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Faculdade Adventista da Bahia

Curso de Psicologia

5º Período
2013/01

Profº Graciliano Martins

Profº Graciliano Martins Página 1


Sumário

“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o


conforme as tuas forças, porque, na sepultura para
onde tu vais, não há obra, nem indústria, nem
ciência, nem sabedoria alguma.”
Salomão
Eclesiastes, 9:10

1. Introdução

2. Conceito de Psicopatologia

3. Psicologia e Psiquiatria: Conceitos, princípios, diferentes


abordagens teórico-prático.

4. Doença mental: Significado e evolução dos conceitos de


normalidade e patologia (saúde/doença). História.

5. Síndromes culturais.

6. Critérios diagnósticos do DSM-IV e da CID-10.

7. Prontuário Psicológico e Exames Psíquicos.

8. Visita supervisionada a organizações de saúde mental e


elaboração de relatórios

9. Referências

10. Apêndice

“Só existem dois dias no ano que nada pode ser


feito. Um se chama ontem e o outro se chama
amanhã, portanto hoje é o dia certo para amar,
acreditar, fazer e principalmente viver”.
Dalai Lama

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1. INTRODUÇÃO

"Não se pode ensinar alguma coisa a alguém,


pode-se apenas auxiliar a descobrir por si
mesmo."
Galileu Galilei

De acordo com Foucalt (2002) o estudo da loucura fascina e assusta, porque as tradições
científicas associadas às percepções do senso comum atribuíram à
loucura conceitos diversificados e muitas vezes contextualizados
por crenças míticas e/ou misteriosas. Entretanto, como a Psicologia
é a ciência que estuda o homem a partir dos processos psíquicos e
do comportamento, associados ao modo como age e reage em suas
relações com o meio interno e externo, tendo em vista a saúde
mental, a singularidade e o bem-estar de cada indivíduo, estudar
Psicopatologia é imprescindível para formação profissional do
Psicólogo que deseja atuar na área Clínica. Todavia, como este estudo promove melhor
entendimento dos processos psicodinâmicos tanto na enfermidade como na saúde mental, o
estudo da psicopatologia possibilita articular conhecimentos teóricos de outras disciplinas
com a prática profissional do Psicólogo em quaisquer de suas áreas de atuação profissional. E
por este entendimento, o Curso de Bacharel em Psicologia da FADBA oferece esta disciplina
em dois períodos consecutivos, consistentes com a vocação do Curso, além de vivências
promovidas em visitas supervisionadas a Instituições de saúde Mental com o fim de associar à
teoria a prática.

Psicopatologia I

Ementa:
Psicopatologia, Psicologia e Psiquiatria: história, conceitos, princípios, diferentes abordagens
teórico/prática. Significado e evolução dos conceitos de normalidade e patologia
(saúde/doença). Noções de neurobiologia dos processos psíquicos. Principais fenômenos
psicopatológicos padrões. Síndromes culturais. Classificação dos fenômenos
psicopatológicos. Critérios diagnósticos do DSM-IV e da CID-10. Prontuário Psiquiátrico e
Exames Psíquicos.
Parte Prática: visita a organizações de saúde mental. Supervisão. Elaboração de relatórios.

Objetivos:
 Distinguir o fenômeno psicológico e psicossocial normal do patológico, considerando-
se a relatividade deste conceito e a determinação histórica e cultural de sua construção.
 Analisar criticamente a história das instituições psiquiátricas (hospitais, clínicas dia,
ambulatórios e serviços gerais de assistência psiquiátrica) para a produção de
conhecimento e intervenção frente aos distúrbios psiquiátricos.

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 Identificar os sinais e sintomas psicopatológicos mediante a realização do exame
psíquico e da entrevista diagnóstica.
 Caracterizar as várias síndromes que compõem as classificações diagnósticas
existentes, analisando criticamente os critérios de normalidade e de causalidade
psíquica adotados.
 Estabelecer relações entre o substrato biológico e contextos culturais e as funções
psíquicas normais e patológicas
 Discutir os sistemas de classificação existentes dos fenômenos psicopatológicos e os
respectivos critérios de normalidade e causalidade que lhes são subjacentes.
 Descrever, analisar, discutir e apresentar relatório de trabalhos diagnóstico de quadros
em psicopatologia.

Além da sua natureza teórica, a ementa sinaliza também que são previstas visitas
supervisionadas a unidades de saúde que lidam com o sofrimento mental. Sendo que estas
visitas objetivam possibilitar aos alunos, vivências que permitam relacionar os conteúdos
teóricos ao cotidiano da prática Clínica em uma Instituição de saúde para portadores de algum
sofrimento mental. No entanto, é de bom alvitre lembrar, que as visitas limitar-se-ão às
observações supervisionadas a não aos procedimentos clínicos psicoterapêuticos. Isto é, como
a disciplina contempla a iniciação teórica e não a psicoterapia, o estudante terá a oportunidade
de se ambientar ao trabalho psicoterapêutico sem que isso se constitua em um estágio da
prática clínica. Porém, é a partir desta vivência no ambiente clínico que se pretende dar os
primeiros passos para compreender abordagens empregadas pela psicoterapia.
Com o propósito de conhecer o que será estudado no período por vir, os conteúdos e os
objetivos da disciplina Psicopatologia II encontra-se em textos originais do PPC de Psicologia
no Apêndice nº 1. Sendo que tal conhecimento não pretende antecipar o entendimento ou a
discussão dos conteúdos propostos, sejam parcial ou totalmente.
E para verificar o aproveitamento acadêmico em Psicopatologia I, a avaliação contará com
provas e relatórios escritos, a saber:

Instrumentos de Avaliação Nota Porcentagem


Prova 1 Escrita 3,5 35 %
70 %
Prova 2 Escrita 3,5 35 %
Relatório 1 Visita: Hospital Psiquiátrico 1,0 10 %
15 %
Relatório 2 Visita: CAPS 0,5 5%
Relatório 3 Filme: Um Estranho no Ninho 0,5 5%
Relatório 4 Filme: Um Dia de Fúria 0,5 5 % 15 %
Relatório 5 Filme: O Bicho de Sete Cabeças 0,5 5%
Total da Pontuação 10,0 100 %

"Se você quer ser bem sucedido, precisa ter


dedicação total, buscar seu último limite e dar o
melhor de si mesmo."
Ayrton Senna da Silva

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2. CONCEITO DE PSICOPATOLOGIA

“O inimigo mais perigoso que você poderá


encontrar, será sempre você mesmo.”
Friedrich Nietzsche

Literalmente, a palavra Psicopatologia significa estudo das doenças da alma, estudo das
doenças da mente, ou estudo das doenças psíquicas. No entanto, segundo Paim (1993), os
autores empregaram várias expressões para designar esse novo ramo do conhecimento, tais
como: “psicopatologia geral, psicologia patológica, psicopatologia clínica, psicologia
anormal, psicologia da anormalidade e psicologia do patológico”. Mas a despeito dessas
divergências, a etimologia da palavra “psicopatologia” aponta para três palavras da língua
Grega que não deixam duvida quanto ao seu significado em Português.
a) Psychê – mente, alma, psiquismo.
b) Pathos – doença, paixão, entre outras (vários sentidos).
c) Logos – estudo
Não se sabe ao certo quem usou pela primeira vez o termo, mas de acordo com Paim (1993),
apoiado por Cheniaux (2011), atribui-se ao jurisconsulto e filósofo inglês Jeremy Bentham
(Londres, 1748 – 1832), o reconhecimento da necessidade de uma psychological pathology
(1817). Porém, BAUMGART (2006) discorda dos autores acima e diz que o termo foi
empregado pela primeira vez por Ermming Naus, predecessor de Kraeplin desde 1878, como
sinônimo de “psiquiatria clínica”. No entanto, Paim (1993) rechaça esta ideia ao afirmar que a
Psicopatologia é por si só uma ciência autônoma e não deve ser confundida com a psiquiatria.
Enquanto campo de estudo, para Cheniaux (2011) a Psicopatologia foi criada por Esquirol e
Griesinger, com trabalhos publicados, respectivamente, na França em 1837 e na Alemanha em
1845. Mas BAUMGART (2006), explica que a Psicopatologia adquiriu seu atual significado
com a obra de Karl Jaspers publicada em 1913, Psicopatologia Geral (Allgemeine
Psychopatologie). Para este autor foi a partir desse livro que JASPERS (1913) tentou
construir uma teoria geral que abrangesse as questões relativas à enfermidade mental. E esta
ideia pode ser observada no prefácio do seu livro onde este autor diz:
“O presente livro pretende dar uma visão panorâmica de todo âmbito da Psicopatologia
Geral, de seus fatos e de suas perspectivas (...) meus esforços visam à distinção, separar
nitidamente os caminhos, bem como, a expor a pluridimensionalidade da
Psicopatologia”.
Jaspers, citado por Cheniaux (2011), afirma que “o objetivo da psicopatologia é o fenômeno
psíquico, mas só os patológicos”. Mas para Cheniaux (2011) a Psicopatologia está
relacionada a múltiplas abordagens e referencias teóricas. Ou melhor, há várias
psicopatologias diferentes divididas, basicamente, em dois grupos: as descritivas e as
explicativas.

1. As descritivas pretendem descrever e categorizar as experiências anormais informadas


pelo paciente e observadas em seu comportamento. Possuem caráter semiológico e
propedêutico em relação a psiquiatria clínica.

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Entre as psicopatologias descritivas, encontra-se a fenomenológica, criada por
Edmund Husserl (1859 - 1938). Segundo Paim (1993), a psiquiatria tem como método
a fenomenologia e limita-se aos fenômenos anormais da vida mental.
Para Cheniaux (2011) a fenomenologia entende que tudo que existe é fenômeno. Mas
o que é relevante para este grupo descritivo, é a experiência subjetiva do sujeito com
as coisas e não as coisas em si. Para este autor, a fenomenologia contrapõe-se ao
empirismo, que aceita a assimilação passiva do objeto como se o sujeito fosse uma
tábua rasa. E de igual forma opõe-se ao positivismo, que influenciou o behaviorismo e
negava a importância à introspecção.
O fenômeno é a consciência de algo. Ou seja, é um estudo descritivo dos fenômenos
psíquicos de cunho anormal, exatamente como se apresentam à experiência imediata e
de forma independente dos problemas clínicos. Estuda o comportamento dos enfermos
a partir de expressões que possam projetar conteúdos intrínsecos. Como o conteúdo do
discurso (relatos e autodescrição feitas pelos mesmos), gestos, intenções e desejos,
além dos dados fornecidos pelo seu ambiente psicossocial.
De acordo com PAIM (1992), o estudo desses elementos contribui para o
conhecimento de três tipos de fenômenos: a) fenômenos que conhecemos por nossa
própria experiência, b) fenômenos que promovem apenas noções e c) fenômenos que
se caracterizam pela impossibilidade de descrição podendo ser alcançados apenas por
analogias. E ainda para o mesmo autor, a Psicopatologia diferencia-se da Psiquiatria
por ser uma ciência normativa que estuda e classifica fenômenos. Portanto, concluiu,
não é um ramo da clínica médica que se aplica objetivando apenas assistência aos
doentes mentais.
A Psicopatologia descritiva se prende ao entendimento do que pode ser ou não
considerado normal.

Normal Moral
Legal

Normalidade Anormal Imoral


Ilegal

Não Normal Amoral

2. As Psicopatologias explicativas pretendem esclarecer a etiologia dos transtornos


mentais e baseiam-se em modelos teóricos ou achados experimentais. Podem seguir
uma orientação psicodinâmica (psicanálise), cognitiva, existencial, biológica, social,
entre outras. É ponto passivo que a Psicopatologia tem como propósito estudar as
doenças mentais, mas sob o prisma da Psicologia, ela se prende a estrutura psíquica do
individuo e a sua trajetória inserida e contextualizada ao próprio ambiente social. Ou
seja, o estudo da doença mental não se limita a observação de queixas ou sintomas
associados ao presente, estuda todo conteúdo intrapsíquico a partir da história do
individuo no contexto de suas relações psicossociais. Essa idéia transita em diferentes
abordagens e pode ser observada também ao longo do tempo desde os primeiros
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teóricos. Para muitos pesquisadores, a normalidade de cada individuo pode ser
considerada como um produto social, à medida que o diagnostico é feito dentro de
uma cultura imposta, além da relevância que os fatores sociais detêm sobre esta.

Para BAUMGART (2006) a Psicopatologia tem dificuldades para encontrar uma coesão
teórica devido aos muitos discursos que abarcam. Percebe-se que os conhecimentos a ela
relativos parecem constituir-se apenas como um aglomerado de especialidades. Dentro da
Psicologia, por exemplo, esta associada à Psicologia Geral (noções de subjetividade,
intencionalidade, representação, atos voluntários, entre outros), Psicologia Clínica (dedicada
ao diagnóstico e ao prognostico de sofrimentos mentais, o estudo da personalidade, entre
outros), e a Psicologia ligada às neurociências. Mas, além disto, a Psicopatologia transita na
Psiquiatria, tradições hindus, entre outros saberes.
No entanto, de acordo com JASPERS (1913), a Psicopatologia seria responsável pelo estudo
das manifestações da consciência, sejam essas manifestações consideradas normais ou
anormais. E deve considerar o individuo em suas dimensões físicas, mentais e psicossociais,
atentando sempre para os padrões de normalidade onde o indivíduo a ser questionado está
inserido, não se deixando guiar “cegamente” pelos sintomas. Porque, de acordo com
JASPERS (1913), considerar um sintoma, isolado das dimensões sinalizadas à cima, é fazer
com que o objetivo principal de entendê-lo (compreender o indivíduo) seja esquecido. Ou
seja, seria o mesmo que construir uma proposta prognóstica com ênfase apena na doença, sem
levar em consideração o paciente e a sua realidade psicoafetiva.

“Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado


algumas vezes, mas não esqueço de que a minha
vida é a maior empresa do mundo. E que posso
evitar que ela vá à falência. Ser feliz é reconhecer
que vale a pena viver, apesar de todos os desafios,
incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é
deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um
autor da própria história. É atravessar desertos
fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no
recôndito da alma. É agradecer a Deus a cada
manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter
medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si
mesmo. É ter coragem para ouvir um “não”. É ter
segurança para receber uma crítica, mesmo que
injusta. Pedras no caminho? Guardo todas, um dia
vou construir um castelo...”
Fernando Pessoa

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3. PSICOLOGIA E PSIQUIATRIA

“Um homem não pode fazer o certo numa área da


vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em
outra.”
Mahatma Gandhi

Conceitos

3.1 – Psicologia: (Do grego psykhé, “alma ou mente” + logia, “estudo”). Ciência que estuda
os processos psíquicos, sua classificação e análise, associados aos fenômenos
comportamentais tendo em vista o bem-estar e a singularidade de cada indivíduo. Além de
promover as abordagens que permitem as psicoterapias que objetivam equacionar ou
minimizar o sofrimento humano diante de suas queixas.
A Psicologia estuda os transtornos mentais e de igual forma a psykhé em seu estado saudável.
Entre as principais áreas de atuação do Psicólogo, (profissional especializado em Psicologia),
pode-se citar: clínica, organizacional, escolar, social, política, jurídica, artes plásticas,
publicidade, marketing e propaganda, organizacional, hospitalar, comunitária, trânsito,
esporte, orientação vocacional, pesquisa, magistério, entre outras. Portanto, o Psicólogo não
lida apenas com as patologias da mente, mas com as relações do homem com os seus mundos
externo e interno.
As funções e tarefas profissionais do Psicólogo podem ser desempenhadas em instituições
privadas ou governamentais, no âmbito da saúde, educação, reeducação, trabalho, justiça e
comunidades. Desenvolvem-se em hospitais, ambulatórios, centros e postos de saúde,
consultórios (de profissionais liberais), creches, escolas e associações comunitárias, empresas,
sindicatos, fundações, juizados de menores e de família, penitenciárias, associações
profissionais e esportivas, clínicas especializadas, núcleos rurais etc.
Com relação à área clínica, o profissional está habilitado a atuar na área da saúde e efetuar
diagnóstico psicológico; prescrever e realizar psicoterapias em diferentes abordagens; realizar
atendimento familiar para orientação ou acompanhamento psicológico; participar da
elaboração de programas de pesquisa sobre a saúde mental da população; participar da
elaboração de programas de treinamento em saúde mental, em instituições como creches,
associações, instituições de menores, entre outras; colaborar em equipe multiprofissional no
planejamento das políticas de saúde; realizar pesquisas visando à construção e ampliação do
conhecimento teórico e aplicado, no campo da saúde.
Na área organizacional ou do trabalho, o profissional pode atuar no recrutamento e na seleção
de pessoal; elaborar, executar e avaliar, em equipe multiprofissional programas de
treinamento e de formação de pessoal, com vista ao desenvolvimento dos recursos humanos;
participar no processo de avaliação do trabalho visando subsidiar decisões na área de pessoal;
elaborar programas e atividades na área de segurança do trabalho bem como programas
educacionais, culturais, recreativos e de higiene mental, visando assegurar a preservação da
saúde do trabalhador; participar no desenvolvimento de ações destinadas a otimizar relações e
condições de trabalho, no sentido da maior produtividade e da realização pessoal de

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indivíduos e grupos, ergonomia e assessoramento para formulação e implementação da
política de recursos humanos.
Na área escolar, o profissional pode atuar junto à Educação formal e informal, participando da
elaboração de planos referentes o sistema educacional; colaborar com os educadores,
fornecendo-lhes conhecimentos de Psicologia, úteis na consecução crítica e reflexiva de seus
papéis; desenvolver trabalhos com educadores, pais e alunos, buscando, explicitar e superar
entraves institucionais ao funcionamento produtivo das equipes e ao crescimento individual
de seus integrantes; elaborar e executar procedimentos destinados ao conhecimento da relação
professor/aluno, em situações escolares específicas, visando implementar metodologia de
ensino que favoreça a aprendizagem e o desenvolvimento.
Este profissional pode também dedicar-se ao magistério do Ensino Médio e, a nível superior,
além do ensino, desenvolver pesquisas em Universidades públicas e privadas. As atividades
de pesquisa visam, fundamentalmente, produzir conhecimento teórico e prático relevante para
a compreensão de aspectos da vida de seres humanos e de animais.
Pela Resolução nº 04/74, de 1º de julho de 1974, o Conselho Federal de Psicologia resolveu
adotar a definição de Psicólogo da Organização Internacional do Trabalho (O.I.T.), como
caracterização básica da profissão. E de acordo com este organismo internacional, o
profissional Psicólogo se ocupa em:
a. Estudar o comportamento e o mecanismo mental dos seres humanos, a partir da
realização de pesquisas sobre os problemas psicológicos que se colocam no terreno da
sociologia, antropologia, fonoaudiologia, fisioterapia, medicina, nutrição, educação,
organizações e recomenda o tratamento adequado;
b. Projeta e realiza experimentos em seres humanos para determinar suas características
mentais e físicas;
c. Analisa a influência de fatores hereditários, ambientais e outros mais na configuração
mental e comportamental dos indivíduos;
d. Faz diagnóstico, tratamento e prevenção de transtornos mentais e da personalidade,
assim como dos problemas de inadaptação ao meio social e de trabalho;
e. Cria e aplica testes psicológicos para determinar a inteligência, aptidões, atitudes e
outras características pessoais, interpretando os dados obtidos e fazendo as
recomendações pertinentes.
A Profissão foi regulamentada no Brasil pela lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, que
também dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia. E com o objetivo de regrar e
fiscalizar o exercício profissional, nove anos depois, em 1971, a lei nº 5.766 criou o Conselho
Federal de Psicologia e os Conselhos Regionais. No entanto, até 1974 o exercício da profissão
exigia o registro prévio no Ministério da Educação e Cultura.

3.2 – Psiquiatria: (Do grego psykhé, “alma ou mente” + iatreía, “cura”). É uma especialidade
da Medicina que estuda as doenças mentais a partir das alterações da bioquímica. Além do
diagnóstico promove terapia de doenças mentais através do uso de psicofármacos. Segundo
Cheniaux (2011) a psiquiatria não é considerada uma ciência, mas um ramo da Ciência
Médica. Portanto, o Psiquiatra é um médico especializado em Psiquiatria e a sua atuação
limita-se a área clínica em hospitais especializados, ambulatórios, consultórios e Instituições
Públicas vinculadas a justiça. Filme: Um Estranho no Ninho

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Princípios

Apesar de a Psicopatologia ser a mesma tanto para Psicologia quanto para Psiquiatria, por
princípio, os dois campos de estudo são diferentes.
a. A psicopatologia se limita estudar o psiquismo doente, mas é um saber que está dentro
da Psicologia e a Psicologia está dentro do estudo do psiquismo. Porque, enquanto a
Psiquiatria estuda o psiquismo a partir da doença sem considerar o doente, a
Psicologia estuda tanto o psiquismo doente, quanto o psiquismo saudável. Como
exemplo, a Psicologia estuda os processos da aprendizagem, da linguagem, entre
outros fenômenos tidos como normais do psiquismo.
b. Concepção de que o psiquismo é capaz de adoecer. Para o entendimento da Psicologia,
as atividades nervosas ou atividade do cérebro, são diferentes das atividades psíquicas.
A partir do Séc, XVIII a doença mental passou a ser reconhecida como doença da
mente e não como doença somática, doença do corpo.
c. A doença psíquica como entidade autônoma. Isto é: não pode ser dominada porque
independe da vontade.

Abordagens teóricas/praticas

Até o Séc. XVIII, às teorias sobre a loucura não contribuíram muito em favor da criação da
psicopatologia. Mas a partir do Séc. XIX estudiosos alemães e franceses afirmaram que o
substrato da doença mental era anatômico, dando origem as morfologias (formas). Ou seja, a
doença mental era tangível, anatômica e tinha forma definida. No entanto, outros estudiosos
defenderam a teoria de que o substrato da doença era fisiológico e o mais famoso deles foi
Charcot. E com essas idéias todos queriam construir uma psicopatologia que pudesse
contemplar o interesse dos anatomistas, que defendiam a crença de que a doença mental
ocorria a partir de uma lesão em um órgão do corpo; ou os fisiologistas que defendiam que a
doença mental ocorria a partir de uma disfunção do organismo e não a partir de uma lesão em
um determinado órgão. Desse modo, para os anatomistas a doença era localizada, enquanto
para escola fisiológica a doença era difusa.
A doença psíquica para Psiquiatria tem substrato material, tem origem orgânica, origem na
anatomia do corpo. Ou seja, as alterações na vida do indivíduo são causadas por lesões no
sistema nervoso, na estrutura e são consideradas como agentes internos. No entanto, os
médicos abrem os corpos e atestam que através da necropsia são descobertas as doenças
funcionais, mas não conseguem encontrar as lesões que dariam origem a loucura. Por isso
muitos concluíram que a lesão é no funcionamento, na fisiologia que foi alterada e não na
anatomia. Sendo que as alterações no corpo são causadas por fatores psíquicos e não por uma
lesão anatômica. Criou-se então uma idéia de um corpo imaginário, uma lesão simbólica. (o
corpo não é apenas um corpo com fins objetivos, ele é um corpo simbolizado). O corpo vivo
do homem é atravessado pela linguagem, pelo simbolismo. A linguagem é um sistema de
símbolos criado pelo homem, a partir de sua relação com objetos observados. O homem tem a
capacidade de simbolizar, porque é capaz de criar.
Com a revolução francesa surgiram estudos sobre o pensamento, sobre a abstração e criaram o
caminho para a psicopatologia. E como não havia relação entre patologia e psiquismo, a
loucura era interpretada como desvio moral. Todavia, o conceito de doença, a ideia de clínica
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e a psicopatologia se originaram na medicina. No entanto, a Psicologia Clínica não segue o
modelo médico e entende que a psicopatologia não é uma reprodução ou repetição da
Medicina, mas uma derivação dela. Ou seja, a partir da ideia que a medicina produziu sobre a
doença mental, a Psicologia construiu um novo conceito de doença mental com características
próprias.
Depois disso, tanto a clínica quanto a psicoterapia em Psicologia tornaram-se diferentes em
tudo das propostas psiquiátricas. Entende-se o psiquismo como um topos, (para Platão topos é
um lugar indeterminado). E Freud associou o termo topos (de Platão) a Psychê, quando fez o
uso da palavra tópica (em nenhum lugar) em psicanálise. Ou seja, para este entendimento
sobre a mente, o psiquismo esta em todo lugar e em lugar nenhum do organismo. Admite-se,
portanto, que na doença psíquica há um substrato, mas não é concreto, não é tangível ou
anatômico.
A partir do Século XX o conceito de doença
mental foi alterado paulatinamente dando
origem a outros modelos para explicar a
enfermidade psíquica. Surgiu também a
psicanálise se opondo aos anatomistas e aos
fisiologistas com uma nova leitura de patologia.
A explicação passou a ser a partir do trauma e do
recalque e não somente a partir da lesão ou do
funcionamento dos órgãos. A psicanálise não usou a explicação biológica da medicina e não
partiu de nenhuma base material ao defender a existência do inconsciente. O inconsciente está
ancorado no corpo mais não surge no corpo, não está na anatomia e não está na fisiologia do
corpo. Dessa forma Freud explicou a Neurose, a Psicose e a Perversão, a partir do campo
psicológico. Adotou uma posição de produzir uma teoria própria, mas em termos estritamente
psicológicos e não mais a partir da Biologia. Para este teórico, o perverso não é maligno e o
psicótico não é inválido.
A exclusividade da Psiquiatria se prende as doenças de natureza orgânica, como por exemplo,
à epilepsia. E o Psiquiatra limita-se ao controle do uso de drogas ou psicofármacos,
eletrochoque ou eletroconvulsivoterapia ou Benielectroconvulsivoterapia (ECT), introduzida
em 1938 por Cerletti, entre outras praticas similares. (Sendo que as intervenções cirúrgicas
são da competência do neurocirurgião). Apêndice 2
No entanto, espera-se do Psiquiatra, Psicólogo, Enfermeiro, Odontólogo, Fisioterapeuta,
Nutricionista, entre outros profissionais que atuam na área da saúde, ações interdisciplinares
que possibilitem melhores resultados. Mas para isso é importante que os profissionais, cada
um em sua área do saber e de atuação, ancorados na ética e no bom senso, promovam o
respeito nas relações profissionais sem que um profissional se posicione como superior ao
outro. E desse modo, que a troca de informações e experiências a partir da pluralidade dos
saberes, façam as devidas intervenções calcadas na interconsulta, tendo como únicos objetivos
a busca do conhecimento científico, a saúde e o bem-estar do homem.

“É mais fácil desintegrar um átomo do que um


preconceito"
Albert Einstein

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4. DOENÇA MENTAL

“As doenças mentais têm suas origens nas


relações interpessoais perturbadas e só podem ser
explicadas nas relações com a família”
Sullivan

História da Loucura

De acordo com Cheniaux (2011), a palavra doença vem do Latim dolentia, e significa dor,
sofrimento. São condições relacionadas a desconforto, incapacidade, dor ou morte.
Cerca de quatro séculos antes de Cristo, Bastos (2000) lembra que Hipócrates (460–370 a.C.)
tentou relacionar os transtornos mentais (epilepsia, paranóia, psicose pós-
parto, fobias, depressão, histeria e personalidade) com alterações orgânicas
(desequilíbrio dos humores que ele acreditava ter origem na fleuma ou
linfa, bile amarela ou colérico, bile negra ou melancólico e sangue ou
sanguíneo). E depois de Hipócrates, vários pesquisadores tentaram explicar
também a doença mental, mas sem sucesso. E de acordo com a (CID–10),
antes do Séc. XVIII nenhuma teoria sobre a loucura contribuiu para
produzir algum tipo de conhecimento aceitável cientificamente. E o modo
como eram tratados os portadores de transtorno mental variou com o tempo, mas na maioria
das vezes, só proporcionou mais sofrimento para os indivíduos. Somente a partir do Séc. XIX
com a revolução francesa, que os estudos sobre o pensamento e sobre a abstração, criaram o
caminho para o surgimento da psicopatologia. E antes do Séc. XIX loucura não era
interpretada como doença, mas como uma condição física ou como uma realidade moral. Ou
seja, não havia relação entre patologia e psiquismo e a loucura era interpretada como
alterações na aparência do corpo ou como desvio moral.
Na Idade Média, por exemplo, um grupo de excluído da sociedade ficou conhecido como “o
grupo do mal”. Foram segregados apenas por conta de sua aparência física e de uma crença de
que o mal teria se apossado dele. Eram considerados desse grupo todos os leprosos,
tuberculosos e portadores da cólera. E como a lepra foi por muito tempo associada ao pecado,
à desobediência no contexto religioso, reforçados por essa crença, os primeiros leprosários
tinham por objetivo purificar o leproso dos seus erros ou pecados cometidos.
A segregação conseguiu banir este grupo do meio social, mas a ideia permaneceu e depois
chegou a vez também dos bêbados, vagabundos, alienados, prostitutas, ladrões, entre outros
que foram igualmente considerados como parte do então chamado “grupo do mal”.
Tornou-se prática no Renascimento (Séc. XII), confinar essas pessoas
em navios sem navegador. Foucalt (2002) diz que essas embarcações
eram chamadas de “Stultifera Nave” ou nau dos insensatos, nau dos
destrambelhados. Mas ao contrário do leprosário, esse navio não
segregava, mas exilava as “pessoas destrambelhadas”.
Algemavam todos que eram considerados “insensatos” e levavam
forçados ao navio para que fossem entregues às correntezas infinitas,
lançados às incertezas da sorte, considerados prisioneiros de

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passagem. Ou seja, não sabiam onde estavam, para aonde iam, nem o porquê e o quê estava
acontecendo com eles. Para o entendimento da época, o louco se sentia em todos os lugares, e
ao mesmo tempo em lugar nenhum. Foucalt (2002) lembra que a Nau dos Insensatos trazia a
frase em latim: “Triunfo Diabólico do Anticristo”. Apêndice 3
Entendiam que a loucura era a revelação de algo monstruoso que há em cada homem. E se o
indivíduo saudável não conhecia, ou seja, se não era capaz de saber o que há dentro de si
mesmo, concluíam que os loucos tinham um saber especial porque conseguiram descobrir
esse mal que existe dentro de cada ser humano. Daí vem esse fascínio pelo estudo e o medo
da loucura, que despertam a curiosidade por um “suposto um mistério” apoiado pela falta do
conhecimento. Como exemplo, em Gênesis 3:5, o inimigo despertou a curiosidade de Eva
levando-a pensar que havia um lado da existência que ela ainda não conhecia e não tinha
experimentado. Ele mentiu, mas Eva caiu pelo fascínio de “conhecer o desconhecido”!

O Louco Interpretado pelas Imagens e pelo Discurso

O louco é aquele que conhece o lado obscuro do mundo. E essa ideia pode ser considerada
por dois prismas diferentes: a) Plano das imagens; e b) Plano do discurso.

1. No primeiro plano, o das imagens, o louco foi representado pelas artes plásticas. E por
este plano entendiam que ser louco era experimentar algo proibido ao homem comum!
A frase popular que perdura até hoje, “ser louco por algo”, vem daí. Ou seja, as
pessoas são fascinadas pela desrazão! E por este plano, era possível concluir que a
loucura era: a) Um saber inacessível ao homem comum; b) Loucura é uma experiência
trágica.
2. No segundo plano, o do discurso, a loucura foi interpretada como imoralidade. E
temos a favor desse entendimento, a consciência crítica que pode ser exemplificada a
partir de Erasmo (Filosofia), Michel de Montaigne (Literatura) e Sebastian Brant
(Poesia), que viam a loucura como um distanciamento cujo extremo era a imoralidade.
Ou seja, no âmbito do discurso, não viam os loucos como sábios ou com experiências
trágicas, mas imorais. Para estes pensadores, a loucura se caracterizava por qualquer
irregularidade de conduta.

Foucault viu em um quadro do artista holandês


Bosch, “O Jardim das Delícias Terrenas” (1504),
o tratamento da loucura a partir de uma incisão
do crânio com o objetivo de permitir a saída do
sangue e do “mal da loucura”. Essa prática,
conhecida como Trepanação, ainda se repetiu
por muito tempo depois. Sendo que a nova
versão, que retira uma parte do cérebro, foi criada por Friederich Golz (1890) e recebeu o
nome de Lobotomia. (Cada hemisfério do cérebro é dividido em quatro partes ou lobos, a
saber: frontal, occipital, parietal e temporal).
Todavia, a prática é muito antiga. A arqueologia encontrou crânios com marcas que apontam
para trepanação como um procedimento de civilizações milenares. Para Foucalt (2002) antes

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da Idade Média, esse procedimento ocorria especificamente nos fundos das igrejas. E tinha
como objetivo eliminar os maus espíritos e demônios do paciente, mas sem nenhum
significado terapêutico prático. A sobrevivência ao procedimento nos séculos antes da Idade
Média era de aproximadamente 70%, mas durante os séculos XIV a XVIII caiu praticamente
à zero.
“O Jardim das Delícias Terrenas” descreve a história do mundo a partir da criação,
apresentando o paraíso terrestre e o inferno nas asas laterais... Em uma visão geral, a obra
reflete uma Idade Média filtrada por um humor perspicaz e expõe os vícios da sociedade que
rodeia o artista... Sua obra insólita, original e brilhante retrata a vulnerabilidade do homem
diante das tentações – ideia dominante na Idade Média. O pintor é apreciado por seus
contemporâneos e exerce, séculos depois, influência sobre os surrealistas...

Disponível em: http://www.girafamania.com.br/artistas/personalidade_bosch1.htm

Desse modo assim demonstrado, o segundo plano, o do discurso, a loucura foi interpretada
como imoralidade. E muitos críticos como Erasmo (Filosofia), Michel de Montaigne
(Literatura) e Sebastian Brant (Poesia), viam os bêbados, avarentos, delatores, devassos,
adúlteros, entre outros como loucos. Acreditavam ainda que os loucos interpretavam mal as
Escrituras (Bíblia) e se entregavam facilmente à desordem. Em resumo, a loucura era o
desregramento e a irregularidade como um defeito do espírito.
É daí que vem a crença de que a doença mental é a consequência de uma vida religiosa
desequilibrada. E até hoje e doença mental é confundida por muitos como um “encosto
maligno”, como uma “possessão demoníaca”, “falta de fé” e etc. A interpretação da loucura
associada a religião, é ainda defendida por outros através de frases como: “Quem tem Jesus
não precisa de Psicólogo”, “A fé cura a depressão”, “Quem tem Jesus não tem depressão”, “O
Psicólogo tem que ser cristão”, entre outras. Obviamente, o Salvador tem o poder de
ressuscitar até quem possa estar a quatro dias na sepultura. João 11:25, 26, 39-44. Porém, a
Bíblia não defende a crença de que todo aquele que tem Jesus nunca adoece!

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Para Erasmo o louco toma o erro como realidade e a mentira como verdade, perdem o sentido
da vida, não tem noção da morte, não percebe e não teme o perigo pelo mau uso que faz da
razão. Erasmo dizia que a razão é o critério para verificar a existência da loucura. Sendo que
dois pontos devem ser considerados:
 a razão é um juiz e ela é quem diz se está ou não louco;
 a razão é quem afirma que a loucura é um defeito.
A razão é colocada a serviço da verdade e da moral e a loucura é um mal uso da razão.
Portanto, a loucura não é algo sem sentido, ela tem um sentido, mas é um sentido mal.
Entretanto, à medida que a loucura é definida pela razão como falha, a loucura e a razão
vivem juntas. Ou seja, a loucura é a razão mal usada.
Mas no Séc. XVI a loucura deixou de excluir, perdeu o fascínio e passou a ser interpretada
apenas como:
 Estranho  sem sentido
 Saber trágico  saber enganoso
 A loucura é apenas o lugar da diferença. A diferença só promove reação se estiver
perto e todo esforço para combatê-la tem o sentido de igualar o que é desigual.
 A loucura é um erro. Mas de certo modo, a quebra dos paradigmas promove diferenças
que podem ser interpretadas como um erro da razão.
 A razão acolhe a loucura.

Idade Clássica, Séculos XVII – XVIII

No Séc. XVII a loucura era considerada como causada por vapores ou espíritos existentes no
interior do crânio. Daí vem à dedução de que os loucos têm o espírito perturbado e
acreditavam que havia dois tipos:
 Quentes – secam e ardem os órgãos. (cabeça quente)
 Frios – umedecem e afrouxam os órgãos. É dessa idéia dos vapores que existe ainda a
frase: “Fulano tem o miolo mole”. Mas de onde vinham os vapores? Acreditavam que
vinha de todo corpo.
No Séc. XVIII, a loucura era apenas um jardim das espécies. E somente no Séc. XIX, que a
doença mental tornou-se diferente da loucura. Porém, a Medicina Clássica encontrou três
obstáculos que fê-la fracassar:
1. A loucura era associada à moral.
Assim, eles abandonaram o nível moral passaram para os sintomas. Tudo que é
excessivo como fome, sede, sexo, e etc. era considerado como uma desordem, um
vício dos órgãos. A imoralidade passou a ser vista no plano corpóreo e os excessos
passaram a ser a causa da loucura.
2. A loucura passou a ser vista no Séc, XVIII como doença dos nervos. E acreditavam
que existiam dois tipos de nervos:
 Nervos dos Sentimentos - causavam as doenças do orgulho, cólera, volúpia e etc.
 Nervos dos movimentos – causavam espasmos, paralisia, excitação e etc.

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3. Toda classificação era feita em função de uma imagem da loucura. Isto é, os conceitos
se submetiam ao que era visível. Verificava-se o que podia ser visto para conceituar a
doença.

 Frenesi - delírio com febre


 Mania - delírio sem febre
 Melancolia – delírio solitário

No Séc. XIX, a medicina colocou a loucura num sistema de classificação com base na história
natural. Como os botânicos classificam as espécies, os médicos quiseram classificar a loucura.
Isso foi ruim porque se ocuparam em classificar os sintomas sem se preocupar com as causas.
(Por esse método, a AIDS seria classificada hoje como tuberculose porque os sintomas são
semelhantes. E qualquer doença de pele podia ser classificada com a lepra).
Segundo Boissier de Saiwages, no Séc. XIX a definição de doença era “enumeração de
sintomas para o conhecimento.” E a psiquiatria ainda hoje classifica as doenças sem verificar
as suas causas, vê a doença e não vê o doente. Mas as doenças vão e voltam, isto é, elas
surgem entre as pessoas e desaparecem. As doenças mentais são as mesmas desde que o
mundo é mundo e nada aumentou, nada diminuiu.
No entanto, a elaboração da primeira nosologia clínico-etiológica das psicoses teve o
predomínio na Escola Alemã de Psiquiatria. Conceito de psicose: Viena, 1844.

 Edmund Husserl (1859-1938) desenvolve um método filosófico denominado


Fenomenologia. Caracterizado pela realização de uma série de “reduções” que
descrevem os traços essenciais, as intenções e da consciência concebidas como
universais e necessárias. Seu maior expoente na Psiquiatria foi Karl Jaspers.
Demência precoce
Psicoses Endógenas Psicose Maníaco-Depressiva
 Emil Kraepelin (1856-1926) (funcionais) Paranoia
Psicoses Exógenas
Psicoses Orgânicas

1. Paranoia – A conduta é delirante, mas não altera o pensamento e a inteligência. O


paranoico é muito lógico para justificar os seus delírios e só falha nas premissas.
Como exemplo, Hitler se baseou no livro “Memórias de um doente dos nervos”,
de Daniel Poul Schreber, para estabelecer os propósitos nazistas. Schreber era
paranoico e escreveu de seus próprios delírios. O paranoico imagina sempre que
todo mundo se refere a ele. O sujeito distorce o passado para que o presente se
encaixe nos seus delírios. É uma ilusão de memória que consiste em:
a) Delírio de grandeza – Os ditadores, os falsos-profetas, etc.
b) Delírio de perseguição – Os assassinos que matam em serie
c) Delírio de ciúme – Homo afetivos não assumidos
2. Psicose maníaco-depressiva – Neste caso a paranoia lentifica a produção de ideias
promovendo a depressão (e o estado depressivo elimina a vontade), ou promove a
fuga de ideias que é a exaltação.
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3. Demência precoce – Termo criado pelo suíço Paul Eugen Bleuler (1857 - 1939),
que contribuiu para o entendimento da esquizofrenia. Mas foi o alemão Kraëpelin
quem fez a classificação da demência em:
a) Alucinação com delírio mal formulado em comparação com a Paranoia –
Caracteriza-se por um estado de incitação intelectual e motora. (Repetição
de palavras ou atos, gestos e etc.)
b) Catatonia – Abolição completa da vontade, estado de estupô, falsificação
mórbida da consciência de mundo.
c) Esquizofrenia – Toda personalidade é alterada por forças estranhas e
alheias. O resultado é a modificação das sensações, pensamentos e visões.
 Pierre Marie Felix Janet (Paris, 1859 -1947): presença de ideias fixas na origem da
histeria, as quais provocariam uma restrição ou uma dissociação da consciência.
 Josef Breuer (Viena, 1842 -1925): presença de reminiscências na origem da histeria
levando a uma dissociação da consciência.
 Eugene Bleuler (Zurich, 1857-1939): propõe o termo Esquizofrenia para a Demência
Precoce propondo a cisão da mente (“spaltung”) como fenômeno fundamental dessa
doença.

O Hospital Geral

O primeiro hospital geral foi criado por Luiz XIV, obviamente na França, em 1656. E o
propósito do hospital geral era dar conta dos indivíduos que se apresentavam socialmente de
forma diferente. Em Paris recolheram os mendigos, os bêbados, prostitutas e etc.
A medicina clássica não conseguiu explicar a loucura e por isso fracassou. E enquanto a
medicina classificatória se preocupou com a loucura, o hospital geral se preocupou com o
louco.
O louco era considerado, um doente mental e usado como cobaia designados como indivíduos
com perturbação no sistema cognitivo e emocional. Cognitivo porque o louco não tem noção
da realidade, e emocional pela grande dificuldade de estabelecer relações afetivas. A verdade
a ser produzida era a de reconhecer e tratar a doença como segue: Se tudo faz parte da
escolha, o louco é louco porque quer e por isso se justificava o castigo, isto é, a internação.
a. Em 1700, um padre agiota se enriqueceu e não se arrependeu o suficiente para doar as
suas riquezas. A sua sentença foi à internação por ter sido avarento.
b. Uma jovem senhora de 16 anos disse que não faria sexo com o marido porque não ia dar
o corpo sem dar a alma. Também foi internada como criminosa, e depois foi queimada.
O hospital geral deu origem às demais instituições de saúde e começou quando o poder da
igreja e da monarquia caiu por ocasião da Revolução Francesa. O mendigo levantava uma
importante questão em torno dos valores daqueles que pertenciam à burguesia. E tendo como
base a concepção religiosa que promovia a culpa, a burguesia entendeu que era preciso fazer
algum trabalho assistencial com os pobres.
E o sucesso do hospital geral foi tão grande que as cidades da Europa também criaram um
hospital geral com o mesmo objetivo. Mas é interessante observar que esse procedimento
ainda é praticado hoje. Como exemplo, não se faz nada para equilibrar a distribuição de renda
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no Brasil, mas se constrói casa para menores, para idosos, para infância e até para os
moradores de rua (mendigos). A ideia é eliminar do ambiente social as diferenças que
incomodam a visão, o olfato, os valores dos que se dizem humanos, mas não fazem nada para
diminuir ou eliminar de forma permanente sofrimento alheio. No Rio de Janeiro foi
construída a Fundação Leão XIII para acomodar os que incomodam os turistas ou prejudicam
a imagem da Cidade e até do País. E com a explicação de que vai ajudar o mendigo, o estado
pune com a exclusão recolhendo o mendigo em uma instituição que não promove a
reintegração social. Dá a cama e o alimento, mas não dá a dignidade humana!
Dessa forma o hospital geral foi substituído por outras instituições caracterizadas por ações
sociais do Estado. Porém, não têm a saúde dos usuários como foco, como prioridade, porque
estão relacionadas a segurança pública, a liberdade e o conforto das classes sociais
dominantes. Portanto, o hospital geral e as instituições de apoio social têm caráter moral,
econômico e político.
O curioso é que esses aspectos contrariam a exclusão dos pobres, mas apóiam a reclusão
retirando das ruas os diferentes, sem que nada seja feito para que se tornem iguais. Ou seja, as
instituições não promovem dignidade humana, porque não oferecem acesso a educação e ao
mercado de trabalho. E desse modo os usuários continuam miseráveis porque estão em todos
os lugares, mas não têm um lugar para viver, não têm renda para não depender, não têm o
poder para escolher... E seguem sem mudar! Apêndice 6

Significado Social da Pobreza

Na Idade Média a pobreza era associada a santidade. Porque, para o entendimento da época,
ser cristão era ser capaz de se despojar de bens materiais. Como exemplo, São Francisco de
Assis doou todos os seus bens porque acreditava que a caridade o conduziria ao Céu. Mas
com a Reforma, Lutero defendeu que é a fé em Jesus como Salvador e não as esmolas que
conduz o indivíduo à salvação. Daí, muitos passaram acreditar que Deus escolhia quem devia
ser pobre e que devia ser rico objetivando a salvação dos escolhidos. E para quem acreditava
assim, entendia que fazer caridade aos pobres era pecado porque a pobreza era uma decisão
de Deus. Depois a igreja classificou os pobres em dois grupos: a) Os bons pobres são os que
aceitam a pobreza internamente; b) e os maus pobres são os que não aceitam a pobreza
internamente. E dessa forma concluiu que os bons pobres podiam ficar soltos, mas os maus
pobres deviam ser eliminados.
Depois a pobreza passou a ser interpretada no contexto moral. Quando alguém diz hoje para
um pobre: “É assim por que quer”, reforça essa ideia de que a pobreza não é uma questão
social ou uma questão de todos, mas uma questão pessoal do pobre, que é pobre por que quer.
Ainda hoje, para muitos, o desempregado pobre é alguém que não gosta de trabalhar e o
faminto é um acomodado.
A partir do Séc. XVII essa ideia de pobreza foi acentuada e aceita como um obstáculo para a
ordem social. Portanto, todos que tinham costumes imorais eram colocados no mesmo grupo:
libertinos, devassos, ladrões, desempregados, prostitutas e etc.
Acreditavam que os pobres não tinham emprego porque eram preguiçosos. Por isso era
necessário que o estado criasse uma instituição que os obrigasse a trabalhar, ocupar os
desocupados. E a partir disso o trabalho tornou-se objeto de santificação do trabalhador e a

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ênfase não era na produção, era na ocupação. Surgiu com isso o ditado: “Mente vazia é
oficina do inimigo.” Foi atribuído um significado moral para o trabalho e a ética foi associada
às obrigações do trabalhador. (Deontologia). E entendiam que os vícios vinham pela
vadiagem e os desocupados deviam ser castigados com trabalho forçado.
No Séc. XIX essas ideias foram retomadas dando origem aos primeiros ensaios da terapia
ocupacional. E diziam: se o trabalho evita maus pensamentos, então pode curar a loucura. O
senso comum ainda diz que histeria, depressão e outras doenças é falta do que fazer.
Por algum tempo, foi sustentada a crença de que o louco perde a sua natureza e deixa de ser
bom porque é afastado do ambiente natural. A justificativa era baseada no entendimento de
que, como não há índio louco, concluía-se que ser saudável é ser selvagem. E dessa forma,
como o progresso afasta o homem da natureza, a loucura é uma das conseqüências do
progresso. Daí os sintomas do Séc. XX:
a) Depressão
b) Toxicomanias
c) Psicossomática.

Filme: O Bicho de Sete Cabeças

Apêndice 7

Sentido Político da Pobreza

Considerando que o estado é responsável pelos problemas morais, o poder público sempre foi
usado em favor da internação. E sempre que as diferenças promoverem incômodos sociais,
todos os argumentos foram usados para justificar suas ações. Apêndice 8
Em algumas situações o excluído passou a ser visto como um resto não reciclável, de natureza
devassa, incorrigível. Desse modo, nasceu também a pena de morte como proposta dos grupos
sociais para eliminar o que não pode ser reciclado. No entanto, os imorais só eram presos se
fossem pobres e as más condutas só eram associadas à loucura com base no status social ou
no poder econômico. Com isso entendiam que o louco pobre é bandido e o louco rico é
excêntrico. Ou seja, os imorais só eram identificados e presos se fossem pobres.
a. Sexualmente imorais: A sexualidade era considerada imoral entre portadores de DST,
sodomitas, degenerados, entre outros. No entanto, as prostitutas e amantes dos ricos
não eram recolhidas no hospital geral e eram chamadas de cortesãs.
b. Os que atentavam contra o sagrado: blasfemadores, suicidas que não consumavam o
ato, mágicos, feiticeiros e etc.
c. Os libertinos: Para o pensamente da época os imorais não resistiam a tentação,
enquanto os libertinos faziam a opção pela imoralidade como estilo de vida.
Neste caso o libertino assumia uma conduta sociopata. Não transgride porque se
descontrolou, pelo contrário, ele transgride porque conseguiu controlar tudo. É um
tirano porque consegue subordinar a razão e a paixão para alcançar os objetivos
desejados. Há diferença entre o autoritário e o tirano: a) O autoritário é o que se impõe
por um ideal da função; b) Enquanto o tirano se impõe porque se identifica
patologicamente com a função e não com o ideal.

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d. Loucos: As internações no hospital geral, não ocorriam inicialmente por orientação
médica, mas por decisão da justiça em atenção a algum pedido da família, denúncia de
vizinhos ou por intervenção de algum representante do estado. E neste contexto
supostamente terapêutico, o médico fazia visitas sem se preocupar com a cura, como
ainda ocorre nos manicômios ou hospícios judiciais.

A ideia era que os loucos não precisavam de proteção, conforto e etc. Porque, pela
irracionalidade deles, bastava tratá-los da mesma forma como são tratados os animais. E por
isso foram acorrentados, espancados e enjaulados em uma tentativa de que fossem de alguma
forma domados ou humanizados!
Porém, os presos políticos internados e de influência econômica, reclamaram da convivência
deles com os loucos. A partir disso os ricos eram soltos para que fossem tratados em suas
próprias casas, deixando a internação como exclusividade dos pobres, dos alienados. É daí
que vem o termo, alienação. Marx dizia que pelo trabalho, o homem ficava alienado do que
era dele.
De acordo com Foucalt (2002) antes
do Séc. XV não havia hospital
psiquiátrico e a loucura era
considerada apenas como uma
conduta estranha e não como uma
patologia. Percebia-se uma diferença
entre os indivíduos interpretada como
sabedoria, santidade, conduta cômica
ou divertimento, além de mistério
absoluto. E como a loucura foi
separada da desrazão para ser alienação, no plano da prática da internação a loucura foi
identificada como doença. E depois disso a loucura deixou de ser vista a partir do coletivo, e o
louco foi individualizado. Criou-se então o manicômio que deu origem à psiquiatria a partir
de uma prática e não de uma teoria. Ou seja, a psiquiatria surgiu no ambiente inóspito do
hospital geral, enquanto a psicologia nasceu a partir da filosofia. (Cheniaux 2011).
Depois do surgimento do manicômio, (mani = loucos [maníacos]; cômios = casas), o hospital
geral ficou para todos os pacientes portadores de sintomas de todas as doenças, enquanto o
asilo ficou para os loucos. Sendo que os diagnósticos e as internações eram considerados a
partir das questões morais e não pelas razões clínicas. No entanto, muito tempo depois, a
psiquiatra se inseriu na medicina como saber científico. A nova psiquiatria surgiu com Pinel
dizendo que o louco não devia ficar preso.
Com os loucos internados, essas imagens predominaram até o Séc. XIX
quando nasceu à psiquiatria com o teólogo e médico francês, Philippe
Pinel (1745 - 1826). Ao se tornou chefe do departamento médico do asilo
para homens, do manicômio de Bicêtre, París, Pinel fez varias reformas no
asilo e na proposta do tratamento da loucura. Primeiro inovou quando
retirou as correntes dos pacientes internados e libertou os alienados das
selas em que permaneceram por muitos anos excluídos. Com isso
promoveu uma forte reação entre os colegas médicos que não sabiam

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tratar da doença mental de outra forma e que não aceitavam as mudanças. No entanto,
influenciado pelo iluminismo, entre o fim do Séc. XVIII e início do Séc. XIX, em que
predominaram as concepções de humanismo e liberalismo, Pinel tornou-se o que é para
muitos, o pai da psiquiatria em função dos seus escritos que contestavam veementemente a
forma como tratavam os pacientes portadores de sofrimentos mentais a partir da alienação.
(Alienação é um procedimento de natureza excludente que não apresenta nenhum resultado
cientificamente aceitável, que só promoveu mais sofrimento e que impossibilitou a
ressocialização dos pacientes).
No Brasil a alienação foi proibida pela Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001, conhecida como
Lei Paulo Delgado ou como A Lei da Reforma Psiquiátrica. Esta lei instituiu um novo modelo
de tratamento aos transtornos mentais no Brasil, ainda temos em nosso país cerca de 20
unidades hospitalares com tais características retrógadas. Sendo que, ironicamente, algumas
têm o nome de Philippe Pinel. Apêndices 4 e 5

ANTES DEPOIS
Idade Clássica Idade Moderna
Séc. XVII e XVIII Séc. XVIII e XIX
LOUCO Besta Alienado, afastado de si mesmo.
Animalidade Progresso, perda da animalidade.
LOUCURA Produto da relação do homem com o mundo,
Erro
alienado de si mesmo.

Esse período foi marcado pelo surgimento da burguesia e pelo nascimento do Racionalismo.
A loucura foi totalmente dominada pela razão e excluída pela razão. Mas a questão era saber o
que fazer com o que foi dominado.
Porque, com a exclusão, pressupõe-se que foi produzido um resto que ainda incomoda
socialmente. Então, o que fazer com o resto? Elimina-se, recicla-se ou acondiciona-se.

A Loucura

No jardim classificatório e no hospital geral quem excluía era a razão. Para Foucault quem
produz socialmente e epistemologicamente a loucura é a razão. Ou seja, a loucura seria um
produto ruim da razão porque foi a razão quem estabeleceu um padrão para a loucura.
Mas no plano do conhecimento também existia um padrão para a loucura: delírios, paixões
exacerbadas, apetites incomuns, entre outros. O hospital geral e a medicina classificatória
seguem duas linhas retas paralelas. Uma classifica e a outra se limita as imagens. Somente no
Séc. XVIII que a razão e a loucura se desassociaram e depois desse tempo, a loucura passou a
se chamar alienação.
A interpretação da loucura tornou-se aceita a partir da relação entre os termos como seguem:
Loucura = irracionalidade = depravação
Pasteur acusou os médicos de disseminar as doenças infectocontagiosas pela falta da assepsia,
Foucault acusou o hospital geral de disseminar a loucura por acredita nos anatomistas e
fisiologistas. E como os médicos tinham o saber, esse saber de acordo com Focault, deu para
ele o poder de decidir pelo presente e pelo futuro dos pacientes. Isto é, eles tinham o poder de

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diagnosticar quem era louco ou determinar quem era louco e internar os que julgavam ter um
saber diferente. Basicamente, ainda são considerados dois critérios para internação hoje:
 Incapacidade para o trabalho
 Incapacidade de sociabilização
Ou seja, não se faz a interpretação da loucura a parti do que a pessoa pensa, do que ela sabe
ou do raciocínio. A loucura é interpretada por uma incapacidade física ou por uma
incapacidade comportamental. E pela exclusão das diferenças de determinados indivíduos em
relação aos outros membros do grupo, ocorrem às internações. Em função disso, os teóricos
anatomistas e fisiologistas apontam como causa da loucura, a lesão dos órgãos e os distúrbios
fisiológicos respectivamente. Isto é, a doença mental é igual a lesão cerebral ou distúrbios do
funcionamento do sistema nervoso.
No entanto, o significado e a evolução dos conceitos de normalidade e patologia
(saúde/doença) passaram por vários momentos diferentes da história. Mas foi a partir do Séc.
XVII, com as críticas de Nicolau de Cusa, Giordano Bruno e Galileu Galilei, que houve um
declínio do modo de pensar aristotélico e do modelo mecânico de Newton de entender a
ciência. E de acordo com Bock (1999), René Descartes (1596-1650) inovou a epistemologia
científica quando pôs em dúvida a forma como a ciência era compreendida e
aceita. Defendeu a separação entre a mente (alma) e o corpo, afirmando que
o homem possui uma substância material e uma substância pensante, e que o
corpo, desprovido da mente, é apenas uma máquina. Esse pensamento
permitiu o estudo do cadáver e o avanço do conhecimento da Anatomia, da
Fisiologia e do progresso da Psicologia. E rompeu com a Igreja Católica que
não permitia o estudo do corpo sem vida, por acreditar que o corpo era a sede da alma. Mas o
texto bíblico do Apóstolo João, sugere que a alma não está na anatomia do corpo, não é parte
do copo, mas adoece como o corpo.
“Amado, desejo que tenhas prosperidade em todas as coisas, e que tenhas saúde, assim
como bem vai à tua alma.” (3º João 1:2).
É de bom alvitre lembrar que a palavra traduzida como “alma”, é a palavra grega psyché que
significa, “mente”, e não deve ser interpretada a partir da semântica religiosa de algumas
crenças, como algo que se desprende do corpo após a morte, por exemplo.
Em sua Obra, “Meditações”, Descartes defendeu a subjetividade, aceita como conteúdos
construídos internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências no
mundo e de sua constituição biológica. E afirmou que é o mundo interno, a fonte de suas
manifestações afetivas e comportamentais.
As pessoas são diferentes, reagem de forma diferente às diversas situações e o fazem sob
emoção e não apenas pela razão. O homem é um ser biopsicossocial. (Luc. 2:52). Ou seja, o
homem tem uma mente, um corpo e uma realidade moral-espiritual que formam juntos, uma
unidade indissociável, um indivíduo.
O conceito de loucura parece não está limitado aos fenômenos neuronais, mas ao pensamento
do paciente refletido pela conduta. De acordo com Salomão, “homem é o que pensa”
(Provérbios 23:7). Então, para estudar a doença mental, a relevância está no que o homem
pensa e não como pensa. Ou seja, não é a compreensão do metabolismo ou do funcionamento
dos órgãos encefálicos que explica a doença mental. Esta explicações são construídas em

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análise do conteúdo intrapsíquico a partir da história do individuo no contexto de suas
relações psicossociais.
Em uma de Suas parábolas, Jesus faz uma declaração sobre o ser louco. Para o Salvador, o
louco pode fazer bons investimentos no mercado, prosperar em seus negócios, ser um
empresário muito bem sucedido e ainda assim, ser um louco!
“A herdade de um homem rico tinha produzido com abundância: E arrazoava ele entre
si, dizendo: Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos. E disse: Farei isto:
derribarei os meus celeiros, e edificarei outros maiores, e ali recolherei todas as minhas
novidades e os meus bens; E direi à minha alma: Alma tens em depósito muitos bens,
para muitos anos: descansa, come, bebe e folga. Mas Deus lhe disse: Louco! Esta noite
te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é aquele que para
si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus.” Lucas 12:16-21).
A loucura não é essência porque não é hereditária e não é produto do meio porque um mesmo
ambiente não adoece a todos. Porém, a loucura depende de uma estrutura que apresenta falha
em sua matriz. Não há quem seja totalmente saudável, como não há quem seja totalmente
louco. A nossa estrutura é falha e por isso tem um limite para resistir às circunstâncias da
vida. O desafio é conhecer este limite. No entanto, todas as manifestações psíquicas
patológicas são apelos da saúde, são sinais de que alguma coisa contrária precisa ser
identificada, removida ou eliminada.
Após o Séc. XIX, os conceitos de doença mental foram alterados dando origem a outros
modelos para explicar a enfermidade psíquica. E opondo-se aos anatomistas e aos
fisiologistas, surgiu a psicanálise no Século XX quando Freud inovou com outra leitura da
patologia, explicando os sofrimentos mentais a partir do trauma e do recalque. Para Freud,
grande parte do comportamento provém de processos inconscientes como crenças, medos,
desejos, entre outros e as reações de instintos animais básicos como o sexo e a agressão. Deste
modo, a desorganização metabólica e da bioquímica, pode ser inferida como parte do quadro
sintomático, mas não como causa da doença. Ou melhor, as doenças da psykhé podem
comprometer a saúde do corpo, mas não têm sua origem no corpo e não estão no corpo.
White (1990) apóia este entendimento quando afirma que a doença mental pode ser
interpretada como um distúrbio sem lesão no corpo e sem alteração fisiológica de qualquer
órgão, aparelho ou sistema, ainda que esta tenha uma representação no corpo ou efeito
psicossomático.
“A doença é às vezes produzida, e com frequência grandemente agravada pela
imaginação. Muitos que atravessam a vida como inválidos, poderiam ser sãos, se tão
somente assim o pensassem. Muito julgam que a mais leve exposição lhes ocasionará
doença, e produzem-se os maus efeitos exatamente porque são esperados. Muitos
morrem de doença de origem inteiramente imaginária." White, (1990, p. 60).
Descartes desenvolveu a compreensão do pensamento a partir da frase em Latim: Cogito,
ergo sum. Penso, logo existo. Quando o homem pensa, abre o ser para algo que está fora dele,
sendo que o sujeito é efeito do pensamento e o pensamento não está dentro do sujeito, mas
fora. Portanto, para existir é preciso pensar no que está fora. Ou seja, se estou voltado para o
que está fora, eu existo.
Mas em sua Obra, “Meditações”, Descartes alertou que ninguém pode chegar a certeza
absoluta, porém o método para chegar a verdade é a dúvida. É preciso duvidar de tudo até não

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ser possível duvidar de nada. Para este teórico, “existem coisas, às quais o pensamento pensa
de forma indubitável: a dúvida.” E no que tange ao que pode ser observado através dos
sentidos, acrescentou: “Não podemos duvidar do que vemos, mas podemos duvidar se o que
vemos existe”. E desse modo concluiu que a dúvida e o pensamento são as únicas coisa que
nos permitem a certeza. Sendo que a dúvida é o método e o pensamento é o processo.
E como para Descartes, o que vem depois disso é secundário, perguntou: “Como é que eu
posso saber que não estou louco? Resposta: Só preciso ter a certeza de que duvido e a certeza
de que penso.” Mas essas ideias originaram uma polêmica em torno da pergunta: “Se eu
penso, não estou louco, então, o louco é alguém que não pensa? Para Descartes, o que era a
loucura?
 Loucura é diferente do pensamento
 Loucura é diferente do saber
 Loucura é diferente da razão
Mas se o homem é o que pensa, conforme acredita Salomão (Provérbios 23:7), é interessante
notar que de acordo com Lacan o homem não se vê com os próprios olhos, mas com os olhos
alheios. Ou seja, o homem não vê para ser visto, mas é visto para ver. Quando alguém que se
produz diante do espelho e depois pergunta ao outro, “como estou?”, exterioriza, por esta
atitude, a premissa de que gosta de se ver como é visto. Portanto, o que pensa de si, está
associado a forma como algum adulto o viu no passado, enquanto criança. E se ele se vê como
alguém o via, é porque se vê com os olhos do outro. E é essa realidade intrínseca de cada um
que aponta para saúde ou para o sofrimento mental. O conteúdo da doença está na limitação
psíquica para dar conta das estimulações externas e/ou internas no contexto psicossocial do
indivíduo que adoece. Ou seja, de acordo com White (1990), a loucura não vem do outro
como se fosse por um contágio, mas a partir da exposição do outro no contexto relacional.
“Enfermidades mentais prevalecem por toda parte. Nove décimos das doenças das quais
os homens sofrem têm aí sua base. Talvez algum vivo problema doméstico esteja, qual
cancro roendo até à alma e enfraquecendo as forças vitais. Remorsos pelos pecados às
vezes solapam a constituição e desequilibram a mente.” White, (1990, p. 59).
Sullivan apóia esta autora ao afirmar que “as doenças mentais têm suas origens nas relações
interpessoais perturbadas e só podem ser explicadas nas relações com a família”. Para muitos
teóricos as condições externas devem ser compreendidas como desencadeantes ou promotoras
da doença e não como causas das doenças mentais, como se aí tivesse a sua origem. O
diagnóstico não se estabelece pela adaptação ou desadaptação social, mas a partir do próprio
indivíduo e seu desajustamento psicológico, em relação a si mesmo e a sua estrutura psíquica.
Sendo que os sofrimentos psíquicos são vivenciados pelo paciente quando ocorrem grandes
perdas e podem ser observados a partir das alterações do pensamento, das percepções e do
comportamento. Filme: Um dia de Fúria

“Ando devagar, porque já tive pressa e levo esse


sorriso, porque já chorei demais. Hoje me sinto
mais forte, mas feliz quem sabe, eu só levo a
certeza de que muito pouco eu sei, eu nada sei.”
Almir Sater

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5. SÍNDROMES CULTURAIS

“Uma pessoa é uma pessoa muito complicada.


Mais complicada do que uma pessoa somente
duas. Três, então, é o caos quando não é um
drama passional. Mas as pessoas só se definem no
seu relacionamento com as outras. Ninguém é o
que pensa que é, muito menos o que diz que é (...)
ou seja, ninguém é nada sozinho, somos o nosso
comportamento com o outro.”
Luiz Fernando Veríssimo

Compreendendo a Normalidade

De acordo com Cheniaux (2011) há pelo menos três critérios de normalidade, mas todos
considerados insuficientes: o subjetivo, o estatístico e o qualitativo.
Para o critério subjetivo está doente quem sofre ou se sente doente. No entanto, na síndrome
maníaca o paciente se sente muito bem, mas está doente. Pelo critério estatístico o normal
seria sinônimo de comum, ou está próximo da média. Todavia a cárie é comum, mas não é
saudável e o que tem o QI elevado não está na média, e nem por isso é considerado doente.
Finalmente, o qualitativo diz que o normal é o que está adequado a determinado padrão
funcional considerado ótimo ou ideal. Esse critério está ancorado nas normas impostas
socialmente. E por isso, o que é normal para um determinado grupo, pode ser anormal para
outro. E o que é normal para um grupo em uma determinada época pode não ser normal em
outra.
Considerando que o homem não é um produto do meio, a normalidade não pode ter como
única referência o contexto social. Os indivíduos não são totalmente passivos, influenciam e
são influenciados pelo meio social em que vivem. Mas os seus valores, embora seus, não são
tão originais quanto os mesmos imaginam ou dizem ser. Porque no mundo social há uma
troca continuada, e por que há uma troca, de certa forma todos são produto. Todos precisam
uns dos outros, porque sem os outros não seriam o que são. É com o outro que o indivíduo
muda, se transforma, se desenvolve, evolui... Porém, ninguém é igual ao outro. Há uma
individualidade em cada um, formada pela índole de cada um, que em si mesma é uma
constante divergência com os outros, mas que sem os outros, tudo o que é em cada indivíduo,
não existia...
“Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula, em cujo centro pôs uma escada e,
sobre ela, um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas,
os cientistas lançavam um jacto de água fria nos que estavam no chão. Depois de certo tempo,
quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancada.
Passado mais algum tempo, nenhum macaco subia a escada, apesar da tentação das bananas.
Então, os cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que ele fez foi subir a
escada, dela sendo rapidamente retirado pelos outros, que lhe bateram. Depois de algumas
surras, o novo integrante do grupo não subia mais a escada.

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Um segundo foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo o primeiro substituto participado, com
entusiasmo, na surra ao novato. Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o fato. Um quarto e,
finalmente, o último dos veteranos foi substituído.
Os cientistas ficaram, então, com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado
um banho frio, continuavam a bater naquele que tentasse chegar às bananas. Se fosse possível
perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta
seria: “Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui...” De vez em quando, é bom questionar
porque fazemos algumas coisas sem pensar.”
Disponível em: www.professores.uff.br/jorge/paradigma.pdf
Desse modo nascem os paradigmas comuns. E de certa forma, são eles que fazem a cultura de
um grupo de pessoas, ainda que não seja cultura, mas é o que a justifica. Paradigma é tudo
aquilo que é aceito por um grupo sem questionamento. É o consenso, são as idéias
compartilhadas, são os padrões que distinguem as culturas. A importância dos paradigmas se
justifica porque são os valores culturais que, basicamente, nos distinguem das outras pessoas
no modo de pensar e ver o mundo. São eles que determinam a nossa forma de pensar e agir.
(Provérbios 23:7).
Cultura é uma perspectiva de mundo que as pessoas passam a ter em comum quando
interagem. E os grupos sociais se organizam a partir da exclusão das diferenças. Ou seja, para
pertencer a um determinado grupo social, é necessário assimilar a identidade do grupo. E são
as normas que determinam os costumes de um grupo e são os costumes que distinguem o
grupo do outro.
As normas são usadas para eliminar as diferenças e têm como propósito homogeneizar.
Normalizar é impor à alguém, deixar o que é diversificado em sua identidade, para se tornar
comum ao grupo, é abandonar suas diferenças para se igualar aos outros. E são os paradigmas
que estabelecem fronteiras ao nosso redor. Depois transforma as fronteiras em limites para
tudo que precisamos ou devemos crer, para tudo que precisamos pensar e para tudo que
precisamos fazer. E quando esses limites são estreitados a ponto de não conseguirmos
enxergar mais o óbvio, diz-se ser isso uma paralisia de paradigma. Como exemplo, esse
conceito pode ser aplicado ao etnocentrismo e ao preconceito.
Para quebrar paradigmas é preciso ter coragem e muita confiança em suas próprias idéias.
Como prova disso, o mundo dos pensadores, dos inventores e dos que beneficiam a
humanidade com novas ideias se restringe a alguns poucos. E por conta disso, os que dizem
que não dá para fazer, deviam sair da frente dos que já estão fazendo. Porque
desenvolvimento é mudança, e toda mudança só é possível quando alguém consegue pelo
menos três motivos: Enxergar além dos paradigmas; acreditar no que conseguiu enxergar; e
agir em função do que acreditou. Isto é, desenvolvimento é ver o mundo além dos
paradigmas.
Entretanto, só são considerados normais os que se adéquam as normas. Ou seja, ser normal é
ser igual aos indivíduos do grupo, é ter os mesmos costumes a partir do cumprimento de suas
normas. Porém, considerando que as pessoas não gostam de ser comuns, mas quanto mais
normais se tornam, tanto mais comuns são consideradas, para não se tornarem comuns,
acabam rompendo com as normas. É certo que ninguém quer ser comum, mas também não
quer ser anormal. O adolescente é um exemplo de quem passa por isso e sofre o conflito com
a adequação às normas sociais dos grupos em que vive. (família, escola, igreja e etc.).

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O primeiro padrão social de conduta surge com a família. Mas quando o padrão é muito
rígido, o adolescente tende a romper com ele, e nesse ponto, a família busca o apoio do
Psicólogo acusando o filho de anormal com a esperança de que o profissional ajude o
adolescente a se enquadrar nas normas da família. Porém, do ponto de vista psicológico e da
ética, o que é aceito como normal ou o que é aceito como anormal depende dos valores
adotados. Porque, o que hoje parece ser errado para muitos, pode ser o padrão de todos
amanhã.
No entanto, é esperado que no processo do desenvolvimento o sujeito rompa com as normas
para se tornar diferente de si mesmo. E em função do Édipo (estrutura da personalidade),
entende-se apenas que ele só está funcionando conforme as suas possibilidades. E ao sair da
fase, não tem como dizer se ele é normal ou anormal. Porque são as defesas vitais do sujeito
que em função de sua singularidade, o leva reagir contra as normas. Ou seja, ele reage porque
neste ponto o ser humano é tratado como se fosse um robô. É levado a “aprender as normas”,
e a se enquadrar nelas sem o direito de preservar a sua realidade intrínseca, a sua identidade.
Daí vem a ideia de que as pessoas não nos conhecem a partir de quem somos, mas a partir do
que representamos. (“persona” ou máscara).
Todavia, é de bom alvitre lembrar que o mundo perfeito não é o mundo sem a possibilidade
do erro. Porque em um mundo que a possibilidade do erro não existe, neste mundo não tem
norma e os seus habitantes são anormais ou, pelo menos, amorais. Ou seja, ser normal é se
colocar diante da norma e puder se submeter a ela. Porque as leis não estão na esfera do “não
pode”, estão na esfera do “não deve”. Portanto, quem é normal? Quem não vive em alguma
situação de rebeldia, ainda que latente?
No entanto, em função da singularidade de cada individuo, conviver em grupo exige regras
predefinidas que garantam o direito e estabeleçam os deveres. E a conduta humana pode ser
entendida como tentativas de adaptação ao meio a partir de continuadas trocas. Ou seja, há
uma interação de cada ser vivo com o meio, percebida por uma sucessão de trocas que
permitem entender que as ações e as reações de cada organismo vivo são tentativas de
adaptação. Mas quando falta as condições mínimas que promovem ou permitem a adaptação
ao meio, surge o conflito. O conflito pode ser definido como uma diferença dentro de uma
determinada relação, que causa sofrimento e compromete a convivência.
Quando os indivíduos são expostos as normas, as reações variam de acordo com a
subjetividade e a estrutura de personalidade de cada um. E como as perdas afetivas não
permitem a compensação ou as trocas, a falta pode ser observada pelas queixas dos pacientes.
O neurótico, por exemplo, é tão regrado pelo seu modo de pensar a norma, que apesar do
sofrimento, não é capaz de mudar a sua realidade. Ele busca ajuda porque está sofrendo e até
fala de uma queixa, mas o problema dele não está na queixa, está nas questões. No entanto,
prefere falar das queixas porque elas culpam o outro, enquanto as questões o levam a se
analisar. Por conta disso, o analista nunca pergunta o que você pensa sobre a queixa, mas o
que você sente em relação a ela. Uma pessoa só é analisável quando deixa a queixa e entra
para a discussão das questões subjetivas.
Subjetividade são conteúdos construídos internamente pelo sujeito a partir de suas relações
sociais, de suas vivências no mundo e de sua constituição biológica. É o mundo interno, é a
fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais. E desse modo, os nossos desejos são
satisfeitos plenamente porque falamos, porque interagimos e não por conta da norma. Ou seja,

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subjetividade é conceder à cria humana o estatuto simbólico, significa inserir na natureza a
cultura.
Porque é a partir das convenções sociais que os grupos criam normas, determinam papeis,
atribuem status e estabelecem escalas hierárquicas com o fim de organizar as condutas
coletivas e evitar os conflitos. E dessa forma ocorre o processo de normalização dos
indivíduos. Cada um se perde de si mesmo para assimilar as normas e se apropriar dos
costumes do grupo, até se tornar semelhante aos outros no modo de pensar e agir e não ser
mais capaz de enxergar o óbvio.
Todavia, no âmbito social, o poder e a loucura podem ser observados a partir da associação da
ética, da civilização e do progresso.
a. Civilização – Conjunto de prática frente ao funcionamento do social ou coletivo. E
uma tentativa de adequar o sujeito ao social. Para este conceito de civilização, quanto
mais o individuo se individualiza, tanto mais ele se torna inadequado ao coletivo, ao
social. Ou ainda, quanto mais o sujeito tenta absorver o coletivo, mais ele perde da
individualidade. O paradoxo está entre o DESEJO e a NORMA.
b. Ética – É uma posição subjetiva em adequar a civilização frente ao progresso.
c. Progresso – Instruir e inverter instituições necessárias à mudança.

•Poder e
Loucura

Estrutura do Progresso

1) Estado
2) Cultura
3) Civilização
4) Direito

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Segundo T. Hobbes em cada homem há um mal que produz uma potencialidade, mas o
funcionamento social represa a malignidade (não maldade) e gera o laço social. Ou seja, é a
articulação entre o stress.
E essa potencialidade que é a malignidade do homem, explica as guerras, o ódio racial, o ódio
religioso, entre outras intolerâncias psicossociais. Sendo que a depender de como essa
potencialidade é represada, determina-se o social. (2º Pedro 2:20)
É uma lei simbólica como se fosse um dique.

1) Civilização – Conjunto de práticas frente ao funcionamento do social ou coletivo.

2) Cultura – Tem a ver com um momento histórico. É uma perspectiva de mundo que as
pessoas passam a ter em comum quando interagem. De certa forma, os paradigmas
comuns formam a cultura de um grupo de pessoas. Porém, não é o mesmo que cultura,
mas é o que a justifica. Paradigma é tudo aquilo que é aceito por um grupo sem
questionamento, é o consenso, são as idéias compartilhadas ou padrões que distinguem
as culturas.

3) Direito – É um conjunto de leis pela garantia dos deveres.

Estado

HOMEM
Civilização Direito
Laços
Sociais

Cultura

O que acontece quando essa represa ou dique da malignidade do homem se arrebenta?

Efeitos da Ruptura do Dique

1) O Direito – Transforma-se em ideologia.

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2) A Cultura – Transforma-se em uma mitologia.
3) A Civilização - Transforma-se em uma barbárie.
4) O Estado – Fracassa.

Surge aí o delírio de autonomia dando origem aos ditados populares como, “salve-se quem
puder”. A malignidade humana se expressa quando a civilização, a cultura, o direito e o
estado falham. Percebe-se a ausência da justiça (a injustiça) quando o estado falta com a lei
paterna aí ocorrem os linchamentos, grupos de extermínios, entre outras condutas. Porque o
estado representa o imaginário social e na ausência disso surgem a psicose e a perversão.

1) Perversão – O salário mínimo, os tratamentos sociais diferentes. No campo da


perversão podemos citar ainda os poderes dos cínicos como Stanley, a ditadura
brasileira, Mussolini e etc.
2) Na psicose – Adolf Hitler pretendeu melhorar a raça através do nazismo e fez da
cultura um mito. Outros exemplos são os Pit boys que pelos delírios reagem a
qualquer olhada, as gangues preconceituosas de rua que matam indivíduos de
determinados grupos. Enquanto no transito todos se vêm como adversários,
inimigos.

“De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver


prosperar a desonra, de tanto ver crescer a
injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-
se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de
ser honesto”.
Rui Barbosa

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6. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO DSM-IV E DA CID-10

“Sempre há um pouco de loucura no amor, porém


sempre há um pouco de razão na loucura."
Friedrich Nietzsche

A partir do séc XIX as doenças mentais vêm sendo catalogadas e agrupadas com o objetivo de
facilitar o diagnóstico. No entanto, a codificação nosológica dos transtornos mentais é uma
das formas explícitas de representação dos padrões de normalidade.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) desenvolveu uma classificação de transtornos
mentais objetivando a prática e a pesquisa clínica. É um manual que lista no Capítulo V
diferentes categorias de transtornos mentais e aponta critérios para diagnosticá-los.
Foi denominada “International Statistical Classification of Diseases and Related Health
Problems – ICD”, ou (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados com a Saúde), mas em função da 10ª revisão, publicada em 1992 em inglês, este
manual ficou conhecido no Brasil como CID–10.
É imprescindível que o usuário entenda o método de classificação dos transtornos e a
semântica adotada. Como exemplo, na CID-10 não aparece os termos Neurose e Psicose
como conceitos, por se tratar de explicações psicodinâmicas, porém, o termo psicótico foi
mantido apenas como termo descritivo (F23). E o modelo adotado para codificação dos
transtornos foi em alfanumérico com três caracteres, compreendidos por uma única letra,
seguida por um número com dois algarismos. E este modelo permite listar cem categorias a
partir do primeiro, A-00 até o último Z-99. Contudo, com o fim de permitir um número ainda
maior de categorias, detalhes subsequentes são indiciados por meio de subdivisões numéricas
decimais no nível de quatro caracteres. E com o fim de permitir também alterações sem
comprometer o sistema, uma proporção dessas categorias foi deixada propositalmente sem
uso.

Os Códigos sobre os transtornos estão agrupados a partir da seguinte relação:

 F00 – F09  Todos os transtornos atribuíveis a uma causa orgânica.


 F10 – F19  Transtornos mentais e do comportamento decorrentes do uso de
substâncias psicoativas. Sendo que o terceiro caractere indica a substância usada, o
quarto e o quinto caracteres indicam a síndrome psicopatológica.
 F20 - F29  Transtornos esquizofrênicos (estados esquizotípicos e transtornos
delirantes).
 F30 – F39  Transtornos do humor. (Episódios maníacos, transtornos bipolar,
episódios depressivos, entre outros).
 F40 – F48  Transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes.
(transtornos fóbicos-ansiosos, ansiedade, obsessivo-compulsivo, ajustamento,
dissociativo, somatoformes, entre outros).
 F50 – F59  Síndromes comportamentais e transtornos mentais associados às
disfunções fisiológicas e alterações hormonais, além de fatores físicos. (Transtornos

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alimentares, transtornos não orgânicos do sono, disfunção sexual, transtornos mentais
e do comportamento associados ao puerpério, abuso de substâncias que produzem
dependência, entre outros).
 F60 – F69  Transtornos de personalidade e do Comportamentos na fase adulta.
(Transtornos específicos de personalidade, transtornos de hábitos e impulsos como
jogos, comportamento incendiário, cleptomania, tricotilmania, entre outros. Sendo que
os transtornos de preferência sexual são diferenciados dos transtornos de identidade
sexual e a homossexualidade não é mais incluída como categoria.
 F70 – F71  Retardo mental.
 F80 – F89  Transtorno do desenvolvimento psicológico. (Fala, habilidades
escolares, função motora, transtorno invasivos como autismo, síndrome de Rett,
hiperatividade, síndrome de Asperger, entre outros.
 F90 – F98  Transtornos emocionais e de comportamento com início usualmente
ocorrendo na infância e adolescência.
 F – 99  Transtorno mental não especificado. (Transtorno hipercinético, de conduta,
misto de conduta e emoção, rivalidade entre irmãos, tique, gageira, enurese, entre
outros.

Mas além da CID–10 publicada pela OMS, a APA, American Psychiatric Association,
publicou o DSM, “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders” (Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). E desde sua primeira publicação (DSM-I)
em 1952, (derivado da CID-6), o DSM já contou com quatro revisões sendo que a maior
delas, identificada como DSM-IV, ocorreu 1994. Mas atualmente, encontra-se em andamento
outra revisão com publicação prevista para 2013.
O DSM é a referência mais utilizada para pesquisa em saúde mental. Mas produzido a partir
de práticas médicas, o DSM-IV não apresenta uma definição para o transtorno mental tendo
em vista a falta de entendimento sobre o que possa ser a mente (pág. 27-29), e alerta que o
diagnóstico não deve incluir a etiologia dos transtornos.
No entanto, o DSM-IV agrupou os transtornos em 16 classes diagnósticas principais.

 A primeira seção é dedicada a transtornos diagnosticados pela primeira vez na infância


ou na adolescência.

 A 2ª, 3ª e 4ª seções foram agrupadas como síndromes e transtornos mentais orgânicos

 E o princípio organizador de todas as seções (exceto transtornos da adaptação)


consiste em agrupar transtornos com base nas características fenomenológicas em
comum.

Mas além do modelo diagnóstico acima, em função da heterogeneidade dos indivíduos


portadores do mesmo diagnóstico, o DSM-IV oferece o sistema multiaxial que permite o
modelo biopsicossocial em contexto da clínica, de ensino e de pesquisa.
O diagnóstico relaciona diferentes aspectos das desordens ou desabilidades mentais em cinco
níveis ou eixos:
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Eixo I: transtornos clínicos, incluindo principalmente transtornos mentais, bem como
problemas do desenvolvimento e aprendizagem, além de incluir transtornos como
depressão, ansiedade, distúrbio bipolar do humor, TDAH e esquizofrenia;

Eixo II: transtornos de personalidade ou invasivos, bem como retardo mental, além de
incluir transtornos como transtorno de personalidade antissocial, transtorno de
personalidade esquizóide, transtorno de personalidade narcísica, transtorno de
personalidade borderline ou limítrofe e leve retardo mental;

Eixo III: condições médicas gerais ou desordens físicas;

Eixo IV: problemas psicossociais ou ambientais contribuindo para desordens;

Eixo V: Avaliação Global das Funções (Global Assessment of Functioning) ou Escala de


Avaliação Global para Crianças (Children’s Global Assessment Scale) para jovens
abaixo de 18 anos (numa escala de 0 a 100).

“Como a cidade derribada, que não tem muros,


assim é o homem que não tem domínio próprio”.
Salomão
Provérbios. 25:28,

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7. PRONTUÁRIO PSICOLÓGICO E EXAME PSÍQUICO

“Os homens perdem a saúde para ajuntar


dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar
a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro,
esquecem do presente de forma que acabam por
não viver nem no presente nem no futuro. Vivem
como se nunca fossem morrer... e morrem como se
nunca tivessem vivido”.
Dalai Lama

As Psicopatologias explicativas pretendem esclarecer a etiologia dos transtornos mentais e


baseiam-se em modelos teóricos ou achados experimentais. É propedêutico em relação a
Psicologia clínica e podem seguir uma orientação psicodinâmica (psicanálise), cognitiva,
existencial, biológica, social, entre outras.
Antes de proceder com o inicio da psicoterapia, faz-se o psicodiagnóstico. Mas há diferença
entre avaliação psicológica é psicodiagnóstico.

a. Avaliação Psicológica: São avaliações de um determinado perfil com o fim de atender


uma necessidade específica, através de entrevistas, exame psicotécnico ou aplicação de
psicotestes, entre outras atividades.
b. Psicodiagnóstico: Tem uma abordagem clínica e o fim é o acolhimento. Sendo que
neste caso, os testes usados são testes projetivos, de personalidade.
É um processo com tempo determinado e tem como objetivo conhecer a dinâmica da
personalidade do sujeito objetivando fazer ou não uma indicação para psicoterapia. Ou
seja, o propósito é verificar se há indicação para psicoterapia. E quem solicita pode está
vinculado à área de educação, justiça, empresas e etc. Solicitam quando observam
mudança na conduta dos indivíduos. Portanto quando há solicitação, provavelmente, já
existe algo instalado. Mas às vezes a conduta de uma criança está modificada e só está
reagindo para denunciar uma situação patológica em que foi submetida. O procedimento
psicodiagnóstico neste caso só vai identifica as razões da queixa e fazer o
encaminhamento devido.

Também há diferença entre as oito entrevistas que se faz para psicodiagnóstico e a entrevista
que se faz para o contrato. Em caso de dúvida, caso exista sintomas alheios ao saber da
Psicologia, convém solicitar um parecer de outro profissional antes de fechar o diagnóstico.

PSICODIAGNÓSTICO PSICOTERAPIA
O tempo é determinado O tempo é indeterminado
Atrasos só comprometem a explicação de um As faltas também têm significado para
teste. As faltas prejudicam por conta do tempo. efeito da terapia.
O acompanhante de criança deve permanecer O acompanhante pode deixar a criança e
durante o atendimento. voltar depois.
Devolução Várias devoluções durante o tratamento.

Profº Graciliano Martins Página 34


Em razão das abordagens adotadas, a entrevista psicológica difere da psiquiátrica em muitos
pontos fundamentais.

PSICOLÓGICA PSIQUIÁTRICA
Contexto de livre consentimento Condição voluntária ou não
Situação específica Situações diversas
Domicílio do paciente, ambulatório ou até em
Ambiente reservado, sigiloso. via pública. (Preferentemente um ambiente
reservado). Cheniaux (2011)
O Psicólogo pergunta se o entrevistado
O Médico se apresenta e explica o objetivo da
sabe porque está ali e, logo após a resposta,
entrevista.
oferece o acolhimento.
Psicopatologia explicativa: pretende Psicopatologia descritiva: pretende descrever e
esclarecer a etiologia dos transtornos categorizar as experiências anormais
mentais e baseiam-se em modelos teóricos informadas pelo paciente e observadas em seu
ou achados experimentais. comportamento.
Prende-se a estrutura psíquica do individuo Serve-se do método fenomenológico:
e a sua trajetória inserida e contextualizada fenômeno psíquico é tudo que está no
ao próprio ambiente social. consciente do paciente, é a consciência de algo.
Além da patologia, trabalha outras Limita-se aos fenômenos da vida mental que
questões de indivíduos saudáveis. são considerados anormais.
Despreza a queixa e se prende a questão. Despreza a questão e se prende a queixa.
O estudo da doença mental não se limita a
O estudo da doença mental parte do
observação de queixas ou sintomas
pressuposto da fenomenologia: Tudo que
associados ao presente, estuda todo
existe é fenômeno, mas o que é relevante para
conteúdo intrapsíquico a partir da história
este grupo descritivo, é a experiência subjetiva
do individuo no contexto de suas relações
do sujeito com as coisas e não as coisas em si.
psicossociais.
Para Cheniaux (2011) alguns cuidados devem
ser observados:
 Deixar o paciente falar livremente no início
e só interrompê-lo para a necessidade de
esclarecer temas ou pontos duvidosos.
Cada abordagem tem técnicas, linguagem e  Precisa saber como e quando interrompê-lo
procedimentos próprios. cuidando para não controlar os conteúdos ou
o curso da fala do paciente.
 As perguntas não devem ser sugestivas, para
possibilitar um diálogo informal.
 Não aceite jargões populares como: “estou
com depressão”, pânico, “nervoso” e etc.
O laudo psicológico descreve a dinâmica
da doença e não apenas a doença. É uma
conclusão técnica, evita a rotulagem e não
O laudo psiquiátrico faz uma classificação
substitui a entrevista de devolução.
nosológica e codificação da doença.
A entrevista de devolução dá explicações
ao paciente sobre suas questões, aspectos
pessoais da vida do sujeito e etc.
Prognóstico: inclui o livre concentimento. Prognóstico: Internação voluntária ou não

Profº Graciliano Martins Página 35


O termo anamnese tem origem grega (ana = novo; mnesis = memória). Significa rememoração.

Psicodiagnóstico 
Avaliação Psicológica 
Psicoterapia

Identificação do Paciente
01. Nome: Liodoro Bertozo de Arueira Júnior
02. Endereço: Rua Sargento Garcia, 12 Fone: 1234.4321
03. Cidade: Orleans UF: RJ
04. Data de Nascimento: 01 / 02 / 93
05. Ocupação: Desempregado Grau de Instrução: Ensino Médio
Queixa Principal
01. Forte pressão na cabeça, nervosismo, esquecimento e falta de sono.
Histórico da Doença
01 Antes: se apresentava aparentemente calmo, trabalhador, etc.
02 O que o Motivou: encaminhado por um profissional, voluntario para atendimento ou trazido pela família.
03 Ponto de vista do Acompanhante:
04 Cronologia da doença: Onde, como, circunstancia antecedentes, mudanças ocorridas, pontos afetados e etc. (A causa foi atribuída a
em acidente de carro onde sofre um trauma físico ao bater o crânio com o vidro. A queixa do paciente teve origem a oito messes. Esteve
internado em um hospital público mas após os procedimentos médicos, verificou-se que não houve diminuição dos sintomas)
05 Atendimentos Anteriores: Já esteve internado antes ou usou Medicamentos
História Familiar
01. Família de origem: Formação, características, nº de irmãos, posição entre eles, etc.
02. Família escolhida: Estado civil, idade e saúde do cônjuge, filhos, agregados, outros relacionamentos e etc.

História Pessoal
01. Desenvolvimento:
02. Hábitos: Alimentares, repouso, sexual, humor, etc.
03. Situações traumáticas: Mortes, suicídios, violências, incestos, etc.
Exame Psíquico
1. Consciência:
Neurológica – Obnubilação
Do Eu – Identidade: Psicose
Unidade: Dupla personalidade
Atividade: Apresenta um quadro de alucinação
Oposição eu/mundo: Não interage com as pessoas
2. Orientação Alopsíquica
Tempo:
Espaço:
3. Atenção
Vigilância: Inquieto, impaciente
Tenacidade: Inconstante
4. Memória
Fixação: Perda parcial
Evocação:
5. Senso-percepção: Complicações visuais e auditivas
6. Pensamento
Curso: Acelerado
Forma: Descarrilamento
Conteúdo: Concreto
7. Humor/Afeto: Incoerente
8. Cooperação: Egocêntrico
Diagnóstico
01. Paranóia
02. Súmula psicopatológica: Forte pressão na cabeça, nervosismo, esquecimento e falta de sono. Certeza de que está sendo seguido
por pessoas estranhas que tentam tirar-lhe a vida.
Prognóstico
01. Procedimento terapêutico, encaminhamento

Profº Graciliano Martins Página 36


O termo diagnóstico tem origem grega e significa distinguir ou reconhecer. Mas ao fazer o
psicodiagnóstico, o profissional deve ficar atento as questões que se prendem a normalidade.
É preciso tomar cuidado e evitar a rotulagem:

a. A Psicopatologia tem a ver com a psicodinâmica e não com as normas impostas


socialmente;
b. A codificação nosológica dos transtornos mentais, é uma das formas explícitas de
representação dos padrões de normalidade;
c. A indicação para psicoterapia não é o mesmo que consentir que o sujeito é anormal.

Mas para além do que já foi dito, é de bom alvitre ainda lembra que:

1. “O Psicólogo deve conhecer, divulgar, cumprir e fazer cumprir o Código de Ética


Profissional do Psicólogo”. (Art. 1º, letra A).
2. “Caberá aos psicólogos docentes ou supervisores esclarecer, informar, orientar e
exigir dos estudantes a observância dos princípios e normas contidas neste Código”.
(Art. 17º)
3. Os documentos que sinalizarão conclusões técnicas devem ser fundamentados,
assinados e carimbados pelo Psicólogo. (O carimbo deve conter o nome completo,
número do CRP e o CPF). (Art. 20º).
4. É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da
confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha
acesso no exercício profissional. (Art. 9º).
5. O destino dos documentos produzidos pelo Psicólogo deve cumprir todas as
orientações normativas. Os laudos e atestados podem ser utilizados de “má fé” e por
esse motivo só devem ser entregues a quem de direito:
 “Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de
serviço psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para tomada
de decisão que afetem o usuário ou beneficiário.” (Art. 1º, letra G).
 “Em caso de interrupção do trabalho do psicólogo, por quaisquer motivos, ele
deverá zelar pelo destino dos seus arquivos confidenciais.
§ 1° Em caso de demissão ou exoneração, o psicólogo deverá repassar
todo o material ao psicólogo que vier a substituí-lo, ou lacrá-lo para
posterior utilização pelo psicólogo substituto.
§ 2° Em caso de extinção do serviço de Psicologia, o psicólogo
responsável informará ao Conselho Regional de Psicologia, que
providenciará a destinação dos arquivos confidenciais. Por ocasião
“da morte do Psicólogo, esse material deve ser encaminhado ao
CRP”. (Art. 15º).
 Não “Realizar diagnósticos, divulgar procedimentos ou apresentar resultados
de serviços psicológicos em meio de comunicação, de forma a expor pessoas,
grupos ou organizações.” (Art. 2º, letra Q).

Profº Graciliano Martins Página 37


6. “Para realizar atendimento não eventual de criança, adolescente ou interdito, o
Psicólogo deverá obter autorização de ao menos um de seus responsáveis,
observando as determinações da legislação vigente.” (Art. 8º).
7. “A utilização de quaisquer meios de registro e observação da prática psicológica
obedecerá às normas deste Código e a legislação profissional vigente, devendo o
usuário ou beneficiário, desde o início, ser informado. para se promoverem medidas
em seu benefício.” (Art. 14º).
8. “O psicólogo não divulgará, ensinará, cederá, emprestará ou venderá a leigos
instrumentos e técnicas psicológicas que permitam ou facilitem o exercício ilegal da
profissão.” (Art. 18º).

"Não é porque certas coisas são difíceis que nós


não ousamos. É justamente porque não ousamos
que tais coisas são difíceis!"
Sêneca (filósofo romano, 4AC-65DC

Profº Graciliano Martins Página 38


8. VISITA SUPERVISIONADA A ORGANIZAÇÕES DE SAÚDE MENTAL

"Toda empresa precisa ter gente que erra que não


tem medo de errar e que aprende com o erro."
Bill Gate

Elaboração dos relatórios

Fazer breves comentários sobre cada filme e sobre cada visita a Instituição de Saúde Mental,
contemplando o modelo, a saber:

RELATÓRIO Nº ____

Aluno: ________________________________________________________
Disciplina: Psicopatologia I Turma: _________________ Data: ________

1. Identificar e explicar o modelo psicopatológico adotado.


a. Modelo:
b. Justificativa:
2. Analisar criticamente a Instituição de Saúde Mental como proposta
psicoterapêutica.
a. Estrutura Física
b. Atendimento ao paciente: Alimentação, acomodações, higiene e etc.
c. O que atende as expectativas e o que podia ser diferente
3. Descrever as atividades dos profissionais tendo como base a reflexão ética e
científica:
a. Enfermeiro
b. Médico
c. Psicólogo
4. Apontar intervenções que promovam melhores resultados.
a. Instituição de Saúde
b. Atividades dos profissionais
5. Considerações finais.

“Maior que a tristeza de não haver vencido, é a


vergonha de não ter lutado!”
Rui Barbosa

Profº Graciliano Martins Página 39


9. REFERÊNCIAS

”Os analfabetos do próximo século não são


aqueles que não sabem ler ou escrever, mas
aqueles que se recusam a aprender, reaprender e
voltar a aprender.”
Alvin Toffler

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. (1994). Diagnostic and Statistical Manual


of Mental Disorders – DSM-IV-TR. 4. Porto Alegre: Artes Médicas.
BASTOS, Claudio Lyra. (2000). Manual do Exame Psíquico: Uma Introdução Prática à
Psicopatologia. Rio de Janeiro: 2ª ed. Revinter.
BAUMGART, Amália. (2006). Lecciones Introductorias de Psicopatologia. 2ª edição.
Buenos Aires: Eudeba.
BERGERET, J. (1988). Personalidade normal e patológica. Porto Alegre: Artes Médicas.
BLEGER, José. (1998). Temas de Psicologia: Entrevista e Grupos. 2ª ed. São Paulo:
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Bock, A. B.; Furtado, O.; Texeira, M. de L. (1999). Psicologias: Uma Introdução ao Estudo
de Psicologia. 13. ed. reform. e ampl. São Paulo: Saraiva.
CAMPBELL, R. J. (1986). Dicionário de psiquiatria. São Paulo: Martins Fontes.
CAMPO, Maria Luiza O., O Processo Psicodiagnóstico e Técnicas Projetivas. Porto
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CHENIAUX, Elie. (2011). Manual de Psicopatologia. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara
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CHIOZZA. Luis A. (Org.). (1997). Os Afetos Em... psoríase, asma, transtornos
respiratórios, varizes, diabete, transtornos ósseos, cefaléias e acidentes
cerebrovasculares. São Paulo: Casa do Psicólogo.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. (2005). Código de Ética Profissional do
Psicólogo. Brasília: XIII Plenário, www.pol.org.br.
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FERREIRA, M. L. (1992). TCC, Intercorrências Psicológicas e Psiquiátricas no Hospital
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JASPERS, K. (1987). Psicopatologia geral. Rio de Janeiro: Atheneu, 1987. 02 v.

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JASPERS, Karl. (2003). Psicopatologia Geral – Psicologia compreensiva, explicativa e
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KAPLAN, Harold I.; SADOCK, Benjamin J.; GREBB, Jack A. (1997). Compêndio de
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MARCELLI, D. (1998). Manual de Psicopatologia da Infância de Ajuriaguerra. 5ª ed.
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MARTY, Pierre. (1998). Mentalização e Psicossomática. São Paulo: Casa do Psicólogo.
NERO, Henrique Schutzer Del Nero. (1997): O Sítio da Mente. São Paulo: Collegium
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PAIM, Isaías. (1991). Tratado de Clínica Psiquiátrica. 3ª edição. revista e atualizada. São
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PAIM, Isaías. (1993). Curso de Psicopatologia. 11ª edição. revista e ampliada. São Paulo:
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Artes Médicas.
WHITE, Ellen G. (1990). Mente Caráter e Personalidade. Vol. I e II, Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira.

“Quando a última árvore tiver caído, quando o


último rio tiver secado, quando o último peixe for
pescado, vocês vão entender que dinheiro não se
come”.
Greenpeace

Profº Graciliano Martins Página 41


10. APÊNDICE

“Cada dia a natureza produz o suficiente para


nossa carência. Se cada um tomasse somente o que
lhe fosse necessário, não havia pobreza no mundo
e ninguém morreria de fome”.
Mahatma Gandhi

APÊNDICE – 01 PSICOPATOLOGIA I

Ementa:
A drogadição e toxicomanias. Indicações de tratamento. Semiologia e anamnese
psicopatológica-exame mental. Processo diagnóstico. As grandes categorias: Neuroses,
Psicoses e Perversões. Classificação e Laudo dos fenômenos psicopatológicos. Psicopatologia
clínica. A Entrevista as relações multidisciplinares e interdisciplinares. Conduta terapêutica e
critérios de cura de fenômenos particulares da psicopatologia: distúrbios da atenção,
concentração, consciência, percepção, memória, afetividade, psicomotricidade, inteligência,
linguagem, pensamento, impulsos e vontade. Sinais e sintomas das síndromes culturais.
Aspectos éticos e trabalho em equipe multiprofissional. Estudos de casos considerando as
realidades em foco na formação.
Parte Prática: visita a instituições de saúde mental. Supervisão. Elaboração de relatórios.

Objetivos:

● Identificar, descrever e compreender as estruturas clínicas clássicas (neurose, psicose e


perversão)
● Identificar, descrever e compreender as principais formas de adição a drogas lícitas e
ilícitas;
● Identificar, descrever e compreender os transtornos alimentares;
● Identificar, descrever e compreender os transtornos de personalidade;
● Identificar, descrever e compreender os transtornos de identidade de gênero;
● Discutir a intervenção terapêutica dos principais fenômenos psicopatológico.
● Analisar criticamente as instituições socialmente criadas para segregar e tratar os pacientes
psiquiátricos, discutindo estratégias novas de assistência.
● Discutir aspectos éticos e o trabalho em equipe multifuncional com fenômenos
psicopatológicos.

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APÊNDICE – 02 JORNAL

O ESTADO DE SÃO PAULO


Domingo, 30 abril de 2006

A TERAPIA
Eletrochoque em depressivos põe médicos e psicólogos em guerra.
Polêmico tratamento usado para certos transtornos mentais volta aos hospitais após duas
décadas esquecido

Ricardo Westin
A paciente está no hospital, desacordada por causa da anestesia. É uma senhora de cabelos
brancos e 71 anos. O médico se aproxima da cabeça dela e encosta dois eletrodos. O choque é
disparado. Ela tem uma convulsão: o corpo se contorce de forma violenta e, embora
inconsciente e anestesiada, o rosto ganha uma expressão de dor. A descarga pára após três
segundos, mas ela continua tremendo por mais um minuto. Só então ela volta a ficar inerte.
Assim é feito o eletrochoque, um dos tratamentos mais controversos da medicina e, mesmo
assim, rotineiro para certos transtornos psiquiátricos. A técnica foi criada na Europa nos anos
30 e logo se expandiu pelo mundo. No Brasil, caiu no ostracismo na década de 80. E voltou à
carga total no final dos anos 90, com o suposto avanço da tecnologia. No Hospital das
Clínicas de São Paulo (HC), são cerca de cem aplicações por semana.
A volta da técnica, porém, não agradou aos militantes da luta antimanicomial. Há dois anos,
grupos de pacientes criaram a campanha "Eletrochoque? Não, obrigado. Imagine na sua
cabeça".
Médicos e psicólogos ficaram em lados opostos. Segundo os psiquiatras, a
eletroconvulsoterapia (ECT) é a única solução para certas doenças - no caso da paciente
acima, uma depressão profunda e resistente às drogas. Para os psicólogos, é uma tortura
prescrita por médicos ávidos por melhoras imediatas.
Os psicólogos ganharam outro argumento no mês passado, depois que a Vigilância Sanitária
interditou o setor de ECT do Hospital André Luiz, de Belo Horizonte. Os pacientes
esperavam sua vez na sala dos choques. E a anestesia era coletiva - todos eram sedados de
uma vez.
Dos anos 30 para cá, a mudança foi radical. O procedimento deixou de ser usado em internos
de manicômios, muitas vezes como castigo, e passou a ser prescrito pelos médicos a pessoas
que sofrem de transtornos como a depressão. Ninguém leva mais o choque à força. É a opção
extrema, após todos os outros tratamentos terem sido tentados.
Quando o eletrochoque surgiu, quase não havia alternativas. São desse período tratamentos
hoje renegados, como a lobotomia (ressecção de tecido neurológico, separação cirúrgica dos
lóbulos frontais do cérebro). Os antidepressivos surgiram só nos anos 50.
A descarga no cérebro estimula a liberação de neurotransmissores (substâncias que levam as
informações de um neurônio a outro). "É como quem dá uma sacudidela na TV, para que ela

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volte a funcionar", compara o psiquiatra Sérgio Rigonatti, do HC. Detalhe: se o cabelo estiver
molhado, a corrente elétrica pode se espalhar pelo corpo.
O doente se contorce porque o choque não atinge só os neurônios do humor, mas também os
ligados aos músculos. Os médicos, porém, não sabem com detalhes como se dá o processo.
O resultado é semelhante ao obtido com remédios. A diferença é que os efeitos do choque são
mais rápidos - algo importante para doentes prestes a cometer suicídio. O tratamento também
é indicado para as grávidas nos casos em que os remédios podem comprometer o feto.
BRIGA INSTITUCIONAL
No ano passado, o Conselho de Medicina de São Paulo enviou ao Conselho Federal de
Psicologia uma carta expressando indignação com o fato de os Psicólogos terem aderido à
campanha anti-ECT. Disse que a terapia é "eficaz, segura e mundialmente aceita".
O psiquiatra Demétrio Ortega, do HC, considera a campanha um absurdo. "Seria como dizer
que o paciente sofre numa operação em que abrem sua barriga." Para ele, o preconceito existe
por causa da eletricidade. "As pessoas pensam em tortura."
O passado, de fato, contribui para essa imagem. O eletrochoque era aplicado "a seco": sem
anestesia, relaxante muscular ou protetor na boca. Além do pavor de ver o início do
procedimento - o paciente perde a consciência assim que recebe o choque -, corria o risco de
quebrar os ossos e dentes durante a convulsão.
Atualmente há ainda controle do coração, do oxigênio no sangue e da pressão. Para os
Psicólogos, isso não basta. "O método é agressivo e violento", diz o Dr. Marcus Vinícius de
Oliveira, vice-presidente do Conselho de Psicologia. "Muitos dizem que preferem morrer a
levar outro choque. O prejuízo subjetivo não compensa o benefício objetivo."
A ECT não é unanimidade nem entre os psiquiatras. Para Antônio Mourão Cavalcante,
professor da Universidade Federal do Ceará, muitos transtornos não são curados com
remédios porque são tratados como se fossem outros problemas (diagnóstico errado). "É
óbvio que, se o diagnóstico estiver errado, o transtorno não será curado. Em 30 anos, nunca
tive paciente refratário às drogas."
O psiquiatra Mark Napoli,da Rede da Luta Antimanicomial, lembra que um efeito da ECT é a
perda temporária da memória. "Não há como desconsiderar que um choque capaz de atordoar
uma pessoa não provoque lesão cerebral."
Marco Antônio Brasil, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-presidente
da Associação Brasileira de Psiquiatria, é um dos defensores da ECT. "Não podemos ser
contra o eletrochoque. Temos de ser contra o seu mau uso, da mesma forma que condenamos
o mau uso dos antidepressivos."
O que é: O tratamento é feito com choques elétricos, dados na cabeça de pessoas com
determinados transtornos mentais. O paciente é anestesiado e recebe relaxantes musculares
As indicações: Para um número reduzido de doenças. É como último recurso, quando os
remédios não fazem efeito. As principais são a depressão grave, a esquizofrenia (sério
transtorno do funcionamento cerebral) e o transtorno bipolar (ou psicose maníaco-depressiva)
As contraindicações: Não é indicada para pacientes que sofreram enfarte e derrame e que
tenham tumor ou arritmia. Frequência: Os choques são dados 3 vezes por semana, num
máximo de 20 aplicações.

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APÊNDICE – 03 A NAU DE SEBASTIAN BRANT E DE BISPO DO ROSÁRIO

Tatiana Fecchio da Cunha Gonçalves1 / UNICAMP

Resumo
Numa tradição iconográfica na qual identificamos diversas representações da figura da barca,
como a egípcia e medieval, este estudo contempla, na produção cultural de duas épocas
distintas, as relações possíveis entre as imagens criadas a partir do poema satírico de
Sebastian Brant, de 1494, e a nau na obra de Bispo do Rosário a fim de identificar e ampliar
as possibilidades de compreensão simbólica deste elemento iconográfico.
Palavras-Chave: Nau dos Loucos, Bispo do Rosário, Arte e Loucura
Abstract
Throughout iconographical tradition, various representations of the boat of fools have been
identified, from Egyptian to Medieval times. This study looks at possible relations between
images representing cultural productions of various distinct times. The representations
selected are those based on Sebastian Brant's satyrical poem of 1494, and also Bispo do
Rosário's nautical construction. Our aim was to identify and broaden the possibilities of
symbolic comprehension of this iconographic element. Key Words: Ship of Fools, Bispo do
Rosário, Art and Madness
Resumen
En una tradición iconográfica en la cual identificamos diversas representaciones de la figura
de la barca, como la egipcia y medieval, este estudio contempla, en la producción cultural de
dos épocas distintas, las relaciones posibles entre las imágenes creadas a partir Del poema
satírico de Sebastian Brant, de 1494, y la nave en la obra de Bispo do Rosário a fin de
identificar y ampliar las posibilidades de comprensión simbólica de este elemento
iconográfico
Palabras-Claves: Nave de los Locos, Bispo do Rosário, Arte y Locura

Introdução

Este trabalho tem por intenção discorrer sobre uma aproximação possível entre a Nau, do
poema de Sebastian Brant A Nave dos Loucos no século XV, e os barcos presentes na obra de
Bispo do Rosário no século XX. O primeiro deles referindo-se a um texto satírico e o segundo
adensado de uma poética muito particular deste artista brasileiro que foi interno de um
Hospital Psiquiátrico.
Este trabalho é também a tentativa de adentrar nas simbologias que perspassam a imagem do
barco, da nau ou da barca, a fim de recolher, neste percurso, elementos que nos permitam
compreender sua reincidência em tantos espaços e representações referentes ao louco e à
loucura.

1
Doutoranda em Artes/ Unicamp com financiamento da FAPESP, Mestre em Artes/Unicamp, Especialista em
Arteterapia/Unicamp, Especialista em Artes e Novas Tecnologias/UnB. Filiada à AATESP sob inscrição 058/1105, membro
do grupo de estudo Desenvolvimento, Linguagem e Práticas Educativas/UNICAMP. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4364335240213211 e-mail: tati.fecchio@gmail.com

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O entendimento sobre a loucura varia em diferentes épocas e culturas. Para a sociedade
ocidental temos na obra de Michel Foucault2 a descrição deste percurso. Se há mudanças há
também algumas constantes sendo uma delas a oposição entre a racionalidade ou a retidão e a
insanidade ou desrazão, sendo a primeira inevitavelmente insuficiente para abarcar a
completude das experiências humanas.
A bela retidão que conduz o pensamento racional à análise da loucura como doença mental
deve ser reinterpretada numa dimensão vertical; e nesse caso verifica-se que sob cada uma de
suas formas, ela oculta de maneira mais completa e também mais perigosa essa experiência
trágica que tal retidão não conseguiu reduzir3.
Foucault descreve que ao final do período que se convencionou chamar de Idade Média após
um período de muitas guerras e pestes como a lepra a morte presente no cotidiano, bem como
seu fardo são, nos últimos anos do século XV, substituídos pela figura da loucura como algo
muito mais próximo e presente.
A substituição do tema da morte pelo da loucura não marca uma ruptura, mas sim uma virada
no interior da mesma inquietude. Trata-se ainda do vazio da existência, mas este vazio não é
mais reconhecido como termo exterior e final, simultaneamente ameaça e conclusão, ele é
sentido do interior, como forma contínua e constante da existência4.
O tema da loucura passa, neste período, a ser tratado nas Artes, transformando-se ao mesmo
tempo num espaço do desatino e num lócus de possibilidades à crítica social e moral. A figura
do louco como bobo da Corte contém esta ambigüidade, ele é aquele que diz tudo por poder
dizê-lo ironicamente, profere dentro da desqualificação que lhe cabe; o louco é a mazela
humana, o eu projetado num outro humano inferior que é evidentemente, para a minha
proteção, diferente de mim. “A loucura e o louco tornam-se personagens maiores em sua
ambigüidade: ameaça e irrisão, vertiginoso desatino do mundo e medíocre ridículo dos
homens”5.
Neste contexto é que um objeto domina o imaginário desta primeira renascença, a Nau dos
Loucos, barco que desliza pelos rios e mares, levando sua carga insana de uma cidade para
outra.
A figura da barca já havia, no entanto, habitado o imaginário de diversas culturas e
populações. Apenas para citar alguns casos, ela estará presente nas diversas narrativas das
Arcas do Dilúvio, nas barcas da Morte, nos barcos associados à forma da meia lua ou aos
elementos celestiais e à ritos cerimoniais.
Um dos trabalhos de Sebastian Brant6 (1457-1521), discorrerá precisamente sobre este tipo de
embarcação encontrada no século XV. Brant estará inserido num significativo movimento de
representações fantasiosas acerca dos estados de tentação e de loucura e publica em 1494 o
poema satírico A Nau dos Loucos7, criticando a debilidade e loucura de seus contemporâneos,
criando um novo gênero literário, o gênero bufo.

2
Ver de Foucault as publicações: História da Loucura e Madness and Civilization.
3
FOUCAULT,1972:29
4
FOUCAULT,1972:16
5
FOUCAULT,1972:14
6
Brant nasceu em Estrasburgo e estudou na Basiléia onde fez seu doutorado em Direito Canônico e civil em 1489. Foi
professor de Direito e Poesia. Em 1485 casou-se com Elisabeth Bürguis com a qual teve sete filhos.
7
O poema relata uma viagem ao país da loucura (Locagonia) realizada por 111 personagens de diferentes classes sociais,
cada qual representando um vício humano.

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As ilustrações sobre este poema foram realizadas, entre outros, por Dürer e Jeronimus Bosh.
São Naus abarrotadas, cheias de pessoas que se apertam entre si num espaço que parece
reduzido. Algumas figuras demonstram explicitamente seus vícios, como a bebida, por
exemplo. Outros têm atitudes inadequadas lutando ou quase caindo para fora das naves.
Todos vestem os gorros pontiagudos com guizos nas pontas _ elemento utilizado durante a
Idade Média para a identificação dos loucos.
Durante a Idade Média diversas obras se referiram ao barco. A barca da Igreja aparece como
referência na imagem da barca tripulada por cléricos que transportavam a salvo sua carga de
almas até o porto da Glória, o poema alegórico de Guillermo de Deguilleville no século XIV
chamado El Peregrinaje de la Vida del Hombre traz referências a esta imagem bem como a
Nave da Religião que possui elementos simbólicos do crucifixo e das ordens religiosas da
época. A Nau dos Príncipes e das Batalhas da Nobreza, a Nau das Damas Virtuosas de
Symphorien Champier, a Nau da Saúde e Blauwe Schute de Jacop van Oestvoren e Stultiferae
naviculae scaphae fatuarum mulierum de Josse Bade.
Apesar desta recorrência Idade Média, a partir do poema de Brant, que se tornou muito
famoso nos séculos seguintes a sua publicação _ sendo traduzido para diversos idiomas, bem
como tendo diversos artistas a se dedicar a sua ilustração _ há definitivamente a constituição
de um imaginário acerca da loucura, sendo a Nau do Louco o local à margem das margens, de
purificação ou de confinamento e exclusão.
A Nave dos Loucos não é apenas um elemento alegórico, ela realmente existiu,
particularmente em Nuremberg e em Frankfurt; embora já existisse, nesta época em algumas
cidades, locais de abrigo a esta população. Talvez parte destas naves fossem destinadas a
viagens de peregrinação e parte realmente destinadas a retirar estes sujeitos do convívio social
entregando-os à responsabilidade de marinheiros, que se encarregavam de levar os loucos
para portos longínquos, garantindo assim que eles não voltariam.
A figura do marinheiro, ou guia, está presente em algumas tradições como no caso de
Caronte, na Grécia. Figura mitológica atribuída ao mundo inferior (Hades) tinha por
atribuição transportar os recém-mortos na sua barca através do rio Aqueronte até o local no
Hades que lhes era destinado8. Fica implícita nesta narrativa a compreensão da morte como
uma viagem a qual Bachelard questionará se não é a primeira de todas, por ser ela a única que
de fato sabemos.
Somada à eficácia prática de conduzir os loucos por estes marinheiros-guias, o elemento água,
no qual as barcas são conduzidas, ...leva embora, mas faz mais do que isto, purifica. Além do
mais a navegação entrega o homem à incerteza da sorte: nela cada um é confiado a seu
próprio destino, todo o embarque é, potencialmente, o último. É para o outro mundo que parte
o louco em sua barca louca; é do outro mundo que ele chega quando desembarca9.
Em relação à simbologia desta barca Foucault complementa
Num certo sentido ela não faz mais do que desenvolver, ao longo de uma geografia semirreal,
semi-imaginária, a situação liminar do louco no horizonte das preocupações do homem

8
Diz-se que era costume grego colocar uma moeda, chamada óbolo, sob a língua do cadáver, para pagar Caronte pela
viagem.
9
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medieval...; se ele não pode e não deve ter outra prisão que o próprio limiar, seguram-no no
lugar da passagem. Ele é colocado no interior do exterior, e inversamente10.
Neste sentido o louco é “...o passageiro por excelência, isto é, o prisioneiro da passagem” 11.
Imediato recordar do conto A Terceira Margem do Rio de 1962 de Guimarães Rosa, no qual
um homem manda construir uma canoa, passando a habitar dentro dela, ou seja, na terceira
margem do rio. O filho, sobre este evento, comenta:
Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a
razão em que não queriam falar doideira. Só uns achavam no entanto de poder também ser
pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma
feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua
família dele.12 ()
Curioso como a lepra aparece aqui como fator para a explicação do afastamento do
personagem de seu meio, revelando ainda sua presença e associações de morte contidas em
sua essência. Na verdade o pai representará a potencialidade de fazer do seu modo,
questionando regras e rompendo padrões. O narrador, ao final do conto, se deparará com a
mediocridade de sua própria vida levada “fora do rio”, evidenciando mais uma vez a
aproximação entre morte e liberdade como possibilidade de transcendência e rompimento de
limites
Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora
é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas então, ao menos, que, no artigo
da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que
não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro - o rio13.
Uma obra do século XVI que não tratará do louco, embora possamos identificá-lo na figura
do parvo, mas que nos apresentará igualmente o elemento do Barco, dedicando-se ao
questionamento de valores sociais, é a peça O Auto da Barca do Inferno. Ela é uma alegoria
dramática de Gil Vicente, escritor português, representada pela primeira vez em 1517. É a
primeira parte da chamada trilogia das Barcas (sendo que a segunda e a terceira são
respectivamente o Auto da Barca do Purgatório e o Auto da Barca da Glória). Traz a imagem
de dois barcos dentro de um contexto de crítica social, moralizante ou, no limite, dentro de um
contexto da farsa.
Gil Vicente sustenta em sua obra O Auto da Barca do Inferno a moral primeva do catolicismo,
fazendo críticas a todas as classes sociais, pois na visão do dramaturgo português é preciso
resgatar os mais sublimes ideais de simplicidade e honestidade da igreja católica em todos os
níveis da sociedade14.
Embora não estejam presentes personagens ou tipos sociais que caminham ao mundo da
loucura, como na Nau dos Loucos de Brant, as almas das personagens, aqui apresentadas,
encontram-se em julgamento num cais que é uma espécie de purgatório. Há duas
possibilidades: podem seguir com o Diabo na Barca do Inferno ou com o Anjo na Barca da
Glória. Estas barcas são, portanto, veículos de transporte que conduzem aos seus destinos as
almas no outro mundo ou a outra ordem, após a morte.
10
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11
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13
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14
http://literatura.interativo.org/livros/2006/11/auto-da-barca-do-inferno, 2006
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Um outro elemento de interesse na obra de Gil Vicente, a nossa análise, é a figura do Parvo
denominado Joane. Este personagem, entre todos os apresentados para julgamento Fidalgo,
Onzeneiro, Sapateiro, Frade com a sua "dama”, Alcoviteira, Judeu, Corregedor e Cavaleiros é
caracterizado como o tolo, o bobo, uma figura simples e humilde, mas que havia pecado. A
caracterização deste sujeito que não tem consciência de seus atos, que não faz por mal mas
por inocência, que é “inconsequente” por pureza; será também uma das descrições à figura do
louco. O Parvo fica durante toda a encenação no cais, fazendo comentário acerca das demais
personagens, interagindo com todos e auxiliando o Anjo a julgar as demais personagens, é
como que uma “segunda voz” de Gil Vicente. O Parvo faz, assim, o papel tanto dos guias das
barcas, como o do próprio escritor que nele fica personalizado na potencialidade, mais uma
vez, da liberdade de seus comentários.
Durante a era clássica se constituirá aos poucos a nova forma de apreensão da loucura. Esta
passará de bufa, ou escatológica, a determinada pela razão a qual na verdade continuará a ferir
pelos médicos alienistas e encerrada nos hospitais. A partir da segunda metade do século
XVII, a loucura é sistematicamente internada, e assim como a lepra na Idade Média, este
banimento vai se constituir como um mecanismo de segregação social. O “internamento”, do
século XVII, tem uma de suas origens na crise econômica que afeta todo o mundo ocidental:
os desocupados, os pobres e os desempregados são sistematicamente aprisionados sob
pretexto de garantia da ordem social. “A hostilidade que o acolhe se tornará, num novo
equívoco, a medida de saneamento que o põe fora do caminho. De fato ele continua a vagar,
porém não mais no caminho de uma estranha peregrinação: ele perturba a ordem do espaço
social”15.
O Hospital, como a Barca, é o local da diferença. Se nele se encontram os não aceitos,
encontra-se ali também o lócus da possibilidade. Se esta Nau não navega fisicamente, nela
habitam, abarrotados, os indesejados e inadequados socialmente que, apesar, continuam a
navegar.
A obra de Machado de Assis (1839-1908), intitulada O Alienista e publicada em 1882 é uma
crítica direta a esta forma de conceber a loucura. Sua obra nos conta sobre as peripécias do
doutor Simão Bracamante que constrói, na cidade de Itaguaí, a Casa Verde; local no qual
deveriam ser internados os mentecaptos. Ao perceber que havia internado 80% da população
Bracamante nota certa desrazão em seu método científico de diagnóstico e opta por reverter a
situação desinternando a maioria da população confinada e internando então os realmente
loucos: a minoria que tem o perfeito juízo das faculdades, que são virtuosos, abnegados,
modestos e sem vícios. Cândido Portinari fará ilustrações, em 1958, desta obra, este trabalhos
encontram-se hoje na Biblioteca Mário de Andrade na Seção de Obras Raras.
O contexto da internação é exatamente o quê Bispo do Rosário encontrará no Brasil quando
foi “encerrado”, por cerca de 50 anos, em um destes hospitais. Arthur Bispo do Rosário
(1911-1989) nasceu em Sergipe, foi artista plástico, descendente de africanos, marinheiro na
juventude, vindo a tornar-se empregado de uma tradicional família carioca.
Foi internado primeiramente no dia 24 de Dezembro de 1938 no Asilo D. Pedro II (o hospício
da Praia Vermelha). Um mês após a sua internação, foi transferido para a Colônia Juliano
Moreira instituição carioca da primeira metade do século XX, que abrigava negros, pobres,

15
FOUCAULT,1972:63

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alcoólatras e desviantes, localizada no subúrbio de Jacarepaguá, sob o diagnóstico de
"esquizofrênico-paranóico" e na qual permaneceu.
Produz neste período de internação objetos, destacando-se entre os temas navios, estandartes,
faixas de misses e objetos domésticos. Uma de suas obras mais conhecidas é o Manto da
Apresentação “espécie de mortalha sagrada que bordaria durante toda a vida para vestir no dia
da apresentação, no Juízo Final, na data de sua passagem. Bordados neste manto, estariam os
nomes das pessoas que ele julgava merecedoras de subir, de carona, rumo ao além”16. Com
suas obras faria um compêndio, julgaria e promoveria a reconstrução de tudo o que havia na
Terra, era um “...enviado de Deus, um Cristo, quem sabe, mas antes de tudo um maestro
empenhado em dirigir a reconstrução do mundo. Um universo de miniaturas, uma espécie de
reedição da existência na terra, conforme seus sentidos. Uma missão”17. Em um de seus
mantos descreverá lógicas internas a esta história, seria ele o soldado “de uma tropa
imaculada, reconhecido pelos frades no Mosteiro, ele teria sido enviado para o hospício. De lá
julgaria vivos e mortos e regeria o próprio reino”18.
Bispo aqui está em função muito semelhante à do Parvo em Gil Vicente, auxilia os
julgamentos sendo uma segunda voz do que é da ordem divida: Deus ou, na nossa
comparação, o próprio autor que não deixa de ser o criador/Criador, de qualquer forma.
Durante esta pesquisa pude me deparar com uma descrição curiosa de uma barco
processional, no Espírito Santo, registrada pelo Padre Fernão Cardim, narrando a festa de
Santa Úrsula e das Onze Mil Virgens na cidade do Salvador, a 21 de outubro de 1584.
Informa Fernão Cardim:
Saiu na procissão uma nau a vela, por terra, mui formosa, toda embandeirada, cheia de
estandartes, e dentro dela iam as Onze Mil Virgens ricamente vestidas, celebrando seu triunfo.
De algumas janelas falaram a cidade, colégio, e uns anjos todos mui ricamente vestidos. Da
nau se dispararam alguns tiros de arcabuzes, e o dia dantes houve danças e outras invenções
devotas e curiosas. À tarde se celebrou o martírio dentro da mesma nau, desceu uma nuvem
dos Céus, e os mesmos anjos lhe fizeram um devoto enterramento; a obra foi devota e alegre,
concorreu toda a cidade por haver jubileu e pregação.19
Esta descrição concatena diversas características da produção de Bispo que, em Sergipe,
nasceu no município de Japaratuba: as virgens, as estandartes, a nau, os anjos, pregação. A
particularidades destas Naus processionais é que, para serem transportadas pela cidade, eram
construídas sobre rodas; da mesma forma estas rodas estão presentes nos barcos que Bispo
constrói.
Também como Caronte, Bispo possui todos os dotes para ser um guia, aquele que conduz ao
farol como representado nas tumbas dos cemitérios romanos, ele “...havia prestado serviços à
Marinha, dos 15 aos 23 anos, na função de sinaleiro”20. Está presente neste contexto também
a possibilidade da loucura como aquela que transcende a perspectiva da morte, numa presença
mais constante e paralela ao curso da vida, potencializando a possibilidade de desprendimento
da realidade como um veículo que leva a outro mundo ou a outra ordem.

16
HIDALGO,1996:27
17
HIDALGO,1996:26
18
HIDALGO,1996:18
19
GÂNDAVO, 1980
20
HIDALGO,1996:22
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Frente à obra de Guimarães Rosa, Bispo é também o que habita a terceira
margem/manicômio/barca; nela pode construir sua diferença e singularidade aparentemente
excluído, mas igualmente contrapondo-se de forma pertinente sua obra e a repercussão desta
no Mundo é testemunho disto ao culto da racionalidade e a padrões preestabelecidos de ser.
Finalmente frente à Nau dos Loucos, de Brant, é ele próprio, Bispo, tido como um típico
integrante, diagnosticado e de fato apresentando um pensamento com encadeamentos
singulares. Neste espaço moralizador confundem-se as intenções e purezas, o correto e o
errado, sempre a ser proferido culturalmente, e sempre simplificadores do complexo e rico
funcionamento de todos nós humanos; sinaleiros, marinheiros, desviantes, sempre na
suspensão entre vida e morte, habitantes de diversas margens, internos, navegantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LIVROS

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(Doutorado), Universidade de São Paulo, 2005.
DIAS, Paula Barros. Arte, Loucura e Ciência no Brasil: As Origens do Museu de Imagens do
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FERNANDES, Regina Paulista. Para além das grades e regras sociabilidade e loucura: uma
análise no Manicômio Judiciário do Paraná. (Mestrado). Universidade Federal do
Paraná/ Sociologia. Paraná, 2000.
GONÇALVES, Tatiana Fecchio da Cunha. A Legitimação de Trabalhos Plásticos de
Pacientes Psiquiátricos: eixo Rio-São Paulo (Mestrado), Universidade Estadual de
Campinas, 2004.
SILVA, Thomas Josué. Caminhos de expressão: criação, loucura e transcendências (Atelier
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ARTIGOS NA WEB

* LA BARCA, SIMBOLO DA VIDA: Simbolismo; revista Esfinge núm 47 - Junio 2004


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* AUTO DA BARCA DO INFERNO 26/11/06 às 17:51 arquivado sob Sérgio A. M. Filho.
Disponível em http://literatura.interativo.org/livros/2006/11/auto-da-barca-do-inferno
Acessado em Maio de 2007.

CATÁLOGOS

MOSTRA DO REDESCOBRIMENTO BRASIL 500 ANOS Imagens do Inconsciente.


Nelson Aguilar (curador geral). Mostra do Redescobrimento Brasil 500 Anos, Fundação
Bienal São Paulo. Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais. São Paulo: 2000.

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APÊNDICE – 04 A Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001

Também conhecida como Lei Paulo Delgado e como Lei da Reforma Psiquiátrica instituiu
um novo modelo de tratamento aos transtornos mentais no Brasil.
Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata
esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor,
sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família,
recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno,
ou qualquer outra.
Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares
ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no
parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único - São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas
necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua
saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na
comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou
não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu
tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
Art. 3º É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a
assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com
a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em
estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que
ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.
Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos
extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente
em seu meio.

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§ 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer
assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços
médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em
instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos
mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no
parágrafo único do art. 2º.
Art. 5º O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de
grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de
suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação
psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e
supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade
do tratamento, quando necessário.
Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico
circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único - São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a
pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
Art. 7º A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve
assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de
tratamento.
Parágrafo único - O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do
paciente ou por determinação do médico assistente.
Art. 8º A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico
devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se
localize o estabelecimento.
§ 1º A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser
comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do
estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado
quando da respectiva alta.
§ 2º O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou
responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo
tratamento.
Art. 9º A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo
juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento,
quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.
Art. 10. Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento serão
comunicados pela direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares, ou ao
representante legal do paciente, bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo
máximo de vinte e quatro horas da data da ocorrência.
Art. 11. Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão ser
realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu representante legal, e

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sem a devida comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao Conselho
Nacional de Saúde.
Art. 12. O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará comissão nacional
para acompanhar a implementação desta Lei.
Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 6 de abril de 2001; 180º da Independência e 113º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, Jose Gregori, José Serra e Roberto Brant

APÊNDICE – 05 Comentários Sobre A Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001

COMENTÁRIOS SOBRE A LEI A Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001


Perspectivas para as pessoas portadoras de Transtornos Mentais: a questão ética, as
alternativas, os desafios, as propostas existentes e a transformação cultural.

Finalmente, no dia 06 de abril de 2001, após 12 anos de muitas lutas e esperança, foi
aprovado o Projeto de Lei 3.657/89 (PL), de autoria do Deputado Paulo Delgado, apesar das
muitas alterações fundamentais que sofreu o texto original. Depois de idas e vindas, debates
parlamentares e na mídia, nas instituições e nas entidades e conferências de saúde, o texto
substitutivo do PL foi finalmente aprovado na Câmara dos Deputados em 27 de março, para
ser sancionado logo após pelo Presidente da República, quando tornou-se a Lei 10.216/2001.
Embora não seja meu intuito fazer aqui uma retrospectiva da trajetória da luta pela aprovação
do PL, é importante assinalar o seu surgimento pois o mesmo tem muita importância para o
tema deste meu relatório. O PL 3.657/89 foi apresentado pelo Deputado Paulo Delgado em 12
de setembro de 1989 e, em 14 de dezembro do ano seguinte, foi aprovado pela Câmara dos
Deputados. Parecia que, em pouco tempo, o projeto seria transformado em lei e seria a base
de uma ampla e radical transformação do sistema assistencial psiquiátrico brasileiro. O clima
era, portanto, de grande otimismo e, também favorável.
Por que favorável? Naquele mesmo ano de 1989 teve lugar uma das mais importantes
condições de possibilidade histórica para a transformação do modelo psiquiátrico em nosso
país. Desde o final da década de 70 (do século passado) que o modelo psiquiátrico brasileiro
era duramente criticado, assim como era objeto de inúmeras tentativas de mudanças. Mas,
estas eram tímidas e infrutíferas. Faltavam algumas outra condições históricas que pudessem
favorecer a conjuntura.
Naqueles idos de 70, auge da violenta Ditadura Militar, o sistema psiquiátrico era
absolutamente centrado no modelo asilar, isto é, no modelo manicomial, que acredita (ainda
hoje) que os portadores de transtorno mental devem ser isolados de suas famílias e
comunidade e tratados em regime institucional fechado. Existiam mais de 100 mil pessoas
internadas em manicômios (mani = loucos [maníacos]; cômios = casas). O modelo
psiquiátrico, para complicar ainda mais as coisas, era predominantemente "privatizado".
Coloquei o termo privatizado propositadamente entre aspas pois tratava-se (e ainda se trata)
de um sistema de privatização muito singular, existente somente no Brasil. O poder público,
ao invés de criar uma rede própria de serviços e ações de saúde, comprava serviços de
terceiros para prestar assistência à população. Em um sistema altamente corrompido como foi
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o período da Ditadura Militar, e fortemente centralizado e autocrático (com perda das
liberdades democráticas, censura à imprensa, cerceamento das entidades da sociedade civil,
dentre outras características dos regimes totalitários), tornava-se muito difícil denunciar,
reivindicar e mudar tais condições.
Neste contexto absolutamente desfavorável as repercussões na vida das pessoas eram
dramáticas: internações prolongadas (de até anos de duração), abandono, desassistência,
mortes violentas ou misteriosas, fraudes, pacientes fantasmas, internações sem indicação
clínica, e muitas outras formas de fraudes e violações dos direitos humanos. Apesar das
denúncias pouco acontecia no cenário, até que no final dos anos 80, numa conjuntura já muito
diversa (com a democratização do país, com o advento do Sistema Único de Saúde - SUS, e
outras condições), algumas daquelas mortes ocorridas num manicômio privado na cidade de
Santos/SP, possibilitaram uma ação inédita do poder público municipal: a interdição no
manicômio com sua posterior desconstrução, com a conseqüente criação de uma rede
territorial de atenção em saúde mental, substitutiva ao modelo psiquiátrico tradicional, além
de uma série de outras iniciativas culturais e sociais, algo até então inexistente no Brasil.
A intervenção da Prefeitura de Santos na Clínica Anchieta (este era o nome do manicômio)
ocorrida em 03 de maio de 1989, deu origem à constituição dos Núcleos de Atenção
Psicossocial (NAPS), como protótipos dos novos serviços substitutivos ao modelo
manicomial: são serviços inspirados nos Centros de Saúde Mental criados por Franco
Basaglia em Trieste/Itália, com funcionamento ininterrupto (24 horas/dia-365 dias/ano),
responsáveis por todo e qualquer tipo de demanda psiquiátrico-psicológico de uma
determinada região geopolítico-cultural da cidade que, neste contexto, passa a ser denominada
de território. Em outras palavras, o território não é apenas uma região geográfica ou uma área
de planejamento ou administrativa, decorrentes da regionalização ou distritalização de uma
cidade; é o conjunto de saberes e práticas políticas, sociais e culturais, que atuam em um
determinado contexto histórico. Os NAPS, ao contrário das versões até então conhecidas
como "centro de saúde mental" na linha caplaniana, norte-americana, passam a exercer um
conjunto de ações que o caracterizam como estrutura complexa. Têm leitos de apoio para
acompanhamento de situações de crise; atendem à demandas em residências, em locais de
trabalho ou públicos; oferecem atendimento do tipo emergencial ou ambulatorial; respondem
à várias demandas de caráter social e não apenas, como tradicionalmente reconhecidas,
"terapêuticas". Dito de outra forma, os NAPS passaram a assumir o caráter complexo da
demanda dita psiquiátrica que é sempre menos uma demanda apenas clínica e mais uma
demanda social, onde a clínica é apenas uma das dimensões.
Por outro lado, no lastro ainda da desmontagem do modelo psiquiátrico tradicional várias
outras estratégias (poderíamos dizer não técnico-assistenciais) foram colocadas em prática.
Como exemplos, o Projeto Tam-Tam, o Centro de Valorização da Criança ou as Cooperativas
Sociais. O Projeto Tam-Tam envolveu um conjunto de iniciativas culturais que buscavam
aproximar o território para as questões do campo. Esta aproximação se deu tanto no
envolvimento de voluntários do próprio território, quanto na natureza das atividades:
programa de rádio, produção de vídeos, artes plásticas e dramáticas, etc. O Centro de
Valorização da Criança permitia reconstruir a noção de prevenção em psiquiatria e saúde
mental, a partir de uma abordagem não apenas médica (controle preventivo de doenças
evitáveis, vigilância sanitária e epidemiológica), mas de uma política social para o

Profº Graciliano Martins Página 57


desenvolvimento da criança, com atividade de inscrição e valorização da criança no contexto
da municipalidade. As Cooperativas Sociais, também inspiradas na experiência italiana, foram
constituídas com o objetivo, não mais "terapêutico", isto é, rompendo com a tradição da
terapia ocupacional nos moldes propostos por Simon e Sivadon, mas de construção efetiva de
autonomias e possibilidades sociais e subjetivas. Por um lado, o trabalho nas Cooperativas
surgia como construção real de oferta de trabalho para pessoas com transtorno mental, para as
quais o mercado não facilita oportunidades. Por outro, surgia ainda como espaço de
construção de possibilidades subjetivas e objetivas, de validação e reprodução social dos
sujeitos envolvidos em seus projetos. Foi neste contexto e no campo criado pela experiência
inovadora de Santos que foi possível e necessária a apresentação do PL 3.657/89. O texto
original do PL que dispunha "sobre a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição
por outros recursos assistenciais", assim como regulamentava a internação psiquiátrica
compulsória, tinha implícito mais que uma transformação do modelo assistencial psiquiátrico:
tinha em seu bojo uma transformação sociocultural nas formas de lidar com a loucura e o
transtorno mental.
Mas, a aprovação e sanção fáceis do projeto não ocorreu. O empresariado ligado aos
manicômios privados iniciaram um forte processo de resistência à sua aprovação,
considerando que o mesmo - e estavam corretos - contrariava seus interesses lucrativos. Tais
empresários fizeram várias ameaças, tais como a de dar altas à pacientes internados a longos
anos, a de que as pessoas seriam desassistidas, de que a criminalidade praticada pelos doentes
mentais e contra os mesmos iria aumentar visivelmente, etc. Muitos familiares, pressionados
ou enganados por tais ameaças, aderiram à resistência social ao projeto.
Em parte, o resultado foi positivo, na medida em que o debate acirrado terminou por ampliar a
sua repercussão no meio social, com grande adesão da mídia e de muitos movimentos sociais
organizados. Ao longo destes anos de luta pela aprovação do PL foram criadas muitas
associações de usuários de serviços de saúde mental, assim como de familiares, voluntários e
técnicos. Foram criados muitos novos serviços e experiências as mais diversas possíveis.
Enfim, na prática, enquanto o PL não se tornava lei, a realidade ia sendo mudada pelos
próprios portadores de transtorno mental, assim como pelos técnicos, familiares, voluntários,
organizados em um amplo movimento de transformação das relações entre sociedade e
loucura. Neste período foram extintos mais de 20 mil leitos psiquiátricos no Brasil, ao mesmo
tempo em que foram criados cerca de 250 serviços de atenção psicossocial e mais de mil
leitos psiquiátricos em hospitais gerais.
Como toda a lei aprovada no Congresso Nacional, a Lei 10.216/01 não permaneceu
absolutamente fiel ao texto original. As leis, ao passarem pela discussão no Congresso, são
submetidas, obviamente, às pressões dos vários atores sociais interessados no tema. Assim foi
que o PL sofreu algumas alterações fundamentais. A principal delas foi a perda da proposta de
extinção dos manicômios, tal como constava do caput do texto original. Mas, por outro lado,
sua aprovação com a consequente revogação da lei então em vigor ( Lei n0 24.559, de 3 de
julho de 1934).
Sancionada a Lei há um ano, cumpre agora algumas observações:
1- Cumpre agora não permitir que a Lei 10.216 seja esquecida na gaveta como muitas outras
neste país. É preciso lutarmos e trabalharmos para que a lei seja efetivamente colocada na
prática. Isto significa dizer:

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1.1 Em primeiro lugar que a Lei deve ser regulamentada, pois após um ano de sua sansão o
mesmo ainda não ocorreu, principalmente no que diz respeito a certos conceitos polêmicos,
como por exemplo instituições com características asilares, dentre outros.
1.2 Prosseguir com a política de extinção dos manicômios, pois, apesar da lei não legislar
especificamente sobre a extinção, estimula e propicia a criação de serviços extra-hospitalares
e determina que a internação, em qualquer de suas modalidades, só deverá indicada quando os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
1.3 Prosseguir com a implantação e qualificação dos serviços de atenção psicossocial,
exigindo do poder público que garanta esta política conforme determinado pelo artigo da Lei,
quando afirma que é responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde
mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais,
com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento
de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em
saúde aos portadores de transtornos mentais. Na III Conferência Nacional de Saúde Mental,
realizada em dezembro último, a diretriz da reorientação do modelo assistencial, no sentido da
extinção das estruturas manicomiais e sua substituição por serviços de base territorial, foi
amplamente consensual entre todos os seguimentos e atores sociais presentes, e deve ser um
aspecto que a sociedade deve exigir o cumprimento por parte do Estado.
2. Um ponto certamente polêmico da lei diz respeito à regulamentação das internações. É
preciso regulamentar os três tipos de internação previstos (voluntária, involuntária,
compulsória).
2.1- Quantas internações se tornam "voluntárias" por coação ou fraude? Como o poder
público ou o controle social verifica se a internação é efetivamente voluntária? Se termo de
consentimento devidamente assinado? Se o termo foi assinado de livre e espontânea vontade,
com informação suficiente sobre a situação? Quando o interno voluntário em uma instituição
decide que seu tratamento deve ser suspenso, quem garante o seu direito à alta? A lei
determina que o término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente
ou por determinação do médico assistente, mas quem pode garantir este procedimento e este
direito e como podemos
2.2 - Quando ocorrem as internações involuntárias, como as mesmas são e devem ser
comunicadas ao Ministério Público Estadual? O que devemos esperar e exigir do Ministério
Público Estadual no sentido de fiscalizar as condições em que ocorreram a internação
involuntária e as condições posteriores de institucionalização?
3- Outros aspectos a serem considerados no aperfeiçoamento do sistema
3.1 - É preciso ter claro, como já nos atentava Basaglia por ocasião da avaliação de um ano da
Lei 180, que a aprovação da Lei nos traz mais problemas do que soluções, nos abre mais
contradições do que decisões. Por isso é importante não abandonar a luta mais
especificamente política pelo desdobramento do processo de reforma psiquiátrica: não
devemos voltar para casa e deixar que o Estado faça as coisas e implante a lei. Não devemos
considerar que: "agora que a Reforma Psiquiátrica se tornou lei, podemos relaxar que o
governo vai fazer com que a mesma seja cumprida".
3.2 - É preciso dar continuidade ao processo de extinção dos manicômios, com uma agenda
clara e pública de desmontagem do parque manicomial, com datas precisas e com um
acompanhamento também público e transparente de reconversão dos recursos antes

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destinados aos manicômios e agora, aos serviços de base territorial. O Estado neo-liberal -
desculpem-me mas não posso deixar de fazer referência a esta opção política do regime
político ora em vigor - pode estar pensando em reforma psiquiátrica como estratégica de
otimização de recursos, minimização do Estado, privatização das responsabilidades do
Estado. Por tal motivo, é fundamental que o movimento social posa acompanhar
rigorosamente o processo de desativação da estrutura manicomial, garantindo que os recursos
sejam efetivamente re-alocados na estrutura de base territorial.
3.3 - É preciso resolver a questão dos internos submetidos à institucionalização prolongada,
com a rápida aplicação do previsto nas portarias 106 e 1.220, que determinam a criação de
programas de residencialidade para esta população, assim como devem ser revistas tais
portarias no sentido de ampliação de tais projetos aos portadores de transtorno mental sem
outra opção de residência, mesmo que não tenham sido submetidos à institucionalização
prolongada.
3.4 - Existe um perigoso processo de medicalização social, muito particularmente a partir do
advento do conceito de doença (síndrome) do pânico, e da reformulação organicista da
depressão, assim como de outras síndromes e sintomas, que têm propiciado uma noção de
que, sendo a doença um defeito orgânico, não existem sujeitos, não existem atores e
protagonistas sociais, ocasionando um movimento no sentido da despolitização seja da clínica
(e os profissionais de saúde mental têm muita responsabilidade neste aspecto), seja da
militância social, no sentido da participação e do controle social do sistema.
3.5 - Existe um risco iminente de que ocorra uma transinstitucionalização e da
institucionalização no campo do álcool e outras drogas do tipo Modelo Minesotta e clínicas
religiosas e espirituais.
3.6 - É importante garantir o acesso de todas as pessoas que necessitarem aos novos serviços e
recursos terapêuticos e sociais;
3.7 - O fato de que os novos dispositivos assistenciais e sociais não sejam situados em
estruturas manicomiais não é o bastante; é necessário que os mesmos sejam avaliados
efetivamente por sistemas de avaliação independentes e autônomos.
3.8 - A constituição da rede de atenção psicossocial deve ser pública, e não privada, nem
terceirizada como vem ocorrendo com entidades ou associações que se dizem ONG's como
ocorre no Rio de Janeiro. Da mesma forma, a política de pessoal deve ser também pública e
não privada nem terceirizada.

Prof. Paulo Duarte de Carvalho Amarante

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APÊNDICE – 06 O HOSPÍCIO NÃO É DEUS

ARTIGOS

© 2004-2005 Revista Viver Mente&Cérebro.


Edição Nº 0 - setembro de 2004

Por Moacyr Scliar

O Hospício não é Deus

Apolo era um deus que se poderia chamar de polivalente. Associado com a literatura e as artes
era também invocado por aqueles que buscavam a cura de uma doença. Significativa
coincidência, esta: existe, sim, relação entre medicina e literatura. Em ambos os casos, a
palavra desempenha um papel fundamental.
Na psicoterapia a palavra desempenha um papel fundamental, como instrumento de ajuda
psicológica. Na literatura, a palavra, matéria-prima para a criação estética, ajuda a explicar a
complexa relação entre seres humanos, incluindo a relação médico-paciente. Doença e
medicina são temas preferenciais de grandes escritores, sobretudo a doença mental, como em
Cervantes, Nicolai Gogol, Virginia Woolf e Sylvia Plath, entre outros. No Brasil, Machado de
Assis.
São numerosas as referência a problemas mentais na obra machadiana, grande parte dela
escrita com "as tintas da melancolia" para usar uma expressão do próprio Machado, que
aborda o tema da loucura de maneira mais específica em O Alienista, de 1881. Este conto
longo (ou novela curta) tem como cenário a modorrenta cidadezinha de Itaguaí, em "tempos
remotos", difíceis de identificar.
O que provavelmente é proposital; o fim do século 19 viu a ascensão dos alienistas, médicos
que tomavam conta dos "alienados". À época não havia qualquer tratamento eficaz para a
doença mental; os alienistas limitavam-se a classificar o distúrbio do paciente, e indicavam a
internação daqueles considerados perigosos. Este período marcou o auge da instituição asilar -
o hospício. O poder dos alienistas era muito grande e Machado certamente não queria brigar
com eles; daí a opção pela referência vaga.
A Itaguaí chega um alienista, o Dr. Simão Bacamarte (o sobrenome é sugestivo), que funda
um estabelecimento para alienados. É a Casa Verde, que logo começa a receber hóspedes. A
exemplo de outros alienistas, Bacamarte dedica-se a rotular os pacientes conforme as doenças
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de que são portadores. Mas seu objetivo é descobrir a causa última da enfermidade mental e o
"remédio universal" para ela. Difícil empreendimento; o alienista constata que o problema da
loucura é muito maior do que pensava: "A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora
uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente".
De qualquer modo a insânia deve ser combatida: o menor desvio da suposta normalidade é
pretexto para uma internação. O alienista detém agora o poder, o que gera uma revolta
popular. Bacamarte não se abala: questionado pelos rebeldes, replica, altivo: "Não dou razão
dos meus atos de alienista a ninguém, salvo aos mestres e a Deus". Intimidados, os chefes da
rebelião vacilam - e aí uma força enviada pelo vice-rei acaba com a revolta.
O poder do alienista chega ao máximo: interna dezenas de pessoas, inclusive a própria esposa.
Mas um perturbador raciocínio acaba por lhe ocorrer: se a loucura é tão disseminada o
hospício deveria ser reservado não para os enfermos, mas para os sãos - no caso, ele próprio.
Tranca-se na Casa Verde, agora vazia, entregando-se ao "estudo e à cura de si mesmo", vindo
enfim a morrer.
O Alienista não discute apenas a doença mental. Machado está nos falando do poder, da
arbitrariedade. É o poder que resulta de um suposto conhecimento. Mas este conhecimento,
exatamente porque suposto, não dá ao dr. Bacamarte qualquer segurança. Ao contrário, seu
estado de espírito oscila entre a onipotência e a impotência, a euforia e o desânimo. Como ele,
a psiquiatria à época estava doente.
Esta situação viria a se alterar nas décadas seguintes. Em 1900 Freud publica A Interpretação
dos Sonhos, mostrando o papel do inconsciente na gênese dos problemas emocionais.
Revolução conceitual, sucedida por uma revolução farmacológica: em meados do século 20
eram introduzidas drogas para tratar psicoses, depressão, ansiedade. O resultado foi um
esvaziamento dos hospícios. A internação hoje obedece a indicações bem definidas e é,
freqüentemente, transitória. O Hospício é Deus, foi o título que Maura Lopes Cançado deu a
um livro de 1965. Não, o hospício não é Deus, como descobriu, para seu desgosto, o Dr.
Bacamarte. O tratamento da doença mental foi desmistificado, e com isto os alienistas
perderam um poder que, de fato, nunca tiveram. O que foi bom para os pacientes e bom para
eles também.

© 2004-2005 Revista Viver Mente&Cérebro.

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APÊNDICE – 07 A LUTA ANTIMANICOMIAL NO BRASIL

OS DESAFIOS DA LUTA ANTIMANICOMIAL NO BRASIL


10 de janeiro de 2008

O Movimento de Luta Nacional Antimanicomial


completou 20 anos em 2007. Apesar dos avanços
conseguidos pelos militantes da causa, como a aprovação
da Lei de Reforma Psiquiátrica em 2001 – que prioriza os
Centros de Tratamentos Substitutivos no lugar do
manicômicos, a política e os métodos utilizados no
tratamento da saúde mental dos brasileiros ainda têm
muito o que evoluir.

(6´09´´ / 1,41 Mb) - Austregésilo Carrano Bueno é autor do livro “O Canto dos Malditos”
e o personagem interpretado pelo autor Rodrigo Santoro no filme “Bicho de Sete Cabeças” –
cujo roteiro foi inspirado na própria obra de Austregésilo.

Ouça a entrevista
http://www.radioagencianp.com.br/images/stories/notplan/mp3/2008/janeiro/030108lutantimanicomial
.mp3

Carrano ficou três anos e meio internado e nesse período passou por quatro instituições
psiquiátricas. Os traumas pelos quais Carrano foram contados no livro como uma forma de
terapia para o autor.

Em entrevista à Radioagência NP, Austregésilo Carrano fala sobre os absurdos ainda


recorrentes dentro das instituições psiquiátricas e sobre o forte lobby que o setor exerce sobre
a área da saúde mental brasileira.

Radioagência NP: Como se deu o seu envolvimento com a literatura?

Austregésilo Carrano Bueno: Eu comecei a escrever o livro “O Canto dos Malditos” em 1986.
Foram quatro anos para eu conseguir editar esse livro porque ali eu citava nome de médicos e
hospitais, e mostrava todo o terror que era o tratamento dado. Todo mundo era sedado em
massa, através dos verdadeiros coquetéis químicos, que nós pacientes somos obrigados a
tomar. E isso acontece até hoje. O número de pessoas que são recuperadas dentro dessas
instituições psiquiátricas é zero por cento. Tanto que a pessoa sai lá de dentro com mais

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traumas e mais seqüelas, do que quando entrou. Tudo isso aconteceu comigo, eu tinha que
desabafar isso de alguma maneira e a literatura foi a linha que eu escolhi.

RNP: Você mostra no livro que as pessoas que são internadas nesses locais não possuem
necessariamente um distúrbio que justifique sua internação. Fale sobre isso.

ACB: Sim. Internam pessoas até para comer lá dentro. Se um garoto está aí fora roubando
toca fita, pegam e internam lá dentro. Então virou um depósito de problemas. Você vê
mulheres em crise pós-parto enfim, uma mistura de pessoas que de repente, apenas um papo
ou uma visita a um psicólogo resolveria a situação. Não é isso que se vê. Fazem aquele Bicho
de Sete Cabeças e internam nessas instituições. O Ministério da Saúde tem uma equipe que
fez uma avaliação no Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, e no Tonheiras que é outro hospício
também, e se chegou à conclusão que 94% das pessoas que estão internadas nessas
instituições poderiam ser tratadas aqui fora.

RNP: Como se pode lutar contra esse total descompasso entre a teoria do que se imagina
como ideal para esses hospitais e a prática terapêutica que realmente acontece lá dentro?

ACB: Através do Movimento Nacional da Luta Anti-Manicomial, esse descaso tem sido esse
descaso tem sido menor. Mas a gente enfrenta o Lobby da psiquiatria que é muito forte. Eles
são donos dos hospitais psiquiátricos. A psiquiatria já foi primeira despesa do SUS [Sistema
Único de Saúde]. Hoje é a terceira maior despesa do SUS, consumindo mais de R$ 700
milhões por ano. É um bolo grande. Então há muitos interesses que envolvem a psiquiatria no
país. Então a gente luta contra essa máfia, contra esses empresários da loucura que são os
donos e filiados a essas instituições psiquiátricas.

RNP: Pode-se falar em desvios de verbas por parte desses empresários?

ACB: Olha, tudo o que é fechado, tudo que é feito entre quatro paredes, você não sabe o que
realmente acontece lá dentro. Então hoje, agora, sê você quiser ir visitar uma pessoa dentro de
um hospital psiquiátrico, você não consegue. Você tem que ir nos dias de visita, programados
pela direção da instituição. No restante do tempo, você não sabe o que acontece lá dentro.
Então o desvio de verbas para alimentação e para uma série de coisas dentro do hospital é
visível a olho nu. Basta você ver essas pessoas lá urinadas, defecadas ou com trapos
pendurados. Então a psiquiatria, se ela proíbe é porque ela tem algo a esconder, que é esse
caos todo.

RNP: Fale sobre os avanços da luta antimanicomial?

ACB: Depois de 13 anos de luta no congresso, nós conseguimos fazer do Projeto de Lei, a Lei
de Reforma Psiquiátrica que prioriza a construção de uma rede de trabalhos substitutivos que
são os CAPS´s os Centros de Convivência, os Lares Abrigados, mas é pouco ainda porque
90% da verba destinada para a saúde mental ainda vai para os donos de hospitais
psiquiátricos.
De São Paulo, da Radioagência NP, Juliano Domingues.

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Disponível em:
http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4447&Itemid=2

APÊNDICE – 08 HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA BRASILEIRA

A Reforma Psiquiátrica Brasileira e a Luta Antimanicomial


Tratar da reforma psiquiátrica brasileira requer abordar a história da psiquiatria no
Brasil, bem como a sua concepção acerca da loucura

Autora
Salete Monteiro Amador
É psicóloga, graduada pela PUC-SP e aprimorada em Saúde Coletiva pelo Instituto de
Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Atualmente trabalha no CAPS
Guaianases, serviço da Secretaria de Saúde da Prefeitura de São Paulo.
salete_psi@yahoo.com.br

"A história da nossa psiquiatria é a história de um processo de asilamento; é a história de um


processo de medicalização social". (Amarante, 1994:74)
Origem da Psiquiatria no Brasil
A psiquiatria surge, com a chegada da Família Real ao Brasil, com o objetivo de colocar
ordem na urbanização, disciplinando a sociedade e sendo, dessa forma, compatível ao
desenvolvimento mercantil e as novas políticas do século XIX.
É a partir do embasamento nos conceitos da psiquiatria européia, como degenerescência
moral, organicidade e hereditariedade do fenômeno mental, que a psiquiatria brasileira
intervém no comportamento considerado como desviante e inadequado às necessidades do
acúmulo de capital, isolando-o e tratando-o no hospital psiquiátrico.
“O saber e o poder médicos, artificialmente, criam uma legitimidade de intervenção da classe
dominante sobre os despossuídos através da nova especialidade - a psiquiatria - da nova
instituição (...) o Hospital Psiquiátrico. O objeto dessa intervenção (...) o sofrimento mental - é
reduzido, através de um artifício conceitual, a categoria de "doença mental", subtraindo-se
toda a complexidade de fenômenos diversos, singulares e compreensíveis no contexto da
existência humana” (Feffermann et al, 200: 4)
O Manicômio, dentre outros dispositivos disciplinares igualmente complexos, atravessou
séculos até os nossos dias, conformando uma sociedade disciplinar com dispositivos
disciplinares complementares num processo de legitimação da exclusão e de supremacia da
razão.
Os primeiros movimentos questionadores
Frente a essa realidade surgem alguns movimentos(1) que questionam essa ordem das coisas,
procurando romper com a tradição manicomial brasileira, principalmente com o fim da
Segunda Guerra Mundial. Todas essas experiências são locais, referidas a um ou outro serviço

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ou grupo e estão à margem das propostas e dos investimentos públicos efetivos. Há forte
oposição exercida pelo setor privado que se expande e passa a controlar o aparelho de Estado
também no campo da saúde.
Na década de 60, com a unificação dos institutos de pensões e de aposentadoria, é criado o
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). O Estado passa a comprar serviços
psiquiátricos do setor privado e concilia pressões sociais com o interesse de lucro por parte
dos empresários. Dessa forma, cria-se uma “indústria para o enfrentamento da loucura”
(Amarante, 1995:13).
Mesmo diante dessa realidade os movimentos questionadores crescem e têm como principal
inspiração a experiência de Trieste, na Itália, liderada por Franco Basaglia.
A experiência de Franco Basaglia em Trieste e a repercussão no Brasil
Basaglia, em 1971, fecha os manicômios, acabando com a violência dos tratamentos e põe fim
no aparelho da instituição psiquiátrica tradicional. Basaglia demonstra que é possível a
constituição de uma nova forma de organização da atenção que ofereça e produza cuidados,
ao mesmo tempo que produza novas formas de sociabilidade e de subjetividade para aqueles
que necessitam da assistência psiquiátrica.
Em 13 de maio de 1978 foi instituída a Lei 180, de autoria de Basaglia, e incorporada à lei
italiana da Reforma Sanitária, que não só proíbe a recuperação dos velhos manicômios e a
construção de novos, como também reorganiza os recursos para a rede de cuidados
psiquiátricos, restitui a cidadania e os direitos sociais aos doentes e garante o direito ao
tratamento psiquiátrico qualificado.
Esse grande passo dado pela Itália influenciou o Brasil, fazendo ressurgir diversas discussões
que tratavam da desinstitucionalização do portador de sofrimento mental, da humanização do
tratamento a essas pessoas, com o objetivo de promover a reinserção social.
Na década de 70 são registradas várias denúncias quanto à política brasileira de saúde mental
em relação à política privatizante da assistência psiquiátrica por parte da previdência social,
quanto às condições (públicas e privadas) de atendimento psiquiátrico à população.
No Rio de Janeiro, em 1978, eclode o movimento dos trabalhadores da Divisão Nacional de
Saúde Mental (DINSAM), que faz denúncias sobre as condições de quatro hospitais
psiquiátricos da DINSAM e coloca em xeque a política psiquiátrica exercida no país.
O Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental
É nesse contexto, no fim da década de 70, que surge a questão da reforma psiquiátrica no
Brasil. Pequenos núcleos estaduais, principalmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e
Minas Gerais constituem o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). A
questão psiquiátrica é colocada em pauta:
“... tais movimentos fazem ver à sociedade como os loucos representam a radicalidade da
opressão e da violência imposta pelo estado autoritário”. (Rotelli et al, 1992: 48)
A violência das instituições psiquiátricas, dessa forma, é entendida como parte de uma
violência maior, cometida contra trabalhadores, presos políticos e, portanto, contra todos os
cidadãos.
A relação entre a Reforma Sanitária e a Reforma Psiquiátrica
O movimento de reforma sanitária tem influência constitutiva no movimento de reforma
psiquiátrica. Nos primeiros anos da década de 80 os dois movimentos se unem, ocupando os

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espaços públicos de poder e de tomada de decisão como forma de introduzir mudanças no
sistema de saúde.
“A Proposta da Reforma Sanitária Brasileira representa, por um lado, a indignação contra as
precárias condições de saúde, o descaso acumulado, a mercantilização do setor, a
incompetência e o atraso e, por outro lado, a possibilidade da existência de uma viabilidade
técnica e uma possibilidade política de enfrentar o problema”. (Arouca, 1988:2)
Em 1986, a 8 ª Conferência Nacional de Saúde, foi um marco para a realização desse
processo, na qual o movimento “... assumiu definitivamente a bandeira da descentralização,
pleiteando a criação de um sistema único de saúde universal, igualitário, participativo,
descentralizado e integral”. (Conferência Nacional de Saúde, 1987 apud Paim, 1998:9)
A partir daí foram tomadas várias iniciativas para o alcance desse objetivo como a
Constituição Federal Brasileira, promulgada, em 5 de outubro de 1988. Esta possui uma seção
exclusiva para a questão da saúde (Art.196 a Art. 200) na qual consolida-se a universalização
da assistência, a integralidade da atenção à saúde - realizada por ações de promoção,
prevenção, cura e reabilitação -, o reconhecimento do direito e necessidade da participação da
comunidade na gestão do sistema - através do Conselho de Saúde -, a hierarquização, a
equidade e a descentralização do sistema - com comando único em esfera de governo.
Um modelo de atenção coerente com as diretrizes da Constituição pressupõe o fortalecimento
do poder público, capacitando-o a implementar políticas de impacto articuladas e integradas
nas diversas áreas, buscando melhoria na qualidade de vida. A saúde, dessa forma, passa a ser
entendida de forma ampla, determinada socialmente e, portanto, como sendo fruto de políticas
de governo que promovam condições adequadas de vida ao conjunto da população.
Este modelo não é viável através de uma política de Estado mínimo, mas da descentralização
e da configuração de um verdadeiro poder local de caráter público e, portanto, permeável ao
controle por parte da população.
Todos esses avanços foram originados pelo movimento de Reforma Sanitária. Ao mesmo
tempo que o movimento de reforma psiquiátrica se articula ao de Reforma Sanitária, ele
continua com suas atividades questionadoras e transformadoras.
O Movimento de Luta Antimanicomial
Na década de 80, ocorrem vários encontros(2), de preparação para a I Conferência Nacional
de Saúde Mental (I CNSM), que ocorreu em 1987 e recomenda a priorização de investimentos
nos serviços extra-hospitalares e multiprofissionais como oposição à tendência
hospitalocêntrica.
No final de 1987 realiza-se o II Congresso Nacional do MSTM em Bauru, no qual se
concretiza o Movimento de Luta Antimanicomial e é construído o lema ‘por uma sociedade
sem manicômios’. Nesse congresso amplia-se o sentido político-conceitual acerca do
antimanicomial.
“Enfim, a nova etapa (...) consolidada no Congresso de Bauru, repercutiu em muitos âmbitos:
no modelo assistencial, na ação cultural e na ação jurídico-política. No âmbito do modelo
assistencial, esta trajetória é marcada pelo surgimento de novas modalidades de atenção, que
passaram a representar uma alternativa real ao modelo psiquiátrico tradicional...”(Amarante,
1995:82)
Nesta trajetória é construído o Projeto de Lei 3.657/89 , conhecido como Lei Paulo Delgado,
que contém três pontos: detém a oferta de leitos manicomiais financiados com dinheiro

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público, redireciona os investimentos para outros dispositivos assistenciais não-manicomiais e
torna obrigatória a comunicação oficial de internações feitas contra a vontade do paciente
oferecendo: “(...) pela primeira vez um instrumento legal de defesa dos direitos civis dos
pacientes”.(Bezerra, 1992: 36)
Em 1990, a conferência ‘Reestruturación de la Atención Psiquiátrica en la Región’,
promovida pelas Organizações Panamericana e Mundial de Saúde (OPS/OMS), Caracas,
proclama a necessidade premente de reestruturação imediata da assistência psiquiátrica pela
adequação das legislações dos países de forma que “(...) assegurem o respeito dos direitos
humanos e civis dos pacientes mentais e promovam a reorganização dos serviços que
garantam o seu cumprimento”. (CRP, 1997: 26) Essa conferência tem como ponto principal
demarcar a crescente tendência internacional de superação dos velhos modelos de psiquiatria
e reforma psiquiátrica.
O Brasil é signatário dessa Conferência, comprometendo-se com seus objetivos.
Além da Conferência de Caracas, há um outro documento político adotado pela Organização
das Nações Unidas: “Princípios para a proteção de pessoas com problemas mentais e para a
melhoria das Assistência à Saúde Mental”, que visa assegurar os direitos da pessoa portadora
de sofrimento mental, tratando-a, dessa forma, como cidadã.
Os serviços de saúde mental substitutivos ao modelo manicomial
No campo da assistência, a Portaria nº 224, de 29 de janeiro de 1992 do Ministério da Saúde
estabelece as diretrizes para o atendimento nos serviços de saúde mental, normatizando vários
serviços substitutivos como: atendimento ambulatorial com serviços de saúde mental (unidade
básica, centro de saúde e ambulatório), Centros e Núcleos de atenção psicossocial
(CAPS/NAPS), Hospital-Dia (HD), Serviço de urgência psiquiátrica em hospital-geral, leito
psiquiátrico em hospital-geral, além de definir padrões mínimos para o atendimento nos
hospitais psiquiátricos, até que sejam totalmente superados.
A Portaria nº 106, de 11 de fevereiro de 2000(3), cria os Serviços Residenciais Terapêuticos
em saúde mental para pacientes de longa permanência em hospitais psiquiátricos.
Além desses serviços, existem os Centros de Convivência, as Cooperativas de Trabalho,
dentre e outros criados por municípios. Assim como os outros tipos de serviços substitutivos,
eles “... têm garantido a população dos municípios onde se localizam, um atendimento mais
humano, sem exclusão e com resolubilidade”. (CRP, 1997: 4)
Conclusão
Assim, os paradigmas da reforma psiquiátrica são sustentados por conferências, documentos e
portarias, que versam sobre a substituição progressiva do hospital psiquiátrico por uma rede
de atenção integral à saúde mental antimanicomial, sobre o desmonte do aparato jurídico-
institucional que legitima a instituição manicomial e o enfrentamento da cultura manicomial,
ressignificando a loucura.
É uma luta árdua que enfrenta grandes interesses lucrativos do setor privado e mudanças
culturais a cerca da tolerância frente às diferenças do humano, em suas diversas dimensões, e
de suas inúmeras relações.

 1. São experiências de reformas psiquiátricas como: comunidades terapêuticas,


psicoterapia institucional, psiquiatria de setor, psiquiatria preventiva e comunitária,
antipsiquiatria, psiquiatria democrática, dentre outras.

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 2. Como o I e II Encontro de Coordenadores de Saúde Mental da Região Sudeste e I
Encontro Estadual de Saúde Mental do Rio de Janeiro.
 3. Lei Federal 10.216, assinada dia 6 de abril de 2001.

Referência(s):

AMARANTE, P. D. de C., 1994. Psiquiatria social e reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro,


FIOCRUZ
AMARANTE, P. D. de C., (coordenador), 1995. Loucos pela vida: a trajetória da reforma
psiquiátrica na Brasil. Rio de Janeiro, FIOCRUZ.
AMARANTE, P. D. de C., 1996. O homem e a serpente: outras história para a loucura e a
psiquiatria. Rio de Janeiro, FIOCRUZ.
AROUCA, S. , 1988. A Reforma Sanitária Brasileira. Radis, FIOCRUZ, Tema 11, ano VI,
novembro.
BEZERRA, Benilton, 1992. Da verdade à solidariedade: a psicose e os psicóticos, Psiquiatria
sem hospícios - contribuições ao estudo da reforma psiquiátrica (Bezerra, B. et al org)
Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 41-55.
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA, 1997. Trancar não é tratar. Liberdade: o
melhor remédio. 18 de maio. Dia Nacional da Luta Antimanicomial, São Paulo, CRP/6 ª
região.
FEFFERMANN, M et al, 2000. Estudo do Perfil das Potencialidades dos Municípios do
Estado de São Paulo para o desenvolvimento e Implantação de Propostas Assistenciais
de Atenção em Saúde Mental na Perspectiva da reforma psiquiátrica. São Paulo, projeto
do Instituto de Saúde, (não publicado).
MORGADO, A. et al, 1994. Desinstitucionalização: suas bases e a experiência internacional.
Jornal brasileiro de psiquiatria, 43, 1, 19-28.
PAIM, J. S., 1998. Descentralização das ações e serviços de saúde no Brasil e a renovação da
proposta “saúde para todos”. Rio de Janeiro: UERJ/IMS (Série Estudos em Saúde
Coletiva n º 174).
ROTELLI, F. et al, 1992. Reformas Psiquiátricas na Itália e no Brasil: aspectos históricos e
metodológicos, Psiquiatria sem hospícios - contribuições ao estudo da reforma
psiquiátrica (Bezerra, B. et al orgs) Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 41-55.

“A maior prova de amor é cuidar de você


pensando nos seus filhos”.
Disponível em:
www.CaixaSeguros.com.br/Previdencia

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