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SELLITCON & SIMPÓSIO DO PROFLETRAS
APRESENTAÇÃO
O evento é organizado pela Linha de Pesquisa Literatura, Cânone Literário e
Textualidades do Contemporâneo, do Grupo de Pesquisa CRELIT, o SEMINÁRIO DE
ESTUDOS LITERÁRIOS E LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA –
SELLITCON é bienal, de caráter nacional, e tem como objetivo verificar periodicamente a
situação das pesquisas nas áreas de estudos literários e produção contemporânea, bem como
difundir as pesquisas realizadas pelo GP CRELIT.
Neste ano, o IV SELLITCON se articula ao V SIMPÓSIO DO PROFLETRAS
(Mestrado Profissional em Letras em Rede Nacional), da Universidade Estadual do Norte do
Paraná (UENP), cuja finalidade é apresentar e debater as pesquisas desenvolvidas por
mestrandos do Programa. O evento também objetiva ser um espaço de discussão de estudos
sobre o ensino-aprendizagem e formação do professor de língua portuguesa e literatura.
O evento pretende fomentar a troca de experiências com pesquisadores de outras IES e
de Centros de Pesquisa, além de propiciar aos pesquisadores e, sobretudo, aos discentes,
formação complementar e atualização bibliográfica e metodológica mediante o contato direto
com renomados especialistas da área. Tem como público-alvo pesquisadores, professores e
alunos da área de Letras (graduandos pós-graduandos).
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SELLITCON & SIMPÓSIO DO PROFLETRAS
EQUIPE
Coordenação: Monitores:
Profa. Dra. Ana Paula Franco Nobile Brandileone Lucas Breda Magalhães
Nathália de Souza Toncvitch
Vice-Coordenação: Gabriela Peppis Belinelli
Profa. Dra. Marilucia dos Santos Domingos Striquer Rafael Monteiro
Letícia Vidotti dos Santos
Envolvidos: Daniele Felício Mafud
UENP-CCP, CRELIT, PROFLETRAS e CEPEL Giulia Micaly Vareschi
Isabella Tagata Ferreira
Comissão Científica: Patrícia Magalhães Aguiar
Dra. Eliana Merlin Deganutti de Barros (UENP)
Prof. Dr. Marcos Hidemi de Lima (UTFPR)
Profa. Dra. Letícia Jovelina Storto (UENP) Cepel:
Profa. Dra. Mariângela Alonso (UENP) Samandra Correia
Profa. Dra. Vanderléia da Silva Oliveira (UENP) Maria Eduarda dos Santos Silva
Profa. Dra. Andreia da Cunha Malheiros Santana (UEL)
Profa. Dra. Lilian Cristina Buzato Riter (UEM)
Secretaria do Programa:
Comissão Organizadora: Daniela Caetano Cabral Mônica
Prof. Dr. Thiago Alves Valente (UENP) Beatriz Bento Xavier
Prof. Fernando Moreno (UENP)
Profa. Dra. Luciana Carneiro Hernandes (UTFPR) Organização e Editoração Gráfica dos Anais:
Profa. Dra. Marilu Martens Oliveira (UTFPR) Profa. Dra. Letícia Jovelina Storto (UENP)
Profa. Dra. Silvana Rodrigues Quintilhano (UTFPR)
OBSERVAÇÕES:
Os artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores, o que inclui a revisão dos textos. É
permitida sua reprodução, total ou parcial, desde que seja citada a fonte.
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PROGRAMAÇÃO
26/08/2019 27/08/2019 28/08/2019
A partir das 8h: Credenciamento 09h-12h: MINICURSO 1 09h-12h: MINICURSO 3
Título: Escrita Criativa na sala de aula Título: Estratégias de leitura literária: PNBE
9h-12h: Círculo de Debates sobre as pesquisas Profa. Ma. Fátima Aparecida Mantovani da e Sala de Leitura
do ProfLetras: Literatura Silva (Egressa do ProfLetras/UENP, SEED/PR) Profa. Ma. Talita Filipini Gabriel (Egressa do
ProfLetras/UENP, SESP)
Moderadores: 09h-12h – MINICURSO 2
Profa. Dra. Ana Paula Franco Nobile Título: Prosa e poesia: a confluência de gêneros 09h-12h: MINICURSO 4
Brandileone da narrativa de Raduan Nassar Título: Reflexões sobre a poética afro-
Prof. Dr. Thiago Alves Valente Profa. Ma. Juliana Bello (Egressa da UENP) brasileira contemporânea: implosão temporal
Profa. Dra. Vanderléia da Silva Oliveira e espacial no rap de Criolo Prof. Me. Lucas
Toledo (Egresso da UENP, doutorando da UEL)
A partir das 13h: Credenciamento 14h-17h: Sessão de Comunicações 14h-17h: Sessão de Comunicações
17h-19h: Circuito Livraria Itinerante UNESP 17h-19h: Circuito Livraria Itinerante UNESP 17h-19h: Circuito Livraria Itinerante UNESP
A partir das 18h: Credenciamento 19h15min: Apresentação cultural - ALACCOP 19h15min: Apresentação cultural - ALACCOP
19h30min: Abertura oficial Título: A área de Linguagens na BNCC Título: O romance latino-americano
contemporâneo: muitas sendas, algumas pistas
20h: Roda de conversa com a Profa. Dra. Luci Profa. Especialista Vilma Lenir Calixto
Collin (UFPR, escritora) (SEED/PR) Prof. Dr. Wellington Ricardo Fioruci (UTFPR-
Pato Branco/GP GELCON)
Tema: Profissão? Escritora... Mediação: Profa. Dra. Eliana Merlin Deganutti
de Barros (UENP/GP DIALE) Mediação: Prof. Dr. Marcos Hidemi de Lima
Mediação: Profa. Dra. Marilu Martens Oliveira (UTFPR-Pato Branco/GP GELCON e
(UTFPR-CCP/GP EDITEC e CRELIT) CRELIT)
Encerramento do evento
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SUMÁRIO
(em ordem alfabética)
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Resumo
O presente trabalho apresenta o material ―Improving English through English History‖, sua
concepção e elaboração, resultado de trabalho produzido para a disciplina ―Letramentos
Digitais e Abordagem Crítica: o uso de ferramentas tecnológicas para o Ensino de Língua
Inglesa‖ e sua consequente atualização como projeto desenvolvido como Trabalho de
Conclusão de Curso do curso de Especialização em Ensino de Língua Inglesa da Universidade
Estadual do Norte do Paraná (UENP) (2018-2019). A questão que norteia este trabalho é de
que forma desenvolver um material que contribua para letramentos digitais. Essa questão
busca incluir a tecnologia como uma ferramenta necessária e participativa para o ensino-
aprendizagem dos estudantes, e não apenas como um material instrumental, tendo em vista
que, a geração que ocupa as escolas, universidades e outros ambientes educacionais hoje é
dependente da Internet e outras tecnologias nas suas atitudes diárias. Por conseguinte, o
referido Material Educacional Digital utiliza um recorte da ―História da Língua Inglesa‖ como
conteúdo a ser trabalhado: as influências escandinavas (ou vikings) nas ilhas britânicas. Essa
união do medievo, por meio do conteúdo, e do contemporâneo, por meio da tecnologia,
propõe promover a autonomia dos alunos no processo de ensino-aprendizagem da Língua
Inglesa.
Palavras-Chave: Material Educacional Digital, História da Língua Inglesa, Ensino de Inglês
Abstract
This work presents the material "Improving English through English History", its conception
and elaboration, as a project developed as final work for the GraduateCertificate Course in
English Language Teaching by Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) (2018-
2019). The point that guides this work is how to develop a material that contributes to digital
literacy. This question seeks to include technology as a necessary and participatory tool for
students' teaching and learning, not just as instrumental material, bearing in mind that the
1
Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) e discente do curso de
Especialização em Ensino de Língua Inglesa da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). E-mail:
isa_ms@hotmail.com
2
Mestre em Ensino de Ciências Humanas, sociais e da Natureza pela Universidade Tecnológica Federal de
Paraná (UTFPR-LD), docente da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) no curso de Letras -
Português/Inglês. E-mail: priscilapires@uenp.edu.br
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generation that occupies schools, universities and other educational environments nowadays is
dependent on the Internet and other technologies in their daily attitudes. Therefore, this
Digital Educational Material uses a clipping from the "History of the English Language" as
content to be worked on: Scandinavian (or Vikings) influences in the British Isles. This union
of the medieval, by the content, and the contemporary, by the use of technology, proposes to
promote students' autonomy in the process of teaching and learning the English language.
Keywords: Digital Educational Material, History of English Language, English Teaching and
Learning.
Contextualização
A Inglaterra era (e ainda é) uma parte da Grã-Bretanha, uma ilha que pertenceu ao
Império Romano por aproximadamente quatro séculos. Antes das primeiras invasões
romanas, as terras britânicas eram habitadas por diferentes tribos celtas, que se espalhavam
por todo o território. Mais tarde, muitas razões causaram a queda do Império Romano, bem
como nessa região, fato que facilitou a entrada de diferentes tribos germânicas, do norte da
Europa.
Cada tribo germânica se estabeleceu em uma região diferente em terras britânicas.
Segundo Michael Drout (2006), ―[…] os Anglos se estabeleceram no norte da Inglaterra, os
Saxões no sul e os Jutos se estabeleceram em Kent, a leste. Cada uma das três tribos falava
inglês antigo, mas cada uma em um dialeto diferente ‖ (p. 61) (tradução nossa). O termo
"anglo-saxão" refere-se ao resultado da mistura desses diferentes povos germânicos, que
compartilhavam semelhanças em seus idiomas, costumes e crenças.
Anos mais tarde, por volta dos séculos VIII e IX, outros povos germânicos passaram a
se estabelecer no território britânico: os escandinavos. Esse termo é usado para se referir aos
povos germânicos antigos, que habitavam as regiões que compreendem onde hoje é a
Dinamarca, Noruega e Suécia. Também é importante mencionar a existência do termo viking,
que se refere principalmente à pirataria que era praticada por alguns grupos de escandinavos,
envolvidos com a navegação, invasão e pilhagem. Atualmente, por meio de uma série de
apropriações culturais, o termo se tornou popular e sinônimo de escandinavos.
De acordo com Borges (2006), uma grande diferença entre os anglo-saxões e os
escandinavos está relacionada aos quinhentos anos de história, desde que os grupos
formativos anglo-saxões (anglos, jutos, saxões e outros) deixaram suas regiões para migrar
para os territórios da Grã-Bretanha. No entanto, o que realmente os distingue, em suas
particularidades, consequência desse período de migração, é a consolidação do cristianismo
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Disponível em:
https://www.academia.edu/40287398/Improving_English_through_English_History_Between_Anglo-
saxons_and_Scadinavians_For_Upper-intermediate_Students_B2_-C1 Acesso em: 08 set. 2019
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De acordo com Salas (2004), citado por Vilaça (2009), um material didático é
qualquer coisa que possa ser usada para facilitar o processo de aprendizagem. Nesse sentido,
podemos considerar que os recursos didáticos são todos os objetos ao nosso redor, desde que
sejam utilizados para práticas de ensino e aprendizagem.
Apesar de ser uma definição generalizada, Vilaça (2009) destaca sua importância para
entender a ―existência de formas variadas de material didático, o que ultrapassa a concepção
restrita de livros didáticos e materiais publicados como as únicas formas de materiais
didáticos‖ (p. 5). Nesta perspectiva, interessa enquadrar os ―materiais didáticos‖ em nosso
contexto atual em relação às tecnologias digitais.
É inegável que as tecnologias digitais criam uma nova maneira de compartilhar
conhecimento. Por esse motivo, os professores de inglês como língua estrangeira precisam
desenvolver sua maneira de ensinar, a fim de atrair a atenção dos alunos. Por meio de uma
variedade de atividades comunicativas e interativas, o uso eficaz da tecnologia pode ajudar os
alunos de línguas estrangeiras a fortalecer suas habilidades linguísticas e atitudes de
aprendizagem, bem como desenvolver estratégias pautadas em sua autonomia e
autoconfiança. Na era das ―linguagens líquidas‖, do networking e dos relacionamentos, é
necessário enxergar e valorizar o aluno como o nativo digital que ele supõe ser: criador e
colaborador (AZZARI; CUSTÓDIO, 2013). Levando isso em conta, tem-se um novo tipo de
material didático: o digital.
De maneira geral, os recursos didáticos digitais são ―materiais para ensino e
aprendizagem que podem ser usados com computadores ou dispositivos móveis‖ (WHYTE,
2017, p. 3) (tradução nossa). Existem vários tipos de recursos didáticos digitais, ―incluindo
textos, imagens, áudio e vídeo‖ (WHYTE, 2017, p. 3) (tradução nossa). Além disso, eles
podem misturar um ou mais desses tipos. Conhecer o tipo de recurso didático digital nos
ajuda a desenvolver o conteúdo de uma aula ou curso de acordo com o grupo-alvo que temos
e o assunto.
Seja em uma sala de aula tradicional presencial ou em cursos on-line, a escolha de
recursos de aprendizado digital é uma tarefa desafiadora. Os professores devem usar materiais
prontos ou construir o nosso? Ou devem modificar os materiais já disponíveis na internet? Há
muitas dúvidas ao planejar uma lição. É inegável que um material produzido pelo professor
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tem seu valor. Dessa forma, ele pode se expressar e ensinar utilizando sua linguagem única e
trazer seu ponto de vista.
A construção de uma lição pode ser feita de diferentes maneiras. O docente pode
inserir os mais diversos recursos, produzidos por ele ou disponíveis na internet. A variação do
tipo de mídia dos materiais publicados no material digital é uma estratégia interessante para
promover o envolvimento dos alunos. Nesse sentido, temos uma nova concepção de texto,
que instiga o processo de ensino e aprendizagem em uma perspectiva de descoberta e
autonomia por parte do aluno.
Quanto a esse novo tipo de ―texto‖, Rojo (2012) explica que apresenta muitas
―linguagens‖ exigindo práticas e habilidades de compreensão e produção para criar
significado: as ―multiletramentos‖. Segundo Lemke (2010 apud ROJO, 2012), agora o texto é
simultaneamente um banco de dados. Com base nessa premissa, Pires (2016), citando Xavier
(2002), explica que:
A partir da concepção do texto como forma de cognição social que
sistematiza e constitui o conhecimento, pode-se verificar que, em razão da
evolução de novas tecnologias digitais que permitem a diminuição de tempo
e distâncias para a interação entre produtores e leitores de texto, a
digitalização desses textos parece abrir caminho para o hipertexto (PIRES,
2016, p.50).
Apresentação do material
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Disponível em: https://ed.ted.com/lessons/mysteries-of-vernacular-window-jessica-oreck-and-rachael-
teel#watch. Acesso em: 08 set. 2019
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Disponível em: https://www.babbel.com/en/magazine/139-norse-words. Acesso em: 08 set. 2019
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Disponível em: https://faficp.academia.edu/IsabelleSoares Acesso em: 08 set. 2019.
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Considerações finais
O presente trabalho apresentou o material ―Improving English through English
History‖, sua concepção e elaboração, resultado de trabalho produzido para uma disciplina e
sua consequente atualização como projeto desenvolvido como Trabalho de Conclusão de do
curso de Especialização em Ensino de Língua Inglesa da Universidade Estadual do Norte do
Paraná (UENP) (2018-2019).
O material, que utiliza um recorte da ―História da Língua Inglesa‖ como conteúdo a
ser trabalhado (as influências escandinavas (ou vikings) nas ilhas britânicas), promove a união
do medievo, por meio do conteúdo, e do contemporâneo, por meio da tecnologia, objetivando
a autonomia dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem da Língua Inglesa.
Pronto e disponibilizado na Internet, o exposto Material Educacional Digital pode ser
considerado como o início de um projeto que visa valorizar a Língua Inglesa e veicular a sua
história.
Referências
BORGES, Jorge Luis. Curso de Literatura Inglesa. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
PIRES, Priscila Aparecida Borges Ferreira. Entre novas e velhas distopias: Admirável livro
novo. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza) –
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Londrina, 2016. Disponível em:
http://repositorio.utfpr.edu.br/jspui/handle/1/1913 Accesso em: 07 set. 2019
SOARES, Isabelle Maria. Improving English through English history. Between Anglo-
saxons and Scandinavians. For upper-intermediate students B2-C1. UENP: Cornélio
Procópio, 2019. Disponível em:
https://www.academia.edu/40287398/Improving_English_through_English_History_Between
_Anglo-saxons_and_Scadinavians_For_Upper-intermediate_Students_B2_-C1 Acesso em: 08
set. 2019
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WHYTE, Shona. Digital resources for interactive teaching in languages with technology.
ITILT mini-guide. ITILT, 2017. Disponível em: http://bit.ly/2h7gOoj Accesso em: 07 set.
2019
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Resumo
O presente artigo propõe apresentar a importância da imagem na mediação entre a produção
poética e a criança. Para tanto, serão analisados os recursos poéticos que se valeu Vinícius de
Moraes, um dos maiores poetas e compositores da música popular brasileira, em sua única
obra infantil, A arca de Noé (1970), na construção de poesias ricas e acessíveis ao imaginário
infantil, de forma que sua poesia fosse uma das precursoras do encontro entre o poeta e a
criança na poesia contemporânea. Escolheram-se, para o estudo, quatro poemas que compõem
o livro: A casa, O girassol, O leão, e O relógio, os quais dialogarão com os pressupostos
teóricos de BOSI (1977), CANDIDO (2006), PAZ (1982), BACHELARD (1988) e outros,
com o intuito de demonstrar que é possível escrever uma poética para a criança sem
desmerecer-lhe o estatuto artístico.
Palavras-chave: Poesia. Literatura Infantil. Imagem. Vinícius de Moraes.
Abstract
This paper presents the importance of image in the mediation between poetic production and
child. For this, we will analyze the poetic resources that are worth Vinicius de Moraes, one of
the greatest poets and composers of Brazilian popular music, in his only children's work, A
Arca de Noé (1970), in the construction of rich poetry available in the imagination child, so
that his poetry was one of the precursors of the meeting between poets and the child in
contemporary poetry. Were chosen for the study four poems: ―A casa‖, ―O girassol‖, ―O leão‖
and ―O relógio‖. The theoretical framework will be: BOSI (1977), CANDIDO (2006),
PEACE (1982) , BACHELARD (1988) and others, in order to demonstrate that it is possible
to write a poetic for a child without disregarding the artistic status.
Keywords: Poetry. Children's literature. Image. Vinicius de Moraes.
Introdução
É pauta que a produção poética para a infância, nas últimas décadas, solidificou-se,
não apenas em quantidade e diversidade, mas em nível de amadurecimento da qualidade
7
Doutoranda em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail:
anacarolinamello@outlook.com.br
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estética. Todavia, foi lentamente que a poesia infantil brasileira se libertou da tradição
didática, caracterizada pelo conservadorismo formal e pelo compromisso com a pedagogia.
Poetas como Cecília Meireles e Vinícius de Moraes e suas primas obras Ou isto ou aquilo
(1964) e A arca de Noé (1974), podem ser considerados marcos de uma ruptura com a poesia
infantil que ainda era marcada por resquícios parnasianos com seu conservadorismo formal e
cunho moralizante, oferecendo novos paradigmas para a poesia: preocupação com a
perspectiva infantil, experimentalismo poético, quebra da discursividade, o universo cotidiano
como tematização, utilização de formas folclóricas etc.
Na lírica moderna, segundo FRIEDRICH (1978), o poeta não participa mais em sua
criação como pessoa particular, porém como inteligência que poetiza, como operador da
língua, como artista que experimenta os atos de transformação de sua fantasia imperiosa ou de
seu modo irreal de ver num assunto qualquer, pobre de significado em si mesmo. E é
com essa liberdade criadora que o poeta moderno escreve para o público infantil,
aproximando o leitor de si, criando um universo propício para experimentar e recriar
significados, sem desrespeitar o estatuto artístico.
Vinícius de Moraes, nascido no Rio de Janeiro, em 1913, foi muito mais do que nosso
―Poetinha‖, foi escritor, compositor, jornalista, intérprete, advogado e diplomata. Notabilizou-
se pelos sonetos e por sua vasta obra: literatura, teatro cinema e música. Seu elo com a Bossa
Nova foi muito importante para o campo musical, porém, apesar do sucesso com a música
popular, não abandonou a poesia, tendo inclusive gravado discos em que recita suas obras,
juntamente com seus principais parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell e Carlos Lyra.
Novamente com Cecília Meireles, completa o grupo dos principais poetas do Modernismo
brasileiro. Sua poesia vai da transcendência espiritual ao amor sensual, o que não o impediu
de se preocupar com o público infantil, uma vez que ofereceu ao cânone da literatura infantil
brasileira a obra A arca de Noé (1974), que compõe o renomado acervo literário enquadrado
no chamado boom do gênero no Brasil.
Torna-se oportuno, portanto, investigar como Vinícius de Moraes construiu seus
poemas infantis sem deixar de incorporar a estética do modernismo e a linguagem literária,
construindo poesias ricas e acessíveis ao imaginário infantil, de forma que sua poesia fosse
uma das precursoras do encontro entre o poeta e a criança na poesia contemporânea. Para
tanto, escolheu-se analisar os poemas: O Leão, O girassol, O relógio e A casa, por meio de
um profícuo diálogo entre os postulados da teoria e da crítica literária de teóricos
fundamentais do texto poético: BOSI (1977), CANDIDO (2006), PAZ (1982), BACHELARD
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contrastes de sons (alternância de sílabas fortes e fracas). O ritmo também atua no processo de
produção de sentidos, por meio da ocorrência periódica de figuras fônicas: rimas, silêncio das
pausas, aliterações, assonância, etc.
Além desses efeitos sonoros e óticos, segundo MELLO (1995) a produção de sentidos
se faz através do procedimento imagético. As imagens no poema são responsáveis por
importantes efeitos no nível semântico do texto. Mais comumente do que na prosa, no texto
poético o signo afasta-se do seu referente, fato que exige do leitor um exercício criativo da
imaginação. A imagem se caracteriza por um dinamismo que a impede de fechar-se e
confinar-se em m sentido único que a reduziria a signo. Enquanto figuração possível de uma
realidade ausente ou difícil de exprimir, a imagem não pode ser substituída por outra vizinha
ou similar e menos ainda ser traduzida por um significado conceitual. A imagem, fruto da
associação de ideias, nasce da ligação de realidades mais ou menos afastadas, na qual a
analogia é um meio de criação. Da natureza dessa relação analógica, depende a força ou a
fraqueza da imagem criada.
No Brasil, até 1964, ano de publicação da obra Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles,
não se pode dizer que havia uma poesia empenhada nas necessidades e sonhos da criança. A
produção anterior a esse período, de autores consagrados pelo público adulto como Olavo
Bilac e Henriqueta Lisboa, refletia uma visão adulta de mundo, pautada em recursos
tradicionais e em um sistema de valores convencionais, com o intuito de transmitir valores,
normas de conduta e informações consideradas necessárias ao intelecto do destinatário
infantil. No plano temático, segundo MELLO (1995), a nova poesia infantil, de autores como
Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, dá primazia à ótica da criança na contemplação do
mundo. Os temas deixam de ser aqueles que os adultos acham convenientes ao destinatário
(conselhos, ensinamentos e normas) dando lugar aos que expressam interesses ao leitor.
Os poemas da coletânea A Arca de Noé, de Vinícius de Moraes, foram dedicados aos
seus filhos, escritos muitos anos antes de sua primeira edição, mas publicados apenas na
década de 70, na Itália e no Brasil. Seus poemas foram musicados juntamente com Toquinho
e Chico Buarque, recebendo o título de L’Arca. Dez anos depois, dois discos dedicados ao
conjunto de poemas infantis de Vinícius também são lançados no país, com o mesmo nome
do livro: A Arca de Noé. O livro, que possui várias reedições, apresenta 32 poemas: inclui as
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letras das canções dos discos A Arca de Noé 1 e A Arca de Noé 2 (com exceção de ―Aula de
Piano‖) e três inéditos (―O Peixe-Espada‖, ―A Morte de Meu Carneirinho‖ e ―A Morte do
Pintainho‖). A Arca de Noé, livro e disco, tanto pela literatura quanto pela música popular
brasileira, criou um laço com crianças e várias gerações.
Em A arca de Noé (1974), tomando como paradigma da produção poética para a
infância, Vinícius de Moraes rompe com a poética tradicional e o didatismo, apresentando
temas que giram em torno do cotidiano infantil. Desse modo, ―a assimetria no processo de
comunicação (produtor-adulto/leitor-infantil) fica superada, na medida em que a ―criança‖
adormecida no interior do adulto se dirige ao leitor, garantindo a comunicação ensejada pela
produção literária.‖ (MELLO, 1995, p. 151)
Para que esta aproximação entre o poeta e a criança se concretize, na poesia infantil, a
imagem possui indubitável importância, uma vez que permite ao leitor o uso de sua
imaginação no processo de produção de sentidos. Segundo Paz (1982), a imagem é a própria
significação, ela é o sentido produzido por elementos (rítmicos, linguísticos, formais) do
poema. Dessa forma, o poeta, ao aproximar esses diferentes elementos, cria novas realidades,
subvertendo a lógica racional, estimulando novas imagens a partir do que o leitor já conhece.
Bachelard (1988) assinala que o recurso imagético leva o leitor a um mergulho em sua
consciência, obrigando-o a uma imersão em si mesmo, pois obscurece o sentido e propõe a
procura e a decifração; a imagem dá um testemunho do mundo para a alma, desencadeando o
devaneio, a viagem interior, sendo grande a possibilidade de sentidos que agrega.
Para tanto, a partir do conceito de imagem na poesia, serão analisados em alguns
poemas da obra A arca de Noé, os recursos utilizados por Vinícius de Moraes para promover
a mediação entre a produção poética e a criança, a fim de demonstrar seu empenho em
produzir uma obra de qualidade artística e estética, preocupada em adequar-se ao leitor
infantil, sem que houvesse a necessidade de reduzir a qualidade estética de sua produção.
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emoções que a linguagem sozinha não pode expressar. Embora a imagem seja anterior à
palavra, é função do discurso dar vida à imagem. A poesia é, portanto, o discurso poético, o
arranjo de enunciados que se comportam como processos integradores de níveis diferentes,
cujos extremos são o simbólico e o sonoro.
Segundo Pierce (PIERCE apud BOSI, 1977), ―todo e qualquer pensamento é sempre
um signo, e é essencialmente de natureza linguística.‖. Contudo, não é válido,
epistemologicamente, saltar da imagem (visual, onírica ou devaneio) ao texto sem atravessar
o curso das palavras, o seu discurso. Em sua semiótica, PIERCE (1958) destaca a iconicidade
linguística imagética, em que o signo icônico possui semelhanças imediatamente perceptíveis
em relação ao objeto de referência, como, por exemplo, no caso das onomatopeias, muito
presentes na poesia infantil, devido à facilidade que a criança possui em associar o signo ao
objeto através do sentido da audição, como pode ser observado no poema ―O Relógio‖8.
Com o intuito de apresentar o signo simbólico marcado pela iconicidade imagética,
além de ritmo e efeito sonoro ao poema, Vinícius de Moraes utiliza-se do recurso que
caracteriza a imitação de um som: a ―onomatopeia‖, que no poema é representada pela
palavra (tic-tac), a qual repetida oito vezes, faz com que a criança associe o signo ao objeto
relógio e perceba, também, pelas aliterações da consoante T, versos curtos e pausas, o ritmo
do relógio à leitura do poema. A onomatopeia também auxilia na produção de efeitos
poéticos, como: a melodia, a harmonia e o ritmo da frase. É, pois, um recurso acessível ao
leitor, visto que seu caráter lúdico torna-se uma brincadeira de leitura para a criança.
Por meio da analogia, segundo BOSI (1977), o discurso recupera, no corpo da fala, o
sabor da imagem. A analogia é responsável pelo peso de matéria que dão ao poema as
metáforas e as demais figuras. A analogia não se trata de uma fusão, mas do enriquecimento
da percepção de imagens distintas, que possuem algum traço em comum, a qual pode ser
inventada pelo poeta por meio de sua liberdade criadora.
A metáfora trata-se da transferência de significados que se realiza pela base da
analogia. Segundo ARISTÓTELES (apud BOSI, 1977), a metáfora consiste em transferir a
8
Moraes (2004. p. 24).
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uma coisa um nome que pertence a alguma outra coisa, além disso, uma boa metáfora implica
uma percepção intuitiva da semelhança entre coisas dessemelhantes. Para BORGES (2000) o
importante sobre metáfora é ser sentida pelo leitor como uma metáfora.
Existe uma distinção entre efeito imagético e procedimento semântico. A metáfora
aparece como imagem, quanto provém da intuição de semelhanças; mas enquanto enlace
linguístico de signos distantes, ela é atribuição, é modo do discurso. Dessa forma, a
semelhança aparece como efeito de um movimento pelo qual a linguagem produz um
contexto comum a palavras que, até então, eram proferidas em contextos separados.
O poema ―O leão‖9 de Vinícius de Moraes, exemplifica o uso e a distinção entre a
comparação e a metáfora: Os três versos apresentados: Tua goela é uma fornalha / Teu salto,
uma labareda / Tua garra, uma navalha/ sugerem semelhança, ―transferência‖, ao contrário
do verso/ Rugindo como um trovão/ ―comparação‖. Percebe-se, portanto, que a metáfora, pela
analogia, aproxima termos sem nenhum termo comparativo, produzindo efeitos de sentido que
ampliam a significação do texto e as possibilidades de interpretação.
No poema ―O girassol‖10 também ocorre o uso da metáfora no verso, ―O girassol é um
carrossel de abelhas.‖, torna-se nítido o uso da metáfora, a partir dos elementos imagéticos
dessemelhantes, apresentados pelo narrador, girassol e carrossel, que a partir do sentido da
visão e da imaginação da criança, concretizam a imagem de várias abelhas em círculo,
sobrevoando o girassol, rodando como um carrossel. Convém dizer que, a cor na imaginação
torna-se ―um matiz frágil, efêmero, inapreensível‖ segundo, (Bachelard, 1990, p.68), pois só a
imaginação pode ver os matizes, ela os apreende na passagem de uma cor a outra. A
imaginação permite abandonar o ordinário e ir até o extraordinário, através da novidade que
germina das imagens. As cores apresentadas no poema: /anil/ pretas/ vermelhas/ amarelas/
marelinho/ reforçam a noção de que percepção e imaginação não se confundem por
estabelecerem dois polos distintos na dinâmica do pensamento.
Outro modo tático pelo qual a linguagem procura recuperar a sensação de
simultaneidade é a recorrência, por meio da reiteração de um som, um prefixo, uma função
sintática, frase inteira, temas etc. Segundo Antonio Candido (2006, p.64), ―a Recorrência é
um recurso muito usado na poesia moderna, sobretudo por Augusto Frederico Schmidt, e
depois dele Vinícius de Moraes.‖. Esta repetição, pura ou simulada, torna-se procedimento
obrigatório nos textos poéticos, e, portanto, também é percebida nitidamente no poema ―O
9
Moraes (2004. p. 38).
10
Moraes (2004. p. 22).
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A imagem que, quando só, remetia a si mesma — e era ídolo, enigma, autofruição
— revelará no processo verbal um poder terrível de antecipação. E, junto com a
analogia, a recorrência e o cruzamento dos sons (rimas, assonâncias, paranomásias –
instrumentos do poeta) exercerão, ao longo de todo esse processo, uma função
mestra de apoio sensorial (BOSI, 1977, p.34).
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11
Moraes (2004. p. 28).
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Considerações finais
Referências
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BORGES, Jorge Luís. Esse ofício do verso. Trad. José Marcos Macedo. Sp: Companhia das
Letras, 2000.
BOSI, Alfredo. A interpretação da obra literária. In: ___. Céu, inferno: Ensaios de crítica
literária e ideológica. São Paulo: Editora 34, 2003.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo, Cultrix, Ed. da Universidade de São
Paulo, 1977.
CASTELLO, José. Vinicus de Moraes: o poeta da paixão uma biografia. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
COELHO, Nelly Novaes. A literatura Infantil. São Paulo: Quirón / Global, 1982.
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MELLO, Ana Maria Lisboa de; TURCHI, Maria Zaira; SILVA, Vera Maria Tietzmann.
Literatura infanto-juvenil: Prosa e Poesia. Goiânia: UFG, 1995.
MORAES, Vinicius. A arca de Noé. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2004.
PEIRCE, Charles Sanders. Collected Papers. C. Harshorne, P. Weiss & A. W. Burks (eds.).
Cambridge, MA: Harvard University Press, 1958.
ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: história e histórias. São Paulo: Ática,
2011.
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Resumo
Abstract
The present work is the result of a research of voluntary scientific initiation. The Road, from
Cormac McCarthy (2006) tells the journey of a father and his son struggling to survive in a
world post-apocalyptic that tests their body and psychologic limits, their principles as human
beings and the relationship between father and son. 1984 from George Orwell, published in
1948 and is an English dystopian classic, describes the effort of a citizen called Winston in
order to work around the governmental system in a totalitary society where everyone have to
follow a certain thought line and worship the Big Brother; Winston spend his time trying to
12
Graduanda em Letras – Português/Inglês da Universidade Estadual do Norte do Paraná. E-Mail:
camila_reis99@hotmail.com
13
Professora do Departamento de Letras da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP. E-Mail:
priscilapires@uenp.edu.br
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find traces, however subtle they were, that somebody besides him, differs of the imposed
ideas. This article aims to make a comparative analysis of the work of McCarthy and Orwell,
focusing on the environment and the characters of the plot and, from this analysis, establish a
relationship with Orwell's work, exploring the dystopian similarities and main differences
between the dystopian genre and post-apocalyptic.
Introdução
É um fato comprovado pela maioria dos especialistas tanto atuais como das
últimas gerações, que a literatura apocalíptica, nas suas diversas acepções, é
um gênero que aparece em momentos de crise em que há necessidade de dar
resposta a determinado tipo de situações limite. (VALDEZ, 2002, p. 55).
Revisão de Literatura
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impossível para os mortais atingirem nessa vida. [...] a utopia foi com frequência alcançada ou
descoberta [...]; e, para alguns, todo presente é uma utopia passada‖ (CLAEYS, 2013, p.11-12).
Por mais que os organizadores desta utopia a planejem perfeita, nem tudo sai como o
esperado. Sociedades planejadas tendem a ser desastrosas. Por isso que cada utopia possui a
sua distopia (LEPORE, 2017). Ao contrário do que se pensa, as distopias não são o antônimo
de utopia, mas sim anti-utopias, uma forma distorcida deste lugar. Elas funcionam como um
aviso; percebem e enfatizam características da sociedade atual que possam se tornar uma
sociedade opressora no futuro: ―As utopias buscam a emancipação ao visualizar um mundo
baseado em ideias novas, negligenciadas ou rejeitadas. [...] As distopias por sua vez, buscam
o assombro, ao acentuar tendências contemporâneas que ameaçam a liberdade‖ (JACOBY,
2007, p. 40 apud HILÁRIO, 2013, p. 205). Governos totalitários como o nazismo e o
fascismo, que ocorreram no século XX, foram utilizados como foco distópicos nas produções
literárias da época, sendo assim as distopias estão muitas vezes ligadas a figuras imponentes
de ditadores e governadores totalitários.
Assim como o gênero distópico cresceu no século XX com as duas grandes guerras,
outro gênero também se destacou: o pós-apocalítico. Com as guerras, as armas de destruição
em massa, as bombas e a tensão constante, o fim do mundo já não parecia uma ideia absurda.
O pós-apocalíptico nada mais é do que um planeta que foi atingido por algum evento que
causou sua destruição e geralmente uma pessoa ou um grupo tenta sobreviver neste ‗após‘.
Este gênero pode ser entendido como uma ramificação da distopia. De acordo com a
historiadora Jill Lepore ―In its modern definition, a dystopia can be apocalyptic, or post-
apocalyptic, or neither, but it has to be anti-utopian, a utopia turned upside down, [...]‖14
logo, pode ser considerado uma distopia por ser anti-utopia, o oposto de algo idealizado, ainda
que, obviamente, não possua todas as peculiaridades.
14
―Na sua definição moderna, uma distopia pode ser apocalíptica ou pós-apocalíptica, ou nenhuma delas, mas
precisa ser anti-utópica, uma utopia virada de cabeça para baixo, [...]‖ (tradução nossa)
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mundo em que se encontrava era o único que conhecia, não tinha com o que ser comparado e concluir
o que seria pior ou melhor. Também incluída na narração psicológica, entram os flashbacks sobre a
mãe da criança. São raros os momentos em que o menino cita a mãe; uma em si chama a
atenção:
A partir deste diálogo e do fashback que o acompanha logo em seguida, nos esclarece
que a mãe sucumbiu ao desespero da situação e não aguentava mais permanecer ali. A
existência de seu filho e marido, e os clamores para que ela não os abandonasse não foram
suficientes para que ela voltasse atrás em sua decisão, então ela se foi sem nem ao menos se
despedir de seu filho. Utilizou uma pedra de obsidiana para tirar sua vida e encontrar sua
única esperança: o nada eterno. Portanto, nota-se a destreza com a qual o autor expõe os
dilemas que os personagens enfrentam e a que ponto o ser humano pode chegar á fim de
garantir sua sobrevivência.
Personagens
Quando a obra não nos oferta uma descrição direta da personalidade do personagem,
temos que acatar as dicas que o autor nos dá e aos poucos ir juntando essas peças para que
possamos definir a imagem psicológica deste personagem. De acordo com o estudo de
Antonio Candido em ―A personagem de ficção‖ (1998), essa descrição indireta através das
respostas, o modo com que o personagem se comporta em certas situações seria o modo
fragmentário da personalidade, acentuando a verossimilhança com a vida real:
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personagem que de acordo com Candido, tais características no romance são mais coesas e
menos variáveis.
A relação entre pai e filho, identificada ao longo da leitura, é muito forte, visto que um
depende do outro para perdurar naquele ambiente hostil. Por meio dos atos do pai
identificamos a coragem, violência e frieza exigida no contexto em que se encontram; um
exemplo é quando, ao voltar de uma busca pela praia, notam que seus mantimentos: a lona de
proteção, o carrinho com seus cobertores, roupas e alimentos tinham sido levados. Ao
vasculhar a área, a criança chama o pai ao avistar o andarilho que roubou suas coisas. A partir
disso, atestamos a frieza e, talvez até a falta de empatia existente no ser humano quando o pai
obriga o homem a devolver suas coisas juntamente com as roupas do corpo.
No entanto, o pai tinha outro ponto fraco – além de seu filho. Frequentemente
enquanto estavam dormindo, ou até mesmo durante as caminhadas, ele começava a ter
acessos de tosse que a cada dia que se passava, pioravam. Ele costumava se desculpar
demasiadas vezes com a criança. Além dos pedidos de desculpa, o que constantemente se
repete é a alegação de que ―está tudo bem‖, a maioria por parte do filho. Afirmação esta que
podemos concluir que é um desejo implícito que tudo fique bem de fato e uma tentativa de se
convencer de que tudo está bem ou que tudo vai ficar bem.
Em dada noite, o pai não resiste e chega ao seu limite, falecendo. Em suas últimas falas,
ele encoraja o filho a se manter forte e encoraja-o a seguir sempre em frente e levar o ―fogo‖,
sua luz, que dá a entender que essa luz seria a bondade e a empatia. Essa também é uma das
cenas impactantes da narrativa, em que o filho se vê desamparado, mas que resgata sua
coragem e esperança para prosseguir, pois há um objetivo a cumprir. Com isso, reconhecemos
as características da criança, a bondade, a humildade, o altruísmo e a inocência, virtudes estas
que há muito se perderam no restante das pessoas e que aos poucos vão sendo desgastadas
ainda que, o ambiente em que se encontra exige um meio termo: ser frio e desconfiado
quando necessário, porém, não perder a essência que nos caracterizam como humanos.
Semelhanças Distópicas
Conclusão
Por fim, após explorar os aspectos: cênicos, físicos, psicológicos e intertextuais, foi
possível concluir que o gênero pós-apocalíptico pode ser considerado uma ramificação
15
―O argumento do distopianismo é que a perfeição custa a liberdade. Todo novo lamento sobre o fim da
república, toda coluna sobre o colapso da civilização, todo novo romance da desgraça: esse é o trovão que
responde‖ (tradução nossa).
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distópica de fato, pois podemos encontrar diversos aspectos semelhantes como o ambiente
obscuro carente de empatia, o lado frio do ser humano, a quase inexistência de esperança, os
diálogos concisos e os finais infelizes; mas também aspectos discordantes que fazem com que
ele não seja diretamente uma distopia, como: uma sociedade não consolidada, não possui
crítica social, presença da liberdade e livre-arbítrio, e por fim não possui o controle social do
governo através da tecnologia.
Referências
CANDIDO, Antonio (org). A personagem do romance. In: A personagem de ficção. São Paulo:
Perspectiva, 1998.
CLAEYS, Gregory. Introdução. In: A Busca da Utopia: a história de uma ideia. São Paulo: Edições
SESC SP, 2013. p. 07-15.
HILÁRIO, Leomir Cardoso. Teoria Crítica e Literatura: A Distopia como ferramenta de análise
radical da modernidade. Anu. Lit. Florianópolis, v.18, n. 2, p.201-215, 2013.
KOPP, Rudinei. Comunicação e Mídia na Literatura Distópica de meados do século 20: Zamiatin,
Huxley, Orwell, Vonnegut e Bradbury. Tese (Doutorado em Comunicação Social). 2011. 278 f.
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2011.
LEPORE, Jill. A golden age for Dystopian Fiction: What to make of our new literature of radical
pessimism.. The New Yorker, Nova York, 5 jun. 2017. Disponível em:
https://www.newyorker.com/magazine/2017/06/05/a-golden-age-for-dystopian-fiction.
MARTINS, Estevão Rezende. Utopia: Uma história sem fim. In: LOPES, Marcos Antônio;
MOSCATELI, Renato. (Org) Histórias de países imaginários: Variedades dos lugares utópicos.
Londrina: Eduel, 2011. p. 11-19.
SOARES, Dionísio Oliveira. A literatura apocalíptica: O gênero como expressão. Horizonte: revista
de estudos de teologia e ciências da religião, Belo Horizonte v. 7, n 13, p.99-113, dez 2008.
VALDEZ, Ana. A literatura apocalíptica enquanto gênero literário (300 a.C -200 d.C.). In: Revista
Portuguesa de Ciência das Religiões – Ano I, 2002 / nº 1 – 55-66.
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Resumo
Este artigo, que se caracteriza como um recorte de minha dissertação de mestrado em Estudos
da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina, justifica-se pela importância de se
investigar como vem ocorrendo a formação continuada do professor de Língua Estrangeira
(LE) mediada por recursos tecnológicos/Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no
Estado do Paraná. Portanto, tem como objetivo geral, analisar como um grupo de professores
de línguas estrangeiras entendem e representam os espaços de formação continuada por
ferramentas tecnológicas e digitais. Professores do NRE (Núcleo Regional de Educação) de
Ibaiti - Paraná, que compreende as cidades de Conselheiro Mairinck, Figueira, Guapirama,
Ibaiti, Jaboti, Japira, Pinhalão, Siqueira Campos e Tomazina responderam a um questionário
de respostas abertas e fechadas por ocasião da participação em uma oficina disciplinar
ofertada pela SEED/PR como parte da Formação em Ação Disciplinar (FAD), no segundo
semestre de 2017. A descrição dos dados e a discussão foram conduzidos com base em
estudos da área de tecnologia aliada à educação. A partir da análise das percepções dos
professores participantes da pesquisa, alguns aspectos merecem destaque e precisam ser
olhados com mais atenção, tais como: os docentes veem a tecnologia como aliada à sua
formação continuada, porém, há a necessidade de adequação maior destas formações à sua
realidade profissional; melhoria dos recursos tecnológicos de apoio à formação continuada,
bem como para a atuação do professor de LE; uma maior proximidade entre o diz os
documentos norteadores/diretrizes curriculares e a realidade do professor de LE; e maior
compromisso dos professores de LE com sua formação continuada.
Palavras-Chave: Língua Estrangeira; Formação Continuada; Tecnologia.
Abstract
16
Mestre em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Professor de Língua Inglesa
da Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED/PR. Email: luis.petry@escola.pr.gov.br.
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the continuous education of the foreign language teacher mediated by technological resources/
Information and Communication Technologies (TIC) has been taking place in the State of
Paraná. Therefore, its general objective is to analyze how a group of foreign language
teachers understand and represent the spaces of continuing education by technological and
digital tools. NRE teachers from Ibaiti - Paraná, which includes the cities of Conselheiro
Mairinck, Figueira, Guapirama, Ibaiti, Jaboti, Japira, Pinhalão, Siqueira Campos and
Tomazina answered a questionnaire of open and closed answers on the occasion of their
participation in a disciplinary workshop offered by SEED/PR as part of Disciplinary Action
Training (FAD) in the second half of 2017. Data description and discussion were conducted
based on technology studies combined with education. From the analysis of the perceptions of
teachers participating in the research, some aspects deserve to be highlighted and need to be
looked at more closely, such as: teachers see technology as allied to their continuing
education, but there is a need for greater adaptation of these training to their professional
reality; improvement of technological resources to support continuing education, as well as
for the performance of the LE teacher; a greater proximity between what the guiding
documents/curriculum guidelines say and the reality of the LE teacher; and greater
commitment of LE teachers to their continuing education.
Introdução
O ensino de línguas estrangeiras (doravante LE) no Brasil passou por diversas
transformações com o passar do tempo. Influenciado por inúmeros fatores, molda-se hoje por
questões e desafios contemporâneos referentes à globalização e à evolução das Tecnologias
de Informação e Comunicação (TIC) e Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
(TDIC). Desta forma:
A acelerada renovação dos meios tecnológicos nas mais diversas áreas,
influencia, consideravelmente, as mudanças que ocorrem na sociedade. O
acesso às tecnologias da informação e comunicação amplia as
transformações sociais e desencadeia uma série de mudanças na forma como
se constrói o conhecimento. A escola, bem como os outros lugares onde se
fomenta o currículo, não pode desconsiderar esses movimentos. (PARANÁ,
2010, p. 5).
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relação à formação inicial do professor de LE no Brasil (BRASIL, 1996, 1998; LEFFA, 2001,
2008, 2013, 2015; PARANÁ, 2008; RODRIGUES, 2016, dentre outras), e como ela
influencia as visões que o professor tem de seu papel na prática docente.
Leffa (2001, p. 2) destaca que a formação do professor de LE
De acordo com o mesmo autor, o que acontece dentro de sala de aula está
condicionado ao que está acontecendo em seu exterior e os fatores que determinam o perfil do
profissional de línguas dependem de ações menos ou mais explícitas. Desta forma,
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linguística. Rodrigues (2016) aponta para a importância do estudo de uma língua estrangeira
por meio da relação de diversos documentos norteadores que regem o ensino de LE no Brasil:
O surpreendente é que a escola muitas vezes parece ainda não ter se dado
conta da importância do estudo de uma língua estrangeira (LE), haja vista a
baixíssima carga horária reservada a essa disciplina na organização
curricular da maioria das escolas públicas e privadas brasileiras, ainda que os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1998) já houvessem
apontado para a importância de se aprender uma LE, algo tido inclusive
como um direito de todo cidadão, conforme manifestado na última Lei de
Diretrizes e Bases (LDB), de 1996 (BRASIL, 1996), e na Declaração
Universal dos Direitos Linguísticos, patrocinada pela UNESCO e publicada
pelo Centro Internacional Escarré para Minorias Étnicas e Nações e pelo
PEN-Club Internacional, firmado em Barcelona, também em 1996. Os PCN,
aliás, deixam claro que o aprendizado de uma LE não deve fazer parte de
uma atividade extracurricular da escola, mas, sim, de uma obrigação das
instituições de ensino. (RODRIGUES, 2016, p. 15).
reciclagem, treinamento, entre outros.‖ Ramos (2011) ainda faz uma crítica ao modelo
tradicional de formação continuada, em que os professores ficam ―reféns‖ de modelos a serem
seguidos, implementados ou transpostos para seu contexto de sala de aula. Assim, a superação
de dificuldades e obstáculos no processo de ensino-aprendizagem é visto como algo linear,
não correspondendo à realidade em que os professores, na maioria das vezes, se encontram.
Encaminhamentos Metodológicos
Resultados
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Considerações finais
Referências
LEFFA, V. J. Conversa com Vilson J. Leffa. In: SILVA, Kleber Aparecido da; ARAGÃO,
Rodrigo Camargo. (Org.). Conversas com formadores de professores de línguas: avanços e
desafios. São Paulo: Pontes, 2013, p. 375-385.
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PRENSKY, Marc. Nativos digitais, imigrantes digitais. NCB University Press, Vol. 9 No. 5,
Outubro 2001.
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Cristiane Fernandes19
Resumo
Este trabalho busca examinar os aspectos intertextuais na obra O círculo de giz caucasiano,
do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, especialmente quanto ao diálogo entre a peça moldura
– pois o autor se vale da estrutura em abismo (mise en abyme) – e a peça dentro da peça.
Também objetiva analisar as relações entre os textos-fonte, uma lenda chinesa, intitulada O
círculo de giz, de Li Qianfu, da dinastia Yuan (1259–1368), com a qual Brecht se deparou na
década de 1920, inspirando-o a deslocar a ação para Alemanha da Guerra dos Trinta Anos, e o
conto O círculo de giz de Augsburg, de 1940, do próprio Brecht. Assim, entre outros aspectos,
verifica-se que a obra em análise é uma reescritura não somente da lenda chinesa, mas
também do conto de Brecht, mencionado acima. Além disso, a peça incorpora aspectos que
remetem ao episódio bíblico do julgamento salomônico. A partir de reflexões de Robert Stam,
Linda Hutcheon e Patrice Pavis, que serão utilizadas para iluminar a análise, pretende-se
discutir alguns questionamentos levantados por Brecht que se evidenciam a partir dos
diálogos intertextuais com as obras citadas.
Abstract
This paper seeks to examine the intertextual aspects in the play The Caucasian Chalk Circle
by German playwright Bertolt Brecht, especially regarding the dialogue between the framing
play - because the author uses the abyss structure (mise en abyme) - and the play within the
play. It also aims to analyze the relationships between the source texts, a Chinese legend Li
Qianfu's Chalk Circle of the Yuan Dynasty (1259–1368), which Brecht came across in the
1920s, inspiring him to move around the action for Germany of the Thirty Years War, and the
tale Brecht's own 1940 Augsburg Chalk Circle. Thus, among other aspects, it appears that the
work under review is a rewriting not only of the Chinese legend, but also of Brecht's tale,
mentioned above. In addition, the play incorporates aspects that refer to the biblical episode of
Solomonic judgment. From reflections of Robert Stam, Linda Hutcheon and Patrice Pavis,
19
Mestre em Teoria Literária pela UNIANDRADE. E-mail: cristianefernandes@email.com
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which will be used to illuminate the analysis, it is intended to discuss some questions raised
by Brecht that are evidenced from the intertextual dialogues with the cited works.
Introdução
A obra estudada neste artigo foi O círculo de giz caucasiano, que contém em seu bojo
dois conflitos jurídicos, sendo que o último é apresentado como peça dentro da peça para
iluminar a solução adotada no primeiro. A peça interior trata das narrativas de Grusche e de
Azdak. Ambas têm início no mesmo domingo de Páscoa e perduram por dois anos, quando,
então, se mesclam para a cena final, do julgamento. Assim, a obra conta com uma terceira
narrativa inserida dentro da peça, na qual o universo jurídico é caricaturado e analisado.
Neste artigo investigou-se a intertextualidade utilizada por Brecht na peça interna, a
qual foi reescrita a partir de um conto que Brecht escrevera dois anos antes intitulado O
círculo de giz de Augsburg, o qual, de sua vez, fora adaptado por meio de impressões
apreendidas de uma lenda chinesa datada do século XIV. Assim, se de um lado Brecht agrega
à peça a metateatralidade, como recurso de distanciamento; de outro, faz valorosa adaptação
de um famoso episódio bíblico, de uma lenda do séc. XIV e do conto que escreveu
precedentemente, sendo estes alguns dos temas que se procurou abordar, amparando-se em
Linda Hutcheon e Pavis, neste estudo.
Dentro do recorte proposto neste artigo, interessa a investigação apenas da peça
interna, na qual o governador morre assassinado e seu filho ainda bebê fica à própria sorte.
Sua esposa foge, parecendo não estar muito interessada na criança, mas na sua própria vida e
nas suas roupas. Ao passo que uma serva se compadece com o abandono e assume os
cuidados com o bebê. Finda a revolução, a esposa do governador volta para reivindicar o que
acredita serem os seus direitos. Contudo, para receber a herança, deixada por ocasião do
falecimento de seu marido, precisa do filho e o reinvidica, não interessada no infante, mas nos
direitos sucessórios deste. Mas para receber a herança, deixada por ocasião do falecimento de
seu marido, precisa do filho e o reivindica, não interessada no infante, mas nos direitos
sucessórios deste. O juiz, então, ordena que a criança seja colocada dentro de um círculo
desenhado com giz, a fim de decidir com quem deve ficar. As duas mulheres começam a
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puxar a criança e a serva, com medo de machucá-la, pára de puxá-la, mas, mesmo assim e
bem por isso, o juiz concede a guarda à serva.
Estes são, em resumo sumário, os temas principais abordados na obra sob exame.que
são alimentados pelas lições do materialismo dialético. A primeira lição é a da bondade, ou
nas palavras de Brecht da ―terrível tentação da bondade‖. Afinal, como ser bom em uma
sociedade francamente má? Como fazer o bem sem fazer o jogo dos maus? Segundo Barthes,
essa é uma questão recorrente em quase todas as peças de Brecht:
Assim, busca-se analisar a relação entre a peça interna da obra do dramaturgo alemão
e seus textos-fonte: o julgamento de Salomão, a lenda do círculo de giz e O Círculo de giz de
Augsburg, este último de autoria do próprio Brecht. Sendo estes os temas que se procurou
abordar neste estudo.
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livro The Fluid Text, assevera que nenhum texto é algo fixo, pois há sempre uma variedade de
versões manuscritas, revisões e diferentes edições impressas. Além disso, para o autor, a
fluidez se dá de dois modos: por ocasião da produção da obra, o que se verifica na redação,
revisão, publicação e performance; e, por meio de alterações materiais propriamente ditas,
como a censura, a tradução, expurgando ou condensando.
Ainda, a partir de reflexões abordadas em Uma teoria da adaptação, Linda Hutcheon
analisa com propriedade o apelo das adaptações, ou seja, o que motiva um autor a adaptar
determinada obra. A estudiosa observa, inicialmente, a existência de uma retórica negativa
quanto ao uso da adaptação. Nada obstante, verifica-se que há um público enorme interessado
nas adaptações, não só formado por crianças. Nessa linha, Hutcheon explica que:
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não se podendo presumir, portanto, que os interesses na adaptação dizem respeito tão somente
ao lucro econômico.
Ademais, a autora pondera que ―A adaptação representa o modo como as histórias
evoluem e se transformam para se adequar a novos tempos e a diferentes lugares. [...] as
histórias viajantes adaptam-se a culturas locais, do mesmo modo como as populações de
organismos adaptam-se a ambientes locais‖ (HUTCHEON, 2013, p. 234).
A partir de tal observação, confirma-se o objetivo didático de Brecht ao editar A lenda
do círculo de giz, adaptando-a para a concretização de O círculo de giz caucasiano.
Quanto à alteração da textualidade, observa-se que esta varia, sobretudo, nas
traduções, as quais se adaptam à linguagem contemporânea, sendo certo que por vezes a
tradução vem acompanhada de uma verdadeira adaptação. Segundo Pavis, ―o teatro, melhor
do que qualquer outro gênero, joga com a materialidade e a maleabilidade do texto dramático
e do palco‖ (PAVIS, 2013, p. 301). Assim, o tradutor tem a liberdade de adaptar o texto às
necessidades futuras da encenação. Em verdade, tal processo de tradução e também adaptação
é característico da encenação em geral como forma de viabilizar sua execução em
determinada língua e contexto histórico.
Não menos importante, por fim, é a condensação, que não hesita em realizar cortes,
procedimento este que permite evitar tudo quanto for supérfluo no palco. Nas apresentações
da peça, além do prólogo sobre a disputa do vale, omitem-se algumas aventuras vividas pela
protagonista e a criança, notadamente a parte em que Grusche tenta se hospedar na estalagem
e quando consegue atravessar o abismo, despistando os cavalarianos. Também está ausente a
cena em que Miguel brinca com outras crianças de Príncipe decapitado.
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Brecht se depara com o tema, ainda na década de 1920, ao ler a peça chinesa O círculo
de giz20, a qual é por ele relembrada, cerca de dez anos mais tarde, em um artigo sobre o
teatro alemão antes de Hitler. Porém, o dramaturgo apenas começa a rascunhar a peça em
estudo em 1938-1939, quando exilado na Dinamarca. Em tal versão Brecht conjuga ―os temas
chineses a um episódio da história dinamarquesa e fazia da figura do juiz o eixo da ação‖
(RÖHRIG; TITAN JR., 2002, p. 11).
Assim, a história d‘O círculo de giz caucasiano deriva do The Chalk Circle e pode ser
vista como um "primeiro rascunho" para o conto O círculo de giz de Augsburg (1940) e,
posteriormente, à peça ora em estudo (1945).
O círculo de giz (灰 闌 記, Hoeï-La‘n-Ki, às vezes traduzido Chalk Circle, The Circle
of Chalk, ou A Circle of Chalk), de Li Qianfu (também transliterado como Li Ch'ien-fu, Li
Xingdao, Li Hsing-tao, ou Li Xingfu), da dinastia Yuan (1259-1368) foi preservado em uma
coleção intitulada Yuan-chu-po-cheng ou The Hundred Pieces. O original da língua chinesa é
conhecido pela beleza de seus versos líricos e considerado uma obra-prima do período da
dinastia Yuan.
O texto foi traduzido e adaptado por Klabund e encenado em Berlim em 1925, com
direção de Max Reinhardt. A ação se desenvolve no século XI em torno de um personagem
histórico, o juiz Pao-Tscheng, que estabelece a justiça em um difícil processo de disputa de
maternidade, usando como procedimento um círculo traçado no solo com giz, no qual a
criança é colocada dentro e cada uma das mulheres que se pretendiam mãe deveriam puxá-la a
fim de retirá-la do círculo. Na lenda, a verdadeira mãe (biológica) hesita em puxar os braços
do filho e é declarada a mãe legítima em um final feliz em que ela acaba se casando com o
Príncipe Pao.
A lenda trata de uma menina de dezesseis anos, Haï-Thang (também transliterada Hai-
t'ang, Hi-tang ou Tchang-Haï-Thang), a qual é vendida, por sua paupérrima família a uma
casa de prostituição, onde se torna amiga de Ma-Kiun-Khing, um rico coletor de impostos,
20
O título original era O risco de giz, cuja tradução realizada por Klabund (pseudônimo de Alfred Henschke)
alterou o título para O círculo de giz.
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que a leva para sua casa como sua segunda esposa. Consigo, ela leva um filho, Shoulang.
Contudo, a protagonista enfrenta o ciúme da primeira esposa, que, acusando-a de adultério,
envenena Ma-Kiun-Khing, culpando Haï-Thang pelo crime.
Pretendendo herdar a fortuna de Ma-Kiun-Khing, a esposa legítima alega perante um
tribunal que Shoulang é seu próprio filho. Assim, Haï-Thang é presa e espancada até
confessar. Em vias de ser enforcada, ela é salva por Pao-Tching. Em uma cena semelhante ao
julgamento de Salomão, Shoulang é colocado em um círculo de giz entre as duas mulheres, e
cada uma é ordenada a puxá-lo; como Haï-Thang não pode suportar machucar seu filho, ela é
julgada como sua verdadeira mãe.
21
A guerra dos Trinta Anos ocorreu de 1618 a 1648, especialmente na Alemanha, cujos motivos principais
foram rivalidades religiosas, dinásticas, territoriais e comerciais.
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Zingli tenha vencido a disputa, o juiz declara que, tendo mostrado maior amor, Anna é a mãe
adequada e verdadeiramente legítima.
Como se vê, o conto guarda grande semelhança com a peça analisada neste trabalho,
como a forma essencial da história e sua resolução. Assim como na peça subsequente, a causa
do conflito no conto não é pessoal, mas política (aqui, a divisão entre católicos e protestantes).
Em ambas as narrativas, a heroína deve se envolver em uma farsa para preservar sua
reputação perante a sociedade. É importante destacar, ainda, que a natureza da reivindicação
das heroínas é o afeto pela criança, cuja maternidade é passada da mãe biológica
para a adotante de fato. Ao contrário da lenda chinesa, na qual a mãe biológica sai vitoriosa,
no conto, igualmente, a razão justa de negar a maternidade da esposa, não obstante o vínculo
biológico, é fundamentada em sua própria negligência, uma vez que ela esquece a criança
porque está mais preocupada com suas roupas do que com seu dever materno.
Existem, contudo, várias diferenças marcantes entre as versões, em especial, quanto ao
cenário que é alterado da China Imperial (na lenda) para a Alemanha (no conto) e Cáucaso (na
peça). E o período escolhido, a maior guerra civil na turbulenta história da Alemanha e as
importantes consequências da guerra no cotidiano das pessoas. Por fim, o casamento da
protagonista, no final da lenda, torna-se desnecessário e fora de lugar, e, portanto, é
descartado tanto no conto, quanto na peça.
Nessa obra Brecht evidencia que nada existe em si de forma fixa. A História não
permanece no terror porque o mundo está aberto à transformação. E entre utopia e história
existe um movimento incessante, assim como as contradições objetivas não remetem
necessariamente a uma alienação subjetiva, mas são fontes de mudanças.
Trata-se, em verdade, de uma reflexão sobre o sentido da história, sobre a passagem do
poder de uma mão para a outra, mas sempre nas mãos da classe dominante. Ainda, aborda
com uma lucidez incisiva as consequências e reflexos da vida política no comportamento dos
indivíduos sejam eles pobres e ricos.
O Julgamento de Salomão
Brecht conhecia a tradição bíblica muito bem, escreveu sobre isso na sua juventude,
daí essa menção à solução salomônica, com a invocação de um tema religioso, o que a um
leitor um pouco atento salta aos olhos.
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Também em Brecht, o juiz se vale de outro critério de justiça diverso da lei. Ao passo
que o Rei Salomão, exercendo a função de magistrado, faz menção à partilha da criança ao
meio, Azdak simula um critério de justiça pela força. Em ambas as situações era intenção do
magistrado observar o comportamento espontâneo de ambas as supostas mães e sua
generosidade.
Restou assim vazado, no primeiro livro de Reis, no capítulo 3, o julgamento de
Salomão, em seu inteiro teor:
16 Então vieram duas mulheres prostitutas ter com o rei, e se puseram diante dele.
17 E disse-lhe uma das mulheres: Ah, meu senhor! Eu e esta mulher moramos na
mesma casa; e tive um filho, estando com ela naquela casa.
18 E sucedeu que, no terceiro dia depois de meu parto, também esta mulher teve um
filho. Estávamos juntas; nenhuma pessoa estranha estava conosco na casa; somente
nós duas estávamos ali.
19 Ora, durante a noite morreu o filho desta mulher, porquanto se deitara sobre ele.
20 E ela se levantou no decorrer da noite, tirou do meu lado o meu filho, enquanto a
tua serva dormia, e o deitou no seu seio, e o seu filho morto deitou-o no meu seio.
21 Quando me levantei pela manhã, para dar de mamar a meu filho, eis que estava
morto; mas, atentando eu para ele à luz do dia, eis que não era o filho que me
nascera.
22 Então disse a outra mulher: Não, mas o vivo é meu filho, e teu filho o morto.
Replicou a primeira: Não; o morto é teu filho, e meu filho o vivo. Assim falaram
perante o rei.
23 Então disse o rei: Esta diz : Este que vive é meu filho, e teu filho o morto; e esta
outra diz: Não; o morto é teu filho, e meu filho o vivo.
24 Disse mais o rei: Trazei-me uma espada. E trouxeram uma espada diante dele.
25 E disse o rei: Dividi em duas partes o menino vivo, e dai a metade a uma, e metade
a outra.
26 Mas a mulher cujo filho era o vivo falou ao rei (porque seu coração se lhe
enterneceu por seu filho, e disse: Ah, meu senhor! dai-lhe o menino vivo, e de modo
nenhum o mateis. A outra, porém, disse: Não será meu, nem teu; dividi-o.
27 Respondeu, então, o rei: Dai à primeira o menino vivo, e de modo nenhum o
mateis; ela é sua mãe.
28 E todo o Israel ouviu a sentença que o rei proferira, e temeu ao rei; porque viu que
havia nele a sabedoria de Deus para fazer justiça.
(BÍBLIA, 1950, I Reis. 3, vers.16-28).
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Considerações Finais
Em uma das mais belas peças do autor, Brecht mostra a dialética do homem fragmentado em
ser bom e ser mau; a heroína Grushe sofre terrivelmente, porquanto seduzida por sua própria
bondade ao cuidar de uma criança abandonada. E se o desfecho da trama é feliz, isso se deve
ao caráter lendário da peça e, mormente, ao personagem Azdak, que se torna um bom juiz por
ser desidioso, aplicando à sua maneira a justiça ao romper a lei.
No que se refere à solução quanto à maternidade, Brecht também inova, uma vez que,
a partir de uma lenda chinesa, na qual a maternidade restou decidida em favor da mãe
biológica, Brecht escreve o conto O círculo de giz de Augsburg, e, depois, O círculo de giz
caucasiano, nos quais o autor preconizou a maternidade socioafetiva, em detrimento da
genitora que agiu com negligência, em uma clara lição de que a lei, por vezes, está distante do
alcance da justiça.
Referências
BARTHES, Roland. O círculo de giz caucasiano. Trad. Roberta Saraiva Coutinho. In:
BRECHT, B. O círculo de giz caucasiano. Trad. Manuel Bandeira. São Paulo: Cosac &
Naify, 2002, p. 205-209.
BÍBLIA, N.T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada. Reed. Versão de Antonia Pereira de
Figueiredo. São Paulo: Ed. das Américas, 1950.
BRECHT, Bertolt. O círculo de giz caucasiano. Trad. Manuel Bandeira São Paulo: Cosac &
Naify, 2002.
BRECHT, Bertolt. O círculo de giz caucasiano. Trad. Geir de Campos. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1992.
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PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. 3. ed. São
Paulo: Perspectiva, 2011.
RÖHRIG, C.; TITAN JR, S. Prefácio. In: BRECHT, B. O círculo de giz caucasiano. Trad.
Manuel Bandeira. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, p. 9-17.
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Silvana Camilo22
Resumo
Abstract
reader to points of daily violence, problematized by the poetic language that he uses
throughout the text, which, aimed at young people, does not fail to address identity issues.
Introdução
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2005:
Prêmio Jabuti de Literatura Infanto-Juvenil, por Duelo do Batman contra a MTV.
2004:
Láurea "Altamente Recomendável", pelo livro 111 Poemas para Crianças.
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Prêmio Açorianos de Literatura Infantil, melhor livro do ano, por 111 Poemas para Crianças.
2002:
Láurea "Altamente Recomendável" pelo livro Poesia Visual.
2001:
Láurea Altamente Recomendável, pelo livro Um Elefante no Nariz.
2000:
Láurea "Altamente Recomendável" pelo livro A Árvore que Dava Sorvete.
Prêmio Açorianos de Literatura Infantil (melhor livro), por A Árvore que Dava Sorvete.
Com mais de 30 obras, em poesia e prosa, para adultos, crianças e jovens, é sua obra
infantil e juvenil que surge com destaque nos prêmios elencados. De acordo com a crítica
especializada mais recente, entre suas obras contam os seguintes títulos: Os meninos da rua
da praia (1978), Vovô fugiu de casa (1981), Boi da cara preta (1981), A jibóia Gabriela
(1984), Meg Foguete (1985), As meninas da Praça da Alfândega (1994), Ana de salto alto
(1996), 33 Ciberpoemas e uma Fábula Virtual (1996), A árvore que dava sorvete (1999),
Um elefante no nariz (2000), Minha sombra (2001), Duelo de Batman contra a MTV
(2004), Uma colcha muito curta (2007), A casa de Euclides (2013); e O menino levado ao
céu pela andorinha (2013).
No contexto acadêmico, a crítica coloca o autor entre os mais importantes escritores de
literatura para crianças e jovens no Brasil, como se lê, por exemplo, nos trabalhos de Vera
Teixeira de Aguiar e João Luís Ceccantini, para os quais ele: ―apresenta uma criação artística
plural, atingindo públicos diversos e exercitando diferentes linguagens. De certo modo,
acompanha o crescimento de seus leitores e as conquistas tecnológicas dos novos tempos‖
(AGUIAR, CECCANTINI, 2012, p. 28). Aguiar e Ceccantini também ressaltam que ―ainda
no século XX, afinado com as novas linguagens, Capparelli publica em Porto Alegre em
1997, 33 ciberpoemas e uma fábula virtual, em que o computador está presente já no título
do livro, apontando sua interferência no cotidiano das pessoas‖ (AGUIAR; CECCANTINI,
2012, p. 28).
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É, pois, o cotidiano de uma metrópole marcada pela violência que serve de mote para
o lirismo de Capparelli. Em O rapaz do metrô seu protagonista e eu lírico surge como
convite ao jovem leitor para a leitura poética mais autêntica em termos de qualidade do texto
e, sem dúvida, do próprio material gráfico da obra.
Para Vera Teixeira de Aguiar e Alice Áurea Penteado Martha ―é em O rapaz do metrô
(2014) que a violência explode, e os versos deixam transbordar as emoções de um eu-poético
estarrecido frente às chacinas que ocorrem nas linhas do metrô‖ (AGUIAR, MARTHA, 2018,
p. 134). Tal violência é observável ao se analisar a estrutura da maioria dos poemas, pois não
há uma regularidade métrica entre eles ou o uso de alguma forma fixa tradicional que
sugeriria o ―não caos‖ ou uma possível tranquilidade. Assim, as significações da violência
bem como a justificativa da revolta do eu poético diante do mundo é estruturada em nível da
construção sintagmática e/ou estilística dos poemas:
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Capparelli, ao dar o título a sua obra, não ingenuamente acrescenta um subtítulo que
merece atenção: ―Poemas para jovens em oito chacinas ou capítulos‖. Sua indicação a
respeito do destinatário de sua obra cultiva expectativas sobre a própria recepção do texto, isto
é, compreende-se que a obra deva assumir a perspectiva do leitor pretendido, considerando as
angústias e questionamentos característicos dessa fase da vida, o que se apresenta nas ―suas
manifestações mais cotidianas e verdadeiras‖ (MARTHA, 2012, p. 70):
I
Quem sou eu
Dezesseis anos
Bem distribuídos.
Boa parte nos braços
Boa parte em abraços
Em todos os sentidos.
II
Já fui saco de pancada
Mas não sou mais.
Quando me irrito,
Solto fogo pelas ventas.
Eu tô que tô
E, se quiser provar,
Tenta.
Mas me contenho.
Ah, como me contenho,
(Estou sempre ocupado
Com a manutenção
Do sistema de freios.)
Quanto aos infortúnios,
Bato-os todos de frente.
E faço viagens. Muitas viagens.
Fitando o teto de meu quarto.
Escapulo.
Logo volto à razão
De anos bem vividos,
Entre a casa e o trabalho,
Entre a escola e os amigos. (CAPPARELLI, 2014, p. 19).
Uma das facetas do jovem aprendiz, voz poética da qual o leitor não sabe o nome, é a
de ser poeta. O jovem em suas andanças pela cidade de São Paulo recria em seus poemas as
impressões e sensações que vão se constituindo a partir de um olhar atento e sensível. É
notável a sua capacidade expressiva, desde o tema mais suave, como o amor, até o mais
áspero, como as chacinas anunciadas no subtítulo:
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Considerações finais
Referências
AGUIAR, Vera; CECCANTINI, João. Poesia infantil e juvenil brasileira: uma ciranda sem
fim. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012.
MARTHA, Alice Áurea Penteado. Pequena prosa sobre versos. In: AGUIAR, Vera;
CECCANTINI, João. Poesia infantil e juvenil brasileira: uma ciranda sem fim. São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2012.
SALES, José Batista de. ―Agora eu quero cantar‖: um poema narrativo de Mario de Andrade.
Itinerários, Araraquara, n. 33, p.123-137, jul./dez. 2011
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SALES, José Batista. O poema narrativo na infância. In: AGUIAR, Vera; CECCANTINI,
João. Poesia infantil e juvenil brasileira: uma ciranda sem fim. São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2012.
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Resumo
O presente trabalho tem como objetivo a realização de uma análise de corpus textual, a partir
da leitura e análise de três contos de adivinhação de origem africana, narrativas essas
presentes no livro ―Três contos africanos de adivinhação‖ de Rogério Andrade Barbosa
(2011). Norteado pelas teorias e pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Genebra, conhecido
como Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), o artigo busca compreender como se dá o
processo de modelização de gêneros, conforme Schneuwly e Dolz (2004), e, a partir do
dispositivo de modelização desenvolvido por Barros e Maia (2017), realiza uma análise de
corpus por meio de um quadro teórico-metodológico de descrição especial. Partindo de
perguntas diretivas que auxiliam na análise do gênero e seguindo o quadro de análise textual
de Bronckart (2003), que abrange os três níveis de capacidades de linguagem apresentados
pelo ISD – ação, discursivas e linguístico-discursivas – o estudo buscará apontar as
regularidades e particularidades de escrita e enredo que compõem o conto africano de
adivinhação.
Introdução
A teoria que norteia o desenvolvimento deste trabalho está pautada nas pesquisas
realizadas pelo Grupo de Genebra filiadas ao Interacionismo Sociodiscursivo (ISD). Segundo
Bronckart (2003, p.13), o ISD é um quadro teórico que entende as condutas humanas como
―ações situadas cujas propriedades estruturais e funcionais são, antes de mais nada, um
produto da socialização‖. Por esta razão, tem como objetivo maior evidenciar o papel central
da linguagem no desenvolvimento humano.
24
Mestranda ProfLetras. E-mail: andressabarboza@hotmail.com
25
Professora permanente do ProfLetras da UENP. E-mail: nerynei@uenp.edu.br
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irá se ater ao 3º passo do processo de modelização didática, ou seja, análise de corpus a partir
de um quadro teórico-metodológico de descrição especial.
São diversas são as definições existentes para caracterizar esse gênero, porém, todas
chegam à conclusão de que contos são narrativas do gênero literário da prosa de ficção. No
geral são narrativas curtas, nas quais o escritor cria seus personagens e monta determinada
situação de maneira bem concisa. Uma das mais antigas representações literárias da
humanidade, os contos remontam suas origens aos primórdios das transmissões orais.
Acompanhando a evolução dos tempos, o gênero espelha a atual sociedade, dinâmica e
sedenta por narrativas breves e repletas de sentido. Segundo Souza (2010, p. 1), ―o conto,
como uma forma de retratar a vida através da arte, vem a ser a representação de uma visão
fragmentada do homem, mestre em criar e desenrolar histórias que hoje expressem a
descentralização do mundo e do próprio homem‖.
O conto diferencia-se do gênero ―romance‖ não apenas pelo tamanho, mas também
por sua estrutura composicional. Poucas personagens participam da narrativa e os
acontecimentos são breves, sem grandes complicações. As ações encaminham-se de maneira
linear e todas as informações apresentadas são de suma importância para compreensão da
história. O escritor argentino Julio Cortázar, um dos principais estudiosos do gênero, no
ensaio Alguns aspectos do conto (1993), tece comparações pertinentes entre conto e romance:
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Todo conto apresenta múltiplas características, porém com predominância de uma que
lhe dá sua localização em determinada categoria. Nesse sentido, o estilo de conto aqui
analisado, classificado como conto de adivinhação, destaca-se pela transmissão, originalmente
oral, e pelo seu propósito comunicativo, que é o resgate de valores culturais de determinados
povos. A característica principal dos contos de adivinhação, conforme observou Câmara
Cascudo (―As adivinhas populares‖. Etnologia portuguesa, 1880-1881), é que ―a vitória do
herói depende da solução de uma adivinhação, charada, enigma, tradução de gestos,
decifração da origem de certos objetos‖.
O escritor Ricardo Azevedo (2008) refere-se aos contos de adivinhação como: ―A
adivinha, portanto, pode ser considerada uma espécie de introdução à linguagem poética, mas
mais que isso. Nas sociedades antigas, druidas e sacerdotes eram admirados justamente
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porque sabiam decifrar enigmas. Para esses povos, os enigmas traziam sempre um
conhecimento sagrado sobre a vida e o mundo‖.
Em um sentido amplo, é reconhecível que os contos trazem consigo assuntos diversos
e importantes de serem pautados no contexto escolar. Falam de valores importantes, com
personagens que representam estereótipos e características fáceis de serem reconhecidas entre
as pessoas. Focalizando nas narrativas da Literatura Africana e Afro-brasileira, Silva e Sá
Vintecinco afirmam que elas
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verdade, o bem coletivo, a defesa do mais fraco, a natureza como mãe de todo ser vivo, dentre
outros. No livro escolhido para análise, ―Três Contos Africanos de Adivinhação‖, Rogério
Andrade Barbosa, além de recontar narrativas recolhidas da literatura oral nigeriana, interage
com o leitor, desafiando-o a solucionar os enigmas apresentados às personagens, antes do
desfecho das histórias.
Análise de corpus
O corpus analisado para esta modelização é formado por três contos de adivinhação,
todos presentes no livro ―Três contos africanos de adivinhação‖ (Barbosa, 2011). As
narrativas selecionadas e reportadas são pertencentes à literatura oral do povo hauçá, da
Nigéria, nas quais se destaca, nitidamente, a presença do número três, símbolo da perfeição
desde tempos mais remotos (BARBOSA, 2011). São elas:
Fonte: as autoras.
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Fonte: as autoras.
Fonte: as autoras.
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por que não me ajudam? O que vocês fariam se estivessem em meu lugar? Lembre-
se – argumentou, citando um antigo provérbio -, ―quem é velho já foi jovem‖. ‖
● No livro do qual foram retirados, os contos estão cercados de ilustrações que
ajudam na visualização e construção de sentidos, sobretudo para as crianças.
Todavia as mesmas não são essenciais, já que a compreensão do enredo não
depende delas.
Fonte: as autoras.
Considerações Finais
A base teórica desta análise de corpus é sociointeracionista e fundamenta-se em uma
concepção do texto como uma estrutura constituída por três níveis, denominada por Bronckart
(1997) folhado textual. Tal estrutura é constituída por três camadas por ele designadas como
infraestrutura textual, mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos. A
infraestrutura é constituída pelos tipos de discurso, suas modalidades de articulação e pelas
sequências que aparecem eventualmente nos tipos de discurso dos textos. Os mecanismos de
textualização contribuem para o estabelecimento da coerência temática. Esses mecanismos
são articulados à linearidade do texto e explicitam as grandes articulações hierárquicas e/ou
temporais do texto.
Os quadros aqui construídos a fim de sintetizar as linearidades encontradas no gênero
textual conto, especificamente o conto africano de adivinhação, distribui os níveis macros de
linguagem propostos por Bronckart (2003) em uma sequência elaborada por Barros (2012). O
estudo serve como instrumento de consulta a professores que pretendem conhecer as
particularidades do gênero, tal como elaborar futuras sequências didáticas com base
sociointeracionista para uso em sala de aula.
Referências
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2.ed. rev. aum. São Paulo: Cortez, 2011.
AZEVEDO, Ricardo. Conto popular, literatura e formação de leitores. In: Releitura. Belo
Horizonte, abril, nº 21, 2007. Disponível em: www.ricardoazevedo.com.br. Acesso em:
20/05/2019.
BARBOSA, Rogério Andrade. Três contos africanos de adivinhação. São Paulo: Paulinas,
2009.
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CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura Oral no Brasil. 2.ed. São Paulo: Global, 2006.
CORTÁZAR, Julio. Alguns aspectos do conto. In:____. Valise de cronópio. 2.ed. São Paulo:
Perspectiva, 1993.
GOTLIB, Nádia Batelha. Teoria do conto. 4.ed. São Paulo: Ática, 1988.
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Resumo
O artigo busca analisar algumas letras do compositor carioca Noel Rosa (1910-1937) feitas,
entre 1935 e 1936, para a opereta A noiva do condutor, do pianista, compositor e regente
Arnold Glückmann (1894-1951). A ênfase da análise recai na letra da marcha ―Para o bem de
todos‖. Ao pôr em cena uma família de classe média da sociedade brasileira da década de
1930, esta canção efetua uma forte crítica à hipocrisia dos relacionamentos amorosos
pautados pelo interesse econômico. O aporte teórico baseia-se na biografia sobre Noel Rosa
escrita por João Máximo e Carlos Didier (1990), nas considerações de ―ordem‖ e ―desordem
de Antonio Candido, discutidas no ensaio ―Dialética da malandragem‖ (2004), nas
observações de Roberto Reis em A permanência do círculo (1987) sobre a o fato de a
sociedade e a literatura brasileiras serem marcadas pela hierarquização e na interpretação do
preconceito nacional contra as classes populares de acordo com A elite do atraso (2017), de
Jessé Souza.
Abstract
The article aims to analyze some song lyrics by the carioca composer Noel Rosa (1910-1937)
made for the operetta A noiva do condutor (1935-1936), composed by the pianist and
conductor Arnold Glückmann (1894-1951). The main song lyrics analyzed belongs to the
marchinha ―Para o bem de todos nós‖. This lyrics of this song strongly criticize the hypocrisy
of love relationships based on economic interest by focusing on a middle class family of
Brazilian society of the 1930s. The authors who offer theoretical support to this analysis are
João Máximo and Carlos Didier (1990), Noel Rosa‘s biographers; Antonio Candido, who
discusses ―order‖ and ―disorder‖ terminologies in ―Dialética da malandragem‖ (2004),
Roberto Reis, who observes the hierarchization present in Brazilian society and literature in
his book A permanência do círculo (1987), and Jessé Souza, in A elite do atraso (2017), who
offers na interpretation of Brazilian prejudice against the popular classes.
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Professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus de Pato Branco. E-mail:
marcos_hidemi@yahoo.com.br
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Outro Noel, porém, é o foco deste artigo. Trata-se da faceta sua menos conhecida de
compositor de operetas. A ideia de fazer ―pequenas óperas bufas cariocas‖ (MÁXIMO;
DIDIER, 1990, p. 375) fora concebida por Almirante (Henrique Foreis Domingues), nos idos
de 1935, com o título de ―Como se as óperas célebres do mundo houvessem nascido aqui, no
Rio...‖ e proposta ao incansável parodista que era Noel desde os bancos escolares – recém-
contratado da Rádio Club do Brasil –, que se sentiu à vontade para dar vazão a seu humor,
criando os esboços de O barbeiro de Niterói – clara alusão a O barbeiro de Sevilha, de
Giochino Rossini –, e uma ―revista radiofônica‖ intitulada Ladrão de galinha. Na terceira
investida no terreno das operetas, a quatro mãos, Noel e o maestro Arnold Glückmann
fizeram a comédia musical A noiva do condutor, iniciada em 1935 e concluída em 1936.
Por questão de espaço, a análise aqui empreendida concentra-se em verificar certos
traços de ambiguidade na letra da marcha ―Para o bem de todos nós‖, composta por Noel para
A noiva do condutor, havendo comentários mais reduzidos para as demais letras que
compõem a opereta de Noel e Glückmann. Para tratar sobre a ambiguidade mencionada,
empregam-se as observações sobre polos da ―ordem‖ e da ―desordem‖ feitas por Antonio
Candido em ―Dialética da malandragem‖ (2004) e uma ampliação da terminologia
―nebulosa‖, empregada por Roberto Reis em A permanência do círculo (1987) e algumas
considerações acerca da classe média e das camadas pauperizadas brasileiras feitas por Jessé
Souza em A elite do atraso (2017).
No estudo sobre a malandragem na esfera literária, Antonio Candido se dedica a
esmiuçar as ações de algumas personagens do romance – sobretudo Leonardo pai e Leonardo
filho – de Manuel Antônio de Almeida Memórias de um sargento de milícias (1854-1855),
destacando que coexistem, na obra, os hemisférios da ―ordem‖ e da ―desordem‖, isto é, a
relação entre as personagens apresenta dialeticamente:
Evidencia-se, portanto, que há uma oscilação entre a norma e sua negação, haja vista
que ―A dinâmica do livro pressupõe uma gangorra dos dois polos‖ (CANDIDO, 2004, p. 32),
o que permite que se interprete o espaço e tempo intervalares deste movimento de alternância,
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―[d]a oscilação entre os dois hemisférios‖ (CANDIDO, 2004, p. 33), como um fenômeno de
ambiguidade no sentido de hesitação ou de pouca clareza.
Abordando romances produzidos desde Alencar até Clarice Lispector, o ensaio de
Roberto Reis A permanência do círculo mostra que a literatura endossa, ao longo do século
XIX, os valores sócio-históricos da ordem patriarcal e escravocrata, e mantém alguns
resquícios de tais valores na produção romanesca do século XX.
Reis mostra a forte hierarquia que marca a sociedade brasileira tanto na série histórica
quanto na literária. Nesta última, divide as personagens entre ocupantes do ―núcleo‖, cujas
figuras são homens, brancos, senhores, proprietários, fazendeiros e outros sujeitos que
exercem ou detêm poder, e personagens que pertencem à ―nebulosa‖, isto é, mulheres, negros
escravos, pobres livres, jagunços, serviçais e os demais desvalidos socioeconômicos. Entre os
membros do ―núcleo‖ e da ―nebulosa‖, é estabelecida uma relação hierárquica de dominador e
dominado.
Embora a interpretação de Reis estabeleça que as figuras que pertencem à ―nebulosa‖
são assinaladas principalmente pela marginalidade socioeconômica, é possível expandir o
significado da terminologia. Se for compreendido que elementos pertencentes à ―nebulosa‖
caracterizam-se por ser obscuros e não bem definíveis, a terminologia de Reis aponta para a
ambiguidade detectada anteriormente na intersecção de ―ordem‖ e ―desordem‖ de Candido.
Jessé Souza (2017), por seu turno, analisa, de modo interessante, o comportamento
bajulador da classe média brasileira às elites que comandam o país. Segundo o sociólogo, ela
teria herdado da ordem escravocrata a subserviência que homens livres e pobres, muitos de
ascendência negra, nutriam pelos senhores com o fito de poder inserir socioeconômica e
culturalmente na sociedade. Salienta Souza que ―Como a classe média é uma classe
intermediária, entre a elite do dinheiro, de quem é uma espécie de ‗capataz moderno‘, e as
classes populares a quem explora, ela tem que se autolegitimar tanto para cima quanto para
baixo.‖ (2017, p. 96).
Na classe média, acrescenta o sociólogo, vigora a meritocracia e a superioridade moral
– dois dados que distinguem a classe média das camadas populares. Invejando a elite na qual
se espelha, a classe média nutre um desprezo pelos pobres, pois estes exercem os misteres
menos valorizados e, como ―ralé‖ (a expressão é de Souza), acabam reproduzindo, na
contemporaneidade, os laivos da escravidão que houve no Brasil. Para os elementos da classe
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média, os sujeitos identificados com a ―ralé‖, com a ―gentinha‖, não ascendem porque não se
esforçam suficientemente, estando, portanto, condenados a miséria material.
O outro item valorizado pela classe média é a superioridade moral. É o traço que
supostamente a faz distinguir das negociatas envolvendo poderosos. Porém, como frisa Souza,
―a classe média não tem sequer, na prática, o dilema moral de se deixar corromper‖ (2017, p.
97). Nela, está arraigado, na realidade, um moralismo de fachada, que se manifesta em forma
de preconceito contra os humilhados, visto que ―a classe média é tendenciosamente
conservadora, por ser criada nesse tipo de ambiente‖ (SOUZA, 2017, p. 98).
É por intermédio deste constructo oriundo do pensamento de Reis, Candido e Souza
que este artigo vai analisar algumas canções de A noiva do condutor, buscando evidenciar,
nalgumas personagens da opereta que representam alguns elementos da classe média
brasileira, certa hipocrisia quando questões afetivas e materiais se impõem.
Nenhuma das três incursões de Noel pela opereta chegou a ser divulgada enquanto o
compositor era vivo. As revistas radiofônicas O barbeiro de Niterói e Ladrão de galinha,
escritas a lápis em papéis de programação da Rádio Club do Brasil, entusiasmaram só
Almirante e Noel, e os projetos de divulgá-las não foram adiante. Mesmo que seja bastante
elaborada tanto musicalmente quanto nas letras, Noel não viu A noiva do condutor ir ao ar
nalgum programa da rádio. A comédia musical possuía qualidades como observam João
Máximo e Carlos Didier:
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produzida por Omar Jubran composta de 14 CD e um encarte com letras, que contém todas as
primeiras gravações de canções do Poeta da Vila.
A noiva do condutor divide-se em dois atos e um ―finaletto‖. As peças musicais
compõem-se de um ―Prelúdio‖ (apenas instrumental) e as canções ―Tudo pelo teu amor‖,
―Cansei de implorar‖, ―Boas tenções‖, ―Para o bem de todos‖, ―Joaquim é condutor‖, ―Perdoa
este pecador‖, ―Tipo zero‖, ―Tudo nos une‖ e ―Finaletto‖, entremeadas por diálogos entre
Helena, Joaquim, dr. Henrique e Jota Barbosa, banqueiro, proprietário de cinemas na Europa
e pai de Joaquim. O enredo apresenta hipocrisia, apego ao dinheiro, interesse que se superpõe
ao sentimento afetivo – temáticas constantes na obra noelina.
No primeiro ato, após o ―Prelúdio‖, há uma rápida conversa entre Helena e Joaquim.
Este declina qualidades que provocam o interesse da namorada, que desconfia da sinceridade
do sentimento afetivo dele por ela. Na sequência, Joaquim canta o samba-canção ―Tudo pelo
teu amor‖, declaração de amor bem romântica destinada à jovem.
Todavia, é perceptível detectar certa ambiguidade em versos como ―Juro pela
falsidade das mulheres/Que faço tudo aquilo que quiseres‖, a anunciar a percepção, embora
fraca, de que Helena interessa-se mais pela posição social e econômica de Joaquim do que
efetivamente pela paixão que ele tenta demonstrar por ela.
Neste mesmo ato, há a entrada de dr. Henrique em cena repreendendo a filha que
namora no portão e também preocupado com a opinião alheia: ―Este rapaz é seu namorado!
Toda a vizinhança já sabe disso...‖ (MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 386). Joaquim tenta se
apresentar dizendo ser advogado, um título de prestígio que pode amainar a cólera do pai de
Helena. Isso se mostra inútil, e Joaquim acaba repreendido por dr. Henrique com o samba
―Cansei de implorar‖, paródia que Noel faz de sua composição ―Cansei de pedir‖, gravada por
Aracy de Almeida em 1935.
Típica figura das classes médias brasileiras para a qual importa mais a procedência
familiar (―Casar sem exibir credenciais/E sem dizer o nome dos seus pais‖) e o poder
econômico de Joaquim (―Amor sem nota não tem valia‖) do que qualquer sentimento afetivo
verdadeiro, dr. Henrique também nutre desconfiança quanto ao título do pretendente de
Helena, reforçando, em dois versos do samba, que ele é ―doutor‖ no sentido de uma pretensa
superioridade na hierarquia social que supõe que Joaquim – moço de 22 anos – não deva
ainda possuir.
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Há um diálogo tenso entre os três, já que o pai de Helena nutre ainda dúvidas quanto à
família e às condições materiais de Joaquim. Diante da negativa de o pai de Helena permitir o
namoro, Joaquim canta a valsa ―Boas tenções‖, em cujos versos há evidências de que o moço
apaixonado expressa os dotes esperados por dr. Henrique para que este autorize o namoro que
vem sendo feito às escondidas. Entre esses dotes, que acabam aparentemente convencendo o
pai de Helena de que a filha tem um bom partido para namorar, contabilizam-se os seguintes
predicados que Joaquim diz possuir: ―Eu sou um rapaz bem-educado/Tenho dinheiro e sou
advogado‖ – dados que reforçam que o jovem tem berço, dinheiro e uma profissão de
importância e projeção entre os membros da classe média.
Para não deixar dúvidas quanto a seu afeto por Helena e de que não é um sujeito
oriundo das camadas empobrecidas da sociedade – isto é, alguém que pertença à ―nebulosa‖,
àquele mundo em que ―ordem‖ e ―desordem‖ se confundem, àquele universo dúbio da
gentinha, da ―ralé brasileira‖ sobre a qual Jessé Souza discorre em A elite do atraso (2017) –,
Joaquim reforça a ideia de que pertence a uma família de posses: ―Eu sou um rapaz cuja
família/Além de dote, vai me dar mobília‖, e ―mobília‖ antecipa como mote os versos com os
quais dr. Henrique, a filha e Joaquim encerram o ―Finaletto‖.
Presumidamente convencido de que Joaquim também goza de prestígio social
(―doutor‖) e pode oferecer perspectivas de um bom futuro à filha, dr. Henrique enfim autoriza
o namoro entre o casal, expresso na primeira parte da marcha ―Para o bem de todos nós‖. Fica
evidente que há um acordo entre os três quando o trio canta a segunda parte da marcha:
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Esta marcha sintetiza o espírito pragmático de dr. Henrique e Helena, o qual se ajusta
conforme a percepção que ambos supõem ter das condições monetárias do noivo. Na primeira
estrofe, existe uma fala bastante moralista de um pai preocupado com o ―namoro no portão‖,
uma situação que as famílias de algumas posses de então buscavam evitar, pois podia gerar
comentários maldosos de outras pessoas, diminuindo as possibilidades do matrimônio para a
filha. Namorar dentro de casa, portanto, era ao mesmo tempo uma forma de coibir a
exposição afetiva em ruas pouco iluminadas – observe que não o pai destaca que ―não existe
lampião‖ – e também dar um caráter de seriedade do namoro, já que deixava de ser uma ação
que ocorria no espaço público, da rua, e passava a ocorrer no espaço privado, onde havia mais
controle e vigilância dos pais.
A ambiguidade que reside nesta primeira estrofe localiza-se nos seus três versos finais
e antecipa a mudança de tom repreensivo que há na primeira parte da marcha: não se trata
propriamente de uma preocupação que a filha fique malfalada na vizinhança o motivo maior
que leva o pai a obrigar um namoro dentro da casa. Na realidade, suas reais motivações são o
temor de que ―os vizinhos‖ escrevam aos jornais denigrindo a imagem da família (―Se os
vizinhos virem vocês dois à sós/Vão escrever para os jornais/Falando mal de nós...‖).
São as duas estrofes seguintes de ―Para o bem de todos nós‖ que expressam o espírito
ambíguo que caracterizam o pai de Helena e o próprio casal. Numa espécie de rebeldia ao
bom comportamento demonstrado na primeira estrofe da marcha, há uma mudança abrupta e
desaforada por parte dos três protagonistas. Como já salientado, não se trata, conforme a
conceituação de Candido, de migrar do polo da ―ordem‖ para o da ―desordem‖. Existe, na
realidade, uma tentativa de borrar ambos os polos, instalando-se no espaço intervalar entre um
e outro. Para isso, de um lado, o trio ataca com insolência os próprios valores de sua classe
(―que se dane a vizinhança‖), acatando a transgressão como norma da qual não deve
satisfação a ninguém. De outro, sobressai a imagem bastante comum dos componentes da
classe média em violar aquilo que geralmente acusam de desvio em indivíduos que ocupam os
espaços mais periféricos de nossa sociedade.
A atitude acintosa do trio contra os mais pobres que eles não tem limites. O importante
é que vão obter – mediante o endinheirado Jota Barbosa, pai de Joaquim, que aparece na parte
final da opereta – uma distinção que permite aos três expressar a moralidade titubeante que os
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une e é dado revelador da atitude dúplice que, aos poucos, vai se revelando nos dois atos da
opereta. Nesta marcha, a letra revela que Helena, o pai e Joaquim retiram a máscara da
hipocrisia e revelam, sem rodeios, que ―ordem‖ e ―desordem‖ se confundem como se fosse
alguma coisa natural. Tão natural que não há pudor quanto às possíveis críticas da
―vizinhança‖ quanto a uma descida moral (a letra traz o substantivo ―lambança‖ – justamente
destas personagens defensoras da moralidade –, descida moral justificada pelo ganhos
monetários que vai haver.
O termo ―lambança‖ também expressa o preconceito não muito velado do trio contra
os mais pobres. Ao afirmarem que não têm ―medo de lambança‖, Helena, dr. Henrique e
Joaquim fazem alusão, ainda que disfarçada, àquilo que observam nas camadas mais
empobrecidas, isto é, sujeira, tumulto, vadiagem etc. Noutras palavras, justificam o atentado
contra a moralidade reinante na classe média como uma súbita decadência, possível, porém,
de ser obscurecida mediante o poder monetário.
A prática da classe média de justificar desvios à moralidade por conta das
transgressões contra as regras sociais revela-se uma constante entre os seus ocupantes
conforme expressa os dois versos ―Quem quiser falar mal de nós... Bum!/Vá falar mal dos
seus avós... Bum!‖ Neste ponto, a letra da canção que retrata impiedosa e jocosamente a classe
média demonstra que a prestigiosa posição socioeconômica dos possíveis críticos do trio pode
ter sido obtida por meios nada louváveis e vice-versa, havendo, portanto, um acordo tácito,
um conluio, no qual todos se calam, visto que o passado destas famílias é assinalado por uma
ascensão socioeconômico suspeita.
Nos versos ―Quem quiser falar mal de nós... Bum!/Vá falar mal dos seus avós...
Bum!‖, as origens da classe média – representada na opereta por dr. Henrique, Helena e
Joaquim – são mostradas sem disfarces e atingem os próprios críticos, certamente ocupantes
da mesma classe, visto que são tratados como ―vizinhança‖. Noutras palavras, o recado
cantado pelo trio para romper com a moral e as regras evidencia, na aparência, uma
autocrítica e, ao mesmo tempo, a ambiguidade que caracteriza a hipocrisia deste grupo social.
O mesmo espírito de desfaçatez contra os possíveis críticos do relacionamento do
casal com a devida e imediata aprovação de dr. Henrique é retomado na última estrofe da
marcha. Dessa forma, qualquer mexerico que provenha dos vizinhos passa a ser considerado
como ―intriga‖. Se antes havia temor do pai de que o namoro virasse uma notícia escandalosa
nos jornais, a constatação de que monetariamente o relacionamento seja interessante – ainda
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que pai e filha surpreendam Joaquim trabalhando como condutor num bonde e seja instaurada
uma tensão que só se resolve quando ocorre a revelação final de que o moço é herdeiro de um
milionário – leva o trio a grosseiramente desacatar a ―vizinhança‖ ao observar no verso
―Macaco, nunca olhe pra seu rabo‖ que ela também agiria da mesma maneira, permitindo que
o trio conclua maledicentemente ―Que ninguém bota rabo em nós‖ – o que tipifica a
hipocrisia reinante nestes representantes da classe média.
Considerações finais
A marcha ―Para o bem de todos nós‖ sintetiza o caráter hipócrita típico dos
representantes da classe média da década de 1930, assim, como no conjunto, a opereta A
noiva do condutor é bastante representativa da veia satírica e crítica de Noel Rosa no universo
da canção popular brasileira.
Mesmo escrevendo letras para o sisudo e compenetrado maestro Arnold Glückmann,
Noel não deixa de mostrar o mundo das oscilações da ―ordem‖ e ―desordem‖, da ótica
depreciativa dos ocupantes da classe média dirigida aos que pertencem às camadas mais
pobres da sociedade (―nebulosa‖).
―Para o bem de todos nós‖ – acerca da qual a análise se deteve com mais vagar – e as
demais canções de A noiva do condutor – rapidamente mencionadas neste artigo – revelam
que não estão datadas, já que revelam muitos dos traços característicos da sociedade brasileira
contemporânea. Poder-se-ia afirmar, empregando os versos finais do samba ―Filosofia‖ (Noel
Rosa e André Filho) que a temática ―dessa gente/Que cultiva a hipocrisia‖ está no espírito da
opereta de Glückmann e Noel e perdura nos dias atuais.
Referências
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Paulo; Rio de Janeiro: Duas Cidades; Ouro Sobre Azul, 2004, p. 17-46.
JUBRAN, Omar (Org.). Noel pela primeira vez: discografia completa. [s.l.]: Funarte/Velas,
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LEITÃO, Luiz Ricardo. Noel Rosa: poeta da Vila, cronista do Brasil. 2. ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2011.
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de Brasília; Linha Gráfica Editora, 1990.
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SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.
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Jéssica A. Rocha27
Resumo
A partir do close reading, apresentamos uma releitura d‘A Escrava Isaura. O romance merece
uma reavaliação do ponto de vista da técnica. Percebe-se uma duplicação nas categorias do
romance assinalando a presença de uma marcante oposição no plano do sentido. A categoria
temporal reforça essa oposição sugerindo o desatar de um nó. Buscando a compreensão dessa
forma, entende-se que, através das tematizações e de um conjunto de palavras ligadas ao
campo semântico da ascese - as práticas na busca da união mística -, o romance revela a sua
abertura a um plano de sentido alegórico desenvolvido a partir das personagens que, além da
caracterização individual, recebem associações alegóricas. Enquanto no plano literal, o
romance enfoca o problema da escravidão, através de elementos paralelos, a narrativa se
desdobra em um nível alegórico, elaborando o tema da ascese da via purgativa, um caminho
de liberdade, à via unitiva, direcionada à união. Não se trata do romance em seu paradigma,
porque o sentido escapa às categorias tradicionais do gênero. A leitura ‗romanesca‘ perderia a
duplicação do motivo central da obra – a escravidão. A leitura de uma alegoria tradicional,
uma vez há uma metáfora recorrente - mas não continuada -, terminaria se perdendo na
multiplicidade de elementos secundários nas categorias do romance. Esse romance assimila o
o processo de uma alegoria livre. Trata-se, portanto, de um romance no qual o tema social,
através de uma metáfora recorrente, mas descontínua, espelha e duplica o tema teológico.
Abstract
We have done a close reading of The Slave Isaura aiming to promote a new comprehension of
this novel that deserves a reappraisal in its technic. The novel categories have a double
structure signing the presence of a remarkable opposition in the sense construction. The time
dimension reinforces this opposition suggesting (in its form) the untying of a knot. Trying to
comprehend this form, we understood that, through theme and with a group of words linked
to the semantic field of asceticism – practices to pursue the mystic union -, the novel reveals
an allegoric level which begins with the characters. Besides the particular characterization, the
characters display allegorical association. While in the literal level, the novel focuses in the
slavery problem, with the mentioned parallel elements of characterization, the narrative can
be unfold in a allegoric level on the theme of asceticism - from the via purgativa to the via
unitiva. There is a paradigm shift, because its sense exceeds the traditional novel categories. A
reading focusing only on the novel elements would lose the unfolding of the main theme –
slavery. A reading focusing only on the allegorical elements would lose precision since the
recurrent metaphor – not a continual one - would be lost in descriptive elements. This novel
27
Doutora em Teoria Literária pela USP. E-mail: apisdiem@usp.br
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Introdução
Através do close reading, pretendemos promover uma releitura d‘A Escrava Isaura. A
compreensão de obras literárias sob o foco da Teologia tem impulsionado uma série de
estudos acadêmicos no Brasil nos últimos trinta anos. Assim temos no corpus uma narrativa
emblemática do período romântico, mas na abordagem interdisciplinar, um estudo que integra
o panorama das pesquisas contemporâneas na área de estudos literários. A abordagem permite
descortinar um novo horizonte de sentidos, revitalizando uma obra que, paradoxalmente, é
pouco explorada pela crítica, mas, ano após ano, segue sendo obra de referência no ensino de
literatura brasileira28. O romance ainda merece uma reavaliação do ponto de vista da técnica.
ébano da caixa do piano, e as bastas madeixas ainda mais negras do que ele. São tão puras e
suaves essas linhas, que fascinam os olhos, enlevam a mente, e paralisam toda análise‖29 -
Isaura é bela; ―Isaura, por sua parte, não só pelo desenvolvimento de suas graças e atrativos
corporais, como pelos rápidos progressos de sua viva e robusta inteligência‖ – é talentosa;
―Uma pequena cruz de azeviche presa ao pescoço por uma fita preta constituía o seu único
ornamento‖ - é, ainda, uma heroína cristã. À medida que a narrativa se desenvolve, esse
aspecto é especialmente sublinhado em diversas passagens nas quais se revelam suas virtudes.
Idealizada nos moldes românticos, Isaura também recebe a caracterização de uma escrava. O
narrador assinala a ―quase pobreza do modesto trajar. [Trazia] Um vestido de chita ordinária
azul-clara‖. A própria personagem sintetiza essa dupla condição. ―Sou eu mais do que uma
simples escrava? Essa educação, que me deram, e essa beleza, que tanto me gabam, de que
me servem?... são trastes de luxo colocados na senzala do africano‖. Gera-se, desse modo,
uma dupla caracterização.
O desenrolar dessa história envolve uma causalidade realista e, ainda, uma causalidade
mágica. A causalidade realista se imprime de maneira marcante no momento em que
Martinho, com o apoio do poder público, dá a ordem de prisão a Isaura no baile. Esse
acontecimento, precedido pelo reconhecimento da escrava, da denúncia às autoridades e da
carta ao fazendeiro, determina a apreensão de Isaura por Leôncio e, por fim, seu retorno à
condição de escrava. Em paralelo, a causalidade mágica assoma em diversas situações.
Leôncio recebe a notícia da morte do comendador, que havia estabelecido um preço para a
liberdade de Isaura. Malvina, sua esposa, deixa a fazenda, porque o marido se recusa a libertá-
la. Isaura é uma escrava, de maneira que, nessa situação, não há nenhum empecilho para que
Leôncio se sirva de violência. Nesse capítulo 9, o fazendeiro faz uma série de ameaças para
que Isaura ceda às suas investidas. Aponta para o tronco e sai. Nesse momento, a escrava
dirige uma fervorosa oração aos céus. Em seguida, chega Miguel com todos os meios
dispostos para a fuga.
Trata-se de uma duplicação estrutural na qual as categorias do romance espelham a
sua oposição temática central – liberdade x escravidão, assinalando a existência de duas
ordens opostas em disputa nessa narrativa. Essa duplicação dá lugar às ―duas pontas‖ da vida
de Isaura.
29
Em coerência com o close reading, buscamos uma maior aproximação entre texto e leitor. Assim optamos
uma referência em conjunto. Todas as citações da obra tem por base a mesma edição referenciada.
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Correspondência alegórica
O primeiro passo no desatar desse nó é compreender ‗suas voltas‘ através do
discernimento de uma série de elementos alegóricos nesse romance.
Chama a atenção um elevado número de palavras ligadas ao campo semântico da
ascese – práticas tendo em vista a busca da união mística: alma, acontecimento providencial,
inspiração providencial, desígnio providencial, missão, pureza, perdão, resignação, sacrifícios,
martírio, cruz, estigmas, inferno, céu, anjos, Deus, auréola, consolações. Além disso, surgem
tematizações nesse campo semântico. O comentário do narrador assinala um tema bíblico.
―Parece que Deus de propósito tinha preparado aquela interessante cena, para mostrar [...]
quanto é vã e ridícula toda a distinção que provém do nascimento e da riqueza, e para
humilhar até o pó da terra o orgulho e fatuidade dos grandes, e exaltar e enobrecer os
humildes de nascimento, mostrando que uma escrava pode valer mais que uma duquesa‖. Os
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Judá (Ap 5:5). O quadro alegórico assinala uma releitura da temática da alma entre o bem e o
mal.
O nome Miguel - ―Quem como Deus‖ – nos remete ao chefe dos exércitos celestiais, o
Arcanjo Miguel. Em Campos, Leôncio é o principal antagonista de Miguel, que procura a
liberdade de Isaura. No Recife, Miguel passa a chamar-se ―Anselmo‖ - aquele que está sob a
proteção dos deuses. O nome, desse modo, reflete a reorganização das personagens em função
do novo espaço. ―Álvaro‖ significa gênio protetor. Assim, no Rio de Janeiro, entre os dois
anjos opostos, Miguel é o protetor de Isaura. Em Pernambuco, Isaura conhece Álvaro, e ele
passa a ser o seu defensor e o de seu pai diante das autoridades locais.
A caracterização idealizada de Isaura a apresenta como uma jovem virtuosa e, além
disso, educada e de extraordinária beleza. Seu nome revela a nota alegórica dessa
personagem. O nome ―Isaura‖ deriva da história do povo dos isauros, habitantes da região de
Isauria - atualmente um território turco ao sul de Icônio, Listra e próximo da Antioquia. O
povo defendia ferrenhamente a sua liberdade e, atacado pelo general Pérdicas, no século IV,
prefere incendiar a cidade a submeter-se. Assim, em uma primeira etapa, a personagem está
associada ao desejo de liberdade. Contudo, quando Isaura e o pai deixam o espaço da fazenda,
Isaura passa a chamar-se Elvira – ―Amante‖. O nome poderia indicar uma mudança de
conduta, mas a personagem, no Recife, continua dando seguidas e novas provas ‗da mais alta
virtude‘. O problema se explica através do tema da ascese. Nos escritos dos místicos, Deus
figura como ―o Amado‖ ao lado da alma – ―amada‖ ou ―amante‖. A caracterização de Isaura
como heroína cristã, exibindo, inclusive, as virtudes que os religiosos buscam com seus votos,
renova a associação alegórica. ―Isaura procurava ser humilde como qualquer outra escrava‖.
Isaura é humilde. ―É em nome dela que lhe peço, meu senhor; deixe de abaixar seus olhos
para uma pobre cativa, que em tudo está pronta para lhe obedecer‖. Isaura é obediente. Além
disso, Isaura repele as investidas de Leôncio e não cede mesmo sob ameaça de morte. Em
uma primeira etapa – a via purgativa, a alma precisa libertar-se das más inclinações em seu
passado. Em uma terceira etapa – a via unitiva, a alma amante encaminha a união31. Isaura é a
alma em ascese.
A narrativa exibe dois pontos de intertexto. O primeiro surge logo das mencionadas
considerações de Geraldo sobre o interesse de Álvaro por Isaura. Álvaro responde que ama
Isaura como ―O patriarca Abraão amou sua escrava Agar‖. O jovem poderia respaldar seu
31
VELASCO (p. 303).
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procedimento de várias formas, mas opta por uma referência bíblica – não social ou filosófica.
O segundo surge quando Leôncio decide vingar-se de Isaura casando-a com o jardineiro por
meio de uma mentira que a faria desistir de Álvaro. ―Ali ficou por largo tempo na mesma
posição; dir-se-ia que fora petrificada como a mulher de Ló, ao encarar as chamas em que
ardia a cidade maldita‖. A relação entre obras empresta a imagem da transformação da mulher
de Ló em estátua de sal ao choque de Isaura ao saber que Álvaro (supostamente) já teria se
casado. O 'traço' intertextual, segundo Riffaterre, é então mais (como a alusão) da ordem da
figura pontual (do detalhe) que da obra considerada na sua macro-estrutura32". O intertexto é
responsável por uma relação pontual entre obras. O romance de Bernardo de Guimarães não
está marcado pelas relações pontuais do romance nem pela reelaboração alegórica de um
enredo anterior.
Esse enredo desenvolve sua temática através de uma peculiar correspondência entre
duas séries de elementos. Não se trata de uma alegoria tradicional33. Tampouco de um
romance alegórico. Frye assinala que ―Ariosto, Goethe, Ibsen, Hawthorne escrevem num
estilo freistimmige no qual a alegoria pode ser tomada e deixada de novo, à vontade‖ 34. A
partir de Frye, Robert Denham explica que há dois tipos de alegoria – a contínua e a
freistimmige. ―Dante, Spencer e Bunyan, por exemplo, mantém as conexões alegóricas ao
longo de todo a sua obra, [já em] Hawthorne, Goethe e Ibsen, as equações simbólicas são
menos explícitas e continuadas‖35. A partir do conceito de alegoria freistimige, percebe-se que
não há uma metáfora continuada - um sequenciamento de metáforas, mas uma metáfora
recorrente nessa obra. Algumas passagens com elementos do campo semântico relacionado à
espiritualidade permitem e norteiam uma leitura alegórica de parte do enredo. Contudo, essa
leitura que precisa ser coordenada com os elementos romanescos no seu processo de produção
de sentido.
O ―martírio‖ é uma das palavras recorrentes nesse romance – junto de Isaura (4 vezes),
Álvaro (2), Miguel (1) e no comentário do narrador (1). A palavra surge, pela primeira vez,
32
Genette (p. 9).
33
Frye recorda que ―Temos real alegoria quando um poeta indica explicitamente a relação de suas imagens com
exemplos ou preceitos [...] Se isso parece ser feito continuamente, podemos dizer, com cautela, que seu escrito
‗é‘ uma alegoria (p. 93). ―Quando uma obra de ficção é escrita ou interpretada tematicamente, torna-se uma
parábola ou fábula ilustrativa. Todas as alegorias formais têm, ipso facto, forte interesse' temático (p. 59)‖. A
alegoria é tradicionalmente compreendida como metáfora continuada, mas o fator decisivo para reconhecê-la é a
temática.
34
FRYE (p. 93).
35
DENHAM.
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quando Isaura é mandada para a senzala. ―- Ah! meu Deus! - pensava ela; nem aqui posso
achar um pouco de sossego!... Em toda parte juraram martirizar-me!...‖ A palavra mártir
deriva do grego mártys - ―testemunha‖. O martírio de Isaura não corresponde ao testemunho
da fé cristã – não se trata de um problema de perseguição religiosa. Contudo, corresponde a
uma virtude cristã – ela prefere morrer a abrir mão da virtude cedendo a Leôncio. ―Na sala, os
brancos me perseguem e armam mil intrigas e enredos para me atormentarem. Aqui, [...] há
uma, que por inveja, ou seja lá pelo que for, me olha de revés e só trata de achincalhar-me‖. A
alma padece a perseguição. O narrador diz que os anjos encaminham as preces de Isaura. ―Os
anjos do céu [...] não podiam deixar de levar tão férvida e dolorosa prece aos pés do trono da
Consoladora dos Aflitos‖. A alma é amparada pelos anjos. É assistida pela Gloriosa Domina.
―O estigma do cativeiro [...] antes mais realçava o cunho de superioridade que o sopro divino
nela havia gravado em caracteres indeléveis‖. A alma revive os sofrimentos de Cristo. As
palavras de Álvaro eram como ―um hino do céu‖. A alma recebe consolações. Álvaro via em
Isaura ―a pureza de um anjo, e a nobre e altiva resignação da mártir‖. A alma exibe virtudes
no processo da ascese. Para Álvaro, ―A humildade de sua condição não pode despojar Isaura
da cândida e brilhante auréola de que a via e até hoje a vejo circundada‖. A alma demonstra
santidade.
A alegoria também se instala no protagonismo de Álvaro. ―Amo-a muito, e hei de
amá-la sempre‖. Cristo ama a alma. ―O espírito de Álvaro firmou-se por fim na íntima e
inabalável convicção de que o céu, pondo em contato o seu destino com o daquela
encantadora e infeliz escrava, tivera um desígnio providencial, e o escolhera para instrumento
da nobre e generosa missão de arrebatá-la à escravidão‖. Tem a missão de salvá-la. ―V. S.a.
está de disposição a escarnecer [...] Confesso-lhe [sr. Leôncio] que desejo muito a liberdade
dessa escrava, tanto quanto desejo a minha felicidade, e estou disposto a fazer todos os
sacrifícios possíveis para consegui-la. [...] Dou-lhe o que pedir...‖. Ele se dispõe a pagar o
preço da sua salvação.
Nos últimos capítulos, o enredo apresenta atitudes simétricas em Álvaro e Isaura.
Álvaro exclama: ―-Nunca, Isaura! [...] minha fortuna, minha tranquilidade, minha vida, tudo
sacrificarei para libertar-te do jugo desse vil tirano‖. O Mestre está disposto ao sacrifício pelas
almas. Isaura adiante afirma: ―senhor Álvaro!... não vá sacrificar-se por uma pobre escrava,
que não merece tais excessos. Abandone-me à minha sina fatal; já não é pouca felicidade para
mim ter merecido o amor de um cavalheiro tão nobre e tão amável‖. A alma-discípula está
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disposta a renunciar à própria felicidade. ―A despeito da aversão e desprezo que Leôncio lhe
merecia, Álvaro não pretendia levar ao último extremo os meios de vingança, que por um
acaso as circunstâncias tinham posto em suas mãos [...] sempre generoso, nem por isso
desejava vê-lo reduzido à miséria‖. Em paralelo, Isaura pede a Álvaro ―em nome dessa
mesma generosidade, de joelhos eu vos peço, perdão! perdão para eles‖. De joelhos, Isaura
pede por Leôncio e Malvina. A alma, seguindo o Mestre, perdoa os seus algozes. A alma
alcança a união.
Tanto o tema da escravidão quanto o da ascese não eram novidades no XIX (1875).
Contudo, o autor revisita esses temas sob uma inusitada perspectiva. Ele apresenta o problema
de uma escrava branca. Trata-se de um sutil mecanismo de identificação, de maneira que o
público leitor – e de modo especial as leitoras e as ouvintes de folhetim - pudesse, por
instantes, colocar-se no lugar da protagonista, questionando sua forma de pensar sobre a
escravidão.
No baile, o narrador promove seguidas comparações entre o nobre caráter de Isaura e
as jovens - ―ao menos a metade é ludibrio dessas invejas, ciúmes e rivalidades mesquinhas‖.
Assim o romance termina revelando um dos fatores que contribuíam para a manutenção do
cativeiro e um dos grandes desafios da abolição: o preconceito a partir da questão racial –
uma aparência. Álvaro diz a Geraldo: ―A escravidão [...] é uma indignidade, uma úlcera
hedionda na face da nação, que a tolera e protege. Por minha parte, nenhum motivo enxergo
para levar a esse ponto o respeito por um preconceito absurdo [...] bárbara e vergonhosa
instituição‖. A narrativa sugere ainda que o preconceito não estava apenas na sociedade, mas
também, muitas vezes, já havia sido assimilado pelos próprios escravos. ―- Que vim eu aqui
fazer, eu pobre escrava, no meio dos saraus dos ricos e dos fidalgos!... [...] É um crime que
cometo, envolvendo-me no meio de tão luzida sociedade; é uma traição, meu pai; eu o
conheço, e sinto remorsos... Se estas nobres senhoras adivinhassem que ao lado delas diverte-
se e dança uma miserável escrava [...]‖. Em paralelo o espelho alegórico aponta para um dos
principais desafios da ascese: o sentimento de limitação a partir da identificação com o corpo
– também uma aparência. O alma, presa à aparência, acredita que não pode e não conseguirá
libertar-se e alcançar a união, porque se identifica com a condição humana, quando poderia
identificar-se com a sua filiação divina.
A narrativa desata esses nós sob as mãos de Isaura. Na analepse do capítulo 12, a
narrativa volta à tarde do baile, na qual Isaura estava refletindo sobre o passo que estava
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prestes a dar – aceitar o convite - e sobre seu direito à fazê-lo. ―Estou convencida de que sou
digna do amor de Álvaro, ou ele não me amaria‖. Isaura consegue sua verdadeira liberdade
nesse instante. Ela desamarra o nó da escravidão com uma mudança de pensamento. Ela troca
o critério exterior da sociedade (o preconceito) pelo interno (o amor). A metanóia é um
conceito da teologia que trata de uma transformação de pensamento. Como a alma desfaz ―o
nó‖ da limitação? Descartando a identificação com o corpo – no qual está enraizada a
personalidade falível levando ao pensamento de não pode aspirar à união - pela identificação
com a alma. A alma pode alcançar a união – sob a mística cristã -, porque já traz Deus em si.
Considerações finais
A Lei arma o vício e desampara a virtude. ―Por uma estranha aberração, vemos a lei
armando o vício, e decepando os braços à virtude‖. Trata-se de um problema social. No
entanto, a elaboração deixa perceber a influência da estética medieval na tópica do mundo às
avessas.
O romance, desde a sua ascensão, associado ao surgimento da moderna noção de
indivíduo, é uma narrativa do particular. Já a alegoria, característica da Idade Média, é o
veículo de uma visão de mundo na qual predominam as abstrações, gêneros e classes através
das quais se chega a compreender o Real. Na teoria de Platão, os particulares correspondem e
nos ajudam a compreender seus arquétipos no mundo das Ideias. Assim chama a atenção esse
romance que se abre com um canto sobre a escravidão. O romance burguês apresenta o
conflito entre o sujeito e os valores da coletividade - é o lugar por excelência dos problemas
do indivíduo. No entanto, o problema de Isaura é o de uma multidão de homens e mulheres no
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Referências
BERNARDO, G. A Escrava Isaura. São Paulo: Ática, 1998.
DENHAN, R. Northrop Frye and Others: Twelve Writers Who Helped Shape His
Thinking. Ottawa: University of Ottawa Press, 2015.
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Resumo
Este artigo tem como objetivo principal discorrer sobre a hipocrisia como tema presente no
romance Caetés, de Graciliano Ramos (1892-1953), publicado em 1933. A análise se
fundamentará, em especial nas personagens de João Valério, Luísa e Adrião, que acabam
formando, ao longo da narrativa um triângulo amoroso baseado em um jogo de interesses e
mentiras românticas. Do mesmo modo, o desfecho surpreendente do livro demonstra como
para a sociedade patriarcalista o importante era manter as aparências a qualquer custo. O
casamento, o círculo de amigos e até mesmo a tentativa de se tornar escritor servem como
uma máscara que esconde o real motivo das decisões tomadas pelas personagens em Caetés.
Depois de verificada a presença da ordem patriarcal como ideologia de organização social,
utilizamos Roberto Reis em A Permanência do Círculo (1987) como aporte teórico para essa
discussão, além de Antonio Candido (2006), Mary Del Priore (2011), Manoel Francisco
Guaranha (2013), entre outros, para a discussão da obra. Através da análise notou-se que as
questões sociais presentes em Caetés refletem no interior das personagens (e vice-versa)
configurando um cenário onde a realização do homem é impossível. O romance explora o
âmago do homem, a mentira, a dissimulação, o que está sob as aparências.
Abstract
The main objective of this article is to discuss hypocrisy as a theme in the novel Caetés by
Graciliano Ramos (1892-1953), published in 1933. The analysis will be grounded, especially
in the characters of João Valério, Luísa and Adrião, that end up forming, throughout the
narrative a love triangle based on a game of interests and romantic lies. Likewise, the book's
startling outcome demonstrates how a patriarchal society was important to keep up
appearances at all costs. Marriage, the circle of friends, and even the attempt to became a
writer it is like as a hiding mask that hides the true reason for the decisions taken by the
characters in Caetés. After verifying the presence of the patriarchal order as an ideology of
social organization, Roberto Reis in A Permanência do Círculo (1987) as a theoretical basis
for this discussion, besides Antonio Candido (2006), Mary Del Priore (2011), Manoel
Francisco Guaranha ( 2013), among others, for discussion of the work. Through analysis,
36
Marivane Simonetti- Programa de Pós-graduação em Letras (PPGL), Literatura Sociedade e inteartes, da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). E-mail: marivanesimonetti@hotmail.com
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which shows how the social issues presented in Caetés reflect within the characters (and vice
versa), setting a scenario in which the realization of man is impossible. The novel explores the
core of man, the lie, the concealment, what is under the surface.
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ao falar sobre isso cita que: ―Graciliano Ramos, tanto na obra fictícia quanto na
autobiográfica, é um negador pertinaz dos valores da sociedade e das normas decorrentes.
Estas aparecem em Caetés como convite à hipocrisia, numa tonalidade muito cara às tradições
naturalistas‖ (p.86).
Aspectos assim são facilmente verificáveis na obra, principalmente na personagem de
João Valério, narrador e protagonista da história. De acordo com Candido (2006) ―João
Valério, não passa de um medíocre sem relevo, tomado por duas obsessões: os índios sobre os
quais quer escrever um romance, e Luísa, que desperta nele uma paixão violenta, mas sem
grandeza (p.139)‖.
Primeiramente, buscaremos analisar a vida de João Valério e a sua falsa amizade com
seu patrão, o velho doente e dono da casa Teixeira & Irmão. Adrião Teixeira é casado com a
jovem Luísa, moça pela qual Valério se sente atraído. Em seguida, falaremos um pouco mais
sobre o ―romance dentro do romance‖ de João Valério. Depois entraremos nos aspectos que
envolvem os relacionamentos de Valério com as mulheres, em especial com Luísa, e
discutiremos um pouco sobre o adultério, a carta anônima e o ato final de Adrião, que vem
corroborar os argumentos anteriores de que a história está baseada em hipocrisias.
João Valério era empregado de Adrião desde que ficara órfão e aparentemente
mantinha com o patrão, que havia lhe ajudado em momentos críticos, um laço muito
profundo. Estava sempre nos encontros à noite na casa do patrão, jantando, jogando xadrez e
bebendo entre amigos. Adrião via em Valério um amigo de muitas qualidades o protegia
quase como um filho. Valério decidiu ficar alguns dias sem ir à casa do patrão. Ao regressar,
depois de algumas semanas, foi recebido com grande júbilo. Essa amizade, porém, escondia a
inveja do jovem pupilo. Cobiçava a esposa, as amizades, o dinheiro, o poder de Adrião.
Valério era preguiçoso, não gostava de trabalhar. Aparentemente, antes era de boa
fortuna e perdera tudo depois da morte dos pais. Aos poucos, criou um sentimento de inveja
que o envenenou e levou ao ódio. Segundo Manoel Francisco Guaranha, que escreveu sobre
isso no artigo ―A natureza triangular do desejo no discurso do romance Caetés, de Graciliano
Ramos‖ (2013), o sujeito que deseja o objeto do possuidor não o vê como modelo, mas sim
como opositor ou intruso. Dessa maneira, a esposa e os bens de Adrião seriam o objeto
desejado, Adrião seria o possuidor e Valério o sujeito que deseja. Na narrativa, ao invés de
tomar Adrião como exemplo, Valério acaba por sentir ciúmes e toma o patrão como inimigo
(GUARANHA, 2013).
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Ao ver-se apaixonado por Luísa, Valério deixa de lado a amizade de anos com Adrião,
esquece-se de tudo que já recebeu do patrão e o vê apenas como um intruso entre seu desejo e
seu objeto de desejo:
Para que servia homem tão combalido, a perna trôpega, cifras e combinações
de xadrez na cabeça? Eu sim estava a calhar para marido dela, que sou
desempenado, gozo saúde e arranho literatura. Nova e bonita, casada com a
aquilo, que desgraça! (RAMOS, [199?], p.16).
Caetés é o romance que João Valério escreve sobre essa tribo indígena de mesmo
nome que remete a tempos da colonização. Ele tenta escrever uma história sobre esse povo
selvagem mesmo não tendo nenhum tipo de conhecimento especializado sobre tal. Nota-se
novamente aqui a cobiça de João Valério. Ele dedicava horas de seu tempo livre para escrever
um romance, ainda que não entendesse nada de arte, das letras ou dos índios caetés. Escrever
para ele não era agradável, tanto que demorou anos tentando transformar o projeto em livro.
Em um momento em que se dedicou a escrever o livro, o narrador revela sua inabilidade
literária: ―Corrigi os erros, pus um enfeite a mais na barriga de um caboclo, cortei dois
advérbios – e passei meia hora com a pena suspensa. Nada. Paciência. Quem esperou cinco
anos pode esperar mais um dia. Atirei os papéis à gaveta‖ (RAMOS, [199?], p. 23).
No excerto abaixo fica claro que todo o esforço do jovem moço para escrever um
romance, é motivado apenas por um desejo de atenção:
Ele mesmo sabe que não tem afeição para a arte da literatura e julga sua prosa como
―imensamente chata‖ e com erros. Sua dificuldade de criação se justifica pelo seu
desconhecimento histórico, porém seu desejo de se tornar bem-visto e benquisto o
impulsionava a não desistir. Porém, ao fim do romance, Valério acaba por desistir do Caetés.
Isso só acontece depois de ele estar estável como sócio da empresa que dantes fora de Adrião:
―Abandonei definitivamente os caetés: um negociante não deve se meter em coisas de arte.
(RAMOS, [199?], p.218)
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Candido (2006) salienta que o romance acabou por copiar a vida, Valério, que estava
sempre se servindo dos acontecimentos de seu dia a dia para escrever o romance, no fim ele
serviu como metáfora da vida real. Ao concluir Valério diz: ―Não ser selvagem! Que sou eu
senão um selvagem, ligeiramente polido, com uma tênue camada de verniz por fora?‖
(RAMOS, [199?], p. 131).
Roberto Reis em sua obra A permanência do círculo (1987) define o patriarcalismo
como uma estrutura formada pela colonização europeia onde a partir do senhor de engenho ou
fazendeiro, considerado o patriarca, definiam-se as posições dos outros sujeitos que não
pertenciam à casa-grande. Com o passar dos anos, tais famílias começam a ocupar as cidades
e o patriarcado é transferido para tal local. ―Mudam as figuras, mas persiste a estrutura‖
(REIS, 1987, p. 45). Assim, do mesmo modo que ocorria na casa-grande, na cidade, o
patriarca passa a comandar a família e os empregados. Para Reis a sociedade era organizada
em círculos sociais que se orientavam para o centro. Quanto mais perto do centro o indivíduo
estivesse, maior seria sua posição social. Do mesmo modo, quanto mais distante do círculo,
mais inferiorizado seria na sociedade. A isso Reis define como o centro e a nebulosa (REIS,
1987).
Aplicando a teoria de Reis à Caetés, confirmamos Adrião como o patriarca. Sua casa é
um espelho do que era a ―casa-grande‖, frequentada constantemente por várias pessoas da
nebulosa que não perdiam a chance de ―bajular‖ o patrão, o patriarca, aquele que detém o
poder. Tudo parece voltar-se para Adrião ou para sua posição na sociedade. João Valério,
assim como outros frequentadores da casa de Adrião, gravita sobre o centro buscando não se
afastar e sim se aproximar cada vez mais. Valério já havia pertencido ao centro e agora
buscava voltar a ele. Uma de suas opções era se tornar famoso por meio da literatura, mas
tendo dificuldade para tal a outra opção que lhe restava era o casamento. Seu desejo
desenfreado por Luísa o impedia de procurar por uma candidata, porém, em um dado
momento um de seus amigos lhe mostra a possibilidade de ele se casar com Marta e através
disso conseguir estabilidade social.
[...] era bonita e os bens da viúva davam-lhe encantos que a princípio eu não
tinha descoberto. Tocava piano [...] Falava francês [...] Não seria difícil
travar na igreja um namoro com ela, na missa das sete, e mandar-lhe por
intermédio de Casimira, umas cartas cheias de inflamações alambicadas,
versos de Olavo Bilac e frases estrangeiras [...]. Depois obteria umas
entrevistas à noite, à janela [...] Ficávamos noivos, casávamos, D. Engrácia
morria. Imaginei-me proprietário, vendendo tudo, arredondando aí uns
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quinhentos contos, indo viver no Rio de Janeiro com Marta, entre romances
franceses e flores de parafina. (RAMOS, [199?], p.38).
É claro que o fato da moça ser rica, como o narrador bem disse: ―davam-lhe encantos‖
que a princípio ele não notara. Buscava uma moça que aos ―olhos da sociedade‖ fosse
educada, respeitada e amável. Para se encaixar nesses quesitos, geralmente a jovem deveria
tocar piano, falar francês e fazer algum artesanato como bordar ou no caso fazer flores de
parafina. Mas, para o narrador, Marta não passa de uma ―beata sonsa‖ (RAMOS, [199?], p.
17) que despreza e se envergonha do pai que é louco. Além disso, há a velha D. Engrácia, a
viúva rica que a criou Marta e da qual vai receber toda a herança. Toda a fortuna não estaria
disponível enquanto a velha vivesse e ―esperá-la‖ morrer não era algo a que Valério queria se
submeter.
Outro importante aspecto do discurso de Caetés são os devaneios de João Valério.
Como nutria uma paixão por Luísa, mas não podia confessar seu amor para ela, ele o fazia
mentalmente e costumava imaginar como seria se conseguisse seu objeto de desejo. ―Eu
amava aquela mulher. Nunca lhe havia dito nada, porque sou tímido, mas à noite fazia-lhe
sozinho confidências apaixonadas e passava uma hora, antes de adormecer, a acariciá-la
mentalmente‖ (RAMOS, [199?], p.10)‖. Mas, quando finalmente conseguiu dormir com
Luísa, Valério confessa: ―Não lhe caí aos pés, com uma devoção mais ou menos fingida. A
felicidade perfeita que aspirei, sem poder concebê-la, rapidamente se desfez no meu espírito
(RAMOS, [199?], p.146)‖. Aos poucos a paixão se desvanece em sentido inverso do que fora
criada até que, por fim, Luísa não lhe provoca mais nenhum desejo. Essa é a confirmação de
que, em verdade, Valério nunca amou Luísa, apenas a cobiçou e cobiçou o status de tê-la.
O fato de João Valério ter afeição por Luísa ser principalmente algo egóico não é
escondido na narrativa. Logo no começo, isso fica explícito em seus planos mentais: ―Que
diabo! Se ela me preferisse ao marido, não fazia mau negócio. E quando o velhote morresse,
que aquele trambolho não podia durar, eu amarrava-me a ela, passava a sócio da firma e
engendrava filhos muito bonitos.‖ (RAMOS, [199?], p.22). Quando cogitou namorar Marta,
ele rapidamente substituiu o objeto, porém não o desejo: ―Atribuí-lhe os filhos destinados a
Luísa, quatro diabretes fortes e espertos. Suprimi radicalmente Nicolau Varejão, ser inútil.‖
(p.31). Nesse trecho é possível notar também que embora mais tarde ele critique a atitude de
Marta em desprezar o pai, quando ele o imaginou como sogro também o desprezou. Ou seja, a
opinião de Valério é moldável de acordo com seus anseios.
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Embora, como já dito, o desejo de Valério não seja escondido o leitor é conduzido a
deixar isso em segundo plano por conta da romantização do desejo. Sobre isso, Guaranha diz
que Valério sustenta dois desejos principais ao longo da obra: Luísa, mulher jovem, esposa do
patrão e escrever o romance caetés. A trajetória do narrador-protagonista se desenvolve então
nesses dois planos, o primeiro mostra a vida de João Valério em sociedade, e outro
subjacente, a tentativa solitária do protagonista escrever seu romance. ―Em ambos os planos
temos a mentira romântica que o personagem cria para si, a paixão por Luísa, desmascarada
pela verdade romanesca, cujo discurso do narrador-protagonista aos poucos desvenda para o
leitor, revelando os desejos autênticos dele‖ (GUARANHA, 2013, p.209).
O caso de Valério e Luísa durou algum tempo, porém a necessidade de manter as
aparências dentro da sociedade os forçam a negar veemente até mesmo depois de
―descobertos‖. Como o casamento era uma instituição muito prezada para os pertencentes ao
centro, manter a moral era o principal, essencialmente para a mulher. Sobre tal questão, Mary
Del Priore (2011) diz:
O adultério opunha-se às noções de fidelidade, de vida comum e de ajuda
mútua, princípios reguladores do casamento e do equilíbrio familiar interno.
O homem ou a mulher, quando adúlteros, violavam a honra conjugal,
praticando a ―injúria grave‖, que era razão, nas leis religiosas, para anulação
do matrimônio. A quebra da fidelidade era considerada falta grave para
ambos os sexos, porém colocava a mulher numa situação inferior do ponto
de vista jurídico (DEL PRIORE, 2011, p. 59).
Atentar contra a própria vida era única maneira de Adrião salvar a reputação da sua
mulher e de si mesmo. Era preferível morrer a perder a honra. Nota-se nesse trecho a intenção
de Adrião como o suicídio: ―- se você não viesse, compreendiam logo. Uma tentativa,
percebe? Salvar a reputação dela‖ (RAMOS, [199?], p. 193). Depois da morte de Adrião, os
boatos mudaram. Ninguém ousou continuar difamando seu nome depois de morto. Julgaram
que cometeu suicídio por conta de seu estado de saúde que havia tempo não estava bom: ―-fez
muito bem. Doente, escangalhado, vivendo para aí a vara e remo! Antes acabar logo.‖
(p.195). Dessa forma, Adrião salvou sua reputação e a da esposa que, embora culpada, não foi
julgada, pois a partir do falecimento do marido tornou-se herdeira de toda sua fortuna,
tornando-se assim ―o patriarca‖.
Luísa deixou a administração da casa Teixeira & Irmão para o cunhado e este
convidou João Valério para se tornar sócio. A partir desses acontecimentos, o caso entre
Valério e Luísa chega ao fim:
Aquele desejo que dantes dominava Valério arrefeceu completamente diante da sua
nova posição social. No começo do romance, Valério ornava Luísa das mais belas qualidades,
amava-a em segredo. Ao fim do romance, depois de ter conquistado seus anseios, seus
sentimentos murcharam: ―Dois meses sem ver Luísa. À noite distraía-me a repetir a mim
mesmo que ainda a amava e havia de ser feliz com ela. Hipocrisia: todos meus desejos haviam
murchado‖ (RAMOS, [199?], p.212).
Constatamos que a fraqueza moral e a corrupção de caráter são a premissa do romance
de Graciliano Ramos, que busca desvelar a condição de impossibilidade de realização do
homem, sendo o fracasso e a resignação os elementos que se conferem sentido geral à obra.
Os fatos deixam claro que a paixão de Valério por Luísa se devia principalmente pela posição
social que ele imagina ter caso pudesse substituir o patrão e em seu lugar desposá-la. A
confirmação disso se dá quando Valério adquire uma nova posição entre as pessoas de seu
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círculo por meio da sociedade com o irmão de Adrião, Vitorino, após a morte do primeiro.
Adquirida essa posição, Valério desiste também de seu projeto literário infundado que tinha
apenas como tentativa de ganhar status.
As indiferenças e o desejo egoísta entre as personagens impedem o encontro com o
outro, pois se encontram em individualidades frustradas (AYUB, 2016). Num primeiro
momento o que seria apenas um registro do cotidiano de uma cidadezinha de Alagoas, uma
descrição da vida e da organização social das pessoas daquela época e local, torna-se um
profundo questionamento sobre a condição humana.
Caetés testemunha o absurdo em que está imersa a existência humana. Está imersa em
uma máscara que falseia a realidade, que esconde o real propósito por trás dos fatos. Não
apenas Valério era um hipócrita, mesquinho, egoísta na busca de seu sucesso, assim também
era Adrião, que preferiu morrer a perder a honra, assim também Luísa, que traiu o marido por
um desejo da carne, mas que não o deixa para não perder seu poder. Todos que gravitam na
casa de Adrião e que ao final defendem sua honra mesmo sabendo da traição da sua esposa o
fazem por hipocrisia.
Antonio Candido (2006) diz que as obras de Graciliano Ramos ―constituem
essencialmente uma pesquisa progressiva da alma humana, no sentido de descobrir o que vai
de mais recôndito no homem, sob as aparências da vida superficial‖ (p.101). Graciliano
mostrou o que há de mais infantil, bárbaro e primitivo em seus personagens e assim ilustrou
também o que há de mais humanamente medíocre na nossa sociedade.
Referências
AYUB, João Paulo. O estatuto da linguagem no romance Caetés. Acta Scientiarum,
Language and Culture, vol. 38, núm. 1, Universidade Estadual de Maringá- Maringá, Brasil,
2016, p. 51-60.
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CANDIDO, Antonio. Ficção e confissão: ensaios sobre Graciliano Ramos.13a. edição revista
pelo autor I Rio de janeiro: Ouro sobre Azul 2006.
DEL PRIORE, Mary. Um século hipócrita. In: ______. Histórias íntimas: sexualidade e
erotismo na história do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2011, p. 48-87.
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Resumo
O objetivo do trabalho é apresentar a análise da obra A Vida Naquela Hora (2011) de João
Anzanello Carrascoza que reúne contos delicados que tratam de experiências, descobertas e
aprendizados do ser humano. Em histórias suaves e poéticas, João Anzanello Carrascoza
espelha as transformações íntimas de cada personagem. Nos contos de João Anzanello
Carrascoza, a passagem da infância para a adolescência se dá de maneira abrupta e intensa,
por meio de descobertas e segredos guardados por cada personagem que experiencia a
transformação. A análise desta obra faz parte de um projeto que estuda a obra de João
Anzanello Carrascoza, autor da literatura brasileira contemporânea, que escreve obras
destinadas aos públicos adulto, juvenil e infantil. Analisa-se as semelhanças e
dessemelhanças, a articulação, o diálogo, a ideologia e o projeto retórico persuasivo nas
construções narrativas e temáticas destinadas aos diferentes públicos. Para tanto, o estudo
foca nos elementos da narrativa, como narrador, personagens, espaço, tempo, linguagem e
temática. Dessa forma, tem-se como foco definir se há uma poética da literatura destinada ao
público infantil e juvenil diferente da poética da literatura destinada ao público adulto.
Analisa-se a participação do leitor e em que medida a construção de obras destinadas a
diferentes públicos tratam desse público, seus anseios, problemas, experiências e expectativas,
possibilitando que o leitor se identifique com personagens e suas vivências, aprendendo e
dialogando com elas. O desenvolvimento deste projeto de pesquisa se dá mediante pesquisa
bibliográfica e documental e levantamento de dados mediante consulta à base de dados físicos
e virtuais. Neste texto, apresenta-se a análise dos elementos da narrativa, da questão do leitor
e da estética específica para o público juvenil na obra A Vida Naquela Hora.
Abstract
The objective of this paper is to present the analysis of João Anzanello Carrascoza's A Vida
Naquela Hora (2011), which brings together delicate tales that deal with human experiences,
discoveries and learning. In soft and poetic stories, João Anzanello Carrascoza mirrors the
intimate transformations of each character. In the tales of João Anzanello Carrascoza, the
transition from childhood to adolescence occurs abruptly and intensely, through discoveries
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Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR. Campus de Paranavaí. Grupo de Pesquisa CRELIT.
E-mail: luciana_lea@hotmail.com
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and secrets kept by each character who experiences transformation. The analysis of this work
is part of a project that studies the work of João Anzanello Carrascoza, author of
contemporary Brazilian literature, who writes works for the adult, youth and children. The
similarities and dissimilarities, the articulation, the dialogue, the ideology and the persuasive
rhetorical project in the narrative and thematic constructions destined to the different publics
are analyzed. Therefore, the study focuses on the elements of the narrative, such as narrator,
characters, space, time, language and theme. Thus, the focus is to define if there is a poetics of
literature intended for children and youth different from the poetics of literature intended for
adults. The participation of the reader is analyzed and the extent to which the construction of
works for different audiences deals with this audience, their aspirations, problems,
experiences and expectations, enabling the reader to identify with characters and their
experiences, learning and dialoguing with them. The development of this research project
takes place through bibliographic and documentary research and data collection by consulting
the physical and virtual databases. This text presents the analysis of the narrative elements,
the reader question and the specific aesthetics for the youth audience in A Vida Naquela Hora.
Introdução
A produção inicial de João Anzanello Carrascoza foi de poemas. Depois, vieram as
narrativas adultas e, embora tenha estreado na literatura com a obra infantil As flores do lado
de baixo (1991), só foi se dedicar a este gênero mais tarde. Publicou duas coletâneas de
poemas em edições independentes. Em entrevista, o escritor considera o contato inaugural
com a poesia acabou por desaguar em sua prosa. Ainda antes de estrear em livro, publicou
vários contos curtos para adultos em revistas e suplementos literários.
Com uma linguagem fluida e poética, e por meio de experiências subjetivas e
intimistas, a prosa de Carrascoza possibilita a caminhada do leitor para o interior de sua
própria existência e olhar atento para questões esquecidas. A prosa de João Anzanello
Carrascoza não é de crítica social, mas de intimismo e por isso caminha quase que na
contramão da literatura brasileira contemporânea. Se a tônica da literatura na
contemporaneidade é crise, medo, ansiedade e violência nos grandes centros urbanos, por
meio de um realismo exacerbado, a prosa de Carrascoza é subjetiva, as situações são
ordinárias e familiares e as relações humanas são momentos de construção de aprendizados,
de beleza e de lirismo.
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A leitura, ainda que não integral das obras de Carrascoza, permite supor a dificuldade
de classificar em definitivo algumas obras em apenas uma categoria ou gênero. ―Aquele Água
Toda‖, livro de contos publicado em 2012, ganhou o APCA, e também recebeu o Prêmio
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Esta dificuldade de classificação também se
evidencia em outras obras, como por exemplo, o romance: ―Aos 7 e aos 40‖, de 2013, que
recebeu a indicação ―Altamente Recomendável‖, da Fundação Nacional do Livro Infantil e
Juvenil.
Muitas das personagens de João Anzanello Carrascoza são crianças, ou adultos que
rememoram sua infância, ou são pais em interação com filhos pequenos. Segundo o autor, em
entrevista concedida a Amilton Pinheiro, publicada em 2015, no site da ECA/USP:
Carrascoza elege o conto como forma privilegiada de expressão. Tanto nas produções
adultas quanto nas infantis, o escritor trabalha seus temas por meio de uma perspectiva
intimista, definida pela minúcia do enredo e pelo gosto do pormenor.
Plenas de poesia e lirismo, tendo como espaço social a pequena burguesia do interior
paulista, suas histórias recriam a complexidade das relações familiares: memórias de infância,
passagem do tempo e sensíveis diálogos entre pais e filhos.
Questionado em entrevista por Andrea Ribeiro para o Jornal Rascunho, sobre as
diferenças da literatura infantil em relação à literatura adulta e os desafios para escrever para o
leitor em formação, Carrascoza responde:
A literatura é uma água só, que assume diferentes cores. Talvez a literatura
infanto-juvenil seja mais azul, enquanto a adulta, pela sua profundidade, vai
se tornando mais escura, às vezes de um azul quase negro. Quanto ao
público, escrever é sempre um desafio, inicialmente, para si e, depois, para o
outro. Só nos aproximamos do leitor se despejamos vida em nossas histórias,
se entregamos a ele textos que respiram aventura humana. (2011).
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para enfrentar o novo e dava adeus a si mesmo, porque ali se deixava para viver uma
experiência transformadora de crescimento.
Na fazenda dos tios, as vivências e descobertas na companhia dos primos: mato, terra,
plantações, animais. E as situações-limite são vivenciadas pelo protagonista, travessias em
direção àquilo que nunca mais seria, imaginando que a sua vivência lhe bastava, esquecendo-
se do pai e da mãe e da cidade onde viera: ―quando o menino deu por si, estava ali havia dias,
sendo outro, maior‖ (2011, p.19), mais do que físico, a grandeza era na aprendizagem, porque
aprendera a ver.
―Ponto colorido‖, segundo conto do livro, retrata o encontro de pai e filho em uma
cidade onde assistem ao primeiro jogo do Brasil na copa. Andava lado a lado um homem e
seu filho, muito feliz por passar algumas horas com o pai. E todo um prenúncio de estar
vivendo uma coisa grande, pois, sem ter a certeza, que aquele seria o dia.
Num território novo, a casa do Adib, diante do primeiro contato com a televisão em
cores, o menino descobre o mundo que nasce à sua frente e mostra-se inteiro, muito ―diferente
do mundo-mundo dos outros dias, no seu mistério. Era um mundo admirável que ele
descobria de uma só vez, apalpando-o, devagarinho, com o seu olhar.‖ (2011, p.34).
Ao testemunhar a História, sentado à direita do pai e para além de si mesmo, o menino
reconhece a ―arquitetura de seu destino‖ e constrói, às avessas, ―concentrado, naquele
momento, todos os seus dias, a sua existência inteira – e o que havia nela de mais bonito.‖
(2011, p.36).
O terceiro conto, intitulado ―Sim‖, sintetiza a relação familiar que envolve confiança e
verdade. A ambiência ficcional se repete ―[...]o mesmo ver de ontem[...]‖ (2011, p.40). Lá
está a família, o cheiro de café, o ponto de vista do filho, o dia nascendo de um jeito e
morrendo, para sempre, de outro. O pai sente a falta de dinheiro na carteira e o fato gera a
tensão decisiva do conto. Descartada a desconfiança da empregada, pai e mãe inquirem o
filho e ele diz muitos nãos, e muitos juramentos de não. Diante do inegável, ele diz sim.
Perante à realidade dos fatos, resta aos pais a mais difícil missão para com o filho: ―[...]
precisavam ensinar a ele o que nem mesmo sabiam: o caminho mais curto para o sim.‖ (2011,
p.49).
No conto intitulado ―Ana‖, a menina Ana viaja de trem com os pais para visitar a avó
doente e sente que não só a estação fica para trás, mas também a sua infância. O mal-estar a
invade e a menstruação chega: ―A menina enxuga as mãos, ergue a cabeça, vê sua face
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refletida no espelho, pálida, o azul de seus olhos tremulando. Gira o trinco, vai sair do
banheiro para uma vida nova, sem ter a plena consciência de sua metamorfose.‖ (2011, p.70).
A mudança, a transformação, a passagem da infância para a adolescência é lindamente
anunciada nesta história surpreendente.
A travessia do adolescer se refere à passagem da infância para a vida adulta, momento
que envolve uma série de transformações em que Ana é convocada a desligar-se da infância e
a preparar-se para a vida adulta. Vive um processo doloroso e conflituoso de renúncia dos
objetos de amor, um luto pelas perdas do momento da infância, que evidencia para o sujeito
que para crescer é preciso tolerar perdas, se diferenciar dos pais, e se construir, regada à
lembrança poética da avó, cuja doença prenuncia a morte.
Em ―Amor-menino‖, quinto conto desta antologia, mulher e filho, voltam do trabalho
e da escola, ao entardecer. Um pneu furado deixa-os desamparados em uma avenida
movimentada. O diálogo que se entrevê é profundo, para além das palavras entre mãe e filho.
Renascimento, conhecimento, salvação e amor são palavras que resumem este conto com
desfecho surpreendente: ―O menino a mirava no seu alívio. Logo estaremos em casa! Ele
sorriu. Agora, sim, podia amar a mãe de novo, com seu amor isento de culpas.‖ (2011, p.82).
No sexto conto, ―Nova casa‖, todos se lembram da mudança e dos primeiros dias na
casa nova. A arrumação das coisas, a organização e disposição dos quartos da família, os
sorrisos e a alegria futura: ―O desenho das vidas ia se formando naquela moldura, as crianças
contribuindo para o colorido das risadas.‖ (2011, p.88). Mas o prenúncio da morte chega, a
mãe, no mesmo dia da mudança, sente, de súbito, escurecer seus olhos. E vieram outros e
mais outros mal-estares até se tornarem permanentes: ―Todos se lembravam dos primeiros
dias na nova casa. E só depois que a mãe se foi para sempre, descobriram que sua ausência já
estavam ali, quando, naquele sábado, eles lá chegaram, tão felizes.‖ (2011, p.92).
Para o garoto e moças, o desafio de transformação e superação da morte da mãe.
Diante da perda da guardiã da infância, lidar com a morte da mãe pode ser a experiência mais
dolorosa na vida. A experiência do crescimento.
Apenas as duas últimas narrativas, ―Credencial‖ e ―Primeiras letras‖, são escritas em
primeira pessoa. Seus narradores, já crescidos, rememoram eventos emblemáticos da infância.
―Assim o tempo age na consciência: espalha imagens, chacoalha ideias, muda de lugar as
lembranças‖. (2011, p. 61). Nessas duas narrativas, os narradores participam da história, com
irrestrito acesso tanto aos aspectos exteriores da vida das personagens, quanto à sua
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interioridade, revelando domínio sobre seu passado, não sendo meros espectadores. Nos
demais contos do livro, o narrador, com foco narrativo em terceira pessoa, se define pela
perspectiva por meio da qual opta para relatar os acontecimentos inerentes ao enredo.
Em ―Credencial‖, durante um almoço de negócios em que um homem conta a história
de seu pai diplomata, o protagonista rememora a sua infância junto a um homem admirável,
que não pode vê-lo crescer: seu pai. Rememora as conversas sobre o que a vida pedia quando
a mesma fruía: ―[...] naquele seu agora, que é tudo o que temos, e que, depois, vai se diluindo
na memória. (2011, p. 100)
No conto final, ―Primeiras letras‖, o narrador se dirige a um leitor invisível e sem voz
que o acompanha em viagem ao passado. Ele reencontrará a irmã na Barra do Pontal, que não
vê há muito tempo:
―Outro dia mesmo eu peguei a última foto dela […] e olhando essa foto eu
procurei naquela mulher a menina que me ensinou a ler, e aí, como se tivesse
aberto uma represa, tudo voltou, e de repente ela estava ali, e parecia que
esses anos todos não tinham passado, e lá estava eu ao pé dela, feito um
menino‖. (2011, p.115)
É por demais sintomático que o livro termine nas lembranças das primeiras letras, que
o narrador aprendeu com a irmã, que denotam o abrir os olhos para o mundo, que é letrado. E
daquilo que tem importância: a vida naquela hora.
Elementos da narrativa
Em se tratando das personagens, com exceção do conto ―Ana‖, em que protagonista e
avó são nomeadas, nos demais contos, as personagens são menino, meninas, garoto, pais, pai,
mãe, tio, tia, primos, mulher marido, denotando amplitude e maior interação do leitor com o
universo vivenciado, permitindo o processo da catarse e a identificação do leitor que se
envolve com o enredo do conto.
A partir das personagens elencadas nos contos, podemos dizer que os protagonistas de
sete, dos oito contos, são do gênero masculino, o que não destoa da maioria das obras
publicadas para o público juvenil. O protagonista é, na maioria das vezes, masculino, pois
intuito é, de acordo com as proposições de Ceccantini, ―[...] tentar ampliar a faixa do possível
público leitor.‖ (2000, p. 342).
Sabemos que o bom livro literário infantil ou juvenil é indicado para qualquer idade,
porém a idade dos protagonistas é determinante para que a obra seja classificada como
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O itálico marca a voz das personagens, realizando o diálogo do discurso direto, o que
confere modernidade à forma da linguagem utilizada, assim como ao texto como discurso.
A linguagem é poética nos oito contos analisados e encanta o leitor com o alto grau de
esteticidade:
A manhã estava lá, para envelhecer neles, que tinham despertado cedo, como
sempre: a mulher, a primeira da casa, depois o marido e, por último, o
menino. Os três, em silêncio, iam desligando a maquinaria dos sonhos e
retornavam, devagar, à realidade de suas vidas.
O cheiro de dia pairava no ar. Os olhos, outra vez surpresos, não porque
viam algo diferente – era o mesmo ver de ontem –[...] (2011, p.40)
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que a duração da ação é rápida. Nesse sentido, ressaltamos que a duração da ação está em
harmonia com a unidade de tempo.
A narrativa dos contos é predominantemente espacial. O espaço, tanto interno quanto
externo, é demasiadamente focado na obra em questão. Espaços macros (fazenda, a cidade,
uma avenida movimentada) e micros (o interior da casa e de um trem, um escritório, um
possível ônibus) particularizam a ambientação e nos mostra detalhes, sob o aspecto do ponto
de vista físico e psicológico, sobretudo, quando há deslocamento espacial. A descrição se
estende e possibilita a identificação do leitor com o ambiente representado. O elemento
espaço nesses contos representa não só o cenário de uma história, mas características internas
e externas das personagens.
Considerações finais
O movimento que se empreende em todos os contos de A vida naquela hora (2011) é o
da infância condensada e imortalizada no instante, porque a ―[...] vida é tão silenciosa, a
gente nem percebe direito que está nela […] mas, se estamos atentos, se sentimos essa dor
[…], aí descobrimos toda a sua intensidade‖. (2011, p.114)
As experiências do crescimento, muitas delas dolorosas; as transformações, que
envolvem amadurecimento e presença familiar; as mudanças, o recomeçar com liberdade e
dignidade, são captados nesse livro com muita subjetividade e sutileza. Há destaque à busca
de identidade dos protagonistas, assim como ao processo de crescimento emocional.
Em toda obra analisada não prevalece a orientação pedagogizante mas,
contrariamente a essa proposição, o contato com a língua é provocador, crítico, original e
prazeroso.
Referências
CARRASCOZA, João Anzanello. A Vida Naquela Hora. São Paulo: Scipione, 2011.
CECCANTINI, João Luís Cardoso Tápias. Uma estética da Formação: vinte anos de
Literatura juvenil brasileira premiada (1978-1997). Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências
e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Assis, 2000.
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Entrevista de João Anzanello Carrascoza a Rogério Pereira. Por Paiol Literário. Texto
publicado na edição 162. Disponível em <http://rascunho.com.br/joao-anzanello-carrascoza/>.
Acesso em: 18 mar. 2019.
Entrevista concedida a Amilton Pinheiro: João Anzanello Carrascoza fala sobre sua obra,
calcada na descoberta infantil Disponível em:
<http://www3.eca.usp.br/sites/default/files/form/biblioteca/acervo/producao-
academica/002733291.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2019.
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da Literatura. 8 ed. Coimbra: Almedina, 2002.
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Resumo
Abstract
This text features discussions of character bibliographic, exploratory and descriptive research
of qualitative mark. The focus is the impact of the dystopic romance ―The handmaids tale‖ in
the actual society and why the same is characterized dystopic. The themes presents have
theoric fundamentation, who makes the base for this dissertation. The question who around
this text is what is the impacts of a modern dystopia makes in actual socity, if this impact
could be alert for future events and how ―The handmaids tale‖ is characterized like dystopic.
The objective of this dissertation is colaborete for a critic read of dystopics and modern
romances who have a very important menssage and often is ignored. This text is about the
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Graduanda em Letras – Português/Inglês da Universidade Estadual do Norte do Paraná.
vitoriarou@hotmail.com
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Professora do Departamento de Letras da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP.
priscilapires@uenp.edu.br
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romance writed by Margaret Atwood, ―The handmaids tale‖, building a link whith recents
events.
Keywords: The handmaid‘s tale, dystopia, social impacts, romance, critical literature.
Contextualização
O estudo é uma iniciação científica que que inicialmente se propôs a analisar distopias
canônicas e uma distopia best-seller, o que traçou o rumo deste trabalho, começamos lendo e
buscando definir o termo utopia, depois passamos a estudar sobre a origem e o termo distopia,
lemos dois romances distópicos canônicos e por fim decidi escolher O conto da Aia para
escrever sobre. Procuramos, dentro deste trabalho, abordar como este livro traz convergências
entre realidade vivida por mulheres todos os dias, sendo subjugadas e diminuídas e o
romance, visando sempre apresentar uma leitura crítica para que nunca nos calemos e que
possamos estar sempre um paço a frente, uma cuidando da outra.
Análise
Encaminhamentos Metodológicos
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Revisão de Literatura
Utopia é o que ainda não é, o possível, o novo, o que está antecipado no hoje
como possibilidade de amanhã, na literatura, na música, no teatro, na
filosofia, na teologia, enfim, no pensamento humano profético (MARTINS,
2011 p. 15).
Para haver uma utopia é necessário que se rompam laços com a sociedade atual, pois
para que se construa uma sociedade ideal é necessário que os conceitos intrínsecos de
sociedade sejam afastados, o que responde as obras utópicas que sempre são discorridas em
locais distantes da civilização, como ilhas e locais afastados do continente, assim como
apresentado por Chauí . Assim, ―A utopia ao afirmar a perfeição do que é outro, propõe uma
ruptura com a totalidade da sociedade existente.‖ (CHAUÍ, 2008, s/p).
Já a distopia delimita o surgiu nas ditaduras fascistas e comunistas do século XX, que
foi o foco distópico durante muito tempo, contudo as obras distópicas já apareceram como um
subgênero reconhecido no final do século XIX, segundo Gregory Clays em ―Variedades de
Distopia‖, capítulo de seu livro intitulado Utopia: a história de uma ideia. Dentro das obras
literárias ficam muito claras as diferenças entre utopia e distopia, a distopia apresenta
inicialmente uma utopia, porém em diversos aspectos essa utopia é distorcida, de maneiras
penalizam a maior parte da população, tornando-se uma distopia.
É notório alguns aspectos que são muito característicos de distopias, como manipulação
genética, controle de natalidade, perda da autonomia e liberdade da população,
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Resultados
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políticos, logo há uma clara relação com o que ela quis passar com esse personagem, que é a
figura de um homem de poder, misógino.
Ao lado de Fred sempre está a sua esposa, Serena Joy, uma ex escritora, já que nessa
sociedade as mulheres são proibidas de escrever e ler, Serena, foi a inventora deste modelo de
governo, uma ironia, já que ela foi privada de muitos direitos que ela mesma escreveu para
que fossem retirados as mulheres. Serena representa uma mulher submissa ao seu marido,
porém que se sente soberana a outras mulheres sendo também uma mulher frágil, cheia de
inseguranças e medos, mas que defende sua ideologia acima de seus direitos e que não pensa
nas mulheres como um todo, divide as mulheres por suas personalidades, as tratando de
acordo com o seu papel na sociedade que a mesma escreveu, Serena é classificada nos
organizadores da leitura por Candido (1998) como ―Personagem elaborada com fragmentos
de vários modelos vivos, sem predominância sensível de uns sobre os outros‖ (p. 73), pois é
muito comum ver na sociedade atual mulheres que julgam outras mulheres por fazerem coisas
que é de direito de todos e não restrito a homens.
Dentro deste enredo, também temos duas outras Aias que não são a personagem
principal, Offwaren, que seu nome é Janine e Offglen que é a Emilly, Janine desde o início se
mostrou descontente com a situação atual, entretanto, com o passar do tempo e os abusos
sofridos por seu governador, acaba perdendo a lucidez. Emilly é descoberta tendo relações
com outra mulher e recebe uma horrível punição, uma tortura nos órgãos genitais para que
não fosse possível mais sentir prazer, as duas personagens são responsáveis por despertar na
personagem principal a visão de o quanto errado era tudo aquilo, estas personagens poderiam
ser denominadas por Antonio Cândido (1998) como ―Personagens construídas em torno de
um modelo, direta ou indiretamente conhecido, mas que apenas é um pretexto básico, um
estimulante para o trabalho de caracterização‖ (p. 72).
Dentro da casa do comandante existe o Nick que é como um mordomo ou motorista
particular, ele tem esse cargo por ser um homem mais pobre, então não tem o privilégio de ter
uma esposa, então mora sozinho em uma casa de fundos. Nick foi o responsável por
engravidar a personagem principal, a mando da esposa do comandante, ao suspeitar que a
infertilidade não vinha dela, com isso June e Nick começam a ter um relacionamento
escondido, Nick é sempre misterioso e cheio de segredos, então podemos encaixar sua
construção em:
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querem, este aspecto é descrito por Gregory Claeys (2013) como ―Relações sexuais são
organizadas pela aplicação de um sistema de racionamento.‖ (p. 177).
Outras características relevantes são a perda de privacidade pela população já que todas
as ruas e estabelecimentos são vigiados pelo estado o dia todo e a manipulação e controle do
ódio, eles fazem um dia do ódio para que as Aias torturarem alguém que fez algo contra o
estado, para que todas as Aias se mantenham obedientes.
Considerações finais
Referências
CLAEYS. Gregory. A busca da utopia. In: ______ Utopia: a história de uma idéia. Ed - São
Paulo: Editora Sesc, 2013.
CLAEYS. Gregory. Variedades de Distopia. In: ______ Utopia: a história de uma idéia. Ed
- São Paulo: Editora Sesc, 2013.
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LEPORE, Jill. A Golden age for dystopian fiction. The New Yorker, no. spel. New York,
2017.
MARTINS. Estevão de Rezende. Utopia: Uma história sem fim. In: MOSCATELI. Marcos
Antônio Lopes Renato. (org.) História de Países Imaginários: Variedades dos lugares
utópicos. Londrina. EDUEL, 2011.
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Resumo
Abstract
―Aperfeiçoando o imperfeito‖ by Carla Luma, the short story chosen as object of study of this
paper, is a literary text placed in virtual space. On the blog Escritoras Sucididas, the story
prompted the following proposal: a reading that ponders the presence of memory in the text.
By considering ―literary writings‖ published on the Internet as new configurations of
Literature, the goal is to analyze Luma's short story to understand what a text is and then to
verify how memory intertwines in these textures of words, images, gestures connected in
virtual space. In such short story, memory is constantly rescued through intertextuality. The
female voices emanating from Luma's text seek to contrast, through memories, hegemonic
40
Mestra em Letras pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Discente do curso de
Especialização em Ensino de Língua Inglesa da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Professora
de Língua Inglesa do Centro Internacional de Idiomas e de Português para Estrangeiros, credenciada pela
Coordenadoria de Relações Internacionais da UENP. E-mail: isa_ms@hotmail.com
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and subordinate groups in our society and the intense class struggle that runs through our
history. According to this itinerary, the story establishes relations with the Brazilian
dictatorial historical context of the 60s and 70s, bringing memories of icons of the time, both
in the soccer field and in the cultural field: Afonsinho, Gilberto Gil and Elis Regina.
Introdução
Na era digital, o fazer literário vai além da tinta e do papel, ou ainda, muito além do
texto impresso. Como complementa Borges-Teixeira, ―o ato de narrar não está restrito ao
livro, mas diz respeito à necessidade de sonhar‖ (2014, p. 6). Nesse sentido, pensar o
contemporâneo significa pensar e investigar todas as formas de expressão, inclusive, as
formas disponíveis no meio digital. Nesse sentido, podemos entender que Literatura é
―construção de mundos possíveis‖ (BORGES-TEIXEIRA, 2014, p. 6) e está em constante
transformação.
Se, como assevera Leyla Perrone-Moisés (2016), o século XXI é para a Literatura
marcado por mutações, ler e escrever passam a ganhar novas configurações. A autora sugere
que ―os leitores talvez tenham mudado mais do que os escritores‖ (2016, p. 25), o que nos
leva a entender a importância do papel do leitor nesse sistema, em especial, no espaço
cibernético. Ao compreendermos que nossos olhares também sofrem mutações, reconhecemos
que é necessário investigar e refletir sobre essas novas manifestações literárias com outros
olhares.
Tendo isso em vista, este trabalho, como o próprio título antecipa, objetiva fazer uma
leitura acerca do trabalho da memória no texto. Para tal, foi selecionado um conto, o qual
podemos entender como uma ―escrita literária‖ no contexto contemporâneo, tendo em vista
que é publicado no meio digital. ―Aperfeiçoando o imperfeito‖41, de Carla Luma42, é um conto
veiculado ao blog literário Escritoras Suicidas43.
41
Disponível em: http://www.escritorassuicidas.com.br/edicao41_1.htm#.WpgHludG1PZ. Acesso em: 01 set.
2019.
42
Carla Luma (Jacarezinho/PR, 1969) é manicure e vendedora de cosméticos. Autora do livro de memória
precoce As mãos me falam, os falos me calam, totalmente escrito em alfabeto ideográfico, pretende candidatar-se
a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras para aproximar-se dos seus ídolos: Ariano Suassuna e João
Ubaldo Ribeiro. (Texto retirado de: http://www.escritorassuicidas.com.br/carla_luma.htm#.WQd3fkcWzIU,
Acesso em: 01 set. 2019).
43
Disponível em: http://www.escritorassuicidas.com.br/. Acesso em: 01 set. 2019.
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A paranaense Carla Luma publica seus textos literários em um blog, um espaço virtual
que manifesta ―um deslocamento e reconfiguração dos modos de escrita‖ (BORGES-
TEIXEIRA, 2018, p. 66). Ao considerar os textos publicados na internet novas configurações
da Literatura, objetiva-se, a partir da análise do conto ―Aperfeiçoando o imperfeito‖,
compreender o que é um texto, uma vez que ―a literatura constitui-se como texto e circula
socialmente, convocando sujeitos à interpretação e, apesar de pertencer à ordem da criação,
para ser compreendido, tem sempre um fundo de realidade, pois se consubstancia no/pelo
mundo‖ (BORGES-TEIXEIRA, 2018, p. 64). Por fim, propõe-se verificar como a memória se
enlaça nessas tessituras de palavras, imagens, gestos que foram dispostas no espaço virtual.
No conto de Luma, notamos que a narradora começa por dizer que foi ao Vaticano,
mas que, não viu nada do que há de mais característico daquele lugar: o papa, anjos e a
Capela Sistina. Em um primeiro momento, tal afirmação parece não ter ligação com o restante
do texto. Por isso, é necessário partir para a interpretação do simbólico, uma vez que para
Barthes ―o texto é radicalmente simbólico: uma obra que se concebe, percebe e recebe a
natureza integralmente simbólica é um texto‖ (2004, p. 69).
Assim sendo, ao dar seguimento a leitura reafirma-se a ideia da presença simbólica da
figura que remete o Vaticano. Quem narra não foi realmente ao Vaticano, mas sim a África do
Sul, onde não viu Nelson Mandela, ou ―Nelsinho‖ como aparece no texto: um ícone do lugar
referido. Entende-se então, a referência feita ao Vaticano: foi a um lugar e não viu lá aquilo
que há de mais sagrado; foi a África do Sul e não viu a figura considerada uma das mais
importante deste país.
Além disso, é claro o diálogo que o texto faz com a temática do futebol, sendo que há
referências que remetem à Copa do Mundo FIFA de 2010, a qual foi sediada na África do Sul,
como as palavras (ou símbolos) mais icônicas deste evento: ―jabulani‖ e ―vuvuzelas‖. Em
contínuo, a narradora menciona as ―desculpas de Dunga e Jorginho‖, que acentua o fato de
que o Brasil perdeu um jogo decisivo sendo desclassificado das finais da Copa de 2010.
Ao interpretar a frase ―não sou aquela que se desmancha em lágrimas e tristeza pela
pátria de chuteiras‖, fica indiscutivelmente certificado que quem narra possui uma voz
feminina. Também é notável nesse enunciado, um tom de crítica à pátria brasileira, que é
confirmada na sequência do texto. Enquanto o povo brasileiro preocupa-se com a situação
esportiva do Brasil na Copa do Mundo (―pátria de chuteiras‖), a pátria brasileira encara
inúmeros problemas sociais, como a prostituição, que está também evidenciada no discurso da
voz feminina ao confessar que ao invés de chorar pelo futebol brasileiro, vendeu-se a um
paulistano, fazendo uma boa grana ao ―interpretar o papel de esposa‖.
O caráter feminino inerente à voz de quem narra o texto demonstra, conforme Borges-
Teixeira (2018), que os contos de Carla Luma manifestam predominantemente ―as
inquietações femininas em busca por uma identidade própria‖ (p. 70). Isso significa que seus
textos buscam ―romper com as funções atribuídas à mulher ao longo do tempo, revelando a
sua necessidade em buscar autonomia e espaço dentro desse mundo até então descrito pelo
homem‖ (BORGES-TEIXEIRA, 2018, p. 70).
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Quando menciona a herança do disco de vinil de Elis Regina que canta a música de
Gilberto Gil, a narradora demonstra a vontade de significar a importância das mulheres nesse
processo de luta de classes, tendo em vista que foram por muito tempo submetidas ao poder
hegemônico e que assim como Mandela e Afonsinho, sentem a necessidade de resistir com o
fim de transformar o cenário contemporâneo.
De acordo com esse itinerário, por meio da leitura do conto pode-se estabelecer
relações com o contexto histórico ditatorial brasileiro das décadas de 60 e 70, resgatado pela
memória de outrem, bem como intertextualidade com ícones da época, tanto no âmbito do
futebol, quanto no âmbito cultural: Afonsinho, Gilberto Gil e Elis Regina.
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[…] para evocar seu próprio passado, em geral a pessoa precisa recorrer às
lembranças de outras, e se transporta a pontos de referência que existem fora
de si, determinados pela sociedade. Mais do que isso, o funcionamento da
memória individual não é possível sem esses instrumentos que são as palavras
e as ideias, que o indivíduo não inventou, mas toma emprestado de seu
ambiente (HALBWACHS, 2006, p. 72).
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iniciais em que diz ―mas tive que me contentar com Kaká, Robinho e outros anjinhos cheios
de poses e de pouca inspiração‖. Afonsinho foi jogador de futebol em uma época que havia
muita exploração pelos empresários envolvidos com o meio futebolístico, onde exigia-se a
―boa aparência‖ dos jogadores adequada ao poder hegemônico. Contudo, o ex-jogador
demonstrou ser um exemplo de resistência, e, graças a ele, desde 2001, os jogadores
profissionais não são mais explorados pelos seus clubes pela ―lei do Passe‖.
Outro ―revolucionário‖, também mencionado no conto, foi Nelson Mandela, que
resistiu ao regime do apartheid, o qual determinava o poder à minoria branca que vivia na
África do Sul. Ambos, Nelson Mandela e principalmente o brasileiro Afonsinho, são
referenciados pela voz feminina que narra com o fim de afirmar um sentimento de identidade
sentido individualmente naquele momento de Copa do Mundo, mas também, um sentimento
que pode ser sentido na coletividade.
Considerações finais
O conto de Carla Luma abrange o mundo pós-moderno de que fazemos parte. A crítica
ao futebol que é feita no texto é também uma crítica a mídia, ao mercado, ao poder
hegemônico e principalmente, ao sujeito que é moldado por esse processo. Por meio da
análise do simbólico presente do texto, bem como, de referências mnemônicas, foi possível
compreender a intenção da voz feminina em destacar o contraste entre grupos hegemônicos e
subalternos na nossa sociedade e a intensa luta de classes que percorre por nossa história,
além de, refletir sobre o papel do sujeito neste meio.
O texto dessa análise traz, indubitavelmente, uma pluralidade de memórias. O fato do
conto de Luma congregar uma miríade de cenas, impressões, sentimentos e desejos revela um
sujeito reificado e costurado que perdeu o corrimão da realidade e se sente impossibilitado de
criar uma representação única e centrada de si mesmo, por isso, é detentor de uma
subjetividade múltipla e esfacelada.
―Aperfeiçoando o imperfeito‖ é um texto em que a memória é constantemente
resgatada por meio da intertextualidade, sendo esta, pois, uma característica dos escritos pós-
modernos, os quais, mantém relações com outros textos, tanto com os antigos quanto com os
contemporâneos e até mesmo com textos que ainda serão escritos, seguindo uma lógica que
pressupõe os apontamentos de Roland Barthes (2004), o qual denota que um texto é feito de
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escrituras e vozes múltiplas, ou seja, é plural e não pode depender apenas de uma
interpretação, mas de múltiplas subjetividades que trazem novos significados.
Referências
BARTHES, R. Da obra ao texto. In: ______. O rumor da língua. Trad. Mário Laranjeira.
2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 65-75.
NORA, P. Entre memória e história – a problemática dos lugares. Projeto História, São
Paulo, n.10, p. 7-28, 1993.
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