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Semestral.
A partir do vol. 1, n. 2 (2000), o subtítulo foi modificado para
Revista de Ciências Jurídicas.
ISSN 1518-1685
Doutrina nacional
4 Administração pública (tributária) e baixa constitucionalidade: ou de como um
ato administrativo vale mais do que a Constituição para a administração pública
(tributária)
Marciano Buffon; Mateus Bassani de Matos
124 O devido processo constitucional como forma de alcançar a justiça das decisões
Juliana de Brito Giovanetti Pontes
158 O ativismo judicial por meio de súmulas vinculantes: uma análise acerca dos
paradoxos da separação de poderes na atualidade
Michael Procopio Ribeiro Alves Avelar
Editorial
RESUMO
O objetivo do trabalho é evidenciar a “baixa constitucionalidade” em que está inserida a
administração, mormente a tributária, a partir da análise de um ato administrativo específico. O
Estado Democrático de Direito, instituído pela Constituição Federal de 1988, possui um caráter
transformador da sociedade, erigindo parte específica para tratar dos princípios que devem conformar
o exercício da função tributária. A Nova Crítica do Direito incorpora a filosofia hermenêutica
de Heidegger e a hermenêutica filosófica de Gadamer, mostrando que a linguagem deixa de ser
mero instrumento, transformando-se em morada do ser. Não mais se interpreta para compreender,
mas sim se compreende para interpretar a partir de pré-juízos autênticos. Há o rompimento
com os pressupostos metafísicos. Em relação à atividade tributária, em especial, os intérpretes/
juristas continuam refratários à viragem ontológico-linguística e reféns da metafísica, mormente
a objetivista, e em plena dissonância com os postulados constitucionais. O ADI/RFB nº 42/2011
implica clara ofensa ao princípio da legalidade e ao sentido do modelo de Estado instituído pela
Constituição.
Palavras-chave: Administração Pública. Estado Democrático de Direito. Nova Crítica do
Direito. Baixa Constitucionalidade. Tributação.
ABSTRACT
The objective is to demonstrate the “low constitutionality” that is inserted the administration,
especially the tax, based on the analysis of a specific administrative act. The Democratic State of
Law, established by the 1988 Federal Constitution, has a transforming character of society, erecting
specific part to address the principles that should conform their exercise of the tax. The New Criticism
Marciano Buffon é Doutor em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professor dos cursos
de graduação e Pós-Graduação em Direito da UNISINOS. Advogado.
Mateus Bassani de Matos é Mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Graduado
em Direito na UNISNOS. Advogado.
1 INTRODUÇÃO
Este ensaio tem por objetivo exemplificar como a administração pública tributária
valoriza mais um ato administrativo do que a própria Constituição. Para firmar a premissa,
será utilizado o Ato Declaratório Interpretativo da Receita Federal do Brasil (ADI/RFB)
nº 42/2011, expedido no final do ano de 2011, com o objetivo de estabelecer critérios
de arrecadação acerca da contribuição previdenciária àquelas empresas que passaram a
recolhê-la não mais sobre a folha de salários, mas sim sobre a receita bruta de atividades
beneficiadas – no momento oportuno à questão será devidamente explicitada.
Primeiramente, analisa-se o Estado Democrático de Direito (paradigma formalmente
implementado pela Constituição), relativamente à sua carga de sentido/principiológica,
mormente quanto àqueles princípios que expressam garantias aos contribuintes e balizas
para a administração em sua função tributária. Se o objetivo da pesquisa é verificar o
desrespeito por parte da administração em sua função tributária, imprescindível destacar
as garantias dos contribuintes.
Num segundo momento, buscando amparo doutrinário em Lenio Streck, analisa-se a
contribuição da Nova Crítica do Direito – que procura superar o objetivismo/subjetivismo
com fundamento em Heidegger e Gadamer – e do Constitucionalismo Contemporâneo –
que contrasta com o neoconstitucionalismo, desconsiderando os efeitos que a recepção
acrítica de determinadas teorias gerou no Judiciário Brasileiro.
Por fim, apresenta-se o ato administrativo utilizado como premissa, e, que, conforme
será demonstrado, pretendeu estabelecer critérios de arrecadação ao largo do princípio da
legalidade. Em pleno século XXI, estando em vigor no Brasil o Estado Democrático de
Direito (ainda que formalmente), a administração pública tributária continua refratária
ao paradigma instituído pela Constituição, e, especialmente, à virada linguística operada
pela filosofia hermenêutica e pela hermenêutica filosófica.
Passa-se, então, à verificação do modelo de Estado instituído pela Constituição
brasileira, e aos objetivos e princípios que nela se encontram expressos, e estão atrelados,
ainda que indiretamente, à tributação.
Nessa nova organização social, o Estado tem um papel decisivo no sentido de não
apenas assegurar a igualdade formal, mas, sobretudo, alcançar a igualdade material,
isto é, o Estado passa a ter, como condição de existência, a busca de meios que possam
minimizar as desigualdades decorrentes do modelo econômico vigente.
Entretanto, o Estado Democrático de Direito, apesar de ter nascido sob o influxo
do neoconstitucionalismo – carregando consigo a marca de um projeto de transformação
social – encontra-se mergulhado em dilemas para efetivação das promessas constitucionais.
Nesse sentido, Bolzan de Morais (2002, p.151/153) alerta que o grande dilema que parece
ser vivido hoje é aquele que contrapõe o descompasso entre as promessas constitucionais
e as possibilidades de sua realização.
Mas é fato que no Brasil, o novo texto constitucional representa uma ruptura
do modelo de direito e de Estado, a partir de uma perspectiva claramente dirigente e
compromissária (STRECK; MORAIS, 2006, p.139), ou seja, a constituição do chamado
Estado Democrático de Direito, considerada um novo paradigma, propõe a superação do
direito enquanto sistema de regras, a partir dos princípios:
Uma hermenêutica jurídica que se pretenda crítica necessita dos dois teoremas
fundamentais de Heidegger, que são o círculo hermenêutico e a diferença ontológica.
Com o círculo hermenêutico é possível concluir que o método sempre chega tarde,
porque o Dasein se pronunciou de há muito; pela diferença ontológica, verifica-se que o
ser é sempre o ser de um ente, com o que se rompe com a possibilidade de subsunções/
deduções, uma vez que o sentido é existencial, e não algo fixado sobre o ente, que esteja
atrás dele ou que não sabe onde esteja (STRECK, 2010, p.77/78).
A partir do rompimento com o paradigma metafísico, a linguagem abandona sua
condição de mero instrumento, que traduz a essência das coisas ou os conceitos, e passa
a se constituir, nas palavras de Heidegger, “na morada do ser”. A linguagem se torna a
condição de possibilidade do próprio ser, e não mais uma terceira coisa na relação entre
sujeito e objeto. A interpretação deixa de ser uma mera reprodução do sentido preexistente
e passa a ser uma constante construção de sentido (BUFFON, 2011, p.233).
O ser dos entes não é em si mesmo um outro ente. [...] Chamamos de “ente” muitas
coisas e em sentidos diversos. Ente é tudo de que falamos, tudo que entendemos,
com que nos comportamos dessa ou daquela maneira, ente é também o que e
como nós mesmos somos. Ser está naquilo que é e como é, na realidade, no ser
simplesmente dado no teor e recurso, no valor e validade, na pre-sença, no há.
A diferença é extrema entre todo ente – e o ser. Todos os entes levam à diferença.
Na hermenêutica filosófica, a diferença entre o ente e ser é denominada diferença
ontológica. O ser não é nada de ente, só o ente é; não se pode dizer que o ser é. O giz, a
mesa, o anfiteatro do curso, a montanha, o rio, o pássaro, o anjo, Deus etc., todos estes
entes contribuirão para levar a pensar que, se eles são, seu ser não é do modo como eles
são. O Ser do giz não é como o próprio giz (DUBOIS, 2004, p.86).
A ideia de ser de Heidegger caminha para pensar o ente em razão de estar vinculada
à questão do ser. O ser heideggeriano é o elemento através do qual se dá o acesso aos
entes, ele é a condição de possibilidade. Aí reside a diferença ontológica. A condição de
possibilidade (fundamentação), por sua vez, somente se dá pelo círculo hermenêutico,
na medida em que opera apenas mediante a compreensão do Dasein, que o ser humano
que se compreende (STEIN, 2008, p.116).
O ser se manifesta a partir do ente. O ser é sempre um ser de um ente. O ser
se constitui na condição de possibilidade do conhecimento em geral. A revelação, a
compreensão do ser, que distingue o ser do ente, sustenta o nosso conhecimento, isto é,
todo vir ao encontro dos entes.
O que deve ser dito é que o problema do sentido do direito se situa antes do
problema do conhecimento. O jurista não “fabrica” o seu objeto do conhecimento.
A compreensão, pela sua “presença antecipada”, é algo que não dominamos. O
sentido não está à nossa disposição! Por isso é que – e de há muito venho insistindo
nisso (e me permito repetir a esta altura destas reflexões) – não interpretamos para
compreender, e, sim, compreendemos para interpretar. A interpretação, como bem
diz Gadamer, é a explicitação do compreendido. Com isso, são colocados em xeque
os modos procedimentais de acesso ao conhecimento.
A dialética entre texto e atribuição de sentido ao texto não pode ser “afogada” por
pressupostos metafísicos como ora se constata, estando o intérprete refém do esquema
sujeito-objeto, notadamente sob a tradição erigida pelo paradigma do Estado Democrático
de Direito. Daí que a tese de Lenio Streck (2012, p.87/88), referente à construção de
uma teoria do direito adequada aos postulados do Constitucionalismo Contemporâneo,
apresenta-se de maneira completamente ruptural com relação à tradição constituída sob a
égide do positivismo exegético/normativista. A hermenêutica possibilita o enfrentamento e
1
Afirma-se ser a atividade de exigir tributos uma importante função constitucional, porque nos dias atuais,
praticamente toda a receita obtida pelo Estado para o custeio das despesas e da implementação de políticas
públicas provem de receitas derivadas, ou seja, dos tributos. Com a onda globalizante de privatizações, ocorridas no
Brasil principalmente nos governos COLLOR e FHC, o Estado brasileiro encontra-se destituído das possibilidades
de angariar recursos via receitas originárias.
Independentemente disso, a Constituição não pode ser aquilo que queremos que
ela seja. Nem tampouco a história (tradição) consegue eliminar a possibilidade
de formulação de novos argumentos teóricos fora do texto da Constituição. Ou
seja, a concepção hermenêutica do sentido da Constituição implica uma dialética
constante entre texto (que não deve estar assujeitado ao interprete) e a atribuição
de sentido a esse texto. Consequentemente, não é mais possível falar em deduções
ou induções (ou, acrescento, subsunções): pensar assim seria admitir um retorno
ao esquema sujeito-objeto, considerado superado na elaboração de qualquer
perspectiva hermenêutica de uma Constituição cujo texto é atravessado pelo rio
da história.
Não obstante o juiz de primeiro grau ter denegado a segurança no case referido,
o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, tendo-lhe sido devolvida a questão, deu
provimento ao apelo do contribuinte, reconhecendo-se a ilegalidade do referido ato
administrativo que se dizia interpretativo.
Entretanto, nos dias atuais, em que a Constituição “constitui a ação”, não se pode
mais admitir a utilização de velhas técnicas de interpretação em detrimento dos princípios
constitucionais que alicerçam o Estado Democrático de Direito, notadamente o princípio
da legalidade no caso em apreço.
Os operadores do direito administrativo não estão livres das influências do passado,
estando determinados por uma tradição na qual são jogados. É imprescindível, assim, ser
2
Trata-se de sentença proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 5005173-64.2012.404.7108, distribuído
junto à 2ª Vara Federal de Novo Hamburgo, em que são partes: H. Kuntzler & Cia Ltda. e Delegado da Receita
Federal do Brasil em Novo Hamburgo, disponibilizado em 24 jul. 2012. Disponível em: <http://www2.trf4.jus.br/
trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_resultado_pesquisa&txtV alor=50051736420124047108&selOri
gem=RS&chkMostrarBaixados=&todasfases=S&selForma=NU&todaspartes=&hdnRefId=&txtPalavraGerada=&
txtChave= >. Acesso em 07 ago. 2013.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As transformações ocorridas no Direito, em que a Constituição implementa o
Estado Democrático de Direito, exigem que se rompa com os paradigmas positivistas
predominantes, que até então são utilizados para a aplicação do Direito. O novo, deve ser
visto com novos olhos. E o Constitucionalismo Contemporâneo demanda essa ruptura,
essa superação do positivismo em suas mais variadas formas, implicando mudanças
significativas no âmbito da interpretação, uma vez que deixa de apostar no método para
aplicação do Direito, para demonstrar que a hermenêutica deve ser compreendida como
um processo construtivo, e não meramente reprodutivo.
Com o novo modelo de Estado instituído, surge um paradigma a partir do qual a lei
cede espaço à Constituição, os princípios adquirem normatividade e em termos de teoria
da interpretação, supera-se a metafísica clássica e a filosofia da consciência, dando espaço
para um redirecionamento à viragem ontológico-linguística de Heidegger e Gadamer, que
supera os positivismos. O sujeito passa a não ser mais o fundamento do conhecimento,
estabelecendo-se uma necessária intersubjetividade, uma conversação através da
linguagem para que ocorra a fusão de horizontes necessária para uma compreensão apta
a uma nova construção de sentido.
É claro que a construção de sentido não pode significar invenção, ou seja, não
podem ser desrespeitados os limites semânticos dos textos da Constituição e dos códigos;
ela não pode implicar em livre arbítrio, assim como o direito não pode ser aplicado
mecanicamente, por meio de técnicas – deve consistir em atribuição de sentido, a qual
se realiza pela interpretação, no caso concreto, uma vez que o sentido é construído
temporalmente e a partir do que faz parte da tradição (Gadamer), relacionando-se com a
distinção entre ser e ente (Heidegger).
Para um retomar hermenêutico com o intuito de compreender os princípios
constitucionais aptos a colaborar com uma tributação diferente da que ora se constata, é
preciso levar em consideração que o jurista, ao interpretar o texto constitucional, o faz
a partir de preconceitos construídos durante sua formação, por serem intrínsecos ao seu
REFERÊNCIAS
BUFFON, Marciano. Princípio da capacidade contributiva: uma interpretação
hermeneuticamente adequada. Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica, Porto
Alegre, n.8, p.231-256, 2011.
______. Tributação e dignidade humana: entre os direitos e deveres fundamentais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
DUBOIS, Christian. Heidegger: introdução a uma leitura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
RESUMO
O referente do presente texto consiste em analisar as cinco características centrais que
compõem o conceito operacional de Positivismo Jurídico, com vistas a verificar-se em que medida
merecem ser mantidas, complementadas ou superadas. A hipótese central diz respeito à necessidade
de se estruturar um novo paradigma para Ciência Jurídica, com relação às suas quatro plataformas
centrais, consistentes nas teorias da Norma, das Fontes, do Ordenamento e da Decisão Judicial.
Palavras-chave: Positivismo Jurídico. Moral. Subsunção.
ABSTRACT
The main theme of this text consists in analyse the five key characteristics of the operational
concept of Legal Positivism, in order to verify in what measure they must be maintained,
complemented or overcome. The central hipothesys is about the necessity of building a new
paradigm for legal science, around it’s four basic plataforms, consistent in the thesys of Norm,
Sources, System and Juditial Decision.
Keywords: Legal Positivism. Morality. Subsumption.
1 INTRODUÇÃO
Pode-se afirmar que o Positivismo Jurídico, como paradigma central da Ciência
Jurídica, vem sofrendo severas críticas, a ponto de desvelar a instalação de uma
crise de tal modelo disciplinar. Tal assunto foi abordado em uma tríade de artigos
anteriormente publicados, consistente nos textos A Revolução na Teoria do Direito, A
Centralidade Material da Constituição e A Complexidade da Norma Jurídica, nos quais
se analisaram os modelos juspositivistas de Hans Kelsen e de Herbert Lionel Adolphus
Hart e se apresentou as principais críticas aos seus postulados mais elementares, de
modo a ilustrar a crise paradigmática, tanto no cenário do Direito legislado (civil
law ou code based legal system) como também no padrão consuetudinário (common
law ou judge made law). Prosseguindo em tal linha de pesquisa, resta necessário
desenvolver uma apreciação unificada do paradigma do Juspositivismo, com destaque
de suas características principais e, depois, sintetizando as principais críticas quanto
aos seus aspectos descritivos (ou empíricos) e prescritivos (ou normativos). Com tal
Orlando Luiz Zanon Junior é Juiz de Direito. Doutor em Ciência Jurídica pela UNIVALI. Dupla titulação em
Doutorado pela UNIPG (Itália). Mestre em Direito Pela UNESA. Pós-graduado em Preparação à Magistratura
Federal pela UNIVALI. Pós-graduado em Direito e Gestão Judiciária pela UFSC.
1
PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12.ed. rev. São Paulo: Conceito,
2011.
2
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2009.
3
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-
político. São Paulo: Método, 2006. p.257-264, especialmente 257-258: “O juspositivismo é apresentado como
teoria que traiu a causa do direito, como garantia (ou pelo menos tentativa) de pacificação, justiça, solidariedade
social etc., enganou os operadores jurídicos e ofereceu cobertura teórica a um regime criminoso. […] O raciocínio
nesses casos é conhecido como reductio ad Hitlerum. Quando se pretende rejeitar uma teoria ou visão política,
afirma-se que ela foi adotada pelo regime nazista ou, pelo menos, que correspondia à ideologia nazista. Isso
permite rejeitar imediatamente essa teoria ou visão política, já que ninguém aceitaria, em nossos dias, defender
o pensamento nazista”.
4
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-
político. São Paulo: Método, 2006. p.257-264, especialmente 261: “O nazismo queria instituir um ‘Estado de justiça’
(Gerechtigkeitsstaat), abandonando o modelo de Estado de direito (Rechtsstaat) que era criticado como formalista e
individualista. Os juristas próximos ao nazismo criticavam os ideais de segurança jurídica e as formalidades jurídicas;
exaltavam os valores do povo alemão, exigindo a ‘eticização’ da aplicação do direito que os juízes deveriam impor,
distanciando-se do ‘pensamento com base na lei’ (Gesetzesdenken). O positivismo era visto como negação do
ideal de justiça e o próprio Hitler declaro que, no Terceiro Reich, o direito coincide com a moralidade”.
5
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político.
São Paulo: Método, 2006. p.257-264, especialmente 261: “Com a exceção da legislação que visava o combate
dos adversários políticos e de minorias tidas como inimigas do Estado, o regime nazista não introduziu importantes
modificações no ordenamento jurídico alemão. Os meios empregados foram a ilegalidade governamental e
a reinterpretação do direito em vigor, invocando ‘valores’ e ‘necessidades’ do povo alemão. Nesse âmbito, as
autoridades estatais realizaram a denominada unbegrentzte Auslegung (interpretação sem limites), adotando
uma postura que contraria frontalmente os ensinamentos do positivismo jurídico”.
6
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-
político. São Paulo: Método, 2006. p.257-264.
7
POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.225.
8
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-
político. São Paulo: Método, 2006. p.46-47.
9
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2009.
10
DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 4.ed. São Paulo: RT, 2011. p.90-98.
11
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-
político. São Paulo: Método, 2006. p.82: “Na atualidade, a construção jusnaturalista parece ter sucumbido ao peso
teórico de seus críticos. São raríssimos os autores que continuam afirmando que o verdadeiro direito está escrito ‘no
coração do homem’ ou na ‘natureza humana’ e que o direito natural constitui o alicerce do direito positivo. Em virtude
disso, as teses do PJ [Positivismo Jurídico] lato sensu são aceitas pela quase totalidade dos estudiosos do direito.
Mesmo um autor que destaca as fortes ligações entre o direito positivo, a moral e a justiça e se diz jusnaturalista,
como é o caso de Philip Soper, admite que a criação do direito decorre de ‘ação ou vontade humana’. Dito de outra
forma, mesmo quem não se considera positivista aceita plenamente a positividade do direito moderno”.
12
ZANON JUNIOR, Orlando Luiz. Direitos humanos e moral: os valores morais nas fases de positivação e de
aplicação dos direitos humanos. Sequência, Florianópolis. n.60, p.109-132, 2010, p.123: “Inicialmente, quanto à fase
de positivação, cabe assinalar que os valores emergentes dos embates políticos prévios configuram o substrato inicial
para criação das normas, consubstanciando a razão de existência do ordenamento jurídico. Com efeito, a atividade
criadora do direito é voltada para o fim de disciplinar a multiplicidade de ações e omissões possíveis no cenário social
e econômico, com enfoque na proteção de determinados interesses e na promoção de certos valores. O elemento
anímico do legislador é, então, condicionado pela moral compartilhada em determinado contexto histórico. Daí que
a relação de complementaridade entre direito e moral é verificável desde o nascedouro do preceito normativo”.
13
ZANON JUNIOR, Orlando Luiz. Direitos humanos e moral: os valores morais nas fases de positivação e de
aplicação dos direitos humanos. Sequência, Florianópolis. n.60, p.109-132, 2010, p.125: “No que concerne a este
segundo momento, em que se verifica a manifestação dos valores subjacentes ao direito, cabe assinalar que
o aplicador, seja qual for (um particular contratando, um gestor público ou um juiz, por exemplo), condicionará
moralmente a finalidade da norma, ainda que mediante a suspensão de seus preconceitos pessoais em favor
dos princípios e regras que extrai do sistema normativo, de modo a harmonizar o direito à moral compartilhada no
contexto histórico da interpretação. Nessa linha de raciocínio, o intérprete percebe/concebe a norma do texto através
de atividade intelectual que não pode ser compreendida afastada da moral que compartilha intersubjetivamente
no contexto histórico. Isto porque, primeiro, o dispositivo normativo não é perceptível fora do cenário onde seu
conteúdo deve se concretizar; e, segundo, o valor não é algo embutido em algum lugar secreto do preceito ou do
diploma onde se insere, esperando para ser encontrado. Pelo contrário, o valor é compartilhado intersubjetivamente
e condiciona a extração da norma como resposta à resolução do caso apresentado. Daí o papel da moral na fase
de aplicação, como critério de harmonização da norma no momento de sua implementação fática”.
14
WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.181:
“Em síntese, pode-se chegar à conclusão de que o rígido formalismo de Kelsen reflete certa posição dominante
das ciências humanas, em determinado momento do desenvolvimento político econômico das sociedades
burguesas liberais contemporâneas. Porquanto, ainda que se busquem teorizações aparentemente conformistas
e não engajadas ao ditame dessas sociedades, na verdade, sob tais fórmulas técnicas, ocultam-se ideologias e
intentos do próprio jogo da ‘neutralidade’, objetivando fins ‘impuros’. De fato, a suposta ‘cientificidade’ e a propalada
‘neutralidade’ kelsenianas não deixaram de ser também ideologias, pois sua ‘Grundnorm’ transformou-se em
instrumento de legitimação de inúmeras ordens política-jurídicas: tanto de Estados do capitalismo liberal-burguês
quanto de Estados que viveram certo tipo de socialismo burocrático”.
15
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.67: “Essas outras normas
sociais podem ser abrangidas sob a designação de Moral e a disciplina dirigida ao seu conhecimento e descrição
pode ser designada ética”.
16
GRAU, Eros. O direito posto e o direito pressuposto. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p.20: “Nível de um todo
complexo – a estrutura social global –, o direito nela se compõe e resulta da sua própria interação com os demais
níveis desse todo complexo. […] Produto cultural, o direito é, sempre, fruto de uma determinada cultura. Por isso
não pode ser concebido como um fenômeno universal e atemporal”.
17
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: Ley, derechos, justicia. 9.ed. Madrid: Trotta, 2009. p.33-41.
18
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina,
2003. p.87.
19
HELLER, Hermann. Teoria do Estado. São Paulo: Mestre Jou, 1968. p.288: “Mas, por causa da sua função
social, o poder do Estado não deve contentar-se com a legalidade técnico-jurídica; por necessidade da sua própria
subsistência, deve também preocupar-se da justificação moral das suas normas jurídicas ou convencionais
positivas, procurar a legitimidade”.
20
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: Introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-
político. São Paulo: Método, 2006. p.38: “O direito não é uma ordem lógica nem uma simples estrutura. Possui
caráter político que se exprime em tomadas de posição, em práticas e teorias situadas no tempo e no espaço e
apoiadas em opções substanciais (‘de conteúdo’) que o estudioso não pode ignorar, mesmo quando se preocupa
com a análise de elementos estruturais, comuns em vários ordenamentos”.
21
KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986. p.145-156, em especial
p.148.
22
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: Introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-
político. São Paulo: Método, 2006. p.115: “O termo ‘formal’ indica tão somente que, na visão juspositivista, a
validade da norma nunca pode ser julgada de acordo com critérios externos, isto é, decorrentes de outros sistemas
normativos (adequação moral, política, econômica, técnica, científica, artística etc)”.
23
HART, H. L. A. Ensaios sobre teoria do direito e filosofia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.59-60 e, especialmente,
p.347: “Assim, sejam as leis moralmente boas ou más, justas ou injustas, os direitos e deveres exigem atenção
como pontos focais no funcionamento do sistema jurídico, que tem importância suprema para os seres humanos
e independe dos méritos morais das leis”.
24
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. V 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
2003. p.352.
25
ALEXY, Robert. On the concept and the nature of law. Ratio Juris, Oxford, v.21, n.3, p.281-299, 2008. p.283:
“The everyday life of law is full of hard cases that cannot be decided simply on the basis of what has been
authoritatively issued”.
26
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.35-46, especialmente
p.36: “Minha estratégia será organizada em torno do fato de que, quando os juristas raciocinam ou debatem a
respeito de direitos e obrigações jurídicos, particularmente naqueles casos difíceis nos quais nossos problemas
parecem mais agudos, eles recorrem a padrões que não funcionam como regras, mas operam diferentemente,
como princípios, políticas e outros tipos de padrões. Argumentarei que o positivismo é um modelo de e para um
sistema de regras e que sua noção central de um único teste fundamental para o direito nos força a ignorar os
papeis importantes desempenhados pelos padrões que não são regras” (grifou-se).
27
HART, H. L. A. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p.128.
28
HART, H. L. A. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p.339.
29
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2010. p.20 e 102.
30
STRECK, Lenio Luiz. Crise de paradigmas: Devemos nos importar, sim, com o que a doutrina diz. Disponível
em: <www.leniostreck.com.br. Acesso em: 12 abril 2011.
31
NEVES, António Castanheira. Digesta: Escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia
e outros. V 2. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p.52: “Trata-se agora também do reconhecimento, não só de
que o sistema jurídico haverá hoje de pensar-se aberto e constituendo, mas sobretudo de que deixou ele de ser
normativisticamente unidimensional (i. é, constituído apenas por normas, no sentido dogmático estrito desse
conceito, e qualquer que seja a origem dessas normas ou mesmo que não sejam elas exclusivamente normas
legais), pois se revela como normativisticamente pluridimensional – desde logo, e é essencial, com uma dimensão
normativa que transcende, intencional e juridicamente, as normas formais e que é dada pelos valores e princípios
normativo-jurídicos, os regulativos e constitutivos fundamentos normativos de todo o sistema juridicamente
vigente”.
32
DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade: A leitura moral da constituição norte-americana. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. p.2: “A maioria das constituições contemporâneas expõe os direitos do indivíduo perante o governo
numa linguagem extremamente ampla e abstrata, como a Primeira Emenda à Constituição norte-americana, que
estabelece que o Congresso não pode fazer nenhuma lei que diminua a ‘liberdade de expressão’. A leitura moral
propõe que todos nós – juízes, advogados e cidadãos – interpretemos e apliquemos estes dispositivos abstratos
considerando que eles fazem referência a princípios morais de decência e justiça”.
33
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – Decido conforme minha consciência. Porto Alegre: Do Advogado, 2010.
p.102-103: “Mas, atenção: essa crítica ao subjetivismo – que é, fundamentalmente, uma crítica ao pragmati(ci)
smo – não implica a submissão do Judiciário a qualquer legislação que fira a Constituição, entendida no seu
todo principiológico. Legislativos irresponsáveis – que aprovem leis de conveniência – merecerão a censura da
jurisdição constitucional”.
34
DUARTE, Écio Oto Ramos. POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico: As faces da teoria
do direito em tempos de interpretação moral da constituição. 2.ed. São Paulo: Landy, 2010. p.81: “Esse modelo
jurídico [constitucionalismo] representa uma visão universalista do direito constitucional, a qual representa uma
dimensão axiológica do jurídico, em que os valores não são simplesmente expressões de um ponto de vista, mas
a expressão de um ideal moral universal. Nesse modelo, a Constituição não é somente ‘norma de autorização’ e
limite do direito infraconstitucional; esta apresenta um conteúdo que sustenta todo o sistema jurídico”.
35
ZANON JUNIOR, Orlando Luiz. A centralidade material da constituição. Âmbito Jurídico, Rio Grande, n.95, 2011.
Disponível em: www.ambito-juridico.com.br. Acesso em: 01.12.2011.
36
HART, H. L. A. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p.161-199.
37
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.387-397.
38
HART, H. L. A. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p.351: “Para que possa proferir uma decisão
em tais casos, o juiz não deverá declarar-se incompetente nem remeter os pontos não regulamentados ao poder
legislativo para que este decida, como outrora defendia Bentham, mas terá de exercer a sua discricionariedade
e criar o direito referente àquele caso, em vez de simplesmente aplicar o direito estabelecido já existente. Assim,
nesses casos não regulamentados juridicamente, o juiz ao mesmo tempo cria direito novo e aplica o direito
estabelecido, o qual simultaneamente lhe outorga o poder de legislar e restringe esse poder”.
39
GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
p.29: “Partindo do texto da norma (e dos fatos), alcançamos a norma jurídica, para então caminharmos até a norma
de decisão, aquela que confere solução ao caso. Somente então se dá a concretização do direito. Concretizá-lo
é produzir normas jurídicas gerais nos quadros de solução de casos determinados [Müller]”.
40
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4.ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p.549-550: “Desde já – embora essa discussão já esteja esclarecida no decorrer da obra –, é
necessário (re)lembrar que, para os efeitos aqui pretendidos, a palavra ‘norma’ representa o produto da interpretação
de um texto, isto é, o produto da interpretação da regra jurídica realizada a partir da materialidade principiológica. Se
sempre há um princípio atrás de uma regra, a norma será o produto dessa interpretação, que se dá na applicatio.
[…] Desse modo, não pode haver um conceito de norma que seja prévio e anterior ao caso a ser decidido. Portanto,
a norma e, máxime, a normatividade do direito emerge da conflituosidade própria do caso”.
41
GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. São Paulo: Landy,
2004. p.60: “[...] quem falar de uma norma, assim como de uma regra, no sentido relevante para a regra, associa
a ela a ideia de alguns casos que são iguais entre si e nos quais, por isso, a norma pode ser aplicada”.
42
DWORKIN, Ronald. O império do direito. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.492: “O direito não é esgotado
por nenhum catálogo de regras ou princípios, cada qual com seu próprio domínio sobre uma diferente esfera do
comportamento. Tampouco por alguma lista de autoridades com seus poderes sobre parte de nossa vidas. O
império do direito é definido pela atitude, não pelo território, o poder ou o processo. […] É uma atitude interpretativa
e autorreflexiva, dirigida à política no mais amplo sentido. É uma atitude contestadora que torna todo cidadão
responsável por imaginar quais são os compromissos públicos de sua sociedade com os princípios, e o que tais
compromissos exigem em cada nova circunstância”.
43
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006. p.237: “[...] a
interpretação do direito feita pelo juiz não consiste jamais na simples aplicação da lei com base num procedimento
puramente lógico. Mesmo que disso não se dê conta, para chegar à decisão ele deve sempre introduzir avaliações
pessoais, fazer escolhas que estão vinculadas ao esquema legislativo que ele deve aplicar”.
44
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006. p.221: “O
juspositivismo tem uma concepção formalista da ciência jurídica, visto que na interpretação dá absoluta prevalência
às formas, isto é, aos conceitos jurídicos abstratos e às deduções puramente lógicas que se possam fazer com
base neles, com prejuízo da realidade social que se encontra por trás de tais formas, dos conflitos de interesse
que o direito regula, e que deveriam (segundo os adversários do positivismo jurídico) guiar o jurista na sua
atividade interpretativa”.
45
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3.ed. Porto Alegre: Sulina, 2007. p.13-14: “Por isso o
conhecimento necessita ordenar os fenômenos rechaçando a desordem, afastar o incerto, isto é, selecionar os
elementos da ordem e da certeza, precisar, clarificar, distinguir, hierarquizar... Mas tais operações, necessárias
à inteligibilidade, correm o risco de provocar a cegueira, se elas eliminam os outros aspectos do complexus; e,
efetivamente, eu o indiquei, elas nos deixaram cegos”.
46
POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.341: “Com base
apenas no que afirmei até agora, já deve estar claro que a concepção tradicional que associa o raciocínio do
common law à indução e a interpretação das leis à dedução é enganosa. Interpretação não é dedução, ainda
que quando um conceito é extraído de uma lei por meio de interpretação o juiz possa proceder dedutivamente
(por exemplo, a lei de monopólio e concorrência desleal [Sherman Act] – por interpretação – proíbe a formação
de quartéis, X é um cartel, portanto X é proibido)”.
47
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito.
8.ed. rev. atual. Porto Alegre: Do Advogado, 2009. p.335: “Esclarecendo melhor e para bem entender as críticas
aqui lançadas, o positivismo pode ser traduzido pelos seguintes aspectos (suas teses centrais): a) que a existência
(vigência e validade) do direito em uma dada sociedade depende das práticas dos membros dessa sociedade;
são, pois, as fontes sociais do direito; b) que a validade de uma norma independe de sua ‘validade’ moral; trata-
se, pois, da separação entre direito e moral (secularização); c) que as normas jurídicas de um ordenamento não
‘cobrem’ todas as hipóteses de aplicação; isto quer dizer que haverá ‘casos difíceis’ que não serão solucionáveis
pelas normas jurídicas existentes; daí o recurso à discricionariedade, poder ‘delegado’ aos juízes (é neste ponto
que o positivismo se liga umbilicalmente ao sujeito solipsista – Selbstsüchtiger – da modernidade)”.
48
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006. p.40: “A
subordinação dos juízes à lei tende a garantir um valor muito importante: a segurança do direito, de modo que o
cidadão saiba com certeza se o próprio comportamento é ou não conforme a lei”.
49
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4.ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p.513: “Note-se: se a história do direito é uma história de superação do poder arbitrário, então
podemos afirmar que o que se procurar enfrentar é o locus onde a decisão privilegiada acontece, o lugar onde
a decisão ocorre. Nessa medida, a história do direito também é uma história de superação ou enfrentamento do
problema da discricionariedade (arbitrariedade)”.
50
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006. p.38: “[...] a
liberdade do juiz de pôr normas extraindo-as do seu próprio senso da equidade ou da vida social pode dar lugar
a arbitrariedades nos confrontos entre os cidadãos, enquanto que o legislador, pondo normas iguais para todos,
representa um impedimento para a arbitrariedade do poder judiciário”.
51
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: Introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-
político. São Paulo: Método, 2006. p.60-61: “Se o intérprete pode submete o direito a avaliações de conveniência,
talvez seria melhor abandonarmos os ‘pretextos’ jurídicos e substituir o direito escrito pela elaboração de discursos
teóricos apresentados por oradores especializados ou simplesmente pela escolha de pessoas sábias e honestas,
encarregadas da resolução informal dos conflitos, tal como ocorria nas aldeais indígenas ou em cidades medievais
e como ainda hoje se verifica em comunidades carentes”.
4 CONCLUSÕES
Fechadas as cinco críticas, que esclareceram os problemas referentes aos aspectos
centrais do Juspositivismo, é preciso reconhecer que tal modelo representou um importante
passo no desenvolvimento da Ciência Jurídica, cujos méritos precisam ser atribuídos a
autores como Bentham, Austin, Kelsen, Hart e Bobbio, dentre outros. Todavia, uma vez
constatadas anomalias (ou equívocos) na base teórica, justifica-se um esforço científico no
sentido de implementar retificações ou promover aprimoramentos, ainda que, para tanto,
seja necessário superar os elementos basilares do modelo vigente (ainda que parcialmente)
e, consequentemente, propor as bases de uma nova matriz disciplinar.
Sem embargo, a crise do Paradigma do Positivismo Jurídico já foi admita por Bobbio,
apesar de ter se declarado expressamente vinculado às teses centrais de tal movimento. Em
estudo publicado pela primeira vez em 1971,53 o autor italiano chegou a admitir a decadência
do modelo, mormente em face da emergência de outras Fontes Jurídicas além do Texto
Legislativo, que condicionam as decisões tomadas no cenário capitalista contemporâneo,
caracterizado por rápidas, intensas e conflituosas transformações em escala global54. Segundo
ele, a obra de Kelsen pode ser considerada como “o clímax do movimento juspositivista,
depois do que começa sua decadência, isto é (sem metáfora), sua crise”.55
Nessa linha de pensamento, muito embora o Positivismo Jurídico tenha representado
um avanço com relação ao Paradigma anterior do Jusnaturalismo, os seus elementos
52
DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: Introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-
político. São Paulo: Método, 2006. p.248: “A resposta juspositivista quase nunca oferece ao aplicador uma solução
imediata e definitiva do caso, pois costuma enumerar várias alternativas decisórias, cabendo ao aplicador escolher.
Isso não é admitido pelos moralistas que se referem à resposta certa no sentido de escolha da melhor solução
para o caso concreto”.
53
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: Novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007. p.XV: “Il
diritto [O direito], in Le scienze umane in Italia, oggi, Il Mulino, Bolonha, 1971, p.259-77”.
54
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: Novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007. p.41: “Um
dos aspectos pelo qual se manifesta a crise do positivismo jurídico é a crescente consciência da emergência de
outras fontes do direito, que minam o monopólio da produção jurídica detido pela lei – em uma sociedade em rápida
transformação e intensamente conflituosa, como é a sociedade capitalista na atual fase de desenvolvimento”.
55
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006. p.198.
56
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4.ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p.60: “Das teorias do discurso à fenomenologia hermenêutica, passando pelas teorias realistas (que
deslocam o polo da tensão interpretativa na direção do intérprete), os últimos cinquenta anos viram florescer teses
que tinham objetivos comuns no campo jurídico: superar o modelo de regras, resolver o problema da incompletude
das regras, refundar a relação ‘direito-moral’, solucionar os ‘casos difíceis’ (não ‘abarcados’ pelas regras) e a (in)
efetividade dos textos constitucionais (compromissórios e dirigentes)”.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. On the concept and the nature of law. Ratio Juris, Oxford, v.21, n.3,
p.281-299, 2008.
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri:
Manole, 2007.
______. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição.
7.ed. Coimbra: Almedina, 2003.
DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 4.ed. São Paulo: RT, 2011.
______. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo
jurídico-político. São Paulo: Método, 2006.
DUARTE, Écio Oto Ramos. POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e positivismo
jurídico: as faces da teoria do direito em tempos de interpretação moral da constituição.
2.ed. São Paulo: Landy, 2010.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
______. O direito da liberdade: a leitura moral da constituição norte-americana. São
Paulo: Martins Fontes, 2006.
______. O império do direito. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5.ed. São
Paulo: Malheiros, 2009.
______. O direito posto e o direito pressuposto. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e
aplicação. São Paulo: Landy, 2004.
HART, H. L. A. Ensaios sobre teoria do direito e filosofia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
______. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
HELLER, Hermann. Teoria do Estado. São Paulo: Mestre Jou, 1968.
KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986.
______. Teoria pura do direito. 7.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2009.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3.ed. Porto Alegre: Sulina,
2007.
RESUMO
O presente artigo pretende descrever o debate atual envolvendo a possibilidade ou não de
uma nova escola ou corrente do direito chamada “pós-positivismo”. Para atingir seus objetivos,
resgata a conceituação fundamental das grandes escolas – positivismo jurídico e jusnaturalismo – e
a proposta contemporânea do pós-positivismo. Reaviva, também, o debate entre Ronald Dworkin
e Herbert Hart sobre direito e moral, a aplicação de princípios e o poder discricionário do juiz.
Após, discute a crítica ingênua ao positivismo jurídico e revê esta escola conforme os estudos
atuais, demonstrando sua grande importância na questão do conceito de direito e na teoria do
ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Positivismo jurídico. Jusnaturalismo. Pós-positivismo. Direito e moral.
ABSTRACT
This article aims to describe the current debate about what could be a new school or current
of thought in the field of law, called “post positivism”. In order to proceed, the fundamental
concept of two great schools, legal positivism and natural law, as well as the contemporary
proposal of post-positivism, are revisited. The debate between Ronald Dworkin and Herbert
Hart about law and morals, application of principles and the discretionary power of the judge, is
also reopened. Then, naive criticism of legal positivism is discussed; this school is reconsidered
according to actual studies, demonstrating its great importance about the concept of law and
the theory of legal order.
Keywords: Legal Positivism. Natural Law. Post-Positivism. Law and Morals.
1 INTRODUÇÃO
Sabe-se que o pós-positivismo pretende apresentar-se como escola ou corrente
alternativa às grandes e tradicionais escolas do direito (juspositivismo e jusnaturalismo).
Por outro lado, na bibliografia mais recente, estão surgindo também dúvidas pertinentes:
“pós-positivismo” ou “neoconstitucionalismo” são apenas rótulos? Há uma superação ou
Charles Andrade Froehlich é Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas e Mestre em Filosofia pela Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM). Doutorando em Filosofia na UFSM. Professor do Departamento de Direito da
Universidade de Santa Cruz do Sul-RS (UNISC).
1
O título faz menção à obra de Ronald Dworkin Levando os direitos a sério (Taking Rights Seriously, 1977).
Entretanto, enquanto o filósofo estadunidense fala em “direitos” (plural), queremos falar em “direito” (singular)
significando “Direito” no aspecto mais geral e amplo.
2 Luis Fernando Barzotto afirma, em síntese, que o critério de juridicidade do jusnaturalismo é a justiça e o do
positivismo jurídico é a validade: BARZOTTO, Luis Fernando. O positivismo jurídico contemporâneo. Uma introdução
a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: UNISINOS, 1999, p.19-20.
Norberto Bobbio destaca que a distinção entre direito natural e direito positivo é
bastante antiga, ainda que este contraponto fosse, em outras palavras, direito natural x
direito escrito/legislado, sendo que os antigos (antes da instituição do Estado moderno)
reconheciam a existência do direito natural. É sempre lembrado o famoso trecho da
tragédia Antígona, no qual há a invocação de leis eternas e imutáveis que concediam o
direito à Antígona de fazer o funeral do irmão em contraposição ao decreto de Creonte
que proibia tal ato sob pena de morte. Neste sentido, conforme este autor, a distinção
ocorria basicamente nestes termos: quanto ao critério da “extensão da validade”, o direito
natural é “universal” enquanto o positivo é “particular”; quanto ao critério do “tempo”,
o direito natural é “imutável” enquanto o positivo é “mutável”; quanto ao critério da
“fonte”, o direito natural vem da “natureza”, enquanto o positivo vem do “poder do povo”
3
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2 ed. Trad. Aroldo
Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Fabris, 1999, p.129 e 130.
4
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Lições de filosofia do direito. Trad. de Márcio Pugliesi, Edson Bini,
Carlos Rodrigues. São Paulo: Ícone,1995, p.22-23.
5
Ibidem, p.26: “o positivismo jurídico é aquela doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o
positivo”.
6
Ver. p.ex., BOBBIO, Norberto. Locke e o direito natural. Trad. de Sérgio Bath. Brasília: Ed.UnB, 1998.
7
“Direito escrito, positivo ou civil” (em sentido amplo) são designações dadas ao direito contraposto ao
“natural”.
8
Sobre o conceito autônomo de direito, consultar a Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen e BARZOTTO, Luiz
Fernando. O positivismo jurídico contemporâneo. São Leopoldo: UNISINOS, 1999.
9
Ver TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005, p.37.
10
Como veremos nos tópicos adiante, grande parte destas críticas não são admitidas ou sustentadas elos próprios
positivistas, ou pelo menos, pelo positivismo conceitual. Na verdade, é preciso distinguir o positivismo ideológico,
o formalismo e o positivismo conceitual. Remetemos o leitor para a síntese crítica feita por Noel Struchiner em
sua tese de doutorado: STRUCHINER, Noel. Para falar de regras. O positivismo conceitual como cenário para
uma investigação filosófica acerca dos casos difíceis do direito. Tese de Doutorado em Filosofia da PUC-Rio. Rio
de Janeiro: 2005, p.28-34.
11
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. 7.ed. Tradução de Marina Gascón. Madrid:
Editorial Trotta, 2007, p.32. Grifamos.
12
BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004,
p.50-51.
13
Ver DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002. Dworkin afirma de maneira categórica: “…os problemas de teoria do direito são, no fundo, problemas relativos
a princípios morais e não a estratégias e fatos jurídicos. Enterraram esses problemas ao insistir na abordagem
jurídica tradicional. Mas, para ser bem-sucedida, a teoria do direito deve trazer à luz esses problemas e enfrentá-
los como problemas de teoria moral” (p.12). É bem conhecida a distinção de Dworkin entre regras e princípios, à
qual remetemos o leitor, nos capítulos 2 e 3 (O modelo das regras I e II) da obra referida nesta nota.
14
Giorgio Bongiovanni citado por MELLO, Cláudio Ari. Democracia constitucional e direitos fundamentais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.85.
15
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. 7.ed. Tradução de Marina Gascón. Madrid:
Editorial Trotta, 2007, p.33.
16
ZAGREBELSKY usa esta expressão “decimonónico” (na tradução espanhola da obra) para se referir ao panorama
do Estado e do direito do séc.XIX. Ver também ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia.
7.ed. Tradução de Marina Gascón. Madrid: Editorial Trotta, 2007, p.96.
17
Ibidem, p.34.
[...] o direito é um sistema de normas que (1) formula uma pretensão de correção,
(2) consiste na totalidade das normas que pertencem a uma Constituição, em geral,
eficaz, e não são extremamente injustas, bem como na totalidade das normas que
são promulgadas de acordo com esta Constituição, e que possuem um mínimo de
eficácia social ou de probabilidade de eficácia e não são extremamente injustas,
e ao qual (3) pertencem os princípios e os outros argumentos normativos em que
se apoia o procedimento de aplicação do direito e/ou tem que apoiar-se a fim de
satisfazer a pretensão de correção.19 [...]
Assim, pois, cabe dizer, em síntese, que a Constituição não é direito natural,
senão melhor, a manifestação mais alta do direito positivo. Sem embargo, dado
18
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 7.ed. São Paulo: Martins Fontes,
2006, pgs. 33-38 e 217-224.
19
ALEXY, Robert. El Concepto y la validez del derecho. Tradução de Jorge Seña. 2.ed. Barcelona: Editorial Gedisa,
1997, p.123. Alexy afirma que as correntes positivistas afirmam a tese da separação entre direito e moral e as
correntes não positivistas defendem a tese da vinculação.
20
ZAGREBELSKY, op. cit., p.116.
21
No Brasil, é importante mencionar o pioneirismo de Paulo Bonavides, no capítulo Dos princípios gerais de direito
aos princípios constitucionais, de sua obra Curso de direito constitucional, na qual disserta sobre o pós-positivismo
e defende uma concepção principial de direito: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São
Paulo: Malheiros, 2002, p.259.
22
CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. In: Doxa: Cuadernos de filosofía del derecho, Nº 21, 1, 1998, p.209-220.
Disponível em www.cervantesvirtual.com.
Ibidem, p.211-215.
23
BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo e Rio de Janeiro:
Ed.UNISINOS e Renovar, 2006, p.650-653.
3 O CONTRAPONTO: O PÓS-POSITIVISMO
SUSTENTA-SE CIENTÍFICA E METODOLOGICAMENTE?
Como lembrado por Noel Struchiner, jusnaturalismo e juspositivismo são os eternos
finalistas da Copa do Mundo da filosofia do direito.27 Há uma imensa e longa tradição
histórica na filosofia do direito em relação a estas duas grandes escolas de pensamento
jurídico. Assim, de um lado, qualquer mudança ou apreciação de novas tendências sofre
uma certa desconfiança; de outro, os mais apressados correm para rotular o novo momento
e assinar o atestado de batismo da nova escola. Nesta correria dos tempos, muitas vezes não
se analisa detidamente todos os elementos teóricos envolvidos. O panorama é digno de nota:
25
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio M.; BRANCO, Paulo Gustavo G. Curso de direito constitucional.
São Paulo: Saraiva, 2007, p.120 e seguintes.
26
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio M.; BRANCO, Paulo Gustavo G. Curso de direito constitucional.
São Paulo: Saraiva, 2007, p.120-121.
27
STRUCHINER, Noel. A primazia do positivismo conceitual. In: DIMOULIS, Dimitri e DUARTE, Écio Oto. Teoria do
direito neoconstitucional: superação ou reconstrução do positivismo jurídico? São Paulo: Método, 2008. p.320.
28
STRUCHINER, Noel. Para falar de regras. O positivismo conceitual como cenário para uma investigação filosófica
acerca dos casos difíceis do direito. Tese de Doutorado em Filosofia da PUC-Rio. Rio de Janeiro: 2005, p.22.
29
Eduardo Ribeiro Moreira, p.ex., faz um catálogo das novas correntes: positivismo exclusivo; positivismo inclusivo;
neoconstitucionalismo teórico; neoconstitucionalismo total: MOREIRA, Eduardo Ribeiro. O momento do positivismo.
In: DIMOULIS, Dimitri e DUARTE, Écio Oto. Teoria do direito neoconstitucional: superação ou reconstrução do
positivismo jurídico? São Paulo: Método, 2008. p.243.
30
DIMOULIS, Dimitri e DUARTE, Écio Oto. Teoria do direito neoconstitucional: superação ou reconstrução do
positivismo jurídico? São Paulo: Método, 2008.
31
Ibidem, na Apresentação, p.5.
32
Ver principalmente: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
8.ed. São Paulo: Malheiros, 2008 e DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira.
São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.39-42;57.
33
ÁVILA, Humberto. Neoconstitucionalismo: entre a ciência do direito e o direito da ciência . In: Revista
Eletrônica de Direito do Estado (REDE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, Número 17, jan/fev/mar
2009. Disponível em: http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/679/507. Acesso em 29 de
setembro de 2011.
34
Debate surgido das críticas de Dworkin ao positivismo de Hart, a que este respondeu e consta no pós-escrito
de sua obra O conceito de direito.
35
Voltamos a indicar os textos de Ávila e de Dimoulis e Duarte constantes das referências.
36
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002,
p.27-28.
37
Ibidem, p.6.
38
Ibidem, p.231.
39
Ibidem, p.518 e 533.
40
Ibidem, p.9 e 12.
41
Ibidem, p.285.
42
HART, Herbert L.A. O conceito de direito. 5.ed. Trad. de A.Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2007, p.300-301.
43
Ibidem, p.312.
44
Ibidem, p.314.
45
Ibidem, p.321-325.
5 OS “EQUÍVOCOS DO PÓS-POSITIVISMO”
E A “RÉPLICA” DO POSITIVISMO JURÍDICO
Na esteira do que estamos comentando – sem querer obviamente exaurir o tema,
que é por demais extenso –, na bibliografia nacional, existem, no mínimo, duas obras
sintomáticas que devem ser conferidas com atenção para contextualizar o título acima e
servem como exemplo ilustrativo: Positivismo jurídico de Dimitri Dimoulis e Teoria do
direito neoconstitucional, organizada por Dimitri Dimoulis e Écio Duarte.
Na primeira delas, Dimitri Dimoulis dedica um capítulo para “os equívocos do
pós-positivismo” (cap. II) e um capítulo para a “réplica” do positivismo: o “positivismo
jurídico” legitima o direito positivo?” (cap. VI). Em primeiro lugar, afirma-se que o rótulo
“pós-positivismo” é praticamente desconhecido fora do Brasil e, mesmo na Alemanha,
onde é encontrado, o sentido não é o mesmo utilizado no Brasil.
46
Ibidem, p.327.
47
O capítulo IX do Conceito de Direito chama-se “Direito e Moral”, no qual são trabalhados o “conteúdo mínimo
do direito natural” e a “influência da moral sobre o direito”.
48
Ibidem, p.332.
49
A título de exemplo, conferir: HABERMAS, Jürgen. Direito e moral. Tradução de Sandra Lippert. Lisboa: Instituto
Piaget, 1999, p.39 e MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Tradução de Waldéa Barcellos.
São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.299 e segs.
50
No Brasil, as vaidades e acirradas concorrências acadêmicas para obter titulação, currículos e “seguidores”
levaram muitos teóricos do direito a, recentemente, cultuarem o “novo”, inclusive no título de suas obras.
51
Sobre a expressão e sua crítica específica, consultar: DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a
uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Método, 2006, p.260 e MATOS,
Andityas Soares de Moura Costa. Positivismo jurídico e autoritarismo político: a falácia da reductio ad hitlerum.
In: DIMOULIS, Dimitri e DUARTE, Écio Oto. Teoria do direito neoconstitucional: superação ou reconstrução do
positivismo jurídico? São Paulo: Método, 2008.
52
Panorama presente em: DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do
pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Método, 2006, p.261-263.
53
Ibidem, p.53-55.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto, é tranquilo observar que os autores e obras que postulam o
rótulo “pós-positivismo” utilizam-se da chamada “falácia do espantalho” para criticar o
positivismo jurídico. Ou seja, o positivismo é “caricaturizado”, visto a partir de resumos,
esquemas ou leituras de segunda mão que previamente proíbem a leitura dos clássicos do
positivismo jurídico. Ou, ainda, na melhor das hipóteses, o positivismo usado como alvo
das críticas é o positivismo ideológico ou o formalismo, tipo de positivismo não mais
aceito para caracterizar esta escola. Há, também, um conjunto de autores positivistas que
tratam de evidenciar os problemas do positivismo ideológico e do formalismo, revelando
as melhores condições ou estrutura teórica do chamado positivismo conceitual.
No contexto do positivismo conceitual, devemos esclarecer, não há negação das
relações entre direito e moral, pelo contrário, tais relações são claramente admitidas
e, até mesmo, padrões morais são aceitos como integrantes do ordenamento jurídico.
Entretanto, para a construção do conceito de direito não há necessidade de utilização de
padrões morais. O conceito de direito é obtido pelo critério da fonte e não pelo mérito.
Além disso, é importante a referência a algum tipo de regra de reconhecimento ou norma
fundamental.
O conjunto de características propostas para a identificação do pós-positivismo,
como mencionado no corpo do texto, também é colocado na balança da crítica e algumas
delas não se sustentam.
Trata-se de um argumento ingênuo ou baseado na fé afirmar que o contexto atual do
direito – seja chamado de “pós-positivismo”, seja “neoconstitucionalismo” – apresenta-
se na estrutura citada anteriormente: mais Constituição do que leis; mais juízes do que
legisladores; mais princípios do que regras; mais ponderação do que subsunção; mais
concretização do que interpretação. Primeiro: existe um conjunto de autores discordando
fundamentadamente desta “estrutura”. Segundo: estas afirmações não sobrevivem a
um teste empírico da realidade do direito aplicado ou não tem relevante significado
científico. Humberto Ávila, por exemplo, em texto recente, afirma que não é correto,
nem científico, propagar que temos mais princípios do que regras; que temos mais
ponderação do que subsunção; mais Poder Judiciário do que Poder Legislativo. E mais,
estas supostas mudanças não encontram suporte no próprio ordenamento constitucional
brasileiro. A Constituição brasileira de 1988 não é composta somente de princípios, mas
de regras e princípios e não é exato afirmar que passamos totalmente de um modelo para
outro e que este “novo” modelo seja melhor. No mesmo sentido, existe um conjunto de
“regras legisladas”, das quais não podem ser subtraídas todas as técnicas interpretativas
54
Waismann citado por STRUCHINER, Noel. Para falar de regras. O positivismo conceitual como cenário para
uma investigação filosófica acerca dos casos difíceis do direito. Tese de Doutorado em Filosofia da PUC-Rio. Rio
de Janeiro: 2005, p.106.
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do pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Método, 2006.
55
ÁVILA, Humberto. Neoconstitucionalismo: entre a ‘ciência do direito’ e o ‘direito da ciência’. In: Revista Eletrônica
de Direito do Estado (REDE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, Número 17, jan/fev/mar 2009.
Disponível em: http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/679/507. Acesso em 29 de setembro
de 2011, p.17-18-19.
RESUMO
A interpretação dos tratados internacionais pelos tribunais brasileiros sempre foi censurável.
Inúmeros “conflitos interpretativos” são talhados na busca de definição de uma hierarquia normativa
entre os tratados internacionais e a legislação pátria. O debate sobre o status normativo dos tratados
internacionais de direitos humanos e as polêmicas provenientes da Emenda Constitucional n.
45/2004 são exemplos disso; mais ainda com a promulgação da Convenção de Viena sobre Direito
dos Tratados pelo Brasil em 2009. Cada vez mais se percebe a necessidade de se desenvolver
uma Teoria das Fontes, uma Teoria da Norma e uma Teoria da Decisão. Não se concebe uma
democracia com voluntarismos e arbitrariedades, principalmente no interior do Poder que, no
Brasil, é constitucionalmente responsável por guardar a Constituição. Mecanismos “inovadores” que
poderiam auxiliar na resolução desses “conflitos” não são aplicados, como as Opiniões Consultivas.
Desse modo, uma questão permanece sem resposta: até quando deixaremos de cumprir o Direito
Internacional?
Palavras-chave: Direito dos Tratados. Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados.
Direito Internacional Público. Hermenêutica Jurídica.
ABSTRACT
The interpretation of international treaties by the Brazilian courts has always been
objectionable. Several “interpretative conflicts” are carved in the search for a definition of
normative hierarchy between international treaties and the domestic legislation. The debate over
the normative status of international treaties on human rights and the controversies arising from
the 45th Constitutional Amendment are examples. Moreover with the enactment of the Vienna
Convention on the Law of Treaties by Brazil in 2009. Increasingly realize the need to develop a
Theory of Sources, a Theory of Norm and a Theory of Decision. Can not conceive a democracy
with voluntarism and arbitrariness, especially within the power that, in Brazil, is constitutionally
responsible for safeguarding the Constitution. “Innovative” mechanisms that could assist in
addressing these “conflicts” are not applied, as the Advisory Opinions. Thus, one question remains
unanswered: when we will apply the International Law?
Keywords: Law of Treaties. Vienna Convention on the Law of Treaties. International Law.
Interpretation. Hermeneutics.
Rafael Köche é Mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista
de Mestrado do CNPq. Membro do Grupo de Pesquisa Hermenêutica Jurídica (CNPq). Integrante do Projeto de
Pesquisa “Direitos Humanos e Transnacionalização do Direito” (UNISINOS). Advogado.
1
Artigo premiado no Concurso de Artigos atinentes à Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, promovido
pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG (2º lugar).
2
“Hoje vivemos num mundo em que o fracasso da colheita de látex na Malásia afeta profundamente os trabalhadores
em Birmingham ou em Detroit, enquanto uma negociação na bolsa de valores de Nova York e pode arruinar os
produtores de cacau da África Ocidental, que pouco sabem da existência de Londres, e com certeza não conhecem
nada sobre ações ou sobre valores” (CROSSMAN, 1980, p.18-9). Quando nos referimos a globalização, estamos
nos referindo a um fenômeno mais abrangente que um mero “conjunto de estratégias para realizar a hegemonia de
conglomerados industriais, corporações financeiras, majors do cinema, da televisão, da música e da informática,
para apropriar-se dos recursos naturais e culturais, do trabalho, do ócio e do dinheiro dos países pobres” (CANCLINI,
2003, p.29). Dentre as variadas terminologias existentes para descrever esse processo, talvez “globalização” não
sintetize a pluridimensionalidade fenomênica a que estamos nos referindo, contexto sobre o qual estamos partindo.
Reconhecemos que talvez o termo “mundialização” exprima com mais propriedade o sentido desse processo,
em razão da alta carga semântica que a “globalização” acabou assumindo. Para fins deste texto, ressaltamos, no
entanto, que o leitor deve ler esses termos como sinônimos desse processo, permeado por dinâmicas plurais, de
intensificação e multiplicação das relações, que extrapola as fronteiras nacionais, transformando as referências
modernas centradas nas nacionalidades. Trata-se, assim, de um processo, pluridimensional, contraditório, paradoxal
e ambíguo, na linha que trabalha autores como: Giddens (1990), Touraine (2007), Beck (1999), Held (2001), sem
(2003), para ficarmos apenas nestes.
3
A (des)construção deste texto foi realizada a partir de aportes da hermenêutica filosófica e da filosofia hermenêutica
desenvolvida a partir de tal viragem. Não serão aprofundados tais fundamentos. Para tanto, ver: Wittgenstein (2001
e 2005), Heidegger (2006), Oliveira (1996 e 1993).
4
Quando nos referirmos a tratados, estaremos nos referindo aos pactos regidos pelo Direito Internacional Público
e, por isso, International Law. Essa “limitação conceitual” é necessária, pois alguns internacionalistas da Academia
da Paris, como McNair, O’Connell, Serge Sur Nguyen Quoc Dinh Paul Reuter e Charles Rousseau, ampliam o
conceito de tratado para todo acordo entre sujeitos de direito internacional público. Isso incluiria determinados
acordos que são regulados pelo direito interno de cada Estado envolvido ou mesmo por princípios e regras de
direito internacional privado. Para tanto, ver: Reuter (1995) e Henkin (et al. 1993). Tal distinção é mencionada
também por Celso de Albuquerque Mello (2004).
5
Importante análise feita por Hannah Arendt (1963) sobre a chamada banalidade do mal.
6
“O ensino da história é tão compartimentado quanto as publicações históricas” e o retrato apresentado é sempre
o da perspectiva congelada da história dos vencedores. Nessa linha, vale referir Norman Davies, em Europa
na Guerra, obra crítica que não revela “espetacularmente fatos novos”, mas reorganiza e reintegra fatos bem
estabelecidos que, até agora, “vinham sendo rigidamente segregados”. Como o próprio autor refere, a guerra
na Europa foi “dominada por dois monstros diabólicos, e não apenas um”. Descartando a narrativa dualista bem
conhecida dos ocidentais que opõe o Bem e o Mal, notamos que “esses monstros uniram forças para destruir a
ordem internacional existente, antes de embarcar em uma guerra violenta”. Os libertadores de Auschwitz eram
servos de um regime que mantinha campos de concentração ainda maiores do que aqueles que libertaram.
(DAVIES, 2009, passim).
7
“Os acontecimento de 11 de setembro de 2001 (...) iniciam um novo ciclo histórico. Saímos de uma ordem
internacional bem ou mal gerenciada para um sistema fluido, imprevisível, descontrolado, ameaçador e, para
seguir a palavra da moda, globalizado. (...) Uma das maiores ironias acontecendo sob os nossos olhos, sob as
nossas barbas: a guerra declarada pela maior potência bélica de toda a História, os EUA, contra um fantasma.
(...) A economia é responsável pelas armas ideológicas da morte.” (DINIZ, 2005, p.51-52).
8
A primeira regulamentação dos tratados internacional a versar sobre o modo de sua celebração foi a Convenção
Pan-Americana sobre Direito dos Tratados (1928), conhecida como Convenção de Havana, realizada por ocasião
da VI Conferência Internacional Americana, em vigor até hoje. Ela foi incorporada ao ordenamento legislativo
brasileiro mediante o Decreto nº 18.956, de 22 de outubro de 1929. A Convenção de Viena só entrou em vigor
internacionalmente em 27 de janeiro de 1980, quando o trigésimo quinto país depositou o instrumento de ratificação.
Ver: Henkin (1993), em especial, o capítulo 6, The Law of Treaties, seção 1-A, The Viena Convention on the Law
of Treaties (p.416 e segs).
9
Nesse mesmo sentido, foi elaborada a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e
Organizações Internacionais, concluída em 1986. Ela ainda não entrou em vigor por não ter atingido o quorum
mínimo de 35 ratificações de Estados. “A origem histórica da codificação do Direito dos Tratados envolvendo
organizações internacionais se confunde com o próprio aparecimento das organizações no cenário internacional,
quando se percebeu que a capacidade internacional dessas entidades as levava inexoravelmente à condição
de titulares do poder de celebrar tratados (treaty-making power)” (MAZZUOLI, 2010, p.290). Para aprofundar o
assunto, inclusive para a compreensão deste artigo, fundamental a leitura das obras: Cachapuz de Medeiros,
1995, Cançado Trindade, 2003a, e, 2003b, pp.171-200.
10
Diferentemente de outras convenções, que regulam o comportamento dos Estados em setores específicos das
relações internacionais, a Convenção de Viena de 1969 se destina a reger todos os demais tratados (CACHAPUZ
DE MEDEIROS, 2007, p.63).
11
Como se percebe, mais de quarenta anos se passou até a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados ser
aprovada pelo Congresso brasileiro, com reservas aos artigos 25 e 66, que dispõem, respectivamente: “Artigo 25:
1. Um tratado ou uma parte do tratado aplica-se provisoriamente enquanto não entra em vigor, se: a) o próprio
tratado assim dispuser; ou b) os Estados negociadores assim acordarem por outra forma. 2. A não ser que o
tratado disponha ou os Estados negociadores acordem de outra forma, a aplicação provisória de um tratado ou
parte de um tratado, em relação a um Estado, termina se esse Estado notificar aos outros Estados, entre os
quais o tratado é aplicado provisoriamente, sua intenção de não se tornar parte no tratado” e “Artigo 66: Se, nos
termos do parágrafo 3 do artigo 65, nenhuma solução foi alcançada, nos 12 meses seguintes à data na qual a
objeção foi formulada, o seguinte processo será adotado: a) qualquer parte na controvérsia sobre a aplicação ou
a interpretação dos artigos 53 ou 64 poderá, mediante pedido escrito, submetê-la à decisão da Corte Internacional
de Justiça, salvo se as partes decidirem, de comum acordo, submeter a controvérsia a arbitragem; b) qualquer
parte na controvérsia sobre a aplicação ou a interpretação de qualquer um dos outros artigos da Parte V da
presente Convenção poderá iniciar o processo previsto no Anexo à Convenção, mediante pedido nesse sentido
ao Secretário-Geral das Nações Unidas”.
12
Talvez, nesse caso, a subsidiariedade da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
poderia responder ao problema.
13
José Francisco Rezek, por exemplo, afirma ser uma obviedade que a assinatura de um tratado (de “procedimento
longo”) não pretende vincular o Estado, tampouco o governo (1984 p.269). Deixamos claro, todavia, que
reconhecemos a possibilidade de a assinatura vincular o Estado, com fulcro no artigo 12 da Convenção de
Viena de 1969: “Artigo 12: 1. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela
assinatura do representante desse Estado: a) quando o tratado dispõe que a assinatura terá esse efeito; b) quando
se estabeleça, de outra forma, que os Estados negociadores acordaram em dar à assinatura esse efeito; ou c)
quando a intenção do Estado interessado em dar esse efeito à assinatura decorra dos plenos poderes de seu
representante ou tenha sido manifestada durante a negociação”.
14
Tal tensionamento é resultante também do movimento que convencionalmente passou-se a chamar de
constitucionalismo (contemporâneo), pois, “de um lado, textos constitucionais forjados na tradição do segundo pós-
guerra estipulando e apontando a necessidade de realização dos direitos fundamentais-sociais; [por outro,] a difícil
convivência entre os Poderes do Estado, eleito (Executivo e Legislativo) por maiorias nem sempre concordantes
com os ditames constitucionais.” (STRECK, 2011, p.23).
15
A tese da Constituição Dirigente (dirigierende Verfassung), inicialmente elaborada por Lerche (1999, p.60 e
segs.), foi adaptada à doutrina portuguesa por Canotilho (1994).
16
The Constitution of Greece (1975): “Article 28 – 1. The generally recognized rules of international law, as well as
international conventions as of the time they are sanctioned by statute and become operative according to their
respective conditions, shall be an integral part of domestic Greek law and shall prevail over any contrary provision
of the law. The rules of international law and of international conventions shall be applicable to aliens only under the
condition of reciprocity”. (Constituição da Grécia [1975]: “Art. 28, § 1º: As regras de Direito Internacional geralmente
aceitas, bem como os tratados internacionais após sua ratificação [...], têm valor superior a qualquer disposição
contrária das leis”). (Tradução livre).
17
Constitución para la República del Perú: “Art. 101 – Los tratados internacionales celebrados por el Peru con otros
Estados, forman parte del derecho nacional. En caso de conflicto entre el tratado y la ley, prevalece el primero”.
(Constituição do Peru [1979]: “Art. 101 – Os tratados internacionais, celebrados pelo Peru com outros Estados,
formam parte do direito nacional. Em caso de conflito entre tratado e lei, prevalece o primeiro”). (Tradução livre).
18
Constituição da França (1958): “Art. 55 – Os tratados ou acordos devidamente ratificados e aprovados têm,
desde a data de sua publicação, autoridade superior à das leis, sob reserva, para cada acordo ou tratado, de sua
aplicação pela outra parte”.
19
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), 1969: “Art. 7º, §7: “Ninguém
deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente em virtude
de inadimplemento de obrigação alimentar”.
20
Gilmar Mendes ainda descreve a possibilidade de os tratados internacionais de direitos humanos serem entendidos
como supraconstitucionais, na linha que defende Celso Duvivier de Albuquerque Mello (1999, pp.25-26).
21
Constituição Federal (1988): “Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa
e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros”.
Tratamentos díspares assim fazem com que, por exemplo, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
tenha status supralegal e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, constitucional.
22
A fundamentação do Min. Gilmar Mendes, nesse sentido, ressalta o tratamento idêntico que é dado pelas
Constituições da Alemanha (Art. 25), França (Art. 55) e Grécia (Art. 28).
In order to do so, the paragraph 4th of the Constitution article 5th promoted an
extension of Brazilian jurisdiction when it clearly submits it to the International
Criminal Court jurisdiction, to whose creation was celebrated its adhesion. That
is, it equated such a Court with the Brazilian Judiciary organs. Hence, it can be
observed that this device was not aimed on constitutionally declaring adhesion to
the International Criminal Court, but to recognize whatever institution with the
same nature as a national jurisdiction, enlarging then the criminal jurisdiction
concerning crimes within its competence.
23
Defendida por parte da jurisprudência, conforme descreve Marques e Lixinsky (2009, p.149). Sobre o assunto,
ver também: Amaral, 2006, p.11-33.
Criado para tentar responder ao dilema sobre o patamar normativo dos tratados
internacionais de direitos humanos que o Brasil seja parte, o parágrafo 3º enfrentou
intensas críticas, sendo inclusive suscitada sua inconstitucionalidade material,
decorrente da proibição de retrocesso social, pois, supostamente, não poderia ter exigido
procedimento mais rígido (quorum qualificado) para que novos direitos, criados por
tratados internacionais que o Brasil seja parte, incorporem ao ordenamento jurídico
nacional em patamar constitucional; enquanto a previsão anterior do parágrafo 2º não o
fazia. Mesmo assim, há quem afirme ser desnecessária a inclusão do parágrafo 3º ao art.
5º, já que o parágrafo 2º já seria o suficiente para uma “leitura constitucionalizante” dos
tratados internacionais de direitos humanos (MOREIRA, 2007, p.100).
O parágrafo 3º veio a complementar o parágrafo anterior – que consagrara a abertura
constitucional aos tratados internacionais sem estabelecer procedimento específico para
que o patamar constitucional fosse definido. Todavia, tal “complementariedade” desperta
especulações também sobre a questão do direito intertemporal, ao tentar definir o status
normativo dos tratados, ele aparentemente não resolveria o problema daqueles que o
Brasil tornou-se parte antes da Emenda n. 45/2004. Eles continuarão sendo concebidas
como normas infraconstitucionais, como se depreende do entendimento do Supremo? Ou
assumirão o status constitucional apesar de não terem sido submetidos ao procedimento
qualificado (conforme o parágrafo 3º)?
Ao atribuir hierarquia constitucional aos tratados de direitos humanos mediante
procedimento específico no âmbito do Congresso Nacional, o constituinte derivado
reforçou a posição adotada no Supremo Tribunal Federal; ou seja: os tratados sobre
direitos humanos não contam com a hierarquia constitucional automaticamente (DINO
et al., 2005, p.16). Logo, os tratados internacionais, anteriores à Emenda, mesmo aqueles
que versem sobre direitos humanos, manteriam status equivalente às leis ordinárias.
Passa despercebido, entretanto, que as alterações implantadas pela Emenda
Constitucional n. 45/2004 vieram para fortalecer a proteção dos direitos fundamentais.
E não o contrário. E que as questões levantadas acerca do novo parágrafo do artigo 5º
poderiam ser resolvidas, em alguns casos, a partir do fenômeno da recepção.
24
Cf. Moreira, 2007, pp.107-8.
25
Cf. Comparato (2008), Cançado Trindade (1997, 1999 e 2003), Piovesan (2009).
26
Piovesan, 2009, pp.72-3. Moreira sustenta que certas decisões provenientes dos Tribunais de alguns estados
(HC 70011566882-RS; HC 700113551624-RS; Apelação Cível 1.0408.02.000139-7/001-MG), além da expansão da
doutrina que reconhece o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos contribuem para o surgimento
de uma “nova cultura dos direitos humanos” (2007, p.110).
Desse mesmo modo, tampouco poderá valer-se das decisões internas para fazer
fracassar um tratado no qual é parte. Ou seja, cada vez mais se percebe a necessidade de
se desenvolver uma (nova) Teoria das Fontes, uma (nova) Teoria da Norma e uma (nova)
Teoria da Decisão. Não se concebe uma democracia com voluntarismos e arbitrariedades,
principalmente no interior do Poder que, no Brasil, é constitucionalmente responsável por
“guardar a Constituição”, sendo que “os constituintes autorizaram o governo a concluir
tratados que modificariam o equilíbrio dos poderes internos ou limitariam sua “soberania
normativa”.29
Por fim, mecanismos inovadores que poderiam auxiliar na resolução desses
“conflitos” não são utilizados. As Opiniões Consultivas fornecidas por organizações,
27
Until the extraordinary appeal trial number 80.004-SE in 1997, the Supreme Court has settled the International
Law primacy over the Internal Law. In this appeal, it has been decided that, in case of conflict between treaty and
later law, the law should prevail according to the principle lex posterior derogate legi priori (PEREIRA; BARROS;
LIMA, 2009, p.130).
28
Dinh; Dailler; Pellet, 2003, p.284.
29
Dinh; Dailler; Pellet, 2003, p.290.
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RESUMO
A Constituição Federal estabelece a competência da União, dos Estados e dos Municípios
para a promoção e o incentivo do turismo como fator de desenvolvimento social e econômico.
A legislação federal regulamenta com normas gerais, e as legislações estaduais com normas
regionais, o que são áreas e locais de interesse turístico. Contudo, tais legislações têm um caráter
geral; por conseguinte, não delimitam espaços específicos para o cumprimento das referidas
áreas e locais, o que se dará conforme critérios estabelecidos pelos municípios. O instrumento
jurídico que possibilita o zoneamento dos espaços e das atividades de interesse turístico é o
Plano Diretor Municipal. O turismo realiza-se num determinado espaço (urbano ou rural), em
decorrência de suas características naturais ou criadas; assim, é imprescindível o zoneamento
das áreas de interesse turístico para a minimização dos impactos ambientais sobre esses espaços
e a concretização de políticas públicas de turismo, na forma do art. 180 da CF.
Palavras-chave: Turismo. Zoneamentos específicos. Impactos ambientais. Ocupação.
Desenvolvimento social e econômico sustentável.
ABSTRACT
The Constitution of Brazil/1988 establishes the competence of the Union, the States and
municipalities to promote and encourage tourism as a factor of social and economic development.
Federal law regulates general rules, as well as state laws, with regional standards, and defines
which are areas and places of tourist interest. However, State and federal laws have a general
character. Therefore, delimits spaces specifically designed for this purpose, leaving them at the
discretion of municipalities all over Brazilian States. The legal instrument that enables the zoning
of the spaces and the activities of tourist interest is the Municipal master plan. Effectively, tourism
always happens in a certain space (urban or rural), due to the natural or artificial features in these
spaces. It is imperative starting a zoning process, as an effective instrument in order to minimize
environmental impacts and to implement public policies for tourism. That is essential for social
and economic development, as provided for by art. 180 of the Federal Constitution.
Keywords: Tourism. Specific zoning. Environmental impacts. Occupation. Sustainable
social and economic development.
Adir Ubaldo Rech é Pós-Doutor pela Universidade de Lisboa – Portugal. Doutor e Mestre pela Universidade
Federal do Paraná – UFPR. Professor do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Direito pela Universidade
de Caxias do Sul – UCS. Advogado. E-mail: aurech@gmail.com
Karine Grassi é Mestranda em Direito pela UCS. Bolsista CAPES. Membro do Grupo de Pesquisa Direito Ambiental
na Sociedade de Risco – GPDA-UFSC/CNPq. E-mail: karinegmalinverni@gmail.com
1
O presente texto foi apresentado no XII Encontro Sobre os Aspectos Econômicos e Sociais da Região
Nordeste.
2
FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2008. p.123-124.
3
ALMEIDA, Josimar Ribeiro et al. Planejamento ambiental:caminho para participação popular e gestão ambiental
para nosso futuro comum: uma necessidade, um desafio. 2. ed. Rio de Janeiro: Thex Editora e Biblioteca Estácio
de Sá, 1999. p.131.
4
SARLET, Ingo Wolfgang. Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2010. p.22.
Antes de dar início a qualquer projeto turístico, devem ser efetuadas análises
econômicas, sociais e ambientais, dando uma especial atenção aos diversos tipos
de desenvolvimento do turismo e às formas de vida e questões ambientais; as
organizações, empresas, grupos e indivíduos devem seguir princípios éticos e
outros que respeitam a cultura e o ambiente da área anfitriã, o modo de vida e o
comportamento tradicional da comunidade, os padrões de liderança e política;
o turismo dever ser planejado e gerido de forma sustentável, tendo em conta
a proteção e a utilização econômica adequada do ambiente natural e humano
das áreas anfitriã; durante todas as fases do desenvolvimento e operação do
turismo, deve ser preparado um programa de avaliação, supervisão e mediação
cuidadoso que possa permitir à população local tirar partido das oportunidades
ou adaptar-se às alterações7.
5
Pesquisa realizada pelo coautor, tendo como amostragem 100 municípios brasileiros. Projeto desenvolvido pela
Universidade de Caxias do Sul e publicado no livro: RECH, Adir Ubaldo. Direito Urbanístico: fundamentos para a
construção de um plano diretor sustentável na área urbana e rural. Caxias do Sul: Educs, 2010. 286p.
6
Cf. ORGANIZACIÓN MUNDIAL DEL TURISMO – OMT. Guía para administraciones locales: dessarrollo turístico
sostenible. Madrid: OMT, 1999. 221p.
7
MAGALHÃES, Cláudia Freitas. Diretrizes para o turismo sustrentável em municípios. São Paulo: Roca, 2002. p.88.89.
8
Ib. Idem. p.89.
9
Vide BRASIL. Ministério do Turismo. Coordenação Geral de Regionalização. Programa de Regionalização do
Turismo – Roteiros do Brasil: Ação Municipal para a Regionalização do Turismo. Brasília, 2007. 61p.
Art. 164. Distrito do Vale dos Vinhedos tem como vocação natural consolidada,
a vitivinicultura, cuja cultura, ocupação do solo e paisagem ficam protegidas na
forma desta lei.
Nesse sentido, Rech, ao fazer referência ao Plano Diretor de Bento Gonçalves, afirma:
O Novo Plano Diretor de Bento Gonçalves, por exemplo, criou zoneamentos rurais
diversificados, como é o caso do Vale dos Vinhedos, nacionalmente conhecido,
buscando combinar o manuseio e a ocupação do solo com o desenvolvimento de
determinado setor da economia, no caso, a vitivinicultura. Além disso, incentiva
o desenvolvimento de serviços como comércio de produtos coloniais, hotéis e
áreas de lazer, buscando incrementar o turismo como fator de desenvolvimento da
atividade econômica naturalmente desenvolvida pelos colonizadores italianos, na
área rural. Definiu que no Vale dos Vinhedos, a videira é cultura prioritária, sendo
o cultivo das demais culturas apenas complementares e de sustento. 11
10
Lei Complementar Municipal 103, de 26 de outubro de 2006.
11
RECH, Adir Ubaldo. A exclusão social e o caos nas cidades: um fato cuja solução também passa pelo Direito
como instrumento de construção de um projeto de cidade sustentável. Caxias do Sul: Educs, 2007.
12
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico brasileiro. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.241.
13
Ibid., p.306.
14
“Art. 30. Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local; II – suplementar a legislação
federal e a estadual no que couber.” [...]. “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder
Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objeto ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.”
15
“Art. 40. O Plano Diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e
expansão urbana. § 2o. O Plano Diretor englobará o território do Município como um todo.”
16
“Art. 2°. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
da propriedade urbana.” [...].
17
SILVA, Op. cit., p.249.
18
“Art. 2°. [...] inciso XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio
cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.”
19
SILVA, A. M. Os caminhos do turismo em espaço rural goiano. Revista da UFG, v. 7, n. 1, jun. 2004. Disponível
em: <www.proec.ufg.br>. Acesso em: 21 set. 2011.
20
SWARBROOKE, John. Turismo sustentável: setor público e cenários geográficos. 2 ed. Tradução de Esther
Eva Horovitz. São Paulo: Aleph, 2000, p.22-25.
21
Ibid., p.43-44.
22
SWARBROOKE. Op.cit. p.48-49.
4 CONCLUSÃO
O turismo, como qualquer outra atividade social e econômica se dá em um
determinado espaço. A Constituição e a legislação infraconstitucional federal e estadual
estabelecem diretrizes e normas gerais de políticas públicas sobre o desenvolvimento do
turismo, porém não são materializados, de forma efetiva, o zoneamento das áreas e dos
locais de potencial interesse turístico, tampouco são delimitadas a forma de ocupação ou
as atividades permitidas nesses espaços, com vistas ao desenvolvimento de um turismo
socioambientalmente sustentável.
O que se vê em nosso país, parafraseando Magalhães, são projetos mirabolantes e
inconsequentes nos órgãos de planejamento do turismo, pois não existe cautela em verificar
as peculiaridades de cada cidade e suas potencialidades, tampouco preocupação com os
recursos naturais e as comunidades locais23. As cidades gaúchas de Bento Gonçalves e
Gramado são exemplos raros da utilização adequada do espaço urbano e rural para o
turismo socioambientalmente sustentável.
Desta feita, não ficam asseguradas políticas públicas permanentes que vinculem
a administração pública ao problema em tela, e que deem segurança jurídica aos
investimentos da iniciativa privada. A única forma de tornar obrigatório, duradouro e
seguro o desenvolvimento do turismo, em um determinado local ou área, é mediante
o zoneamento. Estes, nos seus aspectos gerais e regionais, podem ser definidos,
respectivamente, por lei federal ou estadual, mas cuja competência material é efetivamente
dos municípios, tanto na área urbana quanto na área rural, através dos Planos Diretores
de cada município.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Josimar Ribeiro et al. Planejamento ambiental:caminho para participação
popular e gestão ambiental para nosso futuro comum: uma necessidade, um desafio. 2.ed.
Rio de Janeiro: Thex Editora e Biblioteca Estácio de Sá, 1999. 161p.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília, DF, 1988.
______. Lei Federal 11.771, de 17 de setembro de 2008. Brasília, DF, 2008.
______. Lei Federal 257, de 10 de julho de 2001. Brasília, DF, 2001.
______. Lei Federal 6.513, de 20 de dezembro de 1977. Brasília, DF, 1977.
______. Ministério do Turismo. Coordenação Geral de Regionalização. Programa de
Regionalização do Turismo – Roteiros do Brasil: Ação Municipal para a Regionalização
do Turismo. Brasília, 2007. 61p. Disponível em: <http://www.turismo.gov.br/ export/
sites/default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downloads_publicacoes/conteudo_
23
MAGALHÃES. Op. cit., p.156.
RESUMO
Neste artigo, o problema de fundo é o da investigação de sentidos do humanismo jurídico
atual, de modo que, em específico, neste momento, são abordados os sentidos e alguns movimentos
interpretativos de Ronald Dworkin a partir da noção de “ideal humanista”, por ele compreendida
como ponto de convergência da liberdade, da igualdade e da responsabilidade enquanto valores
políticos e cívicos que, ainda segundo Dworkin, junto a demais valores políticos e morais, devem
ser compreendidos holisticamente, tal como uma cúpula geodésica, formando uma estrutura
humanista, coerente à virtude da integridade do direito. O humanismo ético é entendido pelo
autor enquanto individualismo ético determinante do valor associado à vida humana, e a partir
desta cosmovisão político-jurídica pretende-se estabelecer alguns elementos do pensamento deste
filósofo e que podem auxiliar na compreensão maior das dimensões de um humanismo jurídico
na contemporaneidade, marcado pelas categorias de direitos subjetivos humanos, fundamentais e
da personalidade, assim como demais regras e princípios tuitivos.
Palavras-chave: Humanismo. Virtude política. Integridade. Hermenêutica. Ronald
Dworkin.
ABSTRACT
At this article, the fundamental problem is the investigation of current legal sense of
humanism, so that, in particular, at this point, the senses are addressed at some interpretive
movements Ronald’s Dworkin from the notion of “humanist ideal,” that he understood as a point
of convergence of liberty, equality and responsibility as civic and political values which, along with
other political and moral values, must be understood holistically, as a geodesic dome, forming a
structure humanist because of the consistent integrity of law. The “ethical humanism” is understood,
by the author, as a determinant of ethical individualism, associated value to human life. From this
politic-legal worldview, is possible to establish some elements of this philosopher’s thought and that
can help in better understanding of the dimensions of a legal humanism in contemporary, marked
by the categories of subjective and human rights, also by fundamental and personality rights, as
well as other rules and tuitive principles.
Keywords: Humanism. Political virtue. Integrity. Hermeneutics. Ronald Dworkin.
Eliseu Raphael Venturi é Mestrando em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Especialista em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal no Paraná (ESMAFE-PR). Advogado.
Contato: eliseurventuri@gmail.com
[...] o direito não é esgotado por nenhum catálogo de regras ou princípios, cada
qual com seu próprio domínio sobre uma diferente esfera de comportamentos.
Tampouco por alguma lista de autoridades com seus poderes sobre parte de
nossas vidas. O império do direito é definido pela atitude, não pelo território,
o poder ou o processo. Estudamos essa atitude principalmente em tribunais
de apelação, onde ela está disposta para a inspeção, mas deve ser onipresente
em nossas vidas comuns se for para servir-nos bem, inclusive nos tribunais. É
uma atitude interpretativa e autorreflexiva, dirigida à política no mais amplo
sentido. É uma atitude contestadora que torna todo cidadão responsável
por imaginar quais são os compromissos públicos de sua sociedade com os
princípios, e o que tais compromissos exigem em cada nova circunstância. O
caráter contestador do direito é confirmado, assim como é reconhecido o papel
criativo das decisões privadas, pela retrospectiva da natureza judiciosa das
decisões tomadas pelos tribunais, e também pelo pressuposto regulador de que,
ainda que os juízes devam sempre ter a última palavra, sua palavra não será
a melhor por essa razão. A atitude do direito é construtiva: sua finalidade,
no espírito interpretativo, é colocar o princípio acima da prática para mostrar
o melhor caminho para um futuro melhor, mantendo a boa-fé com relação ao
passado. É, por último, uma atitude fraterna, uma expressão de como somos
unidos pela comunidade apesar de divididos por nossos projetos, interesses e
convicções. Isto é, de qualquer forma, o que o direito representa para nós: para
as pessoas que queremos ser e para a comunidade que pretendemos ter [grifou-
se] (DWORKIN, 2007, p. 492)
Desta sorte, pode-se perceber que, para o pensador, o direito não é definido senão
pensado no contexto das práticas sociais e jurídicas em que se realiza; o direito, pois,
não se encerra no texto vigente e nos vínculos institucionais, expandindo-se em diversas
atitudes dos intérpretes e, mais do que isso, consistindo em um próprio modo de se
posicionar ante a vida coletiva: pode-se afirmar que o direito é, com base nos textos e
nas instituições, uma atitude, e não se pode negligenciar tal atitude enfocando-se apenas
o texto e a instituição. Ademais, tal atitude não se encontra monopolizada por um agente
social em específico, mas antes espraiada pela coletividade, cada qual ao seu momento
realizando um tipo de prática e controle.
O trecho acima referenciado apresenta-se muito significativo à reflexão filosófica da
natureza do direito posto que, a partir de suas convicções, podem-se depreender práticas
democráticas, eixos axiológicos e projeções temporais do direito, compromissadas com
o pretérito, o presente e o futuro.
As concepções do autor admitem um espaço hermenêutico que supera o posto e
mesmo a restrição dos catálogos, listas ou poderes, assim como “pelo território, poder
ou processo”. Em termos hermenêuticos, trata-se de uma afirmação com força aberta,
1
Para não inflacionar este artigo com o debate, realizou-se a síntese de sentidos sem quaisquer referências.
Contudo, como a questão é relevante para se fixar o objeto próprio do debate, podem ser citadas algumas
referências importantes para o sentido atual do humanismo, em especial em orbe constitucional, conforme Carlos
Ayres Britto em ‘O humanismo como categoria constitucional’.
2
O título provisório da dissertação do autor do artigo, ora em andamento, é: Weltanschauung humanista na
constitutividade do homo juridicus contemporâneo.
Imaginemos porém que a estratégia dos interesses não possa, afinal, ter êxito na
proteção de nossas liberdades fundamentais no real mundo real, como afirmei
que não poderia. Então, quem se sente atraído pela liberdade será tentado a uma
opção ainda mais radical. Podem encarar de maneira nova, e mais aguda, o ideal
humanista que aceita o princípio igualitário abstrato como requisito absoluto
do governo justo ou como qualificado apenas nos modos não relevantes para a
liberdade. Talvez devêssemos, afinal, tentar descobrir algum valor na liberdade
que a deixe imediatamente independente da igualdade e também das vantagens
que traz à vida de cada pessoa. Portanto, muito gira em torno de como a igualdade
de recursos responde a nossa nova pergunta. A liberdade pode encontrar um
compromisso adequado, no real mundo real, para reduzir a desigualdade nele
encontrada? (DWORKIN, 2010c, p. 239) [Grifou-se]
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria dworkiniana, ou sua cosmovisão própria, embasada na noção de igualdade
enquanto virtude indispensável para haver a soberania democrática, permite, além de
pensar o humanismo jurídico atual, discutir com complexidade problemas igualmente
REFERÊNCIAS
BRITTO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte:
Fórum, 2007.
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. 2.ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2005. (Original: A Matter of Principle, 1985).
______. O direito da liberdade. A leitura moral da constituição norte-americana. Tradução
de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2006. (Original: Freedom’s
Law, 1996).
______. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 2.ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2007. (Original: Law’s Empire, 1986).
______. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Tradução de
Jefferson Luiz Camargo. 2.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. (Original: Life’s
Dominion, 1993).
______. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2010a. (Original: Justice in Robes, 2006).
______. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. 3.ed. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2010b. (Original: Taking Rights Seriously, 1977).
______. A virtude soberana. A teoria e a prática da igualdade. Tradução de Jussara Simões.
2.ed. WMF Martins Fontes, 2010c. (Original: Sovereign Virtue, 2000).
LUDWIG, Celso Luiz. Para uma filosofia jurídica da libertação. Paradigmas da filosofia,
filosofia da libertação e direito alternativo. Florianópolis: Conceito, 2006.
SUPIOT, Alain. Homo juridicus. Ensaio sobre a função antropológica do Direito. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.
RESUMO
O presente artigo objetiva a abordagem do papel que exerce a jurisdição no paradigma
teórico garantista proposto por Luigi Ferrajoli. O trabalho se inicia com a leitura do que Ferrajoli
entende por democracia, através dos seus conceitos e classificações, passando posteriormente à
abordagem da jurisdição e do garantismo, para problematizar a forma como essas definições estão
intrinsecamente relacionadas na construção do papel da atividade jurisdicional no paradigma
garantista. Primeiramente, faz-se de uma descrição geral da teoria de Ferrajoli, passando à sua
classificação do conceito de democracia irradiado entre democracia formal ou procedimental,
democracia substancial e democracia constitucional. Apresenta-se, ainda, a definição dada pelo
autor aos direitos fundamentais, no âmbito da teoria do direito, do direito positivo e da filosofia
política, compondo a esfera do indecidível, a ser tutelada pela atividade jurisdicional. O trabalho
objetiva, por fim, compreender como se forma o paradigma teórico garantista, abordando os seus
aspectos principais e enquadrando a jurisdição nesse contexto para refletir sobre as peculiaridades
da atividade jurisdicional com o advento do garantismo.
Palavras-chave: Garantismo. Jurisdição. Democracia.
ABSTRACT
This article seeks to understand the approach of the role that the jurisdiction exercises in the
theoretical guarantist paradigm proposed by Luigi Ferrajoli. This paper Begins with a reading of
what Ferrajoli understands as democracy, beyond its concepts and classification, passing after to
the approach of the jurisdiction and guarantism, to problematize the ways of how these definitions
are intrinsically related to the construction of the role of the jurisdictional activity in the guarantist
paradigm. First, it makes a general description of Ferrajoli’s Theory, through its classification of
the democracy concept irradiated between formal or procedural democracy, substantial democracy
and constitutional democracy. This paper presents the author’s definition of fundamental rights,
under the theory of law, positive law and political philosophy. The article seeks to understand how
the theoretical guarantist paradigm gains its forms, addressing the main aspects and placing the
jurisdiction in this context in order to ponder about the peculiarities of the jurisdiction activity with
the advent of the guarantism.
Keywords: Guarantism. Jurisdiction. Democracy.
Isadora Ferreira Neves é Mestranda em Direito Público pela UNISINOS, Especialista em Direito Público
pela FAINOR, Graduada em Direito pela UESC, Servidora do Ministério Público do Estado da Bahia. E-mail:
isadoraneves@gmail.com
2 DEMOCRACIA E GARANTISMO
Miguel Carbonell (2008, p.13-21), no prólogo à obra de Ferrajoli, afirma que
“Democracia y Garantismo” apresenta a trajetória teórica de Ferrajoli nos anos que vão
do lançamento da obra “Direito e Razão” até o lançamento de “Principia Iuris”. Manifesta
ainda a sua característica de ser um jurista prático, imerso na tarefa de observar o papel
dos juízes no Estado Constitucional de Direito e também a sua característica de ser um
cidadão cosmopolita militante (dedicado ao trabalho de articular uma sociedade civil
sem fronteiras).
1
Sobre o debate constitucional entre Kelsen e Schimitt na primeira metade do século XX acerca de quem deve ser
o Guardião da Constituição, ocasião em que Kelsen afirma que deve ser o Guardião um Tribunal Constitucional,
enquanto Schimitt, por outro lado, aponta que quem deve ser o Guardião é o Presidente do Reich, discussão
esta oriunda da interpretação dada aos arts. 19 e 48 da Constituição de Weimar, ver: KELSEN, Hans. Jurisdição
Constitucional. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007; SCHMITT, Carl. La defensa de la Constitución. Madrid:
Tecnos, 1983. 251 p.Título original: Der hüter der verfassung. Tübingen.
2
Na tradução espanhola a expressão utilizada é “leyes del más débil”, neste trabalho traduzida como lei do mais
fraco. No texto original: “El tercer criterio es el papel de los derechos fundamentales como leyes del más débil.
Todos los derechos fundamentales son leyes del más débil como alternativa a la ley del más fuerte que regiría en
su ausencia: en primer lugar el derecho a la vida, contra la ley de quien es más fuerte físicamente; en segundo
lugar los derechos de inmunidad y de libertad, contra el arbitrio de quien es más fuerte políticamente; en tercer
lugar los derechos sociales, que son derechos a la supervivencia contra la ley de quien es más fuerte social y
económicamente” (FERRAJOLI, 2008, p.43-44).
3
No texto original: “Entiendo por derechos fundamentales, en oposición a los derechos patrimoniales, como la
propiedad y el crédito, que son derechos singulares que adquiere cada individuo con exclusión de los demás-
aquellos derechos universales y, por ello, indispensables e inalienables, que resultan atribuidos directamente por las
normas jurídicas a todos en cuanto personas, ciudadanos o capaces de obrar: ya se trate de derechos negativos,
como los derechos de libertad, a los que corresponden prohibiciones de lesionar; o de derechos positivos, como
los derechos sociales, a los que corresponden obligaciones de prestación por parte de los poderes públicos”
(FERRAJOLI, 2008, p.61).
3 JURISDIÇÃO E GARANTISMO
3.1 O garantismo como paradigma teórico
O termo garantia aparece no vocabulário jurídico como a designação de qualquer
técnica normativa de tutela de um direito subjetivo (FERRAJOLI, 2008, p.59). As
garantias têm em comum, portanto, o fato de haver sido previstas intencionalmente, com
a previsão de que sua falta ocasionaria uma violação do direito que constitui o seu objeto.
Elas surgem como reflexo de uma desconfiança na satisfação e respeito espontâneo dos
direito, especialmente no que se refere a direitos fundamentais, bem como no exercício
espontaneamente legítimo do poder (FERRAJOLI, 2008, p.62).
Já o termo garantismo aparece associado à tradição clássica do pensamento penal
liberal, associada à exigência de tutela do direito à vida, à integridade e à liberdade, frente
ao poder punitivo. A teoria de Ferrajoli (2008, p.61), por sua vez, estende a concepção
de garantismo para abranger um paradigma da teoria geral do direito que alcança todo o
campo dos direitos subjetivos e ao conjunto dos poderes, públicos ou privados, estatais
ou internacionais.
O garantismo, nesse sentido, se opõe a qualquer concepção das relações (econômicas
e políticas), tanto de direito privado quanto de direito público, fundada no ideal da
observância espontânea do direito. O garantismo conduz ao conjunto de limites e
vínculos impostos a todos os poderes (públicos ou privados), políticos (de maioria),
econômicos (de mercado), no plano estatal ou internacional. Essa tutela se dá por meio
dos direitos fundamentais estabelecidos, tanto na esfera privada quanto na esfera pública
(FERRAJOLI, 2008, p.62).
Como paradigma teórico, o garantismo impõe vínculos legais e jurisdicionais
capazes de impedir a formação de poderes absolutos, públicos ou privados. Seguindo esse
raciocínio, Ferrajoli (2008, p.65) observa que o garantismo é, na verdade, uma faceta do
constitucionalismo, ou seja: embora as garantias consistam em um sistema de obrigações
e proibições, a sua capacidade de vincular os poderes supremos, a começar pelo poder
legislativo, depende de seu fundamento positivo rígido em normas superiores, como são
as normas constitucionais.
4
A respeito do Estado Social e suas implicações, ver:
AVELÃS NUNES, Antonio José. As voltas que o mundo dá: reflexões a propósito das aventuras e desventuras
do Estado social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 266p.
BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis. As crises do Estado e da Constituição e a transformação espaçotemporal dos
direitos humanos. 2.ed. Col. Estado e Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
GARCÍA-PELAYO. As transformações do Estado contemporâneo. Tradução Agassiz Almeida Filho. 2.ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2009. 247p.
5
Para o entendimento mais completo do uso desse termo por Ferrajoli, ver: FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo
principialista e constitucionalismo garantista. Tradução de André Karam Trindade. In: FERRAJOLI, Luigi et al
(orgs.). Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2012. p.13-56.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da leitura de Ferrajoli, pode-se perceber que o seu garantismo representa
uma espécie de complemento ao Estado de Direito, demandando uma submissão dos
poderes ao controle de constitucionalidade. A própria legalidade é também é submetida à
coerência com as normas constitucionais, por meio de Constituições rígidas que positivam
os princípios e os direitos fundamentais, atuando estes como limites e vínculos à vontade
da maioria.
Nesse sentido, faz-se necessária uma leitura atenciosa da cadeia de conceitos
da teoria ferrajoliana, uma vez que a percepção adequada do papel da jurisdição no
garantismo está diretamente relacionada com a sua definição de democracia substancial
e constitucional, de direitos fundamentais, da esfera do indecidível, e de como esses
conceitos se entrelaçam na defesa de uma atividade jurisdicional responsável pela
adequada tutela dos direitos fundamentais e pelo controle da legalidade constitucional
dos poderes públicos.
Sendo assim, o paradigma do constitucionalismo rígido limita e vincula o Poder
Judiciário, em conformidade com o princípio da separação de poderes e com a natureza
cognitiva da jurisdição. Associada ao paradigma garantista, representado pela positivação
do dever ser do direito e pela sujeição a limites e a vínculos jurídicos de todos os poderes,
a ciência jurídica ganha um papel crítico do direito e de suas antinomias e lacunas. À
jurisdição, por sua vez, cabe o dever de remover as antinomias e apontar essas lacunas.
Embora o autor reconheça o papel fundamental que tem a jurisdição no Estado
constitucional no que concerne à tutela dos direitos fundamentais e ao controle dos
poderes públicos, o preenchimento das lacunas e a resolução das antinomias nas quais
elas se manifestam não são confiados ao ativismo interpretativo dos juízes. Para Ferrajoli,
os juízes devem interpretar as leis à luz da Constituição, ampliando ou restringindo o seu
alcance normativo de acordo com os princípios constitucionais.
O paradigma teórico garantista envolve, portanto, a elaboração de limites e garantias
também ao exercício do poder judicial. Isso porque, no Estado constitucional de direito,
a atividade dos juízes está limitada pela lei e vinculada à Constituição. Por outro lado,
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Lições de filosofia do direito. São Paulo:
Ícone, 1995.
BOLZAN DE MORAIS, José Luis; AGRA, Walber de Moura. A jurisprudencialização
da Constituição e a densificação da legitimidade da jurisdição constitucional. Revista do
Instituto de Hermenêutica Jurídica. Porto Alegre, n. 2, p.217-242, 2004.
CARBONELL, Miguel. Prólogo: Luigi Ferrajoli. Teórico del derecho y de la democracia.
In: FERRAJOLI, Luigi. Democracia y garantismo. Madrid: Trotta, 2008, p.13-21.
CARBONELL, Miguel; UGARTE, Pedro (Eds.). Garantismo: estudios sobre el
pensamento de Luigi Ferrajoli. 2.ed. Madrid: Trotta, 2009.
FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista.
Tradução de André Karam Trindade. In: FERRAJOLI, Luigi et al (orgs.). Garantismo,
hermenêutica e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012a. p.13-56.
______. Democracia y garantismo. Tradução de Perfecto Andrés Ibáñez et al. Madrid: Trotta,
2008. 373p.
______. Derechos fundamentales. In: FERRAJOLI, Luigi et al. Los fundamentos de
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2001a. p.19-56.
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fundamentos de los derechos fundamentales. Tradução de Perfecto Andrés Ibáñez et al.
Madrid: Trotta, 2001c. p.19-56.
RESUMO
O surgimento das Constituições escritas provocou diversas transformações nas ordens
sociais, entre elas a proteção aos direitos e garantias fundamentais que antes não eram previstos
no texto constitucional e dificilmente eram assegurados pelo poder público. Com o advento do
neoconstitucionalismo e do pós-positivismo, são incorporados aos sistemas jurídicos elementos
cujo objetivo era o de tornar as normas constitucionais mais efetivas e assegurar o cumprimento dos
direitos. Consequentemente, foi abandonada a concepção do devido processo legal como elemento
exclusivo dos direitos constitucional e processual, passando a ocorrer a análise sistematizada entre
o processo e a Constituição, que consiste no aperfeiçoamento das técnicas processuais e conduz ao
chamado devido processo constitucional – tutela jurisdicional inserida no âmbito da Constituição. O
presente artigo tem por objetivo analisar como tem sido alcançada a justiça das decisões mediante
o devido processo constitucional.
Palavras-chave: Neoconstitucionalismo. Direitos fundamentais. Efetividade normativa.
Devido processo constitucional.
ABSTRACT
The emergence of written constitutions caused several changes in the social order, among
them, the protection of fundamental rights and guarantees that were not provided for in the
Constitution and were hardly guaranteed by the government. With the advent of neoconstitutionalism
and post-positivism, are incorporated into the legal systems of elements whose aim was to make
the constitutional rules more effective and ensure the fulfillment of rights. Consequently, the
design was abandoned due process of law as unique element of the constitutional and procedural
rights, through the systematic analysis to occur between the process and the Constitution, which
is the improvement of procedural techniques and leads to the so called constitutional due process
– judicial inserted in framework of the Constitution. This article aims to analyze how justice has
been achieved through the decisions of constitutional due process.
Keywords: Neoconstitutionalism. Fundamental rights. Effectiveness normative.
Constitutional due process.
Juliana de Brito Giovanetti Pontes é Bolsista da CAPES pelo programa de Mestrado em Direito da Universidade
Católica de Pernambuco – UNICAP. Linha de pesquisa: Jurisdição e Direitos Humanos.
E-mail: julianabgp@gmail.com
Por isso, deve ser firmemente precisado que os limites substanciais não são
completamente privados de eficácia: criatividade jurisprudencial, mesmo de forma
mais acentuada, não significa necessariamente “direito livre”, no sentido de direito
arbitrariamente criado pelo juiz no caso concreto. (CAPPELLETTI, 1999, p.26)
Por conseguinte, bom senso e prudência devem ser utilizados pelo juiz na atividade
da jurisdição constitucional, respeitando a soberania popular para que sejam cumpridos
os direitos fundamentais. A liberdade do intérprete da norma há de ser responsável e
autocontrolada, visto que é inadmissível a introdução nos textos de lei de conteúdos
incompatíveis com o ordenamento jurídico.
Sendo o instrumento que estabelece a interação entre direito e política, a Constituição
recebe o atributo de tornar o poder constituinte originário em poder constituído,
convertendo a atividade política em instituições do Estado. A Lei Maior atribui as
competências aos poderes: ao Legislativo a criação do direito positivo, ao Executivo a
administração das entidades estatais sua e manutenção e ao Judiciário cabe a aplicação
do direito quando da ocorrência de litígios entre partes (BARROSO, 2007, p.18).
Em vista dos resultados produzidos pelo controle constitucional e da atividade de
produção de leis, típica do Legislativo, observa-se que controle de constitucionalidade e
política são institutos distintos, mas intimamente relacionados.
Não mais se entende que direito e política são campos totalmente separados e cuja
conexão deve ser reprimida para o bom funcionamento do Estado. Na verdade,
como se verá, no fundo sempre houve latente a possibilidade de conexão maior do
que se pensava entre a arena política e o canal judicial. (PAULA, 2011, p.273)
Mesmo havendo a referida crença de que o processo decisório não sofre influências
das ideologias do magistrado e também do cenário político, a questão a ser julgada ganha
contornos políticos pela possibilidade de uma política pública ser afetada pelos efeitos
dessa decisão judicial. A defesa de que a decisão é imune às influências políticas não se
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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito Processual Constitucional. Estação Científica
(Ed. Especial Direito), Juiz de Fora, v.1, n.4, out./nov. 2009.
RESUMO
O presente estudo pretende examinar o requisito da representatividade exigido pelo § 2º,
do art. 7º, da Lei nº 9.868/99 para a intervenção do amicus curiae junto aos processos de controle
concentrado de constitucionalidade, buscando aferir se tal condição atua em sentido oposto ou não
à funcionalidade democrática do instituto. A partir da análise da representatividade se examinará
a possibilidade de movimentos sociais intervirem como amicus curiae, no sentido de promover
o diálogo social e a efetiva abertura à participação democrática na construção das decisões de
controle de constitucionalidade.
Palavras-chave: Amicus curiae. Representatividade. Legitimidade democrática. Movimentos
sociais. Controle de constitucionalidade. Diálogo social.
ABSTRACT
The present paper intends to examen the requirement of representativeness demanded by
the § 2º, of article 7, of the nº 9.868/99 Law over the intervention of the amicus curiae within the
concentrated constitutionality control lawsuits, trying to assess if such condition acts in opposite
functionality , or not, to the institute. Starting with the analysis of representativeness it will then be
seen if social movements can possibly intervene as amicus curiae, in a way to promote the social
dialogue and the effective opening towards the democratic participation in the construction of the
decisions around constitutional control.
Keywords: Amicus curiae. Representativeness. Democratic Legitimacy. Social Movements.
Constitutional Control. Social Dialogue.
Geisla Aparecida Van Haandel Mendes é Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direitos Fundamentais e
Democracia das Faculdades Integradas do Brasil (UNIBRASIL). Especialista em Direitos Humanos pela Universidad
Pablo de Olavide Sevilha (ES) e em Direito do Trabalho pela UNIBRASIL. Professora de Hermenêutica Jurídica
da Graduação em Direito da UNIBRASIL. Advogada.
1
Canotilho destaca que o constitucionalismo se apresenta como “técnica específica de limitação do poder com
fins garantísticos”. (CANOTILHO, 2003, p.51).
2
“se compreende a expressão – constituição da República – para exprimir a ideia de que a constituição se
refere não apenas ao Estado, mas à própria comunidade política, ou seja, a res publica”. (CANOTILHO, 2003,
p.88 – grifos do original).
3
O controle concentrado de constitucionalidade abrange: a) ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, “a”);
b) ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, “a”); c) ação direta de inconstitucionalidade por omissão
(art. 103, § 2º); d) ação direta interventiva (art. 36, III); e) arguição de descumprimento de preceito fundamental
(art. 102, § 1º).
4
Art. 102, III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando
a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou
lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei
local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
5
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da República; II – a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV a
Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V o Governador de Estado ou do
Distrito Federal; VI – o Procurador-Geral da República; VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil; VIII – partido político com representação no Congresso Nacional; IX – confederação sindical ou entidade
de classe de âmbito nacional.
6
“O ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal faz instaurar processo
objetivo, sem partes, no qual inexiste litígio referente a situações concretas ou individuais”. (STF, RDA, 193:242,
1993, Rcl 397, rel. Min. Celso de Mello).
7
Nem mesmo a assistência a qualquer das partes é admitida, veja-se a redação do art. 169, § 1º do Regimento
Interno do STF.
8
Art. 7º, § 2º. O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por
despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos
ou entidades.
9
Art. 9º, § 1º. Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória
insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar
perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública,
ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.
Art. 20, § 1º. Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória
insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar
perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão ou fixar data para, em audiência pública,
ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.
10
Art. 6º, § 1º. Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a arguição,
requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou
ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.
§ 2º. Poderão ser autorizadas, a critério do relator, sustentação oral e juntada de memoriais, por requerimento
dos interessados no processo.
11
ADI 2.321.MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25.10.2000, Plenário, DJ de 10.6.2005. No mesmo
sentido: ADI 3.345, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25.8.2005, Plenário, DJE de 20.8.2010.
12
ADI Nº 2130. Rel. Ministro Celso de Mello. Julg. 03.10.2001. DJ nº 217 de 14.12.2001.
13
ADI 2130/SC. Rel. Min. Celso de Mello. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.
asp?numDj=24&dataPublicacaoDj=02/02/2001&incidente=3727269&codCapitulo=6&numMateria=2&codMateri
a=2 Acesso em: 05.03.2013.
14
O SINDICATO DOS MÉDICOS DO DISTRITO FEDERAL – SINDIMÉDICO requer sua admissão na presente ação
direta de inconstitucionalidade, na qualidade de amicus curiae. A intervenção de terceiros no processo da ação direta
de inconstitucionalidade é regra excepcional prevista no art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/1999, que visa a permitir “que
terceiros – desde que investidos de representatividade adequada – possam ser admitidos na relação processual,
para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. – A admissão
de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como
fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em
obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade,
em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade
de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da
coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais. Em suma:
a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 – que contém a base normativa legitimadora da intervenção
processual do amicus curiae – tem por precípua finalidade pluralizar o debate constitucional.” (ADI 2.130-MC,
rel. min. Celso de Mello, DJ 02.02.2001). Vê-se, portanto, que a admissão de terceiros na qualidade de amicus
curiae traz ínsita a necessidade de que o interessado pluralize o debate constitucional, apresentando informações,
documentos ou quaisquer elementos importantes para o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade. A
mera manifestação de interesse em integrar o feito, sem o acréscimo de nenhum outro subsídio fático ou jurídico
relevante para o julgamento da causa, não justifica a admissão do postulante como amicus curiae. Ademais, o
SINDIMÉDICO não logrou demonstrar que detém experiência e autoridade em matéria de saúde social, uma vez
que dentre as suas “prerrogativas”, elencadas no art. 2º de seu Estatuto, figuram apenas disposições de caráter
eminentemente coorporativas e de interesse próprio da categoria, como por exemplo: “(a) representar, perante
autoridade administrativas e judiciárias os interesses gerais e individuais da categoria dos médicos, podendo
promover ações de representação e substituição processual de toda a categoria, médicos sócios e não sócios,
inclusive da defesa dos direitos difusos e dos direitos do consumidor; (b) celebrar convenções e acordos coletivos
de trabalho e colaborar nas comissões de conciliação e tribunais de trabalho; (c)adotar medidas de utilidade
e beneficência para os seus associados de acordo com os regulamento que forem elaborados”, entre outros.
Despacho Ministro-Relator Joaquim Barbosa, em 15.04.2005. ADI nº 3311/DF, DJ n.77 do dia 25.04.2005.
15
ADI nº 3311/DF. Ministro-Relator Joaquim Barbosa. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/
verDiarioProcesso.asp?numDj=34&dataPublicacaoDj=21/02/2005&incidente=2246660&codCapitulo=6&numMa
teria=13&codMateria=2 Acesso em 19.02.2013
16
A exemplo, as decisões monocráticas: ADI 2.130-MC, rel. Min. Celso de Mello, DJ 02.02.2001; ADI nº 3311/
DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ n.77 do dia 25.04.2005. ADI 3.998/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ n.60 do
dia 04.04.2008.
17
“As normas que permitem a intervenção da CVM, do Cade e da União Federal e ainda no processo administrativo
federal, fazem-no desconsiderando o interesse jurídico, o que também aponta para o reconhecimento da condição
de amicus curiae nestas modalidades de intervenção”. (CABRAL, 2004, p.24).
18
“a intervenção da CVM como amicus curiae dar-se-á toda vez que, mesmo em processos de caráter individual,
houver discussão judicial de matérias que, no âmbito administrativo, sujeitam-se à fiscalização da entidade”.
(CABRAL, 2004, p.24).
19
“a intervenção da União Federal como amicus curiae poderá ocorrer independentemente da demonstração de
interesse jurídico, quando da decisão puder ter efeitos de natureza econômica, ainda que reflexos, mediatos”.
(CABRAL, 2004, p.24-25).
20
“No campo da intervenção do amicus em processos administrativos, prevista de forma genérica pela Lei
9.784/1999, o art. 31 afirma que será cabível a manifestação quando a matéria debatida no processo ‘envolver
assunto de interesse geral’.” (CABRAL, 2004, p.25).
21
Desde a perspectiva contratualista de formalização de um pacto social entre os homens através do qual se
institucionaliza o Estado como o ente dotado do poder de manter a paz, o respeito e a convivência harmônica, o
Estado assume a organização estrutural e jurídica da sociedade, porém voltada ao homem como fim primeiro e
último de toda estruturação social. [Cf. HOBBES, Thomas. O Leviatã. Trad. Rosina D’Angina. São Paulo: Martin
Claret, 2012 (1651); LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Petrópolis: Vozes, 2006 (1689);
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Leme/SP: EDIJUR, edição 2010 (1762)].
22
“a sociedade civil é a representação de vários níveis de como os interesses e os valores da cidadania se organizam
em cada sociedade para encaminhamento de suas ações em prol de políticas sociais e públicas, protestos sociais,
manifestações simbólicas e pressões políticas”. (SCHERER-WARREN, 1996, p.110).
23
“Nas sociedades globalizadas, multiculturais e complexas, as identidades tendem a ser cada vez mais plurais e
as lutas pela cidadania incluem, frequentemente (sic), múltiplas dimensões do self: de gênero, étnica, de classe,
regional, mas também dimensões de afinidades ou de opções políticas e de valores: pela igualdade, pela liberdade,
pela paz, pelo ecologicamente correto, pela sustentabilidade social e ambiental, pelo respeito à diversidade e às
diferenças culturais, etc.”. (SCHERER-WARREN, 1996, p.117).
24
“Lo que hace universales a los derechos no radica, pues, en la adaptación a una ideología determinada que
los coloque como ideales más allá de los contextos sociales, económicos y culturales, sino el ser ese marco que
permita a todos ir creando las condiciones que hagan factibles sus particulares concepciones de la dignidad. Por
esa razón, el derecho, el pensamiento y la práctica jurídicos no deben considerarse como categorías previas ni
a la acción política ni a las prácticas económicas. Las plurales y diferenciadas luchas por la dignidad humana
constituyen la razón y la consecuencia de la lucha por la democracia y por la justicia. No estamos ante privilegios,
meras declaraciones de buenas intenciones o postulados metafísicos de una naturaleza humana aislada de las
situaciones vitales. Por el contrario, el derecho, visto de los presupuestos de la “crítica jurídica” debe constituirse
en la afirmación de la lucha del ser humano por ver cumplimentados sus deseos y necesidades en los contextos
vitales en que está situado”. (FLORES, 2011, p.14-15).
25
Segundo Warat, um racionalismo exacerbado: “Contamina todo o corpo social. O seu maior sintoma se
manifesta como perda da sensibilidade, em mim, no meu vínculo com os outros e no modo de perceber o mundo,
na frieza da ficção de verdade e na fuga alienante que proporciona às abstrações e os anseios modernos de
universalidade que não nos deixam perceber o que a rua grita, como mostra esse velho filme de Enrique Muiño
e Angel Magaña, de 1948: A rua grita. A rua grita e não é escutada pelos juízes, advogados, teóricos do Direito,
professores, médicos, políticos, etc., instituições onde o clamor da rua não chega bloqueada pela razão técnico-
instrumental. [...] Teremos que reaprender a escutar a rua enquanto produtora do novo. A inovação como
diferença que nos permite escapar das zonas cristalizadas de nossa cultura, dos lugares comuns que aprisionam
em seu vazio. O racionalismo que barbariza.” WARAT, 2010, p.52-53. (grifos acrescentados).
26
“DECISÃO (Petição Avulsa STF n.46140/2008). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE
ADMISSÃO NA QUALIDADE DE AMICUS CURIAE: DEFERIMENTO. 1. Junte-se, quando do retorno dos autos da
Procuradoria-Geral da República. 2. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil requer seja admitido
na presente ação na qualidade de ‘amicus curiae’ (Petição Avulsa STF n.46140/2008). 3. Argumenta ser entidade
interessada, porque o tema “afeta, mais especificamente, os advogados, que se veem em desvantagem visual
quando, representando alguém, litigam contra o Ministério Público” (Petição Avulsa STF n.46140/2008). Pede “seu
ingresso no feito aderindo integralmente às razões expostas na exordial” (Petição Avulsa STF n.46140/2008). 4.
O peticionário apresenta os documentos necessários à comprovação dos requisitos necessários para o
seu ingresso na ação na qualidade de amicus curiae, como pretendido. 5. Defiro o pedido. À Secretaria para
fazer constar dos autos a entidade na condição aqui postulada. Publique-se. Brasília, 9 de abril de 2008.” Ministra
CÁRMEN LÚCIA. ADI 3962. (Grifos acrescentados). Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/
verDiarioProcesso.asp?numDj=71&dataPublicacaoDj=22/04/2008&incidente=2559670&codCapitulo=6&numMa
teria=52&codMateria=2 Acesso em: 05.03.2013.
“Despacho: A Associação Alagoana de Magistrados de Alagoas (ALMAGIS) e a Associação do Ministério Público
de Alagoas (AMPAL) requerem sua admissão na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade na qualidade de
amici curiae. A relevância da matéria é patente, porquanto no presente processo são discutidos temas sensíveis, tais
como a possibilidade de lei estadual criar varas especializadas em delitos praticados por organizações criminosas,
a legitimidade de um colegiado de magistrados de primeiro grau de jurisdição, também instituído por diploma legal
estadual, a constitucionalidade de procedimentos sigilosos criminais, a possibilidade de fixação de mandatos para
os juízes titulares de Vara Criminal, dentre outros. A representatividade dos requerentes é comprovada através
dos respectivos estatutos acostados aos autos. Além disso, as associações postulantes buscam a proteção
dos interesses de categorias diretamente interessadas no deslinde do caso, quais sejam, a magistratura
e o Ministério Público. Ademais, na sessão do dia 22 de abril de 2009, no julgamento da ADI-AgR nº 4.071 (Rel.
Min. Menezes Direito, DJ de 15.10.2009), o Plenário deste Supremo Tribunal Federal decidiu que os pedidos de
ingresso dos amici curiae poderão ser formulados até a inclusão do processo em pauta para julgamento, o que
revela a tempestividade deste pedido. Ex positis, admito o ingresso dos requerentes como amici curiae, na forma
do art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99. (...)”. Ministro-Relator Luiz Fux. ADI 4414. (Grifos acrescentados) Disponível
em: http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=61&dataPublicacaoDj=31/03/2011&i
ncidente=3886018&codCapitulo=6&numMateria=41&codMateria=2 Acesso em: 05.03.2013.
27
Neste sentido, a conclusão de Thais Catib de Laurentiis, em estudo monográfico sobre a matéria, para a
qual, “De acordo com as decisões encontradas, o principal método utilizado pelos Ministros para demonstrar a
‘representatividade dos postulantes’ é pela análise do Estatuto Social do peticionário (amicus em potencial). Por via
deste, os Ministros retiram a finalidade da Associação ou Instituição que pede a intervenção no processo. Também
procuram encontrar as qualidades e regulamentação destas para justificar suas conclusões”. LAURENTIIS, Thais
Catib de. A caracterização do amicus curiae à luz do Supremo Tribunal Federal. São Paulo, 2007. 88 f. Monografia
apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público, p.36.
28
“Helder Rodrigues da Silveira requereu, às fls. 344-392, ingresso no feito na condição de amicus curiae. Não
assiste razão ao pleito, uma vez que o requerente, sendo candidato ao concurso, tem interesse concreto
no feito. Ausente, portanto, o requisito de representatividade inerente à intervenção prevista no art. 7º, § 2º da Lei
9.868, de 10.11.199, o qual, aliás, é explícito ao admitir somente a manifestação de outros “órgãos ou entidades”,
como medida excepcional aos processos objetivos de controle de constitucionalidade. Indefiro, portanto, o
ingresso do requerente na presente ação direta de inconstitucionalidade.” (Grifos acrescentados) Ministro-
Relator Gilmar Mendes. ADI 3580. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.a
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a=2 Acesso em: 05.03.2013.
29
“A Federação Brasileira das Cooperativas dos Anestesiologistas – FEBRACAN requer sua admissão no feito
na qualidade de amicus curiae [fls. 503/ 549]. A pertinência do tema a ser julgado por este Tribunal com as
atribuições institucionais da requerente legitima a sua atuação. (...) Ex positis, admito o ingresso da FEBRACAN
no feito, na qualidade de amicus curiae , na forma do artigo 7º da Lei n.9.868/99. (Grifos acrescentados). Ministro-
Relator Luiz Fux. RE 598085 / Julgamento: 21/02/2013. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/
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30
“(...) A mera manifestação de interesse em integrar o feito, sem o acréscimo de nenhum outro subsídio
fático ou jurídico relevante para o julgamento da causa, não justifica a admissão do postulante como amicus
curiae. Ademais, o SINDIMÉDICO não logrou demonstrar que detém experiência e autoridade em matéria de
saúde social, uma vez que dentre as suas “prerrogativas”, elencadas no art. 2º de seu Estatuto, figuram apenas
disposições de caráter eminentemente coorporativas e de interesse próprio da categoria, como por exemplo”. (Grifos
acrescentados) Ministro-Relator Joaquim Barbosa, em 15.04.2005. ADI nº 3311/DF, DJ n.77 do dia 25.04.2005.
Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=34&dataPublicacaoDj=21/
02/2005&incidente=2246660&codCapitulo=6&numMateria=13&codMateria=2 Acesso em 19.02.2013.
31
“Petição/STF nº 73.642/2011 (eletrônica) DECISÃO PROCESSO OBJETIVO – INTERVENÇÃO DE TERCEIRO
– REPRESENTATIVIDADE – SOBREPOSIÇÃO. 1. A Assessoria prestou as seguintes informações: A mencionada
ação direta versa a possível inconstitucionalidade da Resolução n° 135, de 13 de julho de 2011, do Conselho
Nacional de Justiça, a qual “dispõe sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo
disciplinar aplicável aos magistrados, acerca dos ritos e das penalidades, e dá outras providências”. A Associação
Nacional dos Magistrados Estaduais – ANAMAGES requer seja admitida na qualidade de terceiro, no processo
em referência. Tece considerações quanto ao mérito e apresenta cópias do instrumento de mandato, do estatuto
social e da ata de posse da Diretoria, dela constando o nome do subscritor da procuração. Aduz ter interesse na
matéria por caber-lhe defender os direitos dos magistrados estaduais e o fortalecimento das Justiças dos Estados
da Federação. O processo foi apresentado em mesa para julgamento em 5 de setembro de 2011. 2. Observem
a ordem natural das coisas, a organicidade do Direito. Os magistrados brasileiros estão representados nesta
ação direta de inconstitucionalidade pela Associação maior, ou seja, a Associação dos Magistrados Brasileiros.
Admitir outras associações de magistrados não trará o objetivo da participação, que é o esclarecimento
da matéria. Haveria, em última análise, sobreposição a ocasionar a complexidade da tramitação do
processo. 3. Indefiro a participação da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – ANAMAGES.” (Grifos
acrescentados). Ministro- Relator Marco Aurélio. ADI4638. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/
verDiarioProcesso.asp?numDj=178&dataPublicacaoDj=16/09/2011&incidente=4125637&codCapitulo=6&numMa
teria=136&codMateria=2 Acesso em: 05.03.2013.
32
Decisão monocrática na ADPF 186. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/
diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=119&dataPublicacaoDj=30/06/2010&incidente=2691269&codCapitu
lo=6&numMateria=101&codMateria=2 Acesso em: 05.03.2013.
33
Informações constantes da decisão monocrática proferida nos autos da ADPF nº 186. Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, publicada no DJ nº 119 de 30.06.2010.
34
Informações constantes da decisão monocrática proferida nos autos da ADPF nº 186. Rel. Min. Ricardo
Lewandowski publicada no DJ nº 149 de 13.08.2010.
35
Informações constantes da decisão monocrática proferida nos autos da ADPF nº 186. Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, publicada no DJ nº 119 de 30.06.2010.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância do sistema de controle concentrado de constitucionalidade está em
resguardar os preceitos fundamentais da comunidade que o instituiu. Por tratar-se de
processo objetivo, em que não há partes nem pretensão subjetiva a ser satisfeita, mas o
exame em abstrato da (in)constitucionalidade de determinado dispositivo legal, em um
primeiro momento, o processo de controle concentrado veda a intervenção de terceiros
interessados em participar da demanda, como se verifica da leitura do caput, do art. 7º,
da Lei nº 9.868/99.
Demonstrando uma tendência à abertura do processo constitucional à maior
participação, jurisprudência e legislação passaram a admitir a intervenção do amicus
curiae como um terceiro interveniente especial, que atua não em razão de interesse
próprio, mas em face de um interesse maior, de caráter plural e democrático, no sentido
de dar impulso a uma aproximação do Tribunal Constitucional com a sociedade, de
promover o aprimoramento do debate judicial e assim conferir legitimidade democrática
às decisões do Tribunal.
No entanto, segundo previsão do § 2º, do art. 7º, da Lei nº 9.868/99, a intervenção
do amicus curiae esta condicionada a demonstração da representatividade, considerada
pela doutrina e jurisprudência, como a comprovação de que o pretenso amici possui
interesse institucional para atuar na demanda constitucional, no sentido de que sua
pretensão transcende o âmbito individual sendo capaz de congregar interesses coletivos
e até mesmo difusos.
36
Neste sentido, Cassio Scarpinella Bueno, aduz que a representatividade não pode ser aferida em abstrato,
conforme se verifica: “O que nos parece pertinente ser afirmado à guisa de conclusão deste item é a impossibilidade
de, em abstrato, isto é, sem confrontar o específico objeto da ação direta de inconstitucionalidade com a razão
institucional de ser e de agir, concretamente, o amicus curiae, verificar em que condições se mostram presentes
os requisitos autorizadores do art. 7º, § 2º, da Lei n.9.868/99, em específico para as preocupações aqui mais
presentes, o requisito da representatividade daquele que pretende ingressar no processo e, de alguma forma,
contribuir ativamente para o proferimento de melhor julgamento, acrescentando fatos, circunstâncias, elementos,
indagações e preocupações para a matéria que está posta para julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”.
(BUENO, 2008, p.157).
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 6.ed.
São Paulo: Saraiva, 2012.
BINENBOJM, Gustavo. A dimensão do amicus curiae no processo constitucional
brasileiro: Requisitos, poderes processuais e aplicabilidade no âmbito estadual. A & C
Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Belo Horizonte, ano 5, n.19, jan./
mar. 2005, p.73-95.
BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no processo civil brasileiro: um terceiro
enigmático. São Paulo: Saraiva, 2008.
______. Amicus Curiae: uma homenagem a Athos Gusmão Carneiro. In: JR DIDDIER,
Fredie et al. O terceiro no processo civil brasileiro e assuntos correlatos: Estudos em
homenagem ao professor Athos Gusmão Carneiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010, p.160-167.
BUENO FILHO, Edgard Silveira. Amicus Curiae: a democratização do debate nos
processos de controle de constitucionalidade. Revista CEJ. Brasília, v.6, n.19, out./dez.
2002, p.85-86.
RESUMO
O Supremo Tribunal Federal tem demonstrando certo protagonismo no cenário político
nacional, em virtude da judicialização de vários temas relevantes para a sociedade e do ativismo
de seus ministros. Nesse contexto, a Emenda Constitucional 45/04 instituiu as súmulas vinculantes,
ampliando o poder da Corte. O presente trabalho busca demonstrar que o ativismo judicial pode ser
perpetrado por meio das súmulas vinculantes e que, assim, o STF pode utilizar-se desse instrumento
para exercer o poder legislativo, desrespeitando o princípio da separação de poderes.
Palavras-chave: STF. Separação de poderes. Ativismo judicial. Súmulas vinculantes.
ABSTRACT
Supremo Tribunal Federal (Brazilian Federal Supreme Court) has been prominent in the
national political scenery, because of judicialization of plenty of important issues and its judges’
activism. In this context, Court’s power was increased up by the Constitutional Amendment
45/04, which established Brazil’s legal institute called “súmulas vinculantes”. This work aims to
demonstrate that judicial activism can be perpetrated by the “súmulas vinculantes” and, because
of it, STF can use this instrument to exercise legislative power, what disrespects the principle of
separation of powers.
Keywords: STF. Separation of powers. Judicial activism. “Súmulas vinculantes”.
1 DO ATIVISMO JUDICIAL
1.1 Da separação de poderes ao ativismo judicial
O Estado é o poder soberano, que emana de um povo, sobre determinado território,
com finalidades determinadas, o qual comporta três funções estatais básicas: a executiva,
a legislativa e a jurisdicional.
Nesse contexto, o postulado da separação de funções ou de poderes preconiza
que cada uma dessas funções deve incumbir a um centro de poder diferente. Assim, as
Michael Procopio Ribeiro Alves Avelar é Bacharel em Direito pela Universidade Paulista e Analista Judiciário
no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Não destoa desse entendimento a ministra Cármen Lúcia, a qual, mesmo antes da
aprovação da Emenda 45/2004, consignou seu pensamento de que as súmulas vinculantes
transformariam a Corte Maior em autora de uma legislação paralela, que só poderia ser
alterada por emenda constitucional (ROCHA, 1997).
Conforme já citado, Tavares manifesta-se de modo oposto, argumentando que,
por estar o Judiciário vinculando à legislação, a súmula tem caráter infralegal, mesmo
que dotada de efeito vinculante. Explica o respeitado mestre que o enunciado apenas
consubstancia uma das interpretações possíveis do direito posto, excluindo as demais
(TAVARES, 2009).
A incumbência de interpretação da Constituição Federal e de análise da conformação
das normas inferiores com o Texto Magno pertence, de fato, ao Supremo Tribunal
Federal. No entanto, consigne-se que, a título de interpretação, pode haver a criação
de normas gerais, decidindo-se extra legem, acrescentando-se ao ordenamento jurídico
verdadeiras novas leis no sentido material. Caso isso ocorra, ter-se-á uma ingerência na
4 CONCLUSÃO
O atual protagonismo do Supremo Tribunal Federal tem como base o ativismo
judicial de seus membros e a crescente judicialização no plano político do país.
Incrementando essa primazia do órgão de cúpula do Judiciário, a Emenda Constitucional
45/2004 criou as súmulas vinculantes, mecanismo criado para dar maior efetividade à
jurisprudência pacífica do Pretório Excelso que pode ser também veículo de ativismo
judicial, com a criação de normas gerais com força cogente. Tornam-se, assim, regras
ditadas não pelo Legislativo, mas uma legislação paralela emanada de um tribunal.
Ainda que se argumente que doutrina já apregoa a flexibilização da separação de
poderes, a súmula vinculante que sirva de veículo para o ativismo representa um poder
desmedido, que pode abalar o equilíbrio entre os Poderes. Não há mecanismo que sirva
de contenção a esse instituto, que pode inaugurar um governo de juízes (VALLE et al.,
2009).
Cumpre frisar que a súmula vinculante, por si só, não representa uma usurpação
da função legislativa pelo Judiciário, mas, caso seus preceitos tenham sido elaborados
de forma ativista, podem tolher a atividade dos representantes do povo de manifestar sua
vontade por meio das leis. Cabe, portanto, aos ministros do STF a missão utilizar esse
instituto com vistas a dar efetividade às suas decisões e celeridade à prestação jurisdicional,
sem sucumbir à tentação de substituir ou criar novas disposições com força de lei.
Caso contrário, sacrifica-se a segurança jurídica, tão cara à sociedade brasileira já
descrente do Poder Público. O país fica sujeito, nesta hipótese, ao arbítrio dos juízes, os
quais, legislando e julgando, ferem o princípio da separação de poderes e, desse modo,
violam a Constituição que deveriam guardar. Os cidadãos perdem, assim, a garantia,
conquistada a alto preço, de viverem em um Estado Democrático de Direito.