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«O dom da teoria»: Eric hobsbawm e os

movimentos sociais
1Eric Hobsbawm será lembrado no futuro por muitas e boas razões e por muitas e boas obras. Das sínteses
brilhantes das Eras..., aos estudos sobre o nacionalismo, aos que se albergam sob o título de «A invenção da
tradição» e a tantas outras publicações, sem as quais não é possível pensar a historiografia do século XX, obras
memoráveis não faltam à sua extensa bibliografia. Mas não sei se será tão recordado pelos estudos iniciais
que dedicou a uma série de humildes rebeldes dos séculos XVIII, XIX e XX, quase todos analfabetos, num
extenso leque que vai dos bandidos a que chamou «sociais», às seitas milenaristas italianas do século XIX ou
às camadas ínfimas do povo de Nápoles, antirrevolucionárias e anti-jacobinas que cantavam: «o que toma pão
e vinho deve ser um jacobino» ou que dividiam o universo social entre os que andavam de carruagem e os que
se deslocavam a pé.

2Estes humildes protagonistas do passado que a História, enquanto narrativa e análise, tinha até aí
olimpicamente ignorado foram elevados pela primeira vez pela sua mão à categoria e à dignidade de sujeitos
históricos em livros como Rebeldes Primitivos e Bandidos, datados respetivamente 1959 e de 1969, e isto
apesar de Hobsbawm ter considerado os movimentos que protagonizaram como «formas arcaicas de
movimentos sociais». Mas, mesmo se o termo «arcaico» nos levanta hoje algumas dúvidas, é bom lembrar
que Hobsbawm não o usou nem pejorativamente nem mesmo numa perspetiva claramente teleológica de
acordo com a qual tais movimentos só poderiam ser intelígiveis enquanto precursores de movimentos sociais
mais perfeitos e «modernos» como o movimento operário. Na verdade, a rebeldia dos «rebeldes primitivos»
de Hobsbawm não é nunca representada como uma manifestação equívoca ou «aberrante» de protesto social,
mas apenas como expressão de realidades sociais e culturais distintas do universo industrial em que se
desenvolveria o movimento operário, intelígiveis nos seus próprios termos e não à luz de movimentos sociais
mais «avançados». A grande viragem que o livro representa nos modos de ver e considerar os movimentos
sociais pré-industriais não é anulada nem mesmo pelo erro de perspetiva que decorre da inclusão do
anarquismo andaluz posterior à década de 70 do século XIX no contexto desses movimentos.

 1 «The machine breakers», in Labouring Men. Studies in the History of Labour, Weidenfeld and
Nicolson (...)

3Ao debruçar-se sobre as lutas operárias do mundo industrial, Hobsbawm trará à superfície e reconsiderará
também, procurando fazê-lo mais uma vez nos termos em que os seus atores lhe conferiram significado,
movimentos como o «ludismo» que, num célebre artigo chamado «Os destruidores de máquinas», integra no
protesto operário. Para sustentar essa integração escreve: «Talvez seja hora de reconsiderar o problema da
quebra de máquinas no começo da história industrial da Inglaterra. Muitos, mesmo historiadores
especializados, ainda sustentam inúmeros equívocos acerca desta forma de luta da classe operária em seus
princípios. Assim, um excelente trabalho publicado em 1950 pôde ainda descrever o “ludismo” simplesmente
como uma jacquerie industrial sem propósitos e frenética (...)». Mais adiante escreveria: «as opiniões
conscientes da maioria dos estudiosos podem ser resumidas como se segue: o triunfo da mecanização era
inevitável, podemos compreender e simpatizar com a longa ação de retaguarda que todos, excetuando uma
minoria de trabalhadores favorecidos, empreenderam contra o novo sistema, mas devemos aceitar a sua
ausência de propósitos e a sua inevitável derrota (...)».1 A conclusão seria a de não haver nenhuma desculpa
para ignorar a força destes primeiros movimentos que, para Hobsbawm, exprimiam sobretudo uma forma de
pressão dos trabalhadores sobre os donos das fábricas, uma «negociação coletiva através da arruaça» como a
classificou. Uma «negociação coletiva através da arruaça» ou seja um objetivo deliberado e racional, do
mesmo tipo dos que eram visados nos movimentos rurais que, com Georges Rudé, estudou em Captain Swing
onde a destruição de máquinas e de propriedades também tinham sido praticadas.

 2 Idem, p. 16.

4As interpretaçãoes do «ludismo» de Hobsbawm podem considerar-se hoje discutíveis e datadas, o seu olhar
sobre o «banditismo social» idealizado, mas não há dúvida de que aquilo que esses estudos representaram, em
termos de revolução da perspetiva sobre os movimentos coletivos e o protesto popular, não só não envelheceu
como impregnou a historiografia dos movimentos sociais até aos nossos dias e, provavelmente, continuará a
alimentá-la muito para além deles. A valorização da experiência e do contexto dos atores em detrimento da
teleologia histórica, a consideração do significado que esses mesmos atores atribuíam às suas ações em
prejuízo daquelas que lhe eram atribuídas «pelos apologistas económicos da classe média do século XIX de
que se devia ensinar aos operários a não baterem contra a verdade económica, por mais intragável que fosse
(...)» são uma constante nas propostas de Hobsbawm de análise dos movimentos sociais. Pode pôr-se em
paralelo a sua rejeição das interpretações segundo as quais «nos primeiros tempos o movimento operário não
sabia o que estava a fazer, mas simplesmente reagia cegamente e às apalpadelas à pressão da miséria, como
os animais no laboratório reagem às correntes elétricas»2, com as de E. P. Thompson quando criticou a visão
«espasmódica» da ação coletiva.

 3 «O debate sobre a aristocracia operária», in Mundos do Trabalho. Novos estudos sobre história operá
(...)
 4 «Homem e Mulher: imagens da esquerda», Idem, p. 123.

5É certo que no domínio dos estudos sobre o movimento operário é muitas vezes inevitável contrapor as
análises de Hobsbawm às de E. P. Thompson, que o próprio Hobsbawm criticou em artigos como «O fazer-
se da classe operária 1870-1914», sem nunca negar o brilhantismo do autor do The making of English working
class e a importância da obra. Não só Hobsbawm permanece, como ele próprio afirma, «um marxista
tradicional o suficiente para enfatizar», por exemplo, a propósito da aristocracia operária, «a sua determinação
pela base económica»3, como adota, por vezes, metodologias quantitativistas para o estudo das lutas operárias
que o aproximam mais de Labrousse e da história económica e social francesa do que do grupo chamado dos
«marxistas britânicos» a que está tão intimamente ligado. É o que acontece em vários dos estudos publicados
em Labouring Men como «Economic flutuations and some social movements» ou «Trends in the britisch
labour movement since 1850». No entanto, será o mesmo Hobsabawm que publicará, anos mais tarde, em
Worlds of Labour um artigo fundamental sobre a «Transformação dos rituais do operariado» em que explora
a iconografia e a simbólica do movimento operário, da bandeira vermelha ao 1º de maio ou, um outro,
intitulado «Homem e mulher: imagens da esquerda» também explorando a iconografia, desta vez masculina e
feminina, dos movimentos revolucionários do fim do século XIX e do início do século XX. Este último texto
é apresentado como uma resposta às críticas que «acusavam os historiadores do sexo masculino, mesmo
marxistas, de ignorarem grosseiramente a metade feminina da raça humana»4.

 5 «A transformação dos rituais do operariado», Idem, p. 99.

6Pode pensar-se que a «viragem cultural» da historiografia dos anos 80 do século XX não terá sido alheia a
estes novos temas. É o próprio Hobsbawm que o deixa perceber no início do texto sobre os rituais operários,
datado de 1982, quando escreve «O ritual, presentemente, é um assunto em voga entre os historiadores»5, mas
convém não esquecer que, muito antes dessa famosa «viragem», ele tinha já escrito, no último capítulo dos
Rebeldes Primitivos um texto fundamental sobre o ritual nos movimentos sociais.

 6 Bandits, Weidenfeld and Nicolson, 2000, p. X.

7Apesar do sucesso das Eras…, em particular da Era dos Extremos e, posteriormente, de Tempos
interessantes, sua continuação auto-biográfica, Hobsbawm não abandonou nunca os seus humildes rebeldes.
No ano 2000 publicou uma nova versão de Bandits enriquecida pela discussão dos contributos dos muitos
continuadores e críticos de vários países e continentes que, ao longo de 30 anos, tomaram a sua obra como
referência assim como o conceito por ele cunhado de «banditismo social». No prefácio desta nova versão não
esconde o seu orgulho por ter sido «the fouding father of an entire brench of History»6 e revê, com o seu
habitual e extraordinário domínio da bibliografia mundial, os temas e problemas nela levantados
acrescentando novos capítulos e temáticas à obra como acontece, por exemplo, no apêndice sobre as mulheres
e o banditismo.

 7 A história britânica e os annales. Um comentário sobre história, Companhia das Letras, 1998, 8, 1.ª
(...)
8Sem nunca ter escrito uma obra sobre o movimento operário tão definitiva e marcante como os seus interesses
historiográficos e políticos podiam fazer esperar, Hobsbawm revolucionou a História dos movimentos sociais
talvez mais através da História dos rebeldes anónimos com quem anteriormente muito pouca gente (a não ser
a polícia, como escreve no íncio do capítulo «O Bandido Social» de Rebeldes Primitivos) se tinha preocupado
do que com a do moderno operariado. No entanto, quer numa quer noutra vertente permaneceu fiel ao seu
propósito de «restituir aos homens do passado e principalmente os pobres do passado, o dom da teoria»7.

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Notes
1 «The machine breakers», in Labouring Men. Studies in the History of Labour, Weidenfeld and Nicolson,
1964, republicado em Pessoas Extraordinárias. Resistência, Rebelião e Jazz, Paz e Terra, 1999, pp. 15-16.

2 Idem, p. 16.

3 «O debate sobre a aristocracia operária», in Mundos do Trabalho. Novos estudos sobre história operária,
Paz e Terra, 1987 (1ª ed. inglesa de 1984), p. 306.

4 «Homem e Mulher: imagens da esquerda», Idem, p. 123.

5 «A transformação dos rituais do operariado», Idem, p. 99.

6 Bandits, Weidenfeld and Nicolson, 2000, p. X.

7 A história britânica e os annales. Um comentário sobre história, Companhia das Letras, 1998, 8, 1.ª ed.
inglesa, 1997, p. 200.

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Pour citer cet article


Référence papier

Fátima Sá e Melo Ferreira, « «O dom da teoria»: Eric hobsbawm e os movimentos sociais », Ler História,
62 | 2012, 109-112.

Référence électronique

Fátima Sá e Melo Ferreira, « «O dom da teoria»: Eric hobsbawm e os movimentos sociais », Ler História
[En ligne], 62 | 2012, mis en ligne le 13 avril 2015, consulté le 10 février 2020. URL :
http://journals.openedition.org/lerhistoria/602 ; DOI : https://doi.org/10.4000/lerhistoria.602

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