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UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE – UNIVILLE

CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA


COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FRENTE


À JUDICIALIZAÇÃO DO ACESSO À SAÚDE

EUCLIDES DE ALMEIDA SILVA FILHO

Orientador: Gustavo Daniel Tavares Bastos Gama

Joinville (SC), dezembro de 2010.


UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE – UNIVILLE
CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FRENTE À


JUDICIALIZAÇÃO DO ACESSO À SAÚDE

EUCLIDES DE ALMEIDA SILVA FILHO

Monografia submetida à
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE,
como requisito parcial à obtenção
do título de Bacharel em Direito.

Orientador(a): Gustavo Daniel Tavares Bastos Gama

Joinville (SC), dezembro de 2010.


Meus agradecimentos:

Ao meu orientador, Professor Gustavo Daniel


Tavares Bastos Gama, pelas direções
apontadas e conhecimentos proporcionados na
elaboração deste trabalho.

Aos Professores desta instituição, por terem


me ajudado a desvendar os caminhos do
Direito.

Aos colegas universitários por cada momento


compartilhado.
Dedico esta obra:

Aos meus pais, que me apoiaram a iniciar o


curso de Direito e agora me incentivam a
continuar no caminho para a realização de um
sonho profissional;

Em especial àqueles que me ensinaram a


prática do Direito; me ensinaram a trabalhar
com ética e profissionalismo e a ser humano
nas decisões, estes serão sempre meus
modelos no longo caminho em busca da
justiça.
“Tem fé no direito como o melhor instrumento
para a convivência humana; na justiça, como
destino moral do direito; na paz, como
substituto benevolente da justiça; e, sobretudo,
tem fé na liberdade, sem a qual não há direito,
nem justiça, nem paz”.

Eduardo Couture
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988


PFDC Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
SUS Sistema Único de Saúde
RENAME Relação Nacional de Medicamentos
ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
OMS Organização Mundial de Saúde
UNIVILLE Universidade da Região de Joinville
SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................xi
INTRODUÇÃO.......................................................................................1

Capítulo 1
OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS E SUA NORMATIVIDADE

1.1. CONCEITO E DEFINIÇÃO DE PRINCÍPIOS.....................................................3


1.2. CARACTERES DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS................................................6
1.2.1. Tipologia constitucional dos princípios....................................................7
1.2.2. Natureza..........................................................................................................9
1.2.3. Características..............................................................................................10
1.2.4. Modalidades de eficácia..............................................................................12
1.2.5. Densificação.................................................................................................15
1.3. AS GERAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS..........................................16
1.3.1. Os direitos fundamentais de primeira geração.........................................19
1.3.2. Os direitos fundamentais de segunda geração........................................20
1.3.3. Os direitos fundamentais de terceira geração..........................................21
1.3.4. Os direitos fundamentais de quarta geração............................................22
1.4. A EVOLUÇÃO DA NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS..........23
1.5. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O MÍNIMO
EXISTENCIAL.........................................................................................................28

Capítulo 2
ESTRUTURA DAS NORMAS JURÍDICAS

2.1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS............................................................................32


2.2. DEFINIÇÃO DE NORMA JURÍDICA................................................................35
2.3. ESTRUTURA DAS NORMAS JURÍDICAS......................................................37
2.3.1. Sobre a distinção entre regras e princípios..............................................38
2.3.2. Distinção forte ou qualitativa......................................................................40
2.3.3. Tese da conformidade ou distinção fraca.................................................44
2.3.4. Distinção dúctil............................................................................................48
2.4. POSTULADOS NORMATIVOS.......................................................................52
2.5. VALORES........................................................................................................55
2.5.1. Distinção entre valores e princípios..........................................................57
2.6. A SAÚDE COMO ELEMENTO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E
SUA POSIÇÃO NA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS..........................59

Capítulo 3
A JUDICIALIZAÇÃO DO ACESSO À SAÚDE

3.1. DEFINIÇÃO DE SAÚDE E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.......................... 61


3.1.1. Competência dos entes políticos no financiamento da saúde............... 66
3.1.2. O problema que envolve a distribuição gratuita de medicamentos........68
3.2. A JUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA DO ACESSO À SAÚDE E SUAS
IMPLICAÇÕES....................................................................................................71
3.3. A COLISÃO ENTRE O DIREITO À VIDA E À SAÚDE DE UNS EM FACE DA
PROMESSA CONSTITUCIONAL DE UNIVERSALIZAÇÃO DA SAÚDE..............73
3.4. AS POSSIBILIDADES DE UMA ATUAÇÃO JUDICIAL ADEQUADA NA
DISTRIBUIÇÃO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO.......................................78
CONCLUSÃO......................................................................................................83
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS..............................................................88
REFERÊNCIA LEGISLATIVAS............................................................................91
RESUMO

A presente pesquisa está direcionada a uma análise acerca da normatividade


dos princípios constitucionais, com o objetivo de demonstrar os seus contornos,
papel e importância no ordenamento jurídico, revestindo-se como um instrumento
que dá vitalidade e força normativa à Constituição. Não obstante, tratar-se-á do tema
da judicialização do acesso à saúde, sob o enfoque normativo-constitucional vigente,
procurando desvendar as questões polêmicas e propondo alternativas para que a
saúde não fique ao desamparo. Por meio do método de pesquisa bibliográfico, o
trabalho revela quais os efeitos que os princípios jurídicos, notadamente os
constitucionais, exercem no ordenamento jurídico, assim como da transformação
que a compreensão dos princípios provocou na forma de entender o direito. No que
tange à judicialização do acesso à saúde, mostra-se que, excessivas, essas
demandas judiciais podem causar grandes problemas ao Estado na formulação de
suas políticas públicas, mas que sem dúvidas constituem-se numa forma de
efetivação dos direitos fundamentais. Uma visão conjunta desses dois temas permite
visualizar as questões de maior voga no direito constitucional brasileiro atual,
observando-se o grau de normatividade e efetividade das normas constitucionais,
ensejando, por outro lado, a reflexão sobre a primazia que deve ser dada aos
direitos fundamentais em toda política pública estatal, com fulcro na dignidade da
pessoa humana.
INTRODUÇÃO

O objeto deste Trabalho de Conclusão de Curso é demonstrar o papel e


importância singulares dos princípios constitucionais no ordenamento jurídico, assim
como expor de forma didática o problema da judicialização do acesso à saúde com a
proposição de soluções. Proceder-se-ão estudos acerca da evolução histórica dos
princípios, da estrutura das normas jurídicas, da teoria dos direitos fundamentais e
da judicialização do acesso à saúde.
O seu objetivo institucional é a produção de Monografia para a obtenção de
título de Bacharel em Direito pela Universidade da Região de Joinville.
O objetivo geral do trabalho é mostrar aos leitores os novos paradigmas da
dogmática constitucional tendo por referência os princípios jurídicos, de forma a
também revelar os pontos controversos sobre a possibilidade de se proporem
demandas judiciais objetivando o acesso à saúde e o seu enquadramento na
temática dos direitos fundamentais. Já os objetivos específicos são: a elaboração de
estudos acerca da evolução histórica dos princípios, da estrutura das normas
jurídicas, da teoria dos direitos fundamentais e da judicialização do acesso à saúde.
Desta forma, os objetivos específicos deste trabalho estão diretamente
relacionados com a formulação de uma compreensão adequada sobre a teoria dos
princípios e com a projeção de métodos para a resolução dos problemas ligados à
judicialização da saúde, visto que os temas em comento revestem-se de grande
importância na atualidade, sobretudo devido à funcionalidade da Constituição
Federal de 1988, oriunda de sua força normativa.
Adotou-se o método qualitativo, operacionalizado com as técnicas de
pesquisa bibliográfica, fichamentos e pesquisa de campo, dividindo-se o trabalho em
três capítulos:
O primeiro capítulo tratará do conceito e definição dos princípios jurídicos, de
seus caracteres mais importantes, e da evolução de sua normatividade.
Concomitantemente, abordar-se-ão os temas referentes às gerações dos direitos
fundamentais e à dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial.
Na segunda parte proceder-se-á a um estudo voltado para a estrutura das
normas jurídicas. Explanar-se-á sobre a distinção entre regras e princípios e as
formas distintivas adotadas, quais sejam, a distinção forte ou qualitativa, a tese da
conformidade ou distinção fraca e a distinção dúctil. Além disto, serão tratados os
temas dos postulados normativos e dos valores, distinguindo os valores dos
princípios. Ao final deste capítulo, abordar-se-á a questão da saúde como elemento
da dignidade da pessoa humana e a sua posição na teoria dos direitos
fundamentais.
No terceiro capítulo será discutida a judicialização do acesso à saúde. Tratar-
se-á, primeiramente, da definição da saúde do Sistema Único de Saúde – SUS,
discorrendo sobre a competência dos entes políticos no financiamento da saúde e
sobre o problema que envolve a distribuição gratuita de medicamentos. Em seguida,
cuidar-se-ão dos temas concernentes à judicialização excessiva do acesso à saúde
e suas implicações, à colisão entre o direito à vida e a saúde de uns em face da
promessa constitucional de universalização da saúde e às possibilidades de uma
atuação judicial adequada na distribuição de medicamentos pelo Estado.
Findando o conteúdo investigatório, na conclusão será abordado o que se
concluiu da presente pesquisa.
Capítulo 1
OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS E SUA NORMATIVIDADE

1.1. CONCEITO E DEFINIÇÃO DE PRINCÍPIOS

O vocábulo princípio admite várias acepções, ou seja, é uma palavra


polissêmica, variando de significado de acordo com a perspectiva em que for
analisada. Dessa forma, o vocábulo princípio terá tantas definições quantas forem as
perspectivas analisadas.
Primeiramente, proceder-se-á à conceituação e à definição do vocábulo
princípio no sentido geral, e depois dos princípios enquanto elemento jurídico em
suas diversas acepções.
Assim, Plácido e Silva conceitua princípio como:

Derivado do latim principium (origem, começo), em sentido vulgar


quer exprimir o começo de vida ou o primeiro instante em que as
pessoas ou as coisas começam a existir. É, amplamente, indicativo
do começo ou a origem de qualquer coisa. No sentido jurídico,
notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os
requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de
alguma coisa.
E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que
se fixaram para servir de normas a toda espécie de ação jurídica,
traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica.
Desse modo, exprimem sentido mais relevante que o da própria
norma ou regra jurídica. Mostram-se a própria razão fundamental de
ser das coisas jurídicas, convertendo-se em perfeitos axiomas.
Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que
servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio direito.
Indicam o alicerce do Direito.
E, nesta acepção, não se compreendem somente os fundamentos
jurídicos, legalmente instituídos, mas todo axioma jurídico derivado
da cultura jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos da
Ciência Jurídica, onde se firmaram as normas originárias ou as leis
científicas do direito, que traçam as noções em que se estrutura o
próprio Direito. Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas
leis. Mas, porque servem de base ao Direito são tidos como preceitos
fundamentais para a prática do Direito e proteção aos direitos.1

1
PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico, volume IV.
4

Nota-se ainda que os dicionários trazem – além do significado de princípio –


“o significado de princípios”, na forma do plural. Quem nos mostra esse conceito é
Holanda Ferreira: “princípios, S.M.pl. 1. Rudimentos. Primeira época da vida. 3.
Bibliogr. V. folhas preliminares. 4. Filos. Proposições diretoras de uma ciência, às
quais todo o desenvolvimento posterior dessa ciência deve estar subordinado – V.
principio.”2
Na acepção jurídica do termo princípios, encontra-se ainda a definição de
princípios gerais de direito, que assume papel de relevância no desenvolvimento
deste estudo. Neves assim conceitua os princípios gerais de direito: “Diz-se,
genericamente, dos elementos que, aceitos e adotados de maneira universal como
verdades axiomáticas, atuam na formação da consciência jurídica do homem da
lei.”3
A esta altura, para não perder-se no mundo de significados de princípios,
cumpre distinguir conceito de definição.
Fiuza trata de explicar a distinção entre conceito e definição:

Conceito é a expressão mental do objeto, sem nenhuma tentativa de


explicá-lo, de distingui-lo de outros objetos. A tarefa de explicar e de
distinguir é a da definição.
Definição é, pois, a explicação do conceito. Procura-se indicar o
gênero próximo, ou seja, com que o objeto se parece, e a diferença
específica, isto é, em que o objeto se distingue de seus similares em
gênero.
Assim, ao vermos uma cadeira, fazemos dela uma idéia, formulamos
um conceito – isto é uma cadeira – e elaboramos uma definição – é
peça de mobília (gênero próximo), composta de pés e parte rasa, em
que se senta (diferença específica).4

Para Melo princípios são:

O mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,


disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas,
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe
dá sentido harmônico.5

2
HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, p. 1393.
3
NEVES, Iêdo Batista. Vocabulário prático de tecnologia jurídica e de brocardos latinos.
4
FIUZA, César. Direito civil, curso completo, p. 03
5
MELO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de direito administrativo, p. 230.
5

Silva infere que os princípios são:

Ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são


(como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira) „núcleos de
condensações‟ nos quais confluem valores e bens constitucionais.
Mas, como disseram os mesmos autores, “os princípios que
começam a ser por ser a base das normas jurídicas, podem estar
positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e
constituindo preceitos básicos de organização constitucional.6

Para Alexy “os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado
na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes; são
mandados de optimização que podem ser cumpridos em diferentes graus.”7
Mister se faz a colação do conceito de princípios dada por Crisafulli, cuja
extração se faz da obra de Bonavides:

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada


como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a
pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito
em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam,
e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas
efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do
respectivos princípio geral que as contém.8

Merece referência a investigação doutrinária que o jurista italiano Guastini fez,


tendo colhido elementos da jurisprudência e ensinamentos de juristas diversos,
chegando à formulação seis distintos conceitos de princípios, todos vinculados a
disposições normativas, e assim enunciados:
1. Os princípios se referem “a normas providas de um alto grau de
generalidade;”9
2. Princípios reportam-se “a normas (ou disposições que exprimem normas)
providas de um alto grau de indeterminação, e que por isso requerem concretização
por via interpretativa, sem a qual não seriam suscetíveis de aplicação a casos
concretos;”10

6
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 92.
7
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 86-87.
8
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 230.
9
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, pg. 230.
10
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 230.
6

3. O vocábulo princípios cuida de “normas (ou disposições normativas) de


caráter programático;”11
4. O preclaro jurista ainda conceitua princípios como “normas (ou disposições
normativas) cuja posição na hierarquia das fontes do direito é muito elevada;”12
5. Guastini apresenta outra definição do vocábulo princípio:

Para designar normas que desempenham uma função importante ou


fundamental no sistema jurídico ou político unitariamente
considerado, ou num ou outro subsistema do sistema jurídico
conjunto (o Direito Civil, o Direito Trabalho, o Direito das
Obrigações);13

6. Por fim, elucida, “os juristas se valem da expressão princípio para designar
normas (ou disposições que exprimem normas) dirigidas aos órgãos de aplicação,
cuja específica função é fazer a escolha dos dispositivos ou de normas aplicáveis
nos diversos casos.”14
Em todas as conceituações de princípios de Guastini é ressaltado o seu
caráter normativo, configurando-se, desse modo, como normas jurídicas. Nos dias
de hoje não é crível a compreensão dos princípios senão pelo aspecto da
normatividade.
A seguir ver-se-ão os caracteres dos princípios jurídicos, com o objetivo de
melhor compreendê-los em sua individualidade.

1.2. CARACTERES DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS

Como já visto, os princípios assumem diferentes significados conforme a


perspectiva em que forem analisados. No presente estudo, analisam-se os princípios
sob a perspectiva do direito, convertendo-se então em princípios jurídicos.
Impõe destacar que os princípios jurídicos não são uma categoria específica
do direito constitucional ou do direito civil, por exemplo, atuando em todos os ramos
do direito, conforme for a sua divisão. Todos esses princípios são jurídicos, haja
vista ser o direito uno e insuscetível de divisão; embora, diante das peculiaridades
de cada ramo jurídico, seja de conveniência didática dividi-los.
11
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 230.
12
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 230.
13
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 231.
14
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 231.
7

Sobre o fato da divisão do direito em ramos não passar de uma criação


científica, cumpre colacionar os ensinamentos de Sundfeld: “Os tais ramos do direito
nada mais são de que uma criação da ciência jurídica, isto é, de um corte
metodológico através do qual os cientistas acreditam poder visualizar de modo mais
adequado o seu objeto de estudo.”15
Assim, os princípios jurídicos ramificam-se em tantos ramos quanto os criados
pela ciência jurídica. Podem ser civis, constitucionais, penais, previdenciários etc,
todos surgidos ante a conveniência da análise científica, tendo em vista a melhor
operacionalização do direito.
Há também os princípios gerais do direito que, segundo atual concepção,
nada mais são que os próprios princípios constitucionais. Superado o dogma do
positivismo, onde os princípios eram vistos apenas como colmatadores de lacunas
nos casos de omissão da lei, eles passaram a integrar o corpo de normas
constitucionais, servindo como inspiração para a interpretação de leis, além de
possuírem densidade normativa.
Em referência a relação entre o direito e seus princípios, cumpre enfatizar o
pensamento de Miranda:

O Direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de actos


de vontade, ou mera concatenação de fórmulas verbais articuladas
entre si. O Direito é ordenamento ou conjunto significativo e não
conjunção resultante de vigência simultânea; implica coerência ou,
talvez mais rigorosamente, consistência; projecta-se em sistema; é
unidade de sentido, é valor incorporado em regra. E esse
ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor projeta-se ou
traduz-se em princípios, logicamente anteriores aos preceitos.16

Feitas essas considerações, conclui-se que os princípios são parte integrante


e dinâmica do Direito, portanto possuem natureza, características e funções que o
individualizam perante os demais elementos jurídicos. Passa-se, então à análise
dessas peculiaridades.

15
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público, p. 134.
16
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público, p. 134.
8

1.2.1. Tipologia constitucional dos princípios

Dentro da sistemática constitucional, existem vários tipos de princípios que se


amoldam às características de determinada constituição. Assim, por exemplo, a
Constituição Brasileira de 1988 é revestida de normas programáticas enquanto
outras se revestem apenas de princípios fundamentais, como a dos Estados Unidos
da América.
A tipologia de princípios aqui utilizada como referência é derivada da obra de
Canotilho. Ressalva-se, neste ponto, que:

Não é possível fazer-se aqui uma explanação da complexa


problemática dos princípios e das suas relações com as normas
jurídicas. No texto, a doutrina defendida tende a aproximar-se da
opinião que julgamos estar a ganhar o estatuto de doutrina
constitucionalística dominante.17

Dessa forma, passa-se à análise da tipologia dos princípios constitucionais:


I – Princípios jurídicos fundamentais: Segundo Canotilho, “consideram-se
princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objetivados e
progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma
recepção expressa ou implícita no texto constitucional.”18 Esses princípios pertencem
à ordem jurídica positiva e constituem um importante fundamento para a
interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo. 19
Exercem função negativa e positiva. A atuação negativa desses princípios
surge para evitar atos arbitrários ou que visem suprimir a ordem constitucionalmente
estabelecida. Por outro lado, a função positiva ganha assento na medida em que
informa materialmente os atos dos poderes públicos.20
II – Princípios políticos constitucionalmente conformadores: “Designam-se por
princípios politicamente conformadores os princípios constitucionais que explicitam
as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte.”21 Por meio desses

17
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1131.
18
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1128.
19
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1128.
20
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1129.
21
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1130.
9

princípios se condensam as opções políticas nucleares e se reflete a ideologia


inspiradora da constituição.22
Nesta seara situam-se os princípios definidores da forma de Estado, os
princípios definidores da estrutura do Estado (unitário ou federativo), os princípios
estruturantes do regime político (princípio do Estado de Direito, princípio
democrático, princípio republicano) e os princípios definidores da forma de governo
(princípio da separação e interdependência dos poderes).23
III – Princípios constitucionais impositivos: Por intermédio desses princípios
“subsumem-se todos os princípios que impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao
legislador, a realização de fins e execução de tarefas.”24 Citam-se, a título de
exemplo, os princípios definidores dos fins do Estado e as normas programáticas.
IV – Princípios-garantia: “Há outros princípios que visam instituir directa ou
indirectamente uma garantia aos cidadãos. É-lhes atribuída uma densidade de
autêntica norma jurídica e uma força determinante, positiva e negativa.” 25 Esses
princípios visam estabelecer garantias aos cidadãos e adquirem forma de autêntica
norma jurídica.

1.2.2. Natureza

Os princípios, como normas jurídicas e parte integrante do ordenamento


jurídico, apresentam uma natureza peculiar que os diferenciam dos outros
comandos emanados do direito. Os princípios têm uma abrangência que vai além
dos estritos limites do direito; sua natureza transcende à política e à ideologia
predominante em determinado Estado, refletindo de sobremodo em outras
ordenações políticas.
Acerca da natureza multiforme dos princípios, Espíndola nos explica:

Esses princípios, então, não expressam somente uma natureza


jurídica, mas também política, ideológica e social, como, de resto o
Direito e as demais normas de qualquer sistema jurídico. Porém,
expressam uma natureza política, ideológica e social,
normativamente predominante, cuja eficácia no plano da práxis
jurídica – entendida como concretização do Direito no sentido mais

22
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1130.
23
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1130.
24
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1130.
25
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1131.
10

amplo possível -, alcança, muito além dos procedimentos estatais


(judicialistas, legislativos e administrativos), até a organização
política dos mais diversos segmentos sociais, como os movimentos
populares, sindicatos, partidos políticos etc.26

O constitucionalista português Canotilho, em referência à natureza dos


princípios destacou a sua natureza normogenética – “os princípios são fundamento
de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras
jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.”27
Para esse autor, os princípios constituem, por assim dizer, a gênese das
demais normas jurídicas justamente porque incorporam em si os valores
predominantes de uma comunidade.

1.2.3. Características

Em virtude da natureza particular dos princípios, reflete-se que eles


apresentam características próprias que denotam sua natureza singular enquanto
normas jurídicas. Miranda, depois de abalizada pesquisa na doutrina, menciona as
seguintes características dos princípios:

a) A sua maior aproximação da idéia de Direito ou dos valores do


ordenamento;
b) A sua amplitude, o seu maior grau de generalidade ou
indeterminação frente às normas-regras;
c) A sua irradiação ou prejecção para um número vasto de regras ou
preceitos, correspondentes a hipóteses de sensível heterogeneidade;
d) A sua versatilidade, a sua susceptibilidade de conteúdos algo
variáveis ao longo dos tempos e das circunstâncias, com
densificações variáveis;
e) A sua abertura, sem pretensão de regulamentação exaustiva, ou
em plenitude, de todos os casos;
f) A sua expansibilidade perante situações ou fatos novos, sem os
absorver ou neles se esgotar;
g) A sua virtualidade de harmonização, sem invalidação ou
revogação recíproca.28

Rocha, em estudo sobre os princípios constitucionais, atribui-lhes as


seguintes características:

26
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais, p. 81.
27
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1125.
28
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, tomo II, p. 228.
11

I – Generalidade: Os princípios constitucionais não pontuam, com


especificidade e minudência, hipóteses concretas de regulações jurídicas. Eles são
gerais para serem geradores de outros princípios e das regras constitucionais.
Conclui que:
A generalidade destes princípios possibilita que a Constituição
cumpra o seu papel de lei maior concreta e fundamental do Estado,
sem amarrar a sociedade a modelos inflexíveis e definitivos, que a
vida não permitiria algemar-se em travas da lei.29

II – Primariedade: Os princípios constitucionais são primários e primeiros no


interior do sistema constitucional; é deles que se imanam os demais princípios, que
podem ser implícitos e explícitos, e regras desse sistema;
III – Objetividade: Os princípios constitucionais são dotados de objetividade
no sentido de que, embora dotados de generalidade, eles não apresentam
conteúdos subjetivos ou aleatórios. Têm substância jurídica própria, cuja explicitação
é tarefa do aplicador das normas nas quais eles se contêm. “A objetividade dos
princípios constitucionais impedem, então, que seja permitida a seus aplicadores a
opção livre dos sentidos a serem extraídos num determinado momento da vigência
do sistema jurídico.”30
IV – Dimensão axiológica: Os princípios constitucionais têm dimensão
axiológica devido ao conteúdo ético que denotam. Frise-se que eles não se
constituem em axiomas ou verdades absolutas porque estão sujeitos às influências
do meio sociopolítico em que atuam;
V – Transcendência: A transcendência dos princípios constitucionais reside
no fato de que estes superam a elaboração normativa constitucional formal e se
desenvolvem no ordenamento como a mais intensa diretriz política, legislativa,
administrativa e jurisdicional;31
VI – Atualidade: Pela atualidade, os princípios constitucionais hão que se
manter coerentes com as necessidades, aspirações e ideais projetados pelo povo
em seu ordenamento jurídico;32
VII – Poliformia: Consequência das características da atualidade e da
transcendência, a poliformia possibilita a multiplicidade de sentidos que se

29
ROCHA, Carmem Lúcia. Princípios constitucionais da administração pública, p. 29.
30
ROCHA, Carmem Lúcia. Princípios constitucionais da administração pública, p. 33-34.
31
ROCHA, Carmem Lúcia. Princípios constitucionais da administração pública, p. 37.
32
ROCHA, Carmem Lúcia. Princípios constitucionais da administração pública, p. 38.
12

acrescentam e se sucedem, garantindo que o sistema tenha permanência,


presença, eficácia social e jurídica;33
VIII – Vinculabilidade: Por meio dessa característica denota-se que nenhum
princípio constitucional deve ser considerado isolado ou auto-suficiente. A
Constituição é uma lei sistematizada em normas que se encadeiam, coordenam-se,
enlaçam-se e harmonizam-se para adquirir um significado, conjunto, para ser pleno,
inteiro;34
IX – Aderência: Decorre-se que nenhum comportamento estatal ou particular
deverá fugir àquilo posto pelos princípios constitucionais. Essa aderência ocorre
mesmo quando a definição do princípio não é afirmativa positiva (por situar
determinado comportamento individual no espaço de liberdade não restringida pelo
sistema jurídico), mas sim afirmativa negativa, quer-se dizer, não há comportamento
que lhe possa contrariar o preceito;35
X – Informatividade: A informatividade dos princípios constitucionais põe em
destaque a fundamentalidade da Constituição como ordem primeira e primária,
marcando a presença de seu espírito em toda a dimensão sistêmica que se plasma
no ordenamento jurídico de uma sociedade estatal;36
XI – Complementariedade: Diante da complementariedade dos princípios, uns
condicionam os outros. O seu entendimento perfeito é sempre uma inteligência
extraída de todos eles, do entrosamento que deles se retire;37
XII – Normatividade Jurídica – Última característica mencionada pela citada
jurista e também a de maior relevo no contexto do presente estudo, a normatividade
jurídica dos princípios constitucionais afere-os o status de norma, de norma de
direito, de juridicidade. Seus preceitos são diferenciados das demais normas
jurídicas, daí a distinção entre regras e princípios, o que não significa afirmar que
seu grau de imperatividade é diferenciado; os princípios constitucionais são normas
como qualquer outra, porém com uma natureza peculiar que os distinguem.
Constatam-se, dessa forma, as várias características que se podem atribuir
aos princípios.

33
ROCHA, Carmem Lúcia. Princípios constitucionais da administração pública, p. 39.
34
ROCHA, Carmem Lúcia. Princípios constitucionais da administração pública, p. 39.
35
ROCHA, Carmem Lúcia. Princípios constitucionais da administração pública, p. 40.
36
ROCHA, Carmem Lúcia. Princípios constitucionais da administração pública, p. 41.
37
ROCHA, Carmem Lúcia. Princípios constitucionais da administração pública, p. 41.
13

1.2.4. Modalidades de eficácia

Eficácia é um atributo associado às normas e consiste na consequência


jurídica que deve resultar de sua observância, podendo ser judicialmente exigida se
necessário. As diferentes modalidades de eficácia indicam os diferentes tipos de
comportamento exigíveis em face de um princípio.
A eficácia jurídica de um princípio vincula-se à sua normatividade, o que no
caso dos princípios trata-se de um fenômeno recente, daí a dificuldade que surge
em se apontar os efeitos pelos quais surgem mediante a aplicação de um princípio.
De qualquer forma, a doutrina tem procurado atribuir aos princípios
determinadas modalidades de eficácia, ora similares às das regras, ora
desenvolvendo modalidades diferenciadas, adaptadas às peculiaridades dos
princípios.
Eficácia positiva ou simétrica é o nome pelo qual se convencionou designar a
eficácia associada à maioria das regras. A aplicação da eficácia positiva aos
princípios ainda é uma construção recente e o seu objetivo, seja aplicável às regras
ou aos princípios é o mesmo, quer seja, reconhecer ao beneficiário da norma, ou
àquele que deveria ser atingido pela realização de seus efeitos, direito subjetivo a
esses efeitos, de modo que lhe seja garantida a tutela específica da situação
contemplada no texto legal.38
Barroso e Barcelos assim destacam as conseqüências derivadas da
inocorrência dos efeitos de um princípio com eficácia simétrica:

Ou seja: se os efeitos pretendidos pelo princípio constitucional não


ocorreram – tenha a norma sido violada por ação ou omissão –, a
eficácia positiva ou simétrica pretende assegurar ao interessado a
possibilidade de exigi-los diretamente, na via judicial se necessário.
Como se vê, um pressuposto para o funcionamento adequado dessa
modalidade de eficácia é a identificação precisa dos efeitos
pretendidos por cada princípio constitucional.39

Destarte, a característica essencial desta modalidade de eficácia consiste mo


fato dela se assemelhar com aquela conferida às regras.

38
BARROSO e BARCELOS. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito
brasileiro. Disponível em: <http://www.buscalegis/index.php/ buscalegis/article/.../30571>.
39
BARROSO e BARCELOS. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito
brasileiro. Disponível em: <http://www.buscalegis/index.php/ buscalegis/article/.../30571>.
14

Eficácia interpretativa é aquela em que se exige que as normas de hierarquia


inferior sejam interpretadas de acordo as de hierarquia superior a que estão
vinculadas. Pode ocorrer entre leis e seus regulamentos e entre normas
constitucionais e a ordem infraconstitucional como um todo.

A eficácia dos princípios constitucionais, nessa acepção, consiste em


orientar a interpretação das regras em geral (constitucionais e
infraconstitucionais), para que o interprete faça a opção, dentre as
possíveis exegeses para o caso, por aquela que realiza melhor o
efeito pretendido pelo princípio constitucional pertinente.40

A eficácia negativa autoriza que sejam declaradas inválidas todas as normas


ou atos que contravenham os efeitos pretendidos pela norma. Apesar do fato de que
os efeitos pretendidos pelos princípios possam ser relativamente indeterminados,
existe um núcleo de sentido que torna plenamente viável a modalidade da eficácia
jurídica negativa.41
Assim, por exemplo, se uma determinada empresa estabelece jornada de
trabalho de doze horas diárias, sem direito a repouso e folga semanal, está claro
que, além da afronta das normas constitucionais referentes ao trabalho, viola-se o
princípio da dignidade da pessoa humana.
A eficácia vedativa do retrocesso guarda pertinência com os princípios que
envolvem os direitos fundamentais. Pressupõe os casos em que os princípios são
regulados por meio de normas infraconstitucionais, sendo que, com base no direito
constitucional em vigor, um dos efeitos pretendidos é a progressiva ampliação dos
direitos fundamentais.

Partindo desses pressupostos, o que a vedação do retrocesso


propõe se possa exigir do Judiciário é a invalidação da revogação de
normas que, regulamentando o princípio, concedam ou ampliem
direitos fundamentais, sem que a revogação em questão seja
acompanhada de uma política substitutiva ou equivalente. Isto é: a
invalidade, por inconstitucionalidade, ocorre quando se revoga uma
norma infraconstitucional concessiva de um direito, deixando um
vazio no seu lugar.42

40
BARROSO e BARCELOS. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito
brasileiro. Disponível em: <http://www.buscalegis/index.php/ buscalegis/article/.../30571>.
41
BARROSO e BARCELOS. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito
brasileiro. Disponível em: <http://www.buscalegis/index.php/ buscalegis/article/.../30571>.
42
BARROSO e BARCELOS. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito
brasileiro. Disponível em: <http://www.buscalegis/index.php/buscalegis/article/.../30571>.
15

É bom observar que a questão envolve a pura e simples revogação de uma


norma que dispõe acerca de direitos fundamentais, ocorrendo o esvaziamento do
comando constitucional, como se dispusesse contra ele.
À luz da eficácia dos princípios se vem construindo sua normatividade, porém
deve-se levar em conta que para a eficácia construir o efeito desejado, há de ser
procedida uma identificação cuidadosa dos efeitos pretendidos pelos princípios e
das condutas que realizem o fim indicado pelo princípio ou preservem o bem jurídico
por ele protegido.

1.2.5. Densificação

Densificar significa, em âmbito jurídico-constitucional, significa preencher,


complementar e precisar o espaço normativo de um preceito constitucional,
especialmente carecido de concretização, a fim de tornar possível a solução, por
esse preceito, dos problemas concretos.43
Ainda segundo Lima:

Concretizar o princípio, seguindo a lição de CANOTILHO, é fazer


com que ele chegue até a norma de decisão, ou seja, é fazer com
que o princípio “construa” a norma jurídica concreta, passando de
normas generalíssimas abstratas (dos textos normativos-
constitucionais) a normas concretas de decisão (contextos jurídicos
decisionais).44

Desta feita, tendo em vista concretizar um princípio, o primeiro caminho a ser


percorrido é o decorrente da densificação. Busca-se, por este método, alcançar um
significado coerente para o princípio que lhe faça ser concretizado com o fim de
aplicá-lo ante um caso concreto.
Lima, muito elucidamente, ocupa-se da atividade da densificação:

É de grande importância ter em mente que a densificação não é


tarefa apenas do legislador. De fato, a densificação de um princípio é
uma tarefa complexa, que se inicia com a leitura isolada do texto que

43
LIMA, George Marmelstein. A força normativa dos princípios constitucionais. Disponível em:
<http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto38.doc>.
44
LIMA, George Marmelstein. A força normativa dos princípios constitucionais. Disponível em:
http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto38.doc.
16

enuncia o princípio, passando, em segunda fase, por uma análise


sistemática do texto constitucional, e, a partir daí, buscando os
contornos capazes de preencher o significado do princípio. Esses
“contornos”, portanto, podem ser encontrados tanto no próprio texto
constitucional, quanto na lei, na doutrina, na jurisprudência etc. Ou
seja, a densificação de um princípio é qualquer atividade capaz de
fornecer subsídios hábeis a melhorar a compreensão do significado
da norma.45

Então a aplicação do princípio a um caso real somente ocorrerá se ele for


concretizado, que, por sua vez, se iniciará diante da densificação. Essa densificação
é, pois, tarefa cognitiva, interpretativa.
Magistrais as afirmações de Mendes, Coelho e Branco sobre o processo de
produção de significado dos princípios:

Nesse sentido, pode-se dizer que os princípios jurídicos se produzem


necessariamente em dois tempos e a quatro mãos: primeiro são
formulados genérica e abstratamente pelo legislador; depois se
concretizam, naturalmente, como normas do caso ou normas de
decisão, pelos interpretes e aplicadores do Direito. Ou, se
preferirmos – parafraseando Eduardo Couture -, os princípios são as
regras a longo prazo, porque embora parecem precede-las – como
enganosamente sugere o seu nome – em verdade é delas que eles
vão sendo extraídos e generalizados, pelos juízes e tribunais, ao
constituírem regras de decisão, que lhes permitem realizar a justiça
em sentido material, dando a cada um o que é seu.46

Os elementos expostos tiveram o condão de individualizar e qualificar os


princípios jurídicos, onde se procurou demonstrar a sua situação dentro do Direito e
seu aspecto da normatividade.

1.3. AS GERAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

O primeiro ponto a ser levantado sobre os direitos fundamentais diz respeito à


sua terminologia. Normalmente emprega-se despropositadamente as expressões
„direitos humanos‟, „direitos do homem‟ e „direitos fundamentais‟ para designar a
mesma coisa. Mas qual vem a ser o significado de cada uma dessas expressões?

45
LIMA, George Marmelstein. A força normativa dos princípios constitucionais. Disponível em:
<http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto38.doc.
46
MENDES, COELHO e BRANCO. Curso de direito constitucional, p. 52.
17

“Direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica


como tais.”47 A expressão direitos fundamentais designa aqueles direitos qualificados
como de suprema importância num ordenamento jurídico, geralmente se referindo
aos direitos básicos da pessoa humana.
Mendes, Coelho e Branco assim conceituam os direitos fundamentais:

A locução direitos fundamentais é reservada aos direitos


relacionados com posições básicas das pessoas, inscritos em
diplomas normativos de cada Estado. São direitos que vigem numa
ordem jurídica concreta, sendo, por isso, garantidos e limitados no
espaço e no tempo – pois são assegurados na medida em que cada
Estado os consagra.48

De outra parte, a expressão „direitos humanos‟, ou „direitos do homem‟, é


reservada para aquelas reivindicações de perene respeito a certas posições
essenciais ao homem. São postulados em bases jusnaturalistas, contém índole
filosófica e não possuem como característica básica a positivação numa ordem
jurídica particular. Por conta de sua vocalização universalista, supranacional, é
empregada para designar pretensões de respeito à pessoa humana, inseridas em
tratados e em outros documentos de direito internacional.49
Na análise das gerações de direitos fundamentais deve-se levar em conta o
seu caráter histórico-evolutivo, ou seja, “os direitos fundamentais são um conjunto
de faculdades e instituições que somente fazem sentido num determinado contexto
histórico”50, bem como esses direitos podem ser proclamados em certas épocas,
desaparecer em outras, ou modificar no tempo.
Bobbio constata que os direitos não nascem todos de uma vez:

Nascem quando devem ou quando podem nascer. Nascem quando o


aumento de poder do homem sobre o homem cria novas ameaças à
liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas
indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de
limitação de poder; remédios que são providenciados através da
exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor.51

47
BONAVIDES, Paulo – Curso de direito constitucional, p. 560.
48
MENDES, COELHO E BRANCO – Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, p.125.
49
MENDES, COELHO E BRANCO – Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, p.125.
50
MENDES, COELHO E BRANCO – Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, p.121.
51
BOBBIO, Norberto – A era dos direitos, p. 06.
18

Percebe-se, desse jeito, que os direitos fundamentais não são


compartimentos estanques muito menos intrínsecos ao ser humano, podendo sofrer
variações decorrentes das necessidades e aspirações sociais, assim como do
regime adotado por determinado Estado.
Procurou-se, ao longo da história, encontrar alguma noção que justificasse a
existência destes ditos direitos fundamentais. O problema reside no fato de existirem
diversas vertentes filosófico-jurídicas disputando a justificativa dos direitos humanos.
Mendes, Coelho e Branco destacam que:

Para os jusnaturalistas, os direitos do homem são imperativos do


direito natural, anteriores e superiores à vontade do Estado. Já para
os positivistas, os direitos do homem são faculdades outorgadas pela
lei e reguladas por ela. Para os idealistas, os direitos humanos são
idéias, princípios abstratos que a realidade vai colhendo ao longo do
tempo, ao passo que, para os realistas, seriam o resultado direito de
lutas sociais e políticas.52

Pois bem, a consciência da dificuldade de harmonizar as muitas concepções


leva alguns autores a recusar a utilidade do estudo da fundamentalidade dos direitos
fundamentais, sob o argumento que o problema mais premente está na necessidade
de encontrar formulas para protegê-los.
Bobbio ressalta o caráter ilusório de se buscar um fundamento absoluto para
os direitos fundamentais. Destaca o autor que a tentativa de fixar um fundamento
absoluto para os direitos fundamentais seria contraproducente ao próprio
desenvolvimento desses direitos. Registra que o fundamento absoluto dos direitos
fundamentais muitas vezes representa um pretexto para defender posições
conservadoras.

Dois direitos fundamentais, mas antinômicos, não podem ter, um e


outro, um fundamento absoluto, ou seja, um fundamento que torne
um direito e o seu oposto, ambos, inquestionáveis e irresistíveis.
Aliás, vale a pena recordar que, historicamente, a ilusão do
fundamento absoluto de alguns direitos estabelecidos foi um
obstáculo à introdução de novos direitos, total ou parcialmente
incompatíveis com aqueles. Basta pensar nos empecilhos colocados
ao progresso da legislação social pela teoria jusnaturalista do
fundamento absoluto da propriedade: a oposição quase secular
contra a introdução dos direitos sociais foi feita em nome do
fundamento absoluto dos direitos de liberdade. O fundamento

52
MENDES, COELHO E BRANCO – Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, p.113.
19

absoluto não é apenas ilusão; em alguns casos, é também pretexto


para defender posições conservadoras.53

Esclarecidas essas questões atinentes aos direitos fundamentais, cumpre


agora perquirir a sua trajetória histórico-evolutiva.

1.3.1. Os direitos fundamentais de primeira geração

Os primeiros direitos fundamentais, ou seja, os de primeira geração foram os


direitos de liberdade. Eles se desenvolveram em duas fases relevantes. Primeiro,
com o advento do Cristianismo, situação em que o sentido de liberdade ampliou-se,
uma vez que na antiguidade liberdade representava apenas a faculdade de exercer
os direitos políticos do cidadão. Passou-se a entender liberdade como a realização
da vida pessoal.
A doutrina do cristianismo configura o antecedente básico dos direitos
humanos. Santo Tomás de Aquino, seu principal escolástico, defendia a concepção
de que os homens, por serem criados à imagem e semelhança de Deus, possuem
alto valor intrínseco e uma liberdade inerente à sua natureza, razão pela qual
dispõem de direitos que devem ser respeitados por todos e pela sociedade política.
Santo Tomás de Aquino defendia um direito natural fundado na ideia do homem
como criatura feita à semelhança de Deus e dotado de especiais qualidades. Esse
direito subordinava o direito positivo e a discrepância entre um e outro autorizava o
direito de resistência frente ao súdito. 54
As teorias contratualistas ganham relevo na formação dos direitos de primeira
geração, principalmente nos séculos XVII e XVIII, para acentuar que os soberanos
deveriam exercer a sua autoridade com submissão ao direito natural. Decorria daí a
primazia do indivíduo sobre o Estado.55
Os primeiros documentos históricos a fazerem referência aos direitos dos
indivíduos são a Magna Carta, de 1215, o Petition of Rights, de 1628, o Habeas
Corpus Act, de 1679 e o Bill of Rights de 1689. O ponto fulcral do desenvolvimento
dos direitos fundamentais se deu com a Declaração de Virginia de 1776 e a francesa
de 1789.56

53
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 15.
54
MENDES, COELHO E BRANCO – Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, p.105.
55
MENDES, COELHO E BRANCO – Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, p.105.
56
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 562-563.
20

Bobbio explana acerca da primazia do indivíduo sobre o Estado, teoria que


inspirou o desenvolvimento dos direitos fundamentais:

A afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical visão de


perspectiva, característica da formação do Estado moderno, na
representação da relação política, ou seja, na relação entre
Estado/cidadão ou soberano/súditos: relação que é encarada, cada
vez mais, do ponto de vista dos direitos dos cidadãos não mais
súditos, e não do ponto de vista dos direitos do soberano, em
correspondência com a visão individualista da sociedade (...) no
início da idade moderna.57

Assim, os direitos de primeira geração são os direitos de liberdade, os


primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional; são os direitos civis
e políticos, que correspondem em grande parte, por um prisma histórico, à fase
inaugural do constitucionalismo do Ocidente. Têm por titular o indivíduo, são
oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdade ou atributos da pessoa e
ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos
de resistência ou de oposição perante o Estado.58

1.3.2. Os direitos fundamentais de segunda geração

Os direitos fundamentais de segunda geração tiveram sua origem marcada


por conta de movimentos antiliberais, onde se questionava o absenteísmo do Estado
ante os problemas sociais que surgiram por conta do sistema de exploração do
capitalismo.
A ideia, ínsita ao Estado liberal, da separação Estado-sociedade é reavaliada,
dando surgimento ao entendimento de que o Estado deve prover para que a
sociedade logre a superar as suas angústias estruturais. Daí em diante estabeleceu-
se progressivamente pelos Estados os seguros sociais mais variados como, por
exemplo, a previdência social e de saúde.59 Contribuíram, também, às grandes
guerras, ocasião em que o Estado teve que intervir na vida econômica e social.

57
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 04.
58
BONAVIDES, Paulo – Curso de direito constitucional, p. 563-564.
59
MENDES, COELHO E BRANCO – Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, p.110.
21

O Estado passa a se orientar por motivações e objetivos de justiça social. “O


princípio da igualdade de fato ganha realce nesta segunda geração de direitos
fundamentais.”60
Os direitos de segunda geração são, pois, os direitos sociais, culturais e
econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletivizados.
Primeiramente, os direitos de segunda geração passaram por um ciclo de
baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua natureza que
exige do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por
exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos.61
De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à esfera
programática, pelo motivo de não conterem, para a sua concretização, aquelas
garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção
aos direitos da liberdade. Atravessaram uma crise de observância e execução, cujo
fim parece estar próximo, a partir do momento em que as recentes constituições,
incluindo-se aí a brasileira, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos
direitos fundamentais.62
Desse norte, os direitos fundamentais de segunda geração tendem a se
tornar tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra,
considerando que não poderão ser descumpridos ou ter sua eficácia recusada com
aquela facilidade de argumentação arrimada no caráter programático da norma. 63

1.3.3. Os direitos fundamentais de terceira geração

Os direitos fundamentais de terceira dimensão advieram a partir da


consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas
ou em fase de precário desenvolvimento. Trata-se de direitos assentados sobre a
fraternidade, são providos de uma latitude que não parece compreender unicamente
a proteção específica de direitos individuais ou coletivos.64
“Os direitos de terceira geração dirigem-se à proteção, não do homem
isoladamente, mas de coletividades, de grupos, sendo direitos de titularidade difusa

60
MENDES, COELHO E BRANCO – Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, p.110.
61
BONAVIDES, Paulo – Curso de direito constitucional, p. 564.
62
BONAVIDES, Paulo – Curso de direito constitucional, p. 564.
63
BONAVIDES, Paulo – Curso de direito constitucional, p. 564.
64
BONAVIDES, Paulo – Curso de direito constitucional, p.569.
22

ou coletiva.”65 Bonavides, inspirado na teoria de Vasak e outros doutrinadores,


identifica cinco direitos de terceira geração, a saber:

A teoria, com Vasak e outros, já identificou cinco direitos de


fraternidade, ou seja, da terceira geração: o direito ao
desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito
de propriedade sobre o patrimônio cultural da humanidade e o direito
de comunicação.66

Cumpre insistir que esse rol não é taxativo, podendo haver outros na medida
em que a sociedade se desenvolve.

1.3.4. Os direitos fundamentais de quarta geração

Os direitos fundamentais de quarta geração surgem diante da globalização


política. Referem-se à globalização dos direitos fundamentais.
Atualmente vive-se o período da globalização do neoliberalismo, extraída da
globalização econômica. Sua filosofia do poder é negativa e se move, de certa
forma, rumo à dissolução do Estado nacional, afrouxando e debilitando os laços de
soberania e, ao mesmo tempo, doutrinando uma falsa despolitização da sociedade.67
Nesse ponto, a única globalização política que interessa à camada mais
pobre da sociedade é a globalização dos direitos fundamentais. Pela teoria dos
direitos fundamentais, aufere-se legitimação e humanidade a esse movimento
político que domina os dias atuais.
Bonavides assim discorre sobre os direitos de quarta geração:

São direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à


informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização
da sociedade aberta para o futuro, em dimensão de máxima
universalidade, para a qual o mundo parece inclinar-se no plano de
todas as relações de convivência.
(...) Daqui se pode, assim, partir para a asserção de que os direitos
da segunda, da terceira e da quarta gerações não se interpretam,
concretizam-se. É na esteira dessa concretização que reside o futuro
da globalização política, o seu princípio de legitimidade, a força
incorporadora de seus valores de libertação.68

65
MENDES, COELHO E BRANCO – Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, p.111.
66
BONAVIDES, Paulo – Curso de direito constitucional, p. 569.
67
BONAVIDES, Paulo – Curso de direito constitucional, p. 570-571.
68
BONAVIDES, Paulo – Curso de direito constitucional, p. 572.
23

A propósito, Mendes, Coelho e Branco afirmam que:

Os direitos fundamentais são hoje o parâmetro de aferição do grau


de democracia de uma sociedade. Ao mesmo tempo, a sociedade
democrática é condição imprescindível para a eficácia dos direitos
fundamentais. Direitos fundamentais eficazes e democráticos são
conceitos indissociáveis, não subsistindo aqueles fora do contexto
desse regime político.69

Infere-se, então, que os direitos fundamentais de quarta geração compendiam


o futuro da cidadania e legitimam o fenômeno da globalização política.
Ainda no tocante aos direitos fundamentais, útil se faz a menção sobre o
termo gerações de direitos fundamentais. Este termo é amplamente adotado pela
doutrina, tendo como seu autor Norberto Bobbio, em “A era dos direitos”. Mas,
cumpre fazer alguns esclarecimentos a cerca da terminologia, para que seu
emprego não conduza a erros.
Mendes, Coelho e Branco advertem que a visão dos direitos fundamentais em
termos de gerações indica o caráter cumulativo da evolução desses direitos no
tempo. Os direitos devem ser vistos num contexto de unidade e indivisibilidade.
“Cada direito de cada geração interage com o das outras e, nesse processo, dá-se a
compreensão.”70
Bonavides explica as implicações desse equívoco de linguagem:

Força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o


vocábulo “dimensão” substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o
termo “geração”, caso este último venha a induzir apenas sucessão
cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das
gerações anteriores, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos
de primeira geração, direitos individuais, os de segunda, direitos
sociais, e os de terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio
ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-
estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia;
coroamento daquela globalização política para a qual, como no
provérbio chinês da grande muralha, a Humanidade parece caminhar
a todo vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo.71

69
MENDES, COELHO E BRANCO – Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, p.104.
70
MENDES, COELHO E BRANCO – Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, p.113.
71
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 571-572.
24

Estas são, portanto, as gerações de direitos fundamentais, entendidas como a


trajetória histórico-evolutiva percorrida pelos direitos fundamentais rumo aos
avanços que podem ser constatados nos dias de hoje, ao menos doutrinariamente.

1.4. A EVOLUÇÃO DA NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS

Os princípios jurídicos, antes de atingirem seu ápice normativo, quando


passaram a ser incorporados como normas fundamentais em todas as constituições
modernas, percorreram três distintas fases de juridicidade: o jusnaturalismo, o
positivismo e o pós-positivismo.
Os princípios tiveram sua origem na fase jusnaturalista. Nessa fase, os
princípios possuíam natureza abstrata e metafísica, eram carentes de
normatividade, e seus preceitos espelhavam os postulados oriundos da concepção
de justiça.
A ideia de direito natural, cujo conceito de “natureza das coisas” regia seus
postulados, era o fator a determinar a natureza então abstrata e metafísica dos
princípios jurídicos.
Acerca de sua natureza, os princípios não expressavam mais do que „normas
universais de bem obrar‟72, eram o chamado de „carta de boas intenções‟73.
Representavam as disposições que consignavam os valores ou axiomas jurídicos.
Destarte, sua normatividade era carente ou quase nula, bem como seu
conteúdo era subordinado àquele em que visto o direito natural. Eles existiam para
expressar os direitos fundamentais do homem, mas nem sempre cumpriam o seu
desiderato, visto que eram facilmente manipuláveis pelas classes dominantes.
A fase jusnaturalista dominou a dogmática dos princípios por um longo
período até o advento da Escola histórica do direito. Essa doutrina precede o
positivismo jurídico, sendo que pregava o direito natural não como um sistema
normativo autossuficiente, separado do direito positivo, e sim como um conjunto de
considerações filosóficas sobre o positivismo. Seu surgimento se deu ao final do
século XVIII, na Alemanha.
Já no século XIX é inaugurada a fase do positivismo jurídico. Nela, o direito é
concebido sob concepção monista, identificando o direito com o Estado, apontado
como o detentor exclusivo da monopolização da produção normativa. Segundo
72
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 261.
73
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 261.
25

Bobbio positivismo “é aquela doutrina segundo a qual não existe outro direito senão
o positivo.”74 Nítida é sua posição oposta ao jusnaturalismo.
Durante a fase positivista, os princípios jurídicos equivaliam aos princípios
que informam o direito positivo, ou seja, nessa fase os princípios eram encarados
como direito.
Bonavides, em citação extraída da obra de J. Arce y Flórez Valdés,
acrescenta:

Esses princípios – acrescenta literalmente o mesmo autor – se


induzem por via de abstração ou de sucessivas generalizações, do
próprio do Direito Positivo, de suas regras particulares (...). Os
princípios, com efeito – prossegue – já estão dentro do Direito
Positivo e, por ser este um sistema coerente, podem ser inferidos do
mesmo. Seu valor lhes vem – conclui – não de serem ditados pela
razão ou por constituírem um Direito Natural ou ideal, senão por
derivarem das próprias leis.75

Observa-se, portanto, que os princípios nessa fase ainda carecem de


normatividade, a considerar que eles decorrem precipuamente das regras
elaboradas pelo legislador na formulação do direito. Era característica do positivismo
se imbuir apenas de regras, formando um sistema jurídico fechado.
Dentro desse contexto, cumpre extrair as observações de Bobbio sobre o viés
normativo dos princípios:

Os princípios gerais são, a meu ver, normas fundamentais ou


generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. O nome
princípios induz em engano, tanto que é velha questão entre juristas
se os princípios são ou não normas. Pra mim não há dúvida: os
princípios gerais são normas como todas as demais. E esta é a tese
sustentada também pelo estudioso que mais amplamente se ocupou
da problemática, ou seja, Crisafulli. Para sustentar que os princípios
gerais são normas os argumentos vêm a ser dois e ambos válidos:
antes de tudo, se são normas aquelas das quais os princípios gerais
são extraídos, através de um processo de generalização sucessiva,
não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio
de espécies animais obtenho sempre animais, e não flores ou
estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são abstraídos e
adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas, isto
é, a função de regular um caso. Para regular um comportamento não
regulado, é claro: mas agora servem ao mesmo fim para que servem
as normas expressas. E por que então não deveriam ser normas?76

74
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito, p. 26.
75
BONAVIDES, PAULO. Curso de direito constitucional, p. 263.
76
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 182-183.
26

Dessa forma, os princípios jurídicos eram como válvulas de segurança do


direito, tinham utilidade para suprir as lacunas deixadas pela lei. Uma norma que
exemplifica bem essa situação no Brasil é o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código
Civil, de 1942, onde diz: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo
com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.”77
Por derradeiro, em meados do século XX, diante dos grandes momentos
constituintes daquela época, tendo como percussora a constituição alemã de 1949,
inaugura-se a fase do pós-positivismo, ocasião em que, enfim, os princípios passam
a ocupar os textos das constituições, “convertendo-se no pedestal normativo sobre o
qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais.”78
Devido ao trabalho de expressivos juristas, como o do americano Dworkin e o
publicista alemão Alexy, é que a doutrina do pós-positivismo ganha assento, cuja
característica principal reside na normatividade dos princípios.
É com o pós-positivismo que tanto a doutrina do direito natural quanto a do
velho positivismo ortodoxo vêm abaixo, sofrendo duras críticas em cima de seus
postulados. As críticas consistem basicamente na incompatibilidade dessas
doutrinas com a normatividade dos princípios, assim como pela falta de
consideração axiológica e fundamentação do ordenamento jurídico.
Essa fase inaugura uma época em que os valores e os fundamentos do
ordenamento jurídico são buscados dentro do direito, por meio dos princípios, que,
por sua vez, consistem na principal fonte normativa das constituições, uma vez que
impregnam em si os fundamentos da ordem jurídica.
Por conseguinte, os princípios possuem a virtude de impor obrigações legais
da mesma forma que as regras, sendo que não é crível a interpretação de qualquer
regra em contraposição ao espírito do princípio que a inspira e anima.
Destarte, os princípios saem dos códigos em que possuíam a função de
colmatadores de lacunas e passam a integrar os textos constitucionais,
transformando-se, dessa forma, na principal fonte normativa da ordem jurídica.
Incrementa-se, nesse processo, a força normativa da constituição, bem como
reafirma o compromisso do direito em concretizar os valores predominantes na
sociedade e os direitos fundamentais do homem.

77
BRASIL. Decreto-Lei nº 4.707, 04 de setembro de 1942. Dispõe sobre a vigência da Lei de
Introdução ao Código Civil
78
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 264.
27

Em relação aos direitos fundamentais, tendo a constituição ou tratados e


convenções internacionais disposto sobre eles, ainda que de forma indireta ou
programática, impõe-se a sua concretização, visto o caráter normativo dos princípios
constitucionais e sua envergadura como disposições fundamentais do sistema.
De modo que, a princípio, não subsistem as escusas por parte do Estado e
dos particulares em cumprir com os princípios constitucionais, sob as alegações de
que eles se constituem apenas em fins a serem perseguidos ou valores a inspirar a
mente do jurista. Isto significa que as políticas públicas estatais, bem como todo o
aparato social devem adaptar-se aos preceitos constitucionais e não o contrário, de
forma a otimizar a aplicação dos princípios fundamentais.
De igual maneira dispõe a nossa Constituição Federal de 198879, em seu
artigo 5º, §1º: “§1º. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata.”80
Essa foi a trajetória percorrida pelos princípios jurídicos rumo à sua
normatividade. Em conclusão, Bonavides destaca que:

(...) A teoria dos princípios chega à presente fase do pós-positivismo


com os seguintes resultados já consolidados: a passagem dos
princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo
concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade
normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista (a sua antiga
inserção nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas
Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e
normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para
o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade;
a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento
definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das
Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies
diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima
de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus
efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios.81

Mediante essa evolução de cunho histórico os princípios tornaram-se um dos


pilares para a compreensão e aplicação do direito.

79
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
80
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
81
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 294.
28

1.5. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O MÍNIMO


EXISTENCIAL

O conceito de dignidade da pessoa humana é um conceito em permanente


construção, haja vista as dificuldades encontradas na sua delimitação e significado.
Tem origem filosófica, e encontra muitas aplicações práticas na seara do direito, pois
que serve de vetor para a interpretação e efetivação dos direitos fundamentais.
Quem primeiramente tentou explorar o significado de dignidade foi Imanuel
Kant, no século XVIII, que partia do pressuposto de que o homem não pode ser
tratado como um objeto, como um meio para atingir determinado fim. Aduz que o
homem, racional por natureza e autônomo, deve ser um fim em si mesmo,
diferentemente dos animais ou objetos que possuem um preço equivalente.
Rocha bem expõe a doutrina de Kant a respeito da dignidade:

Para Kant, o grande filósofo da dignidade; a pessoa (o homem) é um


fim, nunca um meio; como tal, sujeito de fins e que é um fim em si,
deve tratar a si mesmo e ao outro. Aquele filósofo distinguiu no
mundo o que tem um preço e o que tem uma dignidade. O preço é
conferido àquilo que se pode aquilatar, avaliar até mesmo para sua
substituição ou troca por outra de igual valor e cuidado; daí porque
há uma relatividade deste elemento ou bem, uma vez que ele é meio
de que se há valer para se obter uma finalidade definida. Sendo
meio, pode ser rendido por outro de igual valor e forma, suprindo-se
de idêntico modo a precisão a realizar o fim almejado.82

Em que pese sua formulação filosófica, a dignidade da pessoa humana só


ganhou positividade após a Segunda Guerra Mundial, ocasião em que a coisificação
do homem se mostrou mais evidente diante das atrocidades cometidas pelo regime
nazista.

Tendo sede na filosofia, o conceito de dignidade da pessoa humana


ganhou foros de juridicidade positiva e impositiva como uma reação a
práticas políticas nazi-fascistas desde a Segunda Guerra Mundial,
tornando-se, agora, nos estertores do século XX, uma garantia
contra as práticas econômicas identicamente nazi-fascistas, levadas
a efeito a partir da propagação do capitalismo canibalista liberal
globalizante sobre o qual se discursa e sobre o qual praticam atos
governativos submissos ao mercado; um mercado que busca
substituir o Estado de Direito pelo não Estado, ou, pelo menos, pelo

82
ROCHA, Carmem Lúcia – O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Artigo
publicado na Revista do instituto brasileiro de direitos humanos, volume II, p. 48.
29

Estado do não-Direito, que busca transformar o Estado Democrático


dos direitos sociais em Estado autoritário sem direitos.83

Constata-se, dessa forma, que a dignidade da pessoa humana, nos dias


atuais, ainda conta com baixa eficácia, dessa vez oriunda de desigualdades sociais,
inefetiva atuação estatal e das práticas econômicas provindas do neoliberalismo
econômico.
Mediante a conversão de conceito filosófico a princípio jurídico, a dignidade
da pessoa humana tornou-se uma nova forma de o Direito considerar o homem e o
que dele, com ele e por ele se pode fazer numa sociedade política. Por força da
juridicização daquele conceito, o próprio direito foi repensado, reelaborado e
diversamente aplicadas foram suas normas, especialmente pelos Tribunais
constitucionais.84
O princípio da dignidade da pessoa humana, destarte, tem implicação em
todas as partes do direito onde se possa haver violação da dignidade humana,
como, por exemplo, nos direitos sociais, no direito penal, no direito civil etc.
Rocha retrata os efeitos da constitucionalização do princípio da dignidade da
pessoa humana:

A constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana


não retrata apenas uma modificação parcial dos textos fundamentais
dos Estados contemporâneos. Antes, traduz-se ali um novo momento
do conteúdo do direito, o qual tem sua vertente no valor supremo da
pessoa humana, considerada em sua dignidade incontornável,
inquestionável e impositiva, e uma nova concepção de Constituição,
pois a partir do acolhimento daquele valor tornado princípio em seu
sistema de normas fundamentais, mudou-se o modelo jurídico-
constitucional que passa, então, de um paradigma de preceitos,
antes vigentes, para um figurino normativo de princípios.85

Este princípio é posto, de maneira inédita, no texto do art. 1º, III, da


Constituição Federal de 1988, uma vez que os textos constitucionais anteriores não
contemplavam aquele princípio. É posto como fundamento do Estado Democrático
de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil.

83
ROCHA, Carmem Lúcia – O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Artigo
publicado na Revista do instituto brasileiro de direitos humanos, volume II, p. 47.
84
ROCHA, Carmem Lúcia – O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Artigo
publicado na Revista do instituto brasileiro de direitos humanos, volume II, p. 49.
85
ROCHA, Carmem Lúcia – O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Artigo
publicado na Revista do instituto brasileiro de direitos humanos, volume II, p. 51.
30

A expressão daquele princípio como fundamento do Estado do Brasil


quer significar, pois, que esse existe para o homem, para assegurar
condições políticas, sociais, econômicas e jurídicas que permita que
ele atinja os seus fins; que o seu fim é o homem, como fim em si
mesmo que é, quer dizer, como sujeito de dignidade, de razão digna
e supremamente posta cima de todos os bens e coisas, inclusive do
próprio Estado.86

Pois bem, as implicações disso decorrem que o Estado deve ser o principal
garantidor da dignidade da pessoa humana, principalmente diante de sua
configuração como Estado social. As políticas públicas, os tributos arrecadados, a
atuação de seus agentes públicos devem ter como fim o ser humano. O que vem
ocorrendo atualmente, em amplitude mundial, é o que o Estado vem favorecendo as
corporações econômicas em detrimento à pessoa humana, ou o que é pior – essas
corporações vêm influindo no modo de ser dos Estados para verem atendidos seus
próprios interesses.

O Estado somente é democrático, em sua concepção,


constitucionalização e atuação, quando respeita o princípio da
dignidade da pessoa humana. Não há verbo constitucional, não há
verba governamental que se façam legítimos quando não se voltem
ao atendimento daquele princípio. Não há verdade constitucional,
não há suporte institucional para políticas públicas que não sejam
destinadas ao pleno cumprimento daquele valor maior transformado
em princípio constitucional.87

Talvez com o intuito de balizar o princípio da dignidade da pessoa humana,


para que ele não seja atribuído em excesso de modo a desequilibrar o Estado nem
seja atribuído ao mínimo de forma a violar o princípio, tenha surgido o conceito de
mínimo existencial.
As formulações em torno do mínimo existencial expressam que este
apresenta uma vertente garantista e uma vertente prestacional. A vertente garantista
impede agressão do direito, isto é, requer cedência de outros direitos ou deveres
(pagar impostos, por exemplo) para a garantia de meios que satisfaçam as mínimas
condições de vivência digna da pessoa ou da sua família. A feição prestacional tem

86
ROCHA, Carmem Lúcia – O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Artigo
publicado na Revista do instituto brasileiro de direitos humanos, volume II, p. 52.
87
ROCHA, Carmem Lúcia – O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Artigo
publicado na Revista do instituto brasileiro de direitos humanos, volume II, p. 54.
31

caráter de direito social, exigível frente ao Estado. Deve-se equacionar esse mínimo
de forma a revelar a aptidão de se cumprir os desideratos do Estado Democrático de
Direito.
Outra questão referente ao mínimo existencial diz respeito a qual seriam os
direitos mínimos a serem providos para garantir a proteção da dignidade da pessoa
humana. Vencida essa questão, ainda cumpre perquirir e extensão desses direitos a
serem satisfeitos.
Essa discussão tem como pano de fundo a escassez dos recursos do Estado
ante as inúmeras necessidades humanas pendentes de satisfação.
A doutrina normalmente elenca como direitos essenciais ao mínimo
existencial o salário mínimo, a assistência social aos necessitados, a educação, a
previdência social e a saúde básica.
Neste ponto, a especificação do mínimo existencial da dignidade humana não
pode ser um conceito estático, devendo ser objeto de constante evolução conforme
as mudanças da própria sociedade. Porém, não deve ficar apenas na dependência
do que ocorre no seio da sociedade, razão por que a ação estatal deve se conformar
ao desenvolvimento social. Na dignidade da pessoa humana vale o princípio da
vedação do retrocesso social.
Capítulo 2
ESTRUTURA DAS NORMAS JURÍDICAS

2.1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

O presente capítulo ocupa-se da estrutura das normas jurídicas. Trata-se de


se desvendar a importância que o estudo das estruturas das normas jurídicas,
principalmente as constitucionais, tem para a correta interpretação e aplicação do
direito, de modo a assegurar a efetividade do ordenamento jurídico.
Nos estudos de direito constitucional a distinção entre princípios e regras
adquiriu grande relevo doutrinário, sobretudo diante das peculiaridades que
envolvem as normas constitucionais, haja vista serem elas os pilares do
ordenamento jurídico, razão pela qual as normas infraconstitucionais devem guardar
conformidade com o estatuído constitucionalmente. Dessa forma, torna-se claro que
essas normas desempenham funções diferentes, por isso são aplicadas de
maneiras diversas, o que permite indagar sobre a sua estrutura.
Rufino bem delimita a problemática que envolve a distinção entre regras e
princípios:

As distinções entre regras e princípios e entre normas e valores


constituem um dos pilares do constitucionalismo e, dessa forma, são
pressuposto para entender por que, sob o pálio do Estado
constitucional, a idéia de subsunção abre espaço para a de
ponderação; a independência da lei cede lugar à onipresença da
Constituição e, enfim, a autonomia do legislador democrático é
confrontada com a onipotência dos Tribunais Constitucionais.88

Conforme abordado no capítulo anterior, são recentes os estudos que


envolvem os princípios jurídicos, marcados pela ruptura do positivismo jurídico e do
liberalismo, assim como pelo advento do Estado constitucional amplo garantidor de
direitos de várias dimensões, que marca o nascimento de um Estado do bem-estar
social. Em qualquer doutrina de direito constitucional encontram-se conceitos de
princípios e distinção entre princípios e regras, porém, não raras vezes, repleta de

88
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 4.
33

equívocos, o que bota em risco a própria efetividade do ordenamento jurídico, bem


como a apreciações subjetivas dos operadores do direito.
Ávila ressalta esse fenômeno que vem ocorrendo em relação ao estudo dos
princípios:

Hoje, mais do que ontem, importa construir o sentido e delimitar a


função daquelas normas que, sobre prescreverem fins a serem
atingidos, servem de fundamento para a aplicação do ordenamento
constitucional – os princípios jurídicos. É até mesmo plausível afirmar
que a doutrina constitucional vive, hoje, a euforia do que se
convencionou chamar de Estado Principiológico. Importa ressaltar,
no entanto, que notáveis exceções confirmam a regra de que a
euforia do novo terminou por acarretar alguns exageros e problemas
teóricos que têm inibido a própria efetividade do ordenamento
jurídico. Trata-se, em especial e paradoxalmente, da efetividade de
elementos chamados de fundamentais – os princípios jurídicos.
Nesse quadro, algumas questões causam perplexidade.89

Como se vê, a maioria dos estudos que tratam das espécies normativas
carecem de maior aprofundamento, tendo em consideração a relevância do
problema em questão, fundamental para a interpretação e aplicação do direito. A má
apreciação dos princípios leva a conseqüências graves, como a inefetividade dos
direitos ditos fundamentais e também a um retrocesso do direito.
Sobre a banalização da distinção entre princípios e regras, Ávila expõe que:

A distinção entre princípios e regras virou moda. Os trabalhos de


direito público tratam da distinção, com raras exceções, como se ela,
de tão óbvia, dispensasse maiores aprofundamentos. A separação
entre as espécies normativas como que ganha foros de unanimidade.
E a unanimidade termina por semear não mais o conhecimento
crítico das espécies normativas, mas a crença de que elas são dessa
maneira, e pronto.90

Outro motivo que torna imperiosa a análise das estruturas das normas
jurídicas é o que diz respeito às normas de direitos fundamentais. Observa-se que
tais normas possuem um alto grau de indeterminação, o que é contraditório com a
máxima importância dessas normas. Normalmente, as normas infraconstituionais
são determinadas e precisas, de fácil visualização, ao contrário das normas

89
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 23.
90
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 26.
34

constitucionais fundamentais que pecam com seu excesso de generalização,


dependentes, muitas vezes de ponderações e exclusões.
Assim, não é muito difícil que normas inconstitucionais, que afrontam os
direitos fundamentais, máxime aqueles do art. 5º da CRFB/88, se sobreponham aos
direito fundamentais, sendo, aliás, muito comum em nosso país essa situação.
Dessa forma, Rufino discorre que:

As cláusulas pétreas que protegem os direitos fundamentais são,


contraditoriamente, normas vagas, gerais, imprecisas, axiológicas e,
além disso, derrotáveis (defeasible), que abrem amplas margens à
discricionariedade judicial, ficando também vulneráveis aos cálculos
utilitaristas do Estado.91

Completa o citado autor dizendo que “talvez seja possível afirmar que a
garantia dos direitos fundamentais é uma questão de princípio, porém ao mesmo
tempo imprópria de princípios.”92
Essas constatações colocam em dúvida, de certa forma, a eficácia dos
princípios na proteção dos direitos garantidos pela constituição, bem como a sua
prevalência em detrimento das regras.
A doutrina e jurisprudência, em geral, também costumam fazer confusão a
respeito dos conceitos de princípios e valores. De efeito, as normas constitucionais
são impregnadas de valores, na medida em que a constituição alberga os principais
valores aceitos na sociedade. Isso acrescenta uma dificuldade extra na
determinação das normas constitucionais.
O paradoxo ganha contornos claros quando traduzido na tensão figurante
entre o aspecto estrutural-normativo e o aspecto político dos direitos constitucionais.
Considerando a estrutura deficiente e a forte carga axiológica das normas
fundamentais do Estado, tem-se que fatores vários penetram na seara da
argumentação jurídica, envolvendo muitas vezes a moral no jurídico, emprestando à
atividade judicial um caráter inevitavelmente criador. As conseqüências disso quem
lembra é Rufino:

91
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 1.
92
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 1.
35

Nesse contexto, a aparente invasão do direito por técnicas próprias


da argumentação moral – cujo melhor exemplo se encontra na
ponderação de bens e valores – e o conseqüente desequilíbrio
causado na configuração institucional dos Poderes no Estado
Constitucional tornam-se alvos fáceis dos críticos que enxergam em
tal realidade um risco incalculável para a democracia e para a
proteção dos direitos individuais.93

Nesse sentido, interessante a posição dos postulados normativos, que se


situam num plano de metanormas jurídicas, e que orientam os métodos de aplicação
do direito.
O estudo das estruturas das normas jurídicas adquire assento na medida em
que:

A solução contra o possível risco de desproteção dos direitos não


esteja na defesa de uma estrita concepção deontológica dos direitos,
mas na determinação de diferentes comportamentos das normas de
direitos fundamentais no processo de interpretação/aplicação. Dessa
forma, a flexibilidade e a complexidade das normas podem propiciar
uma ampla proteção dos direitos.94

Ao tempo que os princípios surgiram como medida para garantir a efetividade


dos direitos fundamentais estabelecidos na constituição, a taxação de uma norma
como “princípio” ou seu desmesurado uso pode redundar na inefetividade dos
direitos.
O objetivo do presente capítulo é analisar todos os elementos que envolvem a
estrutura das normas jurídicas para, ao final, demonstrar a flexibilidade das normas
constitucionais, ora podendo configurar-se de determinada forma, ora sob outra.
Porém, antes convém efetuar a definição de norma jurídica, para maior
compreensão do assunto.

2.2. DEFINIÇÃO DE NORMA JURÍDICA

Norma jurídica é o meio pelo qual o direito encontra a sua maior


manifestação. O direito não se resume às normas jurídicas formais, mas sem dúvida
ela se qualifica como um elemento jurídico essencial.
93
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 3.
94
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 8.
36

Para Reale norma jurídica é “uma estrutura proposicional enunciativa de uma


forma de organização ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e
obrigatória.”95
Já Canotilho qualifica norma jurídica como “regra jurídica definidora de um
padrão de comportamento ou criadora de esquemas jurídicos para a solução de
conflitos.”96
Mediante essas definições infere-se que a norma jurídica tem um conteúdo
obrigatório.
Sua estrutura é proposicional, pois “seu conteúdo pode ser enunciado
mediante uma ou mais proposições entre si correlacionadas, sendo certo que o
significado pleno de uma regra jurídica só é dado pela integração lógico-
complementar das proposições que nela se contêm.”97
Pode-se afirmar que a norma enuncia formas de organizações ou padrões de
conduta porque se destina a regular as relações humanas dentro da sociedade.
Por fim, cumpre afirmar que a norma jurídica enuncia um dever ser, isso
tendo em vista que nenhuma norma prescreve algo que é, porém algo como deve
ser, considerando a consecução de determinados fins. Para garantir o cumprimento
desses “dever ser” existem as sanções – penalidades que afligem o infrator da
norma jurídica.
A essa altura cabe fazer a distinção entre texto e norma. Sabe-se muito bem
que dentro de uma lei existem diversas normas, ou mesmo dentro de um artigo de
lei ou até de um parágrafo. A norma jurídica não decorre da lei, mas sim da
construção de seu significado; assim, só se pode falar de norma jurídica a partir de
seu significado, a lei constitui-se no objeto da norma. A construção desses
significados se dá por meio da interpretação.
Há normas, no entanto, que nem mesmo decorrem de disposições de lei, mas
de razões outras importantes para a ciência do direito, como exemplo a segurança
jurídica.
Ávila diz o que é norma:

Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos


construídos a partir da interpretação sistemática de textos

95
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 95.
96
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1.107.
97
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 95.
37

normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no


objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado.98

Desta feita, constata-se que o dispositivo é o ponto de partida da


interpretação, que culmina diante do caso concreto, onde o seu sentido é
derradeiramente construído. É na presença do caso concreto que uma norma
encontra seu verdadeiro significado.

2.3. ESTRUTURA DAS NORMAS JURÍDICAS

A doutrina comumente tem apontado como tipos estruturais das normas


jurídicas as regras e os princípios. A construção doutrinária de Humberto Ávila
também leva em conta os postulados normativos.
Neste momento, convém ressaltar que a identificação estrutural de uma
norma jurídica surge pelo processo de interpretação, porque é neste processo que
se fixam os reais ou supostos significados da norma, revelando-a.
Rufino, discorrendo a respeito da teoria da interpretação, aponta a existência
de três tipos: a teoria cognitiva, onde a interpretação é uma limitada atividade de
conhecimento do significado objetivo das disposições normativas (textos) e da
intenção subjetivas de seus autores; a teoria cética, onde o trabalho interpretativo se
constitui não como uma atividade de conhecimento, mas de valoração e decisão, em
que se pressupõe a inexistência de algo como o significado próprio e intrínseco dos
textos normativos, podendo os textos serem compreendidos de diversos modos,
segundo as concepções do interprete; a teoria intermediária busca uma conciliação
entre os dois tipos citados, sustentando que a interpretação pode ser, às vezes, uma
atividade de conhecimento e, outras vezes, uma atividade de decisão discricionária,
o que depende da dificuldade dos textos a serem interpretados, havendo o que se
chama de uma zona de certeza e uma zona de penumbra.99
Por conseguinte, somente na interpretação, com base nas conclusões
extraídas deste processo, é que se pode afirmar que uma norma é uma regra ou
princípio.

98
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 30.
99
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 18-20.
38

Fixadas estas premissas, conveniente partir agora para a distinção dessas


estruturas das normas jurídicas.

2.3.1. Sobre a distinção entre regras e princípios

Os antecedentes históricos que remontam a distinção entre princípios e


regras começam por Josef Esser100 que em um primeiro momento faz a distinção
entre princípio e norma.
Seu estudo surgiu diante de uma série de decisões judiciais anglo-americanas
e europeias que faziam menção aos conceitos de princípios do direito, idéias
diretrizes e pensamentos jurídicos gerais. Neste sentido, o autor fazia críticas ao
positivismo por considerar incompatível a motivação de decisões judiciais com base
nos princípios com a ideia de sistematização do direito concebida pelo positivismo.
Rebatia também a concepção de um direito natural estático, ignorando a importância
dos princípios na atividade criadora da jurisprudência.
Para o autor, o campo de ação dos princípios deveria ser em meio à
jurisprudência, aproximando-o da escola sociológica e do realismo norte americano.

Em suas palavras: “princípios do direito não são elementos estáticos


de uma construção escolástica cerrada, senão topoi, pontos de vista
postos à escolha discricionária da jurisprudência, base autorizada e
legal da argumentação. (...) um princípio jurídico não é um preceito
jurídico, nem uma norma jurídica em sentido técnico, porquanto não
contém nenhuma instrução vinculante de tipo imediato para um
determinado campo de questões (...). Os princípios jurídicos são
conteúdo em oposição à forma”.101

Desta forma, Esser sustenta que os princípios eram conteúdo valorativo a ser
captado pela jurisprudência, a fonte a inspirá-la, não lhe atribuindo destaque além do
meramente argumentativo.
Karl Larenz102, inspirado pela teoria de Esser, considera a existência de
princípios que subjazem a uma determinada regulação jurídica e que são aplicados
pela jurisprudência, ainda que com freqüência sejam desconhecidos ou estejam
ocultos sob uma fundamentação obscura. Em sua definição, os princípios

100
ESSER, Josef. Princípio e norma na elaboração jurisprudencial do direito privado.
101
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 46-47.
102
LARENZ, Karl. Direito justo, fundamentos da ética jurídica.
39

constituem “pensamentos diretores e causas de justificação de uma regulação


jurídica (possível ou efetivamente vigente).”103
Sua referência ao direito justo advém do fato de que os princípios devem
orientar a regulação jurídica na direção do justo e, nesse sentido, constituem a
representação jurídico-positiva dos princípios do Direito Justo.104
O enfoque dado por Larenz na concretização dos princípios é o mesmo dado
por Esser, pelo motivo de que os dois autores consideram que os princípios não
podem ser extraídos da ordem positiva, sendo que o momento próprio de revelá-los
seria apenas no momento da aplicação.
Rufino bem apresenta o ponto comum das teorias dos autores supracitados:

Nestes termos, as teorias de Esser e Larenz encontram-se num


ponto comum: a consideração da existência de princípios que não
fazem parte do ordenamento e que também não são dedutíveis de
um direito natural, mas mesmo assim podem ser positivados e entrar
em processo de concretização, seja por meio de regulação ou
aplicação prática. A principal função desses princípios é auxiliar na
descoberta da decisão justa para o caso concreto.105

Roscoe Pound106 foi outro autor que procurou proceder à distinção entre
princípios e regras, servindo suas teses como um prefácio do pensamento do jurista
norte-americano Ronald Dworkin, principalmente no que se refere às críticas ao
modelo estrito de regras do positivismo.
De acordo com o ideário desse jurista, “o direito seria formado por regras em
sentido estrito, princípios, preceitos que definem concepções e preceitos que
prescrevem critérios (standards).”107
Assim, as regras em sentido estrito “são preceitos que atribuem uma
conseqüência jurídica definida e detalhada a uma situação de fato ou a um estado
de coisas (state of facts) igualmente definido e detalhado.”108

103
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 50.
104
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 52.
105
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 55
106
POUND, ROSCOE. Minha filosofia do direito.
107
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 59
108
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 59.
40

Por outro lado, os princípios são úteis para: servir de ponto de partida para o
raciocínio e fundamentação jurídica, caracterizando-se por não atribuir nenhuma
conseqüência definida e detalhada a um estado de coisas ou situação de fato; não
tendo a regra contemplado uma solução para um caso específico, os princípios
proporcionam a base para o raciocínio e fundamentação jurídica, indicando a
solução a ser tomada; atuar como fonte de reconciliação no caso de conflito entre
regras, fornecendo os meios de sua interpretação.109
Enfim, ultrapassados os antecedentes históricos e menos abordados sobre a
distinção entre princípios e regras, Ronald Dworkin110 e Robert Alexy111 foram os
autores que então disseminaram o estudo sobre os princípios como umas das
estruturas normativas em oposição às regras.
Suas teses se basearam na distinção forte entre princípios e regras, que será
abordada logo a seguir.

2.3.2. Distinção forte ou qualitativa

A distinção forte ou qualitativa entre regras e princípios adota o ponto de vista


as normas jurídicas são regras ou princípios, não havendo qualquer tipo de confusão
em relação a isso.
O marco da distinção forte se deu inicialmente com os estudos de Ronald
Dworkin, em 1967. Seu objetivo inicial era proceder a “um ataque geral ao
positivismo”. O autor estabelece uma distinção entre regras e princípios baseada na
orientação diferenciada que cada norma fornece para as decisões jurídicas. Como
se vê, até em virtude do commom law, o estudo de Dworkin se baseia muito no
direito judiciário.
No modelo de Dworkin, as regras são aplicadas de maneira disjuntiva. Isto
significa que as regras serão aplicadas da maneira do “tudo ou nada”, ou seja, elas
serão aplicadas a determinado caso ou serão inválidas.

As regras são aplicadas á maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos


que uma regra estipula, ou ela é válida, e neste caso a resposta que

109
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 59-60.
110
DWORKIN, Ronald. O modelo das regras e Levando os direitos a sério.
111
ALEXY, Robert. Sobre o conceito de princípios jurídicos. Teoria dos direitos fundamentais.
41

ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada
contribui para a decisão.112

De outro norte, os princípios possuem a “dimensão de peso ou importância”.


Quando dois princípios entram em conflito, deve-se levar em consideração a força
relativa de cada um. Assim, um deles não será levado em conta, o que não significa
sua exclusão do ordenamento jurídico. O intérprete deve questionar que peso ele
tem ou quão importante ele é.113
A teoria dos princípios de Robert Alexy é fundada nos estudos de Dworkin,
porém procura apontar suas falhas e imperfeições. Sua crítica principal reside na
alegação de que os critérios de distinção utilizados pelo jurista norte americano não
atingem o núcleo de diferenciação entre princípios e regras, à medida que não
justifica por que os princípios entram em colisão.
Assim, a teoria de Alexy é composta por três teses fundamentais: a) a tese da
otimização; b) a lei da colisão e c) a lei da ponderação.114
A tese de otimização de Alexy proclama que os princípios se caracterizam
como normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, de
acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Isso significa que o
cumprimento dos princípios, diferente do das regras, pode se dar em diferentes
graus e não depende só das circunstâncias fáticas, mas também das jurídicas. 115
As regras se conformam à teoria do tudo-ou-nada proposta por Dworkin, se
comportando como mandatos definitivos. Desta forma, a lógica da distinção entre
regras e princípios de Alexy se amolda aos termos dos mandatos definitivos e dos
mandatos de otimização.
A lei da colisão procura estabelecer maneira de resolução dos conflitos
pertinentes a duas regras e a dois princípios. Nesse ponto, a lei não diverge daquilo
proposto por Dworkin. No conflito entre duas regras, uma terá que ser declarada
inválida enquanto a outra prevalecerá, resolvendo-se no plano da validez; no conflito
entre princípios, um deles deve ceder ante o outro, não significando isso que o

112
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p. 39.
113
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p. 42-43.
114
CACHICHI, Rogério Cangussu Dantas. A distinção entre princípios e regras como espécies de
normas na obra Teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy, p. 6. Disponível em:
<www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/VOLUME_4/num_2>.
115
CACHICHI, Rogério Cangussu Dantas. A distinção entre princípios e regras como espécies de
normas na obra Teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy, p. 6. Disponível no sítio
<www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/VOLUME_4/num_2>.
42

princípio preterido deverá ser declarado inválido, a prevalência de um princípio sobre


o outro leva em conta as circunstâncias de cada caso, estabelecendo-se entre os
princípios uma relação de precedência condicionada.116
A lei da ponderação surge da conexão entre a teoria dos princípios e o
princípio da proporcionalidade, nos seguintes termos:

“A teoria dos princípios implica o princípio da proporcionalidade e


este implica aquela”. Isso significa que o princípio da
proporcionalidade e seus três subprincípios – adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação
propriamente dita) – decorrem logicamente da teoria dos
princípios.117

Alexy formula a lei da ponderação da seguinte forma: “Quanto maior é o grau


de não-satisfação de um princípio, tanto maior deve ser a importância da satisfação
do outro.”118 Significa dizer que um princípio só poderá não ser satisfeito em sua
máxima medida enquanto o outro princípio sendo satisfeito em determinado grau.
Ainda sobre as origens históricas da distinção entre princípios e regras,
cumpre destacar suas consequências no Direito. Quem se lembra disso é Rufino:

A distinção entre princípios e regras elaborada por Dworkin e


refutada posteriormente por Alexy consolidou a ideia que já vinha
sendo construída desde Pound no contexto norte-americano e Esser
na realidade européia: a de que o direito não é constituído apenas
por regras, mas por princípios, normas que abrem caminho para a
entrada dos valores no direito – como defendido por Radbruch – em
oposição às teses positivistas. A ideia de princípio como norma, e
não mais apenas como mero valor despido de caráter deontológico,
e a consideração do papel exercido por essas normas no sistema e
na argumentação jurídica, adentrou o debate filosófico-jurídico com
tamanha força que fez despertar um novo paradigma, chamado de
pós-positivismo.119

116
CACHICHI, Rogério Cangussu Dantas. A distinção entre princípios e regras como espécies de
normas na obra Teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy, p. 6. Disponível em:
<www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/VOLUME_4/num_2>.
117
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 70.
118
ALEXY, ROBERT. Teoria dos direitos fundamentais, p. 298.
119
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 71-72.
43

Além destes autores citados, Manuel Atienza e Ruiz Manero120 também se


destacam na formulação de uma distinção forte entre regras e princípios. A teoria
deles se baseiam nas distinções estrutural e funcional destas espécies normativas.
Assim, na abordagem destes autores, existem os princípios em sentido
estrito, as diretrizes e as regras. Os princípios em sentido estrito e as regras se
diferenciam porque os primeiros são normas que expressam os valores superiores
de um ordenamento jurídico, enquanto as diretrizes são normas programáticas que
estabelecem objetivos a serem realizados.121
O enfoque estrutural é formulado segundo um esquema condicional, onde
tanto as regras como os princípios correlacionam casos com a qualificação
normativa de uma determinada conduta. A principal diferença entre regras e
princípios sob o prisma estrutural está em que os princípios configuram o caso de
forma aberta, e as regras o fazem de forma fechada.
Já a diferença entre os princípios em sentido estrito e as diretrizes situa-se no
cumprimento pleno daqueles e no cumprimento gradual destas.
Nesta seara, Rufino resumiu as diferenças estruturais das espécies
normativas de Atienza e Manero:

A distinção estrutural entre regras e princípios – e dentro destes,


entre princípios em sentido estrito e diretrizes ou normas
programáticas – pode ser resumida da seguinte maneira: a) as
regras configuram de forma fechada tanto o suporte fático como a
conduta qualificada deonticamente; b) os princípios em sentido
estrito configuram de forma aberta o suporte fático e de forma
fechada a conduta qualificada deonticamente; c) as diretrizes ou
normas programáticas estabelecem de forma aberta tanto o suporte
fático como a conduta qualificada deonticamente.122

O enfoque funcional da distinção entre princípios e regras parte do


pressuposto de que esses dois tipos de normas funcionam como razões para ação.
Dessa forma, as regras são razões para ação peremptórias. Isto significa que,
uma vez preenchidas as condições de aplicação de uma regra, elas devem

120
ATIENZA E MANERO. Sobre princípios e regras.
121
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 72-73.
122
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 76.
44

obrigatoriamente ser observadas (razões de primeira ordem), excluindo seu próprio


juízo acerca das razões a serem aplicadas ao caso (razões de segunda ordem).123
Os princípios em sentido estrito geram razões de correção, as quais operam
como razões últimas na deliberação do destinatário. Quer dizer que, quando um
princípio prevalece sobre outro, ele atua como uma regra de ação, de modo que não
cabe ao destinatário da norma a ponderação entre meios e fins em razão de
interesses opostos protegidos por outros princípios.124
As diretrizes fornecem razões para ação de tipo utilitário, uma vez que
ordenando a consecução de um fim, o destinatário da norma deve realizar a
ponderação entre os meios mais eficazes para a realização desse fim, levando em
conta os interesses opostos protegidos por outras diretrizes que possam vir a ser
afetados.125
Estes foram, portanto, os principais aparatos doutrinários que sustentaram a
distinção forte ou qualitativa entre princípios e regras.

2.3.3. Tese da conformidade ou distinção fraca

A tese da conformidade ou distinção fraca entre regras e princípios surgiu de


duras críticas à tese da demarcação forte capitaneada por Dworkin e Alexy. De
acordo com essa doutrina, a distinção forte mostra-se insustentável a partir do
momento em que certas propriedades normativas podem ser encontradas em
ambos os tipos de normas, o que revela uma fundada dúvida sobre a real
possibilidade de se separar e catalogar as normas entre regras, por um lado, e
princípios, por outro.126

A tarefa de distinguir as regras dos princípios encontra um obstáculo


difícil de ser superado: a constatação de que certas características
estruturais e funcionais supostamente exclusivas das regras podem
ser achadas nos princípios e determinadas propriedades normativas

123
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 78.
124
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 79.
125
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 78.
126
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 90.
45

supostamente encontradas apenas nos princípios podem ser


também atribuídas às regras.127

Os principais expoentes da tese da conformidade, opositora da distinção forte


entre regras e princípios, que na verdade sugerem não haver diferenças estruturais
de normas jurídicas, são Aulis Aarnio128 e Klaus Gunther129.
Aarnio considera que a tentativa de distinguir regras e princípios falha em
quatro níveis de análise: a) o nível da formulação lingüística da norma; b) o nível da
estrutura da norma; c) o nível de validez da norma; d) o nível da posição das normas
na argumentação jurídica.
Em relação à formulação linguística da norma, Aarnio afirma que, do ponto de
vista lingüístico, não há qualquer diferença entre regras e princípios.130 Isto pode ser
observado uma vez que tanto as regras podem ser formuladas de forma vaga,
imprecisa ou genérica, como os princípios podem indicar determinações precisas.
Neste ponto, entre regras e princípios existe uma escala intermediária que
pode dividir-se em quatro partes, que indicam uma escala de graduação que vai das
regras aos princípios: 1) as regras propriamente ditas (R); 2) as regras que são ou
atuam como princípios (RP); 3) os princípios que são ou atuam como regras (PR); 4)
os princípios propriamente ditos.131
No nível de estrutura das normas, não existem diferenças marcantes entre
regras e princípios. O autor sustenta que o caráter deontológico de regras e
princípios é similar. Para isso, valeu-se da formulação de Alexy referente à sua
consideração dos princípios como mandatos de otimização.
Explica que mandato não é um princípio, mas uma regra, que deve ser
seguida ou não; que um mandato não pode ser cumprido de forma gradual, ou se
otimiza ou não se otimiza. Havendo colisão entre dois princípios, ambos somente
podem ser harmonizados de maneira ótima.132

127
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 90.
128
AARNIO, Aulis. Las reglas en serio.
129
GUNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral.
130
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 83.
131
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 83.
132
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 84
46

Quanto ao nível de validez da norma, observa-se não haver diferença entre


regras e princípios em relação à forma que eles estão em vigor no ordenamento
jurídico.
No plano formal de validez, não existe diferença entre as normas, pois todas
são válidas igualmente, possuindo seu fundamento de validade numa mesma regra
de reconhecimento. No plano material de validez, tanto as regras como os princípios
podem ceder diante de outras regras e princípios opostos, sem que tenham de ser
declarados inválidos. “A validez material tanto de regras como de princípios sempre
dependerá da interpretação que leve em conta todos os fatores determinantes do
caso. Só se pode falar de valides material das normas uma vez interpretadas.”133
Sobre o nível de posição das normas na argumentação jurídica, Aarnio
encara as regras e os princípios como razões para justificar uma determinada
decisão.
Para ele, neste ponto também não se pode notar qualquer diferença na
distinção entre as estruturas normativas, sendo que regras e princípios cumprem
papel semelhante na argumentação, tendo em vista que os princípios que são ou
atuam como regras (PR) são razões definitivas e as regras que são ou atuam como
princípios (RP) são razões prima facie.134
Assim, com base nestas premissas, Aarnio conclui não haver qualquer
diferença entre princípios e regras.
Günter, a seu turno, sustenta que a distinção entre regras e princípios se
baseia numa “máxima de conversação”. Explica ele que a diferença consistiria no
tratamento da norma como regra ou como princípio. Destarte, num determinado
caso, a forma de aplicação de uma norma muito se assemelharia à regra, e noutro
caso, se assemelharia ao princípio.135
Deveras, a distinção forte entre princípios e regras não se configura como a
mais adequada para a teoria dos princípios, pois provoca duas inconsistências: uma
de ordem semântica e outra de ordem sintática.136

133
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 85
134
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 85.
135
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 88
136
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 88.
47

A inconsistência semântica ocorre diante da impropriedade da definição de


princípios tendo em vista o modo final de aplicação e no modo de solução de
antinomias. O modo final de aplicação das espécies normativas, se por ponderação
ou subsunção, não é adequado para diferenciá-las, uma vez que essas são
propriedades comuns a todas as normas jurídicas.137
A ponderação das regras pode ser tanto interna quanto externa: se interna,
seu conteúdo semântico é reconstruído na sua hipótese e finalidade que lhe é
subjacente e depende de um confronto entre várias razões em favor de alternativas
interpretativas; se externa, a ponderação ocorre nos casos em que duas regras,
abstratamente harmoniosas, entram em conflito diante do caso concreto sem que a
solução para o conflito envolva a decretação de invalidade de uma das regras.138
Quanto à solução de antinomias, insta ressaltar que o conflito entre regras
não se resolvem exclusivamente por este método, ocorrendo que não raras vezes
podem ser constatados conflitos de regras sendo resolvidos no âmbito da eficácia.
A inconsistência sintática é derivada da semântica e ocorre quando, por
exemplo, uma norma com características comumente atribuídas aos princípios
(ponderação, generalidade, dimensão de peso) é qualificada como regra ou o
inverso.
Um equívoco doutrinário largamente difundido consiste na afirmação de que
descumprir um princípio é mais grave do que descumprir uma regra. Ou melhor, o
descumprimento de normas com características normalmente atribuídas aos
princípios é mais gravoso do que o descumprimento de normas com características
atribuídas às regras. Essa assertiva é incorreta porque as regras têm uma pretensão
de decidibilidade que os princípios não têm: as regras têm a pretensão de oferecer
uma solução provisória para um conflito de interesses já conhecido ou antecipável
pelo Poder Judiciário ao passo que os princípios apenas oferecem razões
complementares para solucionar um conflito futuramente verificável. Instaurar-se-ia a
desordem caso as regras fossem descumpridas a todo tempo.139
Neste norte, outro ponto que produz indagações diz respeito, a saber, qual
norma deve prevalecer diante de um conflito entre regras e princípios de mesma
hierarquia (princípio constitucional contra uma regra constitucional, por exemplo).

137
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 88.
138
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 88.
139
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 90.
48

Com remessa à concepção supracitada, dever-se-ia prevalecer a regra em face do


princípio de mesma hierarquia, porém é oportuno lembrar que sempre há as
chamadas exceções, bem como os casos de difícil elucidação.
Foi visto que a distinção forte entre princípios e regras surgiu de um ataque
ao positivismo, sendo capitaneada por Dworkin e Alexy. Porém, nos termos em que
foi formulada, essa distinção, ao criar modelos rígidos e igualmente fortes de regras
e princípios, acabou por gerar o efeito inverso, em que Rufino logrou em denominar
de “cavalo de Tróia” da distinção entre regras e princípios.
A descoberta dos princípios foi de incalculável importância para evolução do
direito e para a quebra de paradigmas, mas:

As teorias fortes, que tinham por objetivo primordial defender os


princípios e o modelo de interpretação/aplicação que eles
proporcionam, acabaram construindo um conceito de regra muito
mais rígido e formalista do que o conceito positivista ao qual
pretendiam combater.140

Não se olvide, porém, da utilidade desta distinção, não pelos moldes da


distinção forte ou pelo reducionismo da tese da conformidade, o que se leva à
formulação da chamada distinção dúctil entre regras e princípios.

2.3.4. Distinção dúctil

A distinção dúctil entre princípios e regras surge como reação à tese da


conformidade e da distinção forte, que não se mostram totalmente adequadas para
tratar do fenômeno normativo.
Dessa forma, tem-se que a tese da conformidade falha em três aspectos.
Primeiro, trata os enunciados normativos como tópicos cujo conteúdo proposicional
só pode ser definido diante de um caso concreto, caindo num realismo extremo,
visto que antes do processo de interpretação, existiria apenas um conjunto indefinido
de enunciados indiferenciados estruturalmente; segundo, não admite o fato pelo qual
uma norma que ofereça razões prima facie ou razões definitivas pode estar
vinculada, ainda que não necessariamente, à sua estrutura; por último, a tese da
conformidade não considera que uma norma, às vezes, não apresenta dúvida

140
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 90.
49

alguma quanto ao seu enunciado, não admitindo, assim, a existência de casos


fáceis e casos difíceis.141
Em que pese os equívocos da distinção forte e da tese da conformidade, não
se deve abandonar por completo a distinção entre princípios e regras, até porque o
assunto é da maior relevância no contexto de interpretação e aplicação das normas
constitucionais. Para elaborar uma distinção dúctil entre princípios e regras, alguns
fatores devem ser levados em conta, expostos a seguir.
A distinção dúctil, ao contrário das outras teorias, admite uma zona de
graduação entre princípios e regras. Dessa forma, admite-se a existência de uma
zona de penumbra, bem como uma zona de certeza semântica.
A tese da demarcação forte nega a existência da zona de penumbra,
enquanto que a tese da conformidade desconhece uma zona de certeza semântica.

A zona de penumbra e a zona de certeza podem ser representadas


pela escala de graduação entre regras e princípios. A zona de
certeza reside nos extremos dessa escala, onde figuram as regras
(R), de um lado, e os princípios (P), de outro. A zona de penumbra
está na etapa intermediária entre os dois extremos, que é formada
pelas regras que são ou atuam como princípios (RP) e pelos
princípios que são ou atuam como regras (PR).142

Na medida em que se reconhece a zona de certeza e da zona de penumbra,


não se pode negar relevância à distinção entre regras e princípios.
O vínculo dúctil (maleável, flexível) abrange também os aspectos estrutural e
funcional da distinção. “A distinção dúctil, apesar de focar-se primordialmente no
aspecto funcional da distinção, reconhece que certas funções desempenhadas pelas
normas estão vinculadas, ainda que de forma débil, à sua estrutura.”143
Seguindo os conceitos da zona de certeza e da zona de penumbra, pode-se
afirmar que nos casos em que a norma certamente é uma regra (R) ou um princípio
(P), ela encontra-se orientada, de forma débil, pela sua estrutura.
No aspecto funcional, a distinção adquire maior relevo, haja vista as inúmeras
possibilidades que a interpretação e aplicação de uma norma proporcionam.

141
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 108-109.
142
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 112.
143
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 113.
50

Em todo caso, definir se uma norma constitui (deve ser aplicada


como) uma regra ou um princípio é questão de interpretação, muitas
vezes manipulada pelo intérprete com o intuito de atribuir à norma
certos efeitos práticos (independentes de sua estrutura) que
incentivarão mecanismos diferenciados de argumentação úteis para
a solução do caso concreto.144

Para Luis Pietro Sanches145 regras e princípios não constituem duas classes
de normas, mas dois tipos de estratégias interpretativas. As idéias de dimensão de
peso, da aplicação tudo ou nada e dos mandatos de otimização não são
propriedades exclusivas de um tipo de normas, mas técnicas de interpretação
estimuladas, não necessariamente, pela estruturas de certas normas.146
A ideia de derrotabilidade das normas implica que ela está sujeita a exceções
(implícitas) que não podem ser exaustivamente identificadas previamente, não
sendo possível antecipar quais as circunstâncias que serão determinantes e
suficientes para a sua aplicação.147
Para a distinção dúctil, todas as normas, regras ou princípios são derrotáveis.
A tese da demarcação forte marca a ideia de que os princípios seriam derrotáveis e
as regras inderrotáveis.

No Estado constitucional, a ideia de Constituição “invasora” do


ordenamento jurídico traduz-se no influxo constante entre todas as
normas, tornando impraticável a tarefa de determinação exaustiva
dos casos em que a norma será aplicada. A ilação que se retira disso
é que toda a norma está sujeita a exceções em virtude de sua
potencial colisão com outras normas jurídicas.148

Isto significa que o fato de uma norma ser dotada de uma determinada
estrutura não significa que ela deve ser aplicada de uma determinada forma. A

144
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 115.
145
Sanches, Luis Pietro. Sobre princípios y normas.
146
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 115.
147
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 117.
148
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 119.
51

estrutura das normas estimulará, mas não determinará, o modo de interpretação e


aplicação.149
Enfim, constata-se que a distinção dúctil se preocupa mais com os princípios
do que com as regras, preocupando-se em esclarecer os fenômenos que decorrem
disso. Esse é o ponto chave da distinção – o que importa são os fenômenos que
decorrem das regras ou princípios, o que poderá induzir a um determinado tipo de
interpretação/aplicação, não taxação de uma norma como regra ou princípio.

Para a teoria da distinção dúctil, os princípios constituem um recurso


ou técnica de argumentação que na linguagem jurídica possuem
múltiplas funções e objetivos, cuja utilização pode vir a ser
estimulada – mas não necessariamente – pelas características
estruturais de um enunciado normativo. Diante dessa pluralidade de
significados, pode-se dizer, com Pietro Sanchís, que “os princípios
são um critério relacional ou comparativo”. Isso quer dizer que, a
menos que se queira adotar um determinado tipo de argumentação,
não tem muito sentido dizer que uma norma, isolada e
abstratamente, constitui um princípio.150

Integrando a teoria da argumentação, os princípios jurídicos se tornam um


componente que dá maior mobilidade ao direito, rompendo paradigmas como o do
positivismo, instrumentando os aplicadores do direito a buscarem a realização de
justiça por meio da ordem jurídica.
Não é por acaso que a maioria das normas de direitos fundamentais são
qualificadas como princípios, mas é preciso ter a compreensão correta deste
fenômeno jurídico, para que sua utilização não venha a legitimar a injustiça.

2.4. POSTULADOS NORMATIVOS

Postulado, sinônimo de „axioma‟, pode ser entendido como “premissa


imediatamente evidente que se admite como universalmente verdadeira sem
exigência de demonstração.”151

149
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 119.
150
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras e princípios, p. 122.
151
HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, p. 209.
52

Dessa forma, os postulados na ciência jurídica seriam as condições


essenciais sem as quais o direito não poderia nem sequer ser apreendido. Assim,
não se podem utilizar postulados matemáticos, por exemplo, para orientar a
aplicação de uma norma jurídica ante uma situação onde o direito se faz presente.
O direito possui seus próprios postulados, denominados de postulados
normativos, que podem ser determinados como hermenêuticos, ou seja, que
orientam a compreensão do direito, e os aplicativos, que orientam a aplicação das
normas jurídicas nesse complexo esquema de sopesamento das normas mais
adequadas a reger o caso concreto.
Neste estudo, os postulados que mais interessam são os aplicativos, até para
correlacioná-los com os princípios e as regras. Ávila explica o que são os postulados
normativos aplicativos:

Os postulados normativos aplicativos são normas imediatamente


metódicas que instituem os critérios de aplicação de outras normas
situadas no plano objeto de aplicação. Assim, qualificam-se como
normas de seguindo grau. Nesse sentido, sempre que se está diante
de um postulado normativo, há uma diretriz metódica que se dirige
ao intérprete relativamente à interpretação de outras normas.152

Os postulados normativos aplicativos são, destarte, diretrizes metodológicas


que orientam a aplicação de outras normas jurídicas. Portanto, os postulados
normativos não são normas jurídicas, não fazem parte do ordenamento jurídico,
podendo ser qualificados como normas de segundo grau ou metanormas.

Os postulados normativos funcionam diferentemente dos princípios e


das regras. A uma, porque não se situam no mesmo nível: os
princípios e as regras são normas objetos de aplicação; os
postulados são normas que orientam a aplicação de outras. A duas,
porque não possuem os mesmos destinatários: os princípios e as
regras são primariamente dirigidos ao Poder Público e aos
contribuintes; os postulados são frontalmente dirigidos ao intérprete e
aplicador do Direito. A três, porque não se relacionam da mesma
forma com outras normas: os princípios e as regras, até porque se
situam no mesmo nível do objeto, implicam-se reciprocamente, quer
de modo preliminarmente complementar (princípios), quer de modo
preliminarmente decisivo (regras); os postulados, justamente porque
se situam num metanível, orientam a aplicação dos princípios e das
regras sem conflituosidade necessária com outras normas.153

152
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 124.
153
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 124.
53

Dentre os próprios postulados normativos aplicativos, há os postulados


inespecíficos e os específicos. Os inespecíficos são de aplicação geral, não sendo
estabelecidos os elementos e os critérios que devem orientar a relação entre eles,
também intitulados como incondicionais. Os específicos exigem o relacionamento
entre elementos específicos, com critérios que devem orientar a relação entre
eles.154
Os postulados inespecíficos, de acordo com o estudo de Humberto Ávila, são
a ponderação, a concordância prática e a proibição do excesso.
“A ponderação de bens consiste num método destinado a atribuir pesos a
elementos que se entrelaçam, sem referência a pontos de vista materiais que
orientem esse sopesamento.”155 Deve-se observar que a ponderação, para cumprir
com seus fins, orienta-se a partir de uma estrutura e de critérios materiais.156
A concordância prática aparece como uma finalidade que deve direcionar a
ponderação, uma vez que propõe a realização máxima dos valores que se imbricam.
Esse postulado surge da coexistência de valores que apontam total ou parcialmente
para sentidos contrários.157
A proibição do excesso, por sua vez, proíbe a aplicação de uma norma que
restrinja de tal forma um direito fundamental que acabe por retirar-lhe o mínimo de
eficácia. Decorre da promoção de finalidades constitucionalmente postas e liga-se
de maneira predominante à problemática dos direitos fundamentais.158
Os postulados específicos são o da igualdade, o da razoabilidade e o da
proporcionalidade.
A igualdade é vista como um postulado normativo na medida em que
estrutura a aplicação do direito em função de elementos (critério de diferenciação e
finalidade da distinção) e da relação entre eles (congruência do critério em relação
ao fim). A aplicação da igualdade depende de um critério diferenciador e de um fim a
ser alcançado. Vale dizer que fins diversos conduzem à utilização de critérios
distintos. No mais, os sujeitos devem ser considerados iguais em liberdade,

154
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 144.
155
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 145.
156
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 145.
157
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 147.
158
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 148.
54

propriedade e dignidade, assim como diferenciados naquilo que os torna


diferentes.159
Quanto ao postulado da razoabilidade, tem-se que não existe uma
uniformidade terminológica a respeito, porque diversas as acepções que o vocábulo
oferece, bem como muitas são as possibilidades na área jurídica. Dessa forma, Ávila
destaca três sentidos aplicáveis à razoabilidade:

O postulado da razoabilidade aplica-se, primeiro, como diretriz que


exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso
concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser
aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em
virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma
geral. Segundo, como diretriz que exige a vinculação das normas
jurídicas com o mundo a qual elas fazem referência, seja reclamando
a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato
jurídico, seja demandando uma congruência entre a medida adotada
e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, como diretriz que exige a
relação de equivalência entre duas grandezas.160

Já o postulado da proporcionalidade aplica-se nos casos em que exista uma


relação de causalidade entre um meio e um fim concretamente perceptível. A partir
disso, procede-se a três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o
fim?), o da necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para
promover o fim, existe outro meio menos restritivo ao(s) direito(s) fundamentais
afetados?), e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela
promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do
meio?).161 Feitas estas considerações, descobrir-se-á o meio mais adequado para
promover o fim almejado pela ordem jurídica.
Estes são, portanto, os postulados normativos, recurso de grande importância
dirigido ao intérprete e aplicador do direito como meio metodológico de aplicação
das normas jurídicas.

159
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 152-
153.
160
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 185.
161
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 163-
164.
55

2.5. VALORES

A Constituição Federal de 1988, influenciada pelo constitucionalismo do pós-


guerra, incorporou uma sistemática de valores em suas normas, sendo que esses
valores influenciam diretamente a interpretação constitucional, podendo-se afirmar
que os valores interferem na normatividade.
Observa-se que logo no preâmbulo o legislador constituinte elegeu como
valores supremos da sociedade brasileira a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça.
A definição de valores é uma tarefa muito complexa e árdua, pois apresenta
diversos significados sem ser possível de enquadrar um à problemática jurídica. Não
obstante, este fato não prejudica o estudo dos valores, principalmente se
comparados com as normas jurídicas.
Rufino, apoiado na teoria de Alexy, afirma que os valores são apenas os
critérios de valoração, como, por exemplo, bom, mal, justo e injusto, os quais não se
confundem com os objetos valorados, como os objetos naturais, artefatos, situações
etc.162
Desse jeito, um objeto de pode ser valorado com base em diferentes critérios
de valoração, o que faz com que esses valores entrem em colisão, de forma que um
juízo de valor definitivo ocorre somente após a ponderação entre os critérios de
valoração.163
Na seara do direito constitucional, só existem os chamados juízos de valor
comparativos, tendo em vista que não seria adequado estabelecer uma escala de
valores constitucionais, como, por exemplo, o direito de intimidade e o da liberdade
de imprensa.
Os valores representam, ainda, o que se chama de ideais, dissociando-se,
por conseguinte, valor de realidade. Isso implica que os valores tendem a serem
realizados na maior medida possível. Há, de fato, similaridades entre essa noção de
valor e o conceito difundido pela distinção forte de princípios, razão pela qual exista
muita confusão entre essas duas categorias.

162
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 137.
163
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 137.
56

Diante disso, os valores, quando não realizados, determinam algo como deve
ser, gerando normas de comportamento. Neste ponto também pode haver confusão
entre as idéias de valor e de normatividade. O que o direito prega não é mais do que
o dever ser, uma vez que por si só não se realiza.
Assim, “o Direito não é um valor ou um conjunto de valores, antes constitui o
“veículo de realização de valores”, “algo que funciona como meio de realização de
valores”.164 Por isso, o direito constantemente faz referência a valores, não havendo
a correspondência perfeita entre o direito e um valor específico. O principal valor que
nutre a ideia de direito é a justiça, sem dúvidas.
Desta feita, constata-se que as normas de direitos fundamentais são
normalmente impregnadas de muitos valores. Na verdade, essas normas possuem
tanto uma dimensão deontológica como uma dimensão axiológica. Conforme visto,
todas as normas jurídicas de certa forma fazem referência a algum valor, mas as
normas de direitos fundamentais, haja vista encerrarem os principais direitos
humanos reconhecidos na ordem jurídica, possuem uma alta carga valorativa.
Rufino afirma que “os direitos fundamentais são a projeção normativa dos valores
incorporados pela Constituição, isto é, constituem o sistema axiológico positivado
pela Constituição.”165
Em função de sua dimensão axiológica, os direitos fundamentais não devem
ser confundidos com os enunciados deônticos que estabelecem sua projeção
normativa, vez que compreendê-los dessa forma seria reduzi-los à linguagem
normativa de seus enunciados. Os direitos fundamentais também constituem
valores, de modo que incompreensíveis se desvinculados desses valores que
pretendem proteger ou realizar. A dimensão valorativa justifica a dimensão
deontológica, por este motivo tais normas se diferenciam das outras. 166
Feitas essas considerações, avança-se à formulação da distinção entre
valores e princípios.

164
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 139.
165
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 241.
166
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 241.
57

2.5.1. Distinção entre valores e princípios

Vários autores procuraram fazer a distinção entre valores e princípios, dentre


os quais se destacam Alexy, Peczenik e Habermas. Embora os autores tenham se
utilizados da expressão princípios, o correto é que a interpretação se refira a normas
constitucionais que apresentem as principais características atribuídas aos
princípios, pelas razões já expostas acerca da não congruência de uma diferença
forte ou qualitativa entre princípios e regras.
Pois bem, a distinção fraca é formulada por Alexy e Alexander Pecnezik.
Alexy considera que os princípios e os valores são categorias estritamente
vinculadas. A vinculação se dá porque à semelhança do que ocorre com os
princípios, existe uma colisão de valores e uma ponderação de valores; e, da
mesma maneira que os princípios, os valores podem ser realizados de maneira
gradual.167
Princípios e valores, portanto, possuem estruturas semelhantes. Inobstante,
existe uma diferença fundamental entre estas categorias, a saber: os princípios se
enquadram como mandatos de otimização, pertencendo ao âmbito deontológico ao
passo que os valores estão num nível axiológico porque não expressam o que é
devido, mas o que é bom.168
A diferença entre princípios e valores está no caráter deontológico do
primeiro e no caráter axiológico do último. As estruturas, porém, são semelhantes.

A distinção formulada por Alexy, dessa forma, possui o efeito


(inverso) de realçar a semelhança estrutural entre princípios e
valores. Sua utilidade principal está em esclarecer as duas
dimensões (axiológica e deontológica) de uma mesma norma. Deixa
aberta, não obstante, a possibilidade de que na interpretação da
norma se passe facilmente da dimensão deontológica para a
dimensão axiológica.169

167
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 140.
168
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 141.
169
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 142.
58

Semelhante conclusão fez Peczenik ao afirmar que a estrutura dos princípios


e dos valores são iguais, sendo que o princípio diz o que é prima facie obrigatório e
o valor o que é prima facie melhor.
Já Habermas aparece como defensor de uma distinção forte entre princípios e
valores. Ele concorda no ponto que se refere à estrutura semelhante das categorias,
bem como no caráter deontológico dos princípios e axiológico dos valores, porém
diverge aos estabelecer outras diferenças.
O autor procura construir um „muro divisório‟ entre o que é jurídico e o que é
moral e fundamenta sua teoria por meio da separação do modo de
interpretação/aplicação de normas do modo de interpretação/aplicação dos valores,
sendo que apenas o primeiro pode corresponder à aplicação das normas jurídicas.
“A assimilação dos princípios jurídicos aos valores estabelecidos pela distinção fraca
de Alexy introduz no discurso jurídico formas próprias da aplicação de valores, e,
nesse sentido, subverte o caráter deontológico das normas jurídicas.”170
O problema da distinção formulada por Habermas – motivo pelo qual a
distinção fraca formulada por Alexy e Peczenik se mostra mais adequada para tratar
da diferenciação entre princípios e valores –, está em que ele, ao enxergar como um
problema a assimilação dos princípios jurídicos aos valores, deixa de perceber que
os princípios jurídicos, tal como colocados nas constituições, possuem igualmente
uma dimensão axiológica, caracterizando-se pelo seu duplo caráter.
Conclui-se então que as normas constitucionais possuem uma dupla face,
visto que tanto prescrevem algo obrigatoriamente (dimensão deontológica) como
encerram um juízo de valor sobre o que é devido (dimensão axiológica).

Pode-se dizer então que as normas apresentam uma dupla face: por
um lado, determinam o que é devido (elemento normativo, diretivo,
imperativo, isto é, deontológico); por outro, contêm um juízo de valor
ou critério de valor (de justificação ou de crítica) sobre o que é devido
(elemento valorativo ou axiológico). Os elementos deontológico e
axiológico representam, por assim dizer, as duas faces de uma
mesma norma.171

170
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 146.
171
RUFINO, André do Vale. Estrutura das normas de direitos fundamentais – repensando a distinção
entre regras, princípios e valores, p. 160.
59

O caráter axiológico das normas jurídicas induz a coerência e estabelece o


sentido do ordenamento jurídico, na medida em que encerra os fins fundamentais da
sociedade.

2.6. A SAÚDE COMO ELEMENTO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA


POSIÇÃO NA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Dentre os direitos que visam a garantir a existência digna da pessoa humana,


destaca-se o direito à saúde. Uma existência digna não se ocupa apenas em
preservar a vida humana, no aspecto de mera sobrevivência física do indivíduo, mas
sim de uma sobrevivência que atenda os mais elementares padrões de dignidade.172
A saúde cuida do aspecto da preservação da vida física e mental do
indivíduo, porém alça patamares mais elevados, na medida em que uma boa saúde
contribui para a elevação da dignidade de uma pessoa, sendo certo que este será
um cidadão mais ativo e participativo, com possibilidades de transformar a
sociedade na qual vive.
Pois bem, com a formação do Estado de Bem-Estar Social, surgiram os
chamados direitos sociais, de segunda geração. Estes direitos podem ser
classificados em liberdades sociais e direitos a prestação.
As liberdades sociais representam a dimensão negativa dos direitos sociais,
no ponto em que reclamam uma abstenção por parte do destinatário e não
dependem, em regra, de alocação de recursos e de concretização legislativa.
Os direitos sociais prestacionais têm por objeto precípuo conduta positiva do
Estado (ou particulares destinatários da norma), consistente numa prestação de
natureza fática, tais direitos reclamam uma crescente posição ativa do Estado na
esfera econômica e social. Daí dizer-se a respeito de seu conteúdo econômico.173
Sarlet afirma que: “o desiderato dos direitos sociais, como direitos a
prestações, consiste precisamente em realizar e garantir os pressupostos materiais
para uma efetiva fruição das liberdades, razão pela qual podem ser enquadrados
naquilo que se denominou status positivus socialis.”174

172
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 300.
173
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 272.
174
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 273.
60

O direito à saúde, como posto aqui, é um direito social prestacional de


segunda geração, porém é interessante observar esse direito implica em vários
desdobramentos. Assim, enquanto a saúde se configura como um dos principais
componentes da vida, ela é um direito de primeira geração, podendo ser oposta
contra a vontade estatal. Por outro lado, o direito à saúde também pode ser visto
como um direito difuso, ou seja, de terceira geração, se for considerar que inexiste a
determinação de seus titulares, sendo, portanto, um direito transindividual. Como
direito difuso, aplicam-se as regras do art. 81, I, do Código de Defesa do
Consumidor175, e ninguém poderá avocar propriedade sobre a saúde.176
Voltando à análise do direito à saúde enquanto direito prestacional, observa-
se que ele apresenta um dilema, isso por conta de seu conteúdo econômico. Quer
dizer que a saúde não pode ser satisfeita ilimitadamente porque depende de
vultosos recursos econômicos e materiais para a sua promoção. O direito à saúde
pode ser visto como um mandato de otimização, uma vez que pode ser concretizado
em vários graus conforme as possibilidades fáticas e jurídicas do Estado.
Essa realidade não justifica a omissão do Estado na promoção à saúde, vez
que se trata de direito fundamental, devendo ser prioridade entre as políticas
públicas estatais.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 faz menção ao direito à saúde em
dois momentos distintos: no caput do art. 6º, elencando-o como um direito social, e
no art. 196 ao art. 200, onde são traçadas as diretrizes da promoção à saúde e fica
estabelecida a criação e as atribuições do Sistema único de Saúde.

175
BRASIL. Lei nº 8.078/90. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
176
SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação de uma perspectiva sistêmica, p. 54.
Capítulo 3
A JUDICIALIZAÇÃO DO ACESSO À SAÚDE

3.1. DEFINIÇÃO DE SAÚDE E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Não obstante a indiscutível importância que a saúde apresenta, a


Constituição Federal foi inovadora ao estabelecer a saúde como um direito de todos
e dever do Estado. Observa-se que o caput do art. 5º da Constituição prescreve que
o direito à saúde é garantido aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país.
Antes de se definir o que significa a saúde hoje no direito brasileiro, cumpre
verificar sumariamente o seu desenvolvimento histórico.
Primeiramente, a saúde foi vista pela humanidade como uma forma de
eliminação dos males que atingiam a espécie, uma forma de luta em favor da
preservação da espécie. Schwartz é bem lúcido a esse respeito:

Ao longo do tempo, os seres humanos foram acometidos por


doenças que ameaçaram a sua sobrevivência. Nos tempos bíblicos,
os surtos de lepre, peste e cólera eram a grande preocupação da
civilização. Na Índia e na China antigas, foi a varíola. Na Antiguidade
Greco-Romana, a malária se fez presente. Na Idade Média, ocorreu
a Peste Negra, onde de peste bulbônica que assolou a Europa,
causando a morte de 25 milhões de pessoas. No séc. XVI, a crise de
sífilis fez com que a Igreja dissesse que esta era uma resposta divina
aos pecados individuais de cada um (Júlio Rocha, 1999, p.90-91).
Hoje, podemos afirmar, sem medo de errar, que a AIDS e o câncer
são doenças com potencial efeito destrutivo nos seres humanos,
incluindo-se no rol das grandes doenças da humanidade. Ressalte-
se: quanto às duas últimas, a cura ainda é um fato um pouco
distante.177

Nessa primeira fase, que remonta a Antiguidade, os meios utilizados para


combater as doenças eram a magia e a religião. Tal situação perdurou até a Grécia
antiga, onde a partir do conhecimento científico foi possível formular o primeiro
conceito de saúde.
“O primeiro conceito de saúde pode ser atribuído aos gregos da cidade-
estado de Esparta. O brocardo “Mens Sana in Corpore Sano” é, em realidade, o

177
SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação de uma perspectiva sistêmica, p. 28.
62

marco primeiro da definição de que o que é ter saúde.”178 Hipócrates foi o grande
nome dessa medicina que afastava a religião das doenças, isso graças ao seu poder
de observação empírica, o que levou-o a conclusões ainda válidas atualmente.
Uma das teorias de Hipócrates era que a cidade e o tipo de vida
influenciavam a saúde dos habitantes. Para ele, as doenças deveriam ser tratadas
de acordo com as particularidades locais. Baseadas em essas noções, pode-se
afirmar que um dos motivos pelos quais a saúde brasileira é descentralizada tem
como origem remota o pensamento hipocrático.179
Veio a Idade Média, e com ela houve um retrocesso no que tange à saúde.
Insta ressaltar que o retrocesso operou-se na Europa Ocidental, principalmente,
sendo que os árabes e judeus nessa época obtiveram grandes avanços científicos
na área da medicina.
A ascendência do regime feudalista, a influência de práticas supersticiosas e
a Igreja tiveram influência nesse processo. Segundo os cristãos, a doença era
purificação de algum pecado, e a cura viria somente se fosse merecida.

O séc. XVII retorna às origens gregas, e, novamente, passa a tratar a


saúde sob um prisma científico, e, ainda, a perceber a saúde como
ausência de doença. (...) No decorrer do século, ocorreram grandes
descobertas, como, por exemplo: o conhecimento do quinino para
tratar a malária, o reconhecimento dos sintomas das diabetes e a
descoberta das bactérias.180

O Estado Liberal chamou para si a obrigação de exercer a polícia sanitária,


tendo em vista o seu interesse em manter a força de trabalho nas indústrias a mais
ativa possível. O aspecto da saúde demonstrado até agora se liga à chamada saúde
curativa, preocupada sobretudo na ausência de enfermidades.181
A mudança de paradigma na concepção de saúde ocorre com o surgimento
do Estado de Bem-Estar Social, após a segunda guerra mundial, mediante o
nascimento de uma visão coletivizante da realidade social. A saúde preventiva
consiste, assim, num direito que todos têm que o Estado interventor social
proporcione a saúde por meio de serviços básicos de atividade sanitária.182

178
SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação de uma perspectiva sistêmica, p. 29.
179
SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação de uma perspectiva sistêmica, p. 30.
180
SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação de uma perspectiva sistêmica, p. 32.
181
SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação de uma perspectiva sistêmica, p. 33.
182
SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação de uma perspectiva sistêmica, p. 34.
63

O marco teórico-referencial do conceito de saúde se deu em 26 de julho de


1946, com a constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS). A Constituição
da Organização Mundial de Saúde declara que “a saúde é um completo estado de
bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença e
enfermidade.”183 Também afirma ser um direito fundamental do homem gozar do
melhor estado de saúde, sem qualquer discriminação.
No entanto, o conceito oferecido pela OMS é objeto de críticas. A primeira
delas advém do fato de que este conceito reconhece limitações culturais, sociais e
econômicas. Ainda mais a partir do momento em que o Estado assumiu papel de
destaque no cenário da saúde, porque a vontade política torna-se um instrumento de
inaplicabilidade do conceito da OMS. De outra parte, a expressão bem-estar envolve
um componente subjetivo dificilmente quantificável. Trata-se de um conceito irreal,
inadaptável à realidade fática, a considerar que o bem-estar é um objetivo a ser
alcançado, que se alarga ou diminui com a evolução da sociedade.184
O conceito de saúde a ser proposto reconhece-a como sendo um sistema
social. A saúde é um sistema dentro de um sistema maior, que é a vida, e com ela
se relaciona. Esse relacionamento entre sistemas recebe o nome de comunicação e
os sistemas adquirem a sua identidade numa permanente diferenciação com o
ambiente e os outros sistemas, graças às decisões das organizações.185
A conseqüência da visão da saúde como um sistema leva à outra de que ela
é um processo que se constroi. Isso porque é um fenômeno holístico, onde seus
componentes se interrelacionam, formando um complexo dinâmico.186
Desta forma, Schwartz conclui que a saúde é:

Um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças,


ao mesmo tempo que visa a melhor qualidade de vida possível,
tendo como instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e
pressuposta de efetivação a possibilidade de esse mesmo indivíduo
ter acesso aos meios indispensáveis ao seu particular estado de
bem-estar.187

183
BRASIL. Decreto nº 26.042, de 17 de dezembro de 1948. Promulga os atos firmados em Nova
York a 22 de julho de 1946, por ocasião da Conferência Internacional de Saúde.
184
SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação de uma perspectiva sistêmica, p. 36-37.
185
SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação de uma perspectiva sistêmica, p. 37-38.
186
SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação de uma perspectiva sistêmica, p. 39.
187
SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação de uma perspectiva sistêmica, p. 39.
64

Tornando-se o Estado responsável pela promoção, proteção e recuperação


da saúde, a Constituição Federal de 1988 incorporou o SUS como uma nova
formulação política e organizacional para o reordenamento dos serviços e ações de
saúde.188
Para tanto, o Poder Legislativo aprovou as Leis nº 8.080189 e 8.142190, ambas
de 1990, servindo estas leis de baliza do Sistema Nacional de Saúde.
A Lei nº 8.080/90 regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de
saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual,
por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado. Ainda, em seu art. 2º,
estabelece ser a saúde um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado
prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
O art. 4º da Lei nº 8.080/90 apregoa ser o Sistema Único de Saúde o conjunto
de ações ou serviços de saúde prestados pelo Estado, seja por meio da
administração direta como pela administração indireta.
A Lei nº 8.142/90 cria condições para a participação da comunidade na
gestão do SUS, nas Conferências de Saúde e Conselhos de Saúde em seus
diferentes níveis de organização, podendo os cidadãos, dessa forma, controlar e
fiscalizar as políticas de saúde.
Como não poderia deixar de ser, o Sistema Único de Saúde é orientado por
princípios que informam a sua atuação no sentido de propiciar a saúde à população.
Os princípios do SUS são, portanto, a universalidade, a integralidade e a equidade.
O que é a universalidade propõe é garantir o acesso de toda e qualquer
pessoa, a todo e qualquer serviço de saúde, seja ele público ou privado contratado
pelo Poder Público. O princípio atua como um grande viabilizador do direito à saúde
e vem expresso no art. 196 da Constituição Federal.
O princípio da universalidade passou por dois paradigmas, o referente ao
universalismo clássico e o novo universalismo.

188
BERNARDES, Elexandra Helena. Princípios do Sistema Único de Saúde: concepção dos
enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família, de uma cidade do Estado de Minas Gerais, p. 43-44.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/tde-21122005-1411317>.
189
BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção,
proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e
dá outras providências.
190
BRASIL. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na
gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos
financeiros na área da saúde e dá outras providências.
65

O universalismo clássico, inspirado no socialismo e no pós-guerra, leva à


instituição de sistemas públicos de saúde universais, baseados na ideia de
cidadania e de um Estado eficaz que seria capaz de garantir o livre acesso de todos
a todos os serviços sociais.191
Contudo, frente a várias mudanças sociais e econômicas ocorridas nas
últimas décadas, observa-se a imposição de uma nova concepção de universalismo
– o novo universalismo – oriundo da constatação de que não é possível ao Estado
oferecer a todas as pessoas a totalidade das intervenções da saúde. Assim, o que o
novo universalismo propõe é:

Oferecer serviços essenciais de alta qualidade para todos os


usuários definidos pelos critérios de aceitabilidade social, efetividade
e custos, consistindo em uma escolha explícita de prioridade entre
intervenções, respeitando o princípio ético de que pode ser
necessário e eficiente racionar serviços, mas que é inadmissível
excluir grupos inteiros da população.192

O princípio da equidade funda-se na noção de liberdade e igualdade,


pregando que todo o cidadão que necessite de ações e serviços da saúde deve ter
direito assegurado de acesso aos serviços. A equidade visa a corrigir a
desigualdade evitável e injusta, passíveis de intervenção de políticas dos diversos
setores, inclusive o da saúde.193
O princípio da integralidade pressupõe que as ações de promoção, proteção e
recuperação da saúde da mesma forma que se constituem num todo, não podendo
ser compartimentalizadas, as unidades constitutivas do SUS se configuram também
como um todo indivisível, capaz de prestar assistência integral.194
Extrai-se, portanto, que o atual Estado brasileiro adota o Sistema Único de
Saúde como o meio de garantir o direito à saúde. Este sistema se constitui numa

191
BERNARDES, Elexandra Helena. Princípios do Sistema Único de Saúde: concepção dos
enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família, de uma cidade do Estado de Minas Gerais, p. 51.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/tde-21122005-1411317>.
192
BERNARDES, Elexandra Helena. Princípios do Sistema Único de Saúde: concepção dos
enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família, de uma cidade do Estado de Minas Gerais, p. 51.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/tde-21122005-1411317>.
193
BERNARDES, Elexandra Helena. Princípios do Sistema Único de Saúde: concepção dos
enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família, de uma cidade do Estado de Minas Gerais, p. 56.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/tde-21122005-1411317>.
194
BERNARDES, Elexandra Helena. Princípios do Sistema Único de Saúde: concepção dos
enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família, de uma cidade do Estado de Minas Gerais, p. 65.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/tde-21122005-1411317>.
66

rede hierarquizada e descentralizada, orientada pelos princípios da universalidade,


equidade e integralidade.

3.1.1. Competência dos entes políticos no financiamento da saúde

Sendo a saúde um direito social, tem-se que ela deve ser implementada por
meio de políticas públicas, estas dependentes de recursos orçamentários. A
Constituição Federal, portanto, não apenas estabeleceu o dever do Estado em
prover a saúde, como também indicou as chamadas fontes de custeio.
O objetivo do controle sobre os recursos aplicados na saúde é a conquista de
um Sistema Único de Saúde de qualidade. O professor Gilson Carvalho ensina que:
“Controle por controle, controle para punir, se perdem no processo e não cumprem
com a sua finalidade. Em última análise deve-se controlar para conquistar a boa
qualidade, a maior eficiência e eficácia. Controlar não é castigar, mas eficientizar.”195
Com a Emenda Constitucional nº 29/2000, fixou-se a estrutura mínima do
financiamento da saúde.
O §1º do art. 198 da Constituição Federal prevê que a saúde será financiada
com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Vê-se que todos os entes
federativos contribuem para o financiamento da saúde, bem como é reservada para
a saúde parte dos recursos oriundos da seguridade social.
No §2º do art. 198 da Constituição Federal, estipulou-se sobre quais impostos
devem ser retirados os recursos mínimos destinados à saúde. Ainda, o §3º do art.
198 define que Lei Complementar, que será reavaliada a cada cinco anos,
estabelecerá sobre os percentuais dos impostos aplicados na saúde; os critérios de
rateio dos recursos da União destinados aos outros entes federativos e dos Estados
destinados aos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades
regionais; normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas
esferas federal, estadual, distrital e municipal; por derradeiro, as normas de cálculo
do montante a ser aplicado pela União.

195
CARVALHO, Gilson. Financiamento público da saúde no bloco de constitucionalidade, p. 38.
Disponível em: <http://pfdc.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude>.
67

Além disso, o artigo 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias 196


(ADCT) prescreve os recursos mínimos a serem destinados à saúde pelos entes
federativos, sendo que o valor da União será determinado a partir do crescimento
ânuo do PIB, os Estados e o Distrito Federal deverão destinar à saúde 12% dos
recursos próprios provenientes dos impostos e os Municípios deverão destinar 15%
dos recursos próprios provenientes de impostos.
O §4º do art. 77 da ADCT diz que, na ausência de lei complementar a que se
refere o art. 198, §3º, a partir do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o disposto neste artigo. Isso
significa que, não havendo lei complementar própria, as disposições do art. 77 da
ADCT continuarão vigentes no ponto em que define os percentuais mínimos a serem
destinados por cada ente político no trato da saúde, inclusive.
Os Fundos de Saúde são órgãos criados exclusivamente para receber os
recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios oriundos da saúde,
sendo acompanhado e fiscalizado pelos Conselhos da Saúde, na forma do §3º do
art. 77 da ADCT. O art. 4º da Lei nº 8.142/90 prevê a existência de um Fundo de
Saúde e de um Conselho de Saúde para cada Estado, Município e para o Distrito
Federal.
O §1º do art. 33 da Lei nº 8.080/90 define que os recursos financeiros,
originários do Orçamento da Seguridade Social, de outros orçamentos da União,
além de outras fontes, serão administrados pelo Ministério da Saúde, através do
Fundo Nacional da Saúde.
Infere-se, portanto, a disciplina exaustiva por parte da Constituição Federal e
de leis infraconstitucionais no que toca ao financiamento da saúde, prevendo órgãos
com competência para administrar estes recursos. Mas isso só não basta, é preciso
que esses recursos sejam aplicados em ações e serviços públicos de saúde, na
forma em que estabelece a Constituição.
Não raro os recursos destinados à saúde são aplicados em programas
assistencialistas do governo ou em outras finalidades quaisquer, algumas vezes por
má-fé dos administradores públicos outras vezes por conta da dificuldade em se
especificar quais seriam essas ações e serviços públicos de saúde.

196
BRASIL. Ato das disposições constitucionais transitórias
68

Ultimamente prevalece o entendimento que as ações e serviços públicos de


saúde são aqueles que possam concretizar os comandos descritos nos arts. 5º e 6º
da Lei nº 8.080/90.197
Não obstante, o art. 315 do Código Penal198 prescreve ser crime o emprego
irregular de verbas públicas, o que se aplica no caso da destinação de recursos da
saúde.

3.1.2. O problema que envolve a distribuição gratuita de medicamentos

A distribuição gratuita de medicamentos se dá por intermédio do Sistema


Único de Saúde e procura realizar a promessa constitucional da universalização do
acesso à saúde, tendo em vista que medicamentos para diferentes tipos de doença
são oferecidos a toda população. A instituição dos medicamentos genéricos foi uma
das ações governamentais que procurou promover o acesso universal à saúde.199
Contudo, os recursos estatais são escassos, assim como a produção de
medicamentos também é. O Estado simplesmente não pode proceder à distribuição
indiscriminada de medicamentos, por isso são planejadas políticas públicas que
almejam uma distribuição equilibrada e eficaz, que procura favorecer as pessoas
mais carentes.
Interessante a formulação do conceito de política pública levada a cabo por
Machado: “conceitua-se política pública como um fenômeno vinculado ao interesse
público, de natureza político-jurídica, elaborado, planejado ou executado pelo Estado
para a realização de objetivos socialmente relevantes, com vistas à concretização
dos direitos fundamentais e à consolidação do Estado Democrático de Direito.”200
Não é demais ressaltar que as políticas públicas estatais referentes ao
fornecimento de medicamentos devem ser consentâneas com a concretização dos
direitos fundamentais, visto que este é o dever do Estado.

197
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – PFDC. Financiamento da saúde, p. 62-65. Disponível em:
<http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/pfdc/institucional/grupos-de-trabalho/saude/manuais-de-atuacao>.
198
BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
199
BRASIL. Lei nº 9.797, de 10 de fevereiro de 1999. Altera a Lei nº 6.360, de 23 de setembro de
1976, que dispõe sobre a vigilância sanitária, estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a
utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos e dá outras providências.
200
MACHADO, Clara Cardoso. Propugnando um conceito jurídico-metodológico de políticas públicas
para concretização de direitos fundamentais. Disponível em:
<http://www.portalciclo.com.br/downloads/artigo/direito/conceito_juridico_de_politicas_publicas_clara_
cardoso.pdf>.
69

A respeito da competência administrativa dos entes federativos quanto ao


fornecimento gratuito de medicamentos, o art. 23, II, da CRFB/88 prescreve ser
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
cuidar da saúde e assistência pública.
O tema do fornecimento gratuito de medicamentos por parte do Estado é
atual e bastante complexo, na medida em que a demanda por tratamentos
medicamentosos aumentou assustadoramente, assim como a produção de
diferentes tipos de fármacos. Neste ponto, pertinentes são as considerações
colocadas por Bernardes acerca das conclusões obtidas na Conferência Nacional de
Saúde de 2001:

Os modelos vigentes mantêm caráter assistencialista, sendo pouco


capazes de responder às necessidades da população. São modelos
curativistas, operados por profissionais muitas vezes despreparados
para atuarem com o respeito devido aos direitos do usuário e suas
necessidades, e com a qualidade necessária. São centrados no
profissional médico, priorizam mais a doença, gerando expectativa
de que a única forma de resolver os problemas de saúde seja tratar a
doença medicamentosamente.201

O Ministério da Saúde, procurando formular uma Política Nacional de


Medicamentos, editou a Portaria nº 3.916/98202, que, entre outras coisas, define as
atribuições de cada ente estatal quanto à disponibilização de medicamentos à
população.
Quanto à gestão federal, cabe a ela: prestar cooperação técnica e financeira
às demais instâncias do SUS relativas à Política Nacional de Medicamentos;
estabelecer normas e promover a assistência farmacêutica nas três esferas de
Governo; implementar atividades de controle da qualidade de medicamentos;
promover a revisão periódica e avaliação contínua do RENAME e destinar recursos
para a aquisição de medicamentos, mediante repasse Fundo-a-Fundo para estados
e municípios, definindo, para tanto, critérios básicos para o mesmo.
À gestão estadual cabe, precipuamente: promover a formulação da política
estadual de medicamentos, definir a relação estadual de medicamentos, com base

201
BERNARDES, Elexandra Helena. Princípios do Sistema Único de Saúde: concepção dos
enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família, de uma cidade do Estado de Minas Gerais, p. 63.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/tde-21122005-1411317>.
202
BRASIL. Portaria nº 3.916/GM, de 30 de outubro de 1998. Aprova a Política Nacional de
Medicamentos.
70

no RENAME, e em conformidade com o perfil epidemiológico do estado; prestar


cooperação técnica e financeira aos municípios no desenvolvimento de suas
atividades e ações relativas à assistência farmacêutica; coordenar e executar a
assistência farmacêutica no seu âmbito.
Por sua vez, compete à gestão municipal: coordenar e executar a assistência
farmacêutica no seu respectivo âmbito; assegurar a dispensação adequada dos
medicamentos; definir a relação municipal de medicamentos essenciais, com base
na RENAME, decorrente do perfil nosológico da população, receber, armazenar e
distribuir adequadamente os medicamentos sob sua guarda.
Além disso, a mencionada Portaria estabeleceu, dentre as suas diretrizes: a
adoção da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME, que integra
o elenco dos medicamentos considerados básicos e essenciais para atender a
maioria dos problemas de saúde da população, devendo estar disponíveis aos
segmentos da sociedade que dele necessitem; a reorientação da Assistência
Farmacêutica, para que não se restrinja apenas à aquisição e à distribuição de
medicamentos, devendo ser implementadas nesse campo, nas três esferas do SUS,
todas as atividades relacionadas à promoção do acesso da população aos
medicamentos essenciais.
Por fim, a Portaria nº 3916/GM, de 30 de outubro de 1998, prescreveu ser
responsabilidade das esferas do governo no âmbito do SUS viabilizar o propósito
desta Política de Medicamentos, qual seja, o de garantir a necessária segurança,
qualidade, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o
acesso da população àqueles considerados essenciais.
É de ter em vista, portanto, que é dever do SUS distribuir à população os
medicamentos considerados essenciais, tendo a Política Nacional de Medicamentos
fixado as normas e diretrizes do controle dos medicamentos por parte do Estado,
bem como a organização para a aquisição e distribuição dos medicamentos.
Porém, a regulamentação normativa tem se mostrado pouco eficaz, vez que
boa parte da população continua não tendo acesso nem aos medicamentos
considerados essenciais, revelando aí um problema estrutural do SUS.
71

3.2. A JUDICIALIZAÇÃO EXCESSIVA DO ACESSO À SAÚDE E SUAS


IMPLICAÇÕES

A judicialização do acesso à saúde nasce com a possibilidade do Poder


Judiciário editar determinações à Administração Pública para que forneça ações e
serviços de saúde a uma determinada pessoa. As demandas judiciais mais
correntes em relação à prestação da saúde referem-se justamente à distribuição de
medicamentos.
Essa possibilidade de intervenção judicial no que tange ao serviço do Estado
na prestação da saúde surge a partir do momento em que a constituição adquire
força normativa e efetividade. Barroso assim discorre sobre o tema:

As normas constitucionais deixaram de ser percebidas como


integrantes de um documento estritamente político, mera convocação
à atuação do Legislativo e do Executivo, e passaram a desfrutar de
aplicabilidade direta e imediata por juízes e tribunais. Nesse
ambiente, os direitos constitucionais em geral, e os direitos sociais
em particular, convertem-se em direitos subjetivos em sentido pleno,
comportando tutela judicial específica.203

Hesse explica que a Constituição detém pressupostos realizáveis que,


mesmo em caso de conflito, permitem assegurar a sua força normativa.

A Constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta


do seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente,
por essa realidade. Em caso de eventual conflito, a Constituição não
deve ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca. Ao
contrário, existem pressupostos realizáveis (realizierbare
Voraussetzungen) que, mesmo em caso de confronto, permitem
assegurar a força normativa da Constituição. Somente quando esses
pressupostos não puderem ser satisfeitos, dar-se-á a conversão dos
problemas constitucionais, enquanto questões jurídicas
(Rechtsfragen), em questões de poder (Machtfragen).204

Cabe, então, ao Poder Judiciário tutelar os direitos fundamentais tendo como


premissa a força normativa da constituição. A atuação judicial, nesse caso, tem

203
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 3. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
204
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição, p. 25.
72

como parâmetro o núcleo essencial dos direitos fundamentais, pois deve ser
convocado a atuar sempre que um direito for malbaratado além de seu núcleo
essencial. Mendes, Coelho e Branco afirmam que o núcleo essencial “destina-se a
evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições
descabidas, desmesuradas ou desproporcionais.”205
Não obstante, uma gigantesca demanda tem assolado o Poder Judiciário em
relação à distribuição de medicamentos por parte do Poder Público. Isso, de certa
forma, afeta o sistema, considerando que o Estado não se mostra preparado para
assumi-la, bem como a jurisprudência até agora não adotou um critério para a
concessão dos medicamentos, ora proferindo decisões extravagantes condenando a
Administração a custear tratamentos caros, ora determinando a concessão de
medicamentos de eficácia duvidosa. Ademais, não se definiu ainda qual entidade
estatal – União, Estados e Municípios – devem ser responsabilizada para entrega de
cada tipo de medicamento.206
Essas demandas judiciais envidam uma superposição de esforços e defesas,
envolvendo várias entidades federativas e mobilizando uma grande quantidade de
agentes públicos, servidores e procuradores, acarretando um enorme dispêndio de
recursos públicos, imprevisibilidade e desfuncionalidade na atividade jurisdicional.207
A interferência do Judiciário em questões políticas do Estado é outro ponto
que tem gerado controvérsias na comunidade jurídica.
Quando o Judiciário determina que o SUS forneça algum medicamento ou
tratamento a um paciente, ele interfere em toda a política estatal de ações e serviços
de saúde. O excesso de demandas judiciais que têm por objeto a saúde provoca
uma interferência ainda maior nas políticas públicas.
A partir disso surge a indagação acerca da legitimidade do Judiciário para
interferir em políticas públicas e dos limites de uma possível intervenção.

205
MENDES, COELHO e BRANCO. Curso de direito constitucional, p. 351.
206
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 3. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
207
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 3. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
73

Mendes, Coelho e Branco apontam que “não se reconhece indenidade aos


atos ou decisões políticas se elas afetam ou ameaçam direitos individuais. Essa é a
orientação pacífica do Supremo Tribunal Federal desde os primórdios da
República.”208
Schwartz esclarece que “a saúde, como direito público subjetivo e
fundamental do ser humano, quando lesionada, não pode ser excluída da
apreciação do Poder Judiciário. Essa é, no constitucionalismo contemporâneo, a
tarefa mais elevada do Poder Judiciário: garantir a observância e cumprimento dos
direitos fundamentais do homem.”209
Como se observa, a atuação do Poder Judiciário no trato de questões
políticas é legítima e necessária quando houver malbaratamento dos direitos
fundamentais do homem, seja por ação insuficiente ou por omissão do Estado.
Todavia, essa atuação deve se limitar justamente a reparar os direitos porventura
lesados, sob pena invasão de competência dos outros entes políticos.
Barroso destaca que “a atividade judicial deve guardar parcimônia e,
sobretudo, deve respeitar o conjunto de opções legislativas e administrativas
formuladas acerca da matéria pelos órgãos institucionais competentes.”210
De outra parte, tratando-se a saúde de um direito vital ao homem, não cabe
exclusivamente ao Poder Público promovê-la, devendo todos os cidadãos participar
ativamente na concretização e desenvolvimento da saúde.

3.3. A COLISÃO ENTRE O DIREITO À VIDA E À SAÚDE DE UNS EM FACE DA


PROMESSA CONSTITUCIONAL DA UNIVERSALIZAÇÃO DA SAÚDE

A judicialização excessiva do acesso à saúde, além do farto dispêndio dos


recursos públicos, muitas vezes acaba por ferir a igualdade do acesso á saúde
pública pela população. Barroso ressalta que: “Em muitos casos, o que se revela é a
concessão de privilégios a alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade da

208
MENDES, COELHO e BRANCO. Curso de direito constitucional, p. 550.
209
SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação de uma perspectiva sistêmica, p. 163.
210
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 21. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
74

cidadania, que continua dependente das políticas universalistas implementadas pelo


Poder Executivo.”211
Não raro, muitas pessoas se aproveitam da jurisdição para obter vantagens
nos serviços fornecidos pelo SUS. Noutro ponto, os recursos estatais são de fato
limitados para que sejam desperdiçados em demandas judiciais que não venham a
possibilitar o acesso à saúde aos mais necessitados. Fala-se aí da teoria da reserva
do possível.
Portanto, a judicialização excessiva do acesso à saúde compromete a
universalização da saúde no ponto em que vem a estabelecer desigualdades entre
cidadãos e dificulta a eficácia das políticas públicas de saúde, considerando que
grande parte dos recursos alocados à saúde destina-se às demandas judiciais.
Nesse momento surge a questão da colisão entre os direitos fundamentais
daqueles que postulam judicialmente o acesso à saúde e a promessa constitucional
da universalização da saúde.
Na situação de colisão de direitos fundamentais, o primeiro aspecto que deve
ser observado é o que diz respeito ao âmbito de proteção do respectivo direito.
Mendes, Coelho e Branco assinalam que “a definição do âmbito de proteção
configura pressuposto primário para a análise de qualquer direito fundamental.”212
Canotilho sustenta a existência de dois tipos de colisão de direitos: a) a
colisão autêntica de direitos, que ocorre quando o exercício de um direito
fundamental por parte de seu titular colide com o exercício do direito fundamental
por parte do outro titular e b) a colisão de direitos em sentido impróprio, tendo lugar
quando o exercício de um direito fundamental colide com outros bens
constitucionalmente protegidos.213
Existem, ainda, os conflitos entre direitos fundamentais suscetíveis de
restrição, bem como os conflitos entre direitos fundamentais insuscetíveis de
restrição.
Os direitos fundamentais suscetíveis de restrição são direitos prima facie e
não direitos definitivos, dependendo a sua radicação subjetiva definitiva da
ponderação e da concordância feita em face de determinadas circunstâncias
211
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 4. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
212
MENDES, COELHO e BRANCO. Curso de direito constitucional, p. 328.
213
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1229.
75

concretas. O domínio normativo desses direitos é sempre potencial, tornando-se


atual depois da averiguação das condições concretamente existentes, sendo que a
conversão de um direito prima facie em direito definitivo poderá ser objeto de lei
restritiva, que, nos casos autorizados pela Constituição, representará um primeiro
instrumento de solução de conflitos.214
Os direitos fundamentais insuscetíveis de restrição não são sujeitos a normas
de restrição, assim como não podem converter-se em direitos com mais restrições
do que aqueles restringidos diretamente pela constituição ou com autorização
dela.215
Desta forma, o conflito entre direitos insuscetíveis de restrição não se
resolverá por meio da redução de seu âmbito normativo, pela limitação de seu
âmbito de proteção ou por meio da ideia de justificação de restrição de um dos
direitos colidentes.216
Nas colisões entre direitos fundamentais, a técnica da ponderação proposta
por Alexy é de plena validade, tendo em vista que um direito fundamental nesses
casos não pode ser restringido ou invalidado. Assim, por meio da técnica da
ponderação, afasta-se o direito fundamental que, diante das condições fáticas e
jurídicas verificadas, tenha menor peso.217
Contudo, a alusão genérica à técnica da ponderação não se mostra
suficiente, pois é necessária uma ferramenta que permita controlar a racionalidade
dessas ponderações, ou melhor, que diga como se deve ponderar. A máxima da
proporcionalidade se configura como uma norma metodológica que visa garantir a
racionalidade da técnica da ponderação.218
Faz-se referência, neste momento, ao postulado normativo da
proporcionalidade proposto por Ávila. Assim como a máxima da proporcionalidade
de Alexy, o postulado da proporcionalidade se decompõe nos exames fundamentais
de adequação, de necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito. 219

214
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1231.
215
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1232.
216
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1232.
217
BUSTAMANTE, Thomas. Princípios, regras e a fórmula de ponderação de Alexy: um modelo
funcional para a argumentação jurídica? Artigo publicado na Revista de direito constitucional e
internacional, volume 54, p. 85.
218
BUSTAMANTE, Thomas. Princípios, regras e a fórmula de ponderação de Alexy: um modelo
funcional para a argumentação jurídica? Artigo publicado na Revista de direito constitucional e
internacional, volume 54, p. 87-88.
219
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 163-
164.
76

Canotilho, em referência a Alexy, encerra que:

Os exemplos anteriores apontam para a necessidade de as regras


do direito constitucional dos conflitos deverem construir-se com base
na harmonização de direitos, e, no caso de isso ser necessário, na
prevalência (ou relação de prevalência) de um direito ou bem em
relação a outro (D1 P D2). Todavia, uma eventual relação de
prevalência só em face das circunstâncias concretas poderá se
determinar, pois só nestas condições é legítimo dizer que um direito
tem mais peso do que o outro (D1 P D2) C, ou seja, um direito (D1)
prefere (P) outro (D2) em face das circunstâncias do caso (C).220

Em todo caso, percebe-se que os direitos individuais à vida e à saúde são


insuscetíveis de restrição, não podendo seu âmbito de proteção ser restrito em face
do escopo da universalização da saúde almejado pelo Estado.
A saúde deve ser fornecida integralmente a todos que dela necessitem sem
qualquer forma de restrição, devendo-se respeitar o núcleo essencial do direito à
saúde.
Deve a pessoa socorrer-se do Poder Judiciário sempre que o Estado, por
meio de suas políticas públicas de saúde, não estiver dando conta de assegurar-lhe
o direito à saúde.
Nem por isso é lícito que se utilize do Judiciário para que sejam promovidos
os tratamentos mais caros e sofisticados ou se concedam medicamentos de eficácia
duvidosa. Os recursos estatais são limitados e são custeados por toda a população,
em razão disso não devem ter seu uso indevido ou supérfluo.
Neste sentido, Freitas esclarece que: O direito à saúde, contudo, não pode
ser entendido como um poder a ser exercido contra o Estado, de forma absoluta e
ilimitada, mas sim como um direito de justiça social, eis que se mostra inadequada a
sua concretização a concepção de direito subjetivo como poder absoluto a ser
exercido contra o Estado.”221
O art. 196 da Constituição Federal fala que a saúde é direito de todos e dever
do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Infere-se desse dispositivo
que o compromisso do Estado é garantir o direito à saúde a todos coletivamente,
220
CANOTILHO, Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1232.
221
LIMA, Ricardo Seibel de Freitas. Direito à saúde e critérios de aplicação, p. 20. Artigo publicado na
Revista de Direito Público, número 12, pg. 131.
77

não apenas individualmente, motivo pelo qual é temerário que o Judiciário, ante a
sua visão estrita de um caso individual, assuma o papel de protagonista na
implementação de políticas públicas de saúde.222
Na verdade, a colisão entre o direito fundamental à vida e à saúde dos
postulantes judiciais em detrimento da universalização da saúde é apenas aparente,
porque não é necessário que a saúde pública, garantida igualitariamente,
universalmente e coletivamente, sucumba frente às necessidades daqueles que
recorrem às vias judiciais para concretizarem seu direito à saúde.
Deve haver nesse caso uma harmonização entre direitos, de forma que a
necessidade de uns não prejudique as políticas coletivas de saúde. Não se deve
esperar que o Estado forneça qualquer tipo de tratamento, porque ele é obrigado a
cuidar daquilo considerado essencial em caráter coletivo, como as políticas
preventivas e o saneamento básico. Concessões devem ser feitas, nesse caso.
Mendes, Coelho e Branco explicam que “tem-se, pois, autêntica colisão de
direitos apenas quando um direito individual afeta o âmbito de proteção de outro
direito individual.”223
Discute-se aqui uma suposta colisão entre o bem jurídico saúde pública, que
decorre do próprio direito à saúde, e o direito individual à saúde. Logo, não é correto
que se fale em colisão, pois não há nenhuma invasão do âmbito de proteção do
direito individual, ocorrendo justamente o oposto, em que a saúde pública é um meio
importante para a concretização do direito individual à saúde.
Os problemas que existem são originários da má gestão da saúde por parte
dos administradores públicos que são responsáveis pelo sucateamento do SUS,
gerando, consequentemente, um aumento na demanda judicial na busca pela
saúde, como também pelos excessos da jurisprudência, que, por falta de critérios,
até agora não se revelou capaz de enfrentar adequadamente as demandas oriundas
da saúde pública.

222
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 24. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
223
MENDES, COELHO e BRANCO. Curso de direito constitucional, p. 375.
78

3.4. AS POSSIBILIDADES DE UMA ATUAÇÃO JUDICIAL ADEQUADA NA


DISTRIBUIÇÃO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO

O Poder Judiciário, com a promulgação da Constituição Federal de 1988,


passou a ocupar um espaço até então inédito na história constitucional brasileira.
Conferiu-se ao Judiciário autonomia institucional, consubstanciada na garantia de
autonomia financeira e administrativa, bem ainda foi assegurada aos magistrados
autonomia funcional.224
Mais do que isso, o Poder Judiciário passa a tutelar a Constituição em seu
sentido material, garantido o seu devido respeito com base na prevalência dos
direitos fundamentais. Rosa assevera que:

A possibilidade de transformação social pelo Direito, em simetria com


o pacto social avivado pela Constituição Federal de 1988 e dos
direitos humanos aderidos (CF, art. 5º, §2º), representa a mais
relevante atuação social do Poder Judiciário de índole
substancialista. Não é verdade – e nem se está defendendo – que o
Poder Judiciário é a salvação de toda situação social. Todavia, exigir
o fazer acontecer do Poder Legislativo, dos administradores públicos
e dos próprios membros do Poder Judiciário é o grande papel do ator
jurídico, consciente da sua função democrática.225

O Estado Democrático de Direito, consagrado no art. 1º da Constituição


Federal, pauta-se pelos conceitos de democracia e constitucionalismo. Democracia,
segundo Neves, é “o regime político, ou forma de governo, em que a soberania
reside no povo que, por sua maioria, mas sempre indiretamente, representado por
uma elite reduzida de seus delegados, exerce o poder, sob o princípio da absoluta
igualdade de direitos entre os cidadãos. Diz-se do governo do povo, pelo povo e
para o povo.”226 Já constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e
supremacia da lei (Estado de direito, rule of Law, Rechstaat).227
A democracia é composta pelo seu âmbito formal e substancial. O âmbito
formal vincula a democracia à vontade da maioria, enquanto o substancial articula o

224
MENDES, COELHO e BRANCO. Curso de direito constitucional, p. 974
225
ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 80-81.
226
NEVES, Iêdo Batista. Vocabulário prático de tecnologia jurídica e de brocardos latinos.
227
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 10. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
79

indecidível, ou seja, nem mesmo pela maioria poder-se-á violar ou negar os direitos
fundamentais.228
Dessa forma, os direitos fundamentais deverão prevalecer mesmo que contra
a vontade da maioria, isso por conta da ideia de democracia substancial em que se
funda o Estado Democrático de Direito.
O Estado Constitucional de Direito gravita em torno da dignidade da pessoa
humana e na centralidade dos direitos humanos. A dignidade da pessoa humana é o
centro de irradiação dos direitos fundamentais, conhecido também como o núcleo
essencial de tais direitos. Cabe, assim, ao Legislativo, Executivo e Judiciário realizar
os direitos fundamentais, na maior extensão possível, tendo como limite mínimo o
núcleo essencial desses direitos.229
No que tange às três funções estatais, o embate entre a democracia e o
constitucionalismo se dá quando o Poder Judiciário interfere nas deliberações
oriundas do Legislativo e do Executivo, representados pela maioria. Essa
interferência só é possível quando algum direito fundamental é vulnerado para além
do seu mínimo essencial, qual seja, a dignidade da pessoa humana.
É inviável que os direitos fundamentais, especificamente os prestacionais,
sejam promovidos indiscriminadamente, não sendo rara a necessidade de se
efetuarem ponderações e escolhas nem sempre agradáveis, devendo o Judiciário
ser deferente para com essas opções políticas, em respeito ao princípio
democrático.230
Conclui-se, portanto, que não é vocação do Poder Judiciário formular políticas
públicas, mas sim tutelar os direitos fundamentais.
Em relação à concessão gratuita de medicamentos pelo Estado, quais seriam
os parâmetros para uma atuação judicial adequada?
Barroso propôs certos critérios para a concessão de medicamentos pelo
Estado via judicial, tanto nas ações individuais como nas ações coletivas.

228
ROSA, Alexandre Morais da. O que é garantismo jurídico?, p. 21.
229
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 10. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
230
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 12. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
80

As ações individuais destinar-se-iam à concessão de medicamentos a uma


pessoa singularmente, enquanto as ações coletivas, às alterações das listas de
medicamentos elaboradas pelos entes federativos.
Para Barroso, no âmbito das ações individuais, a atuação jurisdicional deve
ater-se a efetivar a dispensação dos medicamentos constantes das listas elaboradas
pelos entes federativos.231
Defende-se a presunção de que o Legislativo e Executivo, ao elaborarem as
listas de medicamentos, avaliaram, em primeiro lugar, as necessidades prioritárias a
serem supridas e os recursos disponíveis, a partir da visão global que detêm de tais
fenômenos. Assim como avaliaram os aspectos técnico-médicos envolvidos na
eficácia e emprego dos medicamentos.232 A prevalência das opções do Legislativo e
do Executivo devem prevalecer em respeito ao princípio democrático, uma vez que
legitimados pelo povo a planejar e executar políticas públicas.
Em que pese essa concepção seja um critério válido para a dispensação de
medicamentos em ações individuais, tal critério não deve ser absoluto. De fato,
presume-se que o Legislativo e o Executivo fizeram as devidas ponderações e
avaliações na elaboração da lista de medicamentos a serem disponibilizados pelo
Estado, contudo, essa presunção não pode ser absoluta, cabendo prova em sentido
contrário.
Não raro, medicamentos essenciais para o tratamentos de doenças
singulares ficam de fora das listas elaboradas pelos entes federativos, vindo a
prejudicar pacientes que correm risco de vida acaso não façam uso desses
medicamentos. Havendo a postulação de algum medicamento que, mediante análise
foi possível constatar a sua essencialidade, deve o Judiciário determinar a
concessão do medicamento.
Nas tutelas emergenciais, via de regra, não é possível deter-se a uma análise
mais aprofundada acerca da essencialidade de um medicamento não incluso na lista
do SUS, caso em que o juiz deverá apoiar-se nas circunstâncias do caso concreto e
nos elementos constantes nos autos para deferir a concessão do medicamento.
231
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 28. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
232
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 28. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
81

Ainda em relação às demandas individuais, segundo o autor, o pólo passivo


deverá ser ocupado pelo ente responsável pela lista pela qual consta o
medicamento requerido.233
As ações coletivas destinar-se-ão à alteração das listas de medicamentos,
seja para a inclusão de algum medicamento, seja para a substituição de um
medicamento por outro mais eficaz.
Para a defesa de direitos difusos ou coletivos cuja decisão produz efeitos erga
omnes no limite territorial da jurisdição de seu prolator justifica-se a intervenção
judicial para a alteração da lista de medicamentos dos entes federativos. Ainda mais
pelo fato dos legitimados às ações coletivas terem melhores condições de trazer
elementos aos autos e discuti-los.234
De acordo com Barroso, alguns parâmetros devem ser observados para que
se proceda à alteração na listagem dos medicamentos, quais sejam: 1. A
determinação de inclusão, em lista, de medicamentos dar-se-á apenas em relação
aqueles de eficácia comprovada, excluindo-se os experimentais e os alternativos; 2.
O Judiciário deverá optar por substâncias produzidas no Brasil, tendo em vistas as
facilidades que medeiam essa opção; 3. O Judiciário deverá optar pelo medicamento
genérico, de menor custo; 4. O Judiciário deverá considerar se o medicamento é
indispensável para a manutenção da vida, haja vista que, em um contexto de
recursos escassos, um medicamento vital à sobrevivência de determinados
pacientes terá preferência ao que proporcionar apenas melhor qualidade de vida. 235
A legitimidade passiva, a exemplo das ações individuais, deverá ser do ente
federativo encarregado de elaborar a listagem dos medicamentos.
Observa-se que, com critérios definidos e consciência acerca das
possibilidades e limites do Estado quanto à prestação dos direitos sociais, é possível
que o Poder Judiciário se torne um artífice na concretização do direito à saúde,

233
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 34. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
234
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 31. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
235
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, p. 32. Disponível em:
<http://www.lrbarroso.com.br/pt/casos/direito/artigo_prof_luis_barroso_da_falta_de_efetividade_a_judi
cializacao_efetiva.pdf>.
82

evitando o excesso de demandas que são prejudiciais tanto ao Judiciário quanto aos
outros poderes.
Contudo, não se pode deixar aqui de afirmar que uma conscienciosa atuação
por parte do Judiciário não basta para evitar o excesso de demandas ou a
inefetividade do direito à saúde. É preciso mais. Uma participação mais ativa da
população e uma maior responsabilidade dos administradores públicos são os
caminhos para que a saúde se torne efetivamente igualitária e universal, conforme
prega a constituição.
CONCLUSÃO

Neste Trabalho de Conclusão de Curso foram abordados os temas da


normatividade dos princípios constitucionais e da judicialização do acesso à saúde.
Procurou-se, por meio da normatividade dos princípios constitucionais, demonstrar o
papel e importância singulares dos princípios no ordenamento jurídico. Em relação à
judicialização do acesso à saúde, propôs-se visualizar os problemas que envolvem
as demandas judiciais da saúde de maneira ampla, de modo que se pudesse, ao
final, apresentar parâmetros para que o enfrentamento racional da matéria.
Para melhor esclarecer, no primeiro capítulo procedeu-se à definição dos
princípios com base nos ensinamentos dos grandes doutrinadores sobre o tema, a
apresentação dos seus caracteres, bem como sobre a evolução da normatividade
dos princípios nos ordenamentos jurídicos. Concomitantemente, abordaram-se os
temas das gerações de direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana e o
mínimo existencial.
O termo princípio é polissêmico, variando de significado conforme a
perspectiva em que for analisada. Juridicamente, o vocábulo princípio passa por
constantes modificações a fim de que seu significado abranja tudo aquilo que ele
realmente representa em cada época. Os caracteres dos princípios são as suas
características e os efeitos concretos que são capazes de produzir na sua prática
social. A evolução da normatividade dos princípios demonstra que eles passaram
por três fases distintas de juridicidade: o jusnaturalismo, o positivismo e o pós-
positivismo.
Na fase jusnaturalista, os princípios eram carentes de normatividade, sendo
que espelhavam nada mais do que postulados oriundos da concepção de justiça. No
positivismo, os princípios eram encarados como direito, porém seriam como normas
de aplicação subsidiária caso o direito positivo não contemplasse uma situação
específica. Já na fase pós-positivista os princípios finalmente alcançaram o status de
normas jurídicas assim como as regras, mas com peculiaridades que lhe atribuíam
uma natureza jurídica própria.
Referente ao tema das gerações dos direitos fundamentais mostrou-se a
formação histórica dos direitos ditos fundamentais, procedendo-se à classificação
destas gerações em quatro. Os direitos de primeira geração referem-se aos direitos
84

de liberdade. Os de segunda geração são os direitos sociais, oriundos da concepção


de que o Estado é responsável por realizar a justiça social. A terceira geração dos
direitos fundamentais possui titularidade difusa e coletiva, assentados sobre a ideia
de fraternidade. Os direitos de quarta geração advieram do movimento de
globalização política, são os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo.
A dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial têm especial relevo na
temática dos direitos fundamentais. Por meio da dignidade da pessoa humana
compreende-se o ser humano como fim nunca como um meio, distinguindo-se aquilo
que tem um preço e aquilo que tem dignidade. O mínimo existencial representa a
quantificação mínima dos direitos fundamentais para que seja assegurada a
dignidade da pessoa humana.
Este capítulo, em síntese, apresentou a temática dos princípios e aferiu o seu
caráter de norma jurídica, bem com expôs os fundamentos da doutrina dos direitos
fundamentais.
O segundo capítulo tratou do tema da estrutura das normas jurídicas, que
englobou a questão da distinção entre regras e princípios, os postulados normativos,
os valores e a distinção entre princípios e valores. Ainda, expôs o tema da saúde
como elemento da dignidade da pessoa humana e a sua posição na teoria dos
direitos fundamentais.
A distinção entre princípios e regras é tema central acerca da formulação da
estrutura das normas jurídicas. Quanto maior for a intensidade da distinção entre
eles, mais nítida será a ideia da existência de duas espécies de normas jurídicas.
Formularam-se, desta forma, três tipos de distinções entre regras e princípios:
a distinção forte ou qualitativa, a tese da conformidade ou distinção fraca e a
distinção dúctil.
A distinção forte propugna a ideia de que as normas jurídicas são regras ou
princípios. As regras seriam aplicadas da maneira tudo ou nada, sendo que na
hipótese de conflito entre regras, uma necessariamente teria que ser declarada
inválida. Os princípios seriam como mandatos de otimização, normas que ordenam
que algo seja realizado na maior medida possível, considerando que um conflito de
princípios resolve-se através da lei da ponderação, onde o princípio de maior peso
será aplicado ante o caso concreto, sem, contudo, que o outro princípio seja
declarado inválido.
85

A tese da conformidade ou distinção fraca vem afirmar que a tese da distinção


forte é insustentável a partir do momento que certas propriedades normativas podem
ser encontradas em ambas as espécies de normas, podendo, assim, haver nas
regras mandatos de otimização, bem como podem existir nos princípios
determinações precisas.
A distinção dúctil admite uma zona de graduação entre princípios e regras.
Existem a zona de penumbra e a zona de certeza semântica. A distinção forte nega
a existência da zona de penumbra, enquanto que a distinção fraca desconhece a
zona de certeza semântica. Deste jeito, a distinção dúctil reconhece que certas
funções desempenhadas pela norma estão vinculadas, ainda que de forma débil, à
sua estrutura. Não se abandona, por conseguinte, a distinção entre princípios e
regras.
Os postulados normativos constituem-se em diretrizes metodológicas de
aplicação das normas jurídicas no complexo esquema de sopesamento das normas
a reger um caso concreto.
A definição do conceito de valores é uma tarefa complexa e árdua, sendo que
para os fins deste trabalho, os valores apresentam-se como critérios de valoração,
os quais não se confundem com os objetos valorados. A distinção entre valores e
princípios sustenta-se na dimensão axiológica do primeiro, e na dupla dimensão
axiológica e deontológica dos princípios.
Ao final do segundo capítulo, discorreu-se a respeito da saúde incorporar-se
como elemento da dignidade da pessoa humana, uma vez que, sem o mínimo de
saúde, não há como garantir a sobrevivência digna. O direito à saúde pode ser
encaixado tanto como um direito de primeira geração, vez que pode ser oposta
contra a vontade estatal; de segunda geração, eis que é visto como um direito social
a ser propiciado pelo Estado; e como um direito de terceira geração, visto que
inexiste a determinação de seus titular, tratando-se de um direito transindividual.
Neste trabalho, a saúde foi abordada como um direito social prestacional.
Os resultados almejados no segundo capítulo foram plenamente alcançados,
conseguindo-se demonstrar uma teoria da estrutura das normas jurídicas adequada
tendo em vista sua aplicação e concretização, assim como foram apresentados os
caracteres iniciais do direito à saúde, tema do terceiro capítulo.
O terceiro capítulo se ocupou do tema da judicialização do acesso à saúde.
Primeiro, procedeu-se à definição de saúde, destacando-se a competência dos
86

entes políticos no financiamento da saúde e o problema que envolve a distribuição


gratuita de medicamentos; em seguida, tratou-se da judicialização excessiva do
acesso à saúde, da colisão entre o direito à vida e à saúde de uns e a promessa
constitucional da universalização da saúde, sendo que o capítulo finaliza-se com a
discussão sobre as possibilidades de uma atuação judicial adequada na distribuição
de medicamentos pelo Estado.
A saúde pode ser vista como um processo sistêmico que objetiva a prevenção
e a cura de doenças, ao mesmo tempo em que visa à melhor qualidade de vida
possível, levando-se em conta a realidade de cada indivíduo.
O Estado promove a saúde a toda a população através do Sistema Único de
Saúde – SUS, orientado pelos princípios da universalidade, integralidade e
equidade. É competência comum de todos os entes estatais, quais sejam, a União,
Estados, Distrito Federal e Municípios cuidar da saúde.
A distribuição gratuita de medicamentos pelo Estado decorre do dever deste
em promover a saúde e apresenta-se, atualmente, como uma questão de grande
complexidade. A procura por medicamentos aumentou bastante, deve o Estado
eleger aqueles medicamentos considerados essenciais, bem ainda as demandas
judiciais para a concessão de medicamentos têm dispendido uma enorme
quantidade de recursos sem se mostrar eficaz quanto à efetivação do direito à
saúde.
A judicialização do acesso à saúde passou a existir já no contexto da
Constituição Federal de 1988, onde as normas constitucionais adquiriram força
normativa. Neste viés, trava-se uma relevante discussão acerca dos limites do
controle judicial de políticas públicas, aceitando-se a possibilidade dessa
interferência somente quando os direitos fundamentais forem vulnerados. O
excessivo número destas demandas judiciais acaba trazendo conseqüências
prejudiciais às políticas públicas traçadas pelo governo; daí a importância da
jurisprudência apontar critérios objetivos para a resolução das demandas, a fim de
minorar os prejuízos e propiciar segurança jurídica.
A colisão entre o direito à vida e à saúde de uns e a promessa constitucional
da universalização da saúde surge como o ponto central das demandas da saúde.
Na verdade, não se deve falar aqui de uma colisão propriamente dita, mas sim de
uma colisão aparente, visto que não é razoável que a saúde pública sucumba frente
à necessidade de um indivíduo e vice-versa. A coletividade e o individual
87

representam as duas formas de concretização da saúde, devendo harmonizar-se ao


ponto de que um lado não prejudique o outro.
Para uma atuação judicial adequada na distribuição de medicamentos, foram
destacados os seguintes parâmetros: as ações individuais destinam-se apenas à
dispensação dos medicamentos considerados essenciais inclusos na lista
elaboradas pelos entes federais, exceto se o caso envolva risco à saúde, em que se
admitirá a postulação de outros medicamentos; as ações coletivas servirão para a
alteração da lista de medicamentos, seja para a inclusão de algum medicamento,
seja para a substituição de um medicamento por outro mais eficaz.
Concluindo, o terceiro capítulo foi capaz de revelar a situação referente às
demandas judiciais da saúde, mostrando a sua indispensável utilidade, as questões
polêmicas e os problemas de sua banalização, bem como foram propostos
parâmetros para uma atuação correta da jurisprudência.
Posto isto, foi possível alcançar todos os objetivos desejados com a pesquisa,
pois se verificou a posição dos temas abordados dentro da temática constitucional
contemporânea, de grande importância para a formulação de uma dogmática
constitucional, assim como se puderam detalhar minuciosamente algumas das
questões correntes da saúde no Brasil, propondo-se alternativas e ensejando a
discussão.
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da Lei de Introdução ao Código Civil. Publicado no Diário Oficial da União, de 18 de
setembro de 1942.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre a defesa do


consumidor e dá outras providências. Publicado no Diário Oficial da União, de 20 de
setembro de 1990.

BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para


a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento
dos serviços correspondentes e dá outras providências. Publicado no Diário Oficial
da União, de 20 de setembro de 1990.

BRASIL. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da


comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras
providências. Publicado no Diário Oficial da União, de 31 de dezembro de 1990.
92

BRASIL. Lei nº 9.797, de 10 de fevereiro de 1999. Altera a Lei nº 6.360, de 23 de


setembro de 1976, que dispõe sobre a vigilância sanitária, estabelece o
medicamento genérico, dispõe sobre a utilização de nomes genéricos em produtos
farmacêuticos e dá outras providências. Publicado no Diário Oficial da União, de 7
de maio de 1999.

BRASIL. Portaria 3.916/GM, de 31 de outubro de 1998. Aprova a Política Nacional


de Medicamentos. Publicado no Diário Oficial da União, de 10 de novembro de
1990.

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