dado de realidade. No entanto, sabe-se que a “verdade”
nas matérias dos periódicos, é somente as suas múltiplas formas de abordagem do
assunto. Desta forma, através da análise apresentada neste texto, é notável uma
contrariedade ao processo de redemocratização que havia em 1979, pois os jornais não
davam espaço para a oposição, com exceção do OE que procurou neutralidade.
Investigar a Novembrada tendo como fonte a imprensa nos mostra a mesma não
comprometida com a imparcialidade, mas, sim com os interesses políticos.

Referências

CRUZ, Heloisa da Faria; PEIXOTO, Maria R. C.. Na oficina do historiador: Conversas


sobre historia e imprensa. In. Projeto História, São Paulo, nº 35, p.1 – 413, dezembro,
2007.

455
DE LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In PINSKY,
Carla Bassanezi.(Org.) Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.

MIGUEL, Luis Felipe. Revolta em Florianópolis: A novembrada de 1979.


Florianópolis: Insular, 1995.

PEREIRA, Moacir. Novembrada – Um relato da revolta popular/ Florianopolis:


insular, 2 ed. 2005.

SARTORI, Juliana. A novembrada nas entrelinhas da imprensa catarinense. Revista


História, Santa Catarina, Ano II- numero 9, p. 44 – 47, nov/dez 2008.

SROUR, Robert Henry. A política dos anos 70 no Brasil: a lição de Florianópolis.


São Paulo: Econômica Editorial, 1982.

ARQUIVOS

Jornal A Noticia, de novembro de 1998.

Jornal de Santa Catarina, 1 de dezembro de 1979.

Jornal de Santa Catarina, 2 e 3 de dezembro de 1979.

Jornal O Estado, 4 de dezembro de 1979.

Jornal O Estado, 6 de dezembro de 1979.

456
PRÁTICA DE HISTÓRIA E TECNOLOGIAS DE
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO:
POSSIBILIDADES PARA O PROCESSO DE
ENSINO E PESQUISA ATRAVÉS DA INTERNET
Paulo Henrique de Souza Martins

Enquanto professor da disciplina de “Prática IV – Prática de História e Novas


Tecnologias”, integrante da matriz curricular do curso de licenciatura em História da
Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, em Sobral-CE, tive a oportunidade de
desenvolver vários experimentos de ensino e pesquisa mediados por aplicativos, redes
sociais, plataformas, em suma, tendo a internet como espaço de realização. O relato que
aqui se faz procura apresentar algumas questões relacionadas a essas experiências.

Um primeiro elemento digno de nota é que a maioria dos alunos que ingressam na
Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA são residentes em municípios da zona
noroeste do Ceará e deslocam-se para Sobral todos os dias em viagens longas e
exaustivas. A possibilidade de desenvolver uma disciplina em que as discussões,
leituras, atividades individuais e em equipe possam ser realizadas sem a necessária
reunião presencial e sincrônica da turma, através da utilização da internet, surge como
uma perspectiva não só de inovação cada vez mais premente nos dias atuais.

A disciplina é ofertada no 7º semestre da matriz curricular, logo, na reta final do curso


de graduação, em que os alunos já passaram por praticamente todas as disciplinas “de
conteúdo”. Embora em todas as atividades propostas houvessem temas ligados à
história das sociedades brasileira, europeia, americana, os exercícios procuravam
mesmo desenvolver-se enquanto aprendizado metodológico, visto que almejávamos
simular situações e desafios que os futuros licenciados encontrarão nas turmas de
educação básica com crianças e adolescentes.

Uma das atividades procurou simular um debate em sala de aula. Para tanto, criamos um
grupo fechado no Facebook. Ali postei uma matéria publicada na revista de História da
Biblioteca Nacional, e levantei um questionamento/provocação para os alunos
debaterem, com o compromisso de todos apresentarem pelo menos uma contribuição
original e duas interações com os demais colegas. A atividade durou uma semana e foi
um sucesso, visto que da questão original, outras perspectivas foram surgindo à medida
em que o debate ia avançando. De forma virtual, conseguimos desenvolver um debate
que também poderia ocorrer presencialmente, mas agregamos sugestões de matérias,
vídeos no youtube, referências de pesquisas acadêmicas, etc.

Outra atividade foi a de produção de um material audiovisual para servir subsídio a


aulas de história do ensino médio. As equipes selecionaram seus temas, pesquisaram,
produziram o roteiro, filmaram e editaram o material de maneira criativa e descontraída.
O resultado foi uma playlist de vídeos que além de exercitar a capacidade de produção
457
autoral em outras linguagens que não a escrita, bem poderiam chegar facilmente aos
estudantes do ensino médio e transmitindo mensagens, dicas e incentivos que
dinamizariam os estudos na disciplina. Os futuros licenciados poderiam reproduzir
experiência com seus alunos no ensino médio ou fundamental, estimulando-os a se
apresentarem como sujeitos criadores de conteúdos por meio da pesquisa, do trabalho
coletivo e das redes sociais.

Outra atividade buscou incorporar os jogos virtuais no processo de aprendizagem. A


proposta era que cada equipe pesquisasse jogos virtuais cujo conteúdo tivesse
fundamentação histórica e possa ser utilizada numa aula. As equipes descobriram vários
jogos, uns mais simples, outros mais complexos, que permitiam discussões sobre a
Independência do Brasil, a Primeira Guerra Mundial, a Idade Média europeia, Roma
Antiga, etc. Tomando os devidos cuidados com a apresentação do conteúdo e com a
condução da aula, os jogos ofereceriam uma sistemática lúdica e atrativa para
aproximação com conteúdos históricos tradicionalmente tratados nos livros didáticos.

Outro recurso utilizado foi uma atividade de produção textual colaborativa, em rede e
com tecnologia de acesso em nuvem. Criei um documento editor de texto para cada uma
das equipes existentes em sala na plataforma google drive. Com os convites via email,
agreguei todos os membros de cada equipe em seu respectivo documento, sendo eu
mesmo integrante de todas as equipes. A proposta é que virtualmente, cada equipe fosse
capaz de desenvolver um texto único sobre uma temática ligada à história, dialogando
entre si, corrigindo-se mutuamente, numa palavra, interagindo sem as “amarras” de
terem que se encontrar no mesmo lugar físico ao mesmo tempo. Cada um, ao seu
tempo, apresentaria suas contribuições no processo de construção do texto. Como cada
edição feita por qualquer dos integrantes ficava registrada no histórico de modificações,
ainda era possível para mim verificar a efetiva participação individual dos membros
numa produção que era afinal, coletiva.

Pensando na dificuldade logística que seria proporcionar uma visita aos principais
museus de história no Brasil, propus uma atividade que basicamente seria levar os
museus para sala de aula, através do recurso virtual. Nessa atividade cada equipe
pesquisaria na internet museus virtuais, “visitando-os” para compreender seu
funcionamento. Após isso, preparariam uma aula expondo para os demais colegas as
características do espaço, acervo, histórico da instituição e outras informações que se
fizessem necessárias. Desse modo, a turma poderia fazer uma incursão num museu
através da internet, de modo que vários assuntos trabalhados em aulas do ensino
fundamental e médio poderiam ser planejadas levando em consideração esse recurso. O
site eravitual.org se mostrou como uma interessante ferramenta nessa atividade.

Sobre o campo da produção do conhecimento historiográfico, realizado por meio das


pesquisas acadêmicas, é de conhecimento geral que a internet facilitou bastante o
trabalho dos historiadores com a disponibilização de acervos de fontes primárias
anteriormente acessíveis somente presencialmente nos locais em que se encontravam
depositados. Pensando nessa realidade propomos a realização de uma atividade de
pesquisa na internet, cujo escopo basicamente gira em torno de encontrar bancos de
dados para pesquisa histórica. Projetos como a hemeroteca digital brasileira da
Biblioteca Nacional, Arquivo Nacional Torre do Tombo de Portugal ou a iniciativa
Center for Research Libraries nos EUA são apenas três exemplos de uma tendência
458
importante na nossa área de atuação. Uma vez realizada a investigação sobre os bancos
de dados, cada equipe deve apresentar os resultados para as demais, destacando as
ferramentas encontradas, os recursos, condições, limites e possibilidades.

Ainda na perspectiva da pesquisa, mas não somente restrita a essa, pensamos noutra
atividade que somente é possível graças à internet: redes de interação entre profissionais
de história. Esperamos desenvolver uma atividade que explore recursos abertos pelo site
http://www.cafehistoria.com.br/ que reúne professores, historiadores e alunos de todos
os níveis interessados na área. Outra rede social interessante é o
https://www.academia.edu/ mais voltado para o compartilhamento de papers e
estabelecimento de contatos e interações entre profissionais e instituições de todo o
mundo.

De alguma maneira, o desenvolvimento dessas práticas na graduação se insere num


quadro mais amplo do devir profissional do historiador. Muita das vezes a escrita da
história por parte de historiadores é realizada para atingir somente aos seus pares e o
conhecimento histórico para o grande público é aquele que é produzido por escritores,
jornalistas e profissionais das áreas mais distintas. Antes de nos pormos a reclamar de
uma suposta “invasão de campo”, é necessário que reconheçamos nossa deficiência em
tornar nosso conhecimento receptível ao público não especialista. As searas discursivas
abertas pela chamada “história pública” são, no meu entendimento, uma das fronteiras
mais dinâmicas que os profissionais de história estão a expandir. Certamente, as redes
sociais e as tecnologias de informação e comunicação têm enormes potenciais nessa
área. Essa é uma perspectiva que a disciplina de “Prática de História e Novas
Tecnologias” que ora ministro pela segunda vez ainda vai desbravar.

459
A LITERATURA NO ENSINO DE HISTÓRIA: O
DOCUMENTO, OS CUIDADOS E A PRÁTICA
Rafael Marcelino Tayar

Das elites ao povo: Positivismo e a Nova história

Houvera tempos em que o principal objetivo do ensino de história como disciplina,


pautava prioritariamente de maneira categórica na não problematização dos fatos, pois
estes falam por si. Esta visão, limitava tanto o ofício do historiador, na perspectiva
historiográfica; como também na incumbência do ensino, já que tais amarras
positivistas de certa maneira engessavam a transmissão do conhecimento em suas
diversificadas possibilidades. A respeito desta forma de ensino, Elza Nadai explica:

A periodização usada e a abordagem do conteúdo conduzem à uma


concepção de história da qual sobressai a grande influência do positivismo.
O conceito de fato histórico, a neutralidade e objetividade do
historiador/professor ao tratar do social, o papel do herói na construção da
Pátria, a utilização do método positivo permearam tanto o ensino quanto a
produção histórica. [...] Essa forma de ensino; determinada desde sua
origem como disciplina escolar, foi espaço da história oficial na qual os
únicos agentes visíveis do movimento social eram o Estado e as elites. [...]
(NADAI, 1992, p. 143-162)

Através de mudanças graduais, o ensino de história foi atualizando-se para práticas mais
abrangentes, assimilando conceitos da Nova história, corrente historiográfica
pertencente a terceira geração da Escola dos Annales. Tal corrente tem foco na
ampliação diversificada daquilo que pode ser considerado documento histórico, assim
como na interdisciplinaridade com outras áreas do conhecimento; logo, intensifica-se a
importância das representações coletivas e das estruturas mentais das sociedades. Desta
maneira, o documento histórico amplia-se, do mesmo modo que amplifica a voz do
povo, que outrora não sentia-se representado pela história, produzida numa perspectiva
excludente.

A tarefa de dinamizar o ensino de história, utilizando novas possibilidades de


ferramentas e materiais, se faz não somente possivel mas necessária, já que ainda temos
resquicios de um ensino de história focado na memorização exarcebada, que tem como
essência um nítido utilitarismo, já que a principal meta nesses casos refere-se ao sucesso
na avaliação e não na construção do conhecimento histórico, com bases no
desenvolvimento da criticidade do aluno. Em 1935, Murilo Mendes constatou esta
deformidade no ensino de história, situação fácil de ser detectada ainda nos dias atuais:

Nossos adolescentes também detestam a história. Votam-lhe ódio


entranhado e dela se vingam sempre que podem, ou decorando o mínimo
de conhecimento que o “ponto” exige ou se valendo lestamente da “cola”

460
para passar nos exames. Demos ampla absolvição à juventude. A história
como lhes é ensinada é, realmente, odiosa... (MENDES, 1935, p.41)

O documento: Literatura no ensino de história.

O uso do documento histórico no ensino, contribui não somente na construção de


interpretações diversificadas do conteúdo por parte dos alunos, mas também auxilia o
mesmo numa jornada de autoconhecimento, conhecendo sua origem, sua relação com a
sociedade que o produziu. (SILVA, 2006, p.162)

Neste contexto, entre os vários documentos históricos disponíveis e acessíveis, que


podem contribuir para o ensino em sala de aula, a literatura carrega consigo um poder
precioso para retratar as minucias de determinada sociedade, em sua devida
temporalidade, adentrando a vida privada, dando acesso ao clima de uma época,
reproduzindo a maneira que as pessoas pensavam o mundo, a si próprias, e quais eram
os valores que guiavam sua rotina, quais preconceitos, sonhos e medos consumiam seus
pensamentos.(PESAVENTO, 2005, p.82)

De todo modo, a literatura contribui dando um acesso privilegiado ao passado,


apresentando as representações de uma época; como afirma a Sandra Jatahy Pesavento:

A Categoria de “representação” tornou - se central para as análises da nova


história cultural, que busca resgatar o modo como, através do tempo, em
momentos e lugares diferentes, os homens foram capazes de perceber a si
próprios e ao mundo, construindo um sistema de ideias e imagens de
representação coletiva e se atribuindo uma identidade.
(PESAVENTO,1995, p.116)

Literatura e história: Realidade e ficção, conhecimento histórico

Utilizando-se do livro escolar como recurso didático de ensino, juntamente com a


literatura, o professor tem a possibilidade de trazer visões diferenciadas sobre o mesmo
período; diversa em sua abordagem, pois o livro didático trará uma narrativa mais
fechada e objetiva de determinado conhecimento histórico, a literatura poderá contribuir
trazendo uma visão mais intimista de determinada sociedade. Para tal, o professor deve
ter alguns cuidados essenciais, não somente na escolha literária, mas na
contextualização necessária para que o objetivo previamente estipulado seja alcançado.

Uma preocupação constante deve-se ao fato de que, ao trabalhar com literatura no


ensino de história, o professor pode encontrar dificuldades de delimitar para os alunos
as diferenças da narrativa literária e narrativa histórica, a realidade versus a ficção; em
casos como estes, Roger Chartier considera que esta distinção entre ficção e história,
nos dias atuais, tem se mostrado vacilante, pois já existe uma diferenciação clara e
resolvida, já que a primeira “é um discurso que ‘informa’ do real, mas não pretende
abonar-se nele”, enquanto a segunda pretende realizar uma representação apropriada do

461
real, ou o mais próximo disso possível. Mas, mesmo esta diferenciação perde força na
literatura, sendo refutada pela “evidenciação da força das representações do passado que
a mesma produz. (CHARTIER, 2009, p. 24)

O conhecimento histórico pode ser definido de diversas maneiras, até mesmo com
funcionalismos diferentes. Os marxistas definem que o estudo do passado serve como
um instrumento de combate das injustiças e das desigualdades atuais, logo, o historiador
cumpre sua função sendo um intelectual orgânico gramsciano. Mas a história não
necessariamente precisa ser um instrumento político, assim ela é considerada por outras
vertentes como forma específica de conhecimento que busca a compreensão do passado.

Independente da definição, o conhecimento histórico colabora para um saber amplo,


incentiva o desenvolvimento da criticidade dos alunos, e este saber depende também da
valorização da leitura que irá colaborar para interpretação das diversas fontes e vestígios
das épocas passadas, e auxiliará no desenvolvimento de cidadãos conscientes,
preparados para a vida adulta e a inserção autônoma na sociedade. (BRASIL, 1999, p.
22)

Neste sentido, o conhecimento histórico só será assimilado pelos alunos quando:

“Estes compreendem que os vestígios do passado como evidência no seu


mais profundo sentido, ou seja, como algo que deve ser tratado não como
mera informação, mas como algo de onde se possam retirar respostas a
questões que nunca se pensou colocar.” (DUARTE, 2005, p. 134).

Na pratica: Conto, Os Mujiques (1897) de Anton Tchekhov

É de suma importância que o professor esteja ciente acerca das possíveis reações que os
alunos terão no contato com a literatura. Para evitar dificuldades extras, é necessário um
contato interdisciplinar com o professor da disciplina específica para saber se o material
escolhido é acessível para os alunos; acessível em sua linguagem, mas também a
respeito de sua disponibilidade na escola.

O professor deve também delimitar com clareza o problema que os alunos irão estudar,
e o motivo de uso de fontes literárias; conhecer sua fonte e a recepção crítica da obra,
entender o contexto sociocultural contemporâneo à fonte é mais relevante do que
esmiuçar a estrutura do texto. Texto e contexto se complementam. Por isso, é
indispensável que, antes de partir para o uso da literatura, o professor selecione o
conteúdo escolhido e o exponha por meio de um material escrito ou mesmo uma aula
expositiva. Desse modo os alunos estarão mais íntimos acerca do conteúdo, e poderão
exercer um discurso crítico desenvolvido por si próprio.

No 3º ano do ensino médio, em determinado momento o professor de história terá que


explorar a revolução russa de 1917, para tal é necessário que o aluno entenda as
estruturas sociais, econômicas e políticas que antecedem a revolução, voltar ao império
russo, entender a vida do mujiques (camponeses) antes e após o fim da servidão (1861).
Deste modo, o texto, Os Mujiques (1987) de Anton Tchekhov, trata-se de um conto que
462
atende tanto as expectativas linguísticas, quanto históricas, pois o mesmo exibe
detalhadamente, as condições que os mujiques russos viviam, mesmo após o fim da
servidão.

Neste texto é possível constatar nas minucias, de maneira intima e aproximada,


características como miséria, alimentação, o trabalho árduo, Impostos abusivos,
lembrança da servidão, religião, alcoolismo, as doenças, o clima, analfabetismo e a
violência doméstica. Todas características que exemplificam as causas que
contribuíram para que o povo russo se rebelasse no futuro, contra o governo.

São estas características da vida privada, que fazem da literatura uma ferramenta de
aprendizagem diferenciada quando comparada aos recursos básicos, como o livro
didático, que apresenta ao seu modo, uma história distante, dissociada do meio social do
aluno, que por vezes, pode achar a mesma desinteressante. Assim a literatura pode
estimular o sentimento de pertencimento, sentindo-se de fato um agente histórico.

Penso que de tudo que as escolas podem fazer com as crianças e os jovens,
não há nada de importância maior do que o ensino do prazer pela leitura. A
leitura é a chave para abrir as avenidas do mundo, sem ela somos seres
ilegíveis. (ALVES, 1999, p.61)

Referências Bibliográficas

ALVES, Rubem. Entre a Ciência e a Sapiência. O dilema da educação. 4. ed, São


Paulo, Edições Loyola, 1999

BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica.


Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação,
1999.

CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica,


2009.

DUARTE, M. J. F. Representações dos movimentos político-culturais da década de


60 nos jovens do ensino médio. Dissertação de mestrado apresentada a Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo, 2005.

MENDES, Murilo. A história no curso secundário. São Paulo, Gráfica Paulista, 1935.

NADAI, E. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectivas. Revista


Brasileira de História, vol. 13, n. 25/26, 1992.

PESAVENTO, S. J. Relação entre História e Literatura e Representação das identidades


Urbanas no Brasil (século XIX e XX). In: Revista anos 90. Porto Alegre, n. 4, 1995.

PESAVENTO, S.J. História e história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

463
SILVA, K. V; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto,
edição n. 2, 2006.

TCHEKHOV, A. O assassinato e outras histórias. 3. ed. São Paulo: Cosac Naify,


2011.

464
HISTÓRIA E MÚSICA: A MÚSICA COMO
FERRAMENTA DE ENSINO
Ramon Gustavo Becker

Tendo em vista que a musica é muito presente no cotidiano brasileiro, trabalhar música
em sala de aula possibilita articular uma ponte entre as matérias da sala de aula e o dia-
a-dia do aluno, pois este é um problema enfrentado no âmbito da educação atual. Esta
contextualização permite uma melhor assimilação por parte do aluno temas estudada,
dando um norte ao processo educacional. Nesse contexto podemos incorporar a música
como ferramenta de contextualização, como por exemplo, o hip hop e o samba, que
acaba sendo uma forma de resistência, em primeiro momento, negra contra o homem
branco, e na atualidade contra a desigualdade social, herança do regime escravista.

A origem do hip hop remete a uma combinação entre os ritmos africanos, que foram
trazidos pelos escravos e mantidos durante o cativeiro, o blues, que surge no início do
século XX, como forma de protesto contra a opressão e que, além disso, ia contra os
padrões musicais da época, pois sua construção musical era extremamente simples e
muitas vezes ia contra os padrões e regras da musica erudita, o spiritual, é a vertente
musical que reproduz e faz releituras dos cânticos que os escravos usavam para falar e
código entre eles e reafirmar sua religiosidade, o soul, que emerge nos anos 60, como
outra manifestação musical negra, com base no blues e no spiritual, porém se diferencia
pelo uso de recursos vocais, como os shouts, característicos deste estilo, o reggae, este
estilo de musica representa o espirito de luta e cotidiano jamaicano e ao chegar nos
Estados Unidos junto com os imigrantes que buscavam melhores condições de vida,
porém devido a falta de oportunidades, acabavam por se concentrar nos ghettos, onde
entraram em contato com outras expressões já citadas, e o funk, que utiliza um ritmo
mais lento, e na dança utilizava passos mais soltos e sexy.

Já no Brasil podemos encontrar como exemplo de música dos negros, o samba, que foi
concebido no recôncavo baiano, e se concretizou como tal no Rio de Janeiro, a musica é
construída a partir dos ritmos africanos, acompanhado pelo cavaquinho e o violão, e
assim como os ritmos estadunidenses, tinham suas letras baseadas na vida cotidiana.
Com a abolição da escravidão os recém libertos ex-escravos se deslocaram para as áreas
urbanas. O Rio de Janeiro na época por ser uma cidade importante para a administração
federal era um local que proporcionava mais possibilidades de sobrevivência. Os
mestiços e os negros, formavam na época, uma classe social marginalizada, sendo
assim, sua cultura também era tratada como inferior, como descreve Guimarães (1999,
pg 29).

Criam-se núcleos de negros em partes específicas da cidade, como na


região conhecida como “Pequena África”, e será nesses núcleos urbanos
que o samba terá o espaço necessário para se desenvolver. As práticas
religiosas e culturais se apresentam como formas de resistência de uma
identidade negra que a escravidão logrou extinguir e tem nesses redutos a
465
possibilidade de se manterem e difundirem. Assim, no Rio de Janeiro, os
negros e mulatos poderiam desenvolver uma dupla identidade, a de
“sambista e trabalhador”.

Fato esse que tornava o samba em meados dos anos 20 uma forma de baderna e
atividade de vagabundos e era fortemente repreendido pelas forças da lei.

O primeiro samba a chegar ao mercado fonográfico foi a música pelo telefone, devido
ao seu grande sucesso, com o passar do tempo houve uma expansão do gênero musical
o que fez com que no início dos anos 30 quase todas as estações de rádio estivessem
tocando o estilo. Além disso a revolução de 1930 ajudou a tornar o samba mais popular
nas décadas subsequentes e também foi colocado um símbolo da cultura nacional,
como ressalta Diniz (2006, pg 16).

O estado implantado no Brasil após a Revolução de 1930 soube aproveitar


a “pegada” popular do samba e, com incentivos ao carnaval das escolas e a
utilização da recém-inaugurada radiodifusão, ajudou a expandir o gênero
nacionalmente. Na década de 1940, samba passa a ser sinônimo de
brasileiro e ganha fama internacional, de forma que hoje o mundo inteiro
vê o Brasil como berço do carnaval e do samba.

Com essa discussão torna-se possível abordar aspectos da realidade dos educandos em
sala de aula, por exemplo, o rap. O rap foi criado como parte da cultura hip hop, que era
um movimento que englobava o grafite, arte de fazer pinturas em muros e locais
públicos, geralmente abordando temas sociais, o break e o rap que é um estilo musical
onde não se há a utilização de instrumentos, dando mais foco nas letras que geralmente
remetem ao estilo de vida das regiões urbanas mais pobres, como colocado por
Guimarães(1999, pg 154-155) .

Surgido no final dos anos 70 no bairro do Bronx em Nova York, o rap


aparece como um relato da vida dos negros e de outros grupos
discriminados, como os latinos, da periferia das grande cidades americanas.
Sua forma discursiva remete à tradição africana de relato orais e não são
poucos os estudiosos que do rap que localizam na África a gênese desse
estilo musical.

Quando o rap chega ao Brasil através da influência do break nos bailes black nas
periferias da cidade de São Paulo logo ganha cunho social e passa problematizar o
cotidiano dos moradores das favelas e periferias, abordando questões como a ação
violenta da polícia nesses meios, a falta de oportunidades que levava ao crime e aos
vícios em drogas. Partindo deste principio, a proposta procura aplicar a musica como
base para as discussões em sala de aula, tornando as aulas mais interativas entre alunos
e professor. Acredita-se que ao abordar temas tão presentes na vida dos educandos têm-
se a possibilidade de fazer com o que os mesmos compreendam como se dão os
processos históricos e consigam perceber a importância do estudo da História, já que
através da ciência histórica pode-se problematizar o passado para compreender o
presente e se ter a possibilidade de perspectivar o futuro.

466
Durante as aulas tornou-se possível perceber como tratar de assuntos os quais os
educandos já obtêm um conhecimento prévio quebra o cotidiano tradicional de uma sala
de aula, onde se tem uma participação mais efetiva por parte dos mesmos e se tem aulas
mais lúdicas sem perder o foco da discussão, pode-se usar como exemplo a discussão
que se teve em sala de aula com educandos do sétimo ano do Colégio Estadual Astolpho
Macedo Souza no qual os acadêmicos do PIBID de História – África na Escola da
Universidade Estadual do Paraná – Campus União da Vitória/FAFIUV atuam,
discussões na qual os alunos conseguiram se posicionar de variadas formas sobre as
ações da polícia no meio em que vivem, entendendo o processo histórico da construção
do comportamento dos policiais e principalmente a resistência do negro perante a
opressão da sociedade.

Referências

CHANG, K. O’Brien. CHEN, Wayne. Reggae Routes: The Story of Jamaican Music,
Philadelphia: Temple University Press, 1998.

DINIZ, André. Almanaque do samba: a história do samba, o que ouvir, o que ler,
onde curtir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,2006.

GUIMARÃES, Maria E. A. Do Samba ao Rap: a música negra no Brasil. 1999. 271


f. Tese (Doutorado em Sociologia). Universidade Estadual de Campinas.
Campinas,1999.

GURALNICK, Peter. Sweet Soul Music: Rhythm And Blues And The Southern
Dream Of Freedom. Londres: MOJO Book, 2002.

SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: MAUAD Editora. 1998.

467
FOTOGRAFIAS ESCOLARES COMO FONTE: UMA
BREVE ANÁLISE DA ARQUITETURA DO IEPPEP
Thiago Rafael de Souza

Fotografias escolares como fonte

As fotografias carregam em si um elemento de rememoração capaz de produzir debates


acerca de suas representações imagéticas, onde para interpretá-las é preciso um olhar
crítico, considerando vários elementos, como por exemplo, a intenção do fotografo, o
contexto de produção, o objetivo do registo e a tecnologia empregada na sua produção
(SOUZA, 2001, p. 78).

Os estudos e reflexões sobre os usos da fotografia como fonte colaboram para o


conhecimento da memória social e para a compreensão das formas de representação do
imaginário coletivo, pois produzem conteúdo vivencial e passível de investigação e
identificação. Sendo assim, fontes imagéticas possuem um discurso e apresenta-se como
uma fonte privilegiada que permite a leitura de um fragmento do tempo histórico, e que
se utilizada com o auxilio de outras fontes históricas permitem ampla reflexão
(OLIVEIRA; BITTENCOURT JR, 2012, p. 04).

Em particular, Historiadores da educação preocupam-se na salvaguarda e na


preservação de acervos escolares, e novas reflexões possibilitaram um interesse maior
com relação à pesquisa das instituições educacionais, permitindo olhar para o seu
interior, e ainda possibilitaram aos pesquisadores da educação uma reflexão conceitual e
metodológica ampla e diversa, desenvolvendo assim um interesse maior com relação à
pesquisa das instituições educacionais e seu “funcionamento interno” (CHARTIER,
1990).

Tomada como instrumento de memória, a fotografia serve como fonte ao historiador e


possibilita a construção do conhecimento histórico e de múltiplas atividades e práticas
sociais. Como fonte discursiva, inscrevem-se no tempo e ainda representam
acontecimentos significativos na memória coletiva institucional.

Como a proposta do texto é analisar as imagens da arquitetura escolar do Instituto de


Educação do Paraná, podemos observar a composição arquitetônica do prédio
centenário do IEPPEP, como um espaço de representação de uma cultura institucional
(SOUZA, 2001, p. 87) e um lugar de memória.

Por lugares de memória, entendemos a partir do conceito de Pierre Nora, que são lugar
que têm ou adquiriram a função de manter viva a memória, são lugares simbólicos, onde
a memória coletiva se expressa e se revela. São espaços que carregam características de
cada conceito, são um vestígio da memória, e uma possibilidade de construção da
história. Lugares híbridos, mistos e mutantes (BREFE, 1996, p. 120) e servem para a
valorização da tradição e como solução para o problema da perda de identidade dos
grupos sociais.
468
Considerando o IEPPEP um lugar de memória, as fotografias escolares produzidas pela
instituição são expressões e representação de uma cultural institucional carregando
consigo uma variedade de significados que procuramos compreender através dessa
análise.

Breve histórico do Instituto de Educação do Paraná

Conhecido como uma referência no ensino do Estado do Paraná, a instituição foi criada
em 12 de abril de 1876 com dois cursos: Escola Normal e Ginásio pelo então Presidente
da Província Adolpho Lamenha Lins.

Só em 1922, a Escola Normal teve suas próprias instalações, quando na comemoração


do Centenário da Independência do Brasil, o Governador do Estado, Dr. Caetano
Munhoz da Rocha, entregou à Escola Normal o Palácio da Instrução, na Rua Aquidaban
(Hoje, Rua Emiliano Perneta).

Em 1923, o Instituto de Educação do Paraná, até então denominado Escola Normal


Secundária, é separado do Ginásio Paranaense. A Escola Normal passa a oferecer dois
cursos, o Fundamental ou Geral e o Profissional. O curso Geral da Escola Normal em
1936 foi transformado em curso ginasial, e em 1938, esse curso foi fundido ao Ginásio
Paranaense. Os alunos foram separados, no Ginásio Paranaense passaram a estudar
somente rapazes, e na antiga Escola Normal, agora denominada Secção Feminina do
Ginásio Paranaense, somente as moças.

Em 1946, a Escola de Professores passou a ter a denominação de Instituto de Educação


do Paraná e pela Lei 5692/71 novas alterações à estrutura do Instituto de Educação
aconteceram, através da Proposta Organizacional de Complexos de Ensino.

Em 1992, o Instituto de Educação a ser denominado Instituto de Educação Professor


Erasmo Pilotto. Fica apenas um ano com essa denominação e no ano seguinte passa a se
chamar Instituto de Educação do Paraná Professor Erasmo Pilotto – IEPPEP.

Arquitetura Escolar do IEPPEP

O Instituto de Educação é uma edificação grande e imponente, uma construção de estilo


eclético, fase da arquitetura brasileira pré-moderna, que mistura vários estilos e
Neoclássica é a que mais se sobressai na construção referida. Grande parte das
características originais, do prédio construído para comemoração do centenário da
independência ainda são mantidas.

469
Imagem do Instituto de Educação do Paraná na década de 1920 ou 1930. Fonte: Acervo
digital do Instituto de Educação do Paraná.

O prédio tem como características colunas grandes e janelas imensas com arcos em
cima, salas grandes, pé direito alto, uma escadaria grandiosa na entrada sendo destaque
da imensa fachada, levando a um saguão digno de um palacete e que reproduz a
imponência da sua arquitetura. Há também um vitral ao qual pode ser observado pelo
interior do saguão do colégio, um salão nobre, também conservado de maneira original,
com uma imagem do governador Dr. Munhoz da Rocha, cadeira com grandes encostos
e em ornadas, com muitos detalhes. Nota-se também um grande portão de ferro, cercado
por grades, proporcionando a vista da edificação. Realmente uma fachada imponente,
uma construção de grande porte para a década de 1920.

Imagem da escadaria central do saguão – ao fundo observa-se o vitral. Fonte: Acervo


digital do Instituto de Educação do Paraná.

Como construção das primeiras décadas da República, os grupos escolares tornaram-se


símbolo do progresso sociocultural urbano, pois informavam à sociedade os valores
sociais, culturais e morais, onde “O edifício escolar torna-se portador de uma
470
identificação arquitetônica que o diferenciava dos demais edifícios públicos e civis ao
mesmo tempo em que o identificava como um espaço próprio” (SOUZA, 1998, p. 123).

Imagem da Fachada do Prédio do IEPPEP – 2006. Fonte: Acervo digital do Instituto de


Educação do Paraná.

A estrutura do Instituto de Educação são três pavimentos em forma quadrangular,


ambos os andares com as portas das salas de aula voltadas para os corredores
proporcionando uma interligação entre as salas e uma vista de todo o pátio de grande
parte dos corredores – visão panóptica. Corredores com as grandes colunas já citadas
anteriormente e voltadas para o interior da escola.

Imagem do Instituto de Educação do Paraná na década de 50. Fonte: Acervo digital do


Instituto de Educação do Paraná.

No saguão central é possível se ver nas paredes placas que contam a história da
instituição, muitas delas são homenagens recebidas. Nota-se também a riqueza de
detalhes nos acabamentos no teto, nas grandes portas e janelas e no corrimão logo na

471
entrada, com alguns entales. Observa-se uma riqueza nesses pequenos detalhes nos
acabamentos da construção, e toda essa composição revelam significados múltiplos que
envolvem essas instituições de ensino (SOUZA, 2001 p. 81).

Imagem do saguão central do IEP – 2006. Acervo digital do Instituto de Educação do


Paraná.

Considerações Finais

Como a função não mudou ao longo da história, ficaram estabelecidos os atributos


básicos que caracterizam a edificação escolar: uma sala retangular, com assentos para os
alunos e um quadro para o professor; uma parede com janelas, para receber a
iluminação e a ventilação externas; um corredor de comunicação entre as classes; um
espaço aberto de convívio e relaxamento.

Através das fotografias escolares, que se relevam traços dessa arquitetura voltada para
um espaço específico para as atividades de ensino, que são produzidas com diferentes e
diversas finalidades, revelando significados múltiplos que envolvem essas instituições
de ensino.

Referencias bibliográficas

BORGES, Maria Eliza Linhares. História & Fotografia. 3 ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2011.

BREFE, Ana Claudia Fonseca. Pierre Nora: da história do presente aos lugares de
memória. História: Questões & Debates, Curitiba, vol. 13, nº 24, jul./dez. 1996, p. 105-
125.

472
CHARTIER, Roger. A História Hoje: dúvidas, desafios, propostas. In: Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994, p. 97-113.

_____. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel/Rio de


Janeiro: Bertrand do Brasil, 1990.

LE GOFF, Jacques. Memória. In. História e Memória. Leitão, Bernardo...[et. al.] trad.
4ª ed. Campinas, SP. UNICAMP. 1996.

OLIVEIRA, Rosangela Silva; BITTENCOURT JR., Nilton Ferreira. A FOTOGRAFIA


COMO FONTE DE PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: Usos, dimensão
visual e material, níveis e técnicas de análise. I ENCONTRO NACIONAL DE
PESQUISAS E PRATICAS EM EDUCAÇÃO. 2012

SOUZA, Rosa Fátima de. Fotografias escolares: A leitura de imagens na história da


escola primária. Educar, Curitiba, n.18, 2001, pp.75-101.

473
DISCUTINDO A NOÇÃO DE FATO HISTÓRICO A
PARTIR DO ROMANCE O CRIME DE SYLVESTRE
BONNARD, MEMBRO DO INSTITUTO
Rodrigo Conçole Lage

Marc Bloch e Lucien Febvre irão dar origem ao movimento historiográfico chamado
Escola dos Annales, que o historiador Peter Burke (1991) classifica como sendo a
revolução francesa da historiografia. Os historiadores ligados a esse movimento foi
construído em cima de uma crítica a historiografia tradicional. Dentre as muitas
mudanças promovidas por esses historiadores temos a ampliação da noção de fonte
histórica: “A nouvelle histoire francesa fez uso de novas fontes de modo a responder às
novas questões que seus praticantes colocavam para o passado” (BURKE, 1997, p. 4).

Os historiadores passaram a utilizar não só os documentos oficiais, mas tudo o que


pudesse fornecer alguma informação sobre o passado (imagens, fontes orais, literatura,
etc.). Adotando essa ideia, decidimos desenvolver a ideia de se discutir com o aluno a
noção de “fato histórico” a partir do romance Le Crime de Sylvestre Bonnard, membre
de l’Institut, do escritor francês Anatole France, prêmio Nobel de Literatura de 1921 é
um modo de levá-lo a olhar de forma crítica a história que lhes é ensinada. O romance é
o diário do historiador e filólogo Sylvestre, que teria sido escrito entre os dias 24 de
dezembro de 1861 e 21 de agosto de 1882, cobrindo um período de quase 21 anos.

Como os alunos veem o que é registrado nos livros de História? Aceitam passivamente
o que é ensinado pele professor ou questionam o que está nos livros? Como o professor
vê o conteúdo a ser ensinado? Vê nele a verdade a ser transmitida e memorizada ou
apenas uma visão dos fatos, passível de ser problematizada. Ele deve se limitar a
reproduzir o que está nos livros ou deve analisar criticamente seu conteúdo e assim
ensiná-lo de modo a formar alunos críticos?

Para que o professor, e os próprios alunos, possam questionar o conteúdo da matéria e


ter uma visão de como a História é construída pelos que a escrevem é preciso primeiro
entender a natureza do fato histórico, que é o objeto de conhecimento do historiador, do
professor e, consequentemente, do próprio aluno. A definição mais simples desse
conceito é a de que se trata de um acontecimento do passado, que pode ser conhecido
por meio dos documentos, dai o surgimento e o desenvolvimento “da crítica textual
como pedra angular do positivismo historiográfico” (FUNARI; SILVA, 2008, p. 30).
Com o passar do tempo, podemos ver que essa noção se ampliou e passou a envolver
não só os acontecimentos, mas também as instituições (como a inquisição), as ideias
(como a noção de morte), objetos (como o livro), etc.

Essa noção de fato histórico é muito útil, pois, por meio dela, o professor pode discutir
com os alunos o porquê de alguns assuntos não serem tratados pela História. É um
forma de levar os alunos a verem a história “como um processo social, no qual sujeitos
produzem o mundo por meio da mediação cultural” (CARDOSO; VAINFAS, 2012, p.
474
279). E que, sendo construída por sujeitos, a exclusão desses sujeitos da História não é
aleatória, mas tem um sentido. Discutir a exclusão da atuação da mulher ou dos
indígenas, por exemplo, é de fundamental importância.

No romance, Gélis discorda de Bonnard, que defende a ideia de que a História é uma
ciência, o que o leva a discutir a própria noção de fato histórico. O professor poderia dar
o trecho do romance para ser lido e depois discutido, antes mesmo do ensino da história
propriamente dita. Isso permitiria aos alunos ver o conteúdo do livro didático não como
uma mera reprodução do que aconteceu no passado, mas como algo construído pelos
que o escreveram e passível de crítica. O trecho a ser trabalhado diz:

– Antes de mais nada, que é a História? A representação escrita dos


acontecimentos do passado. E que é um acontecimento? É um fato
qualquer? Não, dirá o senhor, é um fato notável. Pois bem, como o
historiador julgará se um fato é notável ou não é? O julgamento dele será
arbitrário. Segundo o seu gôsto (sic) e o seu capricho, como imagina –
enfim: julgamento de artista! Porque os fatos não se dividem pela própria
natureza em fatos históricos e em fatos não históricos. Aliás, um fato é uma
coisa extremamente complexa. O historiador conseguirá ver os fatos na sua
complexidade? Não, não lhe é possível. Êle (sic) os representará sem a
maior parte das particularidades que os constituem; por conseqüência (sic),
truncados, mutilados, diferentes do que foram. Quanto à relação dos fatos
entre êles (sic), o melhor é não falar. Se um fato histórico é produzido, o que
é possível por um ou diversos fatores não históricos, e, como tais,
desconhecidos, o meio para o historiador, desculpe perguntar-lhe, é assinalar
a relação dos fatos entre êles (sic)? E em tudo o que lhe digo, Sr. Bonnard,
suponho que o historiador tenha sobre os olhos provas certas; em realidade,
êle (sic) só confia em tal ou tal testemunha por motivos de sentimento.
(FRANCE, 1971, p. 222)

O primeiro ponto a ser discutido é como, ao longo do tempo, muitos acontecimentos


não foram tratados pelos historiadores por não serem considerados dignos de atenção. A
exclusão das mulheres ou dos indígenas, como foi dito anteriormente, pode ser tema de
debate. O questionamento a cerca da possibilidade de se abordar um fato histórico em
toda a sua complexidade é outro ponto de extrema importância. Até que ponto o que é
ensinado corresponde exatamente ao que aconteceu?

Até que ponto o que o professor, ou o historiador, apresenta é um ponto de vista


passível de ser interpretado com um sentido diferente, dependendo das fontes utilizadas
e da forma como foi interpretado, porque não existe nenhuma prova que invalidade
determinada interpretação? Esse questionamento não serve só para o aluno, mas como
uma forma de reavaliar a própria prática pedagógica e o modo como o professor vê a
História. Se o professor não se vê como um mero transmissor de fatos esses
questionamentos não podem estar ausentes de sua prática pedagógica. Ao mesmo
tempo, a questão das relações entre os diferentes fatos, dos pontos de conexão entre
eles, de como fatos, que podemos chamar de não históricos, estão entrelaçados aos que
os historiadores consideram históricos também pode levar a discussões interessantes.

475
Por fim, o último ponto a ser abordado é a questão da veracidade do que é ensinado.
Uma matéria de jornal pode ser utilizada para o ensino da história? De que forma o
aluno vê uma notícia de jornal. Como uma descrição fidedigna dos acontecimentos? Ou
a lê de forma crítica? Até que ponto uma fonte ou um relato histórico tem todo o valor e
toda a autenticidade que o professor ou o historiador lhe confere? Trabalhar com
diferentes textos sobre o mesmo assunto é uma forma de o professor levar o aluno a ver
que nem tudo o que ele lê é necessariamente verdade O ponto mais importante,
levantado pelos questionamentos apresentados no romance, é o da necessidade das
discussões teóricas para a pesquisa e o ensino da história. Do contrários, teremos uma
visão muito ingênua do que ela é.

Assim, por tudo o que foi dito, podemos dizer que a utilização da literatura como fonte
para discussões relativas ao ensino da história, assim como a prática do historiador,
pode nos permitir lançar um novo olhar sobre as questões levantadas e sobre a própria
prática pedagógica e o ofício do historiador.

Referências:

FRANCE, Anatole. O crime de Sylvestre Bonnard. Rio de Janeiro: Editôra Opera


Mundi, 1971.

BURKE, Peter. A escola dos Annales 1929-1989: a revolução francesa da


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História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

FUNARI, Pedro Paulo A.; SILVA, Glaydson José da. Teoria da História. São Paulo:
Brasiliense, 2008.

476
REFLEXÕES SOBRE AS POTENCIALIDADES DO
USO DO CINEMA EM SALA DE AULA: RELAÇÕES
COM O ENSINO DE HISTÓRIA
Rodrigo Luis dos Santos

O objetivo deste texto é fomentar, sobretudo, uma reflexão sobre as fontes e


instrumentos utilizados pelos pesquisadores e professores de História em sua atuação
profissional, com atenção especial para o segundo grupo. Para isso, optamos por
privilegiar um produto cultural que, embora seja muitas vezes utilizado e objeto de
análises, ainda ocupa um lugar secundário no espaço historiográfico: o cinema e as
produções fílmicas.

A análise histórica e a construção historiográfica do meio social passaram por


significativas mudanças, advindas sobretudo após as formulações da Escola dos
Annales,no início do século XX, e o crescimento vertiginoso da chamada Nova História
Cultural a partir da década de 1980. Nesta perspectiva, não apenas no campo teórico ou
de pesquisa empírica, mas também na área do ensino de História, novas fontes e
recursos passaram a ser considerados como qualificados. Um destes elementos é o
cinema.

No campo da História Cultural, é de grande difusão o conceito de representação,


principalmente a concepção de Roger Chartier. Para este pesquisador, as representações
são construções que a sociedade faz de si mesma, tanto no que se refere aos tempos
passados como ao presente, elegendo determinados aspectos, códigos, signos e recortes,
ao mesmo tempo em que refuta e ignora outros. Deste modo, a representação se dá de
forma consciente. Evidentemente, ela não é algo heterogêneo e imutável, pois estas
também são frutos de determinados contextos e conjecturas estruturais da sociedade.

Em consonância com essa assertiva, acreditamos que as construções cinematográficas


são importantes fontes e instrumentos para análise das construções socioculturais e das
representações que são constituídas no e sobre o meio social. Por outro lado, a educação
tradicional, seja por conta de suas limitações curriculares, das diretrizes que muitas
vezes busquem apenas a formação para o mercado de trabalho ou até mesmo a falta de
formação dos docentes diante das novas possibilidadesde aperfeiçoamento dos
instrumentos de ensino, ainda vê o cinema como mero mecanismo de entretenimento.
Por isso, ainda encontramos o uso de filmes como um recurso complementar, seja para
evidenciar algum aspecto abordado em sala de aula, seja para ocupar algum espaço
ocioso. No campo do ensino de História, muito se tem falado em despertar o senso
crítico e a capacidade investigativa e de questionamento dos alunos. Por conta disso, se
vislumbram o uso de recursos variados para esse objetivo, como o uso de fontes
primárias, entrevistas, saídas e viagens de estudo. Na esteira deste processo, o cinema
pode assumir um papel de destaque, deixando seu papel simplório e meramente
ilustrativo.

477
Tendo em vista as competências e habilidades que o ensino de História deve buscar
cada vez mais despertar nos alunos (embora estejamos vivendo um tempo de incertezas
quanto ao papel da História e de outras disciplinas na Educação Básica brasileira), a
análise fílmica, se bem orientada e conduzida, tende a colaborar significativamente para
uma melhor compreensão histórica e de mundo social na atualidade. Segundo Kátia
Abud,

pode-se afirmar que o filme promove o uso da percepção, uma


atividade cognitiva que desenvolve estratégias de exploração, busca de
informação e estabelece relações. Ela é orientada por operações
intelectuais, como observar, identificar, extrair, comparar, articular,
estabelecer relações, sucessões e causalidade, entre outras. Por esses
motivos, a análise de um documento fílmico, qualquer que seja seu tema,
produz efeitos na aprendizagem de História, sem contar que tais operações
são também imprescindíveis para a inteligibilidade do próprio filme
(ABUD, 2003, p. 191).

O estabelecimento de diferentes fontes de pesquisa e análise histórica são


imprescindíveis não apenas para os historiadores que se dedicam ao campo
investigativo, mas também para aqueles que se dedicam ao campo da docência. Isso se
faz necessário justamente para possibilitar maior interação dos historiadores e
professores de História na dinâmica social, estreitando formas de se valorizar e
compreender a importância da História para o entendimento das múltiplas formas de
relações existentes na complexidade das sociedades atuais. Muitas vezes, tanto
pesquisadores quanto professores, tendem a se isolar não apenas em torno de seu ofício,
mas também ao diálogo com novas tendências e novas tecnologias de interação social.
Esse isolamento, de certa forma, colabora para uma visão errônea do que é História.

Tendo ciente as urgentes questões que envolvem o fazer historiográfico e o ensino de


História, mesmo tendo em vistas os desafios inerentes ao futuro, é preciso continuar
atento para as mudanças sociais, em seus múltiplos sentidos, sobretudo no campo
cultural. Outrossim, os filmes e o cinema, por serem produtos de um meio sociocultural,
são possíveis de serem analisados criticamente, levando, neste caso, os alunos a
compreenderem em maior profundidade não apenas os códigos visíveis na produção
fílmica, mas o processo de construção de sentidos e visões de mundo, de representações
sociais, de argumentos e discursos sobre o passado, o presente e o futuro. A partir desta
compreensão e de uma nova percepção sobre a capacidade de uso dos filmes, tanto no
campo da pesquisa como do ensino, outras fronteiras passam a ser desbravadas e
resultados significativos podem ser obtidos, especialmente no campo da educação, nos
seus diferentes níveis, da Educação Básica ao Ensino Superior.

Referências

ABUD, Kátia Maria. A construção de uma Didática da História: algumas ideias


sobre a utilização de filmes no ensino. História, São Paulo, 22(1); 2003.

478
ALVES, Giovanni; MACEDO, Felipe. Cineclube, Cinema& Educação. Londrina:
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BARROS, José D’Assunção. O campo da História: especialidades e abordagens. 6.


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BURKE, Peter. A Revolução Francesa da Historiografia: A Escola dos


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FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação.


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Paulo: Ibrasa, 1983.

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479
A MÚSICA COMO FONTE HISTÓRICA:
APRENDIZAGEM NO ENSINO DE HISTÓRIA
Ronilson Oliveira Paulino

Introdução

Privilegiar a música no ensino de história significa construção de conhecimento por


meio de um recurso de grande prazer e motivação.

Esse artigo tem como objetivo levantar questões e apresentar sugestões acerca do uso da
música como recurso didático-pedagógico nas aulas de História. Pois os elementos da
música como o som, ritmo, melodia, acabam por contribuir e até mesmo facilitar o
processo de ensino aprendizagem, na comunicação, interação entre alunos e professor.

Devido a esse contato dos jovens com a música, pode acabar favorecendo a entrada para
um caminho de aproximação dos alunos com o trabalho envolvendo canções.

A música pode possibilitar ao aluno, com as orientações do professor, conhecer certos


períodos históricos onde o aluno possa sentir-se sujeito histórico, possibilitando o
estudante conhecer uma determinada realidade.

Por este motivo lembramos e queremos aqui destacar que como outra atividade, o uso
da música deve ser planejado antecipadamente, o aluno precisa antes de tudo,
compreender a matéria ensinada para poder fazer ligações da mesma com a música
trabalhada.

Desenvolvimento

A música nem sempre foi considerada como um documento histórico, uma vez que a
história do século XIX era voltada para uma escala positivista, onde os autores só
descreviam os fatos, sem fazer interpretação destes.

Segundo Reis (2004, p.16), “a função do historiador seria a de recuperar os eventos,


suas interconexões e suas tendências através da documentação e fazer-lhes a narrativa”.

No entanto a história dita positivista estava apenas limitada a documentos oficiais,


baseada em relatórios governamentais, ou seja, era uma história a favor da política.

No entanto no final da década de 1920, surge um grupo de historiadores franceses,


destacando-se Lucien Febvre e Marc Bloc, dando início a uma renovação historiográfica
com a criação da revista Annales (1929) e da nova corrente historiográfica, a “Escola
dos Annales”. Onde os mesmos procuraram dinamizar o campo historiográfico,
defendendo uma história crítica, comparativa, etc. (SANTOS; PEREIRA, 2012)

480
Desta maneira novos assuntos foram introduzidos na história, como cinema, festas,
musica, o cotidiano as mentalidades, etc.

Como ressalta Napolitano (2005):

“a canção ocupa um lugar especial na produção cultural, em seus diversos


matizes, ela tem o termômetro, caleidoscópio e espelho não só das
mudanças sociais, mas, sobretudo das nossas sensibilidades coletivas mais
profundas”. O que nos leva a crer que a música nos leva a compreender
melhor determinado tempo histórico.

Com utilização de diferentes linguagens e fontes no ensino de história as mesmas


acabam possibilitando o reconhecimento da escola como espaço social, onde o saber
escolar reelabora o conhecimento produzido pelo historiador e, nesse processo, integra
um conjunto de “representações sociais” do mundo e da história, praticados por
professores e alunos, frutos da experiência de ambos e provenientes de diversas fontes
de comunicação.

Buscando desta forma despertar o senso crítico do aluno, permitindo que ele
compreenda a sua realidade em uma dimensão histórica, identificando mudanças,
resistências e permanências, da qual o indivíduo possa situar-se.

Como função cultural, o exercício da música possibilita vivenciar


sentimentos pretéritos e presentes de uma época, pela percepção de como o
compositor diz o que diz. Como código musical envolve a ideologia e a
“maneira de ser” de determinada época, sua vivência estimula formas de
pensamento distintas do rotineiro, o que significa dizer que a música
possibilita ao educando atentar para seus sentimentos, alimentando-os com
experiências vivenciadas e ressignificadas em novas relações. E se a obra
musical aponta determinada direção aos sentimentos do educando (ouvir
música é ouvir direções), ela também descortina novas possibilidades de que
ele se sinta e se conheça, pois a maneira de vivenciá-la é exclusivamente
pessoal, é exclusivamente função do receptor. Expressando sentidos
irredutíveis a palavras, a música cria um espaço em que os sentimentos dos
educandos acabam por encontrar novas e múltiplas possibilidades de ser
(Sekeff, 2007: 133).

A incorporação da linguagem musical ao ensino de História reclama do professor e do


aluno uma percepção mais consciente da canção popular. Trata-se de uma fonte de
pesquisa, onde a forma e o conteúdo integram-se como força de expressão, como
referencial de manifestação e comunicação.

Sem sombra de dúvida, ela nunca esteve tão presente no cotidiano de


crianças e adolescentes. Imagens e sons acessados pela internet, canais de
TV paga exclusivos de música, diversos programas de TV em canais
abertos, aparelhos eletrônicos minúsculos, telefones celulares com os mais
variados recursos, diferentes fones de ouvidos usados como se fossem um
adereço obrigatório, tudo isso permite um extenso contato do jovem de hoje
com os mais variados estilos musicais. (DUQUE, 2012, p.3)
481
A linguagem musical é de extrema importância, pois o aluno se interage as aulas e a
musica acaba por descrever uma realidade social, onde a escola procura discutir esta
realidade. A canção popular ajudar a repensar a historia e a sociedade.

Durante a ditadura militar a musica ganhou grande repercussão no Brasil, de artistas que
através da letra das músicas, denunciavam e emergiam o que estava acontecendo
naquele período, as escolas procuram sempre trabalhar com músicas quando se trata de
ditadura militar, pois, muitos foram os artistas que engajaram na luta contra esta fase
turbulenta na história brasileira.

Após o Ato Institucional nº5, instrumento legal promulgado em fins de 1968


que aprofundou o caráter repressivo do Regime Militar brasileiro
implantado quatro anos antes, houve um corte abrupto das experiências
musicais ocorridas no Brasil ao longo dos anos 60. Na medida em que boa
parte da vida musical brasileira, naquela década, estava lastreada num
intenso debate político-ideológico, o recrudescimento da repressão e a
censura prévia interferiram de maneira dramática e decisiva na produção e
no consumo de canções. A partir de então, os movimentos, artistas e eventos
musicais e culturais situados entre os ‘marcos da Bossa Nova (1959) e do
Tropicalismo (1968) foram idealizados e percebidos como a balizas de um
ciclo de renovação musical radical que, ao que tudo indicava, havia se
encerrado. (NAPOLITANO, 2002, p.1)

É interessante fazermos interrogação enquanto a música do autor, ou seja, no que


sustenta a sua imagem, seu significado e como ela foi concebida, etc.

Segundo David (2010?, p.106) Uma técnica que vem apresentando bons resultados
consiste no desdobramento do trabalho em três momentos básicos: audição sem a letra,
audição com a letra e canto. Pode ser desenvolvida da seguinte forma:

Audição e análise da música (sem que a letra tenha sido entregue para os
alunos), quantas vezes se fizer necessário, para que os mesmos se
manifestem em relação ao que ouvem: melodia, ritmo, instrumentos, cantor,
tema da música e em seguida anotem as palavras que consigam perceber.

Audição e análise da música com a letra, implicando em uma prática que se


inicia com considerações sobre o título, apresentação do compositor,
trabalho com o vocabulário e, a partir do domínio do mesmo, reflexões
acerca do conteúdo; hora de interrogar o texto.

Momento de cantar, cuja dinâmica deve percorrer os passos do canto em


conjunto ao individual.

O professor ao utilizar a música como um documento em sala o professor, estará


mostrando aos alunos que não só o livro didático é detentor de todo conhecimento, a
música acaba por contribuir para um amplo conhecimento.

482
Considerações finais

Contudo, é importante frisarmos que a música tem um grande papel na vida das
pessoas. Visto que agregadas aos temas esclarecidos e explicados pelo professor, se
torna uma importante ferramenta de complementação e dinamismo nas aulas de
quaisquer áreas.

Sabemos que nem todos os alunos tem a mesma facilidade para aprendizado que outros,
no entanto o que o aluno não compreendeu na aula ou até mesmo o assunto abordado
não lhes interessou, quando o professor complementa com a música , a história
realmente muda de figura. O que se nota é que em sua maioria os alunos já tem acesso a
qualquer estilo de música, é quando dinamizado pelo professor é muito bem aceita pelos
alunos.

O que os professores devem fazer é tentar dinamizar as aulas, principalmente de


história, para não se tornar aulas maçantes, quer seja com músicas, teatros, danças,
vídeos, entre outros. Para que assim sejam passados os conteúdos com mais leveza para
que realmente eles possam aprender e apreender os conteúdos ministrados pelo
professor.

Referências

DUQUE, Luís Guilherme Ritta. A canção brasileira na sala de aula: possibilidades


didático-pedagógicas. Aedos n. 11, vol. 4 - Set. 2012

DAVID, Célia Maria. Musica e ensino de história: uma proposta. São Paulo: Unesp,
2002

SANTOS, Geilza da Silva; PEREIRA, Auricélia Lopes. A música como instrumento


didático: novas formas de ensino-aprendizagem em história, 2012.

NAPOLITANO, Marcos. A música popular brasileira (MPB) dos anos 70:


resistência política e consumo cultural. Iv congresso de la rama latino-americana, abril,
2002.

REIS, José Carlos. A história entre filosofia e a ciência. Belo horizonte: autêntica,
2004.

SEKEFF, Maria de Lourdes. Da música seus usos e recursos. 2ª Ed. São Paulo:
UNESP, 2007.

483
NOTAS ACERCA DA PROPOSTA DE
TRATAMENTO TÉCNICO, HIGIENIZAÇÃO E
ORGANIZAÇÃO DO ACERVO DA REDE
FERROVIÁRIA FEDERAL NO IFPR, CAMPUS
UNIÃO DA VITÓRIA
Vitor Marcos Gregório
Elisângela Mota Pires
Ana Vitória Kozan Kiedes
Julien de Paula
Mariana Hirsch Leandro

O historiador francês Jacques Le Goff lembra, em sua obra “História e memória”, que
são dois os tipos de materiais aos quais se aplica a memória coletiva e a história, sua
forma científica: os documentos e os monumentos. De acordo com sua definição, os
monumentos – heranças ou sinais do passado – nada mais são do que “tudo aquilo que
pode evocar o passado, perpetuar a recordação”. Neste sentido, uma de suas
características centrais seria a capacidade de vincular-se ao poder de conservação,
voluntária ou não, da memória das sociedades históricas (LE GOFF, 1990, p. 535-536).
Por seu turno o documento, fruto direto de uma escolha consciente do historiador
(responsável por elegê-lo enquanto mediador entre seus próprios questionamentos e o
passado no qual elege buscar respostas), tem como característica atuar como uma
espécie de testemunho inconsciente (ou consciente) dos fatos passados, permitindo
seguir passos que não mais podem ser contemplados na areia do tempo sempre corrente
e fugidio, reconstruir realidades que, não fossem por estes vestígios buscados
incessantemente pelos cientistas do tempo idos, não mais poderiam ser conhecidas ou,
sequer, vislumbradas (IDEM, p. 537).

Tratam-se, claro está, de definições que colocam no sujeito que indaga o papel de
protagonista do processo de reconstrução histórica, que colocam como necessário fator
determinante das respostas aferidas os questionamentos formulados pelo observador e
seu direcionamento aos elementos que medeiam entre ele, ser concreto filho de seu
tempo e dotado de capacidade reflexiva e o passado, realidade apenas intuída que se
manifesta concretamente apenas nos vestígios que de si legou àqueles que vieram
posteriormente. Neste sentido, como bem defenderam os fundadores da revista
“Annales d’Histoire économique et sociale”, precursora da famosa “Escola dos
Annales”, nem monumentos e tampouco documentos precisam se constituir,
necessariamente, apenas de materiais escritos, uma vez que é da capacidade de análise
do historiador que resultará as respostas que oferecerão com relação ao passado que
representam. Segundo Lucien Febvre, “a história faz-se com documentos escritos, sem
dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se, sem documentos
484
escritos, quando não existem. Com tudo que a habilidade do historiador lhe permita
utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras.
Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do campo e as ervas daninhas. Com os
eclipses da Lua e a atrelagem dos cavalos de tiro. Com os exames de pedras feitos pelos
geólogos e com as análises de metais feitas pelos químicos. Numa palavra, como tudo o
que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem,
demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem.”
(FEBVRE, 1949, p. 428).

Não há história, portanto, sem a capacidade reflexiva do observador. Mas não há, do
mesmo modo, história sem a existência de vestígios monumentais que possam ser
transformados – pelo questionamento realizado – em documentos. Sendo a história
apenas a forma científica da memória coletiva, aquela que mantém em si as informações
que nos permitem compreender o ponto de partida, as causas e o modo pelo qual se
construiu a trajetória que nos trouxe até o presente configurando, deste modo, uma
determinada forma identitária única e irrepetível, fica clara a importância da
preservação destes vestígios para a conservação desta mesma memória. Transmutam-se
estes vestígios, definidores de uma determinada identidade grupal (que pode ser local,
regional, nacional ou supranacional) em patrimônios culturais, “conjunto de bens,
materiais e imateriais, que são considerados de interesse coletivo, suficientemente
relevantes para a perpetuação no tempo” [RODRIGUES, s/d, p. 48], expressões únicas
das vivências históricas de todo um povo e, portanto, instrumentos únicos para
compreensão deste mesmo povo.

O acervo da Rede Ferroviária Federal S/A – RFFSA constitui, pode-se dizer, um valioso
patrimônio histórico e cultural. Formado por um vasto conjunto de itens escritos e não
escritos das mais diversas épocas do século XX, permite reconstruir uma infinidade de
trajetórias históricas de indivíduos e grupos as quais, unidas, configuram um dos
capítulos mais importantes da história não apenas do Paraná e de Santa Catarina, mas de
todo o Brasil. Dentro deste conjunto mais amplo de incontáveis itens uma considerável
porção foi destacada e cedida ao campus União da Vitória do Instituto Federal do
Paraná, através de contrato de concessão negociado juntamente ao Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, Superintendência Paraná. A
escolha de nossas dependências para depósito deste material não foi aleatória. A região
na qual estamos inseridos deve muito de sua história aos trilhos da antiga Estrada de
Ferro São Paulo – Rio Grande, posteriormente Rede de Viação Paraná – Santa Catarina
e, finalmente, Rede Ferroviária Federal S/A. A Guerra do Contestado, que convulsionou
todo este território no início do século XX provocando mortes, destruição, e uma
divisão de ordem política que se mantém até hoje, teve na construção desta ferrovia um
de seus mais fortes motivadores. Do mesmo modo, foi através das locomotivas que por
aqui transitaram que chegou grande parte da riqueza responsável pela manutenção de
sua população durante décadas, e grande parte das construções oriundas do apogeu
deste meio de transporte ainda existem e servem, em boa medida, aos moradores das
duas margens do rio Iguaçu. Muitas das famílias aqui residentes possuíram um ou mais
membros trabalhando na estação e em seu entorno, e vários daqueles que outrora
garantiam a preservação da linha e o bom funcionamento das composições ainda se
encontram vivos para contar histórias daqueles tempos idos.

485
De fato, não foram poucas as oportunidades nas quais pudemos tomar contato com o
desejo de que medidas concretas para a valorização da história ferroviária de nossas
cidades fossem adotadas. Neste sentido a locomotiva Lima 1913, carinhosamente
apelidada “Maria Fumaça”, como outras tantas locomotivas a vapor ainda existentes
Brasil afora e atualmente desativada, foi sempre lembrada como um patrimônio
histórico de inestimável valor para toda a comunidade. Do mesmo modo, a ausência de
acervos e locais nos quais sua trajetória pudesse ser estudada com frequência surgiu
como a causa de sentidas lamentações por parte de nossos interlocutores. Estas
conversas, conjugadas à tomada de conhecimento da existência deste acervo (até então
votado ao estado de abandono nas dependências do prédio Teixeira Soares, antiga sede
da Rede de Viação Paraná – Santa Catarina, em Curitiba), levaram ao início de
negociações que duraram cerca de sete meses e culminaram com a concessão acima
mencionada.

Uma vez conquistada, era chegada a hora de pensar nos meios necessários para
disponibilizar esta importante documentação a toda a comunidade. Devido às suas
dimensões, ficou logo patente que tal objetivo não poderia ser alcançado através do
trabalho solitário de um docente (ao menos não sem requerer anos de trabalho do
mesmo, em paralelo com as suas atividades ordinárias realizadas no campus). Surgiu
daí a ideia de contar com a participação dos estudantes na empreitada a qual
proporcionará, além da diminuição do tempo necessário para a conclusão dos trabalhos
de organização e catalogação necessários para disponibilização do acervo para acesso
controlado de toda a comunidade, uma oportunidade única para realização de atividades
voltadas para a apropriação de conhecimentos úteis para a formação integral de nossos
jovens. Isto porque este projeto tem como pressuposto o reconhecimento de que não é
possível formar um cidadão plenamente consciente se não lhe forem apresentados os
processos centrais que definiram sua trajetória histórica, incentivando ao mesmo tempo
a reflexão crítica sobre essa mesma trajetória e sobre os modos de transformá-la
decisivamente, no sentido de tornar objetivamente melhores as condições de vida do
indivíduo e da sociedade na qual está inserido. Ao mesmo tempo, os trabalhos técnicos
relativos à higienização, organização e catalogação deste importante material
propiciarão maior integração entre o campus e o restante da sociedade, através da
realização de eventos periódicos de divulgação das atividades realizadas e, finalmente,
da recepção de todos aqueles interessados na história da ferrovia e desta grande região
em suas dependências, quando as atividades programadas estiverem concluídas.

Constitui ponto nodal da definição do conceito de patrimônio, tal qual explicitada


brevemente acima, o reconhecimento de sua importância para a garantia da perpetuação
no tempo da trajetória humana, o que o torna instrumento de imensurável valor para a
compreensão desta mesma trajetória e do grupo que a realizou. Neste sentido, a
concessão do acervo da Rede Ferroviária Federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional – IPHAN ao nosso campus representa uma feliz ocasião na qual os
princípios norteadores do Instituto Federal do Paraná, enquanto instituição, e do campus
União da Vitória, enquanto agente de atuação direta na localidade, se coadunam
perfeitamente com as políticas definidoras daquela organização votada à preservação
patrimonial, tal qual definido no próprio contrato de concessão deste importante acervo.
Afinal, como muito bem definido neste documento, a melhor forma de conservar um

486
patrimônio é colocando-o a serviço da comunidade, e é exatamente isso que a proposta
aqui apresentada objetiva realizar.

Com a presença destes documentos em nosso campus ganharão os estudantes, que terão
a oportunidade de manter contato com um acervo riquíssimo repleto de itens únicos,
muitos dos quais não disponíveis em nenhum outro lugar do país. Ganharão os
moradores de toda a região de Porto União da Vitória, que terão a oportunidade de
compreender sua própria trajetória através da consulta direta a um material que, se
estivesse em outra cidade, dificilmente poderia ser acessada. Ganhará o poder público
municipal, que passará a contar com um importante instrumento pedagógico e de
pesquisa disponível também para os estudantes das demais escolas públicas e privadas,
além das faculdades. E ganhará, em última instância, todo o Brasil, que poderá contar
com a preservação de um importante acervo que, de outra forma, muito provavelmente
seria irremediavelmente perdido como vítima do descaso e do abandono que já
vitimaram tantos outros insubstituíveis patrimônios históricos e culturais nos mais
diversos recantos do país.

Bibliografia

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contemporâneos. Rio de Janeiro. DP&A. 2003;

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abordagem antropológica. In: Revista Online do Museu de Lanifícios da Universidade
da Beira Interior, número 1. s/d, pp. 45-52;

487
POSSIBILIDADES DO ENSINO DE HISTÓRIA E
DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
CONTEMPORÂNEOS A PARTIR DAS NOVAS
TECNOLOGIAS
Valdenira Silva de Melo

As novas discussões historiográficas voltadas para os métodos de ensino têm levado


estudiosos a refletir sobre tais práticas. A questão metodológica no ensino de História é
tema de reflexões e debates na tentativa de encontrar ou criar estratégias didáticas, de
como melhorar a prática docente. Para tanto, esta produção apresenta possibilidades de
como podemos trabalhar com os movimentos sociais no ensino de História utilizando as
linguagens de ensino das novas tecnologias.

Em relação ao ensino de História tendo como foco as novas tecnologias, Maria Vandete
Almeida (2016, p.81) discute vários conceitos sobre as redes sociais, porém, destacamos
o seguinte:

Mas é sob o ponto de vista tecnológico que a noção de rede ou o termo em


si assume maior conotação e torna-se tema de acirrados e extensos debates
dentre estudiosos das diversas áreas do conhecimento que apresentam e
defendem amplas perspectivas de estudos e de análise em torno de suas
características, possibilidades e potencialidades observadas a partir do
avanço e propagação das tecnologias de informação e comunicação, uso de
computadores e ambientes virtuais propiciados por redes eletrônicas de
informações que originaram novas formas de interação e sociabilidade
humanas, independentes de distâncias e de laços sociais, e que decorreram
na formação de uma “cultura global” afirmada no impacto dos espaços
virtuais abertos pelas conexões das redes informatizadas.

É nesse sentido, definido por Almeida, que as Tecnologias de Informação e


Comunicação (TIC’s) ganham maior proporção e revolucionam a Contemporaneidade,
influenciando mudanças significativas também, no contexto educacional. De acordo
com Lapa; Beloni (2010, p.15):

Então, neste contexto de mudança, a inovação tecnológica é


responsabilizada pela quebra de paradigmas. Essa leitura dos
acontecimentos contemporâneos serve bem à construção de uma
abordagem tecnológica na qual os teóricos que a defendem pregam a
inevitabilidade de uma vida digital.

488
Desta forma, podemos dizer que trabalhar com as novas tecnologias no ensino de
História, é um grande desafio, visto que muitos docentes não sabem utilizar as
ferramentas multimídias. Destacamos também que assim como tem alunos que tem
acesso a internet e domina o mundo virtual, tem aqueles que não se enquadram nesse
padrão.

A partir da década de 90, segundo Almeida (2016), há uma intensificação das TIC’s e
com ela a redução da distância entre as pessoas e as nações, consagrando naquilo que
denominou-se de virtual. Essa rede de articulação virtual ganhou enormes proporções
que permitiu principalmente, a interligação entre os sujeitos sociais.

Um exemplo de como trabalhar com os movimentos sociais utilizando as tecnologias, é


partindo dos conceitos. Os movimentos sociais são “redes de articulações” que precisam
ser entendidas nos seus diversos aspectos levando em consideração a conjuntura política
em que essas manifestações são evidenciadas. Assim considera Gohn (2011, p.335,
336):

Na ação concreta, essas formas adotam diferentes estratégias que variam


da simples denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas,
concentrações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, atos de
desobediência civil, negociações etc.) até as pressões indiretas. Na
atualidade, os principais movimentos sociais atuam por meio de redes
sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais ou transnacionais, e
utilizam-se muito dos novos meios de comunicação e informação, como a
internet.

Essas estratégias de mobilização através das redes sociais permite uma linguagem de
ensino que busque analisar a História e os sujeitos sociais envolvidos nesse contexto de
forma crítica. Dessa forma, para trabalhar com os movimentos sociais contemporâneos,
é necessário evidenciar os interesses que estão implícitos nas informações veiculadas
pelas TIC’s, principalmente as mídias de massa (televisão e rádio). Analisar a
conjuntura política, econômica e social do país e relacioná-las as ações coletivas são
primordiais para compreender a atuação dos movimentos sociais.

Uma possibilidade do ensino de História, voltado para os movimentos sociais


contemporâneos é a atual conjuntura política do Brasil, dando ênfase aos movimentos
de 2015, que culminou com o golpe em maio de 2016. As redes sociais utilizadas para
divulgar o movimento “Vem pra rua”, possibilitou a articulação entre as pessoas que
culminou com as manifestações materializadas nas regiões do Brasil.

A veiculação das manifestações sociais, principalmente, por emissoras de televisão


interessadas na destituição do poder democrático, foi fator decisivo na construção da
opinião pública e do apoio ao movimento golpista, situações evidenciadas pela força das
TIC’s e sua influência no âmbito social. Sobre as manifestações que antecederam o
golpe:

É, porém, importante sublinhar que isso se trata do movimento que os


meios fazem em seu benefício, o que não significa que não encontrem
contestação ou resistência. É assim que, quando no dia 15 de março de
489
2015, a manifestação que contou com a decisiva participação deles em sua
arquitetura e convocação nas páginas dos seus jornais, telas de TV e
aparelhos de rádio, o que foi depois por eles insistentemente apresentado
como “movimento espontâneo organizado pelas redes sociais”, se
caracterizou como um espécie de espelho dos grupos dominantes. Tirando
as faixas e cartazes de grupos organizados mais radicais que pregavam a
subversão das instituições ou se apresentavam com slogans sexistas, de
baixo calão, preconceituosos e etc., na maioria das vezes beirando o, senão
comendo, crime, os meios se esforçaram em mostrar atos carnavalizados,
coloridos, bem-humorados, sem violência, quase ascéticos, moralmente
impolutos. Transformaram a política em espetáculo de boulevard, tanto no
sentido de que levada às ruas, quanto no sentido de elitista, para as
famílias, no claro sentido de tornar o governo cada vez mais refém da sua
agenda. (GRIJÓ, 2015, p.10)

Trabalhar no ensino de História essa possiblidade tecnológica, permite analisar os


sujeitos envolvidos nos movimentos sociais e seus reais interesses, ao mesmo tempo
que promove maior participação do aluno na discussão visto estar utilizando uma
ferramenta que domina e lhe interessa, quando se refere a internet. Por outro lado,
permite construir conceitos e perceber que ao longo da história a mídia de massa, se faz
presente e manipula a opinião pública em prol de seus interesses.

Cabe analisar se os movimentos de 2015 foram de fato “movimentos espontâneos” ou


movimentos induzidos, intencionais partindo de um discurso manobrista de oligopólios
midiáticos que induziram a opinião pública. Partindo de tais questionamentos, o ensino
de História deve possibilitar ao aluno emitir o seu ponto de vista e ao longo de leituras
e discussões construir sua autonomia intelectual e crítica.

Portanto, cabe ao docente historiador se valer dessa ferramenta e fazer uma reflexão em
sala de aula quanto a informação enquanto produto de um grupo social e político
construída para atender aos interesses do poder e do capital, e dessa forma poder
contribuir com uma aprendizagem significativa visto que o aluno parte dos
acontecimentos de seu tempo para a compreensão das estruturas políticas e sociais que
permanecem na vicissitude do poder.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Maria Vandete (Negavan) Revoluções Tecnológicas, Redes Sociais e


Movimentos Contemporâneos. In: BRUNELO, Leandro (Organizador). Ensino de
História e Movimentos Sociais: Problematizações, Métodos e Linguagens. Editora
UEM/PGH/História, Maringá, 2016. p.75-96

GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais na contemporaneidade. In: Revista


Brasileira de Educação v. 16 n. 47 maio-ago. 2011. Universidade Estadual de
Campinas. Universidade Nove de Julho.

490
GRIJÓ, Luiz Alberto. Mídia e poder no Brasil Contemporâneo: a democracia
sequestrada. In: XXVIII Simpósio Nacional de História. Lugares dos Historiadores:
Velhos e Novos Desafios. Florianópolis, 2015.

LAPA, Andrea Brandão; BELLONI, Maria Luiza. Introdução à educação a distância.


Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2010.

491
O ENSINO TEÓRICO-PRÁTICO DE HISTÓRIA
DAS REVOLUÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS NA
CONTEMPORANEIDADE: UMA ÓTICA A
PARTIR DO USO DAS MÚSICAS E DA
LITERATURA
Wilverson Rodrigo Silva de Melo

Introdução

O Ensino de História tem se apresentado cada vez mais como um grande desafio na
contemporaneidade. Estreitar laços entre a História enquanto Ciência e a História
enquanto Disciplina, convenciona-se como um grande cisma historiográfico, o qual se
esbarra na bifurcação dos aspectos teóricos bem específicos da historiografia e os
aspectos práticos do cotidiano escolar. Dialogar teoria e prática com vistas ao ensino
tem sido o grande dilema dos historiadores, haja vista que entre o “querer” e o “fazer”
História existe um grande distanciamento. “Dito isto, convém entendermos que ‘o fazer
história e o ensinar história’ não são campos distintos do saber histórico, ambos
encontram-se imbricados e não devem se dissociar” (MELO, 2016, p.4).

A história enquanto área de conhecimento e disciplina escolar possui uma grande


responsabilidade na efetivação desses objetivos, sobretudo no desenvolvimento do
espírito crítico e autônomo. a real materialização da tríade “educar, ensinar e formar” no
que concerne ao ensino de História diz respeito a construção do educando enquanto
sujeito histórico dentro da sala de aula. “O sujeito histórico, que se configura na inter-
relação complexa, duradoura e contraditória entre as identidades sociais e as pessoais, é
o verdadeiro construtor da História”. (BEZZERRA, 2010, p. 45). Apenas este sujeito
histórico ético, capaz de estabelecer as conexões entre presente e passado pode de fato
vivenciar uma experiência cidadã.

Trabalhando os conceitos de “revolução” e “movimentos sociais” em sala de aula:


um campo de possibilidades

Neste arcabouço epistemológico faz-se necessário discutir em sala de aula a História das
Revoluções e dos Movimentos Sociais a partir de uma perspectiva etmológica e da
história dos conceitos proposta por Reinhart Koselleck (2001; 2013), até porque para
Paul Veyne, fazer história é conceituar.

Então como trabalhar com conceitos de Revoluções e Movimentos Sociais? Revolução


é sinônimo de Revolta, de Motim, de Insurreição? Movimentos Sociais são ações
humanas do viver em sociedade, ou tem em si outras conotações?

492
Todo conceito se prende a uma palavra, mas nem toda palavra é um conceito social e
político. Conceitos sociais e políticos contêm uma exigência concreta de generalização,
ao mesmo tempo em que são sempre polissêmicos.

Segundo Koselleck (2001), o significado e o significante de uma palavra podem ser


pensados separadamente. No conceito, significado e significante coincidem na mesma
medida em que a multiplicidade da realidade e da experiência histórica se agrega à
capacidade de plurissignificação de uma palavra, de forma que seu significado só possa
ser conservado e compreendido por meio dessa mesma palavra. Uma palavra contém
possibilidades de significado, um conceito reúne em si diferentes totalidades de sentido.

Um conceito pode ser claro, mas deve ser polissêmico. "Todos os conceitos nos quais se
concentra o desenrolar de um processo de estabelecimento de sentido escapam às
definições. Só é passível de definição aquilo que não tem história" (NIETZSCHE). O
conceito reúne em si a diversidade da experiência histórica assim como a soma das
características objetivas teóricas e práticas em uma única circunstância, a qual só pode
ser dada como tal e realmente experimentada por meio desse mesmo conceito.

De acordo com as canções analisadas por Ipólito (2016), fica explicito dois momentos
distintos, com enfoques diferentes denominadas como "canções dos anos de chumbo" e
"canções de abertura", tais músicas nos permitem entender o contexto político e
econômico mencionados em suas letras. A análise dessas canções, permiti-nos também
um olhar crítico quanto aos sujeitos sociais envolvidos nesse processo, e nos remete a
importância do entendimento e utilidade dessas linguagens de ensino em sala de aula.

É importante salientar, que dependendo do cenário e temporalidade histórica


envolvendo a produção e veiculação das músicas de protesto, deve-se atentar para as
metáforas e entrelinhas por onde as canções tentavam expressar suas angústias, ironias e
críticas as ações humanas governamentais ou não, no sentido de relações de poder.

“Revolução, música e história são palavras que se aglutinam e camuflam,


muitas vezes, espaços culturais de manifestação e resistência. Analisar
como a questão da ‘revolução’ é abordada na música significa tentar
compreender as denúncias e contradições de um determinado contexto
social” (IPÓLITO, 2016, p. 16).

Um exemplo de música com metáforas é “Cálice” de Chico Buarque, o qual a produziu


durante os anos de Ditadura Civil-Militar no Brasil e, mesmo com a censura na imagem
e propaganda, conseguiu ludibriar os órgãos de fiscalização e assim passou sua
mensagem de insatisfação, incitando a sociedade a inconformação sócio-política.

Mas como analisar o conceito de revolução evidenciada nas músicas de protesto?


Segundo Ipólito (2016, p.17) “historicamente, as definições conceituais para o termo
‘revolução’ são múltiplas e variadas. Os significados oscilam desde movimentos
sangrentos, como golpes políticos e sociais ou deposições forçadas, até inovações
científicas”. Desta forma cabe-nos a incitar em sala de aula, a reflexão da conjuntura
histórica do tema e fazer uma relação e/ou anacronismo com o passado a fim de colocar
em questão para análise as querelas sócio-políticas, pois o conceito de Revolução pode
ser ampliado, na perspectiva de revolução silenciosa (resistências culturais), revolução
493
parcimoniosa (como a de Mahatma Gandhi), e outros tipos de revolução sob uma ótica
antropológica e/ou jurídica.

Quanto as linguagens no ensino de História podemos trabalhar o conceito de


movimentos sociais e revoluções a partir da literatura. “É certo que a conceituação dessa
arte, do modo como a conhecemos, é um produto dos processos históricos ocorridos no
Ocidente a partir da sua matriz europeia” (FERREIRA, 2012, p.65). No entanto, cabe ao
docente historiador, evidenciar o passado narrado nos contos literários e em específico
no caso africano, explicitando a tendência da escrita a partir do olhar do colonizador.

No entanto há de se considerar as relações de poder mesmo que em uma capilaridade a


qual traz visibilidade dos atores sociais, em outras palavras, mesmo com a visibilidade
do discurso hegemônico de vitorioso do colonizador, só existe vitória, só existe discurso
hegemônico porque também se faz presente a invisibilidade do subserviente, as ações
minoritárias dos colonizados, ou seja, é essa relação dicotômica que ora anuvia e ora
evidencia as minorias marginais no campo literário, em especial na literatura africana.

Feito isto, há de se considerar a necessidade da análise crítica, partindo também das


narrativas, das memórias do colonizado, contribuindo assim, para desconstrução de um
discurso “ocidentocêntrico” pautado nas ideologias racistas e na invenção da
perspectiva oligocêntrica do Ocidente (em especial a Europa) em detrimento do Oriente.

Na celeuma inerente a essas vertentes epistêmicas, destaca-se como possibilidade de


trabalho literário quanto aos conceitos de revolução e movimentos sociais, a perspectiva
Pós Colonial e Decolonial, ou seja, observar os conceitos na literatura, a partir de uma
desconstrução de colonialidade de saberes, ressignificando termos e categorias
classificatórias a partir da realidade, signos e saberes do “outro”, o mesmo “outro” que
outrora foi marginalizado e contemporaneamente introduz uma visão decolonial de si
mesmo e sua cultura, desconstruindo arquétipos imbricados de poder que os rotularam
historicamente.

Considerações Finais

Nesse sentido, o Ensino dos conceitos de História das Revoluções e Movimentos


Sociais dentro do campo historiográfico, procura analisar as vozes do tempo dos
acontecimentos, questionando a sua neutralidade e, com isso, buscando definir os
pensamentos, as imagens, as representações, os temas, as observações, as obsessões
“que se ocultam ou se manifestam nos discursos e também os próprios discursos,
enquanto práticas que obedecem as regras” (FOUCAULT, 2008, p. 157, grifo nosso).
Como proposto por Foucault, temos que trilhar o campo das possibilidades e não
sustentar as determinações. O resgate do momento histórico deve ser feito, analisado os
mais diversos sentidos e versões que estão ao alcance do historiador. Mais do que a
análise de documentos textuais, é importante que se estabeleça um diálogo entre o
profissional da História e o conjunto de valores, tradições, discursos, estereótipos e
ideologias presentes no contexto em estudo.

494
Referências

BEZERRA, Holien G. Estudo de história: conteúdos e conceitos básicos. In:


KARNAL, Leandro. (Org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas.
6. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 37-48.

FOUCALT, Michel. A arqueologia do saber. 7 ed.. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 2008.

IPÓLITO, Verônica Karina. Música e revolução: notas sobre a resistência cultural na


MPB, o regime militar no Brasil e o ensino de História. In: BRUNELO, Leandro (Org.).
Ensino de história e movimentos sociais: problematizações, métodos e linguagens.
Maringá, UEM-PGH-História. 2016. p. 16-46.

KOSELLECK, Reinhart. Los estratos del tempo: estúdios sobre la Historia.


Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 2001.

____________________; et. al. O Conceito de História. Tradução de René E. Gertz.


Belo Horizonte: Autêntica editora. (Coleção História e Historiografia). 2013.

MELO, Wilverson Rodrigo Silva de. O ensino de história da Amazônia: algumas


reflexões sobre ensino de estudos amazônicos e da produção e uso dos livros didáticos
em sala de aula. Revista sobre ontens: RJ. 2016.

495
O ENSINO TEÓRICO-PRÁTICO DE HISTÓRIA
DAS REVOLUÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS NA
CONTEMPORANEIDADE: UMA ÓTICA A
PARTIR DO USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS E
DO CINEMA
Wilverson Rodrigo Silva de Melo

Introdução

Segundo os postulados teóricos da Historiografia, inferimos que as disciplinas escolares


são construções históricas que se relacionam diretamente com o contexto e a
organização da produção científica. As disciplinas escolares em seus diversos âmagos
constitutivos respondem, ou correspondem às perspectivas e aos paradigmas da
produção científica em determinada temporalidade histórica.

É na sala de aula que a História como disciplina se materializa a partir da reflexão


acerca dos diversos discursos políticos, econômicos, sociais e culturais. Também neste
mesmo espaço que os conceitos são historiografados, no momento que são entendidos e
suas especificidades e temporalidades históricas. Os discursos, os conceitos, as ações
tornam-se representações sociais das mais diversas e variadas matizes culturais,
rompendo não só com o sofisma de uma história totalizante, mas, também, pluralizada e
pulverizada no que tange à dinâmica do próprio fazer humano em sua coletividade.

O Ensino da temática das Revoluções e Movimentos Sociais em sala de aula: o uso


das TIC’s e cinema como aportes didáticos

Em relação ao ensino de História tendo como foco as novas tecnologias, podemos dizer
que trabalhar com as novas tecnologias no ensino de História, é um grande desafio,
visto que muitos docentes não sabem utilizar as ferramentas multimídias. Destacamos
também que assim como tem alunos que tem acesso a internet e domina o mundo
virtual, tem aqueles que não se enquadram nesse padrão.

A partir da década de 90, segundo Almeida (2016), há uma intensificação das TIC’s e
com ela a redução da distância entre as pessoas e as nações, consagrando aquilo que
denominou-se de virtual. Essa rede de articulação virtual ganhou proporções que
permitiu principalmente, a interligação entre os sujeitos sociais.

Conforme Melo (2013) as reflexões e diálogos teóricos devem partir da premissa de


historicizar a aplicabilidade do construtivismo e uso das “Tecnologias da Informação e
Comunicação (TIC’s)” em sala de aula como elementos auxiliadores – quiçá
reeducadores – na construção do respeito as diferenças e as questões relacionadas ao
496
“outro”, sobretudo na promoção dos direitos humanos e no combate as intolerâncias
sócio-culturais que muitos grupos sociais sofrem seja no âmbito de gênero, raça, classe,
religiosidade, orientação sexual, acessibilidade, etc.

O uso das TIC’s além de diminuir as barreiras geográficas, quebra as


disparidades sociais de acesso a informação, leva o alunado a sair do mundo
da simples leitura para uma leitura de mundo, ajuda aqueles que sofrem de
timidez, assim como passa a funcionar como modificador de
comportamentos e conhecimentos (MELO, 2013, p. 139).

Isto implica dizer, que ação de colocar os indivíduos numa teia de relações,
metaforicamente a rede mundial de comunicação, além de diminuir as distâncias
geográficas, estimula as organizações dos movimentos sociais contestatórios e de
reivindicações sócio-políticas produzindo atos e manifestações de massa, a exemplo dos
movimentos de Primavera Árabe, Primavera Egípcia e do “Vem pra Rua” no Brasil
(2013), que semelhantes a Revolução Mexicana de Francisco Madero, passaram a ter
dia e horários marcados para começar – atos possíveis mediante o uso das TIC’s como
ferramenta e fonte dos movimentos sociais.

Quanto ao uso do cinema no ensino de História, inferimos que trabalhar o conceito de


movimentos sociais, segundo Brunelo (2016, p.99) significa entender que “as formas de
organização coletiva se vinculam não apenas às demandas de ordem socioeconômicas,
mas se relacionam às reivindicações de caráter político e cultural”.

Dessa forma, trabalhar o cinema em sala de aula requer certos cuidados metodológicos,
como o compromisso de o professor assistir antes, seja filmes, documentários,
reportagens, etc. e a partir daí fazer conexões com o tema em estudo. Há também a
possibilidade do trabalho interdisciplinar, conforme afirma Brunelo (2016, 104):

O trabalho didático-pedagógico que envolve a apresentação de filmes


também pode recorrer à interdisciplinaridade, pois os docentes das
diversas áreas do conhecimento podem se unir e elaborar um roteiro de
trabalho que contemple os seus respectivos domínios do saber e relacioná-
los à linguagem fílmica.

Partindo do pressuposto de que um filme não retrata fidedignamente uma dada realidade
tal como ela é ou foi, porque nada mais é do que uma representação, o filme pode ser
considerado uma importante fonte de pesquisa, uma espécie de produto cultural que traz
junto de si signos, entretenimento e emoções que precisam ser decodificados para serem
percebidos em sua essência (BRUNELO, 2016, p. 99-100).

Amiúde, isto implica dizer que é salutar analisar a perspectiva de produção de


ideologias e verdades sofisticas a partir das produções fílmicas. Ver a indústria
cinematográfica como propagandizadora de uma ideologia que pretende reforçar o
colonialismo e uma visão tradicional da História. É possível descontruir esses
estereótipos ideológicos por meio da operação historiográfica, ao se questionar sobre
quem produziu? Quando produziu? Qual a ideologia de quem produziu? Para qual
finalidade produziu? Quais os fins esperados no agente passivo que recebe as
informações contidas no filme?
497
Produzir essas problematizações e indagações acerca da produção e veiculação do
cinema é pertinente para se pensar noções de revolução e movimentos sócias a partir de
porções de historicidade no tempo presente. É ainda mais perspicaz introduzir em sala
de aula a relação entre ficção e história narrativa, mostrar como ambas produzem um
discurso, o qual pode ser visto por vários prismas.

Se o cinema retrata traços fictícios de uma revolução e/ou atuação de movimentos


sociais, não devemos desconsiderá-los, pelo contrário, devemos compreender e fazer
com que o aluno assimile que tal produção fílmica é uma centelha do acontecimento
histórico passado sendo reproduzido em uma tela do tempo que se apresenta ao
telespectador. E nesse sentido, tanto o cinema ao retratar sobre revolução e movimentos
sociais, como as narrativas produzidas pelo historiador se assemelham, pois ambas não
externam o real, não são pedaços completos congelados do passado e que agora se
apresentam no tempo presente, antes são representações, os quais não restituem o real
tal qual ele foi, mas apresentam, representam possibilidades de traços do que um dia foi,
ou seja, uma ótica da História em meio a tantos caleidoscópios.

Considerações finais

O uso das TIC’s e do Cinema na perspectiva do Ensino de História das Revoluções e


Movimentos sociais em sala de aula, longe de apenas serem vistos como ferramentas
pedagógicas ou auxílio para professores ministrarem tais temáticas com mais
ludicidade, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s) e o Cinema devem
ser vistos como fontes historiográficas que ajudam a melhor entender os conceitos e
temporalidades das temáticas no Campo da História.

Nesse aspecto, as imagens comunicam mensagens, narram histórias a partir de um


lugar, provocando reações diversas e impactando emoções, promovendo sentidos e
organizando significados em resposta ao olhar devolvido por aquelas imagens.

Lembremos, também, que a linguagem visual não é universal. Seus significados


obedecem a um sistema de representações que se orientam por convenções
educacionais, sociais, culturais, políticas, econômicas, ou seja, históricas, que implicam
no exercício estruturado de interpretação e (re)significação, pois “entre a imagem e o
que se representa, existe uma série de mediações, que não restituem o real, mas,
reconstroem, voluntária ou involuntariamente a apreensão do real”, como diz Leite
(1998, p. 41).

Partindo deste pressuposto, precisamos sem dúvida orientar nossos alunos, das diversas
possibilidades ao analisar as fontes (TIC’s e Cinema), pois os escritos são frutos da
construção do autor a partir de sua época e de suas experiências, práticas e suposições, e
cabe a nós professores, conforme nos diz Veyne (1998, p. 18), “simplificar, organizar e
fazer com que um século caiba numa página” e, de igual modo desenvolver o sentido
crítico e consciência histórica dos alunos quanto a temática da História das Revoluções
e Movimentos Sociais, a partir da conceituação, contexto social e desdobramentos
historiográficos.

498
Referências

ALMEIDA, Maria Vandete. Revoluções Tecnológicas, Redes Sociais e Movimentos


Contemporâneos. In: BRUNELO, Leandro (Org.). Ensino de história e movimentos
sociais: problematizações, métodos e linguagens. Maringá, UEM-PGH-História.
2016. p. 75-96.

BRUNELO, Leandro. Movimentos sociais contemporâneos e cinema: uma interface


com o ensino de história. In: BRUNELO, Leandro (Org.). Ensino de história e
movimentos sociais: problematizações, métodos e linguagens. Maringá, UEM-PGH-
História. 2016. p. 97-121.

LEITE, Miriam M. Texto visual e texto verbal. In: BIANCO, Bela; LEITE, Miriam M.
(Orgs.). Desafios da Imagem. Campinas: Papirus, 1998.

MELO, Wilverson Rodrigo Silva de. O Construtivismo e o uso das TIC’s: práticas para
a descolonização dos Currículos Escolares e incentivo à educação no contexto dos
direitos humanos e das relações étnico-raciais. In: VIII Congresso de Ciência e
Tecnologia da Amazônia e XIII Salão de Pesquisa e Iniciação Científica do
CEULS/ULBRA, 2013, Santarém. Pesquisa, Educação e Inovação. Santarém: Editora
do CEULS/ULBRA, 2013. p. 137-141.

VEYNE, Paul. Como se Escreve a Historia e Foucault Revoluciona a Historia. 4. ed.


Brasília: Universidade de Brasília (UnB), 1998.

499
500
AS ESCOLAS DE ÓBIDOS NA LUTA CONTRA A
DISCRIMINAÇÃO E O PRECONCEITO NO
ESPAÇO ESCOLAR
Adenilson dos Santos
Lucas de Vasconcelos Soares
Wilverson Rodrigo Silva de Melo

Introdução

No dia a dia, muitas são as pessoas vítimas de discriminação e preconceito na sociedade


por serem consideradas diferentes. Seja por estar inserida em outra cultura, por classe
social inferior, por sua opção sexual, por seu credo religioso, entre outros, a sociedade
acaba rotulando essas pessoas de forma negativa, resultando na marginalização dessas
diferenças.

Sabe-se que é nos laços familiares que ocorre a primeira educação e certamente, é onde
a criança recebe as primeiras informações sobre essas diferenças, repassando-se em
alguns casos, informações rotuladas e preconceituosas. Porém, a escola precisa trabalhar
essas diferenças com o objetivo de conscientizar os alunos e seus familiares para que
tais práticas sejam superadas.

Nesse sentido, sabemos que a educação deve atender a todos os indivíduos e isso não é
uma exceção, mas sim um direito conquistado e garantido perante a lei. Assim, não
devemos esquecer que a educação é um direito de todos, tornando-se dever do estado e
da família proporciona-la e deve ser apoiada pela sociedade.

“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e


incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, Art. 205).

Com base nos documentos legais, direcionamos nosso olhar para a realidade escolar do
município de Óbidos para verificar se o direito a educação e o respeito às diferenças
estão sendo assegurados em nossas escolas. O estudo pretende mostrar através da
observação direta e das entrevistas realizadas como as escolas estão se organizando para
o enfrentamento de atos que atentem contra a dignidade dos alunos e dessa forma, como
estão contribuindo para a construção de um ambiente mais digno e igualitário, onde
cada criança seja respeitada e aprenda a respeitar o seu semelhante.

501
A atual realidade das escolas do município de Óbidos: o cenário passa por grandes
mudanças

Nas entrevistas realizadas, constatamos que os atos discriminatórios ocorrem com


frequência no espaço escolar, sendo a intimidação sistemática (bullying) a prática mais
frequente. Segundo os profissionais da educação, já se tornou comum entre os alunos o
uso de apelidos discriminatórios referentes à cor, a classe social e ao aspecto físico de
cada indivíduo.

Durante as nossas observações no espaço escolar, percebemos que alguns desses


profissionais que atuam diretamente com esses alunos, apesar de seu longo tempo de
atuação na área, não receberam capacitação adequada para lidar com situações dessa
natureza no dia a dia. Como consequência desse problema, podemos tomar como
exemplo, a postura do professor que ao presenciar atos de desrespeito ocorrendo entre
os alunos, acaba se omitindo diante da situação, contribuindo para que a discriminação
ganhe força e se perpetue cada vez mais na sala de aula.

Nesse sentido, sabemos que a escola não atua apenas sobre o processo de ensino-
aprendizagem de conhecimentos necessários para a sobrevivência na sociedade, mas
também como suporte para que o aluno possa construir sua identidade e, assim, compete
a ela um papel importante de combater essas discriminações e transformar o ambiente
em um espaço de convivência pacífica das diferenças.

“A escola enquanto ambiente sócio-histórico-cultural de promoção e


reprodução sistemática e organizada da aprendizagem dos conhecimentos
humanos acumulados historicamente, além de contribuir para a apropriação
destes saberes, também promove a socialização e a interação entre os
sujeitos, propiciando assim a construção do sentido de humanidade pelos
mesmos”. (BOCK, 2001)

No entanto, para nossa surpresa, comprovamos que em todas as escolas analisadas, o


tema “diversidade” é uma realidade e vem sendo trabalhado constantemente, visto que
hoje se torna uma obrigatoriedade para os profissionais incorporarem em suas práticas
educativas, já que a escola atual é vista como o palco das diferenças e nela encontramos
não só diversidade de raça ou classe social, mas sim inúmeras outras diferenças que
surgem a cada momento.

“A escola é o lugar não só de acolhimento das diferenças humanas e sociais


encarnadas na diversidade de sua clientela, mas fundamentalmente o lugar a
partir do qual se engendram novas diferenças, se instauram novas demandas,
se criam novas apreensões acerca do mundo já conhecido” (AQUINO, 1998,
p.138)

Um ponto marcante nesse processo foi à criação da lei Nº 13.185 que estabelece
medidas de prevenção e combate à prática de intimidação sistemática (bullying). A nova
legislação estabelece que as instituições de ensino promovam medidas de
conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com destaque às
práticas de bullying ou constrangimento físico e psicológico, sejam elas cometidas por
alunos, professores ou outros profissionais da comunidade escolar. Assim, as escolas
502
são obrigadas a trabalhar essa temática na sua realidade e a partir desse compromisso
com a lei, novas ações e projetos voltados para a inclusão e o respeito às diferenças
estão surgindo nas escolas de Óbidos.

Essas ações foram desenvolvidas com base na realidade de cada escola, visando à
superação de práticas discriminatórias e contribuindo para o pleno desenvolvimento de
seus alunos, enquanto seres humanos. São iniciativas voltadas para temáticas que
norteiam discussões sobre as diferenças existentes entre os indivíduos e que promovem
no aluno uma reflexão de suas atitudes e de seu posicionamento diante de tais
diferenças, o que acaba reduzindo bastante o número de ocorrências de desrespeito entre
os mesmos e, assim, abolindo a presença de apelidos e insultos corriqueiros na realidade
escolar obidense.

Outra forma de conscientização frequente nessas escolas são as palestras que ocorrem
ao longo do ano e contam com participação de entidades públicas, como o conselho
tutelar, polícia, grupos religiosos, profissionais da saúde e outros. Nessas palestras são
trabalhados temas essenciais e presentes na realidade dos alunos, que vão desde a
violência até a orientação do respeito sobre as diferenças.

No geral, fazendo uma análise dos resultados obtidos, nota-se um grande avanço no
sentido de mudança, já que constatamos o empenho das escolas em se organizar na
busca por mecanismos e estratégias para adequarem a sua realidade e, assim,
transformarem em ferramentas que possam ser utilizadas no combate a discriminação e
o preconceito no espaço escolar. No entanto, para que as mudanças ocorram de forma
positiva, à escola precisa organizar-se conscientemente em colaboração com todos os
envolvidos para que juntos alcancem os seus objetivos.

“A escola, como parte integrante dessa sociedade que se sabe


preconceituosa e discriminadora, mas que reconhece que é hora de mudar,
está comprometida com essa necessidade de mudança e precisa ser um
espaço de aprendizagem onde as transformações devem começar a ocorrer
de modo planejado e realizado coletivamente por todos os envolvidos, de
modo consciente.” (Lopes, 2001. apud MUNANGA, 2005, p. 189)

Entretanto, vale ressaltar que as práticas discriminatórias ainda não foram totalmente
superadas, porém, as escolas estão caminhando rumo à concretização desse objetivo.
Nesse sentido, muito já se fez visando mudar a realidade, mas ainda sim é preciso ir
além, pois somente quando todos compreenderem que somos diferentes e que essas
diferenças precisam ser respeitadas será quando conseguiremos viver em harmonia
como seres humanos, deixando a discriminação e o preconceito na história e fixando em
nossa realidade o respeito e a paz.

Considerações finais

No que concerne à formação desses profissionais da educação, não é preciso apenas


receber a capacitação, mas sim deve haver um esforço para acabar com conceitos
preconceituosos que estão impregnados em nossa mente. Pois, se mudarmos o nosso
503
modo de pensar e de ver as diferenças, mudamos o nosso modo de agir em relação a
elas.

Finalizamos esse trabalho, satisfeitos com os resultados obtidos, já que percebemos um


grande avanço das escolas em relação aos anos anteriores no que diz respeito à
superação de atos discriminatórios. Através dessa pesquisa, queremos contribuir com as
escolas no fortalecimento de ações que visem desenvolver no ambiente educacional,
laços de aceitação e respeito entre todos os indivíduos envolvidos no processo
educativo.

Referências

BRASIL. Constituição Federal, 1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm>. Acesso em: 26 dez.
2016.

BOCK, M. B. (2001) A psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em


psicologia. São Paulo: Cortez.

AQUINO, J. G. (1998). Ética na escola: a diferença que faz diferença. Em J. G. Aquino


(Coord.), Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas (pp.
135-151). São Paulo: Summus.

LOPES, Vera Neusa. Racismo, Preconceito e Discriminação. In: MUNANGA,


Kabengele (org.). Superando o racismo na escola. 2. Ed. Brasília – DF. Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

504
A IMPORTÂNCIA DA LEI 10.639/03 PARA O
RECONHECIMENTO DA CULTURA AFRO-
BRASILEIRA ATRAVÉS DAS MUDANÇAS
CURRICULARES
Aldaiane Correa Barbosa
Gracinete Mousinho da Silva
Wilverson Rodrigo S. de Melo

Introdução

Os negros africanos contrários a sua vontade eram afastados de seus familiares e


trazidos para o Brasil, deixando para trás os costumes e valores que os identificavam,
para serem escravizado sem nenhum tipo de lucratividade. Mesmo sem perspectiva de
vida e com suas fragilidades causadas pelos sofrimentos que viviam, conseguiram se
livrar da dominação dos escravocratas. Acredita-se que a reestruturação curricular é a
maneira mais assertiva de tornar a sociedade mais justa. Para continuar avançando a
essa conscientização, torna-se necessária à reformulação na formação de professores,
tornando-os parceiros na criação de estratégias que ajudem nessa mudança de
concepção. Este estudo demonstra que a Lei 10.639 veio fortalecer a importância da
cultura africana, que tem se tornado um tema bastante discutido.

O negro dentro das políticas de afirmação de sua cultura

Antes que qualquer legislação de apoio ao negro africano, ele era tão somente
considerado como mero colaborador, fornecedor de mão-de-obra barata e submetidos a
fortes castigos. Foi um processo longo e de muitas lutas para que conseguissem manter
seus valores, conquistassem sua liberdade e alguns pouco direitos, e essa luta persiste
até os dias atuais. É a busca de um povo pelo seu reconhecimento na sociedade
brasileira, vemos a participação do negro com suas influencias culturais por todos os
lados que olhamos. O Brasil é um país culturalmente diversificado, e a grandeza das
contribuições que isso proporciona à sociedade precisa ser conhecida e valorizada.

A escola é o espaço responsável pela formação do ser humano e constituição de suas


bases, e por haver diferenças multiculturais que são desafio a serem vencidos nas
relações étnicos sociais, os movimentos negros acharam necessário que houvesse a
modificação nas diretrizes escolares, sendo incluso os estudos referentes á cultura
afrodescendente dentro das escolas, para isso foi instituída a Lei 10.369, que obriga a
inclusão dos estudos de História e Cultura afro-brasileira no currículo escolar nos
ensinos fundamental e médio, tanto na rede pública como na privada. A escola nesse
505
cenário é vista como um território de conflitos, onde se propicia trocas de experiências,
local necessário para fazer discussões sobre a cultura afro-descendentes e suas
colaborações. Vejamos o diz o parecer CNE/CP n. 003/2004:

A demanda da comunidade afro-brasileira por reconhecimento, valorização


e afirmação de direitos, no que diz respeito à educação, passou a ser
particularmente apoiada com a promulgação da Lei 10639/2003, que alterou
a Lei 9394/1996, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e
cultura afro-brasileiras e africanas (BRASIL, 2004, p. 3).

A lei 10.639, surge com o intuito de trazer reconhecimento a historia de um povo que
tanto influenciou na construção da história étnico brasileira, bem como por fim ao
preconceito, tornando-se assim, uma sociedade democrática.

As práticas escolares são vistas como instrumento para combater a desigualdade racial e
social, através das modificações de suas matrizes curriculares:

A lei 10.639, de 9de janeiro de 2003 é um marco histórico. Ela simboliza,


simultaneamente, um ponto de chegada das lutas antirracistas no Brasil e
um ponto de partida para a renovação da qualidade social da educação
brasileira. Ciente desses desafios, o Conselho Nacional de Educação, já em
2004, dedicou-se ao tema e, em diálogo com reivindicações históricas dos
movimentos sociais, em especial do movimento negro, elaborou parecer e
exarou resolução, homologada pelo Ministério da Educação, no sentido de
orientar os sistemas de ensino e as instituições dedicadas à educação, para
que dediquem cuidadosa atenção à incorporação da diversidade étnico racial
da sociedade brasileira nas práticas escolares. Brasil (2009, p. 9 apud
SILVEIRA; TELES, 2004, p.283).

Nos princípios existentes na lei 10.639, há um conjunto de praticas educacionais


pedagógicas a serem trabalhadas nos contextos do ensino fundamental e médio e ensino
superior. Em se tratando do ensino fundamental e médio, deve-se usar politicas
curriculares voltadas para valorização do negro como estratégia para combater a
desigualdade étnica racial, e exaltando a importância da diversidade. No que tange ao
ensino superior, se faz necessário formar professores capacitados para trabalhar o que
está sendo proposto pela lei.

[...] inclusão de discussão da questão racial, como parte integrante da matriz


curricular, tanto dos cursos de licenciatura para a Educação Infantil, aos
anos iniciais e finais da Educação Fundamental, Educação Média, Educação
de Jovens e Adultos, como de processos de formação continuada de
professores, inclusive de docentes no Ensino Superior (SILVA, apud,
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004, p. 23).

Com o exposto acima é possível analisar que a responsabilidade maior passar a ser do
professor, sendo que a educação é o caminho para construção de uma sociedade justa e
sem descriminação. Isso se evidencia na seguinte citação de Chervel (1990) citado por
(MELO, 2013, p.2) que defende que “uma lei por si só não seria o suficiente para mudar

506
ou inserir uma nova prática escolar, sendo necessário algo mais. É importante, mais que
isso necessário, que ela atenda a alguma finalidade real do universo escolar”.

No artigo de Melo (2013), em que faz uma Análise dos 10 anos de implementação e
aplicabilidade da Lei nº 10.639/03: conquistas, desafios e perspectivas na formação de
professores, o autor afirma que:

[...] “devemos atentar e repensar os percalços e dificuldades enfrentadas


pelos professores, assim como pela escola básica e o universo acadêmico
quanto à formação educacional dos discentes no que tange a História e
Cultura Africana e Afro-brasileira, assim como a História e Cultura
indígena”.

É de grande importância que a formação continuada dos professores seja eficaz, para
que não venha induzir o aluno a se tornar um mero repetidor de conteúdos pré-
estabelecidos, é necessário que professor se liberte do modo convencional de repassar
conhecimento, e passe a ver o seu alunado como seres capazes de produzir saberes,
como infere Krishnamurti (1994, p.15), citado por Melo (2013, p. 3) "o homem
ignorante não é o sem instrução, mas aquele que não conhece a si mesmo; e insensato é
o homem intelectualmente culto ao crer que os livros, o saber e a autoridade lhes podem
dar compreensão".

Considerações finais

Com esse estudo é possível observar que a lei 10.639 foi de fundamental importância
para a conquista de espaço pelo movimento negro nas relações sociais. Apesar dos
percalços enfrentados sua implantação serviu para valorizar a história de etnias
marginalizadas, e não há como negar, tudo que hoje o povo negro conseguiu alcançar já
é um grande avanço, se comparado a tudo que eles passaram a décadas sem voz,
considerados apenas como uma mão de obra servil, daí a importância de se modificar o
currículo escolar, bem como formar cidadãos que sinta essa influência, tornando-se
herdeiro de um povo que tem orgulho de sua cultura.

Embora haja uma lei que valorize o conhecimento da historia da África, se no professor
não haver o desejo de instigar o aluno a ver essa diversidade como parte pertencente de
sua vida social, de nada valerá o esforço feito, é necessário que o docente esteja
engajado junto com a escola em combater o preconceito existente na sociedade.

Referências

SILVA, Mauricio Pedro. Novas diretrizes curriculares para o estudo da História e da


Cultura afro- brasileira e africana: a Lei 10.639/ 03. EccoS, São Pulo, v. 9, n. i, p. 39-
52, jan./ju.

MELO, Wilverson Rodrigo Silva. Análise dos 10 anos de implementação e


aplicabilidade da Lei nº 10.639/03: conquistas, desafios e perspectivas na formação de
507
professores. VI Congresso Internacional de História, p. 01-13, 25- 27 de Setembro de
2013.

SILVEIRA, Cristiane; TELES, Luciano Everton Costa. Educação e relações étnico-


raciais: o movimento negro no brasil e a Emergência da lei 10.639/03. P o i é s i s –
revista do programa de pós-graduação em educação – mestrado – Universidade do
Sul de Santa Catarina. Unisul, Tubarão, v.8, n.13, p. 276 - 287, Jan/Jun. 2014.

BRASIL, Ministério da Educação. Parecer do Conselho Nacional de Educação n.3,


de 2004: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF.
2004. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/003.pdf>. Acesso em:
15 de jan. 2017.

508
UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A
HISTÓRIA DA ÁFRICA NO ENSINO
Aline Cândida de Araújo

De acordo com Lúcia Helena Oliveira Silva, o ensino da História e Cultura Afro-
Brasileira é fruto das distintas reivindicações de grupos militantes, que a partir do ano
de 2004, passaram a contar com as Diretrizes das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira, que segundo análises, é apontado como a primeira
grande política pública no país a trabalhar as relações étnico-raciais no ambiente
escolar.

Assim, é permitido ao professor a partir desse momento, apresentar novos conteúdos


dentro da sala de aula, que até então não valorizavam determinados grupos sociais.
Nesse sentido, o objetivo seria alcançar em todos os níveis de ensino uma
problematização, que por consequência, despertasse o conhecimento acerca da realidade
da diversidade cultural do nosso país.

Segundo Lúcia Helena Oliveira Silva, o Brasil é um país com uma grande diversidade
étnico-racial, resultado da formação socioeconômica que o colonizou. Segundo ela, a
divisão étnica coincidiu com as divisões sociais, estabelecendo binômios entre brancos
e livres versus negros e escravos. Nesse sentido, conclui-se que as diferenças culturais,
bem como as físicas, foram utilizadas como parâmetros de explicações para as
dominações criadas ao longo dos séculos.

“Temos de estudar o continente africano não como um capítulo à parte, um


gueto. A história da África está incorporada à história do mundo, porque ela foi
parte e é parte da história do mundo. Que a história do negro no Brasil não seja
isolada, como se o negro tivesse sido um marginal. O negro foi essencial na
formação do Brasil”.

De acordo com Alberto Costa e Silva, os historiadores brasileiros sempre viam a


história das relações Brasil-África como a África figurando-se apenas como fornecedora
de mão de obra escrava para o Brasil; como se o africano que era trazido à força
nascesse num navio negreiro. Era como se o negro surgisse no Brasil, como se fosse
carente de história, e nenhum povo é carente de história. E a história da África é uma
história extremamente rica e que teve grande importância na história do Brasil, da
mesma maneira que a europeia.

A exemplo, podemos discutir a respeito das sociedades iorubás, que por sua vez, trata-
se de vários povos que vivendo no que é hoje o sudoeste da Nigéria, falavam variantes
do mesmo idioma, adoravam os mesmos deuses e tinham culturas semelhantes. Essas
sociedades desenvolvem sua religião em lugares sagrados, reservados para o culto de
determinado orixá. Xangô, por exemplo, é o orixá do trovão e o governador da justiça.
Odudua é o criador da Terra, ancestral dos iorubás. É através do mito, na sociedade
tradicional dos iorubás, que se alcança o passado e se explica a origem de tudo. É pelo
509
mito que se interpreta o presente se prediz o futuro, nesta e na outra vida. Como os
iorubás não conheciam a escrita, seu corpo mítico era transmitido oralmente.

Ao lecionarmos sobre a história da África, é importante destacar que não existiu império
em iorubá. O que existiu foi a presença de aldeias-estados que pouco a pouco,
transformavam-se em cidades-estados. A junção de diversos povoados numa unidade
que se reconhecia como tal, seria a crença em um antepassado comum. Assim sendo,
existe toda uma narrativa acerca da criação das dinastias iorubá baseadas no mito de
Odudua.

Mas qual a importância de se estudar a história da África além das perspectivas


tradicionais, e abranger outras categorias, como o ensino sobre a cultura iorubá, por
exemplo? Tal estudo possibilita o entendimento acerca de um grupo étnico-linguístico
que irradiou sua cultura não apenas no território africano, pelo contrário, milhares de
iorubás foram escravizados e desembarcaram no Brasil, possibilitando assim a
disseminação de sua cultura e história no nosso país.

Como educadores, se nos propusermos a analisarmos a produção editorial voltada para


o ensino de história africana, vamos perceber que ao longo dos tempos, o mercado tem
se voltado para ampliar, ainda que de maneira significativa, sua produção referente a
história africana. Vamos tomar como exemplo a obra em quadrinhos “Sundiata: O leão
do Mali”. Essa é uma produção adaptada da história tradicional africana e que foi
transmitida verbalmente ao longo das gerações desde o século XIII. Se passarmos a
analisar a obra, podemos perceber que ela apresenta muitas das ideias que norteiam a
fundação do Mali, região da África Ocidental.

Outro trabalho que merece destaque é a obra também em quadrinhos: “Aya de


Youpougon”. Este trabalho aborda questões cotidianas de jovens que vivem na Costa do
Marfim, na década de 70, e apresenta uma África destituída de clichês, onde possibilita
ao leitor mergulhar em uma história africana diferente de tudo que já foi lido.

São obras como essas que possibilitam ao docente a inclusão de novas perspectivas para
o ensino de história africana, possibilitando ao mesmo desenvolver novas orientações
que privilegiam a valorização da história de uma sociedade que por vezes é ignorada. A
ideia do ensino de história africana tem por suas bases promover o desenvolvimento de
ações que gerem debates, e por consequência, promovam a inclusão. A escola por sua
vez, vai desempenhar o papel de mediadora dos conflitos sociais, sendo ela, o espaço
para a valorização de todos os grupos sociais. Nesse sentido, o ensino da história poderá
contribuir com o desenvolvimento das múltiplas análises críticas acerca da diversidade.

Referências

ABOUNET Marguerite. OUBRERIE, Clément. Prefácio de Anna Gavalda. Tradução de


Julia da Rosa Simões. Aya de Youpoung. Vol.1. L&PM Editoras, 2009.

510
EINSER, Will. Sundiata, o leão do Mali: uma lenda africana/ recontada por Will
Einser; ilustrações do autor; tradução Antônio de Macedo Soares. – São Paulo:
Companhia das Letras, 2004.

HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula. Visita à história contemporânea.


São Paulo: Selo Negro, 2005.

RÜSEN, Jörn. História viva. Teoria da História III: Formas e funções do conhecimento
histórico. Editora UnB.

SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança. A África antes dos portugueses. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, 2 ed.

______‘DESCENDENTES PRECISAM SABER QUE HISTÓRIA DA ÁFRICA É TÃO BONITA


QUANTO A DA GRÉCIA'. RIO DE JANEIRO. 20.11.15. BBC BRASIL. ENTREVISTA
CONCEDIDA A FERNANDA DA ESCÓCIA. DISPONÍVEL EM:
HTTP://G1.GLOBO.COM/MUNDO/NOTICIA/2015/11/DESCENDENTES-PRECISAM-SABER-QUE-
HISTORIA-DA-AFRICA-E-TAO-BONITA-QUANTO-A-DA-
GRECIA.HTML?UTM_SOURCE=FACEBOOK&UTM_MEDIUM= SHARE-BAR-
DESKTOP&UTM_CAMPAIGN= SHARE-BAR.

SILVA, Lúcia Helena Oliveira. Por uma história e cultura afro-brasileira e africana. IN:
CERRI, Luís Fernando. (Org.). Ensino de História e Educação. Olhares em
convergência. Ponta Grossa: UEPG, 2007.

511
A IMPORTÂNCIA E OS LIMITES DOS LIVROS
DIDATICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E
ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE DO PIBID
SOBRE A LEI 10639/03
Aline dos Santos Oliveira
Luciene Alves Fernandes

O presente trabalho consiste em uma pesquisa de análise dos livros didáticos de Alfredo
Boulos Júnior, utilizados pelos alunos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, do
Colégio Estadual Tereza Borges de Cerqueira, Caetité- BA. A referente pesquisa foi
desenvolvida pelos bolsistas de Iniciação à Docência no Subprojeto “A Formação
Inicial do Professor de História e sua Atuação na Escola Básica: o ofício do
historiador na docência” / PIBID/ Capes. E tem como objetivo compreender como
autor trabalha os conteúdos das temáticas africana e afro brasileira nas duas
modalidades de ensino acima citada, analisando as interfaces com a constituição das
memórias e das representações relacionando-se com a demanda necessária a partir da
obrigatoriedade da Lei 10.639/03 para Educação Básica

A atuação dos bolsistas de Iniciação à Docência, no Projeto PIBID/CAPES, tem sido


uma oportunidade aos acadêmicos dos cursos de licenciaturas em adquirir experiência
voltadas para a sala de aula a partir da prática da docência acompanhada. No caso mais
específico do PIBID de História vale ressaltar o subprojeto: “A Formação Inicial do
Professor e sua Atuação na Escola Básica: O Oficio do Historiador” que propicia aos
bolsistas participação, experiências metodológicas por meio da prática de caráter
inovador e interdisciplinar identificados no processo de ensino à aprendizagem.

Nesse sentido, de identificarmos o processo de ensino aprendizagem, e percebermos a


importância do livro didático, partindo da análise de SILVA(2001) e FAGE( 1982) que
criticam os conteúdos eurocêntricos e superficiais da História da África nos livros
didático, entrelaçamos o estudo que (Lajolo, 1996), faz quanto a importância dos
mesmos no que tange aos mecanismo na homogeneização dos conceitos, conteúdos e
metodologia educacionais, no entanto, ela também deixa claro, que ainda há lacunas nos
livros didáticos, pois estes “apresenta conteúdos fragmentados para tornar acessível à
compreensão do aluno”, e percebemos um agravamento maior ao se tratar dos
conteúdos referente continente africano.

Dessa forma, a reflexão sobre o subprojeto, já citado, tem fomentado nossa inquietação
quanto ao papel que devemos desempenhar frente aos mais diversos problemas
enfrentados na construção do conhecimento histórico em sala de aula. É nesse
pressuposto que parte a nossa ação – analisar como Alfredo Boulos Júnior trabalha a
História da África. Nesse cenário, cabe ao nosso olhar de professor/historiador analisar
os conteúdos das temáticas africanas e afro brasileira no âmbito do Ensino Fundamental
II e do Ensino Médio, verificando qual a importância e os limites desses conteúdos nos
512
livros de História adotados pelo Colégio Estadual Tereza Borges de Cerqueira. Este
trabalho foi realizado em parceria com a supervisora Jumara Carla e as bolsistas de
iniciação à docência Aline Santos e Luciene Fernandes.

Ao se debruçar na análise minuciosa da Lei: 10639, de 09 de janeiro de 2003, “Art. 26


A” que torna obrigatório nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, oficiais
e particulares o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, deixando nítida a
obrigatoriedade que o ensino passa a ter com os conteúdos sobre a matriz negra africana
na constituição da nossa sociedade no âmbito de todo o currículo escolar. Nesse sentido,
vale ressaltar que mesmo com a obrigatoriedade muitos dos professores nas mais
diversas disciplinas não exploram conteúdos referentes a essa temática, deixando muitas
vezes o conteúdo evadir quando o mesmo se encontra embutido no livro didático. Estes
apresentam-se cheios de lacunas, distorções e estereótipos de fome, miséria e doenças
reforçado as nas imagens dispostas nos conteúdos.

Analisando os livros de história do Ensino Fundamental de autoria de Alfredo Boulos,


diagnosticamos que ele aborda várias temáticas do continente africano, no entanto, é
muito superficial, não há um aprofundamento e dessa forma deixa algumas lacunas.
Como exemplo, o livro do Ensino Fundamental do 6º ano onde ele traz 11 capítulos
dentre eles, 3 aborda sobre o continente africano. Já no livro do 7º ano somente um
capítulo é destinado a esse conteúdo abordando sobre a África antes dos europeus. No
livro do 8º ano uma temática interessante que ele aborda é a relação do presente com o
passado, através das máscaras de flanges, comparando a máscara utilizada por uma
escrava e atualmente pelos artistas da Banda Didá, no entanto, não explora
questionamentos nessa relação. O que pode ser compreendido como uma deixa para que
o professor explore outros recursos, utilize de outras metodologias para incitar um
debate tão rico ou pode também acontecer o contrário o professor vendo o livro como
uma “muleta” deixa passar despercebido essas nuances do continente africano.

Outro fato notório é com relação aos livros do 9º ano, onde os mesmos traz pouca
referência sobre a temática do continente africano, ilustrando somente a Independência
da África nos dezessete capítulos o que fica também evidenciado em apenas um e o que
é pior somente a metade desse capítulo é que contempla os conteúdos do continente
africano e em uma mísera folha no capítulo dezesseis menciona o levante popular na
África e no Oriente Médio, oportunidade esta que terá o professor de História de
associar essas realidades com a brasileira, num período de crise que passamos.

Quantos aos livros de História do Ensino Médio é perceptível que o autor traz nos três
volumes questões extremamente importantes sobre a África, que demandam uma
enorme discussão sobre o assunto, quando ele traz a questão da formação política
africana, os africanos no Brasil: dominação e resistência e a Independência da África faz
uma breve referência, na qual cada conteúdo é explorado em um número muito pequeno
de páginas com capítulos extremamente sucintos e o que é pior ainda, que no Ensino
Médio os alunos são contemplados com apenas duas aulas semanais.

Dessa forma, de um modo geral diagnosticamos nos livros Boulos uma eventual
referência da África com temáticas de suma importância e que não eram abordados em
volumes anteriores de outros autores, porém é interessante pensar que ele deixa algumas

513
lacunas e temáticas que deveriam ser trabalhadas e exploradas como por exemplo: os
sujeitos africanos, o cotidiano, a religiosidade de um povo.

Nessa perspectiva, o livro didático não deve ser um fiel escudeiro do professor, onde
nele se apoiam e depende única e exclusivamente de o livro didático para poder
compreender e repassar o conteúdo para os alunos, pois, a importância atribuída ao livro
didático em toda a sociedade faz com que ele acabe determinando conteúdos e
condicionando estratégias de ensino, marcando de forma decisiva o que se ensina e
como se ensina, o que se ensina (LAJOLO, 1996, p. 4).

É nesse sentido, que faz necessário uma tomada de consciência por parte dos
professores, ao planejar suas aulas buscar outros recursos para que os alunos possam ver
o conteúdo de forma diversificada, mas como também possa inserir no ambiente escolar
um debate crítico e coerente do mundo que o cerca.

Ao concluirmos o trabalho de análise do livro didático do autor Alfredo Boulos Júnior,


percebemos sim, uma preocupação na inserção dos conteúdos africanos, este fato pode
estar relacionado as seleções que os livros passam no Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) para ser aprovado e comercializado. Outro fator pode estar
relacionado a aprovação das leis: 10.639/03 e 11.645/08 que promove a obrigatoriedade
do ensino da História Afro brasileira nas instituições escolares. No entanto, mesmo que
de forma muito detalhada e pouco problematizada os conteúdos são dados cabendo aos
professores um bom planejamento para ampliar, reforçar, problematizar esses assuntos.

Referência bibliográfica:

BARROS, José D’Assunção. A escola dos Annales e a crítica ao positivismo e ao


historicismo. In: Revista Territórios e Fronteiras V.3 N.1 – Jan/Jun 2010.

BOULOS, Júnior, Alfredo. História sociedade e cidadania- Edição reformulada,


(Coleção do Ensino Fundamental II e Médio). – 2.ed.- São Paulo: FTD, 2012.

BRASIL. Marcos Legais da Educação Nacional. Brasília, DF: Ministério da


Educação, 2007.

DIRETRIZES Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais e


para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília, DF: MEC,
2004.

FAGE, J. D (1982). “A evolução da historiografia africana”. In J. Ki-Zerbo (org.),


História geral da África: metodologia e pré-História da África. vol. I. São
Paulo/Paris, Ática/ Unesco, pp. 43-59.

LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto,


Brasília, n. 69, v. 16, jan./mar. 1996.

MEGID NETO, J.; FRACALANZA, H. O livro didático de ciências: problemas e


soluções. Ciências e Educação, Bauru – SP, v. 9, n. 2, p. 147-157, 2003
514
SILVA, Maria Aparecida da. Formação de educadores/as para o combate ao
racismo: mais uma tarefa essencial. In: CAVALLEIRO, Eliane (Org). Racismo e
anti-racismo na educação: repensando nossas escolas. São Paulo, Summus, 2001.

SILVÉRIO, Valter Roberto. Síntese da coleção História Geral da África: século XVI
ao século XX/ coordenação de Valter Roberto Silvério e autoria de Maria Corina Rocha
e Muryatan Santana Barbosa.- Brasília: UNESCO, MEC, UFSCar, 2013.

515
RELATO DE EXPERIÊNCIA: O RACISMO
DEBATIDO EM AULAS DE HISTÓRIA
Aline Ferreira Antunes

Este resumo expandido é um relato de experiência docente, que retrata uma atividade
desenvolvida com estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental da rede pública estadual
de Minas Gerais no ano de 2016, procurando atrelar a prática docente de história com as
teorias discutidas ao longo da disciplina de mestrado “Estudos alternativos em História
e Cultura”, vinculada ao Programa de Pós-graduação em História pela Universidade
Federal de Uberlândia (PPGHIS/UFU).

Optou-se por manter o anonimato da escola e também dos/das estudantes envolvido/as


no trabalho realizado, neste sentido, serão abreviados os nomes.

De acordo com os documentos jurídicos (PCN’S – Parâmetros Curriculares Nacionais e


CBC-MG – Currículo Básico Comum) para os 8ºs anos é necessário uma abordagem
em torno do tema “Africanos no Brasil: dominação e resistência” procurando destacar
se havia escravidão na África antes da colonização dos europeus, como se deu a guerra,
escravidão e o tráfico Atlântico, e, a resistência africana já no novo mundo, pensando o
trabalho escravo e o tráfico negreiro, para por fim, chegar à abolição da escravidão.

Diante disto, trabalhou-se o tema II Reinado no Brasil, desde o Golpe da Maioridade


(1840) que marca o início do reinado de D. Pedro II, passando pelas características
políticas de luta entre partidos como o Saquarema e os Luzias, econômicas (expansão
do café, da malha ferroviária), sociais e culturais, para posteriormente, tratar do tema do
processo de abolição da escravidão: as leis (Bill Aberdeen, Saraiva-Cotegipe, do Ventre
Livre, Áurea 1888), a situação dos negros no país à época e a atuação dos grupos que
participaram do processo de abolição, bem como as teorias científicas que sustentaram o
escravismo no país.

Para encerrar o conteúdo foi desenvolvido um trabalho em grupo cujo tema era “A
relação passado presente através de documentos históricos –os negros no/do Brasil”.
Os objetivos do trabalho proposto eram: de ser realizado em equipe, comparar
diferentes culturas e reconhecerem-se como sujeitos históricos a partir da formação do
estado nacional brasileiro no século XIX, por meio de um posicionamento crítico sobre
o sistema escravista, procurando valorizar as formas de resistência (quilombos,
sincretismo religioso), o papel dos africanos e seus descendentes como sujeitos
históricos que imprimiram marcas próprias à cultura brasileira, bem como as situações
diversas de racismo e preconceito presentes no Brasil atual, resultado do escravismo e
das relações étnicas estabelecidas desde o século XVIII/XIX.

Para Sidiney Chalhoub (2012), a escravidão no Brasil do século XIX foi enraizada na
cultura o que a naturalizou e normatizou. Com isto a liberdade se tornou algo duvidoso,
suspeito. Precisou-se construir uma engrenagem para tornar invisível essa ilegalidade da

516
escravidão e, portanto os próprios escravos. Enquanto o Estado era conivente com a
classe senhorial e os tráficos ilegais.

A escravidão produziu uma maneira de distinção racial: negros eram escravos; e


também uma classificação concomitantemente racial, social e econômica. Com ex-
escravos não reconhecidos como livres, não incorporados à sociedade brasileira, há uma
base para as causas do preconceito, ou a distinção pejorativa dos negros no Brasil do
século XX e consequentemente do XXI, pois não foi com o ato político (assinatura da
lei Áurea) que se encerrou uma mentalidade de mais de um século.

A atividade proposta consistia em dividir as turmas em grupos e cada um deles deveria


se empenhar em analisar determinado documento escolhido pela professora, quais
sejam: músicas: Boa esperança (Emicida, 2015), Todo camburão tem um pouco de
navio negreiro (O Rappa, 1994), O Haiti é aqui (Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1993,
disco Tropicália 2) e por último, Negro Drama (Racionais, 2002); o poema Navio
Negreiro (Castro Alves, 1868); o filme Doze anos de escravidão (Steve Mcqueen,
2013) e por fim imagens racistas (fotografias, propagandas e reportagens sobre elas) no
Brasil atual.

As perguntas para cada grupo eram as mesmas, porém com algumas variações para se
adequar ao documento selecionado para análise. Os grupos deveriam abordar: uma
análise do documento histórico escolhido: quem produziu? Quando? Por quê? Para quê?
Qual a crítica social presente no documento? Qual a relação passado-presente que
podemos destacar? O que o grupo pode ter como “lição para a vida” a partir da música e
do clip?

Avaliando o desenvolvimento do trabalho, percebe-se que, em geral os grupos fizeram


apresentações com participação de todos os integrantes, sem direcionamento da
professora, foram criativos e tomaram cuidado de abordarem as questões colocadas nas
orientações.

De maneira ampla e generalista as turmas tiveram resultados quantitativos de 90 a 100%


da nota, no entanto, qualitativamente avaliando os parâmetros são outros. O trabalho
escrito que era para ser feito em grupo foi resultado de uma mescla de ações: discutiram
conjuntamente, tiveram ideias nos grupos, conversaram com a professora, contaram
com orientação, no entanto, por questões de tempo, preferiram montar cada integrante
do grupo uma parte do trabalho e agrupá-las para ser entregue. O resultado foi uma
mescla de ideias jogadas e desconexas e repetitivas, muitos grupos ainda consideram a
wikipedia a melhor fonte de informações e fazem cópias ipsis literis do texto contido no
verbete pesquisado, mesmo que o mesmo não responda à questão feita pela professora.

Por outro lado, houve a participação efetiva de estudantes que raramente fazem suas
atividades em sala de aula ou que participam das discussões da disciplina. Também foi
possível trazer à tona discussões sobre racismo, preconceito enquanto resultados de uma
política racial do século XIX que é o período estudado em questão no 8º ano, e como
isto marca a formação da identidade nacional brasileira; como podemos perceber essas
marcas em situações atuais cotidianas, inclusive dentro da escola ou em outros espaços
sociais que os/as estudantes frequentam.

517
A maior parte dos grupos percebe que a relação entre o passado e o presente através dos
documentos históricos que analisaram é que naquele, os negros eram escravizados e
neste, temos o resultado dessa escravização: preconceitos, ataques diretos, segregação,
violência (moral ou física).

Para o aluno B,

[...] a música traz uma grande crítica social e ao mesmo tempo uma grande lição
de vida para as pessoas que leem a letra e escutam a música: os negros podem
estar livres, mas ainda são vistos como escravos, mostrando uma alta taxa de
racismo e preconceito por essa raça que são só seres humanos como os brancos e
todos os outros. [...] Uma parte da letra me chamou atenção que é a “vá
representar uma ameaça à democratização” mostra exatamente a realidade do país
que é o Brasil, onde a maioria vence a minoria, onde a maioria são os brancos
quase sempre racista e a minoria os negros isolados do governo, sem voz e direito,
onde sempre será a mesma coisa se não mudar.

Já para a estudante AJ,

[o documento] não deu lição de vida nenhuma porque apesar de falar do


passado, na minha opinião nada fez com que eu achasse que foi uma lição.
[...] Agora, para as outras do meu grupo elas acharam que deu uma lição de
vida sim, pelo simples fato deles [os cantores] não aceitar [sic] o racismo e o
preconceito.

Sua redação cobra mais dos cantores, espera mais além da música, da escrita, espera
atitudes, ações, medidas mais objetivas com relação ao racismo e ao preconceito
existentes no país. Esta foi a única redação destoante e também a mais crítica pois, em
sua opinião a música é importante, mas não é o suficiente.

Percebe-se com este trabalho, ser possível utilizar as teorias acadêmicas para enriquecer
o conteúdo, as explicações e as argumentações com os estudantes da educação básica,
sobretudo por se tratar de temas tão delicados, que parecem distante temporalmente,
mas que ao mesmo tempo são atuais. Falar sobre o tema é um primeiro passo para
despertar críticas, análises, indignação das turmas e compreender que a formação da
identidade nacional no século XIX esteve pautada nas questões raciais, de nação e que
geraram consequências até hoje não superadas, tais como o racismo ou a violência
estatística contra negros e jovens no país.

Referências bibliográficas:

BERBEL, Márcia; MARQUESE, Rafael; PARRON, Tâmis. Escravidão e política:


Brasil e Cuba, 1790-1850. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2010.

518
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: lei n. 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 5. ed.
Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: História.


Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 1998.

CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil


Oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Proposta curricular de História:


ensino fundamental. CBC de História.Belo Horizonte, 2015.

519
CULTURA AFRICANA NO BRASIL A PARTIR DA
LEI 10639/03
Amábilis Cristina
Talita Mesquita

No Brasil é aceita a ideia de que somos um país formado por três raças: índios, brancos
e negros. Contudo, quando a história do Brasil é ensinada na escola, o estudante se
depara com fatos que narram apenas a trajetória dos europeus na América. Pouco se
sabe sobre os outros povos que ajudaram a formar a identidade do povo brasileiro.

Impulsionado pela Lei 10.639 de 2003, se tornou obrigatória a presença de conteúdo


relacionado à cultura africana em todas as instituições de ensino, e fixou a permanência
da comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra no calendário escolar.

Importante salientar que a lei 11.645 de 2008 além de incluir o estudo da história e
cultura dos povos indígenas, reforçou ainda mais a história da cultura africana. Assim, a
legislação passou a exigir a inclusão no currículo oficial da rede de ensino, a
obrigatoriedade do estudo de tais culturas.

Necessário se faz o conhecimento desta lei e o aprofundamento nas táticas que podem
ser aplicadas em sala de aula e até mesmo fora dela, para não só o ensino dos
estudantes, mas também no desenvolvimento dos mesmos, enquanto cidadãos.

Na sociedade brasileira é inegável a supervalorização da cultura europeia e


inferiorização das demais culturas, principalmente, as de matrizes africanas.

O eurocentrismo, por muitos anos, predominou e esteve presente no textos clássicos que
fundaram a historiografia moderna no Iluminismo, distorcendo a visão dos europeus
acerca dos demais povos do mundo. Teorias do século XIX, como o evolucionismo e o
positivismo, podem ser considerados casos extremos deste provincialismo europeu,
autodeclarado como universalista.

Esta visão eurocêntrica de mundo condiciona o nascimento disciplinar da História.


Pouco se escreveu e analisou, até o início do século XX, sobre a história de outros
povos e civilizações.

No decorrer do tempo, nos deparamos com diversas historiografias em que


evidenciavam recortes específicos na história. A história tradicional foi rompida a partir
dos anos 1930, com as contribuições da Escola do Annales, que segundo Peter Burke
(1991) se evidenciava em três pontos principais, sendo eles: a interdisciplinaridade, a
perspectiva totalizante e história problematizada.

520
Enquanto expressão da historiografia contemporânea, pós 2ª guerra, a História da África
é resultante de dois fatores – a renovação crítica das Ciências Sociais, em especial, na
historiografia; o crescente relativismo europeu diante de seus próprios valores.

Concomitantemente à historiografia contemporânea, uma nova historiografia surgiu nos


anos 1950 sobre a África, realizada pelos próprios africanos. Trata-se de uma literatura
que fazia eco com as primeiras lutas de libertação nacional na África. Desta forma,
tratava-se de construir uma História que pudesse servir como instrumento de luta
ideológica e política contra o inimigo colonialista.

O ensino da História e cultura afro-brasileira e africana no Brasil, sempre foi propagado


de forma errônea e incompleta. Um dos temas mais abordados era sobre tráfico
negreiro, e os estereótipos bem definidos, abrangendo apenas um foco – o negro
sofredor, a escravidão.

Com a nova lei, em que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e
africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino
médio e com o auxilio da nova historiografia (conforme falado acima), vemos este
cenário mudando um pouco.

A Lei 10.639/03 propõe novas diretrizes curriculares para o estudo da história e cultura
afro-brasileira e africana. Por exemplo, os professores devem ressaltar em sala de aula a
cultura afro-brasileira como constituinte e formadora da sociedade brasileira, na qual os
negros são considerados como sujeitos históricos, valorizando-se, portanto, o
pensamento e as ideias de importantes intelectuais negros brasileiros, a cultura (música,
culinária, dança) e as religiões de matrizes africanas.

Com esta lei, também foi instituído o dia Nacional da Consciência Negra (20 de
novembro). Os livros didáticos (obrigatórios pelo PNLD) já estão quase todos
adaptados com o conteúdo da Lei, mas, como as ferramentas que os professores podem
utilizar em sala de aula são múltiplas, podemos recorrer às iconografias (imagens),
como pinturas, fotografias e produções cinematográficas.

A lei versa sobre importantes perspectivas que devem ser trabalhadas em sala de aula,
tais como, aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a luta dos negros no Brasil, cultura negra e o negro na formação da sociedade
nacional e resgatar as contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes a
história do Brasil.

Entretanto, ao passo deste grande avanço, vemos o ensino ainda caminhando em marcha
lenta. Ainda se faz necessário conhecermos a cultura a fundo para entendermos nossa
própria história. Segundo Nascimento (2008,p.5), “a imagem distorcida da África, ou
sua omissão, nos currículos escolares brasileiros legitima e ajuda a erguer como
verdades noções elaboradas para reforçar o supremacismo branco e a dominação racial.”

A escola por ser este espaço onde há diversidade étnico-racial e cultural, tem a
responsabilidade na propagação confiável, na contribuição e no resgate da valorização
da cultura africana e afro-brasileira, tendo a obrigação de referenciar e tornar visíveis a
diversidade de sujeitos e de culturas que se fazem presentes em seu ambiente. Um viés
521
importantíssimo que deve ser tratado também é o racismo, preconceito e discriminação,
já muito conhecido na sociedade.

A discriminação racial e cultural no Brasil está enraizada em nosso intelecto ha séculos,


posto que tende-se a apreciar a cultura dos países europeus e menosprezar a cultura de
outros povos, como os africanos, os indígenas e os asiáticos, tão importantes para a
formação da nossa identidade cultural. Parte deste preconceito é claramente observado
quando, grande parcela da população tem em mente que no continente africano só existe
negros e que há a predominância da fome, da miséria e de doenças.

Essa visão deve-se a propagação desta imagem negativa transmitida pela televisão,
através de filmes e documentários, que ainda se cercando de uma visão eurocêntrica,
tende a mostrar somente uma parte da verdade.

Infelizmente, ao analisarmos o ensino na sala de aula, vemos a deficiência nessa parte


da história e a falta de preparo dos educadores.

São diversos empecilhos que dificultam colocar em prática a educação das relações
étnicoraciais. Romper com tais obstáculos não é um trabalho fácil, porém, não
impossível.

Isto posto, enfatiza Gomes (2003,p.74), “avançar na construção de práticas educativas


que contemple o uno e o múltiplo significa romper com a ideia de homogeneidade e
unificação que ainda impera no campo educacional”.

Hoje, faz-se necessário a valorização da contribuição africana na formação do provo


brasileiro e em sua identidade. “Conhecer a história do continente africano é buscar
nossas raízes históricas e culturais, já que os africanos e seus descendentes construíram
de forma significativa, nosso país, em termos materiais e culturais” (Amâncio, 2008,
p.39)

Os africanos deixaram suas marcas e contribuíram para nossa formação sociocultural


mais evidentes nas manifestações da cultura material, construções edificadas, fabricação
de objetos como esculturas, artesanato, adornos, instrumentos musicais, ritmos, entre
outros.

Ao apresentarmos a cultura, desmistificando saberes sobre a religião, enfatizando a


riqueza deixada por eles, tornamos visível, a importância de nos orgulharmos de nossas
origens étnico-raciais e culturais.

A não percepção na historiografia e história do seu povo e seus aspectos culturais, os


indivíduos tendem a negar-se perante o outro, principalmente pela ausência da sua
cultura no currículo escolar e nos materiais didáticos.

“A invisibilidade se efetiva quando, dentre um vasto e diverso campo de conhecimento


e significados, são selecionados apenas os conhecimentos de uma determinada cultura,
considerada mais ampla e esses conhecimentos e significados são legitimados como
“tradição”, o “passado significativo”, enquanto os demais são ocultados ou apresentados

522
de forma conveniente, de forma a não gerar conflitos com o saber legitimado” (Silva,
1996, p.121)

Referências

AMÂNCIO, Iris Maria da Costa. África-Brasil-África matrizes, heranças e diálogos


contemporâneos. Editora PucMinas, 2008

GOMES, N. L. Educação e diversidade étnico-cultural. In: RAMOS, M.N; ADÃO,


J.M.; BARROS, G.M.N. (Coords.). Diversidade na educação: reflexões e
experiências. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 2003.

NASCIMENTO, E. L. (Org.). Cultura em Movimento: matrizes africanas e ativismo


negro no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2008.

523
PRECONCEITO RACIAL NO COTIDIANO
ESCOLAR: DESMITIFICAR PARA COMBATER
Ana Carla Matos de Oliveira
Márcia Coêlho Nogueira
Wilverson Rodrigo S. de Melo

Introdução

No Brasil o racismo foi encoberto por muito tempo em virtude de sua homogeneidade
racial, sobre a qual propaga-se o discurso de uma possível situação de equidade entre
negros e brancos. Esse ideário reforça o mito da “democracia racial” e nega as reais
condições sociais as quais os afrodescendentes são submetidos, inclusive constrói
barreiras que dificultam a afirmação de sua identidade.

A diversidade étnica que caracteriza a população brasileira não impede que certos
grupos sejam discriminados socialmente. Os processos da escravidão ainda estão
enraizados em nossa sociedade, fazendo com que a população negra seja marcada pela
exclusão, discriminação, dominação e exploração por grupos que se consideram de uma
etnia superior. Cria-se uma relação de explorados e exploradores.

Práticas educativas que ressaltem a real história do povo africano devem se tornar
corriqueiras na sala de aulas e não somente em eventos comemorativos. Faz-se
necessário desfazer a visão errônea de que os negros são descendentes de escravos, pois
do contrário ocorre uma naturalização da história do negro relacionada somente à
escravidão, ressaltando a superioridade da raça branca.

A metodologia desta produção é de caráter crítico-informativa, com levantamento


bibliográfico através de artigos, periódicos e anais. Estas pesquisas nos possibilitaram
um embasamento teórico para fundamentar reflexões acerca do preconceito racial no
ambiente escolar e vislumbrar práticas assertivas que as escolas deveriam trabalhar para
combater ou amenizar este fenômeno, principalmente no que diz respeito ao
reconhecimento das contribuições que o povo africano proporcionou para o
enriquecimento cultural de nosso país.

As práticas pedagógicas como um elemento formador da identidade de um


indivíduo

As primeiras relações sociais são vivenciadas no convívio familiar, mas é na escola que
as ampliamos em virtude da grande diversidade de grupos que convivem neste espaço,
portanto é de fundamental importância para a construção da identidade de um indivíduo.
“Infelizmente, é também um dos lugares em que o preconceito e a discriminação são

524
também desenvolvidos e alimentados, pois reflete os processos sociais da sociedade em
que o indivíduo está inserido” (FERREIRA; CARMARGO, 2011, p.378).

Diante disso, os educadores se defrontam com o desafio de incorporar de


forma contextualizada e consistentes práticas que promovam o respeito e a
tolerância, num país multicultural e desigual, através da articulação do
processo de ensino-aprendizagem entre as diversas áreas do conhecimento, a
fim de promover o fortalecimento de bases sólidas que constituirão em
mudanças sociais necessárias para uma sociedade mais justa equânime.
(ZEBRAL, 2012, p.5)

As conquistas obtidas pelos afrodescendentes são frutos de reivindicações constantes.


Um exemplo a ser citado foi à promulgação da Lei 10.639/2003 que garantiu a
obrigatoriedade do ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira no sistema
educacional brasileiro. A partir desta lei as escolas devem promover ações que
evidenciem a diversidade étnico-racial em busca de uma mudança de mentalidade e
práticas que anulem qualquer ato preconceituoso, pois a lei em si não garante a
eliminação do preconceito, é preciso atuar na formação do indivíduo.

Uma das grandes dificuldades vivenciadas pelos docentes é a questão de como incluir
este tema em suas aulas de forma interdisciplinar. Diante desta problemática a escola
deve fornecer subsídios a esses profissionais através da formação continuada, pois
discutir tal temática,

[...] requer estratégias pedagógicas, mudança nos discursos, posturas,


formas de tratar as pessoas, reconhecimento dos processos históricos de
resistência negra desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por
seus descendentes na contemporaneidade, desconstrução do mito da
democracia racial e envolvimento de todos na construção de um projeto de
escola, de educação voltada para um trabalho coletivo de articulação entre
os processos educativos escolares, políticas públicas e movimentos sociais.
(ZEBRAL, 2012, p.13)

Ao adentrar uma sala de aula, o professor traz consigo seus valores, portanto durante a
abordagem de qualquer conteúdo, suas falas sempre serão impregnadas de conceitos
pessoais. Então para se discutir o preconceito racial na escola, é preciso fornecer
subsídios teóricos a esses profissionais a fim de promover uma mudança de postura e de
ideias.

O primeiro desafio para uma educação antirracista deve ser iniciado na 1ª etapa da vida
escolar, a Educação Infantil. É nessa fase que a criança inicia a construção de sua
identidade, portanto, se uma criança negra sofre algum tipo de discriminação pode
carregar isso para o resto de sua vida como um trauma, inclusive pode levá-la a negar
suas raízes.

Desta forma, assim como a família, o professor também tem o papel de conhecer a real
história do povo africano, dissociando-o da escravidão, para incentivar a criança negra a
se reconhecer como negro e despertar nela um sentimento de pertencimento à sua
cultura. É preciso ter orgulho de ser negro.
525
Portanto, as salas de aula de Educação Infantil devem ser de fato um
ambiente prazeroso, onde são oferecidos estudos, trabalhados e todos os
tipos de materiais para que, através da observação, comparação,
classificação e reflexão, os estudantes possam descobrir a importância da
cultura, das manifestações artísticas, das crenças, rituais afro-brasileiras,
procurando se apropriar delas, e assim, construir conhecimentos históricos
importantes para a própria luta social já nas séries iniciais, percebe-se que
esta fase da escolaridade é fundamental para se dar início a valorização dos
valores humanos. (DUDA; COSTA, 2010, p.8)

O docente precisa criar um ambiente propício de aprendizagem, para que a criança


aprenda a conviver em grupo e a respeitar a diversidade que a cerca, pois à medida que
conhecemos vamos construindo conceitos e valores que irão nortear nossas ações
perante a sociedade.

É comum nas salas de aulas os docentes cometerem erros ao abordarem a cultura negra,
tais como: contar a história do negro a partir da escravidão, criar estereótipos referente
ao continente africano ligando-o à miséria, animais selvagens e doenças, tratar a questão
do racismo como um fenômeno exclusivo da disciplina História e não como um tema
interdisciplinar.

Essas práticas pedagógicas depreciam a história do povo negro e precisam ser


substituídas por metodologias mais assertivas. É importante abordar a história da África
antes da escravidão, ressaltando suas contribuições para enriquecimento cultural de
nosso país. Além disso, devem-se enfatizar as “personalidades” que contribuíram nas
lutas pelo reconhecimento dos direitos dos negros em busca de uma sociedade mais
justa e acima de tudo reconhecer que o racismo é um fenômeno que ocorre dentro do
ambiente escolar, portanto precisa de ações efetivas para combatê-lo.

Considerações finais

Ao longo da história, os negros sempre lutaram para que o direito de igualdade fosse
posto em prática e com todas as transformações do mundo em virtude da globalização,
certo espaço foi conquistado, porém, ainda vivenciamos cotidianamente ações racistas
nos mais variados ambientes.

Algumas políticas públicas implantadas proporcionaram uma ligeira redução nos


índices de desigualdades sociais, das quais podemos destacar a Secretaria de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial criada pela Medida Provisória n° 111, de 21 de março
de 2003, convertida na Lei nº 10.678 e consequentemente o sistema de cotas raciais para
ingresso nas universidades.

Segundo Ferreira & Camargo, 2011, p. 388, “a educação formal deve enfatizar nossas
raízes e a história do processo de formação do povo brasileiro nos currículos, além de
preparar os professores para poder enfrentar as situações de discriminação, comuns nas
relações entre alunos e professores”.

526
Portanto, manifestações discriminatórias no âmbito do espaço escolar provocam
agressões tanto físico como simbólica e traz como consequência a desvalorização das
características individuais. É fundamental que a escola resgate a autoestima e a
autoconfiança da criança negra através de práticas pedagógicas que visem reafirmar sua
identidade cultural e neguem veementemente a busca por um modelo socialmente ideal,
aceito por todos.

Referências

DUDA, Manoelle N. Fernandes; COSTA, Rita de Cássia F. da. Relações Raciais e


Educação Infantil: um estudo de caso sobre o preconceito na Escola Municipal Dr.
Emerson Tenório. In: EPEAL - Pesquisa em educação: desenvolvimento, ética e
responsabilidade social da UFAL, 5, 2010, Alagoas. Anais eletrônicos Alagoas: UFAL,
2010. Disponível em http://dmd2.webfactional.com/media/anais/RELACOES-
RACIAIS-E-EDUCACAO-INFANTIL-UM-ESTUDO-DE-CASO-SOBRE-O-
PRECONCEITO-NA-ESCOLA- MUNICIPAL -DR.pdf>. Acessado em 05 de janeiro
de 2017.

FERREIRA, Ricardo Frankllin e CAMARGO, Amilton Carlos. As relações cotidianas e


a construção da identidade negra. Psicologia Ciência e Profissão, Brasília/DF, vol. 31,
n.2, 2011, p.374-389.

ZEBRAL, Deliane Fernandes. Rompendo barreiras do preconceito racial no


ambiente escolar. Universidade Federal de Ouro Preto, 2012.

527
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, HISTÓRIA E
EDUCAÇÃO: DESAFIOS E POTENCIAIS NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E DE
EDUCADORES SOCIAIS
Andréa Giordanna Araujo da Silva

Introdução

O trabalho apresenta a trajetória do Curso de Aperfeiçoamento em Educação para as


Relações Etnico-Raciais (ERER), realizado no período de 2013-2014, na modalidade à
distância, pelo Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL),
mediante o convênio com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão, a Coordenadoria Institucional de Educação à Distância – CIED
e a Pro-Reitoria de Extensão/UFAL.

A ação pedagógica teve como sujeitos partícipes professores e profissionais de diversas


instituições sociais e educacionais do estado de Alagoas. O curso permitiu aos
profissionais, graduados ou com formação de nível médio e/ou cursando graduação,
participarem das atividades formativas que, usualmente, são reservadas exclusivamente
aos professores licenciados. A ação de extensão possibilitou a uma parcela significativa
de pessoas que atuam em movimentos sociais e que tem pouco acesso aos cursos
formais, de longa duração, de significativa qualidade teórica e elaborados pela
universidade, expressarem os conhecimentos produzidos e vividos nas práticas de
resistência às várias formas de preconceito e discriminação racial existentes no Brasil.
Foi possível aos protagonistas das instituições e movimentos sociais alagoanos
presentarem as demandas formativas essenciais às escolas e aos movimentos sociais e
que devem ser consideradas nas produções acadêmicas.

A ação de extensão e pesquisa, desenvolvida com professores e profissionais de


instituições sociais, que têm a temática Relações Étnico-raciais como fundamento de
trabalho e atuação política, objetivou analisar as questões históricas, políticas,
econômicas e culturais constitutivas do cenário étnico-racial nacional e subsidiar os
professores e os educadores sociais para discutir e criar novas práticas pedagógicas nas
instituições educacionais e culturais de Alagoas.

Para o desenvolvimento desta reflexão, selecionamos como documentos de análise: os


questionários, inicial e final, respondidos pelos cursistas, nos anos de 2013 e 2014,
respectivamente, os depoimentos coletados durante o desenvolvimento dos encontros
presenciais, com uso de diário de campo, as produções escritas e discussões postadas
pelos cursistas no AVA e os relatórios de tutoria.

528
ERER: passos de uma luta histórica, necessária e permanente

A experiência de extensão e pesquisa foi realiza com a participação de 52 profissionais


atuantes em escolas e instituições sociais e culturais do Estado de Alagoas. A ação
formativa teve como objetivo central qualificar os professores e os educadores sociais
para atender às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004) e foi
desenvolvida com o auxílio de duas ferramentas pedagógicas: 11 encontros presenciais
e a participação nas discussões do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Os
instrumentos pedagógicos serviram para a identificação dos interesses e das
necessidades formativas dos cursistas e para a interpretação e a análise dos
acontecimentos históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais constitutivos da
diversidade étnico-racial do Brasil. Esses recursos também foram utilizados como meios
para identificar os principais problemas relacionados à questão étnico-racial
apresentados pelos sujeitos de múltiplos lugares institucionais, pensar os conteúdos a
serem desenvolvidos nas aulas e provocar discussões dialógicas entre os cursistas.
Ainda, para verificar se as demandas formativas dos cursistas foram atendidas e/ou
ampliadas ao longo do curso, aplicamos dois questionários, um no início e outro no
final do curso, e realizamos o acompanhamento do trabalho dos quatro tutores por meio
da elaboração e análise de relatórios bimestrais.

Por conseguinte, considerando a necessidade de uma abordagem mais aproximada do


cenário étnico-racial alagoano, alguns professores foram convidados a produzir um
conjunto de materiais didáticos, quatro cadernos temáticos (2013): “A ESTÉTICA
CULTURAL AFROBRASILEIRA E SUA DIMENSÃO POLÍTICA, “CAPOEIRA!
QUE JOGO É ESSE?, “TESSITURAS PARA A DANÇA AFRO”, “AS RELIGIÕES
AFRO-BRASILEIRAS ENTRE INTERPRETAÇÕES E SIGNIFICADOS”, para servir
de subsidio teórico aos estudos e a interpretação das questões locais. O estudo teórico,
em associação com os encontros presenciais, possibilitou vivências sociais singulares
aos cursistas:

Ao entrar na cena como protagonista do movimento do ritmo Afro,


sensações nunca antes sentidas foram manifestadas, pois os movimentos
corporais viabilizam a desintoxicação das emoções diante das atribuições
desenvolvidas pedagogicamente que requerem compromisso,
responsabilidade e enfrentamento das idas e vindas territoriais, bem como
da organização pedagógica propriamente dita do Curso de Aperfeiçoamento
em Educação Para as Relações Etnicorraciais. Momentos de pura
aprendizagem interação e conhecimento. (MELO, Relatório de Atividades
Desenvolvidas e Aprendizagens, 2014, p. 9).

Diversas experiências e aprendizagens teórico-práticas foram desenvolvidas ao longo


dos cinco módulos constitutivos do curso: 1) Conceitual EAD e Ferramenta Moodle, 2)
História da África, 3) História e Cultura Afro-Brasileira, 4) Educação e Relações
Étnico-Raciais e 5) Avaliação). Também a produção de um Blog pretendeu criar um
vínculo permanente da universidade com as instituições escolares e culturais que
desenvolvem práticas formativas relacionadas à temática do curso e colaboram para a
preservação e difusão do patrimônio material e imaterial das culturas afrodescendentes e
indígenas. Esses últimos são atores sociais que podem trazer novos e importantes
529
questionamentos sobre a produção dos conhecimentos científicos e escolares,
apresentando, portanto, novos e significativos objetos de pesquisa para cursos de pós-
graduação (especialização, mestrado e doutorado) do Centro de Educação da UFAL.
Por conseguinte, no AVA, por meio das discussões nos fóruns, foi possível captar as
principais problemáticas de caráter étnico-racial que permeiam as relações humanas e
institucionais no cenário alagoano. Nele, assim como no questionário final, os cursistas
descreveram situações vividas e significados e sentidos produzidos como estratégias de
resistência e de transformação das ações de preconceito e de discriminação.
Infelizmente, devido à escassez de recursos financeiros, não nos foi possível atender
algumas das demandas dos cursistas, como a proposta de experienciação de visita
técnica em instituições e comunidades em que a questão do direito a etnia e a
racialidade é objeto de luta cotidiana. Também a manutenção do Blog foi interrompida
em 2015, quando foi decidido que a UFAL não ofereceria mais o curso na modalidade
de ensino a distância e em nível de aperfeiçoamento.

Ao termino do ERER, os cursistas apresentaram relatos das ações desenvolvidas como


resultado de suas aprendizagens: projetos escolares, práticas desenvolvidas em âmbito
comunitário, resultados de pesquisa acadêmica e ou sócio-histórica e cultual. A
multiplicidade de linguagens utilizadas para abordagem das temáticas “História da
África” e “História e Cultura Afro-Brasileira”, nos espaços institucionais e
socioculturais diversos: escolas públicas e privadas e comunidades periféricas,
possibilitou perceber que as questões e os saberes já inventariados sobre a temática
étnico-racial no Brasil, a exemplo da Capoeira, das danças e dos ritmos de matriz ou
influenciados pelas culturas africanas e indígenas e da produção cinematográfica e
literária, podem ser objeto de discussão em qualquer cenário sociocultural. O que falta
são espaços institucionais ininterruptos de formação social e discussão política, pois a
maioria dos exercícios de reflexão partilhada sobre a história e a diversidade étnico-
racial no Brasil se materializa em cursos sazonais e de curta duração.

Desse modo, os encontros presenciais e virtuais caracterizaram-se como espaços


democráticos e dialógicos, promotores da interlocução, da socialização e da produção
de saberes entre pesquisadores-professores atuantes no ensino superior, professores-
pesquisadores da Educação Básica, alunos de graduação e agentes dos movimentos
sociais e de instituições culturais do cenário alagoano. No campo específico da
formação sócio-política:

[...] o ERER trouxe, para a vida de todos aqueles que dele fez parte, a
perspectiva de que é possível descontruir os estigmas introjetados na escola
e na sociedade, por meio de uma árdua luta de cientização do direito a
diferença. Esse aprendizado nos fez recuperar o sentido de nossas origens e
retomar as possibilidades da autoafirmação étnica, se reconhecendo na luta
do movimento negro e indígena do Brasil. (PEREIRA, RELATÓRIO DE
TUTORIA, 2014, p. 11).

530
Referências Bibliográficas

BELO, Rafael Alexandre Belo. A estética cultural afrobrasileira e sua dimensão


política. Livro 1. Maceió: MEC/SISUAB, 2013.

BRASIL. CNE. Parecer nº. 03 de 10 de março de 2004. Dispõe sobre as diretrizes


curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de
história e cultura afrobrasileira e africana. Ministério da Educação. Brasília, julho de
2004.

GOMES, Gustavo Manoel; MELO, Gian Carlo de. As religiões afro-brasileiras entre
interpretações e significados. Livro 4. Maceió: MEC/SISUAB, 2013.

MACHADO , Tatiane Trindade. Relato de experiência tutora à distância. Maceió:


ERER/UFAL, 2014.

MELO, Maria Aparecida Vieira de. Relatório de atividades desenvolvidas e


aprendizagens: tutoria como ferramenta metodológica do curso de aperfeiçoamento em
educação para as relações etnicorraciais. Maceió: ERER/UFAL, 2014.

OLIVEIRA, Nadir Nóbrega. Tessituras para a dança afro. Livro 3. Maceió:


MEC/SISUAB, 2013.

PEREIRA, Jéssika Danielle dos Santos. Relatório de tutoria. Maceió: ERER/UFAL,


2014.

QUEIROZ. Sandra Bomfim de. Capoeira! que jogo é esse?. Livro 2. Maceió:
MEC/SISUAB, 2013.

531
ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA NA TRAMA
DA NARRATIVA HISTÓRICA DOS POVOS
KIRIRI
Ane Luíse Silva Mecenas Santos

Esse trabalho apresenta a proposta de valorizar a experiência histórica do povo Kiriri,


por meio da construção de instrumentos de preservação e divulgação das narrativas
históricas em suporte digital. Isso se torna relevante para o povo, que terá a sua
disposição mais instrumentos que podem ser utilizados nas escolas e na própria
comunidade como alicerce para o fortalecimento de sua identidade cultural, como
também para promover a visibilidade de seu olhar acerca do passado. Com base nas de
impressionantes histórias narradas pelos índios da aldeia de Mirandela, no município
baiano de Ribeira do Pombal. Liderados pelo cacique Cristiano, os Kiriri buscam narrar
o seu passado como estratégia de reafirmação identitária e, certamente, constitui uma
instigante leitura da história na sua perspectiva inversa, como bem salientou Edward
Thompson, “a história vista por baixo”.

Tudo começou em um dia de caça. Nos caminhos do sertão, um índio saiu para o mato,
empunhando seu arco e sua flecha. Ele era um índio Kiriri e naquele tempo, os índios
moravam no lugar distante, chamado “Igreja velha”. Sem encontrar a caça, o índio
andou pelas bandas do riacho da serra, até que viu outro índio acocorado, com as duas
mãos estendidas.

Pensando se tratar de uma caça, o Kiriri atirou-lhe uma flecha, que acertou uma das
mãos. Mas o nativo continuou acocorado, vivo, inabalável. O guerreiro Kiriri então
atirou-lhe outra flecha, que por sua vez acertou a outra mão. Com as duas mãos
ensanguentadas, o índio acocorado revelou-se como o deus Tupã.

Ao perceber que se tratava da presença de Tupã, o índio o levou para a igreja velha,
para que pudesse existir o culto dos demais nativos. Eles então construíram um tenda
para abrigar o deus Tupã e tornar possível o culto. Mas, para surpresa de todos, no dia
seguinte, Tupã não estava na tenda. Todos saíram a sua procura e o encontraram nas
imediações do riacho da serra, onde estava anteriormente. Os kiriri o levaram
novamente para a igreja velha, mas a cena se repetiu durante alguns dias. Diante do
impasse, o povo Kiriri decidiu seguir a vontade de Tupã e mudaram a sua aldeia para as
bandas do riacho.

Um dia, apareceram os jesuítas na aldeia. Eles logo fizeram amizade com os índios e
viram a imagem viva de Tupã. Impressionados, os jesuítas pegaram Tupã vivo e
levaram para o Vaticano, onde está até hoje. No lugar, trouxeram uma imagem de barro,
parecida com Tupã, mas não era viva. Essa é a imagem de Jesus Ressuscitado, deixado
na igreja nova de Sacos dos Morcegos. E Tupã está no Vaticano!

532
Essa é a síntese de uma das impressionantes histórias narradas pelos índios da aldeia de
Mirandela, no município baiano de Ribeira do Pombal. Liderados pelo cacique
Cristiano, os Kiriri buscam narrar o seu passado como estratégia de reafirmação
identitária e, certamente, constitui uma instigante leitura da história na sua perspectiva
inversa, como bem salientou Edward Thompson, “a história vista por baixo”
(THOMPSON, 2001. p.265.).

A memória coletiva do povo coletivo do povo Kiriri registra elementos da conquista e


do cotidiano deles, que não se faz presente na documentação, nas conhecidas narrativas
dos conquistador. Muito menos nos conquistadores do conhecimento que durante os
séculos seguintes continuaram a reforçar a história do povoamento da América
portuguesa com o silênciamento do índio como um sujeito histórico, apenas como um
elemento inserido na mundialização dos tempos modernos. (GRUZINSKI, 2014)

Em algumas passagens das memórias, os Kiriri integram os fatos históricos e a um


discurso temporal é fluído e inconstante, impossibilitando a compreensão dos processo
histórico (POLLAK, 1989, p. 3). Eles justificam, por exemplo, que em decorrência do
“abandono” dos jesuítas muitos seguiram Antônio Conselheiro em busca dos rios de
leite no arraial de Canudos. (COMUNIDADE KIRIRI, 2002, p.6) Integram o século
XVIII e XIX, com uma linearidade temporal, como se o fato de um século anterior fosse
consequência direta do fato do século seguinte, algo muitas vezes incompreendido e não
permitido nas interpretações acadêmicas.

Mas a presença marcante nos discursos é o jesuíta. Evidenciada na própria narrativa do


que para a historiografia consiste na expulsão dos membros da Ordem e para eles reflete
o abandono, a traição. De acordo com os Kiriri, num dia os padres avisaram que iriam
se ausentar, mas que retornariam em breve. E assim partiram os padres. Contundo, pela
noite enquanto os índios estavam reunidos em Canabrava, chegaram um grupo de
brancos que os deram bebidas. Um tempo depois um clarão toma conta das matas no
entorno da aldeia. E o calor intenso se aproxima das casas. Chamas tomaram conta de
tudo e muitos não conseguiram sobreviver. Os poucos que escaparam buscaram abrigo
na aldeia de Saco dos Morcegos. Sem a divisão temporal dos acontecimentos os índios
narram o que não se encontra presente no alvará de elevação das aldeias a vilas que
marca o fim da administração desses espaços pelos padres da Companhia de Jesus.

Os índios do sertão eram conhecidos por sua língua travada e de difícil compreensão e,
especialmente, pela sua barbárie e ausência de disciplina. No crepúsculo do século
XVII, a ação jesuítica se intensificou no sertão da América portuguesa e as cartas
produzidas pelos missionários seguiam refletindo suas preocupações em relação à
efetiva conversão e às expressões de fé e religiosidade dos indígenas. Na segunda
metade do século XVII, foram instaladas a aldeia de Nossa Senhora da Conceição de
Natuba (1666), Santa Tereza dos Quiriris, em Canabrava (1667), Nossa Senhora do
Socorro do Geru (1683) e Ascensão do Saco dos Morcegos (1691) (LEITE, 2004, p.
209). Os jesuítas atuaram nas missões do sertão - entre o Rio Real e o Rio São
Francisco - até a publicação do Alvará de 8 de maio de 1758, que ordenou que o
Ouvidor Miguel de Ares Lobo de Carvalho se encarregasse da elevação dos
aldeamentos à condição de vilas.

533
Essa narrativa histórica se apresenta sob o ângulo inverso da historiografia tradicional: o
Kiriri conta a história do seu modo, com sua perspectiva de tempo e de espaço, dentro
de sua lógica de pensamento. Para a escrita desse trabalho não foi pensando o cotejo
entre a oralidade indígena e os relatos dos escritos. Esses discursos não são fonte para o
presente trabalho, apenas nos evidencia a multiplicidades de histórias acerca da
conquista e do cotidiano das aldeias.

Geralmente, a historiografia brasileira tem propiciado significativas revisões na


interpretação do passado nacional no tocante ao processo de catequese e conversão dos
povos indígenas. Todavia, esse olhar revisionista, apesar de ter superado em grande
medida as leituras enviesadas respaldadas nas dicotomias índio x jesuíta, catequese x
escravidão, aculturação x etnocídio, construindo novos olhares com ênfase para os
encontros de povos e culturas diferentes e na mediação ou tradução cultural, ainda
existe uma problemática lacuna nos estudos elaborados no país: a pouca ou inexistência
de ênfase para o olhar do índio acerca da história.

Essa dissonância interpretativa é corroborada pelo uso de fontes históricas tradicionais,


especialmente os textos escritos produzidos pelo colonizador (membros da Ordem,
representantes do governo lusitano, viajantes e cronistas) e diante da quase inexistência
de documentação produzida pelos povos indígenas do Brasil.

Como pensar em uma metodologia de pesquisa que extrapole o âmbito acadêmico e


atenda, criteriosamente, aos elementos fundantes de uma cultura tão próxima e ao
mesmo tão distante da nossa? Essa questão é de grande relevância para se pensar as
memórias e a construção identitária dos Kiriri, mas de igual modo, é também de grande
complexidade.

Desse modo, a proposta a qual apresentamos tem caráter preliminar, pois se trata de um
olhar gestado no âmbito acadêmico e que necessitará ainda passar pelo crivo dos
pesquisadores bolsistas indígenas, para assim se constituir uma proposta adequada
visualmente e metodologicamente às características inerentes ao povo Kiriri.

Inicialmente, propomos uma pesquisa de cunho respaldado na oralidade. A tradição oral


do povo Kiriri e suas práticas culturais com os fazeres e saberes serão o eixo norteador
da pesquisa. A partir da seleção dos bolsistas entre os índios, realizaremos reuniões para
se pensar nas estratégias de registro de suas narrativas históricas.

Nesse sentido, serão realizadas entrevistas no sentido que valorizem tanto a experiência
social individual dos Kiriri, como também as memórias coletivas e diferentes
apropriações do passado. Todas essas ações deverão ser registradas em fotografias e
vídeos, visando a elaboração do documentário e do catálogo.

Geralmente, a historiografia brasileira tem propiciado significativas revisões na


interpretação do passado nacional no tocante ao processo de catequese e conversão dos
povos indígenas. Todavia, esse olhar revisionista, apesar de ter superado em grande
medida as leituras enviesadas respaldadas nas dicotomias índio x jesuíta, catequese x
escravidão, aculturação x etnocídio, construindo novos olhares com ênfase para os
encontros de povos e culturas diferentes e na mediação ou tradução cultural, ainda

534
existe uma problemática lacunar nos estudos elaborados no país: a pouca ou inexistência
de ênfase para o olhar do índio acerca da história.

Essa dissonância interpretativa é corroborada pelo uso de fontes históricas tradicionais,


especialmente os textos escritos produzidos pelo colonizador (membros da Ordem,
representantes do governo lusitano, viajantes e cronistas) e diante da quase inexistência
de documentação produzida pelos povos indígenas do Brasil. Esse trabalho tem como
cerne reestruturar essa cadeia de pensamento, pois busca construir e ou dar visibilidade
a tradicional narrativa histórica da catequese pelo olhar do índio, valorizando-se as
experiências sociais do povo Kiriri da aldeia de Mirandela.

Esse trabalho se insere no campo da história pública, pois valoriza os atores históricos
Kiriri no processo de construção mnemônica e nas suas habilidades de expressar as
narrativas históricas de seu povo. Com isso, o foco central é permitir a elaboração de
recursos que tenham como cerne a própria lógica de pensamento dos Kiriri, no sentido
de possibilitar o seu uso em instituições educacionais presentes na tribo, bem como no
fortalecimento de vínculos sociais da comunidade.

Referências bibliográficas

ALDEIA, Maria Regina Celestino de. Os índios na História do Brasil. Série História.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.

BARTH, Frederik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Tradução


John Cunha Comerford. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000.

COMUNIDADE KIRIRI. Índios na visão dos índios . Kiriri. Salvador: Governo da


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oficial. Brasília: MEC, 2000.

DANTAS, Mariana Albuquerque. Identidades indígenas no Nordeste. In.:


WITTMANN, Luisa Tombini. Ensino (d)e História Indígena. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2015.

DANTAS, Beatriz Góis. Missão Indígena no Geru. Aracaju: UFS, 1973.

FUNARI, Pedro Paulo; PINÓN, Ana. A temática indígena na escola: subsídios para
professores. São Paulo: Contexto, 2011.

GRUZINSKI, Serge. As quatro partes do mundo. História de uma mundialização. Trad.


Cleonice Paes Barreto Mourão; Consuelo Fortes Santiago. Minas Gerais: Editora
UFMG; São Paulo: Edusp, 2014.

MECENAS, A. L. S. . Doutrina aos meninos da aldeia : práticas de ensino jesuítico na


América portuguesa. Interfaces Científicas - Educação, v. 2, p. 19-25, 2014.

535
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.

POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil


colonial. Bauru: EDUSC, 2003.

THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas, SP:


Editora da UNICAMP, 2001.

536
A LEI 10.639/03 E O ENSINO DE HISTÓRIA NA
EDUCAÇÃO BÁSICA: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES
Antonio Alves Bezerra

O texto discute e problematiza os aspectos legais que fundamenta a obrigatoriedade do


ensino de história e da cultura afro-brasileira nas redes regulares de ensino da educação
básica e do ensino superior.

Assim, apropriamo-nos de alguns referenciais teóricos no sentido de trazermos à luz


reflexões que indiquem como se deu e/ou se dá a implementação do que prevê a
legislação que aborda as questões étnico-raciais e indígenas nas instituições escolares e
as práticas racistas e preconceituosas que têm se nutrido no seio da sociedade por
negligenciar a questão em tela.

Dialoga-se com as orientações norteadas pelo Parecer nº 3/2003 do Conselho Nacional


de Educação (CNE) que determina “a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana”, bem como o que está previsto na Resolução nº 1/2004 e,
em particular, com as questões apresentadas na Lei nº 10.639/03, que busca atender o
que foi previsto pelo Parecer em questão.

Destaque-se a importância de outros documentos oficiais que antecederam a elaboração


da documentação até então explicitada, com destaque para a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDBEN): Lei nº 9394/1996, artigo 26 A, que explicita que “o ensino da
História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para
a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e
europeia”. Assim

O conteúdo programático a que se refere o caput 1º deste artigo incluirá o


estudo de História da África, a cultura dos Africanos, a luta dos negros no
Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinente à História do Brasil (ROSEMBERG, 2003,
p.142).

Face aos (PCNs) para o Ensino de História e seus desdobramentos no currículo escolar,
nota-se que a história deve focar os temas correlacionados aos quatro continentes:
Europa, América, Ásia e África, buscando contextualizar a cultura e as experiências de
lutas do povo africano e dos afrodescendentes. Assim, tem-se a expectativa de que, a
partir de então, os professores da educação básica sejam capazes de perceber a
importância de trabalhar junto aos estudantes da educação básica no sentido de
constituirmos um discurso de valorização da cultura dos afrodescendentes,
inviabilizando qualquer prática de preconceito ou racismo.
537
É urgente a necessidade de se trabalhar com os estudantes temas que viabilize o ensino
do Continente Africano como possibilidade de quebrarmos preconceitos eurocêntricos
até então cristalizados em nossa sociedade, em que se excluiu da história nacional as
contribuições dos povos africanos e indígenas na constituição de nossa formação.
Segundo Oliva (2011, p.185), “o estudo do Continente Africano aparece, quase sempre,
como palco das ações europeias e portuguesa, ou seja, como objeto histórico sem
autonomia”.

Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira deverão ser ministrados no


âmbito de todo o currículo escolar mas, em especial, “nas áreas de Educação Artística,
de Literatura e de História do Brasil” aponta a (LDB, 1996). Mesmo assim, acrescenta-
se que antes de discutirmos os propósitos da Lei nº 10.639/2003 e sua importância para
a sociedade brasileira, é salutar assinalar a presença dos PCNs e compreendermos este
documento como possibilidade de abertura para a inserção do tema “Ensino de História
da África e dos africanos nos currículos escolares”, porém cientes de que tal proposta é
fruto das conquistas sociais dos movimentos negros e não unicamente de uma política
direta do Estado brasileiro.

Pautando-nos pelo Artigo 26 da Lei nº 9394/96, ao determinar que a abordagem dos


conteúdos de história do Brasil nas escolas deve “levar em consideração as
contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro”,
entendida nos termos empregados pela Lei como as “matrizes indígenas, africanas e
europeias”, os PCNs de história destacam os compromissos e as atitudes de sujeitos, de
grupos e de povos na construção e na reconstrução das sociedades, propondo estudos
das questões locais, regionais, nacionais e mundiais, das diferenças e semelhanças entre
culturas...” (BRASIL, PCNs, 1997).

Mattos (2009, p.127) destaca os PCNs de história como um terreno fértil para se
disseminar ações que inviabilizem práticas preconceituosas e racistas no seio da
sociedade. Segundo esta, dada a relevância dos temas transversais nas práticas de ensino
na educação brasileira, com ênfase na “pluralidade cultural”, indica esses espaços como
ferramenta importante na luta de combate à discriminação racial e preconceitos étnicos.

Neto (2010, p.62) destaca que não basta ensinar o que foi a escravidão nas séries da
educação básica, é preciso atribuir sentido para este episódio. O autor explicita que é
preciso que o professor vá além da apresentação das condições históricas sobre o
sistema de escravismo no Brasil, sendo necessário que o docente de história aproxime a
temática à realidade social de seus alunos de hoje. Defende-se a ideia de que, ao
desenvolver no estudante a capacidade de refletir sobre o período histórico em que
houve a escravidão, deve-se proporcionar também a análise sobre a questão racial e a
desigualdade social no Brasil.

Mattos (2009), indica que há necessidade urgente de se redimensionar as questões


teóricas acerca do ensino da História da África. Pois, se antes existia uma tendência de
olhar o negro no Brasil apenas pelo clivo da história econômica, sendo este observado
como mão-de-obra para as lavouras cafeeiras e canavieiras, a proposta da autora, nesse
texto, aponta para outra direção, não mais a de só se observar o negro, mas a África em
sua totalidade, os africanos, a identidade negra do país dentro de um contexto histórico
mais abrangente, ou seja, “o mundo atlântico”.
538
Tomando como referência para essa discussão a Resolução no1 de 17 de junho de 2004
do Conselho Nacional de Educação/CP/DF, artigo 2, incisos 1 e 2, quando estes
abordam a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas
redes regulares de ensino da educação básica nota-se que:

§1º A educação das relações étnico-raciais tem por objetivo a divulgação e


produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que
eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes
de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito
aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da
democracia brasileira [...].

No sentido de fortalecer as práticas de ensino de história, trazendo novas abordagens


para o ensino de História da África e da cultura afro-brasileira em sala de aula, o
Parecer do CNE de no 03/04, que norteia a legislação acima, indica com precisão as
ações educativas que deverão ser desenvolvidas na perspectiva de combatermos o
racismo e as discriminações raciais, não apenas nas salas de aula, mas no seio da
sociedade de um modo geral.

Entende-se que o espaço da sala de aula figura como lócus de possibilidades para se
alcançar as mudanças necessárias para uma educação étnico-racial satisfatória, pois
nesta se observa algumas interfaces dos preconceitos, racismos e desigualdades que
afetam parte da comunidade negra em todo o país, podendo, a partir da formação dos
estudantes e professores sobre essa África silenciada, alcançarmos a redução de parte
das mazelas sociais que minimizam as potencialidades humanas, notadamente, ao
negarmos uma história africana carregada de significados para nossa sociedade, que
apresentava, em 1993, segundo Fernandes (1996, p.157, p.160), “cerca de mais de 44%
da população denominada negro”.

O Parecer do CNE/CP nº 3/2003 determina que, para conduzir suas ações, os sistemas
de ensino, os estabelecimentos educacionais e os professores terão como principal
referência, as bases filosóficas e pedagógicas no que concerne à consciência política e
histórica acerca da diversidade cultural, destacando dentre outras questões, “à igualdade
básica da pessoa humana como sujeito de direito; à compreensão de que a sociedade é
formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem
cultura e história próprias... [...]”. (Parecer CNE no 3/2004).

Quanto às ações educativas de combate ao racismo e à discriminação, o Parecer salienta


que é preciso relacionar, dentre outros itens “a conexão dos objetivos, estratégias de
ensino e atividades com a experiência de vida dos alunos e professores, valorizando
aprendizagens vinculadas às suas relações com pessoas negras, brancas, mestiças [...]”.
(Parecer CNE no 3/2004, pp.504-505).

Concluindo, apesar da complexidade da temática ora apresentada, os documentos


oficiais citados foram bastante lúcidos ao assinalar que se trabalhe “o ensino de história
e cultura afro-brasileira e africana nas salas de aula no sentido de evitarmos distorções
envolvendo a articulação entre passado, presente e futuro no âmbito das experiências,
construções e pensamentos” que marcam a história dos negros na formação da Nação
brasileira.
539
Em face disso, concordo com a obrigatoriedade do ensino de História e cultura africana
e do negro no Brasil, uma vez que não é possível entender a história do nosso país sem
nos determos nas contribuições dos povos africanos. Mas, antes das leis, torna-se
necessário compreender que os professores de todos os níveis de ensino deveriam
selecionar temas que evidenciassem pontos necessários à compreensão da realidade
sociocultural dos estudantes da educação básica e do entorno de sua unidade
educacional, uma vez que a maioria dos estudantes que frequentam as escolas públicas
brasileiras é de origem africana.

Referências

BRASIL. Lei 9.394/2006. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais: temas transversais. Brasília: MEC/SEF,


1998.

______. Parecer CNE/CP 3/2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação


das Relações Ético-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana.

______. CNE/CP - Resolução 1/2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação das Relações Ético-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana. (DOU. Brasília, DF, 22/06/2004, Seção 1, p.11).

______. Lei 10.639/2003. Altera a Lei 9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade
da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira, e dá outras providencias. (DOU.
Brasília, DF, 09/01/2003).

FERNANDES, Ricardo Oriá. O negro na historiografia didática: imagens, identidades e


representações. Textos de História. Brasília, UNB, v. 4, no 2, 1996, pp.154-165.

MATTOS, Hebe M. de. O Ensino de História e a Luta Contra a Discriminação Racial


no Brasil. In: ABREU, M.; SOIHET, R. (Orgs). Ensino de História: conceitos, temáticas
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NETO, José Alves de F. A transversalidade e a Renovação no Ensino de História. In:


KARNAL, Leandro (Org.). História na Sala de Aula. Campinas, SP, Contexto, 2010.

OLIVA, Anderson. O ensino de história da África no mundo transatlântico: a presença


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ROSEMBERG, Fúlvia. Racismo em livros didáticos brasileiros e seu combate: uma


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540
EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: A
LEI Nº 10.639/2003
Antonio José de Souza
Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios

No que se refere às relações étnico-raciais, a história e a educação sempre estiveram


interligadas ao processo de negação e afirmação construídas para e pelos negros. Estes
não fazendo parte do universo letrado não se resignaram com a exclusão que lhes foi
imposta, organizando movimentos de resistência ao longo da história. Os negros
conquistaram o direito ao trabalho livre, ao livre culto de suas religiões, de constituir
família, de viver fora de tutelas. A luta, contudo, assentou-se pelo viés da autoafirmação
e da honra de ser negro/a.

Durante o século XX, o Movimento Negro esteve à frente de significativas empreitadas


que tiveram o propósito de tornar a sociedade brasileira mais justa. Foram várias ações
que desembocaram na fundação, em outubro de 1931, da Frente Negra Brasileira
(FNB), primeiro movimento social de massa, no período pós-abolicionista, que
pretendia combater o racismo no Brasil, promovendo dignidade para a população negra.

Outra experiência relevante, que empreendeu esforços por uma educação de qualidade
para os negros, foi o Teatro Experimental do Negro (TEN), que surgiu em 1944, no Rio
de Janeiro, fundado e dirigido por Abdias do Nascimento. Nesse percurso, despontou,
em 7 de julho de 1978, contrapondo-se à violência racial a qual eram expostos, o
Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU). O MNU e outras
tantas experiências foram importantes para as lutas por uma educação que funcionasse
como instrumento de promoção da dignidade humana, atentos às demandas da
população negra e ao combate às desigualdades sociais e raciais, no decorrer do século
XX.

Nesse momento em que a cultura de direitos se ampliava para uma Cultura de Direitos
Humanos, o Movimento Negro reclamava pela igualdade básica de pessoa humana,
como sujeito de direitos, a partir da compreensão de que a sociedade é formada por
pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, possuidores de cultura e
história próprias, igualmente dignas e que, em conjunto, construíram a nação Brasil. Por
isso merecem a valorização da memória identitária dos seus povos, na composição
histórica e cultural brasileira, superando a desqualificação com que as classes populares
às quais os negros, no geral, pertencem, são comumente tratadas.

Sendo assim, a educação formal estabelecia-se como um marco no panorama das


reivindicações do Movimento Negro, constando na pauta de suas lutas os esforços em
denunciar a carência de diretrizes que objetivassem a formulação de projetos
comprometidos com a valorização da história e cultura dos afro-brasileiros e dos
africanos, como também propusessem o envolvimento com as práticas pedagógicas, a
partir das relações étnico-raciais positivas a que tais conteúdos deveriam encaminhar.
541
Coerentemente com o protagonismo negro no cenário político e em suas estratégias de
promover uma educação antirracista, o Estado brasileiro vem formulando ações, no
sentido de valorizar a cultura dos negros, assinalando um quadro de intenções que visa a
erradicação do racismo e da discriminação.

Por isso, com a publicação da Lei nº 10.639/2003 (BRASIL, 2003), se reconhece a


necessidade de inserir ações afirmativas no currículo oficial da rede de ensino,
estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana na Educação Básica. Assim, deve-se levar em conta que, conforme sinalizam
os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 41) embora tenha sido demasiadamente
ressaltado “o papel de reprodutora de mecanismos de dominação e exclusão, atribuídos
historicamente à escola, cabe lembrar que potencializar suas possibilidades de
resistência [...] depende também, [...] dos educadores”.

Compreendemos que a educação, como um direito que garante acesso a outros direitos,
tem a missão de disseminar a promoção da equidade humana, em resposta à lei que nos
garante a igualdade, repudiando a distinção de qualquer natureza e assegurando a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade –
Art. 5º, do capítulo 1º, dos direitos e deveres individuais e coletivos – Constituição da
República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988). Sendo obrigação do Estado proteger
as manifestações culturais afro-brasileiras e dos demais agrupamentos inseridos no
processo civilizatório nacional – Art. 215, seção II da cultura, inciso primeiro da atual
Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988).

Com relação à Lei nº 10.639/2003, é importante esclarecer que já se passaram mais de


dez anos da sua promulgação, tempo suficiente para se reconhecer que muito vem sendo
desenvolvido e recriado por diversas pessoas, em distintos lugares do Brasil, avançando
no sentido da promoção de reais transformações nas relações sociais em prol da
igualdade racial. Com vistas a tornar as disposições legais prescritas pela referida lei,
foram desenvolvidas ações e experiências inovadoras, efetivadas por professores/as,
gestores/as, estudantes e familiares, comprometidos com a melhoria da qualidade da
educação, e, para tal, foram enfrentadas as inúmeras dificuldades tão presentes no
processo da educação brasileira. Sendo assim, é preciso continuar adotando iniciativas
que visem, em especial, a formação continuada dos/as docentes da educação básica,
para que possam superar os desafios impostos às suas práticas pedagógicas a partir da
Lei 10.639/2003.

De acordo com Paula e Guimarães (2014, p. 437), “essas iniciativas nem sempre são
acompanhadas de uma reflexão acerca das suas implicações potencializadoras de uma
produção de natureza teórico-científica sobre a formação continuada dos professores
com foco nesse tema específico”. Os autores basearam-se em um estudo que objetivava
analisar, em artigos publicados em revistas especializadas na área de educação, como as
questões étnico-raciais apareciam na formação de professores/as. As análises
demonstraram que raramente os estudos relativos ao tema incorporavam, em suas
reflexões, as categorias de raça, etnia, preconceito e discriminação. Desse modo, os
autores evidenciaram que as questões em torno das relações étnico-raciais eram
marginalizadas ou invisibilizadas, na educação, especificamente na formação
continuada dos/as docentes, isso antes da aprovação da Lei federal nº 10.639/2003.

542
Por isso, a formação de professores/as deve ser encarada como uma das principais metas
das políticas públicas governamentais, bem como das ações empreendidas por
instituições de fomento à educação. Afinal, a omissão concernente ao estudo da cultura
afro-brasileira, ganha longevidade quando se instalar também no presente das salas de
aula de professores/as que não conseguem fazer de suas práticas pedagógicas, exímias
oportunidades para o desencadeamento de processos afirmativos das identidades e da
historicidade negada e distorcida do povo negro. Portanto, nós, educadores/as
brasileiros/as, necessitamos contemplar no interior das escolas a discussão acerca das
relações raciais, bem como de nossa diversidade racial.

Definitivamente, ainda é preciso investir maior esforço para que seja possível realizar
um significativo salto, no intuito de minorar o fosso histórico, responsável, entre tantas
coisas, pela ausência de qualidade na educação dos/as negros/as no Brasil, pois, quando
se analisa o povo negro, no campo educacional, sua desvantagem também é destacada, o
que condiciona seu estatuto de cidadania como de “segunda classe”. Esse déficit
educacional entre negros/as e brancos/as nos revela um índice elevado de cidadãos/ãs
negros/as que, na contemporaneidade, têm dificuldades de acesso e permanência na
escola, assumindo o caráter de excluídos/as. Logo, o que pretende a Lei nº 10.639/2003
é devolver o direito dos/as negros/as de se reconhecerem partícipes da cultura nacional,
expressando livremente suas próprias concepções de mundo, e manifestando com
autêntica autonomia seus pensamentos.

Isto é, os/as descendentes de diferentes povos e culturas precisam encontrar na escola


condições de ter suas histórias e identidades reconhecidas e valorizadas. Nesta
perspectiva, a escola deve ser produtora de conhecimentos e divulgadora de atitudes,
posturas e valores, que se proponham a integrar todos e todas, igualmente, respeitando-
se o direito à alteridade e rompendo com uma prática que, muitas vezes, insiste na
negação do “outro” como ser humano. Isso exigirá condições materiais das escolas e
formação adequada dos/as professores/as, portanto, aspectos indispensáveis a uma
educação de qualidade.

Referências

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais –


pluralidade cultural e orientações sexuais. Temas transversais, Brasília, v. 10, p. 1-126,
1997.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Lei 10.639/2003, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9. 394, de 20 de


dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília.

PAULA, B. X. de,; GUIMARÃES, S. 10 anos da lei federal nº 10.639/2003 e a


formação de professores: uma leitura de pesquisas científicas. Educ. Pesqui., São Paulo,
v. 40, n. 2, p. 435-448, abr./jun. 2014.

543
O BRASIL É DELAS: A HISTÓRIA TUPINIQUIM
PELO PRISMA DE SUAS PROTAGONISTAS
Aristides Leo Pardo

Introdução

O texto a seguir relata uma experiência que começou a ser posta em prática no fim do
ano de 2016, com alunos do Ensino Médio, partindo do seguinte questionamento feito
aos mesmos: “Quantas referências femininas vocês tem na História do Brasil?” e a
resposta não saiu do lugar-comum, Princesa Isabel, Anita Garibaldi, Carlota Joaquina,
Zilda Arns, Dilma Roussef, entre poucos outros nomes lembrados, por um ou outro
aluno, porém, pouco se sabia sobre a história dessas mulheres e foi ai que surgiu a ideia
de partir das histórias de mulheres que ajudaram a contar a história de nossa nação para
chegar a assuntos já badalados nos livros escolares, para que assim, essas personagens
importantes, não continuem a ficar no esquecimento (ou desconhecimento?), ou apenas
como mera notas de rodapé, quando na verdade são protagonistas da História.

Questões de gênero e as mulheres na história do Brasil

Não existe um momento sequer na história em que a mulher não estivessem presente e
aos poucos, seus papeis vão sendo revelados pelos historiadores, pois não se trata de
tarefa simples, haja vista que as documentações oficiais, escritas pelas elites e para as
elites, recheada de “heróis”, sobretudo homens, militares ou políticox, geralmente
alinhados ao governo vigente, raramente mencionavam a figura feminina, assim como,
escravos, camponeses, crianças, que quando citados esses agentes sociais, na quase
totalidade dos casos era para ter sua imagem ligada à infidelidade, prostituição, roubos,
entre outras acusações, legando-os sempre ao segundo plano, ou “escondidos” da
história.

Esse fato dos “excluídos” não constarem de maneira efetiva nos documentos oficiais,
como relatórios de governo, documentação do exército, arquivos eclesiásticos, entre
outros, foi chamado pela historiadora norte americana, Joan Scott (1995, p. 38) como “o
problema da invisibilidade”, já que esses agentes sociais eram parte efetiva dos
acontecimentos, mas raramente citados, quando se fazia algum registro do ocorrido,
pois somente a partir da década de 1970, que a história dos excluídos começou a
emergir e revelar sua importância para a reconstrução dos sujeitos históricos, e
completa:

No entanto, os historiadores que buscam no passado testemunhos sobre as


mulheres tem tropeçado uma e outra vez com o fenômeno da invisibilidade
da mulher. As investigações recentes têm mostrado não que as mulheres
fossem inativas ou estivessem ausentes dos acontecimentos históricos, mas

544
que foram sistematicamente omitidas dos registros oficiais. (SCOTT, 1995,
p.38).

Portanto, o resgate de nomes de mulheres importantes para nossa história, muitos deles
completamente desconhecidos do grande público, torna-se uma interessante ferramenta
para o ensino da História do Brasil sob outro prisma, como no caso da princesa
Leopoldina Josefa Carolina Francisca Fernanda Beatriz de Habsburgo­Lorena, primeira
esposa de D. Pedro I, que de maneira interina foi nomeada pelo marido, Regente do
Brasil, durante uma ausência sua, e ao receber notícias que Portugal estava preparando
uma ação contra o Brasil e sem tempo para aguardar o retorno de D. Pedro, usou seus
atributos de chefe de governo, e ao se reunir, com o Conselho de Estado, preparou o
terreno para a declaração da Independência.

Falando em independência do Brasil, não podemos esquecer de Domitla de Castro


Canto e Melo, a Marquesa de Santos, a mais famosa das amantes de D. Pedro I e esposa
de grande cafeicultor paulista, que ajudou a dar o aval dos barões do café, à separação
do Brasil de Portugal. Por falar em amantes, outro nome de destaque é o de Luísa
Margarida de Barros Portugal, a Condessa de Barral, personagem, que Del Priore
(2008) nos traz à luz da história e que com seus ideais abolicionistas, foi uma das
responsáveis pela criação da pequena imperatriz Isabel Cristina Leopoldina, futura
Princesa Isabel, que por três vezes assumiu a regência do império Brasileiro, durante
viagens de seu pai e responsável, anos mais tarde pela assinatura da Lei Áurea, que
findou definitivamente a escravidão no Brasil.

Outro caso interessante é o de Maria Felipa de Oliveira, negra e pobre, que liderou um
grupo de mulheres que combateu tropas portuguesas na Bahia pouco depois da
independência, pois (erroneamente) acreditava que com o Brasil livre da metrópole, a
escravidão teria seu fim rapidamente, o que sabemos, não aconteceu, Maria morreu sem
ver seu país livre do cativeiro, mas deixou seu nome na história, que agora volta à tona.

São tantas as mulheres que podem nos ajudar a contar a história da escravidão no Brasil,
como o nome da escrava baiana, Luíza Mahin, de prática religiosa muçulmana, que
participou da “Revolta dos Malês” (1835) e mãe do poeta e jornalista abolicionista, Luiz
Gama. Luiza teria chegado ao Rio de Janeiro e bem provavelmente vivido na “Pequena
África”, porém, nada mais sabemos de sua vida. Outro nome interessante da história (e
da escravidão) brasileira, é o de Chica da Silva, escrava que conquistou sua liberdade (e
o coração) de uma das pessoas mais importantes do país em sua época, o contratador de
diamantes, João Fernandes de Oliveira, com quem teve 13 filhos no Arraial de Tijuco,
atual cidade de Diamantina, na região das Minas Gerais.

Tereza de Benguela, rainha africana que assume um quilombo em Mato Grosso, após a
queda do companheiro e governava com o auxílio de uma espécie de parlamento, ou
ainda, as “Tias Negras” da “Pequena África”, na região portuária do Rio de Janeiro, da
virada do século XIX para o XX, descendentes diretas de escravos, líderes de um
agrupamento que difundiu práticas como o candomblé, a capoeira e que formaria as
primeiras escolas de samba, são outros nomes para ilustrar a história da escravidão e da
passagem do século XIX para o XX.

545
Ao falar de Tia Ciata e suas companheiras, podemos mostrar também uma modificação
de mentalidade e urbana do Rio de Janeiro, que recebe as reformas de Pereira Passos,
que finda a era dos cortiços e inaugura a favelização no Brasil e a chegada da Revolução
Industrial e da “modernidade” ao Brasil, e com ela, os serviços de transporte, luz
elétrica, gás, entre outros.

No campo militar, Jovita Feitosa, Maria Quitéria, Ana Néri, as combatentes de Canudos
e Contestado, Anita Garibaldi, Dina e as demais Guerrilheiras do Araguaia, que
tombaram sonhando em livrar o Brasil da Ditadura Militar (1964-1985), entre tantas
outras, podem nos ajudar a contar a história do nosso exército, sem o glamour da
história oficial.

Ainda de forma embrionária, mas visivelmente eficaz, tendo em vista o interesse do


alunado que já participaram de aulas utilizando este método, a história das mulheres,
outrora, desconhecidas passa a despertar o interesse para temáticas curriculares do
ensino de História. Seria impossível listar todas as mulheres e as possibilidades do
ensino da história através delas, pois são infinitas temáticas e nomes que devem ser
selecionados pelos professores, pois além dos nomes de vulto nacional, cada localidade
também tem suas “heroínas” particulares para contar a história local e/ou regional,
partindo do micro para o macro e assim construindo cada vez mais uma história
DELAS.

Referências

BENEDITO, Mouzar. Luiz Gama: O libertador e sua mãe libertária, Luiza Mahin. São
Paulo: Expresão Popular, 2006.

DEL PRIORE, Mary. Condessa de Barral: a Paixão do Imperador. Rio de Janeiro:


Objetiva, 2008.

NICHOLSON, Linda. Interpretando o Gênero. In: Estudos Feministas, ano 08. 2º


semestres, 2000.

SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação &


Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 54-73, 1995.

546
ENSINANDO ENTRE TELAS: AS MULHERES NA
HISTÓRIA E SUAS POSSIBILIDADES DE
ABORDAGEM EM SALA DE AULA ATRAVÉS DO
CINEMA
Ary Albuquerque Cavalcanti Junior
Ítalo Nelli Borges

Nos últimos anos, a História vem passando por inúmeras problematizações e


renovações metodológicas no Brasil e no mundo. Em nosso país, ainda que a disciplina
esteja sendo deixada de lado dentro do currículo fundamental e opção de escolha no
médio, tal fato não nos desanima enquanto professores/pesquisadores que se debruçam
sobre o par ensino/história, o qual pretendemos discuti-los nesse breve texto a partir do
cinema e das representações de gênero.

De antemão, é importante ressaltarmos os excelentes estudos apresentados por Circe


Bittencourt, Marcos Napolitano, Kátia Abud, Leandro Brunelo etc, que trouxeram
discussões acerca do saber histórico na sala de aula, nos influenciando diretamente,
sendo nossos principais aportes teóricos. Assim, a utilização da literatura, da televisão,
da música, do cinema dentre outros, passaram a ser observadas de diferentes maneiras e
inovadoras possibilidades de aplicabilidade em sala de aula (BRUNELO, 2016).

No âmbito da historiografia, assim como o ensino, a história passou por um longo e


importante debate na academia entorno da participação e da importância da mulher na
história. Nessa perspectiva, ressaltamos estudos como os de Natalie Zemom Davis e
Michelle Perrot como importantes contribuições não apenas no trato dos acontecidos
históricos, mas na própria construção e criação de mitos em torno da justificativa da
onipresença feminina, sendo considerados por nós como autoras de suma significância
para aqueles que se interessam pela temática. Assim, ao propormos discutir a presença
da mulher na história devemos estar cientes que:

Incorporar a história das mulheres na produção do conhecimento histórico é


um empreendimento relativamente novo e revelador de uma profunda
transformação: está vinculado estreitamente à concepção de que as mulheres
têm uma história e não são apenas destinadas à reprodução, que elas são
agentes históricos e possuem uma historicidade das relações entre os sexos,
relativa às ações cotidianas (LOSANDRO TEDESCHI, 2012, p. 107).

Dessa forma, entendemos que a inserção do filme como ferramenta para análise
histórica, além de sua representação passou a ganhar espaço nos debates acadêmicos,
principalmente contemporâneos, sendo observados por nós como excelente ferramenta
de discussão em sala por parte do professor (CARLA PINSKY, 2006).

547
Nessa conjuntura, ao relacionar obras cinematográficas e a representação da mulher,
podemos perceber o crescimento de produções que passaram a trazer o sexo feminino
como ente ativo. Em 2015, por exemplo, sob a direção de Sara Gravhon e roteiro de Abi
Morgan, além da presença da atriz Merlin Strip foi lançado o filme “As sufragistas”,
que traz uma representação do movimento feminino inglês. Importante ressaltar que esta
obra cinematográfica teve pouquíssimo apelo midiático em comparação a outros títulos,
inviabilizando o conhecimento de seu lançamento por parte de muitas pessoas
(CAVALCANTI JUNIOR & BORGES, 2016). De toda forma, o professor pode utilizar
tal obra, onde possui apenas mulheres como protagonistas, com o intuito de atentar aos
discentes a Inglaterra de outrora, observando as mulheres como ativas no processo de
discussões de direito trabalhista e desconstruindo ações estritamente domésticas.

Vale ressaltar que as discussões de gênero apresentadas por Joan Scott (1990), Judith
Butler (2003), Andréa Gonçalves (2015), Tedeschi & Colling (2015) além das
excelentes reflexões apresentadas por Michel Foucault (1992), são de grande
importância no intuito de dar um norte teórico sobre as discussões de gênero e o “lugar”
da mulher na sociedade. Assim, aqui entendemos gênero não como algo específico à
mulher, como há muito tempo se pensou, mas como aquele conceito que
especificamente "rejeita a validade interpretativa da ideia das esferas separadas e
defende que estudar as mulheres de forma separada perpetua o mito de que uma esfera,
a experiência de um sexo, tem muito pouco ou nada a ver com o outro sexo" (SCOTT,
1995, p. 7). Logo, sua utilização neste breve ensaio reverbera a relação entre os sexos.

Outra possibilidade de utilização em sala de aula no âmbito do Brasil é a obra


cinematográfica Zuzu Angel. Perpassada no período ditatorial brasileiro, a personagem
luta para saber noticias e encontrar o paradeiro do seu filho Stuart Angel Jones
envolvido diretamente com ações contrárias ao Estado. Durante a obra, a imagem da
mulher traz uma representação de forte e aguerrida, contudo, ainda ligada à questão
maternal e as diferenciações e subjetivações que as diminuíam nos debates políticos, e
que o autor traz uma excelente amostra (CAVALCANTI JUNIOR & BORGES, 2016).

Por outro lado, o professor precisa compreender que o cinema é mais que o filme. O
cinema é produto sociocultural advindo da complexidade da sociedade, pois reúne em si
elementos econômicos, artísticos, simbólicos, políticos, etc. Isto faz com que seja
necessária uma abordagem do contexto de produção do filme a ser exibido em sala de
aula; sua corrente estética, bilheteria, crítica, se gerou produtos a serem consumidos a
parte de si como é muito comum em filmes da Disney e franquias de super-heróis, por
exemplo. Toda esta miscelânea dá historicidade a obra fazendo com que o estudante
tenha um olhar mais amplificado em relação a ela.

Outra abordagem, a nosso ver, essencial é o prévio conhecimento da linguagem


cinematográfica por parte do docente. Este tipo de conhecimento contribui fortemente
para a eficácia da atividade uma vez que qualquer análise fílmica competente estará
atenta a elementos da linguagem tais como questões audiovisuais, narrativas e de
estrutura fílmicas. Esta, porém, não é uma abordagem de fácil acesso aos professores de
História visto que não têm em sua formação, via de regra, um currículo voltado para
estes tipos de conhecimento. Isto faz com que incialmente a exibição de filmes em sala
de aula não seja uma atividade cômoda, entretanto, uma vez que o professor conheça
basicamente a linguagem fílmica, estará em um interessante caminho metodológico para
548
usar o filme como recurso pedagógico. Alguns autores que escrevem sobre cinema e
imagem podem ajudar nesta questão como Jacques Aumont (1995), Gerardo Yoel
(2015), Ismail Xavier (2014), Gilles Deleuze (1990). Cada um, a seu modo e com suas
peculiaridades, destinará um modo de pensar às imagens. A pluralidade intelectual deste
tema garantirá ao professor a amplitude necessária de conhecimento sobre como é
composta a imagem fílmica.

Dessa forma e, preferencialmente, utilizando fragmentos fílmicos em decorrência do


comumente insuficiente tempo de aula para exibir o filme inteiro, o docente terá um
leque de possibilidade maior de utilização do cinema em sala de aula. Tendo, como
afirmamos acima, amplitude de conhecimento tanto do cinema como fenômeno
sociocultural quanto da linguagem do filme, a estratégia de trazer o filme para a sala de
aula terá plenas condições de consistir numa atividade profícua para a produção e
análise de conhecimento histórico.

Assim, é preciso que o professor ao realizar uma abordagem temática, como gênero,
utilizando do cinema como principal mediador, fique atento as linguagens que
específicas da cinematografia, além, de um domínio prévio do que se pretende discutir.
Logo, o crescimento metodológico de ensino histórico vem contribuindo de forma
sistemática para o alcance do senso crítico dos estudantes.

Referências

AUMONT, Jacques. et al. A Estética do Filme. São Paulo. Papirus. 1995

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo subversão da identidade. Trad:


Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003

BITTENCOURT, Circe Maria (Org). O saber histórico na sala de aula. 11ª ed. São
Paulo: Contexto, 2008

BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Prefácio, Jacques


Le Goff; Apresentação à edição brasileira, Lilia Moritz Schwarcz; tradução, André
Telles – Rio de Janeiro: Zahar, 2001

COLLING, Ana Maria. Tempos diferentes, discursos iguais: a construção do corpo


feminino na história. Dourados, MS: Ed. UFGD, 2014

CAVALCANTI JUNIOR, Ary Albuquerque. BORGES, Ítalo Nelli. “Quem é essa


mulher?”: a ditadura civil-militar brasileira através do filme Zuzu Angel (2006) –
reflexões de gênero e militância. Revista Hominum. Edição nº 19, Outubro/ 2016.

DELEUZE. Gillies. A Imagem Tempo. São Paulo. Brasiliense. 1990.

GONÇALVES, Andréa. História e gênero. História e Reflexões. Ed. Autentica, Belo


Horizonte, 2015

549
MATOS, Maria Izilda S.de. Por uma história da mulher. Bauru, São Paulo: EDUSC,
2000

PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Trad: Viviane Ribeiro.


Bauru, São Paulo: EDUSC, 2005

SILVA, Juliana. Ensino de história e questões de gênero nos livros didáticos. Anais
eletrônicos do VI encontro estadual de história, ANPUH/BA, 2013

SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana. A emergência da pesquisa da história das mulheres e


das relações de gênero. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, nº 54, p. 281-
300 – 2007

SCOTT, Joan. Gênero; uma categoria útil para análise histórica. Trad. Christine
Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Do original Gender: An useful category of
hystorical analyses. Recife: S.O.S. Corpo, 1991.

PINSKY, Carla (orgs.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006

TEDESCHI, Losandro Antônio. As mulheres e a história: uma introdução teórico


metodológica. Dourados, MS: Ed. UFGD, 2012. p. 107

XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico: opacidade e transparência. 6ª


Edição. São Paulo. Paz e Terra. 2014.

YOEL. Gerardo. (org.) Pensar o Cinema: imagem, ética e filosofia. São Paulo. Cosac
Naify. 2015.

550
ENSINO DE HISTÓRIA-ONDE ESTÁ O NEGRO
NA HISTÓRIA?
Atila Silva Sena Guimarães

Existe uma lacuna histórica que deve ser preenchida referente à participação do negro
na História. No ensino de História e em seus compêndios didáticos pouco se percebe o
protagonismo negro afro-brasileiro perpassando a ideia incoerente de que estes são
passivos como agentes históricos. Em contrapartida ainda se reservas capítulos falando
da escravidão e como esta foi cruel para os negros evidenciando uma suposta
fragilidade e impotência dessa etnia diante das mazelas sofridas. Nas melhores das
hipóteses traz uma abordagem cultural. No que tange ao restante dos conteúdos
selecionados com ênfase em aspectos políticos, econômicos e sociais os afro-brasileiros
são esquecidos ou invisibilizados.

Nesse interim, meu projeto de pesquisa tem como intuito principal dar visibilidades aos
afros brasileiros em distintos momentos históricos fazendo uma releitura das suas
trajetórias de vida enfatizando como estes agiram em determinado contextos históricos.
Além de dar protagonismo ao negro, este tem a intenção de auxiliar na identidade e
empoderamento dos estudantes da escola básicas onde possam encontrar algo ou
alguém que possa servir como representante positivo.

As consequências da escravidão como o racismo e a falta de planejamento para


mobilidade econômica do povo negro nesse país ainda são latentes e são refletidas
principalmente na escola. Logo, torna-se necessário uma abordagem educativa que seja
mais significativa para os estudantes e que parta da realidade deste. Mesmo com o fim
da escravidão negra as dificuldades são sentidas e o ensino de História tem esse papel
de formar cidadão consciente que possam agir no mundo a fim de ratificar ou
transformar sua realidade. Conforme salienta Monteiro:

...aprender História é aprender sobre nós mesmos. É aprender sobre a


diversidade das experiências humanas através dos tempos e nos diferentes
lugares. É aprender que o homem é o conjunto de suas práticas como
sujeito, protagonista, e ao mesmo tempo sujeito à sua circunstância, no fazer
da cultura.( 2005, p. 448)

“É comum ouvir a expressão “a história se repete”, entretanto, observa-se entre os


diferentes historiadores que a história faz parte de um processo, como defende Ricouer
1997, e que por isso os acontecimentos do passado tendem a reaparecer pois eles não
foram resolvidos em sua totalidade e fluem no presente como problemáticas
persistentes. Com isso, emerge a necessidade de perscrutar um ensino de História que
abarque as demandas do presente e que este façam sentido para os alunos. Esta é uma
tendência atual da historiografia e da epistemologia do Ensino de História.

Carmen Anhorn 2010, aponta a necessidade que o professor de História tem em “dar
sentido ao mundo em que vivemos, ou seja, selecionar conteúdos que sejam
551
significativos ao aluno e que a condicionam a processos de ensino-aprendizagem que
levem em conta a ‘realidade dos alunos’”. Ela aponta como solução para isso a ideia
ancorada em Ricouer de pensar uma história em sua totalidade temporal partindo do
presente, conforme especifica quando diz:

a possibilidade de pensar o passado está intimamente relacionada à


possibilidade de pensar o futuro pela mediação do presente. Passado e
presente só podem ser compreendidos na sua plenitude se inseridos numa
extensão temporal que englobe igualmente o futuro, a noção de projeto ou,
como afirma Ricoeur, a noção de “história por fazer” (Ricoeur apud
Anhorn,1997,p.360).

A autora percebe o tempo como algo contínuo ou processual onde o passado sempre
está no presente. Essa noção deve permear a escolha dos conteúdos ou os temas de sua
sequencia didática:

Em relação aos critérios de seleção, a reelaboração didática da estrutura


temporal do conhecimento histórico, a perspectiva aqui privilegiada exigiria
que fossem formuladas questões que levassem em conta as demandas de
cada presente onde essa história estivesse sendo ensinada, bem como as suas
condições de produção. (Anhorn,2010,p.205)

Outra contribuição da autora foi a trazer a ideia defendida por Ricoeur de que o passado
não está morto e acabado ele pode ser revisitado trazendo novas perspectivas novas
possibilidades de releituras. “É preciso reabrir o passado, nele reviver potencialidades
não realizadas, contrárias ou até massacradas” (1997, p.372). Isso é importante para o
meu trabalho de pesquisa, pois historicamente o negro sempre esteve alijado como
protagonista históricos.

Vários autores defendem a ideia do pressentimos de trabalhar a História partindo das


demandas do presente como Koselleck e Hartog e Rüsen. Destaco o que diz Rüsen,
quando fala sobre a Educação Histórica como método de ensino de historia e o objetivo
a ser alcançado dentro desta perspectiva que ele designa como praxis:

“Quero tratar da ‘práxis’ como função específica e exclusiva do saber


histórico da vida humana. Isso se dá quando, em sua vida em sociedade, os
sujeitos têm de se orientar historicamente têm que formar sua identidade
para viver – melhor: para poder agir intencionalmente. Orientação histórica
para dentro (identidade) e para fora (práxis) – afinal é esse o interesse de
qualquer pensamento histórico”. (RÜSEN, 2007, p. 87).

Esse projeto traz a possibilidade de trabalhar com diferentes temporalidades e sujeitos


históricos resinificando suas trajetórias de vida de acordo com a necessidade do
presente. Nesse aspecto Hartog faz essa proposta de a articulação de diferentes
temporalidades:

“Eu entendo por regimes de historicidade os diferentes modos de articulação


das categorias de presente, passado e do futuro. Conforme a ênfase seja
colocada sobre o passado, o futuro ou o presente, a ordem do tempo, com
552
efeito, não é a mesma. O regime de historicidade não é uma realidade
acabada, mas um instrumento heurístico".(2007,p.16)

Keith Jenkins em seu livro a História repensada, 2001, nos traz importante contribuição
teórica ao dirimir sobre o papel da história no construto das identidades. Importante para
o afro brasileiro colocar em cena a imagem de um negro empoderado para minimizar
essa identidade forjada de subalternidade na história. Enfim, o negro está onde ele
deseja estar e o ensino de história deve contribuir para isso traçando novas estratégias
pedagógicas.

Referências

HATORG, François. Tempos do Mundo, História, Escrita da História. In:


GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. (Org.) Estudos sobre a Escrita da História. Rio de
Janeiro: 7 Letras, 2007. p.16.

JENKINS, Keith. A História repensada. Tradução de Mario Vilela. Revisão Técnica de


Margareth Rago. São Paulo, Contexto, 2001.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos


históricos. Tradução de Wilma Patrícia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro,
Contraponto/Ed. PUC-Rio, 2006. (Capítulo 2: Historia Magistra Vitae: sobre a
dissolução do topos na história moderna em movimento).

MONTEIRO, Ana Maria F. C. Ensino de História e história cultural: diálogos


possíveis. In: Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino
de história. Organizadoras Rachel Soihet, Maria Fernand B. Bicalho e Maria de Fátima
S. Gouvêa. Rio de Janeiro, Mauad 2005.

RÜSEN, Jörn. História viva: teoria da história: formas e funções do conhecimento


histórico. Tradução de Estevão de Rezende Martins. Brasília, editora da UnB, 2007.

553
O ENSINO DE HISTÓRIA, A LEI 10.639/2003 E
AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS:
ANÁLISE DO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO
DA HISTÓRIA DA ÁFRICA NO CURRÍCULO DE
HISTÓRIA
Bruno Sergio Scarpa Monteiro Guedes

Este artigo visa abordar as consequências e o impacto da implantação da lei


10.639/2003 – lei a qual torna obrigatório o estudo sobre a cultura e história afro-
brasileira e africana, nas instituições públicas e privadas de ensino – e sua contribuição
para as questões étnico-raciais e para o ensino de História.

Portanto, o esforço será de analisar a lei 10.639/2003, dando ênfase à questão da


discriminação racial na escola e à possibilidade da valorização da cultura africana no
ensino de História, após a implantação da referida lei. Para isso, direcionarei os olhares
para os relatos dos professores de História da instituição de ensino pesquisada, no
período de 2014-2016, e que as entrevistas concedidas contribuam para elucidar nossas
dúvidas e indagações sobre a implementação da lei 10.639/2003 neste espaço social.

O Conselho Nacional da Educação (CNE), visando à propagação em nível nacional de


um documento que orientasse os sistemas de ensino e que proporcionassem aos
educadores um arcabouço para a construção de um currículo que procure a promoção de
um ensino de qualidade e de responsabilidade social, institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) e organiza os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino
Médio (Brasil, 1999).

O sentido adotado neste Parecer para diretrizes está formulado na Resolução


CNE/CEB nº 2/98, que as delimita como conjunto de definições doutrinárias
sobre princípios, fundamentos e procedimentos na Educação Básica (…)
que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino, na organização,
na articulação, no desenvolvimento e na avaliação de suas propostas
pedagógicas. (Diretrizes Curriculares Nacionais, 2013, p.7)

Essa reformulação do ensino nacional é fruto de uma política educacional baseada nos
princípios da Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional (LDB), promulgada em
1996, instituindo que a educação precisa acompanhar as mudanças e transformações
sociais, econômicas e culturais ocasionadas pelo progresso da sociedade.

A questão desafiadora das DCN incide na reavaliação de suas orientações


periodicamente, para abarcar as transformações ocorridas em curso de nossa sociedade.
Essas modificações e observações realizadas ao longo do tempo serão necessárias para

554
uma educação de qualidade a todos, permitindo acesso e permanência aos educandos
durante sua trajetória escolar.

O debate sobre a atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais para o


Ensino Médio deve, portanto, considerar importantes temáticas, como o
financiamento e a qualidade da Educação Básica, a formação e o perfil dos
docentes para o Ensino Médio e a relação com a Educação Profissional, de
forma a reconhecer diferentes caminhos de atendimento aos variados
anseios das “juventudes” e da sociedade. (Diretrizes Curriculares Nacionais,
2013, p.147)

Abordando especificamente o item 2.1 (educação com qualidade social), explicitamente


citado nas DCN, verifica-se a preocupação em relação à superação de possíveis
desigualdades e injustiças disseminadas no seio da sociedade e alastradas para dentro
das escolas. E para essa superação e na consequente tentativa de reorganizar a qualidade
do sistema educacional, preconiza-se uma reformulação pedagógica visando abarcar a
multiplicidade de contextos vivenciados pelos alunos no âmbito de nossa sociedade.
Portanto:

Outro conceito de qualidade passa, entretanto, a ser gestado por movimentos


de renovação pedagógica, movimentos sociais, de profissionais e por grupos
políticos: o da qualidade social da educação. Ela está associada às
mobilizações pelo direito à educação, à exigência de participação e de
democratização e comprometida com a superação das desigualdades e
injustiças... Para além da eficácia e da eficiência, advoga que a educação de
qualidade, como um direito fundamental, deve ser antes de tudo relevante,
pertinente e equitativa. A relevância reporta-se à promoção de
aprendizagens significativas do ponto de vista das exigências sociais e de
desenvolvimento pessoal. A pertinência refere-se à possibilidade de atender
às necessidades e às características dos estudantes de diversos contextos
sociais e culturais e com diferentes capacidades e interesses. (Diretrizes
Curriculares Nacionais, 2013, p. 151).

Ao tratarmos da reformulação pedagógica prevista pelas Diretrizes Curriculares


Nacionais e referindo-se explicitamente ao papel do educador em sala de aula,
inevitavelmente nos confrontaremos com situações desafiadoras e inquietantes no
desempenho de nossas respectivas funções. Quando me refiro a “situações
desafiadoras”, retomo a questão das relações étnico-raciais no âmbito escolar e de suas
conduções e problematizações perante aos educandos.

As DCN, na tentativa de auxiliar as ações dos educadores no ambiente escolar,


recomendam, em suas orientações aos docentes, uma formação que vá além de suas
respectivas trajetórias acadêmicas. Observa-se a emergência dos professores em saber
lidar com as relações étnico-raciais e em conduzir as aulas com reflexões e
direcionamento adequado sempre que a temática for abordada. Para tanto, verifica-se:

“... há necessidade, como já vimos, de professores qualificados para o


ensino das diferentes áreas de conhecimentos e, além disso, sensíveis e
capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes
555
pertencimento étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de
posturas, atitudes, palavras preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir
e investir para que os professores, além de sólida formação na área
específica de atuação, recebam formação que os capacite não só a
compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnico-
racial, mas a lidar positivamente com elas e sobretudo criar estratégias
pedagógicas que possam auxiliar a reeducá-las.” (Diretrizes Curriculares
Nacionais, 2013,p.502)

Segundo as DCN, faz-se necessária uma série de procedimentos acadêmicos e


pedagógicos direcionados aos professores, com vistas a auxiliar e conduzir os mesmos a
desenvolverem com plenitude o exercício do ensinar/educar. Essa formação necessária
exigida contemplará as modificações oriundas dos documentos legais da educação que
agora propiciam a formação integral do educando, abrangendo as esferas sociais,
políticas e culturais. Sendo assim, exige-se dos docentes:

I – sólida formação teórica nos conteúdos específicos a serem ensinados na


Educação Básica, bem como nos conteúdos especificamente pedagógicos;

II – ampla formação cultural;

III – atividade docente como foco formativo;

IV – contato com realidade escolar desde o início até o final do curso,


integrando a teoria à prática pedagógica;

V – pesquisa como princípio formativo;

VI – domínio das novas tecnologias de comunicação e da informação e


capacidade para integrá-las à prática do magistério;

VII – análise dos temas atuais da sociedade, da cultura e da economia;

VIII – inclusão das questões de gênero e da etnia nos programas de


formação;

IX – trabalho coletivo interdisciplinar;

X – vivência, durante o curso, de formas de gestão democrática do ensino;

XI – desenvolvimento do compromisso social e político do magistério;

XII – conhecimento e aplicação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos


níveis e modalidades da Educação Básica. (Diretrizes Curriculares
Nacionais, 2013, p.172)

Não podemos ignorar ou negar o mal estar vivido pelos negros diante dos brancos.
Invariavelmente, boa parte deste desconforto é motivada por reproduções e
interpretações intencionalmente distorcidas da história de vida da comunidade negra.
Estigmatizam sua cultura, sua cor, seus costumes e religião, enfim, excluem dos padrões
556
aceitáveis de uma sociedade dita civilizada suas origens e peculiaridades.
Constantemente, o discurso pronunciado parte da comunidade branca hegemônica e, à
medida em que a sociedade assimila tais discursos como verdades irrefutáveis,
principalmente pela produção de materiais pedagógicos excludentes e do trabalho de
divulgação por intermédio dos meios de comunicação social, criam-se graus de
hierarquização entre as comunidades envolvidas no processo de socialização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais


e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, Brasília, MEC, 2004.

______. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica / Ministério da


Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral,
2013.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, 20 de novembro


de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, 1996.

______. Lei nº10.639. Inclui a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-


Brasileira” no currículo oficial da rede de ensino. Diário Oficial da União, Brasília,
2003.

BRASIL, Conselho Nacional de Educação (CNE). Parecer 03/2004 de 10 de marco do


Conselho Pleno do CNE. Brasília: MEC/SEPPIR, 2004.

FREYRE, Gilberto (1992). Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro, Record.

GOMES, Nilma Lino. Educação e relações raciais: discutindo algumas estratégias


de atuação. In: MUNANGA, Kabengele (Org.) Superando o racismo na escola.
Brasília: MEC, 2005.

GOMES, Nilma Lino. Relações ético-raciais, educação e descolonização dos


currículos. Currículo sem fronteiras, v.12, 2012.

LIMA, Mônica. Revista do Programa de Educação sobre o negro na sociedade


brasileira. História da África: Temas e questões para a sala de aula. Cadernos
Penesb, Rio de Janeiro, volume 7, 2006.

MUNANGA, Kabengele (org) Superando o racismo na escola. Brasília:


MEC/SECAD, 2005.

VALENTE, A. L. E. F. Ser negro no Brasil hoje. SP: Ed. Moderna, 1994.

557
CONSCIÊNCIA DE SI, CONSCIÊNCIA DO OUTRO:
A HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS NA
FORMAÇÃO DOCENTE
Cláudia Cristina do Lago Borges
Vânia Cristina da Silva

A História do Brasil, tal como a conhecemos, começou a ser oficialmente “escrita” em


1838, quando o então imperador D. Pedro II criou o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB). Formado por uma elite intelectual, o objetivo do Instituto era de
construir a história e a identidade de uma nação ora crescente. Como produção
documental ao referir-se aos povos indígenas, os textos sobre a História do Brasil
tratavam

[...] de uma ‘técnica’ na qual as fontes sobre os índios eram recolhidas das
crônicas do período colonial, dos relatos de viajantes, dos antigos
documentos acerca das aldeias e dos mais recentes relatórios de presidente
de província e de dirigentes de aldeias. (KODOMA, 2009, p. 15).

Assim, a representação que se tinha dos índios partia da visão do outro, ou seja, dos
colonos e dos viajantes europeus que viam essa terra e sua gente dentro de uma
perspectiva da excentricidade, do paganismo e da barbárie.

Outros trabalhos apresentados pelo Instituto seguiram a mesma lógica, mas foi a obra de
Francisco Adolfo Varnhagen, publicada entre 1854 e 1857 que norteou a percepção
sobre os povos indígenas. Entre os raros discursos sobre a legitimidade dos índios como
verdadeiros donos das terras e origem da sociedade brasileira realizados já nesta época,
Varnhagen destrói esse pensamento afirmando que esses são poderiam ser considerados
como cidadão, pois não tinham capacidades de adequarem aos padrões sociais, e nem
poderiam ser os legítimos donos das terras, pois não permaneciam nela
(VARNHAGEN, 1850).

O discurso de Varnhagen, bem como de outros historiadores e literatos, será


representado como norteador para a produção dos manuais didáticos entre os séculos
XIX e XX. Na melhor medida, a literatura apresentará a figura do índio como um herói
romantizado ou como aparato do folclore brasileiro.

Ao longo do século XX, os trabalhos acadêmicos no campo das ciências humanas


divulgaram inúmeras pesquisas sobre os povos indígenas, mas, o que vemos nos livros
didáticos e nos meios de comunicação é a quase total ausência dos povos indígenas no
cotidiano das populações, ou, quando apresentados, surgem como elementos
coadjuvantes, viventes de áreas ermas, ou sob a personificação de agentes malfeitores
da ordem social, que interrompem rodovias e atrapalham a vida da população
trabalhadora (ALMEIDA, 2003. REBELO, 2010).
558
O que cabe então nesse contexto é a pergunta: por que não falamos dos povos
indígenas? Segundo Giovani Silva (2015), a construção de estereótipos sobre os
indígenas esta pautada na cristalização da imagem destes povos no passado, como se,
depois do período colonial, os índios fossem totalmente extintos. Observando os livros
didáticos, podemos relacionar que o processo de construção da imagem do índio é,
ainda, um reflexo do modelo criado pelo IHGB no século XIX.

Nesse processo, o que temos ao longo dos anos são os “esquecimentos” e prerrogativa
de que os povos indígenas são elementos de um passado distante da História do Brasil.
Com isso, tanto as escolas, os livros didáticos e os cursos de formação docente
mantiveram essa lógica, relegando o índio apenas ao enfoque folclórico, e, portanto,
parafraseando Giovani Silva (2015, p. 23), “prestando um desserviço à educação de
crianças, adolescentes e jovens”.

Segundo Aldo Rebelo (2010, p. 39), “O índio que resplandece no imaginário nacional é,
naturalmente, um ser genérico, como no estereótipo que distingue qualquer aglomerado
humano, sobretudo as nacionalidades”. Assim não é difícil relacionar quais
representações temos dos povos indígenas ao vermos os telejornais, os romances
novelescos ou as produções cinematográficas.

Como tentativa de minimizar os efeitos históricos quanto ao desconhecimento sobre os


povos indígenas, em 2008 foi promulgada a Lei 11.645, que determinou a inclusão da
história e culturas afro-brasileiras e indígenas nos currículos escolares da Educação
Básica. Apesar do avanço, na prática parece haver pouca mudança na concepção dos
conceitos e percepções atribuídas aos povos indígenas.

Em outubro de 2015, o Ministério da Educação disponibilizou em caráter público para


consulta e sugestões a proposta de implantação da Base Nacional Curricular Comum
(BNCC), cujo documento tem por objetivo implementar uma nova estrutura curricular
para o ensino básico. No que se refere ao componente de História, percebe-se uma
grande mudança quanto a proposta de conteúdos, cujo eixo principal é a saída do foco
eurocêntrico para voltar-se mais para o estudo das populações indígenas e africanas.

O processo seguinte à implantação da BNCC, serão as mudanças nos cursos de


formação docentes, já apontadas pelo Parecer n. 02/2015 do Conselho Nacional de
Educação, que, dentre outras medidas, aumenta a carga horária dos cursos de
licenciatura e sugere uma adequação curricular em consonância com a BNCC. Nessa
conjuntura, o que temos adiante é a necessidade de uma implementação curricular mais
reflexiva e dinâmica nos cursos de formação docente, em que o aluno seja
familiarizado, entre outras coisas, com o uso de novas tecnologias e metodologias,
como também nas questões de conteúdo, cujas abordagens historiográficas e teóricas
deverão fazer parte do cotidiano da sala de aula.

O que nos cabe, enquanto espaço acadêmico de estudo, pesquisa e ações educacionais, é
a promoção de diálogos e reflexões que busquem soluções que minimizem os efeitos e
concepções históricas que edificaram os conceitos que a sociedade atual tem dos povos
indígenas e que os povos indígenas perderam de si próprio.

559
Referências

ALMEIDA, Maria R. C. “Identidades étnicas e culturais: novas perspectivas para a


história Indígena. Abreu, Martha; Soihet, Raquel. Ensino de História, Rio de Janeiro:
Casa das Palavras, 2003, pp. 27-38.

CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org) História dos Índios no Brasil. São Paulo:
Fapesp/Cia das Letras, 1992.

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (org.). Índios no Brasil. São Paulo: Global Editora,
2005.

KODOMA, Kaori. Os índios no Império do Brasil. A etnografia do IHGB entre as


décadas de 1840 e 1860. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; São Paulo: Edusp, 2009.

REBELO, Aldo. “O índio no imaginário nacional”. Raposa-Serra do Sol: o índio e a


questão nacional. Brasilia: Thesaurus, 2010.

SILVA, Edson. Povos indígenas: história, culturas e o ensino a partir da lei 11.645. In:
Revista Historien UPE/Petrolina, v. 7, p. 39-49, 2012.

SILVA, Giovani José da. Ensino de História Indígena. WITTMANN, Luisa Tombini
(org.). Ensino de História Indígena. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Quem são os donos da terra? [1850]. In.
ALMEIDA, Manuel Antônio. Obra Dispersa. Introdução, seleção e notas. Rio de
Janeiro: Graphia, 1991.

560
INSERÇÃO E PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES
NA HISTÓRIA: COMO O PROFESSOR
TRABALHA A QUESTÃO?
Daniel Rodrigues de Lima

O objetivo que se pretende alcança nesta pesquisa é: Identificar como os professores


trabalham em sala de aula a inserção e participação do feminino no componente
curricular de História.

História das mulheres e relações de gênero: fundamentação teórica e


representação do feminino no processo histórico

Entre as obras que são de grande relevância em nossa fundamentação teórica temos o
artigo “História e relações de gênero” de Cristiane Manique Barreto, onde a autora
busca de forma sintética conceituar a categoria de gênero enquanto análise histórica.
Pois de acordo com a autora temos a seguinte conceituação sobre gênero:

Quando falo em gênero, estou falando de relações. Não de mulheres, nem de


homens, mas de como historicamente e socialmente foram construídas as
relações entre homens e mulheres. Portanto, a categoria de análise-gênero-
remete a cultura e não ao biológico. (BARRETO, 2009, p.146)

Sendo assim, ser homem ou mulher é uma construção social e cultural, e a partir disto
uma relação de poder que envolve a sexualidade como construção social e cultural com
seus ritos, linguagens, representações e símbolos.

A autora Rachel Soihet em seu artigo “História das Mulheres” salienta ainda que não
devemos trabalhar com a história da mulher, mas com história das mulheres, pois estas
possuem as mais variadas diferenças, de classe, religião, étnica e entre outras, onde se
busca entender que: “[...] as mulheres são alçadas à condição de objeto e sujeito da
história” (SOIHET, 1997, p. 399).

O artigo “História das Mulheres: As Vozes do Silêncio” de Mary Del Priore é outro
ensaio historiográfico de extrema importância na compreensão e entendimento da
abordagem História das mulheres e relações de gênero, em que segundo a autora:

[...] Sua função maior deve ser a de enfocá-las através da submissão, da


negociação, das tensões e contradições que se estabeleceram, em diferentes
épocas, entre elas e seu tempo; entre elas e a sociedade nas quais estavam
inseridas. [...] Mas história da qual não estejam ausentes os pequenos gestos,
as práticas miúdas e repetitivas do cotidiano, as furtivas formas de
consentimento e interiorização das pressões, simbólicas ou concretas,
exercidas contra as mulheres. (PRIORE, 1998, p. 235)

561
Diante do exposto pela autora entendemos que a história das mulheres deve privilegiar
não a mulher singular, mas as diversas mulheres enfocando seus processos de viver em
sua prática social que produzem as formas de submissão, da negociação, das tensões e
contradições existentes em seu universo social, onde devemos observar e compreender
os pequenos gestos e suas práticas miúdas mais íntimas no viver cotidiano, e com isso,
fazê-las existir, falar, viver e ser.

Como o professor em sua ação didático pedagógica trata a participação e inserção


do feminino na história em suas aulas

Em nosso questionário as perguntas cinco, seis, sete e oito tratam de questões


relacionadas à história das mulheres e relações de gêneros, desenvolveremos as
discussões com as respostas que obtivemos e descreveremos.

Na pergunta número cinco de nosso questionário perguntamos aos professores o


seguinte: o livro didático utilizado nas aulas de história, visualiza sim ou não as
mulheres como sujeitos ativos no processo histórico?, obtivemos as seguintes respostas:

Professor 1- Não. E praticamente pouco cita as mulheres e suas


participações nos processos históricos aos quais estão vinculadas na sua
vivencia em sociedade.

Professora 2- O livro didático tenta quando possível mostrar mulheres


atuantes no processo histórico.

O que fica claro é que as produções dos livros didáticos são totalmente comprometidas
com a história oficial, que privilegia os grandes heróis nacionais, marginalizando os
demais segmentos sociais, entre os quais as mulheres.

Na sexta pergunta questionamos: o que você entende acerca da história das mulheres e
das relações de gênero?, e as respostas que nos foram fornecidas têm-se:

Professor 1- Apesar de não ser voltado para as questões de gênero, acredito


que as mulheres devem ser mostradas sim, enquanto sujeitos que produzem
e vivenciam a história, pois é nas relações entre homens e mulheres que a
história é produzida, onde um exemplo clássico é a Revolução Francesa em
que as mulheres saem às ruas em defesa da comuna, [...].

Professora 2- Com a ascensão das mulheres em vários aspectos da


sociedade. Acredito que já não mais existe essa divisão de gêneros. Em
nossa sociedade já não cabe esse tipo de discriminação.

Os dois professores vão de acordo com os teóricos que estudamos, pois acreditam em
uma história das mulheres e ralações de gênero que busca uma forma de acabar com
todos os tipos de estereótipos e preconceitos e alçar as mulheres à condição de sujeitos e
objetos da História. Onde sobre essa questão corrobora com as afirmações dos
professores as análises de Rachel Soihet, que propõe:

562
A escassez de vestígios acerca do passado das mulheres, produzidos por elas
próprias, constitui-se num dos grandes problemas enfrentados pelos
historiadores. [...] Daí a maior ênfase na realização de análise visando a
captar o imaginário sobre as mulheres, as normas que lhes são prescritas e
até a apreensão de cenas do seu cotidiano, embora à luz da visão masculina.
Nos arquivos públicos sua presença é reduzida [...]. (1997, p. 428)

Como pergunta de número sete temos: os alunos conseguem visualizar a invisibilidade


do feminino na história que é contada pelo livro didático?, as respostas que obtivemos:

Professor 1- Não. Pelo menos em minha experiência ainda não encontrei


alunos que questionassem tal estado de coisas, mas o professor pode e deve
fazer esta crítica com o intuito de alertar aos alunos essa condição, e com
isso, estes entenderem o porquê dos preconceitos em relação às mulheres,
pois o caminho para trazer esses sujeitos históricos que são na maior parte
das vezes negligenciados pelos livros e matérias didáticos é a crítica que o
profissional pode fazer, e em cada assunto tentar mostrar como essas classes
marginalizadas da história estão em determinado contexto.

Professora 2- Não, sem o auxílio do professor.

Acreditamos e concordamos com as afirmações dos professores, onde se os alunos não


conseguem fazer essa visualização, da falta das mulheres na história contada pelos
livros cabe ao professor com sua criatividade fomentar a dúvida aos alunos.

Como oitavo e último questionamento têm-se a seguinte questão: como você faz para
mostrar que a história é uma construção de homens e mulheres, e não só dos primeiros
como é muito comum na história tradicional? E como fazer para inserir as mulheres na
história evidenciando sua participação no processo histórico?, como respostas:

Professor 1-Partindo do princípio de que todos que estão inseridos em


sociedade, homens e mulheres fazem a história, pois este conceito vem das
teorias de Marx e Engels, que acreditam nos homens e mulheres, como
sujeitos e objetos da história, pois influenciam e são influenciados pelas
suas relações sociais de produção, e assim, sob está ótica que procuro
mostrar que as mulheres, assim como os homens, são agentes ativos no
processo histórico, transformando e sendo transformadas pelos ventos da
História. Em relação à segunda pergunta, o professor deve trabalhar essa
temática junto aos fatos históricos, onde este pode lançar mão de uma
pesquisa, onde podem trabalhar com os alunos em sala alguns textos,
vídeos, livros para que com isso possa dar vozes a esses segmentos que há
muito tempo são marginalizados da história.

Professora 2- Mostrando que a história é formada por homens e mulheres


atuantes em suas épocas. Que a história não é feita só por pessoas atreladas
ao poder, pois existe uma gama de pessoas determinadas a mudar a direção
da sua História.

563
Assim é que devemos fazer a inserção e indicar a participação das mulheres na história,
indicando que todos os sujeitos que compõe a sociedade são agentes históricos,
produzindo e sendo produtos da história e a história das mulheres e relações de gênero
contribuem com este enfoque historiográfico.

Considerações finais

O principal objetivo do artigo era de entender como os professores trabalham em sala de


aula a inserção e participação do feminino na História, onde as entrevistas com os
professores e a nossa fundamentação teórica nos permitiram compreender que é preciso
mostrar aos alunos o que todos são. Diante disso, buscou-se demonstrar que as mulheres
são produtoras e fazem a História assim como os homens, pois são partícipes ativas no
processo de construção social.

Referências

BARRETO, Cristiane Manique. História e Relações de gênero. In: MORGA, Antônio


Emilio; BARRETO, Cristiane Manique (orgs.). Gênero, sociabilidade e afetividade.
Itajaí: Casa Aberta Editora, 2009.

DEL PRIORE, Mary. História das Mulheres: as vozes do silêncio. In: FREITAS,
Marcos Cezar de (org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo:
Contexto, 1998.

SOIHET, Rachel. História das Mulheres. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS,
Ronaldo (Orgs). Domínios da História: Ensaios de teoria e metodologia. Rio de
Janeiro. Elsevier, 1997.

Fontes

Entrevista concedida pelo professor 1 da Escola Estadual Rosina Ferreira da Silva, onde
leciona do 7° ao 9° nos turnos matutino e vespertino, em 21.08.2012.

Entrevista concedida pela professora 2, que leciona no ensino fundamental e médio na


Escola Estadual Maria Rodrigues Tapajós, em 21/09/2012.

564
EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E SUA PROPOSTA
INTERDISCIPLINAR
Darlã de Alves
Daniel Luciano Gevehr

Um assunto que vem promovendo inúmeros debates e reflexões é o que se refere à


educação étnico-racial. Inserida no currículo escolar por meio da lei 10639/2003, traz a
perspectiva de uma educação para equidade racial, através da obrigatoriedade do ensino
de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica. A aprovação desta
normativa tem provocado uma reflexão sobre o currículo instituído em nossas escolas,
que, historicamente, tem negado as diferenças culturais e valores civilizatórios africanos
e afrodescendentes em nossa sociedade Moreira e Santana (2013).

Trazendo ao ensino da diversidade diversas experiências culturais e conhecimentos às


ancestralidades antes não contempladas. Exigindo do professor preparo para a mediação
deste conteúdo. Buscou-se responder, com este estudo, a seguinte questão problema: O
ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas está sendo realizado de
forma interdisciplinar? Ou apenas abordado pelas disciplinas de história e ou literatura?

Pode-se perceber que o tema pode ser abordado de forma interdisciplinar, também em
práticas pedagógicas específicas de cada disciplina. Traz-se um exemplo de um projeto
pedagógico realizado em uma escola da rede municipal da cidade de Campo Bom/RS.
Também apoiando-se em publicações produzidas no Brasil nos 12 primeiros anos em
que a Lei 10639/2003 se encontrou em vigor.

A justificativa para esta pesquisa é de que a alteração da LDB feita pela lei 10639/2003
dá início a uma nova abordagem de diversidade cultural no ambiente escolar.
Anteriormente a esta determinação, o currículo de história abordava a cultura afro-
brasileira e africana na figura do negro escravo submisso ao senhor de engenho. O que
hoje ainda é facilmente identificado em diversos currículos escolares e materiais
didáticos.

A história do negro no Brasil não se detém a escravidão. Este sim foi um grande
episódio. Porém, limitar a identidade do negro afro-brasileiro e africano apenas a este
acontecimento é ignorar toda sua matriz cultural que contribuiu para a formação da
cultura do nosso país e do ser brasileiro. Acredita-se na educação étnico-racial, como
forma de conhecimento e valorização da cultura de todos brasileiros, buscando a
equidade racial e eliminação do preconceito.

A escola escolhida para a prática contempla alunos de 9 bairros da cidade. Possuindo


alunos de todas as esferas sociais, seja de vulnerabilidade social à média alta.
Consequentemente, este público de alunos se destaca em diversidade étnica cultural.

565
Quanto aos procedimentos metodológicos, esta pesquisa pode ser classificada como um
estudo de caso. Para selecionar os artigos científicos utilizados nesta pesquisa fez-se uso
das palavras-chave “Educação étnico-racial. Ensino. Cultura afro-brasileira. Cultura
africana.” entre o período de 2003 a 2015. Entre os 37 selecionados apenas 19 artigos
abordavam alguma ferramenta de ensino, e a partir desses artigos desenvolveu-se um
estudo detalhado. Os artigos que compõem este estudo foram selecionados na base de
dados Scielo e Capes.

A escola onde foi realizada a prática está situada no município de Campo Bom/RS. É
pertencente à rede municipal de ensino e possui turmas apenas dos anos iniciais do
ensino fundamental do 1º ao 5º anos. É importante ressaltar que a escola é um ambiente
privilegiado para a promoção de relações étnico-raciais positivas em virtude da
marcante diversidade em seu interior. Porém, não é a única instituição responsável pela
educação das relações étnico-raciais, uma vez que o processo de se educar ocorre
também na família, nos grupos culturais, nas comunidades, no convívio social
proporcionado pelos meios de comunicação, entre outros (VERRANGIA E SILVA,
2010).

Fernandes (2005) ressalta a importância da abordagem em caráter interdisciplinar, onde


o tema perpasse as disciplinas de forma a interligar os conhecimentos gerados através
de suas práticas pedagógicas. Um trabalho árduo quando nos deparamos com currículos
tradicionais de ensino. O pensamento construtivista de Piaget nos traz um conceito claro
sobre a interdisciplinaridade:

“Uma colaboração entre disciplinas diversas ou entre setores heterogêneos


de uma mesma ciência que conduz a interações propriamente ditas, isto é, a
certa reciprocidade nas trocas, de tal modo que haja um total
enriquecimento mútuo” (PIAGET, 1973, p. 142).

No Brasil, um órgão muito respeitado, a CAPES¹, também dialoga referindo um


conceito sobre a interdisciplinaridade, visto que no âmbito em que opera, já realizou
algumas mudanças para a definição correta das atividades e conceitos, sendo
compreendida como:

“A convergência de duas ou mais áreas do conhecimento, não pertencentes


à mesma classe, que contribua para o avanço das fronteiras da ciência e
tecnologia, transfira métodos de uma para outra, gerando novos
conhecimentos ou disciplinas, e faça surgir um novo profissional com um
perfil distinto dos existentes, com formação básica sólida e integradora”.
(BRASIL/CAPES, 2013 p.12).

Partindo deste conceito onde a interdisciplinaridade constrói conhecimento dos mais


diversos saberes frutos da complementação de duas ou mais ciências que de forma
conjunta abordem determinado tema foi criado o projeto “A AFRICANIDADE NO
CONTEXTO ESCOLAR: DA LUDICIDADE ÀS RELAÇÕES PESSOAIS”. Pensado
pela coordenação pedagógica como forma de atender a normativa federal da lei
10639/2003, foi proposta a interação das disciplinas na construção das práticas
pedagógicas a serem desenvolvidas.

566
Com o objetivo de abordar, discutir e refletir sobre a questão da diversidade cultural,
num processo de identificação com as identidades culturais, as diferentes disciplinas que
compõem o currículo dos anos iniciais do ensino fundamental na escola municipal de
ensino fundamental Genuíno Sampaio, são elas língua portuguesa, língua inglesa,
literatura brasileira, ciências físicas e biológicas, educação artística, educação física,
música, matemática, história, geografia, e informática, reuniram-se para organizar, as
atividades conjuntas sobre a temática de ensino de história e cultura afro-brasileira e
africana.

Assim estruturou-se o projeto. Em sua metodologia foram realizados três encontros para
a discussão das atividades a serem propostas. Em suas ações foram realizadas cinco
atividades integradas, sendo organizadas por duas ou três disciplinas de forma conjunta.
O projeto teve início no dia 13 de maio de 2015. Data escolhida pela assinatura da Lei
Áurea.

A abordagem da temática através das atividades integradas realizou-se da seguinte


forma:

Atividade 1 – GRIÔT

Disciplinas de Língua Portuguesa, Ciências Biológicas e Literatura.

Nesta atividade os alunos são contextualizados em relação à cultura


africana. Fauna e flora africanas e a chegada dos africanos ao Brasil. A
Griôt (figura da comunidade) relata aos alunos como foi a chegada dos afro-
brasileiros na cidade e na comunidade.

Atividade 2 – RITOS E MITOS

Disciplinas de História, Ensino Religioso e Língua Inglesa.

Nesta atividade os alunos são contextualizados sobre o papel dos africanos


na construção da cultura brasileira. Religiões de matriz africana.

Atividade 3 - MANIFESTAÇÕES CULTURAIS

Disciplinas Ed. Física, Música e Ed. Artística.

Nesta atividade os alunos são contextualizados sobre as manifestações


culturais brasileiras e tiveram origem através da cultura africana. Músicas;
Danças; Máscaras africanas.

Atividade 4 – RAÍZ “QUADRÁFRICA”

Disciplinas de Matemática e Informática.

Nesta atividade os alunos são contextualizados em relação aos jogos de


raciocínio de origem africana, assim como algoritmos africanos.

Atividade 5 – OCAS MALOCAS E QUILOMBOS.


567
Disciplinas de Geografia e Ed. Artística.

Nesta atividade os alunos são contextualizados sobre os territórios negros,


no estado do RS e na comunidade, e suas representações. O papel do negro
nas demais culturas, ítalo, germânica, entre outras.

A última atividade diretamente ligada ao projeto foi a Semana da Diversidade. Onde em


novembro, junto a semana da consciência negra, foi realizada a exposição de trabalhos
realizados nas atividades integradas.

A avaliação deste projeto foi realizada de forma qualitativa observando a participação


dos alunos, o interesse na realização e envolvimento nas tarefas.

E as considerações finais evidenciaram as limitações de se realizar um projeto de forma


interdisciplinar dentro de um currículo mantido tradicional. Os docentes participantes
destacaram o desafio de realizar atividades integradas interligando as disciplinas.
Também evidenciaram o grande envolvimento por parte dos alunos e comunidade
escolar.

Esta pesquisa identificou que a partir da criação da principal política pública brasileira
para a educação étnico-racial, a Lei 10639/2003, os currículos escolares passaram a
abordar de forma mais específica à temática do ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana. Através de práticas pedagógicas integradas, interdisciplinares,
assim como específico em cada disciplina.

Referências

ARAÚJO, P. L.; YOSHIDA, S. M. P. F. Professor: Desafios da prática pedagógica


na atualidade. Disponível
em:http://www.ice.edu.br/TNX/storage/webdisco/2009/11/03/outros/608f3503025bdeb
70200a86b2b89185a.pdfAcesso em 20/06/2016.

BRASIL. História e Cultura Afro-Brasileira. Lei Federal n°10.639/2003. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm. Acesso em
14/05/2016.

______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-


raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Conselho
Nacional de Educação, 2004. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/res012004.pdf. Acesso em 14/05/2016.

FERNANDES, J. R. O. Ensino de história e diversidade cultural: desafios


possibilidades. Cad. Cedes, Campinas, v. 25, n. 67, set./dez. 2005, p. 378-388.

MOREIRA, M. A.; SANTANA, J. V. J. Formação docente frente ao ensino de


história e cultura afro-brasileira: reflexões a partir do município de Itambé/BA. V
FIPED Fórum Internacional de Pedagogia 2013.

568
PIAGET, J. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: Livraria José Olympo
Editora/Unesco, 1973.

VERRANGIA, D.; SILVA, P. B. G. Cidadania, relações étnico-raciais e educação:


desafios e potencialidades do ensino de Ciências. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.
36, n.3, set./dez. 2010, p. 705-718.

569
A CAPOEIRA COMO POSSIBILIDADE DE
APLICAÇÃO DA LEI 10.639/03
Denis Henrique Fiuza

Segundo o parecer 003/2004, a demanda da comunidade afro-brasileira por


reconhecimento, valorização e afirmação de direitos, no que diz respeito à educação,
passou a ser particularmente apoiada com a promulgação da Lei 10639/2003, que
alterou a Lei 9394/1996, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura
afro-brasileiras e africanas. Nesse sentido, propomos a utilização da capoeira, nos
estabelecimentos de ensino, como proposta de aplicação da Lei 10.639/03, que tornou
obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação
Básica.

O parecer 003/2004 aponta para a “necessidade de diretrizes que orientem a formulação


de projetos empenhados na valorização da história e cultura dos afro-brasileiros e dos
africanos”, pois, qualquer lei precisa de instrumentos que favoreçam a sua prática e que
estimulem bons resultados. Nesse sentido, propomos a prática da capoeira como
elemento essencial para que essa lei seja popularizada e colocada em prática.

A capoeira nasceu no Brasil através dos negros trazidos do continente africano para
serem escravizados, e era usada como forma de defesa contra opressão política,
econômica e social, imposta pelo regime político. Ao longo dos séculos ela foi se
transformando e se constituindo como um elemento genuíno da cultura afro-brasileira,
expressão clara da reconstrução histórica da identidade africana no país. Diferentes
estudos demonstram que ela é um elemento identitário com conteúdos educativos,
socioculturais e de promoção da saúde física e psicomotora.

Levar a capoeira para a sala de aula é uma forma de apresentar diferentes perspectivas
culturais e étnicas, abordando aspectos da cultura africana e afro-brasileira. Segundo o
mestre Valmir, “estamos falando da nossa cultura, da nossa realidade, da nossa
ancestralidade. E muitas vezes isso nos foi tirado dentro da própria sala de aula ou
material didático”, nesse sentido, a utilização da capoeira instiga a reflexão como um
elemento de resistência utilizado frente à escravidão e demais características da atuação
dos negros na história do Brasil (ALMEIDA, PIMENTA E CYPRIANO, 2009, p. 65).

Sendo assim, destacamos essas duas premissas, a prática da capoeira enquanto


proposição para pensar a aprendizagem e o ensino de história e da cultura afro-
brasileira. Uma das características da capoeira é o ensino, principalmente a partir da
relação mestre e aprendiz, sendo que ela chega aos dias de hoje como o resultado do
trabalho de ensinar de vários mestres, que além de propagá-la, buscaram ensiná-la a
partir da vivência de seus princípios, espiritualidade e ética.

A prática da capoeira envolve diferentes elementos de criação e invenção, além disso, é


unanime entre os pesquisadores da área que sua prática contribui para o
desenvolvimento dos seres humanos, a partir do aperfeiçoamento do movimento, do
570
intelecto e do afeto. Segundo Alvez (2011, p. 21), “a utilização da capoeira na
educação, enfatiza a história, a música, a arte e o jogo, como elementos que
proporcionam o desenvolvimento emocional, afetivo e motor, trazendo uma efetiva
possibilidade educacional”.

Entretanto, a utilização da capoeira na educação deve ir além da concepção de um uso


simplista “como elemento folclórico”, como algo exótico, mas, deve favorecer a
reflexão das estruturas tradicionais que muitas vezes não contribuem para o
desenvolvimento das habilidades e potencialidades dos estudantes, trazendo elementos
como a diferente concepção de tempo da capoeira expressos pela “vadiação” e pelo
tempo da “brincadeira e da malandragem”, pela “reelaboração” de sí mesmo, pois essa
prática inspira o sujeito a “inventar a si mesmo” (ALVES, 2011, p. 28).

A noção de temporalidade, nesse sentido, vai além daquela cronológica adotada


tradicionalmente nos sistemas educacionais, e estimula os capoeiristas a “mergulhar de
cabeça” nessa prática. A prática da “vadiagem”, embora tenha recebido uma conotação
negativa, faz referência a uma dedicação de tempo e de vontade aos rituais e práticas da
capoeira. Nesse sentido, a valorização de outras temporalidades na educação, na
execução de projetos científicos e culturais demanda tempo para que haja dedicação na
realização e em especial, o diálogo, as trocas de experiências, a reflexão com
profundidade.

Outro elemento importante na capoeira é a música. A utilização de instrumentos


musicais é essencial nessa prática, eles colaboram para que os indivíduos entrem no
clima da roda, para a eficácia da meditação e contemplação dos movimentos e para a
comunhão entre os participantes. A música funciona como estimulo, mas
principalmente como um elemento que “atenua a monitoria consciente” que resulta
numa percepção mais aguçada, como destaca Alves (2011, p. 186), levando os
participantes a uma atuação consciente de suas potencialidades, instalando essa
temporalidade da “vadiação” de dedicação ao que estão fazendo.

Destacamos também na prática da capoeira, a relação mestre x aprendiz, ela os


apresenta como aliados na construção de um processo, como indivíduos que aprendem
junto, “que constroem juntos o conhecimento” da capoeira. O papel educacional da
capoeira está também relacionado com o significado da identificação, quer dizer,
identificar as características afro-brasileiras e africanas e seus elementos ritualizados e
refletir sobre os mesmos na escola, da mesma forma como se aborda a contribuição de
outras etnias. Ainda mais, ela tem a missão de educar as pessoas sobre a importância de
conhecer e assumir sua verdadeira identidade étnica e desconstruir o preconceito racial
intrínseco na sociedade.

Sendo assim, apresentamos alguns traços da trajetória histórica da capoeira, sua força de
resistência contra a escravidão e como uma expressão da várias que constituem as
identidades étnicas de origem africana. Além disso, demonstramos que a utilização da
mesma na educação possibilita um avanço na inclusão e a valorização da contribuição
dos negros na construção do país. Ademais, propomos a utilização da capoeira como
instrumento para desenvolver o ensino e a aprendizagem dos estudantes. A capoeira
com sua técnica, seus elementos rituais, a música, o tempo da vadiação, e outros
aspectos, coloca o indivíduo em perpetuo estado de desenvolvimento psicomotor.
571
Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Rodrigo de; CYPRIANO, André; PIMENTA, Leticia. Capoeira: luta,


dança e jogo da liberdade. São Paulo: AORI, 2009.

ALVES, Flávio Soares. O Corpo em Movimento na Capoeira. 2011. 194 f. Tese


(doutorado) – Escola de Educação Física e Esportes, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Lei 10.639/03. Inclui


no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
AfroBrasileira”. Diário Oficial da União, Poder Executivo. Brasília, DF, em 10 de
mar.2003. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>

BRASIL. Parecer técnico nº: CNE/CP 003/2004 Colegiado: Conselho Pleno aprovado
em: 03/10/2004. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Racionais e para o Ensino de História e Cultura
AfroBrasileira e Africana. Disponível em <www.portal.mec.gov.br>

572
UM HOLOCAUSTO INDÍGENA AINDA INVISÍVEL
NO ENSINO DE HISTÓRIA
Dhiogo Rezende Gomes

Mudanças significativas ocorreram nas ciências humanas, nas disciplinas e


conhecimentos de História e Antropologia, no que tange os povos indígenas em suas
histórias e culturas como objetos de estudo e de ensino nos espaços acadêmicos e
escolares, destacando-se a lei 11.645 de 2008, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da
nossa educação. Contudo, certas permanências consistem ao ponto de reaproximar ou
realinhar os indígenas aos paradigmas que os colocam como seres em face de integração
ou assimilação a uma cultura tida como maior e dominante.

Um dos exemplos ainda se faz, quando de forma fragmentada, parcial, para mero
atendimento de uma legislação atual que “obriga” a inserção de conteúdos de história e
cultura indígenas no ensino básico. Pois encontramos certos equívocos, noções
preconceituosas, idealizadas ou desprendidas das diversas realidades históricas e
socioculturais das centenas de etnias que habitam o país. Composições de forma ainda
genérica, como “índios” em imagens que trazem tais povos como presos ou congelados
no período da colonização. Notadamente como vítimas e sem agencias nos livros
didáticos que são os principais vetores dessas informações podendo ou não, virar
conhecimentos no trabalho e na relação entre professores e estudantes (FERENANDES,
2009; SILVA, 2012).

São permanências que ainda sofrem influências do paradigma que encontrou numa ideia
de aculturação, no sentido de perda de uma cultura pelo recebimento (forçado ou
passivo) de outra, um olhar para condição indígena como temporária, frágil e passiva de
ingresso na esteira da “civilização”. Mesmo no entendimento de estudiosos do porte de
Darcy Ribeiro (1996), por mais críticas elaboradas na defesa da questão indígena pela
via das políticas indigenistas que tivesse, aventava-se um processo onde nos contatos
com a sociedade nacional, os povos indígenas estariam expostos a uma “transfiguração
étnica”.

Qualquer avanço nas questões indígenas, seja no âmbito político ou acadêmico, passava
inevitavelmente por mudanças de paradigma, visando uma constituição dos povos
indígenas como sujeitos históricos, resistentes, agentes de suas sobrevivências. Indo
além de sobreviventes, como negociadores e importantes em suas presenças, em
processos históricos que contribuíram com a formação do Brasil, indígenas como
essenciais nas conquistas e manutenção de territórios, como aliados ou inimigos dos
colonizadores (OLIVEIRA; FREIRE, 2006).

Assim, a condenação desses povos ao desaparecimento físico ou cultural foi uma


constante até a emergência de mudanças paradigmáticas nesse horizonte. Houve então a
transição de um paradigma impregnado por evolucionismos e concepções biológicas de
raça para outro que se apoiou na perspectiva dos indígenas pelo prisma cultural após a

573
2ª Guerra Mundial (CUNHA, 2009). O critério da cultura devendo romper com
determinismos culturais e universais, sendo tal conceito entendido como dinâmico,
destacando a autodeterminação de um grupo no seu reconhecimento enquanto etnia.

São mudanças consideráveis no entendimento, no estudo e no ensino da questão e da


temática indígena a partir dessa base, que inicia com a percepção de que os povos
indígenas são seres históricos, dinâmicos em suas culturas no tempo e no espaço. Um
processo que contou com ampla intervenção dos próprios povos indígenas a partir da
década de 1970 (CUNHA, 2012), época em que as ideias de aculturação, assimilação e
integração desses povos a sociedade nacional ou ocidental, ganharam críticas de teorias
como a de Fredrik Barth (2011). Com uma abordagem de fronteiras entre os grupos
étnicos, propondo que povos em suas culturas diferentes e em contatos, fazem suas
manutenções culturais e de identidades não pela distância ou pelo isolamento, mas pelas
trocas humanas, simbólicas e também materiais na ressignificação de elementos em
oposições, em objetos, produtos de uma cultura frente a(s) outra(s).

Neste contexto de transição de paradigmas na questão indígena/indigenista que no


Brasil ocorre na década de 1970, o Brasil passa pela Ditadura Civil-Militar (1964-
1985). Manuela Carneiro da Cunha (2012, p.22), sobre a transição, afirma que

No fim da década de 1970 multiplicam-se as organizações não


governamentais de apoio aos índios, e no início da década de 1980, pela
primeira vez, se organiza um movimento indígena de âmbito nacional. Essa
mobilização explica as grandes novidades obtidas na Constituição de 1988,
que abandona as metas e o jargão assimilacionistas e reconhece os direitos
originários dos índios, seus direitos históricos, à posse da terra de que foram
os primeiros senhores.

Cunha nos leva a um paradoxo, o mesmo período que significa aos indígenas um
momento histórico de ascensão, esconde fatos que atingem os direitos humanos dessas
populações. Por baixo de êxitos indígenas em suas lutas, o modelo de desenvolvimento
econômico e regional, principalmente no centro e norte do país, em face do Plano de
Integração Nacional, foram o motor de políticas de extermínio de povos indígenas
postos ou entendidos como entraves ou empecilhos a estes processos e projetos
(DAVIS, 1978).

A Comissão Nacional da Verdade (2012-2014) criada pelo Governo Federal para apurar
violações dos direitos humanos entre os anos de 1946 e 1988, afirmou que ao menos
8.350 indígenas tiveram suas vidas ceifadas pelo Estado, por força direta de ações
governamentais ou por omissões dos agentes e instituições que teriam outras
prerrogativas, a exemplo do Serviço de Proteção ao índio (SPI) e sua substituta a partir
de 1967, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). O relatório da CNV (COMISSÃO
Nacional da Verdade, 2014, p.199) define que “O número real de indígenas mortos no
período deve ser exponencialmente maior, uma vez que apenas uma parcela muito
restrita dos povos indígenas afetados foi analisada [...]”.

Temos disponíveis na internet documentos como o manifesto do CIMI que denunciou


em pleno período ditatorial crimes do Estado contra os povos indígenas (HECK;
SILVA; FEITOSA, 2012) e o “Relatório Figueiredo” que como descrito em entrevista
574
do antropólogo Bessa Freire, dispõe de vasta pesquisa realizada por um procurador da
República no final da década de 60, apontando graves violações aos direitos humanos
indígenas (FACHIN, 2015). Fontes que trazem à tona o “holocausto indígena” que
permanece oculto, em memórias que ainda não se tornaram propriamente história.
Holocausto restrito em artigos, dissertações e teses desenvolvidas por um grupo seleto
de profissionais e pesquisadores interessados. Custando chegar nos livros didáticos por
motivos que vão da alegada ausência de fontes, apesar do aumento do interesse de
pesquisas, a questões de mercado editorial na adaptação didática e relação entre cultura
acadêmica e escolar.

Mesmo depois da Lei 11.645/2008 e com mudanças significativas que tiraram os


indígenas da condição de vítimas e objetos para inseri-los como sujeitos e agentes
históricos, há limitações visto que entre os livros didáticos reside a “[...] permanência de
uma visão de história distanciada do conhecimento histórico produzido nas últimas
décadas” (COELHO, 2009, p.271). Percebemos então que é mais comum que nossos
livros de história destaquem o holocausto judeu pelo nazismo na 2ª Guerra Mundial que
o holocausto indígena nos anos de abrangência da investigação da Comissão Nacional
da Verdade (1946-1988), destacando os 21 anos do Regime Civil-Militar. Uma
demonstração do que Ricoeur (2007) fala sobre abuso de memória e abuso de
esquecimento.

Além de uma mídia que pouco se interessa por este passado, temos uma cultura
histórica e escolar que soterra na invisibilidade fatos e eventos como: 1) A criação da
Guarda Rural Indígena em 1969, onde o governo formou jovens indígenas de etnias
diferentes com treinamento militar consistindo em técnicas de tiro, defesa pessoal e até
de tortura, como forma de apoiar o estabelecimento da ordem e do ideário da segurança
nacional nas áreas rurais onde regressavam os guardas indígenas (FREITAS, 2011). 2)
A nebulosa participação dos Aikewára ou Suruí na Guerrilha do Araguaia, com
inúmeras denúncias de maus tratos, terror físico e psicológico, obrigando os Suruís do
Pará a colaborarem com a caça aos subversivos do regime na selva (NEVES; CORRÊA,
2011). 3) A existência de uma espécie de campo de concentração para indígenas
subversivos, o reformatório Krenak em Minas Gerais (CAMPOS, 2012). 4)
Bombardeios de aldeias inteiras do povo Waimiri-Atroari do Amazonas, tidos como
ameaças ao sucesso de empreendimentos miliares como uma rodovia e uma hidrelétrica
(EGYDIO SCHWADE, 2012).

Referências

BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe;


STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade: seguido de grupos étnicos e suas
fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 187-227. Tradução de:
Elcio Fernandes.

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Porantim: em defesa da causa indígena, Brasília, v. 35, n. 347, p.8-9, ago. 2012.

COELHO, Mauro Cesar. A história, o índio e o livro didático: apontamentos para uma
reflexão sobre o saber histórico. In: MAGALHÃES, Marcelo; REZNIK, Luís; ROCHA,
Helenice (Org.). A história na escola. Rio de Janeiro: Fgv, 2009. Cap. 12. p. 263-281.
575
CUNHA, Manuela Carneiro da. Introdução a uma história indígena. In: CUNHA,
Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania. São Paulo:
Claro Enigma, 2012. p. 08-25.

_______. Por uma história indígena e do indigenismo. In: Cultura com aspas e outros
ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 125-132.

DAVIS, Shelton. Vítimas do Milagre: o desenvolvimento e os índios do Brasil. Rio


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EGYDIO SCHWADE (Manaus) (Org.). 1º Relatório do Comitê Estadual da


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FACHIN, Patricia. Relatório Figueiredo: mais de sete mil páginas sobre a violência
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FERNANDES, Eunice. Ainda na selva?: A maioria dos livros didáticos retrata os índios
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FREITAS, Edinaldo Bezerra de. A Guarda Rural Indígena – GRIN: Aspectos da


Militarização da Política Indigenista no Brasil. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE
HISTÓRIA DA ANPUH, 26., 2011, São Paulo. Anais... . São Paulo: Anpuh, 2011. p. 1
- 26.

HECK, Egon Dionísio; SILVA, Renato Santana da; FEITOSA, Saulo Ferreira (Org.).
Povos indígenas: aqueles que devem viver - Manifesto contra os decretos de
extermínio. Brasília: Cimi-conselho Indigenista Missionário, 2012. 192 p.

NEVES, Ivânia dos Santos; CORRÊA, Maurício Neves. O povo indígena Aikewára e a
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OLIVEIRA, João Pacheco de; FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. A presença


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RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração dos indígenas no Brasil


moderno. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1996.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Unicamp, 2007.

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Maria Aparecida Bergamaschi.

Comissão Nacional da Verdade. Relatório: textos temáticos. Brasília: Cnv, 2014.


576
PRÁTICAS E EXPERIÊNCIAS NO ENSINO DE
HISTÓRIA INDÍGENA
Edilson Ribeiro da Silva

Considerações Iniciais

Ao abordarmos o ensino de história nos dias atuais, temos que ter a consciência de o
quão será difícil, principalmente no Brasil, por ter em sua sociedade várias culturas no
mesmo território. O que ensinar? Como ensinar? Por qual razão ensinar? São perguntas
que, enquanto professores de história, seremos obrigados a não só descobrir as
respostas, como também, por essas respostas em prática, no exercício de nossas
docências.

O professor irá ter em sala de aula um público diverso, composto por diferentes
gêneros, cores, etnias, posicionamentos ideológico, religiões diferentes, entre outros,
por isso o viés no qual ele pensa muitas vezes refletem em ações inconvenientes para os
alunos, assim como escreve Bauman, “ A modernidade é líquida” desse modo, o
professor precisa deixar essa solidez de lado, e ser líquido como a água que se altera
conforme o recipiente.

Lutas com o estado, Mudanças na educação

O Brasil é palco de inúmeras mudanças pelas quais a ordem política se reconfigura,


conforme cada etapa da história. Fomos colônia, império e hoje somos republica;
mutilados por toneladas de informação, muitas vezes, repletas de Análises ou
interpretações distorcidas, tal como as “verdades” de Hans Starden que modificam a
história, vertendo-a para um viés etnocêntrico, desprezando as minorias e dando vez e
voz aos poderosos, enfatizando o heroísmo do branco e invisibilizando o protagonismo
das comunidades tradicionais, não apenas na construção da sociedade brasileira, mas
também em todos os elementos constitutivos da ideia de nação brasileira.

Com efeito, diante do exposto nos perguntamos, qual seria o lugar do índio em nossa
sociedade? Até meados do século XX o índio não tinha atuação no meio social, muitas
vezes era tido como massa de manobra usada como instrumento manipulável, que foi
reduzido em um processo de autonegação, de forma que, quem se afirmasse índio,
estaria à mercê de inúmeras formas de violência; tomemos como exemplo Alagoas, em
especial Palmeira dos índios, onde a invisibilidade dos Xucuru-Kariri foi a estratégia
adotada para se esquivarem da perseguição da sociedade não indígena, ao tempo que foi
tática de resistência contra os ataques dos posseiros que se apropriaram de suas terras.

A Constituição de 1988, é uma das principais aliadas na ressurgência étnica, por


reconhecer, aos índios, os direitos a organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, garante o usufruto das terras onde fora comprovada a existência de seus
577
antepassados, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus
bens, pelo menos em teoria. Com a consolidação dos movimentos indígenas e a
visibilidade que ganharam a partir desses movimentos, começam a transformar e
contribuir para o novo cenário da educação brasileira, regras começaram a ser
quebradas, hierarquias se desorganizaram, o que era homogêneo começou a transcorrer
dentro da heterogeneidade, a cultura escolar foi aos poucos se diluindo.

Transformações que só foram possíveis com a Lei 11.645, por obrigar que as escolas
públicas e privadas acrescentem em seu currículo o ensino da história e cultura indígena
em todo o currículo escolar, quebrando a ideia de tratar a temática apenas no dia 19 de
abril, além de fazer com que não se construa uma seletividade de escola, uma vez que,
uma grande quantidade de filhos dos latifundiários que ocupam terras indígenas situadas
na área a ser demarcada provém de escolas privadas, que também devem obedecer a
Lei. Cabe também destacar a importância do § 2o que traz em seu texto a ideia de que
não apenas história, artes e literatura teria que abordar a temática, como também as
matéria exatas, física química, biologia entre outras.

Deficiências na formação resultam na incompreensão dos alunos

Como estão sendo ministrados os conteúdos que envolvem a questão indígena? As


escolas obedecem a referida lei? Os professores são qualificados para tratarem de
assuntos como estes? Tais perguntas podem ser respondidas ao analisarmos o que os
alunos sabem sobre a temática, uma vez que estão em contato direto com escola e
professores. Em pesquisas de campo feitas em uma escola do município de Paulo
Jacinto foi possível coletar dados de estimável importância para esclarecimentos das
dúvidas postas acima.

A entrevista acontece em uma sala de terceiro ano do ensino médio, de uma escola
pública localizada no município de Paulo Jacinto, logo após algumas explicações, se
questionou sobre como seria o índio e sua cultura? E em folhas de caderno os alunos
escreveram suas respostas. Os entrevistados deram as respostas descritas abaixo. Como
a entrevista envolve menores, estes serão referenciados como informante, um, dois, três
e assim sucessivamente, pois além de preservar suas identidades, não expõe nenhum
dos envolvidos no processo escolar na instituição pesquisada.

“Os índios eram muito trabalhadores, eles eram politeístas, matavam


animais para sua sobrevivência e sua filha era obrigada, quando completasse
uma idade, já tinha que ser mulher com 12 anos, gostava muito dos seus
rituais principalmente a capoeira”. (INFORMANTE 1)

Observem que na fala do entrevistado ao tratar de índio refere-se ao ser do passado; a


expressão “eram” é repetida mais de duas vezes em sua pequena explanação, outro
ponto importante para analisarmos é a confusão que o entrevistado comete ao afirmar
que a capoeira seria um ritual indígena. Vejamos também que a generalização do índio
se encontra presente em sua fala ao afirmar que com 12 anos as índias seriam obrigadas
a perder a virgindade, afirmação essa que conseguiu, segundo ela, com o comercial do
ABC da Amazônia, fazendo com que a televisão, tal como a escola transforme-se em
578
dispositivo de multiplicação de conhecimentos equivocados, pois como tal, insere-se no
que,

Chamarei literalmente de dispositivo qualquer coisa que tenha de algum


modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar,
controlar e assegurar, os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos
seres vivente. (AGAMBEN, 2009, p. 41)

Conforme explica Agamben, a televisão e a escola seriam dispositivos manipuladores,


pois ela modela os gestos e as condutas, as opiniões e os discursos dos discentes,
generaliza o índio, quando não mostra que os povos indígenas são diferentes entre si,
folcloriza o índio na medida em que no dia 19 de abril faz com que os discentes do
primeiro ciclo do ensino fundamental dancem em círculos, se enfeitem com adereços
que se aproximam do índio americano ou dos desfiles carnavalescos que se tem na
Sapucaí, o que acaba acarretando práticas sociais e culturais equivocadas.

Considerações finais

Tendo em vista todos os problemas citados acima, cabe aos profissionais se atualizarem
diante da Lei 11,645/8, com o intuito de se preparar e contribuir para a construção de
uma sociedade plural e igualitária, Diante disso, esta pesquisa é relevante por contribuir
para a lucidez e clareza de situações frequentes nas escolas, práticas que consiste em
mascarar, cobrir e resguardar irregularidades a respeito do ensino da temática indígena,
propiciando o surgimento de um aparelho reprodutor, de imagens criadas por jesuítas,
viajantes, colonos ou literatos, que propagou-se até os dias de hoje e que é adquiridos
por muitos professores como algo verídico, por ser encontrados nos manuais didáticos.

Existe a necessidade de vistorias para ver como tais leis estão sendo aplicadas na prática
docente. Pessoas preparadas são necessárias para assumir tal tarefa e serão responsáveis
por desconstruir o pensamento obscurecido pela escola ao longo do tempo com suas
limitações e despreparo. É mister que em complemento ao livro didático sejam
utilizadas metodologias de aprendizagem cujo embasamento esteja em textos de autores
engajados com a causa indígena ou produzidos pelos próprios índios, entre outros
pressupostos que possam contribuir para que os alunos aprendam e entendam como este
Brasil se formou.

Referências

AGAMBEN, Giorgio. Crítica do contemporâneo. Agamben. Marramo. Rancière.


Sloterdijk. Política. Conferências Internacionais Serralves: 2007.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4 ed. São


Paulo: Cortez, 2011.

579
BRASIL. LEI n. 11.645, de 10 de março de 2008. Brasília, março de 2008.
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10643688/artigo-231-da-constituicao-federal-de-
1988 acessado em 29/09/2015.

CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da


modernidade.

Educação e diversidades: um diálogo necessário na educação básica/Gilberto


Geraldo Ferreira, Edson Hely Silva, José Ivamilson Silva Barbalho, (orgs). – Maceió:
EDUFAL, 2015.

LUCIANO, Gersem dos Santos. Educação escolar indígena no Brasil: avanços,


limites e novas perspectivas. Goiânia-GO, 2013.

580
BATALHAS NA TORRE DE MARFIM: O
IMPACTO DA INCLUSÃO RACIAL E SOCIAL NO
ENSINO DE HISTÓRIA
Elaine P. Rocha

Em 1999, Gene Veith editor da área de cultura da revista World, escreveu que para a
maioria dos americanos as universidades são torres de marfim nas acadêmicos se
concentram em estudos elevados, numa postura de sublime indiferença quanto às vidas
ordinárias que as rodeiam (Veith:1999). Em seu argumento, ele salienta o fato de que os
achados da academia raramente afetam a cultura do povo.

Ainda que se possa encontrar elementos verídicos nesta afirmação, é preciso reconhecer
que ainda que o ensino universitário no Brasil tenha suas origens na educação para a
elite, concentrando sua produção intelectual e debate entre as pardes dessa “torre de
marfim”, eventos e processos sociais, políticos e culturais Têm afetado não apenas o
produto acadêmico mas a própria composição dessa torre.

O ensino de história no Brasil tem sido palco de dolorosas batalhas, seja para a sua
manutenção enquanto disciplina, lembrando as reformas pedagógicas que instituíram a
disciplina de estudos socais em substituição ao ensino de história, seja no conteúdo dos
currículos acadêmicos, afetados por medidas políticas como a ditadura militar e as
pressões sociais e políticas que levaram à inclusão de estudos sobre a África, ou mesmo
na constituição dos quadros docentes alterados com a entrada de “estudantes
trabalhadores”, com a abertura de cursos noturnos. Esta última alteração no maio
acadêmico, trouxe para as universidades estudantes vindos de camadas mais pobres,
muitos deles afrodescendentes.

Desta forma, consideramos que o cenário acadêmico brasileiro tem sido alterado
continuamente desde o final da Primeira República e que a disciplina de história, devido
ao seu intrínseco valor político, tem sido alvo de disputas no âmbito educacional
(currículo) e no âmbito dos conteúdos que alteram potenciais referências
historiográficas, políticas e filosóficas ao mesmo tempo em que impõem novos
problemas, novos objetos e novas abordagens, parafraseando o historiador Jacques
LeGoff.

A proposta deste texto é apresentar uma reflexão sobre o impacto da chegada de novos
agentes na academia, seja como estudantes seja como historiadores e professores, na
direção que o estudo e o ensino de história tomou desde o último quartel do século XX.

Para entender a presença destes novos agentes, é preciso compreender elementos


estruturais que possibilitaram este evento e as disputas ocorridas dentro da academia e
da sociedade na definição de disciplinas, conteúdos e abordagens na história do Brasil.

581
A evolução do sistema educacional no Brasil acontece de forma lenta, a partir de
pressões políticas e econômicas, passando a acomodar posteriormente as pressões
sociais e mesmo culturais. Conforme indicado pro Afrânio Garcia e Moacir Palmeira
(2001), as transformações sociais brasileiras durante o século XX sofrem ainda grande
influência das oligarquias rurais, e neste sentido a desigualdade social e racial tendem a
persistir apesar de alterações econômicas.

Beatriz Boclin Santos (2009) argumenta que o ensino de história do Brasil (no Brasil)
tem início ainda na primeira metade do século XIX, tendo como primeiro palco o
Colégio Pedro Segundo, criado em 1838 como parte da construção da nação e para
atender aos filhos da elite. Desde os primeiros anos da República, verificava-se uma
preocupação com a expansão do ensino público no Brasil e em especial nas grandes
cidades, influência dos ideais positivistas de ordem e progresso e também uma
exigência econômica e social dentro do plano modernizador vigente na época.

O panorama social do período, contudo, não permitia uma ampla participação da


população jovem no ensino secundário, uma vez que a maioria da população brasileira
concentrava-se em áreas rurais meados do século XX e apenas com grande dificuldade
poderiam enviar seus filhos para estudar nos grandes centros. A isto adiciona-se o fato
de que grande parte da população jovem brasileira estava engajada no mercado como
força produtiva desde muito jovem, por volta dos dez anos de idade, o que não lhes
permitia frequentar a escola por um longo período.

As mudanças neste cenário se deram a partir do governo Vargas, que utiliza a educação
como ferramenta para a integração e desenvolvimento nacional, ainda ali, o ensino
secundário se concentraria nas cidades e era profundamente excludente. Para as
camadas mais baixas da população, na qual se incluíam os afrodescendentes e grande
parte da população que chegava aos centros urbanos em busca de trabalho, a realidade
ainda era a do pós-abolição, com a integração precoce dos jovens ao mercado de
trabalho para suprir as necessidades da família.

Dessa forma, a história narrativa, contada sob o ponto de vista das elites se reproduzia,
pois dentro de uma sociedade excludente, apenas membros da elite chegariam ao ensino
superior e ao seguir a trajetória acadêmica contribuir para a produção histórica. Em sua
maior parte, os livros listavam fatos e eventos históricos generalizados e muitas vezes
dissociados da realidade regional e local.

Se as reformas trabalhistas de Vargas ofereceram certa segurança ao trabalhador,


levando a uma pequena ampliação na participação das classes trabalhadoras na
educação secundária. A ampliação da rede escolar ocorrida no período militar, também
como elemento de um novo surto modernizador, coloca o trabalhador mais próximo da
escola, fosse pelo aumento de escolas públicas ou pela abertura de cursos noturnos nas
escolas secundárias.

Em contrapartida, o regime militar criou a censura ideológica que proibiu livros e temas
utilizados nos currículos; a ampliação do mercado de trabalho com a chegada das
companhias multinacionais produziu um pequeno crescimento na renda familiar que
permitiu o acesso à educação, enquanto que a abertura de faculdades privadas – ainda
que criticadas pela elite preocupada com a qualidade do ensino superior – ofereceu
582
maiores oportunidades de acesso à educação superior àqueles que não conseguiam por
algum motivo ingressar nas universidades públicas, ainda muito limitadas.

O outro lado do desenvolvimento econômico foi a criação de novas demandas na área


de trabalho e uma emigração da área de ciências humanas e sociais para as áreas mais
técnicas, isso baixou a commpetição por vagas na educação superior em cursos
dedicados à educação, como era o caso de história. Da mesma forma, a desvalorização
dos salários de professores criou uma evasão profissional que abriu caminhos para
novos agentes. Dessa forma a profissão do magistério na área de história nas novas
escolas, muitas vezes depreciadas, aparece como uma alternativa aos estudantes
oriundos de classes mais baixas, aos quais a profissão de professor, ainda que
desvalorizada, trazia um valor social e um aumento na renda em relação aos outros
trabalhos que estavam disponíveis a estes agentes.

Temas como a redemocratização e as lutas dos trabalhadores são particularmente


próximos à realidade desses profesores, e seriam eles os agentes da mudança quando
das mudanças curriculares que incluíram o ensino de história da África e da diáspora
africana.

O mundo acadêmico sofre ainda maior transformação com a ampliação do sistema de


educação universitária pública e a adoção das cotas, que definitivamente trouxe mais
alunos das camadas mais baixas para dentro da sala de aula.

Desta forma, altera-se a relação, alteram-se os agentes nos dois lados, as pressões para
que a mudança atinja a produção de livros passa a obter efeitos, as teses e dissertações
passam a apresentar temas mais relacionados à realidade regional, local de classe.

No ambiente intelectual acadêmico, o professor proveniente de classes menos


privilegiados levanta questões e propõe temas e hipóteses que desafiam interpretações
tradicionais. Isto aconteceu nos anos 60 e 70 quando filhos de imigrantes italianos,
espanhóis e alemães passaram a contribuir fortemente para os estudos da classe operária
e das frentes de colonização, ampliando a visibilidade daqueles imigrantes nas cidades e
na zona rural. Nos anos 80 e 90 a chegada dos afrodescendentes contribui para o
questionamento das representações dos negros na história do Brasil e, com o avanço das
lutas por igualdade racial e social, aliado ao crescente diálogo intercontinental e entre o
Brasil e a África, passam a questionar o mito da originalidade do país em relação à sua
constituição e identidade nacional.

Da mesma forma, a presença de alunnos provenientes das mesmas raízes, trazem outras
indagações e vivências para a sala de aula que não podem ser ignoradas pelos
professores de história e pelo sistema em geral. Obviamente não podemos esquecer o
impacto da lei 10639/03, que institui a obrigatoriedade do ensino de história e cultura
afrobrasileira, abrindo uma demanda para a educação nesta área (para os professores) e
para a publicação de material didático.

As batalhas se intensificam, assim como os diálogos e mesmo as linguagens de acesso.


Aos poucos torres de marfim se desmoronam, porém entre os escombros novas
batalhas, agora pela manutencão do ensino de história.

583
Bibliografia:

Araujo, Gilda C.. “Estado, política educacional e direito à educação no Brasil. ‘O


problema maior é o de estudar’”. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 39, p. 279-292,
jan./abr. 2011 Editora UFPR.

Barreto, A. e Filgueiras,C. . (2007). Origens da Universidade Brasileira. Quim.Nova,


30(7), pp. 1780-1790.

Dias, Tatiana. (2016). Sistema de cotas raciais: inclusão em meio à controvérsia. June
17, 2016, de Nexo Jornal Sitio web:
https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/02/24/Sistema-de-cotas-raciais-
inclusão-em-meio-à-controvérsia.

Garcia, Afranio e Palmeira, Moacir. Rastros de casas-grandes e de senzalas:


transformações sociais no mundo rural brasileiro. In Sachs, Willheim e Pinheiro (org.)
Brasil: um século de transformações. São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 38-77.

Oliveira, Jorge, Bittar, Mariluce e Lemos, J. “Ensino superior noturno no Brasil:


democratização do acesso, da permanência e da qualidade”. Revista de Educação
Pública, Cuiabá, v. 19, n. 40, p. 247-268, maio/ago. 2010.. “Ensino superior noturno no
Brasil: democratização do acesso, da permanência e da qualidade.

Paixao, Marcelo e Carvano, L.. (2008). Relatorio Anual das desigualdades raciais no
Brasil 2007-2008. Rio de Janeiro: Garamound.

Santos, Beatriz Boclin dos. O currículo da disciplina escolar história no Colégio Pedro
II – A Década de 70 entre a tradição acadêmica e a tradição pedagógica: a História e
os Estudos Sociais. Tese de doutorado, 2009. Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Siss, Ahyas. Afrobrasileiros cotas e ações afirmativas: razões históricas. Quartet;


PENESB, 2003.

Veith, Gene. Can we recapture the Ivory Tower?


http://www.leaderu.com/humanities/veith-ivory.html, 1999. Acesso em 18 de dezembro
de 2016.

584
A MULHER NEGRA NA EJA: POSSIBILIDADES
DE EMPODERAMENTO NO ENSINO DE
HISTÓRIA
Eline de Oliveira Santos

A busca por inserção social pontuou a trajetória de um grande número de mulheres que
buscaram demarcar o seu lugar na sociedade, através de lutas que visavam anunciar que
havia vida para além do ambiente doméstico. A identidade que a sociedade lhe impôs
era a de mãe, todas as outras estavam sublimadas por séculos de submissão. Por outro
lado, é na tomada da consciência que a mulher passa a ter de si e de suas necessidades
que emergem outras identidades já existentes. Faz-se necessário compreender este
universo simbólico em que a mulher está inserida e a partir de suas vivências, analisar a
sua crescente participação nas diversas atividades e esferas da sociedade.

Uma dessas esferas é a educação que, tem atravessado profundas mudanças nas últimas
décadas e abarca neste contexto grupos marginalizados socialmente entre eles a mulher
se destaca. Para enquadrar a mulher dentro destas perspectivas traçadas havia o reforço
ideológico que vinham de todas as direções: a família, a igreja, as autoridades médicas
que, ratificavam o papel da mulher como matriz da sociedade e como tal,deveria
desempenhar o seu papel da melhor forma possível, aceitando o destino que a natureza
lhe deu. Sob a autoridade do pai enquanto criança/adolescente (e na falta deste, o irmão
mais velho) e mais tarde, na idade adulta sob o jugo do marido, a mulher via o seu
destino passar muitas vezes alheio aos seus anseios e objetivos.

Forçada a pautar sua existência nas relações (desiguais) de gênero, o homem


representando o centro de tudo e ela o outro, o ser submisso. Seguir as regras e
convenções era mais cômodo que transgredi-las. O ciclo se repetia- namoro, noivado,
casamento, filhos, vista grossa para as “indiscrições” do marido, subserviência e
cumprimento estrito das regras para preservar a sagrada instituição da família. As
relações de parentesco são importantes no processo de construção do gênero mas não
únicas pois “o gênero é construído através do parentesco mas não exclusivamente, ele é
construído igualmente na economia e na organização política que pelo menos na nossa
sociedade operam de maneira amplamente independente do parentesco, (SCOTT,1990
p.37).

No entanto é necessário refletir acerca de algumas questões pertinentes a esta nova


realidade: as conquistas obtidas graças ao movimento feminista abarcou a todas as
mulheres? Quem é esta mulher que gradativamente foi inserida na sociedade e teve seus
direitos assegurados? As mulheres negras também foram abarcadas pelos benefícios
provenientes das lutas feministas? É possível identificar a beneficiária de todas estas
conquistas - a mulher branca. E as negras, não tinham suas demandas específicas dentro
das já citadas? De algum modo foram abarcadas por elas? A resposta é negativa, isto
porque as mulheres negras sofriam duplamente com o racismo e sexismo, uma vez que

585
as demandas das mulheres brancas não eram as mesmas que as suas e as questões
raciais estavam implícitas no interior do movimento de luta por direitos.

No decorrer do século XX, houve uma progressiva escolarização da mulher . A mulher


negra por seu turno, não teve as mesmas condições de acesso à escola pois, para
complementar a renda familiar, necessitava ir desde cedo trabalhar e a escolarização
ficava em segundo plano. A escolarização para a mulher negra tornava-se portanto uma
quimera a qual ela não podia lançar-se sem comprometer sua renda familiar. Se
porventura desejava frequentar a escola as condições materiais precárias impediam-na
de ingressar no sistema formal de ensino.

Qual a saída para atender a esta demanda por escolarização das mulheres negras de
classes desfavorecidas? Como se escolarizar e continuar sendo, em muitos casos, chefe
de família? Vale destacar que a alfabetização de jovens e adultos foi defendida e
realizada de modo eficaz por intelectuais como Paulo Freire na década de 60 que
inclusive, esteve a frente de experiências exitosas com a alfabetização de jovens e
adultos, tornando-se uma referência nacional nesta modalidade de educação.

O grande diferencial na proposta de Paulo Freire está no fato de que parte do princípio
que a educação pode e deve ultrapassar a mera aquisição de conhecimentos para servir
como instrumento de libertação, assumindo um papel crítico, reflexivo e libertador no
processo da luta por direitos,na sua ótica não é possível lutar pelos direitos sem que
sejam garantidos o direito à voz, à participação, à reinvenção do mundo, num regime
que negue a liberdade de comer, de falar, de criticar, de ler, de discordar, de ir e vir, a
liberdade de ser. (FREIRE, 1996, p.193)

Nesta perspectiva a educação de fato permite o empoderamento do educando de modo


global estando aí incluída a mulher de diversas etnias e também a mulher negra. À
medida que possibilita que ela transforme sua realidade e assuma as rédeas da sua vida,
não deixando que os determinismos sociais que historicamente a segregaram
determinem o seu fazer e o seu pensar.

Protagonizar mudanças e assegurar um lugar para si na sociedade não é tarefa das mais
simples, e se o sujeito pertencer ao gênero feminino as coisas tendem a ser mais
complexas. Para a mulher, romper com estereótipos cristalizados a seu respeito que
perpassaram gerações se constitui em tarefa que exige esforço tenaz mas cujos efeitos
só podem ser sentidos de forma gradativa.

A educação, nesta perspectiva, permite transcender as limitações socialmente


consolidadas que buscam reduzir o universo feminino à esfera doméstica e a mulher
negra a condição de subalternidade e ignorância. Graças ao conhecimento gerado pela
educação, mulheres negras que ocupavam historicamente lugares marginalizados da
sociedade já podem vislumbrar um futuro mais promissor e requerer para si um melhor
papel na sociedade.

A EJA neste aspecto, tem sido um importante veículo condutor dessas mudanças a
partir do momento em que abarcam estas mulheres e lhes dá a possibilidade de
transformar sua realidade através da educação. Este empoderamento tem crescido e

586
produzido frutos que são as mulheres negras ocupando os mais distintos espaços de
poder e demarcando o seu lugar nos diversos níveis sociais.

O conhecimento produz efeitos libertadores pois, permite que o sujeito adquira


consciência de sua realidade e o impele a ir em busca de suas possibilidades. As
estudantes da EJA subvertem a ordem a partir do momento em que vislumbram outras
alternativas de vida e saem da condição de sujeito passivo e ampliam seus horizontes e
suas perspectivas de vida.

Referências

CALIXTO,Thayanne Guilherme Calixto, FRANÇA,Marlene Helena de Oliveira


Mulheres negras na Eja: Reflexões sobre gênero e empoderamento. In: XII CONAGE
Colóquio Nacional: Representações de gênero e sexualidades. 2016, Paraíba. Anais
Eletrônicos. Paraíba, UFPB. Disponível em
http://www.editorarealize.com.br/revistas/conages/trabalhos/TRABALHO_EV053_MD
4_SA4_ID686_02052016225946.pdf. Acesso em Dezembro 2016.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.


São Paulo: Paz e terra, 1996

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, 42.ªed.

FREIRE, Ana Maria Araújo. A voz da esposa: A trajetória de Paulo Freire. In:
GADOTTI, Moacir. Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo. Cortez: instituto
Paulo Freire 1996, p.69-115.

HALL, Stuart. A identidade na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva;


Guacira Lopes Louro. 9ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004

HOOKS, Bell, Não sou eu uma mulher? Plataforma Gueto, 2014

NIECONTHER, Rosane. A Eja em minha vida: Trajetórias de sociais de egressos/as


da educação de jovens e adultos no município de Palhoça (SC).2012,90 f.
Dissertação (Mestrado em Educação), Centro de Ciências Humanas e da Educação.
Universidade do Estado de Santa Catarina. Santa Catarina.

PRIORE,Mary Del. Histórias e conversas de mulher. São Paulo: Planeta do Brasil,


2013.

SCOTT, Joan.Wallach, “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação &
Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2,jul./dez. 1990, pp. 71-99. Trad. Guacira Lopes
Louro.

SILVA, Tomás Tadeu da. Alienígenas na sala de aula.Petrópolis:Vozes,1995.

587
HISTÓRIA INDÍGENA E ENSINO: UM DIÁLOGO
A SER ESTREITADO (2008-2016)
Edilene Pereira Vale

Este trabalho trata da História indígena e o ensino nas escolas públicas de São Luís do
Maranhão, entre os anos de 2008 a 2016. Para tanto, propõe-se a observar como o índio
é representado nos livros didáticos utilizados nas principais escolas estaduais da cidade
de São Luís, a partir de conceitos e sob quais condições as abordagens presentes nestes
manuais lhes conferem um lugar histórico. O recorte temporal refere-se às edições dos
livros analisados no trabalho, publicados após a regulamentação da lei 11.645/2008, que
dá obrigatoriedade ao ensino da história dos povos indígenas no ensino básico.

No currículo escolar de História a abordagem dada às populações indígenas geralmente


é restrita basicamente à “Colonização da América pelos portugueses”, especificamente
quando se trata do escambo com os portugueses, catequização e escravidão. Na maioria
dos casos, não se dá ênfase aos movimentos de resistência protagonizados pelos índios,
nem as alianças que faziam com os europeus, as atividades desenvolvidas por eles nos
serviços públicos e particulares, sem falar nos aspectos da formação cultural.

A história no âmbito acadêmico e escolar ainda precisa ser explorada, analisada e


difundida. O silêncio e a falta de problematização sobre o tema nas escolas do
Maranhão, promovida seja pela escassez de pesquisas ou mesmo pela ausência de uma
formação continuada dos professores resultam num “permanente estado de
desconhecimento, na manutenção de preconceitos, equívocos, desinformações,
estereótipos e intolerância generalizadas em relação aos índios, inclusive entre os
educadores” (SILVA, 2012, p. 5).

Um novo olhar sobre o indígena é de suma importância para um ensino qualitativo, seja
no meio acadêmico ou escolar, não só pela promoção de uma atualização acerca dos
debates que norteiam o tema no âmbito dos estudos especializados, mas também porque
potencializa os discentes da universidade e rede escolar a perceber o indígena como
sujeito protagonista de sua História e da formação sociocultural e territorial do Brasil.

Esses dois saberes, história acadêmica e história escolar, apesar de suas


especificidades buscam promover uma visão de mundo crítica. Para tanto é
preciso construir leituras sobre o mundo e sobre si capazes de favorecer o
sentimento de identidade e, ao mesmo tempo, a capacidade crítica para
reconhecer e lidar com as diferenças e situá-las no tempo (ROCHA,
MAGALHÃES; GONTIJO, 2009, p. 16).

Por muito tempo, na historiografia clássica, o indígena foi apresentado como sujeito de
cultura “pura”, com características “originais” que, a partir do contato com o europeu,
passou por um processo de assimilação cultural com a progressiva perda de seus
costumes. Nessa história, os nativos foram apresentados como vítimas, passivos ou até
mesmo irrelevantes no processo de colonização, sem quaisquer sinais de resistência.
588
Entretanto, a partir do final do século XX, essa visão historiográfica sofreu profundas
mudanças. O indígena passou a ser visto como agente histórico, adquirindo uma
participação ativa no processo de colonização. Essa nova interpretação se deu graças
aos autores revisionistas da historiografia indígena. Refiro-me, especialmente, a John
Monteiro (1994), Maria Regina Celestino de Almeida (2000) e Almir Diniz de Carvalho
Júnior (2005).

Ao invés de vítimas passivas de um processo de perdas culturais sucessivas que os


conduzia inevitavelmente à extinção étnica e cultural, os índios inseridos no império
colonial português e, mais tarde, no império brasileiro, podem ser vistos como agentes
sociais ativos neste processo (ALMEIDA, 2017).

Deste modo, a forma de olhar o indígena passou por profundas mudanças, graças ao
interesse de alguns autores em investigar, revisionar, problematizar e elaborar uma nova
história sobre a atuação histórica desses sujeitos. Se antes eram vistos como figurantes,
agora são compreendidos como atores e agentes históricos. Todavia, cabe questionar se
este conhecimento acadêmico chega ao ensino básico, seja nos materiais utilizados ou
através dos professores. De fato, “o ensino seria melhor na medida em que mais
semelhante, coerente e atualizado fosse em relação à produção científica
contemporânea” (MONTEIRO , 2003, p. 10).

Por muito tempo a história indígena não recebeu um grande destaque na sala de aula,
porém nos últimos anos, graças à luta por mais espaços em todos os âmbitos da
sociedade de vários grupos sociais e pela necessidade de estudar a contribuição de
vários povos para nossa história, houve a precisão de se buscar formas para discutir e
valorizar a história cultura dos mesmos. E um dos espaços elencados para ter esse maior
conhecimento são as escolas.

Com isso os currículos escolares tiveram algumas mudanças através, sobretudo, da Lei
11.645 de março de 2008, que tornou obrigatório a inclusão da história e cultura
indígena. A referida lei:

Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei


no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, na qual estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
(BRASIL, 2008)

Como consequência da criação da lei, estes conteúdos devem aparecer nos livros
didáticos, visto que ainda é um dos instrumentos mais utilizados por professores e
alunos nas escolas. “O livro didático continua sendo material didático referencial dos
professores, pois pais e alunos, apesar do preço, consideram-no referencial básico para
estudo” (BITTENCOURT, 2002, p.71).

Nesse sentido, para investigar como esse assunto, a história e cultura dos povos
indígenas, é passado nas escolas, será feita uma breve análise de três livros didáticos de
história destinados ao 2º ano do ensino médio, cuja seleção baseou-se na escolha e
utilização dos materiais pelas escolas estaduais de São Luís, são eles: Novo Olhar

589
História da editora FTD (2010), Conexões com a História da editora Moderna (2013) e
Ser Protagonista da editora SM (2010).

O primeiro livro Novo Olhar História trata dos índios no capítulo “Conquista e
colonização portuguesa na América”, os nativos são citados somente em uma página
durante a explicação sobre a exploração do pau-brasil através do escambo com os
portugueses; nas relações entre europeus e índios; formas de resistência; e catequização
dos índios.

O livro Conexões com a História da editora Moderna, apesar de ser o mais recente dos
três, é o que menos aborda a participação do índio na história do Brasil. São destinados
somente pequenos espaços quando se trata do “Império colonial português”, vale
ressaltar que são espaços separados e sem nenhuma ligação com o corpo do texto, há
um texto extra e dois boxes.

Dos três manuais didáticos, o que mais se destaca é o Ser Protagonista da Editora SM,
nele é destinado um capítulo somente para falar dos povos indígenas do Brasil. Nesse
capítulo é apresentada a grande diversidade de povos indígenas e as várias famílias
linguísticas existentes no século XVI. Além disso, é abordado a família dos Tupis-
Guarani e os vários aspectos da cultura indígena, como a espiritualidade, arte, adornos
usados, utensílios do cotidiano, pintura corporal, entre outros.

Portanto, é perceptível que dos três livros o que mais contempla a história indígena é o
terceiro livro, tanto do ponto de vista dos textos, imagens e atividades que são
apresentadas e também pelo maior espaço que é dado, pois os mesmos ainda aparecem
quando se trata da colonização da América portuguesa, apresentando as suas relações
com os colonizadores, principalmente as formas de resistência e as dificuldades
encontradas na catequização.

Em geral, a história dos povos indígenas aparece somente nos livros do segundo ano do
ensino médio, que abordam a história do Brasil desde a colonização até o período
imperial. E frequentemente os índios aparecem de forma breve somente no período
colonial, após isso, não encontramos mais nada referente aos índios em outros
momentos da nossa História. “O peso de conhecimentos que se tornaram obrigatórios
por força da tradição escolar vem, dessa forma, anulando as possibilidades de inovação
ao ensino de História” (ABUD, 2011, p 170), com isso, muitos temas vêm sendo
deixados de lado, como é o caso da história indígena, o que dificulta uma renovação no
ensino.

Referências

ABUD, Katia Maria. A guardiã das tradições: a História e o seu código curricular.
Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 42, p. 163- 171, out./ dez. 2011: Editora UFPR.

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Disponível em:


<http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid
=381&sid=51>. Acesso em 15 de janeiro de 2017.
590
ALVES, Alexandre; OLIVEIRA, Letícia Fagundes de. Conexões com a História. São
Paulo: Moderna, 2013.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro didáticos entre textos e imagens. In:
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes (org.). O saber histórico na sala de aula. São
Paulo: Contexto, 2002.

BRASIL. Lei n. 11.645, de 3 de maio de 10 de março de 2008.

CAPELLARI, Marcos Alexandre; NOGUEIRA, Fausto Henrique Gomes (orgs). Ser


Protagonista. São Paulo: editora SM, 2010.

DIAS, Adrian Machado; GRINBERG, Keila; PELLEGRINE, Marco Cesar. Novo Olhar
História. São Paulo: FTD, 2010.

MONTEIRO, Ana Maria F. C.. A história ensinada: algumas configurações do saber


escolar. História & Ensino, Londrina, v.9, p. 37-62, out. 2003.

ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO, Rebeca. A Escrita da


História Escolar: memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009.

SILVA, Edson. Povos indígenas: história, cultura e o ensino a partir da Lei 11.645.
Revista Historien UPE/Petrolina, v. 7, 2012.

591
A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
NA ESCOLA: (RE)DISCUTINDO O USO DE
CONCEITOS NO COTIDIANO DOS ESTUDANTES
Eduardo Nunes da Silva
Marcos Antônio Silva dos Santos
Juliana Barbosa Sindeaux
Janailson Macêdo Luiz

Problematizações

A escola se constituiu como um dos mais importantes ambientes de socialização a que


temos contato em nossa formação sociocultural. Através das interações que possibilita
por intermédio do que é proposto explicitamente em sua organização curricular ou
durante a efetivação do chamado currículo oculto (SILVA, 2001), ela influencia
diretamente as negociações travadas pelos sujeitos e pelos grupos no que concerne à
formação de suas identidades pessoais e coletivas.

Essas negociações identitárias em torno das fronteiras interétnicas (BARTH, 2000), no


entanto, se estabelecem no cerne de uma estrutura social ainda marcada pela
manutenção e reprodução do racismo; reprodução essa que ocorre mesmo em espaços
caracterizados pela diversidade étnica de sua população, a exemplo das escolas situadas
em bairros periféricos das cidades de médio e grande porte da Região Amazônica.

Sobre esse tema, um estudo recente realizado junto a estudantes de escolas públicas do
bairro do Guamá, periferia de Belém-PA, concluiu que:

O preconceito racial basicamente ainda existe no cotidiano escolar, e


sobrevive sob as rédeas de justificativas às quais os próprios estudantes
apontaram: a chacota, os apelidos, o bullying, a violência simbólica,
envoltos em uma atmosfera refletora de um espaço externo, que é a
sociedade na qual vivemos e tentamos estabelecer relações de sociabilidades
que reflitam nossa esperança de formar cidadãos menos preconceituosos e
mais tolerantes (COELHO et al., 2015, p. 357).

Partindo do contato com realidades – e esperanças – não muito distintas das


apresentadas acima por Coelho et al., propusemos a realização de atividades junto a
uma escolas pública que atende a alunos de bairros periféricos do município de Marabá-
PA. O artigo trata, nesse sentido, de experiências relacionadas a oficinas sobre a questão
étnico-racial realizadas junto a estudantes das séries finais do Ensino Fundamental
(2015) e do terceiro ano do Ensino Médio (2016) da Escola Municipal Pequeno
Príncipe, situado no Bairro Nova Marabá, em Marabá-PA.

592
As duas versões das oficinas estiveram centradas em conceitos como de Raça, Etnia,
Racismo, Estereótipo, entre outros; discutidos com base nos conhecimentos prévios dos
estudantes e no diálogo com as compreensões e realidades vivenciadas por eles nos
espaços internos e externos à escola. Na segunda versão, foram ainda trabalhadas
questões do Exame Nacional do Ensino Médio, pertinentes a temática, de modo a
dialogar com as expectativas dos estudantes com relação ao tratamento do tema no
“vestibular”, sem prejuízo para a busca de uma abordagem crítica sobre o tema
abordado.

As oficinas foram realizadas a partir de ações de extensão mais amplas desenvolvidas


desde o final do ano de 2015 na referida escola, em especial junto as disciplinas História
e Ensino Religioso, pelo Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Relações Étnico-
Raciais, Movimentos Sociais e Educação – N’UMBUNTU (PROEXT/MEC) e
articuladas com o projeto Educação das relações Étnico-raciais: A História da África e
a História e Cultura Afro-Brasileira em sala de aula, desenvolvido junto ao edital 2016
do Programa – PAPIM/UNIFESSPA.

Debatendo os conceitos em sala de aula

Brandão (2006), apresenta que algumas questões são indispensáveis no trabalho em sala
de aula, sobretudo no diz respeito à educação das relações étnico-raciais, que deve estar
centrada na busca por uma educação escolar mais plural e que valorize a diversidade
étnica e cultural do Brasil. Para esse autor, o professor deve ir além do senso comum,
sempre problematizando as piadas ou comentários que surgirem durante a aula e não
deve assumir uma postura intransigente, buscando, inversamente, saber ouvir os
estudantes, fator importante para uma discussão saudável e que valorize a
multiplicidade de opiniões, sem silenciar nenhum grupo ou sujeito.

No mesmo sentido, a partir da leitura de autores/as como Gomes (2005) e Sant’ana


(1999) compreendemos que aprofundar o debate em torno dos conceitos é de suma
importância para melhor compreensão das relações étnico-raciais no Brasil. Para tanto,
é imprescindível levar em consideração a origem, a pluralidade de significados e a
historicidade de certas palavras.

Com base em conceitos como Discriminação, Preconceito, Estereótipo, Racismo,


Injúria racial e Raça, debatidos pelos autores acima citados, construímos durante as
oficinas a discussão em torno dos saberes e história de vida dos estudantes, em sua boa
parte afrodescendentes, centrando a discussão em casos de racismo ou outras formas de
discriminação vivenciados por eles.

Em cada oficina pudemos realizar ações dialógicas voltadas para as compressões


apresentadas pelos estudantes em seu cotidiano. É mister pontuar que durante todo o
ano foram realizadas outras atividades junto as turmas e a escola, também voltadas para
a desconstrução sistemática dos estereótipos e construção de olhares positivos para a
história e cultura afro-brasileira. Esse trabalho sistemático mostrou-se fundamental,
dada a ampliação das possibilidades de diálogo com os saberes já debatidos em sala
pelos estudantes.
593
É importante frisar que o objetivo das oficinas não era taxar os alunos ou sujeitos por
eles aludidos como racistas ou realizar uma “caça às bruxas” em relação aos atos
racistas narrados, mas possibilitar a compreensão de como o racismo se reproduz no
cotidiano dos estudantes, muitas vezes veiculado através da reprodução acrítica de
certas visões do senso comum. Foi buscado fomentar problematizações acerca da
necessidade de criar outras práticas e representações (CHARTIER, 1988) que lhes
possibilitassem quebrar os estereótipos e agir de modo consciente no seu dia-a-dia
contra a reprodução do racismo e das mais variadas formas de discriminação.

Os conceitos foram introduzidos como forma de contraposição ao Mito da Democracia


racial, que apregoa a inexistência de situações conflitivas no que tange às relações
raciais no Brasil. A princípio, perguntamos a compreensão tida pelos alunos acerca de
cada conceito, possibilitando dialogar com suas visões de mundo e experiências.

A partir dos exemplos apresentados por eles, buscamos chamar a atenção para a
necessidade de desnaturalização de certas compreensões, como, por exemplo, as que
fundamentam algumas expressões rememoradas durante o debate, a saber: “preto é
feio”; “preto correndo é ladrão e parado é suspeito”. Buscamos apresentar como, através
de preconceitos manifestados de forma sutil através de piadas e comentários, as crianças
negras são levadas desde a infância a rejeitarem seu próprio corpo: alvo e principal
motivo dos ataques. E as crianças brancas acabam sendo, no mesmo sentido, ensinadas
a virem a si próprias como superiores, possibilitando a manutenção do status quo das
hierarquias raciais, herança que ainda guardamos do período escravista.

Por consequência, como pudemos constatar no diálogo junto aos estudantes, esses
estereótipos contribuem para que os afrodescendentes passem muitas vezes a rejeitar a
identidade negra e assumir uma outra identidade, mais próxima do padrão que elege
como sujeito o homem branco, heterossexual e de classe média. A escola deve,
portanto, construir espaços onde possam ser fomentados debates sobre como os
estereótipos se reproduzem, levando em consideração as visões apresentadas pelos
estudantes, de modo a poder de fato dialogar com as suas visões de mundo e possibilitar
mudanças efetivas na realidade que eles vivenciam e ajudam a constituir.

Considerações finais

Por fim, é importante ressaltar que o fazer pedagógico deve valorizar o conhecimento
que cada aluno já traz consigo, reconhecendo deste modo as vivencias, traumas e
memorias de cada um, se atendo aos momentos em que os alunos revivem suas
memorias fortes ou traumáticas. O mesmo vale para opiniões divergentes das do
professor. O cuidado para tratar com a situação sem que haja desrespeito é essencial,
procurando saber buscar elementos que tornem possível a desmistificação de temas
enraizados nos indivíduos e que surjam em aula sem causar atritos ou desconfortos.

594
Referências bibliográficas

BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Tradução de


John Cunha Comerford. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000.

BRANDÃO, A. P. (Coord.). Saberes e fazeres: modos de sentir - Rio de Janeiro:


Fundação Roberto Marinho, 2006. (A cor da cultura, V. 2).

CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Trad. de


Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difusão Editora, 1988.

GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações
raciais no Brasil: uma breve discussão. In: BRASIL. Educação Anti-racista: caminhos
abertos pela Lei federal nº 10.639/03. Brasília, MEC, Secretaria de educação continuada
e alfabetização e diversidade, 2005. P. 39 - 62.

SANT’ANA, A. O. de. História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados.


In: Superando o Racismo na escola. 2ª edição revisada / Kabengele Munanga,
organizador. – [Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, 2005. 204p.: il.

SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do


currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

COELHO, Wilma Nazaré Baía et al. Sociabilidades adolescentes: cor e hierarquias no


ambiente escolar – notas introdutórias. In: Educação, História e Relações Raciais:
debates em perspectiva. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2015. p. 345-362.

595
CONSIDERAÇÕES AO ENSINO DE HISTÓRIA
NAS ESCOLAS INDÍGENAS
Fernando Roque Fernandes

Problemáticas

O ensino de História Indígena têm se destacado como problemática importante às


reflexões de diferentes autores que analisam o desenvolvimento de metodologias
educacionais que consideram a diversidade cultural de nossa sociedade. Os estudos
recentes têm sido motivados por diferentes situações que dizem respeito aos processos
educacionais relacionados à diversidade étnica. Historiadores, antropólogos e
pedagogos têm refletido sobre metodologias de ensino que concorrem para a
evidenciação da pluralidade étnica na sociedade a partir do ambiente escolar. O
resultado dessas análises tem refletido em diferentes situações que incluem a criação de
legislações como as leis 10.639 e 11.645 que operam na inclusão do tema diversidade.

Se na educação escolar da comunidade envolvente observamos dificuldades na revisão


do lugar dos povos indígenas na História, nas escolas indígenas tais questões operam
em outra lógica. Cada vez mais, os sujeitos indígenas têm apresentado propostas
diferenciadas ao ensino de História em suas aldeias. Torna-se, também, legítimo e útil
evidenciar como esses processos vêm ocorrendo e qual o sentido das propostas
diferenciadas dos sujeitos indígenas para a educação escolar.

O ensino de História Indígena nas escolas da comunidade envolvente

Há um debate sempre atual sobre a inclusão da temática da história indígena nos


currículos escolares. Muito se tem debatido sobre a aplicação da lei Nº 11.645 e demais
indicações presentes nos Parâmetros Curriculares. Aracy Lopes já apontava, na década
de 1980, para a necessidade de se desenvolver uma proposta que melhor considerasse a
representação dos povos indígenas nos livros didáticos (Silva, 1987). Frei Betto
argumentava que “quase toda a historiografia oficial, da qual os livros didáticos são
meros resumos de divulgação, é a história contada pela ótica do branco opressor [...] se
os índios tivessem escrito livros de história, saberíamos o que aconteceu pela ótica do
oprimido” (Betto, 1987).

Críticas e propostas surgiram em larga escala e muito se refletiu sobre metodologias e


narrativas históricas que relegassem um lugar melhor aos povos indígenas na narrativa
escolar. Um ponto que deve ser observado com atenção é que os povos indígenas
sempre estiveram presentes na História Oficial e apareceram juntamente com negros e
brancos nos livros didáticos. Portanto, os índios nunca estiveram ausentes das narrativas
veiculadas em sala de aula. O problema evidente está na forma como esses índios foram
e ainda são representados nesses livros. Luis Donizete Benzi Grupioni observou que tais
representações perpetuam concepções equivocadas sobre o papel das sociedades
596
indígenas na História do Brasil (Grupioni, 2012). Apesar de todos os esforços e críticas
lançadas, discursos e práticas continuam a produzir uma visão pejorativa sobre as
populações indígenas.

Historiadores, antropólogos e pedagogos, identificaram representações preconceituosas


que refletem a clara desinformação de muitos autores acerca da temática indígena.
Dentre essas visões, destacou, pelo menos oito, a saber:

1. Índios e negros são quase sempre enfocados no passado e de forma


secundária: o índio aparece em função do colonizador;

2. A história é estanque, marcada por eventos significativos de uma


historiografia basicamente europeia;

3. Os livros didáticos ignoram o processo histórico que teve curso no


continente;

4. Os povos indígenas são apresentados pela negação de traços culturais


significativos (falta de escrita, falta de governo; falta de tecnologia para
lidar com metais etc.);

5. Omissão, redução e simplificação do papel indígena na história;

6. Operam com a noção de índio genérico, ignorando a diversidade que


sempre existiu entre esses povos;

7. Generalizam traços culturais próprios de um povo para todos os povos


indígenas;

8. Trabalham com a dicotomia índios puros, vivendo na Amazônia versus


índios já contaminados pela civilização, onde a aculturação é um caminho
sem volta (Grupioni, 2012).

A partir destas considerações, podemos inferir que os livros didáticos disponibilizados


às escolas não indígenas ainda precisam passar por importantes reformulações em seus
conteúdos. Uma necessidade urgente é a atualização desses livros com pesquisas
recentes que tratam do que John Manoel Monteiro denominou de Novo Indigenismo
(Monteiro, 1995). Uma revisão sobre tais representações é importante porque o
processo de transformação da forma pela qual a sociedade envolvente lida e representa
os povos indígenas passa, necessariamente, pelo processo educacional que veicula suas
representações. Lidar com a temática da diversidade é essencial ao desenvolvimento de
uma sociedade consciente de seu processo histórico.

597
O ensino de História nas escolas das comunidades indígenas

De acordo com Bittencourt (1994), apresentar o problema do ensino de História nas


escolas indígenas é um desafio de grandes proporções. Nestas, as metodologias de
ensino devem operar em outros termos, fundamentalmente em termos indígenas. É
importante observar que, nos últimos anos, as escolas indígenas têm se beneficiado de
recursos humanos de origem indígena. Os movimentos de professores indígenas
espalhados por todo o país têm dado saltos significativos na luta por uma educação
diferenciada que considere as especificidades de cada povo (Grupioni, 2008). No
entanto, ainda há escolas em que o ensino é feito por professores não indígenas alocados
para desempenhar tal função nas escolas indígenas. Infelizmente, muitos não estão
preparados para lidar com as especificidades dessas populações indígenas e acabam por
reproduzir a versão histórica veiculada nos livros didáticos das escolas não indígenas
(Melo & Melo, 2016). Assim, surge-nos uma questão: como amenizar tal problema?

A instituição escolar têm sido apropriada pelos sujeitos indígenas como uma estratégia
importante na ampliação das formas de comunicação desses povos com a comunidade
envolvente. A escola indígena atua, também, como possibilidade de valorização do
universo cultural e político dos povos indígenas, servindo como ferramenta importante
nos processos de protagonismo e resistência.

A princípio, deve-se considerar que as propostas educacionais para essas escolas, devem
evidenciar as diferenças culturais e históricas de cada povo. Nesse sentido, a base inicial
de um diálogo deve ocorrer a partir de uma troca de conhecimentos mútuos. As
metodologias pedagógicas da comunidade envolvente são importantes ao
desenvolvimento do processo de ensino/aprendizagem. No entanto, os conhecimentos a
serem apresentados nessas escolas devem ter significado para os sujeitos indígenas. Se a
educação escolar têm a finalidade de fortalecer e valorizar os aspectos identitários
dessas populações, os conteúdos educacionais devem operar no sentido de possibilitar a
manutenção social, cultural e étnica desses povos.

Bittencourt (1994) observou que os Professores Indígenas da etnia Krahô, ao


questionarem sobre o ensino de História nas escolas indígenas, afirmaram que “a escola
deve ensinar a historia dos brancos para que a aldeia possa estar mais informada sobre o
mundo da cidade e possa estabelecer trocas em todos os níveis, em uma situação de
maior igualdade”. Os mesmos professores salientaram a importância de temas como
história da escrita, história do dinheiro, história das doenças etc. A finalidade de tais
temas seria, em certo sentido, conhecer a história da comunidade envolvente relativa a
problemas vivenciados pelo grupo e como possibilidade de aprofundar o conhecimento
sobre a comunidade envolvente. Já os Munduruku, estabelecidos no Pará, observaram
que seria importante que se incluísse a história dos diferentes grupos indígenas nos
currículos escolares, assim como a possibilidade de os próprios índios escreverem sua
história se utilizando de documentos feitos pela comunidade envolvente. A proposta
seria “destacar as representações do mundo civilizado sobre eles, mas ainda utilizar,
como fonte básica para esta reconstrução, os seus mitos”. Assim, poderiam construir
uma narrativa histórica (com a utilização de fontes não indígenas) que pudesse ser capaz
de levá-los ao conhecimento de suas origens e das transformações sofridas por esse
povo a partir do contato com os europeus.

598
Parece-nos importante observar que a construção de propostas de ensino de História
Indígenas nessas escolas devem considerar, pelo menos, quatro aspectos, a saber: 1. a
história local do grupo; 2. a história do conjunto dos grupos indígenas; 3. a história da
comunidade envolvente; 4. a história do contato e das relações desenvolvidas entre
índios e brancos, sejam elas pacíficas ou conflituosas. Aliados ao fundamento básico de
constituição dos currículos escolares indígenas a partir do diálogo entre os professores
indígenas e não indígenas, e considerando as noções de tempo, espaço, identidade e
diferença, esses aspectos têm grandes chances de alcançar pontos positivos (Bittencourt,
1994). Cabe a observação de que longe de simplificar o ensino de História nas escolas
indígenas, o que queremos demonstrar, ao contrário, é o grande desafio de desenvolver
tais conteúdos em ambientes plurais.

Outra observação importante é que, nos últimos anos, muito material tem sido
produzido por sujeitos indígenas. Até agora, reflexões sobre o significado dessas
produções têm sido parcamente debatidas. O reconhecimento daquilo que podemos
denominar de uma “versão indígena da história indígena” resulta dessas produções.
Para tanto, é fundamental que se reconheça que as produções indígenas são legítimas
demonstrações do protagonismo desses povos e que, atualmente, o número de
produções científicas e de publicações tem crescido substancialmente.

Etnias indígenas de diferentes estados do país têm desenvolvido livros didáticos e


paradidáticos no sentido de atender as demandas das escolas indígenas com material que
lhes possibilite trabalhar os conhecimentos científicos baseando-se em suas próprias
versões do que seja a história indígena. Tais produções representam as iniciativas
indígenas no sentido de tomar o controle sobre o que se tem produzido sobre seus
processos históricos. Verifica-se, nesse sentido, que os povos indígenas estão cada vez
mais inclinados a rejeitar narrativas que pouco ou em nada se relacionam com suas
trajetórias históricas. Mas, sobre os livros didáticos indígenas e o ensino de História,
ficará para uma próxima ocasião...

Referências Bibliográficas

BETTO, F. Tanta mentira que parece verdade. In: A. L. Silva, A questão indígena
na sala de aula (pp. 7-10). São Paulo: Brasiliense, 1987.

BITTENCOURT, C. M. O ensino de História para populações indígenas. In: I. N.


INEP, Em aberto - Educação Escolar Indígena (pp. 105-116). Brasília/DF: MEC, 1994.

GRUPIONI, L. D.. Olhar longe, porque o futuro é longe: Cultura, escola e


professores indígenas no Brasil. São Paulo/SP: Universidade de São Paulo, 2008.

GRUPIONI, L. D.. Estudos para a regulamentação da Lei 11.645. Brasília: Conselho


Nacional de Educação, 2012.

MELO, D. S., & Melo, E. S.. Formação Continuada para Professores não indígenas
para uma educação escolar intercultural em escolas indígenas. Belém/PA, 2016.

599
MONTEIRO, J. M.. O desafio da História Indígena no Brasil. In: A. L. Silva, & L. B.
Grupioni, A temática Indígena na escola (pp. 221-228). Brasília: Unesco, 1995.

SILVA, A. L.. A questão indígena na sala de aula. São Paulo: Brasiliense, 1987.

600
A DOMINAÇÃO APRENDIDA EM BOURDIEU
Gabriela Soares Balestero

Bourdieu defende a ideia de que o homem aprende a lógica da dominação masculina e a


mulher absorve essa relação inconscientemente. A repetição então é entendida como
inerente ao ser humano. Aprendemos através de exemplos. Assim, muitas vezes, nós
repetimos sem perceber. Nesse sentido, a sociedade, naturalizando comportamentos,
legitima essa concepção através das repetições. Bourdieu define o poder simbólico
como este poder invisível no qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles
que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. (Bourdieu 1989:
6-16). Nessa linha, a violência simbólica, segundo o autor se traduz como uma violência
suave, insensível pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento
ou reconhecimento. (Bourdieu 2003)

Segundo o autor, na lógica da dominação o dominado reconhece o poder exercido pelo


dominante. As instituições tais como Estado, família e escola colaboram como agentes
de perpetuação dessa relação de dominação, pois elaboram e impõe princípios de
dominação que são exercidos no campo mais fértil que pode haver em uma sociedade: a
vida privada. Essas instituições determinam comportamentos, impõe regras, valores que
são absorvidos pelas instituições familiares, de forma que através da comunicação é
aprendido instintivamente por meio de esquemas inconscientes da ordem masculina.

A dominação masculina é munida de todos os instrumentos necessários para seu


funcionamento. O termo simbólico, no caso da dominação masculina, procura
demonstrar que esta é tanto ofensiva e perigosa quanto a violência física, pois é tão forte
que não necessita de justificação ou coação, ela já se encontra inserida como uma
predisposição natural do indivíduo. O poder simbólico é construído, por isso não existe
culpabilização da vítima, já que devido a essa construção estrutural a mulher acaba se
comportando de forma que ratifica sua submissão, ainda que seja não intencional a
partir de concepções aprendidas do que é amável, admirável, ela se sensibiliza com
essas manifestações e procura se enquadrar nesse perfil. (Bourdieu 2003)

Se houve um trabalho de historicização de eternizar conceitos, para sair desse elemento


opressor, seria necessário um trabalho de reconstrução da história ou a recriação da
história e das estruturas que mantém a dominação masculina. O Estado a igreja e a
escola foram e são as instituições mais importantes responsáveis pela construção dos
papéis desempenhados pelos gêneros. A família é o berço da representação da
dominação masculina, onde se inicia a primeira noção de divisão de tarefas baseadas no
gênero. A igreja, sendo historicamente antifeminista perpetua através de séculos a noção
moralista patriarcal de inferioridade feminina, condenando qualquer tipo de prática
considerada subversiva aos costumes, como roupas ou determinados comportamentos.
(Bourdieu 2003) Assim, a escola contribuiu transmitindo ideias arcaicas de modelos
pré-concebidos tipicamente masculinos e femininos, de profissões e comportamentos. O
Estado adquire uma figura paternalista em alguns países, onde faz da família patriarcal o

601
núcleo duro da sociedade, atribuindo excesso de importância ao homem em detrimento
da mulher.

Há fatores que podem contribuir para uma mudança e questionamento da dominação


masculina, são os fatores de mudança descritos pelo autor. O movimento feminista
contribuiu em algumas áreas para desmistificação de certos comportamentos,
rompendo-os. Podemos citar a área que abrange o acesso da mulher ao mercado de
trabalho e seu papel, houve nesse sentido distanciamento das tarefas domésticas. O mais
importante está relacionado ao âmbito escolar, onde o acesso feminino garantiu mais
independência feminina econômica no seio familiar, além de contribuir para mudar a
estrutura familiar, aumentando o número de divórcios. (Bourdieu 2003)

O aumento da escolaridade e o acesso feminino as profissões intelectuais e nos meios de


difusão de vendas de serviços simbólicos merecem destaque, pois são posições que
anteriormente não eram ocupadas por mulheres. Infelizmente isso não significa que as
posições ocupadas sejam posições de destaque, pois embora as condições tenham
melhorado contribuindo para maior ascensão e independência da mulher, os postos onde
se detém muito poder está quase que exclusivamente restrito aos homens, salvo raras
exceções. (Bourdieu 2003).

Assim, a violência de gênero se expressa e se reproduz culturalmente através de


comportamentos irrefletidos, aprendidos histórica e socialmente. Em resumo, Bourdieu
defende a ideia de que a dominação masculina é aprendida pelo homem e absorvida pela
mulher inconscientemente e como tal podemos concluir e entender que a violência é um
problema social e como tal deve ser atacado não somente nos resultados.

Bibliografia

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603
AS DIFICULDADES EM TRABALHAR A
EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL NO AMBIENTE
ESCOLAR
Geanice Pinheiro dos Santos
Terlen Lana Vasconcelos de Sena
Wilverson Rodrigo Silva de Melo

Introdução

Em um país onde as leis nem sempre são cumpridas faz-se necessário uma breve análise
bibliográfica sobre como é trabalhada a questão da discriminação e preconceito racial
no contexto escolar.

O objetivo do presente estudo é perceber os obstáculos encontrados pelas instituições de


ensino na execução da Lei nº 10.639/2003, e como essa lei após treze anos de sua
implantação, ainda se encontra pouco conhecida e divulgada nos ambientes escolares,
em seguida faremos um esbouço sobre as consequências e efeitos causados pela
discriminação racial e o mal que isso acarreta na vida da criança discriminada, como o
professor pode interferir e intervir nos casos de discriminação e preconceito racial.

A metodologia adotada neste estudo foi um levantamento bibliográfico, com leituras de


livros e artigos, fichamentos de textos que abordam o assunto em destaque, com intuito
de melhor analisarmos as dificuldades que o docente enfrenta em trabalhar a
discriminação racial e o preconceito no cotidiano das escolas.

Portanto, este trabalho pretende refletir sobre os possíveis motivos que inviabilizam o
processo de implementação da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes Curriculares e ainda
mostrar que, apesar de existirem dificuldades na execução da Lei, há também sutis
avanços no sentido de haver uma visão mais sensível para a diversidade de etnias raciais
encontradas no ambiente escolar.

Reflexões acerca da educação étnico-racial e suas consequências

O olhar atento quanto a questão de discussões sobre a temática da diversidade étnico-


racial nas escolas e quanto a sua prática no dia a dia em sala de aula, ainda é pouco
percebido, e os agentes envolvidos no processo ensino-aprendizagem enfrentam certos
empecilhos em contribuir para o alcance dos objetivos da referida discussão.

No que concerne aos efeitos da discriminação e preconceito racial no ambiente escolar,


são muitas sequelas deixadas por esse ato, a criança que sofre esse tipo de violência se
sente desvalorizada, humilhada e em uma posição de inferioridade, isso pode acarretar
diversos transtornos em sua vida escolar, social e na própria família. Tais consequências
604
deixam a criança em desvantagens em seu desenvolvimento cognitivo, dificulta o
aprendizado e sua relação com os demais colegas “ditos” brancos.

Apesar da grande parcela da população ser de origem negra, cuja eficácia


não se pode negar no contexto histórico de nosso país, não é raro
encontrarmos cada vez mais pessoa de cor sendo vítimas do preconceito
racial, além das agressões, usam frases que ridicularizam os negros
conhecidas por ditos populares. Entre as diversas piadas que circulam em
nosso meio, pode-se dizer que a grande maioria recupera determinados
valores em torno do negro que envolve os seguintes aspectos: submissão,
sujeira, limitação intelectual, feiúra, animal, inútil, safado, mal, entre outros.
As frases como “negão” e piadas de “preto”, fazem parte do nosso cotidiano
e são vistas como algo “comum” nas expressões do coletivo brasileiro, são
elas: “Só pode ser negro”, “negro de alma branca”, “negro é a sujeira do
mundo”. (NASCIMENTO, 2010, p. 4).

Esse ato de preconceito e discriminação nem sempre se encontra explícito na escola, ou


seja, ele pode estar camuflado em palavras carinhosas, mas que exprimem um
sentimento de inferioridade em relação ao outro, coloca o “branco" em uma situação de
superioridade.

Por ser a fase onde a criança está em processo de busca e descoberta de sua identidade,
muitas vezes ela nega sua própria origem, para que seja aceita e colocada em igualdade
em relação aos demais colegas.

Neste sentido, cabe ao professor ter um olhar mais sensível e ser conhecedor da história
e das lutas dos negros, para com isso perceber não só as diferenças étnico-raciais
existentes na escola, mas também como lidar e como transmitir esses valores às
crianças, pois é conhecendo as diferenças que se aprende a respeitar o outro com suas
peculiaridades. Segundo Gomes (2012, p. 29):

Isso requer mudança nos discursos, nos raciocínios, nas lógicas, nos gestos,
nas posturas, no modo de tratar as pessoas negras. Requer também que se
conheça a sua história e sua cultura apresentadas, explicadas, buscando-se
especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade
brasileira.

Portanto, é importante que os professores capacitados trabalharem essa situação


desnaturalizando o discurso preconceituoso enraizado em nossas mentes e promover o
respeito à diversidade étnico-racial e cultural da sociedade brasileira.

Porém, a escola não está devidamente preparada para atender ao que é posto na
legislação, apesar de o ambiente escolar ser o responsável pela construção do
conhecimento sistematizado, pela socialização dos estudantes, talvez a implementação
da Lei 10.639/03 seja de certa forma prejudicada, pois a escola, nesse contexto, faz
vistas grossas às ocorrências de atitudes racistas.

Sendo a maior parte da população brasileira composta por negros, os quais na maioria
das vezes sofrem discriminação racial, por serem de “cor”, e por terem poucas
605
oportunidades, acabam sendo vítimas de atitudes discriminatórias e consequentemente
sua capacidade é levada à inferiorização. Do mesmo modo acontece na escola, a criança
recebe um apelido “carinhoso”, mas esta muitas vezes está sofrendo uma prática racista.

Diversos estudos comprovam que, no ambiente escolar, tanto em escolas


públicas quanto em particulares, a temática racial tende a parecer como um
elemento para a inferiorização daquele/a aluno/a identificado/a como
negro/a. Codinomes pejorativos, algumas vezes escamoteados de carinhosos
ou jocosos, que identificam alunos(as) negros(as), sinalizam que, também
na vida escolar, as crianças negras estão ainda sob o jugo de práticas racistas
e discriminatórias. (CAVALLEIRO, 2006, p. 22)

Implementação da lei 10.639/2003

Muito se fala em leis, porém pouco se cumpri ou se executa na íntegra, às vezes pelas
dificuldades de aplicação e as diferentes percepções, acabam prejudicando o seu
cumprimento. Não seria diferente com a Lei nº 10.639/2003, que obriga às instituições
de ensino de todos os níveis à implementarem nas Diretrizes Curriculares Nacionais a
Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana.

Atualmente observa-se o que antes era invisível pela falta de informação ou de


conhecimento, hoje apesar de ainda ser tratada com menos ênfase, está sendo mais
divulgada e trabalhada, em busca de promover o respeito e a igualdade entre todas as
etnias raciais e/ou classes sociais, pois o objetivo principal do Plano Nacional é garantir
esses direitos:

O presente Plano Nacional tem como objetivo central colaborar para que
todos os sistemas de ensino cumpram as determinações legais com vistas a
enfrentar as diferentes formas de preconceito racial, racismo e discriminação
racial para garantir o direito de aprender a equidade educacional a fim de
promover uma sociedade justa e solidária. (SECADI, 2013, p. 19)

No entanto, para Gomes (2012, p. 24),

Todos esses dispositivos legais entram em confronto direto com o


imaginário e as práticas de racismo e com o mito da democracia racial
extremamente arraigados no bojo do processo de escolarização e no
imaginário de profissionais da educação em todos os níveis da educação
brasileira.

Porém, não podemos deixar de observar os avanços e melhorias que a Lei 10.639/2003
trouxe para o interior das escolas e na sociedade em geral. O que antes era totalmente
despercebido, hoje já se pode notar projetos que destacam essa temática, mesmo que
ocorram esporadicamente e somente em datas específicas como, por exemplo, o dia 20
de novembro, onde se comemora “o dia da consciência negra”.

606
Nesse contexto, torna-se muito oportuna a inclusão da temática no Projeto Político
Pedagógico das escolas, visto que a ação para a elaboração do projeto é realizada
através de construção coletiva o que viabilizaria para a implementação da Lei
10.639/03, pois esta estaria mais próxima da realidade, podendo ser inserida no
cotidiano escolar. De acordo com Gomes (2012, p. 27):

Refere-se à capacidade de o trabalho desenvolvido na escola na perspectiva


da Lei n.º 10.639/03 e das suas Diretrizes Curriculares Nacionais se tornar
parte do cotidiano escolar, ou seja, da organização, da estrutura, do Projeto
Político-Pedagógico, dos projetos interdisciplinares, da formação
continuada e em serviço dos profissionais, independentemente da atuação
específica de um(a) professor(a) ou de algum membro da gestão e
coordenação pedagógica. Trata-se de a educação das relações étnico-raciais
se tornar um dos eixos norteadores da proposta político-pedagógica
desenvolvida pelo coletivo dos profissionais da educação que atuam na
instituição escolar.

Considerações finais

Após verificação dos dados observados, chegou-se ao entendimento de que é


extremamente necessário que haja um esforço coletivo para que leis como a 10.639/03
surta o efeito objetivado com sua implantação. É importante salientar que a
responsabilidade na execução da lei, precisa ter uma participação não somente do poder
público, mas também devem unir forças a estes, as instituições de ensino, as entidades
não governamentais, comunidade escolar e a família.

Portanto, a escola como um elo de ligação entre as instâncias governamentais e a


comunidade a qual está inserida, deve propiciar essa aproximação e o envolvimento,
através de palestras, oficinas, discussões para que todos tanto os funcionários da própria
escola quanto a família atentem para a questão da discriminação e preconceito presentes
no cotidiano escolar e valorizem a importância que se reveste a Educação Étnica-Racial
e a Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Referências

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RACIAL-NO-BRASIL-DISCRIMINACAO-NO-AMBIENTE-ESCOLAR.pdf>.
Acesso em: 26 dez. 2016.

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CAVALLEIRO, Eliane. Valores Civilizatórios dimensões históricas para uma educação


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607
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Étnico Raciais. Brasília: SECAD, 2006. 262 pg.

Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,


Diversidade e Inclusão. / Plano Nacional de Implementação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, SECADI,
2013. p. 104.

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI),


Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na escola na
perspectiva da Lei nº 10.639/03 / Nilma Lino Gomes (org.). 1. ed. -- Brasília : MEC ;
Unesco, 2012. 421 p.

608
ENSINO DE HISTÓRIA AFRO-BRASILEIRA:
TEORIA E PRÁTICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS
E ADULTOS
Giovana Maria Carvalho Martins

A experiência e discussões aqui relatadas são resultados do Estágio Curricular


Supervisionado realizado no curso de História da Universidade Estadual de Londrina
(UEL) em 2016, com a orientação da Prof. Dra. Ana Heloísa Molina. Este estágio foi
realizado com uma turma de Educação de Jovens e Alunos (EJA) no Colégio Estadual
José de Anchieta, em Londrina-Paraná. A temática foi o ensino de História da África e
afro-brasileira, e nosso grupo optou por abordar a história dos quilombos e sua presença
em território paranaense hoje.

Para a realização do trabalho, foi necessária a reflexão de textos relacionados ao ensino


de História e à temática. Pensamos a modalidade de ensino em que realizamos nossas
atividades, a EJA, que caracterizou-se, tanto no passado quanto no presente, como um
denso campo de práticas e reflexões (REIS, 2009). Ela é destinada para aqueles “[...]
que não tiveram oportunidades educacionais em idade que lhes era de direito ou que as
tiveram de forma insuficiente”. Porém, Sônia Reis (2009, p. 124) salienta que a EJA no
Brasil passou por uma série de percalços e que ela é “muito mais produto de esforço e
mobilização individual do que de iniciativa do sistema educacional”, já que este coloca
uma série de barreiras, desde as condições limitadas de acesso à escola até o espaço
físico inadequado, bem como currículos, métodos e materiais de ensino problemáticos.

Pensamos também alguns aspectos do ofício do professor e a importância dos estágios


durante a graduação, entendendo que são indispensáveis e enriquecem a formação
docente. O estágio na EJA teve o diferencial de proporcionar o contato com uma
realidade de ensino diferente, levando em consideração que a turma era composta por
jovens de até 25 anos, mas a referência para as atividades era o ensino fundamental. Foi
uma experiência enriquecedora na medida em que foi distinta, já que a EJA raramente
figura entre as possibilidades de estágio docente em História na UEL.

Cabe pontuar que o ambiente da sala de aula permanece o mesmo, com dinâmicas e
cotidiano próprios aos quais o professor deve se adaptar para um bom andamento da
aula em todas as modalidades de ensino. Em nossa experiência, foi necessário adequar a
linguagem das atividades para que fossem acessíveis, bem como moldá-las para o
número reduzido de sete estudantes na turma, o que impossibilitava o desenvolvimento
de determinadas propostas – mas favorecia outras, pois foram bastante participativos.
Foram necessárias aulas que se relacionassem com a vida dos alunos para que estes se
interessassem e levassem experiências positivas de nossa docência. Então, abrimos
espaço para expressarem opiniões e relatos pessoais, o que enriqueceu as aulas.

Outro aspecto considerado foi o cotidiano da sala de aula. O autor José Rodrigues
(2002) aponta que “a sala de aula, como espaço social, representa um campo plural e
609
permanente de construção de saberes a partir de interações e representações que
constituem as estruturas de produção de saberes” (RODRIGUES, 2002, p. 01). Isto se
dá pois, apesar de o cotidiano escolar estar limitado pelas normas institucionais e
sociais, sua principal característica é a espontaneidade. Assim, a história dos sujeitos, as
características geográficas do local onde moram e onde está a escola têm reflexos nas
condições sócio-econômicas, em seus modos de ser e agir, e nas percepções sobre
escola, trabalho e vida tanto de professores quanto de alunos (RODRIGUES, 2002).

Considerando estas reflexões, desenvolvemos a temática escolhida buscando mostrar


aos alunos a importância da memória e também a multiperspectividade da História.
Pensamos, então, na presença de escravos no Paraná, menor do que em locais. Em parte,
isto ocorreu porque o estado não fazia parte do eixo das economias agro-exportadoras
ou extrativistas de grande porte (SILVA, 2008). Mas isto não quer dizer que foi
insignificante, e a quantidade de quilombos remanescentes mostra como esta presença é
expressiva.

O autor Angelo Priori (2012, p. 48) coloca que a forma mais comum de resistência à
escravidão eram fugas. Os escravos se escondiam em locais de difícil acesso,
desenvolvendo comunidades e praticando agricultura, artesanato, comércio. Tais locais
receberam nomes como “mocambo” e “quilombo”, palavras africanas que significam
lugar de pouso ou acampamento, e eram locais de resgate e afirmação da identidade
étnica e cultural, em que os quilombolas podiam praticar suas religiões e manter sua
cultura. Atualmente, os quilombos permanecem como comunidades pequenas com
economia de subsistência baseada no cooperativismo, e as produções incluem
mandioca, cana-de-açúcar, arroz, feijão, milho, frutas e legumes. Há ainda a criação de
animais, como porcos, galinhas, patos, gado, cavalos (cf. PRIORI et al, 2012, pp. 54-
55).

Petrônio Domingues e Flávio Gomes (2013, p. 06) colocam que a temática quilombola
envolve debates, e desde as últimas décadas do século XX, as questões da reforma
agrária se articulam com as questões raciais. Atualmente, diversas comunidades
quilombolas lutam por territórios, e os conflitos existem graças à falta de documentação
que comprove a posse de terra (PRIORI, 2012, p. 56). Muitas estão localizadas em áreas
de produção agropecuária, outras têm seu território cobiçado por cooperativas. De
acordo com a Fundação Cultural Palmares (Ministério da Cultura), existem, no Brasil,
3.524 dessas comunidades.

Esta disputa de terras ocorreu no quilombo Paiol de Telha, em Guarapuava (Paraná).


Foi o primeiro território quilombola reconhecido pelo Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária no Paraná. Nos anos 1970, 300 famílias foram expulsas por
imigrantes alemães, fundadores da Cooperativa Agrária Agroindustrial Entre Rios,
grande produtora de grãos. Estas famílias eram quilombolas que habitavam a região
desde 1860 quando a proprietária da terra a deixou como herança para 11 de seus
trabalhadores libertos. O processo de titulação do território foi aberto em 2005,
reconhecido como quilombola em 2014, após décadas de disputas judiciais e de muitas
famílias vivendo em situação precária (cf. Terra de Direitos, 2014).

A autora Lúcia Silva (2008) salienta que a vida dos escravos após sua libertação,
especialmente no Paraná, é pouco retratada nos documentos. Desta maneira,
610
apresentamos aos alunos uma forma de estudar História que pode contribuir para
pesquisar esta população: a História Oral. Trata-se de “uma metodologia de pesquisa
que consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que podem testemunhar
sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros aspectos da
história contemporânea” (CPDOC, 2015).

Através da História Oral, é possível verificar quais as memórias preservadas pelos


quilombolas, bem como costumes e culturas. Para isto, utilizamos como fonte a
entrevista com João Paulino, lavrador neto de ex-escravos que conta sua história e sua
relação com a escravidão no Brasil. João Paulino mora em Desterro do Melo, Minas
Gerais, e seu avô, que não conheceu, foi trazido da África no século XIX e escravizado
nas terras da região. Seu pai contava histórias sobre a vida na senzala e os castigos
sofridos pelos escravos, dizendo que Paulino nasceu livre graças a “uma senhora
bondosa chamada princesa Isabel”, e, desde 2012, ele viaja todo 13 de maio a
Petrópolis, levando rosas ao túmulo da princesa. Paulino também escreve poemas
dedicados a ela (BRANDALISE, 2015).

A partir da história de Paulino, levantamos discussões variadas e ricas com os alunos,


como a importância da História Oral para o estudo e pesquisa em História,
especialmente quando considerada a ausência de documentos em muitas circunstâncias,
como a história quilombola. Problematizamos ainda sobre a visão que o lavrador tem da
princesa. O objetivo foi mostrar que os personagens históricos, por mais que tenham
títulos da nobreza, fazem parte da construção da História tanto quanto os cidadãos
comuns, que participam da História em seus cotidianos – ou seja, os alunos fazem parte
da História e a vivenciam no dia-a-dia.

Além disto, pontuamos o que a historiografia coloca: a princesa foi a responsável por
assinar a Lei Áurea que libertou os escravos, mas isto foi motivado por uma série de
circunstâncias e pelo contexto histórico em que ela estava inserida. Ou seja, ela não o
fez simplesmente por ser “benevolente”. Foi essencial mostrar aos alunos que a História
é feita de visões distintas e opiniões diferentes, e que sua multiperspectividade está
presente mesmo em situações particulares como a de Paulino.

Sobre isto, concordamos com Isabel Barca (2001, p. 29): atualmente, se reconhece que a
existência de uma multiplicidade de propostas explicativas compõe a natureza do
conhecimento histórico, dando-lhe um caráter de provisoriedade, pois “a relação
histórica entre factos pode ser enriquecida se se trabalhar com mais do que uma
perspectiva”, de maneira que “a História dá respostas provisórias porque pode haver
pontos de vista diferentes [...]” e porque descobrimos novas relações sobre o passado
(BARCA, 2001, p. 39). Foi neste sentido que desenvolvemos as discussões em sala de
aula, e os resultados foram satisfatórios, visto que os alunos exprimiram suas opiniões e
participaram da aula.

Em suma, o trabalho com a EJA foi uma experiência gratificante, e as discussões


apresentadas pelos textos selecionados foram de suma importância para um bom
desenvolvimento e reflexão da prática docente no estágio. O mais satisfatório foi ver os
alunos, independentemente do foco ou temática das aulas, participarem e expressarem
suas opiniões, entendendo-se como sujeitos históricos atuantes e partes da História.

611
Referências

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10 fev. 2017.

612
DISCRIMINAÇÃO DO NEGRO NO BRASIL: UM
OBSTÁCULO A SER VENCIDO
Geise Batista Damasceno
Kédna Pinheiro Vieira
Wilverson Rodrigo Silva de Melo

Introdução

O presente artigo objetiva mostrar a triste realidade discriminatória do negro no país


desde o período Colonial até os dias atuais discutindo acerca do desrespeito e da
desvalorização de pessoas por conta de sua cor, abordando marcos históricos que
fizeram dos negros autores de sua própria história, e ainda como o preconceito racial
impera nos dias modernos. O Brasil é um país com uma rica diversidade cultural onde o
negro é um dos principais responsáveis, porém é afetado por uma longa história de
preconceito de raça e de cor. Marcos históricos demonstram como o negro era
inferiorizado e hostilizado pela sua condição de escravo e mesmo após a abolição da
escravatura esse tratamento não mudou e o que é pior a ciência se valeu de seu poder
para fortalecer o racismo e deixá-los cada vez mais na condição de subalternos e de
subserviência diante do branco.

História do negro no Brasil: entre discriminações e perspectivas

A História dos negros no Brasil é tão complexa e conturbada quanto o descobrimento


do próprio país, seus absurdos, injustiças, discriminação e antagonismos, permanecem
por toda parte até os dias atuais, o que nos leva a curiosidade de entender o porquê de
tanta discriminação, desvalorização e preconceito racial e de como os brasileiros
classificavam as pessoas pela sua cor, mas acima de tudo mostrar como eles ganharam o
merecido espaço na sociedade. Desde a sua chegada em terras brasileiras os negros
foram tratados pelos brancos como se fossem coisas, sem alma, eram submetidos a
situações desumanas, viviam para trabalhar indignamente. Com o fim da escravidão os
negros sem oportunidades, viam-se a margem da sociedade, nasce então à desigualdade
de classes.

A palavra discriminação segundo Ferreira (2001: 238) significa “[...] Tratamento


preconceituoso dado a certas categorias sociais, raciais, etc.[...]” ou injusto dado a uma
pessoa ou grupo, com base em preconceitos de alguma ordem, notadamente sexual,
religioso, étnico etc.” O negro sofria por ser de cor diferente como nos relata Guimarães
(2012, p.11):

O preconceito de cor e de raça tem geralmente como alvo o “negro”, o


“preto” [...], dificilmente o “branco”. Por quê? Alguns responderiam que a
dualidade primária é branco/preto, claro/escuro, dia/noite; que em toda
613
parte, em todos os tempos, o branco simbolizou as virtudes e o bem,
enquanto o negro significou o seu contrário – o sinistro, o mal, os defeitos.

Após o fim da escravização no Brasil surgiu o mito da democracia racial onde


supostamente não havia distinção entre branco e negro, que logo foi distorcido por
estudiosos que mostraram que a discriminação sempre existiu na sociedade brasileira, e
que o mito era apenas uma camuflagem como vemos na obra Emilia Viotti:

[...] O mito da democracia racial aparecia então como uma tentativa de


acomodar as idéias (sic) racistas européias (sic) – que se tornaram
preponderantes na Europa da segunda metade do século XIX – à realidade
brasileira. As teorias que realçaram a superioridade da população branca e a
inferioridade dos mestiços negros, a elite brasileira – uma minoria de
brancos, alguns dos quais não estavam seguros da “pureza” de seu sangue,
cercados por uma maioria de mestiços – não descobriu a melhor solução do
que colocar suas esperanças no processo de “branqueamento”. O Brasil
superaria seus problemas raciais, sua inferioridade, através da miscigenação
[...]. (COSTA, 1987:253).

O racismo surgiu no cenário político brasileiro como doutrina científica, buscando


explicar o racismo através da ciência, com estudos que faziam da raça negra a inferior e
portadora de deficiências mentais e físicas, a teoria do branqueamento surge então
como “solução” , acreditando que com o passar das gerações nasceriam cidadãos mais
claros, começam então programas para a imigração europeia, que tinham como objetivo
não apenas mão de obra, como a priori se acreditava, como conclui Guimarães:

Tais doutrinas subsidiaram desde as políticas de imigração, que pretendiam


a substituição pura e simples da mão de obra negra por imigrantes europeus,
até as teorias de miscigenação, que pregavam a lenta, mas contínua fixação
pela população brasileira de caracteres mentais somáticos, psicológicos e
culturais da raça branca[...] (GUIMARÃES, 2012: 66)

Vale ressaltar que o predito mais importante do preconceito racial e de comportamentos


racistas seria o autoritarismo desencadeado pelo ensinamento rígido e áspero vivido na
primeira infância.

A partir do século XX começa então a modificasse o modo de combate ao preconceito


racial como cita Guimarães (2012: 94). “[...] até pouco depois da Segunda Grande
Guerra, a palavra “racismo” era utilizada quase que exclusivamente para referir os
preconceitos encarados, as discriminações, segregações e genocídios justificados por
doutrinas raciais [...]”.

O cenário da discriminação racial no Brasil continua em constante transformação de


luta contra o preconceito, através de ações afirmativas visando maior igualdade de
direitos e oportunidades de vida para a população negra e as principais vertentes que
contribuíram para que houvesse essa mudança foram a acadêmica e a ativista, que
abriram espaço para a inserção do negro nas universidades através de cotas e aparatos
judiciais.

614
Considerações finais

A questão da discriminação do negro no nosso país é bastante presente, eles ainda têm o
pior trabalho e não têm as mesmas regalias que o branco. Já se foi conquistado um
grande espaço na sociedade, leis que os amparam, mas não é o bastante. Nosso país
ainda vive com o mito de que não é racista, mas isso podemos comprovar no dia a dia
que é uma grande utopia. Sonhamos com o dia em que a questão racial no Brasil seja
apenas uma lembrança ruim afinal somos todos humanos e como tal, temos corpo e
alma, a cor da pele é apenas uma particularidade.

Referências

COSTA, Emília Viotti. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo.


Editora Brasiliense, 1987.

FERREIRA, A, B, H. Aurélio século XXI: o minidicionário da língua portuguesa. 4.


Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador, BA: EDUFBA, 2008.

GUIMARÃES, Antônio Sergio Alfredo. Preconceito racial: modos, temas e tempos.


2. ed. São Paulo: Cortez, 2012.

615
DO ANONIMATO À NOTABILIDADE: A MULHER
AFRODESCENDENTE NO ENSINO BRASILEIRO
Ivanize Santana Sousa Nascimento

Quem hoje tem trinta, quarenta anos de idade bem deve lembrar-se dos métodos de
ensino nas aulas de História: a memorização dos fatos e a argüição oral daquilo que era
lecionado pelo detentor do saber: o professor. Material didático? Formas de avaliação?
Coisa muito difícil de ver, porque os materiais eram escassos, havia poucos livros
didáticos com atividades-questionários e a fala do professor estava acima de tudo. Em
suma, o ensino da História resumia-se na repetição de lições dadas sem contestação. O
Brasil, assim, copiou as abordagens europeias, principalmente o modelo francês, a
História Universal. Apesar de usar nas entrelinhas a História Sagrada, facultar as aulas
da História nacional, contudo, elevar os “feitos heróicos” de quem construiu a nação
brasileira. E, apesar da República ter sido proclamada no final do século XIX(1889), o
foco de ensino era o continente europeu. No século XX, o que aconteceu com a
historiografia do recém-país? Nada de novidade, até porque o governo da República
estava com o pensamento voltado para os lucros da “política do café com leite”. E
mesmo que alguns grupos de pensadores (historiadores) como os anarquistas, quisessem
propor a criação de escolas públicas, com currículos e métodos apropriados, suas ideias
eram descartadas. Inegavelmente, vale salientar que a Semana de Arte Moderna (1929)
em São Paulo, foi o apogeu de grandiosas discussões culturais e artísticas que acabaram
inspirando o mundo político, econômico, social e educacional. O que as obras
“Operários e Abaporu” de Tarsila do Amaral, representaram? Decerto, o cotidiano
brasileiro composto de suas matrizes formadas por índios, negros e povos vindos de
outros continentes. Eis aí o que estava em questão: a busca pela identidade nacional, a
revelação da diversidade étnico-racial e a colaboração destes no crescimento econômico
do Brasil industrial e urbano que despontava nos anos 30. Por isso, conforme os PCNS
(2001, p.24): “Nos programas e livros didáticos, a História ensinada incorporou a tese
da democracia racial, da ausência de preconceitos raciais e étnicos [...], o povo
brasileiro era formado por mestiços, compondo um conjunto harmônico de convivência
dentro de uma sociedade multirracial e sem conflito.” Neste momento, o país evoluía e a
educação estagnava!? Contava mesmo era recitar, memorizar e comemorar as festas
cívicas na escola.

Isto posto, fazendo um breve recorte histórico da sociedade brasileira, quantas e quais
são as mulheres negras ou afrodescendentes que ajudaram a fazer a História do Brasil
até os dias de hoje? Quem são as heroínas comemoradas nas festividades cívicas? Os
livros didáticos reportam esse contexto nos temas históricos de grande relevância?Aqui
se salientam nomes poucos mencionados ou desconhecidos totalmente, alguns
referenciados no guia (Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-
Raciais, 2006, p.245): Francisca da Silva Oliveira, mais conhecida como Chica da Silva,
escrava do contratador João Fernandes, o qual lhe alforriou. Como negra, livre,
abastada, soube impôs-se aos preconceitos daquele período e desfrutou de muitas
atividades reservadas às mulheres “brancas. Antonieta Barros, catarinense, nasceu em
616
1901. Formou-se em Magistério e tornou-se a primeira deputada estadual negra do país
e a primeira deputada mulher de Santa Catarina. Carolina Maria de Jesus nasceu no
começo da Primeira Guerra Mundial (1914). Mineira de Sacramento teve uma infância
muito pobre, era catadora de lixo, sendo que foi nessa atividade, o seu encontro com
uma velha caderneta. Ali, ela passou a registrar momentos de sua vida. Chegou a ser
uma das únicas mulheres brasileiras incluídas na Antologia de Escritores Negros,
publicada em dicionários mundiais de Nova Iorque e Lisboa. Eugênia Ana dos Santos,
cognominada de Mãe Aninha, nasceu em 1869 na cidade de Salvador (BA).
Descendente direta de africanos, lutou pela liberdade de culto no Brasil. O presidente
Getúlio Vargas, através do Decreto nº 1202, estabeleceu o fim da proibição ao culto afro
em 1934. Francisca Edwiges Neves Gonzaga, Chiquinha Gonzaga, filha de pai branco e
mãe negra, desde a infância, foi excluída por ser uma “bastarda”e na vida adulta, foi
considerada “devassa” e “irreverente”. Considera-se nessa contemporaneidade, a
precursora da MPB, que escolheu para si uma profissão masculina. Além de
compositora era regente (primeira maestrina). Na política, lutou como abolicionista pelo
término da escravidão ao lado dos companheiros, Antonio Callado e Joaquim Nabuco.
Se tratando de combate ao racismo à mulher, Lélia Almeida Gonzalez, nascida em
1935, foi uma mineira de destaque à causa negra na década de 40. Militou em prol da
mulher e do negro no Brasil. Incentivou debates sobre o racismo nas universidades do
país, ajudou a fundar o Movimento Negro Unificado (MNU), o Instituto de Pesquisas
das Culturas Negras (PCN/RJ), o Nzinga Coletivo de Mulheres Negras no Rio de
Janeiro e o Olodum na Bahia. A famosa Revolta dos Malês, 1835, foi de “escravos
muçulmanos”. Não poderíamos dizer também, de escravas cativas e libertas que deram
muito de si pelo fim da escravidão na Bahia,a exemplo de Luísa Mahin?

Seria o correto, porém, não há muito tempo que a historiografia brasileira começou a
dar seus pequenos passos para esta realidade de reflexão e crítica. No cerne de duas
ditaduras (Vargas e a Militar),viveu-se o nacionalismo carregado de xenofobia e
conservadorismo. Ai daquele(a) que contestasse os regimes citados,um professor
lecionasse fora do currículo proposto e não mostrasse a grandiosidade dos dirigentes
políticos, comparando-os aos “feitos heróicos” de certos vultos a exemplo de Tiradentes
e não das negras baianas Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento da
Inconfidência Baiana.No ápice do Regime Militar,a História foi recantada e mesclada
nos Estudos Sociais,para dar notoriedade ao ufanismo dos presidentes ditadores e ao
ensino voltado para o tempo cronológico(linear).Felizmente,são os anos 60,através das
lutas universitárias, que vêm trazer uma nova roupagem metodológica à História.Graças
aos movimentos revolucionários europeus dessa época,o clima bom veio gestado e
concebido dos protestos e manifestos dos homens e mulheres contra uma sociedade
puramente capitalista,exploradora que submetia uma grande massa ao “conformismo
sócio-econômico,cultural e educacional”. Moraes Ferreira e Renato Franco (2013,p.61)
enfatiza que “Na esteira dos movimentos afirmativos das minorias,a escrita da História
começou também a redimensionar o papel das mulheres,crianças,homossexuais e
pobres[...],fazendo emergir uma História vista baixo.”O mesmo ocorreu no
Brasil,permitindo que história tradicional,o currículo oculto e formal fosse revisto,os
livros reelaborados e as aulas de história incorporassem o currículo invisível,àquele que
traz os valores vividos de maneira informal pelo educando e acaba por constituir e
colaborar na formação da sua identidade e seu sentimento de pertença a uma etnia e
comunidade. Lembrando que “novos temas também podem e devem ser utilizados.
617
Assim, em um mundo em que as mulheres têm cada vez mais atuação na vida social
posta em evidência, a apresentação das mulheres e das relações de gênero apresenta
interesse evidente. ”(Funari, 2012, p.100). Desse modo, dentre as conquistas dos
afrodescendentes, a Lei da História e Cultura Afro-Brasileira (10.639/2003),
complementada pela Lei 11.645/2008 que trata da causa negra e indígena, salienta quão
é necessário não negar na sala de aula os atos torpes e desumanos vivenciados no Brasil
por mais de trezentos anos. Todavia, mostrar a atuação de vários negros e negras de
destaque ontem e hoje, situações positivas que “desnaturalizem” o tempo histórico,
desconstruam estereótipos, preconceitos, posturas etnocêntricas como a ideologia do
branqueamento que nas entrelinhas ainda se abastece da inferioridade e da superioridade
da cor e tem plantado nas redes sociais manifestações racistas e excludentes contra
muitas mulheres julgadas pela sua aparência e não pela competência e capacidade
intelectual, moral e ética. Sérgio Buarque de Holanda, citado por Circe Bittencourt
(2012,p.185) bendiz que:

Para estudar o passado de um povo, de uma instituição, de uma classe, não


basta aceitar ao pé da letra tudo quanto nos deixou a simples tradição
escrita. É preciso fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que
enchem o panorama da história e são muitas vezes mais interessantes e mais
importantes do que os outros, os que apenas escrevem a história.”

Considerações Finais

O II Congresso de Pesquisadores Negros que aconteceu em São Paulo (2002), dando


continuidade ao I Congresso (2000) ocorrido em Recife, corrobora que “é na resistência
dentro e fora das universidades, que o afrodescendente, negro ou afro-brasieliro, tem
buscado rever, recriar, ressignificar sua participação na história passada e presente do
Brasil. É hora de estar se refletindo para onde caminha o ensino da História? Qual o
papel do educador? Que livro didático deve ser adotado? E quem são os “artistas” que
continuam a encenar com luta e labuta a história brasileira? Quais as contribuições
femininas do mundo afro para a quebra das barreiras entre negros e brancos?

Referências

BARBOSA, L.M de. Assunção. Et al. De preto a afro-descendente: trajetos de


pesquisa sobre o negro, cultura negra e relações étnico- raciais no Brasil São
Carlos: EdUFSCar, 2010.

BITTENCOURT, Circe. História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas-


Identidade nacional e ensino de História do Brasil. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2012.

______. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Diário Oficial, Brasília – DF.

______. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Diário Oficial, Brasília – DF.

618
______. Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais. Diário
Oficial, Brasília – DF: SECAD, 2006.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais: História e Geografia/Ministério da


Educação. Secretaria de Educação Fundamental. -3. ed.-Brasília,2001.

FERREIRA, M. de Moraes; FRANCO, R. Aprendendo História: reflexões e ensino. -


2. ed.-Rio de Janeiro : Editora FGV,2013.

FUNARI, P. Paulo. História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas- A


Renovação da História Antiga. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2012.

619
A IMPORTÂNCIA DE UMA ABORDAGEM
FEMINISTA NOS CURSOS DE LICENCIATURA
EM HISTÓRIA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Jeane Carla Oliveira de Melo

De início, a seguinte indagação: devemos incluir perspectivas feministas na formação


inicial e continuada de professores e professoras de História?

Esse questionamento ganha centralidade à medida que nos situamos no contexto


contemporâneo das políticas educacionais marcadas pelo confronto de interesses
advindos das demandas de grupos conservadores/cristãos/empresários da educação que
integram a classe política brasileira. Nesse ponto, o ensino de História atualmente
encontra-se sob ataques. A famigerada Reforma do Ensino Médio instituída por meio de
Medida Provisória (MP 746/16) impõe o fim da obrigatoriedade da disciplina História
do currículo nesta modalidade de ensino. Assim, a História será “remanejada” para o
Itinerário Formativo das Ciências Humanas, restrita em termos de abrangência
(reservada apenas para os grupos que optarem por esse Itinerário Formativo) e tempo de
ensino (de três anos anteriores, ela será lecionada em apenas dois). Paralelo a isto,
temos assistido (passivamente?) a exclusão do termo gênero do Plano Nacional de
Educação, que abriu precedentes para que os planos estaduais e municipais também
eximissem o referido termo de seus textos normativos. Mencionamos também o Projeto
de Lei 7180/14 da Escola Sem Partido (ainda em trâmite), que se revela profundamente
inconstitucional por atingir em cheio a liberdade de cátedra pertencente ao ofício de
ensinar, ou seja, um golpe na autonomia docente com maiores ressonâncias aos grupos
minoritários e acentuadamente excluídos da história como mulheres, negros e negras,
população LGBT, indígenas, dentre outros.

Todos esses elementos possuem um inegável impacto na construção de uma história


mais democrática das mulheres enquanto sujeitos históricos. Retomando a primeira
questão, acerca da presença dos estudos feministas nos cursos de Licenciatura, sabemos
que o tema é candente e provoca inúmeros questionamentos. Nesse curto texto tentarei
esboçar, de modo preliminar, algumas inquietações sobre a importância política de
abarcarmos não somente mulheres como sujeitos históricos, mas de construirmos uma
história (em termos de ensino e pesquisa) não-patriarcal, comprometida,
conscientemente não-neutra e militante nos espaços tanto acadêmicos quanto escolares.

A historiografia, tomada aqui como um amplo sistema de pensamento e narrativas


históricas no tempo, (sobretudo no que se refere aos livros didáticos), mesmo já bastante
repensada e “desnaturalizada” (CERTEAU, 2002), ainda traz perspectivas de uma
escritura histórica pautada no ponto de vista do sujeito universal masculino, branco,
europeu e da elite. O contraponto disto, isto é, a chamada “história vista de baixo”
(SHARPE, 1992) tem se revelado comumente um desafio para a pesquisa, sobretudo no
diálogo com a história ensinada. Desta forma, temos o duplo desafio de ensinar história
comprometida com a cidadania e a criticidade (termos estes que devem ser
620
problematizados), sem perder de vista os procedimentos da pesquisa histórica, ou seja, o
rigor científico e analítico com métodos, técnicas e fontes.

Todavia, pensar o lugar da mulher na história exige fazer importantes deslocamentos.


Requer desafiar tradições historiográficas e desnaturalizar visões canônicas bastante
arraigadas em nossa cultura acadêmica, dominada por relações de poder, discursos e
práticas masculinas. O primeiro deles é submeter à reflexão as possibilidades do fazer
histórico com esses sujeitos. Sobre isto, Michelle Perrot (2005) questionava se existiria
uma maneira feminina de fazer/escrever a história diferente da masculina e se existiria
uma memória especificamente feminina. Entre o sim e o não, Perrot (2005) destacava
por meio das diferenças culturais, modos próprios de funcionamento e registro da
memória feminina, o que poderia causar implicações específicas nas formas com as
quais mulheres abordavam o passado. Considerações importantes à medida que várias
historiadoras em diálogo com o Movimento Feminista da década 1970,

buscaram introduzir as experiências femininas nos relatos históricos, seja


para perceber a gênese e a evolução da dominação masculina e expressar os
pontos de autonomia feminina, seja para suprir uma lacuna incômoda que a
ausência das mulheres deixava na narrativa histórica (LUCENA, 2008, p.
01).

Percebida como “excluída” da história, Perrot inaugurou o campo de investigações


conhecido como História das Mulheres, domínio que dialogou com a antropologia, a
sociologia e a psicanálise e legitimou a validade dos estudos históricos tendo a mulher
como principal categoria de análise. Deste modo, Rago (1998) pontua que o estudo
sobre História das Mulheres despertou incômodos no meio acadêmico, sentido por
alguns historiadores como Roger Chartier, que questionava uma possível “fragilidade”
teórica e metodológica do campo ainda em fundação. Bem, se é lícito supor que as
mulheres constituem a metade da população mundial, por que nós ainda permanecemos
ainda em posição subalterna nas pesquisas históricas produzidas? Se o
silenciamento/apagamento de mulheres não é suficiente para incomodar os
historiadores, então percebemos que, de fato, não existe neutralidade na pesquisa
científica e que possuímos subjetividades e posicionamentos políticos dos mais
variados.

Em virtude disto, Rago (1998) chama atenção para a importância da produção de uma
Epistemologia Feminista, capaz de criticar a tradição científica impregnada por valores
masculinos e que possa elaborar um contradiscurso fundado na busca de uma nova
linguagem que dê conta das experiências históricas diferenciadas de homens e mulheres,
uma vez que as sociedades impõem aos sexos modos distintos de socialização. Em
outros termos, a historiadora, ao denunciar o caráter ideológico, racista e sexista do
conhecimento, apela em favor de um novo modelo de ciência feminista constituída
como um saber alternativo com um conteúdo potencialmente emancipador. Na prática,
torna-se necessário romper dicotomias e esquemas de análise que hierarquizem o
público sobre o privado, o masculino sobre o feminino, o âmbito político sobre o âmbito
doméstico. Entusiasmada com a fecundidade desse terreno epistemológico e político,
Rago (1998, p.17) assinala que

621
As possibilidades abertas para os estudos históricos pelas teorias feministas
são inúmeras e profundamente instigantes: da desconstrução dos temas e
interpretações masculinos às novas propostas de se falar femininamente das
experiências do cotidiano, da micro-história, dos detalhes, do mundo
privado, rompendo com as antigas oposições binárias e de dentro, buscando
respaldo na Antropologia e na Psicanálise, incorporando a dimensão
subjetiva do narrador.

No campo do ensino de História, também se articulam pesquisas que denunciam a


arbitrariedade e a particularidade do conhecimento histórico, sobretudo nas narrativas
veiculadas em livros didáticos (BITTERNCOURT, 2008). Nestes impressos, a despeito
do diálogo com novas formas de se fazer/pensar a história e com os critérios postos pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), pesquisadoras como Mistura & Caimi
(2015) apontam que as mulheres estão representadas de modo ainda muito tímido nos
LD´s de História. Elas surgem, portanto, ou como um silêncio ou como um sujeito
coadjuvante, mas quase nunca atuando como protagonista da trama histórica. A
referência da ação histórica propriamente dita e seu desenrolar permanecem sendo
essencialmente masculinos; entretanto, isso não tem sido suficientemente
problematizado de modo que seja possível perceber as fissuras ideológicas dessas
narrativas. Nesses termos, para os e as docentes é particularmente árduo construir uma
história mais aberta, quando o próprio currículo/livro didático e seu discurso autorizado
para ensinar, reforçam estereótipos de gênero discriminatórios e põem a ação feminina
em segundo plano.

Para concluir, aponto alguns desafios relacionados a pesquisa e ao ensino de História a


partir de uma perspectiva feminista. Urge problematizar a diversidade abrangida pelo
termo mulher, forjada em classe, raça, etnia e gênero para não tomarmos também a
mulher como um sujeito universal, homogeneizando conflitos e contradições.
Carecemos de mais estudos que investiguem a condição de mulheres professoras e de
como as docentes vêm se relacionando com os saberes históricos lecionados, uma vez
que esse próprio saber está eivado de silêncios e exclusões acerca da atuação das
mulheres na história (MELO, 2012). De uma maior aproximação analítica entre a
historiografia com a agenda contemporânea dos movimentos sociais de mulheres, que
são múltiplos e vêm sendo fomentados/reforçados pelas redes sociais. Destacamos a
importância de fortalecer ações pedagógicas promotoras de uma sensibilização/reflexão
no público escolar, capaz de produzir tensões e resistências no campo educativo
atualmente atravessado por práticas conservadoras e discursos
fundamentalistas/fascistas. O desafio, portanto, está em curso.

Referências bibliográficas

BITTENCOURT, Circe. Livro didático e saber escolar (1810-1910). Belo Horizonte:


Autêntica, 2008.

CERTEAU, Michel de. A escrita da História. RJ: Forense Universitária, 2002.

622
LUCENA, Paola. Rompendo silêncios e descobrindo as mulheres: uma análise da obra
de Michelle Perrot no contexto da história das mulheres. In: Caderno de Resumos &
Anais do 2ª Seminário Nacional de História da Historiografia. Ouro Preto,
EDUFOP, 2008.

MELO, Jeane C. O. de. Lembranças de mulheres professoras: memórias, histórias


de vida e ensino de História nas séries iniciais. Dissertação [Mestrado em Cultura e
Sociedade]. Universidade Federal do Maranhão: São Luís, 2012.

MISTURA, Letícia & CAIMI. Flávia. O (não) lugar da mulher no livro didático de
história: um estudo longitudinal sobre relações de gênero e livros escolares (1910-
2010). In: Aedos, Porto Alegre, v. 7, n. 16, Julho 2015.

PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru: EDUSC, 2005.

RAGO, Margareth. Epistemologia Feminista, Gênero e História. In: PEDRO, Joana &
GROSSI, Miriam (orgs.) - Masculino, Feminino, Plural. Florianópolis:
Mulheres,1998.

SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da
história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.

623
ÁFRICA QUE CHEGA PELA ORALIDADE:
REPRESENTAÇÕES HISTÓRICAS E COMBATE
AO PRECONCEITO EM SALA DE AULA
João Pedro Pereira Rocha

As representações acerca do continente africano nos últimos tempos têm sofrido


modificações consideráveis, de modo a tornar o conhecimento sobre a História da
África cada vez mais desapegado de estereótipos e preconceitos. Entretanto, o curso
dessas transformações ocorre de forma gradual, por meio de alguns elementos
importantes, a exemplo da Lei 10.639/03, que torna o ensino da História e Cultura Afro-
brasileira e Africana obrigatório na Educação Básica. Nesse contexto é importante
pensar os caminhos pelos quais a disciplina história pode trilhar, de modo a contribuir
no combate a visões estereotipadas e preconceituosas sobre a África.

As visões construídas acerca do continente africano, comumente, são oriundas de


posicionamentos teóricos e científicos advindos do saber ocidental, que constrói
modelos “imperialistas” de pensar as sociedades (HERNANDEZ, 2005). Essas visões
criaram raízes profundas nas ciências humanas, disseminando conceitos universais e
hegemônicos sobre a história e cultura africana. A historiografia seja americana,
europeia ou mesmo africana, segundo Alfredo Margarido (2000), empenhou-se em
distorcer a importância dos valores africanos, fruto direto dessa questão são os diversos
sintomas de preconceitos registrados nos espaços sociais, a exemplo das escolas
brasileiras.

O objetivo dessa proposta é apresentar algumas reflexões em torno do combate a


representações estereotipadas e socialmente difundidas acerca da África. As discussões
situam o campo do ensino de história como lócus objetivo dessas representações,
tomando a oralidade e as experiências pessoais/individuas como documento para
problematizar e refletir a África em sala de aula.

O preconceito, que durante muito tempo serviu projetos político, econômicos e


culturais, faz com que, nos dias atuais, alguns equívocos e outros problemas, como o
racismo, perdurem quando temáticas relacionadas à África surgem. A escola em seu
dever perante a contribuição com projetos de formação para cidadania e a justiça social
coloca-se perante a necessidade de luta pela desconstrução de visões estereotipadas. Um
documento possível de uso reflexivo, por professores, é a palestra proferida pela
escritora Chimamanda Adichie, intitulada: “O perigo da história única”. É pela análise
dessa palestra que o trabalho fará reflexões sobre a luta contra o preconceito nas aulas
de história.

Chimamanda Adichie é uma escritora nigeriana e seus escritos compreendem questões


étnicas de gênero e identidade. No vídeo, produzido durante evento da Tecnology
Entertainment and Design (TED), é apresentado algo que a escritora denomina “o
perigo de uma história única”. Chimamanda Adichie apresenta narrativas de suas
624
experiências infantis e de sua trajetória de vida, procurando demonstrar o modo como às
histórias influenciam na formação das identidades e na compreensão de mundo e do
outro. Nesse contexto, alguns trechos de sua fala são passiveis de análise mais
aproximada.

Caso o professor de história utilize o vídeo apenas como documento para


enriquecimento de sua formação profissional e reflexão da prática docente, em relação
ao ensino sobre África, ou opte por usá-lo em sala de aula; os dois caminhos são
possíveis, mas sempre em consonância com as especificidades da(s) turma(s). Dos
fragmentos dispostos na narrativa de Chimamanda Adichie o primeiro, que achamos
conveniente à proposta dessa discussão, diz sobre sua formação infantil:

“Então, fui uma leitora precoce. E o que eu lia eram livros infantis
britânicos e americanos. Eu fui também uma escritora precoce e quando
comecei a escrever por volta dos sete anos [...] eu escrevi exatamente os
tipos de histórias que eu lia. Todos os meus personagens eram brancos de
olhos azuis, eles brincavam na neve e comiam maçãs, eles falavam muito
sobre o tempo e como era maravilhoso o sol ter aparecido. Agora, apesar do
fato que eu morava na Nigéria, eu nunca havia estado fora da Nigéria [...]
Minhas personagens bebiam muita cerveja de gengibre, porque os
personagens britânicos que eu lia bebiam cerveja de gengibre. Não
importava que eu não soubesse o que era cerveja de gengibre.”

A fala da escritora remete a um ponto importante e muito relevante, se pensarmos


posturas e ações em prol do combate ao preconceito que é alimentado por visões
estereotipadas em relação à história e a cultura africana: a formação infantil.
Tradicionalmente o sistema escolar brasileiro pauta-se em modelos quase hegemônicos
de educação ocidental, ainda muito carregada de valores eurocêntricos. Não raro ainda
nos deparamos com índices de livros didáticos pelos quais a história é maciçamente
apresentada sob uma ótica europeizada. Nesse sentido, muito facilmente posturas
equivocadas ou que não produzam efeitos em relação à desconstrução de mitos
tradicionais, aptos a subjugar a trajetória das sociedades africanas a simplificações,
persistem.

Na medida em que profissionais do ensino buscam outros caminhos, que não os


tradicionais, as possibilidades são inúmeras e as contribuições positivas, tanto para um
ensino de história pautado na valorização das experiências humanas no passado,
rompendo com o preconceito, como no uso de documentos diversos em sala de aula.
Em outro trecho, de sua narrativa, Chimamanda Adichie, comenta algo que caminha
nesse sentido:

“As coisas mudaram quando eu descobri os livros africanos [...] Tive uma
virada na minha percepção sobre literatura. Percebi que pessoas como eu,
meninas com pele de cor de chocolate, cujo cabelo crespo não dava pra
fazer rabo-de-cavalo, também poderiam existir na literatura. (...) Descobrir
escritores africanos resultou numa coisa: me salvar de ter uma única história
sobre o que os livros são.”

625
Nesse ponto a fala da escritora serve a um propósito importante: a abordagem da África
em sala. Em artigo publicado pela Revista Ágora (2007) os autores questionam, entre
outras, sobre a aplicabilidade da Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da História e
Cultura Afro-brasileira e Africana, em sala de aula. Especificamente, é questionado
sobre de qual forma esse conteúdo será oferecido aos estudantes?

Nesse sentido, o trecho aponta direção interessante ao questionamento feito. O recorte


em questão diz sobre a presença de personagens negros na literatura. Fazer uso da
literatura no ensino de história é uma opção já discutida por pesquisadores do campo do
Ensino de História e que demonstra retornos positivos para os objetivos da disciplina
história. Assim, a literatura poderá ser evocada para apresentar aos estudantes escritores
e personagens africanos, de modo a problematizar as experiências históricas das
sociedades africanas ao longo do tempo.

Em certo momento de sua fala Chimamanda Adichie deixa-nos evidente a importância


do contato com personagens por meio dos livros, das histórias. Nesse ponto, uma
peculiaridade interessa a representação da África, que chega por meio do povo negro,
via livro didático. Como é apontado pela pesquisadora Ana Célia da Silva (2011) as
representações sociais dadas a brancos e negros, mesmo com a promulgação da Lei
10.639, carecem de melhores abordagens, de modo a “equilibrar” as representações e os
papeis sociais destinados aos personagens. Quando Chimamanda Adichie relata sobre
seu contato com “outras histórias”, que não “a única que os livros são” demonstrar seu
enriquecimento cultural mediante o contato com outras experiências culturais, algo que
fomenta no sujeito envolvido com o processo de ensino aprendizagem a possibilidade
do respeito às diferenças.

Sobre preconceitos e estereótipos Chimamanda Adichie relata:

“Se eu não tivesse crescido na Nigéria e tudo o que eu soubesse sobre África
viesse das imagens populares publicadas, eu também pensaria que a África
era um lugar de paisagens bonitas, animais bonitos e pessoas
incompreensíveis, disputando guerras insensatas, morrendo de pobreza e
AIDS, incapazes de falar por si mesmas. Esperando para serem salvas pelo
estrangeiro branco e gentil.”

“Eles transformam uma história na única história (...). A consequência da


história única é a seguinte: rouba-se a dignidade das pessoas. Dificulta o
reconhecimento da nossa humanidade compartilhada. Enfatiza o quão
diferentes somos em detrimento de quão iguais somos.”

São frases passiveis de uso em sala de aula, uma vez que os trechos transmitem
informações que podem dialogar com as experiências dos próprios estudantes. Como
afirma o historiador cultural Roger Chartier (2002), o controle e o condicionamento são
usados por quem detêm o poder da palavra e dos gestos. Nesse contexto, é importante
sublinhar que a formação da consciência história, ponte para o respeito às diferentes
experiências históricas (CERRI, 2011), ocorre no contato que os sujeitos têm com as
diversas formas de emissão de ideologias, a exemplo das mídias diversas. Com isso, e
pensado a disciplina história e seu papel formativo, o conjunto da narrativa feita por
Chimamanda Adichie, apresenta a todos os sujeitos envolvidos com o processo de
626
formação escolar a capacidade de refletir sobre a pluralidade cultural, o respeito às
diferenças e ações em prol da fragmentação de representatividades preconceituosas
acerca da África em sala de aula.

Referências Bibliográficas

CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência histórica: implicações


didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro: FGV, 2011.

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Fonte do vídeo

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https://www.youtube.com/watch?v=qDovHZVdyVQ&spfreload=10. Acesso: 08 fev.
2017.

627
HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E
AFRICANA NA REDE PÚBLICA DE PORTO
VELHO – RO
Joel Balduino da Silva Junior

Esse trabalho tem por objetivo investigar duas escolas públicas de Porto Velho,
identificando como a História e Cultura afro-brasileiras e africanas são ministradas e
recebidas pelos professores e alunos. Ouviremos, portanto, alunos, supervisores,
diretores e professores das áreas de história, artes e literatura sobre o ensino de história e
cultura afro-brasileiras conforme a Lei:10.639Esta dissertação tem por objetivo
investigar duas escolas públicas de Porto Velho, identificando como a História e Cultura
afro-brasileiras e africanas são ministradas e recebidas pelos professores e alunos.
Ouviremos, portanto, alunos, supervisores, diretores e professores das áreas de história,
artes e literatura sobre o ensino de história e cultura afro-brasileiras conforme a
Lei:10.639/03, a LDBN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Essa lei
institui obrigatoriamente o ensino da história e cultura afro-brasileiras e africana no
currículo escolar do ensino fundamental e médio.

Este é um trabalho de campo em escolas públicas e optamos por utilizar os seguintes


métodos: Grupos Focais, baseados na História Oral Temática defendida por Meihy
(1996), Thompson (1992) e Simson (1997). As entrevistas, análises documentais e
questionários abertos, as fontes bibliográficas, documentais, audiovisuais e orais
fornecem dados para nosso trabalho. Nosso suporte teórico está em autores que
discutem resistência à opressão, racismo e discriminação, hibridização de culturas,
como Frantz Fanon (1968), Stuart Hall (2002), Petronilha (2004), Munanga (2005),
Sodré (1988), Hampâté Bá (1975). Esses teóricos abordam questões relevantes para
nossa discussão e propõem diálogos com os estudos culturais. Pretendemos por meio
desta pesquisa promover meios de reconstruir a contribuição dos negros nos aspectos
históricos e culturais para a sociedade brasileira. Argumentamos que, assim, poderemos
enriquecer a percepção de nós mesmos, bem como da diversidade cultural afro-
brasileira em Porto Velho. Os resultados da pesquisa revelam que há muito a ser feito
nas escolas no sentido de refletir criticamente sobre o patrimônio histórico e cultural dos
africanos e afro-brasileiros. A compreensão do patrimônio afro-amazônico em suas
dimensões de história e cultura precisa ser inserida em nossas salas de aula. Nossas
escolas precisam valorizar o contexto cultural afro-brasileiro e prover os alunos com a
conscientização e luta contra o racismo, a intolerância religiosa e a discriminação, que
ainda existem no meio escolar.

As questões que me trouxeram à realização desta pesquisa estão relacionadas a uma


série de fatores que emergiram ao longo da minha trajetória profissional na educação,
seja como aluno, seja como professor e, sobretudo, na atuação no movimento negro e
nos contatos com as pesquisas nas comunidades de religiões de matrizes africanas.
Devo citar também as intensas e complexas discussões e relatos dos participantes do

628
(GEPIAA) Grupo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares Afro-Amazônicos da UNIR,
envolvidos no trabalho desenvolvido sobre o Patrimônio histórico e cultural, a
discriminação racial, a intolerância religiosa e o racismo; passando, além disso, pela
minha trajetória acadêmica e profissional como professor na rede Estadual e Municipal
de ensino em Porto Velho. Dessa forma as questões relacionadas à condição dos negros
na sociedade e sua presença na escola sempre receberam minha atenção. Ao longo da
minha prática docente presenciei muitos conflitos no interior das escolas e na sala de
aula relacionados as questões étnico - racial e ao preconceito. Diante dessas situações
sempre procurei desenvolver trabalhos e ações que promovessem a reflexão e a
mudança de postura entre os alunos e entre os professores.

Apesar da minha intervenção, percebia a dificuldade da escola e de outros colegas


professores em lidar com a questão étnico-raciais. Nesse sentido, a presente dissertação
visa ampliar os estudos e debates nas Escolas públicas sobre a história e cultura afro-
brasileira, com base na Lei Federal 10.639/03, de acordo com a L.D.B.E.N. Sua
relevância está em trabalhar com os nossos educandos e com o corpo docente o contexto
cultural de história e cultura afrodescendentes na região amazônica, levamos outras
percepções e concepções distintas da lógica do racismo e da invisibilidade social aos
alunos e professores no combate ao racismo, intolerância religiosa e discriminação
existentes no ambiente escolar. A discussão em sala de aula e também na sala dos
professores sempre foi muito polêmica e conflituosa quando se trata das questões afro-
brasileiras. Observa-se que quando tocamos no tema das crenças, sobretudo das
religiões de matrizes africanas, causa-se certo incômodo. Esse fato foi observado in loco
na sala de aula durante muitos anos. Por isso, faz-se necessário trabalhar em sala de aula
com os alunos desde o ensino fundamental, juntamente com os professores das áreas de
história, literatura e arte, conforme a Lei 10.639/03,a temática, história e acultura afro-
brasileira, sobretudo as manifestações culturais religiosas na Amazônia, pois é nessa
região que os alunos e professores vivem e convivem. O trabalho cumpriu algumas
etapas e foi pautado nos métodos adotados. A primeira etapa foi desenvolvida na busca
de informações sobre a Lei 10.639/03 nas escolas e sua aplicabilidade e importância
através das entrevistas semiestruturais, utilizando-se da história oral, com os alunos e os
professores de duas escolas da Rede Estadual de Ensino.

Na segunda, foi realizada uma análise documental junto ao corpo técnico, supervisores e
gestores escolares dentro do estabelecimento de ensino público em Porto Velho. A
terceira etapa, por sua vez, consistiu na aplicação de questionários semiestruturados
com perguntas fechadas sobre a temática: Reflexão crítica sobre a história e a cultura
afro-brasileira, aos alunos, professores e corpo técnico do estabelecimento de ensino
público de Porto Velho. Na quarta etapa, foram realizadas rodas de conversas nos
grupos focais com os alunos em sala de aula. Na quinta e última etapa, foram realizadas
diversas atividades, utilizamos as mídias e vídeos como instrumentos para aguçara
memória dos alunos e dos professores sobre as questões da cultura afro-brasileira, com
o objetivo de provocar discussões interdisciplinares na escola. Esta dissertação tem
como objetivo fundamental apresentar dados de uma pesquisa de campo realizada em
duas escolas públicas de Porto Velho, sobre a história e cultura afro - brasileira,
ampliando, assim, os estudos sobre a Lei 10.639/03.

A pesquisa foi realizada na Escola Estadual de Ensino Médio Anísio Teixeira (zona
Norte – Centro), situada na Rua Irmã Capeli, nº 66 , e na Escola Estadual de Ensino
629
Fundamental e Médio São Luiz (zona Leste – periferia), situada na Rua Mario
Andreazza, nº 8.186 - JK II, tendo como foco principal a opinião dos alunos,
supervisores, diretores e professores das áreas de história, artes e literatura sobre o
ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. A escolha das localizações das
escolas se deu com o objetivo de realizarmos um estudo comparativo, sociocultural das
informações colhidas na pesquisa de campo, nas duas zonas, Norte e Leste de Porto
Velho. A escolha das séries e faixas etárias se deu pensando na maturidade dos
educandos, fator essencial para o bom desempenho dos trabalhos nos depoimentos e na
produção de dados. Além dos elementos citados, a intensa busca pelas origens do
patrimônio histórico afrodescendente e os desdobramentos sociais mais amplos que aqui
estão sendo apresentados, pude entrar em contato com a temática em questão quando
realizei, em pesquisa de pós-graduação em história Regional de Rondônia entre os anos
de 2006 a 2008, um estudo sobre as diferenças existentes entre os rituais e o simbolismo
das festas das religiões de matrizes africanas na Umbanda e no Candomblé, em Porto
Velho. Vale ressaltar que foi através desses fatos e da experiência pessoal com a
pesquisa in loco com os cultos afro-brasileiros, no Latu Sensu, que nasceu o interesse,
pela pesquisa no campo da etnicidade e culturalidade afro-brasileiras.

Referências

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CEVASCO, Maria Eliza. As Dez Lições Sobre os Estudos Culturais. São Paulo: Bom
tempo Editorial, 2003.

631
O ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA: POR UMA
HISTÓRIA (DES) EUROCÊNTRICA
José Ribamar Santos de Almeida

“A África tem uma História”

Joseph Ki- Zerbo

“O que sabemos sobre a África?” É com esta pergunta inquietante e profunda que Oliva
(2004), nos interroga no seu artigo a História da África nos bancos Escolares.
Estudamos a história ainda em uma perspectiva linear e eurocêntrica onde primeiro vem
a Idade antiga, Idade Média, Idade Moderna e a Idade Contemporânea sempre
privilegiando as marcas ou representações da Europa como modelo “Quantos tiveram a
disciplina História da África nos cursos de História? Quantos livros, ou textos, lemos
sobre a questão? Tirando as breves incursões pelos programas do National Geographic
ou Discovery Channel, ou ainda pelas imagens chocantes de um mundo africano em
agonia, da AIDS que se alastra, da fome que esmaga, das etnias que se enfrentam com
grande violência ou dos safáris e animais exóticos, o que sabemos sobre a África?
(OLIVA.2003, p.429). O que ainda hoje encontramos sobre a África são representações
construídas historicamente e de forma estruturada ao longo dos tempos, a partir de
lentes europeias.

Aqueles que se sentaram em bancos escolares até o fim da ditadura militar tinham que
se contentar, ou aturar, uma História de influência positivista recheada por
memorizações de datas, nomes de heróis, listas intermináveis de presidentes e
personagens. Sem contar a extrema valorização da abordagem política pouco atraente,
do eurocentrismo na História Geral e da exaltação da nação e de seus governantes na
História do Brasil. Todos esses conteúdos eram apresentados com pouco ou nenhum
perfil crítico e não existiam brechas para a participação das pessoas comuns nos fatos
tratados. O ruir da traumática aventura dos militares ao poder se fez acompanhar de um
esforço de historiadores, professores e técnicos na tentativa de modificar o ensino da
história. (OLIVA,2003, p 425).

A imagem dos africanos construída pelo Europeu são “movimentos imagéticos”,


construídos deste da Antiguidade Clássica com variações ao longo do tempo como
coloca OLIVA, em “Lições sobre a África”. Pelo “espelho” europeu na Antiguidade
Clássica os africanos eram “o Outro/Estranho/Negro” e a África era vista nesta
perspectiva como, “ausente de civilização e de desenvolvimento” esta visão foi
fortalecida pelos relatos dos viajantes que influenciaram muito as concepções do mundo
ocidental, os africanos teriam “formas animalescas, status demoníacos, praticas
antropofágicas”.

Ao longo do período do ‘trafico de almas, corpos e culturas”, os africanos são vistos


como escravos, primitivos, selvagens, inferiores, tribais “, imagem fortalecida pela
literatura e pelas produções cinematográficas e muito recorrente nos livros didáticos.
632
Estas construções pensadas historicamente nos influenciam até o momento atual, o que
coloca como muito importante esta obra sobre a História da África como um as
ferramentas fundamentais para os professores preparem suas aulas como coloca, LIMA;
“O fato de trazer uma história da África escrita em sua maior parte por autores
africanos, numa obra de alcance internacional, também contribui para que se construa
um olhar mais respeitoso sobre a produção de conhecimento no continente

O ensino de história no Brasil cientificamente teve início no século XIX, com


característica fundamentalmente positivista, o privilégio de heróis e datas condizia com
os interesses de formação de “História-nação”. Esse quadro sofre algumas mudanças
como coloca Oliva(2003),” os anos 1950, o marxismo pareceu ser a alternativa óbvia
para referenciar as modificações dos currículos e reescrever os livros didáticos.”, outro
momento que apontava para uma mudança ou melhor para o estudo do continente
Africano ocorre segundo oliva (2003) “anos 1980, é a partir de 1995 que encontramos
uma presença mais marcante dos referenciais da História Nova nos livros didáticos e
nas salas de aula, chamada aí de História temática. “. No entanto o que o autor
conseguir perceber foi, ” Silêncio, desconhecimento e representações eurocêntricas.
Poderíamos assim definir o entendimento e a utilização da História da África nas
coleções didáticas de História no Brasil. Das vinte coleções compulsadas pela pesquisa,
apenas cinco possuíam capítulos específicos sobre a História da África. (Oliva,2003,
p429.) é o que tem prevalecido ainda na maioria dos livros didáticos conclui Oliva
“Reproduzimos em nossas ideias as notícias que circulam pela mídia, e que revelam um
Continente marcado pelas misérias, guerras étnicas, instabilidade política, AIDS, fome e
falência econômica. Às imagens e informações que dominam os meios de comunicação,
os livros didáticos incorporam a tradição racista e preconceituosa de estudos sobre o
Continente e a discriminação à qual são submetidos os afrodescendentes aqui dentro.”.
A desconstrução deste olhar sobre a África e os africanos não é tarefa simples pois
como coloca Oliva (2003, p433).

Seria plausível afirmar que os olhares sobre o Outro estariam impregnados do


“estranhamento”, da dificuldade de emprestar significados e aceitar as diferenças

O psiquiatra negro Frantz Fanon,ao investigar os impactos psicológicos do processo de


dominação europeia na África, afirmava que “o negro nunca foi tão negro quando a
partir do momento em que foi dominado pelos brancos” (Fanon, 1983:212). O filósofo
africano Kwame Appiah confirma a ideia de que “a própria categoria do negro é, no
fundo, um produto europeu, pois os ‘brancos’ inventaram os negros a fim de dominá-
los” (Appiah, 1997:96).

A manutenção dessas concepções ou estranhamento não foram construídas no século


XIX, elas datam de longas datas e construídas historicamente, Oliva lembra que:
“Heródoto, em sua História, deixou registrada sua impressão acerca dos africanos, em
um misto de estranhamento, admiração e desqualificação. Em sua lógica descritiva ele
afirmava que “os homens daquelas regiões são negros por causa do calor” e os “etíopes
da Líbia são entre todos os homens os de cabelos mais crespos” (Heródoto, 1988: 95,
361).

E continua aponta que “Ainda na Antiguidade, o geógrafo alexandrino Cláudio


Ptolomeu, baseando-se em estudos anteriores, conseguia “com sua
633
Geografia a evolução máxima dos conhecimentos relativos aos contornos da África”
(Djait, 1982: 119). A África não passaria da região do Equador e o clima abaixo dele
seria insuportável. Sua cartografia serviria de base para os teólogos e geógrafos
medievais.

O paraíso terrestre aparecia sempre ao Norte, no topo, distante dos homens, e Jerusalém,
local da ascensão do filho de Deus aos céus, no centro. A Europa, cuja população
descendia de Jafet, primogênito de Noé, ficava à esquerda (do observador) de Jerusalém
e a Ásia, local dos filhos de sem netos de Noé, à direita. Ao Sul aparece “o continente
negro e monstruoso, a África. Suas gentes eram descendentes de Cam, o mais moreno
dos filhos de Noé” (Noronha, 2000: 681-689). Neste caso, mais uma vez o desprestígio
recobria a África. Segundo os textos bíblicos, Cam foi punido por flagrar seu pai nu e
embriagado. Seus descendentes deveriam se tornar escravos dos descendentes de seus
irmãos e habitar parte do território da Arábia, do Egito e da Etiópia.

Com as Grandes Navegações e os contatos mais intensos com a África, abaixo do Saara,
os estranhamentos e os olhares preconceituosos continuam. No século XV, duas
encíclicas papais— a Dum Diversas e a Romanus Pontifex—“deram direito aos Reis de

Portugal de despojar e escravizar eternamente os Maometanos, pagãos e povos pretos


em geral” (Lopes, 1995: 22). Além disso, o imaginário dos navegantes iria sobreviver,
de forma diversa, nos séculos seguintes.

A história do continente africano é fundamental para entendermos a própria história do


Brasil pois como apontam vários autores a participação dos africanos foi fundamenta
para a formação da cultura brasileira ou as culturas brasileiras como coloca Fernandes
(2005, p.379) O mais correto seria falarmos em “culturas brasileiras”, ao invés de
“cultura brasileira”, dada a pluralidade étnica que contribuiu para sua formação.

Apesar da influência marcante da cultura de matriz europeia por força da colonização


ibérica em nosso país, a cultura tida como dominante não conseguiu, de todo, apagar as
culturas indígena e africana. Muito pelo contrário, o colonizador europeu deixou-se
influenciar pela riqueza da pluralidade cultural de índios e negros. No entanto, o modelo
de organização implantado pelos portugueses também se fez presente no campo da
educação e da cultura.

A escola diante desse quadro precisa aprender a conviver com a diversidade cultural
pois o conhecimento sobre a suas raízes históricas pode contribuir com a formação de
jovens mais consciente e confiantes do seu papel na História por outro lado do contrário
o número de evasão pode ser cada vez mais como coloca Fernandes (2005, p381);

Pesquisas já realizadas pela Fundação Carlos Chagas, têm demonstrado o quanto nossa
escola ainda não aprendeu a conviver com a diversidade cultural e a lidar com crianças
e adolescentes dos setores subalternos da sociedade. Os dados revelam que a criança
negra apresenta índices de evasão e repetência maiores do que os apresentados pelas
brancas. A razão disso tudo, segundo a pesquisa, era devido aos seguintes fatores:
conteúdo eurocêntrico do currículo escolar e dos livros didáticos e programas
educativos, aliados ao comportamento diferenciado do corpo docente das escolas diante
de crianças negras e brancas.
634
As mudanças no ensino de História são necessárias mais gradual pois como coloca
Flores (2006), que as estruturas curriculares dos cursos de graduação em História, no
Brasil, ficaram, por muito tempo, presas ao foco eurocêntrico dos conteúdos
historiográficos. Esta cultura escolar viria a ser enfrentada somente depois da
Constituição de 1988, que tornou possível a criminalização do racismo no Brasil. O
próprio Flores reconhece a necessidade de rompermos com o eurocentrismo e a visão
quadripartite da historia E lembra que Braudel como o mais influente das Escola dos
Annales apresentou uma proposta nessa direção;

Entretanto, faça-se justiça aos historiadores franceses, pois Fernand Braudel (1902-
1985), o mais influente deles, iria propor um ensino de História mais pluralista e menos
etnocêntrico. Em vez de idades cronológicas, pensou-se em durações, economias,
cultura material, povos, capitalismo triangular. Tendo sido residente e pesquisador na
África mediterrânica e observador atento do processo de descolonização da África, na
década de 1960, Braudel escreveu um livro para jovens estudantes, inserindo nas suas
análises “o continente negro” e explicando as tendências do tempo presente na “África
Negra de hoje[1963] e amanhã”. Suas observações sobre as diásporas africanas
estimulam a pesquisa e o ensino de temas africanistas: “é de notar-se o fato, importante
para o mundo negro atual, de que existem Áfricas vivas no Novo Mundo (Flores, 2006,
p.69).

Considerações finais

Como apresentamos o estudo do continente africano e muito importante para o


conhecimento da própria História do Brasil para além de representações de cunho
somente europeu, pois somos um pais de composição racial, ” ... Brasil tenha o maior
contingente de afrodescendentes do mundo"(Zamporoni,2007), Os estudos que antes se
referiam a questão racial produziu um paradoxo segundo Zamboni (2007),” tínhamos
negros e até mesmo africanos, mas nada da África. ...no ensino brasileiro no qual, com
raras exceções, a presença negra estava restrita a algumas lamúrias nas poucas páginas
dedicadas à escravatura e a África e os africanos – mas também a Ásia – apareciam não
como possuidores de historicidade própria, mas como meros apêndices na história da
expansão europeia”.

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(Rapaz)

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636
MULHERES EM CENA: NARRATIVAS
HISTÓRICAS E A INVISIBILIDADE DAS
MULHERES NO FILME GERMINAL
Jorge Luiz Zaluski
Maycon André Zanin

Pode-se afirmar que nos últimos anos existiu o crescimento da utilização do cinema
como suporte pedagógico. No Brasil, por exemplo, a lei 13.0006/2014, acrescenta no
parágrafo 6º ao artigo 26 da Lei nº9394, de 20 de dezembro de 1996, a obrigatoriedade
da exibição e discussão de ao menos duas horas mensais de filmes nacionais. (BRASIL,
2014)

Para Edileuza Penha de Souza, “[...] tem-se intensificado o número de programas


educativos e formativos em que o cinema é utilizado como um dos aparatos
tecnológicos da educação.” (SOUZA, 2006, p, 09) Vive-se em um contexto em que
diferentes mídias são produzidas e reproduzidas. Utilizar o cinema como suporte
pedagógico permite a problematização dos temas abordados, narrativa, dentre outros
elementos que compõem a produção cinematográfica. Logo, tais investigações
possibilitam que os/as estudantes possam compreender sobre diferentes produções
visuais dos mais diversos contextos. Diante disso, Marcos Napolitano nos informa que,
“[...] os filmes têm sempre alguma possibilidade para o trabalho escolar. O importante é
o professor que queira trabalhar sistematicamente com o cinema se perguntar: qual o
uso possível deste filme?” (NAPOLITANO, 2008, p, 12)

Para tanto, com o objetivo de apresentar contribuições de caráter multidisciplinar, será


feita uma breve análise do filme Germinal, pautando-se preferencialmente na narrativa
sobre as mulheres apresentadas em algumas cenas. Buscamos problematizar as
desigualdades de gênero reproduzidas no filme, pois essa produção é constantemente
indicada em livros didáticos de história e sociologia para ser utilizada em abordagens
sobre a Revolução Industrial. Nossa escolha por esse filme consiste na problematização
de que mesmo apontada nos manuais, ela carece da investigação para orientar os/as
profissionais que optarem pela obra.

O filme Germinal, sobre a direção de Claude Berri (França,1993), ganhador do Prémio


César (1993) e com várias indicações ao Oscar, adaptado da obra de mesmo título, do
escritor Émile Zola, que trata sobre a França no contexto da assim chamada Revolução
Industrial. Permite estabelecer relações entre características da sociedade da época junto
às teorias e análises sobre alguns dos mais relevantes autores que trabalham sobre o
tema.

A trama apresentada versa sobre a história de uma família composta pelos personagens,
Maheude (mãe), Toussaint Maheu (pai), Vincent Maheu – Boa morte (avó), e pelos/as
filhos/as, Catherine, Estelle, Zacharie, Lénore, Henri, Alzire e Jeanlin, que vivem de
637
aluguel nos cortiços da empresa Vourex. Mineradora em que trabalham os homens,
filhos e Catherine. Tanto no trabalho quanto em casa, vivem em situações precárias de
saúde, vestimenta, alimentação, dentre outras condições que informam que as condições
salariais favoreciam a miséria que levavam. Ainda no filme, Étienne, viajante
desempregado que buscava por melhores condições de vida. Como protagonista,
durante a história narrada é apresentado de duas maneiras. Na primeira, como um
observador de todas as dificuldades e problemas enfrentados pela família Maheu e os/as
demais trabalhadores/as. Segundo, por ser um dos poucos letrados, e com influências de
leituras marxistas, trajando seu casaco vermelho, é apresentado como um fervoroso
manifestante em prol da situação daquelas pessoas. Ao desencadear uma greve, são
realizados alguns conflitos, e como o próprio nome diz, o germinar da manifestação e a
luta por direitos. O filme não informa se as manifestações trouxeram contribuições para
os/as participantes, acaba deixando a dúvida se os/as trabalhadores continuaram lutando
por melhorias.

Conforme Eric Hobsbawn, a descrição do cenário deste período histórico era de


“catastrofe social”. Os trabalhadores caíram em total desmoralização. O aumento da
pobreza e exploração, misturava-se as condições precárias de sobrevivência nas vilas
industriais. Que segundo o autor, “[...] destituídos das tradicionais instituições de
padrões de comportamento, como poderiam muitos deles deixar de cair no abismo dos
recursos de sobrevivência, em que as famílias penhoravam a cada semana seus
cobertores até o dia do pagamento.” (HOBSBAWN, 2011, p, 323). Desta maneira, ao
relacionar a trama com algumas das principais obras que investigam sobre o tema, pode-
se perceber que o filme busca apresentar uma reflexão sobre a condição de vida das
pessoas.

Ao utilizar filmes em sala, principalmente na disciplina de História, deve-se


problematizar também que ele fornece uma narrativa sobre o passado. Deste modo, é o
olhar e o interesse de quem o produziu sobre determinado evento e contexto. Cabendo
questionar ainda o momento em que foi produzido, pois, “[...] como qualquer
documento, eles fornecem uma interpretação do passado e, ao fazerem isso, muitas
vezes estão fazendo alusão ao presente, porque a forma como a História é abordada
pode estar de acordo com a visão que seus produtores e expectadores têm no presente.
(CAMPOS, & FARIA, 2009, p, 54)

Ou seja, em Germinal, Berri traçou uma comparação de seu presente com o passado
narrado na trama. Longe de ser uma verdade absoluta, é uma narrativa, uma
interpretação dada a um passado não vivenciado. Deste modo, qualquer produção não
deve ser utilizada como uma ilustração do passado tal como foi, mas sim, estar aberta
para discussões e interpretações sobre a trama. Para tanto, diante também do espaço
reduzido para essa discussão, refinamos nossa análise sobre as narrativas apresentadas
em Germinal sobre as mulheres durante a Revolução Industrial. Essa observação é
fundamental, ao ser um filme de grande repercussão e bastante indicado para utilização
em sala, a não problematização de algumas cenas pode contribuir para o reforço da
naturalização de diferenças de gênero.

De um modo geral Berri não realizou grandes atribuições às mulheres. Ao partir a


narrativa sobre um problema familiar como exemplo dos demais. A família, como um
conjunto de mudanças, demonstra as movimentações em busca da sobrevivência.
638
Todavia, as cenas reforçam diferenças de gênero instituídas socialmente. Predominando
aos homens o trabalho fora de casa, e as mulheres sob a responsabilidade de gerir a
pobreza, devem buscar alternativas para satisfazer a necessidades do lar. Maheude é a
mulher escolhida para apresentar essa situação. Realizando junto aos filhos as atividades
de casa, e ainda, em meio à pobreza, a busca de alternativas para sobreviver, como pedir
esmolas, ou até mesmo sujeitar-se a prostituição em troca de alimento. No fim do filme,
após a morte de seu marido, vai trabalhar na mineradora por obrigação em assumir o
cargo do marido, não por sua competência e atuação.

A produção expõe muito bem as diferenças salariais e exploração do trabalho infantil.


Dialogando sobre as diferenças de renda para homens, mulheres e crianças. Todavia,
sobre as mulheres na mineradora, ora são apontadas como rudes, de que são fortes como
homens para estarem ali, ora são frágeis e não suportam o esforço, como na cena em
que Catherine desmaia enquanto empurrava um carrinho cheio de carvão.

Esse olhar é possível na medida em que utilizamos o gênero como categoria de análise.
Compreende-se, tal como Joan Scott que “[...] o gênero é um elemento constitutivo de
relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos.” O filme reforça
essas diferenças, pois inviabiliza a atuação das mulheres reduzindo-as ao protagonismo
dos homens. De que as diferenças corporais contribuem para a atuação diferenciada dos
sujeitos em espaços que existe a aceitação ou a negação conforme o gênero.

Em meio às cenas de greve, onde muitas vezes aparecem apenas como companheiras,
dois momentos exploram a atuação das mulheres. Na primeira, insatisfeitas pelas
condições precárias, um grupo de mulheres se reúne e deslocam-se até a venda impor
uma negociação com o comerciante. Diante de humilhações, buscam renegociar suas
dívidas e ampliar e manter o crédito para não morrerem de fome por estarem sem
salário. Na segunda, na mesma venda durante uma manifestação de grevistas pela
cidade, as mulheres vão em busca do comerciante, esse ao fugir, cai, bate a cabeça e
morre. Como símbolo de insatisfação pelas constantes humilhações, entre elas a
prostituição realizada em troca de alimento, uma das mulheres corta a genitália do
homem morto. Onde acaba expondo ao restante da cidade o que as incomodava quando
elas deveriam buscar a venda para saciar a fome.

Eduard Thompson, historiador que dedicou grande parte de suas obras para a
investigação sobre esse contexto, recebeu várias críticas ao afirmar que estava
integrando as mulheres na história. Para Carla Pinsky, ao tratar sobre as mulheres na
história e ao debater sobre os estudos de Thompson, afirma que, “[...] a questão da
mulher não está nele representada (e se estivesse, a coerência da narrativa seria
desafiada, já que o texto, apesar de falar sobre mulheres, não trata de seus papéis
históricos.”(PINSKY, 2009, p, 173)

Logo, ao traçarmos uma comparação dos estudos sobre o período e a narrativa proposta
por Berri, evidenciamos que ambas as abordagens possuem aproximações. Pois como
nos informa Carla Pinsky, “[...] na luta dos trabalhadores ingleses, descrita pelo
historiador, as mulheres são retratadas mais como companheiras leais que como
militantes convictas.” (PINSKY, 2009. P, 173)

639
A breve discussão aqui apresentada não diminui a importância da utilização desse filme
como suporte metodológico. Feito uma comparação entre a produção cinematográfica e
algumas obras que investigam sobre o tema, evidenciamos da necessidade de
problematizar a atuação das mulheres na história. Esse filme permite isso, todavia
necessita que o/a professor/a busque desnaturalizar as diferenças de gênero reproduzidas
nas cenas que narra o passado.

Referências

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http://www.adorocinema.com/filmes/filme-30245/trailer-19535211/ Acesso em: 09 de
janeiro de 2017.

ALVIM, Roberto. O trabalho infanto-juvenil em discussão. Terceirização:


diversidade e negociação no mundo do trabalho. São Paulo: Hucitec, 1994.

BRASIL. lei nº 13.006, de 26 de junho de 2014.


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13006.htm Acesso em
04 de março de 2017.

BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna – Europa 1500-1800. 2. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989.

CAMPOS, Helena Guimarães; FARIA, Ricardo de Moura. História e Linguagens. São


Paulo: FTD, 2009.

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no Brasil. 2013. x, 157 f., il. Dissertação (Mestrado em Literatura)—Universidade de
Brasília, Brasília, 2013.

HOBSBAWN, Eric. A era das revoluções – 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 25ª
Ed, 2011.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto,
2003

______________________. Fontes audiovisuais: a história depois do papel. In:


PINSKY, Carla. B. (org). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005. P. 231-290

PERROT, Michel. Os Excluídos da História: Operários, Mulheres e Prisioneiros.


RJ: Paz e Terra, 1988.

PINSKY, Carla Bassanezi. Estudos de Gênero e História Social. Rev. Estud. Fem.
[online]. 2009, vol.17, n.1, pp. 159-189. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ref/v17n1/a09v17n1.pdf Acesso em 15 de fevereiro de 2017.

SCOTT, Joan Wallach. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação
& Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2, jul./dez. 1995
640
SOUZA, Edileuza Penha de. (Org.) Negritude, cinema e educação: caminhos para a
implantação da lei 10.639/2003. Belo Horizonte: Mazza edições, 2006

THOMPSON, Eduard Paul. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular e


tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

641
O NEGRO NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA
HISTÓRICA: ENTRE OS DISCURSOS
MIDIÁTICOS E A CONSTRUÇÃO DE
ESTEREÓTIPOS
Jessica Caroline de Oliveira

Não é novidade os debates e embates acerca do preconceito e racismo, o que tem gerado
tensões entre as diferentes opiniões, as quais, pautadas no princípio de liberdade de
expressão, utilizam as mídias e redes sociais para tornar pública as suas interpretações e
perspectivas sobre as realidades sociais, políticas, econômicas e sociais. Estas práticas
podem ser entendidas como um problema, no momento em que se utilizam único e
exclusivamente do seu senso comum, este, por sua vez, vinculado a simplificações
rasteiras e preguiçosas, que pouco avaliam os processos históricos associados as suas
‘opiniões’. Portanto, essa tal liberdade de expressão abre caminho para afirmações
preconceituosas, estereotipadas e racistas, conteúdo que será consumido pelos
seguidores em diferentes redes socais. Neste sentido, mais do que uma mera opinião,
quando nos referimos a estes materiais, estamos falando em formação de opinião, pois,
as pessoas que ainda não produziram um determinado saber acerca de um assunto, ao
ler ou ouvir um sujeito que consideram a sua ‘referência’ (por razões que lhes são
particulares) intelectual, artística, política ou social, em alguns casos, tomam esse
discurso enquanto verdade e passam a reproduzi-lo. Quando se fala em discurso, aqui é
pensando pelo viés de Paul Ricouer (1989, p. 112), o qual salienta que “o discurso é
sempre discurso a respeito de algo: refere-se a um mundo que pretende descrever,
exprimir ou representar [...] só o discurso possui, não somente um mundo, mas o outro,
outra pessoa, um interlocutor ao qual se dirige”.

Partindo das informações acima apresentadas, este ensaio tem por objetivo observar os
discursos produzidos sobre questões étnico-raciais de dois sujeitos conhecidos e
mencionados em sala durante um debate na aula inicial deste ano letivo. Esta atividade
foi realizada nas turmas de 8º ano 1, 2 e 3, do Núcleo Educacional João Fernando
Sobral, localizado no município de Porto União (Santa Catarina), em 2017. A discussão
em si, estava vinculada aos usos de argumentos religiosos na tomada de decisões
legislativas em relação ao aborto, homossexualidade, feminismo, enfim, se tratava de
aula inaugural e alguns pontos do planejamento semestral foram arrolados à guisa de
introdução. A metodologia empregada foi a aula expositiva dialógica, utilizando-se
assim, da autora Osima Lopes (1991) para orientar os percursos da aula, fazendo uso do
diálogo e dos saberes prévios dxs discentes para fomentar os pontos pertinentes a aula, a
fim de elaborar e reelaborar o conhecimento histórico.

Nesta acepção, quando o assunto se trata de religião e discriminação, não é de se


surpreender que o nome do Deputado Marcos Feliciano seja uma indicação apresentada
pelxs alunxs. Isso se deve por algumas publicações realizadas em sua rede social, em
que declara que os africanos descendem de um ancestral amaldiçoado por Noé,
642
utilizando assim, um argumento religioso para legitimar a sua opinião e visão acerca do
continente africano. Noutra publicação, este senhor escreve que: “sobre o continente
africano repousa a maldição do paganismo, ocultismo, misérias, doenças oriundas de lá:
ebola, AIDS. Fome...". Em linhas gerais, segundo ele, a “fome” e a “AIDS”, por
exemplo, seriam fruto dessa do “paganismo” e do “ocultismo”, deixando de lado todo o
processo histórico que desencadeou estas questões, além de generalizar e estigmatizar
regiões específicas em que há maior ou menor incidência de doenças, ou desigualdades
sociais. Noutras palavras, a África, em seus 54 países e toda a sua diversidade cultural,
étnica, política e econômica, é sintetizada como “uma coisa só”, em que se leva em
conta um discurso mitológico produzido a aproximadamente dois mil anos e se esquece
toda a bagagem intelectual produzida e saberes populares que, de geração a outra,
mantem viva a chama da ancestralidade africana e, por assim dizer, revela o que o
senhor Deputado não é e não foi capaz de perceber: a verdadeira riqueza cultural, étnica
e econômica africana.

Outro sujeito mencionado em sala de aula, embora não seja um político, ganhou
destaque entre 2016 e início de 2017 (ainda que se tenha tentado abafar o caso), me
refiro a um youtuber chamado Lucas Marques, do canal Você Sabia?. Assim como o
senhor mencionado anteriormente, utilizou de sua rede social para manifestar sua
liberdade de expressão, isto é, insultar mulheres, negros, nordestinos e homossexuais.
No que diz respeito as questões etnicorraciais, antes da exclusão de suas postagens,
publicou: “procurando quem me roubou numa multidão de pretos”. Não vou me ater a
discutir em demasia a imbecilidade desta publicação, a qual, segundo apresentado pelxs
alunxs, era uma piada, assim como tantas outras que fazem parte do cotidiano brasileiro.
O elemento que aqui me fez citar este sujeito é a associação do afro-brasileiro à
criminalidade, o que não é raro encontrarmos referenciais semelhantes em outros
discursos, sobretudo, aqueles exibidos em novelas, onde o negro é o empregado,
favelado ou criminoso. E mais uma vez reafirmo: opiniões como estas são consumidas
diariamente pelas pessoas, o que deixa a seguinte inquietação: de que forma esta
produção de discurso atinge ou influência na formação da consciência histórica dxs
nossxs alunxs?

Para buscar entender os saberes produzidos pelas turmas selecionadas para este ensaio,
solicitei que, após uma breve discussão sobre os eixos de ensino apresentados na aula,
xs mesmxs escrevessem em uma folha o que sabiam, entendiam ou gostariam de
entender melhor daquilo que foi exposto no debate, tomando como exemplo o racismo,
a homofobia, feminismo, desigualdade social, enfim, a pergunta foi demasiadamente
ampla, buscando assim, dar liberdade às respostas e, por assim dizer, a liberdade de
expressão de cada discente. Ou pensando em termos mais conceituais, procurando
conhecer a consciência histórica discente, em que segundo Jörn Rüsen (2007), se trata
da soma de todos os saberes adquiridos, seja na escola, em casa ou com as demais
fontes de informação que, em conjunto, tecem significados, interpretações e orientações
na vida prática.

Em síntese, podemos apontar alguns aspectos que delinearam as atividades (que ainda
estão em processo de análise e irão compor um artigo), entre eles, ficou evidente a
associação do negro ao trabalho escravizados, os castigos sofridos, a tristeza e a saudade
da sua terra de origem – em parte, acredito que se deve a exibição da minissérie Raízes
em uma emissora de TV, ou a novela Escrava Mãe, demonstrando, deste modo, que as
643
mídias fomentam a formação da consciência histórica. Podemos observar este fato
através do seguinte trecho extraído de um dos textos entregues: “Eles vieram trazidos
pelo trafico negreiro, mesmo a gente generalizando eles como africanos, a vinda deles
trouxe diferentes culturas. O negro hoje não é respeitado como os “brancos”, eles não
tem o mesmo respeito. Todas ou quase todas as pessoas pensam numa pessoa negra
como um escravo.”

Neste mesmo rol de redações foi descrita, ou melhor, criticada as constantes


humilhações de uma personagem negra numa novela, em que é chamada de “retirante”,
“morta de fome”, “nordestina”, “faxineira”, entre diversos insultos que estereotipam não
só sujeito negro enquanto faxineiro ou subalterno, como também, a sua questão social
ou regional, neste caso, o Nordeste. Partindo destas colocações, uma aluna escreve que:
“eu não sou negra, não tenho parentes negros e aqui na cidade a maioria é branca mas
não é por isso que eu acho que sou melhor, acho que brancos e negros devem ser
tratados iguais. Me sinto mau em ver a Joana ser esculachada pela Barbara, minha mãe
nem gosta que eu fique assistindo e por não gostar de ver esses xingamentos eu prefiro
ver outra coisa.”

Preciso fazer um pequeno adendo quanto a produção dos textos individuais após o
debate coletivo na sala de aula, pois solicitei que fizessem pequenos grupos e voltassem
a conversar sobre os elementos apresentados para a disciplina e, a partir desse diálogo,
escrever cada qual a sua redação, por isso, é possível verificar que em cada grupo um
determinado caractere se destacou, como a escravidão, personagem em novelas, redes
sociais, violência e criminalidade, bem como, as letras de músicas no funk e no rap.
Para não me estender demais, apontarei apenas um último comentário realizado sobre as
letras de músicas que, segundo xs alunxs, quando afirmam gostar destes gêneros
músicas, são rotulados enquanto “faveladxs”, “maconheirxs” e “putxs”, ou então,
apenas dizem que é “música de preto”, seja pela família, colegas de escola e do bairro,
ou mesmo professorxs.

Quando li, em três textos, que professorxs reforçam estes estigmas, considerei a
possibilidade de estar numa sala de aula em que a criticidade é deixada de lado, ou seja,
o ambiente escolar se torna um espaço formador de bonecos reprodutores de
discriminação, preconceitos e sem qualquer senso crítico. Anderson Oliva (2006)
argumenta que a falta de formação e estudos publicados sobre a história africana e afro-
brasileira, leva a uma insegurança em ministrar aulas sobre o tema, deixando-o passar,
fazendo uso do material didático que nem sempre faz um debate articulado com o
compromisso e a responsabilidade de produzir um conhecimento crítico, capaz de
compreender e dialogar os processos históricos entre passado e presente e, por assim
dizer, não resumi-lo a uma história medíocre, desatenta e incapaz de apresentar os
diferentes sujeitos históricos em suas múltiplas culturas e temporalidades, portando,
demonstrando o sujeito histórico africano e afro-brasileiro para além destes estereótipos
que só gritam a desigualdade, injustiça e impunidade em nosso país.

Referências

LOPES, A. O. Aula expositiva: superando o tradicional. In: VEIGA, Ilma Passos


Alencastro (Org.) Técnicas de ensino: Por que não?. Campinas, SP: Papirus, 1991.

644
OLIVA, A. R.. A história africana nos cursos de formação de professores. Panoramas,
perspectivas e experiências. Estudos Afro-Asiáticos. Ano 28, n° 1/2/3, Jan-Dez 2006,
pp. 187-220.

RÜSEN, J. História viva: formas e funções do conhecimento histórico. Jörn Rüsen;


tradução de Estevão de Rezende Martins. – Brasília: Editora Universidade de Brasília,
2007.

645
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE ÁFRICA NO
ENSINO DE HISTÓRIA
Lara Jéssica Nóbrega Macêdo

No Brasil, o interesse pelas temáticas referentes à História e cultura africana e afro-


brasileira vem ganhando força durante as últimas décadas (ZAMPARONI, 2011). O
currículo prático de sala de aula no que se refere ao ensino de História se forma pela
estruturação de culturas e simbologias que se organizam pela confluência de conflitos e
contradições, configurando as instancia de um currículo formal, real e oculto,
(MONTEIRO, 2003, p. 10). Estas confirmações apontadas por Ana Maria Monteiro
(2003) nos trazem para o cerne de discussões em que se evidenciam os fenômenos
práticos de ensino tais como as incertezas, instabilidades, especificidades e crise de
valores. Assim, as relações entre Docente e discente no campo escolar devem ser
pensadas na perspectiva das interações com vistas à multiplicidade de interpretações e
apropriações.

Gislene Santos (2002) nos fala de uma produção de conhecimentos que caracterizam o
continente africano pelo exotismo, sendo povos estranhos, horríveis e a-históricos, luz e
sombra: opostos. “Se o branco representa a razão, o belo, o bom, o justo... a
humanidade, ou seja, simboliza os valores desejáveis, o negro, por sua vez, pode
representar a desrazão, a loucura, o feio, o injusto, a animalidade,” (SANTOS, 2002,
p.280). Como bem afirma Frantz Fanon (2008) em sua clássica obra Pele Negra,
Máscaras Brancas da década de 1950, o branco construiu formas complexas que estão
imbuídas nos códigos, normas e valores sociais, que vem, por longos processos
históricos, causando a inferiorização do negro, devido a uma suposta superioridade
natural dos indivíduos brancos.

Os intelectuais africanos e africanistas vem realizando profundas reflexões sobre a


universalização da condição existencial do ser negro, que não corresponde à ideia que
os povos africanos possuem de si mesmo, causando estranhamento tal pensamento. A
circunscrição sobre o ser negro não permite a que se criem outras possibilidades de
existência, sobretudo, construindo formas que vão para além da ideia de raça e
compreensão da diferença, (MBEMBE, 2014). Deve-se considerar que existe uma
epistemologia construída pelos ocidentais que marginaliza e empobrece o continente
africano. Com isso, a África é imersa em profundo desconhecimento que ocorre de
forma consciente e inconsciente pela Europa, (MUDIMBE, 2013). “Ou seja, Mudimbe
(2013) oferece uma vívida descrição de uma situação acadêmica, ressaltando que a
África tem sido frequentemente uma vitima do etnocentrismo epistemológico europeu“,
(LIMA, 2015, p. 24).

A epistemologia eurocêntrica pode ser entendida como uma estrutura ideológica que
fornece uma visão deturpada sobre o europeu e os povos africanos, percebendo os
europeus como raças superiores e os africanos inferiores na medida em que seus reinos
possuíssem características culturais diferentes das sociedades europeias E um dos
646
principais mecanismos para perceber e enfatizar estas diferenças seria a cor da pele,
(BARBOSA, 2008).

O pensamento eurocêntrico tem nas suas bases a crença de que a Europa ocidental seria
um desejável modelo a ser seguido por todos os povos existentes, e isto foi
corroborando para a construção de representações negativas sobre as sociedades
africanas. Estas por sua vez, foram homogeneizadas, rotuladas como bárbaras,
demoníacas e inferiores à cultura europeia, devido a uma suposta ordem natural de
progresso no qual todos os povos estavam inseridos (FEIRMAN, 1993). No entanto, as
culturas do continente africano não correspondem aos estereótipos e arquétipos
construídos historicamente pelo mundo europeu. As representações sobre o africano
revelam muito mais a posição de quem fala (europeus) do que sobre quem se fala
(africanos).

A historiografia do continente africano referente à escravidão, por exemplo, constrói


representações diferentes sobre os sujeitos africanos (MBEMBE, 2001). Nos últimos
anos as produções historiográficas tem contribuído com pesquisas e reflexões, sobre a
estrutura da escravidão no continente africano e como ela se redimensiona com a
abertura do Atlântico. Estes pesquisadores deram a possibilidade de enxergar que o
continente africano, por ser habitado por diferentes povos, possui estruturas escravistas
diferentes e que estão interconectadas. Desse modo, as relações estabelecidas entre os
povos africanos com os europeus são percebidas por múltiplas dimensões, contribuindo
para superação da perceptiva bipolarizada e extremista caracterizado entre dominador e
dominado.

De acordo com Anderson Oliva (2003, 2004), pensar África está diretamente ligado ao
conjunto de imagens que formam nossa identidade brasileira enquanto sujeitos negros,
que lutam diariamente por espaços nesta sociedade historicamente excludente, para
terem seus direitos respeitados e, também, para terem sua ancestralidade reconhecida e
valorizada em todos os segmentos que constitui uma sociedade multicultural.

A Consciência que forma a individualidade se constitui em um processo de inter-relação


com a História enquanto disciplina que se configura no plano prático das relações
sociais, então, como bem afirma Estevão C. de Rezende Martins (2011), a História
forma os sujeitos na mesma medida em que é construída por estes. Deste modo, cada
agente se constrói pela interação entre os valores culturais e conhecimentos da
sociedade na qual está inserido com seu posicionamento singular sobre as práticas e
mecanismos que formam tais símbolos e significante social (MARTINS, 2011, p.11).

Stuart Hall (2005), ao refletir sobre a formação das identidades modernas, percebe que
estas se encontram em crise, pois suas bases de construção estão situadas nas
contradições, fragmentações, multiplicidade, e constantes mudanças (HALL, 2005). Em
meio ao processo de ebulição e fragmentação das identidades estas se formam pelos
mecanismos de interação, diferenciação e afirmação (HALL, 2005, p.9). Pierre Nora
(1981) nos explica que a História enquanto uma forma de memória se apresenta nos
livros didáticos com conteúdos que estão imbuídos por mecanismos que influenciam na
formação e marginalização de certas identidades em detrimentos de outras, (NORA,
1981).

647
Hebe Maria Mattos (2009) nos proporciona pensar que uma educação voltada à
formação de cidadão e que aborde os temas transversais adotados no ensino básico pode
se tornar um grande meio de luta contra as formas de discriminação racial no Brasil,
educando, deste modo, com vistas ao respeito e tolerância às diferenças étnico-raciais,
culturais, religiosas e de tradições (MATTOS, 2009). Deste modo, é com as memórias
da escravidão moderna, e as experiências de racismo que as identidades de homens
negros e mulheres negras vêm sendo forjadas em sala de aula. A forma como os livros
didáticos vêm trabalhando os conteúdos relacionados a História e cultura dos povos
africanos ainda é marcada por simplificações que caem na reprodução de estereótipos
que reduzem e inferiorizam certas culturas, hierarquizando as identidades e com elas os
seus sujeitos, (MATTOS, 2009).

Referências

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revista, de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, p. 46-62, 2008.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira.


Salvador: EDUFBA, 2008.

FEIRMAN, Steven. African History and the dissolution of the World History. In.: BATES,
R.; MUDIMBE, V.Y.; O´BARR, Jean. Africa and the Disciplines. The contribution of
research in Africa to the social sciences and humanities, Chicago: The University of
Chicago Press, 1993.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,


2005.

LIMA, Claudia Silva. “A Razão (Não) Tem Cor?”: Sobre Filosofia Africana e a crítica
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NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. São Paulo:
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MATTOS, Hebe Maria; ABREU, Martha, SOIHET, Rachel (orgs). O ensino de história
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temáticos e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009, p. 127-138.

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Educar em revista, Curitiba: UFPR, n. 42, 2011, p.48-58.

MEBEMBE, Achile. Crítica da Razão Negra. Portugal: Antígona Editores, 2014.

MUDIMBE, Valentin Y. A Invenção da África: Gnosis, Filosofia e a ordem do


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648
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Brasília, ano 9, v.10, n.16, jun. 2004. p. 9-40.

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SANTOS, Gislene Aparecida dos. Selvagens, exóticos, demoníacos: ideias e imagens


sobre uma gente de cor preta. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, v.24, n. 2, 2002.

ZAMPARONI, Valdemir. A África e os estudos africanos no Brasil: passado e futuro.


Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-
67252007000200018&script=sci_arttext> Acesso em 20 nov. 2011.

649
CAMÉLIA BRANCA: O PROCESSO DE ABOLIÇÃO
DA ESCRAVIDÃO EM SALA DE AULA
Livia Claro Pires

A presente sequência didática foi desenvolvida junto a alunos e alunas do 7º ano do


segundo segmento do Ensino Fundamental, na disciplina de História, em colégio
particular da Zona Norte do Rio de Janeiro, no ano de 2015. Nasceu de uma inquietação
da professora ao perceber que os estudantes sempre representavam a população negra
que vivia no Brasil no século XIX como escravizados.

Por ser um colégio de pequeno porte, oferece apenas o Ensino Fundamental, possuindo
poucas turmas com número reduzido de estudantes. A escola localiza-se em Engenho da
Rainha, próximo às comunidades da Pedreira e do Complexo do Alemão, atendendo a
famílias de classe média baixa residentes no entorno.

O reconhecimento que esses estudantes detinham de seu pertencimento étnico esbarrava


na negação em ser negro. Percebia-se, com clareza, essa negação. Quando perguntados,
em ocasiões diversas, sobre como se autodeclaravam, poucos afirmavam serem negros
ou negras. Declaravam-se como brancos ou morenos. Os colegas que eram identificados
socialmente como brancos, por sua vez, reforçavam essa negação.

Apesar de já terem sido introduzidos em discussões sobre racismo, na sala de aula,


percebiam este como um problema individual, uma falha de caráter, um desvio moral.
Não compreendiam o racismo como um problema social endógeno. Tal entendimento
refletia-se, muitas vezes, na maneira como entendiam o conteúdo ministrado na
disciplina.

Negros e negras na história brasileira eram vistos por esses alunos e alunas apenas como
mão de obra escravizada. Ao serem apresentados ao Segundo Reinado, era como
“escravos” que se referiam à população afrodescendente da época. Não percebiam
outras formas de existência social desses grupos para além da escravização, e, dessa
forma, naturalizavam a desigualdade contra negros e negras nessa sociedade, no
passado e no presente, e, sobretudo, entendiam esses indivíduos como agentes passivos.
Desta percepção, o plano de aula sobre o processo de abolição da escravidão no país foi
pensado para desconstruir esse entendimento.

A primeira etapa consistiu em apresentar outra interpretação acerca do papel dessa


parcela população na sociedade. Para isso, foi apresentado o poema “Sou Negro”, de
Solano Trindade. Após introdução a respeito do autor, sua biografia e contexto político-
social, a turma foi instada a discutir os versos, a partir de algumas indagações feitas pela
docente: qual o período da história do Brasil retratado pelo poeta? Qual a visão acerca
do homem e da mulher negra: positiva ou negativa? Eles tinham um papel ativo ou
passivo naquela sociedade? Aceitavam passivamente a escravização ou reagiam a ela?
Apesar de não ser um texto contemporâneo ao período de estudo, houve uma primeira
contestação, de outra fonte de saber que não a professora, a respeito das opiniões acerca
650
do negro na sociedade do Segundo Reinado. Era o início da quebra dos antigos
paradigmas trazidos pelos alunos, uma vez percebida outras narrativas acerca da história
afrodescendente no Brasil.

O passo seguinte foi a análise do livro didático utilizado pela turma. Foi feita uma
leitura coletiva do único capítulo dedicado a quase exclusivamente tratar da população
negra no século XIX – intitulado “Do trabalho escravo ao trabalho livre”. Solicitou-se
aos estudantes o destaque da forma como a população negra, sua participação social e
no processo de abolição da escravidão no país eram representadas. Houve consenso
entre os estudantes nessa etapa: o texto remetia-se exclusivamente ao negro enquanto
mão de obra escravizada, destacando o sofrimento de seu dia a dia. Apesar de afirmar,
em uma única frase, sua resistência à escravização, apenas os quilombos foram
brevemente mencionados como forma de luta. Quando abordando o processo de
abolição, a turma notou haver pouco espaço dedicado à participação de negros e negras
nos movimentos abolicionistas.

Para alimentar a discussão suscitada, foi feita a seguinte pergunta à turma: “Quem
aboliu a escravidão no Brasil?”. As primeiras respostas replicaram aquilo que
escutavam desde os primeiros anos do Ensino Fundamental, ou seja, a Princesa Isabel.
Novamente, foram surpreendidos quando a professora afirmou ter sido a herdeira de D.
Pedro II a representante do Estado que assinou a lei que extinguia a escravidão. A
abolição foi explicada, assim, como um longo processo iniciado pelos principais
interessados em vê-la concretizada: os negros e negras que aqui viviam, organizados de
diversas formas, e não apenas como escravizados rebelados ou quilombolas. Destacou-
se, dessa maneira, a atuação desses indivíduos junto a organizações da imprensa e da
política, em ações afirmativas contra a permanência da escravidão nos centros urbanos
das principais capitais da época.

De posse dessas informações, a turma deveria construir as biografias de personalidades


negras da época, participantes, de diversas formas, das campanhas abolicionistas. Essa
fase do projeto consistia na pesquisa e apresentação das trajetórias das seguintes figuras
históricas, selecionadas pela professora: André Rebouças, José do Patrocínio, Luís
Gama, Maria Firmina dos Reis, Francisco José do Nascimento e Chiquinha Gonzaga;
homens e mulheres negras, cujas vivências eram desconhecidas em sua totalidade pelos
alunos e alunas.

Divididos em grupos, os estudantes escolheram livremente entre esses nomes,


pesquisaram a respeito, confeccionaram cartazes e expuseram suas conclusões à turma.
Mais uma vez, mostraram-se surpreendidos não apenas pelas trajetórias marcantes de
algumas dessas personalidades, cheias de reviravoltas dignas de uma trama ficcional,
como também pela atuação como escritoras, compositoras, jornalistas, advogados,
engenheiros. Ou, ainda, pelo enfrentamento a um sistema que os subalternizava.

Na aula consecutiva, destacou-se a Lei Áurea, assinado em 13 de março de 1888.


Colocado em um papel 40kg, o texto da lei foi pendurado na parede da sala de aula, e
lido em conjunto. Os olhares foram direcionados para os únicos dois artigos existentes,
questionando-se se essas poucas letras eram suficientes para suprir as necessidades da
população negra. Naquele instante, o objetivo do plano de aula expandia-se para além
do reconhecimento dos diferentes espaços ocupados e funções exercidas pelos negros e
651
negras na sociedade brasileira do século XIX. Fazer cada um dos discentes refletir
acerca da historicidade do racismo e o papel do poder público na sua preservação foram
horizontes construídos à medida que o projeto foi sendo aplicado, criando-se assim
novas atividades.

Com essa intenção, propôs-se a leitura de uma reportagem publicada no dia 13 de maio
de 2015, no site do Jornal do Brasil. O texto, intitulado “13 de maio: 127 após o fim da
escravidão, racismo divide a sociedade”, expunha relatos de casos de racismo sofridos
por estudantes e moradores de comunidades, em situações cotidianas ou em abordagens
policiais. Novamente, os alunos foram questionados e estimulados a comentar a respeito
do que haviam lido em sala de aula.

Da conversa tida, algumas falas surgiram. Ao lerem sobre a violência verbal cometida
por um policial negro contra uma das entrevistadas, um dos alunos questionou por que
uma pessoa negra agia dessa maneira com outra. Outra aluna, negra, de forma
espontânea, relatou à turma ser seguida por seguranças quando vai com a família a um
shopping em bairro da zona sul da cidade. Houve, ainda, a pergunta de outro aluno, que
perguntou à professora se poderia ser considerado negro. Vivências e reflexões que
podem ser tidas como evidências da internalização do conteúdo trabalhado, e da sua
ligação com o cotidiano atual dos estudantes, em suas relações pessoais e sociais.

Na última parte do projeto, a turma foi convidada a refletir sobre quais outros artigos
deveriam ser adicionados à Lei Áurea para que o racismo visto nos dias atuais fosse
combatido com mais eficácia. No mesmo papel 40kg exposto na sala de aula, cada
aluno e aluna escreveu seus complementos ao texto original. Abaixo, alguns dos novos
artigos criados:

 “Dar casas e terras pros ex-escravos”;


 “Pagar indenizações aos negros”;
 “Prender os donos de escravos”;
 “Construir escolas e cotas para que eles arranjassem emprego”;
 “Pena de morte para os racistas”.

Após a aplicação do projeto, percebeu-se que os alunos tornaram-se mais sensíveis e


reflexivos em relação às questões raciais que permeavam o seu cotidiano escolar e
social, bem como aos conteúdos da disciplina. Tornaram-se mais frequentes os relatos
de casos de racismo, tanto os que eram veiculados nas grandes mídias quanto os
presenciados em seu dia a dia. Uma das alunas, reproduzindo fala vista em programa de
televisão, disse que poderia comer biscoito a partir daquela data, pois havia um casal
famoso de atores negros fazendo propaganda de um produto na televisão. A
naturalização de relações desiguais foi sendo paulatinamente problematizada por alguns
daqueles estudantes.

Referências Bibliográficas

“13 de maio: 127 anos após o fim da escravidão, racismo divide o Brasil.” Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 13. Mai. 2015. <
652
http://www.jb.com.br/pais/noticias/2015/05/13/13-de-maio-127-anos-apos-o-fim-da-
escravidao-racismo-divide-a-sociedade/>

AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Onda Negra, Medo Branco: o negro no
imaginário das elites no século XIX. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

GONÇALVES, Maria Alice Rezende; RIBEIRO, Ana Paula Alves. “A questão étnico-
racial e o sistema de ensino brasileiro.” In GONÇALVES, Maria Alice Rezende;
RIBEIRO, Ana Paula Alves (org.). História e a cultura africana e afro-brasileira na
escola. Rio de Janeiro, Outras Letras, 2014, p. 11-23.

MUNANGA, Kabengele. “Educação e diversidade cultural”. Cadernos PENESB, Rio


de Janeiro, n. 10, jan.jul. 2008/2010, p. 10.

653
APRENDIZES DO CONFLITO: O ENSINO DE
HISTÓRIA INDÍGENA EM PALMEIRA DOS
ÍNDIOS - AL ENTRE DILEMAS
Luan Moraes dos Santos

Considerações iniciais

Cidade da região agreste do Estado de Alagoas, Palmeira dos Índios é terra proveniente
de missão indígena. Localizada a 135 km de Maceió, foi fundada em 1835, emancipou-
se politicamente de Anadia em 1889. Atualmente, com 127 anos, tem economia baseada
na agropecuária, com predominância do latifúndio. Ao longo de sua história foi um
grande produtor de algodão e um dos mais importantes centros comerciais de Alagoas.

Além disso, em Palmeira dos Índios vive o povo Xukuru-Kariri, que habita a região
serrana e entornos da cidade. Eles têm suas origens em dois outros grupos indígenas do
Nordeste; os Xukuru da antiga vila de Cimbres, atual município de Pesqueira-PE e os
Kariri, povo que habitou a bacia do Rio São Francisco e cuja principal área de fixação
foi o território que hoje corresponde a Porto Real do Colégio em Alagoas.

Ambos os povos chegaram ao vale que deu origem a Palmeira dos Índios em meados do
século XVII e aqui construíram sua história, permeada por conflitos territoriais e pela
ressignificação de sua identidade frente aos diversos processos históricos vivenciados
em sua luta pela terra e contra a exclusão social (BEZERRA, 2011). A cidade foi
erguida sobre seus antigos aldeamentos, seus mortos foram desenterrados e suas feridas
expostas e sua identidade cultural, fora desrespeitada.

Atualmente, os Xukuru-Kariri, resultado da união cultural entre os povos que habitavam


a região, são mencionados na história de Palmeira dos Índios como seres edênicos e
propagandísticos, pois vários comerciantes usaram os índios como atrativo para seus
estabelecimentos se aproveitando da associação do nome do município com os índios,
como atrativo, na mesma medida em que os comerciantes negam a existência desses
indígenas quando da exigência de demarcação, algo que é explicado por Margateh Rago
como “[...] discurso assertivo, repetitivo, é uma fala arrogante, uma linguagem que leva
à estabilidade acrítica, é fruto de uma voz segura e autossuficiente que se arroga o
direito de dizer o que é o outro em poucas palavras” (RAGO, 1999, p. 20).

Esta discussão está ancorada nos conceitos de “etnogênese” (BANIWA, 2006) e


“mistura” (OLIVEIRA, 1993; 1998), entendendo que comunidades indígenas vêm
reafirmando seus laços culturais e tentando resolver os problemas de sua época. A
“ressurgência” (AMORIM, 2003) desses povos acentua a disputa pela memória
(POLLAK, 1989), na medida em que se apropriam do conhecimento gerado nas
universidades. Assim, temos a materialização da relação entre o campo acadêmico e as
diversas realidades antes relegadas ao esquecimento que influem no ensino-aprendizado
na região.
654
É importante ainda, embasado por Foucault, compreender que o território não é definido
apenas fisicamente, mas em suas capilaridades, uma vez que é uma extensão do poder
que se faz presente como redes e complexos de fios emaranhados, por onde fluem
conflitos e convergências (FOUCAULT, 1979). Assim, questionar o tecido histórico da
disputa territorial evidenciando a construção da memória dos Xukuru-Kariri
(PEIXOTO, 2013) é também uma forma de dar sentido ao espaço, tornando-o uma
territorialidade palpável, formando com ele um estratagema existencial.

Nesse sentido, podemos argumentar que o sistema educacional do município de


Palmeira dos Índios (a exemplo do estado e do país), é um território onde a memória
entra em disputa. Um lugar de luta, onde a cultura indígena é oprimida, dando lugar a
estereótipos que reforçam o sistema dominante e, consequentemente, desprestigiam os
índios por não se encaixarem nos padrões perpetuados.

A lei 11645/08: um estudo de caso

Em 2008, o governo federal aprovou a lei 11645 que regulamenta e torna obrigatório o
ensino de história dos povos indígenas nas escolas desde os anos iniciais. O intuito, era
de que isso revolucionasse o aprendizado, porém nem todos os rincões do Brasil
tiveram resultados realmente significativos. Palmeira dos Índios não difere em nada do
contexto nacional.

A maior escola da região é a Escola Estadual Humberto Mendes, conhecida nas


imediações por oferecer Ensino Médio e pela sua estrutura de grande porte, contanto
com um total de 27 salas de aulas, diversos laboratórios, quadra esportiva, piscina e
campo de futebol. Os alunos matriculados na instituição são, em sua maioria, oriundos
da zona rural e urbana, com renda per capta de até dois salários mínimos. Entre esses
alunos encontramos jovens Xukuru-Kariri que cursam o ensino médio regular na escola.

Surgiram então, os problemas que nos levaram a fomentar essa discussão. Mesmo
vivendo e estudando em um município cujo nome carrega sua origem indígena e que
conta com a existência de 8 (oito) aldeias, esses jovens não se sentem à vontade para se
afirmarem como indígenas, deixando-se passar despercebidos entre os demais alunos,
pois a disputa territorial e a eminência de embates permeiam seu cotidiano. O professor
Edson Silva enfatiza que:

O pouco conhecimento generalizado sobre os povos indígenas está


associado basicamente à imagem do índio que é tradicionalmente veiculada
pela mídia: um índio genérico, com um biótipo formado por características
correspondentes aos indivíduos de povos habitantes na Região Amazônica e
no Xingu, com cabelos lisos, pinturas corporais e abundantes adereços de
penas, nus, moradores das florestas, de culturas exóticas, etc. (SILVA, 2012,
p. 41)

Destarte, o silêncio dos jovens Xukuru-Kariri é um resultado da imagem errônea


difundida pela mídia local e, consequentemente reproduzida pelos educadores; “[...] se
vê claramente a impotência da escola para tornar iguais aqueles que a realidade social e
655
econômica tornou distintos.” (NIDELCOFF, 1978, p. 13) Omitem sua identidade,
porque a história dos indígenas que é ensinada nas escolas é limitada ao período
colonial, fazendo entender que os índios desapareceram com a conquista dos seus
territórios por não índios, invasores louvados pela colonização. (MONTEIRO, 2001)

Considerações finais: aprendendo com o conflito batalhando pelo futuro

Vimos até agora, que o município alagoano de Palmeira dos Índios é o palco de um
conflito físico, material e ideológico travado há gerações. Nesse campo de guerra, a
tomada de controle da memória tem sido uma constante, bem como a sua forma de
transmissão mais rápida: a educação. Intuímos que, os conteúdos das aulas de história
são estrategicamente direcionados para o ocultamento da presença indígena nos
discursos oficiais.

Mesmo com a lei 11645/08, os desafios permanecem grandes e, sem os arranjos


necessários, os professores encaram sua aplicação como tarefa exclusiva de um único
dia no ano. O professor não pode se sentir obrigado a trabalhar a temática indígena,
antes ele precisa entender a importância desses povos no curso da história do Brasil,
possibilitando não só a compreensão da realidade de seus alunos, mas das comunidades
indígenas existentes no hoje. Um dos caminhos que auxiliam na construção desse
currículo multiétnico é a formação dos professores; importa trabalhar a diversidade
fazendo um contraponto às vozes da elite local.

Tendo a presença de 8 (oito) aldeias, Palmeira dos Índios é uma cidade privilegiada
como campo de pesquisa. Trabalhar história indígena de uma forma eficiente, implica,
necessariamente, entrar em contato com os índios dessas aldeias. Então, aulas de campo
podem ser momentos de aprendizado prático. Alunos e professores podem comprovar
como vivem os índios atualmente aprendendo que não é inteligente criticar os índios
como eles são no hoje, mas entender como chegaram a ser assim.

Referências Bibliográficas

AMORIM, Siloé Soares de. Índios Ressurgidos: a construção da auto-imagem. Os


Tumbalalá, os Kalankó,os Karuazu, os Catokinn e os Koiupanká.. Dissertação
apresentada ao Curso de Mestrado em Multimeios do Instituto de Artes da UNICAMP
Campinas-SP, 2003.

BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber
sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.

BEZERRA, Antonio Alves. O jornal dos trabalhadores rurais sem terra e seus
temas 1981-2001. Tese de Doutorado em História. Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, PUC/SP: 2011.

656
FOUCAULT, Michel. Sobre a Geografia. In: Microfísica do poder. Organização e
Tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

MONTEIRO, John. Tupis, Tapuas e Historiadores: estudos de história indígena e do


indigenismo. Campinas: Tese apresentada para o concurso de Livre Docência Área de
Etnologia, subárea História indígena e do Indigenismo. Antropologia. UNICAMP,
2001.

NIDELCOFF, María Teresa. Uma Escola Para o Povo. 1ª edição, 17ª edição. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1978.

OLIVEIRA, João Pacheco de. “A viagem da Volta”: reelaboração cultural e horizonte


político dos povos indígenas no nordeste In: Atlas das Terras Indígenas do Nordeste:
projeto de estudo sobre terras indígenas no Brasil. Rio de Janeiro: PETI/Museu
Nacional, 1993.

______ Uma etnologia dos "índios misturados"? Situação colonial, territorialização e


fluxos culturais. In: Mana, Abr 1998, vol.4, no. 1, p.47-77.

PEIXOTO, José Adelson Lopes. Memórias e imagens em confronto: os Xucuru-


Kariri nos acervos de Luiz Torres e Lenoir Tibiriçá. Dissertação de mestrado em
Antropologia Social. João Pessoa: UFPB, 2013.

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos. Rio de


Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.

RAGO, Margareth. Prefácio. In: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A


invenção do Nordeste e outras artes. Prefácio de Margareth Rago. Recife: FJN, Ed
Massangana; São Paulo, Cortez, 1999.

657
A HISTÓRIA INDÍGENA NO ESPAÇO ESCOLAR:
PONDERAÇÕES A PARTIR DAS AÇÕES DO
PIBID DE HISTÓRIA
Lucivaine Melo
Maria Geralda de A. Moreira

A presença indígena no espaço educacional tem se apresentado de forma fragmentada,


oscilando entre silêncios acerca de sua presença na história e na sociedade brasileiras, e,
representações carregadas de estereótipos provenientes do imaginário construído no
século XVI. Tão ruinoso quanto o silêncio, essas abordagens que pressupõe o índio
como indivíduos possuidores de uma cultura estável “(...) espécies de fósseis vivos da
humanidade, portadores de culturas autênticas e puras” (ALMEIDA, 2010, p. 17). Taís
estas desconsideram os índios da atualidade e as suas estratégias para resistir ao violento
processo de expansão do capital sobre seus territórios tradicionais.

Refletir acerca da temática indígena na escola é necessariamente pensar sobre sujeitos,


seres humanos, culturas e saberes que necessariamente adéquam às novas realidades
espaciais e sociais. É preciso. compreender que os grupos indígenas e suas culturas “[...]
longe de estarem congelados, transforma-se através da dinâmica de suas relações
sociais, em processos históricos que não necessariamente os conduzem ao
desaparecimento [...]” (ALMEIDA, 2010, p. 23).

É condição sine qua non para a mudança de abordagem da história indígena ensinada na
educação básica, entender que a identidade indígena não pode ser reduzida ao uso de
pena, do cocar, da pintura e de outros elementos elencados pelos não indígenas como
demarcadores da identidade desse povo. É preciso pensar além da perspectiva que
compreende os indígenas como culturalmente homogêneos, observando a diversidade
que se apresenta em cada etnia.

Quando falamos de “índios” falamos pouco sobre os Waimiri-Atroari de Roraima; os


Kren-Akarore do Mato Grosso e Pará; os Kaigang de São Paulo, Rio Grande do Sul,
Santa Catarina e Paraná; os grupos indígenas do Oiapoque como: Karipuna, Palikur,
Galibi Marworno e Galibi Kali ´na; ou mesmo os grupos indígenas do Alto e Médio Rio
Negro dentre os quais cito os Tukano e Desana; e assim, também, ocorre com os
indígenas do Acre. Como exemplos das diversas etnias desse Estado inserimos a
Ashaninka/Kampa. Nesse sentido precisamos indagar: será que os indígenas do
Oiapoque, do Amazonas, do Acre que vivem em outro espaço geográfico - muitos deles
em regiões de fronteiras - outra fauna e flora vivenciam as mesmas experiências,
constroem e compartilham as mesmas estratégias de solidariedade que os Karajá ou
Avá-Canoeiro que habitam regiões de cerrado no Estado de Goiás?

Certamente todos possuem alguns elementos que os fazem identificar como índios,
porém, na atualidade, o debate inovador precisa ocorrer no sentido de perceber as
658
diferenças, estas sim, são essenciais para compreendermos a identidade de cada grupo, a
começar pelas estratégias de resistências; as diferenças linguísticas; cultura material e
imaterial e a concepção de mundo, não dos índios, mas, dos Karajá, dos Kaxarari, dos
Ye´kuana, dos Kadiwéu, etc., contribuindo, assim para construir representações
positivas acerca da identidade assumida por essa minoria étnica.

Compreendemos que o processo de construção de significados sobre o outro ocorre em


vários espaços sociais e não somente na escola ou nas aulas de História, mas este é um
momento privilegiado. É na escola que o processo de ensino e aprendizado acontece de
forma sistematizada e constante, portanto, é local de transformação da consciência
histórica. Se a criação de uma consciência histórica não é função da escola e do ensino
de História, a sua ampliação sim, pois compete ao trabalho da história na escola “[...]
possibilitar o debate, a negociação e a abertura para a ampliação e complexificação de
forma a atribuir sentido ao tempo que os alunos trazem com eles” (CERRI, 2011, p.
116). A construção de sentido ocorre a partir do aprendizado histórico e é influenciada
pelas condições sociais (comunidade, valores, vivências) e se expressa nas
representações e ações cotidianas dos sujeitos. Assim, o não conhecimento da questão
indígena, a não “aquisição de história”, conforme propõe Rüsen (2010), leva a
construção de narrativas simplificadas sobre o outro, nesse caso, o indígena.

A Lei 11.645/2008 é um avanço no contexto legal, mas é preciso ir além da legalidade,


fazendo a diferença nas abordagens que proporcione o reconhecimento destes povos na
contemporaneidade. A história indígena a ser abordada nas escolas precisa equalizar as
enormes perdas em termos culturais e de etnias com a resistência e as singulares formas
de reinventar a identidade redefinindo suas histórias, só assim, construiremos uma
educação para a diversidade cultural nas nossas escolas.

Pensando como Lima (2011) no leque de possibilidade que a inserção da temática


indígena proporciona aos envolvidos, na emergência da inserção dos debates acerca da
História Indígena na formação de professores e ao mesmo tempo buscando contribuir
com a escola na implementação da lei, anteriormente mencionada, propusemos trabalhar
a temática por meio do Subprojeto do PIBID - Educação para a diversidade da
formação de professores a sala de aula.

O ensino de história indígena foi realizado pelos bolsistas do PIBID (Programa


Institucional de Incentivo à Docência), com os alunos do Ensino Fundamental da Escola
Campo - Colégio Estadual de Tempo Integral de Aplicação -, com a finalidade de
compreender a diversidade cultural dos povos indígenas do Brasil. As atividades
executadas em sala de aula são possibilidades de desconstrução de uma história forjada
no decorrer do processo de colonização e perpetuada se até a atualidade, que pouco ou
nada dizem sobre os indígenas.

Os projetos realizados ao longo dos anos de 2014 a 2016 contemplaram diversas etnias
e empregaram distintas fontes e linguagens na sua execução. O projeto Karajá e suas
lendas e a Lenda da Mandioca, permitiram uma grande interação dos alunos ao abordar
o conteúdo através de atividades lúdicas e práticas como a confecção de bonecos de
argila; bolo de mandioca; contação de história com uso de fantoches; roda da oralidade
e confecção de desenhos, frases e pequenos textos pelos próprios alunos como forma de
reconto.
659
O Cantinho da Leitura foi um espaço interdisciplinar com a finalidade de proporcionar
aos alunos, um momento de reflexão e reconstrução do imaginário acerca dos indígenas
através da leitura de obras literárias que abordam a temática étnico-racial como: Nina
África: contos de uma África menina de Lenice Gomes: Kabá Darebu, Histórias de
Índios, Meu Avó Apolinário e O Diário de Kaxi: um curumim descobre o Brasil, ambos
de Daniel Munduruku. As narrativas fazem parte da cultura e ações como essa, além de
contribuir para ampliar os conhecimentos, colabora para o desenvolvimento de futuros
leitores. A ação oportuniza, ainda, aos estudantes uma revisão dos conteúdos presente
nos livros didáticos.

Visando conhecer as diferentes manifestações culturais das 305 etnias indígenas


existentes atualmente no Brasil, foram realizadas duas oficinas: Grafismo e Moradia
Indígena. A oficina sobre Grafismo abordou a especificidade da Pintura Corporal - uma
pintura mais livre e de uso diário - e do Grafismo, uma pintura mais elaborada, que faz
uso de símbolos e traços geométricos com significados de pertencimento aquele grupo.
Ambas utilizam-se do corpo como suporte para a arte, embora, o grafismo possa ser
usando, ainda, em objetos da cultura material. A oficina abordou esses aspectos das
etnias Assurini, Karajá e Pataxó.

A oficina Moradia Indígena, por sua vez, fez uma exposição dos diferentes tipos de
casas e seus formatos, desfazendo assim o conceito de “oca”, como moradia única de
todos os indígenas, por meio da apresentação dos vários formatos das casas e sua
disposição na aldeia. A arquitetura indígena foi abordada a partir das etnias: Tukâno,
Ye’Kuana e Kamaiurá.

As atividades desenvolvidas objetivam ampliar o conhecimento dos alunos e refletir


acerca da historiografia desse povo presente nos livros didáticos, construída com o olhar
europeu, que os colocou a margem e classificou como “selvagens” e valorizar a luta e a
resistência, apresentando-os como sujeitos históricos na diversidade cultural brasileira.

As ações têm focado a formação dos bolsistas e futuros professores em reuniões, grupos
de estudos e em atividades desenvolvidas na escola, proporcionado uma reflexão acerca
de seus conhecimentos iniciais sobre os indígenas, possibilitando o rompimento de
ideias estereotipadas e contribuindo para o reconhecimento da identidade assumida
pelos indígenas na atualidade.

Referências

ALMEIDA, Maria R. C. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010.

CERRI, Luiz Fernando. Ensino de História e Consciência Histórica. Rio de Janeiro:


FGV, 2011.

LIMA, Pablo L. de Oliveira. Memórias Indígenas e Ensino de História. Trabalho


apresentado no Simpósio Temático “Os Índios e o Atlântico”, XXVI Simpósio
Nacional de História da ANPUH, São Paulo, 17 a 22 de julho de 2011.

660
SCHMIDT; M. Auxiliadora; BARCA, Isabel, MARTINS, Estevão (ORGS.). Jörn
Rusen e o ensino de História. Curitiba: UFPR; Universidade do Minho, 2010.

TERRA, Antônia. Uma nova ótica sobre a história indígena no ensino de História.
Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/572/uma-nova-otica-sobre-a-
historia-indigena-no-ensino-de-historia. Acesso em: 05.03.17.

661
IMAGINÁRIOS SOBRE O TERMO ESCRAVIDÃO:
A VISÃO DE ALUNOS RECÉM-FORMADOS NO
ENSINO MÉDIO, ALGUMAS NOTAS
Luiza Hooper Moretti

Este texto é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização apresentado ao


final do curso Especialização em Educação em e para os Direitos Humanos, no contexto
da Diversidade Cultural da Universidade de Brasília, em 2015. O foco da pesquisa era
mostrar o imaginário de alguns alunos recém-formados no Ensino Médio sobre a
Escravidão Negra Moderna.

Visto que existiram situações de subjugação de uma população ou um grupo de pessoas,


fizemos um recorte mais preciso, nos referindo aos negros africanos escravizados ainda
em seu continente a partir do século XVI, traficados por portugueses e outras nações
europeias, trazidos para as Américas para trabalhar em grandes plantações ou minas, ou
até mesmo em trabalhos domésticos e citadinos.

É dessa época a ideia de uma “raça” negra, utilizada para “criar um esquema mundial de
classificação” (NASCIMENTO & DELMONDEZ, 2014) de pessoas. Esse esquema foi
fundante da mentalidade de nossos políticos e se estende até hoje em dia, podendo ser
visto em diversas situações, incluindo situações segregacionistas, com negros sempre
abaixo de outros grupos – como no caso das favelas, estudado por Nopes (2012). E
também é visível no mito da democracia racial que perpassa nossa sociedade e é muitas
vezes usado para invisibilizar a luta dos negros por espaços e reconhecimento. Como
afirma Da Matta (1986), “quando acreditamos que o Brasil foi feito de negros, brancos e
índios, estamos aceitando sem muita crítica a ideia de que esses contingentes humanos
se encontraram de modo espontâneo, numa espécie de carnaval social e biológico.” (DA
MATTA, 1986, p. 31).

Dentre os objetivos de nossa pesquisa final, apresentamos aqui o primeiro: (1)


Identificar os elementos constitutivos do imaginário dos alunos sobre o termo
escravidão em vários momentos da história, e especificamente a escravidão moderna. A
pesquisa foi estruturada em oficinas, que nos possibilitaram um conteúdo mais
dinâmico, completo e complexo sobre as diversas dimensões da cultura e história dos
negros em nossa sociedade.

Foram 4 encontros, onde discutimos o que o tema e a palavra escravidão remetiam, em


forma de desenho (encontro 1), os pontos positivos e negativos da escravidão, com uma
conversa informal e livre entre os participantes (encontro 2), uma discussão que trazia
esses pontos positivos e negativos mais a fundo e para a sociedade atual, com questões
como preconceito (que estava nos pontos negativos) e diversidade cultural (que estava
nos pontos positivos) (encontro 3) e, por fim, uma tentativa de imersão nessa realidade,
onde os alunos foram convidados a escrever uma carta sobre a escravidão negra

662
moderna. Os resultados foram muito variados e apresentaremos a seguir algumas
conclusões, que nos interessam nesse texto.

Resultados da Oficina

Com relação às representações do termo escravidão, foi possível percebermos que,


ademais as diferenças de pensamento de cada um, quando pedimos que os alunos
representem figurativamente o que está em suas mentes sobre o tema, em sua maioria
eles lembram e colocam no papel várias situações muitas vezes disconexas entre si
(mesmo que todas tenham fundo verossímil). Um dos alunos representou apenas a
escravidão negra moderna, e ao fazer isso, cada elemento que desenhou tinha uma
conexão com o seguinte e com o anterior. Os outros tentaram retratar a escravidão de
forma genérica, passando por vários momentos da história, mas acabaram deixando os
desenhos soltos, sem conexão entre si.

Constatamos que os elementos clássicos da escravidão moderna, que é a que mais


afetou o Brasil, estão presentes inclusive quando eles tentam representar a escravidão
em outros momentos. A historiadora Isabel Castro-Henriques (2006) faz um bom
resumo das diversas pesquisas e teorias, encabeçadas por Claude Meillasoux, sobre o
termo escravidão: ele se torna “vulgar” por ser utilizado para vários momentos
históricos específicos que, na realidade, são caracterizados por práticas diversas e não
análogas.

Ao pedir que os alunos separassem as “coisas boas” e “coisas ruins” da escravidão, eles
já conseguiram delimitar o espaço-tempo do qual falavam: eles se referiam às
positividades e negatividades da escravidão negra moderna. Podemos tirar disso duas
conclusões. A primeira se refere ao espaço-mundo em que vivem tais alunos, que por
estarem mais próximos dos acontecimentos desse modelo de escravidão, possuem mais
elementos e segurança para tratar disso do que para tratar a escravidão de forma mais
genérica, percebendo sua existência para além desse recorte espaço-temporal.

Uma [outra] conclusão que se segue é que o tema escravidão é ainda pouco trabalhado
dentro dos ambientes educacionais de forma a especificar sua existência no curso da
história. Mesmo se adaptando melhor à análise da escravidão negra moderna,
encaixando-a dentro das categorias “bom” e “ruim”, os alunos não a fazem de forma
mais profunda, apresentando justificativa para o fato de os pontos escolhidos serem
bons ou ruins. Faltando aprofundamento nessa análise dos porquês, os alunos acabam
por repetir, por vezes, ditos populares superficiais e ideologicamente direcionados,
como o fato de a escravidão ter sido boa por causa das técnicas agrícolas que foram
desenvolvidas ou do crescimento econômico proporcionado.

Tal análise aprofundada, que percebemos que os alunos não fazem a priori, foi
trabalhada no terceiro encontro. Não questionamos a capacidade dos alunos de pensar
autonomamente tais justificativas, mas sim o fato de que eles não possuem o costume de
fazer esta análise naturalmente, e precisam ser incitados a fazê-la, papel que deveria ser
do professor e da escola e que possivelmente não foi na experiência escolar desses
jovens.
663
Compreendemos os alunos como indivíduos que tem sua experiência socio-cultural e
histórica como formativa dos conhecimentos prévios que eles trazem para nossa oficina.
O período escravista do Brasil se insere claramente nessa perspectiva. Nossa ideia foi
mostrar caminhos novos para se pensar a escravidão.

O nosso terceiro encontro foi exemplo disso. Trabalhamos os elementos bons e ruins do
encontro anterior sob a perspectiva de “para quem” eles foram/são bons ou ruins.
Trabalhamos também quais as consequências deles nos dias atuais em nossa sociedade.
Com isso, pudemos elevar o conhecimento crítico dos alunos mostrando que falar de
escravidão não se resume a uma palavra ou uma situação histórica passada
inquestionável. Trata-se de falar de uma situação passada que tem características
próprias e que deve ser analisada em todas as suas camadas.

Elementos para se pensar a história da escravidão sob perspectiva humana e não


econômica foram chave para a compreensão dos participantes. Os alunos colocaram,
por exemplo, a diversidade cultural como ponto positivo, mas não viam isso como uma
característica fundamental da dinâmica da escravidão no Brasil. Foi apresentado que a
música trazida da África, tocada por grupos escravos nas senzalas, era muitas vezes
usada como código para dizer aos que fugiam se os capatazes os estavam procurando.

Assim, mostramos que elementos que contituem a identidade dos homens e a sua vida
em sociedade devem passar pelos seres humanos que as formam e dão sentido, e não
pela máquina de organização da produção e economia. Assim, elementos como
enriquecimento do senhor ou novas tecnicas agrícolas passam pela exploração da mão
de obra, que envolve grande violência e desumanização.

Falamos também, como exemplo da dimensão humana da escravidão, da questão da


raça. Raça foi um elemento tão chave para a organização das sociedades ocidentais
coloniais, e principalmente dos Estados Unidos da América (colônias do sul) e do
Brasil, que na Europa vários estudiosos e escolas científicas buscaram comprovar a
relação entre cor da pele e capacidades humanas, cognitivas e/ou físicas, a fim de
justificar o rebaixamento de uns perante outros. A escravidão foi, então, uma situação
histórica movida por interesses econômicos, mas que buscou justificativas biológicas e
políticas para se validar.

Falar de raça é abrir espaço automático para se falar de racismo. A relação entre racismo
e escravidão foi feita pelos alunos de forma direta e sem maiores obstáculos. Porém,
apesar de ninguém ter professado ideias do tipo “não existe racismo no Brasil”, os
alunos externalizaram dificuldades de compreender o racismo como experiência
cotidiana no Brasil hoje, pois “há negros no poder”.

Utilizamos matérias de jornais e revistas sobre vários momentos de preconceito


ocorridos em nossa sociedade e que apresentavam dados sobre a população negra no
Brasil como recurso didático. Com isso, os alunos puderam ter exemplos concretos da
existência ainda atual do preconceito, e que, apesar da representatividade ser importante
(um negro em cargo de poder, por exemplo, ou uma mulher negra influente), ela não
diminui o racismo direcionado diariamente aos negros.

664
Para concluir, ficamos felizes em conseguir atingir nosso objetivo de compreender
como os alunos pensam a escravidão após sair da escola básica. Pudemos perceber
algumas dificuldades que eles têm em relacionar vários pontos diferentes constitutivos
do período e termo histórico trabalhado. Tivemos espaço para fazer uma ponte entre as
diversas características da escravidão, relacionando-as entre si e com a realidade em que
vivemos hoje. Assim os alunos puderam formar uma imagem mais complexa desse
momento histórico, conectando elementos que antes eles viam em esferas disconexas.
Por fim, percebemos ainda que o conteúdo que os alunos trazem das aprendizagens do
Ensino Médio é ainda bem raso e desconexo com a realidade, não sendo impossível
conectá-los, mas não tendo, também, sido feito nos momentos oportunos anteriores de
sala de aula e de estudo.

Referências Bibliográficas

CASTRO-HENRIQUES, Isabel. Reflexões sobre o “escravo” Africano. In: O pássaro


de mel: estudos de história africana. Lisboa: Colibri, 2006.

DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.

MORETTI, Luiza H. Imaginários dobre a escravidão negra moderna: a visão de


alunos recém-formados no Ensino Médio. Monografia de especialização. Universidade
de Brasília, Instituto de Psicologia, 2015.

NASCIMENTO, Wanderson Flor do. DELMONDEZ, Polianne. Sujeitos da diversidade


e suas vulnerabilidades. In: Curso de Pós-Graduação em Educação em e para os
Direitos Humanos no Contexto da Diversidade Cultural. (Módulo II). Brasília:
UnB/SECADI/MEC, 2014.

NOPES, Adriane. Os “outros” por baixo dos “outros”: o caso das “favelas” no Brasil.
Oficina nº 393 do Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Coimbra,
Portugal. Novembro de 2012.

665
JOGOS E BRINCADEIRAS AFRO-BRASILEIRA:
UMA AÇÃO DO PIBID NAS TURMAS DO 6°ANO
DO ENSINO FUNDAMENTAL
Maxuel Soares de Oliveira
Patrícia Azeredo
Jumara Carla Azevedo Ramos Carvalho

Introdução

O Brasil tem uma grande parcela de população de origem africana. Os negros que aqui
chegaram muitos sofreram durante o período da escravidão. Mesmo com a Abolição dos
Escravos eles continuaram a viver nesta terra formando suas famílias, suas histórias e
lutando pelo reconhecimento de sua cidadania burlada pela lei e por seus “irmãos
brancos”.

Como o passar de mais de 200 anos de liberdade, ainda é visível em suas atividades
cotidianas pessoas que deparam com diversas situações que provocam intimidação ao
ser coagido com os insultos raciais, apelidos e piadinhas racistas maquiadas com a
justificativa de ser apenas uma simples “brincadeira”. Conformando-se com essas
condições de racismo e preconceito, muitas vezes o negro sente-se humilhado e vítima
de uma situação que remete ainda ao período da escravidão, outros já lutam pelos seus
direitos de igual para igual não deixando que essas ofensas cresçam sem uma devida
punição.

Esses atos preconceituosos podem ser encontrados em vários ambientes e um desses


espaços é a escola que ao mesmo tempo que proporciona a aprendizagem torna-se
também um ambiente de exclusão e proliferação do bullying, pois nos espaços livres ou
até mesmo na sala de aula situações de preconceito e racismo acontecem com muita
frequência.

Neste sentido, Érica Garrutti et. All (2004, p. 5) salienta que:

A escola possui a função de integrar o educando à sociedade, auxiliando-o


na construção da identidade pessoal, em detrimento de ser mecanismo de
alienação. O relacionamento flexível com a comunidade favorece a
compreensão de fatores sociais e culturais que se expressam na escola.

Nesse sentido, a escola deve abordar, fundamentalmente, questões que


interferem na vida dos alunos e com as quais se confrontam cotidianamente.
As problemáticas sociais como: ética, saúde, meio ambiente, pluralidade
cultural e sexualidade, são conteúdos essenciais nas diversas disciplinas,
independentes da área da disciplina.

666
Partindo do pressuposto que a escola é um dos principais lugares onde as crianças e
jovens possam aprender a conviver com a diversidade cultural, o respeito mútuo e a
valorização do ser humano é que se pensou em desenvolver com os alunos do 6º ano do
Ensino Fundamental, do Colégio Tereza Borges de Cerqueira a prática de jogos de
origem africana com o objetivo de trazer para o ambiente escolar ações que possam
desmistificar alguns conceitos e ampliar a compreensão sobre a cultura afro-brasileira
proporcionada a partir de uma aprendizagem lúdica.

Importância da cultura africana

Durante escravidão a população negra foi tratada no Brasil de forma desumana, eram
definidos como um produto comercial, sem qualquer importância para sociedade, pois
não eram considerados cidadãos e deles só queriam a força braçal como forma de mover
a economia. Mas eles lutaram muito, obtiveram várias forma de resistência sejam elas
das mais sutis até as mais violentas e esperaram bastante até que as leis se arrastassem
para um desfecho final e no dia 13 de maio de 1888 foi declarado o “fim da escravidão”
sem que nenhum de seus direitos fossem pagos ou a eles dada a condição de sobreviver
dignamente. Porém, infelizmente, a população recém liberta ainda sofreram muito
diante dos preconceitos (aos quais ainda são vitimas até nossos dias) e a eles foram
designados os mais baixos trabalhos, as piores moradias e excluídos ficaram a margem
da sociedade.

Jogados a própria sorte, criaram meios de sobrevivência e lutaram por dias melhores,
expandiram sua cultura e fizeram valer o seu grito de liberdade, infelizmente ainda
pouco reconhecido devido ao estigma da escravidão, mancha que ainda os persegue os
negros são desvalorizados em sua cultura e sua religião.

Como forma de valorizar essa cultura e sua religião que o trabalho foi pensado e
desenvolvido para que os alunos em contato com os jogos e brincadeiras tradicionais
possam trazer benefícios para o corpo e a mente, além do mais pode-se mencionar o
convívio com o outro no ato de brincar que estabelece inúmeras relações sociais com o
propósito de amenizar os conflitos e criar um espaço onde eles possam respeitar a
diversidade e ao mesmo tempo de forma harmoniosamente aprender com a ajuda do
outros a solucionar desafios e enfrentar os problemas. Pois como cita, PIAGET (1967,
p. 25) “o jogo não pode ser visto apenas como divertimento ou brincadeira para
desgastar energia, pois ele favorece o desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo e
moral”.

Nota-se ainda, que o contato do educando com jogos e brincadeiras de interação com o
outro além de proporcionar momentos de entretenimentos, proporciona incentivos a sua
imaginação intelectual, a sua afetividade, ajuda mútua e a troca de experiência são
elementos essenciais para atingir o campo da aprendizagem. Pois para Vygotschy
(1984, p.109) “da mesma forma que uma situação imaginária tem que conter regras de
comportamento, todo jogo com regras contém uma situação imaginária”, este talvez seja
o grande sentido do brincar sendo que, tanto a brincadeira como o jogo no espaço
escolar é de suma importância para o desenvolvimento do imaginário e sua transposição

667
para uma situação real onde as regras do jogo tem que estar em conformidade com o
vivido para que de fato eles se efetivem.

É no planejamento diário de cada disciplina que o professor tem a possibilidade de


inserir em sua prática pedagógica atividades lúdicas que proporcionam a aprendizagem
“brincando” uma forma mais “divertida” e “prazerosa” de mediar o conhecimento.
Diante dessa possibilidade eis a disciplina de Educação Física repleta de jogos e
brincadeiras que proporcionam o desenvolvimento físico, motor e social com atividades
bem planejadas o professor pode mudar a sua prática pedagógica através de um bom
planejamento contextualizado e de acordo com cada série.

Pois segundo Sílvia Finck:

A Educação Física proporciona às crianças competências e conhecimentos


que lhe permitam chegar a ser autônomos e aprender de forma
independente. Aliada ao esporte, oferece a cada criança a oportunidade de
escolher, de formar valores e aptidões que favorecem a aprendizagem de
forma independente, desenvolvendo a autodisciplina. (FINCK, 2011, p.79)

Ao utilizar das aulas de Educação Física como medida isolada para se trabalhar as
diretrizes curriculares corre o risco de desenvolver micro-ações como salienta
AGUIAR:

“É importante ressaltar que mesmo com a presença de materiais de apoio e


as diretrizes curriculares que orientam a sua prática pedagógica, ainda
encontramos a atuação de professores de forma isolada, sem o
comprometimento da escola como um todo” (AGUIAR, 2010, p. 97)

É nesse não envolvimento da escola como um todo que perde a oportunidade de


trabalhar a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade como forma de fortalecer e
transmitir conhecimentos referentes a cultura africana, indígena e até mesmo a história
do lugar em que vive o que também cai no esquecimento. Estar atento a essas
possibilidades é oportunizar aos alunos um trabalho em conjunto, um diálogo constante
e um debate acirrado, pois cada professor em sua área de atuação trarão novos
elementos.

A partir dessa premissa, pensou na inserção dos jogos e brincadeiras africanas para as
turmas do 6º ano A, (vespertino) do Colégio Estadual Tereza Borges de Cerqueira no
intuito de trazer para a sala de aula o universo africano e o entrelaçamento das culturas
respeitando cada indivíduo em particular e incentivando os alunos a conviverem com
isso, desfazendo assim antigos estereótipos que se arrastam há anos.

Através dessas práticas lúdicas pode-se desenvolver o conhecimento do continente


africano trazendo para o palco da sala de aula elementos da cultura, da religiosidade, da
economia, da sociedade de um povo que nos livros didáticos ainda são vistos como
submissos. Contudo, convém lembrar, que a inserção dos temas da África tornou-se
obrigatório nos currículos escolares com a lei 10.639 no ano de 2003 e que agora com
uma nova proposta de reformulação do Ensino Médio desfaz toda essa obrigatoriedade
sobre a Cultura Africana, bem como as disciplinas de Sociologia e Filosofia.
668
Dessa forma, temos que procurar alternativas e estratégias de manter esse ensino da
História da Cultura Afro Brasileira com a intenção de expandir os conhecimentos no
ambiente escolar independente de disciplina e ao mesmo tempo extrapolar os muros das
instituições para que nosso alunos descobrir e aprender cada vez mais sobre a
diversidade cultural que o cerca.

Referências bibliográficas

AGUIAR, Janaina C. Teixeira; AGUIAR, Fernando J. Ferreira. Uma reflexão sobre o


ensino de história e cultura afro-brasileira e africana e a formação de professores
em Sergipe. Revista Fórum, Itabaina, v.7, jan-jun 2010. Disponível
http://200.17.141.110/periodicos/revista_forum_identidades/revistas/ARQ_FORUM_IN
D_7/ FORUM_V7_06.pdf>. Acesso em 25 out. 2016.

BRASIL. Marcos Legais da Educação Nacional. Brasília, DF: Ministério da


Educação, 2007.

DIRETRIZES Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais e


para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília, DF: MEC,
2004

FINCK, Silvia Christina Madrid. A Educação Física e o esporte na escola, cotidiano,


saberes e formação. 2.ed. Curitiba: Ibpex, 2011.

GARRUTTI, Érica Aparecida; SANTOS, Simone Regina dos. A interdisciplinaridade


como forma de superar a fragmentação do conhecimento. Revista de Iniciação
Científica da FFC, v. 4, n. 2, 2004.

PIAGET, Jean. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

669
A INVISIBILIDADE DA TEMÁTICA INDÍGENA
NO CURRÍCULO DE HISTÓRIA: UMA ANÁLISE
DA LEI 11.645 DO CURRÍCULO BÁSICO DE
HISTÓRIA DO RIO DE JANEIRO
Rafaela Albergaria Mello

A Secretaria de educação do estado do Rio de Janeiro – SEEDUC possui um documento


denominado Currículo básico, o qual todas as escolas estaduais devem seguir. Nele há
os conteúdos curriculares e as competências que o professor deve inserir para a
construção do aprendizado dos estudantes. Esse currículo mínimo é dividido por
disciplinas escolares e está de acordo com os Parâmetros Nacionais de Educação -
PCNs. Cada disciplina possui o currículo básico para usar como referência dos
conteúdos que devem ser compreendidos pelos estudantes.

O Currículo Mínimo, denominação antiga do Currículo Básico de História foi


elaborado em 2012 com a participação de alguns professores regentes. O documento
ressalta que sua elaboração não procura dar conta de todos os conteúdos e que buscou
apenas fazer uma seleção de competências e habilidades essenciais para o ensino de
história:

"Elegemos estes pontos para que a sala de aula e a escola tornem-se um


lugar de produção de conhecimento histórico, não como um ponto distante
no tempo, estático, mas como um lugar de produção, de reflexão e de
construção do conhecimento que refletirá a realidade e as necessidades da
região em que a escola está inserida. Esperamos, assim, que o nosso
educando, ao fim do processo escolar, participe ativamente da sociedade
como cidadão, seja a partir de sua inserção no mundo do trabalho, seja na
continuidade dos seus estudos ou em quaisquer outras experiências"
(Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, 2012, p. 3).

Percebemos que o documento procura ressaltar a reflexão e a construção do


conhecimento, procurando a participação do estudante como sujeito histórico e crítico
de seu tempo. O texto desse documento sugere que o estudante terá noções importantes
de sua sociedade com o currículo que é produzido pela SEEDUC e utilizado pelos
professores da rede estadual.

Entretanto, ao analisar os conteúdos curriculares dos 1°, 2° e 3° anos do Ensino Médio


na área de História do currículo básico, praticamente inexistem as denominações
"índio", "povos indígenas", "autóctones", etc.

Aqui vale uma observação: no 1° ano do Ensino Médio em relação ao 3° bimestre, há


um item que sugere a discussão acerca da temática indígena. Assim, as competências e

670
habilidades a serem desenvolvidas são observadas nos três objetivos do conteúdo. No
item "América":

 Analisar as principais organizações sociopolíticas na América Pré-Colonial;

 Comparar os conflitos culturais, sociais, políticos e econômicos dos períodos


pré-colonial e contemporâneo;

 Desenvolver comportamentos de respeito à diversidade cultural.

Diante disso, algumas questões podem ser formuladas. Quais são os conflitos culturais,
sociais, políticos e econômicos a que o currículo se refere? Quais são as interpretações
que os professores podem fazem dessas competências e habilidades? Quais são os
assuntos que os professores devem priorizar ao construir o ensino e a aprendizagem?
Provavelmente, o tratamento dado a temática poderia ser melhor direcionado e
explicado. O documento segue:

"Optamos por manter um currículo com os conteúdos que consideramos


essenciais para a rede. Acreditamos que deva ser estabelecido um novo
entendimento sobre o cotidiano das escolas como locais de representações
que transformam o dia a dia a partir do conhecimento e das múltiplas
relações estabelecidas" (Secretaria de Educação do Estado do Rio de
Janeiro, 2012, p. 3).

Observamos que os conteúdos presentes nos currículos básicos são os considerados


essenciais para o ensino e aprendizagem nas escolas públicas estaduais do Rio de
Janeiro. Ocorre que, para a produção e construção de conhecimento no Ensino Médio na
disciplina de História, destina apenas um item em um único bimestre com diferentes
questões. Aprender sobre os povos indígenas, respeitar os primeiros povos brasileiros,
conhecer a história de seu país, mostrar a história do Brasil consiste em discussão que
tem pouco tempo para ser desenvolvida.

O 3° bimestre é bastante ambicioso: três itens são apresentados como conteúdos a serem
desenvolvidos. O primeiro, denominado "Expansão Marítima", o segundo, identificado
como "África" e, por fim, um denominado "América". Nesse último item, os conteúdos
englobam a história dos povos indígenas brasileiros e a história dos primeiros povos da
América Latina.

O currículo prioriza a visão etnocêntrica do processo de colonização do continente


americano, pois não denomina a história dos primeiros povos da América Latina, como
mencionei anteriormente. O documento oficial do estado do Rio de Janeiro sobre o
currículo escolar denomina as principais organizações sociopolíticas na América Pré-
Colonial, identificadas como baixo e alto impérios, sendo esses últimos os Maias, Incas
e Astecas, como também aparecem nos conteúdos dos livros didáticos.

Assim, uma importante parte da história do Brasil não é prioridade, prevalecendo a


visão etnocêntrica dos aspectos relacionados a hierarquias culturais, como também uma
perspectiva eurocêntrica e preconceituosa em relação aos povos indígenas do Brasil
(SOUZA LIMA, 1995)
671
A ausência dos povos indígenas brasileiros nos conteúdos curriculares tem uma
intencionalidade da elite brasileira no século XIX, para a qual a historiografia brasileira
seria a continuação da história de Portugal. Porém, essas escolhas permaneceram por
décadas e persiste a exclusão, afastando os povos indígenas da história do Brasil.

Analisando os conteúdos também do currículo mínimo, podemos acreditar inclusive na


inexistência dos povos indígenas, pois estes desaparecem dos conteúdos, como se não
fizessem parte da história, ou na ideia de que todos foram pacificados, assimilados e
incorporados à sociedade ou ainda, extintos.

Infelizmente, essas minhas constatações fazem parte do senso comum do brasileiro,


visão essa construída dentro da escola. Esse cenário precisa ser revisto.

A celebração do dia do índio, em 19 de abril, precisa mudar o foco do índio como


pertencente apenas à floresta, a comunidades caçadoras e coletoras e que tem o hábito
cultural de andar nu. Os povos indígenas não estão presos ao passado, não foram
congelados no tempo; eles fazem parte da atual sociedade, frequentam universidades,
utilizam tecnologia e continuam lutando por suas terras.

É preciso que a figura dos povos autóctones seja refletida no ensino de História e na
escola. É lá que se tem a possibilidade de construir o respeito, o conhecimento, a
tolerância e o reconhecimento de que os povos indígenas têm lugar legítimo na história
do Brasil.

Em março de 2008, a lei 11.645 foi promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, passando a reconhecer a temática da história indígena como importante matriz da
sociedade brasileira e representando um avanço nesta discussão. Assim, o exercício
dessa promulgação deve ser incorporado tanto na prática cotidiana da sala de aula como
nas discussões acadêmicas, que são determinantes na formação dos professores de
história.

Como Giovani José da Silva afirma,

“a lei 11.645/2008, que prevê a inserção do ensino de história e culturas


indígenas na educação básica, representa um passo enorme em direção ao
reconhecimento de uma sociedade historicamente formada por diversas
culturas e etnias, dentre elas as indígenas. Afinal, o Brasil é um país de rica
diversidade pluricultural e multiétnica [...].” (SILVA, 2015, p. 21.)

A reflexão acerca da promulgação dessa lei é um desafio para todos que atuam na
educação. Entretanto, admitimos que há um despreparo dos professores sobre a
temática, paralelamente à abordagem ainda tímida dessa temática nas diferentes
universidades, contribuindo assim para a lacuna sobre o ensino de história indígena com
os licenciandos que, no futuro, atuarão como professores de educação básica.

Na América portuguesa, a palavra "índio" servia para designar as mais diversas etnias,
grupos e culturas nativas existentes no território. Posteriormente, se criaram as
denominações de "tupi" e "tapuia". Segundo o historiador John Monteiro (1995), tupis
eram os povos do litoral de Santa Catarina ao Maranhão. Tapuias, diferenciados
672
socialmente do padrão tupi, eram pouco conhecidos dos europeus e se encontravam nos
sertões do território. Dessa maneira, o próprio historiador afirma que os europeus do
século XVI procuraram reduzir o vasto panorama etnográfico em duas categorias: tupi e
tapuia.

Nesse cenário, a lei 11. 645 é de extrema importância, pois mesmo em sua vigência, a
inserção sobre os povos indígenas é mínima no programa curricular do conteúdo de
História do estado do Rio de Janeiro direcionado ao Ensino Médio.

Referências bibliográficas

BRASIL. Presidência da República/Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 11.645, de


10 de março de 2008.

LIMA, Antonio Carlos de Souza. "Um olhar sobre a presença das populações nativas na
invenção do Brasil". In: SILVA, Aracy Lopez da Silva; GRUPIONI, Luiz Donisetti
Benzi, (Orgs.). A temática indígena na sala de aula. Novos subsídios para
professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC, 1995, pp. 407-419.

MONTEIRO, John. "O Desafio da História Indígena no Brasil". IN: SILVA, Aracy
Lopez da Silva; GRUPIONI Luiz Donisetti Benzi, (Orgs.). A temática indígena na
sala de aula. Novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC, 1995,
pp. 221-228.

SACRISTÁN, J. Gimeno. Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre:


Artmed, 2000.

Secretaria de Educação do estado do Rio de Janeiro. Currículo Mínimo de História, Rio


de Janeiro, 2012.

SILVA, Giovani José da. “Ensino de História indígena”. In: WITTMANN, Luisa
Tombini (org.) Ensino d(e) História indígena. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

673
“CAÇAR, PESCAR E VIVER NAS FLORESTAS”:
REPRESENTAÇÕES DE ALUNOS DA REDE
BÁSICA EM XINGUARA-PA ACERCA DOS POVOS
INDÍGENAS
Rafael Rogério Nascimento dos Santos
Heraldo Márcio Galvão Júnior
Iolanda de Araújo Mendes

Esse trabalho é fruto de pesquisa em andamento a qual tem por objetivo analisar as
representações que os alunos da rede básica de ensino constroem acerca dos povos
indígenas no Brasil. Temos pensado em como está sendo produzido o conhecimento
histórico escolar acerca da temática indígena após nove anos da implementação da lei
11.645/08, que tornou obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e
indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio das escolas públicas e
privadas de todo país. O projeto conta com apoio da Pró-Reitoria de Extensão e
Assuntos Estudantis-PROEX da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará e está
sendo desenvolvido em duas escolas da rede pública de ensino do município de
Xingura_PA, sudeste paraense: Escola de Ensino Fundamental Henrique Francisco
Ramos e Escola de Ensino Médio Dom Luiz de Moura Palha.

A Lei 11.645/08 fará no próximo dia 10 de março nove anos de existência, entretanto,
como apontam Giovani Silva (2015), Luisa Wittmann (2015), Maria Aparecida
Bergamaschi (2011), Marta Troquez e Ana Paula Mancini (2009), Edson Silva (2002),
entre outros, os povos indígenas ainda são representados por meio de estereótipos,
desprovidos de dinamicidade e pluralidade cultural. A ideia geral é de que os povos
indígenas são e devem ser exclusivamente compostos por homens e mulheres nus, que
pintam seus corpos e moram no interior da selva. Segundo Márcio Couto Henrique
existem crenças estereotipadas que agregam aos povos indígenas imagens negativas
acerca da inteligência, caráter e que “... fundamentam a discriminação na medida em
que sustentam atitudes de hostilidade, desprezo e temor com relação a povos que
tradicionalmente tem sido definido como inferiores”(HENRIQUE, 2010,p.81).

Mesmo não sendo fruto de reflexão recente (LOPES, 1987; GRUPIONI, 1995) a
temática indígena no Ensino de História ainda enfrenta grandes problemas. Para
Bergamaschi (2011) tanto a produção historiográfica quanto o ensino de história
vigentes até o momento contribuem para a constituição de práticas discriminatórias
acerca dos indígenas.

Dessa forma, temos um quadro geral já destacado pela bibliografia sobre o tema: há um
padrão que legitima e oficializa esse tipo de conhecimento acerca da temática indígena
na escola, ainda existe uma mentalidade sobre os povos indígenas que os representa por
meio de estereótipos, imagens ligadas apenas ao passado colonial; os índios são tidos

674
como sujeitos que não fazem parte da sociedade nacional; desprovidos de sua
pluralidade cultural, como se todos os índios do Brasil fossem um só, iguais; os povos
indígenas são exóticos, excêntricos e, não raro, comparados até com animais.

Ao pensarmos nesse quadro geral e também na região do sudeste paraense, mais


precisamente no município de Xinguara (onde se encontram as escolas lócus da
pesquisa) constatamos que esse padrão está sendo (re)construído nas representações
feitas pelos alunos. Durante a etapa inicial da pesquisa foram coletados 835 materiais,
entre textos e imagens, produzidos por alunos do 6º ano do ensino fundamental até o 3º
ano do ensino médio. Nesses materiais os alunos desenharam ou escreveram o que eles
pensavam acerca dos seguintes termos: “povos indígenas” e “índios”.

675
Logo abaixo segue algumas transcrições das narrativas construídas pelos alunos. (Foram
realizadas algumas correções gramaticas, entretanto, o sentido original não foi alterado.)

 “Os índios são pessoas que vivem em aldeias, nos filmes eles são
valentes não sei em vida real, os índios não usam roupa eles vivem
de fruta do mato, coisas de comer do mato, no mato que eles
arranjam comida, eles pescam e vivem do peixe também” (E.E.F.
Henrique Francisco Ramos, 6º ano E, 2016).

 “Os índios são povos que vivem na floresta sua cultura, eles
trabalham de caçar, pescar, buscam sua comida na floresta,
antigamente era assim. Viviam mais suas culturas naquele tempo.
Hoje em dia os índios só sabem “luxar”, anda igual o povo da
cidade, carro bom e roupa boa e cordão de ouro, mas eles
esqueceram que a cultura deles é bonita. Não se pintam mais, a
maioria deles não mora nas aldeias, mas sim nas cidades. Fui a
Redenção Pará, lá vi índios completamente diferentes, uma parte
mostrando sua cultura verdadeira, outros no luxo. Sim tem que
“luxar”, mas não esquecer da sua cultura, mas mostrar mais ela. Hoje
em dia tudo é fácil para eles, dou valor aos que cultivam sua cultura,
sua raça” (E.E.F. Henrique Francisco Ramos, 7º ano C, 2016).

 “Para mim a vida dos povos indígenas parece ser muito divertida,
eles vivem despreocupados, a vida na cidade é muito movimentada.
E eles não se preocupam com roupas e também é muito interessante
o jeito de falar diferente. É isso o que eu acho” (E.E.F. Henrique
Francisco Ramos, 8º ano B, 2016).

 “Povos indígenas, eu acho que eles são um grupo de pessoas que


vivem na floresta ou em outros lugares e eles estão aqui no Brasil há
muito tempo. Índios, eu acho que é uma pessoa que gosta de viver na
floresta entre outros e que essas pessoas não gostam muito de viver
entre muitas pessoas como na cidade e que eles não são muito
chegados à tecnologia” (E.E.M. Dom Luiz de M. Palha, 1º ano B,
2016).

Os documentos coletados estão sendo analisados e, até o momento, podemos perceber


que o padrão supracitado, lamentavelmente, se legitima e perpetua nas escolas
pesquisadas. Os indígenas nos documentos são tidos como sujeitos que não fazem parte
da realidade dos alunos, contribuindo para exclusão dos indígenas na sociedade local.
Os povos indígenas são desprovidos de suas pluralidades culturais para serem
sintetizados em termos pejorativos: são preguiçosos, selvagens, pertencem somente a
floresta, vivem no ócio, não fazem uso da tecnologia e quando não são enquadrados
nessas generalizações deixam de ser “verdadeiros índios” pois estão deixando sua
cultura de lado.
676
As narrativas construídas pelos alunos não são resultado somente das suas experiências
nas escolas, mas também do senso comum, das suas vivências cotidianas na sociedade,
nos meios de comunicação, etc, o que amplia a discussão que inicialmente nos
propomos a fazer na pesquisa. Entretanto, focando no Ensino de História e no papel da
escola, algumas estratégias para superar tal quadro são fartamente apontadas pela
bibliografia, como por exemplo, a revisão em práticas pedagógicas que insistem em
mostrar um índio genérico, e também nos próprios livros didáticos (COELHO, 2010).
Diante desse preocupante quadro os esforços devem se concentrar principalmente no
sentido de fazer com que os alunos percebam os povos indígenas em sua pluralidade,
sua dinamicidade, sua diversidade, a partir de uma prática comprometida eticamente
com a temática indígena (MANCINI, TROQUEZ, 2009).

No âmbito do lócus da pesquisa, ao pensarmos em uma contribuição para a temática


desenvolvida, o projeto que atualmente está analisando e problematizando as
representações construídas pelos alunos, a partir de uma leitura sócio-antropológica e
histórica, visa em seus próximos passos a elaboração de um material didático voltado
para os alunos das escolas pesquisadas, inclusive pretende contar com a participação
dos indígenas Mebêngôkre-Kayapó da aldeia Las Casas (situada próxima ao munício de
Xingurada) a qual tivemos a oportunidade de conhecer em novembro de 2016. Além
disso, iremos propor seminários e oficinais aos professores da educação básica com o
intuito de auxiliar na formação continuada dos mesmos no que corresponde a temática
indígena na escola.

Referência Bibliográfica

BERGAMASCHI, Maria Aparecida. A temática indígena no Ensino de História:


possibilidades para diálogos interculturais? In: FONSECA, Selva Guimarães; GATTI
JÚNIOR, Décio (Orgs.), Perspectivas do Ensino de História: Ensino, Cidadania e
Consciência Histórica. Uberlândia, 2011: Edufu, p. 295-304.

COELHO, Mauro Cezar. As populações indígenas no livro didático ou a construção de


um agente histórico ausente. In: COELHO, Wilma de Nazaré Baía; MAGALHÃES,
Ana Del Tabor (Orgs.). Educação para a diversidade: olhares sobre a educação
para as relações étnico-raciais. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2010.

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi; SILVA, Aracy Lopes da (Orgs.). A Temática


Indígena na Escola: Novos Subsídios para Professores de 1º E 2º Graus.
Brasília/MEC/MARI/UNESCO, 1995.

HENRIQUE, Márcio Couto. Conceitos e preconceitos em História Indígena. In: Wilma


de Nazaré Baía Coelho; Ana Del Tabor Vasconcelos Magalhães. (Org.). Educação
para a diversidade: olhares sobre a educação para as relações étnico-raciais. 1ª
ed.Belo Horizonte: Mazza Edições, 2010, v. 1, p. 79-95.

LOPES DA SILVA, Aracy (org.). A questão indígena na sala de aula - Subsídios


para professores de 1º e 2º graus. São Paulo, Brasiliense, 1987.

677
MANCINI, Ana Paula Gomes. TROQUEZ, Marta Coelho Castro. Desconstruindo
estereótipos: apontamentos em prol de uma prática educativa comprometida eticamente
com a temática indígena. Campo Grande - MS: Tellus, 2009.

SILVA, Edson. Povos Indígenas e Ensino de História: Subsídios para a abordagem da


Temática Indígena em sala de aula. Londrina: História & Ensino, 2002;

SILVA, Giovani José da. Ensino se História Indígena. In: Luisa Tombini Wittmann.
(Org.). Ensino (d).e História Indígena. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica, v. 1, p. 21-46,
2015.

WITTMANN, Luisa Tombini (Org.). Ensino (d)e História Indígena. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2015.

678
IDENTIDADES INDÍGENAS, O CINEMA E O
ENSINO DE HISTÓRIA: REFLEXÕES
NECESSÁRIAS AO SABER HISTORIOGRÁFICO
Renata Carvalho Silva

O presente texto é parte da proposta de pesquisa que nasce fruto das inquietações
gestadas durante a ministração da disciplina Educação Indígena para os alunos do
Ensino Superior dos Cursos de História, Letras e Pedagogia acerca das dificuldades de
se implementarem, na prática, os estudos e leituras propostas no sentido de repensar a
aplicação do ensino da História e Cultura Indígena no ensino básico. As leituras sobre
diversidade, multiculturalidade e etnicidade quase sempre esbarravam em uma
indagação comum a grande maioria dos alunos: como aplicar na prática, um ensino que
privilegiasse a perspectiva dos diferentes grupos indígenas acerca das suas próprias
história e cultura sem cair na velha prática da exaltação ao “dia do índio”? Sendo assim,
uma das principais motivações em apresentar tal perspectiva de análise reside no desejo
de se propor uma sugestão de aplicação de uma metodologia de ensino que fuja dessa
armadilha eivada de dogmas e estereótipos.

A Lei nº 10.693, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes de base da


educação nacional, incluindo no currículo oficial da rede ensino a obrigatoriedade da
temática "História e Cultura Afro-Brasileira", foi complementada em 10 março de 2008
com a Lei Nº 11.645 que além de buscar valorizar os traços e elementos afro-brasileiros
constituintes de nossa formação cultural, também almeja sanar dívida semelhante
relativa aos povos comumente denominados indígenas.

Esta lei abre espaço para a discussão a respeito das diversas populações indígenas,
ponto importante na formação da história e cultura de nosso país, mas que durante um
longo espaço de tempo esteve relegada, sendo sempre estudada pela ótica dos chamados
vencedores da história, ou seja, entrando de maneira subalterna na escrita da história.
Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga que busca estudar o elemento indígena por
uma ótica diferente, afirma que “a História do Brasil, a canônica, começa
invariavelmente pelo ‘descobrimento’. São os ‘descobridores’ que a inauguram e
conferem aos gentios uma entrada – de serviço – no grande curso da História”
(CUNHA, 2008, p. 08).

Estuda-se, assim, desde então, a trajetória das populações nativas sempre pós 1492,
como se antes estes povos não possuíssem história ou qualquer tipo de produção
cultural de maior importância de demarcação e memória. Um ponto mais grave é que a
representação que encontramos das comunidades indígenas nos livros didáticos e nas
escolas é de povos estáticos, que não possuem uma cultura dinâmica, sendo
representados por estereótipos e generalizações sempre iguais: cabelos lisos, abundantes
adereços de natureza como penas e ossos, moradores das florestas, de culturas exóticas,
os corpos nus e pintados, portadores de instrumentos de caça como arco e flecha, ou

679
seja, toda uma construção simbólica tal como se a cultura indígena não tivesse sofrido
nenhuma modificação no processo histórico.

Outra representação preocupante que se faz do “índio” na história é como mera vítima
do processo de colonização, não se nega a extrema violência a que esses povos foram
submetidos no processo e colonização. Violências físicas, como combates diretos e
desiguais, doenças, escravidão e etc; e violência simbólica, como mudança no regime de
trabalho, estrutura social e religiosa. Essas modificações forçaram uma reconfiguração
na cultura indígena, mas isto não implica que estes povos tenham desaparecido, ou não
possuam uma reformulação. Janice Theodoro afirma perceber que as culturas indígenas
são “viventes” e não “sobreviventes” no processo histórico (1992).

Busca-se através deste projeto analisar o uso das ferramentas metodológicas


audiovisuais, em especial as produções cinematográficas, documentárias ou ficcionais, a
implementação do ensino da história e cultura indígena, circunscrita à determinação da
Lei 11.645/2008, buscando dessa forma fomentar a abordagem da perspectiva
intercultural e humanística de valorização da diversidade e da pluralidade cultural e
étnica da qual é fruto nossa própria sociedade.

Edson Silva afirma em artigo recente que atualmente estamos inseridos num contexto
em que diversos grupos sociais buscam afirmar identidades, conquistar e ocupar
espaços sociopolíticos no Brasil. Diferentes expressões socioculturais passaram a ser
reconhecidas e respeitadas, o que vem exigindo discussões, formulações e
implementação de politicas públicas que respondam as demandas de direitos sociais
específicos. Assim “A Lei 11.645/2008, que determinou a inclusão da história e culturas
indígenas nos currículos escolares, possibilitará o respeito aos povos indígenas e o
reconhecimento das sociodiversidades no Brasil”. (SILVA, 2005, p.32)

Além de nos levar a repensar o papel das populações indígenas na história do Brasil, a
Lei 11.645/2008 vem nos possibilitar repensar a constituição social e política do país.
Segundo Silva (2012) a ideia de uma identidade e cultura nacional esconde inúmeras
diferenças sejam de classes sociais, gênero, étnicas e etc. ao buscar uniformizá-las.
Negando não só os processos históricos marcados pelas violências de grupos
politicamente hegemônicos bem como ainda as violências sobre grupos a exemplo dos
povos indígenas e os oriundos da África que foram submetidos a viverem em ambientes
coloniais.

Dessa forma, a presente proposta de análise visa discutir a forma como as produções
fílmicas vêm, ao longo dos anos construindo diferentes leituras acerca do indivíduo
nativo, nas diferentes épocas e sobre diferentes prismas e contextos sócio históricos.
Buscamos contribuir com o debate, junto à comunidade escolar, para que se dê base aos
professores para uma discussão séria e profunda acerca da reconstrução necessária a
respeito dos povos indígenas como agentes sociais do processo histórico, possibilitando
o respeito e o reconhecimento das comunidades indígenas, assim como inserir e
possibilitar uma visão mais ampla e diversificada sobre questões relativas a construção
identitária, gênero, territorialidades e sociabilidades em contextos sócio culturais
diferenciados tão caros à uma formação não só acadêmica e profissional, como
principalmente cidadã.

680
A proposta em se utilizar o uso do cinema como fonte e ferramenta para o ensino de
História, ao contrário do que se possa pensar, não se resume à construção de um mero
guia de como o professor deva ou não utilizar um determinado filme histórico em sala
de aula, uma vez que, como nos alerta Marc Ferro (1988), “os filmes de tipo histórico
não são mais que uma representação do passado” que em grande medida falam mais
sobre o presente que sobre esse mesmo passado. Nesse sentido é necessário que se leve
me consideração a premissa de que este é apenas um dos inúmeros olhares que se possa
lançar sobre o passado e o professor deve, então, nesse caso, conscientizar-se sobre as
múltiplas significações implícitas a determinada produção cinematográfica quando da
sua escolha para que assim possa lhe ser claro o emprego do passado em tal produção.

Nesse sentido, enquanto metodologia de análise para o desenvolvimento do presente


trabalho lançaremos mão de categorias de análise como as referentes à semiótica
enquanto área de apreciação de toda e qualquer linguagem construída e que busca
examinar o contexto de produção dos signos enquanto pertencentes a uma série de
códigos em constante transformação procurando desvendar assim os sentidos dos
múltiplos tipos de linguagem. Faz-se assim necessário compreender como diferentes
signos são construídos no sentido de expressar uma determinada mensagem aplicável a
todo e qualquer elemento de uma mensagem (palavra, desenho, som, filme, etc)
(PEIRCE, 1995; METZ, 2010).

Ainda enquanto caminho metodológico se fará uso de uma pesquisa bibliográfica


qualitativa não só da relação construída entre o Cinema e a constituição da História
enquanto disciplina, mas igualmente das mesmas e o processo de ensino aprendizagem
tomando como premissa a preparação do professor a lidar com as particularidades da
linguagem cinematográfica enquanto objeto reflexivo da própria construção humana ao
longo do tempo, ou como afirma a professora Selva Guimarães Fonseca (2009):

O filme pode oferecer pistas, referências do modo de viver, dos valores e


costumes de uma determinada época e lugar. É uma fonte que auxilia o
desvendar das realidades construídas, as mudanças menos perceptíveis, os
detalhes sobre lugares e paisagens, costumes, o cotidiano, as mudanças
naturais e os modos de o homem relacionar-se com a natureza em
diferentes épocas. [...] Porém, devemos estar atentos à linguagem própria
da cinematografia, que não tem compromisso com a historiografia, com a
didática da história. Logo, exige de nós uma postura crítica e
problematizadora, como em relação às demais fontes históricas. (p. 156-
157)

Partindo do pressuposto igualmente escolhemos como objetos e fontes principais da


análise que se busca aqui construir, as recentes produções cinematográficas
denominadas As Hipermulheres, produção documental de 2011 com roteiro e direção
multiétnica assinada por Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro buscando
entrelaçar análises acerca das questões de gênero e sociabilidades na construção das
imagens dos povos tradicionais indígenas e o filme O Abraço da Serpente, produção
ficcional de 2015 do colombiano Ciro Guerra explorando uma análise acerca da questão
da construção das identidades em contato, territorialidades e perspectivismo metafísico
na linha das análises de Eduardo Viveiro de Castor, buscando sempre empreender uma

681
contraposição às produções clássicas que tomam o elemento nativo restrito às
tradicionais representações binárias do bárbaro primitivo ou do herói idílico nacional.

Referências

CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios no Brasil. São Paulo: CIA das
Letras, 1998.

FERRO, Marc. O filme, uma contra-análise da sociedade? In: LE GOFF, Jacques e


NORA, Pierre. História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco A1vcs, 1988.

FONSECA, Selva Guimarães. Cinema e Ensino de História. In: Revista do Arquivo


Público Mineiro. Belo Horizonte, 2009.

METZ, Christian. A Significância no Cinema. São Paulo: Perspectiva, 2010.

PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. 2ª ed., São Paulo: Perspectiva, 1995.

SILVA, Edson. Povos Indígenas no Nordeste: contribuição à reflexão histórica sobre o


processo de emergência étnica. In: MNEME – Revista de Humanidades, v.7, nº. 18,
out./nov. de 2005.

_____________. Os Povos Indígenas e o ensino: reconhecendo as sociodiversidades nos


currículos com a Lei 11.645. In: ROSA, A. BARROS, N. (orgs.). Ensino e Pesquisa na
Educação Básica: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: EDUFPE, 2012.

THEODORO, Janice. América Barroca: Tema e Variações. São Paulo: Editora da.
Universidade de Sao Paulo/Editora Nova Fronteira, 1992.

682
IDENTIDADE NEGRA E ENSINO DE HISTÓRIA:
RELATO DE EXPERIÊNCIAS EM SALA DE AULA
Rivaldo Amador de Sousa

Esta nossa discussão é resultado de um projeto desenvolvido em sala de aula durante o


ano de 2015 com alunos da última série do ensino fundamental. A proposta nasceu,
como é óbvio, de uma demanda da própria comunidade escolar do município de Lucena
– PB, onde, de acordo com o diagnóstico feito pela própria escola, observou-se dois
problemas: primeiro, as práticas de violência física e psicológica a maioria de crianças e
adolescentes apresentavam sentimentos de inferioridades em relação a sua cor de pela
escura. Era perceptível, nessa avaliação geral, uma autonegação, de parte desses
educandos, a sua descendência afro.

O diagnóstico, realizado no ano anterior ao período em que se desenvolveu o projeto, se


deu por meio de observações, vivências e diálogos em sala de aula e nos recintos da
escola. Foram avaliadas diversas práticas e atitudes destes no ambiente interno da
escola, especialmente aquelas relacionadas ao preconceito racial e discutido junto à
coordenação pedagógicas os problemas sociais das famílias dos educandos fazendo uso
do quadro social da realidade das comunidades em que residem essas famílias.

Alguns problemas foram se apresentando ao longo dessas experiências que tivemos com
os/as educandos/as, apontando para uma necessidade de renovação urgente na nossa
prática docente. Nesse ínterim, algumas questões iniciais se colocaram, constituindo-se
numa problemática que demandava resoluções efetivas no campo metodológico. Como
seria possível desenvolver um projeto e/ou práticas educativas que ao longo do tempo
inferisse nas práticas comportamentais e relacionais dos educandos no espaço escolar,
no que concerne as relações etnicorraciais? Que metodologia adotar para incluir nos
conteúdos trabalhados em sala de aula o cotidiano dos/as educandos/as, convergindo
para uma discussão em torno das questões étnicorraciais? Além dessas, outro
questionamento, ainda mais amplo, se apresentou. Então, como trabalhar as questões
etnicorraciais no ensino de História, no sentido de que essa prática docente inferisse na
construção da identidade afrobrasileira no espaço escolar por parte dos/as discentes?

Esses questionamentos, na verdade, foram os norteadores do trabalho que nos


permitiram, de princípio, dialogar com teóricos sobre as questões metodológicas e de
ensino de história e aquelas que tratam dos estudos etnicorraciais.

Após todo um estudo que envolveu os entraves, as dificuldades e as possibilidades de


realização do trabalho, definimos as turmas e o tempo a serem desenvolvidas as
atividades. Selecionamos, portanto, duas turmas do 9º ano. Os materiais didáticos
pedagógicos selecionados contemplaram textos escritos (FLORES, 2011; BENJAMIN,
2006; SOUZA, 2006; MUNANGA e GOMES, 2006; CAMPOS, VILHENA e
CARNEIRO, 2007), imagens, músicas, filmes e objetos de uso cotidiano (utensílios
domésticos). A realização dessa seleção respeitou alguns critérios importantes e

683
elaborados no sentido de permitir trabalhar as questões etnicorraciais no cotidiano dos
discentes, consentindo-lhes e possibilitando-lhes o uso das leituras, discussões e
reflexões nas suas práticas cotidianas.

Compreendendo e considerando a formação e os saberes conceituais e práticos já


adquiridos pelas crianças e adolescentes, foram, de início, trabalhados em sala de aula
diferentes conceitos que tratam das relações etnicorraciais tais como: preconceito, ser
negro, negritude, violência, identidade, liberdade, democracia, igualdade, equidade,
diferença, beleza, ser pessoa, etc. A partir das diferentes leituras realizadas, individual e
coletivamente, - principalmente nas leituras audiovisuais e de imagens - os educandos
iam produzindo uma ressignificação desses conceitos na inferência de seu cotidiano, na
medida em que traziam para a sala de aula narrativas de suas experiências com o mundo
vivido. Muitos desses educandos narraram episódios que denunciavam forte carga de
preconceito racial vividas por eles. O estudo de tais conceitos permitiram aos educandos
perceberem que o conjunto de estereótipos constituídos historicamente como a
representação do homem e da mulher negra e suas relações hierárquicas poderiam ser
valorizados, reafirmados, negados, desconstruídos, ressignificados, por eles mesmos
enquanto práticas sociais significativas no mundo social e relacional.

A constituição de uma consciência crítica em relação ao mundo da diversidade perpassa


não apenas pela compreensão da necessidade do direito de ser respeitado, mas,
primeiramente, pelo dever de respeitar o outro e o seu espaço. Trata-se de uma enorme
complexidade que envolve limites, sensibilidades, experiências etc. Tal ação também
perpassa pela ideia de identidade (SILVA, 2000). Essa discussão também se envereda
pelo referencial teórico dos estudos que discutem a educação em e para os direitos
humanos (CALISSI, 2014).

Partindo das leituras e discussões já realizadas, propusemos aos alunos e alunas uma
atividade de pesquisa que consistia numa entrevista com pessoas de pele escura e que
habitasse a comunidade local. Para o desenvolvimento dessa atividade foram
necessários estudos de técnicas de entrevistas, de gravação e edição de um pequeno
vídeo tratando sobre o preconceito racial.

Foram apresentadas etapas a serem seguidas rigorosamente para que o trabalho se


efetivasse sem maiores dificuldades. Tais etapas consistia em entrar em contato om
pessoas descendente da cor negra e, num segundo momento, tratar da entrevista; em
seguida desenvolver um roteiro que norteasse a entrevista; realização da entrevista;
edição da entrevista; apresentação de um relatório impresso sobre a experiência, erros e
acertos; socialização das entrevistas pelas educandos/as na sala de aula com os colegas;
apresentação e exibição das entrevistas à comunidade escolar.

Durante o processo de realização de cada etapa os/as alunos/as faziam aparecer os seus
potenciais e seus saberes que consistia, entre acertos e erros, em um processo de ensino
aprendizagem onde havia uma troca mutua desses saberes.

As dificuldades não foram poucas, como encontrar a pessoa que concedesse a entrevista
e/ou que realizou, mas, por meio de nossa avaliação juntamente com os realizadores,
não fora selecionada, e substituída por uma segunda entrevista.

684
Foram realizadas 11 entrevistas com homens e mulheres negras que, em suas falas,
consentiram discutir sobre as dificuldades de “ser negro no Brasil”, lembrando, por
meio de suas vivências, a importância da luta contra o racismo. Na maioria dos vídeos
produzidos pelos educandos/as, os entrevistados narram experiências que tratam de
preconceito racial por que passaram na comunidade local.

Foi na discussão em torno das técnicas de gravação e edição do vídeo, que deveria ser
produzido, que esses educandos/as demonstraram a importância do domínio e da
socialização de saberes.

Essa experiência nos permitiu compreender a importância da prática na construção de


saberes.

Referências

BRASIL. Secretaria de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais - Volume 8.


Apresentação dos Temas Transversais- MEC, 1997.

BENJAMIN, Roberto. A áfrica está em nós: história e cultura afro- brasileira, Volume
1, 2, 3 e 4. João Pessoa: Editora Grafset, 2006

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos.


São Paulo, Cortez, 2004.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais


e para o Ensino de História e cultura Afro-Brasileira e Africana. MEC: Brasília, 2005.

CAMPOS, Carmen Lucia. A cor do preconceito. São Paulo: Ática, 2007.

CUNHA JR. Henrique. Identidades negras e educação. Revista CCHLA/João Pessoa,


ano 3 N. Especial, nov. 1995.

FLORES, Elio Chaves (Coord) et al. A África está em nós: história e cultura afro-
brasileira: africanidades paraibanas. João Pessoa: Grafset, 2011.

FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História ensinada. Campinas, SP: Papirus,


1993 (Coleção Magistério, Formação e trabalho pedagógico).

MUNANGA, Kabengele e GOMES, Nilma Lino. Para entender o Negro no Brasil de


hoje: história, realidades, problemas e caminhos. São Paulo: Global, Ação Educativa,
2004.

_____.Identidade, cidadania e democracia: algumas reflexões sobre os discursos anti-


racistas no Brasil. In: SPINK, Mary Jane Paris (Org.) A cidadania em construção: uma
reflexão transdisciplinar. São Paulo: Cortez, 1994, p.177-187.

685
NETO FREITAS, José Alves de. A transversalidade e a renovação no ensino de história.
In: KARNAL, Leandro. História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São
Paulo: Contexto, 2003.

ROCHA, Solange Pereira da. Gente Negra na Paraíba Oitocentista: população, família
e parentesco espiritual. São Paulo: UNESP, 2009.

SILVA, Tomaz (org.) Identidade e diferença – a perspectiva dos estudos culturais.


Petrópolis Vozes, 2000.

SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. 2ª Ed. São Paulo: Ática, 2007.

686
CURRÍCULO E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL
NO ENSINO DE HISTÓRIA
Rosemary de Jesus Santos

A visão pejorativa atribuída à cultura afro-brasileiros foi construída historicamente com


a intenção de associá-la as coisas ditas ruins, ao inferno cristão. Este conjunto de
saberes que tem uma matriz não ocidental são constantemente depreciados, relacionados
com superstições, saberes de povos mental e intelectualmente atrasados. Contudo, a
riqueza de ritos e mitos permitiu uma atualização criativa, das instituições negro-
africanos, em terras brasileiras. Partindo desse contexto sócio histórico repleto de
singularidade, dotado de diferentes formas de saber, ver e crer, buscamos novos prismas
para repensar as relações comunidade/escola/ensino de História.

Pensando o ensino de História enquanto lugar de fronteiras, de memórias questiono


como fortalecemos estereótipos em sala de aula? Diferentes experiências são
referendadas? Saberes e memórias da comunidade são referendados nas aulas de
História? Quais memórias nós professoras/professores estamos ajudando a construir a
partir das seleções de conteúdos?

Para iniciar a reflexão sobre estas questões, é preciso analisar as teorias pós-críticas do
Currículo, a identidade, a diferença. Desfazendo narrativas eurocêntricas e apresentando
um ponto de vista a partir da subalternidade, deste “não lugar”. Nas escolas públicas que
atuo como professora de História: Colégio Municipal de Araçás, na Bahia e nas Escola
Estadual Coelho Campos, e no Maria Berenice Alves Barreto ambas em Capela e no
Colégio Estadual Matos Teles, em Japaratuba ambos em Sergipe; muitos alunos dizem
que não gostam da disciplina História, pois “é só passado, é ultrapassada”. Contudo a
escrita da História é contemporânea, orientada pelo presente, sustentamos posições com
base nas visões que temos da relação entre o passado e suas pistas e na maneira como
extraímos significado dessas pistas. A forma como construímos o conhecimento sobre o
passado afeta a natureza do significado que lhe impomos. Segundo a consciência
desconstrutiva, o passado nunca é fixo, o passado é como um texto a ser examinado em
suas possibilidades de significados.

A História tem o passado como objeto de conhecimento, e o tempo que passou difere do
que nós fazemos com o passado quando nos apropriamos dele. O historiador sabe mais
que o passado, pois ele precisa atribuir significados ao passado, em termos
epistemológicos. O historiador conhece as perspectivas conjecturais das experiências no
tempo.

Ao pensar a estrutura teórica da História a serviço do ensino devemos diferenciar


evidências de fatos. A depender da utilização, as evidências podem mudar nosso
discurso, o passado não muda, mudam os significados que atribuímos a ele. Para a
mesma evidência podem ser atribuídos vários significados a depender do lugar
ideológico do historiador que vai inquerir as evidências. Isto mostra que a História
ensinada nas escolas, as verdades dos manuais didáticos constitui-se apenas em um dos
687
muitos discursos possíveis. Muitos grupos sociais grupos disputam o direito de estar
nas salas de aula, faz-se necessário portanto a contrução de uma “outra” história,
abarcando novas memórias, resignificando o passado que implica reconhecimento e
respeito aos pertencimentos da comunidade escolar.

Não há um único estilo de aprender, apreender e de significar o mundo. A História do


Brasil enquanto construção de uma nação deve incluir todos os povos que a constitui. E
a escola deve permitir a esta diversidade de brasileiros, conhecerem suas histórias,
saberem quem são, auxiliando-os na construção de identidades que respeitem as
diferenças numa perspectiva anti-racista, onde a branquidade que é tão visível para nós
negros, ela que delineia nossa representação enquanto oprimidos e sofredores,
invisibilizando os privilégios raciais proporcionados pela branquidade.

Pensando a educação escolar enquanto lugar de fronteira, onde vários saberes são
circularizados, contudo as memórias familiares que explicam o mundo e seu devir, ou
seja, os saberes individuais dos alunos são muitas vezes silenciado, quando literalmente
“aplicamos” o saber acadêmico e não dialogamos com estes outros saberes. A escola,
enquanto representação da sociedade, reproduz entre seus muros e corredores diversos
tipos de realidades que compõe a nossa sociedade. As salas de aula, são lugares de
fronteiras, de relações de poderes, de disputas por memórias.

Ao reforçar a dicotomia entre os saberes escolares e o saberes de experiências negamos


aos alunos e a nós professores o direito à cidadania contantemente nós deparamos em
sala de aula com os discursos: “isto não é conhecimento científico; a escola só discute
ciência e não memórias, ou senso comum”. Para Spivak (2014), não se pode falar pelo
subalterno, mas pode-se trabalhar “contra” a subalternidade, criando espaços nos quais
os subalternos podem se articular e possam ser ouvidos. Podemos contar, estudar,
escrever nossas próprias histórias. Trabalhando a consciência histórica na escola,
amplia-se o conceito de dimensão temporal fazendo do passado (experiência)
significante para o presente e para o futuro.Nesta perspectiva a disciplina fica mais
próxima da realidade dos alunos e professores, passa a fazer sentido, pois parte das
necessidades do presente, possibilitando novas e/ou diversas intyerpretações do
passado.

O currículo pode ser entendido como tecnologia de governo, pois seu saber específico é
o conhecimento sobre os nexos entre conhecimentos e indivíduos. Ele produz sujeitos
particulares e a teoria do currículo está envolvida na melhor forma de produzí-los. Ao
aceitar esta abordagem, não nos perguntamos o que os indivíduos fazem com os
materias recebidos; de que forma os resignificam o que lhe é proposto ou imposto. O
currículo faz o indivíduo e o indivíduo também faz o currículo.

Segundo Boaventura de Souza Santos (2015), pode-se produzir um “epistemicídio” que


é o extermínio de formas “subordinados” de conhecer. O currículo não é apenas um
regime de representação, mas segundo Schostak constitui-se em um campo de luta pela
representação. Ele está vinculado à produção de identidades sociais, assim o nexo entre
representação e poder se efetiva. Entendendo representação como um processo de
produção de significados através de diferentes discursos, sendo estes significados não
são fixos e estáveis mais flutuantes e estáveis.

688
O conhecimento inscrito no currículo não pode ser separado das regras de regulação e
controle que definem suas formas de transmissão. Ao abordar o bio poder do currículo,
Tomaz Tadeu da Silva (2014) afirma que seus efeitos são duradouros e permanentes.
Identidades hegemônicas são fixadas, formadas, moduladas questionadas e disputadas.
Ele é constituído por múltiplas narrativas que podem ser desconstruídas.

Segundo Ernest e Mouffe no campo do discurso são fixados limites entre os múltiplos
“nós” que produzem múltiplos “outros” por meio das lógicas da equivalência e da
diferença. O currículo é entendido como um sistema discursivo onde se travam lutas
identitárias, onde são produzidos sentidos aos conhecimentos históricos, legitimando-os,
validando-os ou não como objetos de ensino. Constrói-se num espaço de entre
cruzamento de políticas da diferença e de conhecimentos onde se manifestam as
demandas do presente. Portanto ao pensar a diversidade cultural no Brasil e focar na
diversidade étnico-racial é primar pela diferença ao invés do conteudismo.

Os fluxos identitários que hoje perpassam o conhecimento histórico permitem a


socialização de sentidos do passado possibilitando a subversão de relações
hegemônicas.

Referências

APPLE,Michael W.; BURAS, Kristen L. Currículo, poder e lutas educacionais: com


a palavra , os subalternos. Porto Alegre:Armet,2008.p.83-125.

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Hegemonia: dialógos possíveis. Educ. Real.,Porto Alegre, v.36, n.1, p.127-
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Almeida; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira Feitosa – Belo Horizonte: Editora
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ÉTNICORACIAIS,Brasilia: MEC/SECAD 2010.

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SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do


currículo. Belo Horizonte, MG: Ed. Autêntico, 2004.

689
VOZES OCULTAS: RELAÇÕES DE GÊNERO E
MEMÓRIA NA CONSTITUIÇÃO DE ARQUIVOS
PESSOAIS
Talita Gonçalves Medeiros

Relações entre memória e gênero: arquivos e seus condicionamentos sociais

No teatro da memória, as mulheres são sombras tênues, a frase que inicia o texto de
Michele Perrot (1989), nos revela a faceta de exclusão, restrição e domesticação de uma
memória. Restrita ao lar, as mulheres e sua memória voltavam-se ao ambiente privado e
suas ações nele: redigir cartas aos familiares em busca de informações sobre saúde,
nascimento e morte; escritas de diários como forma de deixar rastros ou vestígios de
vivências e experiências que encontram eloqüência em suas memórias trajadas;
cadernos ou blocos de anotações com receitas passadas de geração em geração; cartões
endereçados e recebidos de parentes e amigas/os devido a festividade de aniversários ou
casamento; constituição de álbuns familiares; coleção e manutenção dos mil nadas,
possuem “uma certa relação consigo mesma, com sua própria vida, com sua própria
memória [...]” (PERROT, 2013, p. 30),

Da mesma forma, se no teatro da memória, as mulheres são uma leve sombra na


disposição de arquivos públicos também. Esse silenciamento da voz feminina na
elaboração e na disposição de arquivos públicos ocorre por dois motivos principais
segundo Michelle Perrot (2013): em primeiro lugar o fato de que seu habitat se revelava
cotidianamente como espaço íntimo, doméstico e familiar. Suas práticas e memórias
eram, em sua maioria, voltadas para seu lar, filhos/as e familiares. Os arquivos pessoais
assim se constituíam porque,

a presença de mulheres nesses arquivos se dá em função que fazem da


escrita: é uma escrita privada, e mesmo íntima, ligada a família, praticada à
noite, no silêncio do quarto, para responder às cartas recebidas, manter um
diário e, mais excepcionalmente contar sua vida. Correspondência, diário
íntimo, autobiografia não são gêneros especificamente femininos, mas se
tornam mais adequados às mulheres justamente por seu caráter privado [...].
(PERROT, 2013, p. 28).

Em segundo lugar, a falta de espaço em arquivos públicos. A escrita masculina é


redigida quando voltada para a resolução de negócios, de produção profissional,
posições de poder, burocrática e/ou ligação com o público. Portanto, sua presença na
esfera pública se encontrava em consonância com seu arquivamento em espaço público.

Além disso, o conhecido processo de autodestruição das memórias femininas auxilia na


pouca visibilidade e constituição de arquivos no âmbito público,

690
esse ato de autodestruição é também uma forma de adesão ao silêncio que a
sociedade impõe às mulheres[...] um sentimento de negação de si que está
no centro da educação feminina, religiosa, laica, e que a escrita-assim como
a leitura contradizem. Queimar seus papéis é uma purificação pelo fogo
desta atenção a si mesma que confina ao sacrilégio (PERROT, 2005, p. 37).

Essa ação atua diretamente nas fontes de pesquisas e estudos, privilegiadas por
historiadoras e historiadores. Relacionadas com o tempo e com a memória, os arquivos
pessoais, passam pelo crivo da escolha e, portanto, da seleção do que se deseja
perpetuar sobre sua memória. Estas escolhas, claramente não neutras, também
transpassam pelo viés do gênero e assim buscam esculpir relações e valores mediados
por aquilo que a eternidade deve registrar. Desta forma, as memórias escolhidas para o
futuro transcorrem em ações de subjetividade, poder e identificação.

As memórias de mulheres: a importância do ensino de História a partir das fontes

A virada lingüística, a partir dos anos 1960, procurou justamente problematizar essas
escolhas e esses silenciamentos. Investindo nas análises dos “novos sujeitos do novo
passado” (SARLO, 2007, p. 16) essa metodologia de análise que passou a considerar as
subjetividades das/nas ações humanas, voltou seus olhos para a valorização dos
detalhes, “as originalidades, a exceção à regra, as curiosidades que já não se encontram
no presente”, (SARLO, 2007, p. 17) ou seja, privilegiar as sujeitas marginais que
estavam fora do cenário de estudo, mas não fora do cenário de “discursividades de
memória” (SARLO, 2007, p. 17) .

Fala-se muito sobre mulheres, escreve-se muito sobre estas, mas, na maioria dos casos,
a partir de uma voz e de uma escrita masculina. Representações, idealizações e
perfomatizações que por muitas vezes não apenas alcançam a produção do discurso
sobre as mulheres e os seus silenciamentos na “produção e na condição culturais e
políticas” (SARLO, 2007, p. 21) mas que tornam o discurso masculino inteligível,
próprio e único no coletivo.

Deste modo, a importância de estudos nas fontes de arquivos pessoais de mulheres se


faz necessário, da mesma forma que a descontinuação de discursos sobre as mulheres
feitas por pessoas que naturalizam e generalizam aquilo que deve ser tratado como
complexidades. As fontes de arquivos pessoais, assim como as demais, encontram seus
pontos de saturação, críticas e contrapontos. O presente texto não busca uma defesa
ingênua a respeito dessas fontes, mas busca refletir sobre a importância de suas análises
e contrapontos sobre uma História sempre escrita no singular e no masculino.

Deste modo, a oportunidade de contato com essas memórias, com essas linguagens e
códigos sociais e com essas diversas visões de mundo, ainda que retratadas através de
uma escrita cotidiana, se destacam e se fortalecem na possibilidade de refletir sobre as
diversas narrativas que “nos oferecem um tempo múltiplo, que se superposicionam,
diferenciando-se dos marcos gerais da história oficial, com novos marcos plenos de
significados, capazes de reconstruir uma outra história [...]”(STADNIKI, 2005, p. 345).
Desta forma, a escrita tida como “ordinária”, é uma importante e destacável forma de
691
elucidar um passado e um presente, visto que “há outras cronologias, para além das
oficiais, edificadas em decorrência da significação de eventos e compartilhadas pelos
grupos de vivência” (STADNIKI, 2005, p. 345).

Portanto, a busca e o incentivo de análises, estudos e pesquisas em arquivos pessoais de


mulheres possui como base a intenção de demonstrar que as experiências particulares -
quando em contraste com a teia social de atrizes e atores nesse jogo complexo da
dinâmica do tecido social - podem ser reelaboradas, dinamizadas e questionadas. Ou
seja, cabe a nós pesquisadores e pesquisadoras, ouvir essas vozes ou perceber o que está
retratado de suas memórias, seu esquecimento e seu silencio, estar sensível para
perceber no silenciamento o que elas desejam falar.

Deste modo, destacamos a importância de outras análises, interseções e elaborações


históricas. Para isto, os arquivos pessoais das mulheres são importantes e permite que
outras vozes sejam ouvidas. Pesquisar em arquivos pessoais de mulheres relacionando e
compreendendo as relações de gênero perpassadas pela História nos instiga a questionar
a História nacional e a escrita de/a partir de sujeito universal.

Considerações finais

Como nos afirma Jelin (2002, p.56), “siempre habrá otras histórias, otras memórias e
interpretaciones alternativas, em la resistência, em el mundo privado, em las
‘catacumbas’”, deste modo, valorizar arquivos pessoais de mulheres como fontes de
pesquisas é possibilitar o conhecimento de um universo singular que se cruza no plano
da experiência. Testemunhar por outros olhares é observar que “não há testemunho sem
experiência, mas tampouco há experiência sem narração: a linguagem liberta o aspecto
mudo da experiência, resume-se a de seu imediatismo ou de seu esquecimento e a
transforma no comunicável” (SARLO, 2007, p. 24).

Desta forma, à guisa de conclusão, entendemos que História, gênero e arquivos


pessoais se entrelaçam na busca por práticas sociais que pretendem evidenciar como as
relações sociais são produzidas de forma desigual e distinta na elaboração de arquivos
pessoais. Ou seja, compreender que a História, “é uma narrativa sobre o sexo masculino
e constitui o gênero ao definir que somente, ou principalmente, os homens fazem
história” (PEDRO, 2011, p. 273), nos cabe inquirir e reafirmar a necessidade de
compreender como o gênero age na elaboração e constituição desses arquivos. Isto é
reafirmamos a necessidade de um olhar mais atento para as fontes de arquivos pessoais
das mulheres e a sua importância para a elaboração de um social mais dinâmico, fluido
e coerente na exploração das Histórias ao invés de uma oficial e abrangente.

Referências

JELIN, Elisabeth. Los trabajos de la memoria. Buenos Aires: Siglo XXI Editora
Iberoamericana; Nueva York: Social ScienceResearchCouncil, 2002. pp. 1- 78.

692
PEDRO, Joana. Relações de Gênero como categoria transversal na historiografia
contemporânea. Topoi, v. 12, n.22, jan-jun. 2011, p. 270 -283.

PERROT, Michele. Práticas da memória feminina. In: As mulheres ou os silêncios da


história. Bauru, SP: EDUSC, 2005, p. 33-43.

PERROT, Michele, Minha História das Mulheres. – 2º Ed., 1ª .reimpressão – São


Paulo: Contexto, 2013.

PERROT, Michele, Introdução. In: História da vida privada: Da revolução Francesa a


Primeira Guerra. São Paulo: Companhia das letras, 1993, p. 1-13.

SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo:
Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.

STADNIKY, Hilda Pivaro. Sob a égide da intimidade: a textualização do tempo vivido.


In: PERARO, Maria Adenir e BORGES, Fernando Tadeu de Miranda (Orgs.). Mulheres
e famílias no Brasil. Cuiabá, MT: Carlini&Caniato, 2005. p. 339-364.

693
LIVROS DIDÁTICOS PARA O ENSINO DE
HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA E
INDÍGENA: INSTRUMENTO NECESSÁRIO PARA
A APLICAÇÃO DE LEIS FEDERAIS
Ubiraci Gonçalves dos Santos

Introdução

As Leis 10.639/03, 11.645/08 e 12.288/10, são simbolicamente uma correção do estado


brasileiro pelo débito histórico em políticas públicas em especiais para a população
negra e indígena. Neste contexto, a publicação de livros didáticos pertinentes a História
da África, Cultura Afrobrasileira e indígena, para o Ensino Fundamental I, torna-se uma
alternativa eficaz para o ensino-aprendizagem nas escolas públicas e particulares sobre
o ensino das relações étnicos e raciais. Visto que a docência tem questionado em órgãos
públicos sobre a carência de livros didáticos para a efetivação das leis supracitadas.

Portanto, este artigo traz uma experiência inédita no Estado da Bahia sobre a elaboração
de livros didáticos que tratam da História da África, Cultura Afrobrasileira e Indígena.
Com objetivo de colaborar com o estabelecido na Constituição Federal nos seus Art. 5º,
I, Art. 210, Art. 206, I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art. 26, 26
A e 79 B na Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB.

Aspectos históricos, educação, cultura e cidadania

Para entender a história da educação brasileira, o ponto de partida foi à chegada dos
portugueses ao Brasil, onde se evidenciou a imposição da educação europeia em nosso
país. Inicialmente as práticas educacionais das populações indígenas foram ignoradas e
posteriormente dos africanos, sendo estes sequestrados e trazidos à força para o Brasil.
Mas com o passar do tempo, inúmeras mobilizações por parte de representações dos
movimentos negros e demais seguimentos da sociedade empenhada na implantação de
ações afirmativas para atingir de fato a igualdade de direitos para todos, dessa forma
Figueiredo (2007, p.117) lembra que:

Durante o século XX intensificam-se as reivindicações e as demandas por


educação pelos afro-brasileiros, através de suas organizações e
representações políticas, intelectuais e culturais. Um dos grandes apelos à
educação dos negros no Brasil veio a Frente Brasileira, a mais importante
entidade negra da época, por sua duração, ações concretas realizadas e pela
presença em diferentes estados brasileiros. [...].

Diante do exposto, o marco do século XXI sobre o avanço da política educacional


brasileira, foi à realização do ato público do então presidente da Republica Federativa
do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva em sancionar a lei 10.639/03 e depois a lei
694
complementar, 11.645/08, ambas tratam da inserção na educação brasileira da história
dos verdadeiros protagonistas dela. Mas não devemos esquecer de que:

[...] a promulgação da lei 10.639/03 altera a LDB, incluindo o artigo 26-A, o


qual torna obrigatória a temática história e cultura afro-brasileira no
currículo oficial da rede de ensino, e, ainda, o artigo 79-B, que estabelece
para o calendário escolar o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da
Consciência Negra. (SOUZA e CROSO, 2007, p.20).

Para inicio de conversa, as leis referem-se a diversas temáticas para serem aplicadas nas
disciplinas de Educação Artística, Literatura e História Brasileira, dentre outras. Ou
seja, às Leis 10.639/03 e a 11.645/08 são representadas por temáticas, onde a utilização
dos livros didáticos que trata este artigo necessita serem trabalhados em sala de aula
pelo educador/a nas inúmeras disciplinas definidas pela Lei Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB).

Dessas temáticas podem ser destacadas, a História da África e dos Africanos, a luta dos
negros e dos índios no Brasil, a culinária, as datas comemorativas do calendário
afrobrasileiro, a dança, a capoeira dentre outros aspectos. Neste contexto, segundo
Pereira, (2008, p.8) comenta que: “[...] a inclusão dos valores culturais afro-brasileiros
nos currículos escolares representa o reconhecimento de uma dívida da sociedade para
com os africanos e seus descendentes [...]”.

Assim sendo, Pereira (2008, p.8) nos alerta: “[...] os educadores se deparam com um
grande desafio que decorre da necessidade de se desfazer os equívocos que deturpam as
culturas de origem africana nas áreas onde desenvolveram relações de trabalho escravo
[...]”. Neste sentido, vale ressaltar que esta questão é notória. Deste modo, Silva (2004,
p.25) através de sua pesquisa sobre a presença do negro em livros didáticos, sendo a
maioria das vezes de forma pejorativa, ela comenta que:

O primeiro desses trabalhos analisou seis livros didáticos, investigando o


ideal de realidade que autores pretendem incutir nos seus leitores. Nesses
livros, Esmeralda V. Negrão identificou a representação do negro em
situação social inferior a do branco, personagens negros tratados com
desprezo, bem como a representação da raça branca como sendo a mais bela
e a mais inteligente.

Nesta perspectiva, frente a esta situação Gomes (1996, p. 88) explica que o processo de
construção da identidade "[...] é um dos fatores determinantes da visão de mundo, da
representação de si mesmo e do outro". Neste contexto, dois ativistas do movimento
negro brasileiro trazem informações abaixo do ser negro, índio e branco no Brasil, visto
que ainda fica evidente a confusão entre as pessoas para a definição dessas três etnias
que de certa forma contribuíram para a construção do legado histórico do Brasil.

Os negros brasileiros de hoje são descendentes de africanos que foram


trazidos para o Brasil pelo tráfico negreiro. Muitos deles são mestiços
resultantes da miscigenação entre negros e brancos, negros e índios. No
censo brasileiro, os mestiços são classificados como pardos, mas alguns

695
deles, por decisão política ou ideológica se consideram negros ou
afrodescendentes. (MUNANGA e GOMES, 2004, p.18)

Então, dando continuidade a linha de raciocínio, pertinente à contextualização da


formação da sociedade brasileira no que tange aos aspectos desempenhados pela
população negra como processo de resistência. Nas Diretrizes Curriculares de Inclusão
da Educação Étnico-Raciais de Salvador, (2005, p.24) afirma que:

Os diferentes grupos africanos escravizados no Brasil, no período colonial,


assumiram formas de lutas diversificadas, que foram herdadas por
sucessivas gerações até a queda do escravismo. O quilombismo, as revoltas,
a reinvenção de religiões de matriz africana foram expressões da ação
política e da busca de re-humanização dos povos negros.

É importante salientar que a maior parte desses acontecimentos históricos ocorreu na


Bahia, pelo fato da cidade do Salvador ter sido a primeira capital do Brasil. Mas na
Carta Magna da Bahia (1989, p.114-115) no Art. 288 e Parágrafo 3º do Art. 291,
respectivamente, tratam no Estado sobre ações afirmativas para a educação do povo
negro e indígenas. Informa-nos que:

“A rede estadual de ensino e os cursos de formação e aperfeiçoamento do servidor


publico civil e militar incluirão em seus programas disciplina que valorize a
participação do negro na formação histórica da sociedade brasileira”. [...] Será incluído
no currículo das escolas públicas e privadas, de 1º e 2º graus, o estudo da cultura e
história do Índio”.

Aliás, em uma publicação recente da professora Ana Célia Silva, ela chama atenção que
nos últimos anos houve uma evolução no que diz respeito à inclusão da temática étnico
e racial em publicações de livros didáticos e paradidáticos, e consequentemente
eliminando a ideia de subalternidade que o negro e indígena apareciam em quase cem
por cento das publicações de editoras tradicionais.

Eles apresentaram transformações da representação social do negro tanto


nos seus textos quanto em suas ilustrações. Neles, os personagens aparecem,
ilustrados com status econômico de classe média, com constelação familiar,
crianças praticando atividades de lazer, em interação com crianças de outras
raças/etnias, com nome próprio, sem aspecto caricatural e frequentando a
escola; adultos negros exercendo funções e papéis diversificados, descritos
como cidadãos, interagindo com pessoas de outras raças/etnias sem
subalternidade, entre outras transformações. (SILVA, 2011, p.1).

A mesma autora atribui a mudança de paradigma as diversas leis que foram


implementadas em nosso País sobre a questão étnico e racial. Em consonância com a
política de controle social adotada e exercida pelos movimentos negros e demais
seguimentos sociais. Dessa maneira vale ressaltar que:

As leis e as normas que instituem a discriminação racial como crime, tal


como o Art.º 5º da Constituição Federal de 1988, a criação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais pelo Ministério da Educação e do Desporto e
696
Secretaria de Ensino Fundamental, em 1998, assim como as recomendações
de algumas editoras, tal como a FTD, no sentido de não veicular
estereótipos em relação às diferenças étnico-culturais entre outras, nos
textos e ilustrações dos livros didáticos, constituíram-se em fator
determinante de transformação da representação social do negro. (SILVA,
2011, p.1).

É preciso lembrar que no ensino da História da África, Cultura Afrobrasileira e Indígena


além dos livros didáticos e paradidáticos, existem também os livros de Educação de
Jovens e Adultos – EJA e a modalidade de ensino chamada de transdidáticos. O que
caracteriza livro didático: é um livro de caráter pedagógico que tratam de diversos
assuntos, contém obrigatoriamente exercícios e a cada capítulo possui uma culminância
e apresentam gravuras de acordo a sua faixa etária. Já os livros paradidáticos tratam
geralmente de uma temática; sem obrigação de possuir exercício, e tem como objetivo
de complementar os livros didáticos. Enquanto, o EJA é voltado para a alfabetização e
educação de adultos.

E por fim o transdidáticos é aquele que a criança participa da criação da história. As


palestras, oficinas, visitas guiadas aos terreiros de candomblés, monumentos históricos,
museus, aos blocos afros, afoxés, espaços quilombolas, indígenas, ribeirinhas, de
capoeira, reservas ambientais e outros também são considerados praticas transdidáticos
de ensino-aprendizado.

Diante da carência de publicações em nosso país de livros didáticos de História e


Cultura Afrobrasileira e Indígena, uma editora baiana acatou a ideia em suprir essa
demanda ao apresentar a coleção História e Cultura Afrobrasileira, para as Instituições
de Ensino do país. Esta coleção está alicerçada em temas transversais como: Ética,
Cidadania, Identidade Étnico e racial, Família, Valores, Equidade de Gênero, Meio
Ambiente, Acessibilidade, além do Calendário Afro-Indígena, no intuito de
instrumentalizar os estudantes enquanto seres culturais, históricos e, acima de tudo,
cidadãos conscientes do seu papel na sociedade.

A responsabilidade da coordenação pedagógica é analisar cuidadosamente o material


didático e emitir parecer técnico de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, isto porque a
política de produção de livros didáticos no Brasil advém de editoras tradicionais onde
nem sempre atendem aos asseios e necessidades das populações negras e indígenas
respectivamente.

Referências

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Formação de professoras/es de Escolas Comunitárias para Implementação da Lei
10.639/03: subsídio pedagógico. Salvador: UNEB, 2007. 20p.

697
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Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 1989. 128, [23]p.

BELLO, José Luiz de Paiva. História da educação no Brasil. Disponível em<


http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb01.htm>. Acesso em: 18 nov. de. 2011.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a


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brasileira e Africana. [Brasília]: [s.l], 2003. 151p.

_________. Lei n.° 11. 645, de 10 de março de 2008. Que estabelece as diretrizes e
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GOMES, Nilma Lino. Educação cidadã, etnia e raça: o trato pedagógico da diversidade.
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MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. Para entender o negro no Brasil de


hoje: história, realidades, problemas e caminhos. São Paulo: Global; Ação Educativa,
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Disponível em:< http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0,,OI5226350-
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Acesso em: 15 nov. de 2011.

PEREIRA, Edmilson de Almeida. Valores culturais afrodescendentes na escola. São


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PREFEITURA MUNICIPAL DE SALVADOR. Diretrizes Curriculares para


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PREFEITURA MUNICIPAL DE LONDRINA. Disponível em:<


http://www1.londrina.pr.gov.br/index.php>. Acesso em: 19 nov. de 2011.

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Disponível em: < www.anped.org.br/reunioes/25/excedentes25/anaceliadasilvat21.rtf>.
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698
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São Paulo: Petrópolis: Ação Educativa, CEAFRO e CERT, 2007. 93p.

699
MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO (1889-
1937): (In) VISIBILIDADE NO ENSINO DE
HISTÓRIA
Valdenira Silva de Melo

Falar da História do Brasil dando ênfase a trajetória política negra é tarefa de poucos
docentes. A tendência é reproduzir um discurso “ocidentocêntrico” arraigado nas velhas
mentalidades e na tradicional formação acadêmica de professores e de professoras.

Romper com essa estrutura dominante, não é tarefa fácil, visto que requer do próprio
docente o despojar-se dos velhos conceitos e contribuir na sala de aula com uma história
menos excludente. Nos dizeres de Nilma Lino Gomes (2012), é necessário descolonizar
os currículos.

Dessa forma, este texto propõe uma reflexão sobre a atuação do Movimento Negro
Brasileiro (1889-1937), evidenciando sua organização de luta e suas estratégias de
inclusão social frente ao racismo pós-Abolição da escravidão no Brasil. Tema que
merece destaque nas aulas de História.

Para além dos Movimentos Sociais já conhecidos na Primeira República como a Guerra
de Canudos, a Guerra do Contestado, o Cangaço, a Revolta da Vacina, a Revolta da
Chibata, dentre outros que compõem o currículo escolar e são explícitos nos livros
didáticos, convém enfatizar a organização social e política do Movimento Negro nos
períodos de 1889-1937 na História do Brasil.

Contudo, como definir Movimento social? Segundo Gohn (2008, p. 131).

Consideramos um movimento social como a expressão máxima de um


Sujeito coletivo em ação. Os Sujeitos individuais têm seus pertencimentos,
suas experiências vivenciadas e seus projetos – que não são de ordem
pessoal no sentido intimista, de sua personalidade. São requerimentos de
sua existência como ser humano – gênero, raça, língua, nação, religião,
valores e tradições herdadas e adquiridas etc. Quando confrontados uns
com outros e quando relacionados por redes solidárias ou de pertencimento
cultural, estes sujeitos individuais constroem o sujeito coletivo.

Percebemos que a conceituação da expressão perpassa por anseios coletivos, pela


construção da própria identidade do grupo, apesar de estar envolvidos identidades
múltiplas, há de se considerar as ações coletivas pelas lutas em prol do todo ou da
maioria.

Nesse contexto, como então definir Movimento Negro? Conforme Domingues (2007, p.
101):

700
Movimento negro é a luta dos negros na perspectiva de resolver seus
problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos
preconceitos e das discriminações raciais, que os marginalizam no
mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e cultural
[...]”.

Diante do exposto percebemos que as ações coletivas do Movimento Negro explicitam


como tema central a questão racial e suas lutas pela igualdade social, e precisa ser
analisado a partir de sua conjuntura histórica. Na tentativa de articular uma mudança
coletiva da população negra no pós-Abolição da escravatura, vários “associações”
foram criadas no sentido de rever a situação marginal da população negra nesse período.

Para revelar a mobilização da população negra mostrando sua luta frente ao descaso
governamental, Domingues (2007, p. 103), enumera uma série de “clubes ou
associações” constituídas ao longo do período histórico pretendido para esse texto. São
elas:

Em São Paulo, apareceram o Club 13 de Maio dos Homens Pretos (1902),


o Centro Literário dos Homens de Cor (1903), a Sociedade Propugnadora
13 de Maio (1906), o Centro Cultural Henrique Dias (1908), a Sociedade
União Cívica dos Homens de Cor (1915), a Associação Protetora dos
Brasileiros Pretos(1917); no Rio de Janeiro, o Centro da Federação dos
Homens de Cor; em Pelotas/ RG, a Sociedade Progresso da Raça Africana
(1891); em Lages/SC, o Centro Cívico Cruz e Souza (1918). Em São
Paulo, a agremiação negra mais antiga desse período foi o Clube 28 de
Setembro, constituído em 1897. As maiores delas foram o Grupo
Dramático e Recreativo Kosmos e o Centro Cívico Palmares, fundados em
1908 e 1926, respectivamente

Essas informações referentes a trajetória de resistência do Movimento Negro precisam


romper os acervos acadêmicos e se fazerem presentes nas aulas de História como forma
de destacar essa articulação política dos negros contra o racismo e suas mobilizações de
protesto pela inclusão e reconhecimento desse grupo étnico na sociedade brasileira.
Ainda de acordo com o Domingues (2007), essas “associações negras” tinham
características “assistencialista, recreativa e/ou cultural”, porém ainda no decorrer do
período Republicano essas mobilizações vão se consolidando e tornando-se cada vez
mais politizadas.

Cabe destacar também, como os “homens de cor”, denominação utilizada na época para
referir-se aos negros, organizaram-se e criaram a “imprensa negra” para veicular
informações por eles elaboradas no sentido de divulgar seus ideias e seus interesses.

Como exemplos dessa “impressa alternativa” Domingues (2007, p. 104), destaca:

Em São Paulo, o primeiro desses jornais foi A Pátria, de 1899, tendo como
subtítulo Orgão dos Homens de Cor. Outros títulos também foram
publicados nessa cidade: O Combate, em 1912; O Menelick, em 1915; O
Bandeirante, em 1918; O Alfinete, em 1918; A Liberdade, em 1918; e A
Sentinela, em 1920. No município de Campinas, O Baluarte, em 1903, e O
701
Getulino, em 1923. Um dos principais jornais desse período foi o Clarim
da Alvorada, lançado em 1924, sob a direção de José Correia Leite e
Jayme Aguiar. Até 1930, contabiliza-se a existência de, pelo menos, 31
desses jornais circulando em São Paulo.

De acordo com a descrição de Domingues, podemos perceber a trajetória e o


amadurecimento político do Movimento e sua ousadia no sentido de resistir ao regime
excludente e ditatorial do período. Esse veículo de comunicação foi muito usado para
divulgar os descasos do governo e as mazelas da população negra e se tornou um forte
meio propagador dos ideais dos “homens de cor”.

No entanto, essa organização social e política do Movimento Negro Brasileiro não é


contemplado nos livros didáticos e nem os professores discutem no ambiente de sala de
aula essas articulações negras, no sentido de desmistificar a passividade negra enraizada
na mentalidade dos brasileiros.

Embora tenham surgido várias denominações negras, a que mais se destacou nesse
período foi a Frente Negra Brasileira (FNB), que se constitui como partido político em
1936. Porém influenciada pela conjuntura política internacional, não durou muito tempo
devido sua postura ideológica, conforme enfatiza Domingues (2007, p. 107):

[...] Sua principal liderança, Arlindo Veiga dos Santos, elogiava


publicamente o governo de Benedito Mussolini, na Itália, e Adolfo Hitler,
na Alemanha. O subtítulo do jornal A Voz da Raça também era
sintomático: “Deus, Pátria, Raça e Família”, diferenciando-se do principal
lema integralista (movimento de extrema direita brasileiro) apenas no
termo “Raça”. A FNB mantinha, inclusive, uma milícia, estruturada nos
moldes dos boinas verdes do fascismo italiano. [...] Com a instauração da
ditadura do “Estado Novo”, em 1937, a Frente Negra Brasileira, assim
como todas as demais organizações políticas, foi extinta. O movimento
negro, no bojo dos demais movimentos sociais, foi então esvaziado. [...]

Como podemos observar as produções acadêmicas sobre o Movimento Negro Brasileiro


enfatizam sua trajetória, suas articulações políticas e sociais e mostram uma história de
resistência que marca a primeira fase desse Movimento. Essas informações precisam
chegar a sala de aula e o docente historiador dar voz a esses sujeitos sociais que forjam
um novo cenário na História do Brasil Republicano. Espera-se, portanto, que esta
produção possa contribuir no sentido de fazer da invisibilidade histórica um campo
visível e possível para as novas discussões no Ensino de História acerca dessa temática.

Referências bibliográficas

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Movimentos Contemporâneos. In: BRUNELO, Leandro (Organizador). Ensino de
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703
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E SISTEMA DE
COTAS (COR/ETNIA) NO BRASIL ATUAL
Wilverson Rodrigo Silva de Melo

Introdução

O Art. 2º, inciso IV, § 3º da Orientação Normativa nº 3 de 1º de Agosto de 2016 da


Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho no Serviço Público do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), o qual delibera a eliminação
de candidatos pardos/pretos quando constatado a declaração de informações falsas.

Isto suscita muitos questionamentos, no sentido de aferir o que nos faz reconhecer o
“outro” como negro? Que traços e características podemos atribuir ao indivíduo de cor
parda/preto, pertencente a etnia negra? Seriam os aspectos fenotípicos?

Adentrando a discussão...

No Brasil de hoje, as características fenotípicas (tipos de cabelos, nariz, cor da pele,


lábios grossos, etc), ascendência familiar, pertencimento cultural e auto reconhecimento
parecem já não serem suficientes para a auto afirmação de identidade negra, como
também o reconhecimento disso entre os pares.

A Normativa do MPOG de Agosto de 2016, ao deliberar a etapa de Banca de aferição


de cor/etnia, desconstrói todas as noções de auto afirmação de identidade, deixando o
processo classificatório sob a tutela dos pares, os quais por meio de critérios subjetivos
podem reconhecer e eleger quem é mais negro/pardo e/ou negro/preto do que o outro. O
que demonstra um grande retrocesso e ataque aos direitos conquistados pelas pessoas
negras no Brasil – quase que uma nova forma de segregação racial entre negros.

No tocante a isto, é que o Art. 2º da Lei 12.990/2014 (Lei de Cotas em Concursos


Públicos) estabelece que “poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros
aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição do Concurso
Público (e aqui também se compreende como concursos públicos, os processos de
seleção de estudantes no nível superior – grifo meu), conforme o quesito cor ou raça
utilizado pelo IBGE”.

Com efeito, temos o seguinte silogismo: se a análise da possibilidade de os candidatos


concorrerem às vagas reservadas aos negros se rege pelos quesitos cor e/ou raça,
utilizados pelo IBGE e, se o IBGE utiliza apenas o sistema autodeclaratório, sequer
poderia existir procedimento de verificação da condição cor/etnia do candidato.

Ademais, o Estatuto da Igualdade Racial (2010) para evitar exclusões detrimentosas,


previu expressamente no Art. 1º, parágrafo único, inciso IV, que “[...] para efeito deste
704
Estatuto, considera-se população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram
pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo IBGE ou que adotam
autodefinição análoga”.

O racismo e a ideia de raça, no sentido biológico, também foram


considerados inaceitáveis [...] A intenção era enfatizar que os grupos
humanos não eram marcados por características biológicas herdadas de
seus ancestrais mas, sim, por processos históricos e culturais. Dessa forma,
etnia é o outro termo ou conceito usado para se referir ao pertencimento
ancestral e étnico/racial dos negros e outros grupos em nossa sociedade
(GOMES, 2005, p. 50).

Partindo de tais pressupostos e à luz das Ciências Jurídica, Histórica e Antropológica,


inferimos que os aspectos fenotípicos estão ligados diretamente a forma como o
indivíduo se vê, se auto declara e se auto reconhece. Ademais, como se já não bastasse o
processo de negação de identidade vivenciado e externalizado por muitos indivíduos,
agora têm-se o processo de negação de identidade externado pelos “outros” com base
em critérios subjetivos dos pares em Bancas de Aferição.

Segundo o Ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal ao pronunciar-se sobre a


exclusão de candidata afro-descendente da condição de cotista em concurso público, o
mesmo afirma:

Contudo, o que se exige do candidato é a condição de afrodescendente e


não a vivência anterior de situações que possam caracterizar racismo.
Portanto, entendo que a decisão administrativa carece de fundamentação,
pois não está baseada em qualquer critério objetivo [...] Considero que o
fato de alguém 'se sentir' ou não discriminado em função de sua raça é
critério de caráter muito subjetivo, que depende da experiência de toda
uma vida e até de características próprias da personalidade de cada um,
bem como do meio social em que vive. Por isso, não reconheço tal aspecto
como elemento apto a comprovar a raça de qualquer pessoa (DIAS
TOFFOLI, 2013).

A partir de tais premissas, defendemos que sem adequado respaldo em fundamentação


lógica e razoável, as verificações fenotípicas unilaterais das Bancas Examinadoras de
Aferição de Cor/Etnia em Concursos Públicos (e também em processos de seleção
estudantil), ao invés de proporcionar a devida inclusão social, causarão discriminação e
verdadeira subversão do sistema de cotas no Brasil, como também dos Direitos
Fundamentais assistidos àqueles que são negros, se autodeclaram como tais e, tem
pertencimento cultural e ascendência familiar negra.

Nesse sentido, afirmamos que o povo brasileiro é advindo de um grande e longo


processo de miscigenação cultural e étnico, tendo a diversidade cultural e fenotípica,
como aspecto visível. Logo, entendemos que a melhor forma de definir etnia/cor é por
meio da autodeclaração e autoreconhecimento fenotípico e étnico, pois grande é a
diversidade de etnias que formam a população brasileira e, nesse ínterim, não tem como
diferenciar ou distinguir quem é mais negro (pardo e preto) do que o outro, uma vez que
é por meio do processo de reelaboração cultural e reafirmação de identidade que:
705
[...] grupos sociais étnicos com tradições, cultura, língua e símbolos
comuns constroem sua subjetividade permitindo uma autoidentificação,
bem como serem identificados por outros grupos étnicos,
independentemente de uma consanguinidade, conforme Weber (1982) e
Siss (2003).

É inconcebível e retrógrado rotular e reconhecer os indivíduos como “pardos-pardos”,


“pardos-preto”, “preto-preto”, soa como um retorno as políticas e teorias raciais do
século XX que classificava os indivíduos com base no tamanho da caixa craniana,
dimensão da mandíbula, tipos de cabelos, características antropométricas e etc.

Considerações Finais

Em certo sentido, tais políticas do MPOG atendendo a ala mais radical do Movimento
Negro no Brasil, retroagem no processo de reconhecimento de cor e etnia, revisitando
nomenclaturas antigas de “moreno claro”, “moreno escuro”, “cafuzo”, ao assemelhar-se
as atuais de “pardos-pardos”, “pardos-preto”, “preto-preto”, causando instabilidade e
discriminação jurídica e identitária no seio da população brasileira.

(...) a diferença entre pretos e pardos no que diz respeito à obtenção de


vantagens sociais e outros importantes bens e benefícios (ou mesmo em
termos de exclusão dos seus direitos legais e legítimos é tão insignificante
estatisticamente que podemos agregá-los numa única categoria a de
negros, uma vez que o racismo no Brasil não faz distinção significativa
entre pretos e pardos, como se imagina no senso comum. (SANTOS, 2002,
p. 13)

A guisa de conclusão, se as discussões entorno do “mito da democracia racial” proposto


por Gilberto Freire no início do século XX tem tido ao longo dos anos grandes atenções
por pesquisadores e militantes das questões étnico-raciais no Brasil, agora estamos
vivenciando uma nova forma de “antidemocracial racial”, o que poderíamos alcunhar
como “Neo antidemocracia racial”, gestada dentro do Movimento Negro no Brasil,
estabelecendo discriminação e diferenciação fenotípica e identitária entre os indivíduos
pertencentes a etnia negra.

Que pese isto, a política “Neo antidemocracia racial” por meio das Bancas de Aferição
de cor/etnia nos Concursos públicos e processos seletivos de ingresso estudantil, propõe
que os indivíduos provem que são negros mediante marcadores de “pretura”, mostrar
que são mais pretos e negros que os demais candidatos, lançando por terra os avanços
históricos de autoafirmação, autodeclaração e autoreconhecimento mediante o
pertencimento cultural, o que mostra um grande retrocesso cultural e educacional,
trazendo perturbação mental e segregação étnico-racial dentro da etnia negra, em se
tratando do sistema de cotas para acesso ao nível superior, seja como estudante ou
trabalhador.

706
Referências

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10.639/03. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – Brasília:
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SERVIÇO PÚBLICO. ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 3, DE 1º DE AGOSTO
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SANTOS, Sales Augusto dos. Ação Afirmativa ou a Utopia Possível: O Perfil dos
Professores e dos Pós-Graduandos e a Opinião destes sobre Ações Afirmativas
para os Negros Ingressarem nos Cursos de Graduação da UnB. Relatório Final de
Pesquisa. Brasília: ANPEd/ 2° Concurso Negro e Educação, mimeo, 2002.

SISS, Ahyas. Afro-brasileiros, Cotas e Ação Afirmativa: razões históricas. Rio de


Janeiro: Quartet, 2003.

STF - ARE: 729611 RS, Relator: Min. DIAS TOFFOLI. Julgamento de Exclusão de
candidata afrodescendente em Banca de Aferição em Concurso Público. (Data de
Julgamento: 02/09/2013, DIVULG 06/09/2013 PUBLIC 09/09/2013).

WEBER, Max. Ensaios de sociologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: LTC Ed., 1982.

707
A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO
RACIAIS E O PAPEL DO ENSINO DE HISTÓRIA E
CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
Zilfran Varela Fontenele

Como resultado da Lei 10.639/2003, em 2004 foi aprovado pelo Conselho Nacional de
Educação – CNE as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro Brasileira e Africana - ERER
(BRASIL, 2013). Vale ressaltar, que, mesmo sendo resultado das conquistas alcançadas
com a Lei 10.639/2003 e enfatizar as questões ligadas à História e Cultura Africana, o
texto aborda questões indígenas e por analogia, estas diretrizes se aplicam a todas as
etnias. Apesar de a Lei 11.645/2008 ser posterior, estas orientações se aplicam à suas
demandas.

O documento traz orientações para a promoção de um ensino de História que possibilite


a garantia da inclusão afirmativa da História e Cultura Afro Brasileira e Indígena nos
currículos escolares.

Estas conquistas resultaram da mobilização e resistência de movimentos sociais de


negros e indígenas, mas também de mulheres e outros, que ganharam respaldo na
Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9394/1996.

As Diretrizes para a ERER (BRASIL, 2013) são destinadas aos diversos segmentos que
compõem os sistemas de ensino, públicos e privados, com a pretensão de dialogar
sobre:

[...] às relações étnico-raciais, ao reconhecimento e valorização da história e


cultura dos afro-brasileiros, à diversidade da nação brasileira, ao igual
direito à educação de qualidade, isto é, não apenas direito ao estudo, mas
também à formação para a cidadania responsável pela construção de uma
sociedade justa e democrática. (BRASIL, 2013, p. 497)

As Diretrizes para a ERER (BRASIL, 2013) têm como meta a garantia de que todos os
cidadãos, independentemente de sua ascendência étnica, tenham acesso à educação em
todos os níveis de ensino, em escolas com instalações adequadas e professores
qualificados para lidar com e evitar situações de racismo e discriminação, capazes de
conduzir, segundo estas diretrizes, a uma reeducação e reconstrução das relações entre
os diferentes grupos étnico-raciais que compõem a sociedade brasileira.

O parecer procura oferecer uma resposta, na área da educação, à demanda


da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas,
isto é, de políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua
história, cultura, identidade. Trata, de política curricular, fundada em
dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade
708
brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem
particularmente os negros. Nesta perspectiva, propõe a divulgação e
produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que
eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial –
descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de
asiáticos – para interagirem na construção de uma nação democrática, em
que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade
valorizada. (BRASIL, 2013, p. 498)

A demanda é por um ensino de História voltada para a interação de diferentes matrizes


culturais, fortalecendo as relações inter étnicas a partir do reconhecimento, incentivo ao
sentimento de pertença, diálogo, respeito e integração, necessários ao convívio
harmônico de cidadãos iguais que se respeitam em um ambiente democrático.

Ainda segundo as Diretrizes (BRASIL, 2013), existe uma demanda para que Estado e
sociedade ofereçam reparações aos danos psicológicos, econômicos, políticos,
educacionais e sociais sofridos por afro descendentes e indígenas, vítimas do sistema
escravista que funcionou no Brasil entre os períodos colonial e imperial e que mantém
sequelas em nossa sociedade. Estes danos foram causados também por políticas
públicas de incentivo ao “branqueamento” da população voltada a um suposto
desenvolvimento nacional, atribuindo atrasos econômicos e sociais no país à grande
quantidade de negros, indígenas e mestiços, impondo ainda a noção de que beleza,
inteligência, desenvolvimento e até mesmo de higiene, estavam associados aos brancos.

As sequelas mais graves destas construções históricas estão presentes no racismo


enraizado em concepções aparentemente naturais, como padrões de beleza associados a
cabelos lisos e claros, propagandas que colocam brancos com uma intensidade maior
que negros, ou brinquedos e bonecas que raramente não têm a cor clara.

Diante do exposto, observamos a necessidade de um ensino de História com o olhar


voltado para a diversidade e a inclusão, que supere temas tradicionais como diferenças
de classes motivadas por fatores étnicos, capacidades cognitivas diferenciadas ou
deficiências físicas e intelectuais relacionadas a questões de etnia. Faz-se mister levar
para a sala de aula um ensino de História que incentive a inclusão das diversidades
inerentes à realidade brasileira, não só no âmbito da etnicidade, mas em questões de
gênero, ideologias e religião.

Desta forma, especialmente através da LDB (Lei 9394/1996) e da Lei 11.645/2008,


busca-se um ensino que valoriza a diversidade presente na sociedade brasileira, pois
segundo Certeau (1994), o tempo presente demanda a necessidade de pensar uma
“cultura no plural”, considerando diferentes perspectivas, modos de vida e
compreensões diversas da realidade, por parâmetros muitas vezes opostos aos
dominantes e culturalmente enraizados. Esta realidade requer ainda um ensino de
História pautado na desconstrução do mito de uma democracia racial presente em obras
clássicas, como Casa Grande e Senzala (FREYRE, 2003), que, além de fomentar uma
concepção de miscigenação como instrumento de integração cultural, leva a uma
aparente aceitação da dominação associada a uma relação pacífica entre os grupos
sociais.

709
Atingir estes objetivos requer uma integração de diferentes setores da educação, com
destaque para a adoção de Projetos Político Pedagógicos – PPP que reflitam o
compromisso da escola com estas demandas, associado a um ensino de História que
possibilite aos alunos momentos de reflexão que permitam reconhecer a importância
dos diversos segmentos sociais na construção histórica e social do Brasil.

A construção de novas propostas pedagógicas para o ensino de história


deve, a nosso ver, fundamentar-se nessa concepção de escola como
instituição social, um lugar plural, onde se estabelecem relações sociais e
políticas, espaço social de transmissão e produção de saberes e valores
culturais. É o lugar onde se educa para a vida, onde se formam as novas
gerações para o exercício da cidadania. Por isso, fundamentalmente, é um
lugar de produção e socialização de saberes. (FONSECA, 2003, p. 101)

Este reconhecimento seria baseado na adoção de políticas educacionais e estratégias


pedagógicas direcionadas a um ensino de História que promova a valorização da
diversidade nos diferentes níveis de ensino; no questionamento, conforme Munanga
(2009, 2005), de relações étnicas baseadas em preconceitos que desqualificam negros,
indígenas e mestiços, através de estereótipos, palavras ou atitudes violentas e
depreciativas que evidenciem desigualdades na sociedade; valorização e divulgação de
processos de resistência desde a época colonial até a atualidade; compreensão dos
valores e lutas através da sensibilização ao sofrimento destes grupos e suas
descendências, resultados da escravidão, exclusão e preconceitos a que estiveram
historicamente submetidos; e a criação de condições para que negros, indígenas e
mestiços, possam frequentar os sistemas escolares e não sejam submetidos a rejeição ou
exclusão, não sendo desestimulados a prosseguir com seus projetos e sonhos, garantido
o direito de ver registradas e abordadas de maneira equânime as contribuições históricas
e culturais de seus antepassados.

Esta socialização de saberes deve ser caracterizada pelo diálogo entre as diversas
contribuições históricas ou de memórias, conforme Rocha (2014); e incentivo ao
respeito pelas diferenças, reconhecimento da igualdade em meio à pluralidade, em um
ambiente em que o professor atua como facilitador, incentivando a reflexão dos jovens,
e não mais como portador das verdades absolutas.

Desfazer esta mentalidade racista passa pelo reconhecimento de sua existência na


sociedade, na escola e nos próprios professores, superando o que Fernandes (2007)
define como “preconceito de ter preconceito”. Problematizar o racismo permite que tais
práticas sejam identificadas e evitadas. O ensino de História não deve negar aos
estudantes o conhecimento e a oportunidade de criticidade de práticas discriminatórias.

Cabe especialmente aos professores de História, reconhecer a dinâmica das mudanças


sociais no tempo e no espaço, se reconhecendo como parte integrante de um processo
dinâmico que exige que suas concepções sejam constantemente revistas e repensadas,
afim de evitar que suas práticas docentes se tornem reféns de ideologias, concepções e
práticas que se tornaram ineficazes na realidade em que estão inseridos, e que tem
mudado mais rapidamente e com mais intensidade nesta era da informação em que as
fronteiras do conhecimento são cada vez menores.

710
Um importante desafio neste sentido é a aproximação das universidades com a as
escolas, reduzindo os espaços entre a teoria e as práticas docentes, além da participação
cada vez mais efetiva dos professores na construção de currículos que “evidenciem as
contradições e conflitos existentes na escola e no mundo acadêmico, questiona e
desconstrói saberes históricos eurocêntricos que ainda hoje funcionam como orientação
estereotipada do negro e do índio”. (FERRAZ, 2011, p. 29)

Por fim, vale ressaltar que estas diretrizes possuem dimensões normativas e
orientadoras que visam oferecer referências e critérios para a implantação de ações
positivas, sem, contudo, estar fechadas em si, permitindo que estas orientações sejam
referências ou pontos de partida, mas que estão abertas a reformulações em caso de
necessidade, para um melhor cumprimento de seus fins. Além disto, segundo estas
diretrizes, o cumprimento da Lei não é atributo exclusivo do professor em sala de aula,
“devendo haver também o comprometimento solidário dos vários elos do sistema de
ensino brasileiro”. (BRASIL, 2013, p. 510)

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