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20

"Eis aqui, quase cume da cabeça

De Europa toda, o Reino Lusitano,

Onde a terra se acaba e o mar começa,

E onde Febo repousa no Oceano.

Aqui termina a descrição de Vasco, chegando a Portugal, cume da cabeça anteriormente


citada como sendo a Espanha. Limite ocidental europeu, nesta terra encontramos o
ponto continental mais a oeste o Cabo da Roca.

Este quis o Céu justo que floresça

Nas armas contra o torpe Mauritano,

Deitando-o de si fora, e lá na ardente

África estar quieto o não consente.

E esse reino português resistiu e expulsou o torpe mauritano, ou seja, os muçulmanos


que invadiram parte da Península Ibérica e de lá foram deitados fora, ou seja, foram
expulsos novamente para o calor do norte da África.

21

"Esta é a ditosa pátria minha amada,

A qual se o Céu me dá que eu sem perigo

Torne, com esta empresa já acabada,

Acabe-se esta luz ali comigo.

Diz Vasco ser essa a sua pátria, que ama e ao qual roga aos céus para que lá retorne sem
perigo, para lá terminar seus dias.

Esta foi Lusitânia, derivada

De Luso, ou Lisa, que de Baco antigo

Filhos foram, parece, ou companheiros,

E nela então os Íncolas primeiros.

Nesse trecho devemos observar a figura de Luso ou Lisa, que, segundo a tradição, deu o
nome à região da Lusitânia, colonizada pelos romanos a partir do século II . C. A
primeira citação que temos da origem do nome Lusitânia é no mundo antigo, com o
historiador Plínio, o Velho, ao afirmar na sua História Natural que Luso e Lisa deram o
nome à Lusitânia. A origem incerta do nome desse companheiro ou filho de Baco
aparece também na fala de Vasco, que deixa como incerto o grau de parentesco desse
pastor com o deus do vinho, e sua descrição mais detalhada se dará mais adiante, no
canto VIII, 2. Desse personagem obscuro surge, então, o nome da região: Lusitânia, e
os lusíadas, seus habitantes.

22

"Desta o pastor nasceu, que no seu nome

Se vê que de homem forte os feitos teve;

Cuja fama ninguém virá que dome,

Pois a grande de Roma não se atreve.

Esta, o velho que os filhos próprios come

Por decreto do Céu, ligeiro e leve,

Veio a fazer no mundo tanta parte,

Criando-a Reino ilustre; e foi desta arte:

Aqui começam a desfilar os principais nomes de Portugal. Vasco começa por um


personagem muito anterior a formação do estado português, mas primeiro líder de uma
resistência dos povos habitantes da região contra o invasor estrangeiro: é Viriato,
pastor e que tem no nome a raiz vir, homem em latim, o que explica o comentário de
Vasco “que no seu nome / Se vê que de homem forte os feitos teve”. Em suas batalhas
contra o jugo romano Viriato conquistou algumas vitórias contra as falanges romanas,
criando um mito sobre sua pessoa como o primeiro grande herói português.

Ao citar o velho que os filhos próprios come, Vasco da Gama relaciona o fato da
República Romana lutar contra uma de suas próprias colônias com Saturno, o deus do
tempo, que devorou os próprios filhos, mas foi destruído pelo último, Júpiter. Do
mesmo modo que o jovem deus consegue destronar seu pai, poderoso e antigo, os
lusitanos liderados por Viriato conseguiram combater os romanos, seus
conquistadores.

23

"Um Rei, por nome Afonso, foi na Espanha,

Que fez aos Sarracenos tanta guerra,

Que por armas sanguinas, força e manha,

A muitos fez perder a vida o a terra;

Aqui Vasco começa a falar sobre Afonso VI, rei de Leão, na Espanha, e um dos
principais nomes do processo da Reconquista, quando os reinos ibéricos pelejaram pelo
controle da região contra os sarracenos, que ocuparam a península por mais de
quatrocentos anos.

Voando deste Rei a fama estranha


Do Herculano Calpe à Cáspia serra,

Muitos, para na guerra esclarecer-se,

Vinham a ele e à morte oferecer-se.

Com fama muitos se ofereciam para lutar por Afonso VI, que conquistou fama similar a
de Hércules, sendo reconhecido do Calpe (Gibraltar) até a Cáspia serra, ou seja, o
Cáucaso, onde se finda a Europa.

24

"E com um amor intrínseco acendidos

Da Fé, mais que das honras populares,

Eram de várias terras conduzidos,

Deixando a pátria amada e próprios lares.

E com o amor desses nobres cavalheiros reforçados pela fé ao lutar contra o invasor
infiel, muitos deixavam suas pátrias e seus lares para auxiliar na reconquista.

Depois que em feitos altos e subidos

Se mostraram nas armas singulares,

Quis o famoso Afonso que obras tais

Levassem prémio digno e dons iguais.

Após Afonso VI conquistar inúmeras vitórias com o auxílio dos cavaleiros que
arriscaram suas vidas, quis o regente premiá-los com presentes à altura dos seus feitos.

25

"Destes Anrique, dizem que segundo

Filho de um Rei de Ungriaexprimentado,

Portugal houve em sorte, que no mundo

Então não era ilustre nem prezado;

E, para mais sinal d'amor profundo,

Quis o Rei Castelhano, que casado

Com Teresa, sua filha, o Conde fosse;

E com ela das terras tornou posse.

Desses nobres, Vasco da Gama destaca Anrique, ou seja, Henrique de Borgonha, a


quem Afonso VI premiou dando-lhe a mão de sua filha, Teresa, condessa de Portugal.
Até esse momento, segundo o narrador, Portugal era uma estreita faixa de terra
desprezada, mas que teve a graça de receber como seu duque um homem de valor como
Henrique.

26

"Este, depois que contra os descendentes

Da escrava Agar vitórias grandes teve,

Ganhando muitas terras adjacentes,

Fazendo o que a seu forte peito deve,

Em prémio destes feitos excelentes,

Deu-lhe o supremo Deus, em tempo breve,

Um filho, que ilustrasse o nome ufano

Do belicoso Reino Lusitano.

Para se referir aos muçulmanos, mais uma vez o poeta faz com que Vasco cite a origem
bastarda desse povo, relembrando que segundo a tradição os árabes surgiram a partir
dos filhos de Ismael, filho do patriarca Abraão com a escrava Agar, já que sua esposa,
Sara, ainda era infértil (lembrando que essa história retomamos na nossa terceira aula,
quando analisamos o termo “do torpe ismaelita cavaleiro”, que Camões cita no canto
I,8.

Ganhando muitas terras para seu futuro sogro, Henrique recebeu as terras do Condado
Portucalense, estabelecido desde o século IX, e que hoje corresponde, grosso modo, ao
território central e setentrional de Portugal.

Sem tardança veio ao mundo Afonso Henriques, filho de Henrique de Borgonha e


Teresa de Leão, que futuramente iria dar fama ao reino lusitano.

27

"Já tinha vindo Anrique da conquista

Da cidade Hierosólima sagrada,

E do Jordão a areia tinha vista,

Que viu de Deus a carne em si lavada;

Que não tendo Gotfredo a quem resista,

Depois de ter Judeia sojugada,

Muitos, que nestas guerras o ajudaram,

Para seus senhorios se tornaram;


Essa estância conta um pouco da história de Henrique de Borgonha, que lutara em
Jerusalém (cidade Hierosólima sagrada) durante a 1ª Cruzada, e que por isso viu as
águas do Jordão. Durante essa cruzada, que teve como um dos seus líderes Godofredo
de Bouillon, Henrique auxiliou a retomada da cidade sagrada do cristianismo, já tendo
subjugado os muçulmanos no Oriente Médio.

28

"Quando chegado ao fim de sua idade,

O forte e famoso Úngaro estremado,

Forçado da fatal necessidade,

O espírito deu a quem lhe tinha dado,

Ficava o filho em tenra mocidade,

Em quem o pai deixava seu traslado,

Que do mundo os mais fortes igualava;

Que de tal pai tal filho se esperava.

Ao morrer, Henrique deixa como seu sucessor o filho, mas este ainda era apenas uma
criança de três anos de idade. Deixa, portanto, como sucessor uma criança,
que,segundo Vasco da Gama, se mostrará tão grande homem quanto o seu pai.

29

"Mas o velho rumor, não sei se errado,

Que em tanta antiguidade não há certeza,

Conta que a mãe, tomando todo o estado,

Do segundo himeneu não se despreza.

O filho órfão deixava deserdado,

Dizendo que nas terras a grandeza

Do senhorio todo só sua era,

Porque, para casar, seu pai lhes dera.

Porém conta-se, não se sabe se com certeza porque há muito se passou o que é relatado,
que a esposa de Henrique, D. Teresa, advoga para si o poder de sucessora natural do
marido, pois o título de Conde havia sido dado a Henrique pelo seu sogro e antes
mesmo de Henrique tomar posse do título, ela já tinha esse poder, que fora outorgado
ao marido enquanto vivo. Tendo casado novamente, D. Teresa não aceita o título
provisório de condessa enquanto o filho não chega à idade adulta.

30
"Mas o Príncipe Afonso, que desta arte

Se chamava, do avô tomando o nome,

Afonso Henriques recebeu o primeiro nome por causa do avô, Afonso VI, rei de Leão.

Vendo-se em suas terras não ter parte,

Que a mãe, com seu marido, as manda e come,

Fervendo-lhe no peito o duro Marte,

Imagina consigo como as tome.

Ao ver que pelos argumentos da mãe não tem parte na herança e que essa, junto ao
segundo marido (Fernão Peres de Trava), gozam das benesses como conde e condessa
de Portugal.

Revolvidas as causas no conceito,

Ao propósito firme segue o efeito.

Ao considerar os direitos e as partes, Afonso, agora já na maioridade urde um plano


para retomar o que lhe era de herança e direito por parte do pai.

31

"De Guimarães o campo se tingia

Co'o sangue próprio da intestina guerra,

Onde a mãe, que tão pouco o parecia,

A seu filho negava o amor e a terra.

Com ele posta em campo já se via;

E não vê a soberba o muito que erra

Contra Deus, contra o maternal amor;

Mas nela o sensual era maior.

Inicia-se aqui uma descrição belíssima e pormenorizada da Batalha de São Mamede


(24/6/1128), um os momentos mais dramáticos do futuro reino de Portugal. Aos
arredores da cidade de Guimarães, onde se sucedeu a batalha, vemos os tons bélicos
que o poeta dá à guerra civil pelo controle do condado. Com sua população dividida e
lutando entre si, irmãos nascidos no mesmo solo batalham em frentes opostas, tingindo
de sangue a terra portuguesa. Nessa narrativa notamos a censura da personagem de
Vasco da Gama a D. Teresa, que contra os naturais instintos maternos luta contra o
filho porque nela se faz valer mais a luxúria ao ficar ao lado de Fernão Peres de Trava.

32

"Ó Progne crua! ó mágica Medeia!


Se em vossos próprios filhos vos vingais

Da maldade dos pais, da culpa alheia,

Olhai que inda Teresa peca mais:

Incontinência má, cobiça feia,

Aqui o narrador cita dois grandes exemplos da literatura clássica de mães perversas.

A primeira é Progne, que tem sua história contada por Ovídio no Livro VI das
Metamorfoses. Progne (ou Procne) era filha do rei de Atenas e esposa de Tereu. Com
saudades da irmã, Filomela, Progne pede ao marido que a busque em Atenas para que
possa reencontrar a irmã. Acatando ao pedido da esposa, Tereu vai até o rei de Atenas
pedir permissão para levar Filomela até a sua esposa. No meio do caminho, seduzido
pela beleza da jovem, Tereu violenta a cunhada, que promete denunciá-lo à irmã
quando encontrá-la. Para evitar que seu crime seja conhecido, Tereu corta a língua de
Filomela, a encarcera em uma fortaleza e mente à esposa que Filomela morreu no
caminho. Impossibilitada de falar, Filomela borda em um tecido suas acusações e faz
chegar a Progne, que liberta a irmã sem a sabedoria do marido. Urdindo um plano
maligno, Progne, com a ajuda da irmã, mata seu filho com Tereu e prepara um
banquete para o marido com a carne do filho. Após ter ingerido os restos do filho,
Tereu, cego de cólera sai à caça das irmãs, e os três são metamorfoseados pelos deuses
em três pássaros: Tereu se torna uma poupa,Progne uma andorinha e Filomela um
rouxinol.

Medeia, esposa de Jasão, é uma grande personificação dos sentimentos mútuos de


amor e ódio. Portadora de conhecimentos mágicos, a feiticeira Medeia fora contra os
interesses do seu pai, o rei Eetes, e auxiliara Jasão e os argonautas eu sua fuga com o
Velocino de ouro. Enquanto residiam em Corinto, o rei Creonte oferecera a mão de sua
filha Creúsa a Jasão, que aceita a oferta, desprezando a amante com quem já tinha
filhos. Rechaçada de Corinto, Medeia implora que antes da sua partida possa ver seus
filhos. Enviou então um belíssimo véu encantado para a noiva Creúsa, que ao vestir é
apossada de um fogo mágico, queimando esta e Creonte, que tenta extinguir as chamas
que consomem a filha. Não satisfeita, para completar sua vingança, apunhala os
próprios filhos.

Comparando Teresa a essas duas funestas figuras mitológicas, Vasco deia a entender
que Teresa é mais vil que ambas as filicidas porque nelas apenas urge o ímpeto da
vingança, enquanto que a condessa de Portucale é movida pela luxúria e pela cobiça.

São as causas deste erro principais:

Cila, por uma, mata o velho pai,

Esta, por ambas, contra o filho vai.


Mais uma comparação com a mitologia ilustra a falha de Teresa: Vasco afirma que por
um desses erros – neste caso a incontinência – Cila matou seu pai ao cortar-lhe os
cabelos, que lhes garantia uma invulnerabilidade, e auxiliando Minos, por quem estava
apaixonada.

Já Teresa é pior também que Cila, pois não apenas um, mas dois são os erros que a
incitam contra o filho.

33

"Mas já o Príncipe claro o vencimento

Do padrasto e da iníqua mãe levava;

Já lhe obedece a terra num momento,

Que primeiro contra ele pelejava.

Porém, vencido de ira o entendimento,

A mãe em ferros ásperos atava;

Mas de Deus foi vingada em tempo breve:

Tanta veneração aos pais se deve!

Vencendo a mãe e o padrasto, Afonso Henrique os prende, e a mãe passa a prestar-lhe


obediência. Estando sua mãe presa, Afonso em breve será castigado por Deus por
quebrar o mandamento de honrar os pais.

34

"Eis se ajunta o soberbo Castelhano,

Para vingar a injúria de Teresa,

Contra o tão raro em gente Lusitano,

A quem nenhum trabalho agrava ou pesa.

Vemos que após a morte de D. Teresa, Afonso VI, sucessor do reino de Leão e neto de
Afonso VI, avança contra os portugueses para vingar-se de Afonso Henriques.

Em batalha cruel o peito humano,

Ajudado da angélica defesa,

Não só contra tal fúria se sustenta,

Mas o inimigo aspérrimo afugenta.

35

"Não passa muito tempo, quando o forte

Príncipe em Guimarães está cercado


De infinito poder; que desta sorte

Foi refazer-se o inimigo magoado;

Com bravura e auxílio divino os portugueses resistem e expulsam o exército inimigo.


Passado pouco tempo os castelhanos se reorganizam e cerca a cidade de Guimarães.

Mas, com se oferecer à dura morte

O fiel Egas amo, foi livrado;

Que de outra arte pudera ser perdido,

Segundo estava mal apercebido.

Aparece então a figura de D. Egas Moniz, emblemático herói português.

36

"Mas o leal vassalo, conhecendo

Que seu senhor não tinha resistência,

Se vai ao Castelhano, prometendo

Que ele faria dar-lhe obediência.

Levanta o inimigo o cerco horrendo,

Fiado na promessa e consciência

De Egas Moniz; mas não consente o peito

Do moço ilustre a outrem ser sujeito.

Inicia-se aqui a história de Egas Moniz. Primeiramente, é importante ressaltar que a


versão camoniana da história de fidelidade de D. Egas é para dizer o mínimo, vista com
ceticismo pela historiografia. Acredita-se que a versão utilizada por Camões em Os
Lusíadas sobre a vida de Egas Moniz proveio daquela divulgada pelo trovador João
Soares Coelho, descendente de Egas Moniz e que muito provavelmente carregou nas
tintas a biografia do seu antepassado, dando tons heroicos, ligando Egas Moniz a
Afonso Henrique por um compromisso de lealdade que muito lembra as novelas de
cavalaria e os compromissos entre vassalos e suseranos.

No entanto, não há algum demérito em Camões utilizar-se dessa narrativa em grande


parte inventada em seu poema épico. O que vemos aqui não é um relato histórico
contado pela boca de Vasco da Gama, mas uma recriação artística e ficcional do
passado português. Como havíamos comentado na primeira aula desse módulo, o
produto buscado pelo poeta não é a história verdadeira, objetivo do historiador, mas a
criação de uma narrativa partindo dos princípios da verossimilhança. Essa qualidade
não há de se negar no trecho de Egas Moniz, assim como em todo Os Lusíadas.
Lembremos que aqui estamos observando os conflitos deflagrados ao longo do século
XII, no fim da Alta Idade Média. Neste longínquo mundo os votos de lealdade dos
vassalos para com seus suseranos ou dos nobres da corte para com seus reis não era
algo incomum, sendo esses laços relatados e datados por inúmeras fontes, além de ser
um aspecto quase que obrigatório nas canções de gesta do período. Por tudo isso, seria
no mínimo injusto com Camões qualquer crítica a heroicização de Egas Moniz em Os
Lusíadas, pois assim essa personagem a primeira de um ciclo de heróis portugueses
que surgem na narração da história de Portugal, culminando com o próprio narrador
da história lusitana ao rei de Melinde – Vasco da Gama, assim como Egas Moniz,
mantém, apesar da lonjura em que se encontra da pátria, sua lealdade incorruptível,
sua probidade inexorável e sua obediência estrita aos desejos e desígnios do rei de
Portugal.

Ao perceber que a resistência de Afonso Henriques é incapaz de suportar as investidas


castelhanas, Egas Moniz, passa para o lado castelhano prometendo obediência ao rei
Afonso VII. Satisfeito com a rendição de Egas, o rei suspende seu ataque aos
portugueses, as Afonso Henriques mantém a resistência por não aceitar a submissão ao
invasor.

37

"Chegado tinha o prazo prometido,

Em que o Rei Castelhano já aguardava

Que o Príncipe, a seu mando sometido,

Lhe desse a obediência que esperava.

Vendo Egas que ficava fementido,

O que dele Castela não cuidava,

Determina de dar a doce vida

A troco da palavra mal cumprida.

Após findar o prazo que o rei castelhano havia dado a Afonso Henriques para sua
rendição e obediência, Egas percebe a firmeza de propósito do português, acaba por
entregar-se aos castelhanos, mantendo sua palavra, mesmo que isso lhe custasse a vida.

38

"E com seus filhos e mulher se parte

A alevantar com eles a fiança,

Descalços e despidos, de tal arte,

Que mais move a piedade que a vingança.

Não apenas parte para a morte certa como também leva consigo a mulher e os filhos,
disposto a pagar com a vida de toda a família pela palavra dada. Tal nobreza de
propósito comove os castelhanos, que não conseguem se vingar de alguém de
juramento tão tenaz.
– "Se pretendes, Rei alto, de vingar-te

De minha temerária confiança,

Dizia, eis aqui venho oferecido

A te pagar, coa vida, o prometido.

39

"Vês aqui trago as vidas inocentes

Dos filhos sem pecado e da consorte;

Se a peitos generosos e excelentes,

Dos fracos satisfaz a fera morte.

Vês aqui as mãos e a língua delinquentes:

Nelas sós exprimenta toda a sorte

De tormentos, de mortes, pelo estilo

De Cínis e do touro de Perilo"! –

Nesse momento temos as palavras de Egas Moniz ao apresentar-se a Afonso VII,


colocando a vida de toda a família à vontade do rei, a ponto de submeter a se
submeterem qualquer meio de execução atroz, como aquelas praticadas por Sínis e
Perilo.

Sínis, filho de Posêidon, era um bandido de extrema força, que executava suas vítimas
atando-as a dois pinheiros que envergava para logo após soltar os ganhos,
desmembrando os desavisados que perambulavam pelas estradas próximas a Corinto.
Segundo a tradição, foi vencido por Teseu.

40

"Qual diante do algoz o condenado,

Que já na vida a morte tem bebido,

Põe no cepo a garganta, e já entregado

Espera pelo golpe tão temido:

Tal diante do Príncipe indinado,

Egas estava a tudo oferecido.

Mas o Rei, vendo a estranha lealdade,


Mais pôde, enfim, que a ira a piedade.

Segue a cena dramática, em uma descrição bastante plástica, Egas põe sobre um cepo o
pescoço, aguardando resignado o golpe. A cena obviamente remete ao sacrifício do
cordeiro, que se oferece calmamente para a hora derradeira. Essa cena, carregada de
um profundo sentido religioso também retoma o sacrifício de Isaac por seu pai, Abraão.
Assim como deus testa o Abraão em sua fé, o rei castelhano apiedou-se da extrema
lealdade de Egas Moniz.

41

" Ó grão fidelidade Portuguesa,

De vassalo, que a tanto se obrigava!

Que mais o Persa fez naquela empresa,

Onde rosto e narizes se cortava?

Do que ao grande Dario tanto pesa,

Que mil vezes dizendo suspirava,

Que mais o seu Zopiro são prezara,

Que vinte Babilónias que tomara.

Na sua exaltação a esse símbolo de fidelidade para com o seu senhor, o narrador de
Camões retoma os feitos de Zopiro, vassalo do rei persa Dario, que mutilando o rosto
como meio de pedir abrigo na Babilônia e assim auxiliar os persas a entrarem na
cidade.

42

Mas já o Príncipe Afonso aparelhava

O Lusitano exército ditoso,

Contra o Mouro que as terras habitava

D'além do claro Tejo deleitoso;

Já no campo de Ourique se assentava

O arraial soberbo e belicoso,

Defronte do inimigo Sarraceno,

Posto que em força e gente tão pequeno.

Após a resistência ao invasor castelhano, Afonso Henriques volta suas atenções para o
sul do condado de Portucale, onde corre o Tejo. Nesse momento ocorre a gloriosa
participação portuguesa no difícil processo da Reconquista. Nos campos onde se
desenvolveu o que ficou conhecido como Batalha de Ourique, onde portugueses e
sarracenos se enfrentaram em busca da hegemonia da região do Alentejo.
43

"Em nenhuma outra cousa confiado,

Senão no sumo Deus, que o Céu regia,

Que tão pouco era o povo batizado,

Que para um só cem Mouros haveria.

Julga qualquer juízo sossegado

Por mais temeridade que ousadia,

Cometer um tamanho ajuntamento,

Que para um cavaleiro houvesse cento.

Demonstrando a diferença numérica entre lusitanos (povo batizado, pois cristão) e


sarracenos (mouros), Vasco da Gama afirma que apenas a confiança em Deus era
indicativo de uma vitória, pois numericamente os sarracenos tinham cem guerreiros
para cada guerreiro português.

44

"Cinco Reis Mouros são os inimigos,

Dos quais o principal Ismar se chama;

Todos exprimentados nos perigos

Da guerra, onde se alcança a ilustre fama.

Os sarracenos mantêm seus exércitos bem guarnecidos, encabeçados por cinco reis
mouros. A afirmação de serem esses reis experientes (experimentados) e que na guerra
se alcança a fama resume aqui o ideal heroico: a vida vale menos, em certos aspectos,
que a glória do bravo combatente. Camões era bem sabedor disso e defensor ferrenho
desse ideal clássico, dessa virtude tão presente nos cantos épicos do mundo antigo.

Seguem guerreiras damas seus amigos,

Imitando a formosa e forte Dama,

De quem tanto os Troianos se ajudaram,

E as que o Termodonte já gostaram.

Além da imensa superioridade numérica, temos a descrição da participação das


mulheres nas batalhas, que faz o narrador relembrar a participação das amazonas,
lideradas pela dama Pentesileia, no auxílio aos troianos durante a guerra contra os
gregos.

45

"A matutina luz serena e fria,


As estrelas do Pólo já apartava,

Quando na Cruz o Filho de Maria,

Amostrando-se a Afonso, o animava.

Ele, adorando quem lhe aparecia,

Na Fé todo inflamado assim gritava:

Às vésperas do combate, enquanto as estrelas sumiam no céu, Cristo aparece a Afonso


Henriques, animando-o a lutar contra os mouros e como sinal de vitória lusitana.

- "Aos infiéis, Senhor, aos infiéis,

E não a mim, que creio o que podeis!"

Inflamado pela visão, Afonso Henriques apela para que Cristo se mostre presente aos
infiéis, já queele não seria necessário, pois tinha fé Nele.

46

"Com tal milagre os ânimos da gente

Portuguesa inflamados, levantavam

Por seu Rei natural este excelente

Príncipe, que do peito tanto amavam;

E diante do exército potente

Dos imigos, gritando o céu tocavam,

Dizendo em alta voz: - "Real, real,

Por Afonso alto Rei de Portugal."

Essa visão miraculosa de Afonso inflama os ânimos e dá aval para que uma grande
nação cristã surja naquele solo. Extasiados os guerreiros ovacionam Afonso Henriques
e o aclamam rei de Portugal.

47

"Qual co'os gritos e vozes incitado,

Pela montanha o rábidoMoloso,

Contra o touro remete, que fiado

Na força está do corno temeroso:

Ora pega na orelha, ora no lado,

Latindo mais ligeiro que forçoso,


Até que enfim, rompendo-lhe a garganta,

Do bravo a força horrenda se quebranta:

48

"Tal do Rei novo o estâmago acendido

Por Deus e pelo povo juntamente,

O Bárbaro comete apercebido,

Co'o animoso exército rompente.

Levantam nisto os perros o alarido

Dos gritos, tocam a arma, ferve a gente,

As lanças e arcos tomam, tubas soam,

Instrumentos de guerra tudo atroam.

Utilizando da comparação de um cão que por sua agilidade subjuga o forte touro, o rei
português ataca os mouros, que revidam com alaridos e fazendo soar os instrumentos
musicais que chamam os guerreiros para o combate.

49

"Bem como quando a flama, que ateada

Foi nos áridos campos (assoprando

O sibilante Bóreas) animada

Co'o vento, o seco mato vai queimando;

A pastoral companha, que deitada

Co'o doce sono estava, despertando

Ao estridor do fogo que se ateia,

Recolhe o fato, e foge para a aldeia:

50

"Desta arte o Mouro atónito e torvado,

Toma sem tento as armas mui depressa;

Não foge; mas espera confiado,

E o ginete belígero arremessa.

O Português o encontra denodado,

Pelos peitos as lanças lhe atravessa:


Uns caem meios mortos, e outros vão

A ajuda convocando do Alcorão.

A partir de agora Vasco se utiliza de inúmeras imagens para descrever ações bélicas.
Nessa estância compara os árabes desbaratinados a pastores que vendo o fogo se
alastrar pelo mato com o auxílio do vento (Bóreas), busca as armas e partem para o
ataque montados em seus cavalos. Os portugueses, com habilidade, atravessam com
lanças os peitos desses cavaleiros mouros, que jazem no solo invocando seu livro
sagrado, o Alcorão.

51

"Ali se vêem encontros temerosos,

Para se desfazer uma alta serra,

E os animais correndo furiosos

Que Neptuno amostrou ferindo a terra.

Já desprovidos de seus cavaleiros, os cavalos sarracenos correm sem sentido. Nesse


momento o poeta retoma a origem dos cavalos, que segundo a mitologia nasceram de
uma poderosa pancada que Netuno deu com seu tridente na terra.

Golpes se dão medonhos e forçosos;

Por toda a parte andava acesa a guerra:

Mas o de Luso arnês, couraça e malha

Rompe, corta, desfaz, abola e talha.

Os portugueses mantém a vantagem, rompendo com suas espadas as couraças e


vestimentas dos sarracenos.

52

"Cabeças pelo campo vão saltando

Braços, pernas, sem dono e sem sentido;

E doutros as entranhas palpitando,

Pálida a cor, o gesto amortecido.

Já perde o campo o exército nefando;

Correm rios de sangue desparzido,

Com que também do campo a cor se perde,

Tornado carmesi de branco e verde.


Nessa estância a viva descrição dos horrores da guerra ganha realismo: os membros
amputados, a pele sem cor dos cadáveres, o sangue que verte dos corpos e tinge a terra
de vermelho.

53

"Já fica vencedor o Lusitano,

Recolhendo os troféus e presa rica;

Desbaratado e roto o Mauro Hispano,

Três dias o grão Rei no campo fica.

Aqui pinta no branco escudo ufano,

Que agora esta vitória certifica,

Cinco escudos azuis esclarecidos,

Em sinal destes cinco Reis vencidos,

54

"E nestes cinco escudos pinta os trinta

Dinheiros por que Deus fora vendido,

Escrevendo a memória em vária tinta,

Daquele de quem foi favorecido.

Em cada uni dos cinco, cinco pinta,

Porque assim fica o número cumprido,

Contando duas vezes o do meio,

Dos cinco azuis, que em cruz pintando veio.

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