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FDUCP- 2011/2015
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Inês Metello
Primeiras Aproximações
O Homem é um animal político e tem por isso uma necessidade inata de se agregar em
comunidades para garantir a sua subsistência e prossecução dos seus fins. No entanto,
a vida social só é possível porque os Homens acatam regras que visam instruir a
ordem, a paz, a segurança, a justiça e atenuar os conflitos de interesses que
inevitavelmente surgem nas relações sociais. É por isso indispensável a existência de
regras que imponham condutas aos membros da sociedade, com vista a evitar
conflitos ou minimizar as suas consequências e garantir a coexistência pacífica.
Se tal não acontecer e uma chamada sociedade viver fora da ordem jurídica, viver-se-ia
em despotismo ou em anarquia. No primeiro caso, toda a sociedade estaria
dependente da vontade de um só Homem – o déspota – cuja arbitrariedade se
sobreporia totalmente à ordem normativa. A anarquia, por outro lado, representa o
vazio do poder político ou do Direito.
A Ordem Social é uma ordem complexa, entrando na sua composição várias ordens
normativas que pautam aspectos distintos da vida do Homem em sociedade. Uma
ordem normativa exprime um dever-ser, pois ordena condutas e é imperativa, uma vez
que pretende em absoluta realizar-se. Apesar do Direito não se confundir com as
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outras ordens normativas, pode identificar-se com elas no que diz respeito ao
conteúdo que regula. Destacam-se as seguintes Ordens Normativas:
Ordem Moral
o Ordem da Consciência; visa o aperfeiçoamento do indivíduo, dirigindo-o
para o bem;
o Só reflexamente é que influencia a organização social.
o Caracteriza-se por um conjunto de imperativos impostos ao Homem
pela sua própria consciência ética, de tal como que o seu
incumprimento e sancionado pela reprovação que brota da sua própria
consciência;
o Aproxima-se do Direito:
O fundamento das normas jurídicas tende a ir de encontro à
moral;
É o Direito que, por vezes, confere relevância jurídica a
princípios de conteúdo moral (“bons costumes”).
o Distingue-se do Direito através da:
Coercibilidade: na Moral as sanções são puramente éticas
enquanto no Direito podem ser físicas, monetárias ou outras;
Exterioridade: Direito parte do lado externo para a conduta
humana e a Moral parte do lado interno; o Direito pretende
orientar a convivência social.
Ordem Religiosa
o Ordem da Fé; regula as relações que se estabelecem entre o crente e
Deus ou Deuses;
o O seu fundamento é a própria Divindade, considerada um ente superior
e perfeito;
o Ordem intra-individual que se vai repercutir igualmente na vida social,
visto o comportamento dos crentes ser condicionado pelos seus valores
religiosos;
o O não cumprimento das normas religiosas leva a sanções de carácter
extraterreno;
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Ordem Jurídica
o Ordem normativa, intersubjectiva e assistida de coercibilidade material;
o Visa regular a vida do Homem em sociedade, conciliando os interesses
de conflito;
Entre a Ordem Jurídica e as outras ordens normativas podem surgir diversos tipos de
relações. Entre o Direito e a Moral, por exemplo podem surgir relações de coincidência
ou de indiferença (muito preceitos jurídicos são indiferentes para a Moral), embora
também possam haver relações de conflito. A fronteira entre estas ordens é fugidia e
por isso segue uma lista dos critérios de distinção:
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Coercibilidade
o Assiste ao Direito e não à Moral
o Só vale negativamente: Onde houver uma ordem com coercibilidade,
não há uma ordem moral.
Bilateralidade
o Característica do Direito
o Insuficiente, pois nem toda a regra jurídica relaciona sujeitos (ex.: regras
meramente qualificativas).
Exterioridade
o Moral tem dimensão interna e o Direito uma dimensão externa
Critério Teleológico
o Moral tem em vista a realização da pessoa face o Bem, e o Direito visa o
desenvolvimento da pessoa através da sua adequada integração na
sociedade.
Contudo, as relações entre ordens vão mais além. Entre o Direito e a Religião pode
também haver uma relação de indiferença, coincidência ou conflito. Já em relação ao
Direito com a Ordem do Trato Social a relação pode ser de indiferença ou de conflito;
quando há uma chamada coincidência, não será tanto uma coincidência propriamente
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dita mas uma elevação à categoria de normas jurídicas usos que se desenvolveram na
prática e ganharam eficácia coercitiva.
A Ordem Jurídica é a mais relevante para o nosso estudo e vamos por isso dedicar-lhe
mais tempo. Esta, é o resultado da ordenação das relações sociais segundo a justiça,
constituindo uma parte, ainda que muito significativa da Ordem Social Global e
reflecte as crenças, valores e ideologias dominantes na sociedade. A Ordem Jurídica
procura defender-se dos actos ilícitos, recorrendo aos meios de protecção ou tutela
jurídica, tanto preventivos como repressivos, no qual se incluem as sanções jurídicas.
Esta, diz então respeito aos aspectos mais importantes da vida em sociedade e visa
alcançar a justiça e a segurança. O Ordenamento Jurídico, por outro lado, é o conjunto
de normas que rege uma dada comunidade, de um determinado momento histórico.
Deste ordenamento fazem parte também os princípios gerais ou fundamentais do
Direito.
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Há valores próprios do Direito que o fundamentam e são os seus fins. Estes, são os
chamados valores fundamentais e são os seguintes:
Justiça
o Pressupõe o contexto social;
o Pretende ordenar a vida dos Homens na sociedade em que se
integram;
o É a causa e fim do Direito;
o Tem como características:
Impessoalidade: estabelece um limite e uma medida;
Dinamismo: em constante evolução;
Alteridade: orienta-se para a socialização e na vida pessoal.
o Seus elementos lógicos são:
Proporcionalidade: “olho por olho, dente por dente”;
Igualdade: tratar de forma igual o que é igual e de forma
diferente o que é diferente;
Alteridade: visa condutas que se dirigem àqueles com que nos
relacionamos.
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Segurança
o Está directamente ligada à utilidade, às necessidades práticas e às
urgências da vida;
o É também um valor e um fim do Direito, pois sem esta não existiria
ordem social ou seria imperfeita, o que impossibilitaria a realização dos
fins da sociedade;
Podemos encontrar diversos sentidos para a Segurança:
o Ordem imanente à existência e ao funcionamento do sistema jurídico
que é garantido pelo direito;
o Segurança como sentido de paz-social: garante a convivência entre os
Homens prevenindo e solucionando conflitos;
o Segurança como sentido de certeza jurídica: permite-nos prever os
efeitos jurídicos dos nossos actos, permitindo fazer planos de vida com
bases firmes, o que exige que as normas:
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Visto isto, concluímos que os dois fins primordiais a atingir pelo Direito são a Justiça e
a Segurança. Porém, a compatibilização destes não é fácil, pelo que há que prever
situações de tensão e conflito entre estes dois valores e tentar resolvê-los da maneira
mais adequada. Na verdade, concretizar na prática a realização destes fins apresenta
grandes dificuldades, o que leva a que o Direito tenha de dar, por vezes, prevalência a
um desses fins.
Segundo uma concepção positivista, o primeiro interesse do Direito é a segurança, pois
o interesse deste é evitar o caos e, por isso, reduz o Direito à lei, não importando se é
justa ou injusta e, por isso, a justiça pode ser sacrificada em nome da ordem social.
Contudo, isto não contempla os casos em que a lei contém conceitos indeterminados e
cláusulas gerais que cumpre ao juiz definir. Mais, as leis não são inequívocas e
completas e, como prova, temos a existência de lacunas.
Segundo a tradição, a justiça é a essência do Direito e, por isso, não pode haver
segurança à margem da justiça, até porque a insegurança faz com que um indivíduo se
sinta injustiçado.
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Castanheira Neves, por outro lado, diz que não há uma oposição entre a justiça e a
segurança, até porque a segurança é a justiça, uma vez que se a segurança jurídica
tentar impor-se à justiça, deixaria de ter validade jurídica.
No entanto, existem alguns institutos em que a exigência da segurança jurídica pode
sacrificar a justiça:
Princípio de “ignorância não é desculpa”: a segurança jurídica necessita deste
princípio ou todos os infractores poderiam ser ilibados, alegando o
desconhecimento da lei;
Caso Julgado: uma sentença, uma vez decretada, não pode ser alterada de
modo a que o litígio não se prolongue ad aeternum e ninguém estivesse
seguro do seu desfecho;
Princípio da não retroactividade da lei: contemplado nos ART.6º, 7º e 13º do
Código Civil Português, permite orientar os nossos actos de acordo com os
seus efeitos jurídicos; leva ao princípio de que não há crime sem prévia lei;
Usucapião: é o direito de um ocupante de uma propriedade poder adquiri-la
decorrido um determinado período de tempo;
Prescrição: extinção de um direito subjectivo quando não é exercido durante
um período de tempo fixado pela lei.
Apesar destes institutos, a justiça continua a ser o valor supremo do direito e, por isso,
a segurança terá de ser justa para garantir a paz, ou seja, deve estar ao serviço da
justiça e ser legitimada por ela, como defende também Baptista Machado.
Dimensão da Justiça
o Direito Natural é critério de validade do Direito Positivo
o Direito Positivo que seja injusto não é direito
Dimensão da Efectividade/Vigência
o Coercibilidade: susceptibilidade de aplicar sanções pelo uso da força,
efectivada pelo Estado
Direito e Justiça
Desde sempre que se debate o problema da lei injusta: o direito trata-se do
cumprimento da lei ou da realização da justiça? O problema que se coloca é o porquê
de obedecermos à lei. Afinal, em que se fundamenta a obrigatoriedade do direito?
Surge assim o problema da justificação das leis e do fundamento do Direito, onde
surgem duas orientações de pensamento jurídico oposto.
O Jusnaturalismo não nega o direito positivo, mas fundamenta-o num direito superior
que está acima dele. Este é o Direito Natural que se traduz num conjunto de regras
transpositivas que fundamentam o direito positivo e que, em virtude de encontrarem
na natureza humana a sua fonte de revelação, são genericamente aceites.
O jusnaturalismo divide-se em:
Jusnaturalismo clássico (transcendente)
o Atribui a Deus a criação do Direito Natural
o S. Tomás de Aquino;
o Há conexão entre direito e justiça; se o Direito positivo for injusto por
ser desconforme ao natural, não é elegível.
Esta vertente sofre contudo de algumas dificuldades. Por exemplo, como é que se
explica que um não crente possa aceitar as leis que estão assentes numa ordem
transpositiva, se este não acredita na existência de Deus? Mais, como é que se pode
defender que a lei natural é imutável se, por exemplo, antes a escravatura não era
condenável e, mais tarde, passou a ser? Ainda, pode negar-se a observância de
qualquer direito positivo por ser injusto?
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À primeira pergunta S. Tomás de Aquino respondeu que há uma lei eterna que rege
todos os seres mas, para efeitos de Direito, interessa apenas a lei natural que é uma
parte da lei eterna a que qualquer pessoa consegue aceder através da razão. À
pergunta seguinte, respondeu que a lei é de facto imutável, pois o que muda é a nossa
capacidade de conhecer a lei que se vai aperfeiçoando. Relativamente à última,
defendeu que se se negasse tal direito isso faria com que a interpretação da lei e do
justo/injusto fosse subjectiva mas, se a lei violar um bem divino, então deve ser
desobedecida; se violar um bem meramente humano, então deve ser acatada se não
se puder evitar o escândalo ou outro mal maior resultante da sua desobediência.
Contudo, esta teoria tem certas implicações práticas, que o aproximam do positivismo.
Em primeiro lugar, se quem está no poder são os “homens da razão”, estes irão criar
leis positivas conforme a razão e, como tal, o Direito Natural perde relevância. Mais, se
cada um conclui a seu bel-prazer se uma lei é justa ou injusta, tal pode levar ao
positivismo.
Em conclusão, é necessário ter ainda em mente que o Direito Natural não pode moldar
todos os traços da vida jurídica de um povo (ex.: leis sobre transportes) e que este não
é criado pela razão, pois esta só tem o papel de o descobrir (não é a fonte, é o
método).
O facto de as leis passarem a ter origem no Homem iluminado levou à crença de que o
Direito Natural já não era necessário. Mais, o jusracionalismo pôs em evidência a
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fragilidade do Direito Natural enquanto um Direito instável e incerto, o que levou à sua
descrença.
O elemento democrático trazido pelas revoluções Francesa e Americana levou a que as
leis tivessem origem na vontade popular e colocava-se a questão de se alguém podia
diferir dessa vontade e discordar de uma lei por ser injusta, se esta tinha origem na
vontade do povo, que era o soberano.
Hans Kelsen criou a Teoria Pura do Direito em que procurou excluir do direito tudo o
que pertence a outras ordens do conhecimento, inclusivamente a justiça, porque se
questionava sobre quem estipulava o que era justo ou injusto. Mais, defendia a ideia
de que a ordem jurídica era uma pirâmide, onde não tem de entrar a justiça, porque
uma norma é válida unicamente por se fundar numa ordem superior que a habilita.
Visto isto, o Direito Positivo resulta numa recusa da metafísica e do Direito Natural e é
um comando imposto pelo legislador e cuja validade se afere pela vigência e eficácia –
Dura Lex, Sed Lex.
Esta teoria distingue-se do Jusnaturalismo nos seguintes aspectos:
Conceito de Direito: uma lei injusta pode ser válida
Fontes de Direito: à lei deve-se absoluta obediência e está somente a cargo do
legislador;
Método: ao jurista cabe o papel de aplicar o direito sem fazer um juízo sobre a
sua justiça ou injustiça, negando a existência de verdadeiras lacunas;
Epistemologia: nega o carácter científico da jurisprudência.
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Hoje em dia, há muitas respostas que podem ser dadas para afastar uma lei injusta
sem recorrer ao Direito Natural, ou seja, ainda no quadro do positivismo. Uma delas é
a o recurso à Inconstitucionalidade das normas; as Constituições são a positivação do
Direito Natural e se algo ocorrer contra esta, é possível alegar a sua
inconstitucionalidade. O Ius Cogens também oferece uma resposta a este problema-,
muito do Direito Internacional Público pode não prevalecer sobre a vontade soberana
dos Estados, mas as normas de Ius Cogens são um conjunto de princípios considerados
imperativos, independentemente da vontade do Estado, como é exemplo a Declaração
Universal dos Direitos do Homem. Ainda assim, existe o perigo de criação de um neo-
positivismo constitucional.
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A sanção não é um facto, mas sim um efeito jurídico que está contido numa regra
jurídica cuja previsão é a violação de uma regra de conduta. Uma sanção jurídica
implica sempre a entrada em vigor de novas regras - regras sancionatórias - que são
regras subordinadas e complementares das regras principais que actuam no caso de as
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regras principais não serem cumpridas. Uma regra sancionatória pode ser, por sua vez,
sancionada e aí entra em vigor uma nova regra sancionatória cuja previsão é a
primeira regra sancionatória ser violada.
Há várias espécies de sanções que se distinguem entre si pela função que
desempenham. A existência de diferentes tipos não significa que se excluam na sua
aplicação, porque várias sanções podem agregar-se em resposta a uma só violação.
Uma sanção pode ser:
Compulsória: procura que o infractor adopte a conduta devida e que a violação
não se prolongue; cessa assim que a norma jurídica for verificada;
Reconstitutiva: restabelecem a situação que existiria se a norma jurídica não
tivesse sido violada;
Compensatória: estabelecem uma situação que, embora diferente, a considera
valorativamente equivalente à situação anterior à violação da norma jurídica -
indeminização;
Preventiva: visam afastar futuras violações, cujo receio é justificado pela
prática de um determinado ilícito – liberdade condicional;
Punitiva: aplica um mal ao infractor como castigo da violação de uma norma
jurídica.
Existem ainda as chamadas sanções premiais em que aos actos das partes podem
corresponder, em vez de consequências desfavoráveis, prémios ou vantagens.
Na maioria dos casos ocorre a observância voluntária da regra mas quando tal não
acontece, a coercibilidade resulta na susceptibilidade de coagir. É necessário ter em
mente que coercibilidade não é o mesmo que coacção – o Direito aplica-se porque o
Homem tende naturalmente para a ordem. Define-se muito frequentemente como a
susceptibilidade de aplicação coactiva da regra, mas esta definição é insuficiente,
porque nem sempre há meios de tutela preventiva e, muito frequentemente, a regra
violada não pode ser aplicada, pois não se pode reconstituir a situação que existiria se
ela tivesse sido cumprida voluntariamente.
Na maior parte dos casos, a ordem jurídica não visa uma aplicação tardia da regra, mas
sim da sanção. A definição mais acertada de sanção, segundo o Prof. Oliveira Ascensão
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Nas ordens de âmbito menor raramente é usada força para impor uma sanção e
aquelas que se estabelecem aceitam-se ou não e quando não são voluntariamente
aceites, esbarra-se num obstáculo praticamente insuperável.
Por vezes a ordem jurídica comum empresta a sua força para a realização de certas
finalidades destas ordens menores e, noutras vezes, as determinações são de tal forma
relevantes para a ordem jurídica do Estado que podem ser judicialmente actuadas.
Contudo, nada disto faz com que a ordem jurídica menor fique assistida de
coercibilidade.
Outras Ordens, desta vez supra-estatais, tais como o Direito Canónico e Direito
Internacional Público são, respectivamente, destituídos e incipientes de coercibilidade.
Relativamente ao Direito Internacional Púbico, a força sobre a qual repousa a
imposição da sanção é a força dos Estados que compõem a comunidade internacional
e estes Estados só emprestam a sua força se for de acordo com o seu interesse. As
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grandes potências violam este Direito com maior facilidade e é difícil, se não
impossível, impor-lhes algo pela força.
Não se pode afirmar que a ordem internacional esteja munida de coercibilidade,
porque não há em geral susceptibilidade de aplicação coerciva das sanções. Assim, há
normas internacionais que não têm sanção e mesmo que tenham ela não pode ser
coactivamente imposta.
Mais uma vez se confirma que a ordem jurídica não é sempre coercível, logo, a
coercibilidade não é um fenómeno constante.
Assim, pelo menos as regras que regulam a actividade dos órgãos supremos de
soberania podem não ser assistidas de sanção e, ainda que o sejam, não pode ser
coactivamente imposta.
Concluímos que uma por uma as regras não dispõem sempre de coercibilidade. Logo,
não são jurídicas por terem coercibilidade, mas sim, por pertencem à ordem jurídica. A
coercibilidade é, no entanto, característica das ordens jurídicas estatais como um todo,
porque a ordem jurídica estatal é, no global, assistida pela coacção.
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Existem várias ordens jurídicas que, apesar das diferenças, não se excluem. Cada
Ordem Jurídica é o reflexo da comunidade política em que nasce e se aplica, e exprime
naturalmente na sua estrutura a diversidade de crenças religiosas ou filosóficas que aí
vigoram ou predominam e também a diversidade das estruturas políticas, económicas
e sociais.
René David propôs que o critério da determinação dos sistemas jurídicos fosse em
função da ideologia que desperta as várias ordens jurídicas. Embora o seu critério
apresente algumas dificuldades, está na base do critério que, segundo o Prof. Oliveira
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Ascensão deve ser usado, que é o critério das civilizações. Este mostra que a ideologia
encarna no seio da sociedade, formando uma civilização. Contudo, há povos não
civilizados que também têm direito.
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Direito Chinês
o Tradicionalmente, acentuava os valores da concórdia e da moderação,
vigorando a ideia de que o recurso à justiça era uma vergonha.
o O costume é a principal fonte de Direito.
o A solução dos litígios era remetida à equidade;
o Com o triunfo comunista, começou a ser dada relevância à lei enquanto
fonte de Direito e com a abertura ao exterior, começou a haver uma
grande actividade legislativa;
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Considerações Preliminares
Na via normativa, a segurança jurídica é essencial pois, ao existir uma fonte que todos
conhecem de antemão, que já esteja estipulada, reduz-se o arbítrio do juiz. Assim,
assegura-se também a igualdade. Esta via tem vantagens importantes que justificam
que seja esta a preferida nos Estados de Direito Democrático.
Na via não normativa a decisão assenta não num critério prévio, mas num critério
determinado pelo decisor para o caso concreto. Esta via de solução do caso concreto é
hoje insustentável pois a lei tem de ser igual para todos e, nesta via, a solução para
caos análogos não é sempre semelhante, o que viola o princípio da igualdade. Mais, os
indivíduos têm de conseguir prever os efeitos jurídicos dos seus actos e, se tudo for
decidido sem recurso a um critério prévio, não há segurança jurídica.
A equidade é uma das vias não normativas de que falámos. Esta é a justiça do caso
concreto e é um critério puramente formal e não material da decisão; ao não ser um
critério normativo não garante nem a igualdade nem a segurança jurídica. A equidade
não faz uma valoração generalizadora, permitindo alcançar uma solução só no caso
concreto. Mais, tem em conta as particularidades do caso para chegar a uma solução
que se adapte melhor ao caso. Por isso a equidade é muitas vezes comparada à régua
dos arquitectos de Lesbos que era maleável e se adaptava aos objectos que media,
pois o juiz podia moldar a norma para resolver a situação de forma mais justa; tal,
contrapõe-se às regras/critério materiais de decisão, pois estas são rígidas e abstraem-
se de circunstâncias que não consideram relevantes.
Contudo, a equidade só pode ser utilizada se estiver prevista na lei; se o juiz tiver
autorização para resolver o caso pela equidade pode fazê-lo – a equidade pode
prescindir da aplicação da norma ou pode acompanhá-la.
Funções da equidade:
Substitutiva da lei
o ART.4º. CC – atribui função substitutiva à lei
o Lei 31/86 – estabelece a arbitragem voluntária, ou seja, a possibilidade
de recorrer a um tribunal arbitral em vez de recorrer a um tribunal
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Completiva
o ART. 494º. CC. – estabelece que quando a responsabilidade se fundar
em mera culpa, a indemnização possa ser fixada equitativamente, ou
seja, o juiz pode reduzir a indemnização consoante as circunstâncias do
caso
Integrativa
o Há casos que não tem resposta legal, mas têm de ser resolvidos, porque
o juiz não pode invocar a ausência de lei para não resolver
Há lacuna, uma incompletude do sistema
o É duvidoso, em Portugal, que a equidade cumpra esta função – ART.10º.
CC. não inclui a equidade como forma de integração de lacunas
Misericordiosa
o Um caso que é apontado na resolução pela equidade é o da libertação
do ex-presidente da RDA; como estava numa situação precária de saúde
e restava-lhe pouco tempo de vida, libertaram-no
o No caso português, este caso não seria resolvido pela misericórdia mas
sim pela lei, já que a Constituição diz que o Estado assenta no respeito
pela dignidade humana
Correctiva
o Tomemos como exemplo um contrato de depósito em que o objecto
depositado seja uma arma e o depositante exija a sua restituição
porque pretende usá-la para cometer um homicídio
Este exemplo pode apontar para uma situação em que a
equidade corrige a lei, contudo isso não acontece porque essa
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hipótese não está regulada e, por isso, há uma lacuna que deve
ser corrigida segundo o já referido ART.10º
O que caracteriza o sistema normativo não é a decisão mas sim a regra onde esta se
funda, pois é tomada em função de um critério que é a norma - critério material de
decisão e qualificação dos casos.
Os processos mediante os quais se podem determinar as regras a partir das fontes
existentes são:
Interpretação
o Parte-se de um critério material que é a fonte e através da sua
interpretação encontra-se a norma que é o critério de decisão
o É essencial para chegar à norma e perante a mesma fonte é possível
chegar a critérios de decisão diversificados
o É vinculada pela fonte
o Ver ART.9º. CC.
o É necessário recorrer ao espirito da lei/ratio legis
Elemento Histórico – o que levou à feitura da lei
Elemento Sistemático – a posição dentro do sistema jurídico
Elemento Teleológico – finalidade da lei
Interpretação Enunciativa
o Obtenção de uma regra a partir de uma regra já apurada
Integração de Lacunas
o Leis não podem regular todas as situações da vida que exigem uma
decisão jurídica e, por isso, na ocorrência de uma lacuna é necessário
integrá-las no sistema
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É necessário ter em mente que a expressão Fontes de Direito tem sido utilizada pelos
diversos autores em vários sentidos:
Sentido sociológico-material ou causal
o Todos os circunstancialismos sociais que estiveram na origem de
determinada norma jurídica
Sentido histórico-instrumental
o Diplomas ou monumentos legislativos que contêm normas jurídicas
Sentido político-orgânico
o Órgãos políticos que, em cada sociedade, estão incumbidos de emanar
normas jurídicas
Sentido técnico-jurídico
o Modos de formação e revelação das normas jurídicas
Quando, em cima, nos referimos às Fontes a partir das quais as regras são extraídas,
estávamos a referir-nos ao último dos vários sentidos referidos.
Estatuição
o Estatuem-se as consequências jurídicas para o caso de a previsão se
verificar
o É o efeito jurídico que a norma associa á verificação da factispécie
o Há regras sem estatuição, mas não são consideradas regras completas
o “…então…”
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Visto isto, pode dizer-se que as regras jurídicas são hipotéticas, pois só se aplicam se
houver um facto que corresponda à sua previsão. Assim, as regras são de aplicação
condicionada pela verificação de pressupostos e tornam-se imperativas quando estes
se verificam – “Se x, então y”.
Bilateralidade – ligaria entre si dois ou mais sujeitos, criando relações entre eles
o Para Oliveira Ascensão esta não é uma característica das normas pois
nem toda a regra jurídica relaciona sujeitos
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Regras Principais
o Aquela que outorga o direito
o Regra pré-existente
Regras Derivadas
o Por dedução lógica podemos chegar a outras regras
o Regra ulterior que se retira da regra pré-existente
Regras Particulares
o Quando se aplicam a certas categorias de pessoas
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Regras Especiais
o Consagram uma disciplina nova ou diferente para círculos ou relações,
mas não directamente oposta ao regime comum das normas gerais
o Uma lei especial não pode ser revogada por uma norma geral
o Ex: aquelas que regulam as relações jurídicas dos comerciantes (Direito
Comercial)
Regras Excepcionais
o Consagram uma regra oposta ao regime regra, num sector restrito
o Constituem uma excepção que contraria o regime estabelecido pelas
regras gerais, a fim de prosseguir finalidades particulares
o Têm um âmbito mais restrito
o Ex: aquelas que reduzem o tempo de prescrição em casos excepcionais
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Regras Locais
o Aplicam-se apenas no território delimitado, de uma autarquia local
Ex: Posturas e regulamentos locais
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Regras Imperativas
o Preceptivas/Impositivas – impõem uma conduta
o Proibitivas – vedam certas condutas
o Permissivas -permitem ou autorizam certa conduta
Facultativas – permitem ou facultam certos comportamentos,
reconhecendo determinados poderes ou faculdades
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Não se deve confundir a distinção entre regras injuntivas e dispositivas com a distinção
de todo o direito em público ou privado, embora predominem no Direito Público as
regras injuntivas e no Direito Privado as regras dispositivas.
Ex. de regras dispositivas no Direito Público: são admitidos negócios
jurídicos em que as partes afastam a aplicação de uma regra do
Direito Público
Ex. de regras injuntivas no Direito Privado: regras que estabelecem
os tipos de sociedades comerciais
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Fontes de Direito
Para chegar à decisão/solução do caso concreto utilizam-se os critérios existentes, ou
seja, os critérios materiais que nos dizem quem decide e como decide.
São fontes de direito, no sentido técnico-jurídico, os modos de formação e revelação
das normas jurídicas, num determinado ordenamento jurídico. A Fonte é vinculativa,
correspondendo a um ponto e partida palpável que não está sujeito à vontade do
sujeito nem a interpretações vagas, pois a interpretação tem de obedecer a regras,
sendo a norma o resultado final.
Como exemplo temos o ART.24º da CRP, em que se estabelece que a vida humana é
inviolável. Ora, a estão que se coloca é se este artigo permite o aborto. Tendo em
conta a fonte por si só, então não é permitido mas é necessário interpretá-la e definir
o que é a “vida humana”. Será desde a concepção, desde a 12ª semana, desde o
nascimento? Assim, conforme a forma como se interprete a fonte, diferente será a
norma subsequente.
A Lei
São leis toda as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes. A
lei tem como pressupostos uma autoridade competente, a observância das formas
previstas para essa actividade e uma introdução de um preceito genérico. Contudo, o
conceito de lei só se tornará verdadeiramente compreensível se tivermos em conta a
distinção entre:
Lei em Sentido Formal
o Todo o acto normativo emanado de um órgão com competência
legislativa, exigindo-se que se revista das formalidades relativas a esta
competência
Direito
Diplomas Legislativos
Como há uma grande variedade de leis, é necessário encontrar uma forma de unificar
o sistema jurídico e, por isso, existe um sistema hierárquico que dá unidade de
sentido.
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ius
cogens
DUE/CRP
Lei Constitucional
Convenções Internacionais/
Direito Internacional Geral
Lei Formal
Regulamentos
1. Constituição - todas as outras leis têm de ser coerentes com esta (ART.3 CRP)
Com a integração na UE, esta primazia sobre um embate, pois hoje em dia o Direito
Comunitário tem também uma pretensão de primazia e, por isso, está ao lado da
Constituição na hierarquia das fontes.
O ART.8/3 da CRP dispõe que as normas emanadas dos órgãos competentes das
organizações internacionais onde Portugal se integram vigoram directamente na
ordem interna, desde que os tratados constitutivos dessas organizações assim
disponham. O ART.8/4 não afirma o primado do Direito Comunitário sobre a
Constituição, mas sim uma relação de paridade, já que o Direito Comunitário só tem
uma posição prevalecente se respeitar os princípios fundamentais do Estado de Direito
O Direito Comunitário não está dependente da Constituição pois, ao aplicar-se a todos
os Estados-membros não pode ficar dependente das ordens internas
40
Inês Metello
3. Convenções Internacionais
Das convenções fazem parte os Tratados (respeitam matérias mais importantes) e os
acordos internacionais (tratam questões menos relevantes). Estes não prevalecem
sobre a Constituição, pois as únicas convenções internacionais que prevalecem sobre a
Constituição são as normas de Ius Cogens (ex.: proibição da tortura).
5. Regulamentos
Os regulamentos estão subordinados à lei e, por isso, não são actos legislativos,
fazendo então parte da função executiva. Estes, situam-se na base da hierarquia e,
segundo a doutrina, distinguem-se dos actos administrativos por um critério material
que tem em conta o seu conteúdo e não a forma; isto é: um regulamento é geral e
abstracto e é fonte de direito; um acto administrativo é individual e/ou concreto e
provém da administração pública e não é fonte de direito.
Os diplomas das autarquias locais são excluídos das fontes de direito uma vez que as
autarquias locais não são órgãos do Estado nem entidades corporativas e, para além
disso, não é atribuída a função legislativa às autarquias locais. Assim, uma postura ou
outro diploma emanado das autarquias locais não é, formalmente, considerado uma
fonte de direito. No entanto, adoptando um critério material, estes diplomas contêm
regras jurídicas e, por isso, não há como não considera-las fonte de direito. Esta
posição, estabelecida no ART.1º do CC, é contraditória e por isso são apresentadas as
seguintes soluções para o problema:
Integrar os diplomas na referência às leis
o Solução afastada pela ordem jurídica, que sempre distinguiu entre
Estado e autarquias locais
Integrar os diplomas nas normas corporativas (como faz Santos Justo)
o Por um lado, o ART. 1/2 refere que a normas corporativas pertencem a
organismos que representam categorias morais, culturais, entre outras,
42
Inês Metello
Assim, conclui-se que apesar do CC não fazer referência a estes diplomas enquanto
fonte de direito, estes não deixam de o ser. Já Oliveira Ascensão defende que o mesmo
acontece com os tratados e convenções internacionais que, apesar de não estarem
referidos no CC, não lhes é negada a categoria de fonte de direito.
Da hierarquia das leis resulta que as leis de hierarquia inferior não possam contrariar
as leis de hierarquia superior, antes tem de se conformar com elas. Visto as leis de
hierarquia igual ou superior poderem contrariar leis de hierarquia igual ou inferior
estabelece-se o critério temporal que determina que a lei mais recente revoga a lei
mais antiga.
43
Inês Metello
declarado estado de necessidade, pode haver uma legalidade excepcional que permita
a inexistência da vacatio legis.
O decurso do tempo não é razão suficiente para que uma lei cesse a sua vigência.
Como formas de cessação de vigência da lei, estão previstas unicamente a caducidade
e a revogação da lei. Contudo, existem outras formas de uma lei cessar a sua vigência.
Uma delas é através da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força
obrigatória geral; se a ordem jurídica é hierárquica, pode acontecer que um acto
normativo seja ilegítimo por violar um acto normativo superior no plano hierárquico.
Esta declaração é feita por um tribunal competente que, de acordo com o ART.281º da
CRP, é o Tribunal Constitucional.
Para os defensores de que o costume pode contrariar a lei e que prevalece sobre esta,
como é o caso de Oliveira Ascensão, a lei pode ser revogada por um costume que
contraria e prevalece sobre a lei e, como tal, pode entrar em desso, pois a sua eficácia
é posta em causa. Este costume, normalmente denominado como costume contra
legem, diferencia-se do mero desuso pois no costume referido há um verdadeiro
costume que se opõe a uma lei, enquanto no desuso as pessoas não aplicam uma lei,
mas não é relevante o porquê de não o fazerem. Mais, o desuso não implica a extinção
de uma lei, pois não há convicção de que é lícito agir contra a lei. Apesar de tudo isto,
o ART.7/º1 do CC exclui este costume quando diz que uma lei só deixa de vigorar
quando for revogada por outra lei. No entanto, o que interessa não é a declaração de
uma lei mas sim a sua eficácia pois se contrariar um costume, dificilmente será eficaz.
Vamos agora falar da duas formas mais comuns de uma lei cessar a sua vigência.
Caducidade
o Uma lei pode deixar de vigorar em virtude da ocorrência de um facto
inerente à própria lei – cláusula expressa pelo legislador, contida na
própria lei
o Aplica-se a leis temporárias e transitórias
o A lei pode não ter prazo definido mas cessa com o desaparecimento do
seu objecto (ex.: lei sobre coalas terminam com a extinção do último
coala)
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Inês Metello
Revogação
o Uma lei cessa a sua vigência por efeito de uma lei posterior de valor
hierárquico igual ou superior
o Resulta de uma nova manifestação da vontade do legislador, contrária à
anterior
o Quanto à forma pode ser:
Expressa – quando a nova lei declara que revoga uma
determinada lei anterior
Tácita ou de Incompatibilidade – quando resulta da
incompatibilidade entre as normas da lei nova e as da lei
anterior
Global ou de Sistema – quando a lei nova regula integralmente
um instituto jurídico ou um ramo do direito e, por isso, ficam
revogadas as leis anteriores que respeitavam essas matérias (ex.:
um novo CC)
o Quanto à extensão pode ser:
Total: quando todas as disposições de uma lei são atingidas
(ab-rogação)
Parcial: quando só algumas das disposições da lei antiga são
revogadas pela lei nova
(derrogação)
45
Inês Metello
Visto isto, no caso de, das leis, se retirarem normas jurídicas conflituantes, recorre-se
aos seguintes critérios:
Critério da Temporalidade/Posterioridade – aplica-se a lei mais recente
Critério da Especialidade – lei posterior não revoga lei especial, salvo se outra
for a intenção do legislador
Critério da Hierarquia/Superioridade – aplica-se a lei superior, ou seja, uma lei
superior prevalece sempre sobre uma lei de grau inferior
O Costume
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Inês Metello
Racionalidade
o Não é uma característica particular do costume mas de tudo o que é
jurídico
Espontaneidade
o Não deve resultar de uma imposição de um poder ou de um grupo
social
47
Inês Metello
Praeter Legem
o Não contraria a lei, mas vai além dela
o Tem por objecto matéria não regulada pela lei
Contra Legem
o Contraria a lei, mas diferencia-se do desuso
Doutrina
Jurisprudência
Sentenças
o Quando proferidas por um tribunal singular
Acórdãos
o Quando proferidas por um tribunal colectivo (pelo menos 3 juízes)
Uma questão que se coloca é a de saber se esses modos de decidir têm validade além
do respectivo processo, criando regras para os casos futuros. Tal acontece nos
sistemas jurídicos inglês e americano, em que a jurisprudência é a fonte do direito.
No sistema jurídico português, o juiz tem de julgar unicamente de “harmonia com a lei
e a sua consciência”, sendo perfeitamente irrelevante que a decisão contrarie a que
tenha sido tomada por outro tribunal, ainda que de categoria mais elevada.
A jurisprudência não é fonte imediata do Direito; contudo, na medida em que ao longo
dos tempos vai explicitando uma determinada consciência jurídica geral, contribui para
a formação de verdadeiras normas jurídicas.
Contudo, quando somos confrontados com decisões muito díspares de tribunais
diferentes cria-se uma situação onde não há igualdade nem previsibilidade. De modo a
resolver este problema, há possibilidade de recurso a tribunais superiores e, no limite,
ao Tribunal Supremo e, por isso, o risco de haver decisões contraditórias vai sendo
reduzido.
Ainda assim, mesmo quando havia divergências, o ART. 2º do CC declarava que o
Supremo Tribuna podia proferir acordos (assentos) que uniformizavam a
jurisprudência, fixando o sentido correcto de interpretação da fonte. Neste caso, os
assentos eram vinculativos e, por isso, eram fonte imediata. Contudo, foram
declarados inconstitucionais e, consequentemente revogados por contradizerem o
ART. 112/5 da CRP.
Com a revogação dos assentos, a jurisprudência deixou de ser fonte de Direito
imediata, pois deixou de ser vinculativa.
ART.678º do CPC
o Prevê a possibilidade de recurso para tribunais superiores
Tratados Internacionais
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Inês Metello
O Direito é constituído por dois grandes ramos que constam na controvérsia em torno
da distinção entre o Direito Público e Direito Privado.
O primeiro é aquele que regula as relações jurídicas entre o Estado e os cidadãos, em
que o Estado intervém com o seu poder de autoridade, ou poder soberano. Alguns
exemplos de Ramos de Direito Público são o Direito Constitucional, Direito Penal,
Direito Administrativo, Direito Económico, Direito Fiscal e Direito Internacional
Público.
O segundo é aquele ramo do direito que regula as relações jurídicas dos cidadãos entre
si, ou entre os cidadãos e o Estado, em que o Estado actua sem o seu poder de
autoridade, ou seja, actua em pé de igualdade com os cidadãos. Alguns exemplos de
Ramos de Direito Privado são o Direito Civil, Direito Comercial, Direito do Trabalho,
Direito Internacional Privado.
51
Inês Metello
Direito Privado
É constituído pelas normas que visam proteger os
interesses privados.
o Este critério suscita algumas críticas pois é difícil dizer se a norma regula
interesses públicos ou privados. Devido à dificuldade em distinguir os
direitos públicos dos privados, os defensores destes critérios alteraram
os conceitos já definidos. Visto isto:
Direito Público
Pertencem-lhe as normas que defendem
predominantemente os interesses da colectividade.
Direito Privado
Pertencem-lhe as normas que defendem
predominantemente os interesses particulares.
o Direito Privado
É constituído pelas normas que regulam as relações em que
intervenham apenas particulares.
52
Inês Metello
Direito Público
Pertencem-lhe as normas que regulamentam as relações
em que o Estado aparece revestido do seu poder de
soberania.
Direito Privado
Pertencem-lhe as normas que regulamentam as relações
entre particulares, ou entre estes e o Estado, em que
este aparece em pé de igualdade.
Critério da autonomia/liberdade
o Direito Privado
As normas são supletivas/dispositivas, ou seja, não obrigatórias,
onde funciona a liberdade/igualdade.
o Direito Público
As normas imperativas, onde funciona a competência e a relação
de supremacia, sendo que as entidades públicas só podem
desempenhar competências que lhes são atribuídas por lei.
Existem ainda dois Ramos do Direito que não são possíveis de inserir nem no direito
público, nem no direito privado:
Direito Internacional Público
o Regula as relações entre Estados, mas há Estados soberanos e Estados
não soberanos (ex: Estados federados) e, no diálogo internacional só
participam Estados dotados de soberania, ou seja, estão em posição de
igualdade
o Para além disso, há entidades que são tratadas como Estados (ex.: igreja
católica) no DIP
o Hoje em dia, é questionado se também os próprios indivíduos não são
sujeitos de direito internacional, porque, por exemplo, há normas que
têm como objecto directo o comportamento dos indivíduos (ex.: crimes
de guerra)
o Na verdade, o direito internacional público é um direito institucional
que regula as relações que se estabelecem no seio da comunidade
internacional, que é uma instituição autónoma e distinta de qualquer
outra
o Não pode ser considerado privado nem público, porque refere-se há
comunidade internacional, que ultrapassa o âmbito de uma instituição
centrada na nação ou no Estado
o Hoje em dia, assiste-se a uma degeneração do direito internacional,
porque as grandes potências inculcam-se, por exemplo, de determinar
quem tem razão nos conflitos, havendo uma apresentação falaciosa das
imposições políticas das mesmas
O Prof. Oliveira Ascensão propõe ainda outra divisão dos ramos do direito, segundo:
Ponto de Vista Científico
o Divisão em ramos de direito comum (há um grande número de regras
que não estão ligadas a nenhuma instituição em particular) e ramos de
direito institucional (ex.: Direito da Família regula a instituição da
família, Direito Público regula a instituição Estado)
Ponto de Vista Pragmático
o Divisão clássica entre Direito Público e Privado enraizou-se e tem
funcionado satisfatoriamente, embora hoje em dia esteja a perder
utilidade, por isso, na subdivisão utiliza-se um critério pouco científico
que é a classificação germânica das relações jurídicas.
A codificação
Designa-se por codificação a reunião num mesmo texto – código – de um conjunto de
normas referentes a um determinado ramo do Direito, segundo determinados critérios
sistemáticos e científicos.
Vantagens da codificação:
o Permite um conhecimento fácil do Direito, tornando-o mais certo e
preciso, contribuindo desse modo para realizar a segurança jurídica.
55
Inês Metello
Desvantagens da codificação:
o Dificulta a evolução do Direito, conduzindo à sua cristalização, pela
tendência dos juristas a se apegarem aos códigos vigentes e resistirem,
por vezes até inconscientemente, a inovações.
o Formaliza e torna mais rígido o Direito, tirando-lhe a maleabilidade e
capacidade de adaptação à evolução social.
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Inês Metello
Doutrinal
o É realizada pelos tribunais, administração pública, juristas, particulares;
o A realizada pelos tribunais e administração pública, relativamente ao
caso concreto sobre o qual é proferida a decisão, tem carácter
vinculativo;
o Nos restantes casos não tem força obrigatória geral.
A interpretação doutrinal tem várias correntes, sendo uma delas a Escola da Exegese.
Esta aparece associada ao primeiro movimento de codificação, mais propriamente, à
codificação francesa efectivada com o Código Civil de Napoleão. Esta escola é a mais
amarrada ao texto da lei, e é uma escola onde há uma obediência quase cega ao texto
legal, onde se tenta perceber o que dizem as palavras da lei. A ideia era a de que se
houvesse uma lei pouco clara, o intérprete não poderia resolver esse problema:
remetia-o para uma solução legislativa.
Com o iluminismo e revoluções libérias, surge a pretensão de reconstruir o sistema
normativo da base, a partir da razão. Assim, não basta aprovar compilações de leis e a
codificação deveria ter uma preocupação de unidade sistemática que não existe na
lógica das ordenações (compilações de leis), pretendendo estar voltada para o futuro –
lógica de estabilidade e perpetuidade. Deste modo, procuraram criar um novo quadro
legislativo, a partir da unidade sistemática, olhando para cada norma autonomamente.
A Escola de Exegese surge então herdeira das primeiras codificações, do movimento
57
Inês Metello
Na Jurisprudência dos Interesses ou dos Valores o juiz não é a boca de onde sai a lei e
esta consiste numa evolução da jurisprudência dos conceitos: a finalidade não é ser
um sistema cientificamente bem ordenado onde tudo seja um puzzle perfeito; o
direito é prático e serve para resolver os problemas das pessoas e a finalidade última
deste não é a coerência mas a justiça. Assim, recusa soluções apenas conseguidas com
base numa lógica dedutiva formal, e pretende que o caso concreto atenda aos valores
em contacto, dos interesses em jogo. Esta ideia marca uma ruptura muito relevante,
pois não é possível ter o critério de resolução do caso sem entender que há valores em
58
Inês Metello
conflito que é preciso suprimir. Assim, esta jurisprudência procura que na metodologia
em questão se encontre o equilíbrio entre valores em confronto.
Surgiram ainda certas tendências anti legalistas: escolas que em nome da justiça do
caso questionam a própria dimensão normativa do Direito, defendendo que a lei é um
elemento secundário na descoberta da solução. O ponto de partida é o caso na sua
dimensão problemática única, ou seja, é o caso que tudo comanda e, por isso, as
normas não valem nada, sendo apenas argumentos que se podem unir a outros para
descobrir a solução. O problema destas teorias é a legitimidade da solução, pois
acredita-se no Juiz Salomão.
A Interpretação
É frequente deduzir a dois os elementos fundamentais da interpretação, sendo que
um deles se encontra, como já foi referido, subdividido.
Elemento Gramatical
o Constituído pelo texto legislativo, “a letra da lei”;
o É o meio pelo qual o intérprete inicia a interpretação;
o Consiste na utilização das palavras da lei, isoladamente e no seu
contexto sintáctico para determinar o seu sentido possível;
o Deve-se partir do princípio que todas as palavras do texto legal têm
nele uma função útil;
o O sentido das palavras deve ser, em princípio, o que resulta da
linguagem corrente, salvo tratando-se de termos com significado
técnico-jurídico.
Elemento Lógico
o Constituído pelo “espírito da lei”, isto é, o seu sentido profundo;
o Compreende-se para além da letra;
o Encontra-se subdividido em:
Elemento Sistemático
Contexto da lei e lugares paralelos;
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Inês Metello
Elemento Histórico
Compreende todos os dados ou acontecimentos
históricos que expliquem a criação da lei;
Socorre-se dos seguintes meios:
o Precedentes normativos – normas que vigoram
em períodos anteriores e que são objecto da
História do Direito e normas de Direito
estrangeiro que tiveram influência na formação
da lei;
Elemento Teleológico
Consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim que o
legislador teve em vista ao elaborar a norma.
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Inês Metello
Interpretação Restritiva
o Quando a letra da lei vai além do seu espírito, porque o legislador disse
mais do que aquilo que pretendia, o intérprete deve restringir o texto,
encurtando o significado das palavras utilizadas pela lei, de modo a
harmonizá-las com o pensamento legislativo
o Objecções:
A redução ou restrição teleológica é uma operação simétrica à
aplicação analógica. Com respeito à primeira, esta deve ter lugar
quando verificamos que a razão de ser de um critério normativo
não se estende a todas as situações que são reconduzíveis à
previsão de um critério. Dado isto, ao invés de realizarmos uma
interpretação restritiva, devemos realizar a já referida redução.
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Inês Metello
Interpretação Correctiva
o O pensamento obriga a corrigir o sentido literal da lei.
Interpretação Ab-rogante
o Conduz à não aplicação da lei.
Interpretação Enunciativa
o Extracção de uma regra a partir de uma outra; modalidade de
interpretação quanto ao resultado em que este é extraído de uma
regra;
o Assenta na utilização de argumentos estritamente lógicos, retomados
mais à frente.
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Inês Metello
o ART.67/1; tendo em conta a letra da lei, “família” pode ter vários significados e,
portanto, temos de ir mais longe e tentar perceber o que é família enquanto elemento
fundamental da sociedade e que merece protecção do Estado. A primeira coisa que
temos de fazer, embora de ordem aleatória, é tentar perceber: fala-se em família mas
será que nesse mesmo diploma, existem outros preceitos que dão algum subsídio para
perceber o que é a família? No fundo, estamos a trazer para cima a Dimensão
Sistemática Interna ao Próprio Diploma. Será que há outros preceitos dentro do
diploma/sistema que permitem perceber o que é família? Temos por exemplo o ART.
36º da Constituição que diz, por exemplo, que é possível ter família sem casamento. (O
ART.16/1 da DUDH, por outro lado, funde as realidades do casamento e a de constituir
família.) Perante isto, e na estrita leitura sistemática interna, podemos dizer que
família pode ser a família fundada no casamento, a família sem casamento mas
resultante da relação pais-filhos, e outras resultantes do ART. 36º.
Depois desta dimensão subjectiva, em que se pergunta o que é o preceito quer dizer, a
tendência é perguntar o que esteve na cabeça de quem fez a lei. A isto se dá o nome
de Génese e História do Preceito. Isto é, descobrir os precedentes, a intenção, etc..
Muito importante é perceber a Teleologia Objectiva da Lei, isto é, a finalidade que a lei
pretende alcançar. O factor dois e o factor três estão muito ligados ao objectivismo e
ao subjectivismo. Uma coisa é tentar perceber o que quem fez a lei queria, outra, é
tentar perceber o que a lei propriamente dita pretende.
Finalmente, temos o Sistema Externo, onde todo sistema é chamado a depor.
Argumento a contrario
o Exemplo: se o ART.27/3 indica as situações que em eu posso ser
privado da liberdade, à contrário, o que não couber nessas hipóteses
63
Inês Metello
está excluído. Contudo, a lei não prevê que um portador não de uma
anomalia psíquica mas de uma doença altamente contagiosa possa ser
internado contra a sua vontade. Se este artigo diz que só para os
“loucos” é que isto vale, então foi porque não quis que isto valesse para
os portadores de doenças contagiosas. Contudo, este argumento não é
aceitável nestes termos, pois poderíamos chegar ao ponto em que
alguém chega, por exemplo, de África com uma epidemia mortífera e
não quer ser internado, então a epidemia espalha-se e não há nada a
fazer.
Integração de Lacunas
Existe lacuna jurídica (caso omisso) quando uma determinada situação, merecedora de
tutela jurídica, não se encontra prevista na lei. Contudo, tal não basta para existir
64
Inês Metello
lacuna; para esta existir é necessário haver uma incompletude do sistema normativo
que contrarie o seu sentido e que deveria ser regulado por esse.
É necessário ter em mente que uma lacuna jurídica não é, pura e simplesmente, o
silêncio da lei. Primeiro, só é lacuna se tal silêncio for contrário ao plano do sistema e,
em segundo lugar, há omissões que respeitam espaços vazios de direito, ou seja,
irrelevantes no plano do Direito. Por outro lado, a omissão pode respeitar um espaço
relevante para o direito mas o silêncio pode ser eloquente, ou seja, acompanhado por
uma intenção. Mais, pode haver silêncio da lei mas não silêncio do sistema, ou seja, a
resposta pode resultar de outra fonte.
Neste momento, torna-se necessário fazer aquilo a que se chama de integração de
lacunas, actividade que visa precisamente encontrar uma solução jurídica para os
casos omissos, isto é, aplicar uma lei ao caso omisso. Segundo o ART.8/1 do CC, o
tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou
alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio, o que mostra que o facto de
existir uma lacuna não justifica, nem permite, a abstenção de julgamento.
De modo a haver integração, é necessário averiguar primeiramente que não há
nenhuma regra aplicável ao caso concreto, ou seja, só depois de esgotados todos os
elementos interpretativos de que o intérprete se socorre é que é possível verificar que
o caso não cabe no conteúdo de uma lei.
Existem várias razões que estão na origem do problema das lacunas. Em primeiro
lugar, certas situações são imprevisíveis no momento da elaboração da lei, enquanto
outras, embora previsíveis, escapam à previsão do legislador em face da enorme
complexidade de formas da vida social. Mais acontece por vezes que o próprio
legislador, intencionalmente, sobretudo em matérias novas ou complexas, se abstenha
de as regular directamente pelas dificuldades que sente em fazê-lo convenientemente.
A interpretação do caso omisso ou lacuna da lei faz-se com recurso à analogia que
consiste em aplicar ao caso omisso a norma reguladora de casos análogos – ver
ART.10º, CC. O recurso à analogia como primeiro preenchimento de lacunas justifica-
se por uma questão de coerência normativa do próprio sistema jurídico. A aplicação
analógica distingue-se da interpretação extensiva, pois esta pressupõe que
65
Inês Metello
No entanto, a regra é a de que a lei só dispõe para o futuro – ver ART.9/1, CC – isto é,
não tem efeitos retroactivos. De outro modo, atentar-se-ia contra a certeza e a
segurança do Direito valores fundamentais para a vida das pessoas e que contribuem
para que cada um estabeleça os seus planos de vida.
Por vezes, é a lei nova que estabelece ela própria regras destinadas a regular a
sucessão da lei. Tais regras fazem parte do Direito Transitório. Este é o nome dado ao
sector normativo ou ao conjunto de critérios que têm por objecto a delimitação do
âmbito temporal das regras. Estes critérios podem ser casuísticos/particulares, ou
critérios gerais.
Pode acontecer que cada lei nova esclareça o seu âmbito de aplicação no tempo. Um
intérprete, quando é confrontado com uma dúvida desta índole, deverá começar por
averiguar critérios de direito transitório que tenham sido postos pela lei nova. Por
exemplo, o diploma que aprovou o Código Civil esclarece o âmbito de aplicação
temporal deste (ver ART. 15º das primeiras disposições do Código, que esclarece o
âmbito temporal dos artigos lá expostos).
Quid iuris se a lei nova não consagra regras que delimitam o seu âmbito temporal?
Quid iuris se a lei nova é omissa quanto a critérios definidores do seu âmbito
temporal? São critérios de direito intertemporal aqueles que a lei não fixa, mas valem
de forma geral.
Dentro dos critérios gerais temos os critérios privativos de certos ramos de direito
(exemplo: Código Processual Civil, Código Penal) e aqueles que são absolutamente
gerais e que estão sediados nos artigos 12º e 13º do Código Civil.
Mais, os critérios de Direito Transitório podem ser materiais ou formais. Quando
temos um critério como o já referido ART. 15º, que se limita a indicar uma direcção,
67
Inês Metello
temos um critério que é dito de direito transitório formal. Este não contém em si uma
solução substantiva, limitando-se a indicar uma direcção.
Há ainda outra possibilidade; pode o legislador fixar um regime que não é reconduzível
para a lei antiga ou nova; pode fixar uma terceira solução e quando tal acontece,
dizemos que o critério de direito transitório é material pois contém uma solução
substantiva.
Os critérios de direito transitório ou são casuisticamente fixados pela lei nova - ela
própria esclarece qual é o seu âmbito temporal -, ou pode suceder que a lei nova nada
indique quanto ao seu âmbito temporal; nessa eventualidade é necessário recorrer a
critérios de direito transitório gerais que existem relativamente a certos sectores do
direito ou, na falta de critérios sectoriais, valerão os critérios generalíssimos dos
artigos 12º e 13º.
O ART. 12º tem dois números e cada um deles pode ser analisado por duas partes. A
primeira afirmação, é a de que a lei só vale para o futuro. Esta foi a fórmula que o
nosso legislador utilizou para exprimir a ideia de que a lei nova não comporta aplicação
retroactiva – foi a forma escolhida pelo legislador português para fazer valer o
princípio da não retroactividade da lei. Sucedem duas coisas: a primeira é a de que
esta fórmula, princípio da irretroactividade, não é uma fórmula mágica às quais nos
possamos encostar para a partir dela encontrar uma resposta apta a dissipar todas as
nossas dificuldades.
Afirmar que a lei só dispõe para o futuro significará afirmar que a lei nova só se aplica a
factos que venham a ocorrer depois da entrada em vigor da lei nova? Ou será que é
compatível com a aplicação da lei nova a factos passados e futuros? Isto mostra que
este princípio, por si só, não elimina todas as dúvidas. Com respeito a isto, o número
dois do ART. 12º é um preceito que se compreende à luz disto. Quer dizer, a razão pela
qual o legislador criou o número dois foi justamente porque a fórmula anterior não é
suficientemente espessa para, por si só, se dissiparem todas as dúvidas.
O número dois consagra as soluções que concretizam a visão do princípio da
irretroactividade consagrada pelo legislador português.
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Inês Metello
Vale a pena considerar que existe no número 1 uma segunda parte. Nesse, resulta que
o direito consente a possibilidade do legislador aplicar a retroactividade. Isto é, uma
solução baseada na retroactividade pode ser juridicamente válida. Esta segunda parte
tem importância a dois títulos: uma primeira razão é a explicitação da possibilidade
legítima de leis retroactivas; uma segunda razão é uma que se prende não pela
previsão mas que captamos pela sua estatuição: esclarece qual é a medida de
retroactividade, ou melhor, fixa-se uma medida supletiva de retroactividade. Por
exemplo, caso uma lei nova viesse a alterar as taxar de juro relativamente a um tipo de
contractos e tal fosse retroactiva, tal significa que as novas taxas se aplicam a
contractos novos e outros, anteriores, que ainda estão em curso; contudo, essa nova
taxa aplicar-se-ia a juros ainda a aplicar, não sobre aqueles que já foram vencidos - ver
ART. 29.º da Constituição, do qual resulta a solução que é interdição de aplicação
retroactiva de leis penais incriminadoras. Também os ART. 18/3 e 103/3 da
Constituição limitam a retroactividade.
69
Inês Metello
efeitos de factos, a estatuição a lei nova só se aplicará aos factos novos, depois da sua
entrada em vigor.
Tomemos o seguinte exemplo: os contractos de compra e venda que têm por objecto
violinos são válidos na dependência da sua redução a escrito; tal lei entraria em vigor
no dia imediato após a sua publicação. Evidentemente que serão atingidos por esta lei
os contractos de compra e venda que se realizem após a entrada em vigor da lei. Uma
pergunta diferente é se se aplicará num contracto que, apesar de anterior, ainda não
se tenham vencido por falta de pagamento. Claramente trata-se de uma lei que
assenta sobre condições de validade formal; a forma corresponde à exteriorização de
um negócio.
Imaginemos uma outra lei que fixa a capacidade de gozo para casar os 21 anos; de
acordo com o direito vigente, até hoje, a capacidade de gozo para casar atinge-se aos
16 anos. Pergunta-se, quais são as realidades da vida atingidas por esta lei nova?
Obviamente, seriam os casamentos que celebrar-se-iam após a entrada em vigor da
lei; questão diferente é se aplicará a casamentos que se realizaram quando as pessoas
ainda não tinham 21 anos. Trata-se de uma lei que rege uma condição de validade
substancial do casamento; para que um contrato seja substantivamente válido são
precisas várias coisas e uma delas é a de que às partes assista capacidade.
Mas o mais difícil não é isto; o mais difícil é perceber o alcance da referência às leis
que se referem a efeitos de factos. Na segunda parte do ART. 12º diz-se que se as leis
que dispõem acerca do conteúdo de relações jurídicas dispõe de efeitos de factos. O
conteúdo de uma relação jurídica é igual aos efeitos de factos. Por exemplo, o
conteúdo de uma relação jurídica matrimonial será a soma dos direitos e deveres dos
conjugues. O conteúdo de uma relação jurídica entre o dono da obra e o empreiteiro
será a soma dos direitos e deveres das partes.
Sucede que a lei nova, dispondo sobre o conteúdo de uma relação jurídica, tome tais
efeitos directamente por si, abstraindo com autonomia dos factos que dão origem a
esses efeitos. Quando tal acontece e a lei nova dispõe directamente sobre os efeitos,
vale a solução consagrada na segunda parte do nº2 do ART.12º..
70
Inês Metello
Como excepção a esta regra temos a lei interpretativa, que tem efeitos retroactivos,
visto integrar-se na lei interpretada. Já que as leis interpretativas são aquelas que
fazem a interpretação autêntica de outras leis anteriores, entende-se que são
retroactivas por actuarem sobre o passado. Não esquecer que, segundo o ART.13º do
CC, esta lei é retroactiva ressalvando-se os efeitos já produzidos pelo cumprimento da
obrigação e pela sentença transitada em julgado.
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Ao poder político coube a imposição de sanções pela violação de regras que atingisse o
corpo social e, por isso, só os conflitos particulares foram abandonados à justiça
privada.
Supõe-se que sempre houve um poder supremo na sociedade, pois mesmo que as
primeiras sociedades tenham sido as familiares, havia a autoridade familiar que devia
manter a coesão do grupo. Oliveira Ascensão diz mesmo que a justiça privada é
incompatível com as condições da sociedade primitiva, pois é de supor que as
comunidades primitivas, para poderem subsistir, reagissem às manifestações de
indisciplina social, tomando-as como uma ofensa a todo o grupo e não apenas ao
membro contra o qual fora praticada. Mais, só com o atenuar da coesão social é que
surgiu o litígio privado; certas categorias de litígios foram abandonadas aos membros
do grupo que os resolveriam utilizando os meios que dispusessem, recorrendo, em
última análise, à força. É neste contexto que surge o princípio da equivalência dos
males (Lei de Talião).
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Em suma, em qualquer as suas formas o sistema de justiça privada é mau, pois fica
dependente da fora e ninguém é bom juiz em causa própria e todos terão tendência
de sobrestimar as ofensas sofridas e minimizar as praticadas. É por isto que desde o
princípio que os órgãos públicos procuraram intervir, abrindo caminho para que o
Estado tivesse o monopólio de coerção. A esta evolução assistiram várias etapas:
1. Coesão do grupo não admite litígios no seu interior
2. O litígio é admitido
3. Estado tende a universalizar a justiça pública e eliminar a justiça privada
A tutela por parte do Estado dá uma decisão imparcial aos casos pois uma justiça
privada acaba por se tornar na justiça dos fortes.
A tutela pública está centralizada nos tribunais e estes são, em larga medida,
especializados. O que decorre do ART.209/1 da CRP é que existem vários tribunais. Há
assim um reconhecimento por parte da Constituição de que o direito é tão complexo
que é necessário realizar uma especialização. Ao lermos a alínea a) desse mesmo
artigo, fica patente a ideia de uma relação hierárquica entre os tribunais Isto é, dentro
dos tribunais sociais e administrativos há várias instâncias: primeira instância, segunda
instância e supremo tribunal de justiça. Isto é importante pois significa que os tribunais
também se enganam e a possibilidade de recurso é uma garantia para o particular e
uma garantia de igualdade na aplicação do direito. Depois, o processo jurisdicional
funciona com base em dois momentos: fase declarativa e fase executiva.
A primeira fase consiste em saber quem tem razão e por isso o processo é, antes de
mais, declarativo, ou seja, consiste em declarar o direito do caso concreto. Depois da
condenação/decisão é que se põe o problema de pôr em prática essa decisão. A fase
executiva só se impõe quando uma pessoa não executa a sentença voluntariamente.
Assim, realiza-se esta fase para obrigar o réu a cumprir aquilo a que foi obrigado.
No entanto, quando a justiça chega, pode ser tarde demais e é por isso que há um
artigo no Código de Processo Civil – ART.381 – que prevê o lançamento de
providências cautelares. Tomemos o seguinte exemplo: uma mulher sai de casa e leva
a filha consigo; o marido recusa-se a dar pensão de alimentos até ser decretado o
divórcio. Este é um caso de urgência e é necessário algo para o momento, não se
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Contudo, a Constituição tem alguns exemplos de tutela privada, o que demonstra que
ainda existem forças de autotutela, em que os particulares podem actuar manu militari
(pela força). O Direito moderno tem como princípio o de que ninguém é lícito para
recorrer à força com o fim de realizar ou assegurar o seu direito, salvo nos casos
declarados pela lei. Vamos ver algumas manifestações da justiça privada:
Direito de retenção
o O interessado aplica uma sanção por sua conta e risco sem que o litígio
tenha sido solucionado por um órgão imparcial, podendo por isso ser
responsabilizado se não tiver razão .
Desforço
o Castigo do infractor pela vítima ou por terceiro:
O mero desforço não é admitido;
Excepcionalmente admite-se a reacção contra uma violação já
consumada com a finalidade de reconstituição da situação
anterior;
Por exemplo, na tutela de posse: o possuidor
desapropriado, mesmo tendo possibilidade de recorrer à
autoridade pública, pode reagir contra a violação por
suas próprias forças.
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