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JUSTIÇA MILITAR
RESUMO - Este artigo analisa a competência da Justiça Militar da União brasileira para
o julgamento de civis em tempo de paz, bem como expõe o entendimento dos órgãos
da ONU que compõem o sistema internacional de proteção de direitos humanos quanto
ao julgamento de civis por tribunais militares. Conclui que a Justiça Militar da União tem
legítima competência constitucional para julgamento de civis, sendo tal atribuição
perfeitamente compatível com os tratados internacionais de direitos humanos e com o
entendimento esposado pelos órgãos das Nações Unidas. Por fim, propõe-se que os
civis devem ser julgados, monocraticamente, pelo juiz-auditor, em razão dos princípios
da independência e imparcialidade objetiva.
ABSTRACT - This article analyzes the jurisdiction of the Brazilian Military Justice of the
Union for the trial of civilians in peacetime, as well as exposes the understanding of the
United Nations’s bodies of international human rights system regarding the trial of
civilians by military courts. It concludes that the Military Justice of the Union has a
legitimate constitutional jurisdiction for trial of civilians, such attribution being perfectly
compatible with international human rights treaties and with the understanding espoused
by the United Nations. Finally, it is proposes that civilians should be judged,
monocratically, by the civil judge, on the grounds of the principles of independence and
objective impartiality.
1. Introdução
Um grande desafio jurídico para Justiça Militar da União brasileira (JMU) é
delimitar precisamente sua competência, em conformidade com a Constituição Federal
1 Juiz-Auditor Substituto da Justiça Militar da União, lotado na Auditoria da 8ª CJM, com sede em
Belém/PA. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. Especialista em Direito
Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Graduado em Direito pela Universidade
Federal do Pará.
1
de 1988, bem como com os tratados internacionais de direitos humanos a que aderiu o
Estado brasileiro.
A competência da JMU para o julgamento penal de civis tem sido contestada.
Com esse objeto, tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), dentre outras causas,
duas importantes demandas de controle concentrado de constitucionalidade.
Primeiramente, a Arguição de Descumprimento de Preceito fundamental (ADPF) 289,
proposta pelo Procurador-Geral da República (PGR) em 15/08/2013, cujo relator é o
Ministro Gilmar Mendes, que tem por objetivo conferir interpretação conforme a
Constituição ao art. 9º, incisos, I e III, do Código Penal Militar, para que seja
reconhecida a incompetência da Justiça Militar para julgar civis em tempo de paz e para
que estes crimes sejam submetidos a julgamento pela justiça comum, federal ou
estadual. Na mesma diretriz, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5032,
ajuizada em 14/08/2013, também pelo PGR, cujo relator é o Ministro Marco Aurélio, tem
por objetivo a declaração de inconstitucionalidade do § 7º do art. 15 da Lei
Complementar nº 97/1999, que considera atividade militar, para fins de determinação de
competência da JMU, determinadas atribuições subsidiárias das Forças Armadas,
como, por exemplo, as operações para garantia da lei e da ordem e de combate ao
crime realizadas em favelas no Rio de Janeiro.
Essas demandas apresentam, como causa de pedir, além da limitação
constitucional da competência da Justiça Militar, os tratados internacionais de direitos
humanos vigentes no país, assim como o posicionamento de órgãos internacionais de
proteção de direitos humanos.
Abordou-se essa controvérsia, em outro trabalho, no que diz respeito à
jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, apresentando-se todos os
julgados proferidos por essa Corte relativos a esse tema 2.
Agora, neste artigo, objetiva-se analisar se a atual configuração da JMU,
especificamente no que tange a sua competência para o julgamento de civis,
compatibiliza-se com o posicionamento dos órgãos vinculados à ONU – Organização
2 RABELO NETO, LUIZ OCTAVIO. Competência da Justiça Militar da União para julgamento de civis:
compatibilidade constitucional e com o sistema interamericano de proteção de direitos humanos . Revista
de Doutrina e Jurisprudência do Superior Tribunal Militar, v. 25, p. 53-137, 2016.
2
das Nações Unidas, os quais compõem o sistema global de proteção dos direitos
humanos, especialmente em face da Lei nº 13.941/2017, que ampliou a competência da
JMU, inclusive para o julgamento de civis.
3 STF, RE 121124/RJ, 1ª Turma, Relator: Min. OCTAVIO GALLOTTI, Julgamento: 17/04/1990, DJ 08-06-
1990.
4 CF de 1988: “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica,
são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina,
sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos
poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
3
Saliente-se que desde a Constituição Federal de 1934, a Justiça Militar se
desvinculou do Poder Executivo, passando a constituir um dos órgãos do Poder
Judiciário nacional (art. 63)5, inclusive com competência expressa para julgamento de
civis, nos casos de crimes contra segurança externa do país ou cometidos contra as
instituições militares (art. 84) 6. Não se trata, destarte, de órgão militar, mas de órgão
civil “militarizado”, visto que militares em serviço ativo participam da sua composição.
Regulamentando o art. 124 da Constituição federal, nosso legislador adotou o
critério ratione legis, isto é, não definiu o conceito de crime militar, tendo apenas
enumerado taxativamente as diversas situações que definem esse delito 7.
A lei que definiu o que deve ser considerado crime militar é o Código Penal
Militar (CPM), instituído pelo Decreto-lei n. 1.001/69, em grande parte recepcionado
pela CF/88 com status de lei ordinária. Os crimes militares são os que estão descritos
nas hipóteses do art. 9º, para o tempo de paz, e do art. 10, para o tempo de guerra.
Destaca-se que, com o advento da Lei nº 13.941/2017, instituiu-se os
chamados crimes militares por extensão8, isto é, crimes previstos no Código Penal
comum ou na legislação penal especial, que podem ser considerados crimes militares,
desde que enquadrados em uma das situações elencadas nos incisos II e III do art. 9º
do Código Penal Militar. Em outros termos, atualmente, podem existir crimes
caracterizados como militares, cometidos por militares ou civis, e que são
extravagantes ao texto do Código Penal Militar.
O art. 9º, inciso III, do CPM define, excepcionalmente, as circunstâncias em que
a jurisdição castrense abrange determinadas condutas ilícitas praticada por civis, ainda
que em tempo de paz. Assim dispõe o Código:
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
5 CF de 1934: “Art. 63 - São órgãos do Poder Judiciário: (...) c) os Juízes e Tribunais militares”. O art. 86
previa: “São órgãos da Justiça Militar o Supremo Tribunal Militar e os Tribunais e Juízes inferiores,
criados por lei”.
6 CF de 1934: "Art. 84. Os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas terão fôro especial nos
delictos militares. Este fôro poderá ser estendido aos civis, nos casos expressos em lei, para a repressão
de crimes contra a segurança externa do paiz, ou contra as instituições militares".
7 LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 17.
8 ROTH, Ronaldo João. Os delitos militares por extensão e a nova competência da justiça militar
(Lei 13.491/17). Disponível em:
<http://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/artigoRothLeinova.pdf>. Acesso em 15/03/2018.
4
I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei
penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição
especial;
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando
praticados: (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)
(...)
III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as
instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso
I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa
militar;
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou
assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no
exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância,
observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de
natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da
ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle
fim, ou em obediência a determinação legal superior. (destacou-se)
6
Contudo, como já dito, muitos se opõem a essa competência conferida a essa
justiça especializada, argumentando que isso não está de acordo com os padrões
internacionais de proteção de direitos humanos.
12 Veja a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (Artigo 6); a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Artigo 8); a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos (artigo 7); e a Carta Árabe dos
Direitos Humanos (artigos 12 e 13)
13 Nações Unidas, Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
apresentado ao Conselho de Direitos Humanos. Resumo dos debates realizados na consulta de
especialistas em administração da justiça por tribunais militares e a função de todo sistema judicial na
luta contra transgressões de direitos humanos. Doc. A/HRC/28/32, de 29/01/2015, parágrafo 2.
Disponível em: <http://undocs.org/sp/A/HRC/28/32>. Acesso em 21/03/2018.
14 Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos supracitado, parágrafo
3.
15 GIBSON, Michael. International Human Rights Law and the Administration of Justice through Military
Tribunals: Preserving Utility While Precluding Impunity. In Journal of International Law & International
Relations, vol. 4, núm. 1 (2008). p. 6. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/tablas/Gibson.doc>.
Acesso em 02/04/2018.
8
expressou que a natureza militar do tribunal não poderia modificar as garantias do
Pacto16.
Vale destacar o parágrafo 22 desse pronunciamento do Comitê de Direitos
Humanos:
22. As disposições do artigo 14 se aplicam a todas as cortes e tribunais de justiça
compreendidos no âmbito desse artigo, quer sejam ordinários ou especializados, quer
sejam civis ou militares. O Comitê nota a existência, em muitos países, de cortes
militares ou especiais que julgam civis. Embora o Pacto não proiba o
processamento de civis por tribunais militares ou especiais, exige que tais
julgamentos se desenvolvam em condições que permitam a plena aplicação das
garantias previstas no artigo 14, sem que ditas garantias possam ser limitadas
ou modificadas por causa do caráter militar ou especial da corte em questão. O
Comitê também observa que o julgamento de civis em tribunais militares ou
especiais pode levantar sérios problemas quanto à administração equitativa,
imparcial e independente da justiça. Portanto, é importante tomar todas as
medidas necessárias para garantir que tais julgamentos sejam realizados sob
condições em que se possam observar genuinamente as garantias estipuladas
no artigo 14. Os julgamentos de civis por militares ou tribunais especiais devem
ser excepcionais, isto é, limitados a casos em que o Estado-parte possa
demonstrar que o recurso a esses juízos é necessário e justificado por razões
objetivas e sérias, e que, pela classe específica de indivíduos e ofensas de que
se trata, os tribunais civis regulares não estejam em condições de levar adiante
esses processos. (grifei)
16 Nações Unidas, Comitê de Direitos Humanos, Comentário geral nº 32, Artigo 14, Direito à igualdade
perante cortes e tribunais e direito a um julgamento justo. Doc. CCPR/C/GC/32, de 23/08/2007.
Disponível em: <http://undocs.org/CCPR/C/GC/32>. Acesso em 02/04/2018.
17 Nações Unidas, Resolução do Conselho de Direitos Humanos sobre a integridade do sistema judicial.
Doc. A/HRC/RES/25/4, de 10/04/2014. Disponível em: <https://documents-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/133/46/PDF/G1413346.pdf?OpenElement>. Acesso em 06/04/2018.
9
Em 09/06/2017, o Relator Especial sobre a independência de magistrados e
advogados, Diego García-Sayán, transmitiu ao Conselho de Direitos Humanos da ONU
seu relatório no qual pede aos Estados que aprovem normas específicas que
estabeleçam expressamente que os civis não poderão ser investigados nem
processados por tribunais militares; velem para que a competência desses tribunais se
limite aos delitos militares cometidos por membros em serviço ativo das forças armadas
e proteja os direitos a um julgamento imparcial e com as devidas garantias
processuais18.
É de se salientar, também, que o Relator Especial da Subcomissão para a
Promoção e Proteção de Direitos Humanos, o francês Emmanuel Decaux, desenvolveu
um projeto contendo 20 (vinte) “Princípios sobre a administração da justiça por tribunais
militares” (E/CN.4/2006/58, de 13/01/2006)19.
Essa Subcomissão era órgão subsidiário da extinta Comissão de Direitos
Humanos da ONU, que estava sob a autoridade do Conselho Econômico e Social 20. A
Comissão não chegou a apreciar o Relatório e, em 16/06/2006, após atuação desde
1946, foi extinta e substituída pelo Conselho de Direitos Humanos, vinculado à
Assembleia Geral da ONU (e não mais ao Conselho Econômico e Social).
O Conselho manteve o procedimento adotado pela extinta Comissão de
Direitos Humanos de escolher relatores especiais, especialistas com competência para
investigar situações de violações de direitos humanos, bem como elaborar relatórios
finais contendo recomendações aos Estados 21. Portanto, tais relatórios, ainda que não
tenham caráter cogente para os Estados, constituem importante forma de 'soft law'
estebelecido contra a barbárie e a impunidade.
Pois bem, o “Projeto de princípios sobre a administração da justiça por
tribunais militares” tem por objetivo estabelecer normas mínimas, de alcance universal,
12
as quais podem estar, perfeitamente, de acordo com todas as garantias de direitos
humanos previstas nos tratados internacionais.
Como bem pontuado pelo canadense Michael R. Gibson, em um esforço para
ser universal, os Princípios Preliminares buscam capturar um espectro de um fenômeno
muito amplo e variado, tentando sujeitá-lo à mesma avaliação injustificadamente. Ao
fazê-lo, eles distorcem a realidade de muitos sistemas de justiça militar legítimos que
existem atualmente e correm o risco de demonizar uma espécie de corte de justiça
necessária, valiosa e, às vezes, insubstituível22.
Embora haja casos de tribunais militares que não observam as normas
internacionais de direitos humanos e que promovem a impunidade, estes não devem
ser considerados como representativos dos tribunais militares como um todo. Não se
deve extrapolar, a partir de exemplos infelizes, uma proposição universal de que
tribunais militares não podem julgar civis, ainda que de forma justa, e que devem ser
eliminados, especialmente aqueles sujeitos a restrições constitucionais e à jurisdição
supervisora de tribunais civis23.
4. Conclusão
Ao fim desse estudo, conclui-se que JMU brasileira tem legítima competência
constitucional para julgamento de civis, sendo tal atribuição perfeitamente compatível
com os tratados internacionais de direitos humanos e com o entendimento esposado
pelos órgãos da ONU que compõem o chamado sistema internacional de proteção de
direitos humanos.
É demasiado simplista a postura de adotar cegamente o entendimento de que a
justiça militar brasileira não pode julgar civis, sob o argumento de que esse é o
entendimento consensual de órgãos internacionais de proteção de direitos humanos.
Primeiro, porque esses órgãos, como visto, não excluem, em todos os casos, essa
possibilidade, reservando-a, tão somente, para situações restritas e excepcionais,
exatamente como ocorre no Brasil. Segundo, porque esse entendimento é direcionado
aos tribunais militares, cortes marciais que constituem um órgão administrativo das
forças armadas composto apenas por juízes militares, enquanto que a JMU é órgão civil
22 GIBSON, Michael. Op. cit. p. 3.
23 Ibidem, p. 3.
13
componente do Poder Judiciário, existindo juízes civis na sua estrutura, além de juízes
militares. Terceiro, porque desconsidera as particularidades do direito interno, que
fazem da JMU uma instituição histórica, respeitada e admirada, não vulnerando, de
forma alguma, o escopo do sistema internacional de proteção dos direitos humanos,
que é a proteção da dignidade humana.
A JMU cumpre todos os padrões ou estándares internacionais em matéria de
direitos humanos quanto ao devido processo legal, sendo parte do sistema geral de
justiça civil, constituindo um ramo especializado do Poder Judiciário com expertise em
direito militar. Não se trata de órgão militar, de tribunal especial ou de exceção.
A JMU não é uma justiça funcional, que, só julga militares por crimes
relacionados à função militar, denomidados crimes propriamente militares. O Código
Penal Militar, por remissão constitucional, tipifica crimes propriamente militares, que
podem ser considerados funcionais, pois só podem ser cometidos por militares em
serviço ativo, mas também tipifica crimes impropriamente militares, que podem ser
cometidos tanto por militares quanto por civis, que são crimes comuns em sua
natureza, mas qualificados como militar por algumas das circunstâncias previstas no
art. 9º do CPM.
Nesse sentido, é necessário manter a competência da JMU para o julgamento
criminal de civis. Essa conclusão não muda com a promulgação da novel Lei nº
13.941/2017, que ampliou a competência da JMU, inclusive para o julgamento de civis.
Isso porque tal competência continua sendo restritiva e excepcional, ocorrendo tão
somente nas hipóteses descritas nas alíneas do inciso III do art. 9º do Código Penal
Militar.
Contudo, aproveita-se o ensejo para defender que é preciso evoluir na
regulamentação do tema, entendendo-se que militares da ativa, vinculados ao Poder
Executivo, como são os juízes militares membros dos Conselhos de Justiça, não podem
participar desse julgamento, sob pena de violação dos princípios da independência e
imparcialidade objetiva. O julgamento deve ser atribuído monocraticamente ao juiz civil
e concursado que integra os Conselhos de Justiça, cujo cargo é denominado,
atualmente, juiz-auditor.
14
Os Conselhos de Justiça, órgão de primeira instância da JMU, são constituídos
na forma de escabinato, isto é, um órgão híbrido, formado pela reunião de um juiz
togado civil e quatro militares da ativa. Justifica-se que magistrado civil utiliza de seu
conhecimento jurídico e os militares de suas vivências de caserna, mormente com os
valores éticos que são próprios da sociedade militar, especialmente a hierarquia e
disciplina, bens jurídicos basilares protegidos pelo Direito Penal Militar. Entretanto, o
acusado civil não está sujeito à hierarquia e à disciplina militares. Não podem esses
princípios justificar que, em tempo de paz, possam ser julgados por um conselho
majoritariamente militar.
Militares em serviço ativo não podem ser julgadores de civis acusados da
prática de crimes praticados contra as próprias forças armadas de que são membros,
porque isso prejudicaria a imparcialidade e a independência que deve ter o julgador, a
ser objetivamente demostrada, não deixando margem para qualquer dúvida ou
desconfiança do jurisdicionado ou da sociedade.
O julgamento do acusado civil, perante a JMU, deve ser realizado
monocraticamente pelo Juiz-Auditor, pois não tem qualquer vinculação com as forças
armadas, que é a instituição diretamente interessada na solução da causa, por ter tido
bens jurídicos eventualmente violados pela conduta do acusado.
Conforme bem pontuado por Frederico Magno de Melo Veras:
Ao contrário dos ministros do STM advindos das Forças Armadas, porém vitaliciados e
integrados ao Poder Judiciário, os Oficiais que compõem os Conselhos de Justiça na
primeira instância, pertencem ao Poder Executivo. Situação que cria nítidos
questionamentos jurídicos sobre a possibilidade destes julgarem civis. Dentre estes, o
seguinte: em se tratando de crime impropriamente militar, como poderá o juiz militar
conter a tentação de dar veredito parcial a um civil acusado de atingir justamente bens
jurídicos afetos ao Poder Executivo? Ilusório imaginar que, e.g, um oficial suplente,
acionado uma única vez no trimestre para o julgamento de um caso importante (e não
são todos os casos penais importantes?), possa entender o significado mais profundo
do estatuído no artigo 36, §2º, do CPPM (“No exercício das suas atribuições, o juiz não
deverá obediência senão, nos termos legais, à autoridade judiciária que lhe é
superior”).24
Essa tese foi acolhida em voto proferido no Habeas Corpus (HC) 112848,
afetado ao conhecimento do Plenário do STF e pendente de julgamento, no qual é
25 Notícias STF de 18/02/2014. Decisão sobre competência para julgar crimes contra militares que
exercem função policial caberá ao Plenário. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=260601>. Acesso em 10/06/2016.
26 Projeto de lei - PL 7683/2014, em curso na Câmara dos Deputados. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=618560>. Acesso em
28/07/2016.
16
tratados internacionais de direitos humanos, para que, em resguardo da independência
e da imparcialidade objetiva, o julgamento de civis na JMU seja realizado pelo Juiz-
Auditor monocraticamente, o qual tem melhores condições de apreciar com justiça,
independência e imparcialidade a conduta do acusado civil, por ser um sujeito
processual desinteressado na solução da causa.
8. Referências.
GIBSON, Michael. International Human Rights Law and the Administration of Justice
through Military Tribunals: Preserving Utility While Precluding Impunity. In Journal of
International Law & International Relations, vol. 4, núm. 1 (2008). Disponível em:
http://www.corteidh.or.cr/tablas/Gibson.doc. Acesso em 02/04/2018.
LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.
Notícias STF de 18/02/2014. Decisão sobre competência para julgar crimes contra
militares que exercem função policial caberá ao Plenário. Disponível em:
17
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=260601>. Acesso
em 10/06/2016.
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