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Diz Vasco ser essa a sua pátria, que ama e ao qual roga aos céus para que lá retorne sem
perigo, para lá terminar seus dias.
Nesse trecho devemos observar a figura de Luso ou Lisa, que, segundo a tradição, deu o
nome à região da Lusitânia, colonizada pelos romanos a partir do século II . C. A
primeira citação que temos da origem do nome Lusitânia é no mundo antigo, com o
historiador Plínio, o Velho, ao afirmar na sua História Natural que Luso e Lisa deram o
nome à Lusitânia. A origem incerta do nome desse companheiro ou filho de Baco
aparece também na fala de Vasco, que deixa como incerto o grau de parentesco desse
pastor com o deus do vinho, e sua descrição mais detalhada se dará mais adiante, no
canto VIII, 2. Desse personagem obscuro surge, então, o nome da região: Lusitânia, e
os lusíadas, seus habitantes.
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Ao citar o velho que os filhos próprios come, Vasco da Gama relaciona o fato da
República Romana lutar contra uma de suas próprias colônias com Saturno, o deus do
tempo, que devorou os próprios filhos, mas foi destruído pelo último, Júpiter. Do
mesmo modo que o jovem deus consegue destronar seu pai, poderoso e antigo, os
lusitanos liderados por Viriato conseguiram combater os romanos, seus
conquistadores.
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Aqui Vasco começa a falar sobre Afonso VI, rei de Leão, na Espanha, e um dos
principais nomes do processo da Reconquista, quando os reinos ibéricos pelejaram pelo
controle da região contra os sarracenos, que ocuparam a península por mais de
quatrocentos anos.
Com fama muitos se ofereciam para lutar por Afonso VI, que conquistou fama similar a
de Hércules, sendo reconhecido do Calpe (Gibraltar) até a Cáspia serra, ou seja, o
Cáucaso, onde se finda a Europa.
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E com o amor desses nobres cavalheiros reforçados pela fé ao lutar contra o invasor
infiel, muitos deixavam suas pátrias e seus lares para auxiliar na reconquista.
Após Afonso VI conquistar inúmeras vitórias com o auxílio dos cavaleiros que
arriscaram suas vidas, quis o regente premiá-los com presentes à altura dos seus feitos.
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Para se referir aos muçulmanos, mais uma vez o poeta faz com que Vasco cite a origem
bastarda desse povo, relembrando que segundo a tradição os árabes surgiram a partir
dos filhos de Ismael, filho do patriarca Abraão com a escrava Agar, já que sua esposa,
Sara, ainda era infértil (lembrando que essa história retomamos na nossa terceira aula,
quando analisamos o termo “do torpe ismaelita cavaleiro”, que Camões cita no canto
I,8.
Ganhando muitas terras para seu futuro sogro, Henrique recebeu as terras do Condado
Portucalense, estabelecido desde o século IX, e que hoje corresponde, grosso modo, ao
território central e setentrional de Portugal.
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Ao morrer, Henrique deixa como seu sucessor o filho, mas este ainda era apenas uma
criança de três anos de idade. Deixa, portanto, como sucessor uma criança,
que,segundo Vasco da Gama, se mostrará tão grande homem quanto o seu pai.
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Porém conta-se, não se sabe se com certeza porque há muito se passou o que é relatado,
que a esposa de Henrique, D. Teresa, advoga para si o poder de sucessora natural do
marido, pois o título de Conde havia sido dado a Henrique pelo seu sogro e antes
mesmo de Henrique tomar posse do título, ela já tinha esse poder, que fora outorgado
ao marido enquanto vivo. Tendo casado novamente, D. Teresa não aceita o título
provisório de condessa enquanto o filho não chega à idade adulta.
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"Mas o Príncipe Afonso, que desta arte
Afonso Henriques recebeu o primeiro nome por causa do avô, Afonso VI, rei de Leão.
Ao ver que pelos argumentos da mãe não tem parte na herança e que essa, junto ao
segundo marido (Fernão Peres de Trava), gozam das benesses como conde e condessa
de Portugal.
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Aqui o narrador cita dois grandes exemplos da literatura clássica de mães perversas.
A primeira é Progne, que tem sua história contada por Ovídio no Livro VI das
Metamorfoses. Progne (ou Procne) era filha do rei de Atenas e esposa de Tereu. Com
saudades da irmã, Filomela, Progne pede ao marido que a busque em Atenas para que
possa reencontrar a irmã. Acatando ao pedido da esposa, Tereu vai até o rei de Atenas
pedir permissão para levar Filomela até a sua esposa. No meio do caminho, seduzido
pela beleza da jovem, Tereu violenta a cunhada, que promete denunciá-lo à irmã
quando encontrá-la. Para evitar que seu crime seja conhecido, Tereu corta a língua de
Filomela, a encarcera em uma fortaleza e mente à esposa que Filomela morreu no
caminho. Impossibilitada de falar, Filomela borda em um tecido suas acusações e faz
chegar a Progne, que liberta a irmã sem a sabedoria do marido. Urdindo um plano
maligno, Progne, com a ajuda da irmã, mata seu filho com Tereu e prepara um
banquete para o marido com a carne do filho. Após ter ingerido os restos do filho,
Tereu, cego de cólera sai à caça das irmãs, e os três são metamorfoseados pelos deuses
em três pássaros: Tereu se torna uma poupa,Progne uma andorinha e Filomela um
rouxinol.
Comparando Teresa a essas duas funestas figuras mitológicas, Vasco deia a entender
que Teresa é mais vil que ambas as filicidas porque nelas apenas urge o ímpeto da
vingança, enquanto que a condessa de Portucale é movida pela luxúria e pela cobiça.
Já Teresa é pior também que Cila, pois não apenas um, mas dois são os erros que a
incitam contra o filho.
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Vemos que após a morte de D. Teresa, Afonso VI, sucessor do reino de Leão e neto de
Afonso VI, avança contra os portugueses para vingar-se de Afonso Henriques.
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Após findar o prazo que o rei castelhano havia dado a Afonso Henriques para sua
rendição e obediência, Egas percebe a firmeza de propósito do português, acaba por
entregar-se aos castelhanos, mantendo sua palavra, mesmo que isso lhe custasse a vida.
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Não apenas parte para a morte certa como também leva consigo a mulher e os filhos,
disposto a pagar com a vida de toda a família pela palavra dada. Tal nobreza de
propósito comove os castelhanos, que não conseguem se vingar de alguém de
juramento tão tenaz.
– "Se pretendes, Rei alto, de vingar-te
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Sínis, filho de Posêidon, era um bandido de extrema força, que executava suas vítimas
atando-as a dois pinheiros que envergava para logo após soltar os ganhos,
desmembrando os desavisados que perambulavam pelas estradas próximas a Corinto.
Segundo a tradição, foi vencido por Teseu.
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Segue a cena dramática, em uma descrição bastante plástica, Egas põe sobre um cepo o
pescoço, aguardando resignado o golpe. A cena obviamente remete ao sacrifício do
cordeiro, que se oferece calmamente para a hora derradeira. Essa cena, carregada de
um profundo sentido religioso também retoma o sacrifício de Isaac por seu pai, Abraão.
Assim como deus testa o Abraão em sua fé, o rei castelhano apiedou-se da extrema
lealdade de Egas Moniz.
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Na sua exaltação a esse símbolo de fidelidade para com o seu senhor, o narrador de
Camões retoma os feitos de Zopiro, vassalo do rei persa Dario, que mutilando o rosto
como meio de pedir abrigo na Babilônia e assim auxiliar os persas a entrarem na
cidade.
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Após a resistência ao invasor castelhano, Afonso Henriques volta suas atenções para o
sul do condado de Portucale, onde corre o Tejo. Nesse momento ocorre a gloriosa
participação portuguesa no difícil processo da Reconquista. Nos campos onde se
desenvolveu o que ficou conhecido como Batalha de Ourique, onde portugueses e
sarracenos se enfrentaram em busca da hegemonia da região do Alentejo.
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Os sarracenos mantêm seus exércitos bem guarnecidos, encabeçados por cinco reis
mouros. A afirmação de serem esses reis experientes (experimentados) e que na guerra
se alcança a fama resume aqui o ideal heroico: a vida vale menos, em certos aspectos,
que a glória do bravo combatente. Camões era bem sabedor disso e defensor ferrenho
desse ideal clássico, dessa virtude tão presente nos cantos épicos do mundo antigo.
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Inflamado pela visão, Afonso Henriques apela para que Cristo se mostre presente aos
infiéis, já queele não seria necessário, pois tinha fé Nele.
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Essa visão miraculosa de Afonso inflama os ânimos e dá aval para que uma grande
nação cristã surja naquele solo. Extasiados os guerreiros ovacionam Afonso Henriques
e o aclamam rei de Portugal.
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Utilizando da comparação de um cão que por sua agilidade subjuga o forte touro, o rei
português ataca os mouros, que revidam com alaridos e fazendo soar os instrumentos
musicais que chamam os guerreiros para o combate.
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A partir de agora Vasco se utiliza de inúmeras imagens para descrever ações bélicas.
Nessa estância compara os árabes desbaratinados a pastores que vendo o fogo se
alastrar pelo mato com o auxílio do vento (Bóreas), busca as armas e partem para o
ataque montados em seus cavalos. Os portugueses, com habilidade, atravessam com
lanças os peitos desses cavaleiros mouros, que jazem no solo invocando seu livro
sagrado, o Alcorão.
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