Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
MESTRADO EM DESIGN
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
7
AGRADECIMENTOS
de computação de Thayane Nani, Luisa Dalben, Mariana Dias e
Conforme poema de João Cabral de Melo Neto, Tecendo a
Laiz Meza. Os profissionais que são determinantes em minha
Manhã, “(...) Um galo sozinho não tece uma manhã (...)”, o
formação que também cito com gratidão são, Fernanda e Lídia
mesmo acontece no tear de idéias deste trabalho, no qual é
Marostica, Sandra Amaral, os consultores Beatriz Mocheggiane,
resultado de contribuições de várias pessoas nas quais tenho
Adilson, Sabrina Levinton, Cristina Rangel e minha mãe Marlene
o privilégio de conviver. Primeiramente, agradeço à Deus que
Nani, com seus trinta e sete anos de experiência na confecção.
permitiu e abençoou a realização do trabalho; em seguida aos
Menciono também em agradecimento, os professores do
meus amigos, a Ana Cláudia da Palma que sempre me auxilia
mestrado Monica Moura, Kathia Castilho e Márcia Merlo; a
na árdua tarefa de colocar nas normas; ao Renan Zacarias que
eficiência da Antonia; os colegas de turma; e principalmente,
contribui nas ilustrações e a Vivian Moreno e Maísa Cardoso que
minha orientadora que é exemplo de competência não somente
realizaram as correções de gramática. Este trabalho contou com
nos domínios referentes ao conteúdo, mas como ser humano. Por
os ouvidos pacientes das amigas e colegas de profissão, Natacha
fim agradeço a Estilista Sakina M´Sa, pela generosidade em dividir
Cortez, Patrícia Grossi, Cristiane Martins e Thaís Nanni. Agradeço
seus conhecimentos.
também a hospitalidade, o carinho, o apoio, os ouvidos e as aulas
8
estou cansada da moda chá das cinco a moda não se resume ao
comprimento do vestido da Gisele sinto falta de abordagens que
revelem o caráter de uma indústria que exerce um domínio tal
que orienta toda forma de consumo mundial um sistema invisível
que orienta nossa vida, nossa relação com o corpo com o outro
conforme demostra Bauman, também somos mercadorias e não
importa se concordamos ou não a loucura é tamanha, ou seria
sua eficácia? que nos confundimos se o mercado apresenta o que
o consumidor deseja ou o consumidor deseja porque está sobre
a égide da moda tostines é fresquinha porque vende mais? ou
vende mais porque é fresquinha?
9
RESUMO ABSTRACT
A presente pesquisa investiga as possibilidades para o estímulo ao This research investigates the possibilities to stimulate the creative
processo criativo no design de moda, por meio da conscientização process in fashion design, through awareness provided by cultural
proporcionada por leituras culturais e análises de imagens readings and image analysis founded upon the precepts of the
alicerçadas nos preceitos da abordagem triangular que considera triangular approach that considers the theoretical and practical
o campo teórico e prático observando o fazer, a leitura e a crítica field observing the to do, the reading and criticism in context. The
contextualizados. Objetiva-se buscar uma compreensão do objective is to seek an understanding of the functioning of the
funcionamento do campo da moda no que tange ao âmbito social, field of fashion with respect to the social, psychological, education,
educacional, psicológico, comunicativo e mercadológico a fim de communicative and marketing in order to draw lessons that foster
se elaborar aulas que fomentem capacidades criadoras. creative powers.
Keywords:
Palavras chaves
Fashion design, triangular approach, Creative process , Image
1.Design de moda. 2. Abordagem triangular. 3. Processo criador. analysis.
4. Análise de Imagem.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1 3.2.4 Forum 93
INTERTEIAS: LEITURAS CULTURAIS 1 3.2.5 Isabela Capeto 97
3.2.6 Le Lis Blanc 99
ALINHAVOS INICIAIS: O CROQUI DA PESQUISA 4 3.3 CONTEXTUALIZAÇÃO PARA LEITURA DE COLEÇÃO DE
MODA 102
1 LEITURA: O PROCESSO CRIADOR 11 3.3.1 Análise de Coleção de Moda 106
1.1 PROCESSO DE CRIAÇÃO E AUTORIA 15
3.3.2 Análise de coleção Dior 113
1.2 IMAGEM NO PROCESSO CRIATIVO 22
1.2.1 Ler Imagens de Moda 25
1.2.2 Imagens de Moda: Conexões Múltiplas 36
4 FAZER: LEITURA DO PROCESSO DE PRODUÇÃO 122
4.1 LEITURA DO PROCESSO CRIATIVO DE SAKINA M´Sa 130
2 CONTEXTUALIZAÇÃO 41
2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO FAZER DO PROFESSOR 46 5 INTERTECENDO CONCEITOS 139
2.2 CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIOLÓGICA DA MODA 50
2.2.1 Pierre Bourdieu e a Moda 55 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 151
2.2.2 Bourdieu e o Processo Criativo 56
2.2.3 Campo da Moda 57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 153
2.3 APROXIMAÇÕES SEMIÓTICAS DA MODA 60
2.3.1 Conscientização do Potencial Comunicativo da Moda 60
2.3.2 Estruturas Linguísticas da Moda 62
E se encorpando em tela entre todos, A perspectiva da pesquisa que observa o ensino como
Se erguendo em tenda, onde entrem todos, processo de criação se faz necessária, uma vez que, uma das
Se entretendo para todos, no toldo
faces substanciais da realidade do design consiste na criação
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo de projetos, elaboração de idéias, resolução de problemas,
Que, tecido, se eleva pó si: luz balão. configurando o trabalho criativo como a ”moeda” de troca da
(NETO, 1998, p. 233).
atividade do design. Nessa conjuntura, da importância delegada
ao processo de criação, a abordagem triangular entra em cena:
O título do texto remete ao poema, “Tecendo a manhã”,
ela possibilita um fazer e um ler contextualizados. Quesitos estes
de João Cabral de Melo Neto. Este se mostra como inspiração
fundamentais para a educação em artes, porque englobam todas
para estabelecer uma metáfora do processo criativo de moda;
as instâncias do ensino aprendizagem e assumem importância
deixando de ser poema para ser um tear de idéias que mistura
igual no planejamento da aula de moda.
fios de composições diferentes como a abordagem triangular, a
sociologia, o marketing, a Psicologia a fim de compor uma nova Vale salientar a importância de se perceber a prática de
trama de um tecido cultural. Tecido o qual atua para envolver ensino também como um processo criativo, no intuito de mediar
o processo criativo de moda com uma roupa que configure o indivíduo com o mundo objetivo, sem perder a imaginação, a
uma visão, multifatorial dos processos os quais compõem sua fim de instigar, desenvolver, processos, capacidades criadoras,
modelagem, imagem, ensino, consumo e conceito. porque a criatividade é observada no âmbito do estímulo e não do
processo de ensino. A idéia de metodologias para a criatividade
Esta pesquisa investiga caminhos, por meio do design, para
discutir o processo de criação e o seu ensino/aprendizagem em
é perigosa, pois pretende reduzi-la a etapas a serem cumpridas,
1
atividades a serem ticadas, não englobando sua possibilidade pesquisa. Já no âmbito da leitura, depara-se com as análises
de autoconhecimento do sujeito, de se atentar para variantes de imagens, observando o ensino da criação em moda, que
importantes do processo, como por exemplo, a subjetividade, de recorre primeiramente à contextualização da linguagem a qual
forma que se deixe de contemplar todo o potencial do autor. Por caracteriza a moda, com o intuito de propor um início de leituras
isso, a abordagem triangular, sistematizada por Ana Mae Barbosa do processo criativo. A consciência de que o design de moda
(2008), que compreende a interrelação entre o ler, ver, e o fazer no é um processo comunicativo, que contempla vários níveis de
ensino da arte. Esta é utilizada para alicerçar a pesquisa, porque informação, advindo das marcas, criadores, tendências, mercado,
configura uma metodologia aberta que permite contextualizações consumidores, economia, cultura, lançamentos entre outros, é
de diversas linhas, fomenta a análise crítica da imagem e o fazer importante, pois estas são manipuladas para configurar diversos
contextualizando-os, o que estimula uma criação que instiga tipos de produtos, estilos, identidades para alimentar a dinâmica
o desenvolvimento do aluno e não somente o aprendizado de do consumo de moda. Um reflexo do poder desta comunicação
técnicas. está presente no cotidiano, em produtos destinados a situações
Uma das consequências da ausência de preocupação com de uso específicas, a profissões, na segmentação do mercado,
a criatividade consiste na falta de estímulo à inventividade, à nos relatórios de vendas, nas revistas e nos demais meios que
inovação sendo um risco sério para todos os setores da indústria, publicam a associação de produtos à comportamentos e estilos
em virtude de ter seu reflexo estendido para os consumidores de vida, que se definem por meio da escolha consciente ou não.
que, com a falta de um ensino que possibilite a leitura crítica e A contextualização da linguagem de moda e do processo
estética do cotidiano, reduzem o mercado dos bens criativos. comunicativo interfere também na leitura de imagens, análises de
A abordagem do ensino da criatividade entra em consonância marcas, interpretação de coleções, produtos, criadores e consiste
com Souza (2005), que estabelece que a educação não pode em referencial importante para pensar o fazer, o processo criativo
evidenciar somente a abstração do conhecimento, instigando em diversas áreas de atuação como o desenvolvimento de
o pensamento global, a concretização e contextualização produto, produção, posicionamento de marca, pesquisa, análise
considerando o papel do imaginário e do sensível na didática de de tendências entre outras. Além disso, Barbosa (2008) defende
aula conforme a abordagem triangular de Barbosa (2008). a eficácia do poder da análise de imagem no ensino de artes;
sendo assim, levar este conceito para moda é um dos objetivos da
A abordagem da pesquisa também deriva da influência pesquisa. Pois, a moda, é uma indústria que antes de disponibilizar
do “olhar triangular” (fazer, ver, contextualizar), sendo que um produto se vale com maestria da exploração do poder da
cada capítulo corresponde a uma vértice do triângulo, com imagem. Imagem esta, que não fica restrita ao posicionamento
as contextualizações propostas pelas leituras culturais, com a da marca ou do estilista, e se integra à construção da imagem de
análise do fazer da Estilista Sakina M´Sa (ano?). No vértice do si que o consumidor decide configurar; e a inclusão de análises
fazer, tem-se a prática da elaboração do curta metragem e da que observam o mecanismo de concepção de uma imagem. Deste 2
modo, sua comunicação pode ser uma importante ferramenta para A capacidade da moda descrita por Simmel (2008), de
o ensino do processo criativo de moda, bem como a compreensão incorporar os mais variados assuntos justifica a abordagem de
da sua linguagem. leituras culturais, devido a moda ser o reflexo da realidade e da
existência humana. Nada mais rico em material para análises do
O referencial teórico que embasa as contextualizações,
que essas produções, pois fomentam leituras do cotidiano, do
além da abordagem triangular, abrange a semiótica, o marketing
design, da estética, dos meios de consagração, da sociedade, dos
e a sociologia, com o intuito de lançar luz sobre os aspectos
meios de produção, de comunicação, do corpo, entre outros, sendo
que a atuação engloba: mercadológicos, sociais, comunicativos
uma importante ferramenta para a própria criação em moda.
e psicológicos. O fato de o design ser transdisciplinar é reflexo
da complexidade humana, de aspectos biopsicossociais Nesse contexto, verifica-se a importância de possibilitar
materializados no design de moda que a sua compreensão e o leituras que englobem os mais variados aspectos utilizados para
seu ensino devem considerar. conceber uma imagem. As imagens de moda devem receber
destaque, principalmente, por consistirem em uma categoria de
“Há uma alfabetização cultural sem a qual a letra pouco
imagens que são lançadas globalmente, emitidas criteriosamente
significa. A leitura social, cultural e estética do meio ambiente vai
para atingir seu objetivo: vender. Imagens estas, fundamentais em
dar sentido ao mundo da leitura verbal” (BARBOSA, 2008, p. 28).
estudos que envolvem análises de comportamento, tendências,
De acordo com o pensamento da autora, salienta-se a necessidade
ferramentas do marketing, e o que existe de melhor e mais
de estimular a leitura cultural das imagens, ou seja, a leitura que
avançado em termos de tecnologia. Além de profissionais para
a cultura integra o entendimento, já que a inserção destas no
cada etapa de sua produção, como make up hair, produtores,
cotidiano das pessoas é extremamente explorada e o seu poder
fotógrafos, iluminadores, modelos, designers gráficos, estilistas,
ratificado no consumo, que se vale dos mais variados estratagemas
profissionais do tratamento de imagem entre outros. O resultado
para divulgá-las e posicioná-las na mente dos consumidores.
da união de pesquisa, profissionais e tecnologia avançada culmina
A soberania da arte em relação à realidade não significa de em imagens poderosas, que dominam a dinâmica do consumo
modo algum, como acredita o naturalismo e muitas teorias
do idealismo, a capacidade de extrair todos os conteúdos da
mundial, e sinalizam, desta forma, o que é o contemporâneo.
existência de seu próprio âmbito. Nenhuma das formações com Portanto, é significativa a realização de leituras culturais, que
as quais o espírito humano controla a matéria da existência, considerem os preceitos que foram utilizados na elaboração das
dando a ela uma forma segundo seus objetivos, é tão geral e
neutra a ponto de todos os conteúdos, independente de suas imagens de moda, para decodificar adequadamente as mensagens
estruturas específicas, se ajustarem a eles igualmente. Assim, a que estas transmitem, e também para auxiliar no ensino da moda
moda pode aparentemente e in abstracto, sem dúvida acolher
qualquer conteúdo: qualquer forma de vestuário, da arte, de e na produção de futuras imagens.
comportamento ou de opinião pode virar moda (SIMMEL,
2008, p.186).
Barbosa (2008) aponta o contexto pós-moderno da arte-
educação, que consiste no fazer artístico, mas em um fazer que
3
considera os parâmetros históricos, evidenciando a leitura. Essa leituras culturais no âmbito do ensino. O capítulo das análises de
premissa decorre da diferenciação que o ensino pós-moderno imagens de moda coloca em prática as leituras culturais aplicadas
apresenta: a ênfase na cognição e na elaboração; diferenciando-se para o desenvolvimento de coleção, planejamento de produto e
do modernismo que privilegiava a emoção e a originalidade. Por posicionamento de marca, observando suas diferentes aplicações.
isso, a leitura é necessária para a prática de ensino contemporânea, O vértice do fazer propõe eixos geradores de sentido para o
porque ela instiga a construção, com o contexto histórico e a estímulo do processo criativo em sala de aula, contemplando,
análise interpretativa dos dados, que implica uma crítica que novamente, os eixos do ver/ler, fazer e contextualizar. Ademais,
associa o ver e o fazer, ampliando as propostas modernas que também apresenta uma leitura em forma de texto e de um curta
consideram a exploração da expressão. Isso porque antes das metragem, o qual faz pare do processo criativo de ensino e de
considerações da pós-modernidade a criação consistia no fazer desenvolvimento de produto da estilista Sakina M´Sa. Por fim,
objetos; com a contemporaneidade, o fazer torna-se conceber. o sexto capítulo Intertecendo Conceitos, integra os vértices da
A observação da prática de ensino de arte e da conceituação abordagem triangular, quando esta deixa de ser triângulo e se
da arte como cultura, é importante, porque alicerça a leitura de transforma em teia com leituras contextualizadas do fazer na
imagens de moda. Nesse contexto, surge o conceito da interteia, moda e no ensino.
título da pesquisa, que inaugura às interpelações que a esta se
propõe, com a abordagem triangular apresentando leituras, ALINHAVOS INICIAIS: O CROQUI DA PESQUISA
contextualizações e ações interconectadas juntamente com as
imagens de moda que tecem ainda redes com a sociologia pela
O título do texto segue um tom mais informal e será escrito
perspectiva de Bourdieu (2002), a Psicologia no processo de
em primeira pessoa porque sofre influência do aprendizado que
criação, as estruturas linguísticas da moda, como também as
tive na banca de qualificação, que ressaltou a importância de
estratégias de marketing empregadas para o posicionamento
observar o aspecto processual de uma atividade criadora e me
tanto de marcas como de estilistas através das imagens.
incentivou a “conversar mais com os autores”. Com isso, após
Desse modo, os capítulos foram concatenados visando estruturar novamente o sumário da pesquisa, senti necessidade
uma coerência com a abordagem triangular, que não possui de adicionar este texto depois da introdução, porque conclui que
ordem, sendo apresentado primeiramente, o vértice da leitura, não seria conveniente alterá-la. Este texto é sobre meu processo
que interpreta o processo criador. Em seguida, o vértice da de pesquisa, principalmente minhas motivações.
contextualização, o qual contextualiza as diferentes manifestações
Entrei para o mestrado após ter concluído duas
da moda com o apoio de leituras culturais como as semióticas,
graduações realizadas ao mesmo tempo, a de Artes Visuais
sociológicas e mercadológicas, e a atividade do professor – posto
e a de Moda. Meu primeiro contato com o ensino superior foi
que esta dissertação observa o processo criador por meio de
decepcionante, porque sempre estudei em colégios excelentes, e 4
tive o privilégio de ter estudado com professores incríveis e em simpatizo com o ensino, inclusive cheguei a cursar Magistério
constante estado de pesquisa, diferente do corpo docente da junto com Educação Geral no Ensino médio, por isso optei por
faculdade - que isso se aplicava a uma ínfima minoria. No curso fazer um curso com licenciatura.
de Artes, tive a feliz oportunidade de ter um primeiro contato Quanto ao Mestrado, minha carta de intenção
com a abordagem triangular, mas uma frustração grande por não apresentava um esboço de projeto para desenvolver um livro
encontrar no estágio supervisionado um compromisso para com didático de artes para ensino médio, interdisciplinar que
o preparo das aulas, porém apenas com o cumprimento da carga explorasse o design. E, dentro da carta, apresentei uma citação
horária. de Cláudio Moura e Castro, que demonstra a necessidade de
Como nasci dentro de uma indústria de confecção, que livros mais práticos. Aproximei-me da abordagem triangular,
está há trinta e sete anos no mercado, ao entrar no curso de moda porque ela também questiona “porque não se pode ensinar arte”?
senti-me desestimulada com o que me deparei. Devido a isso, Mesmo não sendo muito acadêmico utilizar um artigo da Revista
comecei a freqüentar congressos, muitas vezes sendo a única da Veja, gostaria de citá-lo, novamente, uma vez que o contexto de
minha instituição a me aproximar da pesquisa e principalmente depoimento permite:
do Design, conhecendo autores e metodologias de trabalho.
Essas primeiras impressões foram se solidificando e se juntando Nessas faculdades eles ouvem falar dos livros de muitos
com observações empíricas e conversas informais com alunos, autores, vivos e defuntos, nenhum dos quais ensina a dar
aula. Em compensação estudam as mais exaltadas teorias, (...)
consultores e professores de outras instituições e cidades. Estas os intelectuais orgânicos e a psicogênese do conhecimento.
conversas que aumentaram minha preocupação com uma situação É como se a inclusão de algum fragmento da sapiência fosse
condicionada a não ter nenhuma aplicabilidade em sala de
comum na formação dos cursos Artes, Moda, Design e afins: a aula. (...) O educador chileno Ernesto Schiafelbein diz que um
necessidade de ampliar a formação humanística, para sociologia, médico pode abrir um livro de cirurgia e ficar sabendo dos
procedimentos aconselhados para uma apendectomia. Um
antropologia, filosofia no currículo. Os cursos precisam ser
educador deveria ter também um livro que pudesse consultar
eficientes na formação técnica, mas também crítica e fomentar o quando quisesse saber como ensinar a regra de três. Só que há
desenvolvimento de uma linguagem pessoal resistência a livros tão específicos. Para nossos gurus, é errado
explicitar como se ensinam tais detalhes, embora haja ampla
Uma preocupação grande que gerou o meu pesquisa mostrando que isso dá bons resultados (CASTRO,
trabalho é o processo criativo, o desenvolvimento de produto e o 2008.p. 24).
desenvolvimento de imagem de moda, porque com 17 anos tive Como o autor, não me conformo com aulas de criação
de assumir o desenvolvimento das coleções da empresa de minha que não refletem sobre a linguagem do aluno, que não possuem
família e não encontrei grande respaldo nas graduações que uma fundamentação e processo investigativo sério. Também não
estava cursando. Acredito que por influência de bons professores consigo digerir afirmações que afirmam: ”roupas conceituais são
do Ensino Fundamental e Médio, por gostar e precisar aprender, para passarela, são peças que não são usadas, malucas”, com
5
abordagens, inclusive de jornalistas de emissoras renomadas com seu contato com o mestre Paulo Freire, enfatizou em todos
como a Globo, que fazem coberturas de semanas de alta costura os momentos os pressupostos da pedagogia problematizadora
e depois saem às ruas para perguntar se as pessoas usariam e do aspecto cognitivo da arte; conduziu-me, assim, à chegada
determinadas peças. A resignação de alunos e muitos professores ao que hoje acredito ser o mais próximo do que acredito: uma
com o comodismo de idéias como: “cursos como Design, Arte, pesquisa que explore o processo criativo na abordagem triangular
Moda, são complicados, porque não ensinam essas matérias, as para o ensino da moda.
pessoas têm que nascer com o dom”. Até concordo que não se Dessa forma, para ensinar arte, a abordagem triangular,
ensina criatividade, ela está em todos nós, mas isso não exclui, de debruça-se em como se aprende arte, estabelecendo que a
maneira alguma, a falta de compromisso com a sua estimulação, epistemologia da arte localiza-se no trânsito livre da leitura, do
com um método, uma fundamentação. De certa maneira, minha fazer e do contextualizar. É o que se pode observar na citação a
dissertação se resume a essa vontade de aprender sobre tudo abaixo:
isso, o que, sem sombra de dúvida, não encerra o problema, é o
começo, um primeiro rabisco acerca do processo criativo de moda Qual seria o campo intelectual das Artes Visuais? Seria um âmbito
no ensino. do pensamento dentro do qual existe a prática que tem a ver
com o quê, porque e como chegamos a ter conhecimento sobre
A moda não se resume a cor da estação, a uma roupa visualidades? Parte-se do pressuposto de que a cultura visual
pode ser um campo de intersecção entre a educação e arte, e
bonita, ao cachê da modelo da vez. Aliás, o desenvolvimento de um como as pessoas pensam sobre a arte. O que poderá interessar
produto autoral é muito mais do que a “viagem” de um estilista. aos professores de Artes Visuais são os artefatos visuais (não
somente aqueles pertinentes ao conteúdo de Artes Visuais,
Na minha concepção, observar o desempenho de uma coleção mas assim como os artefatos que constituem atitudes, crenças
é um manancial rico de informações acerca das tendências, do e valores presentes no cotidiano do homem contemporâneo).
porquê do seu surgimento, a forma da sua adoção, o mercado Estes artefatos geralmente envolvem outros códigos que não
os visuais e comprometem outros modos sensoriais que não a
consumidor, a imagem adequada ao planejamento estratégico da visão (LAMPERT, EM BARBOSA E CUNHA, 2010, p.450).
marca. Tudo isso, resulta em um processo que exige o contato com
a Arte, o Marketing, a Sociologia, a Psicologia entre outras áreas,
Acredito que no mesmo campo intelectual das Artes Visuais
sendo naturalmente um exercício transdisciplinar e fascinante
se insere o campo da moda, que esse conhecimento da visualidade
que a abordagem triangular acolhe, porque deixa ao educador\
se aplica de diversas maneiras e está impregnado no cotidiano
educando a possibilidade de escolha de disciplinas e métodos
das pessoas. A roupa, mais do que qualquer outro artefato na
através dos quais se dá a análise de imagens, objetos, campos de
atualidade, reflete comportamentos e valores do indivíduo sendo
sentido e da cultura que os envolve – leituras culturais.
uma estratégia muito interessante para o professor de Artes e uma
Minha orientadora, com toda sua experiência, paciência, exigência fundamental para o professor de Moda refletir sobre seus
sabedoria e generosidade, advinda da pedagogia da libertação, desdobramentos. Pensar sobre como seria uma pesquisa teórica,
6
uma leitura de formas e, principalmente, a pesquisa durante o processo, método e técnica são conceitos da mesma família, mas
processo de produção ou de criação. (MACHADO, EM BARBOSA E distintos, e sua conscientização e diferenciação contribui para o
CUNHA, 2010, p. 66). Como seria, portanto, o ler, o contextualizar fomento de trabalhos mais criativos e coerentes com a vivência
e o produzir da moda? Idéias estas vistas conectadas, pois o fazer dos alunos, ou autores. Sendo assim, o momento de projetar,
é reflexo da leitura contextualizada, a leitura também é reflexo um dos atos mais significativos da atividade do designer, é um
do fazer, e a contextualização alicerça e permeia todo o processo momento que implica uma reflexão acerca do fazer e do criar
deixando de ser triângulo para ser teia. A proposta triangular é (COELHO, 2006).
um caminho significativo para a contextualização do ensino da Rocha (2010) descreve os princípios que podem auxiliar
moda, porque oferece um caminho para a alfabetização visual. na reflexão em torno do fazer e do criar para sustentar o
“César Coll (1996) ressalta que o currículo é estabelecido desenvolvimento de um projeto. Segundo o autor, esses princípios
por o quê ensinar, quando ensinar e como ensinar” (BARBOSA partem da:
E CUNHA 1996, Apud MONTEIRO E MOSTAFA, 2010 p.197). Essa
-necessidade do entendimento da arte situado no campo da
reflexão faz-se importante para estimular a eficácia para o ensino
estética contemporânea (ver, ler, contextualizar).
da Moda, do Design e da Arte, porque o “como ensinar” implica -necessidade do entendimento da arte como sistema de
o reconhecimento de como se aprende, implica uma postura que representação construído culturalmente (contextualização);
-necessidade do entendimento da arte como área de
considera o processo do aluno, que visa potencializá-lo, implica conhecimento e sistema comunicativo (ler, fazer, contextualizar);
um estudo, preparação e crítica constantes. Esse cuidado, a -necessidade da iniciação teórico-prática do professor nas
linguagens artísticas (fazer arte) (ROCHA 2010, Apud BARBOSA
construção de uma metodologia para a aula, ajuda a excluir as E CUNHA, 2010, p.250).
receitas prontas. Essas reduzem a investigação acerca de uma
linguagem autoral, a experimentação, a análise crítica, a leitura
contextualizada a apenas atividades passo a passo, a projetos Pode-se, com tranquilidade, trocar a palavra “arte”, pela
vazios cópias ou melhorias desprovidas de inovações e surpresas. palavra “moda” no pensamento da autora, porque os preceitos
Conforme comenta Coelho (2006, p. 40) “Queremos advogar pela são os mesmos para a elaboração ou compreensão de um projeto
causa do ensino da metodologia no Design como o exercício de moda que pode culminar em uma marca, produto ou coleção. O
de pensamento sobre a maneira de trabalhar o projeto. Nosso domínio teórico prático do professor na moda se faz vital, porque,
objetivo é encarar as disciplinas como espaço de reflexão em desta maneira, é possível estabelecer um diálogo profícuo com
torno do fazer”. A reflexão em torno do fazer é importante para o aluno, haja vista o profissional ter vivenciado a área em que
uma abordagem mais comprometida com a construção de uma o aluno atua ou pretende atuar. Nesta conjuntura de observar o
linguagem autoral do processo criativo, resultando em projetos projeto na perspectiva do ensino, Marques (2010) apresenta as
mais afinados com objetivos pessoais dos autores, o que aumenta infinitas possibilidades que o ensino deflagra:
a motivação e empenho dos alunos. O autor explica ainda que, 7
O vértice do ensino pode ser pensado e vivenciado como um lugar definições dos conceitos que norteiam a pesquisa: o fazer, o ler e
para conhecer (re-conhecer), trabalhar (re-trabalhar) e construir
(desconstruir e re-construir) bases para o desenvolvimento, a
o contextualizar.
ampliação e o diálogo do indivíduo consigo mesmo em uma
perspectiva conectada, interdependente e não hierárquica. O
conhecimento de si não é mais importante que o conhecimento FAZER
dos outros ou o conhecimento dos elementos da arte, mas só • Compreender as dimensões biopsicossociais do corpo em
faz sentido nas relações que se criam e se estabelecem entre
eles (MARQUES 2010, Apud BARBOSA E CUNHA, 2010, p. 58). que se pretende atuar\vestir\pensar;
• Conhecer, vivenciar e articular os elementos da linguagem
da moda;
Há deste modo, um intuito de estimular uma “Visão
• Experimentar e improvisar novas formas, efeitos, estilos e
crítica, ética e estética das relações entre arte, ensino e sociedade”
materiais;
(BARBOSA E CUNHA, 2010, p. 55). Visão esta que culmina em
• Interpretar, decodificar e analisar coleções, marcas e
uma aula que considera o aluno como “leitor, intérprete e
criadores (a fim de construir repertório, estimular a
autor” (BARBOSA E CUNHA, 2010, p. 35). Pretendo conectar as
contextualização e a criação);
considerações que Marques (2010) apresenta do ensino e transpor
• Estimular a investigação e a elaboração de linguagem
seu trabalho de esmiuçar as áreas da abordagem triangular para o
própria;
ensino da dança, para a moda.
• Analisar o mercado buscando descobrir novos, nichos de
É importante salientar que as diferentes áreas da consumo;
abordagem triangular -ler, fazer, contextualizar- correspondem a • Exercitar a construção de imagens de moda (como a
diferentes áreas de atuação do profissional como: o leitor pode de editoriais, look books, books de modelo, catálogos,
ser o crítico, o jornalista, o blogueiro; quem contextualiza pode campanhas, fotos conceito entre outras);
ser o professor, pesquisador, consultor; e quem produz pode ser • Exercitar o desenvolvimento de um conceito (que pode
o estilista, o designer, o personal stylist, ilustrador, apresentador, ser de um produto não necessariamente de moda, de uma
maquiador; sendo que todas às profissões passam por todos os coleção, de um estilo);
processos, mas dão mais ênfase a uma área. O objetivo da aula de
artes e, consequentemente, do curso de moda é formar artistas
Enfim, exercitar a transposição de linguagens do texto para
estilistas e designers apenas, desconsiderando outras áreas de
o desenho, do desenho para a escultura, da colagem para a música
autuação dando importância somente para o fazer. Entretanto,
entre outros. Conforme salienta Barbosa (2010): “As diferentes
o fazer descontextualizado é pobre, uma criação em moda
categorias de visualidades intercambiam, umas influenciam as
descontextualizada de um público, de um comportamento, de
outras. A Arte influencia o Design; a Publicidade; a Moda; a TV; a
uma necessidade, de um planejamento estratégico de uma marca
ou criador não se sustenta. A partir do que já foi discutido, segue
Cenografia; os VJs; o Cinema etc.” (BARBOSA E CUNHA, p.22). Em
8
consonância com o pensamento da autora, Read (2001) discorre Interpretação, decodificação, discussão e análise são
sobre a importância da estimulação destes aspectos na educação: aspectos importantes da leitura que refletem no fazer, porque o
aluno que tem dificuldade em escrever, falar, discorrer sobre seu
O cultivo dos modos de expressão – é ensinar crianças e adultos
a produzir sons, imagens, movimentos ferramentas e utensílios. processo pode revelar também uma dificuldade em compreender
[...] Todas essas faculdades, de pensamento, lógica, memória, o seu processo. Sendo a conscientização do processo pela leitura
sensibilidade e intelecto, são inerentes a esses processos, e
nenhum aspecto da educação está ausente deles. E são todos um importante fator para sua conscientização e potencialização.
processos que envolvem a arte, pois esta nada mais é do que
a boa produção de sons, imagens e etc. Portanto o objetivo
da educação é a formação de artistas – pessoas eficientes nos
CONTEXTUALIZAR
vários modos de expressão (READ, 2001.p.12).
• Contextualizar em relação às histórias das roupas – dos
LEITURA repertórios pessoais, dos estilos, dos movimentos, dos
estilistas, da sociedade, da cultura, do lugar, da necessidade,
• Exercitar a interpretação de imagens de moda, de do grupo ou comunidade social, dos países, dos gêneros de
consumidores, mercados, temas, e conceitos; moda.
• Exercitar leituras culturais, contextualizadas em diferentes • Relacionar as outras áreas de conhecimentos que também
linguagens e áreas sobre o processo criativo, a moda, o estudam ou se comunicam com a moda como a Sociologia,
mercado, o consumo, o público alvo, as marcas, estilistas, a Antropologia, Marketing, Design, Economia, Tecnologia
coleções entre outros; Têxtil, a Filosofia, a Psicologia, a Ergonomia e etc.
• “Saber, olhar, ler, falar, dizer, articular, perceber e vivenciar” (MARQUES, EM BARBOSA E CUNHA, 2010, p. 57).
(MARQUES, EM BARBOSA E CUNHA, 2010, p. 57), os estilos
passados e contemporâneos; Depois de começar a me debruçar sobre as áreas da
• Investigar o processo de criação, pesquisando outros abordagem triangular para a moda, apresento o segundo capítulo
designers, estilistas, artistas, observando as relações com a que surgiu de uma orientação de uma dificuldade que tenho em
história do autor, com seu contexto, a fim de refletir sobre observar o ensino da moda sem falar de processo de criação. Para
a própria como demonstra Coelho (2006): tanto, começo com o eixo da leitura, com uma interpretação do
processo criativo na perspectiva do que seria um autor, um criador.
Os trabalhos de Austin (1962), Searle (1969) e Grice (1968)
revelam que a linguagem realiza vários tipos de ação além de
informar. Temos hoje consciência de que os atos verbais têm
valor, não só locucional, do dizer, mas ilucucional, do fazer
dizendo, ou até perlocucional, do produzir efeito pelo dizer.
(p.125).
9
10
1 LEITURA: O PROCESSO CRIADOR
Depois de tanto contato com a professora Ana Mae É importante ressaltar a necessidade de um embasamento
Barbosa, não vejo outra maneira de começar este texto sem teórico e metodológico em matérias como laboratório de criação,
abordar o que segundo ela, é um dos grandes equívocos ocorridos plástica, desenvolvimento de produto, meios de expressão,
com a abordagem triangular, usar a palavra apreciação, que possui criatividade entre outros. Matérias que podem receber uma
denotação elitista e preconceituosa. Por isso a própria autora revisa infinidade de nomes e são presentes em vários cursos como os
na sétima edição do livro: “A Imagem no ensino da Arte”, e na derivados do Design como, digital, gráfico, de moda, de interiores,
recente organização “A Abordagem Triangular no Ensino da Arte ou mesmo em cursos como Artes Visuais, Artes Plásticas, Desenho
e Culturas Visuais”, desvinculando a apreciação da metodologia e Industrial, Arquitetura e etc. Comento isso por observar como
propondo a leitura com um sentido mais democrático e rico. Em Oliveira (2010, apud BARBOSA E CUNHA, 2010), o desenvolvimento
um primeiro momento, Barbosa (2010) explica o motivo do caráter de trabalhos práticos descontextualizados de leituras, que podem
exclusor da apreciação, ela subentende um cunho colonialista, de ser históricas, críticas, psicológicas, sociais e pessoais ou todas
doutrina, de persuasão que implica catequizar o oprimido com a juntas; e também a perspectiva do trabalho teórico, “alienado
cultura dominante. Ressaltando também que a apreciação carrega de uma existência do mundo material” (p.48). É neste momento
um significado passivo de aceitação, que não se harmoniza com que pode parecer confuso, mas, que faz todo sentido o título do
a proposta da fruição. Martins (1998) define fruição artística texto: “Leitura: o processo criador”, para falar de fazer, exige-
como um sentir que emerge do pensamento em ressonâncias se um alicerce em uma leitura, que contextualize o processo de
provocadas pela sutileza da linguagem; “Ler é produzir sentido” criação. Além da leitura contextual embasada em autores, sobre
(p.74). Além desta, a leitura é mais coerente com o sentido da o que seria o processo criativo, a criação, a criatividade, o autor, e
função crítica, importante no desenvolvimento criador, ela implica isto tudo vestido por uma metodologia que oriente a construção
uma linguagem, um conhecimento de uma gramática, carrega didática destes diálogos com os alunos, a fim de evitar reduções,
(abarca) uma decodificação, assimilação, fruição de uma obra, receitas de bolo do processo de criação, perguntas pré-fabricadas
sonora, visual, táctil ou todas juntas. de análises, que afastam a reflexão, o autoconhecimento, o prazer
Lampert (2010) realiza uma leitura da interpretação da e a qualidade da produção.
poética do artista e sua obra como sendo um estado dialogal com o
processo criador e o fazer artístico, sendo que este mesmo diálogo
(o do processo criativo) também ocorre com o professor, que
realiza uma leitura de seus referenciais com sua ação pedagógica,
sendo que sua obra é a aula. 11
Podemos dizer que há formação quando há obra de pensamento as restrições e abrir a mente para uma resposta mais inovadora.
e que há obra de pensamento quando o presente é apreendido
como aquilo que exige de nós o trabalho da interrogação, da
[...] pergunte até mesmo se esse é o problema certo para ser
reflexão e da crítica, de tal maneira que nos tornamos capazes solucionado” (p.222).
de elevar ao plano do conceito o que foi experimentado como
questão, pergunta, problema, dificuldade. (CHAUI, 2003), Barbosa (1984) afirma que a falta de uma significação que
(OLIVEIRA, apud BARBOSA E CUNHA, 2010, p.46). leve a uma leitura histórica da produção do aluno, ou designer,
causa além da falta de repertório, uma ilusão de que sua criação
A partir desta leitura do ensino, que visa à interrogação é isenta de referencias, sendo que a aula de Artes deve estimular
elevada ao plano conceitual materializada na obra, pode-se a leitura histórica não somente porque auxilia no processo de
perceber o motivo de uma série de equívocos, ocorridos nas criação, mas também porque proporciona uma consciência
matérias que se destinam a estimular estas criações. Este tipo de maior uma leitura cultural e individual do fazer. Essa consciência
ensino exige muito do professor ou a outra forma de “ensinar” é é importante, pois desperta o aluno, ou o designer na busca da
que não exige nada? Em um primeiro momento, aqueles que se interpretação, da leitura, de trabalhos de outros, percorrendo um
sentem perdidos, como o meu caso, deparam-se com os livros, percurso trilhado pelo outro no criar, enriquecendo seu próprio.
e sentem insegurança para planejar as aulas, porém depois da Uma corrente teórica que valoriza este tipo de observação é a
experiência de ter contato com quem já trabalha com o método, crítica genética: “Queremos entender como se constrói o objeto
ou assistir uma aula embasada, o planejamento fica mais fácil. A artístico e não recontar como se deu a sequência dos eventos ou
falta de planejamento para as aulas de criação gera problemas das ações do artista” (SALLES, 2006.p. 37). Esse entendimento
com a compreensão do processo de elaboração de um conceito, prioriza o processo criativo para a leitura da obra, investigando
que constitui a base da construção da linguagem de um criador, e seus vestígios, cadernos de artista, anotações, esboços, tudo o
também a pedra fundamental de um projeto. É ele, o conceito que que contamina o processo do artista, e o que deixou incompleto,
fermenta argumentações para persuadir o cliente, é o conceito o que recusou suas motivações (SALLES, 2006).
que, eclode uma série de perguntas que o designer pensa para
[...] estamos preocupados com as interações, tanto internas
solucionar o problema ou para construção de sua linguagem. como externas aos processos, responsáveis pelas construções
A preocupação com a problematização não se restringe aos de obras, pois são sistemas abertos que interagem também
com o meio ambiente. Coloca-se assim em crise com o
educadores, ela também pode ser verificada nas práticas diárias
conhecimento do objeto fechado, estático e isolado. Kastrup
de escritórios de design. Estúdios como o de Tim Brow (2010), CEO (2004, p.81), referindo-se ao princípio da conexão, fala que
da IDEO, uma das maiores e mais respeitadas empresas de Design essas interações da rede se dão por contato, contágio mútuo ou
aliança, crescendo por todos os lados e em todas as direções.
e inovação do mundo, consideram que as perguntas são essenciais É importante pensarmos nessa expansão do pensamento
para a construção de um projeto e destacam que “perguntar ‘Por criador, no nosso caso, sendo ativada por elementos exteriores
e interiores ao sistema em construção. Essas conexões podem
12
quê?’ é uma oportunidade de reformular o problema, redefinir ser responsáveis pela interatividade. (SALLES, 2006.p.26).
A autora aponta que o processo de criação é um sistema Outra leitura teórica do processo criativo a ser considerada
complexo, em rede e sem sistema imunológico que o proteja de é a de Morossini (2010), que apresenta uma interpretação
influências, as quais podem emergir de inquietações do aluno\ interessante da palavra imagem. Segundo o autor, a imagem
artista\designer ou serem estimuladas em sala, ou pesquisadas de deriva de uma língua extinta do indu europeu, da região do
determinados contextos. Brow (2010) considera que a “Inovação Irã oriental, a Avesta (avstâk), na qual apresenta a raiz magh,
começa com observação (...) porque a complexidade é a fonte que contamina várias palavras como master, mago, magnífico,
mais confiável de oportunidades criativas” (BROWN, 2010, p. 80). magnânimo, machine, machinist e até imago, image. Magh
Essa complexidade criativa pode ser estimulada, como afirma significa poder e, neste contexto, a origem incerta da imaginação
Salles (2006), pela interatividade de pensamentos, informações surge do poder do homem de gerar imagens mentais, relacionada
pessoais e contextuais, relacionando-os para a construção de uma à tradição antiga de atrelar a imaginação como um dos primeiros
produção autoral. Brown (2010) ressalta que, enquanto não existe poderes cognitivos, porque estilavam a criação de cenários
um scanner que revele as áreas do cérebro que atuam enquanto o mágicos. Assim sendo, a boa magia, magnânima, arte régia era
pensamento integrador acontece, podemos aprender observando praticada pelos renascentistas, os mestres, magos, sábios que
outros designers que trabalham conectando idéias opostas, tinham o poder de enxergar além das ilusões do mundo material
ampliando perguntas, lidando não com o isto “ou” aquilo, mas (imaginação), entrando em contato com a essência (imago) e as
sim com o isto “e” aquilo, porque o projeto é pensado em rede. transformando ao seu intento com as máquinas, e os processos,
A leitura de um processo criativo pode ser realizada em fazendo “mágicas”; portanto, criar imagens, desde os tempos
diferentes linguagens, observar o processo de um poeta, arquiteto, remotos, é uma atividade superior da cognição.
músico, DJ, diretor de cinema, estilista, roteirista, jornalista; e
A magia natural e o gnosticismo dividiam a atitude cognitiva
inclusive pode ser mais didático e enriquecedor. Essa leitura fundamental de tentar a retratar interiormente o mundo
pode ocorrer na decodificação de obras propriamente ditas ou exterior provavelmente todo o cosmos. (...) Em contrapartida,
os pontos de vista dos primeiros pensadores científicos
na transposição de linguagens com releituras e em um nível mais europeus e filósofos do século XVII, tais como René Descartes
teórico, refletindo sobre aspectos do processo. Um leitura teórica (1596-1650), levavam exatamente na direção oposta, atraindo
a mente pra o mundo exterior. Não surpreendentemente, a
que me impressionou foi o comentário de Brown (2010): “Como ciência antiga aos poucos voltou às costas à imaginação como
designer, não percebi que era o futuro da indústria que estava uma ferramenta cognitiva, dando início a uma tradição que
em jogo, e não o design de suas máquinas “(p.6), porque, muitas considera a imaginação algo oposto ao pensamento racional
(MOROSINI, 2010. p.55).
vezes, o designer, por falta de leituras contextualizadas, deixa
de ampliar sua visão e, consequentemente, nichos de mercado,
A leitura contextual que distingue a imaginação da razão é
oportunidades e problemas maiores, para os quais sua ação deve
relevante e deve ser comentada, pois é uma crença presente até a
se voltar.
atualidade e também na moda.
13
A reconciliação da imaginação com o pensamento racional, em processo; indispensáveis para aulas, reflexões, processos,
segundo Morosini (2010), volta a ocorrer somente no século XX, designer e professores e todos que gostam de criar algo.
com Carl Jung (1875-1961), e seu raciocínio psicológico centrado
Estamos acostumados a nos apoiar em formas de pensar que
no Self (Eu), o qual foi construído a partir de referências no antigo
julgam, analisam, sistematizam e ignoram as incalculáveis
gnosticismo da imaginação com suas próprias do inconsciente surpresas que podemos provar diante das idéias que nos
coletivo. surgem como rumores e nos engatam em uma conversa infinita
e invisível com o barulho paradoxal da vida se manifestando,
não em linha reta, mas de viés, trajando seus inacabamentos.
De acordo com Jung, muitos transtornos mentais provinham de
Eu fragmentado, e, portanto, restabelecer a sua unidade – ou (p.18).
seja, “individuação” – foi o objetivo de sua terapia psicológica.
Essa terapia é chamada de psicologia analítica, ou análise
junguiana, e opera em vários níveis das dimensões inconscientes E com o intento de justamente fugir das convenções, que
do paciente (...) (MOROSINI, 2010. P.57).
a autora ao observar o processo de criação, em estimulações
propõe justamente a experimentação e cita Deleuze (1992) : “ser
Portanto tecer uma leitura de um processo criador sem pega em flagrante delito fabular” (ano apud , PRECIOSA, 2010,
se esbarrar em conceitos como imagens, imaginação, sujeito, p.21).
(...) intervir em si mesmo, para se infligir de idéias, quase sempre
sociedade, produção, linguagem e em áreas como Antropologia,
improváveis, para se usar de vários modos, para se contrair e
História, Fenomenologia, Sociologia, Psicologia, sem o distender, para que os insights insistam e que com eles você
embasamento delas, fica mais tentador recorrer ao lugar comum possa compor algumas ações perceptíveis (...) Há provavelmente
demasiado estilo naquilo que escapa ao classificável, que
do dom, que exclui toda sua complexidade e beleza e separa a dá visibilidade a outros referenciais da nossa existência. Ter
criação do mercado. A idéia de dom exclui um desafio instigante estilo é saber-se fluxo que permanece fluxo: intenso, cósmico,
capaz de fundar um regime de simpatias, de camaradagem. O
do artista\aluno\designer, estudar aquelas áreas primeiramente, contrário de cosanguinidades. Ter estilo é incorporar um estilo
e partir para uma auto-reflexão, e análise do seu contexto que avulso (PRECIOSA, 2010, p. 21 e 68).
o próprio processo criativo e o fazer artístico implicam. Tarefas
estas que poucos se aventuram sozinhos, por isso a importância
Por isso que no processo criador há sempre a busca por um
do papel do professor, para desmistificar a idéia que a criação
estilo, uma linguagem, que exprima o autor, a idéia, seu conceito,
é para poucos. Também, em função disso, em livros destinados
mesmo sabendo que: “Nada de fato nos expressa porque tudo é
exclusivamente a observar o processo criativo, deparamo-nos
capaz de nos exprimir”. (PRECIOSA, 2010, p.65).
com o que para os não iniciados pode parecer uma “viagem” do
autor; com várias reflexões em torno do sujeito, do pensar, dos
clichês, das metáforas e etc. Viagens como a de Rosane Preciosa
14
(2010), em seu livro: Rumores discretos de subjetividade, sujeito
1.1 PROCESSO DE CRIAÇÃO E AUTORIA No subcapítulo “Processo de criação e autoria”, falar
de sujeito, de psicologia e retomar o surgimento da moda,
em primeira instância pode transmitir a idéia de confusão e
Vasconcellos (2001) analisa a conjuntura do processo
inconsistência, mas insisto em explorar mais esta abordagem,
criativo na atualidade e salienta que nunca houve uma valorização
pois pode configurar uma estratégia eficaz para o objetivo desta
tão grande como a atual do sujeito como agente ativo no processo
pesquisa, que consiste em abordar o ensino da moda. Penso que
de criação.
o caminho para se observar este ensino passa, obrigatoriamente,
O autor pondera que a valorização do sujeito decorre de pela estrada do processo criativo de moda, parto da idéia do
olhares que consideram as influências de aspectos psicológicos significado de autoria para compreender a criação.
no processo de criação e, conseqüentemente, nas produções.
Vasconcelos (2001), localiza a criatividade como um
Tanto o processo criativo quanto a conscientização da influência
elemento fundamental na constituição do sujeito, pois, na
do inconsciente são reflexos de elementos históricos, sociais e
conjuntura pós-moderna, impera a provisoriedade, aceleração do
culturais que sustentam a erupção de tais conceitos que influenciam
tempo, a desterritorialização, que provoca a crise. Sendo que a
diretamente a visão do processo criativo. Um exemplo disso é o
crise emerge neste contexto porque a idéia de segurança se perde,
próprio surgimento da Psicologia que emerge em um contexto
a busca por uma estabilidade se dá nas mais variadas instâncias
em que os sujeitos estão inseridos nas cidades, em contato com
como física, social, emocional e virtual; e a criatividade entra
diferentes culturas, com a consequente perda das tradições
como o autor a considera, atuando como um escape existencial. E
regionais, dos rituais, que contribuíam significativamente para a
porque não considerar que a moda seria uma das matérias primas
asseguração de uma norma, para a estabilidade em relação a uma
ideais para o exercício criativo da exploração da existência no
identidade, a um não questionamento, a simples perpetuação da
âmbito pós-moderno?
tradição. Essa ciência surge quando o homem entra em crise em
virtude da sua exposição à globalização (BUENO,2010). Portanto, Nesse contexto, os conceitos relacionados à criatividade,
para compreender o processo criativo de um sujeito, faz-se na conjuntura atual refletem as exigências para sobreviver na
necessário observar a sua formação, o seu contexto. vida pós-moderna como a flexibilidade e a fluência, pois pessoas
enrijecidas tanto de idéias, relacionamentos, comportamentos,
Este caminho, de construção do indivíduo pode ser
não convivem plenamente em um mundo no qual a aceleração
observado pelo viés da moda que, de acordo com Lipovestsky
e a mudança imperam, principalmente os que trabalham com
(1989), tem início no século XIV, com a expressão através da roupa
a criatividade, nas mais variadas manifestações, inclusive na
por meio de mudanças iniciais tênues, de pequenos detalhes que
moda. “O protótipo do sujeito desse tempo é marcado pela
refletiam uma vontade de distinção da roupa do grupo. Para o
flexibilidade, pela multiplicidade pela capacidade de convivência
autor, esse fato pode ser considerado o início da moda.
ou enfrentamento de um mundo que se apresenta sob o signo da
15
metamorfose e da imprevisibilidade” (VASCONCELLOS, 2001, p.9). sentido de autoconhecimento do sujeito; conforme afirmação
Em consonância com as proposições a respeito das de Salles (2006, p.26), “[...] pontos finais suportáveis [...]”, que
características empregadas para a criatividade valorizadas apresentam justamente o sentido subjetivo do processo”.
atualmente, Salles (2006) apresenta a definição de criação artística, A interatividade do processo de criação, que a fluência
considerando que se dá justamente por meio da dinamicidade e flexibilidade exigem envolve uma análise para a tomada de
no contato com um ambiente caracterizado pela flexibilidade, decisão, processo saudável, pois exige avaliação, e esta decorre do
não fixidez, mobilidade e plasticidade, do pensamento em estabelecimento de regras pessoais, para o desenvolvimento da
rede. A autora propõe, ainda, que a memória em ação criadora obra conforme atesta a autora: “A obra vai se construindo nessas
deve ser analisada nesta conjectura, da mobilidade, excluindo a idas e vindas, permanentemente julgadas em uma autocorreção
idéia de armazenamento de informações, mas, principalmente, criadora” (SALLES, 2006, p.134). A atitude de rejeitar, aprovar ou
como um processo dinâmico e mutante. A perspectiva da reaproveitar uma idéia reflete critérios subjetivos autorais que são
memória no processo criativo isenta da reflexão em relação materializados plasticamente na obra. Comparando o processo
ao autoconhecimento, conduz a uma visão do processo criativo com o ato de cozinhar, o tempero de uma criação consiste
criativo medíocre, porque considera a criação como um mero nas regras pessoais, os critérios do autor, que constituem o sabor
armazenamento de informações. A conjuntura contemporânea da criação, sendo estes conscientes ou não.
dificulta um processo criativo consciente porque como a câmera É importante ressaltar que realizar leituras de obras de
digital, a internet e as redes sociais, o que impera é o registro e a artistas, desvendando, observando justamente seus critérios
difusão da informação, sem um apelo forte à reflexão. pessoais, o que confere autoria a obra, o que caracteriza seu
Nesse contexto, o motivo para a ocorrência e término processo criativo, pode ser um importante aliado para o estímulo
do processo, a autora esclarece: “O que move esta busca talvez de capacidades criativas, porque conhecendo o percurso de
seja a ilusão do encontro da obra que satisfaça plenamente (...) e um outro artista pode ser um caminho para se conscientizar
termina com um ponto final suportável” (SALLES, 2006, p.20 e 26). do próprio. A conscientização do processo criativo através de
A premissa da dinamicidade do processo de criação exige uma leituras de imagens, por meio da reflexão do próprio ato de
consciência do seu aspecto relacional que implica uma atenção criar, configura uma ferramenta significativa para exploração e o
para as contextualizações, pois, delas derivan a complexidade e a fomento da criatividade, tanto em sala de aula como no mercado.
riqueza do processo. As contextualizações, cerne do pensamento Esta perspectiva apresenta uma visão didática eficiente, uma vez
criativo, manifestam-se, por meio de interações, que deflagram que se dá através da leitura e também possibilita um percurso
várias possibilidades, diante das diversas oportunidades. Vale para o autoconhecimento pela contextualização constante, e não
considerar que a contextualização também ocorre em âmbito por meio de abstrações e elucubrações prolixas da criação e nem
individual (inclusive sendo este um dos mais importantes), no de sua redução a etapas a serem seguidas. Conforme defende
16
Salles (2006), as análises de processos de criação são um caminho Mas desde que coloca a imaginação como componente
quintessencial das mais altas formas de cognição, inclusive a
para formar; porém “formar” pode ser uma palavra pretensiosa, razão abstrata, isso tem inequívocas implicações para a arte,
considero melhor o despertar, instigar a autoria nos alunos. como espaço em que saltos metafóricos de imaginação são
valorizados por seu poder e excelência estética. Além disso,
na arte, a experiência, a natureza e a estrutura da imaginação
Essas modificações nos levam a um novo campo semântico deveriam tornar-se o principal objeto de estudo. Isso acontece
que nos parece ser de grande importância: dar nova forma, ou nas atividades em que indivíduos criam trabalhos de arte, e
feição, tornar diferente do que era; mudar, alterar, modificar, a imaginação desempenha um papel na interpretação desses
transfigurar, converter, metamorfosear. Essa característica das trabalhos (p. 341).
interações vai guiar muita da nossa discussão, se pudermos
pensar, de modo abrangente, que estaremos nos aproximando
da maneira como essas transformações acontecem: nos modos
O autor também salienta a importância de aprofundar as
como essas operam na percepção do artista, nas estratégias
da memória, nos procedimentos artísticos agindo sobre seus pesquisas no campo da imaginação e o seu papel no processo
materiais e na força da imaginação. Estamos, assim, nos criativo, suas etapas e significados pessoais assim como, na
instrumentando para observar sujeitos em ação e autorias se
constituindo (SALLES, 2006, p. 35). transmissão da cultura torna-se o escopo das artes na educação.
Salles (1998) também aborda a inquietude que impulsiona a
atividade imaginativa dos criadores em artes e a reflexão não
Barbosa (2008) também defende a idéia do caminho do
somente de contextos externos, mas internos que o fazer artístico
autoconhecimento, da análise de obra que se atente e provoque
proporciona: “A criação vai acompanhando a mobilidade do
relações no âmbito do sujeito e não somente a decodificação formal e
pensamento. (...) A intenção do artista é pôr-obras no mundo. Ele
histórica, importantes, porque contribuem para o processo de autoria.
é, nessa perspectiva, portador de uma necessidade de conhecer
“As emoções podem se revelar em múltiplas expressões catárticas e
algo, que não deixa de ser conhecimento em si” (SALLES, 1998,
reativas, mas pouco aprendemos de nossas emoções se não somos
p. 30). A pesquisadora apresenta o processo criativo como um
levados a refletir acerca de nossas própria histórias” (BARBOSA,
projeto pessoal, único e singular regido por crenças e gostos que
2008 p. 41). A reflexão da história de vida e, consequentemente, das
norteiam a criação como se fosse uma espécie de fio condutor
emoções é significativa para o autoconhecimento e maturidade que
que alinhava a obra com os princípios do artista. “O criador
a criação exige, pois o artista apresenta sua opinião, sua visão seu
estabelece, portanto, uma ligação entre verdade da obra e sua
sentimento em relação a algo, sob um suporte artístico em forma
própria verdade” (SALLES, 1998, p.138).
de música, coreografia, pintura, roupa entre outros. “O artista, nesta
perspectiva, está sendo visto como um explorador de existência” Essa “costura” é o que atesta sua autenticidade, as
(SALLES, 1998, p.91). Tal suporte artístico que expressa os sentimentos reflexões materializadas plasticamente: “É o artista falando com
e opiniões dos criadores se inicia no processo imaginativo, na ele mesmo. São diálogos internos: devaneios desejando se tornar
cognição abstrata, conforme considera Efland (2008): operantes; idéias sendo armazenadas; obras em desenvolvimento;
reflexões; desejos dialogando” (SALLES, 1998, p.43). Esse diálogo
17
se dá partindo das sensações, e se alimentando delas, como se a percepções e dos sentimentos, estes são acompanhados da
obra fosse um tecido feito a partir de fios perceptivos que iniciam reflexão e não exclusivamente do sentir. Nesse contexto, refere-
o processo e, no decorrer deste, a trama é construída também de se à Peirce (1992), “ele fala em estado estético da mente; estado
percepções que o artista vai configurando; a imaginação não cessa. de reconhecimento de sentimento em uma determinada direção”
“BORGES (1984) afirma que todos os fatos oferecidos pela vida do (SALLES, 1998, p.135). O sentir sem o pensar não resulta na obra,
artista têm um sentido: tudo funciona como argila, material que por isso não são todos que materializam seus sentimentos em
deve ser aproveitado em sua arte” (apud SALLES, 1998, p. 98). obras, porque justamente não possuem domínio dessa faculdade
Salles (1998) afirma que as sensações, percepções, tornam- (ou seria segurança para explorar essa faculdade), como também,
se ativadoras do processo criativo, devido ao estado de tensão não são todos os artistas que atingem essa maturidade, isso é
psíquica em que o artista se encontra, sua mente preparada refletido no trabalho: uns são mais legítimos do que outros.
para captar sensações e viabilizá-las em obras. Sendo assim, a Se processo criativo é derivado de um conhecimento
tensão psíquica, seria um estado de pesquisa constante, como adquirido, para não somente manipular técnicas plásticas, mas,
uma predisposição à epifania. “O estado de criação mantém a para manipular percepções pessoais, neste contexto, então, o
sensibilidade suspensa, à espera e à procura de sensações que, que justifica a falta de metodologias que facilitem a assimilação
na medida em que ativam sensivelmente o artista, são criadoras” disso? Haja vista, muitas profissões e indústrias se valerem de tal
(SALLES, 1998, p.54). Por isso que se faz necessário uma abordagem processo. Vale salientar que o sentido de método, no processo
lúcida e didática para instigar o processo criativo, para fomentar criativo, não como uma espécie redutiva, de receita do fazer
no aluno o estado de pesquisa, a descoberta de temas que artístico, mas como meios que instiguem o autoconhecimento, a
despertam nele essa tensão. A observação de como outros artistas, expressão, a crítica e a leitura de obras, para estimular o processo
estilistas, músicos, cientistas, literatos, realizaram sua pesquisa, o em aula. A partir desta perspectiva, a abordagem triangular, com
que os motivou, qual a relação com a época em que viviam, que a análise de imagens, e sua perspectiva que integra o ler, o fazer
registros deixaram e, principalmente, análises desses elementos e o contextualizar, vem para equacionar essa questão. Por isso
pessoais, subjetivos em relação à obra, como suas crenças foram é indispensável uma contextualização acerca da criatividade e
transformadas em músicas, poemas, roupas, formas, cores. do processo de criação e autoria, para alicerçar, não somente a
Em sintonia com a seguinte premissa, a autora apresenta pesquisa, mas a prática em sala de aula, as leituras de imagens e
Bakhtin (1988): “De acordo com Bakhtin (p.68), a criação não ocorre o próprio fazer. “Estou me referindo a método como uma série
a partir do nada, mas pressupõe a realidade do conhecimento, de operações lógicas responsáveis pelo desenvolvimento da obra:
que a liberdade do artista apenas transfigura e formaliza” (SALLES, procedimentos lógicos de investigação” (SALLES, 1998, p.60).
1998, p.95). É importante salientar a realidade do conhecimento, Esses procedimentos que auxiliam na criação são significativos
tanto para a análise e identificação destes em processos de outros
que implica o fazer artístico, a qual mesmo ciente do papel das
artistas, como para a conscientização dos processos próprios, 18
conforme demonstra Salles (1998): envolve a concepção e a exposição de linguagem singular do autor,
que se estabelece pelo movimento de entrar e sair de si mesmo e
O filtro perceptivo vai processando o mundo em nome da
do outro, também ocorre com situações sofridas por ele ou que
criação da nova realidade que a obra de arte oferece. A
lógica criativa consiste na formação de um sistema, que gera observa. “O processo de codificação dos pensamentos tem aptidão
significado, a partir de características que o artista lhe concede. para acionar o cruzamento de estruturas de ocorrências coerentes”
É a construção de mundos mágicos decorrentes de estimulação
interna e externa recebidos por meio de lentes originais (p.90). (p.129). Esta faculdade do raciocínio de associar estruturas,
gerando coerências, pode ser descrita como linguagens, que são
A “mágica” referida pode ser traduzida por coerência, derivadas da potencialidade do artista em refletir sobre si mesmo,
tanto na materialização dos sentimentos, na seleção de materiais, os outros e sobre as situações configurando esses conteúdos em
na técnica, no acabamento, nas cores nas formas, com o tema, arte. Coelho (2008) apresenta à definição de Maldonado (1977),
com a legitimidade do tema com a “lente” original do artista e a que também considera a criação em design como a configuração
sintonia com o contexto apresentado. Pode-se elencar os critérios de aspectos formais dos objetos, que incluem não somente sua
de coerência de uma obra, avaliar sua aceitação, seu processo de aparência, mas relações estruturais que compõem o objeto em
criação, compará-la com a vida do artista, situá-la em um estilo ou uma unidade coerente.
vários; existe a possibilidade de trabalhar com estes elementos no
processo criativo. Elementos estes que compõem o universo de Neste sentido, o conceito de si - mesmo, para Damásio, seria
a coleção de imagens que representam os aspectos mais
uma autoria que pode ser traduzida por identidade. constantes do organismo e das suas interações com o ambiente
e com outros seres vivos. Estes aspectos seriam o resultado de
A pesquisadora Salles (1998) faz uma colocação interações entre a estrutura biológica do corpo, e as operações
eloquente enfatizando a necessidade e o sentido de autoria, cognitivas e os repertórios possíveis de ação corporal e o
próprio corpo (inteiro ou em partes) (GREINER, 2005, p.80).
associando a questão da importância da linguagem em uma obra
de arte, e que esta é vinculada ao artista/indivíduo. Indivíduo
que explora sua criatividade e demonstra sua visão singular de O processo de criação engloba toda a existência do
mundo, criando uma situação específica de comunicação com cada autor, sendo esta, suporte para suas produções, primeiramente,
espectador, configurando um sistema individual em um sistema porque consiste na sua forma de habitar o mundo, mas, também
social, porque ele sintetiza outros sujeitos. A autora salienta ainda em função de o autor refletir sobre questões de seu estar,
que a arte não funciona sem o autor, ela depende de um sujeito comunicando e dividindo suas considerações com o público. Por
que sinalize, aponte, que apresente possibilidades de leituras de isso que todo seu organismo é presente no processo. Se, como
mundos, e este mecanismo ocorre por meio da sua linguagem afirma o autor, as imagens fundamentam o ser em virtude de
individual. representar sua existência, um caminho lógico para o artista
seria a construção de imagens que expressem seus pensamentos,
Greiner (2005) demonstra o processo comunicativo que
manifestadas de diversas maneiras, como a música, a pintura, a 19
escultura, a fotografia, a moda entre outras. O designer de moda, Observar as definições de sujeito, identidade é significativo
nesse contexto, difere-se de um desenhista de roupas, porque para uma pesquisa que envolve investigações sobre a criação em
ele reflete a sua interação com o vestuário, com seu corpo, com moda, é importante porque, como qualquer manifestação da
a sociedade, imprimindo suas investigações além do aspecto criatividade, esta é comunicada por meio da exploração de uma
somente funcional de proteger o corpo e alimentar uma indústria. linguagem que caracterize, identifique, diferencie e posicione
Outra relação estabelecida com o fato do artista usar o criador que é refletida na sua produção. Acredita-se que uma
de material sua existência, é presente na própria tradução da leitura que aborde alguns quesitos que envolvem a construção
palavra sujeito. De acordo com o Greiner (2005), sujeito significa: do sujeito, da identidade, do processo de criação e suas
a capacidade de viver em um “continuum”, de maneira implícita interferências seja determinante para sua prática consciente, bem
e explícita; a característica da submissão, da sujeição que o termo como sua exploração eficaz. “A consciência humana distingue
implica que, deflagra uma característica importante, a do fato do a realidade objetiva do seu reflexo, o que leva a distinguir o
sujeito existir em relação a outro. Isso porque também nasce de mundo das impressões interiores e torna possível com isso a
outro e seu pensamento, sua subjetividade é formada em relação observação de si mesmo” (LEONTIEV, p.75). Essa observação
a outros referenciais, pessoas, acontecimentos, pensamentos. O impulsiona sua exploração em processos de criação, sendo que
sujeito não se conscientiza de sua singularidade sozinho. “Isso essa conscientização pode ser uma importante estratégia para
porque a sujeição e o processo de se tornar subordinado a um estimular capacidades criativas em sala de aula. A conscientização
poder é também simultaneamente o processo de construir um auxilia no autoconhecimento e permite também uma maturidade
sujeito. A submissão é a condição de sujeição” (GREINER, 2005, para lidar com o estilo da marca, do consumidor, porque o criador
p.90). é consciente do seu, permitindo uma manipulação mais racional e
focada nos objetivos da corporação.
O que define o sujeito consiste na relação paradoxal
de sujeição, isto também se verifica no conceito da identidade Na consciência, a imagem da realidade não se confunde com
conforme o autor apresenta: a do vivido do sujeito: o reflexo é como “presente” ao sujeito.
Isso significa que quando tenho consciência de um livro, por
exemplo, ou muito simplesmente consciência do meu próprio
Palavra derivada do latim tardio indentitas e da raiz latina pensamento a ele respeitante, o livro não se confunde na minha
idem, que significa “o mesmo”. Seu significado é dado como “a consciência com o sentimento que tenho dele (LEONTIEV, p.75).
qualidade ou a condição de ser o mesmo; a condição ou o fato
de que a pessoa ou coisa é ela mesma, e não outra pessoa ou
outra coisa” (COELHO, 2008, p.201).
Vale salientar que a própria conquista de identidade de
uma individualidade possui influência determinante da moda.
Conforme demonstra Lipovetsky (1989), ressaltando que na
20
sociedade primitiva o imperativo consistia em negar a mudança
concentrando-se em perpetuar a tradição coletiva, apoiando-se uma linguagem autoral que pode culminar em qualquer produto
no passado mítico. “Como poderia ela entregar-se aos caprichos sendo roupa ou não.
das novidades quando os homens não são reconhecidos como
Ao que tudo indica, a singularidade de um corpo está ligada à
autores de seu próprio universo social [...]” (p.28). A própria noção
identidade de suas ações em um ambiente ao fluxo incessante
de autonomia para se desvencilhar da imposição de perpetuação de imagens que não apenas o identificam em relação aos
de um passado imutável, assume âmbito criativo de autoria de demais seres vivos, mas o tornam apto a sobreviver. (...) Um
presente que carrega a história e aponta para o futuro, mas que
uma subjetividade explorada no vestuário sem precedência na se organiza a cada instante, criando novos nexos de sentido
história. Autonomia que começa tímida com variações ínfimas (p.80).
na vestimenta do grupo, que culmina, segundo o autor, em uma
mudança mais significativa, no final da Idade Média, no século
XIV, com o abandono da toga usada por séculos pelos dois sexos, Essa acomodação constante, a organização e o
por um traje masculino e feminino. A distinção dos gêneros no processamento de sentidos são matéria-prima para a
traje constitui o embrião da moda que se legitima na mudança cognição abstrata, fonte do pensamento criativo, porque,
sazonal, na produção e criação moderna no século XIX. conforme demonstra Vasconcellos (2001), o conhecimento, o
Como no surgimento da moda, a identidade é associada desenvolvimento da inteligência consiste na estruturação da
tanto ao que é idêntico, quanto ao diferente, a roupa se realidade e não simplesmente em sua observação (cópia), sendo
diferenciando nos pormenores, conforme salienta De Carli (2002, esta, um desafio a ser cumprido por parte do sujeito. Tarefa que
p.32) “pequenos nadas”, é palco para a exploração de autoria tanto se inicia não na abstração de objetos, mas em contextualizações,
dos estilistas como dos consumidores. Isso é proporcionado pela ações com sentidos, com os sujeitos conscientes. O autor comenta
moda não somente no vestuário, e sim, acontece uma abertura ao duas perspectivas da palavra reflexão: um sentido físico como no
processo de singularizarão já que na arte o reconhecimento dos reflexo do espelho, e outro, no sentido de transposição de uma
autores acontece na mesma conjuntura que a possibilidade de se esfera inferior intelectual para uma superior. “Nesse sentido, o
diferenciar na moda. movimento de tomada de consciência de sua ação é o movimento
de um plano para outro mais elevado. Existe um reflexo no plano
Salles (1998) analisa o processo criativo atrelado à
de ação para o plano de representação” (p.16); por isso, a leitura
possibilidade de imprimir uma personalidade, uma identidade que
de processos criativos permite alçar para um nível superior, o
consiste em um modo particular de organização de elaboração e
processo criativo consciente, resultando em uma maior reflexão
não o foco objeto e o sujeito isolado do processo, mas sim, sua
do sujeito para com o seu ser e o seu fazer.
linguagem. Evidenciar esse fato em sala de aula é importante,
pois a criação em moda não está circunscrita ao planejamento de
coleção e desenvolvimento de produto, porém na elaboração de
21
Neste caso a pessoa não está somente refletindo em um nível conceito. Isso é verificado na moda, por exemplo, em como a
superior, mas reconstruindo em um nível mais avançado o que
já existia em um inferior. O nível superior é sempre majorante,
roupa é projetada para o corpo humano. É natural que depois
mais abrangente. Quando alguém reflete em um plano mais de tantas variações no decorrer de sua história não aconteçam
avançado, precisa enriquecê-lo com novos elementos. Então mais revoluções como de comprimentos, de calças para mulheres,
tem de estendê-lo, bem como transpô-lo a um segundo nível
(VASCONCELLOS, 2001, p.16). a saída do espartilho; isso não implica que não ocorram mais
inovações, mas, que estas decorrem da manipulação consciente
dos elementos já instituídos, com adição de novos que estão
Essa reconstrução que a reflexão implica exige observação sobre a égide de um autor. Este autor, na moda principalmente,
autoconhecimento, crítica para manipular conteúdos pessoais, vai disponibilizar com suas reflexões as novas maneiras do
históricos, contemporâneos e um referencial prévio da área vestuário que refletem o homem, o comportamento, a sociedade,
para atingir um nível superior, por isso ele é mais abrangente as inovações contemporâneas.
e exige um posicionamento de autoria e repertório para as
contextualizações. Barbosa (2008) defende essa passagem, a
ampliação do conhecimento na prática de aula, ao instigar leituras
que extrapolem uma obra específica para a arte em geral, mudando
1.2 IMAGEM NO PROCESSO CRIATIVO
de crítica para a estética, ao comparar qualidades de uma pintura
com manifestações musicais ampliando ainda mais o domínio da De acordo com Barbosa (2005), a imagem desempenha
estética. Essas leituras associadas ao fazer são importantes não um papel tão fundamental no processo criativo e cognitivo, que
somente como repertório para a decodificação do que já existe, pode ser associado ao papel desempenhado pela biblioteca para
mas para a sua manipulação para uma autoria. o escritor, sendo a iconografia a bibliografia do olhar, portanto,
um dos aspectos mais relevantes para um autor se encontra na
[...] estudos empíricos das artes ou da estética empírica defende exploração da sua singularidade na leitura e na produção de
a idéia de que a consciência da experiência estética explicitada imagens. Vale salientar que a imagem é recorrida durante todo o
organiza os significados aqui e agora e a mutabilidade destes
significados depende muito mais da consciência interrogante
processo de raciocínio.
que da mutabilidade histórica (BARBOSA, 2008, p. 95). Nesse contexto que a análise de imagem assume relevância
vital para o processo de criação, para o pensamento e o ensino
O enfoque no sujeito e sua interpretação dos significados: aprendizagem da moda, sendo observada a seguir. Recorre-se
da história, dos fatos, logicamente, decorre mais da sua consciência a definição apresentada por Coelho (2008), de imagem como
do que dos fatos em si, porque a inovação, sendo entendida com uma linguagem que possui o poder de evocar aspectos sociais,
invólucro que embala a autoria, é resultante de um filtro de um históricos e psicológicos pela sua capacidade associativa derivada
olhar que revele um posicionamento singular respeito de um do repertório de um indivíduo. Ainda, ressalta-se que a imagem
22
pode ocorrer em âmbito pessoal, ou coletivo, porque se constitui Greiner (2005) afirma que os símbolos correspondem
como elemento da linguagem, presente no imaginário, por isso, necessariamente a imagens mentais, inclusive os sentimentos que
sofre modificações interruptas por parte do sujeito e da sociedade. alicerçam a vida mental constituem imagens somatossensoriais
“A percepção de uma imagem se dá de forma simultânea em que refletem os diversos estados do corpo. O autor também
que forma e conceito são apreendidos como um todo indiviso” considera que o conhecimento fundamenta-se em representações
(COELHO, 2008, p.39). A imagem apresenta a forma e conceito decorrentes do registro imagético e são acessadas para o
como um todo, porque, conforme definições semióticas, ela é um raciocínio, para o movimento entre outros. Uma imagem evocada
signo que media a relação de um objeto\referente, com a própria é fruto de uma desconstrução de um padrão transitório, chamado
percepção\interpretação de um sujeito interpretante\referência, “mapa”, um padrão mental.
promovendo um reconhecimento, significando (COELHO, 2008).
Quando Damásio se refere ao termo “imagem” quer dizer
Piaget (1972) descreve como acontece o processo de significação,
um “padrão mental” com uma estrutura construída com
o pensamento representativo: sinais provenientes de cada uma das modalidades sensoriais
(visual, olfativa, auditiva, gustatória e somato sensitiva ou
O pensamento representativo supera os esquemas sensório somatosensória). Essa modalidade somatossensitiva inclui
motores e surge, na realidade, devido à função semiótica em várias formas de percepção: tato, temperatura, dor, percepção
conjunto, e não apenas devido à linguagem, como querem muscular, visceral, vestibular. Imagem não é, portanto, só
alguns psicólogos desavisados. É a função semiótica, fundada visual, mas também sonora e até muscular, como dizia o
nos significantes diferenciados, que destaca o pensamento da famoso Albert Einstein, que chamava de “imagem muscular”
ação e cria, portanto a representação (p.74). os padrões da resolução mental de problemas. Pensamento,
segundo Damásio, seria uma palavra aceitável para denotar
esse fluxo de imagens (GREINER, 2002, p. 72).
A esfera semiótica que a imagem envolve com o
objeto, o sujeito e a cultura também podem relacionar-se com Segundo o autor, o mecanismo de construção das imagens
a abordagem triangular proposta por Barbosa (2008), do fazer acontece com a mobilização de objetos que podem ser pessoas,
(objeto\referente\signo), contextualizar (cultura\percepção\ lugares, exteriores ao cérebro para o seu interior ou o processo
interpretação), e ler (sujeito\interpretante\referência) associados. contrário com o acesso de memórias e imaginações. Qualquer
Essa associação da dimensão dos conceitos semióticos da imagem símbolo que possa ser concebido emerge sobre a égide de uma
com a abordagem que emprega potencialidade da imagem como imagem, sendo poucos registros cerebrais não imagéticos. O
estratégia didática, é importante para esmiuçar suas diferentes processo imagético acontece também com as palavras que são
esferas, contribuindo para um fazer mais racionalizado. Por isso, registradas, organizadas no cérebro na forma de imagens verbais
a necessidade de observar o papel desempenhado pela imagem e em seguida na forma de conceitos, o mesmo ocorre com
no ensino-aprendizado, como também na própria cognição, para os sentimentos, que são imagens somatossensórias, pois são
23
aumentar sua eficácia do fazer, do ver e do ler uma imagem. conectadas com aspectos sensórios do corpo. A representação
não significa realizar uma cópia do real, porque, o que está no para a compreensão do processo cognitivo. A complexidade
exterior adentra o corpo, por meio da maneira das percepções que a autora descreve das relações estabelecidas na imaginação
que ocorrem de acordo com os sentidos de cada pessoa. Já as para o processo criativo pode ser compreendia pelo mecanismo
imagens internas do corpo, como a memória, a imaginação, metafórico.
são “baseadas em mudanças que ocorrem no nosso organismo,
Na etimologia da palavra metáfora, nascida do grego, o
incluindo o cérebro como estrutura física do objeto interagindo
significado primeiro já é o de “transferência ou transporte”. (...)
com nosso corpo” (GREINER, 2005, p. 73). Vasconcellos (2001) Nosso sistema conceitual é metafórico por natureza: um modo
descreve a exploração do pensamento imaginário se valendo do de estruturar parcialmente uma experiência em termos de outra.
Quando conceituamos, há um transporte de informações e este
poder da abstração, da metáfora, instigando a movimentação é sempre, e inevitavelmente, de natureza metafórica. Nossos
espacial e temporal mais ampla das associações, da linguagem conceitos não são apenas a matéria do intelecto. Eles também
governam nossas funções cotidianas e até os mais mundanos
sendo vital para a expansão da imaginação e criatividade. detalhes. Nossos conceitos estruturam o que percebemos,
como nos relacionamos com o mundo e com outras pessoas.
Sem dúvida, está no movimento de internalização da linguagem E partem sempre dessas percepções (...) (GREINER, 2005, p. 44).
uma das possibilidades de expandir o imaginário e a abstração.
Internalizando os signos e símbolos, fazemos as representações
mentais que substituem os objetos e as situações reais (GREINER,
2005, p.89). Se a imagem consiste no que desencadeia o processo
cognitivo, é o que veicula as informações da moda, e o que manipula
Ao relacionar o mecanismo cognitivo das imagens mentais as idéias para uma criação, com o processo metafórico, sem
com o processo criativo, Salles (1998), demonstra que o momento dúvida, seu ensino deve ser mais explorado. Conforme demonstra
epifânico, momento de uma idéia, resulta do encontro de imagens Barbosa (2008), a arte mobiliza faculdades que nenhuma outra
ou “idéias felizes” que impulsiona uma inspiração, divergindo do área desenvolve com nenhum outro tipo de linguagem, como a
senso comum que acredita em um processo contrário. discursiva ou a científica, porque um dos seus pilares é a imagem.
“Dentre as artes, as visuais, tendo a imagem como matéria-prima,
A criação surge, sob essa perspectiva, como uma rede de tornam possíveis a visualização de quem somos, de onde estamos
relações, que encontra nessas imagens um modo de penetrar
em seu fluxo de continuidade e em sua complexidade. Na busca e de como sentimos” (BARBOSA, 2008.p.99).
humana, muitas vezes, o artista tenta detectar, a ponta do fio
que desata o emaranhado de idéias, formas e sensações que
Greiner (2005) descreve o mecanismo de ocorrência do
tornam uma obra possível (SALLES, 1998, p. 54). autoconhecimento ou nas palavras de Barbosa visualização do
sentir, do ser e do estar, conceituando o processo a partir das
O próprio conceito de imaginação implica existência de experiências da percepção, propondo que a consciência primária
imagens, portanto a leitura de imagens, não é necessária somente consiste em um presente rememorado, e a noção do self, ou si
para uma contextualização, e uma produção de qualidade, mas mesmo é resultado de interações do sistema límbico e o cortical.
24
Essa interação ocorre com a memória, que nesse contexto é Atualmente, o sujeito é quem seleciona sua crença,
descrita como uma recategorização e os conceitos derivados de sua rede de relacionamento, ou redes, construídas no vazio,
atividades que emergem a partir das relações com o ambiente, não cabendo mais uma roupa aprisionar sua subjetividade em
organizadas no cérebro. Portanto, a experiência perceptiva um estilo pronto, com modos de usar, ocasiões, combinações e
fenomenal deriva da memória conceitual que correlaciona o acessórios selecionados. Mesmo cientes do poder de influência
‘arquivo’ de categorizações em utilização “o que se costuma da mídia, dos grupos sociais e da própria globalização que impõe
chamar de “si-mesmo” não diz respeito apenas ao interior de um uma amálgama de cultura global que repercute na autonomia em
corpo, mas às conexões do interior com o exterior” (GREINER, relação à liberdade de escolhas, o próprio mercado se aproveita
2005. p.43). da queda da idéia de um consumo ditatorial, de uma tendência
Se as imagens são suportes que comunicam e expressam única, disponibilizando cada vez mais opções e nichos de consumo
o produto, o criador, bem como seu posicionamento, sendo que o para satisfazer a ilusão de uma escolha livre. Nesse sentido, a
próprio mecanismo cognitivo se vale desse suporte e a percepção autonomia para a conquista de escolha livre deriva do repertório,
de si mesmo também, a imagem se apresenta não mais como das contextualizações, que a pessoa possui que conferem uma
uma mera ilustração, mas como matéria prima do indivíduo, de conscientização dos agentes que manipulam e a inserção de um
sua percepção do mercado, da sociedade contemporânea, da produto. Essa idéia também se aplica ao processo criativo, que
imaginação. adquire maior grau de autoria, de autonomia com um maior
repertório da área de atuação transmitindo conhecimento para
propor conceitos novos.
1.2.1 Ler Imagens de Moda
Mesmo a moda não perdendo sua essência da distinção,
ela ocorre de maneira mais complexa, não se restringindo
“Portanto não é mais a comunidade local que serve de
somente a ostentação do seu início, esta se amplia para novas
ancoragem para o sujeito, e sim as redes que transitam no espaço
formas ostentatórias, que acompanham a evolução do consumo,
vazio às quais se filia e que o conectam com o outro” (VASCONCELLOS,
cada vez mais sobre a tutela dos estilos de vida. As pessoas não
p.66). Esta leitura apresentada pelo autor, baseada na conjuntura
deixaram de se interessar em se distinguir, com a mudança de
pós-moderna (que influencia o comportamento das pessoas),
paradigma do consumo ostentatório para o de identidade, o que
consiste em uma consideração significativa para a realização
aconteceu foi à ampliação das possibilidades de distinção, com a
de uma leitura da moda. O pesquisador apresenta a mudança
segmentação de mercado. Mesmo com a diversidade de nichos e
de paradigma que o indivíduo assimilou, da perda do status da
estilos, o consumidor se diferencia no interior de cada segmento.
tradição regional, para a globalização que reverbera na moda,
Um exemplo dessa diferenciação pode ser exemplificada com um
com a liberdade desfrutada de não precisar mais se configurar de
o estilo punk, que pode ser clássico, com calça skinny rasgada,
acordo com uma norma ou de uma tradição.
tênis, camiseta de banda preta; uma diferenciação de estilo dentro 25
do punk, com informação fashion, pode acontecer com uma calça contemporânea que permite decodificar as múltiplas influências
skinny flúor, camiseta colorida e melissa com meia. de uma única estação, assusta-se com um discurso no mínimo
confuso.
[...] à medida que os sistemas de significação e representação
Um exemplo desse discurso: “Esta é a estação do coral.
cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades Porém o preto e o branco são clássicos... O azul sempre tem seu
possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – espaço... O Kaki é muito importante da família dos neutros... O
ao menos temporariamente (HALL, 2001, p.13).
vermelho é eterno...; Os comprimentos aparecem longuíssimos,
mas os médios são muito práticos... E sempre existem os fiéis aos
Essa identificação descompromissada, essa experiência de curtos... Já o estilo rock volta com força total, mas os anos oitenta
possibilidades de existências que a moda disponibiliza, repercute não saíram de evidência..., mas esse foco na sustentabilidade
no trabalho do designer ao lidar com uma quantidade cada vez resgata uma imagem mais natural..., os clássicos nunca saem de
maior de estilos, de influências de possibilidades para ofertar moda, agora são revisitados com um perfume dos anos noventa...,
dentro de uma coleção. Um exemplo disso está nas próprias a influência da música dita tendência com o estilo irreverente dos
coleções em relação à matéria prima, antes o estilista poderia ter emos... mas o romantismo ainda tem sua verdade...” Observo,
dentro da coleção três opções de artigos em malha era suficiente. claramente que as palestras que acompanho (começaram ainda
Na atualidade não se admite uma coleção de malha que não com o slide), refletem a mudança do paradigma da ditadura das
contenha malha com fio flamê (fios mais encorpados que parecem tendências, as quais apresentavam mudanças concisas, atualmente
riscos no tecido), com efeito botonê (bolinhas na superfície do divulgam quase todas as cores, todos os estilos, comprimentos,
tecido), com efeito devorê (enzimas que devoram determinadas efeitos, materiais...,de forma que sem a referência da sociedade,
regiões do tecido formando um padrão), de algodão orgânico, consumo, segmento, mercado, concorrência, novelas, público
de mescla (mesclada geralmente de cinza), ribana, lavada, entre fica complicado planejar uma coleção e desenvolver produtos
outras. de moda, somente pautada nas transformações de detalhes das
Na moda, já faz bastante tempo em que a imprensa e peças.Hoje, não é apenas um contexto expressado em um detalhe,
os profissionais especializados não ditam uma única tendência mas sim contextos expressados em frentes de tendências diversas,
da estação, por exemplo: comprimento, cor, aviamentos, etc., e não uma hegemônica como antes. Rangel (2005), refletindo sofre
sim, as tendências, as influências, os materiais, as décadas em as tendências, demonstra que as tendências possuem frentes, ou
evidência, os movimentos artísticos que citam, os estilos que correntes de comportamento que, de certa maneira, são fixas, e
estão configurados com novas interpretações, entre outros. Ao emergem a cada estação com temáticas diferentes. A autora apontou
analisar o discurso de um lançamento de tendências, quem não 13 correntes: etnia, orientalismo, natureza/ecologia, décadas
passadas, artes plásticas, tecnologia/futurismo, acontecimentos
26
é familiarizado com a área não possui uma leitura da conjuntura
sócio-culturais, vida urbana, movimentos musicais, conceitos
sensações, história/literatura, misticismos/magia/mitologia e consumiria a frente da blusa estampada com um padrão clássico
vocações regionais. Considerando que as frentes decorrem de de onça, sem decotes, com um look para neutralizar o efeito da
análises realizadas por empresas especializadas em monitorar onça. A diferença fica clara ao observar o consumo de tendência
pessoas vanguardistas, as quais sinalizam novos paradigmas e de uma consumidora vanguarda que compraria, por exemplo,
comportamentos, podendo estes serem traduzidos em frentes de uma blusa de onça com fundo Pink, e usaria com All Star xadrez.
consumo se forem fortes o suficiente, ou em temáticas para as Vasconcellos (2001) explica como se forma o cenário da liberdade
frentes. Para exemplificar como ocorre isso na prática, temos a atual refletida no consumo:
frente urbana que pode aparecer com a temática da violência como
aborda o trabalho do estilista Alexander Macqueen (1969-2010). Por último, a subjunção do caos rejeita a busca da ordem, da
Outra corrente é de vocações regionais que é bem característica homogeneização e da pureza entendida como a expulsão do
estranho e do diferente. Dessa forma, o pós-modernismo toma
do trabalho de Ronaldo Fraga (1972), que a contempla por meio como matéria-prima a profusão de imagens, da bricolagem, da
de diversas temáticas como o Rio São Francisco (verão de 2009),e transgressão dos limites entre a arte e ciência, entre o sagrado
e o profano, entre criação e fabricação, sua marca registrada
a América Latina (verão 2010). (LIPOVETSKY, 2005, p.67).
Como Lipovetsky (2005) demonstra a época da ditadura da
moda já se esvaiu, sendo que o contemporâneo não impõem um O estilo ditatorial da moda dos cem anos, da égide
rótulo, instiga criar um consumo segmentado. da Alta Costura, acaba findando seu próprio reinado, com os
movimentos jovens estimulados pela revolução de 1968, com a
O individualismo na moda é menos glorioso, mas mais livre,
menos decorativo mais opcional, menos ostentatório mas mais influência de filmes como “Juventude transviada” e festivais como
combinatório, menos espetacular mas mais diverso. [...] é mais Woodstock (LIPOVETSKY, 2005). Até os movimentos organizados
fundamental porque pode investir nas próprias referências do
parecer (LIPOVESTSK,1989, p.152). em tribos estão em desuso, suas ramificações e interferências
não se enquadram mais em rótulos de um estilo, mesmo que
Nesse contexto individual, combinatório, diverso, torna- bem segmentado. O estímulo intenso da customização, da
se fundamental ler os segmentos para compreender como o individualização, a concorrência acirrada, conduz a um consumo
consumidor quer consumir a informação de moda à tendência, e mais criativo e independente que reflete no estilo, compondo uma
não somente compreender de onde elas surgem, suas motivações, bricolagem de referências e de estilos, os quais variam conforme
influências, pois todos querem estar em sintonia com seu tempo, seu humor, seu objetivo com o look. Conforme demonstra o autor:
mas de maneiras diferentes. Um exemplo disso que pode ser
citado é uma faixa de consumo clássica, conservadora, e o hit Primeira: o destino final de toda mercadoria colocada à venda
é ser consumida por compradores. Segunda: os compradores
da estação é a estampa de onça. Ela não consumiria uma peça desejarão obter mercadorias para consumo se, e apenas se,
inteira decotada, pois, o apelo final é sensual e seu visual sóbrio, consumi-las for algo que prometa satisfazer seus desejos.
27
Terceira: o preço que o potencial consumidor em busca de da sua casa dever seguir esta linha..., este tipo de abordagem é
satisfação está preparado para pagar pelas mercadorias
em oferta dependerá da credibilidade dessa promessa e da
importante ser decodificada, primeiramente, porque é assimilada
intensidade desses desejos (BAUMAN, 2008. p. 18). pelo consumidor, conscientemente ou não e, em segundo lugar,
o estilista têm de configurar um universo para marca, para o
consumidor.
Essa credibilidade da promessa depende de uma série de Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito
investimentos financeiros que atrelam demandas psicológicas, sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura
como os desejos, as sensações que a marca emana. Essas sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de
maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma
informações são encarnadas na imagem, no estilo configurado, por mercadoria vendável. A “subjetividade” do “sujeito”, e a maior
isso a capacidade de leitura da moda é vital para sua prática, pois parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito
atingir concentra-se num esforço sem fim para ela própria se
ela, além de disponibilizar produtos para leituras decodificadas, tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável (BAUMAN,
oferta leituras novas criando desejos novos. Essa mobilização em 2008, p. 20).
torno da marca implica em um conhecimento de Sociologia para
interpretar a forma de distinção do consumidor; de Psicologia O poder psicológico da moda na formação do sujeito
para identificar demandas, os novos comportamentos, de Design contemporâneo é gigante, pois ela forma, comunica e valida
para a configuração do produto, de Marketing para posicionar sua existência, isso justifica o aparecimento de tantos distúrbios
corretamente estes quesitos na imagem, no ponto de venda, na vinculados ao consumo, que abrangem desde à compulsão por
comunicação da marca e do estilista. Este fato se deve da posse compras aos distúrbios alimentares, como também a amplitude
ser atrelada à identidade das pessoas tornando a compra não mais de interferências corporais para a satisfação das demandas.
um mero processo seletivo, mas existencial.
Vasconcellos (2001) adverte para o fato da multiplicidade
oferecida pelo mercado e a subjetividade ser ratificada na escolha,
As posses falam-nos sobre os seus possuidores; isto leva à
tendência de ver as posses com símbolos do eu, existindo assim interferir no processo criativo, dado que o sujeito é exposto a uma
a forte associação entre o eu e as posses, o que leva à crença série de referências globais que o distancia de suas regionais, em
que as posses de alguém fazem parte do que esse alguém é
(GARCIA e MIRANDA, 2005, p.23). um processo de alheamento, de sua cercania, conduzindo-o a
uma passividade e eliminando as bases elementares da invenção,
descoberta e criação. Ainda, as possibilidades de escolha que
Essa relação da compra, do objeto selecionado integrar
englobam qualquer aspecto da existência como o tipo de
parte da personalidade pode ser observada na comunicação de
relacionamento, de casa, de roupa, de realidade a atuar mais na
moda, nos catálogos, nas campanhas, nas revistas que expõem
virtual ou convencional. [...] “escamoteia o fato de a diversidade
o produto em um invólucro comportamental: “.se você adquire
das ofertas, retirar da pessoa a capacidade de criação própria
28
este tipo de calça, tem de ter esta blusa, este casaco a decoração
dos objetos de seu desejo”. (p.69). Essa dificuldade pode ser uma
das justificativas da cópia, pois o processo de autoria implica um singular. “[...] a questão da desalienação e da singularidade
autoconhecimento, trabalhar na criação com opiniões, aspectos continua representando um desafio, quando se pretende imaginar
da vida do artista e, se o sujeito não tem tempo sequer de a pessoa capaz de participar ativamente na construção de si e do
distinguir o que deseja para criar, seu produto reflete sua falta seu mundo” (VASCONCELLOS, 2001, p.69). O autor considera que
de maturidade, surgindo superficial ou se apoiando na cópia. o grande desafio do sujeito contemporâneo, bem como da prática
Esse também pode ser um argumento para o sucesso da moda, a de ensino, principalmente quando se trata de criação em moda,
ilusão da escolha livre para compor um estilo que o consumidor consiste na desalienação. Em propiciar leituras que busquem a
acredita ser singular, porém, na realidade, está envolto em uma reflexão, a crítica da realidade circundante, porque a liberdade
supersegmentação. proporcionada pela pós-modernidade é alçada com a análise da
Uma das justificativas para o revival de um estilo retrô, conjuntura em que se está inserido, os mecanismos do mercado,
contexto histórico no qual vários consumidores não viveram, para não construir uma individualidade ilusória, sem consciência
que é transmitido no design do associado ao produto, descarta a das suas influências e sem um pensamento autônomo.
possibilidade de aquisição por saudosismo - já que não pertenceu a Esse raciocínio é fundamental na formação de estilistas
época e, mesmo assim, obter sucesso de vendas, pode ser interpretado criativos, para que possam dominar a linguagem da criação e
justamente pela falta de referências do contemporâneo, sendo mais do campo da moda, a fim de acreditar no poder de sua análise e
reconfortante voltar para o passado, em que as possibilidades eram criação. Isso vale ser salientado, porque é comum encontrar em
mais seguras, conforme salienta o autor: estilistas estrangeiros a consciência de seu poder de lançar, de
impor, de vanguarda que é próprio da moda, mas que, no Brasil,
Como não ver que a vitória do indivíduo sobre a sociedade é uma
vitória ambígua e que as liberdades concedidas ao primeiro – sob a premissa da venda e a pressão que ela faz nos criadores,
liberdade de opinião, de consciência, de opção de ação – são um esse tipo de liberdade criativa não é apresentada como uma
presente envenenado e a contrapartida de uma terrível ordem:
doravante cada um está incumbido de construir e encontrar um possibilidade real de mercado. Isso acaba contribuindo para a
sentido para sua vida. Outrora, crenças, preconceitos, hábitos realidade da cópia, e a divulgação de idéias de que coisas muito
não eram apenas odiosas tutelas; protegiam contra o acaso e os
riscos, garantiam, em troca da obediência às leis do grupo ou
criativas, inovadoras, conceituais não possuem mercado no
da comunidade, certa tranquilidade (BRUCKNER,1996, p. 115). Brasil; diferente de outros pólos de moda que são extremamente
incentivados, e o principal suas criações são rentáveis. “Existe
Isso faz com que a criatividade não seja mais mercado para tudo, para Bic e para Mont Blanc”.
encarada como uma característica presente em poucas pessoas,
privilegiadas, mas sim em um elemento inerente ao sujeito Rodari (1982) concebe a criatividade como o encontro da
inteligência com a fantasia. Segundo ele, a fantasia é tão
contemporâneo, sendo necessária como um dos quesitos básicos necessária quanto a lógica, e o encontro de ambas resulta
da constituição do sujeito, já que este deve se comunicar com sua
29
na inteligência criativa, capaz de assegurar os meios para a
configuração visual, encarregando-se de manipulá-la de modo transformação da sociedade e para liberar-se a pessoa de todas
as formas de opressão e dominação. É, portanto, com o intuito moda, sua atualização, ditando o estilo, ou estilos, configurando-
de estimular a inventividade da inteligência, sua capacidade
de desfazer esquemas e estereotipias, penetrar o obscuro,
a uma conjuntura contemporânea. Portanto, para a criação em
o estranho, o imprevisível e retirar deles novas figurações moda, para um posicionamento de estilista, que é próprio da
e conexões, que o autor exalta o papel da criatividade na moda de lançar, primeiro é necessário um processo de autoria de
constituição do sujeito [...] (VASCONCELLOS, 2001, p.74).
liberdade, não somente de antecipação, mas de singularização.
Essa pode ser a grande diferença, na atualidade do prêt-à-porter
Conforme consideração do autor, o estímulo da criação e da confecção, em razão de o primeiro posicionar-se com grande
resulta uma liberdade, como está implícito na palavra “expressão”, investimento no lançamento, em todos os sentidos de tecidos,
como “livre de pressão”; no entanto, essa pressão deve ser efeitos, modelagem, conceitos, tendências, cores, maquiagem,
delimitada, porque pode tornar-se desculpa para a atuação do acessórios; enquanto o segundo concentra-se na distribuição
profissional no mercado, alegando que elementos lógicos e a de um preço mais acessível do que foi lançado na passarela,
própria orientação para o mercado são elementos negativos. É adaptando-se para realidades locais as informações de moda.
importante salientar que inclusive, na arte, é comum a existência
A diferença principal da confecção com o prêt-à-porter
de um mercado, de um mecenato, para a subsistência do artista, e
deve ser delimitada como a capacidade de lançamento, porque
em tempos que os mecenas, clientes impunham seus cânones, os
é comum a existência de confecções de qualidade, de grande
artistas obtinham desenvoltura para dar vazão às suas crenças e
reconhecimento, mas que não desfilam em semanas de moda, mas
faziam trabalhos paralelos. De acordo com Rodari (1982), o próprio
em feiras especializadas. Conforme observado em Bourdieu (1975),
processo criativo, a inteligência criativa é fruto da fantasia aliada
a confecção faz parte do campo da moda, não anseia destruí-lo
à lógica, sendo que, principalmente para a criação em moda, as
porque se vale da sua manifestação, sendo que suas estratégias
duas faculdades mentais são significativas para o desempenho
de comercialização são mais modestas, no entanto, evocando
do estilista. A fantasia atrelada com a lógica para desenvolver
sempre a aura da moda. “Fluência, flexibilidade e originalidade
propostas inovadoras para o mercado:
são essenciais para compreender o mundo contemporâneo e
agir nele” (VASCONCELLOS, 2001, p. 73); principalmente para
Os alunos de design de moda não devem buscar sua
inspiração nos temas relacionados às tendências atuais, pois decodificar e atuar nos sistemas da moda.
é prerrogativa do design estar à frente do seu tempo, tentar
antever preferências futuras e lançar novas tendências a partir Todas essas qualidades refletem a sociedade
de criativas propostas de estilo (TREPTOW, 2003.p.109). contemporânea, o que Ted Pholhemus (1995), chama de
“supermercado de estilos”, que decorre da desterritorialização do
Como afirma a autora, conhecer as tendências atuais é sujeito, da globalização, da multiculturalidade, fazendo com que
básico para atuação do profissional de Moda em qualquer setor, o estilo não fique mais preso a regras, nem a tradição, porque
já que a tendência consiste em grande parte da informação de o consumidor tem a possibilidade de escolher que tradição vai
30
seguir em cada dia. Por isso que a fluência, aliada à flexibilidade [...] a confiança e a fé no futuro se dissolvem e ninguém mais
acredita nos amanhãs radiosos da revolução e do progresso,
e à originalidade são essenciais, pois são quesitos que o estilista atualmente todos querem viver o momento atual aqui e agora,
deve dominar para executar seu trabalho. Também não deve ter querem se conservar jovens e não pensam mais em forjar um
preconceitos, sendo flexível a várias influências, compreendendo novo homem. Nesse sentido sociedade pós-moderna significa
retração do tempo social e individual, mesmo que se imponha
vários comportamentos, estilos de vida; ser original, afinal, sua cada vez mais a necessidade de prever e organizar o tempo
autoria se dá com a releitura que deflagra sua singularidade coletivo, extenuação do impulso modernista em direção ao
futuro, desencanto e monotonia do novo, sufocação de uma
perante um tema na coleção e a fluência no sentido de ser fluído, sociedade que conseguiu neutralizar na apatia o que é seu
conseguindo atuar em diversos sistemas, tendo competência alicerce: a mudança (LIPOVETSKY, 2005, p. XIX).
para trabalhar com a transdisciplinaridade do design, de ter
domínio, de ser rápido, espontâneo para lidar com as expectativas Essa apatia da mudança, a que o autor se refere pode
e exigências. Lipovetsky (2005), contextualiza a conjuntura pós- ser relacionada ao que Santos (1983), descreve como duas
moderna recorrendo primeiramente a sociedade moderna que possibilidades existenciais para o sujeito pós-moderno. A primeira
preconizava o futuro, a tecnologia, a ciência, rompendo com se refere ao indivíduo que tem uma postura de “criança radiosa”,
a tradição, as hierarquias, o sagrado e a revolução, sendo que, (de acordo com preceitos de Toffler, Feidler e Lipovetsky) com
justamente contra esse ideário caracteriza-se a sociedade pós- comportamento orientado para o narcisismo, hedonismo, de
moderna. identidade volátil, móvel, tecnológica, flutuante, sedutora e
liberada sexualmente. Já a segunda, apresenta o oposto da
primeira, o “andróide melancólico” (como demonstram Nietzsche
e Baudrilard), decorrente da massa, amorfo, consumidor
programado e sem história.
31
Todos essas características da moda, como as estigmas, que caracteriza a mídia secundária é o fato do emissor se valer
a sua natureza múltipla, sua incapacidade de definição, o poder de prolongamentos para potencializar seu tempo, emissão,
de impor, de ditar regras, a sedução, o hedonismo e a fantasia abrangência, impacto e alcance por meio de objetos que cumpram
de existências novas e mundos construídos de acordo com a finalidade de transportar a mensagem (CASTILHO, 2006).
as demandas dos consumidores com as marcas, compõem o
posicionamento principal, seu mais importante meio e estratégia Com a soma da mídia secundária (moda) à mídia primária
de comunicação: a imagem de moda. Sendo esta construída no (corpo), é possível fundamentar a interação e a normatização
social em discursos cada vez mais complexos e com grandes
corpo, já que a roupa o envolve, este se configura o primeiro variações octanciais possíveis de serem protagonizadas, já
elemento a ser considerado em uma leitura. que cada elemento decorativo pode tornar-se octante de um
programa narrativo diferente (CASTILHO, 2006, p. 85).
Castilho (2006) afirma que o corpo pode ser
considerado um dos primeiros suportes de socialização, e,
Os elementos decorativos no corpo, como componente
portanto, um dos pilares da comunicação pela possibilidade de
de um programa narrativo, podem ser denominados identidade,
ser um suporte para a inserção de valores culturais. Valores estes
estilo, para justamente identificar o sujeito do discurso na
imprimidos desde o momento do nascimento, porque, já são
comunicação. Esse fato ocorre em virtude da presença do
inseridos em um corpo social, logo a imagem, sendo derivada
outro, que impulsiona as alterações no corpo para a captura
do corpo, constitui um espaço de existência, de construção, de
do olhar, constituindo uma linguagem corpórea que reflete a
relacionamento, materializada por meio de uma imagem pública.
materialização de identificações de discurso na imagem, reflete
“Entendemos, então, público é o que pode ser de conhecimento
valores e significados do grupo ao qual o sujeito pertence ou
de todos, é o que todos têm o direito de assistir, ver e conhecer
pretende se associar. Continuando o raciocínio do corpo e da
“(CASTILHO, 2006.p.84). A configuração da imagem pública
roupa como meios de comunicação, pode-se estabelecer que os
consiste em um dos fatores mais significativos do escopo da
recursos utilizados para o registro, a mudança da identidade no
moda, seja por ostentação, individualização, o sentido distintivo
corpo, manipulando referenciais, funcionam como escritos, são
é ratificado na imagem configurada, não sendo relevante o tipo
textos que o indivíduo escreve “sobre”, no sentido de sobre o
de mensagem a ser divulgada como de competência, sedução,
corpo, e sobre sua existência. A imagem gravada, assim, é um
fragilidade, mas seu potencial comunicativo para a subjetividade
texto visual, que grava ampliando o tempo de existência de uma
do emissor e para a sociedade.
marca, de um sujeito, de uma tendência, pelo seu aspecto de
Se corpo configura uma mídia primária, a roupa, a registro que permite uma leitura, decodificação lenta vencendo
vestimenta, a moda, enquadra-se na secundária em decorrência metaforicamente a morte (CASTILHO, 2006).
da sua característica de transporte de comunicação. A roupa
como suporte de uma mensagem direcionada aos receptores. O
32
Imagem é o resultado de um gesto, é a extensão do gesto no não sendo refém de etiquetas, valoriza os estilos, configura uma
plano bidimensional. E como toda escrita, significa a presença
de um corpo ausente. Imagem não é só visual, mas também
coordenação de peças insólita. “São pessoas altamente criativas,
gustativa, olfativa... trata-se, enfim, de uma paisagem simbólica sem medo de críticas. Curiosos pesquisadores, mudam as coisas
que, aos poucos, vai construindo um “mundo possível” de em todas as áreas” (p.51). Já o perfil fashion, é o perfil que
marca, espelhado em relações há muito percebida nas artes
(CASTILHO, 2006, p. 90). mais consome moda, gosta de etiquetas, de consumir, de redes
sociais, adepto de tendências, explora bastante a sensualidade e a
jovialidade. Tem estilo coordenável e contemporâneo em virtude
O poder de construir, o universo da marca se valendo de
de ser mais fiel à informação de moda. O último perfil, de acordo
todos os recursos para sua distinção, de cada detalhe para a emissão
com a autora, é o tradicional, que é preocupado em não chamar
correta da mensagem objetivada manipulando, geralmente estilos
atenção, suas prioridades englobam conforto, preço, garantia,
contrários, clássico com moderno, o luxo com lixo, entre outros,
portanto, recebe menos influência de tendências, e busca etiquetas
constata que sua eficácia é válida devido aos investimentos que se
com motivação orientada pela necessidade. Já a incidência dos
dão na sua configuração e veiculação. Como na linguagem, para
perfis na população é de 10% para as pessoas de perfil vanguarda,
realizar uma leitura, é necessário ser alfabetizado (CASTILHO,
com volume de aquisição de três peças, enquanto o tradicional que
2006). A alfabetização da moda inclui um domínio dos estilos
corresponde à maior parte da população 60% compra uma peça
de moda em sua definição verbal e visual (que engloba o estilo
e o fashion seis, para 30% da população. O perfil de desembolso
de look final, não o estilo proposto pela tendência, abrangendo
pode ser observado em várias situações de aquisição de qualquer
o esportivo, elegante tradicional, romântico, sexy, criativo,
tipo de consumo, uma pessoa pode ter os três, por exemplo, uma
dramático), de perfis de desembolso que consiste em interpretar
consumidora pode ser vanguarda para sapatos, tradicional para
a forma de aquisição do consumidor (tradicional, fashion,
roupas e fashion para perfumes, este perfis são relacionados para
vanguarda) e os estilos dos consumidores (sensual, exibicionista,
compreender a tomada de decisão do consumidor e quais são
conservador, transgressor, radical, conformista, status visível,
suas prioridades que independem de estilo. Outro exemplo, um
status sutil, jovem, popular, rebelde, boêmio, prático, nômade)
consumidor pode ser tradicional para produtos de limpeza em um
(MOCHEGGIANI, 2010).
supermercado e fashion para alimentos.
Treptow (2005) apresenta uma análise específica do perfil de
Este tipo de raciocínio, de conciliar vários tipos de estilos
desembolso relacionando sua abrangência na população brasileira
associados a quatro variantes, isto é, o look final, a tendência, o
com a quantidade de peças adquirida. De acordo com a autora, um
desembolso e o consumidor, pode ser demonstrado por meio de
consumidor vanguarda corresponde a um comportamento que
um exemplo ilustrativo: o consumidor pode ter um estilo radical,
procura e gosta da informação, de sentir-se com ela diferenciado,
e ser fashion no perfil de desembolso aderindo às tendências e
possui traços de rebeldia, inovação, singularidade, sofisticação,
ser sexy de look final, portando ao invés de usar camisetas de rock
lúdico, com maior autonomia em relação à tendência de moda
com calça skinny, o consumidor usa um corselet, ou usa a camiseta 33
com a gola mais aberta aparecendo mais pele e um top por baixo. da marca, para configurar isso corretamente na produção de uma
O corselet sozinho pode ser sensual, romântico, mas seu resultado imagem de moda.
é alterado com o look final do consumidor. O mesmo acontece Outro exemplo de configuração visual que envolve
com as marcas que possuem em suas coleções uma variedade de posicionamento de moda com entendimento profundo de
estilos, mas que em sua imagem são configurados segundo um estilos para diferenciação e identificação dentro de um mesmo
estilo de look final da marca. “A produção de imagens do corpo segmento é o das marcas esportivas como a Puma, Adidas, Nike
requer um exercício contínuo de construção de identidades e e a Timberland. A Puma emprega um estilo mais fashion em
são as marcas que ofertam grande estoque de significações prêt- seus produtos, isso se evidencia também em outras linhas da
à-porter” (CASTILHO, 2006, p.93). Conforme se pode observar marca como as bolsas, o emprego das tendências, a utilização
na figura que apresenta uma interteia de possibilidades prêt-à- das cores que resulta em propostas bem “antenadas” e bem
porter(de identidades) que os estilistas manipulam para configurar jovens. Já a Adidas não deixa de empregar as tendências, mas sua
seu estilo, os produtos, o mix da coleção e a imagem da marca. configuração visual resulta em propostas com estilo mais retrô e
Essa leitura de look final, perfil de desembolso e de alternativo. A Nike se posiciona com imagens que ressaltam mais
consumidor atrelado às tendências influencia significativamente o aspecto de performance de tecnologia com um estilo esportivo
as tomadas de decisões em todas as áreas de atuação, como de posicionamento “active”. Já a Timberland emprega um estilo
o marketing, desenvolvimento de produto, planejamento de nômade e aventureiro. O cruzamento de estilos que a figura
coleção, produção, styling, fotógrafo, make up beauty, modelo, apresenta entra em consonância com a afirmação da autora:
etc.
O vestir torna-se um ato de aquisição de competência para
O look final é projetado para o consumidor se identificar
realizar a performance e fabricar simulacros de identidade
e se posicionar como a marca quer ser identificada. Um exemplo por meio da aparência. Esconder, camuflar, depilar, apertar,
eloquente é o da camisa branca, que pode configurar um look final disfarçar, cortar: cenas de uma tragicomédia cotidiana. A
roupa e o gesto estão cada vez mais identificados com o poder
esportivo, se produzida com óculos de sol, cabelo liso, e etc. ou usados em lugar do desejo de se conquistar, de se obter mais
pode ser clássica, se posicionada com pérolas, cabelos ondulados, visibilidade (CASTILHO, 2006, p. 93).
criativa com bolsa colorida, tradicional com cinto, dramática
com um espartilho, sensual aberta revelando a lingerie e outras Se o vestir é resultado de aquisição de competência para
infinitas possibilidades (MOCHEGIANNE, 2010). Muitas vezes, para configurar simulacros de identidades através da aparência, o
posicionar um produto de moda, o estilo do produto em si se profissional competente é aquele que possui repertório para
torna menos importante, até porque as coleções são planejadas decodificar os estilos, as demandas de consumo para ofertar mais
para abranger vários perfis de consumo, e os produtos assumem possibilidades. O estilista deve fornecer possibilidades em virtude
esse papel, por isso, é importante se atentar para o estilo final da necessidade do consumidor, de comunicar, promover, o que ele
34
é ou deseja ser, por isso recorre às marcas, em busca de conteúdos
para seus textos, fazendo com que o corpo ceda espaço para sua
imagem manipulada que tem na essência o desejo. (CASTILHO,
2006).
O consumidor passa a querer usar para poder ser, já que
somente aderindo à proposta de elegância embutida nesse
look expandido receberá o reconhecimento social por “estar
na moda”. Num planeta onde a única e inequívoca certeza é a
mudança, o evento retém num só tempo e espaço até o mais
frágil desejo de porvir, convertendo num poderoso adjuvante
do consumo. Marcas dos mais diferentes produtos, ao entrarem
na seleta lista da taxonomia fashion, estabelecem mais que um
ciclo de vida de moda: definem, de fato, outro “modus operandi”
promocional, capaz de construir, organizar e cronometrar as
paixões do consumidor (CASTILHO, 2006, p. 87).
A supremacia da visão dentre os sentidos é comprovada, Os autores abordam com eloquência a relação da Moda
principalmente, pela arte, em moda isso também se verifica: a com a Semiótica e como a apreensão da sua linguagem, seu
prioridade está em um visual atraente, o que comprova-se, por funcionamento e suas normas é eficaz para as leituras, não
exemplo, no salto alto, no espartilho entre outros tantos que a somente de imagens de moda, mas uma leitura do seu próprio
moda promete para a beleza e a juventude das consumidoras. A funcionamento. “A metodologia utilizada para a leitura de uma
leitura também se vale de tal sentido e não está restrita à leitura obra de arte varia de acordo com o conhecimento anterior
escrita, invade várias manifestações comunicativas como a Arte e do professor, podendo ser estética, semiológica, iconológica,
a Moda, e, para ser desenvolvida, observa regras e métodos sendo princípios da gestalt e etc.” (BARBOSA, 2008, p. 19). A autora
que sua apreciação também exige estes conhecimentos. também evidencia o impacto da imagem no cotidiano e o seu
papel no ensino-aprendizagem:
Barbosa (2008) apresenta que a Arte como as outras
disciplinas possui um campo de estudos específico, constituído de
Este mundo cotidiano está cada vez mais sendo dominado pela
uma linguagem e história, não sendo um fazer aleatório. Como imagem. Há uma pesquisa na França mostrando que 82% da
para qualquer área, como Português ou Matemática é necessário nossa aprendizagem informal se dá através da imagem a 55%
desta aprendizagem é feita inconscientemente. Temos que
o domínio da gramática e do contexto cultural com estímulos e alfabetizar para a leitura da imagem. Através da leitura das
metodologias específicas para a assimilação. A Arte implica em obras de artes plásticas estaremos preparando a criança para a
um conhecimento prévio para a leitura e decodificação de suas decodificação da gramática visual, da imagem fixa e, através da
leitura do cinema e da televisão, a prepararmos para aprender
obras. Esta premissa também se aplica à Moda, uma indústria a aprender a gramática da imagem em movimento. Esta
que se vale do poder da imagem com maestria, daí a relevante decodificação precisa ser associada ao julgamento da qualidade
do que está sendo visto aqui e agora em relação ao passado
importância da leitura de imagens que a abordagem triangular (Barbosa 2008, p. 35).
propõe. Conforme os autores observam, há possibilidade de tecer
um texto visual que a imagem propaga:
A decodificação associada à crítica e análise do presente
em relação ao passado que a autora apresenta é fundamental
Se for possível falar e escrever seguindo as regras “gramaticais”
que estruturam a linguagem verbal, é possível também também para uma análise de imagem de moda, até porque ela é
conhecer e nos aproximar de uma ampla variedade de estudos reflexo disso, decifra-se não apenas o estilo, o contexto, o autor, o
que investigam o caráter e o conteúdo da linguagem visual no
modelo. O mais importante é a possibilidade de autoconhecimento 37
de descoberta que a fruição da imagem possibilita, e é transmitida revelar seu objetivo, como, por exemplo, um catálogo direcionado
nas futuras produções, como declaram os autores: “Segunda ou ao consumidor final apresenta mais imagens conceito, e de estilos
primeira pele, a moda significa, discursiviza e manifesta traços da de vida para a identificação, a projeção do consumidor. Um catálogo
identidade do sujeito, assim como sua subjetividade” (CASTILHO E de venda dirigido ao consumidor intermediário, o comprador,
MARTINS 2005, p. 55). possui mais imagens dos produtos, sendo comum as peças serem
A assimilação da imagem de arte é repertório, como fotografadas de frente, costas e laterais, dando-se ênfase aos
também ponte para reflexões da história, da estética, de detalhes. Preocupa-se, assim, em abranger todas as peças da coleção,
comportamento, da atualidade e da própria moda. não importando muito cenário e a modelo por exemplo. Um look
book, o catálogo para vendas, para o representante, ou direcionado
Nossa idéia de leitura da imagem é construir uma metalinguagem ao lojista, não repete fotos de uma mesma peça, não explora o rosto
da imagem. Não é falar sobre a pintura, mas falar a pintura com da modelo, já que seu foco é salientar o produto, não a imagem
um outro discurso, às vezes silencioso, algumas vezes gráfico,
e verbal somente na sua visibilidade primária (Barbosa, 2008, da marca. Existem catálogos, principalmente, na confecção, que
p. 19). misturam os elementos dos dois, tendo páginas que se dedicam a
mostrar todos os looks da coleção, com foco em detalhes e outras
A riqueza proporcionada por um tipo de leitura que que exploram mais ambientes, estilos de vida, o rosto da modelo,
leva ao autoconhecimento, “a metalinguagem da linguagem” é não se preocupando muito com aspectos da peça como lavagens,
pouco explorada em sala porque a leitura realizada é reduzida modelagem, aviamentos. Nesse sentido, permite mais desfoques,
a um questionário simplista, em que a análise visual direciona a uma granulação da foto maior que não seria possível em fotos de
histórica e não explora a inventividade (BARBOSA, 2008). produtos.
Para uma leitura de moda contextualizada, é fundamental Além do objetivo da imagem, uma leitura de imagem de
identificar e reconhecer que os signos estão comunicando o moda acurada pode revelar pelo o cuidado com a sua configuração,
posicionamento da marca, que o produto é um signo que, para sua produção seu design gráfico, o fotógrafo, a modelo, a locação.
ser decodificado, é inserido em um contexto, que a imagem vai Todos os detalhes do seu trabalho podem inferir em que tipo de
configurar para o receptor. Também é importante decifrar não “área” da moda a marca se situa. É comum para os conhecedores
somente pelo produto, mas pelo veículo apresentado, pois este dos códigos de cada área ou sistema, por esses detalhes, saber se
pode deflagrar o status da marca, ou o que(quem) ela pretende a empresa é de perfil de confecção, alta-costura, prêt-à-porter,
atingir, se tem meia página de uma determinada revista, ou página nacional ou estrangeira pela qualidade da produção, que se deflagra
dupla, o canal de comunicação selecionado, o tipo de papel, o em uma maior autonomia para configurar imagens mais conceituais,
design gráfico, a presença de determinada modelo e etc. experimentar linguagens, lançar tendência, explorar poses insólitas.
Bem claro que uma marca de menor porte não ousaria, em virtude
Ainda, uma leitura de imagem de moda também pode
do custo e do seu baixo potencial de vanguarda. 38
É importante realizar leituras específicas de moda de
cada manifestação de publicidade, de conceito, de venda, de público,
também se atentando para os seus suportes como de um editorial,
book de modelo, composity, venda, banner, para a produção em
fábrica, produção em desfile, orientação de montagem de vitrina,
entre outros, porque cada uma possui sua especificidade, cada uma
tem um objetivo e o consumidor mesmo que não conhecendo a
fundo cada área assimila a mensagem. Outro fator que veicula e se
diferencia pela composição de imagens são as revistas especializadas
nas quais cada uma, a sua maneira, constrói uma linguagem editorial,
da revista. Novamente, os iniciados na decodificação dos códigos das
imagens reconhecem as diferenças tênues de posicionamento entre
elas, percebem também as diferenças de produção direcionadas a
cada país no qual as revistas atuam. Uma vez que, embora a estação
possua as mesmas tendências, as marcas e os criadores lançadores
serem os mesmos, considera-se especificamente cada editora, cada
produtor, o público a que a revista se direciona, e sua finalidade
(como apresentar modelos para serem copiados, apresentar soluções
práticas para usar as tendências, apresentar as tendências com uma
carga mais conceitual, ou mais jovem, mais elitizada, mais cultural
entre outras). Tudo isso é manipulado na imagem, os leitores,
conscientemente ou não, reconhecem a diferença, pois sua aquisição
ratifica a segmentação. Conhecer a multiplicidade das imagens de
moda é decisivo para sua configuração mais consciente e racional,
como também para sua subversão.
39
40
2 CONTEXTUALIZAÇÃO
Pires (2008) revela o contexto do ensino da moda no Brasil irradiado pela moda, o crescimento dos cursos e as especializações
que até a data da publicação do livro Design de Moda Olhares de profissões da área é natural.
Diversos era de 112 cursos, divididos em 15 sequênciais, 42 É preciso insistir, entretanto, mesmo com um contexto de
tecnológicos e 55 bacharelados.“Os estados com maior número peso, a moda ainda conta com uma fase embrionária no que diz
de cursos de graduação são SP [30]; SC [17]; RJ [11]; PR [10]; MG respeito ao seu reconhecimento junto às instituições de pesquisa.
[10]; RS[6].” (p13). Quanto à pós-graduação lato senso contamos Como um dos campos de atuação do design, a moda está sujeita
com 24 cursos, com somente um mestrado na área, sendo que, São a alguns problemas que o design sofre, por exemplo, não ter um
Paulo conta com 11 especializações e MBAs na área e o Paraná com campo exclusivo, sendo incluído dentro de arquitetura e urbanismo
cinco. A autora ainda continua com sua análise observando outros na CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível
tipos de organizações que o país apresenta relacionadas à área: Superior) e no CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento
são apenas uma modateca e duas tecitecas; 31 eventos anuais, Científico e Tecnológico). Um dos motivos “alegados” é o fato do
sete museus, quatro editoras voltadas para área, seis associações design não ter um campo próprio, uma metodologia específica
e 14 institutos (centros e núcleos) (PIRES,2008. p13). para sua área, sendo justamente essa falta uma das principais
Penso ser importante começar um tipo de contextualização características do design, tanto em âmbito teórico, como prático.
do ensino da moda no país, porque essa expansão é reflexo do Por ser multidisciplinar, porque dependendo da manifestação do
aumento do setor têxtil e de confecção que em 2007, segundo o design (como gráfico, digital, de eletrodoméstico, de moda, de
SEBRAE (2010), participou com 4,7% do PIB nacional, empregando música, de interiores, entre outros) implica conhecimentos de
diretamente 1,5 milhões de pessoas, constituindo 18.797 empresas diversas esferas, chega inclusive a deixar de ser multi e se tornar
de confecção no país e 3.305 indústrias têxteis. Contexto este transdisciplinar.
que, nos últimos anos, recebeu mais ênfase tanto nacional como Conhecer o contexto em que está inserido o design, a
internacionalmente, em virtude do sucesso de eventos como o moda dentro da legislação brasileira e dentro das instituições e
São Paulo Fashion Week, o bom desempenho da moda praia, agências de pesquisa é importante, pois revela os equívocos com
e também em virtude de modelos como Gisele Bündchen. Essa os quais ainda temos de lidar, como também as áreas que temos
cadeia de consumo que a moda aciona conta com a ajuda de um de esclarecer e os passos a serem trilhados. Recentemente, no
poderoso aliado que também se vale da sua sedução que é a mídia dia 23 de novembro de 2010, aconteceu uma reunião em Brasília,
especializada, sendo esta oficial e informal, já que o poder dos com 15 representantes da moda nacional no Conselho Nacional
blogs, principalmente, para moda é incontestável. Nesse cenário
esboçado, da influencia econômica, industrial e comportamental
de Política Cultural, para elaborar um Plano Nacional de Cultura
41
para a próxima década (MESQUITA, 2010). O Plano tem como frescos, segundo Bueno (2009); e após a invasão dos portugueses
principais objetivos: no país, sob a influência da Inglaterra, as “passarelas tupiniquins”
começaram a desfilar o veludo da corte e o preto sóbrio inglês.
Promover a institucionalização da moda no Ministério da Cultura
Não entendo esse contexto como desculpa para eufemizar a
por meio da criação: do Fundo Nacional da Moda; do Comitê
da Moda; e da Agenda Propositiva de Trabalho com o MinC. cópia muito difundida em nosso país, mas para compreender um
(Propostas defendidas no Eixo III – Cultura e Desenvolvimento arquétipo social muito presente na população: da valorização do
Sustentável). (MESQUITA, 2010).
que vem de fora. Outro contexto que contribui para difundir essa
crença é o posicionamento muito eficaz da França em relação a
Sem dúvida, é um avanço significativo esse começo sua criação, e como no Brasil “tudo que é importado é melhor”
de organização, que reconhece pela primeira vez a moda na e “na moda quem manda é a França”, constrói-se um paradigma
constituição e com um papel definido dentro do planejamento muito arraigado no pensamento das pessoas, influenciando o
da Secretaria da Cultura, no Sistema Nacional de Cultura (SNC), processo criativo, e o posicionamento nacional.
regido pelo Plano Nacional de Cultura (PNC). Plano que defende
Contrariamente ao pensamento da população, o segmento
a seguinte proposta: a “emenda constitucional (PEC) 150/2003,
da moda com mais sucesso de importação é o que possui mais
que vincula à Cultura 2% da receita federal, 1,5% das estaduais
autonomia criativa, que é o beachwear, com modelagens coerentes
e 1% das municipais” (MESQUITA, 2010). Essa proposta pode
com as formas, clima, corpo e gosto local, também matérias prima
ser analisada como um avanço quanto à Moda com um setorial
e cores, garantindo o encantamento internacional. Vale comentar
exclusivo dentro do Plano ou como mais um equívoco que a separa
também que são produtos mais leves e menores o que aumenta
dos âmbitos do design. Dessa forma, esse fato pode ser benéfico,
a competitividade, devido a nossa alta carga tributária para a
por um lado para atrair mais recursos para a área e por outro ser
importação de outros produtos de moda. A história de produtos
negativo quando pode fortalecer um pensamento de que moda é
importados no Brasil ter mais status não deve ser negligenciada
um fenômeno alheio a outras metodologias como o design, o que
porque é um contexto que interfere no processo criativo; questões
prejudica sua fundamentação teórica.
de identidade nacional são sempre vinculadas a produtos
“Só a história nos salva, a história é regenerativa e competitivos internacionalmente. Como o Brasil é constituído por
potencializadora” (BARBOSA, EM BARBOSA E CUNHA, 2010, uma infinidade de influências culturais, fica mais difícil enquadrá-
p.22). O conhecimento do contexto criativo da moda nacional, é lo somente em um estilo estético para criar uma identidade coesa,
importante porque deflagra muitas ‘crises’ que passamos até hoje portanto mais fácil de ser assimilada no mercado. Acredito que a
no processo criativo de moda. Antes da ‘descoberta’ portuguesa, falta de preparo de professores de Artes que explorem o contexto
nossos trajes eram os indígenas, logo em seguida do contato com os cultural nacional tenha um reflexo significativo na produção
colonizadores quando o Brasil era somente uma espécie de ponto nacional, ratificando que a cultura alheia é melhor e não tendo
de ‘parada’ para a Índia, os primeiros trajes eram mais coloridos e embasamento para produções autônomas. 42
O Brasil é um dos países da América Latina mais ignorante de
sua própria cultura (...) Que utilidade tem isso? Vocês podem
perguntar. Acesso ao código erudito, que é o código do poder,
é essencial para ascensão da classe. É tão importante quanto à
valorização da cultura da classe em que se vivi o é para reforço
do ego. Por outro lado, a consciência de cidadania dificilmente
se aguça se não conhecemos a produção do país do qual somos
cidadãos. As comunidades humanas são organizadas com
base em específicas informações compartilhadas por todos
(BARBOSA, 1998, p.45).
44
Por que e para quê?” (Guimarães 2010, apud BARBOSA E CUNHA, que revela uma abordagem singular a qual decorre de um contexto
de leitura de obra e pesquisa.
Descartes: “Com a palavra ‘pensar’ entendo tudo o que acontece
Barbosa (2008) contextualiza o período contemporâneo em nós, de tal modo que o percebamos imediatamente por
por meio do prefixo “pós” que decorre de pós-modernismo, nós mesmos; por isso não só entender, querer e imaginar, mas
também sentir é o mesmo que pensar”, ou seja, pensar também
pós-colonialismo, pós-feminismo; este prefixo indica uma ânsia “é discurso” (Abbagnano, 2000, apud BARBOSA E CUNHA, 2010,
em ultrapassar o passado sem alienar seu conhecimento... Esse p.271).
contexto exige um conhecimento histórico grande, refletido
nas produções em um dos quesitos mais valorizados na criação Um exemplo que pode ser citado da aplicação da análise
contemporânea: a elaboração e a flexibilidade, conforme discorre de contexto, aos projetos de design é o caso da marca Starbucks,
o autor: que valoriza o ambiente na mesma medida que os produtos; esse
cenário é um grande quesito competitivo, porque os produtos
Diferentemente da solidez moderna, em que o próprio cenário
nos dava uma resposta ou, pelo menos, fortes indícios de qual estão se aproximando cada vez mais dos serviços e estes das
caminho a seguir, na atualidade, a estrada deve ser sempre experiências (BROWN, 2010). A criação de contexto de marca,
projetada e a rota, muitas vezes, redefinida durante o percurso.
(MORAES, 2010.p. 6). manuais de identidade, análise da coerência de lançamentos de
produtos, de ambientes de ponto de venda, de ações publicitárias,
A autora comprova, ainda, a importância da contextualização, são fatores cruciais na gestão das marcas e o designer deve estar
salientando que os colonizadores, procuram sistematicamente atento. Atualmente, inclusive o contexto produtivo, do chão de
destruir a história dos povos invadidos, em virtude de a alienação fábrica é avaliado pelo consumidor. Um dos segredos da coesão
do próprio contexto facilitar a dominação (Barbosa, 1986). Isso de nas empresas, consiste em, justamente disseminar o contexto da
certa maneira repercute no Brasil que tem dificuldade em valorizar marca, para todos os colaboradores: McDonald’s e Motorola tem
sua própria cultura. “universidades” internas para treinar o próprios empregados”
Um aspecto importante que a contextualização proporciona é (BROWN, 2010, p.160). Em marcas de moda, um exemplo dessa
sua face de instigar leituras pessoais, conectar contextos vivenciais, valorização é Santista Têxtil que possui uma universidade em
sendo esse um dos pontos significativos para o autoconhecimento Americana e disponibiliza treinamentos inclusive para seus
e a exploração de abordagens autorais. Cunha (2010) considera clientes.
fundamental essas leituras culturais e as insere nos contextos dos Creio ser um contexto de relevância para moda as
professores afirmando que, para ensinar, o profissional deve aprender contribuições de análises do marketing que avaliam o desempenho
e, para aprender, deve estar atento a contextos que o mundo dos produtos, a satisfação do cliente, a imagem da marca no
apresenta (BARBOSA E CUNHA, 2010). A autora explica, através mercado e orientam com esses dados as tomadas de decisões
de Descartes (s. d.) a face do pensamento que envolve contextos de empresa. Um caso de contexto prático é a atualização de
pessoais, e valoriza a racionalização a respeito dos sentimentos: redesigns tanto das próprias marcas quanto de produtos, que as
45
mantém alinhada com seu tempo e seu posicionamento. Brown O movimento Reader Response não despreza os elementos
formais, mas não os prioriza como os estruturalistas o fizeram;
(2010) afirma que o contexto criativo é sedimentado por meio de valoriza o objeto, mas não os cultua como os desconstrutivistas,
estímulos a inovação em todos os setores da organização. A análise exalta a cognição, mas na mesma medida considera a
de contextos, para o autor, configura uma estratégia de venda importância do emocional na compreensão da obra de arte. O
leitor e o objeto constroem a resposta a obra numa piagetiana
poderosa, contribuindo para persuadir os consumidores a adquirir interpretação do ato cognitivo e, mais ainda, vigotsquiana
novos produtos, inserindo-os em contextos já familiarizados por interpretação de compreensão do mundo. Assimilação e
acomodação na relação leitor-objeto (reader-response) são os
eles. A análise do mau desempenho dos produtos envolve uma processos fundamentais que se impõem (BARBOSA, 1998, p.35).
série de contextos: qualidade inconsistente, marketing, ponto de
venda apáticos, preços descontextualizados, distribuição fraca,
Para concluir essa parte, apresento um pensamento de
serviços mal geridos; também pode ser de origem de contexto
Foucalt (1926-1984), citado por Martins (1998), o qual reflete
de projeto, no design físico do produto ou em pesquisas pouco
sobre a contextualização que reverbera em ampliação de campo:
respaldadas. Os quesitos do contexto de sucesso do produto são:
“[...] desejabilidade, viabilidade e praticabilidade” (BROWN, 2010, [...] existem momentos na vida em que, para continuarmos a
p.202). olhar ou refletir é indispensável nos posicionarmos diante da
questão de saber se pode pensar diferentemente do que se
Um último contexto que acredito ser indispensável para pensa e perceber diferentemente do que se vê (MARTINS, 1998.
p.47).
a presente pesquisa é o contexto de surgimento da abordagem
triangular. Esse consiste em uma leitura crucial para a compreensão
da mesma e também justifica sua utilização. A abordagem, de E com o intuito de contribuir para a ampliação de campo
acordo com a autora Barbosa (1998), é resultado da influência a respeito de processos criadores de moda que em seguida serão
de três outras abordagens epistemológicas, sendo estas: as apresentadas leituras que contextualizam a moda, alicerçadas na
Escuelas del Aire Libre, mexicanas, o Critical Estudies inglês e o Sociologia e na Semiótica.
movimento americano de apreciação estética. Abordagens essas
que culminam em uma nova que apresenta as ações mentais e 2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO FAZER DO PROFESSOR
sensoriais básicas: contextualização, leitura de obra e a produção
(criação e fazer artístico). A autora também contextualiza, dentro
Barbosa (1998) analisa a conjuntura da arte-educação
das teorias do ensino, as que se enquadram com a proposta sendo
e considera que a área não está cumprindo com seus objetivos
a abordagem triangular: interacionista, construtivista, dialogal,
de fomentar o estudo sobre e nas Artes Visuais conectado com
multiculturalista, pós-moderna (devido ao fato do seu caráter
a informação histórica e a conformação estética. Isto porque,
articulador que relaciona a arte como cultura expressiva). Barbosa
segundo suas palavras: há ‘anemia teórica’ (p.17) como também
destaca ainda que a origem do tipo de leitura contextual que
defende:
há falta de preparação de profissionais aptos para educar pela
46
arte. Por mais que as tecnologias e o acesso à internet estejam desafios e de gestão não interfere no processo criativo e auxilia
mais difundidos, o que para a arte também promove o acesso mais na profissionalização. Nesse contexto, é válida a tradição do
democratizado de certa maneira, como visitas a museus virtuais, marketing a respeito da liderança, porque o professor não deixa
assistir a espetáculos de dança, música, palestras, recitais, entre de ser um líder nato.
outros, programas estes muitas vezes inalcançáveis para muitas Penso que todas as áreas que estudam o comportamento
pessoas. Entretanto, atualmente, basta um computador para a humano e a recepção (feedback, desempenho de venda,
fruição começar. Mesmo com a disseminação da informação, o repercussão, neurolinguística) são importantes fontes para o
professor continua ocupando papel principal no texto da educação, professor. Como o marketing, por exemplo, que avalia o nível de
seu poder é tamanho que, quando motivado, persuade o aluno satisfação e propõe estratégias para conquistar a atenção, entre
com maestria. Quem nunca teve um professor que o convenceu a outros. Já a Psicologia, com a neurolinguística que demonstra
gostar da matéria pela sua paixão? Como no processo criador, a as diferentes maneiras com que as pessoas se relacionam com o
máquina não substitui a subjetividade humana e por mais que a mundo, invariavelmente, priorizam mais um sentido em relação
educação avance em formas de ensino a distância, e deve avançar, aos outros, analisando as pessoas pela ótica de visuais, auditivas
ele não exclui o papel do professor, ou tutor, no caso. e sinestésicas. Vale salientar que isso não significa mercantilizar
Recentemente, pode-se observar a explosão no meio a educação e encarar o aluno como cliente, mas aproveitar o
empresarial e a valorização constante da entrada de consultores que essas áreas contribuem para potencializar a eficácia dos
que, de certa forma, não deixam de ser professores com um professores. Um professor também precisa trabalhar seu marketing
status maior, que nos obrigam a dar uma pausa no dia-a-dia e pessoal, sua apresentação, verificar seu desempenho, cuidar do
refletir sobre “o nosso fazer”, transformando a mesa de trabalho seu atendimento como qualquer outro profissional. Estes aspectos
em carteira da escola. Outro fenômeno também relativamente são facialmente observados em mestres que admiramos que,
recente é a figura do coaching, de tradução literal “treinador”, conscientemente ou não, realizam esses tipos de ações.
que também pode ser considerado com tranquilidade como um Nesse contexto, gostaria de citar como exemplo os
professor de executivos. Uma das visões de educação com a qual o professores de Ensino Médio e cursos pré-vestibulares, que
coaching pode contribuir para a educação é o feedback constante, empregam com maestria os conceitos propostos pelo marketing,
o que no contexto demarcado é positivo, porque já direciona de observam o contexto do aluno, o que não deixa de ser um das
acordo com os objetivos do aluno. Novamente esses processos em idéias de Piaget (1896-1980), Freire (1921-1997) e muitos outros
artes são complicados, pois muitas vezes a obra do aluno é tão pedagogos. O que gostaria de destacar é a preocupação com
transgressora que não é aceita na época, mas, mesmo no caso das o aproveitamento do tempo, pois eles devem cumprir com um
artes, o coaching pode contribuir na gestão da carreira do aluno currículo muito vasto, não deixando de lado a qualidade. Por
para definir objetivos e metas a serem alcançadas, por exemplo,
galerias, exposições nas quais o aluno deseje entrar, essa visão de
causa disso, acredito serem os profissionais da educação mais
47
eficazes, pois estão sempre submetidos a avaliações, no caso o “devemos tratar o ensino como uma forma de pesquisa pessoal.
vestibular. Diferente dos sindicalistas, os professores de cursinho, Devemos aproveitar nossa prática docente como uma oportunidade
se beneficiam desses testes, porque quanto melhor é o seu para aprender e ensinar” (Eisner, 2004, apud, BARBOSA E CUNHA,
desempenho, maior é o seu salário. 2010, p. 132). Como o aprendizado só acontece quando envolve o
A maioria dos sistemas educacionais eficazes são interesse do aluno, o mesmo vale para o ensino, ele se potencializa
meritocráticos e sua gestão funciona como uma empresa, quando seu fomento é uma das prioridades do profissional.
com salários diferenciados para desempenhos diferentes e a
Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens
preocupação maior de sua equipe é motivar os alunos; para isso,
não me é possível o diálogo. Não há, por outro lado, diálogo, se
recorrem a qualquer recurso que deixem essa atividade mais não há humildade. A pronúncia do mundo com que os homens
prazerosa. O mesmo também se pode observar em equipes de o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante.
O diálogo com que encontro dos homens para a tarefa comum
sucesso, nas quais seus líderes sempre se preocupam com o astral de saber agir, se rompe, se seus pólos ou um deles perde a
de seus colaboradores: humildade. Como posso dialogar se alieno a ignorância, isto é
se a vejo sempre no outro, nunca em mim? Como posso dialogar
se me admito como homem diferente, virtuoso por herança,
Eu já perdi a conta do número de clientes que entram pisando
diante dos outros, meros “isto”, em quem não reconheço outros
duro, dizendo “crie para nós o próximo iPod”, mas provavelmente
eu? (FREIRE, 1987, P. 80, apud. GUIMARÃES, EM BARBOSA E
já ouvi o mesmo número de colegas respondendo (baixinho)
CUNHA, 2010, p.388).
“me dá o próximo Steve Jobs”. A diferença entre um briefing
de design com um nível exato de restrições e um briefing vago
ou restritivo demais pode ser a diferença entre uma equipe
entusiástica gerando idéias revolucionárias e uma equipe A perspectiva de diálogo, de aprendizado, é indispensável
entregando versões exaustas de idéias existentes (BROWN, como aborda o autor, esse sentido, por mais óbvio que seja, ainda
2010.p.25).
necessita ser defendido, principalmente em Artes, Design, Moda,
quando se é ainda disseminada a idéia de que não são áreas
Além dos pedagogos e profissionais do marketing citados, para todos. Pensamentos, geralmente, advindos de julgamentos
profissionais com carreira reconhecida também aplicam as “teorias errados na mais tenra idade de que “os desenhos não são bons
da educação”’, como o caso do CEO da IDEO, respeitado escritório ...”; se o arte-educador realmente não acredita que tudo pode ser
de design. Tim Brown (2010), afirmou sobre isso: “Precisará aprendido e tudo pode ser ensinado, ele continua promovendo
contar uma história significativa de forma cativante se quiser ser este tipo de segregação. “Cultura não se injeta se pratica”
ouvida” (p.133). Ressalto essa afirmação como uma das teorias da (BARBOSA, 1998, p.46), e a educação pela arte é uma constante
educação porque o que foi apresentado nos capítulos anteriores, prática cultural, e não doutrina exigindo do profissional uma real
nada mais é do que uma preocupação real em fazer com que abertura para olhar o outro sem preconceitos e pré-julgamentos.
o ensino aprendizagem tenha significado na vida do aluno para
explorar o máximo do seu potencial. Fato que comenta Costa (2010): 48
A leitura de obra de arte é questionamento, é busca, é profissional de trabalho. Dessa maneira, pode-se estabelecer
descoberta, é o despertar da capacidade crítica, nunca a redução
dos alunos a receptáculos das informações do professor, por
critérios claros de avaliação, uma vez que sua ação possui uma
mais inteligentes que elas sejam. A educação cultural que se metodologia e objetivos a serem atingidos e não a confecção de
pretende com a Proposta Triangular é uma educação crítica do obras bonitas. Essa profissionalização do professor irradia uma
conhecimento construído pelo próprio aluno, com mediação
do professor a cerca do mundo visual e não uma “educação rede de profissionais também, porque prepara os criadores e
bancária” (BARBOSA, 1998, p.40). consumidores para a fruição artística. O cerne dessa postura se
encontra no estímulo e feedback constante no processo criador
É fácil recorrer a contextualizações impostas, mesmo dos alunos.
sendo emitidas com a melhor das intenções, porém a pedagogia
O incentivo positivo não requer fingir que todas as idéias terão
problematizadora, a abordagem triangular exigem um preparo a mesma prioridade. A liderança continua sendo responsável
integral do profissional enquanto ser humano, enquanto postura por analisar criteriosamente as idéias, o que inspira segurança
se as pessoas sentirem que suas idéias foram ouvidas com
de ensino e não a aplicação mecânica de técnicas. Por isso, a justiça. (...) mas o fato é que a curiosidade não prospera em
diferença extraordinária em ter aulas com quem foi preparado organizações que ficam céticas. As idéias são sufocadas antes
ou assistiu aulas com professores completos e em ser ensinado mesmo de terem a chance de florescer. As pessoas dispostas a
assumir riscos são forçadas a sair. Líderes promissores evitam
por quem somente aplica um conceito sem vivenciá-lo. “Descobri, projetos com resultados incertos temendo que sua participação
sim, que a educação é uma constante descoberta de si, dos outros, possa prejudicar as chances de progredir na empresa (BROWN,
2010.p.71).
e do mundo” (BARBOSA, apud. AZEVEDO, EM BARBOSA E CUNHA,
2010, p. 87).
A avaliação é um momento muito delicado se tratando de
Assim, é justamente por acreditar e valorizar a vivência
processos de criação, porque, se agir com muita severidade, o aluno
de cada profissional que Barbosa (2010) faz questão de frisar a
o interpreta que não foi bem sucedido, pode causar danos e até
palavra – abordagem -, explicando que metodologia o professor
bloquear o processo. Já a avaliação que não critica, não contribui
é quem cria, e os que criam seus métodos são os realmente
para o desenvolvimento do aluno, não alimenta o seu repertório e
envolvidos com o ensino. “O conhecimento da relatividade dos
não estimula sua criatividade. Diante da falta de preparo ou até por
padrões de avaliação dos tempos torna o indivíduo flexível para
medo, muitos professores optam pelo conforto de considerações
criar padrões apropriados para o julgamento daquilo que ele ainda
vagas e confundem mais ainda seus alunos. Por isso que, diante
não conhece” (BARBOSA, 1998, p.19), o que vai ao encontro com
deste contexto difícil da avaliação em Arte, simpatizo-me com o
a idéia de humildade que Freire defende. Essa humildade é que
marketing que junto com o aluno define sua meta e, de acordo com
possibilita o profissional promover um distanciamento adequado
ela, seu trabalho é observado. A idéia da meta ou do desafio pode
para a avaliação dos trabalhos dos alunos, distinguindo seu gosto
ser eficaz, pois ela exige algum tipo de concretização do processo
49
pessoal, seu estilo, sua avaliação, transmitindo uma postura
criador, porque é também comum. Infelizmente, os laboratórios
de criação ficam focados exclusivamente na experimentação salienta Barbosa (1998, p.41): “Em educação, a tarefa de estética
descontextualizada, a técnica pela técnica, deixando de possibilitar integrada na leitura da obra ou no campo de sentido da arte é
um estágio importante que é a crítica que pode acontecer em sala ajudar a clarificar problemas, a entender nossa experiência de
ou de outras formas. Como, por exemplo, com bancas específicas, arte, a discriminar entre opções, a tomar decisões, a emitir juízos
em exposições, mostras, concursos, entre outros. Devido a essa de valor”. A autora estabelece ainda que, é a estética integrada
conjuntura que no texto anterior, de propostas apresentadas com a leitura e o contexto que fomentam as características que
para o estímulo de processo criadores, é previsto como objetivo alicerçam o trabalho criativo como: “fluência, flexibilidade,
primordial a elaboração do posicionamento criativo ou plano de elaboração e originalidade”. Estes mesmos princípios que devem
negócios do aluno, sua estratégia de entrada no campo almejado, ser estimulados no laboratório de criação também devem ser
a descoberta de sua linguagem ou linguagens e a concretização do empregados no planejamento das aulas, porque como afirma
portfólio. Um importante aliado para atenuar o medo da avaliação Brown (2010), a previsibilidade leva ao tédio, e resulta na
ou o despreparo, para expor ou comercializar um trabalho, é o desmotivação de pessoas talentosas e em produções incrementais.
fomento em sala de leituras e discussões sobre em que consiste
Muitas das formas de pensamento mais complexas e sutis têm
uma crítica, qual a sua relevância para o processo criativo.
lugar quando os estudantes têm a oportunidade de trabalhar
de uma maneira significativa na criação de imagens, sejam
Uma cultura que acredita que é melhor pedir perdão depois, visuais, coreográficas, musicais, literárias ou poéticas, ou a
em vez de permissão antes, que recompensa as pessoas pelo oportunidade de poder apreciá-las. A capacidade de criar uma
sucesso, mas lhes dá permissão para falhar, removeu um dos forma de experiência que se pode considerar estética requer
principais obstáculos à geração de novas idéias (BROWN, uma mente que anime a nossa capacidade de imaginação e
2010.p.31). que estimule nossa capacidade de viver experiências saturadas
de emoções (Eisner, 2004, p.14. apud. COSTA, EM BARBOSA E
CUNHA, 2010, p. 129).
Assim, a sala de aula deve ser um ambiente social,
psicológico e espacial, que promova a geração de idéias, estimule
Essa mente animadora que o autor apresenta só encontra
assumir riscos, e explorar aptidões e projetos pessoais. “Hoje
um nome para ser batizada e este nome é: professor.
em dia empresa como a Google e a 3M são famosas a incentivar
cientistas a terem pelo menos 25% de seu tempo dedicados
a projetos pessoais” (BROWN, 2010.p.67), o mesmo vale para 2.2 CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIOLÓGICA DA MODA
professores que são mais competentes quando realizam pesquisas
e experimentações paralelas, sejam práticas ou teóricas elas se Um dos primeiros elementos de globalização do século XIX
refletem na qualidade da aula. é a moda, ela surge somente com o advento da cidade, um dos
Citar a avaliação, postura e pesquisa do professor é motivos de não considerar a roupa de períodos anteriores como
relevante porque estas atitudes é que definem sua eficácia, como moda. A cidade moderna cria um estilo semelhante em todos os 50
lugares, e a moda constitui um dos elementos mais acessíveis moda na França, pelo viés da Sociologia é esclarecedora porque
de cidadania, porque, antes mesmo de assimilar a língua, os evidência os motivos que contribuíram para o acontecido, e não
costumes locais, o cidadão troca seu traje regional pelo urbano. somente o fato de Worth ter começado a criar na França (BUENO
Na primeira metade do século XIX, a moda acontece literalmente e CAMARGO, 2008).
livre, e na rua, pois uma das conquistas da revolução foi a queda A alta costura consiste no primeiro espaço a pensar a
das leis suntuárias que restringiam o uso de determinadas, cores, moda como indústria; anteriormente havia a confecção, que
modelos e tecidos para a realeza, nobreza e clero proibindo o não é caracterizada moda, porque apenas produz roupas sem
emprego destes para o resto da população. Não existindo mais atentar-se para a sazonalidade e a imposição de um estilo. A
as proibições, quem determina o que deve ser vestido, e como na Câmara Sindical surge no sentido de preservação da centralidade
conjuntura pós-revolução passa ser o usuário. da produção na França, sem controle da cópia. A construção de
Assim, a roupa no contexto urbano torna-se tão importante uma cultura de moda torna-se mais forte no século XIX, com o
que, mesmo a população menos favorecida adquiria peças ao crescente fenômeno de rua, e, no meio do século, em virtude do
menos para ocasiões e dias especiais, como o domingo, e estas extremo exagero de ornamentações por parte dos usuários, que
serviam de herança, inclusive constando em testamentos, tamanho desfrutam de uma liberdade nunca antes experimentada; alicerça,
o seu significado para a vida na cidade (BUENO e CAMARGO, por isso, o aparecimento dessa nova profissão. Ofício este, que se
2008). dedicava a pensar em disponibilizar um vestuário ”adequado”. A
Emergindo nesse contexto, o ornamento aparece como inteligência de Worth consiste em criar um padrão de elegância,
uma questão de civilidade, com a decoração, o adorno, no sentido tornando-se o primeiro estilista, impulsionando o surgimento, na
de decoro, sendo fundamental para viver na cidade moderna, segunda metade do século XIX, de um sistema de moda, com o
sendo considerado imoral sair sem estar ornamentado. Se o aparecimento de mais estilistas e das primeiras Maions, impondo
ornamento interfere na adequação do cidadão na cidade, eclodem o gosto (BUENO e CAMARGO, 2008).
preocupações no sentido de como utilizá-los melhor, o que Um dos quesitos também demonstrados pela Sociologia,
contribue para a centralização da moda francesa, pois ela começa para o surgimento da moda eclodir no século XIX, consiste no
a olhar criticamente sua produção. A França adquire status porque desenvolvimento da subjetividade que sustenta segurança para
possui a tradição de confecção dos ornamentos e o subsídio do o investimento na individualidade. Essa evolução tem início, de
governo para sua produção, sendo competitiva no preço e na acordo com Lipovetsky (2005) no século IV, com mudanças sutis que
qualidade. A moda torna-se uma forma de inserção social, uma
vez que, mesmo havendo a dos ricos e a dos pobres, estes, apesar 1 - muitos desses conceitos foram apreendidos em aula do mestrado
de recursos escassos, aderem às transformações e estilos, porque da Anhembi Morumbi, de Design Arte Moda e novas Tecnologias
Interrelações; na matéria: o Design de Moda: arte criação e subjetividade,
são cidadãos honrados. A premissa apresentada, do apogeu da
ministrada pela Prof.Dr. Maria Lúcia Bueno no segundo semestre de 2009. 51
alteram a roupa do grupo. A subjetividade, nos séculos anteriores remuneração. O dinheiro, nesse contexto, viabiliza a sociedade e
ao XIX, não tinha respaldo suficiente para consolidar a moda. a moda, converte e reduz qualidade em quantidade, constituindo
Isso segundo uma das justificativas de uma leitura sociológica da um denominador comum que aproxima tudo. Essa noção da
moda, porque ela deflagra as mudanças ocorridas na sociedade consolidação da nação moderna, pela economia monetária, é
de comportamentos, da economia à aparência que alicerçam o importante para a assimilação do surgimento da forma moda. O
surgimento da moda. que anteriormente consistia em regiões com línguas, tradições
No século anterior ao do surgimento da moda, a expectativa e trajes diferentes, com o advento da cidade, é unificado com a
de vida era mais curta, a tradição imperava, as relações eram mais malha ferroviária, a hora nacional, diferente de antes quando era
transcendentes, diferente da atualidade que é articulada nas o sol, a roupa da cidade e o comércio que ocorria pela troca -
coisas objetivas e materiais. Um dos autores que analisa esse fato, agora há a moeda nacional. O dinheiro torna-se, portanto, um
principalmente na perspectiva da moda, é Georg Simmel (2008), poderoso instrumento de diferenciação dos objetos, não se discute
no livro “Filosofia do Dinheiro”, no qual ele observa o estilo de mais o que eles são, e sim o que eles valem. A moda, embrionária
vida na modernidade impactado pela economia monetária, com nesse momento, já se protegia dessa premissa e as estratégias
a cultura material que é refletida na vida das pessoas com a do marketing empregadas atualmente, somente expandem este
elaboração das identidades a partir da estetização do cotidiano. conceito (BUENO e CAMARGO, 2008).
Nessa conjuntura, o estilo já considera a diversidade, refletindo um O processo da economia monetária repercutindo na vida
modo de vida impregnado da relação que as pessoas despendem das pessoas é observado pelo sociólogo Norbert Elias (1983), que o
com a estética de possibilitar experiências existencias que se dão apresenta como processo civilizador, o qual teve início na corte de
por meio da seleção. O autor defende que essa relação acontece Luiz XIV, com o conceito de autocontrole, no pudor, na vergonha
em virtude do processo de difusão descontínuo, ocorrido somente e na etiqueta. Essas mudanças refletem-se na moda, uma vez que
nas cidades, da economia monetária, que começa no século XV e afetam a estrutura afetiva das pessoas e a forma como a sociedade
assume uma forma consolidada no século XIX (WAIZ, 2000). julga sua imagem e comportamento. O autocontrole não é
Uma das primeiras rupturas que a economia monetária vinculado a razões racionais ou religiosas, sendo a preocupação
provoca, afetando a subjetividade das pessoas, consiste na da igreja, nesse momento, com a adesão dos fiéis e não ainda, com
temporalidade e espacialidade descontínua, porque, antes sua conduta, associando a etiqueta a uma forma de distinção, e
do advento do dinheiro, as coisas possuíam qualidades e se não de higiene ou comportamento religioso. Conforme o autor, a
relacionavam entre si. Depois do Antigo Regime, o dinheiro se etiqueta atua no controle da agressividade e dos impulsos sexuais,
torna o equivalente universal, tudo se reduz a ele, sua qualidade para assegurar a convivência na corte.
consiste em não possuir qualidade, ele é um pacto, uma convenção, Essas mudanças assumem um valor social importante que
que equaliza tudo e a todos, pelo trabalho que é reduzido à futuramente asseguram a vida na cidade, como, o surgimento
52
de esportes menos violentos, diferente dos da Idade Média. O que a pessoa representa na sociedade, pela família, religião entre
caráter simbólico dessas mudanças é primordial, não basta ser outros, ou seja, o indivíduo passa a valer o que possui. O autor
nobre, é preciso comportar-se, essa conduta é importante para afirma que, com as necessidades primárias atendidas, eclodem
a consolidação da cultura das aparências, e da sua relação com as demandas mundanas, o desejo de posse e o reconhecimento
a moda. Sendo assim o essencial na sociedade de corte é a vida social que ele proporciona. Nesse contexto, a imaterialidade do
pública, a teatralização, por isso o conflito pessoal e a civilidade produto vale mais que sua materialidade, tornando-se um bem
não recebem destaque. A necessidade da aparência sacramenta o cultural.
ser na sociedade de corte pelo parecer, impulsiona a dependência Elias (1983) analisa a formação e a decadência da
da nobreza com o rei e a falência do sistema, justificando o sociedade da corte; apresentando como a burguesia recorre ao
surgimento da economia monetária, dos estados, da burguesia e status da aristocracia. A aristocracia se distingue pela propriedade,
da moda. Esta surge, na cidade moderna, com a industrialização, e o burguês de posse desta, vale-se do recurso do emprego de
com o design, com o estilista e com a sazonalidade. Também, em aspectos do estilo de vida aristocrático para sua ostentação ou,
decorrência das atribuições ligadas à aparência, eclodida com a conforme descrito atualmente, posicionamento.
descoberta da diferenciação do homem do grupo. Todos esses
elementos novos atingem o ápice de constituírem um elemento A importância do preço e do custo da mercadoria reforça
fundamental na teatralização da sociedade de corte. Por a moda o gosto pelo artesanal, não mais em virtude da qualidade, mas
ser indispensável na corte e a burguesia, recém ascendida, iniciar do valor que possui. O artesanato é difundido e subsidiado na
a ditar as normas na nova sociedade, há uma criação de moda França, a alta costura compete em relação a outros países que
recorrendo às insígnias de poder transmitidas pelo vestuário não dominam a técnica e não possuem o incentivo do Estado. É
para expressar essa ascensão tendo como referência o estilo importante salientar que isso não torna as peças francesas baratas,
aristocrático. Não sendo mais exclusividade de poucos a autonomia sendo mais competitivas somente em relação à concorrência,
para configurar a sua aparência (LIPOVETSKY, 2005). que não tinha a tradição do design, que inclui a técnica e o apoio
estatal, constituindo um dos principais motivos da consolidação
Outro sociólogo que discute as questões sociais e da Alta Costura na França.
econômicas refletidas na moda é Veblen (1965), o qual também
observa como Simmel (2008), o impacto da economia monetária As estratégias de ostentação empregadas pela burguesia
no consumo e na vida das pessoas. A perspectiva de Veblen (1965) são importantes porque também envolvem os modos, os
enfatiza o aspecto social do desejo que é derivado da distinção, julgamentos de valor, e a dinâmica da sociedade, quesitos tão
apresentando a luta pela posse, não como uma luta pela existência, bem refletidos na moda nascente. O alto valor dos produtos foi
porque à medida que o desenvolvimento técnico avança, acarreta- associado a signos de status de distinção aristocráticos, e a alta
se uma perda do poder do simbolismo da tradição, transferindo-o costura se vale desta premissa. Outro signo ostentatório que
para a posse, que se torna a ostentação do poder, e não mais o na moda ocupa lugar de destaque encontra-se na relação de 53
distinção aristocrática que, além dos trajes, é comunicada para a pertencimento de uma classe, no seguimento de etiqueta, mas
sociedade no lazer, no turismo e nas festas, porque são realizados nos estilos de vida disponibilizados na segmentação de mercado.
para demonstrar o ócio, o desperdício. As festas da época, O ornamento nessa conjuntura perde seu espaço, com
principalmente, as dadas para homenagear uma pessoa, mas que a transformação de moral para imoral, em virtude da guerra,
acabavam por atrair a atenção para o anfitrião que homenageia esvaindo seu sentido e necessidade funcional. Outro fator para
a si mesmo. Isso ainda é comum atualmente, como em um show tanto encontra-se na nova transformação do gosto, com as noções
de rock, em que os artistas quebram os equipamentos de forma de higiene, com os produtos para as massas e a consequente perda
cerimoniosa, deflagrando o mesmo arquétipo de distinção: o de status do artesanato, devido à industrialização, e a consecutiva
desperdício como uma forma de dominação e ostentação. perda da relação do ornamento com o decoro, que impulsiona o
O turismo também segue a regra demonstrada com a design (BUENO e CAMARGO, 2008).
ostentação de lugares exclusivos, porque poucos conhecem, Essas considerações comprovam o aspecto simbólico social
são caros e difíceis de chegar. A formação cultural bem como a da moda e constituem importantes referências para sua assimilação,
atenção despendida para o aprendizado de um repertório cultural bem como para a conscientização dos símbolos estratificados nas
que demanda o investimento de tempo e dinheiro, também atua peças que funcionam como base, tanto para a criação de novos
como fator distintivo. O aprendizado de coisas inúteis como ou atualização, como também para sua subversão. Na linguagem
línguas mortas exemplifica o fato, a atenção às boas maneiras, de Bourdieu (1975), o domínio do campo, não significa restrição
bem como o bom gosto que a moda impõe (BUENO e CAMARGO, a ele, sendo seu conhecimento imprescindível para a atuação do
2008). profissional, pelo fato de deflagrar segurança para sua atuação,
A partir do século XX, com a ampliação da cultura para planejar sua inserção, seu diferencial e não a destruição do
urbana, que é refletida no apogeu da moda, com a aceleração campo. A subversão nesse sentido é de suma importância para a
das mudanças estruturais das roupas e dos ornamentos, entrada e permanência do estilista no campo, sendo uma forma
materializam-se as mudanças no estilo de vida da população de criação, aspectos estes explicitados adiante.
urbana relacionadas à higiene, aos esportes, ao lazer moderno,
às viagens, à industrialização e aos novos recursos tecnológicos,
como fios, máquinas, cores entre outros. Essa conjuntura emerge
em consequência de uma mudança de paradigma do esnobismo
mundano do século XIX, que pauta, como descreveu Veblen
(1965), na aristocracia, para o esnobismo de moda, que observa
quem está na vanguarda. A afirmação social muda o foco para
o comportamento, com uma identidade construída não mais no
54
2.2.1 Pierre Bourdieu e a Moda consagração. Esse espaço é denominado campo: “Chamo de
campo um espaço de jogo, um campo de relações objetivas entre
Bourdieu (1975) considera que um dos mais importantes e indivíduos ou instituições que competem por um mesmo objeto”
ricos escopos do estudo da Sociologia do Conhecimento constitui a (BOURDIEU, 1983, p.02).
análise da hierarquia dos objetos de pesquisa, pois eles deflagram Ao estender sua pesquisa para o campo da moda, a partir
as censuras sociais, os julgamentos que estabelecem, o que é digno da observação da alta costura, o autor afirma que a dominação
ou não de ser estudado. Essa conjuntura é válida, principalmente, ocorre de acordo com a capacidade de conceber objetos de valor
para a moda, um dos objetos de pesquisa do autor que, durante elevado pela imposição da “grife”.
muito tempo, foi relegada somente aos diários da corte, à poesia
palaciana, considerada uma amenidade. Este preceito alça outros Se há uma situação em que são feitas coisas com palavras, como
patamares, primeiramente, despontando em conteúdo de poetas na magia – inclusive, melhor que na magia, isso se verifica no
universo da moda. A grife, simples “palavra colada sobre o
e literatos, como por exemplo, Balzac, Baudelaire, Mallarmé e produto” é sem dúvida como a assinatura do pintor consagrado,
depois em sociólogos como Simmel (2008), Veblen (1965), Elias uma das palavras mais poderosas, do ponto de vista econômico
e simbólico (BOURDIEU e DELSAUT, 2002, p.159).
(1983) entre outros e por fim consolida-se como campo alvo de
pesquisadores da área recente.
A magia descrita pelo autor, advinda do poder da grife,
Segundo Setton (2008, p.120), Bourdieu (1975) pode ser
consiste no cerne da operação de produção de bens e é centrada
considerado um dos maiores sociólogos das últimas décadas,
não somente na produção material, mas na produção simbólica,
destacando-se no meio acadêmico por sua extensa produção
ocorrendo uma “operação de transubstanciação simbólica”
intelectual, composta por diversos temas de pesquisa, dentre eles
(BOURDIEU e DELSAUT, 2002, p.156). Um importante papel na
a educação, cultura, moda e artes.
transubstanciação é o do discurso de moda, pois é por meio
Pierre Bourdieu (1975) observa a importância do dele que o campo demonstra sua legitimidade. “O princípio da
papel da distinção social, vital para a dinâmica da sociedade eficácia da operação ritual não deve ser procurado no formalismo
de corte e, subsequentemente, para a burguesia no século XIX, mágico, isto é, no próprio ritual, mas nas condições sociais que
no contexto da sociedade de massa, da indústria cultural e na produzem a fé no ritual” (BOURDIEU e DELSAUT, 2002, p. 161).
separação da cultura erudita da cultura popular. O autor, por meio O autor denomina como “alquimia social” as condições sociais
do estudo do consumo, busca compreender a cultura na sociedade que ratificam o campo, que é responsável por produzir o capital
de massa; propõe que o que mais influência na dominação não é simbólico, gerando a crença e o desconhecimento coletivo
o capital econômico e sim o simbólico que é invisível, excludente (BOURDIEU e DELSAUT, 2002).
e profundo. A esfera da cultura é um espaço onde a disputa
ocorre mobilizada pelo capital simbólico e os mecanismos de 55
Bourdieu (1983) também foi um dos que muito contribuiu 2.2.2 Bourdieu e o Processo Criativo
para a criação de uma nova área de pesquisa na Sociologia: o
estudo do gosto. Para o autor, gosto se discute. O papel do gosto Dentro do contexto da pesquisa de Bourdieu (1975), no
para o pensamento do autor é vital, pois, é por meio do gosto que se refere ao campo da moda, o capital simbólico expressado
que a dominação simbólica acontece. Mesmo ciente do poder de por meio da grife é veiculado através de processos criativos e da
influência dos detentores do discurso de moda, o gosto depende autoria do estilista, além do conhecimento das regras do campo
justamente de uma iniciação que pode vir do meio social do e dos processos que consolidaram a entrada e a permanência de
indivíduo ou de estudo, porque sem esse domínio do campo, o outros no campo.
gosto não é autônomo. Um gosto sem liberdade é alvo do domínio
advindo do posicionamento construído do capital simbólico, “A sociedade sempre paga a si mesma com a falsa moeda de
seu sonho” (Mauss). O que quer dizer que neste jogo é preciso
concebido pelo criador, por meio da marca e ratificado pela mídia fazer o jogo: os que iludem são iludidos e iludem muito melhor
especializada. A pessoa, sem o conhecimento do campo, pensa quanto mais iludidos forem; eles são muito mais mistificadores
quanto são mais mistificados. Para jogar este jogo, é preciso
que é livre, mas seu gosto é manipulado pelos estratagemas do acreditar na ideologia da criação (BOURDIEU, 1975, p. 9).
próprio campo. Outro aspecto importante do gosto, é que ele é
inseparável da aversão estética, e essas aversões decorrem do estilo
de vida que é derivado das diferenças entre as classes. Portanto, Sendo assim, o poder do criador consiste na capacidade de
para conquistar um gosto autônomo, entrar e permanecer num mobilizar a energia simbólica, iludir. Essa energia é emitida pelo
campo há duas hipóteses: adquirir o habitus específico nascendo e conjunto dos agentes comprometidos com o funcionamento do
sendo educado nele ou através da boa vontade cultural. O habitus campo, entre os quais se destacam os jornalistas de moda, editores,
para o gosto é como a grife para a moda. Para o produtor, não críticos. Esses agentes divulgam e ratificam essa ilusão por meio
basta apenas criar modelos; se fosse assim, toda confecção seria de seus comentários e da associação de suas imagens com as das
uma marca. E para o consumidor, não adianta possuir uma peça grifes. O próprio autor recomenda aos aspirantes a criadores que
de uma grife consagrada, sem o conhecimento necessário para se apropriem de todos os mecanismos de consagração possíveis
configurar o look, sobre como se portar, etc. ou até que inventem novos. Para se perpetuar no campo, o artista
deve atentar para a manutenção da ordem simbólica, do habitus
que legitimou sua adesão ao campo e que gera a alquimia social.
56
a alta costura, mas se distinguir da tradição, assim como a nova
burguesia (BOURDIEU e DELSAUT. 2002, p.174 e 177).
O habitus é importante para Bourdieu, pois é um conceito destreza técnica, de domínio de modelagem e desenho - se assim
que condensa as disposições sociais e culturais apreendidas. A fosse todo alfaiate seria um “Armani - mas, de uma somatória de
partir desse conceito, o consumo constitui o que a pessoa é, o seu conhecimentos subjetivos manipulados conscientemente.
estilo de vida, o fator que garante ou não a entrada no campo.
Vale salientar que Bourdieu (1983) foi um dos responsáveis pela Os antigos possuem estratégias de conservação que tem por
disseminação da expressão “estilo de vida”. objetivo obter lucro do capital progressivamente acumulado. Os
recém chegados possuem estratégias de subversão orientadas
Esse pensamento é que nega a questão da evolução no para uma acumulação de capital específica que supõe uma
inversão mais ou menos radical do quadro de valores, uma
design de moda, pois o que impulsiona a mudança é o diálogo, definição mais ou menos revolucionária dos princípios da
interações, lutas simbólicas dentro do campo, por isso o capital produção e da apreciação de produtos e, ao mesmo tempo, uma
desvalorização do capital detido pelos dominantes (BOURDIEU,
econômico vem do capital simbólico. A contribuição de Bourdieu 1983, p.2).
(1983) para o processo criativo é elucidativa, porque, de posse das
informações dos mecanismos do campo, o criador pode elaborar
mais conscientemente sua estratégia de entrada. Para isso, é Nesse contexto, o autor estabelece o caminho da mudança,
necessário observar a história da moda e considerar as rupturas mola propulsora da entrada de novos criadores no campo; a
específicas e os mecanismos que o estilista usou para se posicionar luta pelo poder simbólico, ortodoxos e heterodoxos. Os novos
no interior do campo: o seu discurso, seu habitus e não somente convencem os antigos pela conexão da sua obra com os valores
sua época e seu produto. estabelecidos, condição necessária inclusive para subverter. As
rupturas ocorrem somente dentro do campo, porque advém
A griffe é a marca que muda não a natureza material, mas a
do conhecimento das regras do campo; o limite da disputa é o
natureza social do objeto. Mas esta marca é um nome próprio. próprio campo. Há a escolha de ignorar o campo, mas assim fica-
E ao mesmo tempo coloca-se o problema da sucessão, pois só se isolado ou pode-se também criar outro campo.
se herda nomes comuns ou funções comuns, não um nome
próprio. Dito isto, como se produz este poder com o nome
próprio? Já se perguntou, por exemplo, o que faz que o pintor
tenha esse poder de criar valor? Invocou-se o argumento mais
2.2.3 Campo da Moda
fácil, mais evidente que é a unidade da obra. Na verdade, o
De fato, a origem exótica da moda parece favorecer, com muita
que está em jogo não é a raridade do produto, é a raridade
força, a coesão do círculo que a adota; exatamente pelo fato
do produtor. Mas como esta raridade é produzida? (BOURDIEU,
de vir de fora, ela cria uma forma de socialização particular e
1983, p.8).
significativa que decorre de uma ligação comum a um ponto
Conforme atesta o pesquisador, a raridade do criador não situado no exterior (SIMMEL, 2008, p. 168).
78
3.1 A FRAGÂNCIA DA MODA
O intuito do fazer integrado e da leitura cultural das A mesma autora também salienta que o que caracteriza
imagens, implica uma consciência maior do processo criador, a sociedade do espetáculo, a super-exploração da imagem,
dos aspectos da elaboração de uma imagem de moda e um consiste no fato do público consumir as imagens como se fossem
conhecimento sobre a própria dinâmica da moda na sociedade experiências reais, e não representações da realidade. Devido a
contemporânea. Um expectador passivo, diante da imagem, esse aspecto da projeção dos consumidores para com as imagens,
não se atenta para pensar o que ele realmente gosta ou não na para com os produtos, que ela deve ser explorada visando sua
imagem, e o porquê sustenta a produção da imagem, porque o inserção na cultura visual, em seu âmbito social nas relações que
veículo foi selecionado, entre outros. Esses questionamentos desperta (LAMPERT,2009).
são necessários, não somente para a contextualização, mas para
a criação e formação de público capacitado para o consumo de Encontramos os modelos de ‘boa moda’ e beleza vinculados
a todas essas mídias, que nos envolvem de tal maneira que
produtos autorais. chegamos ao ponto de não saber se a mídia mostra o que os
espectadores querem ou se os espectadores querem o que a
mídia mostra. Os caminhos se entrecruzam e se tornam cada
[...] a alienação do expectador em favor do objeto se expressa da
vez mais complexos (LAMPERT,2009, p.59).
seguinte forma: quanto mais o homem contempla, menos ele
vive, quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes
da necessidade, menos compreende sua própria existência e
seu próprio desejo (LAMPERT, 2009, p.31, apud. DEBORD,1997). Conforme a autora pondera, realmente, é complicado
descobrir hoje se gostamos de algo porque é de tal marca, ou
adotamos um estilo, porque gostamos ou porque alguém especial
Lampert (2009) também evidencia o poder que a leitura
usa. Se os criadores se baseiam no público ou o público se identifica
cultural possui de fomentar um processo criativo autônomo e
com suas propostas. O mercado encontra-se em uma conjuntura
consciente: “Seria possível que, sendo inventores do próprio corpo,
do segmento, mas, o importante é que independente do nicho,
formadores da nossa própria imagem, fôssemos também mais
criador, público, mercado e sistema, a moda se comunica por
propositores das nossas próprias histórias (LAMPERT,2009.p.62)”. E
imagens e elas são recheadas de conteúdos para serem degustados
principalmente com essa finalidade de instigar a produção autoral,
e regurgitados novamente. Conteúdos os quais, conforme explica
de estimular um olhar singular, a exploração da personalidade
Landowski (1998) possuem muita similaridade na composição, 82
pois se valem das mesmas estratégias, configuram uma mesma Em Paris, começa a comercializar croquis de moda para jornais.
linguagem com gramática própria que decorre da exploração do Ingressa em 1938 com Piguet, e em 1942 entra para Lelong, onde
registro figurativo, com construções narrativas sedutoras, que conhece Balmain, que, junto com ele, cogita em deixar a Lelong
hipnotizam o olhar e adentram na mente. Interpretar sua sintaxe para abrir seu próprio negócio (O’HARA,1992).
interacional é um convite a deflagrar construções ideológicas\ O magnata do algodão Marcel Boussac, financia sua
estéticas da sociedade contemporânea, do mercado e do homem. primeira Maison, em um casamento perfeito entre capital e talento.
Portanto, começarei a analisar, a seguir, campanhas para lançar Casamento este que se dá em virtude da experiência adquirida
os perfumes, realizadas principalmente por meio de imagens fixas por Dior, observando o mercado e várias marcas da sua geração
e móveis, produtos estratégicos no contexto da moda. anterior fecharem suas portas. “Suas sucessivas experiências na
Piquet, depois na Lellong, amadureceram-no o suficiente para
permitir-lhe encarar sua profissão com lucidez” (GRUMABACH,
3.2 ANÁLISE DE CAMPANHAS DE PERFUME 2009, p.71). Com essa aliança, a empresa leva o seu nome, mas é
Boussac que possui 100% das ações, Dior é o gerente com poder
3.2.1 Dior de veto. Sua remuneração é uma porcentagem elevada sobre
os lucros brutos (este pioneiro modelo de gestão, permanece
A primeira imagem a ser analisada é a da campanha da inalterado até seu falecimento) (GRUMBACH, 2009).
Dior com Carmen Kass, modelo nascida na Estônia que posa Lança sua primeira coleção em 1947, batizada de “Linha
para o perfume J’adore. À primeira vista, a imagem apresenta Corola”, nomeada em virtude das saias godês em alusão à corola
uma modelo, loira, apoiada em um líquido dourado, com um das flores, porém o nome pelo qual ficou conhecida foi New
frasco na sua frente e, ao lado, na parte superior grafado Dior e Look, porque tamanha era a mudança na estrutura do vestuário
abaixo deste J’adore, com a frase embaixo: “a mulher absoluta”. que provocou em relação à austeridade e a falta de tecidos e
A contextualização se faz importante porque somente o fato de feminilidade do período de guerra. Os elementos que mais o
apresentar o nome Chistian Dior, possui um peso significativo na caracterizam é, primeiramente, a exploração da feminilidade com
moda, nome tão forte que desperta uma rede de significados que a volta de grandes quantidades de tecidos, a valorização da saia
auxiliam na decodificação da concepção da imagem. e da cintura marcada, as estampas, a volta das cores, porque as
mulheres não estão mais de luto. Em segundo lugar, é o luxo,
O estilista Christian Dior (1905-1957) nasceu em Granville na com chapéus, gargantilhas e seu look impecável, com harmonia
França. Depois de ter abandonado os estudos de ciências políticas de proporções equilibradas que resulta em uma elegância
para se dedicar à música, que também abandonou, para dirigir uma suntuosa. Conforme pode ser observado em crítica da época:
83
galeria de arte e viajar até 1935, ano no qual se muda para Paris. “[...] em 1947 apresenta ao mundo inteiro sua coleção mítica que
por várias décadas ainda simbolizaria a moda francesa e, mais desenvolvimento de Fragrâncias (GRUMBACH, 2009). Os bons
especificamente, a elegância parisiense (GRUMBACH, 2009, p.69)”. resultados de Dior podem ser explicados devido a sua capacidade
de leitura do mercado, de antever não somente os desejos de
sofisticação e feminilidade da consumidora, mas também em ler
situações de produção. Portanto, a leitura é importante em todos
os aspectos da profissão do designer de moda, pois deve atentar-
se para anseios do público, para a economia, os concorrentes, os
produtos, entre outros, uma vez que essa leitura é repertório para
seu processo criativo e suas decisões na empresa.
Observando primeiramente o frasco, que foi desenvolvido
por Hervé Van der Straeten, alvo de colecionadores, remete a
uma ânfora grega. Se lida de acordo com Jung, ela representa
uma embalagem arquetípica. De acordo com Bourdieu (2002),
o designer possui o domínio do campo das embalagens para
configurar sua nova, porque recorre a uma forma que já existe
com modificações de acordo com seu contexto. A criação do novo
subentende um domínio do campo de atuação, pois, para inserir
no que já existe novas perspectivas, deve-se conhecer o que já foi
realizado.
Figura 4 - Propaganda Dior
Fonte: http//: www.uol.moda.com.br Agora, quem possui repertório da tribo das “mulheres
girafas” da Tailânia, identifica seu colar, no frasco. Já a pessoa
Desde a inauguração, sua coleção rende lucros com repertório a respeito de Dior, reconhece sua influência pela
exorbitantes, 1,2 milhões na abertura, no ano seguinte 3,6 cor dourada que frequentemente é aludida ao luxo, no colar se
milhões, e 12,7 em 1949, sendo na época o criador responsável observar o shaepe de suas criações mais ovacionada o New Look,
por metade das exportações da França. Esses dados são relevantes que amplo na parte inferior, estreito na superior com pescoço
para a análise da biografia de Dior, pois, conforme o autor, arrematado com gargantilhas e o chapéu para arrematar a
pode ser considerado o primeiro estilista a realizar uma licença produção. O frasco menciona a mesma idéia. Pelo viés da gestalt,
do seu nome. Prática muito comum, mas que causou escândalo a sua forma remete a uma gota, que também se harmoniza com o
para época, como um criador somente assina um produto, não universo do perfume, uma alquimia de gotas de essências. Além
interferindo em seu processo de criação? Essa prática também
inaugurada com Dior é empregada principalmente para o
da gota, a forma também pode ser interpretada como a forma
84
do corpo feminino, que se alinha ao universo de Dior, valorizava com uma borrifada também mergulhar.
formas voluptuosas: “(...) chegou a colocar nos vestidos que Novamente se observado, o frasco, bem como todo
produzia enchimentos no busto e nos quadris para acentuar as o design da campanha, analisados referenciando às teias de
curvas femininas” (SENAC.DN.2000, p.145). Na linguagem da Mocheggiane (2009), o perfil de desembolso pode ser entre o
Semiótica, o criador do frasco realizou uma semiose congregando tradicional porque a marca Dior tem uma reputação muito sólida
os símbolos do criador da marca como a feminilidade e o luxo, no mercado, e o fashion porque é relativamente uma fragrância
com um símbolo de embalagem antiga configurando um signo mais nova da marca. Ainda, como o próprio cheiro do produto, a
novo. Novamente em terminologia “fashionista”, ou “fashionês” marca, sua sonoridade, é mais provável que atinja primeiramente
customisou ou repaginou a ânfora. De acordo com conceitos do mulheres de perfil sexy, podendo abranger as de perfil elegante
marketing, Straenten fez um “redesign” da ânfora, ou do corpo e romântico. Vale salientar que a expressão público-alvo é uma
feminino, e eles serviram com um “benchmark” para sua criação. metáfora eficaz por “o centro do alvo”, ou seja, é para quem a
Ao se atentar para a modelo, posso inferir uma série de marca se posiciona e os círculos restantes são outros perfis que ela
relações, sua seleção foi criteriosamente realizada, pois ela se consegue alocar, que podem ter estilos de vestuário diferentes,
harmoniza com perfeição a forma do frasco. Seu rosto é em forma mas que, para perfumes, optam por outro estilo.
de gota, e ligeiramente mais estreito na parte superior como O nome do perfume possui a mesma sonoridade e cor
o frasco. Seu cabelo é loiro e dourado - tudo na composição- a na imagem de Dior, para remeter ao campo já posicionado da
forma lisa do cabelo também contribui para personificar o líquido marca e a sua logomarca pode ser interpretada devido às letras
no qual a modelo está imersa, liso e ligeiramente ondulado. Como estarem desalinhadas remetendo a uma borrifada. A forma das
seu penteado escorrendo sobre seu rosto completando a imagem letras também associa-se ao frasco por serem arredondadas e ao
com sua pele também dourada. Sua maquiagem foi realizada logotipo de Dior, pelo fato de serem de forma e tipo serifa.
com o intuito de ressaltar a pele dourada e ser discreta para
que a formas do rosto e do cabelo se prevaleçam. A produção A diagramação da campanha também contribui para
também providencia um colar para ela, como o frasco, sendo que posicionar o ambiente do perfume, como por exemplo, ela não
sua posição também remete a embalagem, que é posicionada tem bordas, ou recortes da imagem no centro da folha, é concebida
estrategicamente na sua frente e ao lado para evidenciar a relação. estourando a página da revista para transmitir a ideia de a modelo
A projeção da consumidora com a campanha é fomentada, com estar imersa em um universo particular da marca.
a linha de raciocínio, frasco mulher banhada em luxo e sedução, Essa série de associações entre a modelo e o perfume,
para a consumidora que comprando o frasco também se assemelha transmitir-nos-ia fantasia da modelo ser o conteúdo do perfume,
à modelo. A cor dourada na propaganda assume um papel de sendo retratada como o frasco, convidando o espectador a ser
unificação do interior do frasco, com a embalagem e a modelo como ela, envolto em luxo e sofisticação, uma mulher absoluta.
construindo um universo unido de marca, para a consumidora Cumprindo absolutamente com o objetivo para propaganda: 85
despertar a nossa vontade de experimentar esse poderoso líquido mesmo, evidentemente, entra em contato conosco ”(p.32).
dourado que nos deixa absoluta e vincular também em absoluto à
mulher em estereótipo de beleza feminina, uma obrigação moral 3.2.2 Moschino
e não mais uma característica natural (LANDOVISKY,1998). Sendo
assim, umas das mensagens que pode ser extraída é a seguinte: A marca italiana Moschino possui nome e espírito de seu
“Quem não for bonita naturalmente (como a modelo) pode criador, também italiano Franco Moschino (1950- 1994). Moschino
comprar a beleza absoluta em um frasco da Dior”. cursou Belas –Artes, trabalhou de ilustrador e foi assistente de
O slogan não é no imperativo, compre, experimente é Versace, com que trabalhou até 1977. Depois entrou para Davidoff
concebido de maneira sutil, criando um ambiente que desperta e também para Max Mara para, somente em 1983, lançar sua marca
uma sensação, que convida a provar o produto, de modo que posicionada conforme sua personalidade bem humorada, irônica
parece que a propaganda foi direcionada exclusivamente para e irreverente. Sua publicidade é singular, denota consonância com
o consumidor, que ela também o deseja. Ao primeiro momento, os movimentos artísticos como Pop Art, Surrealismo, influências
esse ambiente sensorial, parece nos convidar a deixar nossa de Duchamp, com peças com frases de impacto como: You can’t
imaginação mergulhar também no líquido dourado, mas é judge a girl by her clothes (Você não pode julgar uma garota por
justamente o oposto, a imagem é concebida para direcionar, suas roupas) e Stop the fashion system! (Pare a engrenagem da
conduzir o pensamento para seus objetivos, suas associações moda!).
no jogo entre a imagem do produto e da modelo (LANDOVISKY, A influência do Pop se dá por meio de apropriações de
1998). símbolos, que se tornaram ícones da marca como o coração, a vaca,
Sem uma leitura crítica, fica difícil perceber essas intenções, o smiley, o pato e um ponto de interrogação. Sua irreverência já
aumentando o poder de persuasão pelo desconhecimento. O vem grafada na etiqueta com o slogan: Cheap and Chic (Barato e
perfume, falante, a modelo é um simulacro, uma presença, não Chic).Também criou uma linha de bolsas com formatos inusitados.
presente, destituída de autonomia sobre seu corpo, como se Foi um dos pioneiros a usar matéria prima que não agride o meio
fosse uma máscara do produto, não olhamos mais seu sujeito, sua ambiente, bem como a aliar a moda a projetos sociais, criando o
humanidade, mas sim, sua imagem. Uma imagem que simula, que projeto Smiley com o intuito de realizar eventos para arrecadar
enfeitiça e também possui um sentido de invasão, porque nós, os fundos para crianças portadoras do vírus da AIDS. Um de seus
espectadores, entramos, mergulhamos em seu mundo particular, lançamentos que marcaram a história foi para sua linha de Denim,
experimentamos sua presença, seu corpo transformado em que confeccionou uma batina em índigo para o modelo ser padre
objeto, que reflete também o nosso desejo de nos transformar, (SABINO, 2007, p.455).
como a modelo, comprando sua beleza absoluta (LANDOVISKY, Sua ousadia era tamanha que Moschino chegou a
1998). Conforme comenta o autor: “Narciso ao contemplar a si ser processado pela Chanel em virtude de uma camiseta que 86
ironizava com o perfume mais tradicional da marca. Outra de suas como a da campanha do perfume “Cheap and Chic”, na versão “I
inspirações, além da excentricidade, do surrealismo é o teatro Love, Love”, para reconhecer que só pode ter vindo da Moschino.
que, de certa forma, congrega todas as vertentes que explora em É comum em propagandas de perfumes femininos, a utilização
suas coleções: a crítica, o humor, o pastelão e o drama. Em 1993, de modelos para que o público se identifique e também para
o estilista organizou um grande evento para comemorar seus dez projetar a marca com um rosto. No caso da Moschino como em
anos de marca, intitulado “10 anos de kaos”. Após a morte de suas coleções, o estereótipo de beleza e elegância, fica para a
seu fundador, assume a função de direção criativa da marca, sua concorrência, o rosto selecionado, o da modelo Lily Cole, resume o
assistente desde 1981, Rossella Jardini, que permanece até hoje, espírito da marca, uma feminilidade surreal, excêntrica e criativa.
após a venda para o grupo Aeffe. A marca possui um hotel para o Pode-se inferir que foi selecionado o biótipo de modelo é ruiva,
consumidor literalmente viver em seu universo. Situado em uma com sardas, de olhos azuis, para a se harmonizar com as cores
antiga estação Ferroviária, neoclássica em Monte Grappa, com da campanha e do frasco, o laranja e o azul. O design do frasco
quatro andares, 54 quartos e quinze suítes exclusivas, cada uma reproduz a personagem Olivia Palito, namorada do personagem
com decoração diferente. A marca possui uma extensão de linha de desenho animado Pooeye. O redesign da namorada do Popeye
bem diferenciada desde hotel, a perfumes, óculos, linha Kid, Baby, tem coerência com a marca, pois apresenta uma versão elegante
teen, feminina, masculina, jeanswear, bolsas, calçados, acessórios, e bem humorada, como a Olívia para sua fragrância.Sem deixar
jóias, relógios e guarda-chuvas. A Moschino possui vinte cinco de ser surreal, materializando a personagem. Moschino foi muito
pontos de venda, em cidades como Nova York, Roma, Berlim, perspicaz ao selecionar uma personagem de desenho animado,
Moscou, Londres, Riad, Osaka, Capri, Paris, Milão, Dubai, Cidade que conforme linguagem de Bourdieu, pertencia a outro campo
do Kuwait, Beijing e Hong Kong. E em lojas de departamento dos quadrinhos, sendo introduzida ao seu, como uma estratégias
importantes como a Saks Fifth Avenue, atualmente a marca é de distinção bem sucedida porque decorreu de sua leitura do
presente em 60 países. (fonte site www.moschino.it, acesso em que já foi realizado e em função de seu público ter apresso pela
17 junho). personagem. Na linguagem da arte, o que Moschino fez com o
Outras estratégias divertidas da marca foram, por exemplo, frasco, foi uma apropriação, ou “ready-made”.
em 1995 espalhar displays por vários locais de Milão, em forma O design da campanha se harmoniza com o universo
dos ícones da marca com a palavra escrita para sempre. Em 2006, construído da marca, a forma de apresentação do perfume, entre
a marca desenvolve figurinos para as Olimpíadas de Inverno de as torções do turbante da modelo, na diagonal, como também de
Turin, e em 2008 concebeu arte do figurino da turnê da cantora diagonal está grafado o nome do perfume. É importante a forma
Madonna em Sticky & Sweet. apresentada, em que se encontra o frasco e o nome, porque o fato de
Vamos a imagem. Primeiro, recorre-se a contextualização ser em diagonal, denota instabilidade, remete-se à excentricidade
da marca. Propostas “diagonais” não são relacionadas com o
da marca e de seu criador, porque ao se deparar com uma imagem
estabelecido de elegância, já que as logomarcas, na sua maioria, 87
são apresentadas equilibradas e estabilizadas. O fundo chapado ideia de um outro tipo de personagem: humana com requintes
em azul contribui para criar a ideia de outro mundo, o mundo surreais. Landowski (1998) apresenta análise mais aprofundada
da marca, também a isso se deve o fato da imagem não possuir a respeito do efeito, da configuração do ser humano, explorado
molduras e recortes dentro da página da revista. na imagem e que, de certa maneira, é inerente a estes tipos de
produção que deflagram uma organização global que configura
uma presença, não presente.
Figura 8 - Propaganda perfume Isabela Capeto A feminilidade explorada por meio da associação com
Fonte: www.moda.uol.com.br a boneca também pode ser traduzida revelando uma ideologia 98
machista, que reduz a mulher na ideia de um objeto, atrelando
É evidente que o controle do peso, quando vai até a anorexia
seu comportamento e, consequentemente hábitos de consumo
é uma maneira “eficaz” de lutar contra a puberdade: nada de
de acordo com o ideal veiculado, Landowski (1998), discorre com formas ditas femininas, nada de menstruação, nenhum sinal de
mais profundidade sobre este mecanismo: feminilidade que poderia extravasar, também nenhum indício
de maternidade. Assim a top model seria a representação de
uma menina que se tornou mulher, mas que transmite a ilusão
[...] todas elas exploram uma mesma família de motivos plásticos de não ter atravessado a puberdade. Sua grande altura da à
vinculados a um único grande tema englobante: “o da beleza impressão que se trata de uma adulta que teria conseguido a
feminina”. (...) Essas imagens traduzem uma visão determinada proeza admirável de ter se tornado adulta sem adquirir a menor
dos papéis sociais convencionalmente atribuídos ao “segundo forma feminina. Uma híbrida “grande-pequena”, “mulher-
sexo”. Dessa perspectiva, esse material não é no fundo mais do homem”, “objeto cabide-mulher viva” (NAVARRI, 2010, p.78).
que um discurso em imagens, no conjunto sem surpresas, em
que convida à análise, ou mais do que isso, à crítica, à denúncia,
à retificação ideológica! (LANDOWSKI,1998.p.14). Por trás de um inocente frasco de perfume que, ao primeiro
momento, lembra as bonecas da infância, uma interpretação
Outra interpretação que pode ser mencionada a respeito psicanalítica mostra muito mais do que poderíamos imaginar ao
da moda se valer do repertório da infância, é a apresentada por primeiro momento, ela interpreta o ideal de beleza vigente, e
Navarri (2010), no livro moda e inconsciente que revela que a os medos que ele esconde por trás de uma ludicidade infantil.
valorização da infância pela moda, principalmente, pelo símbolo Essa valorização da infância, essa extensão de seus territórios
da juventude pode ser um reflexo da dificuldade em se tornar acarreta uma mudança de paradigma de referenciais estético\
adulto, de crescer e ter a vida sexual. Essa infantilização pode ser existências da adolescência, com o início da vida sexual para a
uma recusa às consequências da vida adulta e a ênfase à estética infância que aborta essa passagem e potencializa a neurose em
infantil é um reflexo ao traço narcísico com um retorno aos torno de uma juventude utópica que nem chega a ser jovem em
primeiros tempos, no qual o principal ato era ser admirado. O uma ânsia de reconquistar o olhar que tivemos ao nascer. Desejo
autor ainda estende análise na estética infantil, salientando que este consciente e inconscientemente justifica o consumo da moda,
a valorização da magreza e a entrada de modelos cada vez mais para reconstituir o destaque recebido no início da vida. (NAVARRI,
jovens no mercado de trabalho deflagra uma sexualidade que 2010).
não consiste na busca de parceiro genital. Pelo contrário, ratifica
um distanciamento da questão da sexualidade e uma investida 3.2.6 Le Lis Blanc
na aparência somente pela interferência da imagem. Esse novo
padrão infantil antecede as transformações da puberdade e A marca Le Lis Blanc, criada em 1988 por Traudi Guida, foi
valoriza os aspectos pré-genitais, revelando a dificuldade em se lançada depois de várias tentativas em negócios de moda, como
tornar adulto pleno. uma loja de caixa d’àgua, Snupy, no Itaim (São Paulo) na qual
comercializava suas criações e de jovens estilistas. Após a Snupy, a 99
estilista cria outro negócio: a loja Estoque, uma iniciativa pioneira Seu posicionamento como marca adota atitudes de status
em disponibilizar peças de ponta de estoque selecionadas. Depois de alta costura como o perfume, a decoração das lojas, mas sem
das experiências da Snupy e da Estoque, a “Lírio Branco”, que há a intenção de se posicionar como criadora. A postura de criadora
21 anos começou com 46m² no shopping Iguatemi, atualmente, implica uma atitude de lançador de tendências, de propor coisas
possui 40 lojas no Brasil e está com capital aberto, imagem e advindas do repertório da vida do designer, suas percepções e
clientela consolidada. opiniões. Vale salientar que o intuito de abordar este aspecto de
Poucas são as referências a respeito da trajetória da gestão da designer, não pretende julgar, a prática da cópia. A
designer, em publicações recentes como o “Dicionário da declaração da designer e sua trajetória de sucesso são férteis para
Moda”, e a coletânea da “Cosac & Naify” de estilistas brasileiros. ler, os desdobramentos que a prática deriva para pensar o processo
As informações apresentadas são retiradas do site oficial da criativo de moda, sua gestão, e mecanismo de funcionamento do
marca e em entrevista ao programa de Lilian Patti, do canal GNT sistema de moda.
Fashion, (18/10/2009). A entrevista com a designer não pode A forma de gestão da criadora da Le Lis, de acordo com o
ser mais visualizada na internet, acredita-se que em virtude de pensamento de Bourdieu, consiste em decodificar o “habitus” da
sua repercussão negativa a respeito de declarações polêmicas. consumidora brasileira, e disponibilizar não somente o produto
Na entrevista a estilista, assumiu que se vale do recurso da como também a forma que sua cliente deseja consumir. A maneira
cópia, argumentando que seria impossível criar 2.500 itens por de posicionar a marca no sistema, para a permanência do campo.
coleção a cada estação. De certa maneira, pode-se observar seu Um exemplo que ilustra isso consiste no próprio nome da marca
pensamento em declarações mais amenas disponibilizadas no ser em francês que se alinha com o perfil de consumo de moda
site oficial da marca. As declarações revelam o que não pode ser cristalizado no Brasil desde o descobrimento, que ratifica o que está
mais visto na Internet. “Sempre acreditei na minha tradução na em voga deve vir de propostas estrangeiras, preferencialmente
moda que a mulher brasileira gostava (2003). Corremos o mundo, francesas.
pesquisamos tendências, mas, adaptamos tudo às características, Além do nome, a logomarca utiliza o símbolo da flor de
ao biótipo e a alegria tropical de nossas clientes”. Essa adaptação Liz, que personifica um ideário de luxo. Mesmo sendo um símbolo
deixa explícito sua forma de gestão que pode ser classificada não oficial da França, a flor de Liz, pode ser interpretada como uma
como em um interstício, adotando medidas do sistema de alta- contração de lírio, ou do monarca Luiz, “Louis”. A flor também é
costura, e de prêt-à-porter. Um exemplo disso, é que a marca não um dos elementos mais populares em brasões. A forma como a
desfila nas semanas de moda, ratificando uma postura de não logomarca está apresentada acima do nome, centralizada, conota
ser posicionada como propositora de tendências. Decisão que uma intenção de formar um brasão com a flor, porque o brasão
perdurou mesmo depois de abertura de capital e de 21 anos de também contribui para ratificar a ideia de uma procedência
sucesso, o que deflagra sua administração eficaz, que influenciou
a gestão mais profissionalizada.
distinta. Já o traço e a forma mais abstrata, com características
100
manuais e esboçadas transmitem a ilusão de descontração, e O autor ainda destaca que este status consumido possui
atualização de um símbolo medieval. um objetivo primordial da sedução de si mesmo, estabecendo
O próprio frasco e o nome da fragrância também se vale um tipo de relacionamento pelo narcisismo, e não mais em
do repertório francês, podendo ser interpretado em referência atrair o outro para si, porém o domínio da configuração de si.
ao nº 5 de Chanel, em formas simples, minimalistas e pelo fato Nesse contexto a referência direta é a estrela que encarna este
em seu nome corresponder ao número da fragrância que a tipo de comportamento, as campanhas já se apropriam desta
estilista tivera selecionado. Já o nome do perfume da Le Lis, característica explorando esta relação com slogans: “Porque eu
corresponde também aos 21 anos da marca. As formas do frasco mereço”. Lampert (2010), explica como se dá essa relação do
também remetem a cristais, e a cor pertence ao universo do luxo impacto da imagem de moda, que interfere significativamente na
da monarquia francesa, o dourado. A tampa parece ser lapidada relação das pessoas consigo mesmas, e com o consumo:
e sua transparência remete a jóias e taças com acabamento em
foliação a ouro. A estampa empregada também é pertencente ao
universo francês sendo um padrão clássico da moda, a estampa de
Poá, a “bolinha”, que também está feita em dourado e com fundo
transparente para remeter aos cristais. O fato de a embalagem
ser uma caixa, de material duro, e com tampa que abre, puxando
para cima, conota as embalagens de jóias e de presentes em geral
que são embalados em caixas na cultura ocidental.
Navarri (2010) explica o que a gestora da marca aplica na
prática, o encantamento e segurança proporcionado por portar
um objeto com procedência que emana status do que seria o ideal
de beleza, comportamento e elegância:
101
admiramos pode se mostrar como uma preocupação narcisista Fonte: www.lelisblanc.com.br
compreensível (NAVARRI. 2010. p. 81).
[...] todo ato de ver poderá, então, ser resultado de uma
construção cultural – portanto é um ato mestiço e híbrido. 3.3 CONTEXTUALIZAÇÃO PARA LEITURA DE COLEÇÃO DE
Assim, a visualidade tem conotação de prática política e cultural,
pois dependeria justamente da intensidade performativa que
MODA
a conduz em seu poder de produção de realidade. Não é a Conforme salienta a Avelar (2009), a respeito do papel
visualidade que comporta um componente político, mas sim
linguagem na qual a visualidade se expressa, esta sim comporta desempenhado pelo perfume dentro do espectro de produtos
uma conotação política, identitária do desejo e da sociabilidade de uma marca de moda, “Perfumes são focalizados a parte,
do indivíduo contemporâneo (LAMPERT, EM BARBOSA E
CUNHA, P.450. 2010). pois, muitas vezes, representam os artigos principais, aqueles
que praticamente sustentam a grife (p.54)”. A moda possui em
Esse poderoso veículo que transporta a identidade do
sua essência um sentido paradoxal no sentido da difusão e da
desejo e da sociabilidade contemporânea deflagra por trás do
novidade que qualquer produto, marca e criador é inserido,
inofensivo frasco brilhante, os referenciais de elegância de poder
conforme a autora comenta:
almejados, um sistema de posicionamento de marca. Conforme
explica Landowski (1998): Ela é paradoxal por natureza, pois a novidade só tem o
caráter de ‘novo’ enquanto desconhecido por uma grande
maioria, isto é, como um sistema simbólico peculiar – que
[...] entendendo que a dinâmica que se objetiva nesse caso está presente principalmente nas criações mais conceituais
desencadear está relacionada menos a uma intencionalidade ou mais experimentais. O ‘novo’ do mercado se diferencia do
que procuraria apreender o mundo enquanto mundo ‘novo’ experimental porque o primeiro carrega construções
significante (graças a sua plasmação pictural) e mais a uma sem equivalentes simbólicos. Ou seja, o criador voltado para o
pulsão voltada para apropriação imediata de uma “realidade” mercado particulariza algo para, depois, difundi-lo amplamente
concebida por princípio como aquém do sentido, ou como além em determinado segmento (AVELAR, 2009.p.96).
do simulacro (p.26).
O perfume pode ser uma metáfora ideal para ilustrar a
Esse sistema foi concebido criteriosamente para esconder moda, revelando mais um sentido paradoxal, pois uma indústria
sobre seu cheiro ‘doce’, seu mecanismo de consagração para que é vinculada principalmente por meio do vestuário, tem como
revelar somente sua promessa de pertencimento, conforme carro chefe para seu sustento o perfume. Sendo este um dos
palavras do autor, isso se dá por meio da “plasmação pictural”, principais agentes para posicionar o estilo\a fragrância da marca
em que o consumidor interage com a imagem. Essa plasmação para depois emanar este conceito para as peças. Este pensamento
também ocorre em relação ao perfume que se funde para o universo justifica a sequência de análises de imagens de moda, por
da marca, do criador e também se associa aos lançamentos de começarem com as campanhas de perfumes a fim de fornecerem
coleções. Por isso, após o primeiro contato com decodificações também contextualizações para as leituras das próprias coleções.
de imagens de moda, os perfumes se configuram em pontes para A análise em design, de acordo com Coelho (2008), é uma
um aprofundamento da leitura do processo criativo de moda, metodologia de trabalho, porque permeia todo o processo do
mediando as análises das coleções. designer desde a concepção à comercialização de um produto, 102
atuando na estruturação do projeto, na identificação e resolução como um operador do fazer interpretativo, conjugando na sua
de problemas, na leitura de viabilização tanto econômica, técnica produção sua leitura, interpretação da marca, do consumidor, do
e mercadológica. Sendo que nas mais variadas fases do projeto, tema, da sociedade, do seu contexto. O fazer interpretativo do
na elaboração de soluções, na associação de técnicas, “parte-se estilista se torna tão poderoso atuando, como a autora descreve,
de procedimentos analíticos, da mesma forma que associar e no sentir estético. E este trabalha com a inteligibilidade, no
concluir envolve interpretação e tomada de decisões (COELHO, sentido de facilidade de assimilação, clareza, encantamento que
2008, p.248)”. a imagem de moda proporciona e o desfile proporciona. Em um
Como as coleções de moda estão inseridas, logicamente, primeiro momento, é a inteligibilidade sensível de instigar, aguçar
na dinâmica da moda, na sua sistematização, que pode ser os sentidos para em outro momento se tornar sensibilidade
resumida em: alta costura, prêt-à-porter e confecção, as análises inteligível, de pensar, refletir sobre o porquê, a causa deste
implicam uma leitura anterior do papel destes sistemas nos quais efeito na pessoa. Essa dinâmica de inteligibilidade acredito ser
as marcas, as coleções, os produtos, as imagens estão inseridos. importante, primeiramente, porque nem todos se dão conta dela,
Já que, conforme demonstra Oliveira (2009), recorre ao conceito o que aumenta sua eficácia e, em segundo lugar, porque a reflexão
de simulacro para compreender a dinâmica da moda como sendo que ela suscita é frutífera para fomentar um autoconhecimento e
uma produção e emissão de um enunciado, configurando um compreensão da moda.
recurso para compreender a manipulação de signos, dentro de Portanto analisar a produção de significação que uma
um sistema no qual o produto deriva. coleção envolve, vai além de conhecer a história da marca, a
biografia de seu gestor, corresponde a compreender o sistema
Essas figuras retraçam as dimensões de ordem cognitiva que
são acionadas para entrar em ação racional, isto é, inteligível, no qual está inserida, a estratégia na qual quer ser reconhecida,
de sensibilidade, isto é, do sentir estésico, no trânsito dinâmico como isto é identificado, manipulado para, por fim, guiar os
e interativo da inteligibilidade sensível e da sensibilidade
inteligível que são todos os tipos de operadores do fazer critérios práticos de planejamento de coleção, selecionar tema,
interpretativo. Na tarefa de significar o sentido, é que os matéria prima, silhueta, entre outros. Oliveira (2009) batiza como
analistas depreendem os simulacros pelas interações dos
o planejamento de coleção e desenvolvimento de produto como
tipos de traçados das competências plasmados nos atos de
apreender, de sentir, de raciocinar empregados no fazer ser o arranjo plástico, que também poderia ser seu posicionamento
o sentido. Esses dois simulacros são construções processadas estratégico, sua gestão de estilo. Vale salientar que o nome
na descrição e análise semiótica da produção da significação
(OLIVEIRA, 2009.p.62). da etapa, ou do processo criativo, é um reflexo do repertório
que cada autor ou profissional utiliza para ler a moda, o que
realmente importa, para o ensino é a relevância do que sua
Nesse sentido, uma coleção de moda consiste em
leitura revela, a configuração estética de uma coleção como ponte
uma produção de significação direcionada a um enunciatário
para o aprendizado de sua própria elaboração, para estímulo
específico, o público alvo. O estilista, designer, ou criador atua
de elaborações dos alunos, e as interpretações de mundo, de 103
mercado, de produto, de tendência, de estilo, de modelagem, de confecções que vestem os corpos dos usuários que desfilam nas
passarelas urbanas (OLIVEIRA, 2009.p.65).
material que elas fornecem como afirma a autora:
Estudando como reiterações de traços, de procedimentos,
usos que mostram a continuidade na descontinuidade, a Portanto, conforme a autora demonstra, o sistema da moda
permanência de um arranjo plástico, de constantes figurativas, também pode ser lido como transcriações, traduções de simulações
temáticas enunciativas possibilitam a determinação de quem os
processa e para quem são processados (OLIVEIRA, 2009, p.64). provenientes de empresas com maior poderio financeiro para
propor e manipular seus discursos\imagens, produtos\textos que
se difundem para outras empresas que realizam novas simulações
Simulacro, então, consiste na figura do mecanismo que
para aumentar a distribuição do enunciado ou tendência, ou
permite analisar os elementos dos processos que compõem um
produto, ou informação. Nesse contexto, a leitura de imagens de
enunciado, uma coleção. Conforme definição do dicionário: “S.m.
uma coleção de moda, pode ser a tarefa de decodificar as inúmeras
1. Imagem, ídolo. 2. Cópia ou reprodução imperfeita. 3. Aquilo
simulações que são apresentadas condensadas em imagens móveis
com que se procura imitar a pessoa ou coisa. 4. Ação simulada.
dos desfiles, imagens fixas das campanhas e a imagem complexa
(RIOS, 2000, p.493)”. Então o simulacro é metáfora para o processo
das ruas que refletem a difusão, e também a elaboração de novas
de criação de uma coleção, pois, esta simula possibilidades
simulações, que configuram uma imagem poderosa: a imagem do
existenciais para seus consumidores, simula estilos novos, por
consumo que por sua vez decorre da dinâmica da moda. Conforme
meio da simulação de situações de uso, de segmentações novas,
apresenta Avelar (2009), descrevendo o mecanismo dinâmico da
de posicionamentos que são configurados em campanhas,
moda, em consequência do consumo, sacramentado pela imagem:
imagens que novamente simulam um ambiente, um ideal de
corpo, de sujeito, de configuração de look da marca. Marca esta
A propaganda é o exercício de exposição da imagem e de seu
que também pode ser interpretada como um simulacro de um significado, objetivando tornar o produto reconhecível. (...) Na
ideal, de um criador, de um estilo de vida. medida em que exercitamos essas imagens transformadas, o
signo passa a representar o objeto por condicionamento. Essa
pode ser a principal forma pela qual se difunde não só a moda,
A distância entre as temporalidades converte-se no tempo em mas também todas as outras atividades que contenham o
que a alta-costura, o prêt-à-porter são traduzidos em cadeias de impulso criativo (p.109).
roupas mais acessíveis aos segmentos sociais, formando uma
escala de transcriações que instigam os estudos das traduções
e das intertextualidades que são bastante mais complexos do A exposição da imagem e de seu significado consiste no
que o dos rótulos, do que as cópias e o pastiche. Como essas elemento principal de difusão de uma coleção de um produto de moda.
criações exalam o “ar do tempo” de grandes Maisons, de grandes
estilistas àqueles que vivem dos simulacros de aparência? Como De acordo com definição do dicionário, Coleção significa:
o público dos desfiles propaga aos demais usuários as novas a
ponto de essas atingirem as pessoas das ruas? As criações de
“S.f.1.Porção de coisas que têm entre si alguma relação, ou que
imagens são criações conceituais da Maisons de couture, dos são da mesma natureza. 2. O conjunto das coisas que se juntam
criadores, das top models, e vão movimentar o prêt-à-porter e as por mania, capricho, amor á arte, fim educativo, etc (RIOS, 2000, p. 104
188)”. Não é por acaso que os criadores, as marcas, se valem das papel fundamental na venda dos artefatos, na distinção social dos
coleções como meio de expressão, pois, elas realmente, desde o colecionadores, conforme apresenta o autor:
significado da palavra, cumprem essa função.
[...] “As casas que não apresentam sinais de individualidade
Segundo Treptow (2003), as coleções surgem juntamente são, em geral, consideradas mortas, o que é, com frequência,
uma crítica dos projetos feitos por decoradores profissionais; é
com o aparecimento do primeiro estilista Charles Frédéric Worth para evitar essa morte que alguns designers dão grande ênfase
(1825-1895), nos quais as clientes eram convidadas a assistir aos à necessidade de coleções pessoais de adornos e costumam
deixar espaço em seus projetos para a exibição desses objetos”
também primeiros desfiles, sendo que, o lançamento das coleções (FORTY, 2007. p.148).
sob a forma de desfiles também origina o lançamento sazonal
relacionado às estações primavera\verão e outono\inverno. “No
Um dado interessante é a participação do primeiro
intuito de dar vida aos seus modelos, foi o primeiro a ter a ideia
estilista, com suas primeiras coleções nas também pioneiras
de mostrá-los às suas clientes através de jovens denominadas
feiras de comercialização de produtos no final do século XIX,
“sócias”, que seriam de certa forma as predecessoras das atuais
as Feiras Universais. Grumbach (2009), afirma que entre 1851
manequins” (GRUMACH, 2009, p.18). Avelar (2009) comenta, o
e 1855, Worth participou das grandes Exposições de Londres e
significado, assumido pelos desfiles passando da encenação de
Paris. Primeiramente se depara com a resistência do público e
Worth para os espetáculos atuais: “Os desfiles de moda sacralizam
do júri, devido à tamanha inovação, mas em 1855, o primeiro
as criações, pois a passarela é o próprio enaltecimento de imagens
estilista volta da exposição com o bloco de pedidos abarrotado.
que foram retiradas do cotidiano, transgredidas e ressignificadas
Essas feiras disponibilizavam todos os tipos de novidades para
pelo estilista em seu show” (AVELAR, 2009. p.612)”.
formar as mais diversas coleções. Portanto, desde o significado da
No final do século XIX, com a comercialização dos palavra, ao seu contexto de surgimento, as coleções são atreladas
objetos de design, originados da indústria incipiente, surge, a ideia de um processo de individualização, de comunicação de
juntamente com a venda dos artefatos, a ideia do poder dos uma personalidade, de apropriação dos objetos para comunicar
produtos transmitirem status aos seus usuários. Este pensamento um intento, como distinção social, geralmente. As funções
é estendido a todo universo do consumidor, que inclui sua casa, descritas, vale ressaltar, que se confundem com as que também
em que os ambientes, a decoração, os objetos, passam a ser são atribuídas a moda.
vinculados ao caráter do proprietário. Nesse contexto, surge uma
Treptow (2003, p.43) apresenta a definição de Rech
demanda nova para o consumo, pois fica a cargo do objeto, da
(2002, p. 68) para coleção como sendo “conjunto, com harmonia
sua disposição, comunicar uma imagem adequada de seus donos.
do ponto de vista estético ou comercial, cuja fabricação e entrega
(FORTY,2007). O contexto do surgimento da industrialização,
previstas para determinadas épocas do ano”; e a autora também
do design, da sua difusão e comercialização apresenta a ideia
apresenta a definição de Gomes (1992, 43) “Coleção é a reunião
de coleção não somente vinculada à moda, mas exercendo um
ou conjunto de peças de roupas e\ou acessórios que possuem 105
alguma relação entre si” ; a autora ainda aproxima as definições percepções, às opiniões de quem analisa uma obra.
para o universo da moda estabelecendo que a principal quesito Vale salientar que não é o fato de ter um roteiro, mas
que relaciona os objetos ou elementos consiste no tema, que vai também como ele é conduzido, e que a análise formal, pode ser
nortear as decisões envolvidas no planejamento de coleção. uma importante aliada a outros aspectos analíticos, mas, quanto é
Outro aspecto da coleção que pode contribuir para o observado somente estes aspectos. A análise formal, inclusive, é uma
processo criativo, pode ser a possibilidade de olhar o processo de poderosa ferramenta de análise de coleção, porque o significado
colecionar como uma espécie de exercício para fomentar a busca da palavra coleção já implica alguma relação de harmonia entre
de características da personalidade dos alunos, com um intuído de os objetos, e nesse sentido observar os detalhes que se repetem, a
estimular o autoconhecimento para ser usado na criação não só forma como se repetem para criar uma linguagem, ou a narrativa
de coleções de objetos, mas de conceitos, de referências criativas da coleção, é significativo. Se atentar não somente para o que se
para contribuir para um processo autônomo e singular, conferir repete, mas também para os intervalos, como na arquitetura o
autoria a produção. vazio também comunica na passarela a forma como despontam as
informações e sua cadência também são significativas.
3.3.1 Análise de Coleção de Moda A análise formal pode ser muito benéfica para o aluno
contribuindo significativamente para o planejamento de coleção e
É comum ocorrer a redução da análise de imagens a um o desenvolvimento de produto, porque ela chama a atenção para
roteiro de perguntas a ser seguido, eliminando a possibilidade de detalhes de acabamento, caimentos, modelagem, utilização de
autoconhecimento, de uma fruição plena. Os roteiros sugeridos, aviamentos, de matéria prima, entre outros, elementos que formam
inclusive frequentes em vários livros didáticos, limitam-se a identificar um repertório importante para criações futuras. Um importante
períodos, estilos, a uma bibliografia do autor que não fornece muitos item para análise formal de uma coleção consiste na repetição,
dados para a fruição da obra, são mais centrados na análise formal, porque é um recurso que é empregado de diversas maneiras
identificando a técnica e os elementos do design da obra e, por para configurar unidade e harmonia de coleção. Pelo critério
fim, a temática ficar a cargo do título (BARBOSA,2008). Conforme da repetição pode ser observada a repetição de determinados
descrito anteriormente, no capítulo de análise de imagens, a eficácia modelos, a insistência no vestido curto, por exemplo, o que isso
de realizar a análise de imagens, quando bem conduzida, consiste no quer comunicar, a repetição de determinadas cores, peças de
seu poder de fomentar justamente todas as instâncias da abordagem stylist, de aviamentos e estampas (que podem ser repetidos de
triangular a contextualização, leitura e produção. Sendo que ela formas diferentes como, por exemplo, uma estampa que vira
em si já é um tipo de leitura que implica uma contextualização aplicação, que vira acessório como lenço, bolsa etc.), a repetição
que reverbera no fazer porque tanto no sentido de técnicas, como de silhuetas, shapes, comprimentos, texturas, entre outros.
em conteúdo, ela proporciona um momento de reflexão sobre as
Além da análise formal, outros critérios envolvem uma 106
análise de coleção, que afetam diretamente na forma como é granulações, o que com uma preocupação em revelar detalhes de
concebida a imagem, como por exemplo, a maneira que está acabamento, em mostrar o produto, por exemplo, não permite.
sendo divulgada, seu veículo. Se é por meio de um desfile, de É importante o aluno e o profissional conhecer o contexto
uma propaganda, de um catálogo, de um look book, de um site, de cada categoria de imagem de moda, para saber configurá-la,
no ponto de venda, entre outros. Cada item comentado é fonte avaliá-la e monitorar seu desempenho. A seguir uma imagem
de interpretações, como, se é um desfile, a que segmento está que ilustra dentro de uma mesma marca, na mesma coleção as
vinculado, se é alta costura, se é prêt-à-porter ou confecção, pois diferentes manifestações das imagens de moda. A foto de número
cada um implica um tipo de produção e produto específico que um (1) corresponde ao look book, ou catálogo comercial, no qual
reflete a autonomia e o investimento em propostas conceituais. geralmente é apresentada a coleção inteira. A número dois (2)
Se a coleção está apresentada em forma de desfile, dependendo corresponde à imagem do desfile, a três (3) correspondem a
do tipo, pode ser uma coleção exclusiva para passarela, ou pode imagens de produto, a quatro (4) é da campanha para revistas e
haver a seleção de determinadas peças para o evento, havendo a última é a imagem de um editorial que apresenta a leitura da
alterações na composição dos look, diferentemente do que será editora de moda, e do perfil da revista que seleciona as peças da
comercializado na loja, no catálogo, no site. O evento no qual o coleção e a forma de configuração.
desfile está vinculado, também é relevante, se é nas semanas de
moda, se a marca faz a abertura ou encerramento ou se tem mais A imagem pode revelar justamente em que sistema da
que uma apresentação revelam a importância o status da marca e moda a coleção está inserida, se em marcas de alta costura, de prêt-
do criador. à-porter. As fotos de produtos são mais comuns no e-commerce,
suas produções, campanhas catálogos também revelam seu
Fora o desfile, a coleção é apresentada de diversas maneiras. poderio econômico e seu aspecto de lançamento de novas
É importante comentar que existe diferença na divulgação da estéticas que são expressadas nas imagens com o investimento
coleção, no sentido de elaboração da imagem, que pode ser em fotógrafos autorais, diretores de arte, produtores que além do
observada primeiramente sobre dois aspectos: a fotografia de tema da coleção, da apropriação do estilista, do universo da marca,
moda e a fotografia de produto. A fotografia de moda é mais comunicam a visão, a narrativa, a linguagem do fotógrafo. Como
comum em empresas de alta costura e prêt-à-porter, porque elas ocorre nas peças, essa linguagem de imagem também influencia
possuem uma orientação e capital maior para o lançamento, elas a produção de marcas com menor poder aquisitivo e\ou menor
utilizam a foto de produto em seus sites. Uma foto de produto, investimento ou orientação para o lançamento de tendências,
geralmente não necessita de uma modelo, sendo que esta pode que realizam uma espécie de paráfrase dos lançamentos, da
ser apagada e a imagem revelar somente o produto com o volume concepção, produção de imagem das grandes marcas.
do corpo, ou o produto no plano bidimensional mesmo. Já a
imagem de moda, não implica, necessariamente, em apresentar Muitas vezes, essas imagens que servem de referência
o produto, ela permite maiores efeitos como desfoques, sombras, não condizem com o produto, o segmento, a empresa em que 107
são associados e demonstram mais uma vez a falta de leituras do cabelo da maquiagem e o fato da foto ser preto e branco,
críticas de imagens. As imagens são referenciadas, observando remetem aos anos 1950, materializando um estilo retrô que
exclusivamente detalhes de produção e não refletindo sobre a valoriza a trajetória da marca, além de se associar com uma época
coerência, em uma tentativa de produzir uma imagem de moda, que remete a luxo e glamour.
apresentar a coleção como uma grande marca de moda procede, O intuito de apresentar este exemplo não foi o de comparar
mas, geralmente o make, a modelo, a iluminação, o cenário, o investimento em produção de imagens de uma gigante e de uma
o produto em si não estão alinhados, coerentes resultando loja comum, mas sim de explicitar, a abordagem de profissionais,
justamente no contrário do que se espera uma imagem démodé. que com o mesmo tema e os mesmos elementos na composição
A seguir imagem que, apesar da diferença de tempo configuram imagens de diferença de qualidade evidente. Já no
(uma de 2009, loja Raio de Sol e outra de 2011 da Versace) e de próximo exemplo, justamente o que se discute é a influência
contexto, uma da alta-costura e uma de uma loja de varejo, as de temáticas internacionais na produção de imagens de moda
duas utilizam mesma temática e os mesmos elementos, mas é nacionais. Como é o fato da campanha desenvolvida pela Prada
evidente a distância em relação à qualidade, que separa as duas, para lançamento do seu perfume em 2009, e a do lançamento
essa distância seria reflexo de um tipo de repertório de moda que da coleção de jóias da Vivara em outubro de 2010. As imagens
uma emprega e a outra não. As duas foram realizadas em estúdio, possuem bastante semelhança na repetição das modelo, no cabelo
e utilizam os mesmos elementos, modelo, produto, make up hair, na concepção da imagem como um todo. Vale salientar que não
produtor, e iluminação; a diferenças das duas é a nitidez, a pose se trata de uma cópia, ou uma investigação neste sentido, mas
da modelo, o conceito. O que a palavra conceito abarca seria a em observar as reinterpretações de temáticas internacionais em
maneira como o produto é apresentado, na primeira imagem, a imagens nacionais.
modelo serve de cabide, a bolsa somente esconde sua nudez e o A autora comenta a importância da produção dentro do
resultado é uma configuração vulgar, que não valoriza o produto, universo da moda:
nem a modelo desperta interesse por ele, sua gesticulação. A Figura
10 é mecânica e clichê. O fundo também não possui uma relação A um neófito pode parecer que a produção de moda seja
com a temática, que poderia ser um ambiente de intimidade ou de sinônimo de fabricar moda, o que não deixa de ser verdadeiro
em determinado momento da escala industrial. Mas no
sedução que se harmoniza com a nudez. Também vale comentar jargão do ramo, seu significado tem mais a ver com estética,
que as informações e a logomarca da loja não possuem um design proporção equilíbrio, arquitetura, habilidade, bom gosto e
olhar. .Resumindo: uma arte múltipla, conjugando elementos
de qualidade e poluem a imagem. que em última análise, irão dar suporte, por exemplo, a uma
reportagem ou aos pilares de um desfile (CHATAGNER, 1996,
Já a da campanha da Varsace a modelo é integrada com p.75).
a bolsa, e o produto não serve somente para protegê-la, mas ela
possui uma relação com ele, o abraça, delicadamente, a produção
108
Figura 10
Painel de Imagens Osklen
Fonte: www.osklen.com.br
109
Estimular pesquisas de detalhes específicos como elencar relação ao seu conhecimento, ao traduzir-se para ‘seu’ modo
através de novas justaposições de formas, volumes, tecidos e
a quantidade de tipos de mangas existentes, as misturas de cores (AVELAR, 2009, p.28).
elementos de uma e de outra em um mesmo modelo, ou as várias
formas de dar acabamento em uma barra, pode ao primeiro Portanto a análise de coleção deve englobar estes aspectos.
momento parecer um exercício menor, mas, principalmente para Após a ‘iniciação’ de observação dos detalhes nas peças,
o aluno que nunca trabalhou na área, e para o que já trabalhou outro tipo de relação com a forma pode ser estabelecida, que
é importante dominar o repertório do campo no qual eles irão também possui relevância, é a análise temática, do conceito, do
atuar. De certa maneira, a análise formal já é muito comum no estilista, da marca em relação à construção das peças. Trata-se da
cotidiano da profissão, nos lançamentos de tendências, nos análise da forma e conteúdo interrelacionados. Isso é importante
quais as tecelagens, os consultores, as empresas de aviamentos, porque essas relações que o designer deve ponderar, pois são
disponibilizam as peças fruto de sua pesquisa pelo mundo que eles quem selecionam quais elementos são mais pertinentes para
representam melhor a tendência, ou uma forma inusitada seu segmento, devem prever quais detalhes serão mais aceitos
de construção, de utilização de determinado produto. Vale no mercado brasileiro e de que forma seria ideal disponibilizar
ressaltar que essa prática é comumente associada à cópia, mas para seus consumidores. Pode-se assim afirmar com tranquilidade
esta pesquisa não pretende classificar o que caracteriza cópia na que muito da atividade do designer de moda advém da análise de
moda, mas evidenciar que inclusive para ação da cópia entra a imagens, estando ele consciente disso ou não. É raro encontrar
leitura de imagens na seleção dos modelos a serem produzidos, críticas de moda, devido a dois fatores. Primeiramente, porque
na interpretação das celebridades que mais influenciam a imagem são as marcas com suas campanhas que investem, alimentam as
que o consumidor deseja configurar. publicações e apesar do advento da internet e independência que
Como na moda o conceito é expresso em modelagens, ela possibilita, falta capacitação para a crítica de moda. É comum
quanto maior for o estímulo a análise crítica melhor será a encontrar nos comentários de desfiles somente a narração do que
qualidade da produção, o problema é quando a análise se restringe está na passarela e uma análise formal que relata os efeitos e a
a observação das peças sem uma crítica que englobe a trajetória temática fica com uma leitura superficial. A crítica a respeito da
do criador, o conceito da marca, a temática e a apropriação da temática, implica em conhecer em profundidade a linguagem das
temática. Avelar (2009), demonstra como o processo criativo é marcas e de seus gestores, em conhecer também em profundidade
vinculado a esta preocupação, com a apropriação de conceito história da moda e da Arte, estar em sintonia com as tendências
atualmente: de comportamento e de estilo em vários âmbitos, ter repertório e
uma boa memória visual para interpretar redesigns e as referências
E diante de tal busca da particularização é que se inscreve a utilizadas, ser independente, e possuir capacidade critica para
inspiração da moda atual. Para tanto, nas pesquisas feitas pelos
criadores nas ruas e no cotidiano de uma sociedade, seja qual avaliar se como o designer interpretou sua temática se existem
ela for, o diferente se estabelece diante daquele que cria, em elementos de seu repertório, se existem transferências literais, 110
ou menção a filmes ou outras obras de arte, outras coleções de com um caráter mais de adaptação da tendência e de preços, do
outros temas, se foi feliz ou não na subversão do tema, entre que inovação e lançamento, como apresenta a autora:
outros. Em suma para analisar a temática se deve ter repertório
para identificar os referenciais que o estilista empregou e avaliar
a pertinência de sua produção com a ideia primeira de sua fonte
de inspiração e com a sua trajetória de autor, e com contribuições,
subversões, ou expansões que o trabalho suscita para o campo.
Porque se não apresentar uma visão singular da inspiração, o que
acaba ocorrendo é a transferência, e se além disso, se a coleção
não apresentar experimentações, novos conceitos, não fica com o
caráter de lançamento característico da moda, que investe nesse
processo de criação, a alta costura e o prêt-à-porter, a coleção fica Figura 12: Releitura
Fonte: www.prada.com.br / www.vivara.com.br
mais orientada para o segmento da confecção. Isto não significa
que não existe criação na confecção, mas que esta é posicionada
No entanto, na atualidade a moda continua valendo-se do
caráter do novo, mas em duas diferentes instâncias: o novo mais
reconhecível que traz organizações simbólicas mais próximas
do sistema simbólico que compartilhamos – o comercial – e o
novo que incomoda, desconforta, repudia, o que provoca riso
e nos parece extremamente estranho, isto é, sem elementos ou
composições, imediatamente reconhecíveis – o conceitual ou
experimental (AVELAR, 2009.p.31).
122
ensino da Arte na escola tem como premissa o desenvolvimento analisa todas as instâncias da concepção visual, sua elaboração,
organização, produção, recepção, intenção, observando o visual da arte porque possui um compromisso muito grande com a
em um contexto de reflexão cultural que culmina na produção alimentação da indústria.
propriamente dita. A produção, neste caso, é entendida dentro Observando a carreira do estilista Alexandre Herchovitch,
de contextos de significados que são interpretados pelos a autora Holzmeister (2010), descreve em análise da produção e
designers para concepção de contextos imaginativos novos que em entrevista com o designer o caminho que ele percorreu para
fundamentam a criação. Vale salientar que esse processo não é ver o seu processo criativo atrelado a suas leituras de mercado,
uma teorização para ter um status acadêmico do processo, mas a fim de potencializar suas vendas. A pesquisadora aponta a
sim, para sua conscientização e aumento da eficácia no mercado freqüência de menções: a morte, a sexualidade, o absurdo, a
e no ensino. perversão e espiritualidade e a sua negação, em sua produção,
Citando Fanon (s. d.), Ana Mae (2002, p.18) diz que “A arte desde sua primeira coleção na Faculdade Santa Marcelina em 1993
capacita o homem ou uma mulher a não ser um estranho em seu para sua formatura. De acordo com o estilista a coleção de 1998-
meio ambiente nem estrangeiro em seu próprio país. Ela supera 1999, representou uma ruptura em seu processo criativo, neste
o estado de despersonalização, inserindo o indivíduo no lugar ao momento, mais experiente depois de cinco anos de formado,
qual pertence, reforçando e ampliando seus lugares no mundo” o designer orienta seu processo, tornando sua produção mais
(BARBOSA E CUNHA, 2010, p.438). Esse reforço e ampliação de acessível comercialmente, adequando seu conceito ao público.
lugares no mundo em relação a produção do designer é importante “Apesar de identificar uma mudança de rumo para a marca, o
porque é a partir da sua apuração interpretativa que ele pode designer não abandonou a rebeldia, pode-se dizer que a domou,
trilhar um caminho para sua produção, alicerçada em análises transformando-a em ousadia sofisticada” (HOLZMEISTER, 2010,
de mercado de concorrentes, e de sua própria percepção, sua p.109). A leitura que a autora faz dessa transformação aponta
motivação, seu “gosto” que é imprimido no fazer. Essa metáfora uma maturidade na produção em relação ao acabamento das
da autora “não ser estranho em seu ambiente e estrangeiro em peças, a seleção de texturas, modelagens inovadoras, temáticas
seu próprio país”, pode ser conectada com a moda, que como argumentativas, ao invés do radicalismo mais explícito.
qualquer produção é feita para o receptor, e deve ser realizada
“O que foi sepultado naquela espécie de brincadeira-manifesto
pensando também na eficácia da comunicação, ou desempenho
foi o estilista maldito, que gostava de produzir imagens
com o interlocutor, receptor ou consumidor. Considerando que carregadas de certos estranhamentos e, na maioria das vezes,
na arte, na maioria das vezes, a produção não é assimilada pelo sem grande tino comercial”, analisa Herchovitch. (HOLZMEISTER,
2010, p.109).
seu meio, ou os receptores; devido aos conteúdos explorados
pelo artista, serem muito avançados para o pensamento vigente,
neste sentido, a aceitação não é a finalidade última do processo Esse equilíbrio entre a identidade do estilista e a orientação
criativo na arte, mas que na moda é um quesito muito importante para o mercado, na minha opinião um dos maiores desafios
a ser considerado, inclusive é um dos aspectos que mais a afastam das marcas, e dos profissionais, porque um depende do outro; 123
o mercado é feito de criadores e usuários. Conforme considera diversificadas a fim alimentar o pensamento divergente,
Moraes (2010): “Tudo isso tem a ver com a inevitável relação princípio básico do processo criador em design, justamente
entre usuário e produto e na busca pela denominada ‘usabilidade porque congrega elementos oriundos de cenários diversos para
percebida’, em que o usuário elabora prévia e mentalmente uma a concepção do projeto. O autor ainda coloca que essas leituras
hipótese sobre a modalidade de uso dos objetos” (p.100). diversificadas devem fomentar um ambiente de inovação, que
A usabilidade percebida pode ser traduzida na prática estimula constantemente a pesquisa, a interpretação, sendo um
de um designer de moda na metáfora da balança: se a balança dos maiores desafios das empresas contemporâneas calibrar
pesar mais para o conceito, pode ser que os produtos sejam o potencial criativo dos designers com seu posicionamento
mais difíceis de serem assimilados, dificultando o raciocínio do estratégico. O processo criativo é tão importante na atualidade
consumidor em como usá-los em seu dia-a-dia ou restringindo que não deve ser restrito ao setor de desenvolvimento de produto,
a produção para nichos muito específicos que não sustentam a mas sim invadir toda a organização, pois o projeto não envolve
marca. Por outro lado também, se a balança pesa demais para somente a dinâmica de um produto e sim toda a constituição
produções comerciais, acontece de aumentar a concorrência da empresa, sendo esta uma estratégia muito interessante e
devido à falta de identidade da marca, e dos produtos, que competitiva, conforme demonstra Brown (2010, p.225): “Permita
refletem exclusivamente a tendência vigente, dificultando a que 100 flores desabrochem, mas depois deixe que façam a
diferenciação e a percepção do consumidor. Por isso que vejo polinização cruzada. Se você não explorou muitas opções, não
o processo criativo de moda indissociável de leituras culturais, foi divergente o suficiente. Suas idéias provavelmente serão
porque elas vão sustentar o processo criador, conforme também incrementais ou fáceis de copiar”.
observa Moraes (2010): “Usando as palavras de Baudrilard, A exploração de ideias múltiplas, o exercício do pensamento
podemos dizer que a estética se tornou uma teoria dos signos e divergente, são vitais para o processo criador, porque o volume
das suas coerências internas por meio de novos significados que de prospecção de mercado, de análises de tendências, não é
estão intimamente relacionados à semiótica” (p.101). Por isso que suficiente para a concepção de um projeto competitivo.
a produção é reflexo de leituras, porque a conformação plástica, o
desenvolvimento de produto é uma atividade cognitiva complexa Moraes (2010) pensa a respeito da necessidade da
que produz um objeto ou serviço, observando não somente o estratégia de aumentar a competitividade apostando na visão
aspecto da funcionalidade, mas também o estético. A estética se singular do criador em seu repertório diversificado explorado
associa a atributos subjetivos, e estilísticos que são associados aos no projeto, e considerando que o conceito é um dos elementos
estilos de vida do consumidor. Contudo, como o autor, eu penso primordiais neste novo contexto.
na contribuição de leituras que decodifiquem e auxiliem neste
processo complexo do planejamento de coleção.
Brown (2010), defende a idéia do estímulo constante de leituras 124
Soma-se a tudo isso a ruptura dinâmica da escala hierárquica das estamos oferecendo nem educação cognitiva, nem educação
necessidades humanas (apontadas pela pirâmide de Maslow) emocional (BARBOSA, 1998, p.20).
e a visível mutação no processo de absorção e valorização
dos processos subjetivos, tidos até então como atributos A produção não deve ser encarada como um momento
secundários para concepção dos produtos industriais, como as de encerramento, de fechamento de uma contextualização com o
questões das relações afetivas, psicologias e emocionais. Hoje
se faz necessário que o processo de inserção desses valores exercício de determinada técnica, com ‘trabalhinhos’, mas sim com
em escala produtiva dos produtos industriais seja, portanto, experimentações práticas advindas do pensamento. A produção só
“projetável” aumentando, por conseqüência, o significado do
produto (conceito) e sua significância (valor)(MORAES, 2010,
atinge seu objetivo quando proporciona uma experiência recheada
p.6). de conhecimento. A experiência cognitiva que instiga a tão
almejada consciência do processo criador, é o exercício do mundo
O aprendizado desta atividade estratégica e complexa que fenomênico para alcançar a representação imagética; isso ocorre
é a conceituação de um projeto, o começo da produção, implica porque o artista “incorpora a si próprio” (BARBOSA, 1998.p.24)
em uma visão do ensino aprendizagem que se atente para sua enquanto produz. O fazer é um resultado percebido que controla
eficácia. Conforme explica Parsons (2010), que o aprendizado as decisões, isso explica o fato da apreciação não ser desvinculada
ocorre quando ela faz sentido para os alunos, quando ela integra da produção. “Uma existência incompleta nada significa. As
seus interesses, expectativas, experiências de vida (BARBOSA E experiências incompletas alienam e confundem o universo de
CUNHA, 2010, p. 436). Ao primeiro contato com discursos deste significados que são vitais do ser humano” (BARBOSA, 1998, p.22).
gênero quem não vivenciou este tipo de aprendizagem sente Neste sentido a experiência mais completa é a desfrutada pela arte,
dificuldade de implementá-la e questiona sua eficácia atribuindo porque alia o pensamento, com o autoconhecimento, a produção,
estes conceitos a utopias educacionais. Confesso que isso a reconstrução, a experimentação, a elaboração e a percepção da
aconteceu comigo, durante a graduação, que diante de textos concepção instâncias que definem a intenção consciente. Todos
deste gênero me voltava para metodologias mais tradicionais estas instâncias são unificadas pela qualidade estética (BARBOSA,
de ensino por ter vivenciado na prática, a riqueza e eficácia do 1998, p.22).
processo, para potencializar a produção e o prazer do aluno.
Depois de estudar a história da arte-educação no Brasil, com Qualidade estética resulta da consumação apreciada e difere da
Ana Mae Barbosa, se pode compreender que estas resistências qualidade artística, que é específica, de materiais específicos,
enquanto a qualidade estética é conatural a todos os materiais
decorrentes de interpretações equivocadas do ensino de arte a que cercam os ritmos constantes da vida. Qualidade estética
serviço da expressão dos sentimentos, em resposta ao ensino não é apenas o reconhecimento descolorido e frio daquilo que
foi feito, mas uma condição receptiva interna, que é válvula
tecnicista tradicional, desvinculada da cognição.
propulsora de futuras experiências. A qualidade estética de
uma experiência de qualquer natureza é a culminação de um
Na educação, o subjetivo, a vida interior e emocional devem processo (BARBOSA, 1998, p.22).
125
progredir, mas, não ao acaso. Se a arte não é tratada como um
conhecimento, mas somente como um “grito da alma” não
Portanto, uma aula que vise a exploração de processos da experiência: “São seis os movimentos que perfazem a
criadores, em moda deve ter por objetivo promover experiências experiência: aquecendo, descrevendo, analisando, interpretando,
significativas para os alunos, deve discutir o âmbito da produção, fundamentando e revelando” (Robert Ott 2005, p.299. apud
seu caráter reflexivo. Sendo assim, se assemelha a um ateliê de BARBOSA E CUNHA, 2010). Além das instâncias que balizam
arte, porque os objetivos são os mesmos. Já que o propósito a experiência, os eixos geradores, propostos para o estímulo
primeiro de matérias como planejamento de coleção, laboratório do processo criador em moda, também seguem os princípios
de criação, desenvolvimento de produto, entre outras é a prática, sugeridos por Marques (2010), que observando antes de qualquer
a apreciação contextualizada, um dos cernes da triangulação, deve temática propriamente dita, o conhecimento de si com o dos
ocorrer de acordo com os interesses investigativos, temáticos de outros e o do meio.
cada aluno é para tanto, a matéria poderia ser estrutura partindo
Conhecimento de si: repensar, rever, criticar,problematizar e
de eixos geradores de significados. Sendo que os temas geradores
transformar nossas indagações pessoais a respeito de quem
são inspirados:“nas concepções de educação de Paulo Freire, somos? de onde viemos? A que grupo pertencemos? o que
entendido como assunto que centraliza o processo da educação e queremos? onde \ com quem aprendemos? queremos mudar?
o que podemos fazer? a que nos comprometemos?
sobre o qual acontecem os estudos, pesquisas, análises, discussões Conhecimento dos outros:
e reflexões” (Carvalho e Carolino, 2010, apud BARBOSA E CUNHA, -o conhecimento de si está intrinsecamente ligado ao
conhecimento dos outro, dos outros, dos grupos a que
2010, p. 359). pertencemos e dos grupos que não escolhemos. Gostos,
Eixos estes abrangentes o suficiente para os alunos atitudes, comportamentos, formas de relacionamentos, escolhas
pessoais no coletivo são base ara a convivência dialógica, ética
escolherem com liberdade seus temas, mais ricos o suficientes e sustentável em sociedade;
para expandir o pensamento a respeito do processo criativo, e Conhecimento do meio:
-o conhecimento de si e dos outros no mundo contemporâneo
da possibilidade de experimentação existencial que ele deflagra. não aceita distanciamento em relação ao conhecimento do meio
“Assim a crítica de arte é um espaço de expressão e reflexão sobre em que vivemos, pois os grupos sociais a que pertencemos –
classe, idade, gênero, orientação sexual, família, religião – são
a experiência pessoal” (Carvalho 2010 apud BARBOSA E CUNHA,
interlocutores do diálogo entre os indivíduos e com o tempo-
2010, p.326). Somente quando a apreciação reflexiva que relaciona espaço que constroem (EM BARBOSA E CUNHA, 2010. p. 59).
o visto com o vivido, acontece, é que se pode observar o surgimento
de autores críticos, e não mais fornecedores de desenhos, mas Essas reflexões a cerca do conhecimento de si, dos outros
sujeitos autônomos capazes de além de criar produtos, criar e do meio também se conectam com as considerações apontadas
oportunidades de negócios, empresas e de expandir o campo da por Losada (2010), que aborda a questão estabelecendo os nexos
moda, porque o processo criador não exclui o bom desempenho sócio-históricos (assimilando a linguagem, as manifestações
financeiro, isso é uma questão de leituras. artísticas com contextos históricos que deflagram a conjuntura
existencial de cada época, caracterizando sua identidade cultural);
Os eixos geradores seguem as considerações a respeito
os nexos intersemióticos (observando as interrelações ocorridas 126
nas mais diversas linguagens, sonora, gustativa, visual e verbal); considerando apenas suas investigações e motivações existenciais\
os interdisciplinares e os transversais que analisam questões estéticas; esse âmbito é suficiente para a arte, mas para a moda isso
políticas, éticas, ecológicas, afetivas, sexuais, comportamentais deve ser traduzido em uma linguagem empresarial. Linguagem
entre outras pela interpretação artística (BARBOSA E CUNHA, 2010, esta que se comunica com os clientes que fortalecem uma marca
p.244). Os nexos apresentados funcionam como contextos para ou o nome do criador, que traduz o conceito explorado em uma
a exploração dos objetivos propostos pelo autor anterior, sendo mensagem mais apropriada para o mercado digerir. Vale salientar
uma triangulação multidisciplinar e transversal, que correlaciona que a moda também possui exemplos belos e ricos de produções
os nexos sócio-históricos com questões a cerca do entendimento que justamente por encontrar dificuldade no sentido comercial
de si mesmo, que se descobre na apreciação, também dos outros se voltam totalmente para o artístico, inaugurando de forma
e do meio nos quais são inseridos. Já o nexos intersemióticos pioneira esta ceara na moda, como fez o estilista Jum Nakao
contemplam a investigação a cerca da elaboração plástica, a cerca (1966), apresentar no São Paulo Fashion Week (em junho de 2004)
do desenvolvimento de uma linguagem autoral que expresse os o trabalho costura do invisível. Desfile este, considerado o do
conteúdos refletidos nos primeiros questionamentos que analisam século, por abordar questões referentes ao processo criativo e sua
a vida do aluno\artista\designer. Storcinelli (2008), interpreta relação com mercado, sendo que teve como principal motivação
esta investigação a respeito de uma identidade criadora, como a frustração do autor em não poder mais desfilar na semana de
negociações em torno do self, que observam nossos modos de ser, moda, pelo fato seus produtos não terem um desempenho de
sendo que este mecanismo atua como uma narrativa negociada. vendas que comportasse seus altos custos. Fato este que o obrigou
a inventar uma nova maneira de observar a moda. Diante disso,
Se voltamos a considerar o vestuário seguindo essas coordenadas, o autor desenvolveu peças de papel, que ao final do espetáculo
deveremos encontrar certa facilidade, para aí enquadrar não foram rasgadas refletindo a efemeridade da moda e expandindo
a roupa em si, mas a roupa como objeto subjetivo. Tal objeto
apresenta de fato a nós mesmos e aos outros o self, reassume seu campo de significado. Como afirma o autor: “vesti muito mais
(ou “subsume”) a sua história e é continuamente negociado. pessoas, com minhas roupas de papel”, “qual é o valor de uma
Sim, porque efetivamente, ainda que isso nunca seja ressaltado
(ao menos até onde sabemos), nós negociamos continuamente e criação?” (NAKAO, 2005).
desde sempre a nossa roupa: quando crianças ,com nossos pais;
quando a adolescentes, com os amigos da nossa turma; quando
Voltando para as propostas, para os eixos, ainda
jovens e adultos, com as noivas, as esposas, com os colegas e considero relevante apresentar outra interpretação, esta oriunda
com todas as entidades impessoais às quais freqüentemente são do marketing que relaciona da forma didática os princípios para
dirigidas as homenagens ou as provocações do nosso vestuário
(SORCINELLI, 2008. p.81). posicionar um negócio, integrando-os com os conceitos pessoais.
É uma eloqüente para a construção de um posicionamento autoral
do designer, e para sua transposição para um negócio.
Essas negociações ocorrem em dois âmbitos, em nível
individual o artista articulando seu processo com ele mesmo,
127
Seus princípios = Missão
Suas Crenças = Objetivos
Suas Manias = Segmentos
Suas Qualidades = Metas
Suas Aspirações Visão
Seus Sonhos
Suas Limitações = Estratégias
(Programa Master para Empresários e
Gestores de Negócios de Moda,
SENAI Cetiqut,2005).
128
Tabela 14: Plano de Ensino para a matéria de Laboratório de Criação
Eixos
Geradores Objetivos
-Aquecimento, expansão
Linguagem -Pensar o porquê e como do processo criador, escrever sobre, pesquisar seus autores
-Elencar as variações plásticas de vários modelos (fragmentos de peças como mangas, decotes, golas e os modelos inteiros, calças,
vestidos, blusas)
-Observar acabamentos inovadores
-Pesquisar o trabalho de outros autores em diversas linguagens sobre as 13 temáticas inspiradoras (etnias,orientalismo, natureza/ecologia,
artes plásticas, futurismo/tecnologia, décadas passadas, acontecimentos sócio culturais, conceitos/sensações, história/literatura, vida
urbana, movimentos musicais, vocações regionais e misticismo/magia/mitologia).
-Investigar o posicionamento de outros artistas, seu discurso, sua vida afetiva, hábitos alimentares, estilo de vida, consumo, casa, automóveis,
estilo e a relação disso com seu percurso criativo a as suas obras
-Pesquisar linguagens, possibilidades expressivas dentro de cada manifestação artística
-Experimentar técnicas expressivas
Refletir sobre o corpo, o vestir
-Leitura, seleção
Outro -Investigar processos de outros artistas, sendo estes apresentados pelo professor e selecionados pelos alunos
-Psicologia da Representação
-Pesquisar o fazer artístico de outras culturas
-Pensar o corpo do Cliente
-Pesquisar sobre os consumidores, concorrentes e o consumo
-Pesquisar estratégias de outras marcas independentes do universo da moda
-Versar sobre o processo criativo do outro em diversas linguagens como: tetro, dança, música, cinema, jornalismo, literatura, TV, artes
plásticas, arte popular, arquitetura
-Escolher uma obra e fazer uma triangulação
-Visitar exposições, mostras, feiras, desfiles, recitais, lojas conceito, museus, institutos, centros culturais, festivais
-Analisar catálogos, revistas,coleções, imagens de moda
-Observar os referenciais de outros criadores
-Explorar o que você gosta das 13 influências temáticas
Eu -Explorar sua memória, sua história, família, familiares, relíquias, fotografias, objetos, costumes, tradições
-Explorar seus tiques, hobbies, manias, coleções, alter-egos, medos, fobias, defeitos, qualidades, amigos, paixões, matérias preferidas; o
que faz seu olho brilhar
-Pesquisar, construir fomentar seu repertório da área elencando modelos, estilistas, fotógrafos, maquiadores, bordadeiras, costureiras,
modelistas, piloteiras, peças específicas, coleções, imagens, acabamentos,
-Pesquisar, construir fomentar seu repertório de criação observando produções e autores de diferentes áreas e gêneros como literatura,
cinema, música, dança, arquitetura, design, fotografia, pintura, escultura; refletindo o porquê gosta e porque não gosta de determinadas
manifestações e produções
- Pesquisar períodos históricos e suas imagens que admira
-Pesquisar quais são seus argumentos, motivações, engajamentos políticos que podem ser expressos na criação
-Quais são seus sabores, cheiros, temperos, cores e sons e por que
-Quais são as tradições, ritos que pratica, se são originadas do meio, ou você as elegeu
-Relacionar seus conteúdos com os do mercado
Interteia -Relacionar seu gosto com o do consumidor
-Trabalhar com conceitos díspares, ampliando o campo e constituindo uma linguagem
-Refletir sobre sua segmentação criativa, suas áreas de atuação, seu repertório
Objetivo -Elaborar seu posicionamento criativo ou plano de negócios, sua estratégia de entrada no campo almejado
-Descobrir sua linguagem ou linguagens
Primordial -Estruturar o portfólio
129
fonte: Elaborado pelo autor
4.1 LEITURA DO PROCESSO CRIATIVO DE SAKINA M´Sa pode ser justificada pelo fato de que, na ilha, o idioma falado, o
Shikomono, resultado de uma mistura de árabe com swahili, e
depois com a mudança para França assimila a língua do país. Fora
Em Comores, uma pequena ilha, ex-colônia francesa,
sua língua materna, a estilista domina com fluência, logicamente,
no Oceano índico, entre Madagascar e Moçambique, sem água
o francês, o inglês, o italiano, o chinês e estava bem familiarizada
encanada nem energia elétrica, a estilista, que no Brasil, insistiam
com o português. Existem dois aspectos que podem ser destacados
em afirmar ser francesa, em virtude de sua mudança aos sete anos
na produção da criadora, o primeiro é seu embasamento na
para Marselha, teve participação de peso na semana de moda mais
sociologia e o segundo sua relação com a terra. Sua relação com
importante do País. A edição do São Paulo Fashion Week, de junho
terra advém da influência da sua avó que ao perceber o medo que
de 2009, teve como inspiração o ano da França no Brasil. Sakina
a menina tinha de ir para a França, com seus pais que se mudaram
M’Sa, em virtude do sucesso em concursos de novos talentos e
em busca de melhores oportunidades, para consolo, sua avó lhe
da singularidade da sua produção, entrou para o grupo seleto de
ensinou uma tradição: que consiste em enterrar seus medos e suas
criadores da Alta Costura a convite do Presidente do Sindicato
preciosidades para ter sempre um porto seguro. “[...] segundo as
da Alta Costura, Didier Grumbach. Em São Paulo, Sakina M´Sa
sábias palavras de minha avó, enterro muitos tecidos de que gosto
desenvolveu seu projeto da exposição e do desfile com apoio da
e depois os utilizo em várias coleções”, diz Sakina (LOZNEANU,
Universidade Anhembi Morumbi, envolvendo os alunos, mulheres
2009. p.236). A “simpatia” teve tanto resultado que Sakina utiliza
da ONG Estrela Nova, que sedia o projeto Ofício Moda no Campo
o método para tingir os tecidos de suas coleções e o ensina em
Limpo, periferia de São Paulo e a mulheres da periferia de Paris.
seus cursos. A estilista, tanto nas aulas como em entrevistas, faz
Em decorrência da oportunidade de estágio, do trabalho como
questão de frisar sua preocupação com a estabilidade e a segurança
assistente da estilista e o acompanhamento durante sua estada no
de sua empresa, a comercialização de suas peças, ensinando seu
Brasil, com duração de aproximadamente um mês, da autora da
foco para as alunas de maneira generosa.
pesquisa, a experiência vivenciada será utilizada como exemplo
de leitura de um processo criativo em moda.
Tenho os pés bem plantados na terra. Minha empresa é pequena
Ao observar sua história de vida e trajetória até chegar à mas, sólida. Sempre tive a exata noção do valor do dinheiro e da
importância de desenvolver um trabalho de grande qualidade
Alta Costura, pode-se inferir que cada aspecto é refletido no seu e beleza. O que me move nesta viagem é acreditar no capital
processo criativo, conforme observado anteriormente no processo humano, numa sociedade mais solidária e justa (Sakina em
entrevista a LOZNEANU, 2009, p.236).
de autoria, no qual o autor é o que explora aspectos de sua vida
na obra e se posiciona com sua visão de mundo singular, o que
torna autêntica sua produção.
A leitura crítica é muito importante nas suas aulas, porque
Nesta pequena ilha, Sakina (que pronuncia-se Sakiná) ela ensina a desenvolver o processo de criação, desvendando
morou com sua avó até os sete anos, sua facilidade com línguas seu próprio processo. Não trabalha como os outros estilistas em 130
comunidades, nas quais eles simplesmente criam e os alunos moda, na entrevista que dera a Lozneanu, já citada anteriormente.
executam. O processo da Sakina é de co-autoria. A análise crítica,
nesse contexto, permeia todo o processo, que ela, de maneira Gosto muito quando a moda afirma sua liberdade, quando
delicada, cordial, passa o tempo todo em volta das alunas e a escritora George Sand resolve fumar cachimbo e se vestir
com roupas masculinas. Também admiro muito Channel, que
de seus boduques (manequins de modelagem), orientando o ousou libertar as mulheres da camisa de força do espartilho. Ao
desenvolvimento das peças. A orientação segue uma linha de pensar no futuro, agente sempre ganha quando tenta ter uma
perspectiva da história. Por isso, minha fixação pelo tecido social.
‘dicas’, como por exemplo: “[...] você deve evidenciar este detalhe, As grandes revoluções vem do povo: frescor, inteligência, calor
que ficou muito bom, e diminuir este, para evidenciar o outro e humano. Adoro trabalhar com a “Toile Patron” branca, pois a
partir do tecido de prova, do pano mais simples, mostramos a
equilibrar a produção [...]”.
estrutura das roupas, seu avesso (LOZNEANU, 2009, p. 234).
Já a referência significativa que compõe seu processo de
Durante sua graduação, procurou estágio em todas as
criação vem da sociologia e da sua paixão pela arte e por livros.
casas filiadas ao sindicato, sua entrada foi permitida somente na
Maion de Lagerfeld. Uma infelicidade que também contribuiu
Aos 14 anos, eu já trabalhava para sustentar meu vício por
livros e ajudar minha família. Minha mãe era doméstica e meu
para sua projeção foi o fato que os documentos do estágio, não
pai açougueiro. Sentia que não poderia perder tempo. Queria foram validados, obrigando-a refazê-lo em seu bairro na periferia
realizar algo maior, que tivesse relevância e que juntasse todas da França, que é chamado de buraco quente, aproximando-a do
as artes, além de ajudar pessoas (entrevista a LOZNEANU, 2009,
p.233). povo. Também a falta de recursos obrigou-a a improvisar com
o planejamento o seu desfile de graduação, como já o fizera no
colégio aos 17 anos, de acordo com entrevista:
É graças a esse apreço pelos estudos que conheceu seu
autor favorito, Baudrillard, o qual teve papel relevante para a Aqui entra meu lado místico e minha crença profunda no ser
divulgação de seu trabalho. Para muitos, sua projeção foi uma humano. No meu caminho em busca da moda, contei com
a ajuda de vários anjos da guarda. No fim do colegial com a
questão de sorte, para ela que é muito espiritualizada, considera força da minha intuição, eu organizei um desfile com roupas
que conheceu anjos, mas não atribui isso à sorte. Durante a improvisadas, transformando panos de prato, pedaços de
convivência com ela, pude perceber que, como em qualquer tecidos, sobras de moletom em roupas. Como bem diz Rimbaud:
“A dix sept ans L’on nést pás serieux” [Aos 17 anos ninguém
espécie de planejamento, início de uma administração, começa-se deve ser levado à sério]. Mas a mulher do prefeito de Marselha
com o estabelecimento de objetivos, metas e estratégias. E traçar e futura incentivadora do instituto superior de moda da cidade,
Maryline Vigouroux, se encantou com o que viu, e eu passei a
o objetivo é uma coisa da qual ela nunca teve dúvidas. Sempre estudar numa boa escola de moda, rodeada por cores texturas
quis ser estilista, e estilista da Alta Costura, conforme afirmação e formas (LOZNEANU, 2009, p.233).
em conversa: “Eu adoro o luxo, mesmo trabalhando com um
forte apego ao social eu continuo amando o luxo, por isso quero
acessibilizá-lo a outras pessoas.” Demonstra sua visão sobre a 131
Com a customização de roupas usadas, como na trabalho nas comunidades. As pessoas percebem o carinho, uma
adolescência, na faculdade, recorre ao mesmo recurso. Com a preocupação real, em ajudar a cada um a se encontrar, em deixar
ajuda do embasamento teórico em Jean Baudrilard (1929-2007), produtos que possam vendê-los depois, em passar o que ela sabe,
monta o Ateliê do Tecido Social, com vinte jovens. A esposa do sua experiência em configurar com materiais baratos produtos de
autor famoso, Marie, os aproximou e o célebre autor começou a luxo.
Ao trabalhar de modo inteiramente apaixonado com pessoas
frequentar seus desfiles e seu ateliê. Em 2000, Marie organizou
de comunidades carentes e ideias de que as roupas contem
uma viagem para a estilista de volta a sua terra natal. Falar do história do mundo, a estilista comoriana Sakina M’Sa amplia
autor e da sua esposa a deixa emocionada, inclusive nas aulas o significado da moda em criações baseadas na reciclagem
na customização e no capital humano. Para ela, “as grandes
quando o cita. “Baudrillard is not dead. (...)” Com o tempo nossa revoluções vêm do povo” (LOZNEANU, 2009, p.231).
amizade cresceu, e ele se tornou o meu mentor e conselheiro me
incentivando nos momentos difíceis e me dando dicas de livros e Seu “olhar sociológico” permeou toda sua visita ao Brasil e,
filmes (LOZNEANU, 2009. p.234). mesmo sendo vegetariana, faz questão de provar todos os sabores
Imbuída do ideário do autor, famoso justamente pela locais. Como a temática da Edição do São Paulo Fashion Week,
crítica à moda em seu livro Sociedade de Consumo, a estilista
propõe, em seu ateliê, uma costura sociológica, com propostas
que se valiam do universo dos jovens como a cultura pop e as
marcas, transferindo esse ideário para as peças usadas.
143
- os artistas não devem se transformar em ídolos - transparência significa doar
- os artistas não devem se transformar em ídolos - transparência significa receber
- transparência significa receptividade uma idéia se revela no sonho, ou durante o dia, como uma
- transparência significa doar visão que irrompe como uma surpresa
- transparência significa receber - o artista não deve se repetir
- transparência significa receptividade - o artista não deve produzir em demasia
- transparência significa doar - o artista deve evitar poluir sua própria arte
- transparência significa receber - o artista deve evitar poluir sua própria arte
10 a relação entre o artista e os símbolos: - o artista deve evitar poluir sua própria arte
- o artista cria seus próprios símbolos 14 as posses do artista:
- os símbolos são a língua do artista - os monges budistas entendem que o ideal na vida é possuir
- e a língua tem que ser traduzida nove objetos:
- Às vezes, é difícil encontrar a chave 1 roupão para o verão
- Às vezes, é difícil encontrar a chave 1 roupão para o inverno
- Às vezes, é difícil encontrar a chave 1 par de sapatos
11 a relação entre o artista e o silêncio: 1 pequena tigela para pedir alimentos
- o artista deve compreender o silêncio 1 tela de proteção contra insetos
- o artista deve criar um espaço para que o silêncio adentre sua 1 livro de orações
obra 1 guarda-chuva
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento 1 colchonete para dormir
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento 1 par de óculos se necessário
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento - o artista deve tomar sua própria decisão sobre os objetos
12 a relação entre o artista e a solidão: pessoais que deve ter
- o artista deve reservar para si longos períodos de solidão - o artista deve, cada vez mais, ter menos
- a solidão é extremamente importante - o artista deve, cada vez mais, ter menos
- Longe de casa - o artista deve, cada vez mais, ter menos
- Longe do ateliê 15 a lista de amigos do artista:
- Longe da família - o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
- Longe dos amigos - o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
- o artista deve passar longos períodos de tempo perto de - o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
cachoeiras 16 os inimigos do artista:
- o artista deve passar longos períodos de tempo perto de - os inimigos são muito importantes
vulcões em erupção - o Dalai Lama afirmou que é fácil ter compaixão pelos amigos;
- o artista deve passar longos períodos de tempo olhando as porém, muito mais difícil é ter compaixão pelos inimigos
corredeiras dos rios - o artista deve aprender a perdoar
- o artista deve passar longos períodos de tempo - o artista deve aprender a perdoar
contemplando a linha do horizonte onde o oceano e o céu se - o artista deve aprender a perdoar
encontram 17 a morte e seus diferentes contextos:
- o artista deve passar longos períodos de tempo admirando as - o artista deve ter consciência de sua mortalidade
estrelas - Para o artista, como viver é tão importante quanto como
no céu da noite morrer
13 a conduta do artista com relação ao trabalho: - o artista deve encontrar nos símbolos da sua obra os sinais
- o artista deve evitar ir para seu ateliê todos os dias dos diferentes contextos da morte
- o artista não deve considerar seu horário de trabalho como o - o artista deve morrer conscientemente e sem medo
144
de funcionário de um banco - o artista deve morrer conscientemente e sem medo
- o artista deve explorar a vida, e trabalhar apenas quando - o artista deve morrer conscientemente e sem medo
18 o funeral e seus diferentes contextos: estaria relacionado ao caráter particular do conceito de que
- o artista deve deixar instruções para seu próprio funeral, para fala. A expressão é, portanto, o modo concreto como cada
que tudo seja feito segundo sua vontade artista dispõe daquela estrutura abstrata, simbólica, que é o
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua estilo. Não se pode perder de vista, contudo, que a expressão
partida é também o único veículo de transformação desses códigos
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua estilísticos ao longo da história (LOSADA, EM BARBOSA E
partida CUNHA, 2010, p.243).
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua
partida
(SALLES, 2010, p.01) O elemento que veicula esta comunicação é a expressão
conformada pelo artista, que atinge seu objetivo duplo: de
Fora o âmbito do criador, com ele mesmo, com sua visão, sua transmitir a identidade do criador e se comunicar com o público.
história, seu processo, existe outro aspecto significativo que deve Essa dualidade da expressão também reflete outra característica
ser mencionado, o do mercado, o do consumidor. Principalmente que ela deflagra: quem primeiramente transforma os códigos é
para a moda, que implica produzir para outro vestir, calçar, em o artista, mas também em reflexo de suas observações de seu
fomentar o consumo, que o profissional se compromete em contexto e das mudanças sofridas na sociedade como enfatiza
alimentar a indústria ou tem de sobreviver de sua marca. Acredito Losada(2010), (apud BARBOSA E CUNHA, 2010). “A participação
que faz parte da maturidade do designer dialogar com o mercado, ativa no processo de criação é um direito e um privilégio nosso.
com seu público-alvo sem perder sua identidade. Conforme atesta Podemos aprender a mensurar o sucesso de nossas idéias não
Losada (2010): “Embora nunca sejam idênticos, naturalmente, apenas por nossa conta bancária, mas também por seu impacto
quanto maior for o grau de afinidade entre os repertórios do artista no mundo” (BROWN, 2010.p.226).
do público, menor será o grau de ambigüidade na comunicação Neste contexto citado, que apresento uma tessitura da
entre eles” (EM BARBOSA E CUNHA, p.243). A autora ainda propõe relação do artista com o mercado e com seu público, apresentando
que o artista, em seu processo criativo, elabora a obra pensando correlacionados um indicativo para auxiliar a leitura do desempenho
em um receptor imaginário, o leitor implícito, sendo a obra, em do profissional no mercado. As variantes do indicativo consideram
sua forma física, um emaranhado de instruções projetadas para que são diretamente proporcionais dois quesitos para aumentar
provocar efeitos nos espectadores; visto porque que a obra só a aceitação ou sucesso de vendas ou recepção dos criadores: seu
fica completa quando suas ambiguidades são preenchidas pela poder de persuasão e o conhecimento do seu público. O gráfico a
interpretação dos receptores. seguir deve ser observado somente depois do primeiro que é o que
realmente estimula o processo criativo, mas este segundo o insere
As estratégias são, em suma, aquilo que normalmente em um aspecto mais profissional e é inspirado em conceitos do
denominamos como “estilo” ou “expressão” de cada época ou
artista. Gombrich diferencia esses dois conceitos. Tal como a marketing que direciona as ações para construções de estratégias
língua, o estilo é por ele definido como um código construído
e compartilhado coletivamente, enquanto o termo expressão
para determinados contextos.
145
Aprofundando o primeiro item, o poder de persuasão, este
se justifica porque acredito ser tarefa do designer ter argumentos
que defendam sua criação e esse tipo de argumentação decorre da
sua conscientização do processo criativo, seu comprometimento
com a pesquisa, seu envolvimento com o projeto e, por fim, sua
postura profissional que se vale de vários estratagemas para
sustentar seu projeto e fazer com que seja realizado conforme
suas especificações. Este é um fator importante de ser comentado
porque é frequente, em várias áreas do design, os profissionais
reclamarem dos clientes e de seus chefes em virtude de não
conseguirem levar adiante suas idéias. Se o profissional estiver
respaldado em pesquisas de marcado, por exemplo, já vai saber
que 60% da população é tradicional (TREPTOW, 2005). Figura 23 Autoria
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de LUDERMAN(2007)
Diante disso, não adianta reclamar do público, ele tem
de viver. Eles não gostam de limites ou de gente que diz não ou
que orientar seu produto para seu consumidor ou direcionar
de palavras como não dá e inviável (p.102).
sua produção para outro público. Por isso, considero que a
metodologia do marketing não prejudica o processo criativo, Estas características bem conduzidas impulsionam a
porque ajuda o artista\designer\aluno a se organizar, a planejar carreira de qualquer profissional, nos vários setores criativos,
seu trabalho. É comum, em vários setores - como, por exemplo, mas, muitas vezes, o profissional, o gestor e o professor com
na moda, com costureiras, bordadeiras - estilistas que não sabem quem trabalham não possuem treinamento para lidar com todo
cobrar por seu trabalho, ou sentem dificuldade e só cobram ao seu potencial, transformando sua maior qualidade, de uma mente
final, prejudicando seu desempenho com o cliente. aberta expansiva, inquieta, em maior defeito. Defeito porque
justamente toda essa flexibilidade impede de levar adiante seus
Luderaman (2007) define as pessoas criativas como
projetos, porque não possuem estruturas para adequá-los a fim de
visionárias e descreve como constitui seu funcionamento:
serem executados. Não é raro recrutadores afirmarem: “Este tem
Visionários pensam grande. Depois pensam maior ainda. talento, mas não consegue fazer metade do que planeja”; “Fulano
Imaginando possibilidades que jamais ocorreriam à maioria das
é criativo, mas, não aceita críticas, não trabalha em equipe”.
pessoas, eles perguntam: “Porque não?” quando outros diriam
“De jeito nenhum”. Eles pensam expansivamente, somando e O maior instrumento de persuasão de um visionário é a
multiplicando quando outros iriam subtrair e dividir. Sonhar o
sonho impossível não é algo extraordinário para visionários; é paixão, (LUDERMAN, 2007), em toda sua energia contagiante,
simplesmente como a mente deles funciona. E alcançar a estrela isso é muito benéfico. No entanto, em empresas, escritório de
inalcançável, não é um gesto de loucura é o que lhes dá razão
design, em consultorias, na administração da própria carreira, 146
isso não é suficiente. Seria como se seu cliente fosse visionário O outro fator além do poder de persuasão, que foi citado,
também, por isso é responsabilidade dos designers afinarem seu é o conhecimento do público alvo, que pode ser um importante
potencial persuasivo - a conscientização do processo auxilia no potencializador do processo e não mais um agente que restringe.
refinamento dos argumentos. Outro sentindo importante, ao A conscientização do processo criador e da identidade criadora
quais os argumentos potencializam, é a eliminação de riscos, do designer, nesse contexto, também é fundamental, porque ela
porque quanto mais o designer refina sua percepção, mais ele auxilia a separar processos distintos: criar para a satisfação própria
reduz o risco de seu projeto não sair como o previsto. Se gestores, do profissional ou para públicos de mesmo perfil que ele ou ainda
professores realizam esse tipo de leitura, acaba a dicotomia entre produzir para o outro. Quando se tem segurança de quem você é,
a impossibilidade de criativos venderem suas produções e de o o processo de produzir para o outro não é sofrido; vale lembrar,
mercado não aceitar produtos inovadores. que produzir para o outro não significa, necessariamente, fazer o
Coloco essa análise, por vivenciar muitos destes contextos que não gosta. Descobrir beleza em atender o público, expandir
com estilistas que reclamam por não conseguirem autonomia suas áreas de atuação, faces de seu estilo pode ser desafiador e
dentro da indústria, não conseguirem colocar dentro da coleção não exclui a possibilidade de execução de projetos independentes.
os modelos que desejam, os tecidos que acreditam serem os As coisas interpretadas desta maneira dão suporte emocional\
melhores, entretanto, não empregam o mesmo empenho que intelectual para olhar o mercado com olhos mais amistosos,
usam para reclamar, para persuadir seus chefes. Também não criando uma relação mais otimista do que resistente e sofredora,
empregam a mesma energia que usam para se defender de potencializando ainda mais o processo criativo e, principalmente,
considerações úteis, para parar e refletir, para potencializar sua seus rendimentos.
ideia. Lembrar que o planejamento tático é uma característica
Mas a recusa em admitir a dúvida isola-os do necessário
que os visionários possuem de sobra, é relevante; o desafio
feedback tanto de especialistas como de sua própria intuição.
Sem a oportunidade de escrutinar sua ideia e transformá-las consiste em colocar seu potencial imaginativo também no
em estratégias fortes e pragmáticas, eles se tornam presas planejamento, organização e implementação. O motivo para a
do pensamento prejudicado e do comportamento temerário
(LUDERMAN, 2007, p.109). resistência em organizar é, primeiramente, a falta de entusiasmo
que isso desperta, os criativos querem ficar somente com o recheio
do bolo, e não se envolver na sua implementação. O problema é
O designer deve ter o relatório de venda a seu favor,
que esquecem que a execução da receita é parte substancial de
negociar uma porcentagem da coleção que vai ser comercializada
seu processo (LUDERMAN, 2007)
inteiramente do jeito que planejou; contudo, isso implica em uma
segurança muito grande da sua pesquisa de público e em uma Além de lidar com planejamento, organização, análise
postura mais profissional. Com esse tipo de argumentação, seria raro de riscos, outro aspecto fundamental que interfere na aceitação
não conquistar a confiança necessária para implementar ideias. do designer, que está implícito nos dois fatores apresentados,
147
no poder de persuasão e no conhecimento do consumidor, é o -1 como comunicar o que sabem sem fazer os outros se
sentirem estúpidos, 2- como apontar erros no pensamento
relacionamento com as pessoas. “No mundo dos negócios de dos outros sem fazê-los isolar-se ou ficar na defensiva, 3- como
hoje, obter resultados é algo que está decisivamente relacionado balancear sua mente excepcional com a capacidade de trabalhar
com tratar bem as pessoas” (LUDERMAN, 2007p. 168), no caso do produtivamente em equipe com os outros. Se não aprenderem
tais coisas desestimularão o pensamento novo, neutralizarão
design, que possui como característica inerente de seu processo a energia e eliminarão o espírito de equipe(LUDERMAN, 2007,
a multi e transdisciplinariedade, que, justamente, por serem p.147).
complexas e exigirem várias áreas para execução demandam
a participação de vários profissionais. O estilista depende Se o objetivo é o desempenho, o que impera é a
da modelista, da costureira, da bordadeira, do cortador, do meritocracia sobre a lei do reconhecimento. Brown (2010) explora
financeiro, do fornecedor, do vendedor, do fotógrafo, da modelo este assunto dentro da elaboração adequada de um briefing
- todos interferem na qualidade do seu trabalho, sua interação e que consiste em um resumo dos pontos-chave de elaboração de
construção de equipe de trabalho é vital. um projeto: “A chave como todo designer sabe, é elaborar um
briefing com flexibilidade suficiente para liberar a imaginação
Se você for um visionário seu maior patrimônio, além de sua da equipe, ao mesmo tempo em que proporciona especificidade
própria mente, pode ser as pessoas que consiga reunir em
torno de si. Encontre aliados confiáveis e bastante flexíveis para suficiente para fundamentar suas idéias na vida do público-alvo”
responder favoravelmente a suas grandes idéias, mas também (2010, p.205). Todas estas etapas envolvem pessoas, processos
objetivos o bastante para identificar problemas potenciais,
comunicativos, que dependem da capacidade de escuta, na qual
confiantes o bastante para expressar suas preocupações e
especialistas o bastante para formular planos que possam geralmente o visionário possui problemas, devido à resistência.
ajudá-lo, concretizar sua visão (LUDERMAN, 2007, p.120). Todavia, a escuta é fundamental para a equipe, porque pessoas
que escutam, respeitam, valorizam o outro, ouvem realmente e
Luderman (2007) propõe ações que auxiliam no trabalho são flexíveis para mudar de opinião.
em equipe e estímulo da criatividade, estabelecendo que as Por fim, a organização e o planejamento do processo
solicitações promovem um ambiente sadio de colaboração criativo também implicam em lidar com prazos, mesmo cientes de
diferente das exigências, que geram a hierarquia improdutiva de períodos de latência do processo e de convivência com ansiedades
obediência e não uma gestão de potencialização. Para tal fim, é e a erupção de ideias ao final do prazo. Respeitar contratos, atender
importante fazer solicitações diretas e claras, acordos íntegros, bem o cliente são um dos aspectos primordiais de um profissional.
porque a integridade revela respeito e compromisso e estes são Além de saber lidar com prazos, é parte da capacidade criadora e
base da execução, e não o salário no fim do mês. Nesse contexto, da competência do profissional lidar com restrições, sejam elas
Luderman (2007) considera que refinar a capacidade comunicativa produtivas, tecnológicas, com respeito a matérias primas ou
é vital, observando os seguintes aspectos:
148
orçamentárias. É fácil para um designer de moda trabalhar em
uma grande empresa, com produção própria e para público classe
A e jovem; porém, as características da criatividade como fluência,
elaboração, originalidade e flexibilidade são colocadas à prova
pelas restrições.
A metodologia do design é tão importante que deve invadir
todo o planejamento das organizações, por que não também a
vida das pessoas? Mesmo não sendo muito indicado, gostaria de
terminar com uma citação:
149
150
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O design é suporte de uma série de construções, é também, estabelecidos, que explora suas referências. Indivíduo que observa
palco da individualidade, da indústria, da comunicação e da a arte não reduzida à expressão, e sim, a um conhecimento que
criação. Este aspecto configura a pluralidade da conjuntura atual, transforma vidas, fomenta autorias, um conhecimento cognitivo.
que torna o ofício do designer mais encantador e abrangente. Observa-se também que mesmo com todas as
Com a realização deste trabalho pode-se inferir que o “revoluções” do vestuário (no quesito de novas modelagens,
processo criativo é fascinante e pode ser observado por diversos comprimentos e materiais), estas não interferiram nem esgotaram
ângulos. A perspectiva da abordagem triangular, que apresenta o desenvolvimento de uma proposta de moda criativa. As leituras
a análise de imagem como estratégia didática fornece uma série culturais desmistificam a aura sobrenatural atribuída à criação,
de leituras que não se encerram nesta breve análise. Ela instiga a demonstram as associações diversas, multidisciplinares, complexas
observação de inúmeros aspectos da criação e da relação desta do pensamento criador e são uma importante ferramenta para o
com a moda. É por meio da arte que o sujeito da conjuntura pós- ensino/aprendizagem.
moderna, a qual não oferta referências existenciais, protocolos, No transcorrer do trabalho pode-se verificar que o design
tradição, assume a tarefa de construir as próprias, diante da não está restrito ao seu respectivo departamento, ele envolve todas
multiplicidade global. Perante a exposição de Santos que oferece as áreas de uma organização: administração, criação, produção,
duas opções comportamentais para viver na pós-modernidade: comunicação, comercialização, podendo inclusive ser uma forma
de planejar o posicionamento criativo de um profissional.
Criança radiosa: o indivíduo desenvolto sedutor, hedonista
integrado à tecnologia, narcisista com identidade móvel, PPode-se concluir que o planejamento de coleção e
flutuante, liberado sexualmente conforme incensam
Lipovestsky, Fiedler e Toffler. Andróide melancólico: consumidor desenvolvimento de produto é complexo e transdisciplinar,
programado e sem história, indiferente átomo estatístico da exigindo repertório oriundo de diversas áreas como: marketing,
massa, boneco da tecnologia segundo abominam Nietzsche e
Baudrilard.(1983. p. 11). design, sociologia, psicologia, semiótica, artes, administração,
entre outras e essa complexidade deve ser abordada em sala de
aula. Vale salientar a importância da liberdade proporcionada ao
Com o desenvolvimento desta pesquisa, diferente das
criador quando seu foco principal é o desenvolvimento de uma
proposições do autor, acredita-se na possibilidade, por meio de
proposta fundamentada no estabelecimento da sua linguagem, e
aulas contextualizadas, do “Indivíduo consciente”. Sujeito que
que esta não está impedida de ter bom desempenho no mercado.
conhece arte, que é ciente das suas influências, seus contextos, e
Isto pode ser analisado em leituras contextuais que embasam um
151
procura construir sua identidade, não se influenciando com padrões
objetivo específico.
Constata-se que o processo criativo na abordagem
triangular fornece um planejamento de aula e um desenvolvimento
de produto mais “seguro” do seu papel perante o aluno, o cliente,
sendo uma importante ferramenta para a construção de aulas,
imagens e produtos futuros.
Contudo, têm-se a ciência de que analisar o processo
criador na perspectiva do ensino é um desafio, uma tarefa vital
para a indústria brasileira, para o pensamento crítico reflexivo
da população. Atividade esta que atua não somente no consumo
de produtos oriundos dessa indústria, mas capacita para um
pensamento autônomo que reflete em todos os âmbitos da
sociedade, econômico, político, social e cultural.
Na realização da dissertação muitas questões foram
suscitadas. Mesmo com o compromisso de colocar em prática
todos os vértices da abordagem triangular, disponibilizando
leituras contextualizadas diversas, de produções em forma de um
curta metragem, de análises de imagem e do processo criador de
uma estilista, vejo a necessidade de aprofundar a pesquisa com
projetos futuros.
Durante a pesquisa me deparei com a inteligente leitura
de imagem de Silvana Holzmeister, autora do livro o ‘O Estranho
da Moda’ e com o livro ‘Pesquisa em Design’ da série Fundamentos
do design de moda, de Simon Seivewright, muito didático. Cito
estas duas obras porque acredito que são importantes referências
para um aprofundamento da temática do estímulo de capacidades
criadoras para o ensino da moda, em um intuito de apresentar
como Holzmeister, leituras que observam o processo criativo de
diferentes autores e contextos e também propor como Seivewright,
aulas eloqüentes, com propostas em torno do processo criador.
152
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AVELAR, Suzana. Moda Globalização e novas tecnologias. BOURDIEU. Pierre; DELSAUT. Yvette. A produção da crença:
Estação das Letras e Cores Editora, São Paulo, 2009. Contribuição para uma economia dos bens simbólicos. São
Paulo: Zouk, 2002.
BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicação e culturas de
consumo. São Paulo: Atlas, 2008. BOURDIEU, Pierre. Alta cultura e a alta costura em Questões
de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero. 1983. 154-161 p.
BAUMAN, Zymunt. Vida para o consumo: A transformação das Comunicação feita em Noroit, 192 p., nov. 1974, dez. 1974, jan.
pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. 1975.
BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação no Brasil. São Paulo, BUENO, Maria Lúcia; CASTRO, Ana Lúcia. Corpo território da
Brasiliense, 1986. Cultura. São Paulo: Annablume, 2005.
BARBOSA, Ana Mae. A Imagem no Ensino da Arte. Anos Oitenta BUENO, Maria Lucia; CAMARGO, Lima Luiz Octávio de. Cultura
e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 2008. e consumo. Estilos de vida na contemporaneidade. São Paulo:
Editora SENAC, 2008.
BARBOSA. Ana Mae (org). Arte\Educação Contemporânea,
Consonâncias Internacionais. 2º ed. São Paulo: Cortez, 2008. BUENO, Maria Lucia. Design de moda e arte: interrelações. In:
AULA NO PROGRAMA DE MESTRADO EM DESIGN DE MODA
BARBOSA, Ana Mae; CUNHA, Pereira Fernanda (orgs.). A E ARTE: INTERRELAÇÕES. São Paulo: Universidade Anhembi
Abordagem Triangular no Ensino das Artes e Culturas Visuais. Morumbi, [s. d.] 2010.
Cortez. São Paulo: 2010.
BUENO, Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. São
BARBOSA, Mae Ana. Arte e educação: conflitos e acertos. São Paulo: Editora FTD, 1996.
Paulo: Max Limonad, 1984.
BUCHVITZ, Paulo Arthur. Sublimaçao da sexualidade infantil. São
BARBOSA, Mae Ana. Tópicos Utópicos. C\Arte. Belo Paulo, Escuta, 1998. 97 p.
Horizonte:1998.
153
BRAGA, João. História da moda, uma narrativa. Anhembi DE CARLI, Ana Mery Sehbe. O Sensacional na Moda. Caxias do
Morumbi, São Paulo, 2007. Sul: EDUCS, 2002.
BROWN, Tim. Design Thinking. Uma metodologia poderosa para DEBORD, Guy. A sociedade do Espetáculo. Contraponto Editora.
decretar o fim da idéias velhas. Elsevier. Rio de Janeiro, 2010. Rio de Janeiro, 1997.
BRUCKNER, Pascal. Tentação da Inocência. Lisboa: Europa DUQUE, Fabricio. Godard, Truffaut e a Novelle Vague. Vertentes
América, 1996. do Cinema Disponível em: >http://vertentesdocinema.blogspot.
com/2010/05/ficha-tecnica-direcao-emmanuel-laurent.html<.
CASTILHO, Kathia; Nízia DILLAÇA. Plugados na Moda. São Paulo: Acesso em: 21 Maio 2010.
Anhembi Morumbi, 2006.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar,
CASTILHO, Kathia; MARTINS M. Marcelo. Discursos de moda: 2000.
semiótica, design e corpo. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi,
2005. FELDMAN, E. B. Art as image and idea. Englewood Cliffs, Nj,
Prentice-Hall, 1981.
CASTRO e Moura, Cláudio. Os professores e a regra de três. Veja,
São Paulo, 22 out. 2008. Editora Abril, ed. 2083 - ano 41, n.42. FORTY, Adrian. Objetos de desejo – design e sociedade desde
1750. Cosac Naify, São Paulo, 2007.
CHATAGNER, Gilda. Todos os caminhos da moda. Guia prático de
estilismo e tecnologia. Rocco, Rio de Janeiro, 1996. FLUSSER, Vílem. O mundo codificado: por uma filosofia do
design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
COELHO, Luiz. Antonio. Design Método. Rio de Janeiro, Ed. PUC- GALERA, Graciele. A revolução da estética na arte de fazer
Rio, Novas Idéias, Terezópoliz, 2006. cinema. CINEMA. São Paulo. Disponível em:
<http://www.culture-se.com/noticias/135.> Acesso em 6 dez
COELHO, Luiz Antonio. Conceitos-chave em design. Rio de 2010.
Janeiro: PUC-Rio, Novas Idéias, 2008.
GARCIA, Carol; MIRANDA, Ana Paula. Moda é comunicação,
CRANE, Diana. A moda e seu papel social. Classe Gênero e experiências, memórias, vínculos. São Paulo: Editora Anhembi
identidade das roupas. São Paulo, Editora SENAC, 2006. Morumbi, 2005. 154
GODOY, Tiffany. Crhistian Dior. STYLE. São Paulo. Disponível em: Morumbi, São Pulo, SP.
<http://www.style.com/fashionshows/review/2011RST-CDIOR>. LIPOVETSKY, Giles. A era do Vazio, ensaios sobra o
Acesso em: dez 2010. individualismo contemporâneo. Barueri: Monole, 2005.
GRUMBACH, Didier. Histórias da moda. São Paulo: Cosac Naify, LIPOVETSKY, Gilles. Império do Efêmero: Moda e seu Destino
2009. nas sociedades modernas. São Paulo: 8ª reimpressão 2005.
GREINER. Christine. O corpo. Pistas para estudos indisciplinares. LOZNEANU, Bronie. Costuras Socilógicas. São Paulo, mai. 2009.
2º ed. São Paulo: Annablume, 2005. Anhembi. Seção Marketing e Propaganda. Lumi nº 14 Disponível
em:<http://portal.anhembi.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de htm?campus=16&from=119&infoid=4657&iniinfoid=116&mod=5
Janeiro: DP&A Editora, 2004. &sid=13 > Acesso em: 10 jun. 2009.
HOLZMEISTER, Silvana. O estranho na moda: a imagem nos anos LUDERMAN, Kate e ERLANDSON, Eddie. A Síndrome do Macho
1990. Estação das Letras e Cores, São Paulo Alfa, porque mudar antes de sabotar a si próprio e a sua
empresa. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro Salles. Dicionário Houaiss de
Língua Portuguesa. Objetiva, Rio de Janeiro, 2001. MACHADO, Irene. Escola de Semiótica, A Experiência de Tártu
– Moscou para o Estudo da Cultura. São Paulo: Ateliê Editorial,
JONES, Sue Jenkyn. Fashion Design. Ed: Watson-Guptill FAPESP. Cotia, 2003.
Publications. New York 2002, 191 p.
MACHADO, Irene (org). Semiótica da cultura e semiosfera. São
KALIL, Glória. Chi[quérrimo] Moda e etiqueta no ovo regime. São Paulo: Annablume\Fapesp, 2007.
Paulo: Codex, 2004.
MARTINS, Celeste Miriam; PICOSQUE, Gisa e GUERRA, Telles
KOTLER, Philip e ARMSTRONG, Gary. Princípios de Marketing. Terezinha M. Didática do ensino de arte: a língua do mundo:
12º Edição. Editora Prentice Hall – Br, 2008. poetizar fruir e conhecer arte. FTD. São Paulo, 1998.
LANDOWSKI, Eric. Masculino, Feminino e Social. Revista Nexos: MARTINEZ, Paulo, BARTELT, Fabio. Editorial São Paulo Fashion
Revista de estudos de Comunicação e educação. Semiótica mídia Week. ffw>>mag! São Paulo. Ed. Lumi, N°21, p. 72, 2010.
e arte. Ano II, nº 3, N469. Agosto de 1998. Universidade Anhembi 155
MESQUITA, Cristiane. Moda Contemporânea, quatro ou cinco NORBERT, Elias. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar,
Conexões possíveis. 1983.
MOCHEGIANNE, Beatriz. Material cedido pela autora a ser OLIVEIRA, Ana Cláudia de. Corpo, roupa, moda nas inter-relações
publicado, 2010. semióticas da comunicação. Revista Dobras, uma revista de
moda, mas não só acadêmica, mas nem tanto. V. 3, nº6 , jun.
MORACE, Francesco. Consumo Autoral: as gerações como 2009.
empresas criativas. Tradução Kathia Castilho. São Paulo: Estação
das letras e cores, 2009. OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de criação.
Petrópoliz: Editora Vozes, 1987.
MOROSINI, Piero. 7 Chaves da Imaginação. Seja criativo e
descubra como colocar suas idéias em prática. Prumo. São Paulo, PETTI, Marina. Paris se encontra no Jardim de Paris. Jornal
2010. Journal SPWF. São Paulo: Luminosidade, jun. 2009. 15 p.
MORAES, Dijon de. Metaprojeto, o design do design. Blucher, PIAGET, Jean. DISCOURS, IN: Praemium Erasmianum. Amisterdã,
São Paulo, 2010. Sitiching Praemium Erasminum. Amsterdam, 1972. 74 p.
NAKAO, Jum. A Costura do Invisível. SENAC Editoras. São Paulo, PINHEIRO Daniela. 34 Coisas da Moda. Copia + imita= roupa
2005. nova. Bem pagos e badalados, alguns estilistas brasileiros
plagiam roupas estrangeiras na maior. Revista PIAUÍ, Ano I.
NAVARRI, Pascale. Moda & Inconsciente: olhar de um Maringá, jun. 2009.
psicanalista. Tradução de Gian Bruno Grosso. Editora Senac. São
Paulo, 2010. PIRES, Baduy Dorotéia. Design de moda. Olhares diversos.
Estação das Letras e Cores Editora. Barueri, São Paulo, 2008.
NETO, João Cabral de Melo. Estudos de Língua e Literatura. São
Paulo: Editora Moderna, 1998. Polêmico e genial, Jean-Luc Godard faz 80 anos. Cruzeiro. São
Paulo. Disponível em:
NICOLESCU, Basarab. Manifesto da Transdisciplinaridade. <http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.
Tardução Lúcia Pereira de Souza. 3º ed. São Paulo: Triom, 2005. phl?editoria=42&id=372188 CINEMA>. Acesso em: 4 dez 2010.
PRECIOSA, Rosane. Produção e estética. São Paulo: SENAC, 2007. SANTAELLA, Lucia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Tomsom, 2004.
PRECIOSA, Rosane. Rumores discretos de subjetividade. Sujeito SANTOS, Lauro Mesquita. Setorial de Moda. Cultura Digital.
e escritura em processo. Sulina: Editora da UFRGS. Porto Alegre: Disponivel em:
2010. http://culturadigital.br/setorialmoda/page/files/2010/01/TEXTO-
BASE-II-CNC.pdf. Acesso em 26 de jan 2011.
RANGEL, Cristina. Programa Máster de Capacitação para
Empresários e Gestores de Negócios de Moda. Ed: SENAI\ SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. Coleção
CETIQT. Rio de Janeiro, 2005. Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2004.
READ, Hebert. A educação pela arte. Martins Fontes, São Paulo, SEIVEWRIGHT, Simon. Fundamentos do design de moda:
2001. Pesquisa e Design. Tradução Edson Furmankiewicz. Porto Alegre:
Boobkman, 2009.
RIOS, Ribeiro Dermival. Novo Minidicionário da língua
portuguesa. DCL, São Paulo, 2000. SEELING, Charlotte. Moda, O século dos estilistas 1900-1999.
Konemann. Printed in Italy. 2000.
SABINO, Marco. Dicionário de moda. Elsevier, Rio de Janeiro,
2007. SIMMEL, Georg. A moda. Revista de moda, cultura e arte. IARA
V.1 N1, 2008. São Paulo, 2008.
SALLES, Fabiola. Manifesto sobre a vida da artista Marina
Abromovic. YAHOO. São Paulo. Disponível em: SETTON, Maria da Graça. A moda como prática cultural em
http://br.groups.yahoo.com/gro0up/ Pierre Burdier. IARA. Revista de moda, cultura e arte. São Paulo:
nucleoabertodeperformance/message/181. Acesso em jan 2010. V1 N1, 2008.
SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado, processo de criação STERSS, John. Material fornecido pela prof. Dr. Ana Mae Barbosa
artística. São Paulo: FAPESP Annablume, 1998. a ser publicado, 2009.
158