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Alguém que pode ser colocado nesse segundo grupo foi Oswaldo Lamartine
de Faria, agrônomo e escritor Norte-Rio-Grandense com atuação entre as décadas
de 1950 a 2000. Em toda a sua produção intelectual podemos ver despontado em
grandes quantidades essa atração pelo meio natural. Uma amostra disso se encontra
em Sertões do Seridó (1980) onde ele fala:
1
Luís da Câmara Cascudo foi um grande amigo de Oswaldo Lamartine. No livro de Cascudo para
Oswaldo publicado 2005 foram reunidas correspondências endereçadas por Cascudo a Lamartine nas
Mauro Mota2. Algumas das características desse movimento são, a valorização de um
passado agropastoril marcado por um tipo de sociabilidade hierárquica, passado pré
– industrial no qual prevaleciam modos de produção artesanais. A partir desses
elementos esses intelectuais construíram a ideia do que é a cultura popular.
Essa saudade lhe acompanhará durante todo o seu percurso como escritor,
podemos dizer inclusive que, a saudade é o grande motivador de sua escrita já que é
quais podemos observar uma constante troca de informações e referências sobre o folclore e a história
potiguar.
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No livro Em Alpendres de Acauã: Uma conversa com Oswaldo Lamartine de Faria quando ele cita os
livros mais significativos de sua vida aparecem entre eles, Terra do Sol de Gustavo Barroso, Paisagens
da Seca de Mauro Mota e Vaqueiros e cantadores de Luís da Camara Câscudo.
no período no qual se encontra mais distanciado do Sertão que ele começa a escrever
e pesquisar sobre ele3. Assim como Cassimiro que vivendo em Portugal escreve seu
livro As primaveras (1859) tendo em mente o Brasil, Oswaldo se via como uma
espécie de exilado no Rio de Janeiro que escreveu seus livros com o pensamento
focado no Sertão.
Por falar em Sertão é interessante notar como ele constrói esse espaço. Ao
contrário das descrições convencionais que definem a paisagem sertaneja com
pinceladas de sofrimento e dor, a abordagem de Lamartine é a de um Seridó leitoso
e hídrico. Suas brincadeiras são quase todas na água. Água boa e limpa dos açudes
que vai venerar em seu ensaio Os Açudes dos Sertões do Seridó (1978). Isso se deve
talvez pela posição ocupada por seu pai dentro da hierarquia social daquela época
uma vez que além de político, Juvenal Lamartine também era proprietário rural e
pecuarista. A visão sobre o Seridó seco, pedregoso vai aparecer posteriormente em
suas obras.
Essa infância urbana narrada por Lamartine apresenta uma cidade que ainda
apresenta traços do mundo rural entre eles os sítios onde se pode recolher frutas. Era
uma época em que não existiam tantos muros, onde as crianças tinham plena
3
Lamartine publica seu primeiro estudo sobre o Sertão
liberdade de vivenciar vários espaços desbravando os bairros em diversos tipos de
brincadeiras coletivas que ele cita em múltiplos exemplos.
Da mesma forma como o Sertão do Seridó será um espaço importante por ser
um foco de reminiscências da infância, essas fazendas e os núcleos coloniais serão
relevantes por proporcionarem ricas experiências sensoriais em um contato direto
com a terra e com a natureza circundante. Isto é identificado por Tuan como o segundo
e o terceiro estágio da topofilia onde o espaço começa a ser verdadeiramente
percebido para além da mera visualidade. Aqui ele ganha significados e desperta
fortes sentimentos.
Além da leitura e escrita sobre a cultura e o espaço sertanejo outra forma pela
qual Oswaldo se mantinha entretido era o trabalho em um pequeno pedaço de terra
em Itaipava no Rio de Janeiro. Lá ele podia calejar as mãos e se sujar de terra. A
principal atividade nesse chão era plantar arvores em homenagem a seus entes
queridos falecidos ele explica:
E uma forma de orar para quem não sabe rezar com palavras. Veja
que a gente fica de joelhos para plantar. Em Itaipava/ RJ, onde tive um
lenço de chão, plantei árvores em homenagem aos meus mortos. E
ainda hoje daqui dessas lonjuras, sou capaz de identificar cada uma.
Sei onde está o pé – de – sibipiruna de meu pai, os angicos de minha
mãe e Terezinha (minha babá), o ipê amarelo de Hélio Galvão. Arsênio
Pimentel e Erica filha dele, Isadora e Lucy em araucária. Zila Mamede,
Luís Tavares, Leonardo, Zé Gonçalves e Armando Viana, pinus elioti
e thaeda. Guilherme Azevedo em bordão – de – velho, José Braz em
piquiá o Cego Lula (Luiz Maranhão Filho) em pinho de Riga além dos
irmãos e tantos outros amigos que, nas minhas insônias, ainda daqui
os cultivo. (LAMARTINE DE FARIA, 2001.p. 40).
Sabemos que as arvores tem sido símbolos muito fecundos ao longo do tempo
em variadas culturas. Shama (1996) salienta seu uso como representantes de uma
identidade nacional e cita o caso das sequoias americanas que através de sua
longevidade e grande porte estariam ali desde muito antes do Mayflower a anunciar o
destino manifesto do povo estadunidense, tais plantas serviram de tema para muitos
de seus grandes paisagistas. Mais além de identidades nacionais, arvores tem sido
usada em muitas religiões como no Cristianismo com sua arvore da vida e arvore do
conhecimento. Dentro da iconografia cristã abundam imagens de arvores significando
a ressurreição de cristo como a oliveira.
E de fato tudo o que vimos até agora nos mostra isso, a força dessa ligação
com a terra natal e o poder das lembranças. Tuan salienta isto como um dos estados
mais avançados da topofilia quando homem personifica seu lugar especial tanto pela
força das lembranças quanto pelas marcas deixadas em seu corpo.
Conclusão
Por fim tivemos sua longa estada no Rio de Janeiro, anos de muita saudade
da terra natal que ajudaram a moldar sua personalidade e estilo. Tempo também de
muitas leituras em horas e horas passadas entre os livros dos sebos cariocas reunindo
se alimentando das palavras de grandes escritores. E no final o retorno ao chão natal
machucado pela perda.
REFERENCIAS
COSTA, Tácito. Oswaldo Lamartine de Faria: Sob o peso das lembranças. Preá:
Revista de cultura, Natal, v. 1, n. 15, p.8-11, nov. 2005. Bimestral.
CASTRO, Marize Lima de. Areia sob os pés da alma: uma leitura da vida e obra de
Oswaldo Lamartine de Faria. 2015. 171 f. Tese (Doutorado) - Curso de Letras,
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Natal, 2015.
FARIA. Oswaldo Lamartine de. Sertões do Seridó. Brasília: Senado federal centro
Gráfico,
1980.
NETA, Olivia Morais Medeiros. Ser (tão) Seridó: Em suas cartografias espaciais.
2007. 111 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de História, Centro de Ciências
Humanas Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2007
SHAMA, Simon. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.