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Sociedade e Cultura
Walter Benjamin
e a pós-verdade
06/12/2019 15:16
Introdução
O fenômeno da pós-verdade,
caracterizado pelo fato de crenças
pesarem mais na formação da
opinião pública do que evidências
e argumentos racionais,
fartamente disponíveis e
acessíveis, resulta de uma
atualização sócio técnica de velhas
práticas fascistas de
desinformação, produzidas há
décadas pela indústria cultural e
mais recentemente nas redes
sociais digitais, com efeitos
aterradores.
A verdade
No entanto, o reconhecimento do
fato de que a linguagem opera a
mediação de qualquer relação
possível entre as coisas e a
compreensão não resolve o
problema da verdade. Por isso, e
tendo em vista que nosso objetivo
não é propriamente resolvê-lo,
mas trazê-lo de volta ao centro do
debate ético, político e
epistemológico contemporâneo,
como movimento necessário à
crítica do fenômeno da pós-
verdade, consideramos a hipótese
de que a singela definição tomista
da verdade permanece útil como
ponto de partida para o combate a
crenças infundadas, cuja falsidade
é demonstrável, sobretudo quando
articulada ao conceito de história
de Benjamin, à alegoria da peste,
de Camus, às noções de alienação e
fé, de Heller, e à poderosa
denúncia de Castro Alves do
mercado náutico de escravos.
A história
A peste
Em 1955, um membro da
resistência francesa na Segunda
Guerra, futuro vencedor do
prêmio Nobel de literatura de 1957,
o escritor argelino Albert Camus
defendeu seu romance La peste
(1947), em carta a Roland Barthes,
contra uma acusação deste,
segundo a qual o romance era
abstrato demais e, portanto,
situava-se “dehors de l’histoire”
(fora da história). Camus
respondeu que La peste não
tratava somente do fenômeno
histórico (então) recente do
fascismo, como, aliás, todos
teriam percebido, mas também do
permanente risco histórico de seu
renascimento, risco este cuja
consciência deveria nos deixar
vigilantes.
Acontecimentos recentes na
política mundial sugerem a
atualidade dessa alegoria da peste.
Nesse sentido, La peste lembra-
nos que, como o bacilo da grande
peste, o fascismo pode renascer,
porque sua potência entrópica não
teria sido destruída de uma vez
por todas, se é que jamais possa
vir a ser, apesar de sua aparente
derrota em 1945.
A fé
O tráfico negreiro
Proclamava a mensagem
telegráfica corporativa: “Glory to
God in the highest, and on Earth,
peace, good will to men”.
Indignava-se o jovem poeta
abolicionista: “Senhor Deus dos
desgraçados! / Dizei-me vós,
Senhor Deus! / Se é loucura… se é
verdade / Tanto horror perante os
céus?!”
O nazi-fascismo é um exemplo
puro do que a verdade e a
liberdade jamais podem ser.
No nível antropológico, a fé se
refere à particularidade individual
e a confiança à individualidade
consciente; no epistemológico, a fé
é um conhecimento que resiste ao
conhecimento e à experiência, ao
passo que a confiança é baseada
no conhecimento aberto à
mudança; no nível ético,
finalmente, a marca da fé é a
intolerância emocional; a da
confiança, a abertura potencial à
tolerância.
Paroxismo de alienação e
brutalidade nesta fase
ascensional, tanto os escravos
quanto os cabos cruzaram os
mares transportados por navios
com propósitos semelhantes:
servirem aos donos do capital de
então, considerada a divisão
internacional do trabalho vigente.
Pois a escravidão negra moderna,
como todos sabemos, serviu
principalmente às plantações da
América do Norte e da América do
Sul – algodão, tabaco, açúcar, café
–, além de outras lucrativas
atividades de extração e comércio
a esta altura: prata, ouro,
borracha; e os cabos submarinos
eram estratégicos para a troca de
informações comerciais
transcontinental, inclusive para a
configuração da bolsa
internacional.[viii]
(https://aterraeredonda.com.br/w
alter-benjamin-e-a-pos-
verdade/#_edn8)
O “tempo messiânico” é a
antecipação ou a efetivação do “sol
que está surgindo no céu da
história”. Em termos menos
poéticos, significa o vislumbre ou
a efetivação do fim da prática do
mais violento dos processos
sociais, a transformação de
sujeitos em objetos, de seres
humanos em coisas, forma
matricial de todas as outras
violências.
A crítica necessária às
contradições entre as “grandes
narrativas” ocidentais e os eventos
históricos traumáticos que as
reivindicaram não deveria nos
levar a abandonar o que ainda é
justo e verdadeiro nas esperanças
ocidentais universais de liberdade
e razão. No entanto, a maior parte
da intelligentsia dos dias de hoje
não parece estar seriamente
comprometida com essa
perspectiva totalizante. Neste
ponto, somos descaradamente
fracos, teórica e praticamente, em
comparação com os grandes
pensadores críticos e estrategistas
da modernidade.
Considerações finais
A degeneração do Iluminismo no
positivismo está no centro da
bandeira brasileira: “Ordem e
progresso”. O governo Temer
reativou essa sentença como sua
insígnia, substituindo as duas
anteriores, do governo do Partido
dos Trabalhadores, deposto:
“Brasil, Pátria Educadora” e “Um
país rico é um país sem pobreza”.
***
Referências
ADORNO Theodore;
HORKHEIMER, Max. Dialética do
Esclarecimento. Rio de Janeiro:
Zahar, 1985.
http://operamundi.uol.com.br/con
teudo/noticias/27477/arquivo
mostra como escravidao
enriqueceu os ingleses.shtml#.
(http://operamundi.uol.com.br/co
nteudo/noticias/27477/arquivo
mostra como escravidao
enriqueceu os ingleses.shtml#.)
PIMENTA, Ricardo M. As
rugosidades do ciberespaço: um
contributo teórico aos estudos dos
web espaços informacionais.
Informação & Sociedade: Estudos,
João Pessoa, v.26, n.2, p. 77-90,
maio/ago. 2016.
Notas
[ii]
(https://aterraeredonda.com.br/w
alter-benjamin-e-a-pos-
verdade/#_ednref2) Há
controvérsias quanto a este uso
por assim dizer genérico do termo
“fascismo”. Argumenta-se que não
se deve perder de vista as
especificidades do fenômeno em
sua singularidade histórica, a
despeito de diversos traços que
compartilha com outros regimes
autoritários anteriores e
posteriores. Ver, por exemplo,
Boron (2019) e Boito Jr. Sem
ignorar esse argumento,
entendemos que, para os fins da
presente exposição, interessa
destacar o que há de comum entre
o fascismo dos anos 1920-40 e
tendências políticas emergentes
ao redor do mundo hoje,
sobretudo aquelas cujo sucesso,
ainda que provisório, parece em
grande parte devido ao que
denominamos de atualização sócio
técnica de velhas práticas
informacionais fascistas.
[iii]
(https://aterraeredonda.com.br/w
alter-benjamin-e-a-pos-
verdade/#_ednref3) Não
mencionamos aqui a televisão por
duas razões: ainda não havia se
popularizado nos anos 1930 e 1940,
nem é o foco da presente análise.
Não obstante, cabe registrar que
talvez tenha sido o mais in uente
dispositivo de reprodução
ideológica da segunda metade do
século XX, ainda ocupando uma
posição de destaque no momento
atual. Para um aprofundamento
do debate em torno da TV, em
particular, e do desenvolvimento e
uso social das tecnologias como
um todo, ver Williams, 2016.
[iv]
(https://aterraeredonda.com.br/w
alter-benjamin-e-a-pos-
verdade/#_ednref4) A
epistemologia, embora evite o
recurso à noção de “verdade”, por
sua carga metafísica, preocupa-se
com os critérios que permitam
produzir e definir conhecimento
do tipo científico, isto é, racional,
objetivo e não enganoso. Seria
absurdo definir esse tipo de
conhecimento como verdadeiro?
[v]
(https://aterraeredonda.com.br/w
alter-benjamin-e-a-pos-
verdade/#_ednref5) Ver
https://en.oxforddictionaries.com/word-
of-the-year/word-of-the-year-
2016.
[vi]
(https://aterraeredonda.com.br/w
alter-benjamin-e-a-pos-
verdade/#_ednref6) A noção de
captura do gosto foi originalmente
desenvolvida em Schneider, 2015.
[vii]
(https://aterraeredonda.com.br/w
alter-benjamin-e-a-pos-
verdade/#_ednref7) Da nota do
tradutor de uma versão em inglês
de Sobre o Conceito de História,
que também consultamos para a
elaboração deste trabalho:
“Jetztzeit was translated as ‘here-
and-now,‘ in order to distinguish
it from its polar opposite, the
empty and homogenous time of
positivism. Stillstellung was
rendered as ‘zero-hour‘, rather
than the misleading ‘standstill‘;
the verb ‘stillstehen‘ means to
come to a stop or standstill, but
Stillstellung is Benjamin’s own
unique invention, which connotes
an objective interruption of a
mechanical process, rather like
the dramatic pause at the end of
an action-adventure movie, when
the audience is waiting to find out
if the time-bomb/missile/terrorist
device was defused or not).“
See
https://www.marxists.org/reference/archive/benjamin/1940/history.htm
[viii]
(https://aterraeredonda.com.br/w
alter-benjamin-e-a-pos-
verdade/#_ednref8) Em entrevista
concedida a um dos autores deste
artigo, em Cuba, Armand
Mattelart (2016) faz menção a um
livro, cujo título não se recordava,
de Manuel Fraginals, sobre o qual
nos informa: “O livro é muito
interessante. É uma história da
construção da economia do
açúcar. Esse livro me inspirou
muito, pois mostra como o
telégrafo e o cabo submarino, no
fim do século XIX, foram
determinantes na configuração da
bolsa internacional”.
[ix]
(https://aterraeredonda.com.br/w
alter-benjamin-e-a-pos-
verdade/#_ednref9) Ver
Hashizume, 2013. Disponível em:
https://operamundi.uol.com.br/no
ticia/27477/arquivo-mostra-como-
escravidao-enriqueceu-os-
ingleses
(https://operamundi.uol.com.br/n
oticia/27477/arquivo-mostra-
como-escravidao-enriqueceu-os-
ingleses). Acesso em 04.01.2019.
[x]
(https://aterraeredonda.com.br/w
alter-benjamin-e-a-pos-
verdade/#_ednref10)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cabo_submarino.
[xi]
(https://aterraeredonda.com.br/w
alter-benjamin-e-a-pos-
verdade/#_ednref11) José
Bonifácio de Andrada e Silva
(Santos, 13 de junho de 1763 —
Niterói, 6 de abril de 1838) foi um
naturalista, estadista e poeta luso-
brasileiro, conhecido pelo epíteto
de Patriarca da Independência por
seu papel decisivo na
Independência do Brasil.
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