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INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
- Kula: sistema comercial entre tribos de mesma raça (papua-melanésios orientais, ou
massim) que vivem nos arquipélagos da Nova Guiné e adjacências
- Malinowski reflete sobre a distribuição geográfica das populações da Nova Guiné em
seus aspectos de ocupação do território e relações inter-raciais em relação com as
próprias condições naturais do ambiente. Ou em outras palavras, como tais condições
podem ter determinado a ocupação do território em sua dinâmica de relações sociais
- papua designa as populações aborígenes de toda a ilha da Nova Guiné; papua-
melanésios (massim) corresponde à imigração melanésia na Nova Guiné que não se
miscigenou com os autóctones
- deste modo, a região ocidental da ilha, de difícil acesso, apresenta uma ocupação lenta
e gradual na qual provavelmente houve miscigenação entre diferentes etnias; por outro
lado, a região oriental onde vivem os massim possui um acesso facilitado pela ausência
de barreiras naturais como recifes e cadeias montanhosas que não dificulta o processo
de ocupação, que pode ter ocorrido de maneira mais imediata, apresentando por sua vez
uma população homogênea não miscigenada
- cultura kula e cultura massim: são sinônimos devido à esfera de influência do kula
abranger praticamente a mesma região etnográfica dos massim
- o autor estabelece, então, subdivisões das tribos do kula, tendo em vista seus aspectos
socioculturais comuns, caracterizando então os massim do norte e massim do sul
- Malinowski ressalta que seu relato sobre o kula é baseado sobre a perspectiva dos
nativos do distrito de Trobriand (massim do norte), dada a sua permanência mais
prolongada nesta região, permitindo se aprofundar na dinâmica social local
- contudo, consistindo o kula uma atividade intercomunitária cujos costumes e regras de
transações essenciais são os mesmos em todo o território que abrange, Malinowski não
deixa de considerar as características dos outros distritos étnicos sobre os quais pôde
travar contato e recolher informações
- o autor considera de importância especial no sistema kula os massim do sul e os Dobu
- Malinowski faz uma descrição pormenorizada de sua chegada ao território massim do
sul e de suas impressões sobre o local, ressaltando as condições e aspectos
naturais/geográficos em clara intersecção com a dinâmica social local
- ressalta características da organização habitacional tribal, costumes e adornos
corporais
- revela ainda aspectos sobre a autoridade tribal investida aos anciões, e princípios de
descendência e herança social matrilinear
- o oficio do artesanato está em clara ligação com o desenvolvimento comercial que se
dá mediante as grandes navegações que são empreendidas
- as cerimônias funerárias So’i desempenham importante influência nas transações
intertribais do kula
- saindo do distrito étnico compreendido pelos massim do sul, Malinowski ruma ao
ditrito de Dobu: “um dos elos mais importantes no circuito kula e centro de grande
influencia cultural” (: 42), com particularidades geográficas e etnográficas distintas dos
massim do sul
- território densamente povoado e de grande importância etnográfica
- forte influência comercial, industrial e cultural dos dobu sobre os massim
- a língua dobu é falada até mesmo pelos massim do norte
- a paisagem natural das ilhas Dobu é revestida de lendas e significados mitológicos,
terras de intensa transação intercultural
- o autor contrasta as características culturais dos dobu com as dos habitantes das ilhas
Trobriand e dos massim do sul
- aspectos como a organização das aldeias; constituição social; hierarquia; sistema de
parentesco em muito se assemelham aos massim do sul
- traço distintivo entre os dabu, em relação principalmente com os nativos de Trobriand:
a posição social da mulher na vida comunitária
- status elevado da mulher no tocante a seu domínio de rituais mágicos
- feitiçaria: instrumento de poder que está na mão das mulheres
- alta posição da mulher em sua associação com a liberdade sexual, que não se encaixa
na vida social dobu, onde tal liberdade não ocorre tão vivamente: em tribos vizinhas
existem formas cerimoniais e costumeiras de libertinagem
- feitiçaria: assunto de grande importância em todas as relações intertribais
- a feitiçaria dobu possui recursos simples voltados mais para o racional que ao
sobrenatural
- todos os feiticeiros da região massim são chamados Bara’u
- o kula é constituído por expedições intertribais cujos centros comerciais compreendem
as aldeias dobu, sócios diretos dos nativos de Trobriand
- a tradição mítica referendada aos acidentes geográficos torna-os importantes e
fundamentais pontos de parada das expedições marítimas, com costumes e tradições que
envolvem oferendas, sacrifícios e invocações rituais aos espíritos para um comércio
bem sucedido
- costumes e tradições, ideias e sentimentos subjacentes ao sistema kula
- Malinowski segue relatando superficialmente a expedição dos nativos de Trobriand
quando do seu retorno de dobu durante o kula, coletando a concha spondylus que serve
de matéria prima aos discos que constituem uma das principais fontes de riqueza nativa
- retomando: Malinowski faz sua descrição etnográfica baseada em sua própria
trajetória de aproximação junto aos grupos que participam do kula, iniciando pelos
massim do sul, passando pelos dobu até chegar aos nativos da ilha Trobiand, que
fornecem a maior parte dos dados de campo analisados pelo autor. Até o momento
explanou sobre trocas culturais entre os nativos de Trobriand e os dobu.
CAPÍTULO II
- o distrito etnográfico que compreende os nativos da ilha Trobriand possui
peculiaridades próprias e marcadamente distintivas às do restante dos papua-melanésios
- Malinowski relata sua chegada às ilhas Trobriand e suas impressões a respeito das
características geográficas do local, deveras “insalubre”: monótono, mar de águas
opacas e esverdeadas, bancos de areia estéreis e varridos pelas águas, selva baixa,
espessa e emaranhada salpicada por aldeias estabelecidas numa praia de água lamacenta
e coberta por escória flutuante
- relata também as impressões no tocante ao contato com os nativos, sua reação perante
a chegada do antropólogo
- bem como as sensações e emoções do próprio pesquisador no momento de sua
chegada, dado o seu estranhamento perante aos costumes, comportamentos e aparência
dos nativos que lhe suscitam as mais distintas perspectivas e expectativas de pesquisa
- os fatos sociologicamente significativos como a feitiçaria, a rivalidade ou a vingança
são ocultos aos fatos triviais da vida cotidiana
- primeiras características notadas por Malinowski:
existência de classes e diferenciação social (autoridade do chefe perante a
tribo): fica evidente quem são os chefes e pessoas de alta posição social, cujo
comportamento característico é evidente
posição social das mulheres: familiaridade amistosa e agradável, com maneiras
de vestir distintivas às mulheres das demais tribos melanésias da Nova Guiné
- vida sexual: liberal, precoce e promíscua. “A castidade é uma virtude
desconhecida” (: 51)
- “licenciosidade sexual cerimonial”: ritos e cerimônias que incentivam e
valorização a iniciativa e libertinagem sexual feminina (e masculina), mas
principalmente feminina
- casamento: não constitui ato cerimonial público; a mulher simplesmente muda-
se para a casa do marido e tem liberdade total de “divórcio” e voltar à casa do
pai quando quiser
- posição de prestígio social e considerável influência pessoal, controlando
vários aspectos da vida comunitária
- ocupam posições instituídas na hierarquia social, merecedoras de todas as
reverências devidas
- descendência e herança matrilineares
- Malinowski está em busca, deste modo, dos padrões sociais que se revelam no
intercurso da vida cotidiana comunitária, que segue princípios sociológicos contidos aí
nas entrelinhas, nas profundezas ocultas dos costumes habituais: os enfeites e
ornamentos como insígnias da posição social; a existência de habitações especiais para
jovens solteiros; a grande importância que se dá à colheita do inhame;
- aldeia: unidade sociológica importante nas ilhas Trobriand – grupo coeso e primário
em relação ao distrito, em relação à própria dinâmica social como a autoridade, cultivo,
cerimônias, guerras e expedições comerciais
- as numerosas aldeias povoam densamente o território
- interesse etnográfico concentra-se nos campos de lavoura: inhame, taro e cana de
açúcar
interesses e ambições nativos: marcada produção de excedentes
dimensão não utilitária do trabalho agrícola: meticulosidade estética,
ornamentação dos campos, cerimônias de magia e obediência aos costumes
tribais
a magia surge como um elemento importante do trabalho agrícola
papel central na aldeia do feiticeiro agrícola, atrás do chefe e do médico
feiticeiro
posição hereditária por descendência matrilinear
cada estágio de trabalho na lavoura é inaugurado mediante uma série de ritos
mágicos
valor econômico da magia: o trabalho extra na lavoura destinado à produção de
excedentes é igualmente regulado pela magia do feiticeiro, que pode impor ainda
regras e tabus determinados
- algumas reflexões sobre a economia e o trabalho primitivos: segue princípios pouco
utilitaristas, divergentes do “mínimo esforço” e “satisfação das necessidades pessoais”
- espírito de competição quanto ao maior rendimento de trabalho
- o produto da colheita é destinado uma parte à família da irmã e a outra ao chefe; o
restante para a subsistência
- a boa colheita traz prestígio social ao agricultor
- kayasa: exibição cerimonial e competitiva de alimentos que possui considerável
importância no kula
- o trabalho entre os nativos de Trobriand “é guiado primariamente não pelo desejo de
satisfazer suas necessidades vitais, mas sim por um complexo sistema de deveres e
obrigações, de forças tradicionais, de crenças mágicas, ambições sociais e vaidade.
Enquanto homem, ele deseja alcançar prestigio social como um bom lavrador e, de
maneira geral, como bom trabalhador” (: 57)
- a riqueza concedida ao chefe da aldeia se dá mediante o privilégio da poligamia,
quando os parentes de suas esposas devem por regra pagar-lhes tributos de suas
produções
- a posição de poder se dá mediante o direito em praticar a poligamia
- as aldeias tributárias para com o chefe ocupam tal posição devido às mulheres de
elevada posição social de cada uma dessas aldeias que ele toma para si
- a riqueza adquire importância singular na constituição da autoridade do chefe sobre a
tribo
- reconhecimento e prestígio de sua autoridade hierárquica
- o chefe desempenha importante papel no kula
- Malinowski faz uma descrição mais ou menos detalhada sobre a chefia e divisões
políticas nativas das ilhas Trobriand
- as instituições políticas nativas são essenciais ao entendimento do kula
- apesar da divisão política observada entre os grupos das ilhas Trobriand, permanece a
unidade cultural e linguística, as instituições, leis e regulamentos, crenças e convenções
- ou seja, os grupos do território de Trobriand distinguem-se somente do ponto de vista
político, mas não cultural
- comunidades independentes umas das outras
- “As diversas comunidades existentes no âmbito de cada distrito são bastante
independentes umas das outras. Cada aldeia tem um líder que a representa, seus
membros realizam o trabalho da lavoura em conjunto, orientados por seu próprio
feiticeiro agrícola; organizam suas próprias festas e cerimônias, pranteiam seus mortos
em comum e realizam, em memória deles, uma série interminável de distribuições de
alimentos. Em todos os assuntos importantes da tribo ou do distrito, os membros de
cada comunidade se mantém unidos e atuam como um grupo independente dos demais”
(: 63)
- princípio da posição hierárquica associada a divisões totêmicas: traço distintivo da
sociologia trobriandesa, desconhecido nas demais tribos papua-melanésias
- parentesco matrilinear:
sucessão na hierarquia
participação nos grupos sociais
herança dos bens materiais
tio materno: verdadeiro guardião, sendo uma relação permeada por deveres e
obrigações mútuos
identidade de substância (parensteco): somente com os parentes de mãe
não existe paternidade fisiológica
pai/filho (íntimo-afetivo) x tio materno/criança (lei da tradição)
“Em questão de herança, o pai dá aos filhos tudo o que pode – e isso ele faz
espontaneamente e com prazer. O tio materno sob a compulsão do costume, dá
ao sobrinho aquilo que não lhe é permitido reservar para os seus próprios filhos”
(: 64)
- aqui Malinowski dá uma quebra na narrativa e passa a falar sobre aspectos da magia
em Trobriand
- magia: tentativa de controle direto sobre as forças da natureza através de
conhecimentos especiais
- magia negra (feiticeiros e bruxas) e seres malévolos causadores de doenças
- os nativos de Trobriand acreditam que toda doença é atribuída à ação da feitiçaria
- magia: “força geradora de doença e morte” (: 67)
“A vítima então contrai uma ou outra das muitas doenças fatais catalogadas pelos
nativos, cada uma delas caracterizada por uma sintomatologia própria e uma etiologia
mágica” (: 66)
- depois da morte, os espíritos migram para o monte Tuma, retornando anualmente para
participar do milamala, uma grande festa anual de oferendas aos mortos
- a feitiçaria constitui um dos meios através dos quais a ordem estabelecida se mantém,
ao mesmo tempo em que é reforçada por ela
- a magia negra possui outros agentes além dos feiticeiros, como as bruxas e entidades
sobrenaturais, cada um deles estando associados a tipos de enfermidades específicas
- a magia é um fator fundamental na vida dos nativos: a lavoura, atividades econômicas,
o amor, artesanato
- o kula é compreendido aí como um sistema mágico
- resumindo, até aqui Malinowski tentou fazer um esboço das crenças e costumes da
vida nativa, numa claro propósito de pontuar tais elementos em suas associações com o
kula
- Malinowski ressalta, então, mais algumas ilhas de importância especial no circuito
kula, situadas no distrito dos massim setentrionais
- ilha de Kitava: terra prometida do kula para uma parte dos trobriandeses orientais,
assim como é dobu para os nativos do sul de Trobriand
- mas diferente de dobu, os nativos de Kitava compartilham os mesmo traços culturais
que os trobriandeses
- as ilhas do leste onde se localiza Kitava possuem especial importância na economia de
importação de alguns produtos para Trobriand, como a pedra verde, com a qual se
fazem os machados cerimoniais
- uma diferença marcante entre os dois grupos se vê no cerimonial dos mortos,
intimamente associados com o kula. Esse tema será abordado mais à frente.
- até aqui, Malinowski procurou apresentar o “background etnográfico” do kula: a
descrição sobre as fisionomias próprias dos vários tipos nativos, suas terras e suas
culturas, focando nas ilhas de Trobriand; Amphlett; Dobu; e massim do sul.
CAPÍTULO III
- até aqui foi feita a descrição do cenário e dos atores. Na sequencia Malinowski se
propõe a descrever o espetáculo em si
- kula: forma de troca de caráter intertribal bastante amplo, envolvendo um extenso
circulo de ilhas que formam um circuito fechado
- tal circuito compreende uma rota que une uma ilha a outra ao norte e ao leste do
extremo oriental da Nova Guiné
- a troca, por sua vez, compreende somente dois artigos que viajam em direções opostas:
os colares soulava feitos das conchas vermelhas e, no sentido oposto (obrigatoriamente)
os braceletes mwali feitos de conchas brancas
- não se trata de uma simples troca, pois:
“cada movimento dos artigos do Kula, cada detalhe das transações é fixado e regulado
por uma série de regras e convenções tradicionais; alguns dos atos do Kula são
acompanhados de elaboradas cerimônias públicas e rituais mágicos” (: 71)
- as troca são realizadas por parceiros fixos que conformam um circuito fechado de
prestações e contraprestações
- “Uma vez no Kula, sempre no Kula”: os mwali e soulava jamais devem ser
conservados pelas pessoas por muito tempo, estando em constante circulação que
envolve as trocas entre os parceiros
- o principio acima se aplica tanto às pessoas quanto aos artigos
- aspecto central e fundamental do Kula: a troca cerimonial dos artigos um pelo outro
- para além das trocas cerimoniais de mwali e soulava, o Kula envolve uma série de
características e atividades secundárias inter-relacionadas e interdependentes, uma
multiplicidade de objetivos, vinculando uma considerável extensão geográfica que
abarca grande número de tribos, conformando uma instituição “enorme e
extraordinariamente complexa”. Tais atividades consistem:
comércio comum de produtos locais indispensáveis à economia
construção de canoas
cerimônias mortuárias
tabus preparatórios
- as leis, objetivos e esquemas subjacentes aos trabalhos que compreendem a instituição
do Kula não são, pelos nativos, explicitamente formulados. Ou seja, os nativos não
compreendem o esquema total de sua estrutura social, estando além de sua capacidade
mental a percepção de conjunto que envolve a instituição coletiva que emerge de suas
ações
- o nativo não tem visão do todo: para vê-lo é necessário um olhar “de fora”, do
observador que não integra este mesmo todo, possibilitando a formulação de
implicações sobre a organização de dada construção social e suas funções sociológicas
- cabe ao etnógrafo elaborar coerentemente a síntese sociológica que define a integração
de todos os detalhes observados
- Malinowski apresenta as tarefas do etnógrafo em campo que busca a percepção de
conjunto da estrutura social:
descobrir o significado oculto de certas atividades aparentemente incoerentes e
não correlacionadas
descobrir as leis e regras de todas as transações, de forma a distinguir em tais
atividades o que é constante e relevante do que é acidental e de pouca
importância
construir o quadro ou esquema total da grande instituição. Os dados
experimentais de um cientista, mesmo que ao alcance de todos, necessitam de
uma interpretação coerente e organizada
- compreender o Kula pressupõe um entendimento amplo do que seja “uma forma de
comércio primitivo”, pois que, não se trata de um mero escambo que constitui uma
modalidade precária de troca de bens vitais necessários à sobrevivência do homem, mas
sim, está enraizado em mitos, sustentado pelas leis da tradição e cingido por rituais
mágicos
- todas as transações do Kula são públicas e cerimoniais, regidas por regras bem
definidas
- o Kula se realiza periodicamente em datas pré-estabelecidas
- status fixo permanente no qual se baseia o Kula: parceria que une alguns milhares de
indivíduos de traços culturais os mais diversos
- deveres e privilégios mútuos que envolve o relacionamento intertribal
- mecanismo econômico das transações: possui uma forma de crédito que envolve
confiança mútua e honra comercial entre os parceiros
- não se realiza sob pressão das necessidades, visto que seu objetivo principal é a
permuta de artigos soulava e mwali, que não têm nenhuma utilidade prática fora a
ornamentação das pessoas em ocasiões especiais, festivas e cerimoniais, mas raramente
utilizados
- o Kula consiste na permuta interminavelmente repetida de dois artigos destinados à
ornamentação, uma ação que apesar de aparentemente simplória constitui o alicerce de
uma grande instituição intertribal associada a diversas outras atividades
- a força dos mitos, da magia e da tradição que construíram em torno do Kula formas
bem definidas de cerimônias e rituais atribuem grande valor e paixão dos nativos pelo
que seria uma simples permuta de objetos
- o objetivo da posse desses artigos não está deste modo, no uso. Qual o motivo, então,
de tanta importância e qual a finalidade destes objetos?
- da mesma forma que as joias da Coroa britânica, os artigos do Kula são possuídos pela
posse em si, cujo valor deve-se a um sentimentalismo histórico
“É a posse, aliada à glória e ao renome que ela propicia que constitui a principal fonte
de valor destes objetos” (: 76)
- os objetos encerram em si um valor histórico diretamente associado às tradições dos
nativos, constituindo insígnias de status social e símbolos de riqueza
- Malinowski concentra suas reflexões, até aqui, no fato de que os artigos do Kula são
valorizados não devido a seu valor de uso, mas sim a um valor sentimental e histórico
- a valorização de tais objetos deve-se também a forças psicológicas e atitudes mentais
comuns
- Malinowski se propõe, na sequencia, a explanar sobre os limites e regras associados às
transações que constituem o Kula
- sociologia da troca: as transações do Kula só podem ser executadas entre parceiros
- a quantidade de parceiros que uma pessoa possui está diretamente ligada à sua posição
social
- “A parceria no Kula é um dos laços especiais que unem os indivíduos numa relação
permanente de troca de presentes e mútua prestação de serviços, que são tão
característicos desses nativos.” (: 77)
- o parceiro é também um hospedeiro e aliado em “terras estranhas”, quando da viagem
em meio ao Kula
- temor da feitiçaria em terras estranhas
- regras, deveres e obrigações mútuas entre os parceiros
- além dos artigos próprios ao Kula, são trocados entre as tribos também seus traços
culturais, costumes, canções, artesanato, etc.
- vasto encadeamento de relações intertribais numa grande instituição que incorpora
milhares de pessoas
- o “sentido geográfico” das transações deve ser lealmente respeitado para não quebrar o
fluxo da troca
- termo circular do circuito Kula
- posse: relação econômica especial no sistema Kula, sendo por regra evitada e
censurada
- a posse temporária dos artigos traz renome
- os artigos do Kula são brilhantemente comparados por Malinowski aos troféus de
campeonatos, que indicam marcas de superioridade
- qual a atitude mental caracterizada pelos dispositivos sociais: orgulho pelo mérito
êxito ou mérito alcançado; satisfação e prazer pela posse de um troféu
- o êxito no Kula é atribuído a poderes mágicos individuais
- as regras do Kula limitam sua amplitude social e a direção das transações, bem como a
duração da posse dos objetos
- a troca não é efetuada diretamente: há um prazo entre o dar e o receber
- os prestações e contraprestações devem ser equivalentes
- atitude mental em relação à riqueza e valor é uma força operante para que os parceiros
sigam os termos da transação: convenções e restrições sociais ligadas à economia
primitiva
- convenções e restrições sociais (código social) ligadas ao plano econômico da vida
nativa: a riqueza como característica principal da dignidade social e virtude individual
- para os nativos possuir é dar
- a elevada posição social envolve obrigações de generosidade
- a generosidade é sinal da riqueza, e a avareza um vício abertamente desprezado
- “O princípio fundamental do código moral dos nativos neste assunto faz, pois, com
que o individuo contribua com seu quinhão justo nas transações do Kula, e, quanto mais
importante ele for, mais deseja sobressair-se por sua generosidade. [...] não existe
regateio nem tendência a lograr um individuo naquilo que por direito lhe cabe. Embora
por motivos diferentes, tanto o doador quanto o receptor concordam entusiasticamente
que o presente deve ser generoso. E então, é claro, há o fato importante de que o
indivíduo que é justo e generoso no Kula atrai para si maior fluxo de transações que o
indivíduo mesquinho (: 82)
- dois princípios mais importantes do Kula:
o Kula é um presente retribuído, após certo período de tempo, por meio de um
contrapresente, e não um escambo
cabe ao doador estabelecer a equivalência do contrapresente
- a troca deve ser realizada entre distritos separados por mares perigosos
- atividades preliminares que envolvem o preparativo:
construção das canoas
preparação do equipamento
aprovisionamento da expedição
etc
- são atividades subsidiárias ao Kula
- cerimoniais e rituais mágicos, e costumes afins que acompanham cada uma dessas
atividades
- há ainda o comércio secundário de bens
- a prioridade do Kula enquanto atividade mais importante na vida social está implícita
nas próprias instituições sociais: cerimônias, rituais mágicos, tudo direcionado ao Kula
- correta relação entre Kula principal/comércio subsidiário
- o Kula controla todas as outras atividades afins, como a construção de canoas e o
comércio
- o Kula é todo permeado de cerimoniais, regras e tabus referentes ao universo mágico
- há ainda uma “mitologia do Kula”- são as lendas e histórias ligadas a grandes feitos de
ancestrais míticos do Kula que possuíam grande domínio da magia para tal
- “comunidades kula”: se compõe de uma ou várias aldeias cujos nativos partem juntos
nas grandes expedições marítimas
- “O Kula então, consiste primeiro das pequenas transações internas dentro da
comunidade kula ou comunidades adjacentes e, segundo, das grandes expedições
marítimas nas quais a troca de artigos se verifica entre duas comunidades separadas pelo
mar” (: 85)
- no Kula há, então, as trocas internas e as trocas externas; estas últimas logicamente
muito mais dotadas de cerimônias públicas, rituais mágicos e praxes tradicionais,
envolvendo maiores preparativos e atividades preliminares para a expedição
- em síntese, a intenção de Malinowski até aqui foi apresentar uma noção geral da
instituição Kula: seus aspectos mais característicos, as regras mais notáveis
estabelecidas nos costumes, nas crenças e nos comportamentos dos nativos
- na sequência, pretende explicar o funcionamento desta instituição, como ela funciona,
descrevendo as manifestações reais das regras gerais estabelecidas in abstracto,
começando por apresentar os estágios preliminares do Kula nas ilhas Trobriand,
começando pela construção das canoas
CAPÍTULO IV
- Malinowski ressalta a importância em definir a “realidade etnográfica” da canoa, para
além de um mero elemento da cultura material, mas o que ela representa para o nativo:
usos e finalidades ligados à economia
as pessoas que usam
como usam
cerimônias e costumes ligados à sua construção
- em nota Malinowski deixa bem claro a disparidade tecnológica entre a primitiva canoa
trobriandesa e os modernos iates europeus, e o desprezo e pouca atenção dada dos
etnógrafos sobre tal objeto de considerável importância na vida social nativa que ocupa
lugar marcado nas nuanças mais sutis de seus pensamentos e sentimentos
- “o barco está envolto numa atmosfera de romance, construída de tradições e
experiências pessoais. É um objeto de culto e admiração, uma coisa viva que possui
personalidade própria” (: 87)
- a canoa está envolta pelas tradições locais, que lhe atribuem significações próprias
- atitude emocional das pessoas em relação às canoas: aí pode-se encontrar a realidade
etnográfica
- ou seja, a parte íntima, instintiva e emocional das pessoas deve ser objeto de estudo da
etnografia, devido à sua associação com os costumes, crenças e tradições culturais
- entender a atitude emocional (mental; psicológica) das pessoas em relação às canoas
pode ser uma via de acesso aos costumes e tradições ligados à sua construção, seu uso
- a interpretação mais intima do nativo a respeito de sua realidade por vezes difere das
impressões do etnógrafo. Porém, o domínio da língua nativa permite que as emoções
sejam compartilhadas, permitindo ao pesquisador uma percepção mais apuradas sobre
os fatos
- Malinowski faz a ressalva acima no sentido de fortalecer seu argumento a respeito da
admiração que as canoas exercem sobre os nativos, que se expressa marcadamente em
suas reações emocionais às diferenças de rapidez e velocidade, flutuação e estabilidade,
por exemplo
- a canoa é parte integrante da vida da aldeia, um dos aspectos mais típicos da vida
social
- características tecnológicas fundamentais (pormenores técnicos) da construção de uma
canoa
estabilidade
volume e profundidade do casco
OBJETIVOS CANOAS
navegação costeira que se faz na laguna canoas pequenas, leves e de fácil manejo
chamadas kewo’u
pesca canoas maiores próprias para uso no mar,
chamadas kalipoulo
navegação em alto-mar tipos ainda maiores com grande capacidade de
carga, maior deslocamento e construção mais
resistente, chamados masawa
CAPÍTULO V
- até aqui o autor pontuou a estreita ligação entre a construção de uma canoa marítima
(masawa) e os trâmites gerais do Kula.
- A construção e restauração das canoas ocorre em conexão direta com as datas
estabelecidas para a expedição e realização do Kula
- ou seja, o Kula consiste em uma cadeia de atividades sucessivas que se iniciam com a
construção da canoa, sendo, deste modo, o primeiro estágio do Kula
- um relato sobre o Kula que não abrange o processo construtivo das canoas está
incompleto
- os costumes e crenças que constituem a rotina da vida tribal são entremeados de um
mecanismo sociológico próprio cujo sistema de ideias são responsáveis por controlar o
trabalho e a magia
- sistemas de magia (rituais mágicos):
o mito da canoa voadora: garantir velocidade à canoa
exercícios de prevenção contra a feitiçaria
magia do Kula, baseada em seu próprio ciclo mitológico: embora executada
sobre a canoa, tem por finalidade o sucesso do toliwaga em suas transações
magia aos tokway, o espírito maligno das selvas
- os diferentes sistemas de magia se alternam de acordo com o estágio no qual o
processo construtivo da canoa se encontra: 1) a preparação e aquisição da matéria prima
necessária, da qual participam o construtor especialista, seus ajudantes e o toliwaga ou
2) o processo construtivo em si, realizado mediante intenso trabalho comunitário
- uma série de encantamentos são realizados para se afastar os maus espíritos que
habitam o tronco da canoa
- Malinowski faz uma descrição bem detalhada sobre os encantamentos realizados em
todos os estágios do processo construtivo da canoa
- interessante notar que a canoa partilha da natureza da bruxa voadora, conforme o mito
da canoa voadora que lhe garante velocidade
- magia do cipó: um dos rituais mais importantes na construção da canoa, vista a
importância do cipó utilizado na amarração das diversas partes que constituem a canoa,
oferecendo suficiente resistência às intempéries do ambiente as quais os navegadores
estarão submetidos em alto mar
- rituais mágicos:
dimensão cerimonial:
* no primeiro estágio de construção da canoa participam apenas o feiticeiro com
seus ajudantes, executados de maneira prosaica e direta, indicando a não
excepcionalidade do acontecimento no decurso da rotina de trabalho. Pouco
indicativo de uma cerimônia pública propriamente dita. A força do costume não
motiva a aldeia em geral em participar
* no segundo estágio há a presença dos membros da comunidade que ajudam na
obra, servindo de espectadores, mas cuja participação e força do costume
também pouco motiva a obrigatoriedade em estar presente, dependendo da
posição social do feiticeiro
rigor: alguns rituais são facultativos, enquanto há aqueles que devem ser por
regra realizados seguindo fielmente as tradições tribais, ocupando diferentes
graus de importância na mitologia e pensamento nativos, como se observa em
seus comportamentos e maneiras de se referir aos rituais. Ou seja, há aqueles
rituais de importância secundária
feitiços malignos e tabus violados:
- os rituais de exorcismo tem por finalidade combater a feitiçaria
- tabus referentes à canoa já construída
- o autor ressalta, ainda, a diversidade de tipos de canoas em cada distrito
- o presente capítulo resume-se, deste modo, à uma longa descrição dos procedimentos
mágicos realizados sobre a construção da canoa
CAPÍTULO XVII
- magia: importância primordial na vida social
- fórmulas mágicas: revelam a estrutura da mentalidade nativa, com suas crenças e
ideias típicas
- o autor se propõe neste capitulo a apresentar uma ideia geral e coerente a respeito dos
significados e sentidos que a magia representa para os nativos
- a magia governa os destinos humanos
- dominar as forças da natureza
- “a crença na magia é uma das principais forças psicológicas que possibilitam a
organização e sistematização dos esforços econômicos nas ilhas Trobriand” (: 290)
- enorme difusão e extrema importância da magia, principalmente quando estão em jogo
interesses vitais; paixões e emoções; etc.
- Malinowski está em busca da ideia essencial de magia, o verdadeiro fundamento da
crença que corresponde às ideias mais gerais que formam a base de uma série de
práticas e de um corpo de tradições
- os pressupostos fundamentais da magia são aceitos implicitamente pelos nativos
- “o etnógrafo deve alcançar a generalização por si mesmo e formular o principio
abstrato sem a ajuda direta de um informante nativo” (: 291)
- uma ideia da totalidade das crenças nativas deve ser formulada a partir dos dados
indiretos coletados pelo pesquisador, como os pormenores e opiniões espontâneas que
se manifestam no decorrer da vida cotidiana, cuja síntese em uma fórmula abstrata cabe
ao etnógrafo
- outra fonte de dados ainda melhor: itens objetivos da cultura nos quais a crença se
cristalizou sob a forma de tradição, mito, encantamento e rito
“Neles podemos nos defrontar com as mesmas realidades da crença com que o nativo se
defronta em sua relação intima com a magia, realidade que ele não só professa
verbalmente, mas vive integralmente, em parte através da imaginação, em parte pela
experiência real [...] tudo isso nos revela não só a estrutura básica de suas ideias sobre
a magia, mas também os sentimentos e emoções correspondentes e a natureza da magia
como força social” (: 291, grifos meus)
- a partir dos dados objetivos que correspondem às atitudes dos nativos a respeito da
magia pode-se formular uma teoria geral da magia
- ou seja, ao etnógrafo cabe testar as generalidades abstratas que formulou traduzindo-as
nas aplicações concretas e modos nativos de pensar
- o etnógrafo chega a aspectos da natureza humana encobertos para aqueles com os
quais os fenômenos ocorreram
- “as generalizações da sociologia etnográfica também são empíricas porque, embora só
afirmadas expressamente pelo investigador, são, todavia, realidades objetivas do
comportamento, do sentimento e do pensamento humano” (: 291, grifos meus)
- como se originou sua magia para os nativos?
- perguntas diretas ao nativo como “onde foi criada a sua magia?” ou “como você
imagina que sua magia foi inventada” são em vão
- um exame sobre a mitologia das diversas formas de magia pode revelar ideias sobre o
modo como a magia se tornou conhecida para o homem
- o registro e comparação entre essas ideias conduz às generalizações buscadas pelo
etnógrafo
- “de acordo com a crença nativa, enraizada em todas as tradições e instituições, nunca
se concebe a magia como tendo sido criada ou inventada. A magia foi transmitida como
algo que sempre existiu. É concebida como um ingrediente intrínseco de tudo que afeta
vitalmente o homem” (: 292)
- “para os nativos, os mitos não procuram explicar como a magia foi criada, mas sim
como a magia foi colocada ao alcance de um ou outro dos grupos locais ou subclãs de
Boyowa” (: 293)
- “assim, ao formular uma generalização a partir de todos esses dados, pode-se dizer que
a magia nunca é inventada. Antigamente, quando as coisas míticas aconteceram, a
magia surgiu do subsolo ou foi dada a um homem por um ser não humano, ou foi
transmitida aos descendentes pelo ancestral original, que também produziu o fenômeno
governado pela magia” (: 293)
- deste modo, por exemplo, o ancestral mítico que produziu o fenômeno da chuva pode
ser considerado o responsável por transmitir a magia e fórmulas mágicas aos membros
do clã, em tempos míticos
- “na própria essência da magia está a impossibilidade de ter sido fabricada ou inventada
pelo homem, sua completa resistência a qualquer mudança ou modificações feita por
ele. A magia existiu desde o principio das coisas; ela cria, mas nunca é criada; ela
modifica, mas nunca deve ser modificada” (: 293)
- a magia é um atributo dos processos e atividades da vida social
- é mediante a tradição mítica que se aprende a magia
- a magia tem suas raízes e é o aspecto mais imutável e valioso da tradição
- a magia é por regra recebida das gerações anteriores, cuja continuidade jamais pode
ser quebrada
- sonhos e contatos sobrenaturais com os espíritos jamais podem ser uma via de acesso
ao aprendizado da magia, sendo considerado um caso de invencionice
- a magia é a afirmação do poder intrínseco do homem sobre a natureza
- a magia está na posse do homem
- concepção antropocêntrica da magia: associação sociológica da magia com um certo
subclã
- “De fato, na maioria dos casos, a magia se refere a atividades humanas ou à resposta
da natureza às atividades humanas, mais do que às forças da natureza em si” (: 294)
- a magia consiste, ainda, no poder do homem sobre suas próprias criações, como a
magia da canoa, por exemplo
- relação entre magia e mito: a magia como “a essência da continuidade tradicional com
as épocas ancestrais” (: 294)
- a magia é idêntica ao poder sobrenatural que constitui a atmosfera dos eventos míticos
- “os nativos pouco conhecem e pouco se preocupam com as origens da magia e o
mesmo ocorre com relação às origens do mundo. Seus mitos descrevem a origem das
instituições sociais e o povoamento do mundo pelos homens. Mas o mundo é
considerado como algo dado, e assim também a magia. Eles não fazem perguntas sobre
magiogonia, assim como não fazem sobre cosmogonia” (: 295)
- o autor está em busca dos significados que a magia possui para os nativos
- uma análise sobre a execução da magia pode revelar, mais do que os mitos, aspectos
de sua natureza
- três aspectos essenciais da execução da magia:
fórmula: palavras faladas ou cantadas
- componente mais importante da magia
- mantida em segredo, de domínio esotérico dos praticantes
- somente a fórmula tem que ser ensinada
- verdadeira força da magia
rito: ações realizadas
- domínio público
- são bem simples em relação à elaboração complexa das fórmulas
condição do executor: presença do mestre de cerimônia
- tanto a condição do feiticeiro quanto o rito são subordinados à fórmula mágica
- relação entre fórmula e rito: há os encantamentos pronunciados diretamente sem ritos
correspondentes; acompanhados por ritos simples; acompanhados por ritos de
transferência; e acompanhados por oferendas e invocações
- fórmula: virtude, força e principio efetivo da magia
- o rito serve para conduzir ou transferir o poder da fórmula ao objeto encantado
- ou seja, a força do encantamento é conduzido de diversas formas ao objeto
- o lugar que as fórmulas ocupam nos encantamentos mágicos está associado com a
psicofisiologia dos nativos de Trobriand
- a mente situa-se na laringe, ou seja, a capacidade da fala corresponde à inteligência,
qualidades morais e capacidade para se aprender as fórmulas mágicas
- na memória ficam armazenadas as fórmulas e tradições orais, situando-se, por sua vez,
no abdômen (barriga)
- ou seja, a magia é carregada na barriga, no abdômen
- “a força da magia, cristalizada nas fórmulas mágicas, é carregada pelos homens da
geração presente em seus próprios corpos. Eles são o receptáculo do legado mais
valioso do passado. A força da magia não reside nas coisas; ela está dentro do homem e
só pode escapar através da voz” (: 299)
- executante do rito: seu ventre é um tabernáculo de força mágica, constituindo um
privilégio que acarreta perigos e obrigações
- restrições alimentares devido ao valor da barriga
- os próprios encantamentos impõem tais restrições
- “o comportamento adequado do feiticeiro é um dos elementos essenciais da magia, e
em muitos casos este comportamento é ditado pelo conteúdo do encantamento” (: 300)
- condições do executor: tabus, prescrições e, mais importante, a sua qualidade de
membro de um grupo social, dada a relevância de sua descendência em relação ao
possuidor mítico e original da magia
- ou seja, importante a posição do executor dentro da genealogia do antepassado original
- ou seja, o cargo do feiticeiro é hereditário e associado à localidade
- prestígio de grupos locais enquanto especialistas e conhecedores principais de
determinada magia especifica
- a magia do Kula, por exemplo, apesar de difundida amplamente, é associada a
localidades definidas
- “para sintetizar estas observações sociológicas, podemos dizer que onde ainda se
mantém o caráter local da magia, o feiticeiro deve pertencer ao dala (subclã ou grupo
local) do antepassado mítico. Em todos os outros casos o caráter local da magia é ainda
reconhecido, embora não influencie a sociologia do feiticeiro” (: 300)
- ou seja, aqui o autor fala sobre o caráter tradicional da magia e a filiação mágica do
executante
- o repertório mágico apresenta várias subdivisões, dependendo de sua natureza: o
vento, a pesca, a agricultura, caça, virtudes como a coragem...
- há a magia sistemática e a independente: a primeira corresponde a uma sequencia de
ritos e fórmulas que jamais podem ser realizados isoladamente, apresentando uma
ordem determinada, enquanto a segunda pode ser executada livremente para o controle
das forças da natureza em uma situação-limite, por exemplo
- “o trabalho necessita da magia, e a magia só tem sentido como ingrediente
indispensável do trabalho” (: 302)
- cada sistema de magia possui sua genealogia mitológica relacionada à um caráter
local
- contudo muitos ritos mágicos se estendem para fora do domínio local onde se
desenvolveram, muito embora a filiação mágica continue valorizada
- um sistema de magia é um conjunto de fórmulas mágicas que formam uma série
consecutiva
- a magia estabelece uma ponte entre o mundo supranormal do mito e os acontecimentos
normais e rotineiros do presente
- os espíritos são conselheiros e assistentes do executante, atuando como guardiães da
tradição, pois ficam zangados quando algum ato é realizado fora dela
- porém não interferem diretamente no trabalho
- os espíritos ajudam o feiticeiro a lidar da maneira mais adequada com as forças
mágicas, mas jamais lhe servem de instrumento
- caráter cerimonial da magia:
assistência do público
observância de regras definidas de comportamento
- aspecto econômico da magia: a transmissão da magia por meio da compra
- pode-se comprar de um parente materno (pokala) ou de um estrangeiro (laga)
- o feiticeiro pode, ainda, receber um pagamento por seus serviços no estrangeiro
- o poder da magia é “uma propriedade inerente a certas palavras [sua fórmula],
pronunciadas juntamente com a realização de certas ações, por uma pessoa que está
qualificada a fazê-lo devido a suas tradições sociais e à observância de certas
prescrições. As palavras e atos têm este poder em si mesmos, e sua ação é direta, não
havendo agentes intermediários. Seu poder não deriva da autoridade de espíritos ou
demônios, ou de quaisquer outros seres sobrenaturais. [...] A crença no poder das
palavras e ritos como uma força fundamental e irredutível é o dogma básico do credo
mágico desses nativos.” (: 308)
- como agem as palavras e ritos mágicos? Questiona Malinowski.
- a resposta para tal pergunta pode ser encontrada mediante a comparação entre
diferentes fórmulas e ritos
- e propõe um aprofundamento com o auxilio da análise linguística
CAPÍTULO XVIII
- começa por delinear o objetivo do capitulo: realizar uma análise linguística de
diferentes fórmulas mágicas de modo a mostrar que espécie de palavras são
consideradas como exercendo poder mágico
- uma vez que se pode verificar as ideias e regras morais predominantes numa
sociedade pela análise do comportamento humano; ou que um estudo apurado sobre
os ritos pode revelar aspectos das crenças e dogmas mais gerais; da mesma forma
mediante uma análise sobre as “expressões verbais diretas de certos modos de pensar”
contidas nas fórmulas mágicas pode-se pressupor que tais modos de pensar (o
pensamento) orienta as pessoas que moldam tais expressões
- ou seja, a palavra seria uma expressão verbal do pensamento
- em outras palavras, a palavra é um veículo do pensamento
- sobre as palavras utilizadas nas fórmulas mágicas: permite codificar os princípios que
governam o uso da linguagem
identificar as palavras que exercem poder mágico nas diferentes fórmulas mágicas
pronunciadas
- ou seja, a palavra constitui uma expressão direta do pensamento
- o autor reflete sobre a “relação entre um modo típico de pensar em uma sociedade e
seus resultados fixos e cristalizados” (: 309)
- o encantamento não é criação de um único homem, uma vez sua transmissão através
das gerações através da tradição oral
- cada feiticeiro deixa sua marca pessoal no encantamento, que vai sempre se
remodelando
- mas, conforme deixa claro, Malinowski busca pelas regularidades, os aspectos
típicos das fórmulas mágicas, que podem ser encontrados na atitude geral comum a
todos os portadores sucessivos acerca de questões de crença mágica
- o autor está em busca dos traços característicos da magia verbal, detalhando os
detalhes técnicos de linguística analisados em cada fórmula
- o autor transcreve uma fórmula da magia da canoa na língua nativa e sua tradução
literal para o inglês
- esta fórmula é o encantamento wayugo
- dificuldades na tradução:
expressões obsoletas: algumas palavras são arcaísmos, nomes míticos e
compostos estranhos que não pertencem à fala corrente
* “assim, a primeira tarefa é elucidar as expressões obsoletas, as referências
míticas, e encontrar os equivalentes atuais de todas as palavras arcaicas” (: 312)
ordem mágica de pensar: a estrutura textual própria à fórmula atribui a cada
termo e seus significados sentidos mais amplos que só podem ser
compreendidos em relação aos objetivos da magia
* ligar entre si os significados correspondes a cada termo do texto original, de
modo a decifrar a “ordem mágica de concatenações verbais”
- o autor propõe apresentar os aspectos linguísticos de um encantamento
- a palavra vibra com força mágica: o autor vai apresentando as estórias das palavras, a
quais mitos estão associadas, o contexto mágico – com seus objetivos próprios - em que
são utilizadas
- na sequencia o autor apresenta o encantamento mwasila, a magia do Kula
- fórmula mais moderna, sem elementos do arcaísmo e de estrutura textual mais coesa
- ideia ou sentimento do poder inerente às palavras
- os efeitos mágicos produzidos pelo encantamento
- o significado dos ritos está em clara associação com o contexto do encantamento
- uma análise linguística permite uma visão aprofundada do valor mágico das
palavras
- as palavras são manipuladas para transmitir força mágica
- força direta própria às palavras
- a força das palavras deriva das sanções sociais do costume nativo; ou seja, está ligada
com profanações e tabus desrespeitados
- o objetivo do encantamento está bem exposto nas palavras que são utilizadas
- um exame sobre as palavras-chave contidas nas fórmulas mágicas permite vislumbrar
aspectos da ação mágica que está sendo expressa no encantamento
- as palavras expressam o objetivo do encantamento, de acordo com a linha mágica de
pensamento
- os equivalentes atribuídos às frases mágicas através da tradução são fracos, dada a
riqueza da diversidade de manifestações que se expressam por meios fonéticos e
onomatopeicos
- o resultado do encantamento é antecipado na forma verbal, atuando através da força
direta das palavras, e não como um apelo à força da natureza que se queira controlar
- “a crença na eficácia de uma fórmula resulta em várias peculiaridades da linguagem
em que ela se expressa, tanto com relação ao significado como ao som.” (: 325)
- poder misterioso e intrínseco inerente às palavras
- expressões mágicas: seu significado é simples e direto
- a palavra-chave descreve a ação mágica, descrevendo o que o feiticeiro está fazendo
- as expressões principais de um encantamento referem-se a seus objetivos, como a
velocidade da canoa ou a carga abundante resultante do Kula
- o sentido da magia também pode ser encarado de forma metafórica, mediante
comparações e significados duplos (ambiguidades)
- contendo ainda recorrentes referências aos ancestrais e seus espíritos, bem como
referências mitológicas, comparações e hipérboles
- tudo isso para antecipar os resultados favoráveis que consistem no objetivo do
encantamento
- peculiaridades fonéticas encontradas nas palavras-chave, visando produzir efeitos de
ritmo, aliterações de rima, etc.
- pares simétricos de sons com significados antitéticos
- o autor volta-se agora às substâncias e objetos utilizados nos ritos mágicos,
especificamente os instrumentos de transferência ritual do encantamento
- do mesmo modo que as palavras, as substancias estão associadas com os objetivos da
magia, como leveza, rapidez e capacidade de voar
- além do objetivo final há os objetivos intermediários, também expressos de alguma
forma nas fórmulas, gestos e ritos realizados durante o encantamento
- na sequencia o autor se propõe a refletir sobre os dados linguísticos reais do
pensamento nativo
- um pensamento característico ou significados obscuros encontrados nas citações dos
nativos constituem o cerne da discussão
- distancia entre a “crua declaração nativa e a sua apresentação etnográfica explícita” (:
327)
- os textos devem ser analisados considerando o contexto da vida tribal, dado o seu
estilo condensado que pouco expressa as generalizações da vida social: “A maior parte
das normas de comportamento e dos dados sociológicos, que apenas são mencionados
nos textos, tornou-se familiar ao etnógrafo através da observação pessoal, do estudo
direto das suas manifestações objetivas e dos dados referentes à constituição social” (:
327)
- contudo o autor não deixa de enfatizar a relevância do conhecimento da língua
- a tradução literal das sentenças nativas fornece um significado pobre, que deve ser
enriquecido com conjunções, subordinações e coordenações linguísticas ausentes do
texto nativo, mas que podem ser formuladas de acordo com o conhecimento sociológico
e etnográfico armazenado
- ou seja, o significado das palavras deve ser pensado de acordo com o contexto em que
está inserido
- o significado mais completo de uma tradução só se torna inteligível dentro do contexto
da vida nativa e da sociologia nativa
- documentos etnográficos objetivos podem prover o conhecimento acerca de dados
concretos como casos reais de herança e as instituições de parentesco
- “nenhuma análise linguística pode esclarecer o significado completo de um texto sem
o auxílio de um conhecimento adequado de sociologia, dos costumes e crenças
correntes em uma dada sociedade” (: 331)
- a busca por uma definição de expressões desconhecidas e complexas resultou em um
registro de diferentes textos apresentados pelos informantes que, uma vez registrados e
contextualizados, permitiram vislumbrar aspectos adicionais sobre detalhes obscuros
das crenças e costumes
- em síntese, o autor buscou neste capítulo esclarecer aspectos sobre o método utilizado
para se lidar com as evidências linguísticas dos nativos. Deste modo, “um conhecimento
adequado e prático da língua nativa, por um lado, e a familiaridade com sua
organização social e vida tribal, por outro lado, tornam possível a leitura destes textos
em seu significado total” (: 334)
- ou seja, o conhecimento da língua nativa só faz sentido mediante a sua
contextualização dentro da organização social na qual está inserida
CAPÍTULO XXII
- aqui o autor propõe apresentar uma visão de conjunto do Kula, refletindo sobre os
aspectos mais gerais da instituição
- inclui em suas reflexões os aspectos da atitude mental subjacente aos vários
costumes do Kula
- pontos de vistas gerais que apresentem contribuições para trabalhos científicos futuros
- a descrição etnográfica, conhecimento direto dos fatos
- mesmo que gerais, as características fundamentais de um fenômeno etnográfico não
deixam de ser empíricas
- Kula: enorme extensão sociológica e geográfica
“relação intertribal que une através de laços sociais definidos uma vasta área e um
grande número de pessoas, atando-as com obrigações recíprocas específicas e,
obrigando-as a observar regras e prescrições detalhadas de modo harmonioso. [...] Esta
ampla rede de relações sociais e influências culturais não pode ser considerada nem por
um momento como um fenômeno efêmero, recente ou precário. Sua mitologia
altamente desenvolvida e seu ritual mágico mostram quão profundamente ela se
enraizou na tradição destes nativos e como deve ser antiga a sua origem” (: 366)
- transação do Kula: troca semicomercial, semicerimonial
- profundo desejo de possuir
- posse cumulativa: tipo especial de posse que respeita prazos específicos e regras
sistematicamente cumpridas
- troca de colares por braceletes
- os colares giram no sentido horário e os braceletes no anti-horário
- atitude mental dos nativos com relação aos símbolos de riqueza
- o valor dos objetos trocados no Kula está na sua capacidade de gerar desejo
competitivo, suscitar inveja e conferir distinção social e renome
- jamais são usados como meios de troca ou medida de valor (funções do dinheiro ou
moeda)
- o propósito de cada objeto trocado no Kula é a própria posse, a posse pela posse, cuja
circulação dentro do circuito Kula respeita as regras específicas da tradição
- portanto a troca Kula não pode ser concebida como um simples escambo ou
recebimento de presentes
- “objetos sempre trocáveis e de circulação incessante, que devem seu valor e seu
caráter a esta própria circulação” (: 366)
- as trocas Kula obedecem a um código definido que estipula a equivalência dos valores
dos objetos trocados
- contudo cabe àquele que retribui a sensibilidade de dar um objeto à altura, de acordo
com sua própria dignidade
- os objetos trocados são algo mais que uma simples mercadoria, são tratados com
veneração e afeto, uma vez que conferem exaltação e dignidade ao nativo
- comportamento bastante específico na transação que revela a maneira ritual pela qual
tais objetos são tratados, evidente pela reação emocional que expressam os nativos no
momento
- atitude mental dos nativos: os objetos são considerados como bens supremos por si
mesmos e não como riqueza conversível
- valor extremo ligado à riqueza condensada
- Kula: fronteira entre o comercial e o cerimonial
- e expressa uma complexa e interessante atitude mental
- o autor considera o Kula um tipo fundamental da atividade humana e da atitude mental
do homem, podendo ser encontrado nas mais diferentes “províncias etnográficas”, do
mesmo modo que o mana, tabu ou o totem
- em síntese, sobre o Kula: “transações econômicas que exprimem uma atitude
reverente, quase de veneração, com relação aos bens valiosos trocados ou manipulados,
implicando um novo tipo de propriedade, temporária, intermitente e cumulativa;
envolvendo um vasto e complexo mecanismo social e sistemas de empreendimentos
econômicos por meio dos quais é realizado” (: 368)
- deste modo, o autor busca delinear neste capítulo as propriedades gerais do Kula, suas
ideias fundamentais e seus arranjos sociais em sua linha geral, possíveis de serem
encontrados em diferentes contextos; não se atém, assim, aos detalhes da instituição tal
como encontrada na Nova Guiné, com suas “particularidades [...] ligadas [...] com as
condições locais” (: 368) onde se desenrola os acontecimentos, como “a rota circular na
qual se movem os bens, a direção fixa que cada classe de objeto tem de seguir, e a
existência de presentes de solicitação e intermediários” (: 368)
- estreita intersecção entre a iniciativa econômica e o ritual mágico
- o autor propõe o que estaria denominando um novo tipo de estudo teórico, que busca
entender os mecanismos sociais e psicológicos mais gerais sobre os quais os vários
aspectos de uma instituição se comunicam e se influenciam reciprocamente
- o Kula permite um aprofundamento da análise sobre os fatos econômicos de maneira
geral, fornecendo uma visão diferenciada sobre os significados atribuídos a
determinados objetos de valor, comércio e ideias sobre propriedade nativa: deste modo,
nem toda riqueza constitui em “dinheiro” ou “moeda”, e nem toda troca comercial um
escambo
- os detalhes da realidade etnográfica como os costumes, transações, cerimoniais,
tradições e atividades nativas compreendidas pelo sistema Kula só fazem sentido “na
medida em que expressam alguma atitude mental fundamental e assim ampliam nosso
conhecimento, alargam nossa visão e aprofundam nossa compreensão da natureza
humana” (: 370)
- “Cada cultura humana dá a seus portadores uma visão de mundo definida, um certo
gosto pela vida. Nas viagens pela história humana e pela superfície terrestre, é a
possibilidade de ver a vida e o mundo de vários ângulos, peculiar a cada cultura, que
sempre me encantou mais que tudo, e me despertou o desejo sincero de penetrar noutras
culturas, compreender outros tipos de vida” (: 370, grifos meus)
- captar o significado íntimo e a realidade psicológica dos costumes que à primeira
vista sejam estranhos e incompreensíveis é o dever do etnólogo, mediante a formulação,
assimilação e compreensão dos diferentes itens de uma cultura diferente em uma síntese
final
- captar a visão essencial dos outros com a compreensão que se deve mesmo aos
nativos (selvagens) permite um alargamento de nossa própria visão
- “não podemos chegar à sabedoria final socrática de conhecer-nos a nós mesmos se
nunca deixarmos os estreitos limites dos costumes, crenças e preconceitos em que todo
homem nasceu. Nada nos pode ensinar melhor lição nesse assunto de máxima
importância do que o hábito mental que nos permite tratar as crenças e valores de outro
homem do seu próprio ponto de vista” (: 370, grifos meus)
- ou seja, o autor argumenta a favor de, a partir da compreensão do ponto de vista do
nativo à respeito de sua própria realidade ter condições de ampliar o próprio ponto de
vista a respeito da própria realidade na qual fora criado e educado, desnaturalizando
costume e práticas tradicionais tidas por naturais e compreendendo o mecanismo mais
geral que diminui a distância aparente entre selvagens e civilizados e age como
denominador comum das mais diferentes atividades de culturas diversas
- a importância da etnologia para a filosofia para além de uma mera busca por
curiosidades sobre costumes e superstições bárbaros e selvagens