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NOSSO

CONTEMPORÂNEO
NOSSO
CONTEMPORÂNEO
ConselhoEditorialdaJMEJfp
Darci D usilek, Fausto A guiar de Vasconcelos, Joaquim de Paula Rosa. .loelcio
Rodrigues Barreto, Jean Young. Uirassú Tupinam bá M endes C âm ara, Josem ar de S ouza Pinto,
M ard lio de Oliveira Filho. M argarida Lemos G onçalves, M crval de Sou^a Rosa, M yrtes M athias.
N apolião José Vieira, N ian d er W inter. O rivaldo Pim entel Lx>pcs. O sw aldo Ferreira BomFim.
R oberto Alves de S o u /a , Z aquen M oreira de Oliveira
ISALTINO GOMES COELHO FILHO

UACCA

CONTEMPORÂNEO

Um estudo contextualizado do livro de Jonas

A
JUERP
Todos os direitos reservados. Copyright (c) 1992 da Junta de
Educação Religiosa e Publicações da CBB.

Coelho Filho, Isaltino Gomes


G672j Jonas: nosso contemporâneo/Isaltino
Gomes Coelho Filho.----- Rio de Janeiro:
JUERP, 1992.
68p.; 20,5cm.
Inclui Bibliografias
1. B íb lia ------A .T .------- J o n a s -------
Comentário. 2 .Jo n as----- Comentário I.
Titulo

CDD (20?) 224.9207


224.92.07

Capa: Queila Mallet


Código para pedidos: 216020
Junta de Educação Religiosa e Publicações da
Convenção Batista Brasileira
Caixa Postal 320 — CEP: 20001-970
Rua Silva Vale, 781 — Cavalcânti — CEP: 21370-360
Rio de Janeiro, RJ, Brasil

3.000/1992

Impresso em gráficas próprias


DEDICATÓRIA

Este livro é dedicado aos nossos obreiros de Missões Mundiais.


Eles obedeceram e não precisaram ser engolidos por nenhum peixe.
Com esta dedicatória declaro-lhes minha admiração e meu respeito por
suas vidas.
Sumário

Apresentação................................................................................ 9
1. A Figura de Jo n as......................................................................... 11
2. Ura Espoço Para Compreender o Livro...................................... 15
3. Envolvendo-se em Problemas...................................................... 17
4. Um Homem Insensível............................................................... 21
5. Descendo Mais um Pouco.......................................................... 25
6. Das Profundezas Clamo a T i ...................................................... 29
7. Uma Segunda Oportunidade...................................................... 35
8. Uma Conversão N acional........................................................... 41
9. E Deus V iu .................................................................................. 47
10. Um Ortodoxo Impiedoso............................................................. 51
11. Quem Tem Ouvidos, O u ça.......................................................... 57
12. O Desafio de Jonas....................................................................... 63
Notas Bibliográficas..................................................................... 67
APRESENTAÇÃO

Garimpeiro experiente das inesgotáveis minas da Bíblia Sagrada, o


Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho nos conduz mais uma vez para a
região aurífera do Velho Testamento, desta feita por onde andou Jonas —
O Profeta Fujão — e, aí, se demora em apresentar-nos um dos mais popu­
lares personagens bíblicos, seu relacionamento com Deus, com a missão
que recebeu e com o povo do seu tempo.
Sobre realçar toda a magnitude do profeta, leva-o a deixar as
páginas do Velho Livro e se tornar nosso conhecido íntimo, espelho de
muitas de nossas lutas, temores, decisões, desacertos e acertos, que
nos conduzem à presença e soberania de Deus na história e em nossas
vidas, Deus que nos corrige e cria condições para que cumpramos o
seu querer.
Jonas: Nosso Contemporâneo é livro para pastores, missionários,
vocacionados, obreiros cristãos em geral e para os crentes que formam
nossas igrejas.
Seguindo os seus antecessores — Ageu: Nosso Contemporâneo,
Habacuque: Nosso Contemporâneo, Malaquias: Nosso Contemporâneo
e Tiago: Nosso Contemporâneo — esta nova obra nos leva a amar
ainda mais a Bíblia e o Deus que no-la deu para que a examinássemos,
pois que nela julgamos ter a vida eterna (João 5.39). Ela é livro onde
aprendemos mais de Jesus e sua missão. Livro que nos desnuda à nossa
própria vista, levando-nos a entender a missão que recebemos de Deus
e os melhores caminhos para que sua vontade se realize em nós e através
de nossa presença no mundo.
Colega de turma nos anos 1968-1971 no curso de Bacharel em
Teologia do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil — Rio de Janeiro
víamos, os outros companheiros e eu, o nosso hoje consagrado autor
<)
como alguém que muito contribuiria para o avanço da causa de Cristo
em nosso país. A realidade tem superado em muito a nossa visão.
Pastor de igreja local, exegeta e expositor bíblico respeitado, confe­
rencista nacionalmente requisitado, militante na docência e administração
teológica, homem profundamente identificado com as lides cristãs de seu
tempo, chefe de família bem-sucedido, a tudo isso aduz-nos o autor mais
este débito de reconhecimento e gratidão por seu livro que agora estamos
compulsando e que, terminada a leitura, deixar-nos-á mais enriquecidos
no conhecimento e na graça de nosso Senhor Jesus Cristo.
Ao tempo em que agradeço o privilégio desta apresentação, fico à
espera de seus próximos tomos, trazendo mais personagens bíblicos à
contemporaneidade, ajudando-nos a evitar os defeitos e erros que marcaram
a vida deles e imitar-lhes os passos naquilo em que se houveram bem na
presença de Deus e de seus contemporâneos.

Rio de Janeiro, novembro de 1992.

Pr. Joaquim de Paula Rosa

Superintendente Geral da JUERP

10
1

A FIGURA DE JONAS

Jonas, Nosso Contemporâneo é mais um da família que já tem


como irmãos mais velhos Tiago, Malaquias, Habacuque e Ageu. Bastante
criticado em nosso meio (e, da forma como o livro foi estruturado e sua
pessoa é apresentada, é muito difícil deixar de fazê-lo), onde é conhecido
como “o profeta fujão”, ele é o quinto dos chamados profetas menores,
uma designação bastante imprópria porque pode dar a' impressão que
eles são de menor valor que os demais. E isso eles não são, de maneira
nenhuma. Pode parecer que haja pouco para nós nesta história tão distante
6 tão sujeita a discussões. O que tem para nos ensinar, hoje, a história
de um homem que se recusou a pregar num lugar que nem mais existe,
e que foi engolido e vomitado por um peixe? Tal história cheira a lenda.
Pode ter alguma relevância para o nosso mundo hoje? Há nela alguma
coisa de valor para nós?
Sem dúvida alguma, Jonas é uma das mais intrigantes personali­
dades de toda a Bíblia. É até pouco provável que na vasta historiografia
das religiões mundiais tenhamos gente tão estranha quanto ele. Afinal,
aconteceu com Jonas aquilo que é o sonho de todo pregador: conversões
em massa. Uma cidade inteira se converteu. E ele se sentiu irritado com
isso. Aliás, mais do que irritado, ele se sentiu profundamente deprimido,
a ponto de desejar morrer. Coisa raríssima: um homem frustrado porque
alcançou sucesso. Sabemos de gente que se amargurou por não obter
a vitória almejada, mas de gente que obteve sucesso e desejou morrer,
exceto Jonas, não temos conhecimento. Talvez alguém torturado pelas
modernas crises existenciais. Sem dúvida, Jonas é um tanto desconcer­
tante para os nossos esquemas mentais. Mas, coisa curiosa, veremos que
muitos de nós agimos exatamente como ele.
Na realidade, poucas personagens são tão enriquecedoras como
este profeta. E, no entanto, sabe-se pouco sobre ele. No Antigo Testa­
mento, fora do livro que leva o seu nome, ele é citado apenas em 2Reis
14.25 e, mesmo assim, circunstancialmente. Ele é um elemento de refc
rência. No livro que leva o seu nome, ele surge na terceira pessoa tio
singular (alguém está falando sobre ele e não ele mesmo está narrando
sobre si). Uma pena é que sua pessoa tenha passado para lugar inferior,
em relação ao espaço que o grande peixe que o engoliu tem ocupado.
Quando se pensa em Jonas, pensa-se logo no peixe. Compulsamos um
comentário que despendeu mais espaço com o problema do peixe do que
com a figura de Jonas. Embora, pessoalmente, não achemos que ele seja
a personagem principal do livro (e pretendemos justificar a opinião), não
cremos que o peixe deva merecer mais atenção que o profeta. Mas
compreende-se tal postura de alguns. É que o peixe se tornou o padrão
para se saber se a pessoa é conservadora ou liberal. Um liberal dirá que
o peixe é uma figura de linguagem, não um peixe de verdade. Um conser­
vador dirá que o peixe é literal. E parece haver mais preocupação com
isso do que com a edificação proveniente do ensino da Palavra. Não
podemos permitir que a batalha pela ortodoxia se torne mais importante
do que o conteúdo da mensagem que a ortodoxia deseja preservar.
Um exemplo disso: sabedor que este escritor estava preparando um
comentário sobre Jonas para a série Nosso Contemporâneo, disse-lhe
um colega: “Muito bem, quero ver o que você vai dizer sobre o peixe.
Vamos descobrir quem você é.” Pois bem, premeditadamente, este autor
omite a discussão sobre a problemática do peixe. Não por fuga, mas por
uma questão bem simples: tais discussões não interessam ao povo de Deus,
ao povo de nossas igrejas. São acadêmicas, de gabinete de desocupados,
e servem mais para “pegar adversários” do que para edificar o povo de
Deus. Não é com questões como estas que nossa gente está preocupada.
A membresia de nossas igrejas está mais preocupada com problemas reais,
do dia-a-dia, do que com questões técnicas de crítica bíblica. E a linha
dos comentários desta série não privilegia a abordagem da crítica textual,
a não ser para esclarecer um ponto que elucide o conteúdo. A principal
preocupação é verificar o que o autor tem para dizer a nós, vestibulandos
do século XXI. Mas, para evitar interpretações equivocadas sobre sua
atitude, declara sem rodeios que crê pia e firmemente que Deus poderia
ter feito as coisas se passarem literalmente como consta no livro. Não
nutre a menor dúvida quanto a isto. E crê também na soberania de Deus,
sua capacidade infinita de ensinar lições como deseja ensinar, sem nos
pedir esclarecimentos sobre como deve proceder, e que poderia ter cons­
truído aqui uma parábola. É-lhe absolutamente indiferente a discussão
sobre este aspecto. Desde que se converteu, sua preocupação sempre foi
saber o que a Bíblia ensinava. As discussões sobre a Bíblia nunca o fasci­
naram, mas sim o discurso dela. E tampouco lhe assiste o direito de
declarar alguém como conservador ou liberal. Afinal, um homem do
porte intelectual e espiritual do Dr. A. R. Crabtree, uma das maiores

12
autoridades em Antigo Testamento que o Brasil batista já conheceu,
defendia a posição de que o livro de Jonas era uma parábola e não um
evento literal.1Mesmo discordando dele, há que se respeitá-lo como um
expoente bíblico seguro e não liberal.
Jonas é um contemporâneo nosso como poucos profetas o são. Nele
vemos muitos dos nossos preconceitos contra aqueles que não são da
nossa fé. Vemos muito da nossa maneira arraigada de entender as coisas
e querer que Deus tenha um ponto de vista semelhante ao nosso. Até
mesmo a rabugice de Jonas é encontradiça em nosso meio, na mente
de muitos. Este autor, particularmente, se viu em Jonas. Viu muito das
suas próprias idiossincrasias. Viu muito das esquisitices dos seus irmãos
e do seu povo (e não porque assim o quisesse, mas porque saltam aos
olhos). Mas sentiu-se grandemente confortado. A graça de Deus é muito
grande e supriu as deficiências do profeta, como pode suprir as dos que
querem servi-lo, mas tropeçaram, como este autor, em suas limitações.
Queremos fazer-lhe um convite: caminhe conosco pelas páginas
deste comentário, observando o nosso intrigante profeta. Veja como é
um homem muito bem-intencionado para com a obra de Deus, mas
bastante confuso e até mesmo atrapalhado. Pretende saber mais do que
Deus e quer corrigi-lo. Veja também como seus conceitos teológicos, esta­
belecidos de antemão (como o teólogo Rubem Alves gosta de chamar,
pré-conceitos) quase o impediram de ser útil a Deus. É um homem que
tem teologia própria (e é por isso que ele é tão contemporâneo nosso,
como nos é possível ver em alguns rompantes doutrinários hoje: “O meu
Deus não faz assim”, expressão que geralmente introduz uma posição
polêmica de quem fala. Jonas presumiu que sabia resolver os problemas
de Deus melhor do que o próprio Deus. Pbr causa de seus preconceitos
teológicos, recusou-se a ser um missionário, uma bênção para os outros.
E, é com tristeza que o dizemos, veja conosco como muitas vezes os gentios
(no nosso contexto, os não-crentes) por vezes exibem padrões espirituais
bem mais elevados que os do povo de Deus. Há bastante para aprender
de Jonas. Basta querer.

II
2
UM ESBOÇO PARA COMPREENDER
O LIVRO

Para bem entender qualquer livro, uma visão do seu esboço se torna
indispensável. Ele nos ajudará a perceber o plano do autor e também nos
permitirá ter uma compreensão global da obra. Perde-se muito do sentido
de um livro quando se faz uma análise das partes sem se ver o todo. Por
isso, esbocemos o livro do nosso profeta.
U m esboço bem simples e literal é aquele que vê cada capítulo como
sendo uma unidade completa. Teríamos, então:
1. Missão e fuga — capítulo 1
2. Punição e salvamento — capítulo 2
3. Pregação e conversão — capítulo 3
4. Queixa e repreensão — capítulo 4
Se a preocupação fosse ter um esquema do livro, este esboço nos seria
suficiente. Mas o nosso objetivo maior é descobrir o que está por trás do
enredo e não apenas vê-lo. Por isso, na obra de Vincent Mora, Jonas, vamos
encontrar um esboço que nos auxiliará na compreensão. Eis a proposta
do comentarista: dividir o livro em duas partes, a primeira indo de 1.1 até
2.11,easegundaindode3.1 até4.11.Eobservaeleque 1.1 (“veio a palavra
do Senhor a Jonas”) e 3.1 (“veio a palavra do Senhor a Jonas”) são expres­
sões correspondentes, iniciando as duas partes. Assim, ele nos mostra três
divisões que aparecem nas duas partes. Ei-las:

Primeira parte Segunda parte


1.1 a 1. 3 — Deus envia Jonas em missão aos pagãos — 3.1 a 3.4
1.4 a 1.16 — Deus e os pagãos — 3.5 a 3.10
2.1 a 2.11— Deus e Jonas — 4.1 a 4.11

Ora, este esboço de Mora tem um alcance extraordinário, dentro da


sua feliz simplicidade. Ele nos mostra que o sujeito do livro, além de não
ser o grande peixe, não é nem mesmo Jonas. É Deus. Há muito sentido
nesta afirmação. O livro começa com “a palavra do Senhor” e conclui com

IS
o Senhor falando. A palavra do Senhor desencadeia o processo e também
o encerra. E sobre o que Deus fala no fim do livro? Qual o seu assunto
final? A conclusão da pequena obra profética se dá com uma pergunta
de Deus sobre Deus. Ele é o sujeito e, ao mesmo tempo, o tema da
pergunta. Isto porque ele, Iavé, é a pessoa principal do livro, a figura domi­
nante. Jonas, queira ou não, tem que ir a Nínive. Há uma personagem
toda-poderosa, que está presente no livro, do princípio ao fim, sempre
no primeiro plano, mesmo que em oculto, e que conduz as coisas como
ela deseja: Deus.
Sim, é Deus quem dita o rumo dos eventos. Ele ordena a Jonas
que pregue em Nínive (1.1). Quando o comissionado foge, ele o alcança
no navio (1.4). Prepara um peixe que o engole (2.1). Manda ao peixe
vomitá-lo (2.10). Ordena novamente ao recalcitrante profeta que cumpra
a sua missão (3.1). Poupa Nínive (3.10). Chama o profeta, à atenção pela
primeira vez (4.4). Chama-o à atenção pela segunda vez (4.8). E conclui
o livro apregoando o seu direito de ter misericórdia de quem quer ter
(4.11). Termina falando a seu próprio respeito. E aqui está uma curiosi­
dade: há dois livros do Antigo Testamento que terminam com uma
pergunta: Jonas e Naum. Ambos tratam da mesma cidade, Nínive. Em
ambos os casos, a pergunta é retórica, ou seja, dela não se espera resposta.
Não foi formulada para ser respondida, mas para encerrar a questão.
O livro de Jonas foi estruturado para se fechar com Um clímax: Deus
falando sobre Deus, deixando uma indagação que o homem questionador
do seu plano não tem como responder. O término do livro é a reafir­
mação da soberania de Deus.
A esta altura, podemos concluir as considerações sobre o esboço
do livro com uma citação da obra de Mora: “Este plano deixa estranha­
mente na sombra o peixe de Jonas. Voluntariamente. Com efeito, o peixe
só aparece duas vezes no texto (2.1 e 2.11), em dois versículos apenas
dos quarenta e oito que o livro conta. Este peixe que foi obsessão para
a imaginação judaica e cristã não é o centro da narrativa. Não passa
do instrumento providencial que traz Jonas de volta ao seu ponto de
partida.”2
Deixemos, portanto, o peixe de lado. Cuidemos de ver como Deus
se relaciona com Jonas e com os gentios. Isso é o que interessa.

16
3

ENVOLVENDO-SE EM PROBLEMAS

Ora veio a palavra do Senhor a Jonas, filho de Am itai, dizendo:


Levanta-te, vai à grande cidade de Ninive, e clama contra ela, porque
a sua malícia subiu até mim. Jonas, porém, levantou-se para fugir da
presença do Senhor para Társis. E, descendo a Jope, achou um navio
que ia para Társis; pagou, pois, a sua passagem, e desceu para dentro
dele, para ir com eles para Társis, da presença do Senhor (1.1-3).
“(....) veio a palavra do Senhor a Jonas”: é assim que começa a
nossa história. É assim que começam as histórias dos profetas, como lemos
em Oséias 1.1, Joel 1.1, Amós 1.1 e tantos outros. Esta deveria ser uma
história igual à história de todos os outros profetas, mas, apesar do início
comum, haverá nela duas diferenças bem marcantes.
Pela primeira vez Deus está enviando um profeta a uma cidade
pagã para uma missão de clamar a Palavra. Até agora os profetas se limi­
taram a entregar mensagens para o povo de Deus. As nações recebiam
mensagens, mas não em termos tais que a elas se dedicasse um livro e
que a elas o ministério de um profeta fosse direcionado. Jonas é o primeiro
pregador aos gentios. É verdade que antes dele Elias fora enviado a
Damasco (lRs 19.15), mas sua missão era mais diplomática do que de
proclamação. A palavra de Deus vai sair de Israel. Jonas é missionário
de missões mundiais. Esta é a primeira diferença.
A segunda diferença entre Jonas e os que o antecederam é a sua
atitude: “(....) levantou-se para fugir da presença do Senhor”, que mais
à frente observaremos. Registremo-la de imediato para compreensão do
assunto e cuidemos da primeira.
Jdnas é uma pessoa histórica e não uma personagem fictícia. Seu
pai é citado (e o seu nome significa amizade), o que vem mostrar que
é uma pessoa e não uma criação literária. Ele é citado em 2Reis 14.25,
onde ficamos sabendo que era natural de Gate-Hefer, região da Galiléia.
Parece que o sinédrio que discutia sobre Jesus não conhecia muito bem
as Escrituras (veja a opinião dos seus membros em João 7.52). O nome

17
Jonas (no hebraico, Yônâh) significa pomba. Nosso profeta, no entanto,
não faz jus ao nome. Não se revela tão pacífico como deveria ser. Pelo
contrário, mostrar-se-á bastante rabugento. Se Jonas viveu na época de
Jeroboão II, rei de Israel, o reino do Norte, podemos situá-lo entre 782
a 740 a.C.
A ordem divina é bem específica: “Levanta-te, vai à grande cidade
de Nínive (....)”. E aqui as coisas começam a se complicar. O profeta não
tem a mínima vontade de ir à cidade. A razão não é fornecida agora,
mas depreender-se-á mais tarde em 4.1-2. Jonas não queria a conversão
de Nínive. Qual a razão?
Nínive (no hebraico, Nineweh) é tradução do assírio Ninua, que
é a transliteração do antigo sumério Nina, nome da deusa Ishtar, uma
das divindades dos assírios, que a chamavam de rainha dos céus. Chegou
a ser adorada em Judá , como se vê em Jeremias 7.18. Era a deusa da
guerra e do amor, entendendo-se por amor a palavra sexo. Pòrtanto,
violência e imoralidade marcavam a existência da cidade. Seu fundador
foi Ninrode (Gn 10.11), do qual Gênesis 10.8 diz que “foi o primeiro
a ser poderoso na terra” e Gênesis 10.9 afirma ter sido “poderoso
caçador diante de Iavé”. A idéia do texto hebraico, dizem os exegetas,
é que Ninrode foi o primeiro caçador de homens, um escravista. O
primeiro homem a tentar dominar o mundo, subjugando os outros.
Um protótipo de Hitler e tantos outros com seus sonhos loucos. Nínive,
a capital da Assíria, tornou-se famosa por sua crueldade. Seus métodos
de tratar os vencidos incluíam decepar as mãos, vazar os olhos,
empalamento etc. Chegou a cobrar tributos de Israel, reino do Norte,
o país de Jonas (2Rs 15.20) e, por fim, destruiu Israel (2Rs 17). Se
Nínive fosse destruída, não iria destruir mais tarde a Israel. Há até
certa lógica em Jonas. Ele tem bons planos, sabe observar o mundo ao
seu redor, interpreta os fatos e tem propostas sensatas para proteger o
povo de Deus. Tudo que se espera de um bom líder. É um homem zeloso
pela obra de Iavé.
Jonas conhece Nínive. Pode não ter ido lá, mas sabe da fama da
cidade. Mas, como profeta que é, também conhece a Deus. Sabe que
ele é misericordioso, longânimo e grande em benignidade (4.2) e que vai
dar uma oportunidade a Nínive se houver conversão na cidade. Jonas
tinha sua postura teológica. Como, aliás, todos nós temos. O problema
com Jonas é que ele é radical em seus pontos de vista (como tantos que
hoje se orgulham disso) e faz de si mesmo a palavra final. Ele é a verdade.
Suas idéias estão corretas e não há por que abrir mão delas. Pbr isso,
vale a pena refletir sobre as palavras de Page Kelley: “Jonas possuía uma
teologia rígida. Ele não estava disposto a mudar nenhuma das suas

18
convicções. Ele não desejava crescer na sua compreensão de Deus. Ele
sentia-se satisfeito por permanecer como estava. Ele conhecia as Escri­
turas na sua cabeça, mas nunca as havia aplicado no seu coração.”3
Como Jonas é atual! Encontramos tantos com a mesma mentalidade
nos nossos arraiais! Não há nenhuma possibilidade de que estejam equi­
vocados! Eles têm as respostas nas quais as perguntas têm que se encaixar.
Triste! Deplorável pobreza espiritual!
Começa agora a se acentuar a segunda diferença entre Jonas e seüs
colegas de ministério que o antecederam. Já vimos a primeira: ele é comis­
sionado aos gentios. Veremos a segunda: ele se escusa da responsabilidade.
POr isso, “levantou-se para fugir da presença do Senhor”. En­
quanto Isaías se oferece para ir, Jonas, escolhido, foge para não ir.
Escolhe Társis como seu esconderijo. Por que exatamente Társis?
Porque, conforme lemos em Isaías 66.19, Társis é uma cidade onde a
Palavra de Deus não está. Este é o seu plano. O homem que deve falar
a Palavra de Deus quer distância dessa Palavra. Mas Deus vai frustrá-lo.
Jonas não vai para Társis. Vai para Nínive. Goste ou não, queira ou não,
Jonas vai para Nínive. Deus quer assim. E a soberania de Deus é muito
bem acentuada no livro.
Agora Jonas começa a se movimentar. Seu movimento é descen­
dente: descendo e desceu são encontrados no versículo 3. Descerá mais
uma vez no versículo 5 (descera) e depois descerá ao ventre do peixe.
A lição é muito preciosa para ser ignorada. O caminho da desobediência
é um caminho descendente. De Jope seguirá para Társis. Comprou uma
passagem, e entra no navio “para ir (....) da presença do Senhor”. A
expressão é bastante curiosa e, ao mesmo tempo, reveladora. Jonas está
mais para Caim do que para qualquer profeta. Disse Caim: “(....) da tua
presença ficarei escondido” (Gn 4.14). Caim, no entanto, lamentou ter
que ficar escondido. Mas Jonas quer ficar escondido.
Na sua oração, registrada no capítulo 2, Jonas cita várias passa­
gens do livro de Salmos. Parece que ele conhecia bem alguns deles. Mas,
se os conhecia, ignorou o que diz o Salmo 139.7,8: “Para onde me irei
do teu Espírito, ou para onde fugirei da tua presença? Se subir ao céu,
tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu ali estás também.”
Aprendemos aqui que é possível uma pessoa saber verdades bíblicas e,
no entanto, viver em desarmonia com elas. Conhecer não significa, neces­
sariamente, praticar. Uma pessoa pode ter muitas informações sobre Deus
e assim mesmo não viver em conformidade com essas informações. Por
vezes, estruturamos os nossos programas de educação religiosa como
se informar fosse o fundamental. O fundamental deve ser a formação,
e informações nem sempre a produzem.

l‘>
Lá se vai Jonas para a sua viagem. Seus planos foram muito bem
organizados. Planejamento é garantia de meio sucesso. No entanto, vai
meter-se numa terrível enrascada, a típica enrascada em que se envolvem
os desobedientes. E isso continuaremos a ver no capítulo à frente.

20
4

UM HOMEM INSENSÍVEL

Mas o Senhor lançou sobre o mar um grande vento, e fez-se no


mar uma grande tempestade, de modo que o navio estava a ponto de
se despedaçar. Então os marinheiros tiveram medo, e clamavam cada
um ao seu deus, e alijaram ao mar a carga que estava no navio, para
aliviarem; Jonas, porém, descera ao porão do navio; e, tendo-se deitado,
dormia um profundo sono. O mestre do navio» pois, chegou-se a ele, e
disse-lhe: Que estás fazendo, ó tu que dormes? Levanta-te, clama ao teu
deus; talvez assim ele se lembre de nós, para que não pereçamos. E dizia
cada um ao seu companheiro: Vinde, e lancemos sortes, para sabermos
por causa de quem nos sobreveio este mal. E lançaram sortes, e a sorte
caiu sobre Jonas. Então lhe disseram: Declara-nos tu agora, por causa
de quem nos sobreveio este mal. Que ocupação é a tua? Donde vens?
Qual é a tua terra? E de que povo és tu? Respondeu-lhes ele: Eu sou
hebreu, e temo ao Senhor, o Deus do céu, que\fez o mar e a terra seca.
Então estes homens se encheram de grande temor, e lhe disseram: Que
é isso que fizeste? Pois sabiam os homens que fugia da presença do Senhor,
porque ele lho tinha declarado (1.4-10).
Agora vai começar a enrascada de Jonas. Diga-se de passagem que
ele procurou por ela. O Deus que avalia o comportamento dos homens
(o que fica definido na sua disposição de advertir Ninive de um juízo)
é também o Deus da natureza. É isto vai ficar bem claro agora. Vai julgar
o comportamento de Jonas, valendo-se da natureza para ministrar disci­
plina ao desobediente. Os processos pedagógicos de Deus são muito
diversificados. Ele lança um forte vento sobre o mar e se forma uma grande
tempestade. Como os navios da época eram pequenos, a embarcação
em que Jonas viajava estava prestes a soçobrar.
Experimentados, profundos conhecedores do mar, os marinheiros
sabem avaliar o que têm diante de si. Compreendem que a situação é
bastante feia. A sensação de medo os domina. A morte é iminente. “(....)
clamavam cada um ao seu deus (....)”. São homens provenientes de

21
diferentes portos, e são pagãos, aferrados a várias divindades. Lançam-se
freneticamente ao trabalho: aliviam a carga do navio. Um navio pesado
tem mais facilidade de emborcar. É a sua primeira providência. Mas,
enquanto a sua sensação é de terror, Jonas dorme. O Novo Testamento
nos fala de Jesus dormindo numa tempestade (Mt 8.23-27), mas sua
situação era de tranqüilidade, pois era o Senhor dos mares. Jonas dorme
por ser insensível, absolutamente inconseqüente. Ressalte-se que a
expressão “profundo sono” é, no hebraico, a mesma utilizada como
“pesado sono” em Gênesis 2.21. Um sono anestésico, portanto. A Septua-
ginta, que é o Antigo Testamento traduzido para o grego, acrescenta que
Jonas roncava. Uma figura realmente patética. Dormia tão profunda­
mente que nem mesmo conseguia ouvir o barulho de uma apavorante
tempestade.
É nesta altura que o mestre do navio, numa provável inspeção para
ver como andavam as coisas, chega ao porão para onde Jonas descera
(mais um passo para baixo, e não será o último) e se espanta com o sono
daquele passageiro. Como é que pode uma pessoa dormir assim? Desperta-
-o e manda-o clamar ao seu deus. No momento da dificuldade, qualquer
ajuda serve, é o seu raciocínio. Mas logo a quem vai ele pedir oração!
Se há uma coisa que Jonas não parece muito disposto a fazer, no momento,
é orar. Ele não está interessado em buscar a Deus. Pelo contrário, está
fugindo dele. Como orar? Que ironia! O homem, o único homem no navio,
que podia fazer uma oração de verdade ao Deus verdadeiro, não tem
condições de orar. Quando os não-crentes não podem contar com as
orações dos crentes, a quem pedirão intercessão?
Havia uma crença muito difundida entre os supersticiosos mari­
nheiros antigos: a presença de um criminoso em um navio era suficiente
para colocar em risco a vida de toda a tripulação. Logo, deveria haver
um criminoso entre eles. Assim, se entregam ao costume antigo entre
os orientais de lançar sortes, para descobrir o culpado. A prática é mencio­
nada muitas vezes nas Escrituras. E a sorte (ou azar, no caso) cai sobre
Jonas. Ele vai começar a descobrir que mesmo num porão de um navio
a mão de Deus vai alcançá-lo. E parece que os homens estão mesmo
apavorados. Dirigem quatro perguntas a Jonas: qual o seu trabalho, de
onde vem, de que terra e de que povo é.
A resposta de Jonas é um primor de incoerência. Ele é hebreu e
declara temer a Iavé. Acrescenta, ainda, a superioridade de Iavé sobre
as divindades invocadas pelos marinheiros: ele é quem fez o mar e a terra
seca. Ou seja, quem fez tudo. Aquele mar em que estão foi feito pelo
Deus de Jonas. Mas se Jonas o teme, por que o desobedece? Se ele é
tão poderoso, por que Jonas o desafia? Jonas é mesmo incrível! Tem um

22
credo, recita-o na frente dos outros, mas prefere morrer a viver de acordo
com o credo que proclama. Não se envergonha da sua fé, mas também
não a vive. Não há, de sua parte, nenhum temor, nenhuma oração,
nenhum pedido de socorro. Jonas é muito bem informado doutrinaria-
mente. Sabe que Iavé tem poder sobre o mar, sabe que é poderoso, mas
não liga a mínima para isso. Conhece, mas não vive. Ah, Jonas! Você
é membro de muitas igrejas em nosso Brasil e, talvez, no mundo. Conhe­
cemos muitos outros iguais a você. Às vezes, nós mesmos somos iguais
a você. Temos informações, mas não vivemos de acordo com elas.
Surge agora um dos muitos contrastes do livro: o temor de Deus,
que o homem de Deus deveria ter, mas não tem, os pagãos, que não deve­
riam ter, têm. Eles vão mostrar que são, na sua ignorância, um exemplo
de espiritualidade, ainda que errada. E, depois, manifestarão um respeito
pela vida humana que Jonas não manifestou. É realmente impressio­
nante e, ao mesmo tempo, muito triste verificar que não são poucas as
vezes que os incrédulos manifestam mais respeito por Deus do que os
próprios cristãos.
“Que é isso que fizeste?” é a pergunta deles. Corresponde a: “Como
é que fizeste uma coisa dessa?” Eles têm noção da gravidade dos atos
de Jonas, ao passo que este não se preocupa com o fato. Um juiz não-
-crente que teve que julgar uma ação movida por um pastor contra uma
igreja, analisando os erros de ambas as partes, perguntou: “Mas como
é que os crentes podem agir desta maneira?” A gravidade dos erros que
eles não enxergavam um homem sem Deus conseguia ver. E só podemos
repetir a sua pergunta: “Como é que pode?”
Jonas está em desvantagem com Deus e com os homens, agora.
Não queria se envolver com os gentios e não desejava ter qualquer respon­
sabilidade pela salvação deles. Mas, agora, eis que a salvação de gentios
está em suas mãos. Depende dele a vida de muitos. E este quadro vai
terminar com uma constatação não muito estimulante para nós: a espi­
ritualidade do mundo pode ser bem melhor do que a do crente. Enquanto
Jonas, o homem de Deus, diz “temo ao Senhor”, dos marinheiros, os
homens sem Deus, se diz que tiveram “grande temor”. O sentimento deles
para com Deus era maior do que o sentimento de Jonas. Temeram mais
a Deus que o homem de Deus. E nós ficamos com uma questão para
considerarmos com bastante seriedade: o nosso conceito sobre Deus é,
em nível de informações e declarações doutrinárias, como o de Jonas,
ou é como o dos pagãos (que funcionam aqui como modelo), um conceito
mais emotivo e vivo? O que dizemos sobre Deus pode ser visto na nossa
vida? Ou está apenas em nossa boca? Dar-se-á o caso de incrédulos estarem
temendo a Deus mais do que nós? E, o que é pior ainda: dar-se-á o caso
de que a nossa vida esteja, como a de Jonas, prejudicando aos incrédulos?
Que reflitamos demoradamente sobre todas essas indagações com a serie­
dade de pessoas que estão desejosas de melhorar a sua vida espiritual
e não com um tradicional e costumeiro mecanismo de defesa que aciona
Guarda-chuvas contra o questionamento de nossas atitudes. Se o mundo
estiver temendo mais a Eteus do que nós e estiver exibindo atitudes mais
lúcidas que as nossas, então a nossa compreensão do Senhor está preci­
sando ser ampliada. Nós é que deveríamos ser o modelo. Somos?

24
5

DESCENDO MAIS UM POUCO

Ainda lhe perguntaram: Que te faremos nós, para que o mar se


nos acalme? Pois o mar se ia tornando cada vez mais tempestuoso.
Respondeu-lhes ele: Levantai-me, e lançai-me ao mar, e o mar se vosaquie-
tará; porque eu sei que por minha causa vos sobreveio esta grande
tempestade. Entretanto os homens se esforçavam com os remos para tornar
a alcançar a terra; mas não podiam, porquanto o mar se ia embravecendo
cada vez mais contra eles. Por isso clamaram ao Senhor, e disseram: Nós
te rogamos, ó Senhor, que não pereçamos por causa da vida deste homem,
eque não ponhas sobre nós o sangue inocen te; porque tu, Senhor, fizeste
como te aprouve. Então levantaram a Jonas, e o lançaram ao mar; e cessou
o mar da sua fúria. Temeram, pois, os homens ao Senhor com grande
temor; e ofereceram sacrifícios ao Senhor, e fizeram votos (1.11-16).
Agora a situação, embora bastante tempestuosa, começa a se aclarar
para os marinheiros. Eles já sabem que o problema não é com eles. É
outro o culpado. Sabem que Iavé, o Deus de Israel, está atrás de um dos
seus adoradores. Isso ajuda um pouco porque têm um problema a menos:
descobriram o motivo da tempestade. Mas têm um outro problema em
suas mãos: eles estão em alto-mar e precisam se livrar de Jonas. Como
poderão fazer isso? Descobriram o culpado, mas o mar continuava se
agitando mais e mais, e eles estão juntos com o culpado: “Que te faremos
(....)?” é a pergunta que dirigem a Jonas. Não têm como desembarcá-lo
em terra firme e não podem continuar com ele. As pessoas que deso­
bedecem a Deus não criam problemas apenas para si. Infelizmente,
acabam por criar problemas também para os outros, envolvendo-os em
suas enrascadas. Quando desobedecemos ao ensino de Deus, não estamos
criando dificuldades para nós somente. Estamos prejudicando outros.
Há em Jonas, agora, uma manifestação de altruísmo. Ele sabe que
é a ele que Deus quer. É com ele que Deus deseja acertar as contas. Diz
aos marinheiros que o tomem e o joguem, por cima do navio, ao mar.
Assim o mar se acalmaria, pois foi por sua causa que veio este mal sobre

25
os inocentes. Uma consciência profética se indagaria: “Que estou fazendo?
Deixei de levar a palavra de salvação a outros e estou contribuindo para
a aniquilação destes aqui.” Se Jonas ponderou sobre a sua não ida a Nínive,
não sabemos, mas pelo menos descobriu-se como causador de males aos
marinheiros.
Surge* agora, mais um contraste de caráter em nossa história. Jonas
não manifestou nenhuma sensibilidade para com os gentios de Nínive,
nem mesmo para com a vida dos marinheiros, a não ser quando confron­
tado por eles, após o lançamento de sortes que o deram como culpado.
A solução é lançá-lo ao mar, mas os marinheiros relutam em proceder
desta maneira. Tentam, com remos, alcançar a terra. Mais uma vez, nosso
autor mostra como os gentios apresentam um padrão de conduta melhor
do que o de Jonas. Eles não querem a morte dele, enquanto Jonas deseja
a destruição de Nínive. Aliás, eles manifestam mais respeito pelo profeta
de Iavé do que em muitas ocasiões os próprios hebreus, que eram o povo
de Iavé, manifestaram para com os seus profetas. Um exemplo que mostra
esta diferença está na forma como os contemporâneos de Jeremias o
trataram: jogando-o no calabouço para se livrarem dele. Os marinheiros
precisam se livrar de Jonas, mas relutam em fazê-lo. É decepcionante
observar, ainda hoje, que, em muitas ocasiões, os padrões do mundo, que
censuramos com desdém, se apresentam em nível superior aos nossos.
Desabafava um obreiro respeitado e encanecido que, em seus longos anos
de ministério, nunca fora desrespeitado por um incrédulo por ser pastor,
mas que perdera a conta das vezes em que os próprios crentes o trataram
com maldade e o desrespeitaram. Considerando esta experiência do obreiro
citado, voltamos a Jeremias, e observamos que o rei pagão Nabucodo-
nozor o honrou (Jr 39.12) ao passo que Zedequias, rei de Jerusalém, o
manteve encarcerado (Jr 38.28). Uma comprovação de inferioridade do
povo de Deus, em muitas ocasiões, no que diz respeito a como tratar
as pessoas. Os marinheiros estavam lidando com uma pessoa, Jonas, e
estavam vendo uma pessoa, Jonas. Mas Jonas estava tratando com
conceitos (ainda por cima, errados) e cometia o equívoco que tantos ainda
cometem: colocar os conceitos acima das pessoas. Este é o padrão dos
fariseus: “É lícito curar nos sábados?” (Mt 12.10). O sábado, para eles,
valia mais que a saúde física de um homem. Era maior que um homem.
Para Jesus, “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem
por causa do sábado” (Mc 2.27). Para Jesus, a pessoa humana valia mais
do que as instituições. Mas hoje, por causa de idéias, as pessoas brigam.
E, coisa incrível, por causa de idéias religiosas, por causa de Deus, pessoas
se odeiam, até entram em combate. O conceito de guerra santa do
Islã, por exemplo, é uma insensatez. Em nome de “Alá, o clemente e

26
misericordioso”, odeia-se, seqüestra-se, explodem-se aviões e matam-se
pessoas totalmente alheias e inocentes à briga das facções envolvidas.
Nós, evangélicos, não chegamos a este ponto (também seria demais), mas
deixamos muito a desejar na exibição de misericórdia e de respeito e amor
ao próximo. Pbr vezes, há muito da insensibilidade de Jonas e pouco
do respeito dos marinheiros pagãos em nós. Valorizamos mais conceitos,
que são criações humanas, do que o próprio homem, imagem e seme­
lhança de Deus. E isso é deplorável.
No entanto, apesar de todo o esforço dos marinheiros, “o mar se
ia embravecendo cada vez mais contra eles”. O juízo de Deus sobre Jonas
está em andamento. Não há como impedi-lo. Este é um problema espi­
ritual e não de náutica. Só Jonas pode resolver o problema que, aliás,
é ele. E lá vão os marinheiros se entregar à oração, mais uma vez. Agora,
não oram mais às suas divindades, mas a Iavé. Enquanto Jonas não orava,
eles oraram às suas divindades. Elas não resolveram, porque não têm
capacidade de resolver nada. Ficaram sabendo que Iavé é o Deus que
criou o mar e que ele é o causador da tormenta. Agora, oram a ele.
Enquanto isso, dos lábios de Jonas, o autor do livro não registra nem
uma oração sequer. Na sua oração, os marinheiros pedem por suas vidas,
pedem que não lhes seja debitado sangue inocente (caso Jonas o seja)
porque assim foi a vontade de Deus.
E Jonas é jogado para fora do navio. Como nada tem a acertar,
no momento, com os marinheiros, Iavé os deixa em paz. A poética
expressão da Versão Revisada é “(....) e cessou o mar da sua fúria”. Acabou
a tormenta.
Mais uma vez os marinheiros dão um bom exemplo. Poderiam se
contentar com o livramento e seguir na sua rotina, mas compreendem
que devem algo a Iavé. Fizeram-lhe um pedido. Obtiveram uma resposta.
Mas continuam com “grande temor”. Parece que o temor manifestado
no versículo 10 aumentou. Lá se registra que “se encheram de grande
temor”. Aqui há um pleonasmo “Temeram (....) com grande temor”. Não
se registra que deixaram suas pseudodivindades ou que tivessem se conver­
tido. Mas “ofereceram sacrifícios aò Senhor e fizeram votos”. Ofereceram
culto a Iavé e empenharam sua palavra com ele. Mesmo que não tivesse
havido uma conversão deles, uma coisa é certa: suas vidas nunca mais
foram as mesmas e, à luz da experiência que vivenciaram, nunca mais
sua compreensão religiosa do mundo seria a mesma. O Deus daquele
estranho passageiro manifestara um incrível poder que suas divindades,
por serem ficção, nunca poderiam manifestar. Jonas não queria pregar
aos gentios, mas mesmo sem querer, já o fez. Conheceram a Iavé pelo
seu mau testemunho. É uma lição a recolher. Muitas vezes estamos, como
Jonas, despregando as novas do amor de Deus. Neste caso específico,
o propósito divino superou as falhas do pregador. Mas, no nosso coti­
diano, há ocasiões em que a despregação conduz gente à ruína. Ser
comissionado por Deus é uma responsabilidade muito séria.
Se pudéssemos conhecer as mentes dos marinheiros depois do
episódio, gostaríamos muito de saber o que pensaram a respeito daquele
estranho homem que tinha um Deus tão poderoso e que não o respei­
tava. Na realidade, até mesmo o desafiara. E lá se vão eles, seguindo
em sua viagem pelo mar. Deles nada mais saberemos. Saem de cena.
Mas, pelo menos, poderemos guardar boas lições de suas atitudes.
Quanto ao nosso curioso profeta, ainda teremos mais algumas de
suas incríveis peripécias. Ainda não tivemos tudo sobre ele. Por enquanto,
o que dele se pode constatar é que, ao ser jogado ao mar, desceu mais
um pouco. No início, descera para Jope, depois descera para dentro do
navio. Lá chegando, desceu para o porão do navio e agora desce de vez
para o fundo do mar. Realmente, o caminho para longe de Deus é um
caminho descendente. O mais triste é que a maior parte das pessoas que
começam a segui-lo só se dêem conta disso quando, muitas vezes, é tarde
demais. Abramos os nossos olhos e cuidemos de evitar o caminho que
desce. Um Jonas é bastante.

28
6
DAS PROFUNDEZAS CLAMO A TI!

Então o Senhor deparou um grande peixe, para que tragasse a


Jonas; e esteve Jonas três dias e três noites nas entranhas do peixe.
E orou Jonas ao Senhor, seu Deus, lá das entranhas do peixe; e disse:
Na minha angústia clamei ao Senhor, e ele m e respondeu; do ventre do
Seol gritei, e tu ouviste a minha voz. Pois me lançaste no profundo, no
coração dos mares, e a comente das águas me cercou; todas as tuas ondas
e as tuas vagas passaram por cima de mim. E eu disse: Lançado estou
diante dos teus olhos; como tornarei a olhar para o teu santo templo?
A s águas me cercaram até a alma, o abismo me rodeou, e as algas se
enrolaram na minha cabeça. Eu desci até os fundamentos dos montes;
a terra encerrou-me para sempre com os seus ferrolhos; mas tu, Senhor
meu Deus, fizeste subir da cova a minha vida. Quando dentro de mim
desfalecia a minha alma, eu me lembrei do Senhor; e entrou a ti a
minha oração, no teu santo templo. Os que se apegam aos vãos ídolos
afastam de si a misericórdia. M as eu te oferecerei sacrifício com a voz
de ação de graças; o que votei pagarei. Ao Senhor pertence a salvação.
Falou, pois, o Senhor ao peixe, e o peixe vomitou a Jonas na terra
(1.17—2.10).
Algumas versões bíblicas (como a Bíblia de Jerusalém, por exemplo)
começam o capítulo 2 de Jonas com o versículo 17 do capítulo 1.
Põr isso tivemos a citação de Mora, segundo a qual em apenas dois
versículos aparece o peixe que tanta controvérsia suscita. Se 1.17 e 2.1
forem apenas um versículo, então, realmente, o peixe só aparece em dois,
cm todo o livro. Se o versículo 17 fpr ajuntado com 2.1, também teremos
uma unidade de pensamento muito forte, que só será quebrada no capí­
tulo 4: o capítulo 1 começa com uma ação de Deus; da mesma forma
o 2, bem como o 3. Somente no capítulo 4 teríamos um início com Jonas
como agente.
O texto é bem preciso ao dizer que “o Senhor deparou um grande
peixe”. Diferentemente do que se pensa, o peixe não foi um castigo, mas
uma salvação para Jonas. Ele morreria afogado num mar tão bravio a

29
ponto de infundir terror a marinheiros experimentados. Se um navio
estava prestes a afundar, imagine-se então uma pessoa. Suas possibili­
dades de sobrevivência eram nulas. Jonas, pois, é salvo pelo peixe.
A expressão “Então o Senhor deparou um grande peixe” (na
Bíblia de Jerusalém temos “E Iahweh determinou que surgisse um
peixe grande”) é muito rica. O peixe não estava ali por acaso. O bilhete
de passagem que Jonas adquirira dava-lhe o direito de seguir até Társis,
mas o Senhor modificou a sua viagem. Ela tomaria outra direção e
Jonas faria uma conexão agora no meio do mar. Ali embarcaria numa
outra condução: um grande peixe. A nova condução de Jonas já o
estava esperando. Alguns rabinos (ah! o que o excesso de tempo e a
falta de atividade produz!) supunham que, por causa da expressão
hebraica cuja tradução foi bem captada pela BJ, aquele peixe fora
preparado por Deus desde a criação do mundo e estava ali esperando
por Jonas desde aquela ocasião. Bem, o peixe estava esperando, mas
não há tanto tempo. Jonas não chegou tão atrasado asim. Do jeito
que Deus faz as coisas, condução e passageiro chegaram na hora certa.
Deus é um bom controlador de trânsito.
Jonas é tragado. As discussões sobre o peixe, porque ociosas e
desnecessárias, são aqui postas de lado. Por três dias e três noites (que
podem ser do mesmo jeito dos três dias e três noites de Jesus — um dia
inteiro e duas partes de um dia) o profeta está no ventre de um peixe.
É mais um passo descendente. Descera a Jope, ao navio, ao porão, ao
fundo do mar e agora, ao ventre de um peixe. Especula-se como Jonas
poderia ter sobrevivido em circunstâncias tão desfavoráveis à vida.
Ora, o nosso tempo tem visto sobrevivências muito mais desfavoráveis
e em tempo muito maior do que este episódio. Um exemplo, para não
nos perdermos em muitos, foi o de um avião que caiu nos Andes há
alguns anos. Houve um bom número de sobreviventes, que passaram
semanas em meio à nevasca, sem ter comida. Isso foi muito bem
relatado no livro Os sobreviventes, de Paul Reed. Por isso, deixando de
lado aspectos circunstanciais, voltemos ao essencial, que é a revelação
cie Deus. E por que “três dias e três noites”? Conforme o Dr. Page Kelley,
('sic cra o tempo necessário para se regressar do xeol, o mundo dos
mortos,4 que a Versão Revisada translitéra como seol. A pronúncia
11 >i1't'líi, no entanto, é com o som de x. Alguns transliteram como sheol,
mus como cm português não existe sh, e a letra x desempenha essa
Imiijin, rsle autor a prefere. Se a transliteração é para o português,
h'NlHMlcmns n língua portuguesa. Algumas transliterações têm sido
imilli» rsliiinhíis ;t ponto de se observar palavras começando com ç
n |iH'i 1'ilruilu niMíi vogal. Não se transliterou para a nossa língua.

Ml
Mas, voltando a Jonas: ele conheceu a morte bem de perto. Foi até
os seus domínios.
Poucas situações devem ter sido tão angustiosas quanto esta. Jonas
estava perfeitamente consciente. Suas esperanças de sobrevivência, do
ponto de vista da racionalidade, eram mínimas. Que lugar terrível para
terminar a vida: no ventre de um peixe. Lugar escuro, malcheiroso e onde
nunca o encontrariam. Nem mesmo uma sepultura viria a ter. Embora
confuso e rabugento, Jonas é, no entanto, um homem que conhece a
Deus. E faz a única coisa que se pode fazer em momento de angústia:
entrega-se à oração. Alguns presumem que Jonas teria morrido e que
Deus o ressuscitou, para poderem compará-lo melhor com Jesus. Se
tivermos que comparar Jesus e Jonas em todos os detalhes, teremos muitas
dificuldades. Jonas não prezava os gentios e Jesus os elogiou em vários
momentos de seu ministério. O ponto de semelhança é o tempo no xeol,
que em Jesus é literal, mas que em Jonas significa apenas uma situação
de crise, em linguagem figurada, como muitas vezes as Escrituras regis­
tram. De alguém que esteve às portas da morte, dizia-se ter conhecido
o mundo dos mortos. Como nós mesmos dizemos: “Viu a morte de perto.”
Não há nenhuma indicação de uma morte e ressurreição de Jonas. Ajustar
o texto para fazê-lo concordar com nossas interpretações é pecado. Aliás,
pecado no qual muitos manifestam grande habilidade. Respeitemos as
Escrituras. Falemos quando elas falam e calemos quando elas calam.
A oração de Jonas é muito bonita. Ele descreve a sua situação e,
ao fazê-lo, os termos que usa nos autorizam a crer numa estada literal
no ventre de um peixe. Ele passou maus momentos no mar tempestuoso:
“Pois me lançaste no profundo, no coração dos mares, e a corrente das
águas me cercou; todas as tuas ondas e as tuas vagas passaram por cima
de mim” (2.3). Isso descreve vividamente a situação de alguém lançado
cm meio a um mar agitado. Não foram os marinheiros. Foi Deus. Pôr
trás de tudo estava a mão divina. Jonas reconhece isso.
Há uma grande preocupação na mente de Jonas: ele não veria mais
o templo de Iavé. “(....) como tornarei a olhar para o teu santo templo?”
(v. 4). Este era o lugar em que Iavé ouvia as orações e onde se encontrava
com o seu povõ, através do culto. Como hebreu, como respeitador do
icmplo, Jonas sente que não o verá mais e lamenta. No versículo 6, o
profeta ainda descreve a sua situação no mar: desceu (mais uma vez,
Jonas) “até os fundamentos do montes”. Literalmente, temos “raízes das
montanhas”, que designa o fundo do mar, sobre o qual, pensavam os
íintigos, repousava a terra. Ele reconhece que desceu até o lugar mais
baixo que um vivente poderia ter descido. E a terra o encerrou “com
os seus ferrolhos”, quer dizer, fechou se para sempre sobre ele. A Bíblia

31
na linguagem de hoje traduziu para expressão assim: “Desci até a raiz
das montanhas, desci à terra que tem o portão trancado para sempre.”
E em comentário de rodapé observa: “à terra que tem o portão trancado
para sempre: referência ao mundo dos mortos”.5 Não havia mais espe­
ranças. As algas, as plantas do fundo do mar, o estavam cobrindo. Foi
a graça de Deus que o socorreu.
Até agora, com a sua obstinação e com as suas atitudes desas­
tradas, tudo o que Jonas fez foi descer. Mas a partir de agora a situação
vai mudar. “(....) mas tu, Senhor meu Deus, fizeste subir da cova a minha
vida”. A palavra cova é o hebraico xeol, já referido anteriormente.
Designa o mundo dos mortos, como já dito. Ele está orando e vai passar
o controle da situação para Deus. Enquanto tentou controlar as coisas,
tudo o que fez deu errado.
Quando estava para morrer, Jonas se lembrou do Senhor (v. 7).
Como se parece com muitos de nós! Ou como muitos de nós nos pare­
cemos com ele! Vamos fazendo conforme pensamos ser o método certo,
até que, no momento de aflição, nos lembramos de Deus. Isso é sufi­
ciente para aborrecer qualquer pessoa, mas não a Deus. Jonas orou e
“entrou a ti a minha oração, no teu santo templo”. Na dedicação do
templo, o rei Salomão pediu isso a Deus: “(....) toda oração e toda súplica
que qualquer homem ou todo o teu povo Israel fizer, conhecendo cada
um a sua praga e a sua dor, e estendendo as suas mãos para esta casa,
ouve então do céu, lugar da tua habitação, e perdoa (....)” (2Cr 6.29,30).
A oração de Jonas foi ouvida. Ele pode ser um crente fraco e bastante
rebelde, mas sua confiança está em Iavé e não em ídolos. Confiar em
ídolos, diz ele, é afastar de si a misericórdia. Deus não tolera a idolatria
e não nutre misericórdia por idólatras, a não ser que se arrependam.
E um ídolo não pode ter misericórdia porque não tem sentimento. É um
pedaço de pau ou de pedra, e pau e pedra não sentem. Mas o Deus de
Israel, o Deus que se revelou nas Escrituras, este é um Deus Vivo e
Psssoal, que sente e usa de misericórdia. É bom para nós sabermos que
Deus nos ouve apesar de nossas muitas fraquezas.
O capítulo 1 terminou com o louvor dos gentios, em resposta ao li­
vramento dado por Iavé. Eles ofereceram sacrifícios e fizeram votos.
Agora, Jonas promete fazer assim (v. 9). É bastante triste quando o
modelo de espiritualidade não é o povo de Deus e sim os gentios.
O procedimento de Jonas para com os gentios foi abominável. O proce­
dimento deles para com Jonas foi elogiável. E só agora, Jonas, o homem
que conhece Deus, ora e assume o compromisso de sacrifícios e votos.
Os gentios já tinham feito isso no capítulo anterior. Faz-nos lembrar a
palavra de Jesus: “Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes

32
entram adiante de vós no reino de Deus” (Mt 21.31). Constantemente
temos visto a igreja de Cristo exaltar-se e aos seus valores, elogiar a
sua fé, a sua abstinência de determinadas práticas, e colocar o mundo
em um nível muito inferior ao seu. Sermões, artigos, publicações e
programas, tanto de rádio como de televisão, têm exaltado a igreja num
insidioso e pernóstico “mito de arianismo espiritual” dos crentes. Na
prática, temos visto deficiências gritantes no meio do povo de Deus, defi­
ciências que procuramos encobrir fazendo ouvidos moucos ou dirigindo
acusações a quem as aponta. Se for alguém do nosso meio, é herege ou
liberal, amante do mundo. Se for alguém de fora, é um agente do
maligno. Mas é desafiador para nós que, em Jonas, a virtude está com
os gentios, e os defeitos, com o profeta. É também um desafio à ponde­
ração que no ministério de Jesus ele se sentisse muito mais à vontade
no meio dos mundanos, tal como hoje os chamaríamos, do que no meio
de crentes consagrados, tal como hoje os denominamos. Não estaremos,
em muitos momentos de nossa vida, tornando-nos um clube de santos
aos nossos próprios olhos? Não estarão os publicanos e as meretrizes
de hoje conseguindo mais vitórias com Deus do que nós, os fariseus
(e o uso do termo aqui não é conotativo, mas sim denotativo, indicando
alguém ortodoxo e fiel aos seus preceitos religiosos) contemporâneos?
Isso nos incomoda? Basta um olhar ao nosso redor e uma reflexão desa­
paixonada para verificar que é altamente provável que assim seja.
A oração de Jonas, além de muito bem construída, está calcada
no livro de Salmos. Jonas conhecia bem as Escrituras. Mais tarde, no
capítulo 4, ele vai mostrar que conhece bem o caráter de Deus. É um
homem muito bem instruído espiritualmente. Conhecemos muita gente
assim, que conhece muito bem a Bíblia e tem boas informações sobre
Deus e sobre teologia, mas que revela a mesma deficiência de Jonas:
a falta de misericórdia. E por vezes nossos seminários, com suas
ênfases, preparam mais Jonas: pessoas com bastante informações, mas
sem sentimentos, absolutamente desprovidas de compaixão. O resultado
é que alguns púlpitos se tornam usinas de neuroses.
O capítulo 2 se encerra com mais uma ação divina. Iavé fala
com o peixe (afinal, ele é o Senhor da criação e pode falar com toda
ela) e este vomita Jonas na praia. Comentou alguém que Jonas era
tão intragável que o peixe não conseguiu degluti-lo. Usemos de um
pouco de compaixão com nosso profeta. Já apanhou bastante. Já chega
a humilhação de fazer parte do vômito de um peixe, de ter sido uma
comida rejeitada pelo estômago de um animal. Deixemo-lo assustado,
na praia, sabedor de que sua oração foi ouvida e que ele tem um
compromisso com o Senhor. “O que votei pagarei”. Como profeta,

11
tinha votado entregar a mensagem divina. Vai fazê-lo agora. Mas
não se pense que a experiência traumática o fez mudar. Ainda não.
O homem é muito teimoso. Ainda poderemos nos reencontrar com
ele — e nele.

34
7

UMA SEGUNDA OPORTUNIDADE

Fkla segunda vez veio a palavra do Senhor a Jonas, dizendo: Levanta-


-te, e vai à grande cidade de Ninive, e lhe proclama a mensagem que
eu te ordeno. Levantou-se, pois, Jonas, e foi a Ninive, segundo a palavra
do Senhor. Ora, Ninive era uma grande cidade, de três dias de jornada.
E começou Jonas a entrar pela cidade, fazendo a jornada dum dia, e
clamava, dizendo: Ainda quarenta dias, e Ninive será subvertida (3.1-4).
O livro põe diante de nossos olhos Deus e Jonas, mais uma vez.
Pela segunda vez, Iavé comissiona o profeta à sua missão de pregar aos
ninivitas. Não recorda a Jonas a sua falha e tampouco lhe chama a atenção
recordando o que lhe aconteceu. Não o ameaça dizendo o que fará.
Simplesmente lhe dá uma nova oportunidade de cumprir a sua missão.
Isto é típico de Deus. Ele dá uma segunda chance aos fracassados. Quem
foi lançado no fundo do mar, desta vez, não foi Jonas. Foi a sua falha.
“Tornará a apiedar-se de nós; pisará aos pés as nossas iniqviidades. Tu
lançarás todos os nossos pecados nas profundezas do mar” (Mq 7.19).
É muito agradável lidar com um Deus assim. Um Deus que, recordando
o título de uma palestra do Dr. Francis Schaeffer, “dá uma segunda opor­
tunidade ao seu povo”. Há uma segunda oportunidade. Só não a há quando
se trata da salvação, após se findar esta vida aqui.
Esta atitude divina nos traz à memória a forma como Jesus tratou
a Pedro, no encontro entre ambos na praia, após a ressurreição do Mestre
(João 21). Pedro falhara vergonhosamente, mas o Salvador não lhe ende­
reça qualquer crítica ou mesmo reclamação. Simplesmente lhe dá uma
tarefa para realizar. Ainda confia nele. Como isto é confortador! Porque
todos nós temos falhas, algumas menores, mas outras gritantes. Sentimo-
-nos indignos de fazer alguma coisa para Deus, de ser-lhe útil. A vergonha
é até grande. Mas, ó graça, ele confia em gente que fracassa e dá uma
segunda oportunidade! Se assim não fosse, o que seria de nós?
“Pela segunda vez”. Se é alvissareira a forma de Deus conceder
nova oportunidade a quem falha, é triste encontrar esta expressão: “pela

35
segunda vez”. Que pena que Deus tenha precisado falar uma segunda
vez com Jonas! Quantos problemas teriam sido evitados se o profeta tivesse
sido obediente logo da primeira vez. O fato de Deus ser bondoso, conce­
dendo uma segunda ocasião, não deve ser um estímulo à recalcitrância.
A obediência é a melhor maneira de prevenir desastres. Lidando na área
de educação ministerial, em faculdade teológica, este autor tem visto
muita gente que declara ter recebido um chamado divino para executar
uma missão e que se furtou a cumpri-la. Anos mais tarde, mesmo com
a vida encaminhada, a voz divina continuou a exigir dessas pessoas que
atendessem à convocação. Deus não gosta de ser desobedecido. Que não
aconteça conosco que precisemos ouvir uma segunda vez. Não é muito
bom.
“Levanta-te, e vai à grande cidade de Nínive (....)”. A ordem é a
mesma da primeira vez. Ele não a muda pelo fato de não gostarmos dela.
Jonas tinha que ir. E agora a linguagem é mais incisiva: a mensagem
que eu te ordeno”. É uma ordem que o profeta deve acatar. É triste que
uma expressão como “proclama a mensagem” venha exposta em termos
de uma ordem tão firme. Porque proclamar a mensagem de Deus é o
sonho de todo pregador. Aquilo que outros fariam alegremente, proclamar
a palavra divina, Jonas precisava de ordem bem enfática para cumprir.
Quando Deus lhe falou da primeira vez, Jonas se levantou para
fugir da face divina. Agora, se levanta para obedecer. E desta vez seu
destino não é mais Tarsis. É Nínive. Sua atitude agora é “segundo a palavra
do Senhor”. Por que não procedeu assim anteriormente? Pòr que, da
mesma maneira, muitos de nós também precisamos apanhar primeiro
para obedecer depois?
Diz-nòs o texto que Nínive era uma grande cidade. A quase
unanimidade de comentaristas interpreta a expressão “mais de
cento e vinte mil pessoas que não sabem discernir entre a sua mão
direita e a esquerda”, que aparece em 4.11, como uma alusão a crian­
ças pequenas. Este autor se recorda, quando foi para a escola, da
zombaria que despertou nos colegas porque, inquirido pela professora,
não sabia qual era a sua mão direita e qual a sua mão esquerda.
Usava-as sem saber qual era qual. Crianças é que não sabem distin­
guir as mãos. Se a expressão é realmente um idiomatismo hebraico
como querem os comentaristas e se refere mesmo a cento e vinte mil
crianças, a população presumível da cidade seria, no mínimo, de
seiscentas mil pessoas. Que vasto campo missionário para um pregador!
No entanto, se a expressão se refere a pessoas dignas de compaixão
por sua ignorância (não sabem nem qual é a sua mão direita), o desafio
do campo missionário, se perde a expressão dos números, ganha em

36
dramaticidade: quanta ignorância! Que vasto campo missionário para
um pregador! Isso deveria soar como um desafio ao nosso profeta, mas
parece que sua pregação reflete mais a atitude de um homem que carrega
um incômodo fardo do que quem realiza algo pelo qual está apaixonada
Aliás, Jonas não parece muito apaixonado pela obra de Deus. Só se dói
pelos seus conceitos, pela sua teologia própria. Só reclama quando perde
benefícios.
A expressão “caminho de um dia” é um tanto enigmática. Um
comentarista sugere que Jonas não teria completado a caminhada pela
cidade, que era de três dias. Sua pregação teria durado apenas um dia.
A interpretação é bem viável. E ela mostraria mais ainda a má vontade
de Jonas. Tipo “já falei o suficiente”.
“Ainda quarenta dias e Nínive será subvertida.” Quarenta dias é
uma expressão que nos recorda o dilúvio (Gn 7.17) e os quarenta anos
do Êxodo (Nm 14.33). Uma figura de desgosto e juízo divinos, portanto.
O número quarenta é usado muitas vezes para designar algo completo,
acabado (há inúmeras referências ao número quarenta na Bíblia). Parece
que o pregador quer dar a idéia de que o juízo é algo já definido. Parece-
nos que, à luz de suas atitudes, se ele pudesse, daria um prazo menor.
Não podendo fazê-lo, pelo menos o dá como decidido.
Que situação curiosa! Até onde é possível recordar, este é o menor
sermão pregado que as Escrituras registram. E o que maior impacto
causou. Um curto sermão. Voltemos ao Dr. Page Kelley na sua obra já
citada anteriormente:

Outro ponto interessante é que Jonas pregou uma mensagem que


na sua presente forma em hebraico consiste somente de cinco pala­
vras. Foi uma mensagem de condenação incondicional e irrevogá vel.
Jonas sabia que Deus era um Deus compassivo, misericordioso,
longânimo e grande em benignidade. Ele devia a sua própria vida
à graça de Deus, porque havia sido salvo da morte no mar. Mas,
embora ele entendesse acerca da graça de Deus, não há uma só
palavra acerca desta graça no seu sermão. Jonas tinha um belo
testemunho para compartilhstr, mas os seus lábios estavam fechados.
Ele não compartilhou o espírito do salmista quando disse: “Sim,
grandes coisas fez o Senhor por nós, e por isso estamos alegres”
(SI 126.3). Jonas aparentemente procurou fazer que fosse muito
difícil para o povo de Nínive se arrepender e ser salvo. Ele não fez
menção dos pecados que tinham de ser confessados. Ele não exigiu
arrependimento. Ele não ofereceu nem mesmo esperança. Somente
quarenta terríveis dias, e pronto! O fim viria sobre Nínive, assim
como veio sobre Sodoma e Gomorra. Era uma mensagem sem

37
compaixão, e, no entanto, foi pregada por uma pessoa que
recentemente havia experimentado o milagre da graça e da
compaixão de Deus na sua própria vida.6

É impressionante como vemos, mesmo sem o desejar, muito do


espírito de Jonas em alguns dos nossos irmãos na fé! Como temos gente
que diz ter provado a graça de Deus, que proclama e recita que “Deus
é amor”, mas é desumano. Que, à semelhança dos fariseus que Jesus tão
duramente combateu, “atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os
põem aos ombros dos homens; mas eles mesmos nem com o dedo querem
movê-los” (Mt 23.4). Se deveria haver uma comunidade misericordiosa
neste mundo, tal comunidade deveria ser a Igreja de Jesus. Se deveria
haver gente misericordiosa neste mundo, tais pessoas deveriam ser os
crentes em Jesus Cristo. Mas não é isto que as evidências ensinam. Temos
visto pessoas que, por amor a Deus, se enchem de rancor e ódio contra
outras. Temos visto comunidades cristãs que, para honrar a Deus e glori­
ficar seu nome, manifestam maldade como o próprio mundo não exibe.
Num bar em São Paulo, este autor entregou um folheto a uma meretriz.
Aproveitando o ensejo, esta mulher lhe abriu o coração. Era uma pros­
tituta, mas fora criada numa igreja evangélica, no interior do país. Um
dia, cortou o cabelo, atitude que sua igreja proibia. Foi excluída, mas
assim que o cabelo cresceu, voltou a cortá-lo. Não podendo mais se vingar
nela, a igreja ameaçou o seu pai. Iria proibi-lo de tocar na banda da igreja,
o que para ele era o que havia de mais importante em sua vida. Para
não ser privado de tocar na banda, o referido senhor, um crente em Jesus
Cristo, cedeu à chantagem de uma igreja evangélica e expulsou a filha
de casa. Humilhada, a simplória mocinha do interior foi para São Paulo,
a maior cidade do país, trabalhar como doméstica. Lá, foi desencami­
nhada pelo filho do patrão. Grávida, foi posta na rua. Escreveu para o
pai, mas este, um cristão, disse que não mais a considerava como filha,
pois que cortara o seu cabelo e ainda por cima errara moralmente. Quem
a acolheu e amparou, pasmem, foi a dona de um bordel. Agora, estava
na prostituição para viver. Chorou com saudades de casa e do evangelho,
mas não vira amor na igreja. Não recebera o amparo necessário entre
os crentes. Foi recebê-lo entre meretrizes. O autor chorou com ela e saiu
dali envergonhado. Quanto ao seu pai, deve continuar tocando na banda
da igreja. E esta deve estar bem feliz, louvando ao Senhor. E se souber
do aqui narrado, culpará a jovem porque, afinal de contas, foi ela quem
entrou pelo caminho da corrupção. Mas e a mensagem da graça? O que
tem uma igreja assim para dizer aos que erram e estão desesperados?
E, na realidade, sendo bem honestos: quem é que precisa de uma igreja
assim?

38
A igreja conheceu a graça de Deus na pessoa de Jesus Cristo. Sabe
o que é misericórdia porque a provou. Com que espírito se dirige ela ao
mundo? Como quem recebeu a graça ou como quem recebeu um terrível
castigo e deseja desforrar-se em outro? Somos nós, como indivíduos,
mensageiros da graça ou somos pregoeiros mal-humorados verberando
diatribes contra os outros? O que externamos? Bílis ou amor?

1*1
8
UMA CONVERSÃO NACIONAL

E os homens de Nínive creram em Deus; e proclamaram um jejum,


e vestiram-se de saco, desde o maior deles até o menor. A notícia chegou
também ao rei de Nínive; e ele se levantou do seu trono e, despindo-se
do seu manto e cobrindo-se de saco, sentou-se sobre cinzas. E fez uma
proclamação, e a publicou em Nínive, por decreto do rei e dos seus nobres,
dizendo: Não provem coisa alguma nem homens, nem animais, nem bois,
nem ovelhas; não comam, nem bebam água; mas sejam cobertos de saco,
tanto os homens como os animais, e clamem fortemente a Deus; e
convertam-se, cada um do seu mau caminho, e da violência que há nas
suas mãos. Quem sabe se se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará
do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos? (3.5-9).
Nosso texto começa declarando exatamente aquilo que Jonas não
gostaria que sucedesse: “E os homens de Nínive creram em Deus”. O
escritor do livro usa expressão semelhante à que se designa a fé de Abraão
em Gênesis 15.6: “E creu Abrão no Senhor (....)”. Mas o pregador não
desejava conversão. Apenas sentia o regozijo de anunciar a destruição.
No entanto, surge um supreendente movimento de arrependimento.
O movimento é iniciado pelo próprio povo. Proclama-se um jejum.
O povo veste-se de saco. São expressões de humilhação e de arrependi­
mento. Quando Elias ameaçou Acabe, por ordem do Senhor, Acabe se
humilhou, rasgando as suas roupas, vestindo-se de saco e entrando em
jejum (IRs 21.27). Tal atitude sensibilizou a Deus, que sustou o juízo
sobre Acabe, deíxando-o para uma geração seguinte (IRs 21.29). Um argu­
mento que se usa contra a historicidade de Jonas é que o profeta Naum,
que veio após ele, pregou a destruição de Nínive, numa prova de que
nunca houve um arrependimento real em Nínive, conforme o relatado
em Jonas. É razoável pensar em como Deus transferiu o juízo sobre Acabe
para seu filho, uma geração depois, como conseqüência da humilhação
do rei do Norte. Pbderia ter sucedido o mesmo com Nínive, que teve
atitude semelhante à de Acabe: o juízo ficou para depois, sobre outra
geração que, infelizmente, ressuscitou os erros da perdoada.

41
Foi um arrependimento nos moldes desse que o profeta Joel pediu
a Judá em pecado (J1 2.12-17). Nínive se converte com jejum, saco e em
nível global: do maior ao menor. Partindo do povo, o movimento caminha
até o rei. É uma comoção nacional ascendente, vindo da base para o
trono. Para alguns, o rei aqui mencionado é o rei da Assíria, cuja capital,
Nínive, está sendo mostrada como sendo o país. A mesma coisa fazem
hoje os noticiaristas: “Brasília e Washington se reúnem para conversações”.
Sabe-se que são negociações entre os Estados Unidos e o Brasil. As capi­
tais foram tomadas pelos países. Outros comentaristas presumem que
fosse o rei apenas da cidade, um administrador local, e não o governante
de toda a Assíria (preocupados com o fato de que o avivamento aqui
descrito não deixou marcas na história, como a pregação de Naum contra
a cidade mostraria). A questão não faz diferença para nós, embora pareça
se referir mais ao rei de toda a Assíria. Isso é irrelevante para o conteúdo
e para a mensagem do livro.
Mais uma vez os gentios são o exemplo para o povo de Deus. “A
conversão exemplar dos ninivitas será lembrada por Jesus em Mateus
12.41 eLucas 11.21. Aqui, como no evangelho, ela contrasta com a incre­
dulidade dos judeus.”7 Este contraste, que mostra, mais uma vez, a
superioridade dos gentios sobre os judeus na forma de responderem à
Palavra de Deus, foi muito bem expresso por Hans Walter Wolff, em
uma palestra sua. Embora a transcrição seja longa, merece bastante
atenção pela sua agudeza. Ei-la:
Há, em Jeremias, um capítulo que é o paralelo de contraste com
Jonas 3 (semelhantemente, mais tarde, Atos 21 vem a ser o para­
lelo de Jonas 1). Trata-se de Jeremias 36. Jeremias dita as palavras
do juízo de Deus a seu aluno Baruque, para que “talvez ouçam
os da casa de Judá todo o mal que eu intento fazer-lhes e venham
a converter-se cada um do seu mau caminho e eu lhes perdoe a
iniqüidade e o seu pecado” (v. 3). Findo o ditado, Jeremias diz a
Baruque: Vai à cidade! Eu estou proibido de falar, não devo entrar
no templo do Senhor. Entra tu e fala! “Pode ser que se humilhem
e supliquem ao Senhor e cada um se converta do seu caminho”
(v. 7). Todo o povo ouve quando Baruque lê essas palavras (v. 10).
O povo fica profundamente comovido por causa das ameaças de
juízo. Eles dizem: Todos deverão ouvir isso! Como em Nínive, no
século VII inicia um movimento em Jerusalém (v. 11-12). Eles dizem:
Também o rei precisa ouvir isso! Desçamos ao palácio do rei, ao
gabinete do chanceler! Primeiro, Baruque lê a mensagem de juízo
diante do funcionalismo real, diante dos ministros (v. 15). Então,
eles dizem: “Sem dúvida nenhuma anunciaremos ao rei todas estas
42
palavras” (v. 16). O movimento de reavivamento toma o mesmo
rumo como em Nínive. Vai em direção do rei. Agora, porém, inicia
o contraste: Enquanto o rei gentio de Nínive “se levanta do seu
trono”, Joaquim, o rei de Judá, se acomoda no fundo de seu trono
junto à lareira quente (v. 22). “O rei estava assentado na casa de
inverno, pelo nono mês, e diante dele estava um braseiro aceso”.
Os senhores compreendem o que Jonas deseja testemunhar a seus
conterrâneos? O que não acontecia no meio do Israel crente, acon­
tecia na Nínive gentia. Aqui impenitência, lá penitência. À medida
que as ameaças de juízo escritas por Jeremias vão sendo lidas, o
rei de Jerusalém, com uma faca, corta tira por tira, atirando-as no
fogo (v. 23) até que todo o rolo da palavra de Deus transmitida
por Jeremias é devorado pelo fogo da lareira. Ao passo que a respeito
de Nínive nós lemos que “o rei levantou-se de seu trono, tirou de
si as vestes reais e cobriu-se com pano de saco” lemos a respeito
de Jerusalém: “Não se atemorizaram, não rasgaram as suas vestes,
nem o rei nem nenhum de seus servos”(v. 24). Aocontrário, porém,
o rei pretende prender a Jeremias e Baruque.8

Mais uma vez, portanto, o padrão de espiritualidade não é o povo


de Deus, mas, sim, os incrédulos. O livro de Jonas insiste neste contraste,
e a observação de Wolff sobre o episódio como paralelo de Jeremias 36
aclara mais esta verdade diante dos nossos olhos.
O rei toma a sua parte no processo de conversão nacional. Primeiro
ele se arrepende, depois exorta a cidade à conversão. Faz ele uma procla­
mação nacional tão intensa que até os animais devem ser incluídos,
cobertos de sacos e submetidos ao jejum. Nas cores fortes de Joel, até
as crianças que mamavam deveriam submeter-se ao jejum (J1 2.16).
Aqui, a situação é ainda mais dramática porque envolve até os animais.
É evidente que estes são irracionais. Deixar de dar comida a um boi não
faz com que a fome do boi tenha um valor espiritual, porque, moral­
mente, o animal não está jejuando. Deixaram de lhe dar comida, o que
é diferente. Não foi uma opção consciente do bicho. Mas mostra como
o rei compreendeu a gravidade da situação. Entre os hebreus, não
podemos, com base no cânon bíblico, registrar um movimento de jejum
envolvendo inclusive os animais. No entanto, entre os assírios e persas,
até os animais eram obrigados a jejuar.9 E, citando Earle: “Heródoto,
o historiador grego, descreve como os persas cortaram o pêlo dos seus
cavalos e de suas bestas de carga como parte do luto nacional pela
morte de um famoso general”.10 O livro apócrifo de Judite (ao citá-lo,
não afirmo sua canonicidade, mas aponto o registro na cultura judaica)

41
mostra, em 4.10, os rebanhos vestidos de saco, em manifestação de luto.
O que temos em Nínive, portanto, é uma grande comoção nacional.
O rei reconhece e não mascara o pecado de sua nação: a “violência
que há nas suas mãos”. E violência, como já dito anteriormente, era o
grande pecado em Nínive. Em Naum 3.1, ela é chamada de “cidade
ensangüentada”, expressão mais bem traduzida na Bíblia de Jerusalém:
“cidade sangüinária”. Sua crueldade era tão grande que a notícia de sua
queda, como dada por Naum, provocou palmas, indício de grande alegria.
A razão: “Sobre quem não passou continuamente a tua maldade?”
(Na 3.19, Bíblia de Jerusalém). A conversão verdadeira não procura
justificar os pecados, mas declara-os. Um convertido não tenta ocultar
os seus pecados, mas confessa-os e os deixa. Da mesma forma que, hoje,
um coração autenticamente convertido não tenta se justificar. Deixa que
Cristo o justifique. A justificação é obra divina.
Além de reconhecer o pecado e confessá-lo, o rei reconhece também
a iminência de um juízo. A expressão que ele usa é designativa de um
juízo rigoroso: “furor da sua ira”. Uma ira ardente, reconhece ele, está
para vir. E expressa uma esperança: “Quem sabe se se voltará Deus (....)?”.
Equivale a dizer: “Pbde ser que Deus não faça assim” ou “Talvez não
sejamos julgados”. Seu arrependimento não é uma forma de barganha,
mas uma contrição tão séria que reconhece que os pecados são grandes
demais para aspirar ao perdão. Fica apenas uma esperança.
A conversão do rei de Nínive mereceu o seguinte comentário de
Page Kelley: “Nós pregamos o evangelho principalmente às pessoas pobres,
porém, não devemos negligenciar pregar este mesmo evangelho também
aos reis, presidentes, senadores, deputados, vereadores, prefeitos, juizes
e outras autoridades. Quando os líderes de um país se convertem, então
não é tão difícil alcançar a todos os cidadãos com a mensagem de
salvação”.11
Palavras muito oportunas. Temos, no Brasil, o mau hábito de sempre
guardar uma palavra pronta para falar mal das autoridades. Inclusive
os crentes fazem assim. Como reclamamos e falamos mal! Não se nota
nenhuma diferença entre crentes e não-crentes neste mau hábito de dene­
grir a imagem alheia. Mas não é a atitude correta. Se não nos é possível,
como sugere o Dr. Kelley, evangelizar autoridades, quer pela distância
geográfica quer pela impossibilidade física de chegar até a algumas delas,
lembremos das palavras da Bíblia: “Exorto, pois, antes de tudo que se
façam súplicas, orações, intercessões, e ações de graças por todos os
homens, pelos reis, e por todos os que exercem autoridade, para que
tenhamos uma vida tranqüila e sossegada, em toda a piedade e hones­
tidade. Pois isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador (....)”

44
(ITm 2.1-3). Isso raramente se observa. É que falar mal dá menos trabalho
que interceder.
É muito provável que o leitor, sendo crente, já tenha também comba­
tido bastante as autoridades e as tenha atacado verbalmente, mas já orou
por elas? Já intercedeu pela sua conversão? Já orou por um político que
milite em um partido que tenha uma postura política diferente daquela
com que você simpatiza?
Pois bem, o rei de Nínive está sensibilizado. Sente o peso dos seus
pecados, humilha-se e chama a nação ao arrependimento. O que suce­
derá? É o assunto do próximo capítulo.

45
9
E DEUS VIU...

Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau caminho,


e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria, e não o fez (3.10).
Este é o momento mais alto do livro. É onde encontramos a
mensagem mais agradável e, ao mesmo tempo, a que nos permite entender
toda a má disposição de Jonas. Além disso, é a notícia mais esperançosa
que o homem pode ouvir: Deus perdoa o pecador arrependido. Toda a
comoção de Nínive não passou despercebida aos olhos de Deus. Ele viu.
Ele é o Deus que vê. Agar descobriu isso quando estavam prestes a morrer,
ela e o filho, no deserto, e Deus a alcançou, trazendo-lhe socorro. EI Rói,
“o Deus da visão”, foi como ela chamou a Deus. A Bíblia ensina que
existe um Deus que vê a aflição e que vê também o sentimento sincero
do coração, como o arrependimento genuíno. Jonas podia ser uma pessoa
insensível, mas o seu Deus não era. Felizmente, Deus não é como os
seus servos.
Nínive não vai mais ser destruída. Está cancelado o juízo estabe­
lecido por Deus sobre a cidade. Houve arrependimento e ele se alegra
com o arrependimento. Que choque para a estreita mentalidade hebraica
de então: a graça de Iavé não é uma exclusividade destinada a Israel.
É para o mundo inteiro. A salvação não é alcançada por se pertencer
a uma etnia ou por se abraçar determinados valores raciais. O caminho
para alcançá-la é o arrependimento. O Novo Testamento começa a se
delinear aqui. Deus não salva pessoas por causa de sua raça, mas por
causa da postura correta diante dele. Deus não é racista, embora, infe­
lizmente, alguns queiram assim torná-lo.
O versículo encerra uma grande lição: “Com muita freqüência Deus
responde ao arrependimento humano usando de misericórdia, cancelando
a punição anunciada.”12 Isso nos explica por que tantas vezes encon­
tramos a expressão “Deus se arrependeu” no Antigo Testamento. A sua
misericórdia vê o arrependimento e responde a ele com a suspensão do
juízo. Pbrque, como diz o autor de Jonas, “Deus se arrependeu”. O verbo
hebraico é nahim, que a Septuaginta traduziu por metanoein, que é o

47
mesmo termo para designar o arrependimento do pecador, conforme o
emprega o Novo Testamento. Evidentemente que não se deve pensar em
Deus como um pecador arrependido, que ia cometer algo de errado e,
convencido de que estava prestes a agir mal, deixou de fazê-lo. O que
temos aqui se chama de antropopatia, ou seja, a atribuição de senti­
mento humano a Deus, para facilitar a compreensão do que está sendo
narrado. Moralmente, Deus não tem do que se arrepender. Ele é o “Pai
das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação” (Tg 1.17).
Ele mudou o modo de tratar Nínive porque Nínive mudou a sua conduta
diante dele: Nínive se converteu. Mas o seu caráter continua o mesmo,
e o episódio, antes de negar isso, vem confirmar. Ele é justo e pune o
pecado. Mas lado a lado com sua santidade caminha a sua misericórdia.
Ele aceita o arrependimento. Vale a pena, neste contexto, citar o Dr. Strong,
em seu comentário sobre o arrependimento de Deus: “A santidade
imutável de Deus requer que ele trate os maus de uma maneira diferente
da maneira que trata os justos. Quando os justos se tornam maus, o modo
de Deus tratá-los é modificado. O sol não é inconstante ou parcial porque
derrete a cera e endurece o barro. A mudança não é devida ao sol, mas
aos objetos que recebem os seus raios”.13
Parece acertado observar ainda o comentário da The new Inter­
national study Bible sobre a questão do arrependimento de Deus, em
anotação de rodapé sobre Jeremias 18.7-10: “Deus se reserva o direito
de restringir-se a si próprio em sua absoluta soberania, baseando-se na
resposta humana a sua oferta de perdão e restauração e às suas ameaças
de julgamento e destruição. Se...se...se...se... As promessas e as ameaças
de Deus são condicionadas às ações humanas. Deus, que em si mesmo
não muda (veja Nm 23.19, Ml 3.6 e Tg 1.17) mudará, no entanto, sua
preanunciada resposta ao homem, dependendo da resposta final que este
lhe der.”14
Vale a pena considerar ainda as palavras do Dr. Crabtree, erudito
teólogo do Antigo Testamento que deixou obras de peso em português:
“As passagens que aparentemente atribuem mudanças na natureza de
Deus podem ser explicadas de várias maneiras. A imutabilidade de Deus
não significa uniformidade fixa nas atividades do Senhor na história.
Na sua perfeita justiça, e na sua infinita sabedoria, ele vê e entende perfei­
tamente, em contraste com as limitações das faculdades humanas.
A justiça de Deus, por exemplo, opera no ambiente complicado das
justiças humanas. Se poupa a cidade de Jerusalém no tempo de Isaías,
e permite a sua destruição no tempo de Jeremias, é porque as condições
espirituais do povo de Jerusalém mudaram-se enquanto a justiça de Deus
permanecia imutável.”'5 Da mesma maneira podemos dizer: se poupou

48
Nínive com Jonas e a destruiu conforme Naum, foi porque as condições
espirituais da cidade mudaram. Além de entendermos o que a Bíblia quer
dizer com as expressões “Deus se arrependeu” e “o arrependimento de
Deus”, somos instruídos, neste texto, num ponto mais importante.
Essa mutabilidade de Deus é a nossa grande esperança. Ele não é insen­
sível tampouco ignora as modificações havidas no comportamento
humano. Aqui está a base para o seu perdão. Ele reage às nossas ações.
Foi essa maneira de Deus agir que possibilitou ao ladrão na cruz, que
até pouco antes também zombava de Jesus, as palavras de conforto e
esperança que têm sido um bálsamo para milhões de cristãos através
dos séculos: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso”
(Lc 23.43).
No entanto, faz-se necessário que definamos bem os termos para
evitar equívocos teológicos. Não foi o arrependimento de Nínive que
salvou. Foi a graça de Deus. Foi a misericórdia divina. “Nínive foi salva
não porque ela se arrependeu, não porque orou, não porque creu, mas
por causa da infinita misericórdia e graça de Deus. ‘Deus se arrependeu
do mal que tinha dito lhes faria, e não o fez.’ Os reis da Babilônia e da
Pérsia estavam obrigados a manter as suas palavras e suas leis. Uma vez
publicadas, estas leis não podiam ser mudadas. Mas o Deus de Israel
era livre de opinião e de maneira de agir, de acordo com as ações e as
atitudes dos homens”.16
É necessário observar que mais uma vez Deus é bondoso e terno
com os pagãos que respondem positivamente às exigências da sua santi­
dade. No seu encontro com os marinheiros, Deus poupou-lhes as vidas
e estes lhe sacrificaram. O culto se seguiu à ação de Deus. Aqui, em
Nínive, o culto precede a ação de Deus. Os ritos de arrependimento são
respondidos com o perdão. No passado^ Deus já agira de modo semelhante.
Fizera assim quando Moisés lhe suplicou para que poupasse o povo que
se desviara dele e adorara ao bezerro de ouro, em deprimente culto
orgíaco (Ex 32.14). Manifestara disposição de proceder assim, quando
se dirigiu a Jeremias (Jr 36.3). Em Joel 2.14 o profeta exorta o povo ao
arrependimento para que Deus se arrependa do que lhe pretende fazer.
Mas, em todas essas ocasiões, a bondade e a misericórdia de Deus se
manifestaram a favor de Israel, o povo escolhido, objeto do seu amor
no êxodo. Agora é diferente. Manifestam-se a favor de gentios e, sem
qualquer exagero, dos piores gentios que havia no Oriente Antigo, os
cruéis ninivitas. Quanta riqueza e quanta esperança aqui! A misericórdia
do Senhor é para com todos. Numa frase de Billy Graham, “o coração
de Deus bate pelo mundo todo”. Ele não é o Deus de uma tribo de be­
duínos ou de um povo instalado numa faixa de terra geograficamente

4 <)
irrelevante, pouco se importando com o resto do mundo. É o Deus do
universo, de todas as pessoas. Sua misericórdia se estende sobre toda a
raça humana. Esta é uma grande mensagem, mas há outra que não é
menor que ela. Ele aceita o pior pecador, desde que este se arrependa
dos seus pecados. Foi assim que um Saulo de Tarso, que antes bufava
de ódio contra o nome de Cristo, mais tarde se tornou o apóstolo aos
gentios, o maior missionário de Cristo. Deus pode mudar o destino e
as vidas das pessoas, se estas lhe pedirem. Não importa quão grandes
sejam os nossos pecados, ele sempre está prestes a nos perdoar se nos
arrependermos e clamarmos por perdão. Bendito seja Deus! Ele é “compas­
sivo e misericordioso, longânimo e grande em benignidade”, no dizer de
Jonas, e se arrepende do mal.
“Viu Deus”. Ele vê. Ele sempre vê. Viu o pecado anterior dos nini-
vitas e, desagradado da sua conduta, lhes enviou Jonas para anunciar
o juízo. Agora, viu o arrependimento deles e, como conseqüência, “se
arrependeu”. Que bom que Deus se arrepende, nos moldes aqui expen­
didos! Em vez de nos preocuparmos com uma dúbia interpretação de
frase e com possíveis significados que incrédulos empedernidos que gostam
de criar questão sempre suscitam, exultemos com isso. Deus suspende
o castigo prometido quando vê arrependimento. Se não fosse assim, a
nossa situação seria simplesmente aterradora. Esta é uma boa mensagem
para nós. Existe esperança para os homens. Há esperança porque Deus
vê o nosso arrependimento.

50
10

UM ORTODOXO IMPIEDOSO

Mas isso desagradou extremamente a Jonas, e ele ficou irado. E


orou ao Senhor, e disse: Ah! Senhor! não foi isso o que eu disse, estando
ainda na minha terra? Por isso é que me apressei a fugir para Társis, pois
eu sabia que és Deus compassivo e misericordioso, longânimo e grande
em benignidade, e que te arrependes do mal. Agora, ó Senhor, tira-me
a vida, pois melhor me é morrer do que viver. Respondeu o Senhor: É
razoá vel essa tua ira? Então Jonas saiu da cidade, e sentou-se ao oriente
dela; e ali fez para si uma barraca, e se sentou debaixo dela, à sombra,
até ver o que aconteceria à cidade (4.1-5).
Novamente o foco de atenção de nossa história se desloca. Desloca-
se também a qualidade de emoções em questão. De Deus passamos para
Jonas. E de uma declaração de amor, passamos para cena de inconfor-
mismo, ressentimento e ira. Deixamos Deus e voltamos ao homem.
* A pregação de Jonas foi um sucesso estrondoso. Conseguiu ele o
que nem o próprio Jesus Cristo haverá de conseguir, séculos mais tarde:
unanimidade na aceitação de sua mensagem. Este é o maior fenômeno
na história do evagelismo mundial. Em vez de manifestar alegria pelo
sucesso do seu trabalho, Jonas explode em ressentimento (a versão antiga
da Bíblia editada pela IBB traz: “ficou todo ressentido”) e queixumes.
Sua zanga é porque Deus manifestou sua graça a Nínive, que pelos seus
padrões pessoais Jonas achava não merecer salvação. Foi por isso que
Lutero chamou Jonas de “santo esquisito, singular. Se fosse por ele, inve­
jaria toda e qualquer parte na graça e no amor de Deus”.17 Jonas não
deseja a graça e o amor de Deus para mais ninguém. A graça é só para
o seu povo. Que mentalidade exclusivista!
No entanto, por mais ridícula que seja tal mentalidade, ela não
se tem restringido somente a Jonas. Os fariseus do tempo de Jesus também
a possuíam. “Por que come o vosso Mestre com os publicanos e peca­
dores?” (Mt 9.11) foi a pergunta por eles dirigida aos discípulos, censurando
Jesus por buscar a companhia de gente não elogiável aos olhos dos santos

51
farisaicos. Mas também não se restringiu aos fariseus. Pbr ter batizado
o gentio Cornélio, um homem extraordinariamente virtuoso, Pfedro
precisou se justificar diante da igreja cristã nascente, que também tinha
dificuldade em entender que não-judeus pudessem ser salvos (At 11).
E, infelizmente, tal exclusivismo não morreu com o tempo. Continua
muito vivo. Há, ainda hoje, denominações, seitas e igrejas que se colocam
acima das outras, parecendo ser loteadoras exclusivas do céu e donas
da verdade. Elas caem no mesmo erro de Israel, que nesta cena é muito
bem tipificado por Jonas: em vez de se entender como propriedade de
Deus, Israel viu Deus como sua propriedade. Hoje também há os donos
de Deus. Não é tão triste como tão ridículo.
“Mas isso desagradou extremamente a Jonas”. Este é o segundo
passo que Jonas dá para uma depressão que o levará a querer a morte.
O primeiro já fora dado há tempos: a recusa em agir de acordo com o
querer de Deus. Até mesmo quando obedeceu, isto foi feito de má-vontade.
Uma vida em desacordo consciente com a vontade de Deus é uma vida
frustrada. Não bastasse isso, Jonas se desgosta com a atitude divina. Ele
insiste em continuar no seu ponto de vista: ele estava certo quando fugiu,
e Deus, errado. Depois de desagradado, “ele ficou irado”. É uma seqüên­
cia. Observa-se aqui uma velha doença infantil que ainda persiste em
alguns adultos. Se as coisas não saem como a pessoa quer, ela se ira.
Depois da ira de Jonas, vem a sua explosão contra Deus. Que coisa!
Quando ora é para brigar com Deus! Há tempos, ouvi Um preletor, eufó­
rico, contando ao seu auditório sobre as suas brigas com Deus, como
ele esbravejava etc. Embora um tanto atônito, concedi o desconto, sabendo
que na pregação, principalmente quando os pregadores estão a falar de
si, exaltando-se, há muito de retórica. Mas com Jonas não é retórica.
E real mesmo. Ele está bravo porque Deus poupou Nínive.
Mais uma vez, o inteligente redator do livro nos faz observar os
contrastes. Os gentios tratam a Deus com culto. Os marinheiros adoraram
a Deus após a sua libertação. Os ninivitas adoraram a Deus antes da
sua libertação. O profeta se relaciona com Deus em termos que mostram
a sua má-criação. Os gentios, tanto os marinheiros como os ninivistas,
respondem a Deus com respeito. Já o profeta, um homem que, teorica­
mente, devia conhecer a Deus melhor do que os outros, responde a Deus
com indelicadeza. Os gentios têm atitudes amorosas. Deus tem atitudes
amorosas. Salva os marinheiros, salva Jonas e salva Nínive. Jonas, por
sua vez, é o único que não manifesta nenhuma atitude de amor no livro.
Age com manifesta insubmissão, mau humor e rancor. A única vez em
que o redator de Jonas fala de alguém irado, esse alguém é o homem
de Deus.

52
Jonas ora mais uma vez. Na sua oração, novamente ele manifesta
um bom conhecimento do Antigo Testamento. Mostrou que conhecia
os Salmos quando orou da vez primeira. Agora mostra conhecer o livro
de Êxodo. Os atributos de Deus que ele analtece são registrados na citação
de Moisés em Êxodo 34.6. Jonas estava familiarizado com a Escritura.
Por ela, sabe que Iavé é “compassivo, misericordioso, longânimo é grande
em benignidade e que te arrependes do mal”. Está em consonância com
Moisés. O curioso é que ele não se queixa de um possível mau caráter
da sua divindade. Pelo contrário, sua queixa é que sua divindade, Iavé,
é totalmente perfeita. Temos que voltar ao excelente estudo do Dr. Kelley
sobre Jonas: “Jonas era um especialista em recitar afirmativas doutri­
nárias... As palavras de Jonas constituem uma repetição da declaração
de Deus a Moisés. Jonas conhecia a sua Bíblia, e podia citá-la. Mas o
simples fato de alguém citar a Bíblia não garante que esteja agradando
a Deus. O Diabo também pode citar a Bíblia. Jonas quis usar a própria
palavra de Deus para justificar a sua rebelião”.18Jonas era um ortodoxo
cruel, sem sentimentos. Cita a Bíblia, mas não rege a sua vida por ela.
Desgraçadamente, a igreja de Cristo tem gente assim nas suas fileiras.
Gente que conhece a Bíblia, que sabe esgrimi-la para defender suas
posições, mas que não pauta sua conduta por ela. Isto revela uma
tremenda falta de respeito para com a Bíblia e para com o Deus da Bíblia.
Jonas se queixa do caráter de Deus. Devia agradecer-lhe por isso.
Foi por causa do caráter de Deus que Jonas teve a sua vida salva. Devia
recordar-se do Salmo 63.3: “Porquanto a tua benignidade é melhor do
que a vida”. Ele se queixa da benignidade de Deus. Uma das piores coisas
para alguém que tem a missão de pregar a Palavra (ou até mesmo exercer
liderança em outras áreas) é colocar os seus caprichos pessoais como o
que há de mais importante no Reino de Deus. Jonas é cheio de capri­
chos. Sua oração é um pretexto para lançar no rosto de Deus sua idéia
de que ele estava certo da vez primeira, e Deus, errado. “Não foi isso
o que eu disse?”. Ele fugiu da missão e estava correta Deus estava errado.
Só venceu porque é o mais forte. A oração não é para manter comunhão,
mas para insistir em que sua conduta está correta. É uma tremenda falta
de respeito utilizar a oração como pretexto. Vemos tanto disso hoje! Gente
que “ora” tecendo críticas aos outros ou comparando as suas boas ações
com as fraquezas alheias. A oração é algo muito sério para se tratar com
leviandade ou como mero pretexto para expor idéias pessoais.
Agora Jonas quer morrer. Além de cheio de caprichos, é também
melindroso. “(....) tira-me a vida, pois melhor me é morrer do que viver”.
Seu desgosto é pela conversão de pessoas. O padrão para os cristãos, feliz­
mente, não é Jonas. É Paulo. Em Romanos 9.3-5, Paulo declara que

53
preferiria ser separado de Cristo por amor dos judeus não convertidos
a Cristo se isto redundasse na conversão deles. O apóstolo aos gentios
preferia a maldição, se isto pudesse trazer outros à conversão. Jonas prefere
a morte do que vê-los convertidos.
Outro homem pediu a morte na Bíblia: “Já basta, ó Senhor; toma
agora a minha vida, pois não sou melhor do que meus pais” (lRs 19.4).
Foi Elias. Mas, no seu caso, entende-se a razão, embora não se justifique.
Elias estava esgotado após uma batalha com os quatrocentos e cinqüenta
profetas de Baal, a ameaça de morte pela terrível Jezabel e uma cami­
nhada de um dia pelo deserto. A forte tensão emocional e o desgaste
físico poderiam ter afetado Elias. Mas com Jonas trata-se de mau humor
mesmo. Duas advertências para nossa vida podemos tirar destes dois
pedidos de morte. Uma pessoa pode se cansar emocional e fisicamente,
e, diante de forte tensão, sentir-se enfraquecida, desanimada e entregar
os pontos. Embora não seja psicólogo, este autor tem visto isto na vida
de outros, de amigos, e na sua própria experiência. Isso é grave. Mas
uma pessoa pode nutrir-se de conceitos tão estreitos, tão circunscritos
à sua pessoa, que o enfraquecimento ou quebra deles por outros a deso­
riente. Foi o caso de Jonas. Um estresse por causa de preconceitos
quebrados. A observação de Wolff é bastante interessante: “Os gentios
chegam à vida. O mensageiro eleito, desgostoso, deseja morrer, porque
a palavra de Deus funciona de maneira diferente do que ele tinha imagi-
nado”.19Em maio de 1990, os meios de comunicação alardearam o caso
de um pastor pentecostal que assassinou a esposa doente. Cansado de
orar para que Deus a curasse, e desgostoso porque seu movimento enfa­
tiza a cura como evidência de fé e uma cura não acontecia em sua própria
casa, tal pastor, desorientado, a matou. Deus não funcionou como o
esquema do grupo, a que o referido obreiro pertence, determinou que
ele deve funcionar. Em momento algum aquele irmão pensou que Deus
pode permitir a enfermidade para provar a pessoa. Não pensou em que
Deus também o estava provando, dando-lhe uma pessoa enferma para
que ele cuidasse dela. Até mesmo a razão (o homicídio é crime) e o senti­
mento (ele deveria amar a esposa) foram esquecidos. Ele tinha esquemas
teológicos muito rígidos e errados. Quando Deus agiu de maneira dife­
rente, ele se desorientou. Nossos conceitos e esquemas teológicos não
podem se firmar numa mentalidade de grupo, mas no que a Bíblia ensina.
E devemos nos curvar diante do seu ensino, e não, à semelhança de Jonas,
usar suas palavras para justificar a nossa posição.
À irritação de Jonas, Deus responde com uma pergunta: “É razoável
essa tua ira?”. Não era. Era tão irrazoável que Jonas nem responde e sai
da cidade. Ele ainda estava nos limites de Nínive quando o movimento

54
de arrependimento explodiu. Faz para si uma barraca e senta-se debaixo
dela. Ali ele está como espectador: “até ver o que aconteceria à cidade”.
Pode ser que os ninivitas tenham um sentimento fogo de palha e logo
voltem ao mal. Pôde ser que Deus dê razão a ele. O fato é que Jonas
quer ver o que sucederá aos pecadores de Nínive. Nosso profeta é um
homem absolutamente indiferente às pessoas. Parece-se com muitos
pastores que não se relacionam com pessoas, só com a causa, e estão
mais preocupados com a sua reputação pessoal do que com vidas. Não
se incomodam em passar por cima de pessoas, ou ao largo delas, como
o sacerdote e o levita da parábola do samaritano. Sua fama e seu nome
importam mais. Está absolutamente alheio ao destino de toda uma cidade.
No porão do navio, enquanto todos lutavam para sobreviver, ele dormia.
Dormia tanto que roncava. Aqui, põe-se à sombra. Está apenas assistindo
de camarote. Mais um grande defeito: o de não se envolver com problemas
reais e amuar-se por conceitos e idéias. Tão semelhante ao que vemos
hoje! E, embora repita algumas idéias já expostas aqui, torna-se opor­
tuna a citação da Bíblia Loyola, em rodapé: “Há um quê de ridículo nesse
profeta que se aflige porque sua pregação teve ótimo sucesso! Mas é algo
de trágico a perversão dessa mentalidade que lucidamente percebe o amor
de Deus e não é capaz de apreciar a sua beleza. Ao contrário: ‘isso
desgostou profundamente Jonas, que ficou irritado’ (4.1). Ao pintar o
irmão mais velho da parábola do filho pródigo, Jesus deve ter se lembrado
desta passagem de Jonas. Desgraçadamente essa mentalidade de Jonas
sempre foi uma tentação para o povo de Deus. Jesus a combate sempre,
notadamente em Lucas 15.11-32”.20
Paremos por aqui, agora. Eis diante de nós um homem ortodoxo,
cheio de idéias próprias, de convicções pessoais, vivendo e se esfalfando
num mundo de conceitos, mas indiferente ao destino de milhares de
pessoas. Com um bom conhecimento teórico sobre Deus, mas com o
coração vazio da graça divina. A mente está cheia, mas o coração está
oco. Você não vê muito disso hoje?

55
11
QUEM TEM OUVIDOS, OUÇA.

E fez o Senhor Deus nascer uma aboboreira, e fê-la crescer por


cima de Jonas, para que lhe fizesse sombra sobre a cabeça, a fim de o
livrar do seu enfado; de modo que Jonas se alegrou em extremo por causa
da aboboreira. Mas Deus enviou um bicho, no dia seguinte ao subir da
alva, o qual feriu a aboboreira, de sorte que esta se secou. E aconteceu
que, aparecendo o sol, Deus mandou um vento calmoso oriental; e o
sol bateu na cabeça de Jonas, de maneira que ele desmaiou, e desejou
com toda a sua alma morrer, dizendo: Melhor me é morrer do que viver
Então perguntou Deus a Jonas: É razoável essa tua ira por causa da abobo­
reira?Respondeu ele: É justo que eu me enfade a ponto de desejar a morte.
Disse, pois, o Senhor: Tens compaixão da aboboreira, na qual não traba­
lhaste, nem a fizeste crescer; que numa noite nasceu, e numa noite pereceu.
E não hei de ter eu compaixão da grande cidade de Ninive, em que há
mais de cento e vinte mil pessoas que não sabem discernir entre a sua
mão direita e a esquerda, e também muito gado? (4.6-11).
O livro de Jonas chega agora ao clímax da sua estrutura (o clímax
teológico é 3.10). O sujeito é muito claro: “Deus enviou”, “Deus mandou”,
“perguntou Deus”, “disse o Senhor”. O comando das ações é dele. Neste
trecho final, Jonas aparece como figurante. E, como dito anteriormente,
o livro termina com Deus fazendo uma pergunta sobre ele mesmo.
A pergunta é formulada de maneira tal que não pode ser respondida,
de modo que a argumentação chega a um impasse. Com a sua pergunta,
Deus encerra tudo.
Jonas fez uma barraca para ver o que aconteceria a Ninive. Talvez
se não tivessem passado os quarenta dias ou talvez ele pensasse que
convencera a Deus. Parece que a barraca não foi bem-feita, porque Deus
ainda toma providências para que ele não pegue sol. Há uma ironia cari­
nhosa de Deus para com o profeta. Já que ele vai esperar, que espere
à sombra. Deus não quer que ele se sinta mal. Uma antiga tradição
hebraica diz que Jonas era careca. Expor-se ao forte sol do Oriente Médio
era perigoso para a saúde. Para um homem calvo, seria mais perigoso.

57
Iavé fez nascer uma aboboreira para dar sombra para Jonas. Nossa
aboboreira é uma planta rasteira. Intérpretes antigos pensam ter sido
uma planta de rícino.21 A Bíblia de Jerusalém traduziu como mamo­
neira. Alguns pensam na palma-cristi. O certo é que teria sido uma árvore
de folhas largas, que produzia boa sombra. Jonas ficou contente. Como
todo mundo, ele gostava de ser abençoado, de receber boas coisas das
maos de Deus. Até mesmo a pessoa mais santa e desprendida gosta.
Alguém de temperamento muito asceta poderá recusar benefícios mate­
riais vindos dos outros, mas reconhecerá os que vêm de Deus como algo
que deve aceitar. Disso Jonas gostava. Ele gostava dos benefícios de Deus
para si, mas não gostava de vê-los estendidos a outros. Como o cristão
que exulta com a sua salvação, mas que tem pavor de que fale em missões
ou em contribuição, porque deverá dar alguma coisa. É uma visão muito
limitada desejar as bênçãos de Deus e não desejar reparti-las.
A alegria de malcriado dura pouco. No dia seguinte, Deus enviou
um bicho, um verme, que feriu a planta que cobria a cabeça de Jonas
e esta morreu. Tal acontecimento não é incomum na região. Vários comen­
taristas falam de plantas que foram extintas de um dia para o outro pela
ação de vermes. Mas não parou aí o que Deus desejava ensinar ao profeta.
O dia teve seguimento com um sol forte e com a presença do terrível
vento oriental. É o famosó siroco, vento seco e quente que vem do deserto,
elevando a temperatura até 44 graus. É o vento que queima a vegetação
e faz as flores morrerem (veja a ação do siroco em Isaías 40.7, onde ele
é chamado de “hálito do Senhor”). Sol forte, vento quente, tensão, irri­
tação e, suponhamos, calvície. Some-se tudo isso. O resultado? “(....) e
ele desmaiou”. Outra versão traz “e ele desfalecia”. Se desmaiou, sua
primeira palavra logo que voltou a si foi de reclamação; se estava desfa­
lecendo, perdendo as forças, ainda possuía um restinho para resmungar:
“Melhor me é morrer do que viver”. Já dissera isso antes, quando Nínive
foi poupada. Queria morrer porque sua vontade pessoal não se cumprira.
Agora quer morrer porque se sente desconfortável. Trabalhar com gente
de melindres, gente tipo porcelana, é muito difícil. São poucas as pessoas
que têm habilidade e paciência pará isso. Deus, felizmente, tem. Por isso,
aceita a luva atirada por Jonas. Responde ao seu queixume.
“É razoável essa tua ira por causa da aboboreira?” Qualquer pessoa
de bom senso, à luz da grande questão que estava em jogo, a permanência
ou destruição de uma grande cidade, seria fortemente atingida por essa
pergunta. Mas Jonas não. Agora é ele quem aceita a luva que o Senhor
lança. Com a ingenuidade ou falta de tato própria dos dominados pela
ira, ele responde: “É justo que eu me enfade a ponto de desejar a morte”.
Vai ensejar uma lição inolvidável. Manifestou compaixão por uma planta

58
que nasceu numa noite e pereceu noutra, na qual não trabalhou nem
teve parte no seu crescimento. E por uma cidade tão grande? Voltando
à cifra da população, temos “cento e vinte mil que não sabem discernir
entre a sua mão direita e a esquerda”. Já discutimos isso anteriormente.
Há duas idéias possíveis aqui. Uma, que se refira a crianças. Outra, que
se refira à população total e a expressão aluda à sua ignorância.22 Na
pesquisa vimos mais comentaristas optando pela primeira possibilidade.
Teríamos cerca de seiscentos mil habitantes na cidade.23 Se assim não
for, teríamos cento e vinte mil. De qualquer forma, um bom número
de pessoas. O profeta se sensibilizou com uma planta, mas não com gente.
Gente criada à imagem e semelhança de Deus. Gente que poderia estar
na cidade, mas não ser tão cruel como os demais. Gente aproveitável.
Mães, crianças, anciãos, gente simples e boa. Crianças ingênuas e riso­
nhas que valiam mais que uma planta.
Com tristeza somos forçados a reconhecer que na comunidade evan­
gélica há muita gente para quem as pessoas valem pouco. Há pregadores,
mestres e líderes para quem uma aboboreira vale mais do que gente.
O que muito impressiona em Jesus foi ter ele valorizado mais o homem
do que as grandes instituições do seu tempo. Pára Jesus, o homem valia
mais do que o sábado, uma instituição intocável. “O sábado foi feito por
causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mc 2.27). Ele
comia com publicanos e meretrizes e advertia que “não necessitam de
médicos os sãos, mas sim os enfermos” (Mc 2.17). Queremos uma igreja
de sãos, recriminamos os doentes e valorizamos as idéias mais do que
as pessoas. Isso não é incomum. Alguns artigos apologéticos que lemos
e algumas declarações de defesa da fé que vemos, por exemplo, parecem
mais expressão de ódio a pessoas do que amor pela obra de Deus.
Recordamo-nos de um jornal cuja linha editorial se preocupa em defender
posições doutrinárias que publicou um número destinado à agressão
verbal dos discordantes. A linguagem mais parecia a de freqüentadores
habituais de botequim do que a de salvos. São Jonas que valorizam mais
as suas efêmeras aboboreiras do que as pessoas.
Jonas estava errando mais uma vez. Amava mais as coisas do que
as pessoas. Esta é a postura do mundo em que vivemos, mundo engol­
fado em um materialismo pragmático, onde as pessoas lutam, brigam,
matam e morrem para ter coisas. Porque as coisas se tornaram o bem
maior na nossa escala de valores. Contra isso Jesus nos advertiu:
“Acautelai-vos e guardai-vos de toda espécie de cobiça; porque a vida
do homem não consiste na abundância das coisas que possui” (Lc 12.15).
Um cristão não põe as coisas como o valor último. Não coisifica pessoas
nem personaliza coisas. As pessoas são muito importantes para serem

59
usadas ou para serem consideradas como menos valiosas que preconceitos,
idéias próprias e conceitos subjetivos. Como cristãos, o que amamos mais?
As pessoas ou as coisas?
A conversa chega a um impasse. Deus não tem mais nada para
dizer. Já disse tudo. Nada há a acrescentar. Jonas não tem como retrucar.
O argumento divino é arrasador. Um argumento que deve ter doído.
Assim, parecendo incompleto, o livro se encerra. Nada mais se dirá de
Jonas em qualquer livro bíblico. Mais tarde, nosso Senhor falará dele,
mas em outro sentido. Temos uma informação sobre Jonas num livro
apócrifo, chamado Vidas dos profetas. Lemos o seguinte: “Jonas.
Vomitado pela baleia, marchou para Nínive. Quando voltou, não perma­
neceu na sua terra, mas tomou sua mãe e se instalou em Tiro, região
de povos estrangeiros, porque dizia: ‘Assim tirarei o meu opróbrio, pois
eu menti quando profetizei contra Nínive, a grande cidade’ ”.24 Se dermos
crédito a esta declaração, poderemos imaginar que Jonas continuou recla­
mando até o fim. Considerava-se devedor aos ninivitas, não como Paulo
se considerava devedor aos gentios (Rm 1.14), mas porque pensava que
Deus o fizera passar por mentiroso diante de Nínive. Até o fim da vida,
sua preocupação maior teria sido sua auto-imagem.
Muito mais poderia se dizer sobre Jonas, mas correríamos o risco
de enveredar pela repetição. Como cristãos que somos, no entanto, dois
versículos devem servir para nos encaminharmos para o fim de nossas
considerações. À luz deles, vamos analisar a atitude de Jonas. “Eu poderia
falar as línguas dos homens, e até a dos anjos, mas se não tivesse amor,
as minhas palavras seriam como o barulho do gongo ou o som do sino”
(ICo 13.1, BLH). Sem amor, todo o discurso cristão se torna uma baru-
lheira sem sentido. É mera algazarra religiosa. Outro versículo é: “Pois
o amor de Cristo nos constrange” (2Co 5.14). Conhecer a verdade trazida
por Jesus Cristo deve provocar em nós um sentimento de constrangi­
mento a um testemunho amoroso ao mundo. Ira, preconceito religioso,
idiossincrasias teológicas, arianismo hitlerista espiritual e queixumes
porque as coisas não são como gostaríamos que fossem, é rabugice.
A esta altura, depois de tanto termos falado de Jonas, poderíamos criar
um neologismo como sinônimo de rabugice e dizer: “É jonice” (por
favor, não confundam com Janice).
Mas, para sermos justos, encerremos com Deus. Quanta preocu­
pação mostrada para com o pior pecador, Nínive. Quanta solicitude
manifestada com pecadores desorientados comu os marinheiros. Quanta
misericórdia derramada para com a Nínive arrependida. E quanta paci­
ência exibida para com Jonas. Temos que concluir pensando nele.
Ele é magnífico! De Deus se pode dizer, usando as palavras do res-

60
miingão Jonas, que ele é “compassivo e misericordioso, longânimo e
grande em benignidade* e que te arrependes do mal”. Nisto Jonas
acertou em cheio. Nisto fazemos coro com ele. Vimos, na sua expe­
riência, como Deus trata os gentios: com amor. Vimos como Deus trata
os seus: com amor. “Deus é amor”, diz a Bíblia. Que sempre ajamos para
com ele em amor. Nunca em queixas ou insubmissão. Um Deus tão
paciente e tão amoroso merece todo o nosso amor.

61
12

O DESAFIO DE JONAS

Por mais de uma vez dissemos que a personagem principal do livro


não é Jonas, mas, sim, Deus. No entanto, por quase todo o livro falamos
de Jonas. Equivoco? Falta de planejamento? Não. Nosso livro se intitula
Jonas, Nosso Contemporâneo e não Deus, Nosso Contemporâneo. Nosso
propósito foi verificar na vida do profeta o que poderia ser aplicado em
nossa vida.
No entanto, ao pensarmos mais especialmente no desafio que o
livro de Jonas nos faz, vamos pensar agora em desafios que são lançados
pelo próprio Deus. Basicamente são quatro.
O primeiro é o desafio da obediência. Normalmente a obediência
àquilo de que nós gostamos é bem mais fácil. Mas quando somos
chamados a obedecer a coisas das quais não gostamos, torna-se
mais difícil. Na história de Israel temos um exemplo assim com Jeú.
Era um homem violento. “(....) o andar se parece com o andar de Jeú,
filho de Ninsi, porque anda furiosamente” (2Rs 9.20). Enquanto a
obediência de Jeú foi necessária em casos que envolvessem brigas,
derramamento de sangue, violência e mortes, enfim, Jeú foi obediente.
Quando foi uma obediência que demandou santidade, Jeú não teve
condições de atender. Esta não era a sua índole. Ora, a obediência
não pode ser condicionada ao gosto ou à natureza carnal de cada
um. Não é para se obedecer ao que se gosta. A obediência deve
estar condicionada ao fato de que o Senhor falou e assim deve ser.
Deus espera de nós que sejamos obedientes. Quando a igreja de
Jesus Cristo valoriza mais suas idéias do que a vontade de Deus,
corre periga Deus se alegra com a obediência. Aprender a obede­
cer pode ser difícil e até mesmo doloroso, mas é algo que regozija
o coração de Deus e que disciplina grandemente para viver de maneira
correta. Este é o primeiro desafio que Deus nos faz através da expe­
riência traumática de Jonas. Ele nos chama à obediência. Na obediência
há segurança.
O segundo desafio é o desafio do amor aos gentios. Jonas não nutriu
o mínimo amor pelos gentios. Deus lhes mostrou que amava os gentios
e tentou fazer o seu profeta entender isso. Parece que não conseguiu.
Deus nos desafia a amar os gentios. Por vezes, nós os vemos como meros
números dentro da estatística de não-alcançados. Ou então, cultural­
mente, como gente com hábitos estranhos. Em As Viagens de Gulliver,
Jonathan Swift mostrou duas nações em guerra porque cortavam o ovo
em lugares diferentes e cada uma julgava que a outra estava errada. Pbr
vezes, os costumes alheios que julgamos inferiores, valorizando a nossa
cultura, são como uma discussão sobre onde se deve cortar o ovo. Não
têm valor real. Os gentios não são pessoas excêntricas. São pessoas que
necessitam da graça e do amor de Deus. Isso significa o urgente desafio
de missões. O mundo precisa de Jesus Cristo. Não de preconceitos, porque
já os há demais. Não de rancor, porque isto é mercadoria que sobra no
mercado das relações humanas. Deus nos desafia a amar os de fora da
igreja e os estrangeiros, os de mais longe. Este autor pensou que já tivesse
passado da fase de se escandalizar com o que lê ou ouve, mas chocou-se
ao ouvir a declaração de um pastor dito evangélico segundo a qual o
que os países da Cortina de Ferro precisavam não era do evangelho, mas
de uma bomba atômica que os destruísse. Deus quebrou as barreiras que
separavam os homens. Ele não deseja que nós as levantemos. Ele nos
desafia a olharmos os gentios com compaixão. Não há outra maneira
de os olharmos. Somos todos descendentes dos mesmos pais: e de
um só fez todas as raças dos homens, para habitarem sobre toda a face
da terra (....)” (Atos 17.26). Racialmente, todos os homens somos irmãos.
Não devemos pensar em raça branca, raça amarela ou raça negra, mas
em raça humana. É assim que ele olha, e a nossa ótica deve ser a dele.
O terceiro desafio é o de melhorar os nossos padrões. Jonas, assim
como Israel, se escudou na sua eleição. Com isso, tornou Deus sua proprie­
dade pessoal e tomou-se de uma familiaridade depreciativa com ele,
passando a exibir padrões mais baixos do que os esperados. No livro de
Jonas, Deus é mais honrado pelos gentios do que pelo seu profeta. Não
podemos nutrir baixos conceitos sobre Deus. Não tem cabimento que
ele receba mais honra do mundo do que de nós. E não confundamos
louvor com honra. Muitas vezes estamos louvando a Deus porque aquilo
nos faz bem, mas a nossa vida não o está honrando. Deus espera de nós
padrões elevados. Padrões compatíveis com a compreerlsão que nutrimos
de quem ele é. Jonas nutria excelente conceito teológico acerca de Deus,
mas não os concretizou na sua conduta. Sua ética era desalmada e
perversa. Há crentes que são desalmados e perversos. Isto é um absurdo,
porque o nosso padrão de relacionamento com as pessoas deve encarnar

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e exibir a bondade de Deus. Nossos padrões devem ser padrões de pessoas
que conhecem a Deus e que o amam. Que não estão satisfeitas com o
que têm exibido nas suas vidas e que queiram mostrar, com suas atitudes,
quem realmente ele é. “Sereis santos, porque eu sou santo” (IPe 1.16).
Este é o limite para o qual devemos prosseguir.
Um outro desafio, o último: o desafio de aprender. Parece que a
experiência tão dolorosa de Jonas, no ventre do peixe, não o levou a
aprender muita coisa. Continuou sendo um homem duro, desprovido
de misericórdia. Se dermos crédito à informação sobre seus últimos dias
contida em Vida dos profetas, podemos considerar que até mesmo no
fim de sua existência não aprendeu da experiência que viveu e nem da
pergunta conclusiva de Deus. Mas que o temos nós aprendido? Quantos
sermões, quantos estudos, quantos livros lidos, quantas experiências
vividas com Deus e, por vezes, sem ele, que deveriam nos ter ensinado
alguma coisa! Sem dúvida, Deus nos tem ensinado, quer pela sua Palavra,
quer pelo contato com ele, quer pelas lições da vida nossa e dos outros.
Mas, em que mudamos? Causa constrangimento, e até decepção, como
pregador, verificar que um esforço como o de estudar, preparar e trans­
mitir a Palavra tão escassos efeitos consiga produzir na vida do povo
de Deus. Se a quantidade do que se passa para o povo fosse pesada e
também se pesassem os resultados, muitos pregadores desanimariam.
É desalentador observar que há pessoas e até comunidades inteiras que,
domingo após domingo, saem dos serviços de adoração sem qualquer
mudança significativa em suas vidas. Alguns saem até cansados de tão
quente que foi o louvor. Sim, o que conseguimos aprender? Há cristãos
que são eternas criancinhas, birrentos como Jonas e que vivem queixando-
se e brigando por tudo o que não lhes agrada. Não é incrível que se
discuta por louvor e que haja igrejas que se fracionam por causa do estilo
de adoração a Deus? São crentes que nunca amadurecem. Deus nos
desafia a aprendermos, a crescermos, a chegarmos ao ponto de poder
dizer como Paulo: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia
como menino, pensava como menino; mas, logo que cheguei a ser homem,
acabei com as coisas de menino” (ICo 13.11). Aprendamos. Cresçamos.
Deixemos as meninices, ou, como já criamos o termo, a jonice de lado.

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NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

1. CRABTREE, Asa Routh. Os profetas menores. Rio de Janeiro:


Casa Publicadora Batista, 1971, p. 209.
2. MORA, Vincent. Jonas. São Paulo: Edições Paulinas, 1983, p. 7
3. KELLEY,Page. Mensagens do Antigo Testamento para os nossos dias.
Rio de Janeiro: JUERP, 1980. p. 99.
4. Ibid., p. 90.
5. A Bíblia na linguagem de hoje. Nota de rodapé em comentário do texto.
6. KELLEY, Page. Op. cit., p. 91.
7. Bíblia de Jerusalém. Nota de rodapé em comentário do texto.
8. WOLFF, Hans Walter. A Bíblia, Palavra de Deus ou palavra de
homens? 2a. ed. São Leopoldo/RS: Editora Sinodal, 1979, p. 33
9. Bíblia Loyola. Nota de ropadé em comentário do texto.
10. EARLE, Ralph. Conozca los profetas menores. Kansas City, USA:
Casa Nazarena de Publicaciones, s.d., p. 52.
11. KELLEY, Page. Op. cit., p. 96.
12. The new international version study Bible. Nota de rodapé em
comentário do texto.
13. STRONG, Augustus.Systematic theology. 25a. ed. ValleyForge,USA:
The Judson Press. p. 258.
14. The new international version study Bible. Nota de rodapé em
comentário sobre o texto de Jeremias 18.7-10.
15. CRABTREE, Asa Routh. Teologia do Velho Testamento. 4a. ed.
Rio de Janeiro: JUERP, p. 84.
16. KELLEY, Page. Op. cit., p. 97.
17. KUNSTMANN, Walter. Profetas menores. Porto Alegre, Concórdia
Editora, s.d. p. 97.

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18. KELLEY, Page. Op. cit., p. 98. Provavelmente há um erro de imprensa
no texto do Dr. Kelley. Onde se lê “Deus” deve se ler “Jonas”
senão o sentido fica inteiramente prejudicado. Mas respeitamos
o texto editado, mesmo presumindo o erro.
19. WOLFF, Hans Walter. Op. cit., p. 41.
20. Bíblia Loyola. Nota de rodapé em comentário sobre o texto.
21. KUNSTMANN, Walter. Op. cit., p. 98. Também assim considera a
The new international version study Bible.
22. SHEDD, Russell, ed. O Novo Comentário da Bíblia. 2? vol. São Paulo:
Edições Vida Nova, reimpressão de 1987. Comentário sobre o
texto.
23. PUSEY, E. B. The minor prophets — commentary. 14.a ed. Baker
Book House, 2? vol. p. 428.
24. Vida dos profetas, capítulo 10, versículo 23 (livro apócrifo). In Macho
Diez, ed. Apócrifos delAntiguo Testamento, vol. II. Ediciones
Cristandad.

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O que tem para nos ensinar, hoje,
a h istó ria de um homem que se
recusou a pregar num lugar que nem
mais existe e que foi engolido e vomi­
tado por um peixe? Tal história cheira
a lenda. Poae ter alguma relevância
para o nosso mundo de hoje? Há nela
alguma coisa de valor para nós? (...)
Jonas é um contemporâneo nosso
como poucos profetas o são. Nele
vemos muitos dos nossos precon­
ceitos contra aqueles que não são da
nossa fé. Vemos muito da nossa
maneira arraigada de entender as
coisas e querer que Deus tenha um
ponto de vista semelhante ao nosso.
Até mesmo a rabugice de Jonas é
encontradiça em nosso meio, na
mente de muitos. (...)
A graça de Deus, porém, é muito
nnincíe e supriu as deficiências do
profeta, como pode suprir as dos que
querem servi-lo, mas tropeçam em
suas limitações. (...)
Queremos fazer-lhe um convite:
caminhe conosco pelas páginas deste
com entário, observando o nosso
intrigante profeta.

D o prefácio do autor

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