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SUJEITO, CORPO E MÍDIA: A ETERNA ILUSÃO DA

COMPLETUDE

Maria Roseli Castilho Garbossa (UNIOESTE) 1

Resumo: Ao observarmos o movimento da história, percebemos, nas últimas décadas, o


crescente e rápido desenvolvimento da tecnologia e, concomitantemente, a intensificação
das necessidades de consumo criadas e estimuladas pelo capitalismo. Nesse processo,
como que quase uma regra, a mídia torna-se um meio de comunicação onipresente, e, não
raras as vezes, impondo-se como uma instituição legitimada e autorizada a dizer o que diz
do jeito que diz. Ao atentarmos, neste trabalho, utilizando os pressupostos teóricos e
metodológicos da Análise de Discurso de orientação francesa, percebemos, na organização
da revista Capricho, a centralidade assumida pelo corpo adolescente: nas matérias, que
trazem cuidados sobre ele, nas imagens veiculadas, nos anúncios publicitários, nas capas,
enfim, a totalidade discursiva da revista parece assumir o corpo enquanto um lugar
privilegiado, um “espaço” que precisa ser cuidado, mostrado e consumido. Nesse processo,
tomamos o corpo adolescente não como evidente e transparente, mas como um corpo
carregado de significações construídas ao longo da história. Corpo atravessado de
discursividade, de efeitos de sentido construídos pelo confronto do simbólico com o
político em um processo de memória funcionando ideologicamente. O que nos permite
dizer que assim como as palavras, o corpo significa, e mais ainda, o corpo vem
significando até mesmo antes que nós o tenhamos (significado). Nesse movimento, o corpo
é construído a partir de um imaginário social fortemente influenciado pela ideologia do
consumo que nos move. E é nessa relação entre o sujeito, o corpo imaginário e a mídia que
se instaura a eterna busca da completude.
Palavras-chave: Sujeito. Corpo. Mídia. (In)completude.

Considerações Iniciais

Para discorrermos a respeito da produção discursiva do corpo adolescente na revista


Capricho, tomamos os pressupostos teóricos e metodológicos da Análise de Discurso de
orientação francesa (AD), teoria que se consolidou na França na década de 60, a partir de
deslocamentos da Linguística, do Materialismo Histórico e da Psicanálise, tendo como
precursor o filósofo francês Michel Pêcheux.

1
Doutoranda em Letras pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras - nível de Mestrado e
Doutorado - área de concentração Linguagem e Sociedade da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE- câmpus de Cascavel, sob a orientação do Prof. Dr. Alexandre Sebastião Ferrari Soares. Email:
roseligarbossa@hotmail.com

1
Anais do IV Simpósio Internacional sobre Análise do Discurso: Discursos e Desigualdades Sociais.
Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG, 2016. ISBN: 978-85-7758-301-0.
Para esta perspectiva teórica, analisar o discurso é perceber as contradições
existentes nas relações sociais que produzem os sujeitos, ou seja, a materialidade
discursiva. Ao desenvolver as análises, a AD procura compreender como um objeto
simbólico produz sentidos e como ele está carregado de significados por e para sujeitos, já
que os sujeitos, ao produzirem os sentidos, remetem-se a memórias e a situações que
comprovam que os mesmos não se encontram apenas nas palavras, nas imagens, nos
textos, mas também (e mais ainda), na exterioridade, nas suas condições de produção. A
palavra, pois, é vazia de significado e não tem um sentido, mas efeitos de sentido que são
produzidos a partir das formações discursivas (FD) a que pertencem.
Cabe ressaltar que a noção de FD para a AD é essencial, já que ela controla a
produção do discurso situado em um momento social, histórico e ideológico determinado.
Para Pêcheux (2009, p.148, aspas e itálicos do autor), “a expressão processo
discursivo passará a designar o sistema de relações de substituição, paráfrases, sinonímias
etc., que funcionam entre elementos linguísticos – ‘significantes’”. É o processo discursivo
que organiza e controla o uso de um significante e não outro em dada FD, de modo a
produzir um efeito de sentido. Assim, as palavras produzem efeitos de sentido nas relações
que estabelecem com outras palavras da mesma FD. Do mesmo modo, assim como se
admite que uma palavra mude de sentido ao passar de uma FD à outra, “é necessário
também admitir que palavras, expressões e proposições literalmente diferentes podem, no
interior de uma formação discursiva dada, ter o mesmo sentido” (PÊCHEUX, 2009, p.148,
itálicos do autor). Essa é a tese de que, para a AD, não há significado, mas significantes;
por isso, as palavras não têm um sentido, mas um efeito de sentido de acordo com a FD em
que são empregadas.
Nessa perspectiva, a revista Capricho, ao discursivizar o corpo adolescente, o faz
movida pelas determinações da FD em que se inscreve, que, considerando a luta política e
econômica em uma sociedade capitalista como a nossa, é a FD dominante. Observamos
que ao construir o seu discurso sobre e para o adolescente, o periódico se utiliza de
discursos outros. No entanto, não são quaisquer discursos: apenas aqueles que se
“encaixam” na FD na qual ela está inserida e assim contribuem para reforçar aquilo que ela
afirma. Discursos outros, como de psiquiatras, psicólogos, professores, artistas famosos,
profissionais da moda e dos próprios adolescentes, que se juntam para legitimar a prática
discursiva do periódico. Vejamos um exemplo:

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(SD01) Ter autoestima é um exercício diário. A palavra chave é amor-
próprio!, Flavia Penteado, psicóloga. (CAPRICHO, Janeiro/2015, p.48).

Podemos observar nesta materialidade um dos discursos autorizados e legitimados,


o discurso médico, que se junta a outras vozes para compor a prática discursiva do
periódico a fim de lhe conferir um grau de confiança e segurança, pois não é qualquer um
que está falando, mas profissionais supostamente capacitados. Discurso que coaduna com
o “desejo de poder”, defendido por Foucault (2009). Para este autor, o desejo de poder é
facilmente identificado em nossa sociedade ao observarmos como ocorrem nas práticas do
cotidiano os procedimentos de exclusão, sendo a interdição o mais evidente: “Sabe-se bem
que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer
circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa” (FOUCAULT,
2009, p.9).
Vale lembrar que esta materialidade discursiva foi retirada da matéria “Aceitar o
meu corpo”, a qual trata de uma adolescente que, de acordo com o discurso corrente, está
acima do peso considerado ideal. Durante a matéria, a jovem relata que sofreu muita
discriminação e que, por conta disso, sofreu muito e sempre teve problemas de baixa
autoestima. Segundo ela, aprendeu a conviver com as diferenças, impostas pela sociedade,
e que agora, lida muito bem com o seu corpo. Ao afirmar que a autoestima precisa ser
exercitada diariamente e que a “A palavra-chave é amor-próprio” produz-se o efeito de
sentido de que para ter uma boa autoestima a adolescente deve acreditar em si mesma e
perceber as suas boas qualidades e, principalmente, saber lidar com aquelas que,
eventualmente, não colaboram para o seu sentimento de bem-estar. Apagam-se, nesse
discurso, o que é ter amor-próprio e mais ainda, o que fazer quando não se consegue, já
que se produz o efeito de sentido de que a autoestima é um exercício diário.
Silencia-se, no discurso da psicóloga, que esse “amor próprio” que ela afirma ser a
base da autoestima da adolescente, não é construído somente pelo sujeito, mas,
considerando que vivemos em uma sociedade burguesa capitalista e, por consequência,
discriminatória e excludente, essa avaliação passa pelo crivo cruel de uma sociedade que
dita normas e valores, no caso, do que é ser belo, saudável, aceitável e desejável. Silencia-
se ainda, que se a adolescente não conseguir se aceitar como é e viver feliz, a culpa será
somente, ou em grande parte dela, já que a palavra-chave é o amor-próprio, ou seja, é ela
que deve se amar e se aceitar, não se importando com a opinião dos outros. Diante dessas

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considerações podemos questionar: que amor-próprio é esse? Como aceitar a diferença em
uma sociedade que dita o que é ser belo, saudável e aceitável?
Quando a revista Capricho “seleciona” outras vozes discursivas para construir o
seu discurso, como a da psicóloga, na materialidade analisada, ela o faz interpelada
ideologicamente, de modo que haja condições, por parte de sua FD, para que esses
discursos outros nela se inscrevam, ou seja, sejam chamados a nela se inscreverem. Trata-
se, nas palavras de Maingueneau (2005) de uma “vocação enunciativa” que se caracteriza
por um ajustamento “espontâneo” dos sujeitos às condições exigidas. Nesse processo, a
autocensura leva a “se excluírem aqueles que não têm as qualificações exigidas ou a
possibilidade (por qualquer razão) de dotar-se delas” (MAINGUENEAU, 2005, p.137).
Nesse processo, a revista produz a sua prática discursiva de modo a construir a
imagem de uma instituição legitimada e autorizada a orientar modos de pensar, de ser e de
fazer do público leitor. Prática que se dá a partir de conselhos, sugestões e dicas diversas,
desde modos de se vestir a maneiras de pensar e agir.
E é nesse sentido que reiteramos a proposta da AD: compreender o funcionamento
do discurso, inscrevendo-o, para isso, na relação da língua com a história e buscando na
materialidade linguística as marcas das contradições ideológicas.

Corpo: uma produção discursiva regrada

Ao observarmos a organização da revista Capricho, percebemos a centralidade


assumida pelo corpo adolescente, sejam nas matérias, que trazem cuidados sobre ele, nas
imagens veiculadas, nos anúncios publicitários, nas capas, enfim, a totalidade discursiva da
revista parece assumir o corpo enquanto um lugar privilegiado, um “espaço” que precisa
ser cuidado e mostrado. Segundo Prawucki (2015),

O mundo contemporâneo tem, como um de seus referenciais, o corpo em


evidência. O corpo é colonizado, explorado, escravizado pela mídia e tido
como objeto em nome do poder econômico, tornando-se uma mercadoria
de grande valor de troca ou como um capital (PRAWUCKI, 2015, p.164).

Podemos tomar aqui, o corpo como materialidade discursiva, pois o corpo possui
sistematicidade, historicidade, e logo, interdiscursividade, o que nos permite analisá-lo nas
edições da revista Capricho buscando compreender a sua estrutura, as suas determinações
e as suas relações de sentido. O corpo, nessa concepção, não é visto apenas como limitação

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que define o indivíduo, mas como um objeto do discurso, cujos efeitos produzem
significações, deslizamentos de sentido e também silenciamentos. Para Ferreira (2013),

no corpo, como nos demais objetos discursivos , vai haver sempre uma
tensão constante que vem da própria sistematicidade do objeto (que se
organiza como uma estrutura), da historicidade que o afeta, porque nele
se inscreve e da interdiscursividade que nele está presente, porque o
constitui. Essas seriam então as condicionantes do corpo que o tornam
um objeto discursivo – sistematicidade – historicidade –
interdiscursividade (FERREIRA, 2013, p.131).

É por esse viés que o corpo adolescente é tomado na revista Capricho: um objeto
discursivo construído em dadas condições de produção, que produz efeitos de sentido
marcados pelo conflito, pela contradição e pela equivocidade. Pensar a questão dos
sentidos emergidos pelo corpo discursivizado na revista, exige lembrar que não é do corpo
empírico que estamos falando, mas do corpo interpelado, do corpo simbólico, corpo que
produz sentidos, onde trabalha a ideologia, cuja materialidade específica é o discurso.
Nesse sentido, podemos afirmar que estamos lidando com o corpo discurso que é
quando, segundo Leonel (2010, apud ORLANDI, 2012, p.85)

A carne passa a corpo por um processo [...] de discursivização da carne,


trabalho realizado ciosamente pelos agentes ideológicos que cuidam de
imaginá-la, esperá-la, educá-la, administrá-la, alocá-la em corpo discurso.

Assim, é a materialidade do sujeito que nos interessa para pensarmos a relação


entre corpo e sujeito. Não o corpo carne, corpo empírico, mas o corpo em sua
materialidade significativa enquanto corpo de um sujeito. Um sujeito interpelado pela
ideologia e que age, inconscientemente, movido pelas determinações da FD da qual faz
parte. Nesse processo, pensamos o corpo adolescente na revista Capricho não como
evidente e transparente, mas como um corpo carregado de significações construídas ao
longo da história.
Corpo atravessado de discursividade, de efeitos de sentido construídos pelo
confronto do simbólico com o político em um processo de memória funcionando
ideologicamente. O que nos permite dizer que assim como as palavras, o corpo significa, e
mais ainda, o corpo vem significando até mesmo antes que nós o tenhamos (significado).
Ao afirmarmos que o corpo já significa até mesmo antes que nós o tenhamos
significado, estamos pensando na imagem que construímos de um corpo, como por
exemplo, do corpo oriental, do corpo ocidental, do corpo do homem, do corpo da mulher,

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do corpo do homossexual, do corpo da travesti, do corpo do adolescente. O corpo é assim
construído e constituído de sentidos já dados: estabelecidos e estabilizados. E, pensando no
corpo adolescente da revista Capricho, podemos dizer que ele é (re)produzido de acordo
com a FD predominante.

Porque o corpo não escapa à determinação histórica, nem à interpelação


ideológica do sujeito. O corpo não é infenso à ideologia. Por isso pode
ser tão afetado quanto o é, em nossa sociedade de consumo, de mercado,
de tecnologias. Ele funciona estruturado pelos modos de produção da
vida material que condicionam o conjunto dos processos da vida social e
política (ORLANDI, 2012, p.95).

A partir dessa concepção, procuramos compreender o corpo do sujeito como parte


do corpo social tal como ele é significado na história. Para isso, precisamos considerar,
dentre tantas outras coisas, que o sujeito se relaciona com o seu corpo já atravessado por
uma memória, ou seja, pelo discurso social que o significa. Assim sendo, nem os sujeitos,
nem os sentidos, nem os corpos são evidentes, sempre há a incompletude, a falha, o
possível.

Corpo: que roupa eu uso?

Para pensar o corpo como um objeto discursivo é salutar considerá-lo como uma
produção cultural e ideológica. Não é possível, nesta perspectiva, tomá-lo como um corpo
empírico; como um corpo pertencente a um sujeito consciente que faz dele o que deseja.
“O que nos dá o corpo é a linguagem” (BARBAI, 2015, in:INDURSKY, FERREIRA,
MITTMANN, 2015, p.211). Assim, o que produz o corpo não é a anatomia humana, mas o
discurso que se produz sobre ele. Discurso que assim como os sentidos, não se constroem
fora da história, da memória e do interdiscurso.
Ao produzir a prática discursiva sobre o corpo adolescente, a Capricho é movida
e controlada pela FD em que se inscreve, pois, segundo a AD, esta controla todo o
funcionamento do discurso. Dessa maneira, ao construir a imagem do corpo adolescente,
não o faz por meio do retorno do que as coisas são, como se o discurso fosse sua origem,
mas por meio do interdiscurso, ou seja, por tudo o que já se pensou, já se viveu e já se
enunciou sobre o corpo em outras épocas e em outras circunstâncias, já que “o sujeito, ao
enunciar, age movido por uma formação ‘pedagógica’, não necessariamente consciente e

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sistemática (mas também), e que, portanto, diz o que diz à luz da ‘educação’ recebida”
(CATTELAN, in JELL 2011, p.155, aspas do autor).
Para melhor compreendermos esse processo, passamos à análise das materialidades
discursivas a seguir:

(SD02) Todo mundo olha no espelho e se incomoda com alguma coisa.


Uma barriguinha molenga, bumbum meio grande, coxas grossas demais.
Todo mundo já achou o corpo meio feio, meio estranho, já desejou perder
2 quilinhos para se sentir mais bonita. Até aí, tudo bem. Ainda mais na
adolescência, que é a época em que o nosso corpo mais muda na vida. O
que não é normal é deixar essa preocupação dominar a sua cabeça. Da
próxima vez que você se olhar no espelho, pare e pense com um pouco
mais de carinho: será que estou mesmo gorda? A gente te ajuda a
responder (CAPRICHO, julho 2014, p. 68).

(SD03) Quero curvas “Não tenho cintura! Help!? Com 1,77 metro, Luiza
Carvalho, 17 anos, se acha desajeitada: muito alta, com pernas longas e
sem curvas. Fã das irmãs Jenner, ela acredita que marcar a cintura
deixaria seu corpo mais definido e curvilíneo. Tem razão, Lu. E algumas
peças podem te ajudar. A saia com babados fica mais solta nas pernas e
justa (oba!) na cintura. Já a jaqueta bomber, mesmo larga, tem um
elástico que cria esta linha afunilada na silhueta. Por último, dois
curingas: vestido ou macaquinho com elástico na cintura. [...]
Jaqueta(R$119,00) e camiseta (R$29,99) Marisa, minissaia Youcom
(R$119,90) e tênis Keds (R$139,90). (CAPRICHO, julho 2014, p. 79).

Quando a revista Capricho produz o discurso sobre o corpo adolescente ela o faz
como se fosse a primeira vez, como se fosse origem do seu dizer. No entanto, tudo que ela
afirma sobre o corpo ela retoma da memória discursiva, de sentidos já construídos acerca
do corpo: um corpo idealizado e desejado. Ao afirmar, na SD02, que “Todo mundo olha
no espelho e se incomoda com alguma coisa” parece-nos que se produz o efeito de sentido
de esta é
a visão da própria pessoa, ou seja, de que o sujeito é a origem de seu desejo. No entanto, ao
tomarmos a concepção de leitura da AD, podemos inferir que a análise da imagem que o
sujeito vê no espelho não é dele. Em outros termos, só é possível para o sujeito significar o
seu corpo, se este for tomado como discurso, uma produção cultural e ideológica. Os
sentidos que ele produz para o “seu” corpo não partem (só) dele, mas de tudo que já se
falou, já se mostrou e já se viu sobre o corpo. O corpo, além do organismo vivente, é o que
a língua designa como corpo (BARBAI, 2015, in: INDURSLY, FERREIRA, MITTMAN,
2015, p. 210).

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Ao afirmar que o adolescente está insatisfeito com o seu corpo, pois se incomoda
com a “barriguinha molenga”, o “bumbum meio grande” e as “coxas grossas demais”
silenciam-se que essas características não se encaixam nos padrões estereotipados de
beleza atuais. Na mesma materialidade discursiva nos deparamos com o questionamento:
“Será que estou mesmo gorda? ”A Capricho utiliza, dentre outros, o recurso linguístico da
pergunta retórica a fim de buscar a aproximação com o leitor, despertar a atenção e o
interesse e, consequentemente, tentar provocar uma mudança de postura a respeito do
assunto de que trata. O questionamento do periódico dialoga com a adolescente, inferindo
que, supostamente, a adolescente está se achando fora dos padrões de beleza impostos pela
sociedade. Em seguida, para responder a “definidora” pergunta, “entra em cena” a revista
Capricho como uma instituição conhecedora da adolescente e assim, legitimada e
autorizada a auxiliá-la nesta tarefa: “A gente te ajuda a responder”. Resposta que está
baseada nos moldes sociais atuais, moldes em que estar com “Uma barriguinha molenga,
bumbum meio grande, coxas grossas demais” não são aceitos, pois segundo Giddens
(2002) “todos nós, nas condições sociais modernas, vivemos como que cercados de
espelhos: neles procuramos a aparência de um eu socialmente valorizado, imaculado”
(GIDDENS, 2002, p.160, in: BORBA e HENNIGEN, 2015, p.249).
Na SD03 citamos outro discurso que segue nesta mesma direção: a insatisfação da
adolescente em relação ao seu corpo, pois “se acha desajeitada: muito alta, com pernas
longas e sem curvas”. Logo em seguida, a articulista afirma que a adolescente é “Fã das
irmãs Jenner”. Diante desta leitura, podemos inferir que o fato de a adolescente se
considerar fora dos padrões atuais de beleza não é seu, mas construído socialmente, pois o
fato de ela ser “fã” de uma modelo já diz muito sobre as suas concepções de beleza.
Ao construir a sua prática discursiva sobre o corpo adolescente, a Capricho o faz
trazendo, através da memória discursiva, saberes, crenças, estereótipos e sentidos que já
foram construídos sobre o corpo ao longo da história. Nas palavras de Pêcheux (in:
ACHARD et al, 2010, p.52, destaques do autor),

a memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge como
acontecimento a ler, vem restabelecer os ‘implícitos’ (quer dizer, mais
tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados,
discursos-transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do
legível em relação ao próprio legível.

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Dessa forma, a memória discursiva permite que o sujeito “veja”, “leia” e “produza”
efeitos de sentido sobre o corpo no discurso da Capricho, pois a memória é a reconstrução
dos discursos através do pré-construído e do discurso transverso, que, no fio do discurso,
vem se restabelecer. Isso faz com que o discurso não seja homogêneo, mas marcado pela
multiplicidade e pela alteridade, pois ele é sempre composto de outros sentidos, que vêm
sempre de já-ditos em outros lugares. Parafraseando e citando Authier-Revuz (1990, p.27),
nenhum discurso é neutro, mas inevitavelmente carregado, ocupado, habitado e
atravessado “pelos discursos nos quais viveu sua existência socialmente sustentada”. E,
nesse processo, a adolescente, ao afirmar que é fã das irmãs Jenner, (re)produz um
estereótipo de beleza construído socialmente, no qual ela não se encaixa por não possuir
algumas qualidades, dentre elas, não ter cintura.
Logo à frente, a articulista afirma “Tem razão”. Podemos compreender que: a
adolescente admira um padrão de beleza imposto que é o da mulher com cintura; ela não se
considera acinturada; a articulista concorda que a adolescente não é acinturada como as
irmãs Jennner. E, então, a revista se coloca à disposição para resolver o suposto problema
da adolescente.
Para tal empreendimento, a Capricho sugere peças de roupas que a ajudarão a
tornar-se parecida com as suas fãs, pelo menos naquilo que é o seu desejo (momentâneo): a
cintura! Essas soluções são apresentadas pelo periódico na forma de produtos: “ vestido ou
macaquinho com elástico na cintura. [...]Jaqueta (R$119,00) e camiseta (R$29,99) Marisa,
minissaia Youcom (R$119,90) e tênis Keds (R$139,90). (CAPRICHO, julho 2014, p. 79).
Parece-nos que aqui reside o principal interesse da revista: propor e vender às adolescentes
um sonho de completude.
Podemos pensar que é essa vontade de se tornar, no caso, parecida com as fãs e,
supostamente estar próximo de uma suposta perfeição de beleza, que controla a produção
dos discursos, dos comportamentos e dos sentidos. Uma “força” que move o motor do
modo de produção atual, o capitalista, pois os sujeitos estão sempre em busca de algo que
os completaria e, em se tratando do corpo, estão, não raras as vezes (para não generalizar)
procurando alguma maneira de ilusoriamente atingir, ou pelo menos encontrar um artifício
para “disfarçar” a falta, e, atingir a suposta perfeição.

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Algumas considerações (não) finais

Nesse emaranhado, que é o discurso, atentamos a uma questão relevante, o fato de a


revista trabalhar no sentido de propor soluções para os supostos “problemas” que ela
enfatiza e divulga. Questões que momentaneamente são resolvidas através de pequenos
“ajustes”. Cabe ressaltar, que esses apetrechos sugeridos são, nada mais, nada menos, que
produtos e marcas da própria revista e/ou de seus parceiros financeiros.
A Capricho reproduz, legitimada pela voz das adolescentes, insatisfações das mais
variadas formas sobre o corpo. A partir dessas “neuras”, o sujeito é levado, ou pelo menos
é o que se pretende, via comportamentos e produtos sugeridos pelo periódico, a atingir,
momentaneamente, o ideal de beleza pretendido. Eis a ilusão de consciência e completude
do sujeito.
De acordo com o analisado, a adolescente acredita que se usar determinadas peças
do vestuário, as quais aparentemente disfarçam o que ela (e não só ela) acredita ser
imperfeições diante de estereótipos de beleza propagados, se sentirá melhor, mesmo que o
suposto “problema” continue lá. Já que se não é mostrado, ilusoriamente ele não existe
mais, pelo menos enquanto estiver “disfarçado” sob o produto anunciado.
Nessa direção, a sociedade capitalista dita um padrão de beleza, proporciona e
estimula a necessidade (a falta) para então oferecer produtos que supostamente
preencherão esta lacuna - imediata – pois elas, as lacunas, nunca serão totalmente
preenchidas, pois são elas que alimentam a busca, via consumismo.
Assim, a mídia, a publicidade, o corpo, o consumo e o sujeito mantêm uma forte e
estreita relação simbólica/capitalista. O aparecimento e o aperfeiçoamento das novas
tecnologias e, consequentemente, o desenvolvimento das indústrias potencializou a
produção em série e, diante desse fato, propiciou a “criação” de consumidores em
potencial, dentre eles, o público adolescente.

Referências

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AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Heterogeneidade(s) Enunciativa(s). Trad. Celene M.


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42, jul/dez. 1990.

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BARBAI, Marcos Aurelio. O fracasso do intervalo semântico: significante, sentido e
corpo. In: INDURSKY, Freda, FERREIRA, Maria Cristina Leandro, MITTMANN,
Solange (organizadoras). Análise do discurso: dos fundamentos aos desdobramentos (30
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BORBA, Mário Pereira e HENNIGEN Inês. Composições do corpo para consumos: uma
reflexão interdisciplinar sobre a subjetividade. Psicologia e sociedade, vol. 27(2), p.246-
255, Belo Horizonte maio/ago. 2015. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010271822015000200246&lng=
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CATTELAN, João Carlos. Que eu fico de olho. In: As línguas em diálogo : perspectivas e
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FERREIRA, Maria Cristina Leandro. Discurso, arte e sujeito e a tessitura da linguagem.


In: INDURSKY, Freda , FERREIRA, Maria Cristina Leandro e MITTMANN, M C .
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PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni
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PRAWUCKI, Rubens. “A população ultimamente está fazendo uma corrida apressada


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REVISTA CAPRICHO. São Paulo: Abril, Janeiro, 2015. Brasil.

___________________. São Paulo: Abril, Julho, 2014. Brasil.

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