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Portugal
JUL.2018
Em plena era da “Educação 4.0” (expressão aqui utilizada enquanto conceito formal de
aplicação das novas tecnologias como meio de alavancar o processo de ensino-
aprendizagem), ousar defender a importância da literatura infantil no processo
educativo de socialização, pode parecer algo anacrónico, obsoleto, ou até mesmo
utópico, sobretudo se nos debruçarmos na literatura infantil em formato analógico,
aquela que se folheia, se toca e sente em cada página de papel, aquela que se arruma e
desarruma nas estantes do “cantinho da leitura” na sala do Jardim de Infância, aquela a
que se acede por meio da emoção do encontro, sem tecnologias de permeio.
Sem desprimor para a relevância das mudanças que os mais diversos segmentos
tecnológicos aportam aos processos educativos e de aprendizagem, cabe aqui referir
que será esta velocidade na inovação tecnológica, esta exigência constante de
desenvolvimento de novas habilidades digitais, que nos desperta para a urgência de
salientar que, a montante de tudo isto, nos devemos focar na educação para o “ser”, o
lugar da interioridade, da inteligência emocional, sem a qual as inteligências artificiais e
as habilidades digitais poderão deixar de fazer sentido e simplesmente se perderem na
voragem da conectividade global.
Existe atualmente um leque alargado de obras neste universo da literatura infantil que
veiculam contributos notáveis a este nível, porém as/os mediadoras/es (mães, pais,
educadoras/es) estarão cientes do potencial transformador de cada um desses “novos”
livros, quando os fazem chegar às crianças?
Importa aqui referir que a intervenção da UMAR[1] em meio escolar, tem vindo a
desenvolver-se ao longo das duas últimas décadas e tem procurado responder às
inúmeras solicitações que nos chegam por parte de diversos estabelecimentos de
ensino, com vista à realização de ações de sensibilização e de informação dirigidas à
comunidade educativa (discentes de todas as idades, docentes, pessoal não docente,
mães, pais, encarregadas/os de educação). As temáticas mais solicitadas recaem sobre
a violência doméstica e de género, o bullying (com enfoque especial para o que decorre
de situações de xenofobia e lgbti_fobia), a violência exercida através de novas
tecnologias e sobretudo, a violência no namoro.
Mas se, por um lado, esta é ainda a esteira dos contos tradicionais (e que muitos dos
contos escritos na atualidade insistem em reproduzir), por outro lado, é indiscutível o
mundo de mudanças em que vivemos; no seio destas mudanças, destacam-se as
conquistas pela igualdade, sobretudo as de género que veem marcar as relações
interpessoais, familiares, promovendo uma crescente variedade nos modelos de
convivência.
Torna-se, pois, necessário que a literatura infantil contemporânea seja também ela um
reflexo destas novas realidades (e já o é efetivamente em muitas das novas produções
literárias) e, nesta medida, se assuma como agente socializador que proporcione às
novas gerações uma nova forma de ver / interpretar o mundo. É fundamental que todas
as crianças (independentemente da sua identidade e expressão de género) se vejam
representadas como iguais nos livros e histórias que lemos na escola. O combate ao
sexismo e a prevenção das violências de género faz-se também por esta via.
Este Kit pretende ser uma ferramenta de apoio que visa proporcionar uma maneira fácil
de identificar as atitudes das crianças relativamente aos estereótipos de género, e ainda
um meio de provocar mudanças de pensamento e formas de agir, através de histórias
construídas coletivamente pelo grupo. O objetivo central é construir histórias,
desconstruindo preconceitos. Para este efeito, o Kit disponibiliza os seguintes materiais:
7 cubos/dados; 6 fichas de atividades (para fotocopiar); 42 cartas; 1 placa de feltro (para
afixar as cartas); 1 Guia – Dividido em duas partes: sugestões de atividades e de leitura.
As/os destinatárias/os são crianças dos 3 aos 6 anos e suas/seus educadoras/es. Sendo
também possível a sua adaptação prática a crianças do 1º ciclo do ensino básico,
potencializando a iniciação da escrita criativa dos contos que as atividades lúdicas
proporcionem descobrir/construir.
No desenrolar deste projeto, nas experiências que tivemos no meio pré-escolar, foram
recorrentes situações em que observámos crianças que já tinham interiorizado um
conjunto de preconceitos, que se traduziam em atitudes sancionatórias: “os meninos
não brincam com os Nenucos” ou “as meninas não sabem jogar à bola”.
Com efeito, não podemos controlar a forma como veem o mundo (ou como este lhes é
apresentado, nas mais diversas situações de interação), mas podemos apoiar as crianças
neste processo de interpretação e questionamento das realidades que as cercam, na
senda de um mundo mais igual e na promoção de identidades verdadeiramente livres.
O debate sobre a igualdade de género nas escolas não pretende a anulação das
diferenças entre meninas e meninos, pretende sim garantir espaço à diversidade e
impedir que as diferenças se transformem em desigualdades.
A exploração deste kit pretende também ser um exercício de liberdade que pode ir
muito além das propostas sugeridas – podem formar-se novas histórias e alterar as
combinações; existem inúmeras possibilidades: um simples lance de 3 ou mais dados
pode ser ponto de partida para começar uma nova história e exercitar a criatividade com
o grupo.
Cada uma das sugestões de leitura constituem pois um pretexto para aprofundar e
clarificar os temas em análise, mas permitem também estabelecer pontes entre aquilo
que se apreendeu (revisitando, na conversa em grande grupo, o que ficou da atividade
realizada) e outros contextos, reais ou imaginários, que com elas se relacionam.
Referências