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VERTIGEM E (DES)ENCONTROS1

Felipe Raphael Lopes Ivanicska

1. Objetivos e justificativas

O presente artigo tem a intenção de analisar o longa-metragem A Via Láctea, da diretora


Lina Chamie, a partir de uma discussão e de um trabalho desenvolvido com a professora Fernanda
Salvo durante o segundo semestre acadêmico de 2010, na FAFICH-UFMG, sobre as subjetividades
contemporâneas e como elas se apresentam no cinema, principalmente o brasileiro contemporâneo.
Tal trabalho teve como ferramenta teórica principal os estudos culturais, o que guiou certa análise
que vê como há uma troca bilateral cultural, de discursos e representações, entre o âmbito
cinematográfico e aquele da sociedade em geral.

O roteiro desse artigo delinear-se-á da seguinte forma: começará com uma crítica
cinematográfica no estilo discursivo do jornalismo especializado em cinema. Isso significa que as
questões de mercado, entretenimento, produção, técnica e as entrevistas com a diretora serão as
mais recorrentes. A justificativa para tal é principalmente pela relativa baixa popularidade do filme,
portanto nessa introdução será possível ter um desenho da narrativa, assim como uma decupagem
dos elementos ali presentes, já interpretados em seus significados. O segundo motivo disso é que,
tendo já dissecado o filme o mais completamente possível, podemos partir para o próximo
momento, que é uma discussão mais ampla, além dessa obra em específico.

Essa segunda parte será o resgate de uma série de teorias e estudos que indicam qual a
posição do sujeito pós-moderno. Através de autores que se debruçaram sobre o tema, traçarei um
panorama do que é o “ser” nos tempos atuais. A partir disso, o filme será revisto sobre esses novos
olhos, e servirá de material artístico e documental para uma análise a partir das perspectivas abertas
por essas teorias. Tal processo pretende extrair o máximo de informação e deduções possíveis de A
Via Láctea, pois a obra pode ser considerada expressiva das questões de subjeição na pós-
modernidade e, através dela, poderemos atingir conclusões que ampliem nosso conhecimento sobre
isso e facilitem a nossa própria localização no mundo.

1
Trabalho apresentado na disciplina Cinema e Estudos Culturais, ministrada por Fernanda Salvo, no segundo
semestre acadêmico de 2010 na FAFICH-UFMG
1. A Via Láctea
1.1 A narrativa

O filme começa nos surpreendendo com uma música infantil e explosiva, tema dos desenhos
animados Looney Tunes, e o personagem principal, Heitor (Marco Ricca) em um vai e vem por uma
rua, preocupado com algo. Essa sequência já introduz a tônica do filme, que é expressar
plasticamente os estados de espírito das personagens, quase que exclusivamente de Heitor. Nesse
caso, cortes sem continuidade exata dele indo e vindo pela rua demonstram a preocupação,
insegurança e confusão dele. A câmera indo em direção à ele e parando ao mesmo tempo que há um
som de carro freando também parece sugerir que ele será atropelado, apesar disso não ser mostrado,
e na próxima sequência ele está já em seu carro, preso no trânsito lento do horário de “rush” de São
Paulo, da Avenida Paulista, mais especificamente. A mudança de situação acontece também no
plano da trilha sonora, que passa para uma música clássica. A trilha sonora é extremamente
expressiva no filme, baseando-se principalmente em música erudita mas que pode ser quebrada por
Manu Chao, por exemplo, e também pelas de desenhos infantis. Lina Chamie estudou música
clássica e, em entrevista, afirmou que o ritmo para se fazer uma música e um filme são semelhantes.

A partir desse momento, a odisséia de Heitor pelo engarrafamento de São Paulo sempre
retornará, com ele sozinho no carro, em uma situação que é corriqueira nessa cidade, e sempre
pensando, o que sabemos pela narração em off. Cortes para outras sequências com saltos tempo-
espaciais indicam que o caminho dele pelo trânsito é um movimento contínuo, enquanto que os
outros momentos são lembranças, pensamentos ou projeções dele. Aqui cabe citar um dado de
produção, pois a diretora optou, até mesmo pelo relativo baixo orçamento disponível (pouco mais
de R$ 400 mil) por fazer grande parte do material bruto em mini-DV, que é uma mídia barata e que
necessita de uma câmera também simples, mas que gera imagens com menor qualidade que a
película cinematográfica, com muito “grão”, pouco contraste e pouca capacidade de captar luz, por
exemplo. Portanto, a opção dela foi de filmar essas cenas de Heitor no carro em mini-DV, o que
totalizou aproximadamente 80% do material original, e que serviu tanto à função econômica como
dotou essas imagens de outra textura e características. Com menor qualidade, as imagens ficaram
com uma aparência de algo conseguido por ferramentas comuns, não profissionais, e portanto, com
uma cara de algo cotidiano, sujo, simples, assim como a própria situação de se estar preso no
trânsito de São Paulo. As outras cenas se passam em diversas locações que destacam a cidade e na
casa das personagens, e foram filmadas com película 35mm e 16mm. Isso dá a elas a textura e
qualidade opostas, fazendo com que elas sugiram ainda mais o caráter de memória, de sonho e
pensamento que exercem na narrativa.

Depois de toda essa explicação técnica, podemos voltar à narrativa. Heitor está no
engarrafamento, e um corte para uma sequência em que ele e sua namorada Júlia (Alice Braga)
brigam indica que ele está no carro para ir encontrá-la. O motivo da discussão é trivial, mas resume
vários pontos do relacionamento dos dois: Heitor é um professor universitário e escritor, que passa
grande parte do tempo dando aulas e escrevendo, e além disso tem muitos ciúmes de Júlia. Ele
reclama por não ter sido convidado para sair, mesmo não tendo tempo nem vontade para tanto,
então ela diz que talvez eles precisem terminar, dar um tempo e que talvez não o ame mais, o que
para ele é um sinal de que ela está interessada em outro, mesmo ela negando isto. Muito importante
destacar que logo antes desse flashback, Heitor vê um outdoor com as primeiras palavras da Divina
Comédia, de Dante: “No meio do caminho desta vida me vi perdido, numa selva escura sem sol e
sem saída” (ALIGHIERI, 2002, p. ), e as palavras são substituidas pela imagem de Júlia dizendo
“Heitor, eu estou aqui”.

Em seguida, outro aspecto do casal é revelado: Júlia é veterinária, e para ela “a vida é um
dom fácil”, segundo Heitor. Este, por sua vez, está sempre lendo, escrevendo ou citando,
mergulhado em palavras e poesias, portanto, principalmente sobre amor. A voz de Júlia, em off,
descreve Heitor e ela como animais, indo em direção à toca da fêmea após uma discussão, em um
recurso que será sempre retomado, contrastando com o ambiente urbano que os cerca
constantemente e reinterpretando-o como um novo tipo de habitat moderno, com um doce sarcasmo
que também é crítico.

A próxima sequência revela como eles se conheceram: após uma apresentação da peça As
Bacantes, do Teatro Oficina Uzyna Uzona, Heitor é convidado por um amigo para conhecer alguns
de seus ex-alunos do curso de teatro, dentre eles Júlia, que é apresentada como “a melhor
Desdêmona”, mas que trocou os palcos pela veterinária, pois cansou de ser “estrangulada
diaramente por homens ciumentos”, frase essa dita por Tiago, um colega dela que tem interesse
nela, o que já nesse momento incomoda Heitor.

A próxima sequência é godardiana, e mostra Júlia sorrindo, andando por São Paulo ao som
de _______________, com planos cortados de closes de capas de livros de poesia e também sobre
essa cidade, como Paulicéia Desvairada, de Mário de Andrade. A música cresce acompanhando a
dança solitária dela até que o filme nos mostra ela entrando em uma livraria. Ela então encontra
Heitor e ambos brincar de se esconder um do outro, assim como as ninfas perseguem seus amados
nos mitos.

Algumas sequências seguintes mantém essa situação, mostrando cenas onde ambos brincam
de se seduzirem, provocarem, sentirem um pouco de ciúmes, sempre com Heitor falando através de
citações e conceitos e Júlia, de certa forma pelo contrário, procurando aproveitar o momento e
descrevendo-os como animais urbanos. O filme capta a atenção nesses momentos pelo desencontro
romântico que vem justamente do fato deles se procurarem um ao outro e procurarem satisfazerem
a eles mesmos, e enquanto isso, reinterpretam e se apropriam de textos poéticos, o que de alguma
forma é expresso plasticamente no filme, seja através de simbolismos ou então dos cortes que vão
para memórias e pensamentos de Heitor.

Passamos a perceber, então, que o personagem principal lê também na cidade mensagens


para ele, ou então que em sua jornada para a casa e Júlia passe a vê-las. Os outdoors, o rádio, os
moradores de rua, toda essa cacofonia e mistura de seres parecem convergir, falar para ele.
Cinematográficamente, esse recurso pluri-linguistico e também o de basear o filme em pequenos
trechos amorosos interessantes, que contém uma micro-narrativa quase autônoma, é bastante
godardiano, mas além de dizer que é uma paráfrase, é importante dizer que é isso que sustenta a
atenção e o ritmo de A Via Láctea.

O próximo momento significativo mostra Heitor assistindo Às Bacantes, e de público passa


a ser parte da peça, pois é tradicional que esse grupo faça isso, ao arrastar alguém que está na
platéia para a visibilidade do palco. Na história do filme, isso significa o confronto entre o
participar, viver a experiência e o falar ou escrever sobre ela, que é o que Heitor mais faz,
assumindo uma perspectiva de intelectual ausente dos fatos. Ele é despido, com uma expressão de
desgosto, pelos atores em uma encenação de uma bacanal.

A essa altura, já percebemos como as ruas engarrafadas de São Paulo tornam-se semelhantes
à uma constelação, seja pela referência aos céus e às estrelas, seja pelos planos que mostram só os
faróis dos carros extendendo-se na noite paulistana que cai. Um plano de uma imagem, feita do
espaço, de uma nebulosa com cores impressionantes toma a tela sem nenhuma trilha sonora, com
um efeito tão impressionante quanto o espaço misterioso de 2001: Uma Odisséia no Espaço, de
Stanley Kubrick, uma referência importante de Chamie, segundo ela. Alguns segundo após a
entrada dessa imagem Heitor narra em off e termina dizendo que “se não houvesse via láctea,
fragmentos de escuridão viriam se espatifar sobre nós”. Júlia também narra em off sobre o espaço,
mas falando sobre a cadela Laika, o que também articula-se na sequência de Heitor no trânsito com
o momento no qual ele atropela um cachorro.

Aproximadamente nessa parte do filme Heitor já saiu do engarrafamento, mas a noite caiu
completamente e agora ele está em um bairro escuro, onde ele atropela um cachorro e aparecem
essas referências ao espaço. Uma ambulância que sempre aparece no filme em segundo plano agora
toma a narrativa, e acompanhando-a, sabemos que alguém que ali era atendido morreu. Esses
momentos são apresentados de forma entrecortadas e só terminam com um flashback da infância de
Heitor. Ele assiste Tom e Jerry e ouvimos as mesmas músicas infantis que apareciam antes ligadas à
ambulância. Sua mãe e ele brincam de gato e rato e antes de dormir ele pede que ela não o deixe na
hora de dormir. Vemos então esse personagem no hospital com sua mãe, que falece, mas logo em
seguida retornamos àquele momento inicial no qual ele está na rua perdido e volta a ser dia, e
descobrimos que ele realmente foi atropelado e que Júlia ainda chega a tempo de acompanhá-lo na
ambulância e vê-lo morrer.

Um último detalhe a ser analisado aproveitando-se da cronologia do filme é que os créditos


são claramente godardianos, com cores chamativas e letras grandes, o que reforça a sugestão de que
esse cineasta serviu de inspiração para Chamie.

1.2 Os deuses, os mitos e as estrelas.


No caso de A Via Láctea, as referências à mitos e ao espaço, muitas vezes conjuntas, são
importantes de serem destacadas pois são recorrentes e, em uma obra pluri-textual, é interessante
identificar certos elementos clássicos e descobrir como eles foram reinterpretados na obra.

Assim como Dante, Heitor também tem um percurso a seguir mas, ao contrário do poeta, o
professor universitário não tem um guia que o oriente, somente a própria cidade com seus infernos,
céus e purgatórios. O mito mais próximo, porém, que pode ser invocado para ilustrar essa história é
de Orfeu e Eurídice, coincidentemente narrada pelo guia de Dante, Virgílio. O herói grego foi um
dos integrantes da expedição de Jasão, e após retornar casou-se com a ninfa Eurídice, mas o
apicultor Aristeu tenta violar-la no dia de núpcias e ela acaba morrendo por uma picada de cobra ao
tentar fugir. Ele desce então ao Hades para resgatá-la e através de sua música e poesia consegue
comover os deuses, que aceitam retornar sua amada a ele com uma condição: ele deveria andar na
frente dela e não olhar para trás até sair do inferno. No fim da jornada, ele se vira em dúvida e vê
Eurídice atrás dele morrendo definitivamente.

A relação do mito com o filme analisado é primeiramente através dessa questão da confiança
e de um amor desesperado, assim como o próprio tema da viagem, tema clássico recorrente em
todas as obras narrativas da humanidade, o que não é diferente no cinema. A própria Chamie definiu
seu filme como uma “vertigem amorosa”. Aqui cabe ressaltar também que, assim como as histórias
sobre jornadas, o percurso de Heitor é mais interessante e expressivo que seu início ou fim, mesmo
porque o mote da história nesse caso é trivial, mas a forma como as personagens resolvem a
situação e a forma como o filme apresenta isso são o mais importante.

Orfeu também tem outro simbolismo em sua história que é o de fazer a ponte entre os
prazeres da carne, entre o mundo material e a imortalidade. Vários momentos de sua história
lendária possuem a mesma simbologia. Ele teria pregado uma doutrina que, inspirada em Dionísio,
objetivava a imortalidade. Durante a viagem com os argonautas, em certo momento eles tiveram
que atravessar um portal misterioso e obscuro, que permitiria porém seu avanço, o que significa o
abraço das forças opostas (no caso de dúvida e desejo) para se atingir um outro plano. Já o caso da
busca por Eurídice também representa o mesmo tipo de entrega. Mesmo na vertigem amorosa, na
perda dos sentidos e a promessa de uma entrega prazerosa mas talvez arriscada, Heitor não
consegue se soltar mas o que é interessante no filme é sua queda não intencional.

Outro ponto da mitologia e das narrativas clássicas recorrente nesta obra de Chamie é a
relação com a astrologia e astronomia, que mesmo à primeira experiência com o filme chama a
atenção ao menos no título intrigante. As estrelas, em Dante, representam um tipo de redenção, de
catarse, pois todos os três cantos (Inferno, Purgatório e Céu) terminam com a palavra “estrela”, em
um movimento ascendente em direção à elas, da mesma forma como Heitor busca a sua para sair de
seu pesadelo. Os mitos gregos também deram origem a vários nomes de constelações e estrelas, e a
citação deles quando articulada com a reiteração da imagem da via láctea no filme, faz com que
lembremos como os mitos são símbolos, de alguma forma eternos, da condição humana, e estão
sempre pairando sobre nós. Por fim, a citação dita pela mãe de Heitor fecha esse ciclo entre poético
e mítico, pois é um excerto de um livro apócrifo da Bíblia, chamado Livro de Enoch (‫ (חֲנֹוְך‬, o qual é
tanto profético quanto astrológico e até mesmo contendo digreções quase científicas sobre
astronomia, cosmologia, calendários e meteorologia, tudo com uma linguagem visionária e
delirante.

3. Identidades pós-modernas

O principal caminho a ser traçado para identificar as características da pós-modernidade e


como elas definem os novos sujeitos é o caminho da burocratização. Weber já identificava essa
tendência como definidora do modernismo, afirmando que as relações de trabalho iam em direção à
uma sistematização fria e impessoal, o que de certa forma também acabava por se desenvolver no
âmbito social em geral. Foucault desenvolve essa idéia chegando ao que seria o limite desse
controle sistematizado: o corpo, último reduto invencível da individualidade, o qual em última
instância não poderia ser totalmente controlado, mas as ferramentas sociais tendiam a impor
coerções que tentassem. Essa última fronteira, segundo ele, poderia ser desmantelada ainda em
discursos que formam o sujeito, que não seria mais único e singular, mas sim formado por uma
confluência de discursos que articulam poderes e forças da sociedade. Essa relação do macro com o
micro-social é melhor explicada por Stuart Hall em Identidade e Diferença2, onde completa essa
discussão afirmando que a identidade é construida mais no conflito, nas ausências e desencontros
do que em referências rígidas e construções pessoais.
Hall invoca Lacan e Freud para explicar como no nível psicanalítico a noção de identidade
pode ser entendida. Para Jacques Lacan, o espelho é a metáfora para a fase em que a criança, vendo-
se a si mesma e aos outros em um espelho, reconhece que ela é um mesmo da imagem porém
também um outro, ao mesmo tempo que as pessoas são também outros. Já Freud também fala desse
choque com a alteridade que forma a singularidade: o sujeito se forma quando rompe o laço
(prazeroso) com a mãe, por isso ele diz “em Luto e Melancolia [que a identificação] não é aquilo
que prende alguém a um objeto que existe, mas aquilo que prende alguém à escolha de um objeto
perdido” (HALL, 2000, p. 107). Desse segundo pensador podemos também extrair uma importante
diferenciação, que é entre “ser” e “ter” o outro, pois na fase de quase simbiose com a mãe não há
diferença entre eles e, portanto, o indivíduo deve aprender a fazer essa separação posteriormente.
Em A Via Láctea isso é muito importante pois Heitor desenvolve com relação à Júlia a mesma
relação que tinha com sua mãe de dependência.
Outras questões sócio-históricas também contribuem para a definição desse estado de coisas.
O capitalismo tardio funda-se fortemente na flexibilidade de capitais e, em certo nível, até de
pessoas, pois as fronteiras para o investimento diminuiram ao nível quase virtual, seja geográfica ou
simbolicamente. Um efeito importante disso é que a arte também acaba passando a ser trabalhada
com estruturas semelhantes à qualquer empreendimento comercial, como uma outra fronteira de
investimento. Ela acaba tendo, então, que diversificar seus produtos, atingir o maior público
possível para ter lucro, diluindo as fronteiras entre o que é comercial e artístico e, com isso, entre a
alta e a baixa cultura. O resultado mais visível disso no filme é como Heitor transita pela urbe
caótica, e seus símbolos e linguagens passam pelos desenhos animados, poesia, filosofia, música
clássica, bichos de plástico e pelos marginalizados que vivem de certa forma também absorvendo os
restos disso tudo.
Ainda com relação à essa nova configuração das artes, podemos citar Frederic Jameson3 e
sua teoria de que o modelo que as explica na pós-modernidade é o do pastiche e a esquizofrenia. Ao
contrário da paródia, que é uma reinterpretação, o pastiche não pretende reutilizar os conceitos, mas
sim fazer uma colagem. A esquizofrenia, por sua vez, significa que a capacidade de articular a
linguagem em uma experiência temporal fica debilitada. Segundo Lacan, as concepções temporais
que o ser humano tem são também construções linguísticas abstratas, pois de alguma forma o
sentido completo do que é o tempo é articulado em uma unidade, e isso não é “natural”, mas

2
HALL, Stuart. In: SILVA, TOMAZ TADEU DA (org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais.–
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000
3
JAMESON, Frederic. Pós-Modernismo. Editora Ática, São Paulo, 2007
construido. Nesse ponto podemos relembrar a fragmentação tanto do indivíduo quanto aquela
influenciada pelo modelo do capitalismo tardio: pela necessidade de flexibilidade e a perda da
historicidade, por tudo já ter sido inventado, a vida foi dividida em “presentes perpétuos”, na
expressão de Jameson, sem relação com um passado histórico clássico e sem até mesmo uma
consciência do que é esse presente que se vive. Isso, por outro lado, tem também o efeito de
ressaltar a experiência do presente, pois assim como a condição médica da esquizofrenia o sujeito
pós-moderno tem a todo instante uma miríade de possibilidades e oportunidades, devido às
facilidades da tecnologia e, consequentemente, que a sociedade lhe oferece. Talvez isso seja um dos
conflitos principais no filme, e podemos ver a representação disso no contraste entre Heitor, que se
apega ao mundo clássico, à tradição de certa forma, e por outro lado o Teatro Oficina Uzyna Uzona,
que privilegia o “happening”, o acontecimento naquele instante. Além do plano diegético, no plano
cinematográfico, da montagem, também podemos ver esse jogo com o presente, ao acompanharmos
cenas curtas com resolução em si e ao perdermos a referência de que se a sequência de Heitor no
carro é contínua ou se é entrecortada realmente pelos outros momentos, ou seja, qual desses
instantes é o mais importante.
Na maioria das críticas e análises, ou pelo menos nas mais tradicionais e populares, a
respeito desse presente perpétuo, vejo críticas à essa perda da historicidade, como se fora o
desprezo pelo passado e pela tradição. Minha conclusão sobre o assunto é de que pela primeira vez
a própria história tem noção de que a história é um construto, e isso abre uma série de
oportunidades muito arriscadas, porém produtivas e prazerosas. Jameson chega a citar que uma das
correntes que explica que o fim da individualide na verdade significa que ela nunca existiu, que
sempre foi um discurso que agora revela-se frágil. Creio que o caminho passa por aí, no sentido de
que a individualidade é sim construida, mas a consciência e relevância disso na pós-modernidade
permite que cada um seja desafiado a construir todos seus discursos, pois a ilusão não é de que a
individualidade nunca existiu, mas sim de que ela é necessariamente provida pela sociedade, e que
absorvemos ao nascer toda essa estrutura. Sempre fico em dúvida ao falar de pós-modernismo
porque creio que, apesar do tempo cronológico, nem todos que vivem entrelaçados no capitalismo
tardio estão também necessariamente no tempo do pós-modernismo. O que esse novo estado de
coisas permite, porém, é que os sujeitos construam sua própria historicidade, pois se esta no sentido
tradicional perdeu seu valor de grande narrativa, isso significa também que pode ser apropriada e
apreendida por todos de forma livre, ao mesmo tempo que a esquizofrenia do presente perpétuo
permite uma mobilidade sócio-cultural nunca vista antes, pelo mesmo motivo: se as correntes
clássicas de pensamento não mais estão mais fortemente presentes e presas na vida social, isso
significa também que é possível ter um distanciamento crítico para absorvê-las de forma mais
produtiva. A palavra “risco” é a mais adequada para se definir esse estado de coisas, pois significa
que a tentativa de se fazer algo pode ter efeitos positivos ou negativos, mas é justamente essa
possibilidade de se arriscar tanto que atinge níveis nunca antes vistos na sociedade. É a vertigem
que caracteriza o relacionamento de Heitor e Júlia, e é também aquela que caracteriza a realização
desse filme.

3. Paulicéia Desencontrada
3.1 “São Paulo é como o [Brasil] todo”

As questões de identidade e representação que servem de base para essa discussão só podem
ser entendidas em um contexto dessas mudanças no capitalismo, em todas as tecnologias,
ferramentas e implicações que isso tem na forma de vida pós-moderna. Portanto, o fato de A Via
Láctea se passar em São Paulo, uma das maiores metrópoles da america latina e do mundo, e de se
apoiar fortemente em situações verossímeis sobre personagens que passam por situações
relacionados à esse modo de vida, faz com que possamos relacioná-los à essas questões da
identidade e representação, levando a discussão tanto para o âmbito cinematográfico quanto da
sociedade de forma mais geral.
A forma como São Paulo é representada é de caráter vanguardista no cinema brasileiro, e
nos chama a atenção para outros elementos de A Via Láctea que se marcam na história dessa arte no
país. Para uma cultura, as construções artísticas tem uma função de retroalimentação das imagens
que se tem sobre um determinado objeto, pois elas estão constantemente em relação, formando
visões sobre eles e ao mesmo tempo sendo conformadas por visões já existentes. Sintomático disso
é o filme Bem Vindo a São Paulo, uma coletânea de pequenos documentários feitos por cineastas do
mundo todo, organizados por Leon Cakoff (que dirige dois deles) em 2004, no melhor estilo Paris,
Te Amo e Nova Iorque, Eu Te Amo. A diferença é que esses dois filmes falam de cidades com uma
história mais antiga, enquanto que a capital paulista tornou-se megalópole somente durante o século
XX, e ainda está construindo suas imagens na mídia moderna e, portanto, precisa de iniciativas
como essa. Outros filmes que podem ser aqui citados sobre isso é Macunaíma, de Joaquim Pedro de
Andrade, feito em 1969 e O Invasor, de Beto Brant, de 2001. O primeiro, porém, é uma construção
folclórica, quase mitológica, enquanto que o segundo inaugura uma visão da cidade no nível das
ruas, sem maniqueísmos, que vai dos bairros de alta classe à favela, com câmera na mão e
utilizando São Paulo com todas suas características, de conflitos sociais, caos e problemas urbanos.
Ao filmar uma história de amor que poderia vir realmente do cotidiano, Lina Chamie dá um outro
salto nessa tendência, pois além das questões sociais, de violência e de crimes, as histórias do dia a
dia também fazem parte da cultura dessa cidade e do país.
Há por outro lado a crítica do “sudesto-centrismo”, a tendência cultural de restringir as
visões da mídia sobre o eixo São Paulo – Rio de Janeiro, o que creio ser importante tomarmos
cuidado, mas ao mesmo tempo essas cidades de alguma forma são importantes para o imaginário
nacional, pois concentram várias questões e fluxos de todo o país e também é a partir dela que
outros elementos da cultura fluem para o resto do Brasil.

3.2 A Via Láctea na história do cinema brasileiro

Um breve panorama do cinema no Brasil é importante para termos consciência da


importancia do filme de Lina Chamie na história dele. Pedro Butcher divide4 a história do cinema
brasileiro nas seguintes fases:
 Época de Ouro (1896 – 1914): Pré-invasão dos filmes americanos, quando
predominavam os “criminais” o os “cantantes”.
 1920/30: Ciclos regionais de vida breve.
 1930-50: Tentativas de sucesso breve de se estabelecerem as primeiras companhias
cinematográficas.
 1960: Cinema Novo e o questionamento do que eram os filmes brasileiros em si e a
influência do cinema americano
 1969-89: A Embrafilme operou durante a ditadura militar, fornecendo maior estrutura
e apoio financeiro mas restringindo os temas e a linguagem. Apesar do sucesso,
acabou vencida pela difusão da TV.
A década de 90 é caracterizada por uma Retomada de criações nacionais, tanto pela abertura
aos investimentos de capitais privados e estrangeiros, quanto por leis de incentivos e o fim da
ditadura militar. Essa fase é caracterizada principalmente por sucessos inesperados, como Carlota
Joaquina – Princesa do Brazil (1995), Terra Estrangeira (1995), que não teve grande sucesso de
público mas lidou com temas que ficaram por muito tempo censurados, Central do Brasil (1998),
que foi tanto uma revolução em números quanto em linguagem e, para fechar de alguma forma o
ciclo5, Cidade de Deus (2002), que obteve grande sucesso até mesmo internacionalmente, ao
mesmo tempo que lidou com questões nacionais cruciais como a pobreza, a violência, o tráfico e o
descaso político.
Desse panorama podemos extrair que até a década de 90 a representação da identidade
nacional estava tolhida ou pela ditadura militar, ou por constrangimentos financeiros ou pela
concorrência com o cinema americano, muitas das vezes tudo isso ao mesmo tempo, e que somente

4
BUTCHER, Pedro. Cinema Brasileiro Hoje. São Paulo: Publifolha, 2005
5
Butcher prefere coroar esse processo com Carandiru, mas para mim ele é uma consequência em maior escala de
Cidade de Deus.
em meados do início do século XXI passou-se a ter uma cultura de algum tipo de cinema de caráter
nacional. Para Ismail Xavier6, essa questão da representabilidade é o principal desafio desse cinema
brasileiro.
A próxima etapa disso já vislumbra produções independentes, maior facilidade de acesso
técnico e um circuito de festivais nacionais ativo e que também lança produções do nosso país no
circuito de festivais internacionais. A Via Láctea é exemplo disso, pelas questões já citadas do baixo
orçamento, o uso inovador da mini-DV, a representação de São Paulo e de uma história de amor do
cotidiano. Podemos ainda relacionar historicamente esse filme através da carreira dos atores e da
diretora. Chamie estudou cinema na New York University (formando com Cum Laude), uma das
mais conceituadas do mundo, e ao retornar ao Brasil traz todo seu conhecimento técnico e
linguístico que enriquece nosso cinema, vide A Via Láctea. Marco Ricca faz também outros papéis
tipicamente paulistas, especialmente nos filmes de Beto Brant, enquanto que Alice Braga representa
essa nova fase de maior abertura do cinema brasileiro, pois ela passou a trabalhar no cinema
hollywoodiano e também atuou em Ensaio Sobre a Cegueira, uma co-produção Japão, Canadá e
Brasil, algo extremamente inovador nessa história, do diretor Fernando Meirelles, que é um diretor
sempre inovador e importante para essa nova fase.

4. Seguir em linha reta, em direção a tudo que amamos

A Via Láctea mostra-se um cinema importante na história dessa arte no Brasil, que lida com
questões pertinentes que vão desde as micro-relações amorosas, as artes em geral, a cidade de São
Paulo e a situação do sujeito pós-moderno. Além disso, ao retratar essas questões articuladas ao
contexto de sua cidade-cenário, provê um documento artístico que provoca questões e reflexões
nunca antes tratadas de forma tão direta, e ao mesmo tempo bela, sobre a identidade dos sujeitos no
Brasil.
A dificuldade de se falar sobre o presente talvez signifique, no pós-modernismo, que
justamente não há necessidade ou razão de se traçar uma grande narrativa. No âmbito
cinematográfico e cultural vislumbrado pela obra analisada, isso pode significar que ela aponta para
um novo cenário de produções independentes (se necessário) e criativas que saibam lidar melhor e
extrair o máximo da cultura de seu próprio país.

6
XAVIER, Ismail. O Cinema Brasileiro dos Anos 90. In: Praga – Estudos Marxistas. 2000
Bibliografia e sites

BUTCHER, Pedro. Cinema Brasileiro Hoje. São Paulo: Publifolha, 2005


HALL, Stuart. In: SILVA, TOMAZ TADEU DA (org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos
estudos culturais.– Petrópolis, RJ: Vozes, 2000

JAMESON, Frederic. Pós-Modernismo. Editora Ática, São Paulo, 2007

XAVIER, Ismail. O Cinema Brasileiro dos Anos 90. In: Praga – Estudos Marxistas. 2000
http://www.sinarj.com.br/conteudo.php?art=79&act=2&cat=14 (último acesso em 29/11)
http://www.educine.org.br/pagina.php?cod=55 (último acesso em 29/11)
http://cinestesiaensaios.blogspot.com/2008/10/havia-l-via-lctea.html (último acesso em 29/11)
http://www.freemasons-freemasonry.com/8carvalho.html (último acesso em 29/11)

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