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A vulnerabilidade social no contexto metropolitano:


o caso de Campinas
José Marcos Pinto da Cunha
Alberto A. E. Jakob
Daniel J. Hogan
Roberto L. Carmo

Introdução1

Uma das conseqüências inegáveis das mudanças pelas quais passou


o Brasil, nas últimas décadas, diz respeito à diversificação das formas de
movimentos populacionais e assentamentos humanos, bem como à consoli-
dação de um padrão de expansão urbana caracterizado pela segmentação e
diferenciação social, demográfica, econômica e ambiental.
Tal padrão distingue-se também pela baixa qualidade de vida urbana
e pelo espraiamento territorial, em que fenômenos como a conurbação,
desconcentração demográfica, periferização e o conseqüente adensamento
excessivo de áreas desprovidas de infra-estrutura urbana e de equipamentos
sociais são realidades cada vez mais presentes nas grandes aglomerações,
em especial nas metrópoles.
O município de Campinas, cidade com quase 1 milhão de habitantes,
apresenta estreita semelhança com o que se verifica em outras metrópoles

1
Este texto representa um primeiro esforço de análise dentro de um projeto mais amplo, preparado
pelo Nepo e pelo Nesur da Unicamp. Neste sentido, a presente análise já se beneficia das reflexões
realizadas para a elaboração do referido projeto (Dinâmica Intrametropolitana e Vulnerabilidade
Sociodemográfica nas Metrópoles do Interior Paulista: Campinas e Santos), que foi apresentado
para a Fapesp.
do país, definindo-se por taxas expressivas de crescimento populacional e
pela periferização do crescimento físico-territorial.2 A formação da periferia
imediata de Campinas, que se iniciou na década de 1970, articula-se aos ex-
pressivos fluxos migratórios oriundos da sede metropolitana, cujo processo
de expansão vê-se reproduzido além de seus limites geográficos. Na verdade,
em um contexto metropolitano, os limites político-administrativos, embora às
vezes importantes para explicar certos processos, na maior parte das vezes
acabam sendo puras abstrações ou arbítrios para aqueles que pretendem
conhecer os caminhos da população dentro deste espaço maior que é a região
metropolitana.
A expansão físico-territorial, desdobrada a partir de Campinas, assenta-
se na dinâmica da expansão horizontal, que produz espaços descontínuos, com
ocupação rarefeita, principalmente nas direções sudoeste e sul, absorvendo
progressivamente porções dos municípios vizinhos. Este tipo de expansão
urbana é, em grande medida, engendrada pelas características do parcela-
mento do solo para fins urbanos e também resulta do impacto das políticas
públicas setoriais, como a de transporte, bem como do caráter da legislação
urbanística de cada um dos municípios metropolitanos que acabam tendo
implicações na ocupação diferencial dos subespaços que, em grande medida,
baseia-se nas discrepâncias do preço do solo. Esse processo tem um paralelo
em várias das cidades menores da região metropolitana, onde o sistema
rodoviário e o dinamismo econômico-regional são vantagens comparativas
que propulsionam o crescimento. A ocupação territorial resultante, então, é
a soma da expansão horizontal do município-sede com a das outras cidades,
formando o tecido urbano irregular mencionado acima.
Não obstante o caráter metropolitano destes fenômenos, percebe-se
que todos estes elementos reproduzem-se ou são reflexos do que ocorre no
âmbito intramunicipal. No caso do município de Campinas, suas áreas ou ve-
tores de expansão, em geral, coincidem, em termos de direção, com os prin-
cipais movimentos de desconcentração demográfica para outros municípios,
o mesmo ocorrendo com a sua diferenciação socioespacial, fato que torna
seu estudo um elemento fundamental para melhor delinear-se a problemática
metropolitana.
Parte desta problemática já foi discutida em estudos anteriores, como
os de Cunha e Oliveira (2001) e Hogan et al. (2001). Pretende-se, neste tra-
balho, discutir e apresentar uma nova forma de analisar a heterogeneidade
espacial apresentada pelas famílias e domicílios do município. Assim sendo,
a partir do uso do conceito de vulnerabilidade social, procurar-se-á avançar

2
A Região Metropolitana de Campinas, composta por 19 municípios com cerca de 2,4 milhões de
habitantes, foi criada pela Lei Complementar n° 870, de 19/6/2000.

144 A VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO METROPOLITANO


no entendimento dos condicionantes – além da pobreza – da diferenciação
das pessoas ou famílias em termos da “incapacidade de resposta frente à
contingência [...] e uma inabilidade para adaptar-se ao novo cenário gerado
pela materialização do risco” (CEPAL, 2002, p.1), ou riscos a que estão coti-
dianamente expostas.
Reconhece-se que o conceito de vulnerabilidade social carece de muito
mais discussão e validação empírica, além de confronto com outros conceitos
– como segregação socioespacial, urban sprawl,3 pobreza e exclusão social
– utilizados na literatura desde os anos 70, por especialistas de várias áreas
nos estudos sobre as condições de vida e alternativas de sobrevivência da
população nas grandes cidades brasileiras.
Este trabalho parte, em primeiro lugar, de uma tentativa de sistemati-
zar a literatura e algumas conclusões a respeito do sentido e da importância
do conceito de vulnerabilidade para os estudos urbanos, para, em seguida,
buscar sua aplicação empírica a partir do uso de dados secundários, no caso
o Censo demográfico de 2000. Como resultado, apresenta-se uma divisão da
cidade em “zonas de vulnerabilidade”, cuja importância reside na possibilidade
de identificar, no âmbito intra-urbano, carências ou vantagens diferenciadas
que, mais além das disponibilidades materiais, possam dar maior poder de
resposta ao conjunto de dificuldades que a cidade desigual impõe a seus ha-
bitantes. Mesmo tendo consciência de se tratar de uma primeira aproximação,
sobretudo em virtude das deficiências dos dados utilizados, acredita-se que,
neste tipo de recorte da realidade, este caminho diferencia-se dos enfoques
tradicionais.

O conceito de vulnerabilidade social como forma de apreender a


heterogeneidade socioespacial da metrópole

Do ponto de vista teórico-conceitual, as pesquisas mais recentes so-


bre o urbano têm privilegiado a análise das transformações na configuração
socioespacial das cidades. A desigualdade social nelas encontrada, bastante
acirrada nas duas últimas décadas, tem como expressão o que usou chamar
“segregação espacial da população de baixa renda”. O entendimento deste
fenômeno de segregação espacial como fator de exclusão situa-se no âmbito
das análises marxistas sobre os fenômenos urbanos, em contraposição às
análises ecológicas, e envolve, entre outros aspectos, a formação do preço
do solo urbano e a conseqüente geração de renda fundiária urbana (CAIADO,
2001).

3
O padrão horizontal de crescimento urbano, com a expansão desordenada da mancha urbana,
recebe, em inglês, a denominação urban sprawl. Ver Chen, 2000; Fulton et al., 2001; The Southern
California Studies Center, 2001.

JOSÉ MARCOS PINTO DA CUNHA ET AL. 145


No caso do Brasil, já nos anos 1970, estudos ligados à sociologia urbana
acolhiam a idéia da existência de um processo de “periferização”, que, embora
coincidindo com o significado geográfico do termo (área distante do centro),
colocam como central o conceito de renda diferencial da terra para definir as
áreas periféricas, em contraposição às áreas centrais, fazendo surgir a idéia
da dicotomia centro/periferia (BONDUKI; ROLNIK, 1979; MARICATO, 1977;
DUARTE, 1981).
Contudo, no debate nacional, há autores como Ribeiro e Lago (1994),
Bógus (1992), Rolnik et al. (1990), entre outros, que alertam para a crescente
dificuldade de considerar a distinção centro/periferia ou, pensado em outros
termos, de considerar a prevalência de uma situação “dual” nas aglomera-
ções urbanas brasileiras, já que nelas ocorre heterogeneidade da ocupação,
verificando-se a presença, no mesmo espaço, de ricos e pobres, incluídos e
excluídos.
De qualquer forma, o fato é que a segmentação socioespacial é bastante
visível na maioria das aglomerações urbanas brasileiras. Além disso, sabe-se
que a “periferia”, desprovida de serviços, amenidades e até mesmo de espa-
ços adequados de sociabilidade, ainda continua sendo “reservada” aos mais
pobres. Segundo Kaztman (2001, p.173), estes vivenciam um verdadeiro
“isolamento social”, a partir da conjunção de dois elementos, além, é claro, da
própria segregação: a precariedade e instabilidade do mercado de trabalho e
a segmentação dos serviços, ou seja, a existência de carências espacialmente
diferenciadas relativas aos vários serviços oferecidos à população.
Em relação à emergência de uma nova configuração socioespacial, po-
dem-se citar a presença de espaços residenciais e comerciais exclusivos, a
privatização dos espaços públicos e a estigmatização dos espaços populares.
Assim, como se não bastassem as condições precárias de moradia, de infra-
estrutura, de qualidade ambiental e de propriedade, o estigma e as grandes
chances de desagregação social impõem aos “periferizados” um ônus ainda
maior. É neste sentido que o fenômeno da vulnerabilidade, cujo conceito é
discutido mais adiante, apesar da íntima relação com o processo de segmen-
tação (ou segregação) socioespacial, cria novas alternativas na identificação
e análise das estratégias utilizadas pela população para dirimir ou mitigar a
acumulação de carências urbanas.
Hogan et al. (2001) enfatizam o fato de que autores como Cutter (1996)
identificam 18 tipos diferentes de definição de vulnerabilidade. Por outro lado,
este termo faz parte do vocabulário tanto da academia como da sociedade civil,
sendo usado sob vários pontos de vista e significados (TORRES et al., 2003;
CEPAL, 2002; KOWARICK, 2002; WATTS; BOHLE, 1993). Este estudo aponta
para um enfoque da vulnerabilidade voltado para a apreensão de fatores que
tornam os indivíduos e/ou as famílias mais ou menos vulneráveis, deixando de

146 A VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO METROPOLITANO


lado, portanto, as concepções deste conceito com relação ao território. Claro
que se reconhece que, cada vez mais, os riscos e vulnerabilidades urbanos
têm um forte componente ambiental (WORLD RESOURCES INSTITUTE, 1996)
e contribuem para o empobrecimento da qualidade de vida da população.
Um dos consensos sobre o conceito de vulnerabilidade social é que este
apresenta um caráter multifacetado, abrangendo várias dimensões, a partir
das quais é possível identificar situações de vulnerabilidade dos indivíduos,
famílias ou comunidades. Tais dimensões dizem respeito a elementos ligados
tanto às características próprias dos indivíduos ou famílias, como seus bens
e características sociodemográficas, quanto àquelas relativas ao meio social
em que estes estão inseridos. O que se percebe é que, para os estudiosos que
lidam com o tema, existe um caráter essencial da vulnerabilidade, ou seja,
referir-se a um atributo relativo à capacidade de resposta diante de situações
de risco ou constrangimentos.
Talvez uma das definições que melhor sintetize o conceito de vulnera-
bilidade seja a apresentada por Chambers (1989):
[…] the exposure to contingencies and stress, and the difficulty of coping with
them. Vulnerability has thus two sides: an external side of risks, shocks and
stress to which an individual or household is subject; and an internal side
which is defenselessness, meaning lack of means to cope without damaging
loss (CHAMBERS, 1989, p. 1, apud WATTS; BOHLE, 1993, p.45).

Nessa definição, existem três elementos importantes: a exposição a


certos riscos, a capacidade de enfrentá-los e a potencialidade destes de trazer
conseqüências importantes para os afetados.
Em um texto bastante elucidativo, Kaztman (2000) aponta que a vul-
nerabilidade pode ser entendida como “a incapacidade de uma pessoa ou de
um domicílio para aproveitar-se das oportunidades, disponíveis em distintos
âmbitos sócio-econômicos, para melhorar sua situação de bem-estar ou impe-
dir sua deterioração” (KAZTMAN, 2000, p.7, tradução livre). O autor considera
que esta condição seria resultante de uma “defasagem ou falta de sincronia
entre os requerimentos de acesso às estruturas de oportunidades oferecidas
pelo mercado, pelo Estado e pela sociedade e os ativos dos domicílios que
permitiriam aproveitar estas oportunidades” (KAZTMAN, 2000, p.2).
Assim sendo, a questão básica enfocada pelo conceito é a debilidade ou
a força dos ativos que indivíduos, famílias ou, de maneira mais abrangente,
domicílios, dispõem para enfrentar os riscos existentes no entorno, que
implicam a perda de bem-estar (BUSSO, 2001). A idéia geral de vulnerabi-
lidade remeteria, portanto, “a um estado dos domicílios que varia em uma
relação inversa à sua capacidade para controlar as forças que modelam
o seu próprio destino, ou para combater seus efeitos sobre o bem-estar”
(KAZTMAN, 2000, p.2).

JOSÉ MARCOS PINTO DA CUNHA ET AL. 147


Isso leva a pensar, portanto, que o quadro de vulnerabilidade delineia-
se a partir de uma conjunção de fatores. Ela resultaria de um agregado de
condições e/ou características, em várias dimensões, que, acionadas em con-
junto, ou mesmo de maneira individual, podem tornar-se elementos capazes
de aumentar a capacidade de resposta aos efeitos de fenômenos (estruturais
ou conjunturais) que afetam as condições de bem-estar.
É nesta perspectiva que afloram as vantagens da utilização do conceito
de vulnerabilidade social. Seu potencial analítico para abordar a problemática
social no espaço intra-urbano, em relação a outros conceitos freqüentemente
utilizados, como, por exemplo, pobreza, é evidente, na medida em que o
mesmo permite considerar outras dimensões fundamentais para captar distin-
ções entre famílias ou pessoas com os mesmos níveis salariais ou de consumo
(KATZMAN, 2000; WATTS; BOHLE, 1993).
De acordo com Busso (BUSSO, 2001, p.25), o “enfoque da vulnerabili-
dade tem como potencialidade contribuir para identificar indivíduos, grupos e
comunidades que por sua menor dotação de ativos e diversificação de estra-
tégias estão expostos a maiores níveis de risco por alterações significativas
nos planos sociais, políticos e econômicos que afetam suas condições de vida
individual, familiar e comunitária”.
O fato de a análise enfocar os “ativos” e não os “passivos” das pessoas
ou famílias ressalta “a presença de um conjunto de atributos que se considera
necessários para um aproveitamento efetivo da estrutura de oportunidades
existentes, pondo assim ênfase na dinâmica de formação de diversos tipos
de capital potencialmente mobilizável e nas relações entre os mesmos, assim
como nos processos de perda, desgaste ou fatores limitantes que impedem
o acesso às fontes de reposição e acumulação de ativos” (KATZMAN, 2000,
p.3). O grau de capacidade de resposta às adversidades ou riscos dependerá,
obviamente, da diversidade de recursos a ser mobilizados, além da flexibili-
dade em sua utilização.
Acredita-se que, ao se adotar um enfoque que permita ir além da
dimensão da renda percebida, ou do conjunto de necessidades básicas
atendidas, pode-se avançar no entendimento da diferenciação socioespa-
cial existente no plano intra-urbano e, particularmente, fornecer subsídios
mais adequados para o planejamento das políticas públicas que visam o
aumento da capacidade de resposta das famílias aos vários riscos (sociais,
ambientais, físicos etc.) existentes no espaço urbano.
Cabe considerar duas questões centrais no enfoque proposto:
a primeira diz respeito às dimensões da vulnerabilidade ou, dito de
outra forma, aos diversos tipos de ativos mobilizáveis; a segunda é
relativa às fontes desses ativos, ou sua expressão como fontes de
vulnerabilidade.

148 A VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO METROPOLITANO


O caráter multifacetado da vulnerabilidade implica que não necessaria-
mente se deva trabalhar com uma categoria dicotômica do tipo vulnerável
versus não vulnerável. Pode-se criar uma espécie de gradiente de situações
a partir do qual se possa melhor identificar as principais “debilidades” (ou
conjunto delas) de cada segmento socioespacial da população. Contudo, tal
gradiente apenas poderia ser construído – ao menos teoricamente – a partir
da identificação das fontes dos ativos disponíveis para os indivíduos e/ou
famílias. Nesse sentido, Kaztman et al. (1999a, p.10-11) sugerem a seguinte
classificação:
1) Capital físico: envolvendo todos os meios essenciais para a busca
de bem-estar. Estes poderiam ainda ser divididos em capital
físico propriamente dito (moradia, terra, máquinas, animais, bens
duráveis relevantes para a reprodução social); ou capital financeiro,
cuja característica seriam as altas liquidez e multifuncionalidade,
envolvendo poupança e crédito, além de formas de seguro e
proteção.
2) Capital humano: incluiria o trabalho como ativo principal e o valor
a ele agregado pelos investimentos em saúde e educação, os quais
implicariam maior ou menor capacidade física para o trabalho,
qualificação etc.
3) Capital social: incluiria as redes de reciprocidade, confiança, contatos
e acesso à informação. Nas palavras dos autores, seria “o menos
alienável de todos os capitais e cujo uso se encontra fortemente
imbricado e limitado pela própria rede de relações que define esta
forma de capital” (p.11). Estudos como os apresentados em Saegert,
Thompson e Warren (2001) salientam o papel do capital social no
combate à pobreza: “[...] community’s social assets can improve the
health, safety, education, economic well-being, political participation,
and quality of life of residents in poor communities” (p.1).
A isto associam-se as fontes desses ativos, ou seja, o mercado, o Estado,
a comunidade e até mesmo a família, assim como os efeitos de suas ações
(ou a ausência delas) e as condições estruturais ou conjunturais que causam
situações de vulnerabilidade.
Como proposto por Kaztman et al. (1999, p.19), a condição de vulnera-
bilidade deveria ao menos considerar a situação das pessoas em termos dos
seguintes elementos: a inserção e estabilidade no mercado de trabalho; a
debilidade de suas relações sociais; e, finalmente, o grau de regularidade (e,
poder-se-ia acrescentar, a qualidade) de acesso aos serviços públicos, ou a
outras formas de proteção social.
[...] las fuentes de vulnerabilidad social más importantes en la actualidad
tienen que ver con los fenómenos de precariedad e inestabilidad laboral

JOSÉ MARCOS PINTO DA CUNHA ET AL. 149


vinculados al funcionamiento del mercado y con la desprotección e inseguridad
ligadas al repliegue del Estado y el debilitamiento de las instituciones
primordiales, familia y comunidad (KAZTMAN, 2000, p.5).

Nestas considerações talvez residam as principais dificuldades do


presente estudo, que pretende estabelecer situações de vulnerabilidade
somente a partir do uso de dados secundários. Assim, se, por um lado, os
dados censitários permitem uma boa quantificação dos capitais humano e
físico-financeiro, por outro lado, eles deixam a desejar quanto à captação de
elementos ligados ao capital social, particularmente com as especificidades
explicitadas acima.
Na verdade, como mostram Saegert, Thompson e Warren (2001, p.8),
existem pelos menos três níveis a partir dos quais o capital social pode ope-
rar: no interior das comunidades, entre as comunidades e através dos laços
com as instituições financeiras e públicas. Sendo assim, percebe-se quanto
é difícil, se não impossível em muitos aspectos, apreender adequadamente
esta dimensão a partir dos censos.
Infelizmente, esta dificuldade operacional contrasta com a importância
desta dimensão do conceito de vulnerabilidade. De fato, ao reconhecer a im-
portância do capital social como elemento capaz de diferenciar, por exemplo,
situações semelhantes de pobreza (constructo baseado na capacidade de
consumo apenas), o enfoque aqui adotado acredita estar avançando no sen-
tido de melhor diagnosticar e analisar as diferenças existentes na população
do espaço intra-urbano.
De qualquer maneira, os esforços empíricos aqui utilizados, se não
fornecem uma resposta satisfatória ao desafio de materializar tal conceito,
ao menos representam um primeiro passo na direção do cumprimento deste
objetivo, que certamente exigirá novos esforços e dados mais adequados
para ser atingido.

Um breve diagnóstico sobre as tendências demográfica no contexto


intramunicipal

O município de Campinas apresentou, durante as décadas recentes, um


crescimento populacional muito significativo, passando de uma população
de cerca de 300 mil habitantes, em 1970, para um contingente próximo a
1 milhão de habitantes no ano 2000. O crescimento populacional, marcado
principalmente pela chegada de imigrantes4 e pelo intenso processo de ur-
banização, pode ser verificado na Tabela 1.

4
Ver Baeninger, 1996.

150 A VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO METROPOLITANO


Tabela 1
População residente, por situação urbana ou rural do domicílio
Campinas, 1991 e 2000

Fonte: Fundação IBGE.

A concentração populacional nas áreas urbanas, entretanto, não foi


acompanhada pela extensão dos serviços básicos de infra-estrutura. Existem
áreas, como aquelas situadas mais ao sul do município, que, embora concen-
trem grande contingente da população campineira, ainda se ressentem da falta
de serviços básicos de qualidade e de condições adequadas de moradia, sendo
esta, como se poderá verificar mais adiante, uma das dimensões principais na
definição dos grupos populacionais mais vulneráveis no município.
A dificuldade de cobertura total por serviços básicos deve-se, em grande
parte, à maneira como, historicamente, ocorreu a expansão da mancha ur-
bana. A ocupação do solo foi direcionada principalmente pelos interesses do
mercado imobiliário, com um padrão de ocupação de áreas não contíguas,
originando uma grande quantidade de espaços não ocupados no tecido urbano.
Na medida em que esses espaços foram sendo valorizados, passaram a ser
ocupados, gerando lucro para os proprietários.5
Essa lógica de ocupação foi quebrada em alguns pontos da cidade, nos
quais houve ocupação irregular de áreas públicas e privadas. As ocupações
irregulares, que chegam a mais de 100 em todo o município – de acordo com
levantamentos da Cohab –, representam uma reação popular à falta de uma
adequada política pública de habitação.
Como pode ser visto no Mapa 1,6 a seguir, o crescimento demográfico
no município, nos anos 1990, foi bastante desigual, tendendo a ser maior,
como será demonstrado, naquelas áreas mais periféricas e com maior grau
de precariedade.
Outra conseqüência do preço elevado dos terrenos no município de
Campinas foi a expansão da população residente nos municípios do entorno.
Um grande número de pessoas reside em municípios como Sumaré e Hor-
tolândia, mas trabalha ou estuda em Campinas. Esta situação explica o cresci-
mento populacional mais acentuado dos municípios do entorno de Campinas,
assim como a própria constituição da recém-criada Região Metropolitana de
Campinas.

5
É praticamente o mesmo tipo de ocupação que ocorreu durante o início da década de 70, na cidade
de São Paulo, descrito por Kowarick, 1983.
6
Infelizmente, por razões operacionais, não foi possível estimar o crescimento demográfico dos
setores censitários para o período 1991-2000; contudo, pode-se considerar que o quadro obtido
para o quinqüênio 1991-1996 reflete muito bem a tendências observada na cidade.

JOSÉ MARCOS PINTO DA CUNHA ET AL. 151


Mapa 1
Taxa de crescimento médio anual segundo áreas de planejamento
Campinas, 1991-1996

Fonte: Cunha e Oliveira, 2001.

De fato, como mostra a Tabela 2, o baixo crescimento do município de


Campinas contrasta com aqueles registrados nas áreas vizinhas, especialmente
os municípios de Hortolândia, Sumaré e Indaiatuba, que, claramente, assimi-
lam boa parte do crescimento demográfico “impossibilitado” ou “inviabilizado”
na cidade-sede da Região Metropolitana.
Um dado importante refere-se ao fato de que, mesmo crescendo em ritmo
bem mais lento, o município de Campinas recebe grande parte das pessoas
que se deslocam de seus municípios para exercerem suas atividades; no caso
dos municípios anteriormente mencionados, esta proporção chega a limites
impressionantes, como em Hortolândia, 82%, e Sumaré, 69%.
Por tudo isso, fica claro que, embora este estudo enfoque apenas o
espaço representado pelas fronteiras administrativas de Campinas, a visão
da realidade metropolitana é fundamental para a compreensão e a análise
mais aprofundada dos fenômenos demográficos e, neste caso especial, da
vulnerabilidade social.

152 A VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO METROPOLITANO


Tabela 2
População residente, taxa média anual de crescimento e
mobilidade pendular
Região Metropolitana de Campinas, 2000

Fonte: FIBGE, Censos Demográficos de 1001 e 2000 (Tabulações especiais, Nepo/Unicamp); FSEADE
(saldos migratórios.
*
Refere-se à população de 15 anos e mais economicamente ativa.

Em busca da operacionalização do conceito de vulnerabilidade


social

No primeiro item deste capítulo, uma das questões que se buscou en-
fatizar foi o desafio de definir vulnerabilidade social tendo em vista o caráter
multifacetado desse fenômeno, a natureza dos dados disponíveis (KAZTMAN,
2000), bem como as dificuldades de se apreenderem, através de um único
indicador, os riscos que caracterizariam a situação de vulnerabilidade.
De maneira a contribuir para o debate sobre o tema e propor formas
de captar o conceito em questão, acredita-se ser possível identificar, mesmo
que preliminarmente, as áreas nas quais se localizariam as populações mais
vulneráveis – aqui chamadas zonas de vulnerabilidade –, levando-se em conta
as características obtidas pelos censos demográficos.
Tendo em vista a impossibilidade de contar com informações do Boletim
da amostra para setores censitários individualizados, esta análise baseou-se
integralmente em um nível espacial intermediário, as chamadas “áreas de

JOSÉ MARCOS PINTO DA CUNHA ET AL. 153


ponderação”,7 que, para Campinas, correspondem a 49, um número bastante
razoável de subáreas que, pelo conhecimento prévio do território, espelham
de maneira bem satisfatória a grande heterogeneidade do município.
Com base nas definições de capital físico-financeiro, humano e social
anteriormente mencionadas e nas possibilidades oferecidas pelo Boletim
da amostra do Censo demográfico de 2000,8 foram propostos os seguintes
indicadores:

Capital físico:

• DensCom: Densidade de moradores por cômodo;


• RenChF2: % chefes de família (ou individuais) com renda de “0 a
2 SM” (incluso);
• TipoCasa: % pessoas morando em domicílios do tipo “casa”;
• TipoCom: % pessoas morando em domicílios do tipo “cômodo”;
• CondPropAquis: % pessoas morando em domicílios “próprios em
aquisição”;
• CondAlugado: % pessoas morando em domicílios “alugados”;
• AguaNCanal: % pessoas morando em domicílios sem canalização
de água;
• S/Banheiro: % pessoas morando em domicílios sem banheiro;
• 2+Banheiros: % pessoas morando em domicílios com 2 ou mais
banheiros;
• S/RedeEsg: % pessoas morando em domicílios sem rede geral de
esgoto;
• S/ColetaLixo: % pessoas morando em domicílios sem coleta de
lixo.
Como se pode perceber, os indicadores utilizados para refletir esta dimen-
são foram propostos de maneira a permitir captar, por um lado, deficiências
na infra-estrutura domiciliar e, por outro, elementos geralmente ligados às
características comuns nas ocupações mais periféricas, como alta densidade
domiciliar, habitações precárias, “propriedade” do domicílio etc.

7
Uma vez que parte dos indicadores propostos pressupõe o acesso aos microdados do Boletim da
amostra do Censo 2000, fica descartada a possibilidade do uso dos setores censitários, uma vez que
para este nível espacial o acesso às informações da amostra não está permitido pelo IBGE. Assim
sendo, optou-se pelo uso das “áreas de ponderação” que se referem a agregados de setores para
os quais o dado do boletim da amostra está disponível.
8
É importante frisar que se tem consciência da debilidade de alguns dos indicadores utilizados
para captar as dimensões desejadas; contudo, dentre as possibilidades existentes e as limitações
dos dados censitários, os índices sugeridos parecem ser os que melhor refletem as dimensões que
pretendem representar.

154 A VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO METROPOLITANO


Capital humano:

• PessAnalf15: % pessoas analfabetas com 15 anos ou mais de idade;


• EscChF4: % chefes de família (ou individuais) com menos de 4 anos
de escolaridade;
• RDEP: razão de dependência (pop. “0 a 14” + “65 ou mais” / pop.
“15 a 64” anos).
Além da precariedade do nível de escolaridade, estes indicadores tam-
bém buscam resgatar o grau de dependência econômica e envelhecimento
existente nas áreas de estudo, considerando que tais elementos podem
refletir dificuldades para as famílias ou domicílios no processo de reprodução
social.

Capital social:

• ChFfem20: % chefes de família (ou individuais) femininos, com “10


a 19” anos de idade;
• TamFam: tamanho médio da família 01 (principal);
• OutAgreg: % pessoas sendo agregados da família;
• S/Carteira: % pessoas ocupadas sem carteira de trabalho assinada,
com > 14 anos;
• N/FreqEsc: % crianças de 7 a 14 anos que não freqüentam escola
ou creche;
• FamRendNT: % famílias com renda não proveniente do trabalho.
Estes indicadores tratam de resgatar elementos ligados ao acesso a
serviços, condições gerais de proteção social (como acesso ao mercado formal
de trabalho, por exemplo) e formações domésticas que poderiam colocar em
xeque a qualidade de vida da população.
Deve-se salientar que, no caso dos indicadores aqui denominados
como relativos à “proteção social”, estes não poderiam ser qualificados
como diretamente relacionados ao capital social, mas como um indicativo
indireto do que poderiam se considerados “resultados” do efeito deste
fator. De fato, como demonstram Saegert, Thompson e Warren (2001,
p.7), um dos níveis em que se pode configurar o capital social diz res-
peito à relação da comunidade com o Estado ou outras instituições, sendo
que esta poderia, como se busca apontar com os indicadores utilizados,
implicar conquistas que aumentassem a proteção social das famílias, ou
dos indivíduos.
Para cada um destes três conjuntos de indicadores foram realizadas
análises fatoriais, a partir das quais foram obtidos cinco fatores: dois para
o capital físico, um para o capital humano e dois para o capital social, cujos

JOSÉ MARCOS PINTO DA CUNHA ET AL. 155


significados identificados, cargas fatoriais e percentuais da variabilidade ex-
plicada9 são apresentados no quadro abaixo:
Quadro 1
Demonstrativo dos resultados das análises fatoriais das
três dimensões consideradas

Uma vez feita a análise fatorial e selecionados os fatores, foram calcu-


ladas os “scores fatoriais” para as “áreas de ponderação”, em cada um dos
fatores, o que resultou em cinco valores distintos para cada uma das subáreas
consideradas. Deve-se considerar ainda que, para as análises posteriores, é
importante ter em conta a interpretação dada aos fatores identificados, uma
vez que será a partir da “leitura” destes novos constructos, resultante de
análise fatorial, que se poderá analisar e interpretar os resultados obtidos,
particularmente no que se refere aos scores fatoriais assumidos por cada uma
das áreas de ponderação.
A título de exemplo, considere-se o fator 2 relativo ao capital físico, cuja
“interpretação” levou a considerá-lo indicativo da “deficiência na infra-estrutura
domiciliar”. Assim sendo, quanto maior o valor de seu score, ou seja, quanto
mais próximo de 1,10 piores serão as condições, neste particular, da “área de
ponderação”. Uma leitura similar será feita para os demais fatores.

9
As “cargas fatoriais” correpondem à correlação da variável com o fator, ou seja, a partir delas
é possível intepretar o significado do fator. Já a variabilidade explicada corresponde ao poder do
fator em explicar a variabilidade total dos dados, ou seja, quanto maior este valor, mais segurança
pode-se ter em substituir todas as variáveis por aquele fator. Por isso, em alguns casos, foi preciso
optar por dois, uma vez que apenas um deles não alcançava uma representação aceitável da
variabilidade dos dados.
10
Para facilitar a análise, os scores fatoriais foram padronizados de forma que todos variassem entre
0 e 1, facilitando assim sua interpretação.

156 A VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO METROPOLITANO


Talvez um fator que mereça um comentário especial seja o fator 2,
encontrado para a dimensão do capital social. Neste caso, observa-se que
este fator tem uma forte correlação positiva com o “percentual de outros
agregados na família” e negativa com o “percentual de famílias com renda
não proveniente do trabalho”. Com base nesta constatação, pode-se pensar
que este fator esteja apontando para formas de “estratégias familiares” que
são utilizadas para minorar os efeitos da pobreza, do desemprego etc. A
formação de famílias estendidas poderia ser uma maneira de suplantar as
dificuldades do afastamento temporário, ou mais prolongado, do acesso de
seus membros ao mercado de trabalho. Além disso, a correlação negativa do
fator com a existência de outras rendas sugere que tais estratégias evitariam
que as famílias tivessem de recorrer a programas sociais ou outras fontes que,
como se sabe, não são universalizadas e muito menos facilmente acessíveis
ao conjunto da população. Até mesmo a correlação negativa deste fator com
o “tamanho da família” tende a mostrar-se coerente com esta interpretação,
na medida em que as famílias de maior tamanho muito provavelmente se-
riam aquelas com maior número de crianças e, portanto, com alto grau de
dependência econômica, o que implicaria a necessidade de recorrer com maior
intensidade a programas sociais.
Portanto, quanto maior o valor do fator 2 no capital social, maiores seriam
as indicações da existência de fatores de proteção social estruturados a partir
da esfera familiar. Isso implica que áreas com maior incidência de arranjos
domésticos de famílias não estendidas, ou alternativos (formados por amigos,
unipessoais etc.), poderiam apresentar um maior grau de vulnerabilidade,
sempre e quando, obviamente, a situação destes nos demais capitais fosse
também desfavorável.
Uma vez definidos os fatores e os scores fatoriais para cada unidade
espacial de análise, as “zonas de vulnerabilidade” são definidas a partir da
aplicação de um procedimento de “análise de conglomerados”11 que permite
o agrupamento de unidades com características semelhantes.

Zonas de vulnerabilidade: uma forma distinta de reconhecer a


diversidade do espaço municipal

Consideradas as 49 áreas de ponderação e com base na análise fato-


rial realizada, chegou-se aos valores para cada uma das unidades espaciais

11
Este procedimento (cluster analysis) agrupa as observações (no caso, as áreas de ponderação)
em função dos valores assumidos por cada uma destas unidades nas variáveis consideradas nas
análises – no caso, os scores obtidos nos cinco fatores resultantes da análise fatorial –, tratando
de mostrar os agrupamentos mais prováveis tendo como base a “distância” existente entre estas
unidades, que, matematicamente, seria dada pela distância entre os pontos no espaço de cinco
dimensões (desde que são cinco scores para cada unidade espacial).

JOSÉ MARCOS PINTO DA CUNHA ET AL. 157


dos cinco fatores anteriormente apresentados e identificados. Estes valores
foram mapeados de maneira a permitir a visualização da heterogeneidade
espacial em Campinas, com relação a cada um destes fatores, para, logo
em seguida, serem analisados em conjunto para a proposição das zonas de
vulnerabilidade.
Os mapas 2 e 3 mostram, em primeiro lugar, a diferenciação espacial
em termos de capital físico. Como se percebe, fica claro que, com relação a
esta dimensão, a cidade apresenta pelo menos quatro regiões bem distintas:
uma periferia distante, com uma com situação bem precária, ao sul, sobretudo
a sudoeste da cidade; outra com situação um pouco melhor, mas ainda com
importantes problemas que englobam boa parte da sua porção norte; uma
terceira, em situação bem mais satisfatória, envolvendo a periferia imediata da
cidade e uma área ao norte (Cidade Universitária/Barão Geraldo); finalmente,
a região mais central, com as melhores condições.
Coerentemente, deve-se lembrar que o fator 1 remete às condições do
processo de ocupação periférica e o fator 2, às condições infra-estruturais
dos domicílios. Valores elevados de ambos os fatores, justamente, apontam
aquelas situações de maior precariedade dos assentamentos.
Mapa 2
Fator 1 – Capital físico por “áreas de ponderação”
Campinas, 2000

Fonte: FIBGE, Censo Demográfico de 2000. Tabulação especial e elaboração do mapa Nepo/
Unicamp.

158 A VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO METROPOLITANO


Com relação ao capital humano, o comportamento espacial revela-se
um pouco distinto, muito embora a periferia mais distante, ao sul, continue
revelando-se em piores condições, assim como parte da região norte, em
especial Nova Aparecida, sabidamente uma área de muitas carências sociais.
No entanto, como mostra o Mapa 4, as condições mais favoráveis espraiam-se
bem além do centro da cidade. De qualquer forma, os agrupamentos espaciais
revelam-se novamente com muita clareza.
Finalmente, resta observar o comportamento espacializado dos dois
fatores construídos para o capital social. Deve-se lembrar que este fator
tenta captar elementos relativos aos ativos disponíveis à população sob a
forma de serviços, redes de proteção, formas de organização social etc. Por
hipótese de trabalho, esperar-se-ia que a consideração deste tipo de capi-
tal implicasse um diferencial analítico, para desvendar a heterogeneidade
das famílias e domicílios da cidade, mais apto a fazê-lo do que os dados
socioeconômicos.

Mapa 3
Fator 2 – Capital físico por “áreas de ponderação”
Campinas, 2000

Fonte: FIBGE, Censo Demográfico de 2000. Tabulação especial e elaboração do mapa Nepo/
Unicamp.

JOSÉ MARCOS PINTO DA CUNHA ET AL. 159


Mapa 4
Fator 1 – Capital humano por “áreas de ponderação”
Campinas, 2000

Fonte: FIBGE, Censo Demográfico de 2000. Tabulação especial e elaboração do mapa Nepo/
Unicamp.

De fato, os resultados obtidos mostram que, ao contrário do ocorrido


com relação aos outros dois capitais, a análise do capital social revela a exis-
tência de um padrão espacial um pouco distinto dos que até agora foram
detectados.
Os mapas 5 e 6 deixam clara esta questão. Em primeiro lugar, ao não
reproduzirem claramente o padrão de “círculos concêntricos” dos mapas
anteriores; em segundo lugar, por agrupar áreas bem distintas com relação
aos dois outros capitais. Exemplo mais eloqüente disso pode ser obtido ao
perceber-se que, segundo estes dois fatores, a diferenciada área da Cidade
Universitária/Barão Geraldo (no 38, no Mapa 4) estaria em pé de igualdade
com zonas periféricas a sudoeste ou norte da cidade.
No entanto, basta recuperar o significado de ambos os fatores para per-
ceber que este resultado tem sentido, uma vez que esta área é habitada por
muitos estudantes que, nos últimos anos, passaram a ocupar a região com
muito mais intensidade. Assim, a região deixou de ser umas das principais
alternativas da classe média para a moradia. Embora esta afirmação careça
de maior comprovação empírica, parece bastante coerente esta situação com
os valores baixos assumidos por estas áreas, particularmente no fator 2 (ar-
ranjos tradicionais/acesso ao mercado de trabalho).

160 A VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO METROPOLITANO


Mapa 5
Fator 1 – Capital social por “áreas de ponderação”
Campinas, 2000

Fonte: FIBGE, Censo Demográfico de 2000. Tabulação especial e elaboração do mapa Nepo/
Unicamp.

Tendo em vista as três situações consideradas, chegou-se, a partir


de uma análise de conglomerados, a uma proposta de diferentes zonas
de vulnerabilidade social para o município de Campinas. O Mapa 7 mostra
os resultados, assim como a Tabela 1 apresenta os valores médios dos
scores de cada um dos agrupamentos sugeridos. Embora não exista uma
clara contigüidade nas zonas de vulnerabilidades encontradas, pode-se
dizer que, grosso modo, existe um certo padrão espacial, como sugerido
abaixo:

• Grupo 1: periferia distante (sudoeste);


• Grupo 2: região central 1;
• Grupo 3: região central 2;
• Grupo 4: periferia distante (norte e sudeste);
• Grupo 5: periferia imediata 1;
• Grupo 6: periférica imediata 2 e Barão Geraldo.

JOSÉ MARCOS PINTO DA CUNHA ET AL. 161


Mapa 6
Fator 2 – Capital social por “áreas de ponderação”
Campinas, 2000

Fonte: FIBGE, Censo Demográfico de 2000. Tabulação especial e elaboração do mapa Nepo/
Unicamp.

No entanto, percebe-se, pelo Mapa 7 e pela Tabela 3, a não-observância


de uma clara contigüidade espacial em termos da vulnerabilidade social em
Campinas, uma vez que, mesmo nas áreas mais periféricas, existem condições
mais propícias para certas subáreas, condições estas dadas não somente por
algumas diferenças em termos de infra-estrutura (fator 2 do capital físico),
mas também pelo acesso a serviços e outros meios de promoção social que
não o trabalho (o capital social).

Tabela 3
Valores médios dos fatores, por agrupamentos
Município de Campinas, 2000

162 A VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO METROPOLITANO


Mapa 7
Clusters das “Áreas de Ponderação” de Campinas
Campinas, 2000

Fonte: FIBGE, Censo Demográfico de 2000. Tabulação especial e elaboração do mapa Nepo/
Unicamp.

A Tabela 3 mostra, além disso, que espaços tão distintos como parte
da região central (grupo 3) e a região sudeste (grupo 1) compartilham ca-
racterísticas semelhantes quanto aos fatores 1 e 2 relativos ao capital social.
O mais interessante a notar, neste exemplo, é que, considerada em conjunto
com os outros fatores, esta coincidência não é suficiente para aproximá-los,
uma vez que arranjos domésticos alternativos e o acesso a recursos advindos
do trabalho podem ter implicações distintas para os estratos mais abastados
(no centro, ver fator 1 do capital físico), se comparados àqueles extratos de
renda mais baixos (localizados na periferia).
O que se pode dizer então é que, não obstante seja possível identificar
situações distintas em termos do grau de vulnerabilidade, especialmente en-
tre os casos extremos, como o grupos 1 e 4 e o grupo 5, a classificação aqui
apresentada está longe de representar um gradiente claro e inequívoco de
situações de vulnerabilidade na cidade. Por seu caráter multifacetado, esta
noção exige uma análise dos três componentes que permitirá uma melhor
avaliação das dificuldades encontradas em cada uma das unidades espaciais
de análise.

JOSÉ MARCOS PINTO DA CUNHA ET AL. 163


Nesse sentido, os resultados do Mapa 7 devem ser considerados em
conjunto com a “interpretação” das características dos grupos com relação a
cada fator considerado que, levadas em conta as especificidades das áreas,
podem variar em sentidos diferentes, prejudicando a graduação das diferentes
categorias de vulnerabilidade.

Vulnerabilidade e impactos sociais: o caso do desempenho escolar

Tem-se plena consciência de que apenas um olhar mais minucioso e


qualitativo sobre as “zonas de vulnerabilidade” – ou seja, visitando os do-
micílios e observando os distintos contextos espaciais – poderia atestar o
potencial da metodologia adotada para captar os distintos graus de vulnera-
bilidade existentes na cidade. No entanto, de forma a busca alguma maneira
de fazê-lo, optou-se por cotejar estas áreas identificadas com um indicador
que, entre tantos outros, poderia sugerir se as diferenças captadas, de fato,
teriam implicações sobre as condições de vida da população.
Em outros termos, trata-se de examinar, ainda que de maneira su-
perficial, se o chamado “efeito de vizinhança” ou “de bairro” (TORRES;
FERREIRA; GOMES, 2005; KAZTMAN, 1999c; FLORES, 200612 ) teria algum
impacto sobre a forma como as famílias, ou os domicílios, aproveitam-se
das “oportunidades, disponíveis em distintos âmbitos socioeconômicos,
para melhorar sua situação de bem-estar ou impedir sua deterioração”
(KAZTMAN, 2000).
Nesse sentido, tendo em vista a disponibilidade de informação sobre o
desempenho escolar de alunos no ensino fundamental das escolas estaduais
para a 5ª e 7ª séries, em matemática e português, para 2000 (Saresp13),
tratou-se de cotejar a média alcançada por cada escola estadual, com as
suas respectivas localizações nas “zonas de vulnerabilidade” (ZV), de forma a
buscar algum tipo de regularidade que mostrasse em que medida esta divisão
da cidade seria capaz de contemplar comportamentos distintos quanto a esta
dimensão. Os resultados encontram-se no Mapa 8.

12
Ver, neste livro, o artigo de Carolina Flores. Segundo ela, para o caso do desempenho escolar, o
“efeito de bairro” está associado ao pressuposto de que “o espaço afeta os resultados individuais
das crianças, por meio de um processo da socialização institucional”.
13
Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo. Seu objetivo principal é
monitorar a qualidade do sistema de ensino, subsidiando as tomadas de decisões da Secretaria
do Estado de Educação. Em termos dos resultados apresentados, detectou-se que a porcentagem
média de acertos das escolas estaduais de ensino fundamental de Campinas, no Saresp 2000, foi
de 45,10% de acertos, com desvio padrão de 4,99%. Esta média foi utilizada para classificar as
médias apresentadas pelas escolas.

164 A VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO METROPOLITANO


Mapa 8
Desempenho médio das escolas estaduais de Campinas no Saresp 2000

Fonte: FIBGE, Censo Demográfico de 2000. Tabulação especial e elaboração do mapa Nepo/
Unicamp.

De maneira geral, o que se observa é que, de fato, a grande maioria


das escolas com valores acima da média encontram-se nas ZVs que, segundo
a Tabela 3, aparentemente teriam as condições mais favoráveis em termos
dos três fatores considerados na análise. No entanto, esta regularidade com
relação às escolas acima da média não se observa necessariamente em rela-
ção às escolas abaixo da média, já que elas se localizam em vários pontos da
cidade com maior variabilidade em termos da ZVs.
No entanto, chama a atenção a maior homogeneidade apresentada,
por exemplo, pelas ZVs 1 e 4 que, como se mostrou, apresentam as maiores
deficiências em termos dos três capitais analisados. Em ambos os casos,
que aparentemente se diferenciam mais com relação ao fator 1 do capital
social (proteção social), é notável a maior concentração de escolas abaixo
da média.
Enfim, fica claro que, ao menos neste caso específico, esta divisão tende a
mostrar especificidades interessantes, muito embora, como já se adiantou, não
haja como ir mais além nesta análise sem um imersão mais profunda nestes
subespaços, visando identificar quais são os reais elementos de diferenciação
existentes nestas áreas, sugeridos pelos dados aqui analisados. Além disso, o

JOSÉ MARCOS PINTO DA CUNHA ET AL. 165


indicador aqui utilizado pode ser considerado ainda pouco sensível, tendo em
vista a maior complexidade da questão educacional. Uma análise um pouco
mais detalhada deste tema é feita no capítulo 13 deste livro, “Segregação e
acúmulo de carências: localização da pobreza e condições educacionais na
Região Metropolitana de Campinas”.

Considerações finais

Esse texto explorou, teórica e metodologicamente, o uso do conceito de


vulnerabilidade social para estudar as capacidades diferenciadas de grupos
populacionais, residentes em diferentes partes do território do município de
Campinas, de fazer frente às adversidades que os afligem. Com o pressuposto
de que esta capacidade pode ser medida pelos ativos físico-financeiros, huma-
nos e sociais que caracterizam famílias e indivíduos, construíram-se indicadores
espacializados que definem zonas de vulnerabilidade em Campinas.
Este esforço inicial de análise sugere que a perspectiva é promissora.
Em primeiro lugar, os dados censitários mostraram-se sensíveis ao tratamento
estatístico escolhido. Os fatores são robustos e coerentes com explicações
socioespaciais de vulnerabilidade. Em segundo lugar, os fatores diferenciam
o território municipal, divido em 49 unidades de análise. A análise mostrou
que o território não é homogêneo, nem as diferenças aleatórias, sendo que
a análise revela distintas sub-regiões no município. O padrão encontrado
não é idêntico para as três dimensões aqui analisadas; são justamente essas
diferenças que apontam o caminho para uma compreensão mais completa e
real da situação da população.
De forma a buscar alguma indicação sobre a robustez desta metodo-
logia para revelar distintas situações de vulnerabilidade, tratou-se de cotejar
este resultado com uma variável relativa ao rendimento escolar. Os resultados
obtidos, mesmo que ainda em caráter muito preliminar, sugeririam que as
“zonas de vulnerabilidade” tendem a discriminar muito bem situações mais
extremas, em termos de carências, muito embora ainda não tenham a sen-
sibilidade necessária para uma melhor aferição da heterogeneidade espacial
existente, particularmente, porque, como salientado, a dimensão do capital
social é de difícil captação a partir dos censos demográficos.
Desta forma, tem-se clareza de que o êxito em identificar distintas zo-
nas permitirá desenhar uma estratégia para: verificar in loco a consistência
dessa análise; desenvolver outras técnicas de pesquisa para complementar
e aprofundar o quadro revelado pelos dados censitários. Uma pesquisa por
amostragem de domicílios, com questionários voltados mais especificamente
às categorias ligadas à vulnerabilidade, permitirá o uso de indicadores mais
refinados dos três tipos de capital envolvidos nesta noção. Assim procedendo,

166 A VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO METROPOLITANO


acredita-se poder chegar a um gradiente de vulnerabilidade que retrate o
sucesso relativo no trato das adversidades urbanas e da socioespacialidade
da vulnerabilidade social. Da mesma forma, será possível incorporar outras
dimensões – como a ambiental – que foram consideradas de maneira muito
simplificada no presente trabalho, por intermédio das informações sobre acesso
a serviços sanitários básicos.
O quadro teórico-metodológico apresentado nesse trabalho será uma
ferramenta importante para se entenderem os novos contornos da exclusão
social. A presente análise mostrou claramente que há outros fatores, além do
nível de renda, que constituem obstáculos para a redução da vulnerabilidade
das populações urbanas.

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168 A VULNERABILIDADE SOCIAL NO CONTEXTO METROPOLITANO

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