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Do feixe à pena, um ‘fascista democrata’: uma análise do Estado brasileiro na Obra Política de

Miguel Reale (1931-1937)


Cícero João da Costa Filho1

Introdução

Miguel Reale aparece no cenário político brasileiro ligado ao fecundo movimento do


Integralismo, criado por Plínio Salgado, em 1932. De curta duração, o integralismo tem seu fim como
a implantação do Estado Novo de Vargas. Formado por valores cristãos, como o sentimento, a
alteridade e comunhão (“Deus, Pátria e Família”), e com a máxima “Deus rege o destino dos Povos”, 2
uma verdadeira revolução ideológica tomou conta do rico momento histórico do Brasil da década
1930. Uma verdadeira ‘revolução espiritual’ salvaria o país do terror comunista, do capitalismo, do
liberalismo, num momento de tensão social onde surgiram diversas alternativas políticas e
interpretações de Brasis.
Todo esse cenário de inquietude política deu lastro a presença de elementos de ideologia tanto de
direita como de esquerda. Dentre tantas ideias reverberou por aqui com a simpatia de setores médios,
ex-militares, professores, médicos, etc, o modelo de sociedade gerida por um estado forte, a imagem e
semelhança da Itália e Alemanha. Se para Gustavo Barroso o principal inimigo, o responsável pelos
males não só do Brasil, mas do mundo, era o Judaísmo internacional, fazendo com o que o escritor
descrevesse a História do Brasil como “a ação das forças secretas, agindo nos bastidores da história”;
Plínio Salgado e Miguel Reale como integralistas são antidemocratas que em suas análises reconhecem
a força econômica do judeu, mas desligado da questão racial. Para Barroso, o judeu é como um fungo,
bactéria, bacilo, ‘coçava como carrapato’, o que leva a Tucci Carneiro atribuir que são termos de uma
verdadeira profilaxia social, para o escritor a perversão, a malevolência e a presença ado judeu em
qualquer sociedade causava sua destruição. Mesmo figurando como o último tema nas discussões da
AIB, e conforme aponta Hélgio Trindade, sendo utilizada como tática política para Gustavo Barroso
pleitear a liderança do movimento, rivalizando Plínio Salgado, o antissemitismo de Barroso assumiu
frente à ideologia conservadora de nossas elites um traço eugênico, como o pregado pelo nazismo. O

1
Possui mestrado, doutorado e pós-doutorado pelo Programa de História Social pela FFLCH. Esta comunicação é uma
ligeira reflexão que faço de uma nova pesquisa de pós-doutorado, sob a supervisão da Prof.(a).Dr. Maria Aparecida de
Aquino. E-mail de contato: cicerojoaofilho@gmail.com
2
SALGADO, Plínio. Manifesto da Ação Integralista Brasileira, 1932. In: Obras Completas. São Paulo: Américas, 1955.

0
racismo impiedoso de Barroso assumia as duas versões elencadas por Hannah Arendt, tanto era
tradicional (religioso), como moderno (racial), porque era pela particularidade religiosa que o escritor
destilava seu ódio a uma raça fétida, avarenta, sem amor a pátria, capaz de tudo em nome do lucro.
Plínio Salgado e Miguel Reale desenvolveram uma leitura mais ampla em buscar de solucionar
os problemas do país. Se Plínio era levado por um espiritualismo como forma de “romantizar” a
realidade de um país que tinha como um dos problemas principais à distribuição de terra, 3 Reale é a
figura de intelectual clássico, acadêmico, conhecedor das teorias políticas, econômicas e sociais. Mas,
para além das diferenças, todos os integralistas (no que pese a falta de homogeneidade do movimento
como aponta Trindade, Carone, dentre outros), combatiam o capitalismo, o marxismo (ou outra
ideologia de esquerda), e o espirito liberal, político e econômico, que acirrou a luta de classes e cada
vez mais escravizava o homem.
Baseado nas palavras do chefe, Gustavo Barroso entendia os novos tempos como um “modo de
ser, um modo de viver, um modo de sentir, um modo de pensar, um modo completo de considerar os
problemas do homem, os problemas da sociedade, os problemas da nação, os problemas do Estado, em
uma palavra – uma grande consciência coletiva” 4. Maior revolução de todas as revoluções após a
abolição da escravidão e a Proclamação da República, conforme anotava Barroso, comparado pela
revolução causada pelo cristianismo, à matéria prima para a formação do novo Brasil, grande e forte,
nas mãos da mocidade era a doutrina integralista.
Salgado chamava atenção para os prejuízos causados pelo capitalismo internacional, destruindo
os valores nacionais como a língua, os costumes do homem do campo, as tradições brasileiras em meio
ao cosmopolitismo, ao passo que Barroso culpabilizava a figura do judeu apelando para elementos
raciais (embora negasse que seu antissemitismo fosse racial, mas sim moral ou religioso), justificando
ao leitor tendo em vista o racismo alemão “que esquecem esses indivíduos que o racismo germânico
não é unicamente um pretexto para a campanha antijudaica e sim uma verdadeira doutrina que se eleva
mais alto”;5 Reale discutia a falsa democracia do brasileiro ante um estado liberal (demoliberalismo),
em suas análises reabilitará clássicos como Platão, Aristóteles, Bodin, Rousseau, Locke, Simmel,
dentre tantos outros, passando pelo crivo de Kant e Hegel, mostrando a inviabilidade do que considera
democracia pelas vias do que na história esta se deu.

3
CHASIN, J. O Integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade do capitalismo hiper-tardio. São Paulo: Ciências
Humanas, 1978.
4
BARROSO, Gustavo. Integralismo de Norte a Sul. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1934. p. 71
5
BARROSO, Judaísmo, Maçonaria e Comunismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1937.

1
O integralista e Teórico do Estado Brasileiro

De cultura enciclopédica, ligado ao culturalismo filosófico6, Reale rechaça alternativas políticas


como o socialismo e o marxismo, e outras propostas democráticas que impedem a realização da
liberdade humana, aprisionando a maioria em detrimento de pequenos grupos. Reconhecido pela
historiografia, filosofia e ciência jurídica, como formulador de uma Teoria de Estado, ao passo que
Plínio Salgado era o chefe (figura admirada por todos os integralistas), Barroso era o líder de milícias,
(escritor que historiou uma verdadeira campanha antijudaica conclamando a mocidade brasileira a uma
verdadeira batalha), Reale é o erudito que analisa a passagem do estado brasileiro ‘demoliberal’ para o
Brasil integral com o advento da ‘democracia orgânica’. Em sua Obra Política o escritor se detém
detalhadamente na crítica ao modelo liberal do estado brasileiro.
Miguel Reale é estudado por várias áreas do conhecimento, primeiramente por sua contribuição
na área do direito, interpretando questões clássicas específicas à área, envolvendo nomes como os de
Clóvis Bevilaqua, que problematiza o Estado e suas condicionantes maiores, na análise que elabora
sobre a sociedade. No campo historiográfico, Reale é sempre visto como integrante de um grupo de
intelectuais e políticos de pensamento autoritário formado por Alberto Torres, Azevedo Amaral,
Oliveira Viana, Francisco Campos,7 escritores cujas ideias influenciaram a política de Vargas.
Integralista, o pensamento político de Reale surge num momento de descrença das democracias
liberais, momento turbulento que por um conjunto de fatores reclamava o autoritarismo das elites
brasileiras, a corrupção, a limitada condição de cidadania, etc. Soma-se a este quadro as alternativas
políticas (ainda que os partidos políticos brasileiros fossem desprovidos de uma ideologia), que iam do
enrijecimento do estado, tutelando tudo a imagem e semelhança do grande monstro de Maquiavel, até
proposta de uma sociedade sem estado, caso do anarquismo, influenciado pela presença de imigrantes
italianos em São Paulo, em 1920.

6
PAIM, Antônio. Miguel Reale. Bibliografia e Estudos Críticos. Salvador: Centro de Documentação do Pensamento
Brasileiro, 1999.
7
LAMOUNIER, Bolívar. “Formação de um pensamento político autoritário na Primeira República” In: História Geral da
Civilização Brasileira, Tomo III, 3º Volume, nº 9. São Paulo: Difel.

2
Mas, Miguel Reale pode ser visto como um importante interprete da ‘cultura brasileira’, como
tantos outros, contribuindo para o conhecimento do país, apontando os problemas e seus remédios na
construção de uma nova nação. O eixo central de sua Obra Política é o questionamento de uma
democracia que se faz por vias liberais, nos moldes brasileiros. Buscavam-se alternativas para um país
marcado pela corrupção das elites regionais, que a constituição liberal de 1891 não solucionou
problemas centrais do nosso país, permitindo à perpetuação do autoritarismo de nossas elites, por meio
de um federalismo que mantinha de pé questões centrais do país, sem dar condições para a solução dos
problemas do país, tão pouco da população em geral. Os partidos políticos, verdadeiros nichos
oligárquicos, cerceavam cada vez mais a população, impedindo a materialização das mínimas
condições de cidadania.
O pensamento de Miguel Reale nos faz pensar à ‘transição-superação’ de um Brasil marcado
pela presença de um estado regido politicamente pelas tradicionais oligarquias, com práticas bem
conhecidas de autoritarismo e violência, pela corrupção e pela miséria da população em geral. Neste
cenário, vemos aparecer novas figuras políticas pertencentes a setores de profissionais liberais,
industriais que em tese não dependiam politicamente da força econômica de líderes políticos ligados à
economia rural, um importante número de intelectuais, figuras importantes da igreja, trabalhadores
nacionais e estrangeiros, envolvido na formação de um novo Brasil, dentre tantos projetos de Brasis,
uma nação que atendesse as reivindicações trabalhistas.
Intelectuais se reuniam em busca das raízes brasileiras, num momento de surgimento de
importantes instituições, como o Centro Dom Vital, o Partido Comunista Brasileiro, o grupo Anta e o
Verde-amarelo. Viríamos posturas de direita, formada por homens como Plínio Salgado, Cassiano
Ricardo e Menotti Del Picchia; como formulações diferentes dessas defendidas por Mário e Oswald de
Andrade, decididamente afinados com o pensamento de esquerda, principalmente o último; e a Aliança
Nacional Libertadora (ANL), que fazia crítica aberta ao estado liberal. Nas palavras de Oswald de
Andrade “A Semana dera a ganga expressional em que se envolveriam as bandeiras mais opostas”.
8
Conforme Frente às incertezas do futuro, ao receio das elites com relação ao povo, sustentava-se que o
Estado nacional brasileiro precisava ser forte. Setores dissidentes dos militares, no caso, os tenentes,
remanescentes ligados à economia rural se envolveram na formação deste novo Brasil. O Estado
nacional brasileiro, na era Vargas, buscou aglutinar os mais variados estratos sociais sem perder o

8
CHASIN, José. Op. Cit. p. 178

3
papel de realizar a hegemonia de classe, o que exigiu uma ‘arquitetura moderna’9. Com a emergência
de diversos estratos sociais, advindas daí ideologias as mais dispares o contexto analisado por Miguel
Reale enfrentou um ‘vazio’ político, precisando amalgamar todos esses setores para se fazer nação.
Ainda que nenhuma classe fosse possuidora de um projeto ideológico para propor um modelo
de Estado, como aponta Chauí10, vimos despontar uma pluralidade de matizes ideológicos, que
circulavam da extrema-direita, a vertentes do Socialismo e do Comunismo, em que eram vistos
vanguardistas, tradicionalistas e radicais, “no projeto de construção do Estado Nacional, quando
literatos modernistas, políticos integralistas, positivistas, católicos e socialistas são encontrados
trabalhando lado a lado” 11.
Lidando com problemas históricos de sua formação, dentre estes um pensamento autoritário,
tinha-se um Brasil legal x Brasil real, conforme Oliveira Viana12, de artificialidade política,
contaminada pela invasão do público pelo privado, do personalismo, da influência das ideias
estrangeiras, etc. Na década 1930, mais uma vez o estado enfrenta uma crise permitindo pensar as
bases de nossa organização social e política. Sem ruptura, sempre se reordenando, este novo Brasil não
deixou de ser dominado por uma economia agrária, que sempre rumava à industrialização, formado
por seus ‘males de origem’ (e de continuidade) que bem caracterizaram seu aspecto tradicional. Isso
exigiu uma reformulação das práticas ditas democráticas e (por que não dizer?) do próprio liberalismo.
A questão racial sempre esteve ligada a formação da nação brasileira, escondendo e dando um status
de homogeneidade, era o discurso nacional das elites.
Intelectuais autoritários legitimando o tradicional liberalismo brasileiro com uma “nova”
roupagem esboçavam seus projetos (Oliveira Viana, Francisco Campos, Azevedo Amaral), a classe
trabalhadora simpatizava com as ideias de esquerda emanadas na Europa desde a década de 1920, os
remanescentes do movimento tenentista juntos com setores burgueses (profissionais liberais,
industriais, intelectuais), e setores direitistas (igreja, tenentistas, integralistas, dissidentes do
comunismo, etc), simpatizavam com o movimento de Plínio Salgado. Visando controlar qualquer
forma de anarquia social ou política, setores conservadores buscaram superar o atraso do Brasil
simpatizando com uma nova proposta de sociedade rigidamente hierárquica, baseada nas corporações.

9
GOMES, Ângela de Castro. Autoritarismo e corporativismo no Brasil: o legado de Vargas. Revista USP, São Paulo, n. 65,
p. 105-119, março/maio 2005.
10
CHAUI, Marilena. Ideologia e mobilização popular. 2º Ed. Rio de Janeiro: CEDEC: Paz e Terra, 1985.
11
OLIVEIRA, Lucia Lippi. 1982. “As raízes da ordem: os intelectuais, a cultura e o Estado”. In: A Revolução de 30.
Seminário Internacional. Coleção Temas Brasileiros, volume 54. Brasília: Editora da UNB. p. 508
12
VIANA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2005.

4
Experimentando uma crise que pôs em cheque a crença desmedida da razão quando do
Primeiro Conflito Mundial, somado aos efeitos da crise de 1929, do temor comunista da Revolução de
1917, subsidiou uma estrutura de ideias no Brasil extremamente rica, reabilitando problemas
conhecidos de nossa história. Eram os clássicos problemas nacionais tantas vezes pensados por nossos
interpretes. Estudar a Obra Política de Miguel Reale, especificamente, sua concepção sobre o estado
brasileiro (e suas particularidades, como partidos, soberania popular, liberdade, democracia, etc), é
antes de tudo reabilitar alguns destes problemas que são bastante atuais, como por exemplo, a
corrupção das elites brasileiras, a forma como se realiza a democracia, e acima de tudo reconhecer um
estado que diz democrático cerceando cada vez mais a população.
Construída sob um extremo nacionalismo conservador, que considerava o povo incapaz de lidar
com uma experiência democrática, o modelo de estado que acabou vingando foi pensando por homens
como Alberto Torres, Francisco Campos, incorporando neste nacionalismo o viés xenofóbico, onde o
judeu transforma-se em perigo, raça indesejável. Por isso, vemos a preocupação com a “melhor raça”
(uma discussão já presente nas falas de parlamentares da Assembléia de São Paulo nas três últimas
décadas do século XIX, diante da abolição da escravatura)13 onde o imaginário judeu é bastante amplo,
indo do parasita que se preocupa apenas em lucrar ao judeu infiltrado nas sociedades secretas operando
por meio de um plano de dominação mundial.
Promovedor do corporativismo, o estado pensando por Miguel Reale sob o lema ‘Deus, Pátria e
Família’, é um estado homogêneo, funcionalista, harmônico, orquestrado por elementos morais que
travam a concorrência, o sentimento e o amor presente no universo espiritual dão a tônica do novo
Brasil integral. Na folha de rosto do Manifesto de Outubro se lê: “a nação brasileira deve ser
organizada, uma, indivisível, forte, poderosa, rica, próspera e feliz. Para isso precisamos de que todos
os brasileiros estejam unidos”. Reale pensou um estado forte, constituído por células onde a família era
de suma importância, neste período dicotômico e conturbado dos anos 1930, que nos mostrou
condições para práticas históricas nunca vistas, palco para uma multiplicidade de experiências14.

Problemas, delimitação do tema e uma breve bibliografia

13
LUIZETTO, Flávio V. Os constituintes em face da imigração: estudo sobre o preconceito e a discriminação racial e étnica
na constituição de 1934. Dissertação de mestrado, FFLCH, USP, 1975. ANDREWS, George Reid. Negros e brancos em
São Paulo, (1888-1988). Bauru, SP: EDUSC, 1998. AZEVEDO, Célia Maria Marinho de. Onda negra medo branco: o
negro no imaginário das elites século XIX. 3º. Ed: São Paulo: Annablume, 2004.
14
VESENTINI, Carlos Alberto. A teia do fato: uma proposta de estudo sobre a memória histórica. São Paulo: Hucitec,
1997.

5
O Integralismo foi um importante movimento político e cultural (com uma série de jornais), que
motivou uma série de estudos, com o trabalho de Hélgio Trindade. Dada à importância do movimento,
do boom de trabalhos surgidos com a clássica discussão de que o integralismo era um fascismo à
brasileira, questão que até hoje se faz presente em artigos acadêmicos, lembremos que na área história
os estudos são poucos. Tais estudos pecam por reduzir o pensamento de Reale à pecha fascista, o que
cabe ir além. A priori, lembramos que o integralismo, como afirma Reale é um movimento
nacionalista, base para a compreensão de seus estudos, elemento indispensável para suas análises.
Ainda que o debate historiográfico sobre a influencia do fascismo seja extremamente conhecido, nunca
se deve abandonar a ligação e particularidades do movimento liderado por Plínio Salgado ao fascismo
e nazismo.15 As críticas de Chasin, Wanderlei Correa dos Santos, Antônio Rago, muito bem
fundamentadas apontam tanta à falta de estrutura ideológica para a recepção de uma ideologia fascista
como práticas integralistas diferentes das práticas fascistas, mas isso não invalida pontos de contato
com a política dos estados fortes, que tinha como modelo a Itália e Alemanha. Um ponto em comum é
o Brasil integralista ter um estado formado por sindicatos e corporações, ainda que diferente do estado
italiano. Reale algumas vezes critica a política fascista, mas Mussolini aparece inúmeras vezes em sua
obra como o grande modelo de líder. Concordamos com Rodrigo Santos Oliveira quando afirma que
“as influências do fascismo europeu são inegáveis, tendo em vista a estruturação do movimento e seus
pressupostos políticos”.16
Chasin elabora uma análise minuciosa (trata-se de uma leitura ontológica) que analisa as
condições de possibilidade do fascismo no Brasil. Aponta as incoerências da ideologia fascista num
país de capitalismo agrário, sem as contradições necessárias para o embate de classes, que dê sentido a
existência de um regime fascista no Brasil. O autor citado busca captar toda a objetividade histórica e,

15
Rodrigo Santos de Oliveira faz um excelente balanço sobre a “evolução dos estudos integralistas”, em sua tese de
doutorado. Conforme o autor em artigo acadêmico sua divisão em “fases” e “gerações” foi apresentada no 1º. Encontro de
Pesquisadores do Integralismo em Rio Claro. Somos integrantes do GEINT (Grupo de estudos integralistas), e
acompanhamos discussões pertinentes ao tema. A preocupação historiográfica é inserir o integralismo (formação, trajetória
e ideologia), a rica produção de ideias com uma farta produção de jornais, sua importância histórica como alternativa
política para o agitado Brasil da época. Resta a ideia de um movimento homogêneo, tanto político como culturalmente,
apesar da diversidade de ideias durante a década de 1920, como por exemplo, entre as correntes Verde Amarela e Anta.
Assim, essa é a primeira vertente de análise, até a crítica de Wanderlei Correia dos Santos que tende sempre a reforçar o
integralismo como um movimento ligado a direita brasileira, que com o apoio de classes emergentes e profissionais
liberais, médicos, professores, apenas reforça a concepção de um movimento autoritário. SILVA, Giselda Brito (Org).
Estudos do integralismo no Brasil. Recife: Ed. da UFRPE, 2007.
16
OLIVEIRA, Rodrigo Santos. Imprensa Integralista, Imprensa Militante (1932-1937). Tese de Doutorado defendida no
Programa de História da PUC-RS, 2009. p. 36

6
partindo de conceitos lukácsianos combate o determinismo dos agentes históricos do marxismo na
explicitação do movimento integralista no Brasil. Elabora uma leitura residual 17 almejando não deixar
nada de fora, a fim de descortinar a fragilidade do discurso integralista. Chasin chega à conclusão da
utopia romântica tributária de uma visão liberal que analisava a situação brasileira análoga a realidade
dos países de origem totalitária da época. Trata-se de uma análise profunda, que conforme Antônio
Candido sofre de certa prolixidade, tributária que é de ‘imprecisões luckasianas’, herdadas de sua
leitura de Marx. Para o crítico literário a maior contribuição do autor foi transformar o que era “fato”
em ‘problema’.18
A preocupação maior da historiografia sobre o integralismo ainda é a análise de um movimento
nacionalista e de direita num país sem estrutura ideológica para tal, seria a recepção de “ideias fora de
lugar”, como lembrou Robert Schwarcz analisando a influência das ideias científicas na transformação
do Brasil imperial para o republicano. Mas, dessa falta de estrutura é que surge um movimento político
para destacar nomes como os de Plínio Salgado, Miguel Reale, Gustavo Barroso, Olbiano Melo, etc.
Não basta reconhecer a ausência de elementos para a instalação do fascismo, pois isso vai de encontro
ao próprio movimento que teve particularidades fascistas. Dessa forma um olhar mais amplo é
bloqueado frente um cenário histórico, político e econômico, responsável por uma alternativa política
que mobilizou milhares de adeptos. Boa parte da historiografia sobre Miguel Reale reduz-se a pecha
fascista do escritor integralista, impedindo a própria investigação das particularidades de seu
pensamento. Não é suficiente, por exemplo, afirmar que o Capitalismo Internacional, o Liberalismo
(político e econômico), o Marxismo e todas as ideologias de esquerda, e, sobretudo um Estado
tutelador (estado demoliberal) onde a democracia se fazia, eram os elementos combatidos pelo
integralista, mas sim procurar entender a formação de um autor convicto de que a verdadeira
democracia só era possível num Estado Forte, uma “democracia orgânica”. Nessa ótica o texto de
Ricardo Benzaquén de Araújo é exemplar para nossas análises, este traz passagens como esta

A corrente integralista, adotada por Reale, também se preocupa em combater o


individualismo e devolver a autoridade ao Estado, mas de forma inteiramente diferente da
postulada pelo totalitarismo. Não se trata, então de absolutizar o Estado e eliminar o
indivíduo, aceitando-se, com o sinal trocado, a oposição imposta pela doutrina liberal. O
que se pretende, ao contrário, é a superação dessa contradição, anulando-se o antagonismo
entre o indivíduo e o Estado, entre a liberdade e a autoridade.

17
RAGO FILHO, Antônio. Antônio. A crítica romântica a miséria brasileira: o integralismo de Gustavo Barroso. São Paulo:
PUC, 1989.
18
Outros trabalhos já bastante conhecidos trabalharam em diversas frentes a influência da ideologia fascista no
integralismo, principalmente na obra de Plínio Salgado.

7
Para tanto, torna-se indispensável uma concepção de totalidade completamente diversa da
sugerida pelo totalitarismo, uma totalidade orgânica, diferenciada e complexa, que articule
os elementos que a compõem, os indivíduos e os grupos, sem deixar de reconhecer os seus
valores próprios e singulares. 19 (grifo do autor)

Como se vê, Benzaquén esmiúça um dos elementos tão caro ao pensamento de Reale, no caso,
sua visão democrática, que faz parte de uma concepção orgânica, explicitando a visão de um
intelectual defensor de um Estado Integral, não “autoritário”, um Brasil que saía da instrumentalização
dos partidos operada por poucos, para a liberdade do homem num país formado por sindicatos e
corporações. “A Democracia sempre foi o nosso ideal. E foi por amor à Democracia que repudiamos o
Liberalismo e o Socialismo que dela se tem servido como mero instrumento, ora para a prepotência das
minorias plutocráticas, ora para a exploração demagógica dos sofrimentos populares”20
Excelentes análises são as reflexões de Antônio Paim e Francisco de Souza21. Tais trabalhos
podem configurar uma História das Ideias, perdendo de vista o lado político de movimentos sociais,
culturais e políticos, mas guardam traços indispensáveis para a compreensão da posição integralista do
autor. Tais estudos apontam a importância das obras Capitalismo Internacional e Formação da
Política Burguesa para a compreensão de Reale.
Importante é a dissertação de Alexandre Pinheiro Ramos onde este faz uma análise
comparativa entre os integralistas Plínio Salgado e Miguel Reale. Trata-se de um trabalho que deve
lido, pois mostra conforme o autor o posicionamento dos integralistas, o homem comum que foi Plínio
Salgado em contraposição ao homem acadêmico que foi Reale. Mas, a nosso ver parte do pré-conceito
de reduzir o pensamento de Reale ao fascismo, a sem buscar compreender o posicionamento do jurista
dentro de uma ordem maior. O conteúdo histórico só vem em razão de a cada instante reforçar um
Miguel Reale fascista, obstando o pensamento do autor. Em sua dissertação Alexandre tem como
objetivo

dar uma contribuição, ainda que ínfima, aos poucos estudos acerca de Miguel Reale
realizados no campo das ciências humanas, procurando ampliar horizontes ou despertar
novos interesses, e assim demonstrar sua importância tanto para o Integralismo quanto para
o pensamento político nacional; e demonstrar, de maneira mais concreta, as profundas
diferenças existentes no seio da Ação Integralista Brasileira – no presente caso, tratamos
apenas das idéias produzidas pelo chefe nacional, Plínio Salgado, e o chefe da doutrina,
Miguel Reale.22

19
ARAÚJO, Ricardo Benzaquén. In: Medio Virtus: uma análise da obra integralista de Miguel Reale. pp. 17-18
20
REALE, Miguel. “Integralismo e Democracia”. In: Obras Políticas. p. 246
21
MIGUEL REALE: Bibliografia e Estudos Críticos. Salvador: Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro, 1999.
22
RAMOS, Alexandre Pinheiro. O Integralismo entre a família e o Estado: Uma análise dos integralismos de Plínio
Salgado e Miguel Reale (1932-1937). Rio de Janeiro: UERJ, 2008. p. 55

8
Uma série de artigos acadêmicos, principalmente na área de história, juntamente com
comunicações em eventos e simpósios possuem como temática a figura de Miguel Reale. O grupo na
internet GEINT permite boas discussões sobre análises de regimes de direita, viabilizando leituras
sobre as três mais destacadas do movimento, como Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale.
Escolhemos dois excelentes artigos na área da história, que é o de João Fábio Bertonha e o de Felipe
Cazetta. No primeiro texto, vemos o autor alertar o leitor para os “vários integralismos”, não
esquecendo particularidade em comum. Adentrando ao texto de Bertonha23 conheceremos a influência
do Dante Alighieri na formação de seu pensamento fascista, da aproximação do governo italiano na
divulgação das ideias fascistas, e de temas importantes como a presença do catolicismo, a questão
operária e corporativa formando seu pensamento. O autor reforça o fascismo do jurista apontando a
conjetura da época (relativizando até uma interpretação totalitária), a vida deste no maior centro do
país, e as diferenças com relação às posições de Plínio Salgado e Gustavo Barroso, dentre estas, a
questão antissemita. Neste aspecto, o artigo aponta que Reale, por meio do jornal da Faculdade de
Direito, portava certo racismo. O ponto negativo deste artigo é não trabalhar a questão do
Totalitarismo, não basta identificar o integralista como totalitário sem analisar sua visão de
democracia.
Felipe Cazetta 24
aborda as influências de autores revisionistas do marxismo na evolução do
pensamento de Reale. Conforme o autor na assimilação de leituras (Reale no início de carreira
acadêmica se declarara socialista), este pontua a influência de Rosseli que separava materialismo
histórico de socialismo liberal. Desse modo, Reale mesmo sendo um adepto do marxismo, negava e
automaticamente extraía deste certo socialismo liberal trazendo a moral como elemento indispensável
de seu pensamento integral. Num outro artigo muito importante, intitulado Da “Grécia Antiga” ao
estado Integral: Propostas Políticas e o Respaldo “Histórico” Construído por Miguel Reale 25, Cazetta
analisa a formação democrática na Grécia e Roma, historiando a dissolução do poder central sob a
hierarquia da Igreja, rumo à síntese do Estado integral. É uma excelente análise, já que trata da análise

23
BERTONHA, João Fábio. O pensamento corporativo em Miguel Reale: leituras do fascismo italiano no integralismo
brasileiro. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 33, nº 66, 2013. pp. 269-286.
24
CAZETTA, Felipe. Trajetória intelectual do integralista Miguel Reale: do socialista liberal até a crítica ao liberalismo e
ao socialismo. Revista de Teoria da História Ano 5, Número 10, dez/2013.
25
CAZETTA, Felipe. Da “Grécia Antiga” ao estado Integral: Propostas Políticas e o Respaldo “Histórico” Construído por
Miguel Reale. Mediações, Londrina, V.19, N.1, Jan/Jun, P. 102-118.

9
da estruturação do estado, seguido da concepção histórica de Reale, seguida de sua opção pelas
corporações em detrimento dos partidos políticos.
Boa contribuição é a de Gustavo César Machado Cabral, especialista em história do direito. Em
A Política no jovem Miguel Reale, o teórico do Integralismo, Gustavo César explicita o pensamento
político de Miguel Reale, Gustavo César elabora uma análise muito coesa sobre pontos cruciais do
pensamento de Reale. Temas como a crítica a democracia liberal (demoliberalismo), que foi a base da
crítica do integralista, e seus diversos produtos, como a formação dos partidos são analisados pelo
autor. A solução para os inúmeros problemas da democracia liberal seria um estado corporativista,
onde a representação se desse a partir dos sindicatos, onde cada indivíduo formaria a totalidade
(lembramos que integralismo significa soma, a soma das vontades particulares), contribuindo com sua
capacidade individual. Passagens como essa demonstram a boa leitura do artigo

Dessa forma, o Estado nem seria um meio, como pretendem os liberais, e tampouco seria
um fim, como queriam os socialistas, mas um fim e um meio: “Fim, porque age como
agiria a sociedade toda se tivesse consciência própria, e não apenas segundo a resultante
mecânica das vontades individuais; meio, porque é através dele que o homem consegue
atuar as forças que tem em potencialidade. 26

Paxton em Anatomia do Fascismo aponta a complexidade do maior movimento político do


século XIX, que sem uma razão abstrata que o fundamentasse teve com principal característica a
capacidade de mobilizar as massas. Sem uma causa coerente que pudesse dá identidade ao fascismo,
este não possuía um corpo teórico, foi construído ao sabor das necessidades políticas, peculiares a cada
país. Entre regime e movimento, o autor mostra problemas como à falta de uma classe homogênea,
com ideais e as promessas prometidas pelo regime que logo foram abandonadas, denotando a
instrumentalização de um conceito genérico. O que se denomina de fascismo (para uma melhor
compreensão, um corpo teórico de ideias fascistas), fugiu aos diversos “ismos”, tratava-se de uma
mera conceituação genérica que só dificultava a análise do movimento. Diferente do liberalismo ou do
comunismo, o regime criado por Mussolini não contou com um livro de doutrina fazendo com que
seus seguidores recorressem a este em momento das práticas fascistas, como fizeram liberais e
marxistas, “A preparação intelectual e cultural pode ter tornado possível imaginar o fascismo, mas ela
não o causou. Mesmo para Sternhell, a ideologia fascista, que, segundo ele, já havia atingido sua forma

26
CABRAL, Gustavo César Machado. A Política no jovem Miguel Reale, o teórico do Integralismo, Gustavo César
explicita o pensamento político de Miguel Reale. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, vol. 59, n. 3, p. 85-
108, 2014. p. 98

10
plena em 1912, não foi o único fator na formação desses regimes. Foi por meio de escolhas e atos que
os regimes fascistas foram incorporados às sociedades”. 27
Podemos a partir das análises de Paxton verificar a agitação de ideias da década de 1930, donde
a existência de diversas alternativas políticas sem insistirmos numa coerência interna (fascista) com
particularidades de um fascismo genérico, ainda que saibamos que no Brasil sempre existiu um
pensamento conservador. Mas, este olhar gera um determinismo histórico que invalida o próprio
objeto, no caso, a discussão sobre a democracia no Brasil. Este olhar dificulta a apreensão de nosso
objeto, porque parte do pré-conceito, por exemplo, de um escritor que defendia a chegada da melhor
alternativa política, no caso, o estado integral (forte, disciplinado, moral), sem uma ideologia, o que é
um caro prejuízo do ponto de vista da pesquisa histórica, pois todos os temas levantados por Reale são
inúmeros e extremamente amplos, e o escritor se espreitou que iam tanto do revisionismo marxista
como ultraconservadores. Para além de uma análise maniqueísta (o que prevalece na historiografia),
buscamos analisar a visão integralista de Miguel Reale, donde sua crítica ao liberalismo, ao marxismo,
ao capitalismo, etc, e o ponto principal (de partida), de toda sua crítica, que é seu combate a
democracia liberal, apenas solucionada com a formação do estado integral.
As análises historiográficas esboçam o caráter de um pensamento fascista em formação,
conferindo e dando consistência ao abrigo da ideologia nacionalista, em função da geração de
escritores como Azevedo Amaral, Francisco Campos, Oliveira Viana, Alceu Amoro Lima,
responsáveis pela formação de um pensamento autoritário. Tais análises são prejudicadas porque
partem de um imaginário já fixado, restando apenas apreender o movimento integralista como mero
produto do tenso momento histórico, dificultando a investigação das peculiaridades brasileiras,
impossibilitando assim o conhecimento deste importante teórico do estado nacional brasileiro.
Antes de tudo é preciso entender o que o escritor concebia por democracia, pois o liberalismo e
o marxismo tornavam impossível a verdadeira liberdade humana. Antes de reduzir a farta produção do
escritor a pecha de fascista, é indispensável entender porque em sua obra o liberalismo, assim como o
marxismo (os clássicos escritores contratualistas, Rousseau, Hobbes, Locke, Hegel, Kant), são
tenazmente combatida. Reale é simpatizante de regimes democráticos somente possíveis nos Estados
fortes, donde suas análises de um Brasil integralista sob a totalidade da democracia orgânica. Trata-se
de um pensador funcionalista, com um modelo de pensamento por demais esquemático, donde a
harmonia de todos os elementos, fosse no plano ético, econômico, cultural, religioso, racial, etc. O

27
PAXTON, Robert O. A Anatomia do Fascismo. Trad. Patrícia Zimbres e Paula Zimbres. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

11
autor defende o integralismo antes de tudo por ser este um movimento nacionalista, que indo ao
encontro da nação (o estado integral era o encontro com a sociedade), não permitia qualquer
antagonismo entre as partes.
Miguel Reale é um teórico do estado, que pensa uma organização sócio-política capaz de gerar
a “verdadeira” democracia, daí seu combate ao liberalismo (demo-liberalismo), ao marxismo, ao
capitalismo, somente possíveis em razão do pensamento natural (direito), que nunca questionou a
tutela do estado, fazendo deste uma espécie maquiavélica, donde suas análises no plano político sobre
soberania e vontade geral; no plano econômico sobre os males provocados pela não intervenção do
estado na economia, sem moral; e no plano filosófico, o importante tema da liberdade humana, da
moral e da gnosiologia. O estado não se faz de forma contratual, conforme ideologia do pensamento
clássico, tributário do naturalismo clássico desde os tempos de Platão e Aristóteles, este é um produto
da ação dialética sociedade e estado, tendo sua razão de ser pela verdadeira democracia, que põe em
prática o poder do povo para o povo. A principal crítica de Miguel Reale integralista é sua crítica à
democracia liberal (em sua maturidade intelectual após sua militância veio a se mostrar simpatizante
do regime liberal), razão de sua investigação na formação dos modelos de estado liberal de Grécia e
Roma, combatendo uma democracia de uma minoria.
Transcendendo a análise tipológica de Wanderley Guilherme dos Santos, onde este elabora
uma verdadeira tipologia epistemológica do pensamento sociológico brasileiro (matriz institucional,
matriz sociológica, matriz ideológica), trazemos o momento em que surge o pensamento de Miguel
Reale, “Entre 1930 e 1939 produzem-se no Brasil as mais argutas análises sobre o processo político
nacional, elaboram-se as principais hipóteses sobre a formação e o funcionamento do sistema social, e
articula-se o conjunto de questões que, em verdade, permanecerão até hoje como o núcleo
fundamental, embora não exaustivo, de problemas a serem resolvidos teórica e praticamente”. 28
Análise significativa é a de Bolívar Lamounier combatendo a existência de um “pensamento
autoritário” vigente na Primeira República por parte de alguns ensaístas brasileiros como Francisco
Campos, Oliveira Lima, Azevedo Amaral (autores lidos e por vezes citados nos textos de Reale),
quando da formação de reflexões ilógicas, observadas sob o plano exterior, problema clássico da
história das ideias e da historiografia brasileira. Para além da proposta problematizada por Lamounier
na crítica ao pensamento esquemático de seus respectivos autores, estamos preocupados com a

28
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Ordem burguesa e liberalismo. São Paulo: Duas Cidades, 1978. p. 37

12
concepção de Miguel Reale enquanto importante integralista, intérprete significativo e apontando
como um teórico criador de uma Teoria de Estado.
Inúmeros são os artigos acadêmicos que tratam sobre as particularidades do pensamento de
Reale. José Maurício de Carvalho em artigo faz uma breve análise sobre o tema da liberdade (sobre
Reale o autor afirma ser este adepto de uma versão social do liberalismo), mostrando a influência de
Ortega y Gasset, por sua vez influenciados por Husserl. Sobre o integralismo escreve que

A teoria política integralista, na forma sistematizada por Miguel Reale, reunia os grupos
constituintes da sociedade: eliminando a separação absoluta entre indivíduo e Estado,
distinguindo socialização de estatização, fazendo do Estado o mediador das classes e dos
interesses grupais e, finalmente, permitindo o exercício da liberdade pessoal assegurada a
justiça social. A síntese resumida anteriormente revela que Miguel Reale entendia que o
sistema político integral herdava do kantismo o propósito de uma vida social pautada na
ética e liberdade, mas sem prescindir dos limites e força do Estado para coibir os excessos
nascidos do egoísmo humano. 29

Ainda que se trate sobre a questão da liberdade, não há como separar esta de sua forma ampla
de pensar, preocupada em garantir a realização moral e ética frente um Estado que viabilize a
capacidade individual, “o desafio de um projeto desta envergadura precisa considerar o fracasso das
tentativas de aproximação dos problemas existenciais e com o marxismo, como pretendeu fazer Jean
Paul Sartre. Fracasso que se explica pela impossibilidade de justapor o materialismo histórico com as
instâncias pessoais de liberdade como Sartre pretendeu solucionar a questão” 30
As limitadas interpretações pela historiografia só aumentam quando sabemos da falta de
unidade de um pensamento integralista, somadas a análise sobre um pensador fascista, reduzindo e
partindo de elementos já predefinidos. Para compreender o posicionamento de Miguel Reale
integralista é imprescindível conhecer sua Teoria Tridimensional do Direito.

Métodos

Nossa pesquisa reside no primeiro momento da produção de Reale (1932-1937), como chega a
escrever no início de sua Obra Política, publicada pela UNB. Seja por meio de uma metodologia que
privilegie a história oral na recuperação da ‘memória’ integralista tendo este como um dos mais
importantes integrantes do movimento, com o objetivo de mostrar a importância da AIB, como

29
CARVALHO, José Maurício de. Miguel Reale, do integralismo ao liberalismo social, a defesa da liberdade. p.4
30
Ibidem. p.6

13
também reabilitando a história do movimento por uma historiografia surgida nos idos de 1970, tais
análises pecam por ‘girar em ciclo’: contextualizam o momento apontando o conturbado período
histórico brasileiro, mas não avançam do ponto de vista da pesquisa histórica, por associar que os
agentes históricos produzem sempre os mesmo resultados, gerando uma visão monolítica e
determinista.
Ainda que não seja nossa preocupação cabe pontuar, ainda que de forma breve, particularidades
do integralismo brasileiro para extrair as ‘raízes’ do pensamento de Reale. Ainda que divergências
houvesse no seio do integralismo, existem pontos em comuns, como por exemplo, o caráter
nacionalista presente na posição ideológica de seus integrantes. Desse modo, é indispensável
problematizar como esse nacionalismo aparece em Reale, que ao contrário de Salgado e Barroso,
focou na formação de um Estado brasileiro, forte, onde o ser pudesse alcançar sua liberdade humana.
Nessa ótica o trabalho de Chasin é crucial para entendermos como a partir do próprio discurso de
Plínio Salgado, seu movimento político “não encontrava terreno” no próprio país de origem. O
nacionalismo logo se confundia com o espiritualismo cristão, deixando claro o uso e
instrumentalização de um movimento tomado por todos os países ocidentais no pós-guerra.
Antônio Rago descarta a possibilidade de um fascismo no Brasil, por não apresentar o país
contradições capitalistas capazes para a emergência de um movimento como o criado por Mussolini,
pois era o Brasil um país de ‘capitalismo tardio’. A empolgação de jovens pelo primeiro movimento de
massas no Brasil e a moda integralista, no dizer de Florestan Fernandes rendeu uma rica produção
acadêmica a partir dos anos 1970, com os pioneiros trabalhos internacionalmente de Carlos Henrique
Hunsche e Arnoldo Nicolau de Flue, e no Brasil com o livro de Hélgio Trindade, suscitando tempos
depois por um série de trabalhos, teses, e atualmente conta com milhares de pesquisadores e
interessados pelo tema participantes de um grupo na internet denominado GEINT (Grupo de
estudiosos do integralismo. 31
Nesse momento inicial da pesquisa, estamos relendo a Obra Política de Miguel Reale, como
também trabalhos clássicos sobre a influência fascista no integralismo, a fim de entender o movimento,
sua ideologia (ainda que não se possa falar em integralismo, dada as posições divergentes de seus
integrantes), com o objetivo de entender a postura de um homem descrente com a democracia nos
moldes liberais, onde o homem era cerceado cada vez mais por um Estado que só tutelava, impedindo a

31
Como o integralismo surge num momento de indefinição da política brasileira, suas influências ainda que certos autores
relevem as singularidades brasileiras como Hélgio Trindade, Hélio Silva, Marilena Chauí, Robert Levine, Milgran, Lesser,
Marcos Chor, Roney Cytrynowicz, Gilberto Vasconcelos, etc.

14
verdadeira democracia. Estamos relendo a bibliografia, fazendo um levantamento bibliográfico
buscando compreender o posicionamento de um escritor simpatizante com os regimes fortes (a
democracia integral), mas analisado em seus elementos e não em sua totalidade.

Fontes

REALE, Miguel. Obras Políticas: 1ª Fase - 1932-1937. Brasília: Editora UnB, 1983. 1 v.
______Obras Políticas: 1ª Fase - 1932-1937. Brasília: Editora UnB, 1983. 2 v.
______Obras Políticas: 1ª Fase - 1932-1937. Brasília: Editora UnB, 1983. 3 v.

Bibliografia

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Rio de Janeiro: CPDOC, 1988.
CHASIN, José. O Integralismo de Plínio Salgado – Forma de regressividade no capitalismo hiper-
tardio. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1978.
CHAUÍ, Marilena. “Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira”. In: Ideologia e
Mobilização. Rio de Janeiro: Paz e Terra/CEDEC, 1978.
______“Notas sobre o pensamento conservador nos anos 30: Plínio Salgado”. In: A Inteligência
Brasileira. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1986.
LAMOUNIER, Bolívar. “Formação de um pensamento político autoritário na Primeira República” In:
História Geral da Civilização Brasileira, Tomo III, 3º Volume, nº 9. São Paulo: Difel.
LEVINE, Robert. O Regime Vargas: os anos críticos (1934-1938). Tradução de Raul de Sá Barbosa.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
SILVA, Giselda Brito (org). Estudos do Integralismo no Brasil. Recife: Editora da UFRPE, 2007.
SILVA, Hélio. Terrorismo em Campo Verde. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1971.
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. Rio de Janeiro: DIFEL /
Difusão Editorial, 1974.
VASCONCELLOS, Gilberto. A Ideologia Curupira. São Paulo: Brasiliense, 1979.

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GOMES, Ângela de Castro. Autoritarismo e corporativismo no Brasil: o legado de Vargas. Revista USP,
São Paulo, n. 65, p. 105-119, março/maio 2005.
HOBSBAMW, Eric. Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro:
Paz & terra, 1990.
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Revolução de 30. Seminário Internacional. Coleção Temas Brasileiros, volume 54. Brasília: Editora da
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PANDOLFI, Dulce (org). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro, FGV, 1999.
RAGO FILHO, Antônio. A crítica romântica a miséria brasileira: o integralismo de Gustavo Barroso.
São Paulo: PUC, 1989.
VESENTINI, Carlos Alberto. A teia do fato: uma proposta de estudo sobre a memória histórica. São
Paulo: Hucitec, 1997.

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