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ISSN 2177-3548
[1] Núcleo Paradigma de Análise do Comportamento, Brasil [2] Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil. | Título abreviado: Esquizofrenia e
análise do comportamento | Endereço para correspondência: Rua Wanderley, 611. CEP: 05011-001. São Paulo, SP. | E-mail: carolina.martone@uol.com.br |
Nota: Este texto foi produzido a partir da Introdução da dissertação de mestrado da primeira autora, orientada pelo segundo autor no Programa de Estudos
Pós-Graduados em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Financiado pela CAPES.
Resumo: O presente estudo tem por objetivo apresentar como a análise do comportamento
vem abordando o fenômeno da esquizofrenia. Ele compreende duas partes: (a) descrição dos
modelos experimentais animais relacionados a comportamentos esquizofrênicos (i.e., iso-
lamento social, inibição latente e desamparo aprendido) e (b) apresentação de intervenções
aplicadas (e.g., economia de fichas e abordagens analítico-funcionais). Os resultados apontam
que a esquizofrenia, por ser um quadro multideterminado, continuará exigindo diferentes
abordagens de estudo. Acreditamos que o conhecimento mais aprofundado das característi-
cas biocomportamentais, por meio de modelos animais, bem como a contínua busca de estra-
tégias aplicadas, das quais destacamos o modelo analítico-funcional, serão fatores essenciais
para que a análise do comportamento volte a investigar esse fenômeno de modo sistemático,
seja em laboratório ou em contextos sociais.
Palavras-chave: esquizofrenia, análise funcional, modelos animais, economia de fichas.
Abstract: This article presents a behavioral-analytic view about schizophrenia and comprises
two parts: (a) presents previous work on animal behavioral experimental models related to
schizophrenic behaviors (i.e., social isolation, latent inhibition and learned helplessness) and
(b) applied interventions (e.g., the token economy and functional analytic approaches). The
results indicate that schizophrenia continue requiring different approaches to the study. We
believe that better understanding of biobehavioral characteristics, as well as the continued
pursuit of applied strategies, of which we highlight the functional analytical model, will be
key factors for the return of behavior analysis to investigate this phenomenon systematically,
in both laboratory and social contexts.
Keywords: schizophrenia, functional analysis, animal models, token economy.
Esquizofrenia é uma doença que se caracteriza por Transtornos Mentais e Modelos Animais de
uma ampla desorganização dos processos mentais. Psicopatologia
Trata-se de um quadro complexo, que apresenta Modelos experimentais que utilizam animais infra-
sintomas nas áreas do pensamento, da percepção -humanos como sujeitos vêm tentando reproduzir
e das emoções, causando significativos prejuízos em laboratório fenômenos análogos aos processos
ocupacionais (American Psychiatric Association, “psicopatológicos” observados em seres humanos.
1994). Em geral, o indivíduo com esquizofrenia Nesse caso, o foco não é todo e qualquer compor-
modifica seus planos, ideias, convicções e ações por tamento humano, mas aqueles que em nossa cul-
causa de eventos não compartilhados pelos outros. tura são chamados de transtornos mentais e para
O transtorno caracteriza-se, sobretudo, pela pre- os quais há demanda social por uma compreensão
sença de sintomas positivos (e.g., comportamentos sistematizada (Silva, 2003).
bizarros, discursos delirantes e perseveração sobre Entre as vantagens do uso de animais infra-hu-
um tema) e (b) negativos (e.g., embotamento afe- manos no estudo de comportamentos psicopatoló-
tivo, alogia [respostas lacônicas, breves e vazias] e gicos, destacam-se o controle da história de vida e
avolição [contato visual restrito e ausência de ex- da hereditariedade, a possibilidade de isolamento de
pressão facial]). variáveis, o monitoramento sistemático dos compor-
Na análise do comportamento, intervenções tamentos e a verificação das mudanças consequentes
aplicadas junto a essa população remontam à década à manipulação de eventos (Thomaz, 2001).
de 1950, sendo decorrentes de estudos experimentais Vários modelos têm sido propostos para simular
com animais (Scotti, McMorrow & Trawitzki, 1993). parcialmente a esquizofrenia. Os mais utilizados ba-
O interesse inicial deu ênfase a trabalhos que foram seiam-se em mudanças produzidas por drogas e por
desenvolvidos com pacientes psiquiátricos crônicos. lesões cerebrais em áreas supostamente envolvidas na
Skinner (1959/1999) abordou os comportamentos esquizofrenia (Silva, 2003). Entretanto, alguns mode-
psicóticos característicos de alguns transtornos men- los animais simulam este transtorno por meio de ma-
tais (e.g., esquizofrenia) como produtos de uma his- nipulações do ambiente, utilizando tratamentos não
tória particular de reforçamento e, portanto, regidos farmacológicos para provocar sintomas específicos
pelos mesmos princípios que governam qualquer do transtorno (Alves & Silva, 2002). Destacamos os
outro tipo de comportamento. modelos de isolamento social (Mckinney & Bunney,
Ainda para Skinner (1981), o comportamento 1969), de inibição latente (LI, Lubow, 1998) e de de-
humano é multideterminado. Produto da ação inte- samparo aprendido (Seligman, 1977).
grada e contínua de contingências filogenéticas, on- No modelo de isolamento social (Mckinney &
togenéticas e culturais, seu estudo requer diversas Bunney, 1969), um animal é isolado da mãe nas pri-
estratégias. Por um lado, estudar o ser humano por meiras semanas de vida e colocado em uma gaiola
meio de animais infra-humanos faz parte da análise individual sem contato físico e visual com outros
experimental do comportamento como ciência bio- membros da espécie. Quando esse animal é retira-
lógica. Por outro lado, estudar os processos pelos do do isolamento, observa-se uma diminuição da
quais se aplicam os princípios do comportamento frequência de vários comportamentos relacionados
num ambiente social faz parte da análise do com- à interação social e ao consumo de alimento, quan-
portamento aplicada. do comparada ao padrão comportamental de um
Assim, o presente artigo tem por objetivo grupo controle.
apresentar como a análise do comportamento Alves e Silva (2002) assinalam que os modelos
vem abordando o fenômeno da esquizofrenia. animais que utilizam o isolamento social se preo-
Para isso, vamos (a) descrever os modelos expe- cupam em verificar consequências futuras da falta
rimentais que utilizam animais infra-humanos de contato social no início da vida e sugerem que
como sujeitos e (b) apresentar algumas estratégias o desequilíbrio na comunicação social e a falta de
aplicadas que têm buscado soluções para que indi- contato social são sintomas relevantes da esqui-
víduos com esse quadro possam ter uma vida mais zofrenia. Os autores apontam que os resultados
adaptada socialmente. desses estudos mostraram estados depressivos
A dificuldade em promover a generalização dos e deve apresentar a manipulação de cada fator que
comportamentos adquiridos para outros ambientes contribui para o aparecimento do comportamento-
gerou algumas revisões sobre o PEF. Por exemplo, -problema, comprovando a validade dos dados en-
Gripp e Magaro (1974) definiram o PEF como um contrados na fase anterior.
sistema social-psicológico complexo. Para os auto- Por exemplo, Iwata et al. (1994) expuseram 152
res, somente com o conhecimento das variáveis en- sujeitos a uma série de condições nas quais os even-
volvidas nesse sistema se poderia avaliar a eficácia tos antecedentes e consequentes ao comportamen-
de procedimentos operantes específicos. Nelson e to autolesivo foram examinados sistematicamente.
Cone (1979) e Kazdin (1982) acrescentaram que, A análise funcional experimental revelou que re-
além de analisar mudanças no comportamento-al- forçamento social negativo (na forma de fuga da
vo, considerar variáveis como o tipo de ambiente execução de tarefas) manteve o comportamento-
institucional (e.g., enfermarias psiquiátricas, refor- -problema em 38.1% dos casos estudados, reforça-
matórios e prisões), a qualificação e o treino das mento social positivo (atenção ou acesso à comida
equipes das instituições, a ocorrência de generali- e a materiais de lazer) foi responsável por 26.3% e
zações dos comportamentos treinados fora das ins- reforçamento automático por 25.7%. Em 9.9% dos
tituições e a manutenção do tratamento adquirido, casos, não ocorreu um padrão de respostas consis-
seria fundamental para o planejamento das inter- tente para que os resultados fossem incorporados
venções aplicadas do PEF. aos números acima.
Para Schock et al. (1998), os modelos compor- A extensão dos trabalhos desenvolvidos por
tamentais das décadas de 1960 e 1970, baseados Iwatta et al. (1994) se propagou para alguns estudos
principalmente em contingências de reforçamen- envolvendo pacientes psiquiátricos (Mace & Lalli,
to positivo, mostraram-se muito simplistas para a 1991; Wilder, Masuda, O’Connor, & Baham, 2001).
compreensão de fenômeno tão complexo, sobretu- Mace e Lalli (1991) usaram métodos descritivos
do por não considerarem muitas das variáveis de e experimentais para analisar os determinantes am-
controle envolvidas (e.g., contingências de reforça- bientais de um adulto com esquizofrenia quando
mento negativas, como fuga e esquiva, e o papel dos da emissão de discurso bizarro (i.e., frases que se
eventos antecedentes). referiam a estímulos não presentes ou discutidos
Na década de 1990, novos estudos surgiram durante as avaliações). Uma análise baseada em ob-
propondo enfraquecer comportamentos-problema, servação direta dos comportamentos revelou que
relacionados especialmente ao tratamento de crian- as vocalizações bizarras ocorriam com maior fre-
ças com autismo e adultos com problemas de desen- quência na presença de tarefas e na ausência de
volvimento (Scotti et al., 1993). Diversas metodolo- atenção. Quando o discurso bizarro foi emitido
gias foram apresentadas para identificar os eventos durante as solicitações de tarefa, estas foram sus-
antecedentes e consequentes associados à apresen- pensas e o comportamento observado. Quando
tação de problemas de conduta. Destacamos aqui a as vocalizações bizarras ocorreram na ausência de
análise funcional experimental descrita por Iwata, atenção da equipe, atenção foi fornecida.
Dorsey, Slifer, Bauman e Richman (1982/1994). As duas hipóteses para a manutenção do dis-
Os autores destacaram três formas para ava- curso bizarro (esquiva de tarefas e ausência de
liação e identificação dos eventos ambientais res- atenção) foram testadas e somente a hipótese de
ponsáveis por comportamentos desajustados: (a) comportamento mantido por obtenção de atenção
métodos indiretos, que se baseiam em relatos ver- se manteve. Os dados encontrados permitiram a
bais, como entrevistas e escalas; (b) análise des- proposição de duas intervenções: (a) fornecer ao
critiva, que avalia o comportamento do indivíduo sujeito atenção não contingente às verbalizações bi-
em sua interação com o ambiente, sem manipular zarras e (b) treinar novas habilidades de linguagem
as variáveis suspeitas de influenciá-lo, e se baseia (i.e., verbalização adequada). As duas intervenções
em dados observáveis no contexto natural onde os foram efetivas em suprimir o discurso bizarro.
comportamentos se desenvolvem; (c) análise fun- Em outro estudo, também com o objetivo
cional ou experimental, que simula um experimento de observar que eventos mantinham uma classe
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Histórico do Artigo
Submissão em: 02/10/2011
Primeira decisão editorial em: 25/11/2011
Aceito para publicação em: 30/11/2011