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MARCELO CUNHA VARELLA

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LUIGI MIGUEL MELNECHUKY

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SUMÁRIO
I. À PROCURA DA UNIDADE............................................................................................ 2
1 O Elefante Que Nós Somos... ..................................................................................... 2
2 O Valor De Uma Metáfora. ........................................................................................ 27
3 “Mas Não se Pode Querer os Fins e Não se Querer os Meios.” ................................ 33
4 “O Nosso Caminho da Servidão” ............................................................................... 41
5 O Mundo Entra no Passo do Cancan. ....................................................................... 51
6 O Paradigma Ideológico Atual. .................................................................................. 62
7 Pedagogia Libertária. ................................................................................................ 74
8 Formar ou conformar: eis a questão.......................................................................... 80
9 Educação é a Nossa Praia! (lema da UFPR Litoral) .................................................. 90
10 UFPR Litoral: um experimento. .............................................................................. 94
11 Proposta de Convergência: experimentando o experimento. ................................. 98
1ª Etapa: Adaptação dos Projetos de Aprendizagem. ................................................. 106
2ª Etapa - Proposta de Convergência e Plano de Conclusão do Projeto. ................... 106
3ª Etapa: Convergência do aprendizado. .................................................................... 107
4ª Etapa: Conclusão da Proposta e do Projeto. .......................................................... 109
II. O DIREITO A UMA ALTERNATIVA À ECONOMIA NEOLIBERAL. ............................ 109
2.1 Outra Economia Acontece. (Lema da Economia Solidária”)................................. 109
Justificativa. ................................................................................................................ 119
Economia Solidária ..................................................................................................... 120
Circulante Local .......................................................................................................... 127
Logística Reversa ....................................................................................................... 128
Juros Invertido ............................................................................................................ 129
Fórum Socioeconômico Local - FECOL ...................................................................... 131
Ecodesenvolvimento ................................................................................................... 133
Pedagogia Libertadora................................................................................................ 137
III. “AS AÇÕES DA NATUREZA TÊM CAUSA E EFEITO; AS DO HOMEM TÊM
PRINCÍPIOS E CONSEQÜÊNCIAS” (CONFÚNCIO) ......................................................... 139
3.1 Uma salva de PALMAS. ...................................................................................... 139
3.2 Um pouco mais de história................................................................................... 142
3.3 Nossa História. .................................................................................................... 146
IV. POTENCIALIDADES LOCAIS .................................................................................... 149
4.1 Fomento Intelectual e Desenvolvimento Solidário. ............................................... 149
4.2 O “Inédito Viável”. ................................................................................................ 155
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FAS3: Fundação de Ação Solidária. ........................................................................... 158


Banco FIDES .............................................................................................................. 161
Benefícios ................................................................................................................... 164
Participação ................................................................................................................ 165
Considerações ............................................................................................................ 166
4.3 Conclusão............................................................................................................ 167
Teremos Tudo ............................................................................................................ 169
4.4 Referências Bibliográficas: .................................................................................. 170
4.5 Bibliografia Consultada: ....................................................................................... 173
4.6 Sites Consultados: ............................................................................................... 175

I. À PROCURA DA UNIDADE.

1 O Elefante Que Nós Somos...

“Ao invés de amor, dinheiro, fé, fama, justiça… dê-me a verdade.”


Henry David Thoreau

Atribui-se a Buda uma antiga parábola sobre a condição humana.


Pedindo para que algumas pessoas vendassem seus olhos, Buda aprontou-lhes,
todas, defronte a um mesmo animal, um elefante, incitando-as a tocá-lo. Sem
comunicarem-se uns com os outros, cada pessoa vendada deveria especular sobre
que animal estava tateando. A conclusão foi que, ainda que se tratasse do mesmo
animal, nenhuma pessoa foi capaz de apreciar que o referido tratava-se do mesmo
para todos. Ainda que se experimente a mesma realidade, as conclusões acerca do
que ela é sempre divergem de pessoa a pessoa – a unidade não é, portanto,
percebida.

A unidade, oras, na parábola budista, vem a ser o elefante. Cada


discípulo experimenta a realidade, a sente, e chega a sua conclusão particular. Da
mesma forma, os seres humanos experimentam uma mesma realidade regional e
concluem verdades sobre esta, cada qual da sua maneira.

Laraia 2005, afirma que “a cultura é como uma lente através da qual o
homem vê o mundo”. Significa que através de sua cultura o homem interpreta a
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realidade que experimenta. A sociologia aceita que a cultura está para o homem
assim como os instintos estão para os animais. Sendo inerente ao homem, torna-se
errôneo ou hipócrita definir que algum ser humano não possua cultura ou possua
uma cultura primitiva. Um povo pode ser agravo; pode não possuir escrita e ser
iletrado, mas terá cultura - pois com esta, este povo consegue sobreviver e
perpetuar-se no meio em que vive. As culturas são apenas diferentes, pois lidam
com situações diferentes. Não se pode mensurar uma cultura, tampouco
hierarquizá-las. O homem, enfim, é o único ser terrestre possuidor de cultura. O
termo surgiu, no contexto cientifico sociológico, ao final da década de 80 com Tylor,
na união da palavra germânica kultor – todos os aspectos espirituais de uma
comunidade – e da palavra francesa civilization – realizações materiais de um povo.
O enunciado deste termo aponta que cultura é “este todo complexo que inclui
conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade
ou habito adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (ibid.).

Deve-se lembrar que descontextualizada de suas próprias culturas (seja


em relação ao tempo, seja em relação ao espaço), esta perde grande parte de seu
sentido. A socióloga Laraia aceita, por isso, que a cultura possui característica
espacial (podendo-se se falar de cultura individual, regional, global e etc.) e temporal
(uma vez que é dinâmica, modificando-se no tempo). Levando em consideração a
menor parte da cultura, a individual, pode-se afirmar que indivíduos diferentes terão
culturas diferentes; e, por isso, usarão “lentes diferentes” para ler o mundo: “portanto
têm visões desencontradas das coisas”. À titulo de exemplificação, que se tome
como base uma montanha hipotética, bem como duas pessoas com culturas
individuais diferentes: uma é extremamente sedentária, enquanto outra é
montanhista. Ambos experimentarão a mesma montanha, mas perceberão coisas
diferentes: enquanto o primeiro visualizará como um árduo trabalho, o segundo
encarará a travessia como um desafio, uma diversão, um lazer. Logo, não existe
uma cultura mais verdadeira ou mais próxima da realidade que outra, pois uma
interpretação da realidade, qualquer que seja, não é a realidade em si, mas, sim,
uma mera interpretação.

Laraia afirma que “a nossa herança cultural, desenvolvida através de


inúmeras gerações, sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação
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ao comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos pela maioria da
comunidade. Por isso, descriminamos o comportamento desviante”. Para
exemplificar a máxima, a autora cita o caso dos homossexuais que são vistos com
enorme preconceito em muitas culturas contemporâneas, mas aceito e respeitado
em determinadas tribos das planícies norte-americanas. O legado das culturas
anteriores, portanto, soma-se à cultura atual para formar uma cultura normal,
regular, nas normas, de um determinado espaço geográfico em um determinado
período de tempo.

Levando em conta o que foi afirmado até aqui, explica-se: existe um


padrão cultural momentâneo para cada cultura. Este padrão é ditado por certas
normas herdadas como legado da cultura normal anterior à vigente. As
normalidades das sociedades são consideradas como verdades absolutas - embora
se saiba que não existe verdade absoluta entre as culturas. Para exemplificar isto,
leve-se em conta tempos mais remotos, onde, da mesma forma, as culturas
humanas elegiam-se como certas e verdadeiras. Assim, ainda que hoje isto pareça
absurdo, deve-se lembrar que, há tempos atrás, a humanidade quase enforcou
Galileu por ter apresentado um comportamento desviante, mesmo este estando
certo; ou quando acreditávamos que a vida poderia surgir espontaneamente de
panos velhos e suor humano, à época da Geração Espontânea. A Normalidade de
cada cultura, portanto, cria os paradigmas de cada época.

Khun (1962) é citado por Carvalho Jr, 2004 para definir paradigma e da
mesma forma o faz o Dicionário Aurélio. A palavra derivou da latina tard, e ganhou
uma concepção específica com Khun, referindo-se às “realizações cientificas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e
soluções modulares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. Os
paradigmas não são a verdade, mas, sim, o que se acredita ser verdade, em um
determinado espaço, por um determinado número de pessoas, em determinada
época. Um novo paradigma surge quando se reconhece alguma falha
significativamente fundamental nas relações entre os paradigmas recentes. Num
dado momento, tamanha são as conclusões acerca o erro de um dado paradigma,
que outro paradigma surge em seu lugar.
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Em latim, utilizava-se a palavra conscientia, que significa “conhecimento


de alguma coisa comum a muitas pessoas”, para definir uma consciência social, o
conhecimento tido como verdadeiro para uma sociedade especifica de pessoas. Ou
seja: a normalidade cultural de uma região. Pessoas com conhecimento social
normal de uma determinada sociedade, portanto, agem normalmente: estão cientes
de conhecimentos básicos prévios e aceitam ou condizem com os paradigmas.

Neste processo infindável é por onde caminha o conhecimento humano:


por vias onde a única certeza é a incerteza. Ainda assim, transmite-se com
veemência às gerações futuras um ideal de progresso humano baseado no modo
neoliberal de se viver. Como visto, as culturas humanas deixam seus legados às
sociedades futuras, e assim o faz, portanto, a cultural neoliberal. O senso de
normalidade e a repressão quanto à padrões desviantes, acomodam os cidadãos
normais, que, como dito, aceitam os paradigmas. Não existe, lembra Pompeo 1995,
um impulso natural de progresso – ele se dá por uma macro-condição perturbadora.
Logo, as mudanças dão-se pela motivação de “uma realidade que force ou estimule
mudanças”. Quem está “ajustado, feliz e adaptado” não tem motivos para alterar a
realidade. Um cidadão normal, portanto, que se adaptou à cultura normal, não
tenciona mudanças. De acordo com Pompeo, o progresso provém dessa
perspectiva: avançar de um estado A, problema, para um estado B, solução.
Precisa-se que a cultura atual interprete-se como problemática para gerar um
progresso futuro.

A cultura transmite-se ininterruptamente nas relações sociais. O homem


não está isento de cultura em nenhum momento. Os cuidados com a mãe no parto,
por exemplo, variam de cultura para cultura. Desde que nasce, um humano passa,
logo, a aprender um legado. É importante citar que a cultura não é uma herança
humana ligada à genética. O legado que o ser humano absorverá independe desta
característica: se um bebê japonês for adotado por pais afrodescendentes,
absorverá a cultura afro e não a nipônica.

Didaticamente, como fizeram Pompeo e Luckesi 1990, pode-se dividir a


transmissão da cultura em dois segmentos específicos: da cultura emocional (ou
primária) e da cultura elaborada. A primeira vem a ser a cultura não crítica, utilizada
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para manter-se a rotina, como os costumes e as crenças. Por isso, aceita-se que a
Cultura Primária é transmitida inconscientemente (Pompeo, por isso, chama-a de
Cultura Emocional). Esta Cultura não se compromete em preencher todas as
lacunas ou explicar todos os fatos. Pompeo atribui a isto existência dos mitos e das
superstições em algumas populações humanas. Do contrário, a Cultura Elaborada, a
fim de que uma sociedade, ou “muitas pessoas”, tenha exatamente conhecimento
das mesmas coisas, formalizou-se e sistematizou-se. Transmitido como sendo a
verdade aceita por um grupo de pessoas, isto é, conscientemente, este
conhecimento, ora, recebia a terminologia de Scientia (conhecimento), em latim, e
foi traduzido como ciência para o português. A Ciência permitiu à Humanidade
uniformizar e confirmar empiricamente certos pensamentos, e, portanto, tornou-se a
bussola para progresso humano.

Diversos fatos históricos, que serão apresentados ao decorrer deste


trabalho, influenciaram e influenciam a formalização de uma Ordem Social que,
desde sua essência, apresenta falhas evidentes em sua confabulação, aceitando,
sempre, privilegiar uma minoria pré-definida, considerada, de algum modo,
socialmente superior aos demais membros da sociedade humana. Este processo
deu-se com avanços significativos, ainda que lentos. A humanidade faz, claro, parte
de um processo inacabado, que ruma à união humana. A afirmação dá-se através
de uma analise aristotélica, embasada na lógica, do desenvolvimento das
sociedades humanas. Desde seus primórdios, quando a ordem social ditava-se
pelas vias da cultura emocional, e o homem prendia-se aos dogmas desta; até o
paradigma atual, a sociedade humana enfrentou-se a si mesma. Todas as batalhas
dão-se graças à discordância ou falta de conhecimento quanto uma cultura
estranha, pois são estas características que impedem o homem de ver-se como
parte de uma unidade. Enquanto o homem adotar medidas desenvolvimentistas
voltadas a uma sociedade qualquer, e não à sociedade humana, o progresso será
alcançado apenas a esta parcela da sociedade. Deve-se buscar um elo para ligar
todas as culturas humanas, a fim de dá-las oportunidade de viver com a
humanidade. A história do desenvolvimento humano denuncia isso: ainda que de
maneira relutante, a humanidade progride para se tornar uma. Lógico que, por se
tratar de uma cultura desviante, contrária aos legados culturais das nossas
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sociedades mais remotas, esse paradigma resiste. Porém, visto as condições


históricas, isto se apresenta como um fator natural: o paradigma criado pelas
culturas egípcias demoraram 3000 anos para findar; o paradigma neoliberal existe
desde a década de 70. Repete-se: a humanidade está no meio de um processo.

Se por um lado a ciência pode fazer o progresso, por outro também o


pode freá-lo – visto que a ciência trabalha com paradigmas, seja na sua criação seja
na sua modificação. O cientificismo mostra-se uma faca de dois gumes. Seu lado
positivo, os métodos sistematizados replicáveis, contrapõem-se ao seu lado
negativo: a popularização da ciência neoliberal tende às falácias do discurso
propriamente dito, propagadora de males à humanidade. Ao tornar-se “uma verdade
normal”, ou seja, uma verdade cientifica, a ciência neoliberal prendeu a humanidade
a paradigmas que são entraves ao seu progresso. Muitas normas provindas da
geração de outrora são impositivas à cultura atual, pois se apresentam como
verdades. Esse sentimento prepotente fez com que a humanidade, por tempos,
acreditasse, por exemplo, que a Terra fosse quadrada ou que um lugar no céu
poderia ser comprado. O patamar de progresso alcançado atualmente, chamado de
cultura neoliberal, não conseguiu, não conseguirá, não tenciona e não tencionará
acabar com os males do mundo. E, assim, não se conseguirá o progresso humano.

Sabe-se que a concepção de progresso é algo cultural. Ainda que cada


ser humano tenha uma visão divergente de progresso humano em relação a outro,
há de se aceitar que este progresso deve ser destinado à humanidade. Afinal, não
está se falando de progresso de uma sociedade humana, mas do progresso
humano, de todos humanos: da unidade humana. A humanidade é algo inegável.
Sabe-se que há a cultura individual, e que esta possui uma concepção de bem à
humanidade peculiar. Laraia exemplifica afirmando que se fosse oferecido a um
homem todos os costumes do mundo, e lhe pedisse para que esse escolhesse o
melhor, certamente que escolheria seus próprios costumes, tão convencidos estão
de que são melhores do que todos os outros. Lembra Pompeo que a soma das
aspirações de todas as partes (indivíduos) não corresponde às aspirações do todo
(Humanidade). A Abordagem Sistêmica explica o fato: ao analisar o micro
(individuo), vislumbra-se o difuso, que representa uma realidade peculiar àquele
individuo. Mesmo sendo real, não representa a realidade da Humanidade, uma vez
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que a “sociedade forma um todo diferente das partes”. Mas para ser aceito como
Progresso Humano, o progresso deve, necessariamente, contemplar a humanidade.
Lembra o autor que se a espécie humana comporta-se como um organismo vivo, é
inegável o fato de que “há, portanto, um todo que sobrevive como unidade”. Para
compor a “unidade humana”, ou Humanidade, basta ser humano; para ser humano,
basta viver; para viver, basta que, primordialmente, adquira-se aquilo que é
“essencial à sobrevivência”.

O atual progresso avança em tecnologia e teoria cientifica, acumula


capitais e centraliza poder, nega ou regula o essencial à sobrevivência. Ainda que se
aceite este progresso, deve-se lembrar que este jamais será o progresso humano,
pois necessariamente a humanidade deve ser a mesma. Não existe meia
humanidade: ela é a unidade, o que resume a união de todos os humanos; é uno e
indivisível. O neoliberalismo usufrui da pobreza alheia e aceita-a como normal, como
se certos humanos fossem fadados, desde quando nasceram, a serem a escoria do
sistema de vida humano. Como disse Galeano 1978: “A luta de classes não existe:
decreta-se”. Educados a acreditar no dinheiro e politizados a esperar que o
progresso venha da política, os homens propagam, invariavelmente, conscientes ou
não, a cultura que hoje se mostra soberana no globo. Os males desse sistema
tomam, por sua vez, ares de normalidade, banalidade, consequência, causalidade –
quando se sabe que não o são.

Um documento gerado na Conferencia das Nações Unidas para o


Comercio e o Desenvolvimento demonstrou-se distintamente contrário
neoliberalismo tal qual se apresentava na época de sua publicação, em 2004. O
documento afere, entre outras coisas, que os benefícios advindos da globalização e
da liberalização não são de fato sensíveis a todos. Quanto à liberalização
econômica, afirmou-se que os efeitos positivos não eram expandidos a todas as
pessoas e que isto aumentava a desigualdade entre essas; para globalização, por
sua vez, contestou-se que “as disciplinas e obrigações internacionais” de certa forma
moldavam as escolhas de políticas de desenvolvimento nos Países em
Desenvolvimento. Os efeitos negativos, por outro lado, são gerais, expandidos à
toda população: malefícios econômicos de má distribuição de renda e,
consequentemente, problemas sociais. Enfim, para não haver dúvidas, o documento
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esclarece que reconhece “o impacto negativo severo da ocupação estrangeira sobre


os esforços dirigidos para o desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza”.

“O neoliberalismo não conseguiu em um quarto de século, resolver os


problemas sociais dos países ocidentais, e muito menos eliminar a miséria do
Terceiro Mundo” (Layrargues, 1998). As inverdades impostas pelo neoliberalismo
mostram-se a ponto de romper alguns paradigmas que são fados à humanidade e
seu progresso.

Os humanos, enfim, apresentam-se como discípulos de Buda: tateando


às cegas pela verdade, sem, no entanto, compreender o essencial que os coloca
defronte da mesma realidade. Só se alcançará o progresso no mundo com uma
humanidade que visa progredir como tal. O progresso humano só será alcançado
quando destinado à humanidade, pois esta é tão fragmentada e desconexa quanto
um elefante.

“A historia é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi e
contra o que foi, anuncia o que será”. Assim disse Galeano, em sua obra “As veias
abertas da América Latina”. A primeira frase do livro apresenta-se como um golpe:
“há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países se
especializaram em ganhar, e outro em que se especializaram em perder”. Um
retrospecto da cultura humana contemporânea, desde sua base, torna-se necessário
para compreender algumas falhas básicas do atual paradigma, bem como para
compreendê-lo como sendo um processo inacabado.

Não se sabe onde começou a vida humana, nem quando nem como eram
e como agiam as primeiras sociedades humanas. Sabe-se que por muito tempo
vivemos por um período denominado pré-história (Pompeo 95; Gombrich, 98).
Gombrich afirma que este período humano pode ser denominada de “período da
pedra lascada” ou “período das cavernas”. Já neste período, o homem possuía
muitas culturas. Algumas famílias possuíam casas, que eram cavernas, e utilizavam
ferramentas materiais para facilitar a realização de certas necessidades. O ser
humano era nômade e, de qualquer maneira, era apenas um animal coletor/caçador,
ou seja, comportava-se como qualquer outro animal, adaptando-se às condições
naturais do habitat. Em certos períodos, como quando havia escassez de alimento, o
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homem tinha de vagar em busca de outra moradia, onde possuísse segurança e


alimento à prole.

A Economia, ressalta Pompeo, atribui que as necessidades humanas são


infinitas, enquanto que os meios de supri-las são finitos. Essa disparidade resulta em
uma Escassez Relativa no meio em que o Homem vive. A natureza, donde a
Humanidade retira aquilo que lhe é “essencial para sobreviver”, foi, portanto, por
muito tempo, símbolo de adversidade à humanidade. Como viviam sem leis, política
e ética entre si, as famílias ou bandos de humanos da pré-história, agiam
inescrupulosamente umas com as outras. Jamais, portanto, haveria condições para
existir um progresso humano com aquelas culturas disformes e destrutivas. Além de
não se aceitarem como unidade, as culturas ainda combatiam entre si por território e
alimento.

O primeiro progresso humano significativo, que representa um marco na


história, é, para Pompeo, o invento de uma cultura específica que foi a solução da
Humanidade para a Escassez Relativa. O advento, criado há cerca de 10 mil anos,
encerra, para o autor, inclusive, o período do Homem Primitivo. Esta cultura
mostrou-se como um instinto peculiarmente humano, responsável pela superação do
impulso natural de adaptar-se ao meio - o meio passou, então, a adaptar-se a ele.
Fala-se da cultura propriamente explicada por seu termo etimológico: a palavra
deriva do termo latino Colo que significa cultivar, relativo à cultura da terra. As
sociedades humanas, exclusas as nômades, que adotaram a agricultura como base
de seu progresso, afirmaram-se como propagadoras da Cultura do Trabalho. O
trabalho, para o economista, é definido como uma atividade humana que despende
certa energia e demanda certo período de tempo de dedicação diariamente. O autor
lembra que se o trabalho fosse prazeroso, não o teríamos renegado aos animais,
posteriormente aos escravos e, atualmente, às máquinas. Esta ruptura com o natural
humano, bem como a inserção do trabalho árduo e rotineiro, não foram prazerosos –
e, não bastasse, ainda se tornaram a égide desse novo sistema de vida.

Campos et al 2002 menciona que todo ser humano possui “uma


consciência moral, que o faz distinguir entre o certo e o errado, justo ou injusto, bom
ou ruim, e com isso, é capaz de avaliar suas ações” e, por isso, é o único ser capaz
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de Ética. Parafrasear-se-á Chinoy (1980) para definir cultura, em termos


sociológicos, como a somatória dos comportamentos, saberes e técnicas
acumulados por indivíduos e grupos, herdados e transmitidos de uma geração à
outra, na forma de legado. Ou seja, a Sociologia emprega o termo para associar
toda produção feita pelo homem, de meio material ou não (como conhecimentos ou
técnicas), adquiridas e partilhadas ao mesmo tempo pelo contato social e
acumulados com o decorrer do tempo. Por acumular-se, a cultura mostra-se
dinâmica e mutável, como já dito.

As culturas humanas foram obrigadas a criar um aparato social, uma


Nova Ordem Social, o qual salvaguardou o progresso dessa cultura agrária. A fim de
que esse aparato funcionasse, portanto, as sociedades deveriam inibir a natureza
humana e ensinar uma cultura que tornassem as pessoas propensas à agricultura, à
Sociedade do Trabalho. As pessoas, logo, precisam ser preparadas para manter a
engrenagem do trabalho funcionando. Pompeo lembra que a melhor forma de
controle é o autocontrole e, por isso, as famílias formalizaram-se nas Sociedades do
Trabalho, tendo como base controlar as atitudes naturais de sua prole, preparando-a
psicologicamente para o trabalho. O trabalho, oras, na sociedade atual, demonstra-
se como égide de um sistema complexo e símbolo de normalidade.

Oliveira (2008), logo no primeiro parágrafo de seu artigo denominado “a


técnica, a techné e a tecnologia”, divaga sucintamente sobre a condição do
conhecimento humano. A autora menciona que, no começo da humanidade, as
populações conheciam muito pouco sobre a natureza, e, por isso, nosso
conhecimento sobre ela era mítico – a natureza era sobrenatural. À medida que
passamos a conhecê-la, modificá-la e dominá-la através do trabalho (tal qual se
referiu Marx, em O Capital), “o sobrenatural torna-se natural, pois começa a ser
desmitificado”. Por muito tempo, a ordem das sociedades humanas estava
diretamente voltada ao mítico, havendo, na hierarquia social, um líder político-
religioso. Assim o foi com os egípcios, povo que viveu 6 mil (3100 a.C.) anos depois
do advento da agricultura. Com uma cultura absurdamente diferente da atual, os
povos que viviam às margens do Nilo perduraram por quase três mil anos. Foi a
civilização mais longa da história (Gombrich, 1998). Por todo este período, vale ser
ressaltado, a humanidade que se tem história viveu sobre um paradigma de
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realidade que, mesmo sendo diferentes, eram tidos, tais como se faz na atual
cultura, como verdadeiros. Mas não conseguiram tornar-se o progresso humano,
expandido à todos humanos. Alguns fatores devem ser mencionados para explicitar
este fato. Os egípcios foram a primeira civilização duradoura de cultura conhecida
que se tem noticia. Dominavam a cultura dos alimentos, mas não buscaram uma
cultura humana: pode-se notar aspectos contraditórios à humanidade. Como dito,
ainda que não se saiba exatamente o que é o progresso humano, sabe-se que ele
só é alcançado com a contemplação de toda a espécie. A cultura normal dos
egípcios incluía um longo plantel de escravos sem direito algum. A ordem social foi,
no entanto, tão bem arquitetada que durante todo este período apenas em duas
ocasiões as pessoas se rebelaram contra esse sistema autoritário. O paradigma da
normalidade àquela época era mantido por um líder que representava o deus na
Terra. Em outras palavras: o destino da humanidade estava centrado na mão de
autoritários lideres que ignoravam determinados seres humanos. Por esta
característica, as populações humanas propagaram um segundo erro vital ao seu
progresso: o dogmatismo.

O autoritarismo imposto já é algo controverso à humanidade; mas o


impedimento de questionar a realidade é mais, pois a condena à estagnação, uma
vez que exclui das decisões humanas qualquer outro humano ou pensamento:
condena-o a aceitar paradigmas. Quer-se deixar claro essas duas considerações
sobre a condição humana da época, que a impediam de ser uma unidade. Os
dogmas deixaram de influenciar, ao menos oficial e diretamente, quando a religião
tornou-se à parte da política, podendo, assim, questionar-se, de alguma maneira, as
leis. A religião, ressalta-se, surge da cultura emocional, não crítica; a política,
embasada na razão, busca o aprimoramento.

As primeiras culturas com esta característica politizada começaram a


surgir na Europa, por volta de 1200 a.C. Até esse período, a humanidade rumou em
marcha lenta. Em meados de 4 mil a.C. a cultura europeia possuía características
peculiares que a distinguiam das demais. Lembra Souza et al 2009 que as
sociedades organizavam-se em Génos. Neste período, o progresso humano através
desta cultura, também era inconcebível, pois cada géno distinguia entre si em
absoluto, possuindo, cada qual, sua própria cultura e religião.
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Génos refere-se à origem. Diz-se, por isso, que os humanos


organizavam-se em famílias. Os entes destas estavam ligados por um ancestral em
comum. Se a cultura era a mesma entre os entes familiares, não há de se esperar
outra coisa, senão que a terra fosse a mesma. Não à toa Souza et al resume que a
definição de família era dada, antes de qualquer coisa, pela união dos entes “para
prover a subsistência dos seus membros que era obtida na propriedade gentílica,
baseada no cultivo agrícola”. O autor lembra que “gentílica” refere-se “ao regime da
gens cujos membros, unidos por cerimônias sagradas, ajudavam-se em todas as
necessidades da vida e na qual o vínculo de nascimento garantia a perpetuação dos
nomes dos antepassados - os parentes eram ligados uns aos outros por deveres de
solidariedade, tendo a terra como propriedade coletiva”. Essas sociedades tratavam
a terra como um bem comum, inalienável e indivisível.

O aparato social criado até esta época já insidiava a Humanidade,


desumanizando-a. Nas sociedades gentílicas, formadas na Antiga Grécia e que são
a base da cultura ocidental, a ordem social era ditada pelo patriarca que, por sua
vez, possuía uma ética (uma cultura que o fazia agir de uma dada forma) com a
“Terra de todos”. Lógico que, como dito, esse “todos” era composto tão-somente
pela família. Perdia-se, pois, com este princípio partidário, a Unidade Humana;
criavam-se Unidades Humanas. Este aparato social, logo, era composto
essencialmente pela Cultura Emocional. O patriarca era considerado o familiar mais
próximo do “herói fundador” da família e, por isso, era considerado sagrado. As leis
por ele promulgadas não eram escritas, mas, sim, transmitidas de geração em
geração, mantendo-se, assim, a crença da “família”. Por serem divinas, eram leis
irrevogáveis, incontestáveis e imutáveis. O patriarca jamais poderia modificar ou
extinguir uma lei, apenas fazê-las cumprir. Dado seu posto, o patriarca jamais era
questionado dentro do âmbito familiar. A justiça, logo, era mantida por visões,
sonhos e mensagens transmitidas ao patriarca, diretamente provindas dos deuses.
Cabia a ele a função, portanto, de chefe político e religioso, que pregava a justiça
divina daquela casa. Por ser uma cultura emocional, ou seja, não crítica, o homem
do período gentílico não se sentia livre, mas detentor de um destino, uma vez que
sua conduta era guiada por um sentimento de submissão às leis divinas. E este
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deus era peculiar: “Cada deus protegia apenas uma família e era o deus apenas de
uma casa” (Coulanges, 1975 apud Souza et al)

Por isso, sem o contato com outras culturas, o homem gentílico que vivia
na Grécia “tinha dificuldade em entender a sua existência e suas sobrevivência fora
da comunidade”. Ou seja: a individualidade era pouco percebida, uma vez que só
compreendia-se como homem perante as lentes da cultura de sua Géno. Portanto, o
homem da Grécia tribal “só tem significado e existência quando inserido no coletivo,
assim a noção de comunidade ultrapassa a sua percepção de individualidade”
(Ramos apud Souza et al). Ainda que destrinchados do resto da humanidade, cada
Géno possuía relações humanas entre seus entes: “se o homem não tinha uma
relação de ajuda com seus pares e não cumpria as suas obrigações sociais, não era
considerado pelos outros membros como parte dessa comunidade, que por isso não
lhe assegurava a sobrevivência”. A cultura da terra era baseada, necessariamente,
nas relações sociais familiares entre cada membro.

Como dito, cada Géno possuía sua cultura emocional – ou seja: sua
crença. As crenças davam a cada família o direito sobre a terra, bem como poder
para comandar. Algumas famílias cresceram a tal ponto que se tornaram muito
maior que outras. Muitas pessoas foram excluídas desse novo sistema de vida. O
“essencial à sobrevivência” era alcançado pelos laços sociais entre cada família.
Como visto, sem a participação na família, as pessoas não adquiriam aquilo que é
Essencial à vida. Logo, o viver estava intrinsecamente ligado a obedecer normas.
Por isso, Pompeo, Souza et al e Campos et al concordam que não existe, na
Sociedade do Trabalho, uma natureza humana, mas, sim, uma condição humana, a
qual os homens devem obedecer determinados padrões sociais para ter o Essencial
à vida. A condição imposta, deve-se lembrar, condiz com deixar a natureza humana
e tornar-se um cidadão. Abandonar a Unidade Humana e acatar uma das várias
Unidades Humanas existentes.

Campos et al cita que a ética é a ciência do dever, da obrigatoriedade: é o


que rege a conduta humana. Se a princípio cada família possuía sua ética, o choque
cultural gerado pelo contato entre essas era evidente. Acontece que isto era
impossível, pois cada cultura gentílica tinha uma característica à parte de outra: não
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havia uma ligação, um valor comum entre essas. O choque cultural fez com que
surgissem novas culturas, mais complexas e com mais adeptos. A Unidade Humana,
oras, ainda rumava, mesmo com tantos entraves. Os excluídos daquele tempo não
se sentiam interiormente bem. Eram explorados e maltratados. O Progresso
novamente surge para a humanidade. Os excluídos e as famílias menores passaram
a se unir e atacar os aristocratas. Esse choque cultural fez com que surgisse uma
nova cultura, não mais embasada nos preceitos divinos. As várias famílias exclusas,
agora unidas, não possuíam um deus comum e, portanto, não havia uma justiça
comum – ou como dito por Souza et al: “as leis divinas, outrora instituídas pelos
chefes da religião doméstica e aplicadas por este mesmo líderes religiosos, já não
eram suficientes para manter a comunidade organizada”.

Na Grécia Antiga, por volta de 700 a.C., depois de mais de três milênios
vivendo à sombra dos dogmas, surge uma nova condição à organização humana.
Essa nova comunidade organizada é denominada de Polis, ou Cidades-Estado.
Chamavam-se assim, pois se apresentavam independentes umas das outras, unidos
apenas pela linguagem semelhante, a localização próxima, o esporte e a religião.
Muitas eram rivais. A justiça comum para cada Cidade-Estado passou a ser
discutida por todos os membros dessa sociedade, em praça pública. Visto que os
interesses particulares e a falta da justiça atrapalhavam o interesse coletivo (pois
fazia-se justiça por conta própria), criou-se o Estado que teria força o suficiente para
decidir pelo bem público. Em outras palavras: o Norte das sociedades humanas
estava passando da cultura emocional, baseada em divindades, para a cultura
elaborada, baseada na racionalidade.

Para cada cultura há uma técnica de gestão. A cultura das Polis exigia
técnicas peculiares, ou um aparato social peculiar, para compor a Ordem Social. O
poder de decisão das Cidades-Estados estava centrado nas mãos de um
governador, que era assessorado por um senado. Em Atenas acontece um
progresso significativo. Um governador tirano e ditador, chamado Drácon, criou leis
tão severas aos atenienses que, em 549 a.C. ocorre uma revolução: Sólon, um
nobre indignado com as condições, adotou uma legislação que dava ao povo
autonomia para decidir quanto ao seu progresso. Reunidos em praça publica, os
cidadãos votavam e discutiam sobre as decisões da Polis. Necessário foi, portanto,
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a criação de uma nova Técnica para a gestão desta. Ou seja: uma técnica para a
polis; polis + technè, em grego. Mais tarde, essas palavras tornaram-se uma só:
politikè, a arte política. As discussões racionais, de acordo com Vernant, 2002 apud
Souza et al, realizadas em debate público argumentado, livremente contraditório,
tinha se tornado também um jogo intelectual. Havia-se fundado a democracia.

A política auxilia na construção de bens humanos. Se todo o ser humano


possui uma moral, isso é, discerne o que é bom do que não é, então todo ser
humano é capaz de ética. Toda a moral é ética, portanto. A ética, de acordo com
Campos et al, pode ser resumida “o estudo sistemático de argumentação sobre
como nós devemos agir”. Mas nem estes estudos voltam-se ao bem, ou seja, nem
toda ética é moral. Para manter o caminho de um progresso humano baseado no
racionalmente bom, a Grécia antiga divagou o assunto sobre o título de Filosofia da
Moral, e que Aristóteles desenvolveu para o termo Filosofia Política. O autor
acreditava que esta deveria ser a diretriz de todas as artes e ciências práticas,
buscando não somente o bem de cada cidadão, mas de toda a Polis.

Novamente, o que impedia o progresso humano a esta época era o


paradigma dominante, que considerava como participantes ativos do progresso
apenas alguns humanos: os homens descendentes de gregos. As mulheres e os
escravos não eram considerados cidadãos. Quanto a estes últimos, Aristóteles,
sábio erudito, afirmou na obra A Política a existência de dois escravos distintos: os
por condição, presos de guerra, e os naturais, filhos de escravos. Uma unidade,
claro, desfragmentada desde suas premissas mais básica.

A história cumpre seu papel conscientizador quando descreve como as


sociedades progrediram através do rompimento dos paradigmas dominantes. Do
surgimento da cultura ao período grego, passaram 7.500 anos. Antes da ideia de
democracia e da política (filosofia prática), o homem possuía tantas culturas
controversas e destrutivas que o progresso humano não poderia ocorrer. Ambos
adventos permitiram a miscigenação de paradigmas, bem como o desenvolvimento
ou a refutação de outros. Mas, de qualquer maneira, o ser humano defendia acirrada
e despercebidamente sua própria cultura, não conciliando com demais culturas. Não
havia um elo entre os humanos, que lhes permitissem interagir.
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O fado maior dá-se aos paradigmas de cada época, que, de maneira


prepotente, subjugavam outras culturas. Aristóteles escreveu por esta época o livro
A Política, onde tratava sobre o estado da arte da política grega, em suas mais
diferentes polis, bem como filosofava sobre o assunto. Alguns pontos são de
considerável importância, e por isso devem ser repensados. O termo capitalismo
sequer havia sido cunhado, mas um sentimento humano já se mostrava forte no
âmago do humanismo. Falava, o filosofo, que parecia estar surgindo uma gafe grave
entre os filósofos da economia. Pois, como observou, estavam confundindo a
economia (tratados sobre o que se fazer com o que se possui) com o ato de
enriquecer (aumentar as posses). Isto acalantava, de acordo com o erudito,
economistas a crerem que era “preciso conservar ou aumentar indefinidamente tudo
o que possuem em metais cunhados”. Aristóteles sustenta que a economia era uma
condição ao humanismo. Mas, observava que o uso do dinheiro não foi uma
ocorrência natural: foi imposto por lei. Lembrava que “lucro é dinheiro: e, de todas as
aquisições, é a mais contrária à natureza”.

O acumulo de riquezas já se mostrava forte à época de Aristóteles, por


volta de 300 a.C.. Enquanto génos, famílias, o sentimento de posse era relativo ao
coletivo, sendo estas autossustentáveis. As polis, por sua vez, organizavam-se pelo
escambo entre as famílias. Acontece que, como dito por Pilagallo (2000), o escambo
pressupõe “uma dupla coincidência” entre o bem ofertado em troca de um bem
ansiado, nem sempre disponível – e isto limita esta possibilidade de comércio. Em
muitos lugares do mundo, onde sequer dava-se o nome de polis às organizações
sociais que se desenvolviam, surgia um sentimento novo, causado pela necessidade
de equivaler trabalhos distintos, de necessidade mutua - como, por exemplo, para
equivaler o trabalho de um padeiro a de um ferreiro. A unidade humana precisava de
uma linguagem específica que unificasse os trabalhos diversificados.

Para Pilagallo o dinheiro é apenas uma metáfora, podendo ser


comparada às palavras. O autor lembra que ambas “dependem de consenso e só
circulam onde são conhecidas”, assim, uma “moeda de valor ignorado é tão inútil
quanto uma palavra de sentido obscuro”. Quem aceita o dinheiro, aceita que aquele
símbolo (cifra) e ícone (o papel ou o metal) representam horas de trabalho. Ou seja:
é só um pedaço de papel ou metal que as pessoas acreditam que vale alguma
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coisa; se ninguém acreditar, ele não vale nada. E, vale ressaltar, seu valor foi, como
dito por Aristóteles, imposto, mesmo: sua etimologia confirma. Significa “moeda
cunhada”, provinda do termo grego denominado de nômisma, que tem a mesma raiz
do termo que designou a palavra “lei”: nomos.

Afora os metais preciosos e as árvores derrubadas e tingidas, muitos


outros objetos tiveram valor às sociedades, há tempos remotos. Pilagallo cita os bois
na Grécia antiga; o chiclete na Segunda Grande Guerra, entre os soldados; a
manteiga, na Noruega; os pregos na Escócia; amêndoas na Índia; arroz no Japão e
sal na China (daí a palavra salário). O valor nunca esteve no objeto em si, mas, sim,
no que sua aquisição possibilita – quantos desejos realizar-se-ão com sua posse.
Riqueza, portanto, é muito mais que ouro, prata e cifras – é o “poder realizar” que se
procura. Usando uma mesma linguagem, diferentes trabalhos podem ser
equiparados e equivalerem-se – amplia-se o mercado. O dinheiro representa essa
língua comum, e torna-se “a extensão da vontade” (ibid.). Muitas vontades humanas,
enfim, tornam-se viciadas ao dinheiro. Negar a posse de dinheiro a alguém é negar,
portanto, a realização das vontades deste. Possuindo uma quantia de dinheiro,
pode-se optar por realizar determinadas vontades, mas, lembrando-se, de maneira
limitada. O dinheiro se acaba, se gasta – e se “gasta de acordo com suas posses e
com objetivos certos”. Assim, Pilagallo denomina o termo liberalismo, parafraseando
as palavras de Aristóteles.

O dinheiro, enfim, é uma ferramenta humana para a realização de uma


vontade abstrata, que permite o desenvolvimento social – visto que permite o
envolvimento maior da sociedade humana, como um todo. Seu valor, logo, é
abstrato: por isso diz-se que é uma metáfora. Quando as várias génos uniram-se,
utilizaram uma metáfora para equiparar seus bens – antes disso, lembra Pilagallo
que “não havia concentração humana suficiente que justificasse o surgimento desta
ideia abstrata”.

O liberalismo, assim definido, surgiu em 640 a.C. mais ou menos, com o


invento de uma moeda cunhada, mais precisamente na Turquia, onde, há época,
ficava o reino da Lídia. Esse advento, lembra Pilagallo, “uma vez aceito pela
comunidade como meio de pagamento, a moeda padronizada e de fácil manuseio
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estimulou o comércio, que por sua vez levou à maior especialização do trabalho,
num processo que desaguaria na sociedade moderna”. E esta cultura econômica
tendeu à normalidade para o humanismo graças aos romanos.

Deve-se notar que a humanidade atual está à beira de quebrar alguns


paradigmas. Um dos maiores é confabulado pelo neoliberalismo, e consiste em
atribuir que os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos alcançarão o nível
do padrão de vida dos países desenvolvidos, tão logo atingirem o desenvolvimento
econômico necessário. Furtado (1973) desmente este mito com uma analise do
documento Limits to Growth: “se tal acontecesse, a pressão sobre os recursos não
renováveis e a poluição do meio ambiente seriam de tal ordem (ou,
alternativamente, o custo do controle da poluição seria tão elevado) que o sistema
econômico mundial entraria necessariamente em colapso”.

A cultura neoliberal interage mediante a moeda. É graças a essa metáfora


social que as sociedades existem tal qual são. O uso monetário, por si só, não
acarreta em desigualdade social – a sua má circulação e centralização, sim. Para se
aceitar esta nova palavra e lei, que é o dinheiro, as sociedades tiveram que moldar
suas gerações futuras em todas as instâncias sociais: tanto a cultura emocional
quanto a cultura elaborada da humanidade tiveram de adaptar-se a esta condição.
Significa que nossas crenças do dia-a-dia, como a religião, e nossos conhecimentos
verdadeiros, dados pela ciência, foram significantemente moldados pela existência
da mais-valia. O estado da arte denuncia isto: privatiza-se tudo, sem sequer pensar
em criar um mundo para todos. Em um mundo de indiretas, a verdade está nas
entrelinhas...

* * *

Como dito, o reino da Lídia possuía o sistema monetário implantado


política e culturalmente em seu sistema de vida. O paradigma consistia em possuir
diversas moedas, de vários formatos e tamanhos, diferenciadas pelo peso. Pilagallo
comenta que a cidade desenvolveu-se de forma a ser o “primeiro povo a manter
estabelecimentos de varejo em bases permanentes”. O povo conseguiu
desenvolver-se de maneira muito contrária à grega, que foi à base da violência. Os
lídios alcançaram “a prosperidade pela via pacifica do comercio”. A moeda serviu,
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pois, para unir, relacionar e tornar complementares diversas famílias. Serviu,


também, como observa Pilagallo, para dar aval aos primeiros bordeis, lojas e jogos
de azar. Em 546 a.C., Creso torna-se rei e, cego pelo poder que cria ter o dinheiro,
contrata uma horda de assassinos e tenta conquistar a Pérsia. Como represália, os
persas aniquilam e extinguem Lídia do mapa.

Na Grécia, neste mesmo período, acontecia um importante progresso


humano. Sólon, um sábio grego, promovia reformas políticas que estendia o direito
ao voto a toda população (excluso os escravos) e ao exercício de cargos públicos
pelos ricos nascidos em outras Polis – descentralizando o poder da aristocracia. Na
Grécia, a riqueza foi associada à posse de terra, cereais, azeite e vinho, até 575
a.C., quando surgiu a moeda cunhada. Tão logo, por volta de 444 a.C., com as
reformas democráticas já instauradas, Péricles torna-se o primeiro chefe de Estado
incontestável da história. Em poder, fez alianças com diversas cidades, emprestando
proteção militar em troca de tributos. Completa Gombrich: “os atenienses se
tornaram ricos e puderam, finalmente, colocar seus dotes a serviço de grandes
coisas”. O forte do povo grego foi, sem duvida, a cultura instaurada e o incrível
avanço artístico: ambos cultuando a beleza.

Num contexto mais abrangente, não havia preceitos comuns entre as


éticas das Cidades-Estado gregas. Independentes e crentes na prepotência de suas
verdades, as duas maiores cidades irromperam em guerra. Atenas, centro da cultura
e da arte grega, contra Esparta, centro militar grego. A Guerra do Peloponeso durou
80 anos, principiando em 420 a.C.. Arruinados, os gregos nada puderam fazer
contra os macedônios, comandados por Filipe. Em 338 a.C. os macedônios
conquistam a Grécia. O imperador sucessor, o Grande, partiu em busca do império
persa. De fato, conseguiu.

Alexandre da Macedônia, ou o Grande, conquistou o império Persa. Criou


um dos maiores impérios das civilizações humanas. Seu grande mestre, havia sido o
sábio Aristóteles, filosofo da vida. Sobre este período, pode-se fazer certas
divagações, a começar por uma observação feita por Eli Chinoy (1980):

“Durante a maior parte de sua história o homem só se


tem mostrado vagamente consciente da existência da cultura e até
essa consciência deveu-a ela aos contrastes entre os costumes de
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sua sociedade e os de alguma outra com que lhe tenha sucedido


deparar. A habilidade de enxergar a cultura da própria sociedade
como um todo, de avaliar-lhe os padrões e apreciar-lhe as
implicações, exige um grau de objetividade que raro se consegue,
se é que se consegue.”

Cega, a humanidade progredia às apalpadelas. A Guerra do Peloponeso,


contra os espartanos enfraquece Atenas, dando margem à Felipe da Macedônia,
que conquista-a. Alexandre, o Grande, seu filho, visando unificar o mundo, conquista
a poderosa Pérsia – dá-se inicio ao mundo helenístico: a Grécia como o centro do
mundo. Por volta de 330 a.C.. Alexandre havia conquistado o império grego, o persa
e o egípcio, e, ainda, parte de povos indianos. Influenciado por seu mestre,
Aristóteles, Alexandre demonstra fascínio e admiração pela cultura grega, tentando,
a todo custo, difundi-la em todo seu império. Vem a falecer em 323 a.C. sem ver
essa obra ser realizada e deixando o maior Império construído até então sem
herdeiro. Foi, então, o Império desmembrado entre três famílias de generais.

No entanto, a cultura grega fortaleceu-se com sua morte. Os gregos


passaram a criar diversas bibliotecas, como em Alexandria que possuía mais de
700.000 exemplares. A cultura grega estava finalmente gravada na cultura persa.
Alexandre conseguira encaminhar seu sonho: a unificação de um império. Sua
cultura propagou-se, ainda, por parte da China e Índia. Mas, vale ressaltar: não era,
ainda, o império humano. A linguagem utilizada por Alexandre era impositiva,
representada pelos anseios do Grande.

Alexandre ignorou o que existia a oeste da Grécia, diga-se, a Itália. Lá


viviam os romanos, desde 753 a.C.. Um povo muito distinto dos gregos. Por mais de
400 anos tiveram problemas e discórdias internas, devido às regalias dadas às
grandes famílias que possuíam terras. Com uma pseudodemocracia, o líder político
era eleito por votação direta, realizada apenas entre os aristocratas. Estes,
denominados de patrícios, construíam uma cultura que salvaguardaria seus
privilégios sempre. Por 400 anos apenas os patrícios poderiam tornar-se cônsules e
um plebeu (um popular) jamais poderia tornar-se um patrício. Funcionava quase
igual às castas Indianas. Quando pela época de Alexandre, Roma fortalecia seus
laços internos – a democracia havia se tornado mais sólida: os plebeus ganham o
direito de eleger um dos dois cônsules. Roma conseguira, assim, a estabilidade
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social para dar inicio ao que se pode chamar de principio da globalização cultural, no
sentido de tornar uma cultura comum ao globo. Através de diversas guerras não
humanitárias, o humanismo foi perdendo a já distante unidade, até o patamar atual.

Depois da morte de Alexandre, a Grécia desenvolveu sua arte. Roma, do


contrário, investia no seu exército, em poderio militar. O helenismo havia chegado à
Roma da maneira mais sublime: imergindo-se na cultura. Para gerar riqueza dentro
de suas fronteiras, os romanos fizeram o mesmo que a Grécia, mas com quase 300
anos de atraso: implantaram uma moeda. Na Grécia, no entanto, não se objetivava
muito a propagação desta cultura: basta observar os ditos de Aristóteles que,
certamente, influenciaram o helenismo. Os romanos tinham outro objetivo com a
riqueza gerada: construir um império sobre este paradigma. Nada de artes, de
beleza, de humanidade. Como disse Pilagallo: “Se a Grécia é a primeira civilização
transformada pelo surgimento da moeda, Roma dá um passo além e torna-se o
primeiro império construído sobre a moeda”. O denário, moeda corrente, deu origem
à palavra “dinheiro” e foi emitido em escalas gigantescas – o que, inclusive, fez
surgir, claro, a inflação, ainda que não levasse esse nome. O acúmulo de riqueza e
interdependência criada entre os próprios romanos incentivou o fortalecimento do
comércio e do exército. O fator comum desta soma foi a expansão territorial, que
começou com um anseio grande: conquistar a Sicília, dominada pelos fenícios, os
quais os romanos chamavam de “púnicos”.

Cartago, onde hoje fica a Tunísia, foi a primeira vitima da expansão


romana, propiciando a continuação do sistema de vida romano, onde todo o valor
humano estava resumido não ao homem, mas a prata e ouro e, principalmente,
terras. Em 241 a.C. começam a famosas Guerras Púnicas, que despenderam
grande parte das riquezas romanas para o desenvolvimento naval. Ao final de 240
a.C., Sicília pertencia à Roma. A ilha, deve-se lembrar, estava, também, sobre forte
influencia do helenismo, uma vez que havia muitos gregos vivendo nesta.

Cartago dá o troco e conquista as terras que se tornarão a Espanha,


expandindo ainda mais o território. Ali, nestas terras novas, surgiu um chefe de
exército chamado Aníbal. Por volta de 218 a.C., os romanos, em seu processo
expansionista, ameaçavam avançar contra a Espanha. Sem rodeios, Aníbal investiu
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contra os romanos e, em 216 a.C., os romanos são massacrados perto de Cannes –


baixa de 40.000 homens. Nem por isso, pararam: avançou sobre Cartago. Aníbal
voltou e tentou ajudar seus compatriotas, mas nada pôde fazer. Em 202. a.C. os
romanos conquistam os cartaginenses, destroem e saqueiam a cidade e ainda a
impõe um alto tributo de guerra.

Desmembrada e enfraquecida, a Grécia não apresentou dificuldades aos


romanos. O mesmo processo se deu, mas a destruição da cidade foi total. Depois de
conquistarem a Gália e o Norte da Itália, tornaram à Cartago e, à via das dúvidas,
mataram todos os cartaginenses, destruíram todas as casas e lojas e araram todo o
terreno: era 146 a.C. e os romanos possuíam a cultura bastante expandida, visto
que possuíam vastos territórios. Sua cultura alastrava-se com seu expansionismo.
Pilagallo completa esta narração: “a estabilidade monetária só é alcançada (...)
quando Roma destrói Cartago. Nesta altura, tendo já conquistado a Macedônia e
anexado a Grécia, Roma está pronta para das as cartas no mundo por mais de meio
milênio.”

Por onde passavam, as legiões (os exércitos mantidos com o dinheiro de


impostos) conquistavam e dominavam as cidades. Derrotadas, estas cidades
ficavam submissas a impostos. Eram livres para manter sua língua e sua religião,
mas não o eram em relação à sonegação de impostos. Essas cidades eram
chamadas de províncias romanas. Em troca do pagamento, recebiam proteção
militar e ruas pavimentadas. Os romanos eram exímios construtores de estradas e,
entre todas as províncias e cidades romanas, havia, assim, uma ligação eficaz que
permitia um rápido fluxo de informações, usada para se manter o controle social.

A normalidade cultural romana, no entanto, não se mantinha a um ritmo


natural. Era forçosamente imposta pela severidade e austeridade militar de Roma. À
base da violência, mantinha a ordem social, a unidade. Ainda assim, sendo centro
político, religioso e comercial, “a cidade tinha crescido desmedidamente. Os pobres
eram incontáveis. Quando as províncias não enviavam cereais, a fome instaurava-
se”.

As revoluções à época, para piorar a situação, eram combatidas com


mortes e reprimidas com violência. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os
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irmãos Graco em 130 a.C.. Jamais, dessa forma, alcançar-se-ia uma unidade
humana: era fragmentada e voltada à luxuria das festas dos patrícios romanos – que
só aumentavam suas posses.

Por volta de 70 a.C., surge um chefe de exército com habilidades exímias.


Júlio Cesar conquistara a Gália, hoje França, em 53 a. C.. Com poder, gloria e
talento militar, volta à Roma e disputa poder com outros chefes de exercito,
tornando-se ditador de Roma. Tamanha foi sua força e prestigio que Júlio Cesar foi
o primeiro “governante a ter, em vida, o busto reproduzido no denário. A partir de
então, esta se torna uma cultura normal: relacionar o valor da sociedade à política
econômica”. Além disso, o ditador impôs o calendário Juliano, de doze meses.
Incomodados com o poder que acumulava, em 44 a.C. os senadores assassinam
Júlio Cesar, com medo que este instaurasse um império, dando fim à república.

Seu filho adotivo, Cesar Otaviano Augusto, no entanto, faz a história


concretizar-se. Tornou-se o primeiro imperador romano, contrapondo a vontade
humana de unificar-se. A democracia encerrava-se por um período. E, além disso,
vale citar que é em seu mando que surge os princípios do cristianismo: nasce Jesus.
O cristianismo teve papel fundamental na consolidação da monetização da cultura
metafórica humana. Ou seja: contribuiu para que o valor da humanidade centrasse-
se no dinheiro, ao longo da Idade Média. A culpa, claro, jamais foi da boa nova (dito
em grego: eu-angelion, ou evangelho atualmente), mas, sim, de uma cultura
emocional propagada através dos dogmas de alguns segmentos do cristianismo.

As boas novas, dedicadas ao amor fraternal e universal, eram


acirradamente combatidas no império romano. Por mais de 300 anos a cultura cristã
foi combatida e martirizada por sucessivos imperadores. A metáfora humana para a
integração social embasava-se na cultura romana: para ser cidadão romano, dever-
se-ia acatar às verdades do imperador. Através da política do pão e circo, Roma
conseguiu se manter estável por este tempo, mas, sem notar, afundava-se. O tiro
saíra pela culatra. Para poder manter o soldo das legiões, bem como a luxuria da
nobreza, Roma aderiu a desvalorização do denário: produzia-se desenfreadamente
a moeda. Este, que servia de elo e metáfora para a união entre as cidades, perdia
seu valor, dado a inflação que Roma passara a se auto-acometer.
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A partir do ano de 180, a desorganização social passou a mostrar sua


face. A figura do Imperador passa a perder prestígio, visto que a ordem social
tornava-se cada vez mais difícil. A centralização de poder, bem como a luxuria e a
ganância do sistema romano não podiam ser mantidas. Roma possuía incontáveis
imperadores que eram eleitos pelas próprias legiões e possuíam apenas poder local.
Muitos desses sequer eram romanos. O século III marca o auge dessa confusão.
Roma, como dito por Gombrich, “só havia escravos ou tropas estrangeiras que não
se entendiam uns aos outros”. As boas novas, por sua vez, ganhavam cada vez
mais espaço, mesmo sendo martirizados continuamente por todos os imperadores
que surgiam: o cristianismo era tratado como uma praga pagã.

Em 313 Constantino torna-se imperador romano. Seu marco e


importância à história que se conta são dados por uma lei específica: a legalização
do culto cristão, bem como sua inserção e aceitação social (o que implicava em
proteção militar). Mas não foi isto que o propagou pelo mundo. Acontece que a
queda iminente do império tem inicio com uma atitude inocente de Constantino: a
construção de uma segunda capital romana, em uma cidade planejada pelo
imperador, denominada de Constantinopla. Lá, a cultura desenvolve-se tão
diferentemente da antiga capital, que tão logo o império romano deixou de ter
apenas duas capitais: passou a ter dois impérios. De um lado, Itália, Gália, Espanha
e África do Norte formavam o Império do Ocidente e falavam latim; do outro, Egito,
Palestina, Ásia Menor, Macedônia e Grécia, com o idioma hegemônico sendo o
grego.

Para a humanidade, Constantino propagou uma metáfora para a


sociabilização humana: fundou o besante, ou sólido, que hoje é chamado de o dólar
da idade média. Graças a um peculiar sistema de tributação, o Império Bizantino
tornou-se duradouro e a moeda forte, por todo o período bizantino.

A partir de 380, ambos impérios, ocidental e oriental, passaram a


ostentar, propagar e fortalecer o cristianismo, uma vez que o tomaram como religião
oficial. A cruz tornou-se, inclusive, símbolo das legiões romanas.

A partir do período que a história denomina de “período das invasões”, o


império romano passa a perder rapidamente poder. Em 476 os germanos extinguem
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o império do Ocidente, enfraquecido e instável. Encerra-se o período da


Antiguidade, entra-se na Idade Média. O período inicial desta nova era foi marcado
por tempos obscuros à humanidade, que só possuía um elo unificador: a religião.
Por este período, a cultura emocional sobressaiu-se sob a elaborada, tornando a
humanidade distante. Desmantelada e movida a dogmas, por um longo período a
unidade ignorou-se e progrediu sem rumo certo.

A ordem cristã dos beneditos, fundadas pelo monge Bento, espalhou esta
cultura emocional cristã, através da evangelização, a vários cantos da Europa.
Irlanda, Inglaterra, Gália e Germânia são alguns exemplos. Como não aceitavam
receber dinheiro por seus trabalhos de evangelização, a igreja cristã acumulava
poder, fundamentado principalmente na posse de terras.

Do lado oriental, os árabes, impulsionados pelo profeta Maomé,


divulgavam e propagavam Alá (deus em árabe) e o islã (as ordens de deus). A
corrente religiosa manifestou-se de maneira violenta, sendo, mesmo após a morte
do profeta, os árabes continuaram, por pelo menos cem anos, a propagar pelo
mundo sua corrente. Expandiram e fundiram sua cultura a dos chineses, dos persas,
dos gregos e dos indianos, sintetizando-as e levando-as à Europa. O legado mais
importante deste povo consistiu em uma alavanca poderosa ao comércio e ao
neoliberalismo: os algarismo arábicos. A partir disso, finalmente a matemática
popularizou-se, bem como o comércio. Antes disso, era muito difícil, como lembram
Gombrich e Pilagallo, realizar somas ou multiplicações – em algarismos romanos,
sequer existe o número zero. A cultura tornou-se tão forte que hoje é quase
hegemônica.

Mas, ainda assim, não existia o elo para ligar a unidade humana.
Gombrich ressalta que a falta de comunicação entre povos vizinhos vazia com que
cada povo vivesse à parte de outro. Os habitantes simplesmente ignoravam o que
acontecia com seus vicinais, ou, se ouvia falar, era sempre vagamente. Assim,
muitos seres humanos, divididos em tribos, tornaram-se rivais. Diz o autor: “eram
raptos, vinganças e combates o tempo todo.”

O século VII, no entanto, até o final do sistema feudal, no século XIII, o


mundo ganha a metáfora arrebatadora. Por mais 8 mil anos a humanidade
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desconheceu-se e temeu-se, a si mesma. Sem encontrar uma via comum, o


progresso humano era transformado em egoísmo e rivalidade. Nada, ou quase
nada, ligava as sociedades humanas. A monetização da cultura permitiu
compartilhar valores sociais de maneira justa, além de confraternizar populações
humanas que se matavam. Os valores mais distintos passaram a ser equiparados e
transferidos. Mas, como dito Galeano: “não se pode querer os fins, e não se querer
os meios”. A atual faceta da humanidade, representada pelo paradigma neoliberal,
não é o fim, mas o meio pelo qual a humanidade conseguiu encontrar um chão
comum, uma mesma linguagem a qual se comunicar. A monetização em seu atual
estado não trouxe, até o momento, como se sabe e se será demonstrado, o
progresso humano - muito pelo contrário. A humanidade encontra-se estagnada,
tornando seus maiores bens ao alcance apenas de determinadas pessoas,
detentoras de dinheiro. A confabulação da monetização global deu-se, enfim,
graças, nessa época, às guerras santas, denominadas de cruzadas.

2 O Valor De Uma Metáfora.

“Dinheiro não mata pessoas, pessoas matam pessoas.”


Adaptado de um dito popular

A metáfora é uma figura de linguagem que consiste na substituição de


uma palavra por outra de significado semelhante. “Dinheiro” não significa, pois,
papel ou metal: significa que aquilo vale alguma coisa. Quem o aceita, aceita uma
premissa básica, a priori: aceita que um pedaço de material qualquer representa um
valor abstrato. E esse valor, vale-se falar, é aquele valor necessário para um homem
fazer parte da sociedade. O homem não corre atrás do dinheiro em si, mas do valor
agregado a ele: o de fazer parte da sociedade. É impossível viver sem utilizar
capitais em uma sociedade capitalista: este é o valor exigido de antemão. Como dito
pelo Professor Aécio, economista da UFC, em entrevista autorizada, realizada em
maio: “existe uma imposição sublime ao mundo do mercado”.

Conta Pilagallo que a partir de 711, “nobres e religiosos europeus


organizaram peregrinações, como se dizia na época, em direção à Terra Santa,
levando dezenas de milhares de pessoas a atravessar o continente em expedições
que, quando bem-sucedidas do ponto de vista cristão, terminavam em carnificina”.
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Para que acontecessem, a igreja despendia dinheiro arrecadado com a venda de


indulgencias. Num mundo tão instável e obscuro, e movido pela ganância em
apossar-se de mais terras, “nobres desenterravam seus tesouros, vendiam bens,
levantavam empréstimos, liberavam servos mediante pagamentos”, enfim, faziam a
moeda circular.

Concomitantemente, na Alemanha, uma nova ordem social começa a


surgir no final do século IX. Gombrich afirma que o rei alemão Oto, o Grande, depois
de expulsar os magiares da Alemanha, doou as terras reconquistadas a um príncipe.
Este passou a ser um costume comum na Europa. O rei entregava parte das terras a
um nobre que passava a administrá-la – em troca, o nobre preparava parte de seu
povo para servir ao exército e ir às guerras que surgissem em nome do rei – e, claro,
sempre surgiam. Estes pedaços de terras cedidos chamavam-se feudos. Os feudos
eram constituídos pelas matas, terras, ar, água, animais, pessoas... enfim, tudo o
quanto estivesse limitado às terras do nobre. Este sempre construía uma fortaleza,
para abrigar a ele e outros da mesma casta social. Ao redor dessa, viviam os
camponeses, homens não livres que deviam pagar para poder viver no feudo.
Davam mão-de-obra, produtos, pagavam pelas ferramentas e privilegiavam sempre
os senhores do feudo, antes de tudo. Huberman (1959) afirma que o período feudal
possuía três classes de homens diferenciadas: os nobres (cavaleiros ou guerreiros),
os sacerdotes e os trabalhadores. Estes últimos eram os sustentadores de toda a
luxúria dos dois outros. A situação orgânica da humanidade pode ser resumida em
uma frase do economista Huberman: “dizia-se comumente do período feudal que
não havia senhor sem terra, e terra sem senhor”. A humanidade estava
desfragmentada desde sua base. A terra, que era a metáfora socialmente comum
aos homens, tinha dono e este ditava as regras. Eram príncipes em seus feudos,
que, além de tudo, eram hereditários.

Huberman explica que de todo o feudo, um terço pertencia ao senhor


feudal. Nesse espaço, por três dias da semana, os trabalhadores, chamados de
servos, deviam prestar trabalhos de graça ao senhor. O restante das terras do feudo
eram divididas entre arrendatários que trabalhavam na terra, ou seja, os servos. A
palavra, vale lembrar, provém da palavra latina servus, que significa escravo. Mas,
mesmo assim, não significa que assim o eram. Os servos não podiam ser vendidos,
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tal qual os escravos. Eles pertenciam à terra, que pertencia a um senhor; se, por
algum motivo, o senhor deixasse essas terras, não poderia levá-los juntos ou vendê-
los: eles permaneciam no mesmo local. Entre os servos havia, ainda, distinções de
classes. Alguns trabalhavam todos os dias para o senhor, e eram denominados de
“servos de domínio”; outros possuíam pequenos lotes, de um hectare; e outros que
sequer possuíam lotes, denominados aldeões. Uma outra distinta classe surgia e
ganhava força e privilégios na sociedade feudal. Eram os “vilãos”, que gozavam de
privilégios pessoais e econômicos. Esta gleba da sociedade auxiliou muito a
economia global atual: foram eles quem começaram a pagar as taxas com dinheiros.

O senhor do feudo, no entanto, não era como um rei, pois tinha seus
poderes limitados. Diante de um servo, o senhor sempre tinha razão. Mas o senhor
maior dos feudos, deve-se lembrar, era o rei; o rei, por sua vez, arrendava as terras
a um duque; que arrendava para um conde; que arrendava para um senhor feudal;
que arrendava a um servo. Ao final, cada senhor respeitava os costumes impostos
pela hierarquia social, devendo certos direitos aos servos (como proteção militar) e
recebendo, também certos direitos, como os já mencionados. A terra era, por isso, a
única medida de valor existente. Dinheiro ou metal acumulado, pouco
representavam neste contexto da humanidade – fato marcante do período feudal.
Quanto mais vassalos possuía um senhor feudal, mais importante era seu feudo –
visto que este número estava diretamente associado ao efetivo militar que este
cederia ao rei em caso de guerra.

Mas que não se reste dúvida: a igreja era ainda mais poderosa que
qualquer rei. Oferecendo a salvação, por todo o período medieval, a entidade
acumulou muitas terras, frutos de suas promessas divinas, do dízimo e de doações,
por parte dos reis e de nobres. Neste período, Gombrich e Huberman são
consoantes quanto ao fato da entidade possuir, em média, um terço a metade de
todas as terras da Europa ocidental. Em posse das terras, as igrejas agiam
exatamente como os senhores feudais: arrendavam-nas.

Então, nesse período, a igreja oferecia ajuda espiritual e a nobreza


proteção militar: ambos em troca do cultivo da terra, do trabalho – que era feito
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exclusivamente pela casta inferior, dos servos. Boissonnade apud Huberman


resume o período:

“O sistema feudal, em ultima analise, repousava sobre


uma organização que, em troca de proteção, freqüentemente
ilusória, deixava as classes trabalhadoras à mercê de das classes
parasitas, e concedia a terra não a quem cultivava, mas aos
capazes dela se apoderarem”.

O período feudal não necessitava tanto da moeda. Cada feudo era


autossustentável, sendo que a metáfora social monetária ainda não havia sido
confabulada no mundo todo. Foi um período de guerras, em que as riquezas pouco
circulavam. Igreja e nobreza guardavam suas riquezas, mas não a transformavam
em capital. O dinheiro era estéril: não produzia mais dinheiro. Explica Pilagallo que
há uma diferença entre dinheiro e capital. O primeiro serve para construir, agir, fazer
circular; já o segundo, para acumular e economizar e, depois investir.

Assim, buscando ainda mais poder, a igreja católica criou o mito das
guerras santas, visando propagar o cristianismo. Estas guerras tinham nome:
cruzadas, dadas as vestimentas de seus guerreiros, que estampavam
emblematicamente uma cruz como seu brasão. Com o avanço das cruzadas, mais o
dinheiro circulava e tornava-se capital: ao financiar as cruzadas, os nobres
arriscavam adquirir terras, provindas das vitórias contra os “hereges” (além de
adquirirem, de sobeja, um lugar no céu). A Ordem dos Templários foi o cume deste
período. Fundada no século XII, anos após a primeira cruzada ocidental, os
templários (cavaleiros que faziam votos de castidade e pobreza) acumularam tanta
riqueza que passaram a financiar suas próprias cruzadas – lembrando que, como
faziam voto de pobreza, não tinham o que fazer com a riqueza. Assim, por onde
passavam pregavam o evangelho e arrecadavam “guerreiros-santos” que, quando
voltavam das cruzadas, eram gratificados pelo rei com terras, e sendo perdoado dos
pecados. Muitos desses homens se instalaram em Paris, e passaram a utilizar a
riqueza para emprestar aos reis e aristocratas – sendo este o começo dos
banqueiros. Huberman menciona, inclusive, que nesse século o Mediterrâneo via
crescer novamente o comércio. As sociedades humanas encontravam em suas
necessidades uma linguagem comum que os fazia interagir. Ao contrário de hoje,
vale lembrar, o comércio não era contínuo. A começar pela demanda: o sistema
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feudal era autossustentável, exigindo que se comprasse muito pouca coisa. Além
disso, os sistemas de transporte não eram rápidos nem eficientes o suficiente para
manter uma circulação de produtos. Assim, a maioria das grandes cidades dispunha
de feiras semanais, como Inglaterra, França, Bélgica, Alemanha e Itália – essas
sociedades, por isso, davam “um passo em prol do comércio estável e permanente”
(ibid.). A partir disso alguns empreendimentos passaram a manter-se o ano todo.
Deve-se lembrar, ainda assim, que as feiras mencionadas eram imensas, “e
negociavam mercadorias por atacado, que provinha de todos os pontos conhecidos
do mundo”(ibid.). Eram nessas feiras que os grandes comerciantes compravam e
vendiam mercadorias estrangeiras.

É muito importante, também, a afirmação de Huberman, no que se refere


à estabilização do comércio, que recebeu aval dos reis. Esses, claro, só permitiam
as feiras porque recebiam impostos dos comerciantes. Havia uma taxa de venda e
uma taxa de armar barraca na feira; uma de entrada, outra de saída e outra para
estocar. Mas tudo isso era compensado por um detalhe: durantes as feiras, a usura
não era pecado.

Deve-se ressaltar que a cobrança de juros era condenada tanto


socialmente quanto religiosamente. Isso porque, como afirma Huberman, as
ideologias da igreja representavam grandes influências na vida dos cidadãos. “O
padrão do que era certo e errado”, afirma o autor, “na atividade religiosa não diferia
das demais atividades sociais, ou, mais importante ainda, do padrão das atividades
econômicas”. Assim, lembra-se que se no período feudal o comercio praticamente
inexistia, e se cada cidadão produzia ao máximo seus próprios bens, era normal que
não fosse necessário o dinheiro. Desta forma, se alguém necessitava emprestar
algo, certamente o que se findava era sanar alguma dificuldade à sobrevivência.
Como a posse da terra era a medida de poder, e como essa era hereditária, não
havia como um aldeão enriquecer. Logo, o empréstimo era feito pelos mais
miseráveis, quando em condições ainda piores. Dado isso, os juros tornavam-se
incompatíveis às práticas cristãs de ajuda ao próximo. Poderosa e influente, a
maioria das pessoas obedecia à igreja.
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As mercadorias possuíam, por isso, como cita Pilagallo, o “preço justo”,


equivalente ao custo de produção. Nas feiras, no entanto, com o pecado abolido
temporariamente, os comerciantes passavam a testar as leis de “oferta e procura”,
postas pelo mercado. Já que a feira reunia mercadorias de várias partes do mundo,
é normal que seus mercadores também o sejam. Com muitas moedas diferentes
circulando, a moeda passa a ser capital: a gerar mais moedas. Acontece que se viu
necessário realizar o cambio entre as moedas, a fim de equivalê-las. Isso fez com
que o intercambio comercial viesse a crescer, chegando ao auge: os cambistas
passaram a emprestar moedas. E só puderam fazer isso, deve-se ressaltar, por
utilizarem a moeda como capital: faziam lucro a cada troca de moeda.

A concepção capitalista propaga-se com a mesma velocidade que o


comércio. Sem escolha, São Tomás de Aquino condena a usura no século XIII de
maneira racional: primeiramente dividiu os bens de aquisição em duráveis e não
duráveis; depois, propagou que o dinheiro era um bem não durável. Assim, apenas
se os bens duráveis poderiam ser alugados: significa que o dinheiro não podia gerar
mais dinheiro. Mas este paradigma não se estabeleceu em uma sociedade onde aos
poucos acontecia o fenômeno arrebatador: a concepção de um valor comum à
humanidade. Os valores sociais de cada sociedade espalhadas pelo mundo,
equivaliam-se graças ao cambio. E, graças às taxas de cambio, leia-se o lucro, o
comércio avançava e ganhava seguidores, pois, com esta taxa, os banqueiros
passaram a acumular dinheiro e emprestar, a juros exorbitantes. Huberman afirma
que existiam dias específicos nas feiras para tratar sobre negócios específicos. O
cambio monetário ganhou tal patamar que, semanalmente, as pessoas reuniam-se
para realizar tal feitoria. Isso fazia as feiras crescerem, pois, nestes locais, não só
adquiriam-se mercadorias, mas “pesavam-se, avaliavam-se e trocavam-se as muitas
variedades de moedas; negociavam-se empréstimos, pagavam-se dívidas antigas,
letras de crédito e letras de cambio circulavam livremente”. Finaliza o autor:
“negociar em dinheiro levou a conseqüências tão grandes que passou a constituir
uma profissão separada”.

No primeiro parágrafo do livro A república, o filósofo Aristóteles destoa a


máxima: o homem só se une em prol de um bem comum. Depois de séculos de
guerras pela falta de um entendimento comum, de um bem comum, que permitisse a
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integração dos homens, havia-se criado uma metáfora social, a ser entendida e
estendida por todo globo. O dinheiro tornava-se, a partir destes banqueiros, a
metáfora humana; a condição humana.

Por isso, os comerciantes viram que, de fato, dinheiro pode gerar mais
dinheiro: ele é um capital. Pilagallo, por isso, explica que esse fundamento foi
decaindo com o passar dos anos. A principio, a igreja condenava os juros; depois,
passou simplesmente a cobrar os juros exorbitantes, acima de 12% ao ano. A
metáfora social ditou uma nova ordem social. As cidades agora possuíam um amplo
mercado, aberto cotidianamente. Com isso, “a economia natural do feudo auto-
suficiente do inicio da Idade Média se transformou em economia de dinheiro, de um
mundo de comércio em expansão”.

Assim, as cidades cresciam em tamanho e população. Os mercadores


passaram a viver em locais estratégicos, como embocaduras de rios, cruzamentos
de estradas ou grandes planícies. Nestes locais, portanto, havia muita riqueza e
muito interesse por parte da sociedade: além do mercado, das taxas de cambio,
havia ainda os julgamentos. Não havia mais uma igreja forte, pois seus dogmas
condenavam os juros, que, por sua vez, eram utilizados pela nova tendência cultural
do mundo, especialmente dos que estavam se tornando poderosos, os mercadores.
Tanto o eram, que muitos papas, reis e nobres passaram a dever dinheiro aos
mercadores. Estes, por sua vez, passaram a viver reunidos em cidades à parte,
protegidas por grandes muralhas. Chamavam-se burgos, e eram usados pelos
comerciantes para estadias ou moradias. A riqueza passou do campo à cidade,
como observa Huberman. Os feudos, sistema social auto-subsistente, passaram a
perder riqueza aos burgos, que, por sua vez, passaram a ofertar empregos,
mantendo-se em progresso constante. Principiava-se a globalização do sistema
monetário que, através de seu processo histórico social, veio a tornar-se o sistema
liberal globalizado: comumente denominado de neoliberalismo.

3 “Mas Não se Pode Querer os Fins e Não se Querer os Meios.”

“Resgata-se a idéia de que a crise pela qual passa a


economia mundial não está na existência do dinheiro,
mas, sim, na base teórica do sistema monetário que
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rege as relações econômicas e políticas, e traz reflexos


gigantescos ao social.”
Movimento Monetário Mosaico

Talvez não tenha ficado tão explícito, por isso reforçar-se-á: o mercado e
suas práticas iam de encontro direto aos anseios dos senhores feudais. O
feudalismo não dispunha de leis internas para cada feudo: eles funcionavam de
acordo com os costumes herdados. Da mesma forma, um senhor feudal tinha
sempre razão diante de um servo; além de ser dono das terras e arrecadar impostos
com isso. Mas o mercado, do contrário, não podia aceitar certas luxúrias dos
senhores feudais. A terra não podia ter um dono vitalício, pois, assim, os
comerciantes nunca seriam totalmente donos de suas mercadorias, visto que tudo
ou quase tudo que era produzido provinha da terra; da mesma forma, a dinâmica
das cidades divergia muito da dos feudos, levando seus moradores a crerem que
novas leis deveriam ser implantadas. Aos poucos, os feudos perderam população,
prestígio, força e riqueza. Queriam, os comerciantes, por isso, “liberdade” de posse
e de direitos, fazendo com que os privilégios fossem, de fato, transferidos para a
cidade. Começava-se uma revolução silenciosa.

Huberman conta que os banqueiros passaram a organizar-se cada vez


mais, a fim de eliminar algumas práticas feudais. Em associações, os banqueiros
foram pouco a pouco conquistando privilégios sociais e econômicos. Passaram a
ocupar cargos públicos, como de contadores; em alguns locais europeus, como
afirma Huberman, tinham, inclusive, exclusividade para estes cargos.

No século XIV, os italianos passam a se dedicar, então, ao comércio


monetário, de maneira profissional. Com grande aval da igreja, que ao melhor estilo
“faça o que eu falo e não faça o que eu faço”, os mercadores “emprestavam dinheiro
em grande escala, fazendo negócios enormes” (ibid.). Para poder escapar às
condenações cristãs da usura, utilizavam notas de cambio, que funcionavam como
promissórias. Com bancos espalhados por toda Europa, estas notas permitiam ao
possuidor retirar a quantia assinalada em qualquer um desses. Isto apresentava
duas vantagens consideráveis: comodidade e segurança no transporte; e
estimulação do comércio, uma vez que os juros não eram cobrados sobre o metal
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em si, mas, sim, sobre as promissórias. E graças a estes juros que a Europa teve
forças para, futuramente, bancar o renascimento.

O processo, claro, deu-se por uma lógica intrínseca. Com o mercantilismo


aflorando, a Espanha utilizou o dinheiro italiano para financiar suas expedições
marítimas, pautada no capital que possuiria com suas navegações, onde buscava
ouro, prata e especiarias. A circulação de uma quantidade de riqueza enorme no
país, causa um efeito arrebatador, experimentado pela primeira vez desde Roma,
comum a estes modelos de desenvolvimento monetários: a inflação. Pilagallo afirma
que só na Espanha este efeito pode ter atingido 400% no século XVI. A Inglaterra,
principal exportadora para os lusitanos, a inflação alcançou o patamar de 150%.
Isso, como dito, dava-se pelo acumulo de metal precioso retirado no México e no
Peru. Nesta escala e nestas circunstancias, o fenômeno era inédito. No
mercantilismo, vale-se lembrar, o acumulo de metais preciosos era visto como algo
fundamental. Assim, os países europeus tomavam duas medidas: exportavam mais
do que importavam; e não liberavam moedas às colônias. A monetarização a esta
época dava-se quase exclusivamente com o uso de metais preciosos. Isso tem
enorme importância histórica e econômica. Uma moeda de ouro se é desvalorizada
pode ser fundida, derretida ou recriada, havendo, claro, valor intrínseco à moeda. A
metáfora social, pode-se afirmar, logo, possuía um valor cultural e, claro, econômico.
Mas, como a posse de metais era apenas das colônias, jamais o progresso humano
oriundo desta metáfora estender-se-ia ao globo – diga-se, às colônias.

Enfim, a monetização alavancou outro grande fenômeno social global,


que não a funcionalidade como metáfora social. As sociedades humanas, como
lembra Huberman, desmembraram-se em duas, visivelmente separadas. Uma
sociedade produzia o alimento, e morava no campo. A outra, por sua vez, crescia
rapidamente e demandava mais alimento, mas não o produzia, pois vivia nas
cidades. Mas, como lembra o autor, se as cidades cresciam, então a produção de
alimentos deveria, da mesma forma, crescer. E isso só seria possível com um
rompimento histórico: o findamento dos privilégios feudais, dado pela restrição das
terras aos seus senhores. Assim, a Europa tinha dois vieses à expansão sócio-
econômica-cultural por qual passava: ou dedicava-se à cultura elaborada e
desenvolvia novas técnicas de produção, mais eficientes; ou lançava-se aos campos
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ainda virgens em busca de mais espaço para plantar. De qualquer forma, as


sociedades humanas fizeram as duas coisas. Deve-se conceber que a esta época a
Europa não era totalmente antropizada como agora: metade das terras da França
eram virgens, bem como um terço da Alemanha e um quinto da Inglaterra. Essas
terras virgens passaram a ser exploradas por seus detentores, por isso – e, diga-se
aqui, neste processo histórico, tanto clero quanto nobreza eram os detentores, e,
neste desenrolar, por volta do século XIV, os próprios comerciantes possuíam terras.
O processo era lucrativo a todas as classes envolvidas: os detentores recebiam
tributos anuais; a igreja, quando detentora direta da terra, também, além, claro, do
dízimo, cobrado em todas as mercadorias; o campesinato, da mesma forma, recebia
a liberdade de produção e comercialização: o direito de interagir com qualquer
ser humano, de qualquer lugar do mundo.

Huberman denota muito bem isso em uma passagem de “A história da


riqueza do homem”. É pertinente que se a reescreva, aqui:

“Durante anos o camponês se havia resignado à sua


sorte infeliz. Nascido num sistema de divisões sociais claramente
marcadas, aprendendo que o reino dos Céus se cumprisse com
satisfação e boa vontade a tarefa que lhe havia sido atribuída em
uma sociedade de sacerdotes, guerreiros e trabalhadores, cumpria-
se sem discutir. Como a possibilidade de se elevar acima de sua
situação praticamente não existia, quase não tinha incentivos a
fazer mais do que o necessário a sobreviver. Executava suas
tarefas rotineiras de acordo com os costumes. Não havia interesse
em fazer experiências com sementes ou outras formas de produzir,
porque o mercado onde podia vender a produção era limitado, e
muito possivelmente o senhor tomaria a parte-do-leão do aumento
da colheita”

Antes da monetarização, como se pôde ver através da retrospectiva


histórica do desenvolvimento das sociedades humanas levantada até aqui, os seres
humanos não possuíam quaisquer valores que os equiparassem. Tanto a cultura
emocional quanto a elaborada das sociedades humanas vinham ao encontro da
lógica citada por Huberman: sociedades humanas distintamente dividas em classes.
Desde os egípcios e seus faraós aos pater-família, nas génos; do império helenista,
passando pelos senados romanos; à Idade média: as culturas humanas que mais
cresciam e tornavam-se soberanas impediam a percepção da unidade humana. As
culturas até então confabuladas e executadas traziam ranços de uma cultura
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desmembrada, trazida no âmago das primeiras sociedades. Quando se almejou uma


sociedade una, como fez Alexandre da Macedônia, ou no período romano, com Júlio
Cesar, ou com a Igreja Católica Apostólica Romana da idade média, por exemplo, a
violência e as práticas anti-humanitárias eram a égide desta união. Não havia
um sentimento que valorasse, comparasse ou equiparasse duas culturas distintas.
Muitas se viam como antagônicas. Ressalta-se isso de novo, por ser essa uma
condição ao humanismo: a união se faz em prol de um bem comum. A partir da
cultura monetária, a posse desses bens permitiram a socialização. Não mais o
trabalho, os títulos, a posse de terras ou de pessoas: o dinheiro dita as sociedades.
Mas, esquece-se, com isso, que dinheiro é apenas uma metáfora que permite a
sociabilização das culturas: o liberalismo não é o fim, mas, sim, o meio. O meio pelo
qual a humanidade interage como unidade. Não se pode acreditar em uma cultura
cuja concepção de desenvolvimento está no capital, portanto. O desenvolvimento
deve ser humano, para a humanidade: este é o fim; uma sociedade onde todos os
seres humanos tem ao menos a possibilidade de prosperar e viver. A atual finalidade
de nosso paradigma cultural não assume esta premissa: perde-se em seu próprio
meio, acumulando materiais com valores sociais embutidos. E, assim, perdida no
labirinto de sua própria criação, o neoliberalismo vê-se em crise. Não por menos:
seu desenvolvimento histórico denuncia suas raízes anti-humanitárias. Os direitos
humanos se houvessem surgidos conjuntamente com os humanos, condenariam
todas as sociedades humanas existentes até hoje, só pelo seu lema: “direitos
humanos, para ter basta ser”. Os poderes sociais mais remotos não conheciam tal
máxima: uns eram descendentes direto de deus; outros tinham o costume (a cultura
emocional) como prática social; outros utilizaram a política para manipular as
sociedades... etc. O ser humano jamais foi visto como igual. A monetarização
possibilitou isso.

Mas, se por este lado a monetarização possui um lado benéfico,


estendido a todos os seres humanos, automaticamente o padrão cultural renegou
esta medida. Como visto, as sociedades reprimem fortemente qualquer desvio
cultural. Assim, a partir da monetização cultural as correntes conservadoras,
acostumadas com seus privilégios milenares, lançaram-se em uma guerra, muito
menos sangrenta que as de outrora, contra essa ideologia. Dado o patamar
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contemporâneo, não é novidade conceber que a cultura feudal e os poderes da


cultura emocional perdiam suas forças. O acesso ao conhecimento e informação,
bem como alguns privilégios, permitiram que alguns homens, pertencentes ao alto
escalão das sociedades humanas, propagassem as ambições conservadoras, em
prol de uma sociedade desigual, vinculada diretamente a esta característica. Não
poderiam existir, afinal, regalias, luxúrias e vantagens em uma sociedade onde todos
possuíssem o direito a tais coisas. Essa cultura, vista como a cultura normal à
época, fundiu-se à cultura dos banqueiros, fazendo com que a ordem social fosse
recriada, adaptada, moldada. Surge uma terceira cultura, fruto da ação fundente e
forçada dessas.

O processo de antropização da Europa repercutiu por todo o mundo. Por


isso Huberman utiliza a metáfora: “quando os pioneiros dos Estados Unidos
quebravam seus machados nas árvores do Oeste americano entre os séculos XVII e
XIX, os sons que ouviam eram ecos dos sons provocados pelos seus ancestrais na
Europa, quinhentos anos antes, em circunstâncias semelhantes”. Ou seja: este
modelo que surgia na Europa seria propagado como verdade para o mundo,
estendemos, assim, os paradigmas europeus às mais diferentes culturas, nos
âmbitos da cultura elaborada (influenciando nos caminhos adotados pela ciência) e
emocional (tanto nos costumes quanto nas crenças).

Este processo iniciava-se com a ruptura do feudalismo. O princípio disso


deu-se de maneira paradoxal: com os senhores feudais. Mesmo que estes não
condissessem com as ambições particulares da classe dos comerciantes, os
senhores feudais que arrendavam suas terras improdutivas o faziam de maneira
descuidada (para eles mesmos). Acontece que com a popularização da economia
liberal, estes agentes passaram a arrendar suas terras com o valor que estava em
voga: o dinheiro, propagando, assim, os princípios da cultura burguesa. Como
passaram a participar das feiras, comprando objetos estrangeiros, precisavam de
moedas para pagar suas contas.

Outro fato importante é que, com a terra arrendada, o campesinato tinha a


possibilidade de ascender socialmente. Este é, sem dúvidas, um marco histórico da
humanidade, visto que até então as sociedades funcionavam quase como um
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sistema de estamental. A posse da terra permitia ao camponês produzir excedentes,


vendê-los a quem e como quisesse, e, assim, acumular poder, como fazia a nobreza
e o clero.

O campesinato se apossava da terra, também, na troca por trabalho, feita


com os detentores. Os trabalhadores cortavam as matas virgens, vistas como
entrave ao progresso humano na concepção humanista da época, e, em troca,
ganhavam pequenos lotes desta terra para produzir. Assim, os pântanos e florestas
europeias foram sendo dizimados. Foi quando principiou, dado o aumento
populacional, o êxodo rural, o crescimento desordenado, o estado da arte científica e
muitas outras variáveis, a peste negra. Tratava-se da peste bubônica, transmitida
por ratos, que infestavam as grandes cidades europeias. Huberman afirma que mais
de um terço da população europeia veio a falecer com a doença – mais que os
mortos contados da Segunda Grande Guerra. Como muitas pessoas morreram, o
trabalho na terra tornou-se valorizado: a “mão invisível” controlara o mercado. Em
alguns locais da Europa, Huberman afirma que o salário dos trabalhadores
aumentou em cerca de cinquenta por cento. Deve-se levar em conta que a terra só
possuía valor embutido caso fosse produtiva: e só se produz através do trabalho.
Essa escassez de trabalho fortificou as ações sociais, despertando-os “um
sentimento de poder” (Hubermam).

Como alguns produtos passaram a ser procurados mais que outros, a


sociedade vivenciou outra mudança dos padrões culturais. Pessoas que detinham
habilidades diferentes da habilidade agrícola, puderam dedicar-se a desenvolver tais
dons. O mercado trazia consigo novos empregos e a possibilidade da criação
destes. “Com dinheiro as pessoas puderam comprar produtos que não poderiam
produzir por si mesmas, liberando-as para fazerem outras coisas; assim, puderam
especializar-se naquilo que melhor sabiam fazer” (Arkel et al, 2002). Entre os
séculos XIII e XIV, devido essas características, o comércio foi restrito a algumas
pessoas. Ainda muito restrito, com poucos compradores, era normal que os
produtores locais valorizassem seus produtos. A maneira pela qual as sociedades
humanas europeias encontraram para isso, foi tornar as profissões em carreiras.
Assim, para alguém exercer a função de alfaiate, teria de ser aprendiz de alfaiate por
alguns anos, até ser considerado um mestre e poder abrir seu negócio – que, sem
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grandes burocracias ou equipamentos, não eram tão difíceis de se conseguir. Para


salvaguardar as profissões que surgiam, e para valorizá-las e defendê-las ainda
mais, cada profissão uniu-se em corporações. Estas impediam que alguma profissão
fosse exercida por alguém não autorizado (como estrangeiros ou que não
houvessem sido treinadas) e fiscalizavam a qualidade dos produtos. Outra função
era a de ajuda mútua entre seus integrantes, visto que todos eram vistos como
iguais, mestre e aprendizes, visto que todo o aprendiz tinha a garantia de tornar-se
mestre um dia. Esta é uma característica que sumiu da cultura mercadológica à
medida que alguns mestres tornaram-se mais bem sucedidos que outros, criando
suas próprias corporações. Ao final do século XIV existiam as corporações
superiores e inferiores, retomando àqueles melhores sucedidos e os menos
abastados, respectivamente. Esse modelo de ascensão econômico e organização
social extinguiu-se com o tempo, tal qual a usura e o preço justo, visto que essas
características truncavam o avanço do novo sistema cultural, embasado na
monetarização.

Neste ano de 1492, a Espanha adquire a concepção de nação. Como


resultado, o rei Fernando de Aragão, depois de despender uma grande quantia dos
cofres reais, retoma a última parcela do solo tomada pelos árabes, havia oito
séculos. Além disso, o descobrimento da América, também neste ano, retomou
muito dinheiro. Os espanhóis precisavam manter as vias do mercantilismo
funcionando: o que os impulsionava cada vez mais atrás de ouro, prata e
especiarias. Colombo, feitor do descobrimento americano, escreveu em sua carta de
viagem, transcrita por Galeano (1983) página 25: “do ouro se faz tesouro, e com ele
quem o tem faz o que quiser no mundo e chega a levar as almas ao paraíso”.

No século XV, os burgueses mais abastados passaram a controlar o


progresso social das cidades, tamanho eram suas influências. Descreve Huberman
que na Alemanha e na Holanda, por exemplo, “os mercadores e os burgueses ricos
dominavam sozinhos a cidade (...) governava a cidade com poderes ilimitados”. Os
conselhos nomeavam autoridades municipais e prefeitos, e, assim, claro, passavam
a controlar a administração da cidade. Como uma elite se consolidava, pouco a
pouco a ideia de um aprendiz tornar-se mestre foi se extinguindo. Em busca do
monopólio, a carreira para tornar-se mestre das mais variadas profissões foi sendo
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restringida a uns poucos; outras profissões passaram a cobrar grandes soldos para
formar mestres; outras simplesmente não formavam.

Com a partição das terras e do poder, os feudos perdiam suas forças


cada vez mais. Assim, as sociedades humanas não encontravam mais a proteção
militar de outrora, respaldada pelo senhor feudal. Sem prestigio, os feudos não
podiam mais salvaguardar, organizar ou manter aquele sistema cultural. As
sociedades ansiavam por um sistema mais seguro e estável. O papel da monarquia,
por isso, passa a ser revalorizada na Europa. Tanto que na Espanha acontece, a
esta época, então, um importante passo para a globalização do capital. A rainha
católica, visando expulsar os árabes da Península Ibérica, tomou todo o capital que
os judeus residentes na Espanha possuíam. Com o dinheiro acumulado, pode entrar
em guerra contra os mouros, bem como gerou um excedente. Este, por sua vez, foi
utilizado para custear as navegações de Colombo, que procurava manter a ânsia
mercantilista que pairava. Da mesma forma, prevendo que o comercio trazia consigo
o dinheiro que nele circulava, e levando em consideração que este mesmo dinheiro
era usado para pagar o exercito e manter a monarquia, os reis europeus passaram a
condenar as corporações, que tentavam manter o monopólio. Abria-se ainda mais o
leque de possibilidades do mercado.

Outro fato importante trazido com a monetarização é o surgimento de um


sentimento de nação unida, dada pela unificação dos antigos feudos e burgos aos
monarcas. Como cita Huberman: "Passaram a existir leis nacionais, línguas
nacionais e ate igrejas nacionais". Deviam, por isso, lealdade "não a sua cidade ou
ao senhor feudal, mas ao rei, que é o monarca de toda uma nação". Se antes desse
fato todas as leis divergiam, de feudo para feudo, de burgo para feudo, agora tudo
se unificava. Ansiava-se pela união. O historiador completa: "assim, o localismo foi
suplantado pelo nacionalismo, e a era de um soberano poderoso, a frente de um
reino unido, teve inicio".

4 “O Nosso Caminho da Servidão”

“A América era um negócio europeu”


Eduardo Galeano.
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Eduardo Galeano afirma categoricamente que “desde o descobrimento


até os nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-
americano, e como tal tem-se acumulado e se acumula até hoje nos distantes
centros de poder”. Investigar como o Brasil inseriu-se no contexto monetário
corrobora para compreender o atual estado da arte do sistema de vida brasileiro,
baseada na ideologia neoliberal – que impregna meios de comunicação, educação,
política, religião, economia e demais culturas humanas. O neoliberalismo apresenta-
se como uma cultura, resultado de um processo histórico. O atual paradigma
incorpora novos aliados a todo custo e uma vez dentro do jogo, dificilmente alguém
o larga. Para tanto, basta que se aceite sua premissa como cultura normal: dinheiro
com juros. Notas que não valem o que expressam e que funcionam como algemas.
Acontece, porém, que em muitos lugares o dinheiro não existe, simplesmente: estes
locais são denominados de “desertos monetários”. Arkel et al (2002) através do
MoMoMo, Movimento Monetário Mosaico, expressa solidamente que “A falta de
dinheiro para intermediar trocas não cria apenas uma falta de consumo, mas muito
mais: uma falta de interação e, assim, de desenvolvimento”. E isso porque existe um
paradoxo do sistema financeiro que “se manifesta por um entendimento equivocado
do papel do dinheiro” – que, alias, é o que atribui valor a estas páginas: quer-se
mostrar o valor antropológico do dinheiro, para compreender seu papel na
sociedade, além de evidenciar qual o atual papel desempenhado por esta metáfora
social. Este paradoxo é simples: quando não se envia créditos a um deserto
monetário, a única alternativa aquele lugar é o endividamento e o desemprego. Por
não subsidiar a vida de quem não possui dinheiro, este sistema mostra-se
equivocado. Simplesmente exclui pessoas. Levando em consideração um
crescimento demográfico contínuo desde antes as épocas de Malthus, pode-se
entender o tom áspero com que Galeano analisa o estado da arte do sistema
neoliberal: “o sistema vomita pessoas”. O autor afirma, ainda: “Aqueles que
ganharam, ganharam graças ao que nós perdemos”. Ressalta o uruguaio que a
história das Américas reflete no desenvolvimento do capitalismo mundial. John
Maynard Keynes, da mesma forma, mostrava-se de acordo com as palavras de
Galeano: para que um país tenha vantagens, necessariamente outro terá de perdê-
las.
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A economia interna europeia crescia enormemente no século XV, mas


começava a encontrar alguns empecilhos. A igreja católica condenava os juros; os
turcos impediam os europeus a terem acesso às mercadorias do oriente.

Entre 1503 e 1540, a América começava a se tornar a América: a Europa


investira seus capitais em navegações de exploração, em busca de metais e
especiarias, bem sucedidamente em Cuba, México, América Central, Chile, Brasil,
Peru. O resultado desses investimentos é expressivo. Galeano demonstra através
da analise de Earl J. Hamilton (página 34) o quão vantajoso foi à Europa aquele
investimento: entre 1503 e 1660, 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de
prata chegaram somente à Espanha. Tanta prata, claro, em uma economia não
disciplinada, resultou em uma inflação escandalosa. A coroa espanhola, por
exemplo, tornou-se endividada: em 1543, em média “65% do total das rendas reais
eram destinadas ao pagamento das anuidades dos títulos de divida” (Galeano). O
dinheiro que entrava no país, logo escapava para as mãos dos banqueiros alemães,
genoveses, flamengos e até mesmo compatriotas.

A partir do século XVI, a situação começa a mudar, também, em relação à


religião. A cultura primária ganhou seu estigma liberal; seu viés para propagar a
monetização. Acontece que a igreja católica, como visto, ao considerar a usura
contra as previdências divinas, fazia com que os reis agissem da mesma forma –
portanto, fazia-se disso uma impositora cultura normal. E, assim, o sistema
monetário via-se truncado. Muitas pessoas eram condenadas à morte ou eram
excomungadas por serem pegas praticando tal “delito”. O protestantismo, corrente
religiosa surgida neste século, veio para arrebatar todos aqueles cristãos
banqueiros, que vinham sendo acusado de pecados imperdoáveis. Assim, os judeus
e os italianos tiveram campo aberto para se dedicar ao lucrativo ramo dos
empréstimos, dado por notas de cambio emitida pelos ourives. Alguns passaram a
emitir mais notas do que o ouro que de fato possuíam em estoque – e, ainda, a
cobrar juros em cima deste. Como viviam sendo perseguidos, e como o ouro e a
prata entravam deliberadamente na Europa a esta época, estes banqueiros davam
preferências a valores transportáveis, como as moedas e estas notas promissórias.
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Fez-se, na Europa, por isso (como se, de fato, isso fosse justificável!) o
tempo das Inquisições. Perturbados com a possibilidade de perder seu poder, já não
muito prestigiado, alguns monarcas europeus lançaram-se contra a burguesia
protestante ascendente. Queimavam hereges e livros em fogueiras. Os metais
americanos ajudavam a monarquia nas guerras santas: visto que os reis, àquela
época, eram chamados de representantes de Deus na terra. Chamava-se esta
cultura de Absolutismo. Surgido no decorrer do século XV e XVI, esta corrente
cultural dava a um monarca absoluto poder legal, político e religioso. Nestes
séculos, até meados do século XVII, os reis mandaram no mundo. E o fizeram com
muito apoio popular, visto que faziam guerras em nome de Deus e da fé católica.
Assim foi feito com os judeus, expulsos da Espanha – que, por sua vez, perdia
importantes e hábeis artesãos e capitais imprescindíveis.

O século XVI foi marcado por uma significante revolução no campo


econômico visto que a cultura monetária é incorporada de uma vez por todas às
culturas das civilizações modernas. A Holanda funda o primeiro banco público do
mundo, com uma missão bem definida: garantir a qualidade da moeda. O lastro da
moeda eram o peso e o teor de ouro desta. Impulsionada pela criação e bem-
sucedimento da Companhia das Índias Orientais, importadora de mercadorias
orientais, o banco foi o primeiro, também, a criar moedas, através do sistema de
crédito e dinheiro em forma de capital – tudo isto pelo poder estatal, frise-se. A partir
daí, estado formalizara o uso das moedas, instituindo-a, tal qual fez com o
cristianismo. O motivo, da mesma forma, não se encontra na busca pela igualdade
ou pela justiça, mas na pretensão da burguesia ascendente. Além disso, a moeda
deixa de ser estéril. Uma vez depositada, a mesma moeda pode ser emprestada a
outrem e, ainda assim, continuar como saldo do depositante – ela torna-se crédito,
que pela lógica da “oportunidade perdida”, deve ser taxada de juros. Por isso,
repete-se: a moeda torna-se um capital. A economia avança, deixando para trás o
que o jornalista uruguaio chamou de “economia da Idade Média”. Os banqueiros
tornam-se profissões oficiais, e sua função tornou-se um nicho de mercado.

A Espanha, farta em metais a essa época, supria as necessidades de


vários produtos manufaturados simplesmente optando pela importação. Optando
pelo mercantilismo, no que diz respeito ao acúmulo de metais, o país fadou-se a um
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atraso na sua futura indústria. De acordo, com Galeano, a Espanha impelia aqueles
que tentassem tornar-se empreendedores industriais: corria-se o risco de perder o
titulo de fidalguia. Ao cabo de 1700, o cenário era caótico: “Foi a época da desonra,
da fome e das epidemias. Era infinita a quantidade de mendigos espanhóis, mas
isso não impedia que os mendigos estrangeiros também afluíssem de todas as
regiões da Europa(...) Desemprego crônico, grandes latifúndios, moeda caótica,
guerras perdidas e tesouros vazios, autoridade central desconhecida nas
fronteiras...” (Galeano).

Outro rompimento cultural importante de ser relembrado aqui trazido com


a cultura monetária, diz respeito ao chamado de “preço justo”. Huberman afirma que
os produtos artesanais produzidos na Idade Média, quando a monetização e o
mercado ainda eram embriões do atual sistema cultural, não sofriam influência de
locais distantes, e, por isso, o preço era contabilizado não pela lei do mercado de
oferta e procura. A ideia de preço dava-se, pois, pela soma do gasto com matéria-
prima e mão-de-obra. Não se concebia a ideia de produzir em larga escala, visto que
o mercado era muito restrito. A ampliação do uso da moeda, bem como sua
implicação no âmbito espacial do mercado, fez com que a produção local passasse
a visar vendas mais distantes, aumentando a fluidez de mercadoria, a produção e
valor. Sim, pois com o aumento da procura, o mercado experimenta livremente a
possibilidade de avaliar seus produtos pelo valor de mercado, ditado pela oferta e
procura – abolia-se, por isso, a concepção de preço justo.

Enfim. Todo o espólio causado pelos europeus em solo americano


contribuiu para que a Europa investisse em seu desenvolvimento, estimulando o
“espírito de empresa” e financiou diretamente o estabelecimento de manufaturas,
“dando um grande impulso à revolução Industrial”. A Europa, através da
monetarização cultural, pôde estender seus braços pelo mundo, como supôs
Galeano. Essa concepção, a qual se retrata nestes escritos, é vislumbrada também
por Quinjano (2005) apud Sogame. Para expressar este movimento cultural que
partia da Europa, o autor definiu um termo: o eurocentrismo. Segue definição:

“O eurocentrismo é, aqui, o nome de uma perspectiva


de conhecimento cuja elaboração sistemática começou na Europa
Ocidental antes de mediados do século XVII (...) Sua constituição
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ocorreu associada à especifica secularização burguesa do


pensamento europeu e à experiência e necessidade do padrão
mundial de poder capitalista, colonial/moderno, eurocentrado,
estabelecido a partir da América (...) Em outras palavras, não se
refere a todos os modos de conhecer todos os europeus e em
todas as épocas, mas a uma especifica racionalidade ou
perspectiva de conhecimento que se tornou mundialmente
hegemônica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais,
prévias ou diferentes, e a seus respectivos saberes concretos, tanto
na Europa quanto no resto do mundo”

Embasava-se, como visto, no “liberalismo econômico, na democracia


representativa, na sociedade de classes e no pensamento iluminista burguês” (ibid.)
e no sistema-mundo moderno-colonial. Lembra Galeano que “as colônias
americanas foram descobertas, conquistadas e colonizadas dentro do processo de
expansão do capital comercial”. As colônias, de acordo com o mesmo autor,
enviaram, no século XVI, um valor quatro vezes maior de metais preciosos que
importaram quaisquer produtos.

Nas Américas, os ricos eram os grandes proprietários de terra, que


repartiam entre si o usufruto da mão-de-obra indígena e negra. Esses senhores,
claro, não pretendiam elevar o nível técnico e cultural dos brasileiros verdadeiros,
tampouco tencionavam diversificar as economias internas. A miséria pela qual estes
povos passaram, impediu-os de criar um mercado interno de consumo (Galeano). O
uruguaio sustenta que as Américas tiveram muito capital que se acumulou no
continente, mas percorreu um viés diferente do capital que era enviado à Europa.
Enquanto os europeus investiam na industrialização da burguesia e seu comércio,
as Américas mantinham o ranço de uma cultura centralizadora e acumuladora de
capitais. O capital da América latina era destinado ao mercado especulativo, festas,
compra de terras e manutenção de todo o vultoso aparato europeu importado às
casas dos barões. Surgiam nas Américas, assim, os desertos financeiros, fadados à
estagnação social. “Os capitais não se acumulavam”, relata Galeano referindo-se à
Bolívia. O autor continua: “eram desperdiçados”, e finaliza categoricamente: “ pai
mercador, filho cavaleiro e neto mendigo”.

O século XVII teve exatamente esta face para o Brasil. Os empresários


mineiros, incentivados pelo mercantilismo capitalista, transformaram os índios e
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escravos negros em “proletariado externo” da economia europeia. Foi “a maior


concentração de força de trabalho até então conhecida”, que, claro, foi utilizada para
criar “a maior concentração de riqueza que jamais possuiu qualquer civilização”. O
peso desse “desenvolvimento” foi sentido pelos verdadeiros americanos: antes das
navegações, as Américas possuíam de 70 a 90 milhões de pessoas; um século e
meio mais tarde, somavam 3,5 milhões. No Brasil, mais especificamente, o
historiador jornalista denuncia que no começo do século o país possuía cerca de
230 tribos; hoje restam menos de 140. Os argumentos culturais para tais barbáries,
claro, só podiam ser dados à luz da cultura emocional: alegava-se que os índios
eram pecadores, detentos de um “maldade natural”, ou que não possuíam “nenhuma
atividade na alma” (Galeano). O jornalista ainda transcreve uma passagem do padre
Gregório Garcia, ao cabo do século XVII, para demonstrar este fato. Dizia o abade
que os índios descendiam de judeus, pois, como esses, eram “preguiçosos, não
creem nos milagres de Jesus Cristo e não são gratos aos espanhóis por todo o bem
que lhes fizeram”.

Além disso, o mercantilismo que assolava a época levou as metrópoles


ao auge: impediu o tráfego de moedas de ouro para as colônias. Fustigados pelo
deserto monetário que as metrópoles causavam, as colônias tomavam partido. As
treze colônias da América do Norte concebem uma nova lógica mercadológica. Um
século antes, Massachusetts havia financiado uma guerra com o uso de um papel
moeda – mas o costume não se perpetuou. Em 1775, no entanto, Benjamin Franklin,
liberal à Adam Smith declarado, lutou ampla e solidamente contra o protecionismo
das colônias, ajudando na implantação do papel-moeda na cultura americana. O
primeiro papel-moeda denominou-se de Continental, com os dizeres estampados ao
centro: “Congresso Americano, Nós somos um”. A moeda quando em ouro, possui
valor intrínseco. Se a moeda “xis” se desvaloriza, basta que seja derretida para
manter seu valor de ouro. O papel-moeda não possui essa característica: todo seu
valor está na confiança que as pessoas têm naquele papel. Os Continentais, lembra
Pilagallo, patrocinaram a Independência Americana, sem os quais isso não teria sido
possível. Um ano após a proclamação, o governo emitiu 42 mandos de impressão
do dinheiro – o que levou o país a uma hiperinflação. Processo normal, oriundo da
grande quantidade de dinheiro circulando ao mesmo tempo.
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Refine-se a história um pouco, para que se explane as condições da


Pátria Amada, neste período. Por dois séculos, de 1500, ano do “descobrimento”, a
1700, o Brasil foi uma colônia portuguesa, abastecedora do mercado mundial, ávido
por pau-Brasil. Em seguida, o nordeste brasileiro foi alvo das monoculturas de cana-
de-açúcar. Diferentemente da América “descoberta” pelos espanhóis, o Brasil não
possuía civilizações indígenas adoradoras de metais e engenharias. Os portugueses
tiveram, logo, que descobrir por suas próprias mãos e armas (visto que
exterminaram muitas tribos) onde estavam localizadas as jazidas de metais
desejados. A partir deste século, os portugueses, graças aos bandeirantes da região
de São Paulo, descobriram ouro de fácil extração, localizado às margens de rios.
Galeano afirma que em Minas Gerais, por exemplo, retirou-se a maior quantidade de
ouro em menor tempo, em toda a história da humanidade. Os resultados foram
visíveis: em 1700 o Brasil possuía uma população de cerca 300 mil habitantes; com
a descoberta do ouro, depois de um século sua população havia sido multiplicada
por onze. Trezentos mil vindos só de Portugal. Vinham, de todos os cantos,
“aventureiros e caçadores de fortuna”.

O século XVII é marcado pelos desleixos de monarcas e nobres vaidosos,


que corroboraram para o surgimento da primeira crise do sistema econômico do
Brasil. A monocultura e o comercio de escravos, égide deste sistema em
decadência, mostravam-se sob forte tensão: o primeiro exausto, depois de ter seus
recursos minerais exauridos pela monocultura; e o segundo revoltado, eclodindo
rebeliões por todo o país. A Holanda beneficiou-se deste quadro: passou a comprar
a cana dos portugueses e beneficiá-la em suas terras, para, então, vender
novamente a preços maiores. Tamanha foi a gana holandesa que, neste mesmo
século, invadiram e tomaram o nordeste brasileiro, com todo seu ouro branco e seus
engenhos. Não ficaram, no entanto, mais de quinze anos.

De qualquer maneira, Portugal ainda não industrializado e governado de


maneira desplanejada, vê a cana desvalorizar-se em 50%, bem como sua produção
cair pela metade. O nordeste brasileiro perdia o seu valor cultural: o
desenvolvimento deslocava-se para o sul, atrás das jazidas de ouro. Junto com este
progresso, foram, claro, as pessoas: nobres e seus escravos, e seus seguidores,
amantes do dinheiro. O nordeste brasileiro, sem nenhum investimento, via-se em
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situação paupérrima: tanto para os residentes resistentes, quanto para seu solo,
improdutível. Galeano retrata bem a situação dessa pobreza: “Foi uma crise
definitiva. Prolonga-se, arrastando penosamente de século em século até nossos
dias”. Paradoxal tornou-se a situação desta região: por essência, alimentara o
mundo; hoje, reside na fome. Claro, ressalta-se, este alimento resumia-se à
plantação de cana. A maioria dos 120 engenhos que existiam em solo brasileiro
neste século importava alimento da Europa, bem como a maioria de seus artigos.
Sem desenvolver suas relações sociais internas, não é espantosa a afirmação do
uruguaio Galeano: “o nordeste brasileiro é, na atualidade, umas das regiões mais
subdesenvolvidas do hemisfério ocidental”.

Caótico desde sua essência, a situação brasileira se assemelha a de


muitos países subdesenvolvidos do globo. A história tem sua égide voltada à
exploração social e ambiental, que, como explicitado até aqui, resultou em uma
cultura massificadora, impositiva e desfragmentada, que desenvolve progresso
humano, cultural e tecnológico apenas para uma pequena parcela da população.
Esta parcela, claro, traz o ranço do eurocentrismo em suas veias. O século XVIII é o
século da corrida de ouro brasileira e, também, do princípio da criação dos desertos
financeiros no Brasil. Ainda como uma mera colônia escravocrata, o Brasil não
possuía uma organização política e social própria, sendo explorado descabidamente
por sua metrópole. Isso significa, também, que nosso mercado era voltado apenas
aos que participavam do jogo liberal: todos, ou a quase todos, brasileiros estavam
exclusos deste sistema. O progresso não chegaria aos índios jamais: escravos não
possuíam salário, sequer conhecimento de técnicas mercadológicas ou monetárias.
Este século condenaria, também, o mercado brasileiro e, consequentemente, a
metáfora social, o dinheiro.

Em 1703, Portugal assina o Tratado de Methuen, no qual o país e sua


colônia, o Brasil, em troca de acordos comerciais que favoreceriam a entrada do
vinho português no solo inglês, facilitariam e incentivariam a importação de
manufaturas da Inglaterra. Assim, nem Brasil nem Portugal puderam dar inicio às
suas indústrias. Cita Galeano que o desincentivo se deu por várias etapas, como
nos anos de 1715 em que a coroa proibiu a criação e funcionamento de refinarias de
açúcar; e em 1785, quando determinou que ateassem fogo nos teares e fiadores
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brasileiros. Assim, tal qual aconteceu com a Espanha, Portugal nunca permanecia
com o ouro que extraia de solo brasileiro. As pedras eram encaminhadas quase que
instantaneamente para Londres, para custear o luxo e a extravagância daquela
nobreza portuguesa, que, aos poucos, enfraquecia-se. Conta Galeano que em 1755
Portugal não produzia nada, que os ingleses eram donos do comércio português e
que abasteciam dois terços de suas necessidades com o ouro provindo dessas
negociações. A Inglaterra utilizava este ouro para importar apenas aquilo que era
necessário; a maior parte era utilizada para o desenvolvimento industrial. Completa
Galeano: “segundo fontes britânicas, a entrada de ouro brasileiro alcançava 50 mil
libras por semana em alguns períodos. Sem esta tremenda acumulação de reservas
metálicas, a Inglaterra não teria podido enfrentar, posteriormente, Napoleão”.

Os latifúndios implantados no âmago das culturas brasileiras desde seu


descobrimento, perduram hoje no seio da atual sociedade. Galeano justifica por isso,
em grande parte, a pobreza da América Latina. O autor cita que atualmente o
sistema não necessita mão-de-obra escrava negra ou indígena para manter sua
ordem e seus privilégios. O âmbito monetário cobre esse espaço, dando aos
afortunados detentores de riqueza acumulada privilégios para que expandam e
perpetuem o sistema de privilégios no âmbito econômico, político e cultural.

Outra característica marcante desse período bissecular refere-se à cultura


monetária adotada aqui, em si. Os escravos africanos já utilizavam uma metáfora
social para realizar as trocas do escambo. Tratava-se do Zimbo – pequena concha
encontrada no Congo, tradicionalmente utilizada lá para esse fim. Ao chegarem na
Bahia, os escravos tiveram a oportunidade de perpetuar a tradição, dado que existia
uma concha muito semelhando no litoral baiano. Essa cultura, por sua vez, interferiu
na normalidade de duas culturas diferentes: a africana e a brasileira. Aqui na
terrinha, o zimbo “mitigou os efeitos da escassez das moedas em metal; na África,
para onde era exportado, provocou inflação”.

A África sente o que Pilagallo chama de “teoria quantitativa da moeda”.


Assim como aconteceu com os EUA, a Espanha, Portugal e muitos outros, o
aumento do número de moedas causou sua desvalorização. Pensando assim, torna-
se estranho que a cultura elaborada humana tenha desperdiçado tanto tempo de
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sua história cultuando e incentivando a alquimia. Pois, acaso alguém conseguisse


transformar metal em ouro, o valor do ouro seria o mesmo que se dá hoje ao metal.
Aumentando a quantidade de metal precioso no mercado, ele desvalora-se. É a
lógica da raridade: quanto mais raro, maior o seu valor.

Para conter a inflação, o imperador do Congo criou uma medida anti-


inflacionário ríspida, básica e pontual: impediu a circulação do zimbo brasileiro no
país.

5 O Mundo Entra no Passo do Cancan.

“A ideologia do mundo moderno atingiu, pela influência francesa, as


antigas civilizações que até então resistiam às idéias européias”.
Hobsbawn, A revolução Francesa

Fez-se um mundo dos burgueses: voltado ao mercado liberal. Implícito a


isto, esta a afirmativa de que as culturas humanas adotaram culturas voltadas à
divisão de trabalho para a produção de mercadorias, bem como na distribuição
destas via uma metáfora social. Esta metáfora teve vários nomes na história
humana: ouro, prata, moedas, conchas, fumo, sal, papel. Enfim. Diversos nomes,
mas, sempre, uma função: servir de ferramenta à socialização humana. Cada
cultura, lembra-se, possui seus valores culturais: o dinheiro, no entanto, é um bem
de valor comum às diferentes sociedades. É nessa convergência que os humanos
atuam como sociedade. O dinheiro, oras, é apenas uma metáfora à socialização
humana.

O dinheiro significa “bem de uso, carregado de trabalho social”. Assim


define Buzzi (1991), em Introdução à Filosofia, a palavra mercadoria. A mercadoria
é, enfim, o fim do dinheiro. Diz o filósofo que ao usar a “mercadoria, satisfazemos
sempre alguma necessidade. (...) Necessidades de toda a sorte, mercadorias de
toda a sorte! De gêneros alimentícios, de transporte, de vestuário, de moradia, de
lazer, de arte, de religião, de cultura...todas satisfazem necessidades humanas.” A
mercadoria, nesta concepção, é o caminho para a satisfação das necessidades.

Mas, acontece que a mercadoria possui seu valor quantificado em


dinheiro, o que transfere seu valor à própria quantia monetária. Mas, devemos
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lembrar: dinheiro é a extensão da mercadoria, que, por sua vez, promove a


socialização. Quem tem dinheiro, tem acesso às mercadorias, e, assim, se
sociabiliza em uma comunidade. O dinheiro permite a socialização humana em
qualquer lugar do mundo, mesmo que não se saiba sequer a língua local. Mas,
deve-se lembrar: o dinheiro representa mercadoria, e a mercadoria não serve para
ser estocada. Deve ser usada! Tanto que, lembra Buzzi que a “mercadoria não é
feita para ser entesourada. É feita para ser usada! Para difundir-se seu uso, institui-
se o jogo de trocas. Se não houvesse troca, cada individuo se isolaria na produção.
No trabalho geralmente produzimos uma só mercadoria, por ex. um livro. Mas o
trocamos com mil outras diferentes mediante o dinheiro”. Buzzi cita Aristóteles para
dar sustância a seu argumento: “pois não há sociedade sem intercambio, nem
intercambio sem igualdade, nem tampouco igualdade sem comensurabilidade”.

Buzzi afirma que os preços tornaram-se tão evidentes e marcantes em


nossa cultura que, assim, são confundidos com o próprio dinheiro. Afirma:
“pensamo-las no valor de dinheiro. Quanto mais custam mais valem”. De qualquer
maneira, o dinheiro é uma ferramenta de facilitação das trocas de mercadorias,
destinadas à satisfação das vontades humanas. Ele é “mercadoria-símbolo”, e como
tal, não deve ser acumulado. Quando as ações humanas visam o acumulo do
dinheiro, apenas, acontece o fenômeno que Buzzi denomina de “especulação
monetária ou financeira” que, como o filosofo define, “deforma seu sentido e
consequentemente deforma o metabolismo social”, pois, claro, “não é com o
dinheiro que se constrói a sociabilidade, mas com a troca de mercadorias”.

A história monetária brasileira mostra que o país teve dificuldades em


criar sua metáfora. Em épocas mais ferrenhas, como os dois primeiros séculos
depois do descobrimento, Pilagallo afirma não somente os escravos tiveram que
improvisar na metáfora, visto que moeda metálica era coisa rara. O jornalista conta
que governadores, mercadores e até igreja recebiam pagamento em mercadorias,
principalmente o açúcar. Esta “doce metáfora” perdurou por um tempo legalmente
no Rio de Janeiro, no século XVII. Mas, claro, não foi a única. “Tabaco, ferro, cacau,
baunilha e cravo costumavam servir como dinheiro”, conta Pilagallo. O nordeste
brasileiro, ainda mais sedento de socialização, utilizava braças de pano de algodão.
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O século XVI tinha as poucas moedas circulantes do tipo espanhol, chamada de “8


reales”.

O nordeste brasileiro é pioneiro na emissão de moedas no país. Em 1645


o Brasil via-se em crise financeira, herdada do reinado do príncipe Mauricio de
Nassau e, para combatê-la, Pernambuco passou a emitir moedas. Lembra-se que
neste período o nordeste do Brasil estava sob domínio holandês e, assim, a
influencia foi visível: replicamos em ouro os florins, moeda holandesa. Tratava-se de
uma moeda obsidional, ou seja, emergencial. O protecionismo vigente deixava o
nordeste brasileiro sem moedas, e, por isso, esta região não progredia. O governo
passou a emiti-las a partir de um baú cheio do metal encontrado em Recife, que
deveria partir desse porto, sob mando da Companhia das Índias Orientais, da
Holanda. Para desestimular a ressurgimento de deserto financeiro, o Brasil adotou
taxas de cambio de 20% mais altas que na Holanda.

Mas este foi um caso isolado. Os florins não se tornaram uma moeda
oficial do Brasil. A falta de metais preciosos na colônia fez com que em 1694 a
metrópole Portugal desse o aval para que a “Pátria Amada” abrisse a primeira Casa
da Moeda, na Bahia.

Por volta de 1789, quando a constituição americana entra em vigor, os


EUA, primeiro país a utilizar um sistema monetário próprio nas Américas, aplicam a
teoria de Lenin inconscientemente: dão um passo para trás, para depois dar dois
para frente. O rumo? É disso que se tratará agora. Este capítulo explicará como
surgiu o atual paradigma e como ele imergiu na sociedade, tornando-se uma cultura
comum. Outra premissa é evidenciar o cenário monetário mundial num contexto
americano, utilizando a história europeia apenas como plano de fundo, a
contextualizar estas linhas.

O passo para trás das Américas era a abolição do padrão papel moeda,
que estava em baixa devido ao furo dos continentais. Deve-se lembrar que a
Independência americana teve um auxílio Francês, que, aquela época, gastava
muita força em sua Revolução. Gastando suas finanças com a revolução e
isentando a Igreja dos tributos, a monarquia francesa foi enfraquecendo
rapidamente. Enquanto a América do Norte ainda se recuperava do trauma dos
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continentais, a França adotava a mesma trama para recuperar-se da crise a qual


passava: passou a adotar o papel-moeda. Como já dito, o uso corrente do papel-
moeda é revolucionário, pois o papel não possui valor intrínseco, como o ouro, a
prata e demais metais e pedras preciosas, por exemplo. Quando desvalorizado em
uma moeda, o ouro pode ser derretido e fundido em outra moeda, não perdendo seu
valor. O papel não: se desvalorizado, simplesmente perde o valor. O ouro, afinal,
existe em quantidade limitada, o que garante sua raridade e, conseguintemente, seu
valor; o mesmo deve valer para o papel: manter-se raro eleva seu valor.

A França foi mais precavida que os EUA em sua experiência monetária.


Não emitiu notas descontroladamente, como fizeram os americanos. Pelo contrário:
as notas eram limitadas. Isso porque esta cultura monetária estava fixada à uma
base limitada: a terra, que havia sido confiscada da igreja e tornando-se um bem-
público a ser vendido, para, então, gerar renda. Quando o valor do dinheiro está
vinculado a outro objeto de valor, como neste caso, diz-se que a moeda possui
lastro. O lastro garante o valor da moeda.

Mas, enfim, as pessoas não confiam no lastro propriamente dito: confiam


que o dinheiro que carregam será aceito da mesma forma que o valor do lastro
seria. Alguém deve garantir que isto aconteça: as pessoas precisam confiar nesta
premissa, e nesta entidade que dá esta garantia. Chama-se, por isso, o papel-
moeda de dinheiro fiduciário: aquele que depende de confiança. Atualmente, nossos
sistemas monetários são, na grande maioria, embasados nesta lógica – contar-se-á,
neste capítulo, como esta lógica tornou-se uma cultura normal.

A revolução francesa trouxe impactos ao mundo. Estabeleceu a


consolidação das cidades e da burguesia; abriu as portas para o mercado
internacional, uma vez que expandiu a influencia do mercado. Além disso, instaurou
a base dez, tão comum nas quantificações das economias monetárias. Atribuíam
ligações teóricas entre a revolução e base dez. Além das notas, o tempo passou, por
um ano, na França, a existir no sistema decimal: a hora tinha cem minutos. Logo isto
foi abolido, como conta Pilagallo. O autor cita outro exemplo da influência da
revolução: nossa medida métrica. O metro, conta o autor, foi convencionado quando
o a Assembleia Nacional da França encomendou uma série de trabalhos científicos
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escolhendo como unidade de cumprimento “a décima milionésima parte de um


quadrante da Terra, aquele que vai do Polo à linha do equador, passando por Paris”.
A moda do papel-moeda só teve êxito por Seis anos, e serviu apenas para reerguer,
a França; a base métrica, espalhada por Napoleão e, posteriormente, no século XIX,
pela revolução industrial, no entanto, existe até hoje.

Os americanos insistiam em multiplicar o dinheiro, enquanto o franceses


se ocupavam em disseminá-lo para, depois, acumulá-lo. A guerra civil americana, do
norte industrializado contra o sul agrícola, acontece em 1861, e é um marco para a
história monetária mundial. Os Estados Confederados, que haviam deixado de fazer
parte da União, deflagram guerra contra o governo central dos EUA. Da emissão dos
continentais até este período, os EUA passaram por quase 90 anos sem emitir
qualquer tipo de moeda. Pilagallo conta que o sistema americano era caótica: não
oficiais, chegaram a circular, no período citado, mais de sete mil tipos com valor; e
cinco mil em papéis falsos. Os próprios comerciantes, geralmente, emitiam
pequenas moedas de cobre para dar como troco (que, alias, eram carregadas de
mensagens publicitárias). A Constituição, recém aprovada, não proibia a emissão,
apenas se declarava contra a falsificação de moedas que o governo emitia.

Caótico, instável, inseguro e, em tempos de guerra, muito necessário: o


dinheiro precisava ser institucionalizado e assegurado pelo próprio estado, garantido
seu valor. Somente aumentar impostos não adiantava: os americanos voltam a
adotar o papel-moeda. O Congresso americano emitiu 450 milhões de dólares neste
período – as notas eram conhecidas como greenbacks. Mas, como a lógica era
apenas oxigenar o comércio e a produção, sem preocupar-se com o futuro do
sistema monetário, novamente os americanos não adotaram lastro: apenas emitiram
papéis. A lógica mantém-se: muitas moedas, menor valor. Um ano antes do fim da
guerra, conta Pilagallo conta que os “preços dobraram em relação ao inicio da
guerra, enquanto no mesmo período, os salários subiram a metade”. O norte
americano, vencedor da guerra, recebeu dinheiro do sul para resgatar o valor dos
papéis-moedas; o sul, perdedor, enfrentou uma crise tremenda: os preços subiram
noventa vezes, enquanto os salários subiram apenas dez vezes.
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No Brasil, a metáfora aproximava-se com a inserção dos paradigmas


europeus na cultura local, de uma maneira direta e repentina. Fugido de Napoleão,
em 1808 o rei de Portugal, Dom João VI, desembarca na Pátria Amada. Consigo,
suas riquezas: trinta e seis embarcações com ouro, e quinze mil pessoas. Ao chegar
ao Brasil tanto ouro como jamais houvera, o efeito é lógico e conhecido: com muita
oferta, os preços sobem e a moeda desvaloriza-se. Para poder conter a inflação,
neste mesmo ano, instituiu-se, no Rio de Janeiro, o primeiro banco nacional. Sua
emissão: emitir mais dinheiro. Como não havia ouro para ser emitido para todo o
Brasil, optou-se por usar o papel-moeda que, lentamente foi sendo emitido,
transmitido e multiplicado. O lastro desses papéis eram as riquezas do rei, que havia
trazido. Isso complicou-se muito em 1821, quando o rei Dom João voltou à Portugal
e levou, consigo, grande parte da sua riqueza – que era, lembra-se, o lastro da
moeda brasileira. Ao final da década, isso faria com que o Banco do Brasil viesse a
sofrer sua primeira liquidação. Nessa década, deve-se lembrar, o Brasil havia
gastado muito dinheiro para tornar-se independente: a consumação deu-se com um
pagamento à coroa portuguesa de dois milhões de libras (Pilagallo). Outro gasto
relevante que influenciou a quebra do Banco, foi a Guerra para a anexação da
Cisplatina.

Quebrado, o Brasil não teve alternativa: recorreu aos empréstimos da


Inglaterra. Brasil pagava à Portugal que, endividada, repassava à Inglaterra,
acrescido dos juros. Na prática , o dinheiro nem precisava sair da Inglaterra: bastava
que o país recebesse os juros. Pilagallo confirma: “mesmo com dificuldades
financeiras, o Brasil começava sua longa história de dívida externa, com fama de
bom pagador, o que significaria uma regular sangria de recursos”.

O dinheiro, assim, saia – da mesma forma, lembra-se, que acontece com


os desertos financeiros. Nossa riqueza não nos pertencia: pertencia à Europa, que
recebia em impostos, acordos e pagamento de dividas. Em 1831 o problema se
agrava: Dom Pedro I repete a desagradável ação de seu pai e leva grande parte do
tesouro que aqui estava para Portugal. E tudo piora: sem o banco e sem as riquezas
do lastro, os brasileiros passaram a segurar seus metais preciosos em casa, sem
deixá-los circular. As moedas de cobre que Portugal emitia para o Brasil confirmam,
lembra Pilagallo, a Lei de Gresham: a má moeda expulsa a boa. Enquanto ouro e
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prata eram guardados, as moedas de cobre oxigenavam o mercado brasileiro. No


entanto, essas moedas existiam em muita abundância. O fenômeno econômico
lógico se repete: muitas moedas, inflação, menor valor. Isso fez com que a tensão
social aumentasse muito à época.

Em 1833 o Brasil tenta sanar estes problemas: “estipula a substituição


das moedas de cobre pelo papel-moeda”(ibid.). A década seguinte, conta o
jornalista, foi marcada por duas correntes teóricas econômicas distintas: os
liberalistas, defensores do papel-moeda; e os conservadores, metalistas. “Os
papelistas defendiam a emissão de papel moeda e a farta concessão de crédito
como meio de financiar o desenvolvimento; os metalistas defendiam o padrão-ouro
que limita a expansão ao lastro de metal disponível”. Os liberalistas saíram na frente,
com o surgimento dos primeiros bancos comerciais. Em 1846, as tendências
metalistas ganham força, e a ideologia vigora como fomento às ações financeiras do
país. O fato dá-se ao protecionismo que o Brasil vinha adotando, que estimulava a
produção nacional. Com o fim do tráfego negreiro em 1850, os recursos empregados
antes nesta funesta atividade foram empregados no comércio e na indústria. Nesta
corrida, o Barão de Mauá surge como maior empreendedor da época: em 1853
funda novamente, na sua quarta versão, o Banco do Brasil. Dessa vez, porém,
existe uma ressalva: o monopólio da emissão do papel-moeda. Nesta época, o meio
circulante cresceu 50% no triênio compreendido entre 1854 e 1857. Uma das crises
cíclicas do capitalismo norte americano surte efeito no Brasil, fazendo com que
surgisse uma contrarreforma metalista. A guerra é, novamente, o motivo para que
esta cultura desaparecesse: com ou sem lastro, a Guerra do Paraguai, em 1863,
exigia dinheiro. Nestas constantes mudanças do sistema econômico, o Brasil
manteve-se até quase o final do século. Em 1889 o Brasil entra em uma nova fase: a
República.

Marechal Deodoro da Fonseca comanda a Proclamação da República e


torna-se chefe do governo provisório – titulo renunciado e assumido por Floriano
Peixoto. Cria-se a Constituição da República em 1891, onde se afirma o
presidencialismo, a democracia e o voto livre. A especulação corria solta a essas
alturas, fazendo com que o Banco do Brasil emitisse constantemente dinheiro novo
no mercado. Pilagallo afirma que nesta época, o Ministro da Fazenda, Rui Barbosa,
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de cunho liberal, convencera Deodoro da Fonseca de um plano de rápida


industrialização. Além disso, as notas que eram emitidas tinham como objetivo,
também, pagar os salários dos ex-escravos, dada a abolição da escravatura. O café
também ia bem: vendia-se aos montes ao exterior. Tanta euforia financeira fez gerar
as especulações monetárias, das mais fraudulentas da história, onde se vendiam
muitas empresas fantasmas - o que gerou, antes do final do século, um crash no
sistema brasileiro, com a falência de muitas empresas, em cadeia. Os liberalistas
viam-se em maus lençóis. O metalismo surge como resposta espontânea: Joaquim
Murtinho assume o papel de Ministro da Fazenda ao final da década. O cidadão é
polêmico. De acordo com Pilagallo citando Peláez e Suzigan, este cidadão
acreditava “que a indústria não era viável no Brasil, devido à inferioridade racial de
seus habitantes, em relação aos países industriais”. Convicto em suas verdades
liberais, o ministro literalmente chegou a queimar dinheiro, a fim de que este se
valorizasse mais. Acontece que valorizado, o preço das exportações encarece, e,
assim, o café, principal produto do comércio brasileiro, deixa de ser exportado. Para
manter a economia estável, Murtinho teve de adotar o metalismo, garantindo que os
papéis que estavam sendo utilizados até então, teriam lastro em ouro ou em outra
moeda forte. Murtinho, afinal, só seguia uma tendência comum no mundo, àquela
época.

O fascínio humano pelo ouro, mais sua raridade, contribuíram para que
este metal, lembra Pilagallo, assumisse um papel fundamental na história monetária,
no século XX. Os seguintes traumas monetários, oriundos do papel-moeda,
insidiavam as economias mundiais a procurar novos sistemas, mais seguros e
estáveis. O padrão-ouro surge neste ímpeto, em ideias promovidas pelo economista
David Ricardo, na Inglaterra. Neste sistema, qualquer pessoa poderia trocar seu
papel-moeda por ouro. Na prática, isso significa que o lastro dos países seria o ouro,
sendo reduzida a emissão de moedas pela quantidade de ouro de que dispunha o
país. A prática foi adotada logo após as guerras napoleônicas, em 1821. O padrão
ouro viveu seu auge entre os anos 1870 e 1914, ano da Primeira Grande Guerra
Mundial. O jornalista Pilagallo conta que neste período “o ouro funcionava como
instrumento de coordenação da atividade econômica entre países”. Grande parte
desta revolução mundial, deve-se às minas de ouro localizadas nos EUA, em 1848,
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e no resto do mundo, como África do Sul e Austrália, que foram expropriadas para a
Europa, além das novas e mais eficazes tecnologias que, assim, acabaram fazendo
o padrão-ouro vingar. O padrão-ouro regulava os gastos públicos e a inflação, mas
limitava o crescimento, desenvolvimento e aprimoramento do comércio à quantidade
de ouro que se tinha em caixa. Além disso, com um lastro único, quando a crise
atingisse este lastro, desvalorizando-o, ter-se-ia uma crise mundial.

Mas nem os prós e nem os contras foram responsáveis pela abolição do


padrão ouro. O que o fez foram as guerras!

A Primeira Grande Guerra mundial fez com que os países beligerantes


passassem a emitir papel-moeda sem lastro para pagar os gastos das guerras, não
podendo mais garantir que este fosse trocado por ouro. Outro porém diz respeito à
migração do ouro: os EUA foram os principais fornecedores de armas na guerra, e,
ao seu término, receberam o pagamento em ouro. Completa Pilagallo: “Nos quatro
anos de guerra, a reserva norte-americana em metal nada menos que dobrou,
provocando desequilíbrio que se provou desastroso no padrão-ouro. Abalado, o
sistema manteve-se precariamente apenas nos EUA, valendo apenas para efeitos
domésticos.” Ao mundo só restou uma solução: dar outra garantia, que não o ouro;
criar um novo lastro. O lastro adotado chamava-se “padrão-câmbio-ouro”, e tinha a
mesma lógica, mas embasada em outro dinheiro mais confiável. Como o dólar
possuía um forte lastro, era a mais confiável. Neste sistema, as economias mundiais
garantem que sua moeda tem equivalência em uma moeda exterior. Os erros do
padrão-ouro, claro, mantiveram-se – e espalharam-se pelo mundo. Como dito pelo
Jornalista: “desse modo, com economias fortemente ligadas e sujeitas a regras
estritas, o mundo caminhou, próspero e confiante, para a mais desoladora crise já
vivida pelo capitalismo”.

Em 1929 acontece uma das maiores crises financeiras do mundo. Depois


de anos com subidas extraordinárias, a bolsa de valores americana começa a
despencar. Nesse ano, seiscentos bancos americanos fecharam; numero que
dobrou no ano seguinte; e dobrou novamente em 1931. Um quarto da população
americana ficou desempregada; um terço dos bancos fecharam. Grande parte da
crise dá-se aos bancos que emprestavam dinheiro especulativo: aí, quando o
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investidor quebrava perdia não só o que tinha, como o que não tinha, “provocando
falências em cascata”. O FED (Sistema de Reservas Federal dos EUA) foi o
culpado: não freou a ambição dos bancos, optou por deixá-los crescer
indefinidamente, cedendo dinheiro para que esses emprestassem a especuladores.
Na crise, quando os bancos enfrentavam a inadimplência e precisaram de dinheiro
emprestado, o FED não pôde fazer nada, pois já havia emprestado outrora – além
de que temia aumentar ainda mais a inflação.

Não se perdia apenas o depósito bancário, com a queda dos bancos,


perdia-se a fonte de emissão de dinheiro. Esta época é denominada de A Grande
Depressão dos anos 30.

O paradoxo humano é contemplado nesta crise. Seres dotados de razão


e de ferramentas metafísicas que o auxiliam na compreensão e transformação da
realidade, são criadores natos de cultura. A cultura está para o homem tal qual o
instinto está para os animais. A crise de 1929 não foi como uma crise ambiental,
como de solo improdutivo, seca, maremotos, terremotos, avalanches. Da mesma
forma, não foi uma crise social, de guerras, divergências políticas, ideológicas. Foi
uma crise cultural: a cultura que foi adotada para ser o elo do mundo, havia sumido!
O mundo havia perdido o dinheiro, que, por sua vez, havia sido criado por nós.
Ainda tínhamos as mesmas capacidades físicas, organizacionais e ideológicas;
ainda tínhamos terra, água, vento, luz solar. Tínhamos máquinas e as técnicas. Mas
não a usávamos, pois não nos comunicávamos. Tínhamos tudo, e, ao mesmo
tempo, não tínhamos nada. Era, como disse Pilagallo, uma crise da abundância. Os
produtos sobravam nas lojas, no campo, nas prateleiras: tudo por falta de
compradores. Em suma: criamos uma cultura que nos desumanizava em sua
ausência. O dinheiro mostrou-se como uma condição à humanidade, sem o qual
não se participa dela – ela sequer existe. Havíamos nos tornado dependentes de
nossa criação.

Vargas assume a presidência do Brasil, em 1930. Foi o grande


responsável em desenvolver a indústria brasileira, além de, também, ter sido um
ativista social. Taxou a lei da usura, que limitavam os juros a 12% o ano. E, mesmo
crescente, a metáfora brasileira mostrava-se caótica e desregulamentada: havia 56
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tipos de moedas, sendo 35 do tesouro, 14 do Banco do Brasil e 7 da extinta Caixa


da Estabilização. A metáfora, enfim, ainda não estava sociabilizada.

Em 1942 surge o plano cruzeiro, que começaria a socializar um pouco da


metáfora para o Brasil. Este modelo tencionava eliminar outras moedas, além de
colocar o Brasil no modelo decimal de contagem monetária: até então, haviam
diversas medidas. Um cruzeiro passou a valer 1 mil-réis. Este plano funcionou até
1964, quando aconteceram mudanças significativas no Brasil.

Os militares tomam o poder, e o Brasil cai na sua fase ditatorial. Neste


período, o Brasil já encarava uma inflação, e rumava para a hiperinflação. Já que a
Lei da Usura, da época de Vargas, impedia o aumento dos juros a mais de 12% ao
ano, os militares precisavam criar um mecanismo que não consistisse no simples
aumento dos juros dos impostos já existentes para combater este mau. A ideia,
então, adotada pelos militares, embasava-se na lógica apontada pelo então Ministro
do Planejamento, Roberto Campos: a correção monetária. Um imposto extra, criado
para retirar de circulação um pouco do dinheiro que circulava no Brasil e, assim,
revalorizar sua moeda. O descontentamento publico, claro, foi geral, como cita o
próprio Campos apud Pilagallo, em seu livro de memórias, “o subproduto indesejado
foi uma irrupção de protestos nacionalistas”.

O período de 68 a 73 é conhecido como os tempos de ouro da economia


mundial. Em um auge produtivo, os militares brasileiros, ainda no poder, levam a
fama e o prestígio por isso. O Brasil encara o período do “milagre econômico”. Outro
país americano, os EUA, crescia, da mesma forma, rápida e constantemente.
Porém, a inflação apareceria novamente. Por retaliações pessoais, o oriente médio,
produtor da grande maior parte do petróleo mundial, triplica o preço do produto, num
momento em que os EUA eram totalmente dependentes desse. O fato se consuma
duas vezes, na mesma década, e contra os EUA: primeiro o país perdeu apoio dos
países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) por apoiar
Israel em uma guerra; depois perdeu o apoio de Israel, que havia passado por uma
transição de líder. O efeito de ambas crises do petróleo, respingou no mundo todo.

Nazaré (2005) afirma que “Após o ano de 1979, com a segunda crise do
Petróleo daquela década e a política monetária dos Estados Unidos, que afetou
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diretamente o nível de preços dos países latino-americanos, o Brasil experimentou


um período caracterizado por altas taxas de inflação e pouco ou nenhum
crescimento econômico até o ano de 1993”. Pilagallo conta que em 1993 o Brasil
vislumbrou a hiperinflação mais aterrorizante de sua história: 2700%. A crise
econômica causava um alarde social. O Brasil passou, na década de 80 a 1993 por
treze padrões monetários: os últimos ainda vieram acompanhados de planos
econômicos. O Plano Collor reintroduziu o cruzeiro e bloqueou as poupanças da
população e, mesmo assim, não acabou com a inflação.

Em 1994, o Brasil possuía um novo presidente, Fernando Henrique


Cardoso (FHC). O presidente assume com o país passando por uma inflação
cansativa e duradoura – além, claro, da tensão popular crescente, dada tanto pela
inflação quanto pelo impeachment do presidente Collor. Explica Pilagallo que com
“choque de juros, pacote fiscal e uma retórica que transferia aos especuladores a
culpa pela situação”, FHC talvez tenha mesmo conseguido encarar, por algum
tempo, a crise, graças à implantação do Plano Real. “Os custos de implementação e
manutenção do plano são discutíveis, em face das elevadas taxas de desemprego e
do forte crescimento da dívida pública experimentados na época. Além disto, o país
também se mostrou vulnerável a ataques especulativos contra a moeda, sofrendo
choques provenientes de crises cambiais ocorridas no México (1994), no Sudeste
Asiático (1997) e na Rússia (1999)”. Conta Nazaré em sua tese de mestrado:
“Depois de implementado o Plano Real, a credibilidade da política econômica
brasileira passou a depender da manutenção de elevadas taxas de juros para
atração de capital internacional que pudessem sustentar o sobrevalor da moeda”. O
autor concluiu, ainda, em sua tese, que o aumento da taxa de juros está intimamente
ligada às taxas de desemprego. O economista conclui em sua tese: “a taxa de
desemprego teve pouca importância na política econômica brasileira, em detrimento
de outras variáveis”. Por que optou-se por um desenvolvimento embasado no
desemprego, no crescimento do capital e na máxima “aumentar exportação”?

6 O Paradigma Ideológico Atual.

“Morrer rico é sinal de extrema incompetência. Significa que você


não usufruiu, ou pelo menos não usufruiu todo, o seu dinheiro.”
Millôr Fernandes.
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O filosofo Buzzi afirma que o bem-estar é o móvel para todas as ações


humanas. Como não possuímos capacidade para produzir tudo que é necessário
para conseguir nosso próprio bem-estar (seja por não possuir tempo, recursos ou
habilidades necessárias), o homem vive em comunidades integradas. A economia é
uma ciência sem definição teórica exata, mas que, em suma, trata da administração
e gestão dos recursos possuídos por uma cultura. Foi através da atividade
econômica que se instaurou o mercado e, posteriormente, o mercado liberal
globalizado.

O neoliberalismo é uma ideologia, e suas marcas no campo econômico


distinguem-se das marcas do liberalismo do século passado. Entender sua lógica se
faz necessário, para poder combatê-lo. Afirma, o MoMoMo, que “Compreender o
que é o dinheiro é imprescindível para que se possa entender os fundamentos
básicos do Sistema Monetário vigente e como ele poder ser melhorado, não
somente do ponto de vista econômico mas, principalmente, dos reflexos que causa à
sociedade como um todo". Até este capítulo, estes escritos tencionaram demonstrar
a longa trajetória humana percorrida para alcançar o atual patamar de
desenvolvimento, através da leitura crítica principalmente dos autores Gombrich,
Pompeo, Souza et al, Pillagalo, Galeano e do livro Onde está o dinheiro?, do
Movimento Monetário Mosaico. A compilação dessas informações funcionou como
uma perspectiva histórica, da onde se buscou assimilar o que havia sido construído
em prol da humanidade até a presente data. Lembra-se que “humanidade” é um
conceito adotado por Pompeo para se referir à unidade humana. Portanto, o
progresso humano respeita essa premissa: progredir a vida de todos os humanos.

Percebe-se, até aqui, o quão contrária a esta premissa correu a história


humana. Por muito tempo, a unidade matou-se por não falar a mesma língua que
seu igual: não se compreendiam, nem possuíam culturas semelhantes para tentar
fazê-lo. Criamos uma metáfora humana, uma cultura que permitia ao humano se
relacionar com qualquer outro humano do mundo: o dinheiro. Esta cultura,
denominada como liberalismo por Aristóteles (onde o possuidor dos recursos é livre
para gastar de acordo com suas posses), sofreu intensas mudanças e represálias
políticas e religiosas, culturais e individualistas. Mas, é inevitável a afirmação: é uma
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cultura da humanidade que permite a igualdade e a justiça entre os homens. Como


lembra Aristóteles (A Ética):

“É preciso que tudo tenha um preço; assim haverá


sempre intercambio e, por conseguinte, sociedade. O dinheiro,
como se fora uma medida, torna as coisas comensuráveis, para as
igualar em seguida. Pois não há sociedade sem intercambio; nem
intercambio sem igualdade; tampouco igualdade sem
comensurabilidade.”

O conceito de humanidade só existe se a sociedade humana funcionar


como uma cidade, sem barreiras entre elas. Mas uma cidade que priva pelas
pessoas: pelo progresso humano; o desenvolvimento humano. Esta é a premissa
para se alcançar o desenvolvimento humano: contemplar os humanos. A perspectiva
neoliberal não pressupõe isso, pelo contrário: incentiva um mundo que
simplesmente acumula metais.

Logo nas primeiras sete décadas do século XIX, com o Estado Liberal
burguês já instalado, o mundo via-se num período de crises sociais e políticas, e,
ainda assim, em pleno desenvolvimento industrial. A economia avançava para
modelos produtivos industriais, concentrando mão-de-obra, ampliando os mercados,
reproduzindo os lucros e incorporando o maquinário moderno ao processo produtivo.
De qualquer forma, neste século o capitalismo estava em fase de mutação, tomando
como pilares ao seu desenvolvimento o Imperialismo. Alguns estudiosos afirmam
que esta corrente teve inicio em 1870, na Inglaterra vitoriana, mas foi
sistematicamente estudada apenas no final do século XIX. Seus efeitos foram
sentidos desde sua gênese à deflagração da Primeira Grande Guerra (1914) com “a
repartição quase completa da África entre os Estados Europeus e a ocupação (em
que participou também o Japão e, em medida mais restrita, os Estados Unidos) de
vastos territórios da Ásia ou sua subordinação à influência européia (China, Pérsia,
Império Otomano)”.

Surgia uma nova cultura humana: um novo paradigma. Após o término da


Segunda Grande Guerra, a economia capitalista mundial desenvolveu-se por trinta
anos “a taxas historicamente altas, inéditas para tão longo tempo” (Egorender,
1995). Quase todo o ouro havia migrado para os EUA, transformando-os na
referencia dos sistemas econômicos até a presente data. O padrão-cambio-ouro
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prevalece ainda hoje, em tempos de crise, sob a perspectiva do dólar. Arrasados e


sem ouros, traumatizados com a guerra, “as técnicas keynesianas do Estado do
Bem-Estar e, em geral, da intervenção e da regulação estatais nas questões
econômicas” foram adotadas na Europa ocidental e nos Estados Unidos e,
realmente, trouxeram “melhoras sensíveis no padrão de vida dos assalariados e dos
estratos sociais médios” (ibid.). Nos EUA, o sentimento rançoso com um quê de
eurocentrismo, provindo da época do Destino Manifesto, como lembra Perkins
(2004), ainda dava aos americanos o dever de espalhar pelo mundo sua grandiosa
cultura. Ao menos é o que pregava o Manifesto. Assim, não à toa adotaram medidas
nas políticas externas voltadas a assegurar, fortalecer e estender a amplitude do
território capitalista, principalmente no “bloco comunista e no mundo em
Desenvolvimento” (SANTOS, 2004). Para promover os interesses das corporações
norte-americanas, o país teve, ainda, de “garantir o funcionamento do sistema
mundial de acumulação de capital” no globo, através do rompimento de “barreiras
que restringiam suas operações” (ibid.). O mesmo autor cita que os EUA intervieram
na realidade socioambiental “do Panamá ao Equador”, sob o consentimento de seus
aliados da Europa Ocidental e do Japão e do “disfarce da defesa dos direitos
humanos e de fazer cessar a proliferação nuclear”. Esta forma atual de Imperialismo
impulsionou o chamado Terceiro Mundo a entrar em um “processo
desenvolvimentista que alterou parâmetros sociológicos tradicionais e suscitou
expectativas otimistas aparentemente fundamentadas” (Egorender, 2005).

Em sua autobiografia denominada de “Confissões de um Assassino


Econômico”, John Perkins denuncia como os EUA estenderam seus braços ao
mundo. A expressão liberal vê-se coerciva: com a total liberdade sobre suas
finanças e suas capacidades, o homem pode escolher onde investir estes. Mas a
premissa é falsa: o mercado é quem dita essa liberdade, pois é dele que surge o
desenvolvimento deste paradigma, que é o lucro. Assim, se alguém sonha em ser
padeiro, mas não há mercado para isso, essa pessoa não terá a possibilidade de
viver de seu sonho. Através de um esquema inimaginável e insondável, os EUA
coagiram alguns países, como Panamá e Arábia Saudita, por exemplo, a aceitarem
empréstimos do Banco Mundial para o desenvolvimento de seus países. Além de
sobre-avaliar o custo e as estatísticas desenvolvimentistas, o Assassino Econômico
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(nome da pessoa encarregada em convencer os lideres políticos a aceitarem o


empréstimo) ainda trabalhava em um cargo inexistente, para uma empresa que
ganhava milhões e sequer era grande em efetivo. O autor, depois de anos na
profissão, vivenciando a tristeza, pobreza e desgraça que ajudava a propagar,
desistiu da profissão e, hoje, tenta se redimir: primeiro denunciou tudo em sua
autobiografia; depois, abriu uma empresa de pesquisa e comercialização de
equipamentos à energia alternativa.

Em 1970, o paradigma se instaura no âmbito político. Impulsionado pela


metáfora humana, a esta altura bastante disseminada no globo, graças ao
imperialismo americano, principalmente, logo esta ideologia chegou ao Brasil. Mas,
ainda assim, o liberalismo aplicado não respondia mais às expectativas do globo,
onde cada vez mais se alastrava a miséria – as crises e os ápices desse período
foram tratadas no capitulo anterior. Até então, lembra Egorender, “o Estado situava-
se como eixo da dinâmica social”. O autor lembra que “a implementação de
inovações tecnológicas, sobretudo das relacionadas com a microeletrônica, tornou-
se muito mais rápida”. Logo, o cenário mercadológico internacional acirrou-se,
ficando mais competitivo, sobretudo entre os países industrializados. Além disso,
esses países mantiveram, em maior ou menor grau, uma “campanha pela redução
dos gastos sociais oficiais e pela desregulamentação dos mercados de trabalho, de
bens e de serviços”. Grupos econômicos importantes incitaram a privatização de
empresas estatais e o cortes nos orçamentos previdenciários. O autor finaliza
levantando o fato de que “a doutrina intervencionista de Keynes foi substituída pela
influência da doutrina monetarista-liberal de Friedman” que, inserida num contexto
mais amplo, posteriormente foi chamada de neoliberalismo – um liberalismo
aplicado e globalizado. Estas prerrogativas tornaram-se fundamentais à
manutenção desta cultura. O autor Lima (1999) atribui que os defensores desta
doutrina “reverenciam o Deus mercado”. Mariani, 2007; Lastres et al complementam,
afirmando que a teoria atribui “ao mercado a prerrogativa de prover a auto-regulação
econômica”.

Na práxis, a Inglaterra foi o primeiro país a poder gozar das luxúrias da


ideologia neoliberal, com as eleições de 1979, quando a conservadora Margaret
Thatcher assumiu a presidência. Anderson (1995) analisa sucintamente:
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“O centrismo liberal e o keynesiana ficaram


subitamente fora de moda. Margaret Thatcher lançou o chamado
neoliberalismo, que era na realidade um conservadorismo agressivo
de um tipo que não era visto desde 1848, e que envolveu uma
tentativa de reverter a re-distribuição do Estado de Bem-Estar, de
modo a beneficiar as classes superiores e não as classes mais
baixas”

Mariani (2007) embasando-se em Cremonese (2001), afirma que as


principais ações desta presidente foram “contração da emissão da moeda, redução
considerável dos impostos sobre os rendimentos altos, abolição do controle sobre
fluxos financeiros, criação de níveis de desemprego massivos, imposição de uma
legislação antissindicalista, corte de gastos sociais, lançamento de um amplo
programa de privatização a habitação pública, a indústria do aço, o setor elétrico, a
produção de petróleo, de gás e o fornecimento de água”

Para Mariani o neoliberalismo aceita que as intervenções estatais devem


reduzir-se a “proporção mínima, apenas necessária para a reprodução do capital”, já
que esta entidade é demasiada ineficaz e ineficiente quando comparada ao setor
privado. A situação é bem resumida por Lastres et al (1998):

“Nesta perspectiva, sustenta-se que a economia


mundial é dominada por „forças de mercado incontroláveis‟, cujos
principais atores econômicos são grandes corporações
transnacionais que não devem lealdade a nenhum Estado-nação e
que se estabelecem em qualquer parte do planeta, exclusivamente,
em função de vantagens oferecidas pelos diferentes mercados”

Assim, paralelamente, enquanto o Estado discursa sobre a força e a


supremacia da entidade privada, dando-lhe responsabilidades sociais, a
globalização apresenta-se, neste cenário, como “bode expiatório, ao se transferir a
responsabilidade pelas vicissitudes econômicas e sociais nacionais para o âmbito
das forças supranacionais, fora de seu controle” (Lastres et col, 1998). Este
fenômeno “caracteriza o atual período de evolução do sistema capitalista” e
“representa a continuação da expansão mundializante originariamente inerente ao
capitalismo. Continuação que é, contudo, acentuação e aceleração, com
manifestações na economia, na política, nas atividades culturais e nos
comportamentos sociais” (Egorender,1995). Desta forma, a política de “fazer o bolo
crescer para depois dividir” é disseminada pelo globo (Layrargues, 1997). O autor
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afirma que “o estilo de vida norte-americano tornou-se a luz que direcionaria para o
desenvolvimento do Terceiro Mundo”. Ao assumirem esta postura, os países ditos
Subdesenvolvidos proclamavam-se candidatos ao crescimento econômico,
assumindo um desenvolvimento “mimético, negando suas especificidades culturais”
e, por isso, viu-se “o aniquilamento das sociedades indígenas na América Latina”.
Ao aceitarem o conceito de subdesenvolvidos, ou seja, a desenvolver-se, abriram as
fronteiras para as multinacionais, empresas especulativas - que buscam apenas
otimizar lucros, baixando os custos de produção. Destarte, o mercado passou a
fundamentar o desenvolvimento desses países. Conseguintemente, este se deu de
forma dependente (pois as tecnologias continuaram com os desenvolvidos) e
desarticulada (já que as multinacionais não respeitavam as necessidades do país e
sim as leis de mercado).

Enfim. Anderson (1995) dedicou um artigo para ponderar a eficácia do


neoliberalismo. “Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estar”, afirma o autor, de maneira consoante aos que até
agora foram citados. Não à toa a história do neoliberalismo principia na Inglaterra: o
país é pai de Hayek, liberal ferrenho e convicto do livre mercado. Hayek foi
responsável por escrever a Bíblia do neoliberalismo, obra denominada de O
Caminho da Servidão, onde compara os sistemas políticos intervencionistas às
práticas nazistas, dentre outras coisas. Além disso, organizou, logo após a segunda
Grande Guerra, a “Sociedade de Mont Pèlerin, uma espécie de franco-maçonaria
neoliberal, altamente dedicada e organizada, com reuniões internacionais a cada
dois anos. Seu propósito era combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e
preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para
o futuro” (grifo nosso) (ibid.). Mas, deve-se lembrar, estes argumentos, para a base
econômica, mostravam-se insustentáveis: o mundo crescia às pressas. Ainda assim,
desafiando o consenso da época, os neoliberalistas argumentavam que o
“igualitarismo (muito relativo, bem entendido) deste período, promovido pelo Estado
de bem-estar, destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da
qual dependia a prosperidade de todos. (...) argumentavam que a desigualdade era
um valor positivo – na realidade imprescindível em si –, pois disso precisavam
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as sociedades ocidentais. Esta mensagem permaneceu na teoria por mais ou menos


vinte anos”.

As duas crises do petróleo, continuando com o relato de Anderson, da


década de 70, foram o grande estopim e oportunidade para o neoliberalismo. “Hayek
e seus companheiros, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos
sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as
bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários
e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os
gastos sociais”, assim, para passar a crise, a Inglaterra adotou a teoria de seu
compatriota: “manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o
poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos
sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a
meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina
orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da
taxa "natural" de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de
trabalho para quebrar os sindicatos”.

Em 1978, conta o mesmo autor, “a segunda guerra fria eclodiu com a


intervenção soviética no Afeganistão e a decisão norte-americana de incrementar
uma nova geração de foguetes nucleares na Europa ocidental”. A corrente neoliberal
mostrou-se, como já dito, intensamente contra aos estados intervencionistas,
sobretudo o comunismo (o auge da servidão humana, segundo Hayek). Assim,
facilmente ganhou adeptos neste período. A eleição da Presidente Margareth
Thatcher veio para consolidá-los politicamente, visto que a excelentíssima era
declaradamente neoliberal.

“A variante norte-americana era bem distinta”, conta Anderson. O autor


continua: “Nos Estados Unidos, onde quase não existia um Estado de bem-estar do
tipo europeu, a prioridade neoliberal era mais a competição militar com a União
Soviética, concebida como uma estratégia para quebrar a economia soviética e,
por esta via, derrubar o regime comunista na Rússia. Deve-se ressaltar que, na
política interna, Reagan também reduziu os impostos em favor dos ricos, elevou as
taxas de juros e aplastou a única greve séria de sua gestão”. Graças à sua balança
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comercial positiva, os americanos deram-se o luxo de gastar grande parte do


dinheiro publico para investir na produção de armamento bélico, chegando,
inclusive, a contrair um déficit na balança. Mas isso era provisório: o objetivo era
vender as armas à Europa e acumular mais capitais. Neste período, os EUA “criaram
um déficit público muito maior do que qualquer outro presidente da história norte-
americana”.

Em 1982 e 83, o socialismo francês rompeu à moda ortodoxa neoliberal,


graças às pressões exercidas pelos mercados financeiros internacionais. A
prioridade do país tornou-se a estabilidade monetária, a contenção do orçamento, as
concessões fiscais aos detentores de capital e o abandono do pleno emprego. O
governo de Gonzáles, na Espanha, nesta mesma década, principio dos anos 80, não
precisou de pressão para ceder ao neoliberalismo: mostrou-se, desde o inicio,
monetarista. Foi favorável às privatizações e sereno quanto ao desemprego, que
alcançou taxas de 20% da população ativa.

Conclui, Anderson: “O que demonstravam estas experiências era a


hegemonia alcançada pelo neoliberalismo como ideologia”.

No campo político, Anderson pondera: “qualquer governo, inclusive os


que autoproclamavam e se acreditavam de esquerda, podia rivalizar com eles
(neoliberais) em zelo neoliberal”. Ao final da década de 80, apenas Suécia e Áustria
e Japão mostravam-se resistentes ao neoliberalismo: todos os demais países
componentes da OCDE (Organização Europeia para o Comércio e
Desenvolvimento) haviam sido “domados”.

Anderson, no entanto, pondera: a grande prioridade do neoliberalismo era


acabar com a inflação aterrorizante que assolava os “países-desenvolvidos”. Assim,
neste contexto, o neoliberalismo obteve êxito: de 8,8% os impostos baixaram para
5,2%, na década inicial, com queda continua nos anos 90. Essa deflação geraria o
lucro, de acordo com os neoliberais: e isso, de fato, ocorreu. Em 1970, antes das
aspirações neoliberais entrarem em voga, as empresas privadas da OCDE haviam
baixado seus lucros em cerca de 4,2%; após as implementações neoliberais, a taxa
subiu para 4,7%. A Europa Ocidental como um todo obteve índices satisfatórios: de
5,4 pontos negativos para 5,3 pontos positivos. O motivo para isso é diferente, para
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Anderson: sem os movimentos sindicais, as greves foram evitadas, bem como a


reivindicação social por melhores salários.

O neoliberalismo cumpriu outras premissas que defendia: a desigualdade


e o desemprego. Nos anos 70, os países da OCDE haviam mantido as taxa de
desemprego em torno de 4%; após as medidas neoliberais, as taxas dobraram. A
desigualdade seguiu este ritmo: os maiores salários tiveram redução fiscal de até
20%, enquanto que os valores da bolsa aumentaram quatro vezes mais rapidamente
que os salários – medidas, claro, que incentivavam o enriquecimento e o acumulo de
capitais.

Todas as medidas neoliberais tinham um só fundamento: reanimar a


economia, de tal maneira que as taxas de crescimento se restaurassem aos níveis
estáveis dos anos posteriores à década de 70. “Nesse aspecto, no entanto, o quadro
se mostrou absolutamente decepcionante”, comenta Anderson. E completa,
enfaticamente: “entre os anos 70 e 80 não houve nenhuma mudança – nenhuma –
na taxa de crescimento, muito baixa nos países da OCDE”. O autor ainda aponta
dados para os países da OCDE: na década de 50 as taxas mantinham-se a um
incremento anual de 5,5%; decaindo para 3,6% em 60, em 70, atingem 2,9%.

Anderson explica o paradoxo. Por que o aumento de lucro não recuperou


as taxas de investimento? “porque a desregulamentação financeira, que foi um
elemento tão importante do programa neoliberal, criou condições muito mais
propícias para a inversão especulativa do que produtiva”, explica o autor. Os anos
80 foram marcados por transações puramente monetárias, que diminuíram o
comercio mundial.

Outra falha do neoliberalismo condiz com a diminuição do estado de bem-


estar. Mesmo tentando evitá-lo, os países da OCDE não o puderam fazer: devido ao
envelhecimento da população (que custou bilhões em aposentadorias) e ao nível de
desemprego (mais milhões de investimento social), o estado passou a gastar,
inclusive, mais com gastos sociais. Anderson afirma que as taxas cresceram, em
média, 2%, passando de 46% para 48%.
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Mesmo com todos os indícios demonstrando que o neoliberalismo não


tenciona, não tencionou e nem tencionará envolver todos os humanos neste
progresso, o ranço mantêm-se, pela via conservadora da política. Galeano afirma
ironicamente que “votar na direita ou na esquerda é como escolher o molho com o
qual seremos devorados”.

Anderson explica que o que está em pauta não é um liberalismo qualquer,


mas, sim, um tipo especifico, alimentado por Reagan e Thatcher nos anos 80. O
motivo? Repete-se: a guerra. O mundo, traumatizado com o evento, apoiou
fortemente o movimento neoliberal, temendo uma guerra – que aconteceu apenas
de maneira distante, na Guerra Fria. Esta tensão mundial só findou com a derrota do
“inimigo comunista”: hoje, poucos são os países que não alimentam esta ideologia,
direta ou indiretamente. A derrota comunista na Europa levou, imediatamente, ou
quase, a ideologia para o outro lado do Oceano.

A partir de 91 o neoliberalismo mostrou-se fraco. Ironicamente, sua única


mais valia a alguns, o acumulo de capitais, também começou a ceder nos países da
OCDE. “A dívida pública de quase todos os países ocidentais começou a reassumir
dimensões alarmantes, inclusive na Inglaterra e nos Estados Unidos, enquanto que
o endividamento privado das famílias e das empresas chegava a níveis sem
precedentes desde a II Guerra Mundial. Atualmente, com a recessão dos primeiros
anos da década de 90, todos os índices econômicos tornaram-se muito sombrios
nos países da OCDE, onde, presentemente, há cerca de 38 milhões de
desempregados, aproximadamente duas vezes a população total da Escandinávia.”
Ainda assim, o projeto neoliberal continua a demonstrar uma vitalidade
impressionante, mostrando-se pujante ainda no mundo, “como se pode ver na nova
onda de privatizações em países ate bastante resistentes a ele, como Alemanha,
Áustria e Itália”.

Anderson ressalta que a América Latina, antes mesmo de Thatcher, teve


uma experiência neoliberal com Pinochet, no Chile, sob forte influência americana,
dada por Friedman. Dessa experiência, altamente neoliberal, veio a surgir a
proposta thatcherniana, com uma ressalva: Pinochet mostrou-se ferrenho neoliberal
à Hayek, aplicando uma ditadura militar forte. Alcançou, assim, privando as pessoas
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da liberdade de opinião e da democracia, taxas lucro. O mundo, no entanto, não se


mostra compassivo com este modelo de estado, como visto nos anos 60 e 70,
quando o Brasil enfrentou sua ditadura, também.

Anderson afirma que “há um equivalente funcional ao trauma da ditadura


militar como mecanismo para induzir democrática e não coercitivamente um povo a
aceitar políticas neoliberais das mais drásticas. Este equivalente é a hiperinflação.”
As pessoas aceitam o neoliberalismo por receio e trauma dos preços instáveis.
Assim aconteceu com o Brasil, que se tornou neoliberal com a eleição de um
presidente que carregava esta bandeira.

Anderson finaliza dizendo que “este é um movimento ideológico, em


escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no
passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante,
lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição
estrutural e sua extensão internacional. Eis aí algo muito mais parecido ao
movimento comunista de ontem do que ao liberalismo eclético e distendido do
século passado”.

A teoria econômica tornou-se majoritária nas decisões públicas com a


eleição do ex-presidente Fernando Collor de Mello, nas eleições de 89, e
posteriormente com seu sucessor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que
presidiu entre 95 e 2002. Foi no mandato deste último presidente que o
neoliberalismo ganhou uma força extra, com a aprovação da LDB Lei 9394/96. Ainda
que tenha representado “um grande avanço para das lutas históricas a respeito dos
direitos à educação de qualidade”, percebe-se o quão burguês denotava esta ação.
O 2º parágrafo do artigo 1° sanciona que “A educação escolar deverá vincular-se ao
mundo do trabalho e à prática social”. A ressalva da Associação dos Professores
das Escolas Públicas e Estaduais do Paraná (APP), ao que parece, não foi ouvida:
“um cuidado, porém, deve ser tomado na efetivação do que reza este artigo, para
que não se fortaleça a ótica do „mercado‟ que visa atrelar mecanicamente a escola
ao mundo do trabalho, buscando „mão-de-obra‟ flexível e adequada às leis do
próprio „mercado‟”. No mesmo documento, percebe-se o tom de desconfiança, por
parte da APP, quanto às intenções governamentais, ao questionar a ideologia
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cabível ao termo “liberdade”, presente no inciso IV do artigo 3º - a Associação


afirmava, já a época da aprovação da Lei, que o fato do principio não constar na Lei,
significava “a fragilização da força da educação como instrumento de mediação na
transformação social”. Neste mesmo ano, “em tom de legítima raiva” – marca de seu
discurso -, Freire escreveu exasperado que é “uma imoralidade, para mim, que se
sobreponha, como se vem fazendo, aos interesses radicalmente humanos, os do
mercado” (Pedagogia da Autonomia, 1996)

Graças a ambos os governos, enfim, o Brasil viu-se em um patamar de


“perplexidade e aflição” no que diz respeito à educação. Estes governos foram
caracterizados por “uma política educativa incoerente, combinando um discurso
sobre a importância da educação‟ e um „descompromisso do Estado no setor, com
um papel crescente da iniciativa privada e das organizações não-governamentais”
(Saviani (1996) apud Mariani).

Lima (1999) em A agonia de um povo: Nacionalismo x Globalização em


tom áspero afirmou que a “classe dominante, a elite opressora” não tenciona educar
a população, pois deixá-la “na ignorância facilita a sua dominação”. Dado seu
posicionamento, torna-se mais evidente o porquê dos comentários do autor, nesta
obra, ao ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (FHC). O autor
afirma pertinentemente que o ex-presidente defendia, quando em seu governo, clara
e nitidamente o neoliberalismo – anexando a sua tese trechos de reportagens deste
em revistas nacionais importantes como provas.

7 Pedagogia Libertária.

“Aos esfarrapados do mundo,


E aos que nele se descobrem,
E, assim, descobrindo-se,
Com eles sofrem,
Mas,
Sobretudo,
Com eles LUTAM!”
Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido

Cita-se Tozoni-Reis (2004) para expressar a situação mundial


contemporânea:
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“A crise do ambiente, que é uma supercrise mundial,


exige uma nova abordagem para a educação, colocando a
educação ambiental como dimensão educação”.

Fala-se em educação ambiental não como uma mera disciplina


fragmentada, mas, sim, em um contexto mais complexo e abrangente, onde a
questão ambiental apresenta-se como um tema transversal.

Para Reigota (2004), o eixo da educação deve girar em torno da questão


“cidadania e meio ambiente”. No entanto, o conhecimento fragmentado, como
afirmam Carvalho Jr. e Reigota (2004), incumbe a confundir erroneamente o tema
com uma disciplina, como ecologia ou geografia ou qualquer outra. Este último autor
ainda destaca que a “educação ambiental, como perspectiva educativa, pode estar
presente em todas as disciplinas, quando analisa temas que permitem enfocar as
relações entre a humanidade e meio natural, e as relações sociais, sem deixar de
lado as suas especificidades”. Assim, o autor concluiu que a separação entre as
disciplinas é indevida, uma vez que “o que se busca é o conhecimento integrado de
todas elas para a solução de problemas ambientais”.

Em sua tese de Mestrado em educação, Carvalho Jr. abordou o intrigante


tema da Educação Ambiental junto aos alunos de um grande complexo educativo
privado do estado de São Paulo (Ecologia Profunda ou Ambientalismo
Superficial? O conceito de ecologia e a questão ambiental junto aos estudantes,
Editora Arte e Ciência, 2004). Dentre os subtemas tratados deste complexo assunto,
estavam questionamentos como “Que educação tivemos na escola?” e “Que
educação estamos propondo para nossos filhos?”. O autor assume neste livro que
as escolas devem, de fato, ensinar a visão de mundo predominante de sua cultura,
mas, ressalva que hoje esta visão (científica/ reducionista/ materialista) não é
suficiente. Carvalho Jr. compartilha, conjuntamente com outros autores, a ideia de
que este sistema educacional faz com que muitos alunos sintam-se ociosos e
fracassem antes de tornarem-se adultos.

É interessante a ressalva que o casal Schwars apud Carvalho Jr. fez


quanto à tentativa de educarmos para o mercado, em grandes complexos
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educacionais, demonstrando o quão hipócrita pode ser este atual paradigma


educacional. Segue:

“Se nos pedissem para organizar um escritório, será


que faríamos as pessoas trabalharem para oito ou nove patrões por
semana, em cinco diferentes grupos de trabalho em sete salas
diferentes, sem mesas e sem cadeiras que pudessem considerar
suas, sem terem lugar para guardar suas coisas, e além disso,
desaconselhadas – senão proibidas – de conversar enquanto
trabalham? Mais ainda: será que interromperíamos cada tarefa de
meia em meia hora, para dar início a outra?”

A experiência de educar em grandes escolas é negativa, e, mesmo assim,


se mantém em nosso escopo educacional como um reflexo do neoliberalismo: ”para
economizar em épocas de crise é de se supor que as economias de escala, como
dizem os economistas, apresentem vantagens para as escolas grandes”. (Carvalho
Jr, 2004). Além disso, este autor argumenta a falta de disciplina e amor neste tipo de
educação, ressaltando que isto pode causar uma espécie de doença pedagogênica.
Adverte, por isso, que a criança pode ter “chegado intacta ao colégio, com a
desabrochante coragem de arriscar e explorar, encontra uma tensão suficiente para
sempre reduzir tal aventura”.

As ideologias neoliberais mostraram-se pujantes no pensamento de 385


alunos de um grande centro educacional de São Paulo, na atividade empírica de
Carvalho Jr. Neste referido trabalho, o autor vislumbrou, na analise qualitativa,
dados que remetem a fatos que também foram expostos no presente trabalho. A
falta de articulação entre os conhecimentos diversos, bem como a falta de
correlação existente entre a práxis e a teoria; a falta de dialética entre educandos e
educadores; a dicotomia homem/natureza; o pensamento reducionista; a visão
utilitarista; a visão materialista; são alguns exemplos citados de temas que foram
constados pelo Doutor e que permeiam, também, o escopo deste ensaio. Conclui-
se, portanto, que o modelo educacional onde o educador aplicou seu teste, tratava-
se de uma instancia cujo cunho pedagógico dava-se pela lógica neoliberal.

O neoliberalismo, conclui-se, avançou tanto na cultura emocional, quanto


na cultura elaborada, estendo seu poder de ação, de tal maneira que, hoje, seus
efeitos, bons ou ruins, são encarados como uma cultura normal – nas normas de “O
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Caminho da Servidão”, talvez. À mercê de um mercado que comanda o livre arbítrio


de maneira sutil. As culturas são sempre conservadoras, como já explicado neste
documento, de tal maneira que geralmente repudiam comportamentos desviantes do
normal. Assim, padronizada, o homem não percebe sua própria cultura. Ralph
Linton, em uma metáfora utilizada por Chinoy, explicita porque isso se dá:

“Tem-se dito que a última coisa que um habitante das


profundezas do mar teria probabilidades de descobrir seria a água.
Ele só teria consciência de sua existência se algum acidente o
levasse à superfície e o pusesse em contacto com o ar. Durante a
maior parte de sua história o homem só se tem mostrado
vagamente consciente da existência da cultura e até essa
consciência deveu-a ela aos contrastes entre os costumes de sua
sociedade e os de alguma outra com que lhe tenha sucedido
deparar. A habilidade de enxergar a cultura da própria sociedade
como um todo, de avaliar-lhe os padrões e apreciar-lhe as
implicações, exige um grau de objetividade que raro se consegue,
se é que se consegue.”

Deve-se lembrar que a Lei Nº 9.795, de 27 de abril de 1999 torna a


Educação Ambiental obrigatória no Brasil “em todos os níveis e modalidades do
processo educativo, em caráter formal e não-formal” (Art. 1º). Os estados ficam
incumbidos, bem como os municípios, a direcionar uma vertente pedagógica mais
específica em suas políticas educacionais, condizentes com suas metas de
desenvolvimento. Para medir o desenvolvimento e a qualidade da educação
brasileira, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep/Ministério da Educação) utiliza o IDEB - Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica. O índice é calculado pela aplicação de exames padronizados que
visam avaliar: “a) pontuação média dos estudantes em exames padronizados ao
final de determinada etapa do ensino fundamental (4ª e 8ª séries) e 3º ano do ensino
médio; e b) taxa média de aprovação dos estudantes da correspondente etapa de
ensino”. Estes “exames padronizados” são as provas Prova Brasil, para o ensino
médio, e Provinha Brasil, para o ensino fundamental (Ministério da Educação, vide
site). O primeiro exame busca avaliar interpretação de texto e noções de matemática
dos alunos, além de preencher dados socioeconômicos de suas realidades. O
segundo tem como objetivo avaliar a alfabetização dos alunos, a fim de que, como
se prevê no Plano de Desenvolvimento da Educação, “todas crianças saibam ler e
escrever até os oito anos de idade” (ibid.). Quanto ao conteúdo didático, para atingir
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bons resultados, portanto, as escolas devem ensinar, em suma, unicamente,


interpretação de texto e matemática. Por não tratar de mais nenhuma disciplina ou
sequer tratá-las como disciplinas conexas, estes exames não avaliarão o
conhecimento ambiental dos discentes examinados – ou seja: bons rendimentos no
IDEB não necessariamente condizerão com a formação de cidadãos
sócioambientalmente responsáveis. A crise do paradigma dominante, desta forma,
torna-se invisível aos resultados deste sistema de avaliação.

Deve-se ressaltar o claro tom de persuasão utilizado na Nota Técnica do


IDEB, quando cita que “no Brasil, a questão do acesso à escola não é mais um
problema, já que quase a totalidade das crianças ingressa no sistema educacional”.
Percebe-se que a palavra “quase” é apresentada em tom de monossemia ao leitor,
quando, na verdade, trata-se de uma palavra subjetiva. Para notar-se isso, basta
lembrar que “3,95% da população de 7 a 9 anos” está fora das escolas; só na região
Nordeste a taxa chega a 14% e 15,6% na região Norte. Entre os 10 e os 14 anos, o
número de crianças fora da escola é de 6,39% para o Brasil e 14% para o Norte e
Nordeste. Sacavino (2006) ainda complementa: “Os dados demonstram que a
universalização do atendimento escolar ainda não ocorreu, e continua estando
bastante distante”.

Freire (1996) alertava que “do ponto de vista dos interesses dominantes,
não há dúvida de que a educação deve ser uma prática imobilizadora e ocultadora
de verdades”. Imobilizadora, pois, com seus “ares de pós-modernidade” dissemina
sua cultura de apatia e comodismo às mazelas sociais, tornando estas banais e
inevitáveis; e ocultadora, dado que a educação é “uma forma de intervenção no
mundo” e, portanto, bem ou mal ensinados/aprendidos os conteúdos, esta pratica
permite tanto a reprodução da ideologia da elite dominante quanto seu
desmascaramento – frisa-se, aqui, que como outros autores já citados neste
trabalho, que este autor refere-se à ideologia neoliberal quando cita “elite
dominante”. Por fim, indaga-se: “Porque não discutir com os alunos a realidade
concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade
agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito
maior com a morte do que com a vida?”.
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Deve-se lembrar que a pratica educativa derivou das necessidades reais


e a isso deve ater-se: solucionar problemas reais. Concorda-se com Reigota,
quando cita que a Educação Ambiental por si só não resolve “os complexos
problemas ambientais globais”. A crise do atual paradigma se dá em diferentes
instâncias dessa realidade: é uma crise social, ambiental e econômica. Este sistema
está prestes a entrar em colapso, por ser altamente dependente do dinheiro para se
perpetuar, ignorando as potencialidades locais, tanto naturais quanto humanas.
Assim, homem e natureza, verdadeiros produtores das riquezas sociais, acabam
sendo desconsiderados, no modelo neoliberal, na discussão sobre progresso:
progresso, ao neoliberalismo, é crescimento econômico, e não o bem-estar da
humanidade.

Há tempos, desde 1973, pelo menos, a ciência encara que o


desenvolvimento neoliberal não deve ser encarado como eterno e verdadeiro, visto
que demonstra suas fraquezas lentamente. Neste ano, Maurice Strong escreveu o
termo Ecodesenvolvimento que, depois, foi apropriado por Sachs, o qual o
desenvolveu conceitualmente. Retoma-se, aqui, à formulação original dada por este
ultimo autor, que partia de um modelo de desenvolvimento baseado em três pilares:
eficiência econômica, justiça social e prudência ecológica. Layrargues (1997) analisa
o tema, lembrando que este tipo de desenvolvimento programa-se em longo prazo,
como em décadas e até séculos, além de levar em consideração uma solidariedade
diacrônica, referindo-se a garantir o desenvolvimento das atuais gerações “já por
demais sacrificada pelas disparidades sociais da atualidade” (ibid) sem comprometer
a possibilidade das gerações futuras em suprir suas necessidades. Descreve, ainda,
que esta modalidade de desenvolvimento prega o envolvimento dos cidadãos no
planejamento das estratégias, bem como o conhecimento aprofundado das práticas
culturais locais e do ecossistema em que estão inseridos. Sachs (2008) esclarece
que “o Ecodesenvolvimento é um estilo de desenvolvimento que, em cada
ecoregião, insiste nas soluções específicas de seus problemas particulares, levando
em conta os dados ecológicos da mesma forma que os culturais, as necessidades
imediatas como também aquelas a longo prazo. (...) Sem negar a importância dos
intercâmbios, o Ecodesenvolvimento tenta reagir à moda predominante das
soluções pretensamente universalistas e das fórmulas generalizadas. Em vez
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de atribuir um espaço excessivo à ajuda externa, dá um voto de confiança à


capacidade das sociedades humanas de identificar os seus problemas e de lhes dar
soluções originais, ainda que se inspirando em experiências alheias”.

Lima (1999), por fim, define bem as condições culturais que adentraram
no Brasil desde a “descoberta”:

“Há 494 anos o Brasil vem sendo dirigido por uma elite
conservadora de privilégios, concentradora de renda, poder e
riqueza, egoísta e exploradora dos fracos e oprimidos. Foi assim no
Brasil-colônia; continuou no Brasil-império; e não tem sido diferente
no Brasil republicano. A mentalidade não mudou nestes quase
cinco séculos de dominação”

8 Formar ou conformar: eis a questão.

“A educação pode salvar,


Mas quem governa o povo não quer e não vai educar!
Porque dessa maneira é fácil pra roubar...”
Magnific Jah, Banda de Paranaguá – PR - BR

O receio, em 1808, da Coroa Portuguesa com a formação de uma elite


intelectual e política que fomentasse os ideais de independência foi o motivo para o
atraso, em relação aos países de colonização espanhola, do inicio da educação
superior no Brasil. (Masetto 2003 apud Cunha 2007)

A vinda de D. João VI, e todo seu ouro, em 1808 e a consequente


interrupção das comunicações com a Europa, impôs um cenário para o surgimento,
não só da primeira Inflação no Brasil, mas também da educação superior brasileira.

Na verdade Cunha afirma que foi já neste momento que se deu origem o
Estado Nacional no Brasil, pois, com a volta de João VI a Portugal em 1820, seu
filho proclamou, em 1822, a independência – “antes que algum aventureiro o
fizesse” – já munido de um aparelho de Estado trazido e deixado pelos 36 navios de
seu pai 14 anos antes.

A educação escolar não deixou de sofrer os efeitos dos novos tempos,


nem de ser utilizada para promovê-los. Nesse período constituiu-se o núcleo de
ensino superior sobre o qual veio a ser construído o que existe até hoje, ligado,
segundo Cunha, à sua origem por ampliação e diferenciação:
P á g i n a | 81

“O ensino superior atual nasceu, assim, com o Estado


Nacional, gerado por ele e para cumprir, predominantemente, as
funções próprias deste. A independência política. Em 1822, veio
apenas acrescentar mais dois cursos, de direito, ao rol dos já
existentes, seguindo a mesma lógica de promover a formação dos
burocratas na medida em que eles se faziam necessários.”

Esta primeira fase destacou-se pelo ensino superior fragmentado,


profissionalizante e que expressava a cultura política da elite brasileira. As primeiras
instituições de ensino superior no Brasil foram constituídas por escolas com cursos
isolados nas áreas de medicina, direito e politécnicas.

A Universidade no Paraná teve sua criação promovida por profissionais


liberais e altos funcionários do governo do Estado do Paraná, nessa época, em
1912, garantindo uma cultura geral aos extratos mais altos da sociedade dando
subsídios para a criação de atividades profissionais proeminentes no mundo do
trabalho.

“...lideranças de diferentes matizes ideológicas como


representantes da Igreja Católica, lideranças do grupo positivista e
das elites tradicionais da cidade, uniram-se em torno de um objetivo
comum definido: a criação de uma universidade para o Estado do
Paraná, que viabilizasse a formação de seus jovens para
exercerem lideranças políticas com consciência de sua identidade
regional.” (Projeto Político Pedagógico da UFPR Litoral)

No entanto, foi somente a partir de 1930 que se iniciou um esforço de


organização e transformação do ensino superior brasileiro em Universidade. De
acordo com Cunha, a influência do positivismo foi um fator importante que contribuiu
para o atraso da criação da universidade no Brasil.

O positivismo, linha teórica da sociologia, criada pelo francês Auguste


Comte, propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando
radicalmente o primado da razão, da teologia e da metafísica. Esta linha teórica
surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo, das crises social e moral do
fim da Idade Média e do nascimento da sociedade burguesa - processos que tiveram
como grande marco a Revolução Francesa.

Em outras palavras, os positivistas abandonaram a busca pela explicação


de fenômenos externos, como a criação do homem, por exemplo, para buscar
P á g i n a | 82

explicar coisas mais práticas e presentes na vida do homem, como no caso das leis,
das relações sociais e da ética.

Cunha explica que a síntese do conceito fundamental da obra de Comte


era formulada da seguinte maneira: “o progresso é o desenvolvimento da ordem,
segundo as leis que regem a inteligência, a atividade e o sentimento”.

No primeiro estágio do desenvolvimento das sociedades humanas, o


teológico, o pensamento recorreria à intervenção do sobrenatural para a explicação
dos fenômenos. No segundo, metafísico, certas entidades racionais abstratas como
substância, essência e outras, seriam postuladas como princípios explanatórios. No
terceiro, positivo, os fatos seriam entendidos na sua realidade empírica e nas
conexões fenomenais. A vigência desse terceiro estagio decorreria da implantação
de um regime político especial e da pregação de princípios novos de solidariedade
social.

A doutrina positivista foi uma versão ideológica da sociedade capitalista,


nascida dela própria, com o empirismo inglês do século XVIII (ibid.). Essa corrente
de ideias tinha fortes traços liberais e democráticos tanto na Inglaterra quanto na
França.

Posteriormente à Revolução Francesa, tendo a burguesia assumido o


controle do Estado e principalmente após o golpe de Estado de Napoleão, a
ideologia das classes dominantes assumiu novas formas, atendendo novas
demandas: combater o poder ainda forte da Igreja Católica com seus feudos; e
também combater os levantes populares que ameaçavam o poder conquistado. De
acordo com Cunha, o positivismo vinha atender no plano ideológico, a essas duas
demandas:

“Atacando o catolicismo como uma expressão


ultrapassada do estado metafisico, solapava a hegemonia da Igreja;
defendendo o ensino livre de qualquer privilégio (qualquer um
poderia ensinar qualquer coisa a quem quisesse) e o exercício das
profissões independentemente dos privilégios corporativos
remanescentes, diminuía o poder não só dos sindicatos, mas
também da universidade; defendendo a ditadura republicana,
legitimava a organização de um aparelho de repressão das
manifestações populares, apesar dos valores proclamados de
solidariedade universal.”
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Segundo a doutrina positivista, o catolicismo e o feudalismo entraram em


dissolução espontânea, nos séculos XIV e XV, ao mesmo tempo em que a ciência e
a indústria se desenvolviam com base na decadência dos primeiros, mas sem reunir
força suficiente para substitui-los por completo. Com a decadência do catolicismo, a
cultura emocional perdeu o “governante espiritual”, sendo assim, a manutenção da
ordem se fez pela instituição de uma ditadura numa fase intermediária, como
identifica Cunha:

“... os chefes industriais, a quem caberia a direção da


nova sociedade, não tinham hábitos de governo nem prestigio
suficientes. A ditadura foi implantada para subordinar o poder
espiritual, decadente mas resistente, ao poder temporal. (...) As
necessidades do progresso exigiam pois o advento de um órgão
que minasse o dogma católico pela discussão e propagasse ao
mesmo tempo as teorias favoráveis à supremacia do poder
temporal.”

A Revolução Francesa durante um curto período de tempo realizou a


esperança dos positivistas de conciliar a ditadura de governo com a liberdade de
pensamento. Entretanto, Napoleão Bonaparte, assinou uma concordata com o papa
e criou a Universidade da França destinada ao controle do ensino. A partir desse
movimento, a universidade tornou-se reacionária, composta de sábios que, mantidos
pelos governos uniam-se a eles para a “exploração das massas”.

Nessa altura, tudo parecia encaminhar-se para tornar efetivo o projeto de


criação de uma universidade no Brasil. Existia uma grande pressão para sua
instalação. No entanto, para os positivistas, a fundação de uma universidade só
traria, como resultado, a ampliação das “deploráveis pretensões da burguesia” como
aponta o positivista Teixeira Mendes apud Cunha:

“A ciência não lucrava com semelhante criação, porque


a ciência nasceu sem privilégios, e perseguida também. A proteção
só serviu para profana-la, aplicando-a contra os interesses sociais e
em proveito dos retrógrados e anarquistas. O país também não
lucra: primeiro porque a universidade vai consumir um capital
enorme, melhor aplicado na elevação dos proletários; segundo
porque vai dificultar a propagação da doutrina regeneradora, seja
qual ela for; terceiro porque ataca a liberdade de pensamento;
quarto porque aumenta o parasitismo burguês.”
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Outra corrente da época defendia o controle de todo ensino pela


universidade, tanto do setor público quanto do privado, conforme o paradigma da
Universidade de Paris, no governo de Napoleão.

Sendo assim, a universidade não surgiu durante o império, apesar da


pressão para tal. No entanto, Franco (2008) explica esta primeira fase do ensino
superior no Brasil como “uma forte influência do padrão francês da universidade
napoleônica: com os currículos seriados e programas fechados, composto por
disciplinas direcionadas especificamente para o exercício de uma determinada
profissão, bem como a ênfase nas ciências exatas e tecnológicas e subsequente
desvalorização da filosofia, da teologia e das ciências humanas”.

O desenvolvimento da universidade nos moldes iluministas, a concebe


como uma proposta onde se compreende que o conhecimento guiado pela lógica
incidiria no invento, descobrimento e transmissão de uma cultura previamente
selecionada ou regulada pelo desenvolvimento científico.

A divulgação do positivismo no Brasil fez-se como um dos elementos de


importação cultural, contribuindo muito para a sistematização do conhecimento que
entendia evoluir por acúmulo e seleção hierárquica. Estando no topo dessa
hierarquia o pensamento lógico, a medição, o controle e o método, traduziam para
essa formação não apenas a divisão entre novos níveis e séries, mas uma
disposição fragmentária e reprodutivista.

Entendia-se que a universidade era um terreno de excelência para o


cultivo de uma cultura acumulada progressivamente e disposta por um
conhecimento objetivo que, indiscutivelmente, evoluía fundado numa verdade
igualmente objetiva.

Entretanto, a ideia de progresso vinculada à racionalidade científica


produziu, nessa universidade laica, o terreno cego do experimento. Como a
universidade reflete uma época, foi nos seus quadros, embora não exclusivamente,
que o discurso dicotômico que tudo separa passou a distinguir os seres humanos
em raça, cor, classes, geografia, cultura; a dividir as pessoas entre os normais e
anômalos, os deficientes e os eficientes, os feios e os bonitos, os bons e os maus; a
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hierarquizar as culturas, denominando primitivas e civilizadas, pobres e


desenvolvidas, bárbaras e evoluídas. Foi nesse molde, também, que passou
despercebida uma má educação que maltrata a natureza por entender que ela é
fonte inesgotável. Separados da natureza os seres humanos poluem os mares, o ar,
etc. atingindo os seres vivos com a intenção de colocar ordem na desordem.

Passou-se um século para que as raízes do feudalismo fossem realmente


cortadas e que as novas amarras de um pensamento hegemônico se instalassem
passando a sacralizar, no lugar das verdades divinas, o conhecimento lógico-
científico. Entretanto esse domínio exacerbado deu à ciência o poder de fortalecer
os mecanismos de regulação e controle que favoreceram a implosão de seu método
de sustentação, quando o ensejo era sustentar pela parte um sistema que
identificava como o todo. Os totalitarismos na Europa e o militarismo nas Américas
revelaram relações intrínsecas entre saber e poder. Relações que se mostraram
transversais na composição e nos auspícios de uma crise de racionalidade científica.
No século XX as revoluções sociais desencadearam lutas sociais e políticas que
produziram uma revolução na concepção de formação. O conhecimento que se
produzia e repassava na academia passou a ser parte da constituição da cidadania.
(Trajetória da Implantação da UFPR Litoral – versão Setembro/2008)

Historicamente, o período que vai da proclamação da república, em 1889,


até a Revolução de 1930 é chamado “Republica Velha”. Seu inicio coincide com a
influência positivista na política educacional, e seu término, com o início da política
educacional da era Vargas, desencadeada em 1930.

Foi durante esse período que surgiram as escolas superiores livres, isto é,
não dependentes do Estado, empreendidas por particulares. Seu grande
crescimento facilitou na época o ingresso no ensino superior. “Esse fenômeno foi
produto de determinações técnico-econômicas, como a necessidade de aumentar o
suprimento da força de trabalho dotada de alta escolaridade.”(Cunha,2007)

Mas a função desempenhada pelo sistema educacional escolar, nas


sociedades capitalistas, fornecedora de diplomas garantidores da posse de
conhecimentos “apropriados” aos cargos conferidores de maior remuneração,
prestigio e poder, chegou a ser ameaçada pelo processo de expansão, pois os
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diplomas tendiam a perder raridade e a deixar de ser instrumento de discriminação


social. Segundo Cunha, a introdução dos exames vestibulares foi a tentativa de se
restabelecer o desempenho daquela função.

A atual educação – denominada de Pedagogia Liberal – é erroneamente


viciada em reproduzir a ideologia dominante, tendo como prática os interesses desta
classe, ou seja: para a classe dominante “não há duvidas de que a educação deve
ser uma prática imobilizadora e ocultadora de verdades” (Freire). A cultura individual
de cada ser humano deve ser, a esta prática pedagógica (indiferente à tendência),
moldada, a fim de se adaptar “às normas vigentes na sociedade de classes” (ibid.).
A tendência tecnicista dessa pedagogia estabelece cientificamente metas
econômicas, sociais e políticas, e a educação treina como obter os ajustes
pertinentes – logo, encara o mundo como um ambiente inteligível às práticas
cientificas (ibid.). Além disso, este autor crê que a pedagogia liberal consiste em
considerar os alunos iguais, os professores autoritários e donos da verdade
(educação bancária) e as mazelas sociais problemas a serem encarados pela
sociedade. Werneck (1942) completa a caracterização, afirmando que estas
instituições encaram-se como empresas; o corpo docente é tratado como
“funcionário”; e os pais e discentes como clientes.

Cunha complementa apresentando o “principio da igualdade” como


determinante na época, de iguais oportunidades competitivas pela posse de
“recursos da sociedade” e pelas posições sociais:

“(...) o princípio da igualdade não implica a eliminação


das desigualdades, mas sim a realocação dos indivíduos, a cada
geração pelas posições desiguais. As diversas e desiguais posições
devem ser ocupadas por indivíduos dotados de diversos desiguais
talentos e motivações, mas todos usufruindo iguais oportunidades
para competir por todas elas.”

No campo educacional, ao discernir o mundo em “disciplinas”, o


cartesianismo, que embasa a educação liberal e a ideologia de muitas instituições
sociais e acadêmicas, retirou o contexto holístico da natureza – influenciando uma
avaliação mecanicista e linear da realidade e, por isso, distorcida, como se a
realidade pudesse ser reduzida a “um conjunto de engrenagens que podem ser
estudadas separadamente”. Isto sem citar que auxilia o educando, futuro cidadão, a
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obter uma visão utilitarista da natureza, devido às raízes antropocêntricas e


materialistas da filosofia de René Descartes. Quanto à questão antropocêntrica,
Carvalho Jr. cita Capra:

“Um organismo que pense unicamente em termo de


sobrevivência de sua espécie destruirá invariavelmente seu meio
ambiente, como estamos aprendendo em amarga experiência,
acabará por destruir a si mesmo.”

Carvalho Jr. afirma que as “pessoas, ao longo de sua vida escolar, terão
aprendido apenas os valores da sociedade de consumo”. Continua-se a explanação
com Gadotti (2009), que afirma que “O conhecimento tem presença garantida em
qualquer projeção que se faça do futuro. Por isso há um consenso de que o
desenvolvimento de um país está condicionado à qualidade da sua educação”. A
cultura elaborada da Pedagogia Liberal é transmitida ao educando graças à retórica
utilizada pelo educador. A título de explicação cita-se a etimologia da palavra
retórica: Do grego rhetor = orador numa assembléia. Ou seja: um ator que precisa
prender a atenção de um público, “informá-lo, instruí-lo e principalmente persuadi-lo
das teses ou dos pontos de vista que o orador pretende transmitir” (Vide Pequena
Enciclopédia de Moral e Civismo). Persuadir, por sua vez, deriva da palavra latina
persuadeo: levar a crer, induzir, convencer, aconselhar. Ao contrário da imposição, a
persuasão levanta uma série de provas a fim de se convencer outrem de uma
verdade subjetiva. Os livros didáticos lembra Citelli (2007), desde a infância tendem
a moldar os bons hábitos, os valores da sociedade, enfim, “o corpo de preceitos
ditados como expressivos e determinantes para a vida futura do educando” – são
textos de “forja, de artesanato da alma, da inculcação dos modelos que os
discursos dominantes apontam como bons” (grifo dos autores).

Fagundes (2009) diz que “o ensino superior brasileiro, construído com


base na cultura da Metrópole colonizadora, carregado de uma cultura que mirava o
atendimento das necessidades dos grupos dominantes, comportava-se como um
irmão direto da cultura europeia, praticando a mais elementar das alienações, a de
natureza verbal, pois denominam com a mesma palavra realidades completamente
diversas.(...) Se em outros países e culturas houve alguma ruptura, a Independência
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no Brasil significou a continuidade da submissão econômica e cultural, que pouco se


modificou com a República.”

Embora a elite que tenha criado a UFPR em 1912 idealizasse uma


formação não para as massas em geral, mas para uma classe média que
preponderava, pretendia uma nivelação cultural da sua parte com o todo que
representava o povo brasileiro. Com isso almejava um conhecimento que
possibilitasse principalmente uma cultura geral sem muita ênfase na educação
profissionalizante como pretendiam em geral os positivistas.

O próprio estatuto da Universidade do Paraná na época garantia que a


instituição seria uma associação civil, gozando de “toda autonomia na sua
administração econômica e didática”. Continha ainda passagens que sugeriam
medidas de integração entre os diversos cursos. Os professores da área de saúde,
por exemplo, deveriam constituir uma única congregação e as “cadeiras congêneres
e afins” dos cursos deveriam ser lecionadas pelos mesmos professores.

Cintando Wachowicz (2006), Fagundes diz que possivelmente por conta


da organização econômica que caracterizava o estado do Paraná, foi possível
localizar a Universidade do Paraná como um das iniciativas contra hegemônicas na
época.

“Os demais Estados, durante o período Colonial e


Império, tinham suas economias baseadas na mineração e
posteriormente na agricultura, ou no caso do norte, na extração da
borracha ou, ainda Minas e Rio Grande do Sul baseados na
pecuária. Mas o Estado do Paraná desenvolveu o que já era nativo,
ou seja, a cultura da erva-mate.”

Naquela época o Paraná enfrentava a perda de um vasto território, para o


Estado de Santa Catarina, na chamada Questão do Contestado. Tinha sua
economia baseada no cultivo do mate, “considerado como uma cultura periférica, de
menor importância econômica. (...) Os centros consumidores da erva-mate eram
Buenos Aires, Montevidéu e mais tarde Valparaíso no Chile. Esta condição
proporcionava que a diminuta elite paranaense se distanciasse dos centros de
decisões políticas e econômicas do país” (ibid.). Esse contexto desafiador estimulou
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a criação da Universidade do Paraná que nasceu com o intuito de interferir na


realidade concreta do seu Estado.

Em suma o liberalismo, no Brasil, conviveu com as ideias que defendiam


a monarquia e a escravidão, associou-se ao positivismo e, na República Velha,
serviu para legitimar a ditadura das oligarquias e a repressão aos trabalhadores.

Brevemente, Fagundes (2009) nos lembra de que é importante ressaltar o


início da política educacional da era Vargas, correspondente ao início do momento
político brasileiro denominado de Estado Novo (1937-1945), referente a um projeto
político fortemente centralizador e autoritário que se fez refletir na educação
universitária.

Após a ditadura Vargas, com a redemocratização do país, a discussão da


federalização da Universidade do Paraná ocupou pauta importante. Acompanhando
as mudanças sociais, econômicas e politicas, a universidade como instituição social
experimentou a transformação provocada pelas ideias de caráter republicano e
democrático em seu meio.

Querendo atender as demandas de ascensão e prestigio social de uma


classe média que apoiara o golpe de 64, uma reforma universitária em 68, visava a
produtividade do corpo docente ou o máximo rendimento e o mínimo de intervenção
ou a hierarquização dos cargos, facilitando o controle administrativo, ideológico e
dos conteúdos.

O modelo econômico a essa altura induziu politicas de ampliação e


investimento na esfera da pós-graduação, fortalecendo expandindo a pesquisa
fundamentada no contexto da modernidade, sem produção de um espirito crítico na
universidade.

Nos anos 80, o desencadear das discussões que possibilitaram uma nova
Constituição foram impulsionadores de uma agitação intelectual, pois se reconheceu
a universidade pela sua condição de aliar ensino, pesquisa e extensão.

Existia um clima instalado de grande esperança e expectativa de um novo


tempo para o país e para a universidade. Entretanto, os anos 90 foram marcados
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pelo fenômeno neoliberalismo que invadiu o campo econômico, traduzindo para as


politicas educacionais um utilitarismo que permanece elitista, mas disfarça-se de
avanço através das múltiplas tecnologias que passam a povoar a experiência
educacional.

Como é citada Chaui (2001), no documento da Trajetória da Implantação


da UFPR Litoral de 2008, “a universidade é uma instituição social que possui uma
estrutura e um modo de funcionamento que corresponde à sociedade neoliberal.
Mostra-se natural que dentro dela conflitos se produzam pela contradição entre
posições, ideia, atitudes e projetos. Porém, com ação e prática social a universidade
funda-se no reconhecimento publico de suas atribuições e sua legitimidade vem
comprometida com um principio de diferenciação no que se refere às outras
instituições sociais, uma vez que nela se estruturam ordenamentos, regras, valores
que internos a ela, a legitimam.”

9 Educação é a Nossa Praia! (lema da UFPR Litoral)

“E, no entanto, fazem-se de todas as profissões um


caso de dinheiro, como se tal fora o seu fim, e que tudo
a ele devesse concorrer”
Aristóteles (384 a.C., A Política)

Parafraseando Freire, afirma-se que quem aprende, ensina aprendendo.


O mesmo autor ainda ressalta, num outro momento, que o verbo ensinar é um verbo
transitivo direto: quem ensina, ensina alguma coisa a alguém. Por isso da máxima
de Freire: “quem ensina, aprende ensinando, e quem aprende, ensina aprendendo”.
Ensinar e aprender são condições básicas para que aja educação. A palavra
derivou, é interessante notar, da palavra latina educatio: “ação de criar, alimentar;
criação: cultura; educação, instrução”. A educação confunde-se, e assume em
certos sentidos, a concepção da cultura propriamente dita. Laraia resume que “o
comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado, de um processo que
chamamos de endoculturação”. Toda transmissão de cultura dá-se, logo, pela via da
educação. De maneira sucinta, pode-se resumir, portanto, educação como a
ferramenta humana para a transmissão de cultura.
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Voltando a Luckesi afirma-se que existem dois tipos de culturas: a


elaborada e cotidiana. O que interessa, neste ensaio, é trabalhar a cultura
elaborada: aquela que é construída intencionalmente pela cultura para desvendar a
realidade; e que é considerada, por este autor, como “complexa, coerente,
consistente, orgânica” e, por isso, necessariamente precisa ser sistematizada e
intencional – sendo a escola a instância mediadora deste conhecimento, através do
currículo e de uma prática pedagógica, possibilitando todos os seres humanos a
receberem e assimilarem “o legado da cultura elaborada, compreendendo e
reelaborando o seu cotidiano”. A afirmação torna-se complementar à teoria do
MoMoMo sobre a compreensão que é necessária, relativa ao mercado neoliberal,
para, então, poder criticá-lo e aperfeiçoá-lo.

“A evidência a qual não podemos escapar é que em nossa civilização a


criação de valor econômico provoca, na grande maioria dos casos, processos
irreversíveis de degradação do mundo físico”, afirma Furtado (1973). A educação
neoliberal agrava o problema desse sistema ideológico vigente: “A atitude ingênua
consiste em imaginar que problemas dessa ordem serão solucionados
necessariamente pelo progresso tecnológico, como se a atual aceleração do
progresso tecnológico não estivesse contribuindo para agravá-lo”, cita o autor. E,
entravada pelo seu próprio método paradigmático, a ciência não busca a solução
total do problema, simplesmente ameniza-o ou retarda-o. É muito claro qual o
problema da pobreza e miséria do mundo: a falta de capacidade das sociedades
humanas em se organizar na ausência de uma metáfora socialmente conhecida e
valorada. Sem dinheiro, as sociedades não se relacionam como unidade, e, assim,
não conseguem produzir aquilo que lhes é essencial à sobrevivência.

“Os processos educativos permeiam toda a vida das pessoas com


diferentes dimensões e fases” Sacavino (2006). Como já visto, pela etimologia, a
educação deriva das bases da vida, e assim, mantêm-se presente durante todo
nosso processo de vida, no fenômeno antropológico denominado de endoculturação.
Assim, quando interagem, o homem se educa e educa seu interlocutor, de maneira
recíproca. A educação acontece, por isso, não apenas no âmbito escolar e não
apenas no âmbito extraescolar: a educação dá-se durante todos os momentos da
vida. Por isso, já à época de Hayek, a UNESCO, em 1977, possuía um documento,
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citado por Carvalho Jr, que estipulava que a educação ambiental deveria ser “uma
dimensão dada ao conteúdo e à pratica da educação, orientada para a resolução de
problemas concretos do meio ambiente por via de enfoques interdisciplinares, e de
uma participação ativa e responsável de cada individuo e da coletividade”.

Lê-se, na Agenda 21, capítulo 36:

“Tanto o ensino formal como o informal são


indispensáveis para modificar a atitude das pessoas, para que
estas tenham capacidade de avaliar os problemas do
desenvolvimento sustentável e abordá-los. O ensino é também
fundamental para conferir consciência ambiental e ética, valores e
atitudes, técnicas e comportamentos em consonância com o
desenvolvimento sustentável e que favoreçam a participação
pública efetiva nas tomadas de decisão”

Ou seja: tanto a cultura emocional quanto a cultura elaborada devem


possuir os mesmos valores. A cultura neoliberal valora o dinheiro em si, de tal
maneira que se baseia tão-somente no acumulo de capital - Além disso, admite
exclusão humana (chamada de “reserva trabalhista”). Assim, pode-se afirmar que
este progresso neoliberal não será, jamais, o progresso humano – pois seus valores
não se baseiam em valores humanos, mas, sim, na lógica mercadológica do lucro.
Precisa-se valorar a humanidade para se ter o progresso humano.

A educação, enfim, acontece em diferentes momentos de nossa vida,


quando se interage com outras pessoas. No que concerne a esta questão, e
conseguintemente a grande parte da cultura que será ensinada à geração futura, o
neoliberalismo traduz-se na ideia de mercado como mecanismo de regulação, e no
discurso de melhoria da educação.

Franco conclui que, no âmbito da educação universitária, com uma


análise dos seus modelos pedagógicos e institucionais, a universidade continua
praticando uma arquitetura acadêmica compatível com a sua origem exógena
transplantada dos contextos europeus:

“Ficamos distantes do esforço de criar um projeto de


educação superior em que a construção de novos métodos de
pensamento e saber fosse fundada num processo de tomada de
consciência da cultura nacional. Nesse inicio de século XXI, ainda
esta viva a esperança de gerar, fazer nascer e crescer uma
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autêntica universidade brasileira, fundada na compreensão da


nossa realidade social, cultural e econômica, onde a produção do
conhecimento se dê a partir de uma realidade contextualizada e
não a partir de situações culturais distantes e alheias.”

Ao adentrarmos o século XXI, evidencia-se a necessidade de um novo


paradigma educacional. A transição paradigmática tem enfatizado novas finalidades
para o ensino superior. Não cabe mais uma escola voltada para oferecer uma
habilitação profissional na logica restrita do mercado. Entre suas finalidades deve
configurar-se a formação integral do homem.

Para Zabalza apud Franco a missão formativa da universidade deve


englobar novas possibilidades de desenvolvimento pessoal, novos conhecimentos,
novas habilidades, atitudes, valores e ampliação do repertório de experiências dos
indivíduos. Complementando, a autora afirma que são poucas as oportunidades
oferecidas para reelaboração, ressignificação e aplicação do conhecimento e que
não são incentivados a criatividade, o pensamento autônomo e a observação crítica
da realidade.

O conjunto das novas referências sociais e pedagógicas capazes de


alterar o paradigma dos currículos e práticas pedagógicas da educação superior
aponta, segundo a autora, “para uma nova perspectiva epistemológica que valoriza
a produção do conhecimento e o concebe como um fenômeno cultural, para a
almejada indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, para a integração
entre a teoria e a prática, para a organização interdisciplinar do conhecimento, para
as relações dialógicas entre professor e aluno, para concepções e práticas
formativas de avaliação, valorização das dimensões conceituais, procedimentais e
atitudinais dos objetivos e conteúdos de aprendizagem, para a aprendizagem a partir
de enfoques problematizadores, enfim, para a formação integral do ser humano.”

Buscando contribuir com este conjunto apontado por Franco, mas no


sentido de alterar o paradigma dos currículos e práticas pedagógicas não só da
universidade, mas da educação como um todo e para que sejam empreendidos
estudos que analisam e promovam o desenvolvimento de modelos mais
consistentes dessa envergadura, é que se coloca a relevância do que segue.
P á g i n a | 94

10 UFPR Litoral: um experimento.

“Quero respirar meu próprio ar”


Henry David Thoreau

O Pragmatismo constitui uma escola de filosofia estadunidense,


caracterizada pela certeza de que só a ação humana, movida pela inteligência e
pela energia, pode alterar os limites da condição humana. Este paradigma filosófico
caracteriza-se pela ênfase dada às consequências - utilidade e sentido prático -
como componentes vitais da verdade.

O pragmatismo refuta a perspectiva de que o intelecto e os conceitos


humanos podem, por si só, representar adequadamente a realidade. Dessa forma,
opõe-se tanto às correntes formalistas como às correntes racionalistas da filosofia.
Antes, defende que as teorias e o conhecimento só adquirem significado através da
luta de organismos inteligentes com o seu meio. Não defende, no entanto, que seja
verdade meramente aquilo que é prático ou útil ou o que nos ajude a sobreviver a
curto prazo. Os pragmatistas argumentam que se deve considerar como verdadeiro
aquilo que mais contribui para o bem estar da humanidade em geral, tomando como
referência o mais longo prazo possível.

O filósofo e pedagogo estadunidense John Dewey elaborou o


pragmatismo como uma nova filosofia que chamou de Instrumentalismo – em
contraste ao realismo científico – defendendo que as nossas percepções, ideias e
teorias científicas não necessariamente refletem o mundo real com precisão, mas
são instrumentos úteis para explicar, predizer e controlar nossas experiências. De
acordo com Dewey, o pragmatismo se aproxima da filosofia social ou mesmo de
uma prática da pesquisa política.

Segundo Franco, Dewey foi ainda a expressão mais influente do


pensamento pragmatista na educação, revolucionando-a na América do norte com
repercussão em vários continentes. A educação segundo o pragmatismo não tem
separação entre realidade e o sujeito que conhece, e assim, a maneira de aprender
na escola não deve ser diferente da forma de aprender em outros contextos.
P á g i n a | 95

Aos alunos é dada liberdade para escolher situações de aprendizagem


que lhes pareçam mais significativas. A sala de aula estende-se para qualquer
espaço que possa oferecer experiência de aprendizagem. Aulas práticas em
ambientes diversificados são mais significativas, pois envolvem as pessoas em
experiências diretas. De acordo com Knight (2001) apud Franco o pragmatismo tem
no método de projetos uma das suas técnicas preferidas.

O trabalho por projetos fundamenta-se numa proposta pedagógica que


agrega os pressupostos do paradigma da complexidade (MORIN, 2003 e ZABALLA
2002 apud Franco), que busca dar um enfoque globalizador ao conhecimento; a
abordagem progressista (Freire), que visa a transformação da sociedade por meio
de uma abordagem educacional crítica, dialógica e problematizadora e a educação
pragmática de Dewey (1959), que propunha a formação para a cidadania por meio
de aprendizagens significativas para a vida extraídas da resolução de situações-
problema do cotidiano.

A UFPR Litoral, desde sua implantação em 2005, tem assumido um


posicionamento crítico à tradicional concepção e prática da organização do ensino,
adotando uma proposta pedagógica organizada por projetos. (FRANCO,
FAGUNDES)

O desenho curricular que se fundamenta na educação por projetos


permite que o estudante construa o conhecimento, integrando as diversas áreas.
Além dos fundamentos teórico-práticos, específicos de cada curso, o aluno organiza
o seu cotidiano tendo também espaços semanais para as Interações Culturais e
Humanísticas (ICH) e para dedicar-se ao projeto de aprendizagem. O estudante é
incentivado a perceber criticamente a realidade, compreender os diversos aspectos
que a estruturam e a estabelecer ações onde a busca de conhecimento se encontra
com situações da realidade local, configurando relações entre pessoas, saberes e
instituições, entre elas a UFPR e a comunidade da região litorânea. Tais ações
podem contemplar uma diversidade de possibilidades, desde que alie o
aprofundamento metodológico e científico. Contemplam também uma transição para
o exercício profissional. Na proposição do projeto, o aluno antecipa e vivencia de
forma autônoma o exercício profissional. O aluno como sujeito co-responsável de
P á g i n a | 96

seu processo de aprendizagem, aprende a significar um cotidiano balizado por


valores locais. E, sem perder a perspectiva da mundialização, respeita limites
humanos, engaja-se em um processo de auto-organização e auto-produtividade.

O trabalho pedagógico mais intenso para fazer frente aos desafios de


desenvolvimento sustentável está focado na formação continuada dos professores
em todos os níveis educacionais (do ensino fundamental à pós-graduação) e nas
ICH – Interações Culturais e Humanísticas. Essas ações pedagógicas, integradas na
formação da UFPR Litoral, têm o compromisso com uma educação mais
comprometida com a justiça e a equidade social.

(..) O espaço curricular de Interações Culturais e Humanísticas (ICH)


consiste num dos pilares do Projeto Político Pedagógico da UFPR Litoral,
representando, no mínimo, 20 % da carga horária curricular em todos os cursos.
Através de encontros que ocorrem semanalmente, integrando estudantes dos
diferentes cursos, o ICH constitui-se num espaço de aprendizagem interdisciplinar.
Possibilita a articulação de diversos saberes (científicos, culturais, populares e
pessoais) e busca um olhar mais amplo para a problemática cultural e humanística
contemporânea.” (Projeto Político Pedagógico UFPR Litoral, 2008)

De acordo com seu próprio Projeto a UFPR Litoral nasceu com as


mesmas preocupações históricas da gênese da Universidade do Paraná em 1912 e,
nesse desafio paradigmático, optou pela mesma proposta emancipatória que esteve
na base do movimento desencadeado há quase cem anos atrás. Comprometida com
ideais e valores advindos de uma concepção de educação anti-hierárquica e anti-
exclusivista a UFPR Litoral, emerge de esforços humanos que entrelaçam
oportunidades a desafios que evidenciam a necessidade de ampliação das suas
ações como instituição formadora, bem como de seu papel social.

Percebendo-se como uma instância de fomentos públicos, a UFPR Litoral


alicerça seus compromissos com as regiões do Estado do Paraná, localizadas no
litoral e região do Vale do Ribeira, que se mostram ávidas por oportunidades de um
desenvolvimento socioeconômico e cultural. O foco desse apoio passa a se dirigir
aos lugares onde os acordos de poderes públicos podem fazer diferença, se
P á g i n a | 97

gestados em prol de uma educação universitária, pública e gratuita, com vistas a


tecer e disponibilizar os frutos da ciência e do conhecimento.

A sociedade brasileira e a educação, em particular, encontram-se diante


de importantes desafios, devendo incorporar, ao mesmo tempo, as enormes
mudanças provocadas pela revolução tecnológica e a reestruturação da sociedade
em função do conhecimento e das novas tecnologias de informação e comunicação.
De outro lado há o desafio para a universidade de exercitar o seu papel social de
questionador crítico e fomentador de conhecimentos que dialoguem e interfiram na
realidade social e econômica em que se insere. É preciso diminuir os processos
excludentes do contexto em que vivemos, onde o mundo do trabalho e suas radicais
transformações são evidências incontestáveis.

O avanço tecnológico decorrente da ciência moderna que funda a


racionalidade técnica, alicerce da formação universitária ocidental, apresenta sinais
de uma crise. Como escreve Sousa Santos, essa é uma crise profunda e
irreversível, que apesar de assentar-se numa pluralidade de condições, destaca a
condição teórica. Fundamenta e justifica a importância de destacar a condição
teórica por entender que “a identificação dos limites, das insuficiências estruturais do
paradigma científico moderno é o resultado do grande avanço no conhecimento que
ele propiciou. O aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos
pilares em que se funda”.

Com a crise do paradigma dominante abrem-se possibilidades para


questionamentos e reflexões da formação que foi historicamente nele inspirada.
Portanto, deixa de ser natural ou deixa de ser naturalizada a construção de um
currículo a partir, somente, de um olhar técnico da área de conhecimento que
envolve. O conhecimento passa a ser compreendido não mais por sua exatidão,
mas por sua complexidade. Ou, ainda como enfatiza Sousa Santos “os fatos
observados têm vindo a escapar ao regime de isolamento prisional a que a ciência
os sujeita. Os objetos têm fronteiras cada vez menos definidas; são constituídos por
anéis que se entrecruzam em teias complexas com os dos restantes objetos.”.

A proposição do Projeto Político-Pedagógico do Setor Litoral da UFPR


aposta na superação dos pressupostos da modernidade e se lança na construção de
P á g i n a | 98

um projeto inovador e emancipatório. Para tal, toma como princípio a reflexão acerca
da realidade concreta do lugar, como fonte primeira, para, em diálogo com o
conhecimento sistematizado, possa tecer uma organização curricular e desenvolver
projetos que devem partir dos alunos e envolver os professores e a comunidade.

Diferentemente do entendimento de conhecimento que preponderou até


hoje, tal Projeto Político-Pedagógico estrutura-se pedagogicamente concebendo o
conhecimento como uma totalidade articulada, decorrente da reflexão e do
posicionamento a respeito da sociedade e sua realidade concreta envolvendo a
educação e o homem. Obedecendo a esse princípio, o PPP articula em seu currículo
três grandes fases: 1- conhecer e compreender; 2- compreender e propor e, 3-
propor e agir. Essas fases temporais são desenvolvidas dentro de três grandes
módulos que dialeticamente se constituem e organizam todos os cursos. O primeiro
módulo é constituído por Projetos de Aprendizagem, o segundo formado pelas
Interações Culturais e Humanísticas e o terceiro módulo organizado pelos
Fundamentos Teórico-práticos.

11 Proposta de Convergência: experimentando o experimento.

“Mandei plantar
Folhas de sonho no jardim do solar
As folhas sabem procurar pelo sol
E as raízes procurar, procurar
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer.”
Panis Et Circenses – Os Mutantes

Em agosto de 2005, em Matinhos, existia uma sala branca sendo


reformada que parecia mais um canteiro de obras. Nesta sala, acontecia na maior
parte da semana, reuniões com aproximadamente noventa pessoas. Estas reuniões
eram marcadas por discussões que nunca tinham um horário exato para terminar. O
que mais controlava o tempo era a quantidade de pessoas com alguma necessidade
em comum, como a de ir almoçar, por exemplo. Todos podiam falar o tempo e o que
quisessem; apesar de sempre ter um professor convidado, ninguém tinha a
obrigação de falar mais ou menos dentro do grupo; os pedreiros e as faxineiras em
volta estavam tão presentes que também faziam parte do grupo, mas infelizmente
não podiam dedicar-se as discussões, pois em nossa sociedade os objetivos
P á g i n a | 99

atribuídos a eles eram o de terminar a reforma e o de manter a limpeza e


organização daquela sala e não participar das discussões que aconteciam dentro
dela.

Neste grupo muitos eram e são identificados, de acordo com a nossa


sociedade, como alunos, outros como professores, vários como servidores e
técnicos. Independente disso era um grupo onde qualquer sujeito que pudesse
ensinar ou aprender estaria apto a ser membro. Muitos alunos eram mais velhos do
que os próprios professores convidados. Quem observasse de fora, dificilmente
identificaria quem era um ou outro. Aquela sala era um simples espaço de trocas de
saberes, e, no entanto, carregava nas costas o nome de uma das mais antigas
instituições de ensino com concepção de universidade do Brasil.

Os assuntos, temas daquelas discussões, eram amplos e abrangentes.


Normalmente relacionados a fenômenos sociológicos, cultura, humanidade e suas
interações. A responsabilidade era de cada sujeito em separar tais temas de acordo
com suas percepções individuais. Em outras etapas os sujeitos discutiam suas
percepções. O que desencadeava uma série de compreensões individuais
conectadas a uma coletiva, assim formada com base nos temas amplos e
abrangentes.

Uma das consequências desta sala fazer parte de uma unidade maior na
sociedade, uma universidade, era a de ter que possuir um formato adequado às
normas desta. Portanto, ou a sala definia seu formato de aprendizado de acordo
com as normas universitárias ou as mesmas mudavam para incluir um novo formato
de aprendizado, mais aberto e dinâmico. Pela dificuldade de flexibilizar o que é
considerado, em nossa cultura, como normal para uma universidade, que por sua
vez obedece outras normas, a saída foi adaptar o novo formato à esta tradição e
tentar ao mesmo tempo preservar a faculdade de perceber os temas conectados à
uma compreensão coletiva que o novo formato promovia.

Foi normal, portanto, uma definição fixa e formal de quem ensinava e de


quem aprendia entre todos os candidatos aptos e interessados a participar do grupo
que já existia, para cumprir as normas e assim continuar parte da universidade. Os
membros do grupo, puderam presenciar como ouvintes uma das etapas didáticas de
P á g i n a | 100

seleção dos professores, o que contribuiu para amenizar uma série de conflitos que
1
surgiriam. Sutilmente, como forma de adaptar a “ciência objetiva” à breve
experiência em uma “faculdade de percepções”, alguns professores, por exemplo,
exigiram como um primeiro instrumento de avaliação: relatórios de percepção sobre
as atividades realizadas. O que demonstrou no mínimo um respeito ao grupo que
estava acostumando-se apenas às percepções, mas que, inevitavelmente, também
fez surgir com estes relatórios as primeiras influências da herança deixada pelas
“ciências objetivas”: as primeiras obrigações, os primeiros prazos e alguns
rascunhos com os primeiros critérios de avaliação.

Parte do que era praticado todos os dias da semana na UFPR Litoral


tomou sua primeira forma e nomenclatura com a chegada dos primeiros professores
– os atores sociais atribuídos da missão social de incluir parte do grupo no
aprendizado universitário das “ciências objetivas” – e foi batizada de Formação
Humanística e Cultural, o FHC, antes de qualquer alusão ao presidente neoliberal da
LDB a sigla mudou para FCH. Depois desta forma, a segunda contribuição destes
atores sociais foi a de concentrar tal atividade em um dia da semana, sendo sua
mais resistente e paradoxal mutação, criando-se partes – ou espaços de
aprendizado – e diferentes lacunas entre elas. Depois disso o FCH já se transformou
algumas vezes e já gerou uma enormidade de discussões, tendo inúmeras correntes
acadêmicas e disciplinas como base, até assumir a atual forma das Interações
Culturais e Humanísticas. Assim as ICH surgem. Para narrar e justificar, e não para
explicar, elucidar. O seu material de estudo não é mais o “fenômeno sociológico”,
mas o “livro” aquilo que estudiosos já disseram, o que as tornam uma grande
montagem de fragmentos, “um livro falando sobre outros livros”.

Desviando-se do objetivo de compreensão inicial, as ICH formam hoje um


sistema autojustificável de ensino acadêmico; uma “máquina de ensinar”
conservadora ou no mínimo burocratizada. Seu objetivo é a reunião de pessoas
aptas - em certo espaço em certa hora - a formar outras pessoas. Distante dos fatos,
1
Para Francisco José Brasil Pompeo, no livro PERCEBENDO o Elefante: A Lógica da Condição Humana,
Uma Nova Ciência da Economia, o Humanismo conforme o princípio da “exclusão”, foca o “outro” como um
objeto do “passado”. Segundo o autor, este critério de ensino fragmentário é próprio das “ciências objetivas”,
que visam construir a gradual capacitação profissional. São “ciências do objeto”, originárias do “fazer”, vinculadas
ao futuro uso de técnicas de trabalho, cuja a apreensão é difícil e desprazeirosa. A ciência objetiva considera que
“o todo é igual às partes” e se baseia em “diferenciar” os objetos, o que pressupõe o observador como
“diferente da coisa observada”.
P á g i n a | 101

essa forma de aculturação, constrói-se com “conceitos extraídos de conceitos”; um


sistema fechado de didatismo formal.

O atual formato das ICH, não passa de uma nova forma de adaptação da
ciência objetiva para o humanismo, que continua retirando o sentido vital presente
no aprendizado e torna o conjunto de Humanidades em algo que não amplia e nem
mesmo confere autovisão aos estudantes, de modo que os mesmos possam
aprender com a conduta geral. Se os alunos sentissem-se inclusos no aprendizado,
enxergariam a humanidade como também se vêm individualmente, sujeito de um
todo, corresponsável pelo que ocorre no mundo. No entanto este Humanismo copia
cegamente o modelo básico das ciências, centrado no objeto, em vez de constituir-
se como “ciência do sujeito”, do “ser”. Uma prova disso são as oficinas ofertadas
pelos professores do curso de artes nas Interações Culturais e Humanísticas,
frequentada massivamente pelos alunos do curso de artes; as ICH ofertadas pelos
professores da área de meio ambiente, frequentadas pelos alunos dos cursos de
Agroecologia e Gestão Ambiental; as de Saúde para os alunos da área de Saúde; e
assim sucessivamente. Basicamente as ICH tornaram-se um espaço de interação
entre veteranos e calouros centrados em seus objetos, seus cursos. É como bater
água pura no liquidificador: não muda nada, só se gasta tempo e energia. A parte ou
espaço para que interações aconteçam existe, mas as mesmas foram formatadas
em mais partes, temas com normas e cargas horárias. Assim, a técnica volta a ser
usada como definidora da formação e não apenas como suporte para a percepção
da totalidade, e o que é pior: a carga horária se torna o indicador do grau de
humanidade do sujeito e este, ávido por horas, vai atrás de carga horária como
quem persegue uma meta. Enfim, aliena-se atrás das horas.

É imprescindível enfatizar a importante adaptação sendo desenvolvida na


UFPR Litoral, que ainda preserva uma lógica inicial quando o conhecimento passou
a ser compreendido não mais por sua exatidão, mas por sua complexidade. Seu
formato atual, além de obedecer às regras da unidade social da qual faz parte, da
UFPR, definiu um espaço inédito que permite sensibilizar e despertar a comunidade
acadêmica para compreensão da complexidade que liga vários temas às questões
mais amplas da problemática cultural e humanística.
P á g i n a | 102

No entanto este processo adaptativo teve um preço, pois as condições


para que se operem interações nos diferentes espaços curriculares foram
normatizadas e limitadas gradativamente, dificultando a sustentação da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão que existia anteriormente, nos
idos de 2005.

Neste contexto, parafraseando Mancur Olson em A Lógica da Ação


Coletiva, do ponto de vista da racionalidade coletiva, todos ganhariam caso
houvesse uma cooperação integral em relação aos espaços que surgiram para a
compreensão do que é comum. Porém, de acordo com a racionalidade individual,
dedicar-se apenas aos temas relacionados ao seu próprio curso ainda é uma
estratégia que proporciona uma recompensa mais perceptível neste sistema. É
preciso criar condições criativas viabilizadoras de autonomia e ligadas à percepção
do que é coletivo, pois qualquer tentativa de condicionar a racionalidade individual
sem esta percepção será conflituosa e paliativa.

Adam Smith – autor de A Riqueza das nações, que acreditava fortemente


no valor do interesse próprio para as sociedades – pode complementar Olson com
as seguintes frases na abertura de seu primeiro livro:

“Por mais egoísta que um homem possa parecer,


existem alguns princípios claros em sua natureza que o fazem se
interessar pelo destino dos outros e a felicidade alheia, sem ganhar
nada com isso, a não ser o prazer de ver.”

O ideal seria vincular esse interesse pelo destino dos outros ou da


racionalidade coletiva ao interesse por nosso próprio destino ou da racionalidade
individual. A combinação de interesse próprio e preocupação com os outros atende
a um grupo muito maior de pessoas, em comparação com o que pode ser alcançado
pelo interesse próprio ou a preocupação com os outros separadamente.

A solução apresentada a seguir para modificar a lógica predominante ou


para proporcionar condições viabilizadoras do alcance deste ideal, surge da simples
percepção dos autores da necessidade e dificuldade de articulação entre diversos
campos do saber (científicos, culturais, populares e pessoais) e da interpretação de
situações que forneçam sentido ao próprio aprendizado.
P á g i n a | 103

Assim, para que os autores pudessem exercitar a leitura da realidade e


buscar um olhar mais amplo para a problemática cultural e humanística
contemporânea, os Projetos de Aprendizagem foram alterados e o cotidiano
reorganizado balizado por valores locais dentro de um espaço inserido nos
Fundamentos Teóricos e Práticos do curso de Gestão Ambiental, denominado
Vivências Profissionais em Gestão Ambiental, que permitiu aos alunos uma troca de
saberes com pessoas de outras realidades e a reflexão sobre sua formação e papel
social.

Ao realizar a convergência do aprendizado entre os espaços curriculares


disponíveis, foi possível inclusive o resgate das ICH como suporte para a percepção
da realidade e compreensão de fenômenos complexos. A autonomia concedida
desde o princípio no espaço dos Projetos de Aprendizagem e disponibilizada
estrategicamente no último ano do curso nos Fundamentos Teóricos e Práticos era
paradoxalmente limitada no atual formato das Interações Culturais e Humanísticas,
inviabilizando o “processo emancipatório” de “auto-organização” e “auto-
produtividade” e até mesmo o momento “propor e agir” do PPP da UFPR Litoral.

Nesta proposta, a “FASE III” do curso de Gestão Ambiental foi


reorganizada em quatro etapas de acordo com as necessidades individuais dos
autores, de articulação entre os espaços de aprendizado disponibilizados, sem
deixar de lado os objetivos de cada um. A seguir uma tabela contempla estes
elementos, e suas respectivas cargas horárias, que foram empregados para esta
convergência:
P á g i n a | 104

1- Adaptado da “Representação do perfil de formação” presente no Projeto


Pedagógico do Curso de Gestão Ambiental 2005

É importante ressaltar que a carga horária reportada sofreu uma


expansão na 3ª etapa da proposta. Pois, neste momento, os autores vivenciaram
simultaneamente estes espaços de aprendizado em busca de sua unidade. O
projeto de aprendizagem, assim contemplado, torna-se apenas mais uma parte do
complexo processo de aprendizagem, tal qual outras experiências representadas
pelas vivências dos acadêmicos. Sendo inerente à vida, o processo educacional não
pode ser truncado pela própria entidade que se propõe a educar, como é o caso do
atual sistema de educação neoliberal tradicional. Nestes sistemas, a autonomia do
aluno restringe-se às aulas, ao cronograma, à hierarquia, enfim, à universidade.
Pautado nesta lógica, o espaço determinado para o processo de interação cultural e
humanística da UFPR Litoral, apresentava-se como um fator limitante ao processo
expansivo e contínuo do conhecimento, pois restringe essas possibilidades à
comunidade interna e a um formato específico. Assim, esquece-se que tudo que é
produzido internamente só terá lógica com uma função social, ou seja, se for
aplicável à vida. Mas, se se restringe a vida dentro das paredes da universidade,
restringe-se, também, a expansão do conhecimento.

A educação é um processo contínuo, infindável e ilimitado. Dado isso, só


uma coisa pode impedir o processo educativo: a limitação de vivências. Visto que
este processo permeia toda a vida, é imprescindível que o vejamos como único:
viver. Assim, a vida exige que tenhamos a teoria e a prática equiparadas, para que
sejam fundantes. Esta premissa é fundamental para compreendermos o
conhecimento como um todo, no sentido mais abrangente que o termo humanista
holos quer dizer. Por isso, é necessário que a concepção de interação cultural e
humanística esteja em constante mudança, a fim de que essa acompanhe o
processo educativo, peculiar para cada educando. Propõe-se, aqui, que se quebre
um paradigma.

Como já vimos, o atual paradigma limita o educando as vivências


acadêmicas, limitando-o aos braços da universidade. O espaço das ICHs não deve
estagnar-se, para assim continuar contribuindo para a expansão do conhecimento,
das interações e das experiências. Apenas uma vivência permite a integração dos
P á g i n a | 105

conhecimentos teóricos, da prática e do arcabouço ideológico e cultural que


carregamos conosco, em contínua transformação. Apenas imergindo totalmente em
uma cultura pode-se senti-la como de fato ela é. Depois de um tempo, não se
precisa de um tutor para interagir com outras culturas: a universidade cumpriu seu
papel humanizador.

O módulo de Vivências Profissionais do curso de Gestão Ambiental


proporciona flexibilidade curricular e mobilidade acadêmica, suficientes em um
momento estratégico para uma religação entre os Fundamentos Teórico-práticos, as
Interações Culturais e Humanísticas e Projeto de Aprendizagem. Já este último é o
espaço em que os alunos têm a maior autonomia desde o princípio, portanto a
percepção em relação à necessidade de articulação entre os espaços é que
determina o emprego do projeto de aprendizado como definidor de formação ou
apenas como um dos suportes disponíveis.

Um Projeto de Aprendizagem possibilita o diálogo com os fundamentos


teórico-práticos, que empiricamente já o constitui. De acordo com o Projeto Político
Pedagógico da UFPR Litoral, esse diálogo deveria expandir-se ao abarcar as
interações culturais e humanísticas que se apresenta como espaço para a troca com
pessoas da comunidade externa, de outros cursos, de outras realidades.
Dialeticamente, nas ICH também se fazem presentes e dialogam entre si, os
projetos e os fundamentos teórico-práticos. Portanto, esta proposta de
reorganização da FASE III contempla em suas etapas a educação como totalidade
presente no currículo, objetivando igualmente superar a proposta fragmentária, da
pesquisa, do ensino e da extensão.
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1ª Etapa: Adaptação dos Projetos de Aprendizagem.

Nesta etapa os PAs dos autores passaram por um processo de


adaptação onde foram identificados pontos em comum que possibilitaram o
desenvolvimento de um só projeto. A partir destes pontos em comum buscou-se de
forma autônoma, uma organização de acordo com os espaços de aprendizado
disponíveis. A carga horária é uma estimativa em relação a todas as discussões
entre os autores e seus professores orientadores; às leituras de referências que
deram suporte a este ensaio e ao início da produção do novo Plano de Conclusão
do Projeto, e do próprio PA. Foram utilizados os espaços destinados ao Projeto de
Aprendizagem e o de Interações Culturais e Humanísticas nesta fase.

Período: 16/09/2009 a 10/12/2009


Projeto de Aprendizagem (GAMB043) Carga Horária = 72h
Interações Culturais e Humanísticas (GAMB044) Carga Horária = 72h
CARGA HORÁRIA TOTAL 144h

2ª Etapa - Proposta de Convergência e Plano de Conclusão do Projeto.

Esta compreende a etapa de planejamento. O desafio foi associar os três


espaços de aprendizado disponíveis e distribuir o conjunto em etapas coerentes
com o tempo disponível. A partir de um novo Plano de Conclusão do Projeto iniciou-
se a preparação para apresentar a trajetória realizada a fim de consolidar o Projeto
de Aprendizagem (GAMB046) e iniciar o processo de proposição final. A
flexibilidade curricular e mobilidade acadêmica disponibilizadas no espaço do FTP
pelo Módulo Vivências Profissionais em Gestão Ambiental (GAMB045) permitiu uma
organização própria de itinerário acadêmico. Optou-se, portanto em viver
profissionalmente a etapa final do Projeto de Aprendizagem. Ainda como parte do
planejamento, delimitou-se um novo espaço para as Interações Culturais e
Humanísticas (GAMB047) como uma preparação para a próxima etapa embasada
em vivências reais protagonizadas pelos autores e pelos consumidores e
produtores presentes na Feira de Alimentos de Matinhos todas as quartas-feiras no
centro da cidade, o que proporcionou relações e reflexões necessárias para esta
etapa da proposta. Por último, em cumprimento a Resolução Nº 70/04 do Conselho
P á g i n a | 107

de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFPR, selecionou-se e elaboraram-se


Atividades Formativas Complementares adequadas às etapas desta proposta e ao
tema do Projeto de Aprendizagem. A primeira foi a participação na 2ª Conferência
Regional de Economia Solidária no dia 23/03/2010 em Curitiba. A segunda foi a
elaboração de uma atividade de extensão aplicada pela primeira vez dentro do setor
Litoral da UFPR, denominado Introdução ao Geoprocessamento realizada
semanalmente no período de 22 de março a 22 de abril, cujo público alvo foram
professores do Setor, gestores públicos de Matinhos e Paranaguá e estudantes da
UFPR Litoral. Este curso foi repetido para funcionários públicos da secretaria de
saúde no município de Paranaguá do dia 19 a 22 de Abril, o que serviu como
treinamento para futuras aplicações do curso.

Período: 01/03/2010 a 27/04/2010 – 45 dias


Conferência Regional de Economia Solidária: 23 de Março
Apresentação do novo Plano de Projeto: 13 de Abril
Aprovação da proposta no GEPA: 19 de Abril
Apresentação da proposta no GICH: 19 de Abril
Aprovação da proposta na Câmara de Gestão Ambiental: 20 de Abril
Aprovação da proposta no Conselho Geral: 23 de Abril
Projeto de Aprendizagem (GAMB046) Carga Horária = 32h
Interações Culturais e Humanísticas (GAMB047) Carga Horária = 32h
Fundamentos Teórico-práticos – Módulo Vivências
Carga Horária = 108h
Profissionais em Gestão Ambiental (GAMB045)
Atividades Formativas Complementares (participação
Carga Horária = 24h
em eventos)
Atividades Formativas Complementares (cursos de
Carga Horária = 40h
extensão)
CARGA HORÁRIA TOTAL 236h

3ª Etapa: Convergência do aprendizado.

Nesta etapa não é possível separar os elementos que a compõem, estão


todos associados. Trata-se da principal etapa da proposta. Depois de definir e
estudar a problemática que queremos trabalhar e os objetivos da proposta,
utilizamos este método estruturado para alcançá-los. Após definir o formato que
pretendemos dar ao nosso projeto passamos finalmente a execução de todo seu
planejamento. Ainda sob a forma de pesquisa das possibilidades de atuação e
metodologias e estruturação de um projeto-piloto para verificar e testar métodos e
P á g i n a | 108

técnicas de trabalho foi nesta etapa que se rematou um projeto de aprendizagem


avançado e estruturado para sua aplicação e desenvolvimento, dando início a
próxima etapa. A fim de compreender melhor o desenrolar do processo humano
evolutivo, bem como apreciar o estado da arte do sistema, tanto dos malefícios do
neoliberalismo quanto dos benefícios de economias alternativas, realizamos uma
vivência de vinte e dois dias no Conjunto Palmeira, sobrevivendo apenas com o
circulante local (palmas). A imersão completa e total em uma cultura é a única
possibilidade que um pesquisador tem de compreender os fenômenos sociais de
uma dada região, ao melhor estilo pesquisa-ação. O que caracteriza um dos
principais objetivos desta proposta de resgatar o espaço de aprendizagem destinado
as ICH como uma faculdade de compreensão de fenômenos sociológicos e
culturais. O Módulo Vivências Profissionais em Gestão Ambiental continua
fornecendo o aporte de ferramentas para definição de sua aplicabilidade e o
dimensionamento da extensão de sua ação. No período do dia 03 ao dia 05 de maio
aconteceu A Conferência Temática de Finanças Solidárias e o Encontro da Rede
Brasileira de Bancos Comunitários. Participamos dos eventos a fim de cumprir as
Atividades Formativas Complementares previstas em nosso Plano de Conclusão do
Projeto. Cada experiência foi importante e única, visto que foram fundamentais na
construção de nosso Trabalho de Conclusão do Curso durante esta etapa.

Período: 03/05/2010 a 25/05/2010


Encontro Nacional de Bancos Comunitários: 03 de Maio
Conferência Temática de Finanças Solidárias: 03, 04 e 05 de Maio

Projeto de Aprendizagem (GAMB046)


Interações Culturais e Humanísticas (GAMB047)
Carga Horária
Fundamentos Teórico-práticos – Módulo Vivencias
240h
Profissionais em Gestão Ambiental (GAMB045)
Atividades Formativas Complementares
CARGA HORÁRIA TOTAL 240h
P á g i n a | 109

4ª Etapa: Conclusão da Proposta e do Projeto.

Durante esta etapa foi desenvolvido a memória do projeto de


aprendizagem contendo o histórico detalhado do projeto; as mudanças de
orientação, tema e parcerias realizadas. Num segundo momento – até o dia 24,
de acordo com as intenções e prazos formalizados no curso – será apresentado
este projeto pelos autores e todas as suas derivações, como um vídeo
resultante das entrevistas realizadas e uma exposição de fotos. Além disso,
pensamos em divulgar toda a experiência na forma de apresentações,
convívios, etc. A intenção é divulgar o conhecimento apreendido, além de criar
vínculos com a universidade, estudantes e moradores locais, para que,
futuramente, possa-se aplicar ou fomentar ainda mais o tema.

Período: 26/05/2010 a 18/06/2010


Apresentação da Vivência Profissional: 24 de Junho
Apresentação do Trabalho de Conclusão do Curso: 24 de Junho
Projeto de Aprendizagem (GAMB046)
Interações Culturais e Humanísticas (GAMB047)
Carga Horária
Fundamentos Teórico-práticos – Módulo Vivencias
190h
Profissionais em Gestão Ambiental (GAMB045)
Atividades Formativas Complementares
CARGA HORÁRIA TOTAL 190h

II. O DIREITO A UMA ALTERNATIVA À ECONOMIA NEOLIBERAL.

2.1 Outra Economia Acontece. (Lema da Economia Solidária”)

"Você que inventou esse Estado


Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão
Apesar de você amanhã há de ser outro dia...”
Chico Buarque de Holanda – Apesar de Você

O mundo capitalista neoliberal vê-se em crise. Suas bases teóricas estão


ultrapassadas: não consegue manter-se em crescimento infinito e constante, como
P á g i n a | 110

estipulava. Além disso, o fenômeno da concentração de renda tornou-se tão


descarado que a miséria que assola grande parte do “terceiro-mundo” tornou-se
pública há anos. O MoMoMo denuncia: “É necessário salientar que tanto o dinheiro
como o sistema monetário são resultados da criatividade, da capacidade e da
necessidade humana, e que não surgiram num simples piscar de olhos. Pode-se
entender, portanto, que é possível criar um outro sistema, já que este não é estático,
nem tampouco imutável”.

O neoliberalismo é voltado ao dinheiro; e o dinheiro está exposto, por


isso, nas mais variadas situações da vida humana. Assim, esta ferramenta pode e
deve ser utilizada para promover o progresso humano. A ótica, porém, deve ser
outra. O neoliberalismo encara o mundo (seres humanos, inclusive) como
ferramenta para aumentar seu capital, sendo, por isso, o centro das discussões e
ações humanas. Mesmo que um bairro precise de esgoto e água encanada; mesmo
que existam os materiais necessários para se realizar a obra; mesmo que existam as
pessoas capacitadas pra isso; mesmo que o conhecimento exista... nada importa,
neste sistema, se não existir a mais-valia, o lucro. Cria-se um clima de competição e
individualismo, e não de coletividade e harmonia.

Deve-se recriar o sistema econômico, para, assim, recriar o dinheiro e


seu valor cultural. Dessa maneira tem-se a chance de discutir o progresso humano
longe do paradigma neoliberal, que, como já visto, é absolutamente insustentável.
Mantêm-se estável por conta de uma alternativa instável: o crédito especulativo,
mantido, principalmente, em bolsas de valores. Assim, de maneira virtual, o crédito
vê-se, de fato, sem um limite para o crescimento. Para conseguir esta façanha, ele
embasa-se, por fim, como explicitado pelo MoMoMo, no “dinheiro emitido a base de
créditos, com lastro parcial (como os vales emitidos pelos ourives na Itália) e taxado
com juros pelos bancos emissores”.

Este trabalho embasou-se, até aqui, como já dito, na lógica encontrada


por diversos autores que denunciaram a crise do atual paradigma. Este capítulo
encarrega-se de demonstrar como é possível romper a barreira dessa “cultura
normal” e, assim, discutir o progresso humano. Até aqui, “o que importa é saber que
o dinheiro, como é conhecido hoje, foi criado num processo histórico e que a
P á g i n a | 111

estrutura que resultou desse processo não é única nem inevitável. Muitas outras
formas de dinheiro existiram, existem e existirão”.

Para embasar esta etapa do trabalho, foi utilizado o livro “Onde está o
dinheiro?”, que é uma coletânea de textos de diversos autores. Neste livro, além da
retrospectiva histórica sobre o dinheiro, tal qual foi descrita neste trabalho (com a
ressalva que, aqui, muitos outros autores foram utilizados), o livro apresenta uma
série de causos e teorias econômicas que têm outros valores que não os do
neoliberalismo. Estas varias teorias apresentam-se como vários fragmentos que
quando unidas formam um mosaico, que é a Economia Solidária. Para praticar esta
economia, o MoMoMo afirma que basta escolher os fragmentos que melhor se
adaptam à realidade local, e criar e recriar teorias, técnicas e sistemas econômicos -
Assim, busca-se fugir do atual paradigma. Como dito pelo Professor de economia e
Mestre em Sociologia Aécio Alves, da Universidade Federal do Ceará, em entrevista
autorizada, realizada e registrada áudio-visualmente no dia 20 de maio de 2010: “É a
arte de estar fora, estando dentro”. Pois, dada a extensão, sabe-se que, como dito
pelo professor, o sistema capitalista vigente compele os cidadãos de maneira sutil a
aceitar suas normas. Ainda que ninguém seja obrigado a trabalhar, se não o fizer
não fará parte da sociedade; se não pagar contas não fará parte da sociedade – se
os fizer, colaborará com a propagação do paradigma. Este é um dilema
aparentemente paradoxal, mas que, dado os fatos históricos, tende a mudar. A
prova disso será demonstrada neste e no próximo capítulo, onde se demonstrará
que, de fato, outra economia já acontece, longe dos olhos neoliberais.

Não ter dinheiro é sinônimo de não ter relações sociais, nas culturas
capitalistas. Isto além de estagnar o desenvolvimento social, desperdiça
capacidades. Deve-se lembrar que o neoliberalismo mantém uma faixa da
população propositalmente desempregada, simplesmente ignorando as
potencialidades dessa massa. Isso faz-se, deve-se lembrar, para aumentar o lucro
privado (visto que a instancia privada é quem controla o mercado no mundo
neoliberal). Os cortes públicos com gastos sociais e as ações para beneficiar o setor
privado, no entanto, não são gratuitas: os governos acabam tendo que lançar
pacotes financeiros para auxiliar na vida desta população que não participa da
sociedade capitalista. No Brasil, apenas para citar alguns, existem vários programas
P á g i n a | 112

sociais governamentais, como o Bolsa Família, o Bolsa Escola e o Projovem. Estes


custos, lembra-se, servem tão-somente para manter esta desigualdade e
desumanidade: paga-se para manter o paradigma. Um gasto bastante polêmico.
Resume o MoMoMo: “É isto exatamente o que faz o sistema monetário capitalista:
acumula o dinheiro, deixando as comunidades sem o meio necessário para se
desenvolver”.

Como a lógica do mercado se embasa no mercado livre e globalizado e


no crédito2, grande parte do dinheiro do transita o mundo inteiro através das bolsas
de valores. “Com a introdução do cartão de crédito e as inovações hipotecárias
surgiu um círculo de crédito especulativo de grandes proporções. Neste, surgiu, em
torno do dinheiro e bens empresariais, uma grande variedade de títulos que podem
ser comercializados. Valores que são criados em mercados futuros e bolsas de
valores, são utilizados para transações cada vez mais volumosas. E assim elas
diminuem cada vez mais o papel do ouro no cofre dos bancos centrais”
(MoMoMo). O livro aponta, ainda, que “do dinheiro hoje em circulação somente 3%
são moedas e bilhetes emitidas por governos. O resto são formas virtuais de valores
aceitos como dinheiro”, e complementa: “No que diz respeito ao dinheiro, limitações
de tempo ou espaço fazem parte do passado!”

O MoMoMo foi um movimento que reuniu diversos atores a fim de


embasar teoricamente essa nova forma de fazer economia, denominada de
Economia Solidária, através de “novas moedas livres de juros e controladas pela
comunidade” (Magalhães e Neto Segundo). Através da desmistificação do dinheiro,
o homem aprende cada vez mais “como aplicar os segredos dos sistemas
monetários em benefício próprio e como realizar seu comércio em sistemas próprios,
independentes do dinheiro dos bancos”

Para manter crescente o ganho das empresas e este sistema ideológico e


econômico, os países capitalistas precisam gerar dinheiro. Esse dinheiro é dado
pelo crédito. Mas, como ele surge?

2
O crédito, como conceito, é um tipo de transação comercial em que um gasto, seja em investimento
ou consumo, é facilitado de imediato, enquanto o pagamento acontece depois de um determinado
tempo. Os fatores mais relevantes dessa transação são a confiança e o tempo a decorrer entre a
aquisição e a liquidação da dívida. (MoMoMo)
P á g i n a | 113

Ele surge, e ponto final. Os bancos centrais, responsáveis pela emissão


da moeda corrente oficial de cada país, repassam aos bancos privados a missão de
distribuir o dinheiro. Claro que, estes bancos privados, por estarem prestando um
serviço ao Estado, recebem por isso. O pagamento dá-se pelos juros: a cada
transação ou movimentação feita, cobram pelo serviço. Mas, somente isso não
garantiria seu crescimento: por isso eles emprestam dinheiro, e cobram juros,
exatamente como faziam os ourives da Itália. Os juros, para o MoMoMo, são uma
excelente maneira de gerar lucro sem trabalhar. Os bancos privados emprestam aos
seus “melhores clientes”, ou seja, para aqueles que investem maior quantidade de
dinheiro no banco, gigantescas cifras, utilizadas nos maiores e mais lucrativos
empreendimentos (como hidroelétricas, por exemplo), e, em cima disso, cobram
juros. Assim, para poder pagar o que devem aos bancos, as empresas privadas
precisarão de dinheiro: assim, o Estado vê-se obrigado a emitir mais notas. O
processo, assim, mantêm-se constante: aumenta-se o lucro, o Produto Interno Bruto
do país, mas o dinheiro mantêm-se concentrado na mão dos “melhores clientes” dos
bancos, nunca chegando à comunidade. Assim, sem crédito (visto que não se libera
crédito às pessoas que não têm uma renda mensal tal e lucros tais), o próprio
dinheiro torna-se motivo da limitação do bem-estar humano. Enfim, retrata o
MoMoMo: “Quanto mais créditos os bancos emprestam, tanto mais falta de dinheiro
eles criam. Desta forma cada vez mais e mais créditos são necessários, criando um
endividamento que cresce continuamente. É isso exatamente o que está
acontecendo hoje no mundo: um endividamento contínuo das pessoas, governos e
empresas, não só no mundo pobre, mas também no mundo rico”.

É preciso se atentar a esta ambiguidade do dinheiro: seu uso organiza a


sociedade, mas seu acumula desorganiza-a. Como Perkins denunciou em sua obra
já citada, através do sistema de empréstimo, do discurso neoliberal e da ciência
neoliberal, o mundo vê-se, hoje, em um ciclo vicioso. O Banco Mundial,
empreendimento privado com sede nos EUA, empresta dinheiro aos países
“subdesenvolvidos” a fim de que esses se desenvolvam. Mas, para isso, de acordo
com Perkins, precisam contratar empresas americanas: assim, todo o dinheiro
emprestado ao país, teoricamente nem sai dos EUA. O país que empresta nem vê o
dinheiro, que, simplesmente, é transferido às empresas que farão o trabalho de
P á g i n a | 114

“desenvolver” o país. Emprestam, de acordo com o autor, para que sejam feitas
hidroelétricas, estradas, estações de tratamento de água e uma infinidade de outras
coisas – o assassino econômico, função que Perkins exerceu por um tempo, tinha a
missão, além das já citadas, de sobre-avaliar as obras, aumentando a margem de
lucro das empresas. A denuncia que o autor faz é corroborada com o que denuncia
o MoMoMo: “hoje os pagamentos de juros estão escravizando populações e nações,
levando à exploração contínua de recursos naturais e humanos”. O Movimento ainda
alerta: “O fato de os países pobres estarem condenados eternamente a pagarem
juros intermináveis sobre dívidas velhas, obriga-os a competirem no mercado
mundial para obterem os dólares necessários para pagar estes juros. Desta forma
os juros são um método excelente dos países ricos de ficar com os excedentes dos
países pobres”. A retrospectiva que faz o MoMoMo demonstra bem isso: em 1980 a
dívida externa de todos os países do Terceiro Mundo era de 603 bilhões de dólares;
16 anos depois de implantado o neoliberalismo essa dívida externa dos países
pobres aumentou para 2 trilhões e 100 bilhões (em 1996). Curiosamente, o
investimento estrangeiro nesses mesmos países passou de 108 bilhões de dólares
em 1980 para 238 bilhões em 1996. O pagamento da dívida pública externa do
Terceiro Mundo representa uma despesa de aproximadamente 200 a 250 bilhões de
dólares.

“Nesse sentido, faz-se necessário nos darmos conta da falácia do crédito.


Primeiro, porque o valor de crédito está baseado no valor de mercado ao invés do
valor inerente que decorre do processo produtivo. É por isso que o crédito se
concentra em regiões com elevado valor de mercado, na qual grupos, pessoas ou
empresas conseguem dinheiro com facilidade; enquanto falta crédito para pessoas,
grupos ou empresas com boas ideias e com excelente capacidade técnico produtiva,
impossibilitando de fazer florescer uma atividade”. Outro reflexo negativo deste
fenômeno é que as pessoas da comunidade acabam tendo que gastar seu dinheiro
neste centros de elevado valor de mercado, levando para lá seu dinheiro e dando
lucro àquela região.

Utilizando crédito virtual e acreditando falsamente no discurso do


crescimento ilimitado, o sistema neoliberal apresenta uma observação alarmante em
relação à sua estabilidade: ela não existe! O sistema econômico neoliberal visa
P á g i n a | 115

simplesmente crescer, o que significa que se isso não acontecer, a economia está
em crise. Esta economia, portanto, jamais será estável. Isso porque, como disse o
MoMoMo, Uma economia baseada em juros tem só essas duas opções: crescimento
ou crise. E pior: “Numa crise prolongada, as perdidas não são só econômicas, mas
também a destruição, ou não-desenvolvimento, das estruturas sociais e de certos
aspetos da consciência humana. Esta é a atual situação da maioria das pessoas que
vivem nos países subdesenvolvidos no hemisfério Sul”. Enquanto cresce, cresce
com que lastro? A garantia que se dá ao valor deste crédito é a própria capacidade
de trabalho do homem.

Economia Solidária ensina a basear a economia em um sistema próprio


de meio de troca, com valores igualmente próprios. Ela se libera da dependência do
sistema financeiro e economiza, simultaneamente, o pagamento de juros. “É isto que
faz com que a Economia Solidária possa trabalhar de modo tão mais econômico e
que, somente com base nisso, ela já possa concorrer com o capitalismo!”. A ideia é
que, mesmo utilizando juros, ela os amortiza (utilizando taxas muito menores) e
distribui a renda em prol do desenvolvimento social. Por uma lógica intrínseca, pode-
se dizer que a economia neoliberal, carregada de seus valores neoliberais, gera,
claro, um Desenvolvimento Neoliberal; por sua vez, a Economia Solidária,
carregada de suas virtudes Solidárias, promove o Desenvolvimento Solidário,
baseado no aprimoramento do processo de consumo e produção internos –
dando a oportunidade para uma comunidade desenvolver-se em função de
suas próprias capacidades e características. Por isso, busca interligar o poder
aquisitivo de uma região com sua cadeia produtiva – pois, assim, mantêm não só
somente o lucro direto da venda na comunidade, mas, também, garante que aquele
dinheiro vai circular na comunidade, facilitar transações e gerar atividade econômica
localmente. No Mosaico da Economia Solidária há uma estratégia para fazer isso
acontecer: as moedas sociais. Esclarece o MoMoMo: “moedas Sociais, baseadas
nas próprias capacidades das comunidades e das empresas locais, são uma
resposta exatamente a estes problemas. Elas incluem todas capacidades, também
as dos pobres, e criam para todos a capacidade de se desenvolver. Ao mesmo
tempo, elas são baseadas na comunidade e circulam, no primeiro instante,
localmente”.
P á g i n a | 116

Este trabalho constatou que antes do surgimento desta metáfora


sociabilizadora, o dinheiro, a humanidade manteve-se distante da possibilidade de
existir solidamente: ela era autodestrutiva; competia com ela mesma. O dinheiro
criou um circuito de ligação entre todas as culturas do mundo, fazendo com que os
mais diferentes costumes de vida pudessem interagir pacificamente. O paradigma
que resistiu, porém, desde os tempos mais remotos, condiz na má interpretação da
função do dinheiro, levando a crer que esta ferramenta cultural metafórica
representa um fim: sabe-se que ele é um meio interação cultural que busca ser
justo (como dito: apenas o quantificável pode ser equivalido; e o só o que é igual
pode ser justo). O dinheiro, enfim, é uma ferramenta para a interação humana: sua
existência e sua ausência são criações nossa. É inegável que a humanidade esteve
fragmentada neste contexto dual, desde sempre: pobres e ricos. Uns com poder de
interagir e atuar na sociedade, e outros excluídos de muitas, se não todas,
atividades. “A pobreza é cada vez maior. Esta última é resultado de uma
distribuição de renda desigual e extremamente concentrada, consequência direta do
sistema monetário vigente que acelera esta distância entre pobres e ricos”.

Um mito do desenvolvimento neoliberal mostra-se em crise: para


desenvolver a economia interna é preciso aumentar o balanço de exportação, em
relação do de importação. Neste paradigma, a economia volta-se ao mercado
internacional – leva, assim, o dinheiro (as possibilidades de interação humana)
consigo. “Esta produção direcionada somente ao mercado mundial destrói a própria
economia local. A terra agrícola que é usada para produtos de exportação não pode
ser usada para alimentar sua própria população ou produtos agrícolas novos, que
poderiam ser a base da sua própria industrialização. O desenvolvimento econômico
local incorpora também a produção industrial à exportação”. Os grandes
empreendedores dominam o mercado: a cidade não possui vinte opções de
compras, mas uma só. Como o dinheiro fica somente circulando nas mãos de
poucos agentes, responsáveis pelas transações gigantescas espalhadas no mundo,
o fenômeno da concentração de renda acontece; surgem, como reflexo, os desertos
monetários. Estes são, portanto, o resultado do mau uso e entendimento do dinheiro
como um meio de interação pacifico, entendendo-o como um fim para qualquer ação
que seja. Deve-se garantir que ele volte a circular e, conseguintemente, volte a
P á g i n a | 117

criar oportunidades para o desenvolvimento humano; para o progresso da


humanidade. Sabe-se que a situação monetária reflete, atualmente, que a condição
humana está ruim; mas se está ruim com o dinheiro, pior estava antes, sem ele.

A história mostra que o dinheiro deve ser repensado. A economia


solidária mostra-se como uma resposta a isso. O paradigma neoliberal é claro e
contrário ao Progresso Humano:

“O resultado líquido é o fato que o que um ganha a


mais, o outro ganha a menos, o que sobra para um, falta para o
outro. Algum país pode se beneficiar disto mas, por definição,
nunca todos os países. Desta forma, a pobreza global não pode ser
resolvida. Um determinado país pode deter o domínio da produção
de determinado produto dentro do mercado global, mas isto não
quer dizer que esteja resolvendo seus desajustes sociais e tenha
domínio em outros setores produtivos”.

Acabar com a pobreza é acabar com um pedaço de uma cultura que


criamos; a cultura de homens diferenciados por um pedaço de papel ou um metal
reluzente; a cultura que nos divide, que fragmenta a humanidade; a cultura dos
homens ricos e homens pobres, que não se veem simplesmente como homens; que
são racionais o suficiente para excluir um ser humano da humanidade pela falta de
um papel...

Afirma categoricamente, o Momomo:

“Existiram moedas respaldadas por governadores, por


empresas, por mosteiros e até por bordéis. Existiram moedas
respaldadas por ouro, mas também por trigo. Existiram moedas
emitidas por poderes políticos, mas também por poderes religiosos,
ou até por indivíduos. Neste desenvolvimento do dinheiro existiram
diferentes momentos em que uma sociedade decidiu re-
conceitualizar o dinheiro para mudar seus efeitos econômicos,
sociais e culturais.”

Reconceituar o dinheiro é romper os laços com o paradigma atual. Em


contrato assinado há alguns anos com o presidente da Venezuela, Hugo Chavez, o
Banco Palmas instaurou-se como propagador da tecnologia dos Bancos
Comunitários no país. Com a tecnologia, o apoio da esfera nacional, a criação de
P á g i n a | 118

leis e incentivos fiscais, o país instalou nada mais nada menos que 3600 Bancos
Comunitários, dando ao povo a autonomia sobre suas finanças. O dinheiro deve ser
revisto como mero instrumento cultural de inter-relação. Ele é o meio da
sociabilização, e não o fim. Sem este instrumento, sem desenvolvimento.

A Democracia Econômica está acontecendo lentamente. No Brasil,


atualmente existem 52 bancos comunitário operando sob a ótica da economia
solidária. Para garantir a circulação do dinheiro na comunidade, utilizam a técnica do
circulante local; para criar a independência do sistema financeiro neoliberal,
emprestam reais. Estes reais são emprestados aos empreendedores que
necessitem comprar, montar ou reformar seu empreendimento. Ao fazê-lo, o
empreendedor deve pagar o empréstimo em circulante local – o que o faz aceitar a
moeda. Assim, a comunidade deve escolher a quem e porque emprestar o dinheiro;
a economia mantém sua lógica de lucro, mas cresce em função da própria
comunidade; com a comunidade. Esta lógica, que surgiu do aprendizado capitalista
ao trabalhar em redes, permite planejar a economia solidariamente. Assim, não é
necessário criarmos, com urgência, mercados concorrentes: eles devem ser
complementares, para garantir a variedade de possibilidades de consumo, e,
conseguintemente, de manter a moeda no local. “Por isso, são incluídos nas redes
mecanismos pelos quais os membros podem decidir, em conjunto, quais as pessoas
mais indicadas para aprofundar uma especialização ou se especializar em outra
área, uma que seja mais apropriada para ele/ela e, ao mesmo tempo, proporcione à
rede, como um todo, uma perspectiva de produção adicional”.

Se as pessoas tencionam o progresso, elas devem “investir seus próprios


valores a favor de seu próprio desenvolvimento”. Isto pode ser feito criando-se os
próprios créditos, garantidos com os próprios valores - os mesmos valores que até
agora tem sido gastos à toa com os bancos. O MoMoMo denuncia um fato curioso:

“Mervin King, o segundo homem no comando do


Banco da Inglaterra,(...) diz que a função de troca com dinheiro será
cada vez menos utilizada. O dinheiro garantido por Estados e
bancos terá que concorrer, cada vez mais, com outras formas de
compensação e garantias de valores. Assim, o mundo tornar-se-á,
novamente, uma economia de troca, profetizou King: „Futuramente,
nada impedirá que dois indivíduos realizem uma transação por meio
duma transferência de valores de uma conta virtual para outra.
P á g i n a | 119

Assim que os acordos estiverem claros e os computadores tiverem


potência suficiente, uma instituição privatizada poderá assumir o
controle do trânsito do dinheiro que hoje é feito pelo Banco Central‟,
afirma King. Sem esta função, o Banco Central deixa de existir na
sua forma atual, e o dinheiro também.”

O pós-guerra e a economia do bem-estar tiveram um ícone econômico:


Keynes. À Economia Solidária, a economia keynisiana “parte do princípio do
interesse de comunidades saudáveis e independentes se relacionarem como e
quando eles quiserem, tal como foi utilizado como ponto de partida por Keynes na
sua proposta de Bancor na conferencia de Bretton Woods”. Pouco antes da
economia neoliberal se instaurar, e de ocorrer a crise do petróleo, já mencionada
aqui, o economista fez uma proposta de desenvolvimento econômico que
privilegiava o desenvolvimento social. Seria criado um banco internacional que
emprestaria dinheiro aqueles países que não conseguissem taxas de crescimento
tal; este dinheiro viria de um tributo que seria cobrado daqueles países que
ganhavam a mais. Todo o arcabouço teórico foi mercantilizado, e tornou-se o Banco
Mundial: emprestando a juros altos para países reproduzirem e colaborarem com o
neoliberalismo.

O homem aprendeu com sua própria criação. Hoje, conhece e se dedica


muito mais à arte da economia monetária: desmistifica-a. “A Economia Solidária
ensina, cada vez mais, como aplicar os segredos dos sistemas monetários em
benefício próprio e como realizar seu comércio em sistemas próprios, independentes
do dinheiro dos bancos”. Mas acontece que “muitos ainda não conseguem ver que
isto é realmente possível. Por isso precisamos quebrar nossos dogmas e
paradigmas”.

Justificativa.

Embasados na teoria sintetizada dos livros e artigos aqui citados, na


vivência de 22 dias no Conjunto Palmeira (vide capítulo sobre) e nas experiências
aprendidas no decorrer do Curso de Gestão Ambiental, este ensaio confabula sobre
como aplicar a Economia Solidária em um município onde não existe ainda um
senso de organização civil antigo, estável, ativo e divulgado; em um estado onde a
tecnologia dos Bancos Comunitários ainda não existe solidamente; em um país onde
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não existe uma lei específica sobre o assunto; em um mundo neoliberal. Do mosaico
da economia solidária, foram escolhidas as ferramentas que poderiam ser
desenvolvidas em Matinhos, a fim de:

a) Fazer a população local se apropriar dos saberes produzidos e existentes na


Universidade;

b) Diminuir o espaço entre a ciência e a realidade, através da Implantação de


um Fórum Socioeconômico Local (FECOL), a ocorrer como uma oficina do
ICH;

c) Organizar e incluir no processo educativo demais dependências e


funcionalidades da Universidade, que não as salas de aula, com seus
professores e alunos – ampliar a concepção do que são as Interações
Culturais e Humanísticas.

d) Introduzir, com a entidade denominada FIDES, a discussão sobre Economia


Neoliberal e Economia Solidária, através das metodologias:

e) Economia de Redes Solidárias;

 Circulante Local;

 Logística Reversa;

 Juros Invertidos;

 Fórum Socioeconômico Local;

 Ecodesenvolvimento.

 Pedagogia Libertadora

Para maior clareza sobre as funcionalidades do FIDES, esclarecer-se-á,


agora, cada um dos termos expostos no item 4, acima.

Economia Solidária

Em uma rede solidária que opera sob a lógica do paradigma da


abundância, “quanto mais se reparte a riqueza, mais a riqueza dos participantes
P á g i n a | 121

aumenta”. O objetivo aqui é intermediar conhecimento. Como o lastro dos Pacos é


ilimitado, pode-se operar indeterminadamente esta metáfora virtual. A garantia do
circulante é dada pelas funções do FIDES, que estão interligadas às funções já
existentes normalmente na Universidade: Oficinas de ICH com certificado,
ministrados por alunos; Sala de Computadores; Biblioteca; grupo de capoeira; feira
de trocas. Assim, nenhum destes sistemas seria desestruturado; apenas
reorganizado, sob uma nova lógica.

A Universidade, como referencia em produção e disseminação do


conhecimento, não pode ser subutilizada, a ponto de não realizar o intercambio
cultural entre as pessoas. A inserção de uma economia não valorativa pelo FIDES
tenciona colocar em pauta os questionamentos econômicos, a Economia solidária
como alternativa de desenvolvimento, o fortalecimento do mercado e das redes
culturais locais e, principalmente, uma maior relação entre a realidade (população
matinhense extra universidade) e teoria (aprendizados intra universidade).

Os participantes desta Rede buscarão, cada qual, suas vantagens


específicas, e atuarão nela conforme necessitarem e possuírem Pacos. São eles:
pessoas da comunidade extra Universidade que têm interesse em ter acesso à
Biblioteca da Universidade, à Sala de Computadores ou alguma oficina do ICH
específica (aquelas que aceitarem participar da Rede); ou pessoas da comunidade
interna e externa que busquem uma qualificação profissional em uma oficina, que
certifique os participantes como um Projeto de Extensão.

O FIDES opera como finalizador da cadeia produtiva de Pacos. Os pacos


são gerados intra Universidade (participação no FECOL, visita às dependências da
Universidade ou ao FIDES), e extra também (comércio local cadastrado, feira de
agricultores da Quarta-feira, logística reversa, visita a UC‟s) – mas todos são
eliminados quando consumidos necessariamente na rede, a fim de atingir os
interesses próprios.

Sublimemente a isso, está a lógica educativa e pedagógica, embasada na


autonomia do conhecimento, de Paulo Freire. As pessoas deixam de ser anônimas à
Universidade e passam a ser atores dentro da rotina acadêmica; e o conhecimento
passa a circular e integrar a Universidade. Sabe-se que atualmente a Universidade
P á g i n a | 122

Federal do Paraná – Litoral, localizada em Matinhos, possui um PPP revolucionário,


pois busca encurtar a distância pedagógica que se criou, entre teoria e prática.
Atenta à autonomia do aprendizado, esta universidade buscou dar aos educandos a
possibilidade de, no último ano do aprendizado de alguns cursos de graduação,
Propor e Agir; mas, como a cidade não oferta empregos ou estágios na área,
tampouco a universidade, os alunos evadem, neste ano, da cidade – propõem e
agem fora da Universidade, fora de Matinhos.

Numa lógica prática, a cidade torna-se dependente da Universidade. Por


três anos e meio, os alunos estudam na cidade; e na fase em que aplicariam seus
conhecimentos nela, vão para outras cidades. Os motivos que os levam a fazer isso
são vários, e não se arrisca, aqui, enumerá-los. Mas, certamente, não faltam
incentivos para mantê-los aqui.

A cada novo ciclo, novas pessoas; novas ideias; novas capacidades


produtivas e consumidoras. Sem essas pessoas, no entanto, sem estes ciclos, a
cidade não manteria a mesma dinâmica – além disso, Matinhos não aprende tudo
com os educandos, e os educandos não aprendem tudo que podiam com a cidade.
Há uma subutilização das capacidades humanas, aqui. Há, enfim, desperdício de
capital social.

É muito mais valioso, tanto para a comunidade acadêmica, quanto para a


comunidade matinhense, que aqueles alunos que estão na fase de Propor e Agir, o
façam na cidade. A cidade se apodera do conhecimento; a universidade dissemina
conhecimento; o aluno tem contato com a realidade. É preciso que esses atores,
portanto, interajam em rede, tendo o conhecimento como lastro e garantia de suas
ações.

Os Pacos são como o dinheiro: uma metáfora. Não interessa, na verdade,


quantos pacos a pessoa tem, e o que fará na Universidade. Lembra-se que os
Pacos não têm lastro, nem são indexados a nada. As pessoas ganham os Pacos,
que representam o Acesso aos Bens Públicos. Ou seja: sequer a Universidade
impede alguém de utilizar seus bens, apenas organiza este uso.
P á g i n a | 123

As redes, na verdade, cumprem esta missão: estabilizam a confiança em


um circulo fechado de usuários. Em uma rede, quanto mais forem internalizados as
soluções, menores serão os índices de problemas. Assim, a tendência das redes,
em se tratando de redes econômicas, é possuir um numero tal de associados
que, internamente, todos tenham interesse em participar. Não se deve participar
à rede por obrigação ou pena: deve-se querer participar. Em Redes que mantém
estas características, ciclos fechados e interesses mútuos, descobriu-se o tendão de
Aquiles deste Sistema Neoliberal. O MoMoMo define a metodologia:

“Na Economia Solidária, uma rede é, na verdade, um


pacto entre os participantes livres, às vezes indivíduos, às vezes
cooperativas, empresas e consumidores. Sua colaboração não é
imposta pela propriedade, mas é conseqüência de sua livre
escolha. Dentro da economia de redes cada participante é
independente e autônomo. Estamos falando, portanto, de empresas
e consumidores independentes, organizações e indivíduos que
tomam decisões independentes acerca de seus objetivos, seus
métodos e seus recursos, com todas as vantagens disso. Ao
mesmo tempo, há um nível de comunicação e sintonia mútuos, que
torna a rede mais eficiente do que um mercado com concorrência
plena”.

Um dos primeiros casos bem sucedidos foi o da Rede Mundial da


Argentina, que funcionou com 1.500.000 pessoas. Eram negociados de tudo:
alimentos, remédios, móveis, carros... tudo. Como a moeda nacional estava
desvalorizada, era muito mais vantajoso manter a economia via redes, com uma
moeda alternativa. Cita-se, como exemplo, o Argent Atwood, sistema alternativo que
funciona em 29 países com um sistema de trocas alternativo, via circulante local. A
rede possui 300 empresas de grande porte participando, sendo que dessas, 100
estão na lista das 500 maiores empresas do mundo, como Nestlé, Ford, Scania e
Philip Morris. No FIDES, as trocas serão de conhecimento: quer-se a máxima do
aprendizado. Que um ser humano eduque e ensine o outro concomitantemente, num
processo infindável e ilimitado, em questão de tempo e espaço.

Em um modelo representativo, demonstra-se o que acontece hoje com o


município:
P á g i n a | 124

Em um primeiro momento (1), as pessoas vêm para Matinhos, buscando


a Universidade. Trazem consigo, em maior ou menor grau, suas capacidades
culturais e financeiras – que os permitem interagir na cidade. Assim, enquanto
aquele aluno estiver na Universidade, atuará com sua cultura e suas finanças em
Matinhos (2 e 3). Na fase Propor e Agir, ou então após esta fase, os alunos evadem
a Universidade, levando sua cultura e seu dinheiro consigo. O que fica para
Matinhos?

A dependência. Matinhos torna-se dependente das capacidades da


Universidade – que, de fato, são importantes. Mas as capacidades da cidade, assim,
estão sendo subutilizadas. Não se está ensinando a cidade a andar sozinha, mas a
imitar a caminhada acadêmica. Tanto um, o dinheiro, quanto o outro, o
conhecimento, são necessários à cidade para manter-se autônoma. No entanto, é
papel fundamental da universidade salvaguardar a propagação do conhecimento de
maneira ótima. Assim, deixando que essa etapa evada da cidade, deixa-se que
aconteça com o conhecimento o mesmo que acontece com o dinheiro: flua em
P á g i n a | 125

direção aos centros. Destarte, pode-se afirmar que se a ausência do dinheiro


gera os Desertos Monetários, a ausência do conhecimento gera uma espécie
de Deserto Intelectual, onde novos paradigmas não são criados, apenas
absorvidos.

De duas maneiras vê-se um ranço neoliberal nestes eventos contados. O


primeiro condiz com a Pedagogia Liberal, já citada neste ensaio. Simplesmente
aplicando seus projetos com o intuito de produzir mais teoria acadêmica, por mando
dos currículos, a UFPR reproduz a educação bancária: chega com seus cientistas,
aponta as verdades cientificas, desmente as populares, emite um currículo e vai
embora. De fato, isto não é interessante – não há o intercambio de cultura. A
Universidade suga a informação que deseja para usá-la para si mesma, pura e
simplesmente. E aí, acontece outro paradoxo: para evitar isso, a UFPR criou a fase
Propor e Agir. Mas, sem estágios e empregos, os alunos evadem a cidade: e vão
propor e agir no mercado convencional, na maioria das vezes. Vão, enfim, reproduzir
o sistema neoliberal.

O tiro sai pela culatra.

Deve-se criar uma oportunidade de propor e agir em Matinhos, de uma


maneira que não a convencional. A Rede de Mercado é uma forte concorrente à
solução. Aqui, os participantes estão previamente cientes das regras de como
participar, e participam, cada qual, com seu interesse específico, mas que, no fim
das contas, prevalece a um interesse maior, que é o objetivo da rede.

O objetivo do FIDES é manter um pouco da cultura gerada pelos alunos


na cidade. Quer se evitar que aconteça com o conhecimento, o mesmo que
naturalmente acontece com o dinheiro – migra para os centros. O conhecimento
deve permanecer na cidade: e para isso, o aluno deve poder Propor e Agir nela.

Os alunos desta última fase devem sentir a necessidade de participar da


rede; devem ver algum valor nisso. Portanto, deve-se analisar a situação: aplicar o
conhecimento em Matinhos é mais valoroso para todos que aplicá-lo fora da cidade.
Destarte, para ser interessante para o aluno, isto deve ser vantajoso para seu
currículo, mesmo que ele não receba dinheiro algum para aplicar este conhecimento
P á g i n a | 126

– a rede FIDES, lembra-se, não trabalha, por ora, com questões monetárias
lastreadas em reais. A vantagem deve aparecer de outra maneira. Se o aluno puder
Interagir com sua Cultura acadêmica e Humana diretamente com os moradores da
cidade extra-universidade, então estará ensinando parte de seus conhecimentos
à base de Matinhos: parte da cultura que aquele aluno aprendeu na
universidade, ficará na cidade. Indiferente à quantidade, ganha-se em qualidade.
Portanto, visando a qualidade da educação (processo que permeia todas as fases
da vida, não limitado às regências universitárias, que acontece espontaneamente
durante as interações humanas e que se herda de maneira concomitante), pode-se
incentivar que se aplique este conhecimento em Matinhos, simplesmente
dando uma vantagem quanto a carga horária. Não se trata de diminuí-la,
simplesmente. Explica-se: o aluno poderia aplicar uma oficina com um número
mínimo de participantes da comunidade matinhense e acadêmica, e estas horas
poderiam ser contabilizadas como horas curriculares da fase Propor e Agir. Como
esta oficina demanda tempo para ser feita, o aluno teria desconto nas horas
curriculares. Assim, ao invés de fazer 200 horas nesta ultima fase, o aluno
prestaria 170 horas de oficinas à comunidade – pois, das 200 horas, 30 o aluno
utilizaria para preparar o material.

Desta maneira, o aluno vê vantagem em participar do FIDES – e o FIDES


quer que o aluno participe, pois ele precisa deixar seu conhecimento para a cidade.
O caso pode se tornar ainda mais interessante: basta que a Rede seja autorizada e
auxiliada pelo corpo decente a emitir certificados timbrados pela UFPR. Esta atitude
daria crédito à Rede, além de ser interessante ao oficineiro e seus participantes.

A comunidade participa das oficinas atrás dos pacos, ou atrás da


informação cedida pela Oficina – como, por exemplo, se ela emitir certificado e este
for de interesse da comunidade. O ideal é que todas as oficinas do ICH
participassem da rede e fossem emissoras de pacos. As oficinas, no entanto,
elaboradas pelos alunos da ultima fase, deveriam cobrar pacos na inscrição.
Lembra-se, novamente, que os pacos são gratuitos.

De qualquer maneira, haverá uma oficina fixa, que pretende ser um


modelo de discussão social sobre ciência e realidade, economia, humanidade e
P á g i n a | 127

progresso humano, que sempre ofertará circulantes local: trata-se do FECOL (ver
item).

A Universidade, enfim, participa da rede porque vê vantagem em atrair e


interagir com a comunidade local, em organizar seus espaços de trabalho, em deixar
parte de seu conhecimento na cidade, contribuindo com sua autonomia cultural e
financeira desta (ver capítulo FIDES, sobre capital social). Porque vê vantagem em
contribuir com a autonomia do aluno, com pensamento holístico (que compreende
teoria e realidade empírica), com o Ecodesenvolvimento (ações locais, pensamentos
locais). Porque esta Universidade não é uma mera reprodutora de conhecimentos: é
uma rompedora de paradigmas...

O mercado, enfim, só é reacionário pois nós o fazemos assim...

Circulante Local

Uma moeda que não visa acumular poder, dividir pessoas, eliminar
alguém. Uma moeda que finde simplesmente pacificar, disseminar. Assim é definida
a etimologia da palavra latina Paco: pacificar, vencer, domar, cultivar, fertilizar – e
estes são os princípios deste circulante local, a funcionar na rede FIDES. Os Pacos
tem como única função servir intermédio de troca cultural. Como os participantes
estão dentro de uma rede, este símbolo só tem valor inserido nela. E como dentro
da rede operam as lógicas da rede, comercializa-se apenas aquilo que se quer
comercializar.

O lastro é a confiança que as pessoas têm em aceitar o circulante local:


ele é baseado nas funções já exercidas pela Universidade, que podem ser
garantidas como meio de troca infindável. Afinal, sem o circulante essas atividades
já existiriam, normalmente. O uso do circulante tem a única função de reaver as
atuais concepções do que é uma Interação Cultural e Humanística, visando fugir
completamente da lógica disciplinar e acadêmica convencional. Como o lastro é
ilimitado, o acesso às trocas mútuas também é ilimitado: e este “é um dos pilares
para uma estrutura social e qualidade e volume de produção”.

O acesso à Biblioteca e à Internet será cobrado em Pacos à Comunidade


Externa. Isso dará à Universidade acesso ao conhecimento sobre quem são seus
P á g i n a | 128

usuários externos, onde moram e quantos anos têm – e tem a certeza de que estes
participaram de alguma maneira da rotina da Universidade, que não só no vinculo
utilitarista. Para conseguir os Pacos, a comunidade deve:

a) Incentivar o comércio local (Ecodesenvolvimento e Economia Solidária):


comprar produtos cadastrados na rede.
b) Reciclar: trazer à universidade material reciclável para ser doado.
c) Freqüentar uma UC e registrar o momento.
d) Assinar a lista de Freqüência do FIDES.
e) Participar do FECOL
f) Participar das oficinas do ICH cadastradas.
g) Visitar instalações da Universidade Cadastradas (laboratórios, acervos,
projetos e etc)
h) Fazer um empréstimo de Pacos.

Os empréstimos podem travar uma pessoa do acesso aos bens – mas a


pessoa sempre poderá renegociar a divida. O pagamento se dará da mesma forma
que se consegue os pacos.

Para o FIDES, finaliza-se, o objetivo em utilizar o circulante local condiz


com a lógica utilizada pelas redes: “sua mais importante lição (circulante local): a
compensação do comércio mútuo em unidades próprias dentro de uma
estrutura própria”.

Logística Reversa

A logística reversa finda reintroduzir no sistema de consumo aqueles bens


que foram descartados. A falta de conhecimento sobre o assunto faz com que
muitas pessoas não valorizem uma matéria-prima depois de usada – culpa de um
pensamento linear, que vê o uso como o fim. Na verdade, neste mundo nada se cria,
nada se perde: tudo se transforma. Visto isto, deve-se maximizar o uso das
matérias-primas, indiferente se ela já foi ou não usada.

Certo de tornar-se uma sobra de consumo, a embalagem descartável, por


exemplo, constitui uma comodidade para consumidores e fabricantes, porém esse
hábito pelo descartável gera transtornos que podem ser resumidos em altos custos
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sociais e ambientais do gerenciamento de resíduos, questões como o saneamento


público e a contaminação, a escassez de área de deposição de resíduos causada
pela ocupação e a valorização de áreas urbanas.

A descartabilidade de um produto é que dá início ao processo de


logística reversa. “O foco de atuação da logística reversa envolve a reintrodução
dos produtos ou materiais à cadeia através do ciclo produtivo” Leite (2003). Dentre
várias definições encontradas, o autor define bem o termo como sendo:

“a área da logística empresarial que planeja, opera e


controla o fluxo e as informações logísticas correspondentes, do
retorno dos bens de pós venda e de pós consumo ao ciclo de
negócios ou ao ciclo produtivo por meio dos canais de distribuição
reversos, agregando-lhes valor de diversas naturezas: econômico,
ecológico, legal, logístico, de imagem corporativa, entre outros.”

A logística reversa busca agregar valor econômico aos produtos de


pós-consumo.

Uma maneira de fazer isso é compensar os usuários que tomarem esta


atitude: a lógica foge da obrigação, e torna-se um hábito interessante. Sendo assim,
a logística reversa busca agregar valor econômico, legal e ecológico aos produtos
de pós-consumo.

Os pacos subsidiarão esta prática. A cada material reciclável trazido, será


“comprado” pelo FIDES com Pacos. Ao final de cada semana, este material será
doado à interessados (o ideal é doar a uma Associação, mas deve haver um
interesse desta em fazer isso).

Juros Invertido

No FIDES, para fugir da lógica cientifica e para popularizar esta


ferramenta, chamar-se-á de Juros Consciente. O nome justifica-se: o circulante
local serve, oras, para circular, e movimentar uma economia/cultura. Assim,
acumulá-lo é tirar sua lógica intrínseca: é reproduzir a lógica neoliberal. Mesmo
sendo uma economia não valorativa, aqui, deve-se lembrar que a missão é educar
sob a ótica econômica solidária – e, assim, não se deve incentivar qualquer prática
que desvirtue isso. Sabendo desta premissa sobre o circulante, os usuários têm
P á g i n a | 130

ciência de que não podem acumulá-lo; se acumulam, conscientemente geram Juros


negativos em seu saldo, perdendo parte de seus Pacos. Desta maneira, não tem
sentindo alguém tentar acumular os Pacos: eles são sempre gastos e gerados
conforme a necessidade.

A ideia não é nova. Na década de 30, durante a grande recessão mundial,


o município Austríaco de Wörl utilizou a iniciativa, conjuntamente com a lógica do
circulante local. Colocou no mercado 30 mil Wörgl-schilling, uma moeda que corria
localmente concomitantemente à moeda nacional, o schilling. A confiança que as
pessoas tinham para aceitar este circulante local, era dada pela própria prefeitura,
que aceitava os Wörgl-schilling normalmente em seus pagamentos. O circulante
podia ser trocado pela moeda corrente, mas com o pagamento de uma taxa – não
incentivando, assim, a troca. Da mesma forma, para evitar que ela fosse acumulada,
o governo taxou juros invertidos naquelas moedas que circulavam há mais de uma
semana, desvalorizando-a. Para impedir isso, o usuário deveria colar um selo na
parte de trás da moeda, que custava 1% do seu valor nominal. Como não tenciona
pagar e como não aceitava ver a moeda desvalorizar, valia mais a pena passá-la
para frente – dando maior oxigenação ao mercado e, conseguintemente, servindo de
intermédio cultural.

Há muitos outros exemplos desse fenômeno anticapitalista moderno: o


caso do Banco Palmas no Brasil é o mais famoso. Mas além dele, há ainda a
história de outros 52 bancos comunitários no Brasil, que possuem lógica, valores e
moedas próprias. Há ainda a Bartel, dos EUA, gigante de rede que movimenta
milhões de dólares em produtos por ano, mas não mexe em seu fundo monetário –
tudo se dá pela lógica das redes.

Assim, usa-se o que capitalismo aprendeu a fazer de melhor: o


intercambio cultural através da quantificação do trabalho. E, através da lógica
solidária, ignora-se a lógica estúpida de acumulação de capitais, dada atualmente
pelo neoliberalismo.
P á g i n a | 131

Fórum Socioeconômico Local - FECOL

A ideia vem de Fortaleza, Ceará, e é aplicada pela ASMOCONP e pelo


Banco Palmas no Conjunto Palmeira. “Se eu tivesse que escolher entre destruir uma
escola, um posto de saúde e a associação de moradores”, contou-nos Joaquim, “eu
destruiria primeiro o posto de saúde, depois a escola, e deixava a Associação; a
ordem não importa: eu deixava a associação. Porque, o que é que acontece: se a
escola quebra ou o posto quebra uma vez, e a comunidade não tá organizada, estes
vão continuar quebrados; mas com a comunidade articulada, ela corre atrás de suas
necessidades: busca ter e concertar o posto de saúde e a escola”. Com um povo
mobilizado e atuante, pode-se conseguir muitas coisas.

O que se tem de mais organizado, estável e próximo às premissas do


Ecodesenvolvimento em Matinhos é a UFPR Litoral – e, por isso, e por sua
metodologia inovadora, este espaço poderia ser utilizado publicamente para este
fim. A estrutura e a organização institucional podem ser utilizadas para fortalecer as
associações comunitárias como também a criação de novas, o que é primordial para
a criação de um Banco Comunitário. O Palmas adverte em relação às cidades que
não dispõem ainda disto: “Nestes casos, o processo de criação do Banco
Comunitário é mais lento, aja visto que a comunidade precisa se organizar
primeiramente”.

No Banco Palmas, a ideia do FECOL surgiu espontaneamente, com o


nome de Fórum Econômico Local. A ASMOCONP mantinha suas reuniões da
associação de moradores em um dia, para discutir os problemas sociais; e, em um
dia à parte, os comerciantes se reuniam, com a premissa de discutir a questão
econômica do bairro. Com o tempo, porém, a comunidade percebeu que as
questões referentes aos problemas sociais muitas vezes confundiam-se com as
questões econômicas; e vice-versa. O resultado foi que a comunidade entendeu a
interdisciplinaridade na prática: não tem como discutir uma sem relacionar a outra.
As disciplinas, então, passaram a ser discutidas em um único dia, por todos os
moradores.

O FECOL, para o Palmas, é a ferramenta de interação com a


comunidade. É onde se prestam contas acerca os investimentos do Banco e da
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Associação. Participam dele produtores, comerciantes, prestadores de serviço,


representantes de organizações comunitárias e instituições publicas. Enfim: os seres
humanos. A premissa deste fórum é “discutir todas as questões econômicas e
sociais”. No Palmas o FECOL tem a missão de manter a organização civil
organizada; em Matinhos, sua função é de ponto de partida para uma organização.

Este espaço será atrativo à comunidade pelos Pacos. A comunidade vem


com esta intenção, primeiramente. Neste espaço, porém, acontece a Integração
Humana, como sempre aconteceu às quartas-feiras, na UFPR. As pautas aqui serão
relacionadas à Economia Solidária, com citações e exemplificações por parte dos
proponentes. A metodologia a ser aplicada condiz com a “Roda-de-conversa”
(COELHO), onde todos os participantes são tentados a se pronunciar.

É interessante que este espaço seja livre para que ajam apresentações
culturais locais, bem como participantes convidados (tanto da comunidade interna
quanto da comunidade interna). O ideal é que siga os moldes do FECOL de
Fortaleza e, assim, se mantenha on-line um site contendo as atas de cada reunião.
Após um determinado numero de reuniões, com os temas propostos já discutidos (o
ideal é que as pautas para cada reunião surjam dos participantes), o ideal seria a
elaboração de uma carta síntese, sobre as conclusões e possibilidades do município
– elaborada, claro, participativamente. Esta documento poderia ser entregue para a
Prefeitura. O ideal, no entanto, seria que a prefeitura viesse até a comunidade e a
Universidade, participando e sanando as duvidas da comunidade acadêmica e
matinhense acerca a condição socioeconômica do município.

Como funciona exata e perfeitamente como um ICH, não se precisa


argumentar sobre esta funcionalidade: o FECOL deve servir como uma oficina do
ICH, em questão de carga horária. A ideia é algo bem parecido com as ICHs
coletivas: mas com pautas certas, apresentações culturais e voltado à discutir a
realidade socioeconômica (ou seja: visando estimular os moradores a serem donos
de seus destinos e de seu dinheiro!). Por isso, o FECOL. Tal qual em Fortaleza, em
Matinhos ele terá a função de “promover a educação financeira para os moradores
em geral, considerando os valores e princípios da economia solidária; refletir,
promover e lutar por ações que promovam o desenvolvimento econômico, no
P á g i n a | 133

sentindo de gerar oportunidades de trabalho e renda para a comunidade,


promovendo o desenvolvimento integral, ecológico e sustentável; buscar diversas
formas de apoio a produtoras e produtores, comerciantes, prestadores de serviço e
às diversas práticas de consumo ético e solidário, inclusive no acesso a novas
tecnologias; estabelecer cooperação com universidades e outras instituições
no sentido de qualificar o debate e fortalecer as ações de mobilização e luta do
FECOL”. Quanto a este ultimo, Matinhos demonstra ligeira vantagem sobre a
experiência cearense: o FIDES, se implantado, já é parte integrante da universidade,
facilitando, e muito, o acesso à tecnologias e conhecimentos.

O FECOL precisa ter o mínimo de estrutura. Basta que seja encarado


como um espaço de reflexão, proposição e atitude, coletivo e democrático. Através
da reunião e da interação das mais diversas culturas, cientificas e populares,
espera-se alcançar maturidade critica o suficiente para romper os paradigmas com o
neoliberalismo, promovendo o desenvolvimento social solidário. O FECOL, claro,
não é um fim: ele não garante o desenvolvimento. Ele é um meio: relaciona pessoas
e conhecimentos, a fim de que a autonomia da comunidade seja despertada. “O
FECOL tem como propósito ser esse espaço legitimo para discutir os aspectos
relacionados ao desenvolvimento da economia (...) será pautado pelos valores da
colaboração e cooperação, em sintonia com os princípios e valores da economia
solidaria que coloca o ser humano como centro da ação econômica”.

O FECOL não diminui a importância de outros temas, já discutidos nas


oficinas da ICH e existentes na realidade. Mas, ainda assim, prioriza a discussão
sobre a economia, visto que “alheia à nossa vontade, sem percebermos, a economia
age diariamente em nossas vidas, em nossas casas, em nossa comunidade”.
Entendê-la; refleti-la; criticá-la e, finalmente, melhorá-la.

Ecodesenvolvimento

Refuta-se a hipótese de utilizar o jargão Sustentabilidade, por motivos de


conceito. A sustentabilidade engloba o conceito de mercado neoliberal, o que ajuda
a reproduzir o paradigma dominante (baseado no lucro acima de tudo). A grande
prova disto, está nas empresas que possuem selo de certificação ambiental, a ver
com sustentabilidade. A saber: Petrobras, Votorantin, Aracruz e Eternit, são alguns
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exemplos de empresas sustentáveis de nosso século. As duas primeiras e a última


têm uma matriz de produção baseada em um recurso não-renovável; a Aracruz
dissemina árvores exóticas pelo país; todas centralizam riqueza e contribuem para a
criação dos desertos monetários – ainda assim, são sustentáveis, mesmo não
agindo às premissas do Ecodesenvolvimento. Quer-se, aqui, a essência deste
conceito.

Sachs propunha um desenvolvimento socioeconômico que fosse baseado


na abordagem interdisciplinar, em se tratando principalmente da sociologia,
antropologia, economia e ecologia. A ideia vai contra ao crescimento linear e
ilimitado do capitalismo selvagem, bem como não se apresenta como um
“ecologismo abusivo”. O socioeconomista propunha um modelo de desenvolvimento
que a longo prazo modificaria suas bases culturais, passando a minimizar a
“dilapidação dos recursos não-renováveis e reorientar o aproveitamento dos
renováveis”. Salamoni afirma que “assim, pode-se garantir um desenvolvimento
econômico cujo produto terá uma utilização social equitativa, aliada a uma
preocupação ecologicamente consciente e sustentável”. A autora resume as
prioridades do Ecodesenvolvimento segundo Sachs:

a) Satisfação das necessidades básicas


b) Solidariedade com as gerações futuras
c) Participação da população evoluída
d) Preservação dos recursos naturais e do meio ambiente em geral
e) Elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança
social e respeito a outras culturas
f) Fluxogramas de educação

A ideia é que, no fim, as populações se eduquem e organizem,


valorizando os recursos peculiares de cada ecossistema para atender às suas
necessidades fundamentais. A concepção de desenvolvimento não é, assim,
meramente quantitativa, levando em conta apenas o crescimento econômico – ela
torna-se qualitativa: levam-se em consideração também os gastos sociais e
ecológicos. A ponderação destes três vertentes deve pender em direção à uma vida
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digna de ser vivida, “de acordo com o grau de satisfação da população, e dotada de
um senso de limite em relação à utilização dos recursos naturais”. Conclui de
maneira arrebatadora Salamoni: “Não resta duvidas de que mudanças na
produção e consumo, tomadas no sentido mais amplo, englobando, pois, sistemas
produtivos, tipos de tecnologias, mercado e modos de vida, levam a profundas
mudanças das estruturas socioeconômicas e político-institucionais”.

A autora utiliza Becker (1996) para citar as orientações deste novo


paradigma do desenvolvimento, os princípios: de uma nova racionalidade (respeito
às culturas locais, tanto naturais quanto humanas); da diversidade (valorização da
diversificação regional); da descentralização (o poder de decisão sobre o
desenvolvimento local deve partir do que deseja a sociedade).

Como se vê, a Economia Solidária respeita estes princípios até aqui


citados, garantindo, por isso, as premissas do Ecodesenvolvimento. O principio da
descentralização é concebido, na visão da Economia Solidária, como a
redemocratização econômica – levando em consideração as funções e
características do dinheiro levantadas aqui, neste projeto. Representando poder de
intermediação cultural numa sociedade, tão valorizada foi esta cultura que, hoje, sua
ausência implica na estagnação social. A participação democrática em diferentes
escalas de poder na tomada de decisões, exige que algumas pessoas da sociedade
sejam inclusas na rotina dessa de maneira habitual – e não apenas em época de
eleição. Neste sistema, percebe-se e demonstrou-se, seres humanos são exclusos
da humanidade, e suas habilidades desperdiçadas, pela falta de um papel ou de um
metal com valor imaginário. O dinheiro é “poder” de ação, e os seres humanos o
criam e descriam como bem-quiserem.

Desenvolvimento refere-se à realização das potencialidades do homem.


Neste sentido, existem três pilares do Ecodesenvolvimento que devem ser seguidos
para se obter os resultados esperados. Abaixo segue uma tabela sobre o assunto,
utilizada por Salomoni:

DIMENSÃO COMPONENTES PRINCIPAIS OBJETIVOS


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 Criação de postos de trabalho que


permitam renda individual adequada (a
Sustentabilidade qualificação profissional) REDUÇÃO DAS
Social  Produção de bens dirigida DESIGUALDADES SOCIAIS
prioritariamente às necessidades
básicas sociais
 Fluxo permanente de investimentos
públicos e privados (estes últimos com
AUMENTO DA PRODUÇÃO
Sustentabilidade especial destaque para o
DE RIQUEZA SOCIAL SEM
Econômica cooperativismo)
DEPENDENCIA EXTERNA
 Manejo eficiente de recursos.
 Absorção pela empresa dos custos
 Produção com respeito aos ciclos
ecológicos dos ecossistemas.
 Prudência no uso dos recursos não- QUALIDADE DO MEIO
renováveis AMBIENTE E
 Prioridade à produção de biomassa e à PRESERVAÇÃO DAS
Sustentabilidade
industrialização de insumos naturais. FONTES DE RECURSOS
Ecológica
 Redução da intensidade energética e ENERGÉTICOS E
conservação de energia. NATURAIS PARA AS
 Tecnologia e processos produtivos de PRÓXIMAS GERAÇÕES.
baixo índice de resíduos.
 Cuidados ambientais
 Descentralização espacial de
atividades da população.
Sustentabilidade
 Descentralização e democratização EVITAR EXCESSO DE
Espacial ou
local e regional do poder. AGLOMERAÇÕES
Geográfica
 Relação cidade-campo equilibrada
(benefícios centrípetos)
 Soluções adaptadas a cada
EVITAR CONFLITOS
Sustentabilidade ecossistema.
CULTURAIS COM
Cultural  Respeito à formação cultural POTENCIAL REGRESSIVO
comunitária.

As condições de vida das sociedades humanas seriam, assim, supridas,


agora e futuramente. A Economia Solidária aos moldes dos Bancos Comunitários
prevê todas estas características: ambas as metodologias encontram-se, pois, claro,
buscam o mesmo objetivo, que é a melhoria da qualidade de vidas das pessoas.

O vinculo do Ecodesenvolvimento com as Universidades e demais


sistemas de educação deve ser priorizada, visto que o neoliberalismo avançou tanto
sobre o globo que atualmente existe “uma crescente e acentuada uniformização dos
padrões de produção e consumo, e, ao mesmo tempo, uma perda do patrimônio
cultural” (Salamoni). Desta maneira, “a criatividade humana encontra-se orientada
de forma obsessiva para a inovação tecnológica a serviço da acumulação
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econômica”. Quebrar o paradigma da educação, ou seja, da cultura elaborada, só é


possível se for criado este hábito. E o hábito, ora, só é moldado via cultura
emocional. Deve-se utilizar, portanto, uma ferramenta cultural que intervenha nestas
duas facetas do paradigma dominante: a cultura do dia-a-dia e a cultura crítica.

Pedagogia Libertadora

Foram nos discursos pedagógicos apaixonados de Freire que buscamos


compreender a arte da educação. O aprendizado, quando compreendido como uma
capacidade nata humana, torna-se interdisciplinar e holístico, necessariamente. Não
se trata de simplesmente teorizar as coisas: trata-se de buscar solucionar a
realidade, através das capacidades inatas de cada ser humano. Freire não
suportava a ideia de que a escola tratasse de uma “realidade (...) que vai virando
cada vez mais um lado aí, desconectado do concreto”. Por isso, exigia que a
pedagogia fosse “fundada na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia
do educando”.

Não existem alunos mais desenvolvidos ou menos – é uma questão de


necessidade natural. A realidade que experimentam, leva-os a questionamentos.
Assim, quando entra na escola, cada educando já traz consigo uma bagagem
cultural, com paradigmas instaurados acerca a realidade imediata. “Porque não
aproveitar a experiência que tem os alunos de viver em áreas da cidade
descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e
dos córregos e os baixos níveis de bem estar das populações, os lixões e os riscos
que oferecem à saúde das gentes?”, questionava-se Freire. É sobre estes aspectos,
da realidade imediata, que a educação deve pautar-se. Por isso, a autonomia e
necessidade de interagir com a realidade imediata, social e espacialmente. Ainda
mais pensativo sobre o assunto, Freire admitia não conceber ser “possível à escola,
na verdade, engajada na formação, de educandos educadores, alhear-se das
condições sociais culturais, econômicas de seus alunos, de suas famílias, de seus
vizinhos”.

Esta premissa é uma das encaradas pelo FIDES. Como modificar a


realidade sem conhecê-la? A educação liberal, como demonstrada, forma para o
mundo do trabalho. As premissas da Pedagogia da Autonomia, livro de Paulo Freire,
P á g i n a | 138

ajudam a encarar a educação através de uma ótica prática, transformadora da


realidade e dos agentes sociais. “E é uma imoralidade, para mim, que se
sobreponha, como se vem fazendo, aos interesses radicalmente humanos, os do
mercado”, escrevia o pedagogo.

Suas falas complementam o que já foi dito antes, aqui, nestes escritos. A
educação deve permear em todas as fases da vida, em todos os momentos em que
há o inter-relacionamento humano – acontece, pois, neste momentos, fenômeno da
endoculturação. Mas no atual processo, a educação é sujeitada ao mercado: torna-
se mais uma ferramenta da ideologia neoliberal. Quando incorporados pelo mercado
neoliberal, a máxima automaticamente se destoa: colabora-se para a centralização
de renda e os desertos monetários. Se, por ventura, a cidade de Matinhos
amanhecesse sem a UFPR Litoral, o que restaria a ela? É preciso que a cidade se
aproprie do conhecimento que é produzido dentro da academia, para que, assim,
Matinhos seja autônoma no conhecimento, produzindo, inovando e recriando
tecnologias que podem nascer no âmago de uma entidade de ensino e pesquisa. “É
preciso”, dizia o educador, “sobretudo, que o educando vá assumindo o papel de
sujeito da produção de sua inteligência do mundo e não apenas o de recebedor da
que lhe seja transferida pelo professor”. Deve-se colaborar para transformar os
cidadãos matinhenses em atores de seu próprio desenvolvimento.

Autonomia, endoculturação (educação em todos os espaços humanos,


entre todos os humanos reciprocamente), inovação e solidariedade. Estas são
premissas básicas do ICH. Tal qual a UFPR Litoral, os objetivos vão muito além dos
paradigmas, reconhece-se. Mas, por uma questão de perspectiva, pode-se
considerar isto muito positivo. Já diria Freire:

“Afinal o espaço pedagógico é um texto para ser


constantemente lido, interpretado, escrito e reescrito. Neste
sentido, quanto mais solidariedade exista entre o educador e
educandos no trato deste espaço, tanto mais possibilidades de
aprendizagem democrática se abrem na escola”(grifo nosso)
P á g i n a | 139

III. “AS AÇÕES DA NATUREZA TÊM CAUSA E EFEITO; AS DO


HOMEM TÊM PRINCÍPIOS E CONSEQÜÊNCIAS” (CONFÚNCIO)

3.1 Uma salva de PALMAS.

“A rapidez, profundidade e a imprevisibilidade de algumas


transformações recentes conferem ao tempo presente uma
característica nova: a realidade parece ter tomado definitivamente
a dianteira sobre a teoria”
Boaventura de Sousa Santos – Pela Mão de Alice.

Pede-se ao leitor que compreenda: este documento buscou todas as


bases cientificas necessárias para ser elaborado. O tom em alguns momentos, no
entanto, fogem à regra. Ao melhor estilo das crônicas literárias, tenciona-se, neste
capítulo, evidenciar e justificar a vivência realizada por nós, autores deste
documento, na cidade de Fortaleza – Ceará. Frisa-se, antes de tudo, que tal ação
mostrou-se desafiadora, mas, sobretudo, muito valiosa. Este capítulo tenciona,
enfim, explicar um pouco da história específica do local onde passamos 22 dias de
interações culturais e humanísticas, conciliando a cultura elaborada e a emocional.
Esta vivencia foi decisiva para conclusão deste trabalho, visto que permitiu
compreender o atual estado da arte do Movimento da Economia Solidária no Brasil,
bem como a compreender o estado da arte da cidade de Matinhos, neste contexto.
Assim, compreendido o presente, pôde-se planejar o futuro. Refletimos sobre os
acontecimentos históricos da região cearense e, feito, encontramos as respostas
que procurávamos para o município paranaense citado. O Banco Comunitário, bem
como a introdução da moeda social, é decisivo para a concretização das ações
sociais que atualmente o Banco Palmas realiza – e, por isso, mostram-se como uma
excelente ferramenta para eliminar a desigualdade social (financeira e de
conhecimentos técnicos). A criação de um Banco Comunitário com as características
do Palmas, no entanto, não pode ser aplicado, da mesma maneira, em Matinhos. Os
porquês disso serão explicitados aqui.

Primeiramente, para que se compreenda nossa vivencia, mostra-se o


quadro abaixo, que nada mais é senão nosso cronograma. A partir deste realizamos
nossas ações, dia a dia. Pretendíamos, quando chegamos, apenas recolher as
informações necessárias para a implantação do Banco - a experiência e os relatos
P á g i n a | 140

que ouvimos e vivemos, no entanto, mostraram-se contrários a isso. Nossa proposta


era registrar algumas falas importantes, de pessoas envolvidas com o Movimento da
Economia Solidária. Por isso, gravamos e entrevistamos algumas pessoas (o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido encontra-se em anexo a este documento)
essenciais. Foram elas: Joaquim de Melo, presidente do Instituto Palmas e da
Associação nacional de Banco Comunitários; o professor de economia da
Universidade Federal do Ceará, senhor Aécio Alves; o líder comunitário Augusto
Barros; os empreendedores Marcelo Quixadá e Dona Inácia; e o presidente do
banco comunitário “Banco Sampaio”, Rafael de São Paulo. A compilação destas
informações auxilia na compreensão das pretensões do FIDES, além de
contextualizar sobre o estado da arte do Conjunto Palmeira.

Enfim. Segue, abaixo, nosso Cronograma de Vivências:

DATA RESUMO DA ATIVIDADE

Chegada à Fortaleza; recepção na Associação de Moradores do


03/05/2010 Conjunto Palmeira; conhecimento rápido da estrutura e funcionalidades
da mesma; chegada à Palmatur

04/05/2010 Conhecimento da área e dos funcionários; Participação do

Participação no evento (finalização); participação no Fórum


05/05/2010
Socioeconômico Local (FECOL)

Conhecimento do bairro e das funções e funcionários extra-


06/05/2010
ASMOCONP

Elaboração dos questionários a serem aplicados e escolha da


07/05/2010
população a ser testada; Entrevista com Rafael do Banco Sampaio

08/05/2010 Interação Cultural e Humanística Livre com o grupo de Hip-Hop local.

09/05/2010 DESCANSO

Caminhada pelo bairro (acompanhados de guia) e explanação sobre


10/05/2010
nosso trabalho aos futuros entrevistados

Caminhada pelo bairro (acompanhados de guia) e explanação sobre


11/05/2010 nosso trabalho aos futuros entrevistados; Cia. Bate Palmas
(conhecimento da estrutura, atividades e integrantes)

12/05/2010 Caminhada pelo bairro (acompanhados de guia) e explanação sobre


P á g i n a | 141

nosso trabalho aos futuros entrevistados; participação no FECOL

Conhecimento das atividades culturais: grupo Cordapés (grupo de


13/05/2010 dança); Cressol (Associação de costureiras católicas); Bairro Escola;
Circo Escola e Escolas Municipais do Bairro, Centro de Nutrição.

14/05/2010 ENTREVISTA

15/05/2010 Interação Cultural e Humanística Livre com moradores locais.

16/05/2010 DESCANSO

17/05/2010 ENTREVISTA

18/05/2010 ENTREVISTA

19/05/2010 ENTREVISTA

ENTREVISTA; Interação Cultural e Humanística livre: oficineiros do


20/05/2010 tema “Sustentabilidade e Economia Solidária” no programa Bairro
Escola.

ENTREVISTA; Conhecimento das atividades culturais: Interação


21/05/2010 Cultural e Humanística livre: oficineiros do tema “Sustentabilidade e
Economia Solidária” no programa Bairro Escola.

Interação Cultural e Humanística Livre: Conhecimento da cidade extra-


22/05/2010
Conjunto Palmeira: pontos turísticos, centro e praia de Sabiaguaba.

23/05/2010 DESCANSO

24/05/2010 Oficina de malabares para as crianças do Centro de Nutrição Infantil.

25/05/2010 Retorno

O produto final de nossa formação no curso de Gestão Ambiental da


universidade Federal do Paraná vem a ser este ensaio sobre a confabulação da
Economia Solidária na cidade de Matinhos, através das metodologias denominadas
de Rede de Trocas, circulante local, desenvolvimento produtivo local, logística
reversa, juros revertidos, intercooperação, decrescimento, Fórum Sócio-Econômico
Local (FECOL), Interações Culturais e Humanísticas (ICH), Pedagogia Libertadora e,
claro, a própria Economia Solidária.

Além disso, a estadia no Conjunto Palmeira possibilitou a criação de um


documentário audiovisual, autorizado pelos participantes através de um Termo Livre
P á g i n a | 142

e Esclarecido, assinado por estes (em anexo). Neste vídeo, buscamos retratar a
história do Conjunto Palmeira, do Banco Palmas, da introdução e do funcionamento
da economia solidária no Bairro.

Para a elaboração deste capítulo, buscamos informações específicas, que


muito dificilmente seriam conseguidas se não agindo em conjunto com os
movimentos da economia solidária que já existem. As informações aqui
apresentadas referem-se à compilação de documentos ofertados pela Conferencia
Nacional de Economia Solidária (CONAES), a qual participamos, como o Documento
Base da Conferência e a cartilha sobre Economia Solidária da prefeitura de
Fortaleza; das cartilhas, cordéis e livros acerca o Conjunto Palmeira (Projeto Bancos
Comunitários no Ceará; Banco Palmas: 1º Banco Comunitário do Brasil; 30 anos de
história e arte em Cordel; o documento produzido para concorrer ao Prêmio
Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social de 2005; a cartilha sobre o Fecol; a
cartilha sobre Economia Solidária da Campanha Nacional de divulgação e
Mobilização Social; o cordel a Democracia Econômica); do livreto “Semeando
Sócioeconomia” nº 8 e dos textos encontrados no site da Associação de Moradores
do Conjunto Palmeira (ASCOMONP) – além, claro, de alguns relatos que tivemos o
prazer de ouvir e viver.

3.2 Um pouco mais de história...

“Se nessa vida a gente sonha 100, e realiza só 10;


Então vamos sonhar 1000, pra poder realizar 100!!”
Wilson Gehm (Wilsinho) , um ser humano do mundo

Em 1973, em plena ditadura militar brasileira, os moradores de algumas


áreas litorâneas de Fortaleza, no estado do Ceará, foram despejadas de suas casas
pelo governo municipal (com intermédio da Fundação do Serviço Social de
Fortaleza), pois viviam em áreas de risco – como aquelas casas que margeavam o
Rio Cocó e aquelas que ficavam localizadas na favela do Lagamar, no centro da
cidade. A princípio, mil e quinhentas famílias foram retiradas e assentadas numa
área sem nenhuma infraestrutura ou preparo: “aqui era só lama, lixo e esgoto”,
contou-nos Seô Augusto Barros, morador antigo do Conjunto. Espontaneamente as
casas foram sendo construídas, não havendo, por algum tempo, água tratada,
P á g i n a | 143

energia elétrica, escola ou outro serviço público. Surgia, assim, o bairro denominado
de Conjunto Palmeira.

Em 1977 a população do Conjunto Palmeira se mobiliza para lutar pela


melhoria da saúde. “A partir de 1979 são abertas novas quadras e o Conjunto
Palmeiras cresce aceleradamente. Tem início a luta da comunidade por água tratada
e energia elétrica”. A Associação dos Moradores do Conjunto Palmeira
(ASMOCONP) elabora e registra seu estatuto e cria sua sede própria em 02 de
Fevereiro de 1981. Em 1990, vinte e seis organizações populares já existiam no
bairro. Em 1991 é criada a União das Associações e Grupos Organizados do
Conjunto Palmeiras (UAGOCONP), bem como é definido um plano estratégico cujo
objetivo era urbanizar o bairro nos próximos dez anos. Em 1997, depois de
discussões ocorridas em um evento, os moradores chegaram a um consenso:
mesmo já urbanizados, a pobreza alastrara-se. Muitos moradores, passaram a
vender suas casas para morar em outras favelas, visto que não possuíam dinheiro
para pagar o IPTU, a taxa de água, de esgoto e demais impostos públicos.

A teoria do MoMoMo mostra-se correta: um deserto monetário não gera


renda, afinal, lá não existe isso! Isso foi percebido graças a um mapeamento do
bairro, sobre o consumo deste (o que, quanto e onde). Tencionava, a Associação,
responder a uma pergunta simples: por que os moradores eram pobres? A resposta
apresentava-se muito obviamente: porque não tinham dinheiro! Um mapeamento, no
entanto, quebrou esta lógica: o bairro consumia mais de um milhão e duzentos mil
reais por mês – mas, sem uma cadeia produtiva completa, este dinheiro era sugado
pelos centros comerciais, gerando na favela (nessa e em outras) o fenômeno do
deserto monetário. Em 1998 acontece a maior revolução: surge uma instituição
denominada de Banco Palmas... A missão? Eliminar aquele deserto; transformá-lo
num oásis.

Contou-nos, o atual presidente da ASMOCONP, do Instituto Palmas e da


Rede Nacional de Economia Solidária, senhor João Joaquim de Melo Neto Segundo
(ou simplesmente Joaquim, como é chamado diariamente) sobre o início desta
confabulação, a qual a Associação julga ser “atualmente uma das instituições mais
importantes do bairro” (vide site do Banco Palmas). A partir das metodologias
P á g i n a | 144

empregadas pelo Strohalm (ONG holandesa de desenvolvimento econômico), no


Brasil pela sua filial InStroDi, a ASMOCONP deu inicio ao processo da Economia
Solidária. Mesmo organizada, a associação não conseguia acabar com a pobreza,
como dito – e justamente isso é a missão desta ONG e era (e é) a missão do Banco
Palmas. As metodologias do InStroDi são encontradas no livro “Onde está o
dinheiro?”, criado pelo MoMoMo, já citado aqui neste documento anteriormente.

Um Banco Comunitário tem características muito diferentes das de um


banco tradicional. Não visa o lucro, mas, sim, o desenvolvimento social. “É um
serviço financeiro, solidário, em rede, de natureza associativa e comunitária, voltado
para a reorganização das economias locais, na perspectiva de geração de trabalho e
renda e da Economia Solidária”. Suas funções básicas são: crédito para a produção,
para o consumo (em moeda solidária), correspondência bancária e auto-gestão
social. A teoria economia é tão inovadora que o Banco Palmas já foi, inclusive,
processado pelo Banco Central, que alegava a falsificação de moedas pela
Associação. Com a situação esclarecida, o BC pediu publicamente desculpas ao
Banco Palmas, além de concretizar uma parceria desde então. Em 2009, o BC e o
Ministério do Trabalho através da Secretaria Nacional de Economia Solidária –
SENAES criam o marco para a discussão da moeda social e da economia Solidária.
Para ser legal, a moeda social deve ser lastreada em real e indexada (um real é
equivalente a uma unidade da moeda social). A moeda social ajuda a oxigenar o
comércio, gerando emprego e renda. O motivo é simples: os reais podem ser gastos
fora da comunidade; a moeda social, no entanto, não! Ela deve ser necessariamente
gasta no bairro. Assim, um morador compra do outro, garantido que a riqueza fique
naquele local. Somente os empreendedores podem trocar a moeda social por
dinheiro nacional corrente – com fins de adquirir, implementar ou renovar o estoque.
A moeda social chega aos consumidores ou por empréstimo, ou trocando seus reais
por moeda social ou recebendo parte do salário em moeda social. A utilização da
moeda social, portanto, cria uma “poupança interna”, que, por sua vez, gera riqueza.
A inadimplência existe neste sistema também, certamente: mas é combatida de
maneira solidária. Através de discussões em reuniões abertas, os moradores
decidem comunitariamente se a pessoa não pagou porque não pôde ou porque não
quis. No primeiro caso, o Banco Comunitário assessora, avalia e até empresta mais
P á g i n a | 145

dinheiro, se for o caso; a segunda hipótese é igualmente discutida abertamente, mas


culmina com processo legal por parte do Banco. Antes de fazer o empréstimo, por
isso, a pessoa assina um contrato, o qual passa a entender que se “a comunidade
empresta a comunidade cobra” – o que garante a legalidade desta prática de
discussão publica.

O inicio do Banco Palmas foi difícil. Sem nenhum apoio estatal, em


nenhuma das esferas, o Palmas foi obrigado a procurar outras fontes de
financiamento. Conseguiu 2 mil reais com a ONG Cearah Periferia, que foram pagos
em 8 meses. “Falimos logo ao final do primeiro dia”, contou-nos Joaquim. O salto
maior deu-se depois. “Recebemos 50 mil reais da ONG InStroDi”, conta Joaquim,
“mas com uma condição: não podíamos gastar um real dele. Devíamos construir a
sede usando apenas o circulante local”. Assim, o Banco Palmas surgia solidamente:
tinha o dinheiro, mas não podia usá-lo. Joaquim e os demais responsáveis, então,
cumpriram a exigência: pagaram a maior parte da obra com a moeda solidária,
colocando-a em circulação. Aos poucos, com a moeda circulando, muita divulgação
e persistência, os comércios foram aderindo à ideia. A aceitação foi tão grande, que
muitos comércios passaram a dar descontos para pagamentos em palmas (nome da
moeda social), que variam de 5 a 10%. Assim, os comerciantes fidelizam os clientes;
e os clientes se interessam pela fidelização. Hoje o Conjunto possui mais de 200
empreendimentos cadastrados; mais de 2000 famílias beneficiadas com o crédito;
mais 700 famílias com algum tipo de ocupação e renda ligadas à Economia
Solidária; mais de 70 mulheres saíram da situação de risco enquadraram-se no
mercado de trabalho; além da diminuição em 70% na violência domestica e o
aumento de 300% no numero de associados.

Atualmente, não existe uma legislação que oficialize e legalize a


existência de um Banco Comunitário – o que limita este demasiadamente, visto que,
assim, esta categoria não tem acesso diretamente a créditos ou editais. Por isso, o
Banco Palmas, contou-nos Joaquim, utiliza o Instituto Banco Palmas para fazer
estas funções. O Instituto é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público). Esta OSCIP atualmente possui uma carteira de 1 milhão e meio
de reais, disponibilizada pelo Banco Popular do Brasil, que serve de fundo para o
Banco Palmas e demais bancos comunitários do país, interligados por software do
P á g i n a | 146

Banco do Brasil. sem apoio dos bancos públicos ou privados, atualmente o Palmas
sobrevive graças à doações de ONGs internacionais, do Governo do Estado do
Ceará e do contrato com o Banco Popular do Brasil – além da troca direta de reais
por palmas.

Hoje, o Instituto Banco Palmas coordenada, também, a Rede de Bancos


Comunitários, que tem como intuito fortalecer cientifica e politicamente esta prática
econômica. No Brasil, existem 51 bancos comunitários já em funcionamento. A
Venezuela assinou um acordo com o Palmas para a reprodução da metodologia no
país. Resultado: hoje o país possui legislação específica e mais de 3600 bancos
comunitários instalados.

Deve-se ressaltar a diferença entre um banco comunitário e as


cooperativas de crédito. Em primeiro lugar, as cooperativas são componentes do
atual sistema financeiro nacional (o que reproduz o sistema neoliberal, no que diz
respeito à inadimplência, financiamentos e outros), além de serem regulamentadas
pelo Banco Nacional; na cooperativa, os donos do crédito são os associados,
enquanto no banco comunitário todos são donos – há a democracia econômica.

A grande luta da Rede de Economia Solidária é a criação de um marco


legal para os Bancos Comunitários. Desde 2007 a Rede luta pela aprovação da Lei
Complementar nº 93 da deputada federal Luiza Erundina, que estabelece a criação
do Segmento Nacional de Finanças Populares e Solidárias.

3.3 Nossa História.

“Há tempos que a vida vem sendo sofrida


e destruída com planos de quem quer lucrar.”
Banda parnanguara Magnifi Jah.
Trecho da música “Sistema Atual”.

Defronte os desafios do atual paradigma neoliberal e a teoria que


havíamos lido até então, saímos do Paraná convictos: o Estado precisa criar e
desenvolver esta premissa da Economia Solidária, baseada na Democracia
Econômica. Os resultados mostravam-se impressionantes, bem como a metodologia
impecável. A prática, claro, nos mostrou um erro fundamental... nosso, é claro!
P á g i n a | 147

Como só possuíamos a teoria, tínhamos a visão limitada aos textos. A vivência nos
ampliou a perspectiva...

Percebemos que havíamos percorrido o caminho certo, mas que


havíamos procurado pela pergunta incorreta. A questão não era simplesmente
porque fazer a Economia Solidária; mas sim: como fazer a Economia Solidária
acontecer? Visto que um Banco Comunitário, a resposta de nossos “porquês”, trata-
se de uma organização civil auto-gestionária, suas bases devem, necessariamente,
surgir desta organização. Explica-se: a gestão dos Bancos Comunitários dá-se pela
organização da comunidade; sem organização, portanto, sem gestão. O processo de
gestão deve acontecer de baixo pra cima, e não ao contrário – se não assim, corre-
se o risco de reproduzir o sistema econômico e ideológico atual.

Na economia solidária o crédito é dado pela comunidade em prol da


comunidade; logo, deve ser gerido pela comunidade. Para os neoliberais, onde o
lucro, o acumulo e a centralização de renda são os objetivos maiores, o crédito é
dado pelos donos dos bancos, que gerem o crédito de maneira que lhes sejam
vantajoso (ou seja: deles para eles mesmos) – isso, claro, foge da lógica solidária –
fugindo, portanto, da premissa final, que é o desenvolvimento da Economia
Solidária.

Enfim. Os bancos comunitários mostram-se uma excelente ferramenta


para gerar a Economia Solidária, que busca o Ecodesenvolvimento (soluções locais,
preservação ambiental, decrescimento, energias renováveis e etc.) e a igualdade
social. Uma nova economia já acontece neste âmbito, disponibilizando o cambio
para as pessoas marginalizadas do sistema neoliberal (quilombolas, indígenas,
assentados, caiçaras, periferias e pobres), que não tem acesso aos bancos oficiais
nem às financeiras, “porque estes acreditam que esses segmentos não oferecem
lucro”. O Banco Comunitário “organiza as finanças locais, estimula créditos para a
produção e o consumo local, capacita jovens e mulheres para o trabalho e a
convivência comunitária, organiza a comunidade, empodera, enfim, gera cidadania”.
Se na economia neoliberal acontece o desenvolvimento neoliberal, é normal que se
afirme que na Economia Solidária o Desenvolvimento venha a ser Solidário.
P á g i n a | 148

O livreto “Banco Palmas: 1º Banco Comunitário do Brasil” descreve, na


página 23, os passos para a criação de um banco comunitário. Como premissa
maior e primeira aponta que o início dá-se com a “sensibilização da comunidade”. A
Comunidade, então, precisa se apoderar do conhecimento da Economia Solidária;
se apoderar desta ciência solidária.

A propagação de uma ciência solidária, no entanto, não acontece em


instituições de ensino tradicional, onde se ensina a educação liberal. Esta última
educa, como visto, para o mundo do trabalho e para reproduzir a atual cultura – para
manter as pessoas acomodadas. Se, ao invés disso educamo-las para modificar
esta realidade, colocando-as em contato com uma cultura alternativa e critica, que
vise progredir, por se sentir incomodada, então quebraremos as correntes com o
atual paradigma do humanismo. Como a tendência do sistema é continuar a
propagar a pobreza, então as escolas o mesmo fazem. Uma educação alternativa só
faria sentido em uma instituição diferenciada...

Uma unidade não concorre consigo mesmo, pois, lógico, isto é a


autodestruição. Ela não pode se atacar – deve se complementar. Assim o faz a
economia solidária: incentiva a criação de mercados complementares, através de
uma metodologia denominada de Democracia Econômica. Assim, a comunidade
deve dar aval às pessoas que pretendem tomar dinheiro emprestado. Leva-se em
conta, por exemplo, a confiança que seus vizinhos têm no futuro emprestador, bem
como suas pretensões para com o dinheiro emprestado. O tema tornou-se, inclusive,
um cordel no Palmeira, a fim de divulgar a prática econômica. Neste, denominado
também de Democracia Econômica, o autor, Parahyba, conta:

“A riqueza já foi ouro,


Pedras, especiarias
O sal moeda de troca
Petróleo e mercadorias
Porém o conhecimento
Desde o começo do Tempo
É que faz o dia-a-dia”
P á g i n a | 149

IV. POTENCIALIDADES LOCAIS

4.1 Fomento Intelectual e Desenvolvimento Solidário.

“Quando todos nós entendermos


que de nada somos donos...
teremos tudo”
Reginaldo Figueiredo (poeta cearense)

Como visto, herdamos grande parte de nossa cultura de nossos


antepassados. Formamos uma cultura, assim, nas normas dessa, uma cultura
normal. Para compreender melhor o termo, pode-se dividi-lo em duas vertentes
distintas: a cultura emocional, que forma o hábito, costumes e crenças; e a cultura
elaborada, crítica, que serve para reformular o pensamento. Ambas as formas de
cultura só se dividem, lembra-se, didaticamente: na prática, lógico, se confundem,
operam concomitantemente. A cultura precisa, pois, renovar-se constantemente,
quebrando os paradigmas que envolvem-na. Por isso é essencial que a distância
entre a cultura elaborada e a cultura emocional seja encurtada ao máximo: para que
a revolução de paradigmas, puramente teórica, incorpore-se na vida habitual das
sociedades. Enquanto houver espaço entre estas duas culturas, espaço esse que é
metafórico, dado pelo cartesianismo, o positivismo, o elitismo literário, a
precariedade da educação e outros aspectos dados pela educação liberal e a
ideologia neoliberal, as culturas humanas meramente reproduzirão o sistema
ideológico neoliberal. Essas culturas, que podem ser divididas didaticamente, devem
ser, da mesma forma, unidas didaticamente – “com método os princípios de uma
ciência ou as regras e preceitos de uma arte” (dicionário Priberam).

Se a educação é a arte de ensinar e aprender durante a vida; e essa


educação condiz com a transmissão de cultura (endoculturação); logo, a cultura
torna-se a própria interpretação da vida. E a vida, ora, não é limitada a espaço ou a
tempo: ela acontece sempre, tal qual a educação. A partir dessa lógica, não se torna
lógico ou conveniente, sequer correto ou adequado, que se limite o processo
educacional, dado pela interação humana, à universidade e seu corpo acadêmico.
Deve-se estender esta lógica além destas barreiras, para quebrar-se este paradigma
educacional que condiciona o educando a separar a vida (cultura emocional, a
cotidiana) da ciência (cultura elaborada). A educação, afinal, é um processo único.
P á g i n a | 150

Compreendida assim, pode-se pensar-se na educação como uma


ferramenta cultural: os valores transmitidos devem ser críticos, para sempre
evoluírem. E, como uma unidade, a educação formalizada, aquela das
universidades, deve entrar em contato direto com a realidade, a fim de que, como
dito por Freire, as próprias mazelas da realidade sejam a motivação para o estudo.
Afinal, o progresso humano, ou seja, a melhoria da qualidade de vida das pessoas, é
o papel fundante da educação.

Atualmente, a distância entre a cultura elaborada e emocional pode ser


compreendida pela falta de um valor comum entre essas sociedades. Sem encontrar
um elo que as una, permanecem estagnadas e separadas. “As pessoas vivem em
redes de dependência, difíceis de serem rompidas. Essas redes são diferentes em
cada sociedade. O modo como o indivíduo se comporta é determinado por suas
relações passadas ou atuais com as outras pessoas. E a interdependência das
funções humanas sujeita e molda, de forma profunda, o indivíduo” (MARTELETO,
2004). Sem haver a interdependência dessas sociedades, conclui-se, os educandos
não se tornam modificadores da realidade, em essência; nem a sociedade torna-se
crítica.

Modificá-las pressupões interagi-las. Pô-las em interação é como pensá-


las como uma rede, onde todos os nós compõem uma mesma teia. Deve-se lembrar,
no entanto, que “o todo é diferente das partes que o compõem, e as leis que
governam o todo não podem ser compreendidas a partir de análise dos seus
elementos isolados”. A rede, portanto, não pode ser entendida através dos valores
acadêmicos ou dos valores populares: deve possuir um valor único, que represente
o elo entre essas sociedades. Este elo é muito bem feito, como visto, pelo dinheiro,
que representa o poder de ação em determinadas sociedades que o aceitam. O que
é necessário para que um dinheiro tenha valor é, tão-somente, a confiança de seus
usuários, como foi exposto neste trabalho. O funcionamento da universidade como
uma rede integradora de culturas (elaborada e emocional), tem, principalmente, a
função de gerar o Capital Social de Matinhos. Na verdade, não gerá-lo: fortalecê-lo e
expandi-lo. Afinal, “as redes são sistemas compostos por “nós” e conexões entre
eles que, nas ciências sociais, são representados por sujeitos sociais (indivíduos,
grupos, organizações etc.) conectados por algum tipo de relação” e “por essa razão,
P á g i n a | 151

as redes têm mecanismos automáticos de mudança e transformações históricas que


independem da vontade dos seus componentes tomados isoladamente, mas estas
não são caóticas, e sim sociais”. A rede pode ser, portanto, uma modificadora da
realidade, visto que age em prol de um objetivo específico, no caso o
desenvolvimento solidário, independente da ação de seus integrantes: todos
participam da mesma rede, mesmo sendo individualistas.

Marteleto lembra, ainda, que, por se tratar de um capital, o Capital Social


gera desenvolvimento social e econômico. Não à toa o tema é estudado, de acordo
com a autora, “por diversas ciências, que entendem que a informação base para a
geração do conhecimento e ação social e sua relevância econômica e política”.
Entender como funciona uma rede, é entender as relações existentes entre cada
ator que a compõe. A relação feita na rede FAS3 (ver capítulo) é dada pelos pacos,
a moeda não valorativa que possui seu valor de troca garantido pela UFPR Litoral. A
confiança que os integrantes têm pelas redes “relaciona-se com o acesso à
informação tanto no nível local quanto mais geral, este último associado aos meios
de comunicação, ou, em outros termos, às fontes pessoais e impessoais”. Sendo
uma instituição determinada a fazer isso, disseminar informação, a confiança que se
pode ter em relação ao valor dos pacos torna-se garantida e evidente.

Para tornar-se claro o que se tenciona desenvolver no município, é


necessário que se esclareça o termo. Capital Social “é definido como as normas,
valores, instituições e relacionamentos compartilhados que permitem a cooperação
dentro ou entre os diferentes grupos sociais. Dessa forma, são dependentes da
interação entre, pelo menos, dois indivíduos. Assim, fica evidente a estrutura de
redes por trás do conceito de capital social, que passa a ser definido como um
recurso da comunidade construído pelas suas redes de relações”. Uma definição
mais estreita, realizada ainda por Marteleto, condiz em defini-lo como “um conjunto
de normas e redes sociais que afetam o bem-estar da comunidade na qual estão
inscritas, facilitando a cooperação entre seus membros pela diminuição do custo de
se obter e processar informação”. Quanto maior for o relacionamento e organização
da sociedade, maior o seu capital social. Por isso, enfatiza-se o quão importante são
as redes: elas criam capital social, pois organizam e disseminam informações entre
os participantes.
P á g i n a | 152

A interação é o fim do paco – o paco, por isso, torna-se um subsidiador de


capital social. Ele patrocina a revolução, a quebra do paradigma neoliberal. Por ser
um dinheiro ganho através das práticas do Ecodesenvolvimento e da economia
solidária, dado por uma rede que funciona com a finalidade de promover o
desenvolvimento solidário, todos seus participantes estarão contribuindo para a
finalidade da rede. Universidade, corpo docente e discente e comunidade
matinhense agiriam, independentemente, em prol disso. Ao longo do processo,
aumentar-se-ia o capital social de Matinhos, elevando-a a um patamar de autonomia
social – podendo-se, então, começar a democracia econômica, através da
introdução do sistema dos Bancos Comunitários, tal qual feito pelo Banco Palmas.

Quando uma rede agrega apenas indivíduos que compartilham


determinados valores, ela se fecha ao contato com outras redes - o mesmo
acontece com as sociedades acadêmica e matinhense. O capital social que a
universidade possui deve ser utilizado para gerar mais capital social na cidade:
deve-se investir esta potencialidade da academia, de gerar conhecimento, para
mantê-lo na cidade, tornando-a independente. Este capital social representa o
capital social de ligação (ou bonding social, como define a Marteleto). De maneira
genérica, esta rede apresenta-se assim:

Corpo Corpo
discente docente

Esta é a primeira rede do FAS3. Fechada e valorada por seus próprios


vínculos e interesses, isola-se das demais redes que possam existir. De qualquer
maneira, a grande organização e estabilidade da instituição central, que faz nascer a
rede acima, a UFPR, apresenta-se como um capital social considerável, ainda que
P á g i n a | 153

seja incomensurável. Os nós desta primeira rede são os atores da UFPR: corpo
docente e discente. Estes atores, portanto, são os transmissores da cultura
desenvolvida pela UFPR. Esta rede é importantíssima, pois, de acordo com
Marteleto, é o capital social de ligação que dá confiança e comprometimento a uma
rede. Para fazer a ligação entre outra rede, a da sociedade matinhense, o FAS3
utiliza os pacos, criando uma rede maior, assim demonstrada:

O vinculo será feito, como dito, pelo paco. Como serve de ponte entre
estas redes, o Paco pode ser definido como um capital “social de ponte”,
propriamente dito. Dessa forma a rede acadêmica amplia e cria ligações “com outras
comunidades semelhantes e assim amplia o alcance de suas ações”. Marteleto
chama este capital social também de bridging social capital. Este capital é essencial
para a ampliação das fontes de informação e conhecimento. Os nós desta nova rede
a ser incorporada à primeira, são os agentes externos à sociedade acadêmica que
se interessem por algum benefício da rede.

O terceiro tipo de capital social é o que se quer chegar com o FIDES. O


capital social de conexão tem como objetivo ser o acesso às instituições e ao poder.
Assim, para isso, é necessário, antes, que se amplie os outros dois capitais citados.
Uma maneira de se ter acesso às instituições e poder é através da criação de
Bancos Comunitários na cidade: mas isso, como dito, só é possível através da
P á g i n a | 154

criação, do fortalecimento e da propagação do capital social, em todos seus níveis.


Afinal de contas, “existem evidências de que o capital social pode ser usado para
promover a redução da pobreza, o desenvolvimento e o bem-estar social”.

“Muitas redes se iniciam a partir da tomada de consciência sobre algum


problema vivenciado por uma ou mais comunidades, ou a partir de situações de
mobilização mais amplas”. Se a academia já identificou os males, basta disseminá-
los para que se inicie a criação desta nova rede, denominada de Banco Solidário.

“A posição de cada indivíduo na rede depende do capital social e


informacional que consiga agregar para si próprio e para o conjunto”. Quanto mais
ativo o ator for na rede, mais terá acesso aos benefícios desta, gerando, cada vez
mais, a interdependência da rede. Dependendo da posição do ator, afinal, ele terá
sucesso ou não nas suas ações individuais. Estes, “dotados de recursos e
capacidades propositivas, organizam suas ações nos próprios espaços políticos em
função de socializações e mobilizações suscitadas pelo próprio desenvolvimento das
redes” – portanto, se existir um espaço para esta socialização e mobilização na
universidade, é de lá que partiram as iniciativas para um desenvolvimento da rede
(que pode ser, num futuro, Matinhos inteira). Como busca ampliar suas fronteiras,
“os efeitos das redes podem ser percebidos fora de seu espaço, nas interações com
o Estado, a sociedade ou outras instituições representativas”. Assim, “decisões
micro são influenciadas pelo macro, tendo a rede como intermediária”.

Assim, o FIDES tenciona aproximar a Comunidade da UFPR Litoral,


através do FAS3: uma conjuntura que opera embasado nos princípios da Economia
Solidária, do Ecodesenvolvimento e do fortalecimento do Capital Social. Seu
funcionamento depende de sua estrutura orgânica, sua logística financeira, seu
arcabouço legal e o apoio institucional. O próximo capitulo tenciona esclarecer estes
aspectos. As metodologias a serem utilizadas para o funcionamento do FIDES e do
FAS3 podem ser lidas no capítulo “Justificativa”. Conclui-se esta introdução ao
presente capítulo com a máxima de Marteleto:

“As transformações dependem das redes existentes


entre os indivíduos do grupo e atores localizados em outros
espaços sociais, ou seja, do capital social da comunidade.”
P á g i n a | 155

4.2 O “Inédito Viável”.

“É o saber da História como possibilidade e não como


determinação. O mundo não é. O mundo está sendo."
Paulo Freire, Pedagogia da Esperança.

O slogan de uma grande empresa alemã fornecedora de energia diz


assim: "é muito fácil fazer grandes coisas acontecerem quando se é um gigante".
Sua campanha publicitária ainda defende que em esferas menores, cada um de nós
é um gigante e tem poder de influenciar pessoas e decisões à nossa volta. O
principal ensejo do presente trabalho segue este pressuposto: assim como as
grandes organizações têm a capacidade de influenciar diretamente sobre hábitos
humanos, estes, por sua vez, têm suas expressões, seja em pensamento, fala ou
ação, refletidas pela cultura do individuo em sua condição humana.

O que determina a corroboração social às influências destas


organizações, seja qual for o fim, diz respeito ao conjunto de consistência: à
segurança e à lógica com que os temas de um discurso são apresentados. Sem
consistência de argumentos, ninguém reconhecerá uma proposição como válida;
sem consistência de ideias na apresentação de uma nova prática pedagógica,
poucos participarão efetivamente, inclusive discutindo a validade ou a possibilidade
de desenvolvimento desta prática.

A consistência de um Projeto Pedagógico tem o importante papel de


alinhar as experiências humanas ao aprendizado por nós obtidos, promovendo
este método com a prática da cultura elaborada com vistas a um progresso da
cultura emocional, ou seja, da cultura como um todo. No entanto, os diversos
projetos voltados para a prática pedagógica sendo desenvolvidos e implantados,
acabam esbarrando, em algum momento em obstáculos sociais, que identificamos
na obra de Franco como “Antecedentes culturais”:

“A analise (...) desvelou que os antecedentes culturais


construídos sob a lógica curricular disciplinar tradicional servem
como referencia de analise e avaliação da inovação e exercem um
peso significativo sobre as percepções que os alunos, docentes e
sociedade em geral têm como válidos para uma boa formação.”
P á g i n a | 156

Somente uma organização que enfatize a autonomia dos sujeitos é que


pode transpor obstáculos sociais para estabelecer vínculos de confiança com os
grupos que a compõem ajudando-os a romper hábitos que vão ao encontro da
consistência de seus próprios projetos; assim como somente uma organização que
envolva em sua cultura um conjunto de diretrizes com objetivo de um progresso
humano, pode criar, facilitar e preservar uma lealdade entusiástica de pessoas,
possível de impulsiona-la para cumprir, de forma consistente, programas que
contribuam tanto para o progresso individual quanto para o da sua unidade.

Este ensaio quer auxiliar mais pessoas a compreender o potencial que


uma universidade apresenta em relação à disseminação de uma nova cultura, na
formação de um corpo coletivo, de uma comunidade sensível e afetiva que toma
lugar do grupo puramente utilitarista que enxerga o progresso apenas por meio de
um diploma que as valoriza na luta entre classes pelo capital.

Esta proposta aposta no desdobramento da prática pedagógica para


promover a adoção de hábitos que desenvolvam um progresso humano de forma
mais consistente. Prevê uma gestão estratégica do processo de mudança social a
partir da adoção de novos comportamentos, atitudes e práticas, nos âmbitos
individual e coletivo – orientadas por preceitos de solidariedade e fundamentadas
nas reações e relações humanas.

O resultado abrange a percepção de que a UFPR Litoral representa, além


de um importante canal de educação, um canal de disseminação de ações
solidárias, pois é uma estrutura que propicia uma forte convergência entre o
aprendizado dos sujeitos num determinado território. Entre outros fatores, a
universidade já apresenta este poder por se tratar, hoje, da parte que dissemina
valores dos quais os alunos não podem prescindir para a competição de mercado.
Na universidade converge o conhecimento e também informações sobre as
necessidades da cultura neoliberal. Oportunidade para surgimento de uma interface
importante para o aprendizado de professores e alunos que buscam o progresso de
tal cultura.

Promover uma práxis pedagógica com vistas no progresso da cultura é a


meta coletiva maior a ser alcançada e que se inicia com pequenas, mas
P á g i n a | 157

significativas, mudanças de atitude no dia a dia de cada sujeito ou organização. A


discussão sobre projetos pedagógicos traz à luz as ações mais comuns do cotidiano
do aluno, quando a qualidade da prática pedagógica atual, demonstra o tamanho do
impacto negativo acumulado que a população humana pode provocar a partir de
hábitos adotados sem reflexão sobre suas influências.

Os estudos do comportamento do aluno e do professor no processo de


aprendizagem são muito importantes para se avaliar o grau de envolvimento do
grupo. Os esforços que a universidade faz para atingir o seu objetivo de satisfação
das necessidades de progresso e desejos dos alunos e professores passam pelo
entendimento de todo o processo de avaliação de alternativas pré, durante e após a
passagem pelo ensino superior. O presente trabalho ambiciona subsidiar o
desenvolvimento de ferramentas e hábitos desde o ingresso na educação superior
para satisfazer as necessidades que muitos ainda nem sabem que têm em relação
ao progresso humano. Para tanto a consistência de um Projeto Pedagógico
Emancipatório é um desafio a ser enfrentado. As universidades, porém, não
precisam fazer tudo certo, desde que façam corretamente as coisas certas para a
humanidade.

Existem muitos projetos que de alguma forma tentam promover a adoção


de hábitos que desenvolvam um progresso humano de forma mais consistente,
porém são poucos os que obtêm resultados duradouros e hábeis para romper
paradigmas que retardam tal desenvolvimento. Nenhuma solução duradoura é
possível sem dar a devida atenção às habilidades da linha mercadológica. Porém,
muitos percebem esta linha relacionada apenas ao status, à imagem e à publicidade
existentes no mercado neoliberal. O presente trabalho apresenta uma solução
mercadológica adequada que compreende e compara os mecanismos que a levam
a um gerenciamento dinâmico, com o que atualmente existe na universidade. Sendo
assim estuda, ainda, uma maneira de suplantar as lacunas sobre a prática
pedagógica fragmentada do paradigma atual.

Acontece que as pessoas não constituem um padrão homogêneo, nem


todos são motiváveis pelas mesmas mensagens e não estão todos inclinados a
contribuir para o progresso humano. Tanto que a “economia” ainda é a principal
P á g i n a | 158

preocupação de consumidores de energia elétrica e a maior motivação para reduzir


seu consumo é “controlar custos” e não “diminuir o impacto no meio ambiente.”
Logo, se conclui que não existe um professor ou aluno típico.

Um estudo citado no livro Rompendo Hábitos de Consumo demonstrou


que mesmo bem informadas, as pessoas não tem seu conhecimento conduzindo
necessariamente a comportamentos mais conscientes às informações disponíveis.
Os indivíduos que responderam corretamente a uma série de questões relacionadas
com ciência declararam realizar um número consideravelmente mais alto de
atividades conscientes. No entanto, os integrantes do grupo etário de 25 a 34 anos,
apesar de também responderem corretamente às questões, demonstraram uma
adesão a essas atitudes inferior à dos indivíduos mais velhos.

Os mitos neoliberais de progresso são tidos como verdades por


profissionais responsáveis pela estruturação educacional no país. Esta forma de
promoção da educação acaba sendo mal direcionada e não atinge os objetivos que
deveriam se propor em uma universidade. Um melhor direcionamento da estratégia
econômica pode promover de uma maneira consistente a prática pedagógica com
vistas no progresso humano, além de conduzir o conhecimento de uma maior
quantidade de pessoas para o exercício consciente das suas forças de trabalho; de
suas ações.

FAS3: Fundação de Ação Solidária.

A organização de uma estrutura grupal articulada em rede é o


instrumento metodológico apropriado para organizar pessoas e instituições a partir
de um bem comum. Os elos básicos – os fios – que dão consistência a rede são as
informações e vantagens que transitam pelos canais que interligam seus membros.
(ver “Circulante local”).

Os elos representam a troca de informações e a comunicação entre os


membros que formam um grupo, conjunto de pessoas e organizações conectadas
pela intencionalidade de contribuir com os princípios da rede para o atendimento às
necessidades da promoção humana. Os nós representam o momento da
composição e do comprometimento em torno desta causa comum, formando
P á g i n a | 159

subgrupos condensados em propostas para promover novos hábitos de forma


consciente.

Como a realização dos objetivos depende menos da disciplina dos que


dela participam do que do engajamento consciente de todos na rede, menos cabe
comandar e controlar o que os membros fazem ou deixam de fazer. Tem que se
contar é com a lealdade de cada um para com todos, baseada na
corresponsabilidade, na capacidade de iniciativa individual e motivações adequadas.

Numa estrutura em rede não existe representação. Todos os membros


são iguais, todos são livres em sua ação, mas responsáveis pelos seus efeitos na
realização dos objetivos do conjunto. No entanto, a rede não acontece de forma
espontânea e desorganizada: cada grupo participante tem um tipo diferente de
responsabilidade, com vistas à realização dos objetivos perseguidos. Os membros
têm que saber a quem enviar informações e como as enviar, assim como a quem
pedir informações e como pedi-las. Uma rede supõe, portanto, algum tipo de serviço
que facilite e oriente como e qual informação deve circular.

Nesta proposta de rede, criar-se-á a FAS3 – Fundação de Ação Solidária


– composta inicialmente pela UFPR Litoral e pelo Instituto FIDES. À FAS3 será
confiada o grupo facilitador, que é fixo na rede, enquanto sempre há novos
integrantes nos grupos de professores, comerciantes, servidores, consumidores,
produtores, grupos dos alunos ou ex-alunos, dos estudantes ou não. A rede estará
sempre aberta à entrada de novos membros que aceitem as regras de
intercomunicação estabelecidas, ainda que as mesmas possam e devam ser
revistas à medida que a rede realize seus objetivos ou acrescente novos objetivos.
O desligamento de qualquer de seus membros não deve, por outro lado, constituir
problema, para que se assegure a plena liberdade de opção de cada um.

O facilitador tem a importante função de interpretar os fenômenos que


acontecem em toda rede a partir de uma ótica diferente do senso comum. Trata-se,
é claro, de um processo de desenvolvimento que faz crescer uma liderança. O
facilitador é o responsável por estabelecer uma agenda e encorajar a comunicação
entre os participantes da rede quando necessário. Ele é encarregado de motivar os
grupos a participarem do projeto e garantir que a rede mantenha o foco. Outros
P á g i n a | 160

fundamentais efeitos da rede são os vínculos que vão se estabelecendo entre os


membros de diferentes grupos, incentivados pelas ações do facilitador, criando uma
confiança que favorece a troca de experiências em um nível bem mais profundo
do que o informativo.

Informação é sinônimo de poder nesta rede. Em uma estrutura


organizacional não horizontal, o poder se concentra e, por isso também a
informação, que nesse caso, não é transmitida para ser usado no momento
oportuno, como parte do conhecimento e com vistas a acumular e a concentrar mais
poder. Nas redes, o poder se descentraliza, por isso também o conhecimento,
distribui-se e se divulga para que todos tenham acesso ao poder, representado pela
posse das informações.

O exercício da liberdade, responsabilidade e democratização do


conhecimento, que a lógica que esta rede desenvolve, ajuda a mudar os paradigmas
que a cultura dominante introjeta na sociedade. É uma prática nova que reeduca –
embora essa reeducação possa ser um processo lento de superação dos hábitos,
métodos e perspectivas que nos cercam de todos os lados, continuamente.

Segundo David Edelman e Saba Malak, em uma pesquisa publicada no


livro Rompendo Hábitos de Consumo, sobre a impressão das pessoas em relação
às estratégias de mercado neoliberais, mais da metade responderam que preferem
não participar das propostas. No entanto 88% dos mesmos disseram que ficariam
felizes em fornecer informações em troca de um “benefício de valor real”. A questão,
claramente não é relativa ao fim, e sim sobre como a informação é coletada e
aplicada.

Uma vez que a FAS3 tiver obtido informações sobre um grupo, ela pode
passá-las para outros grupos, a fim de ajudá-los a criar elos mais consistentes. Isso
não caracteriza a Fundação como ator principal na concretização dos objetivos; em
vez disso, os grupos devem elaborar em conjunto com a FAS3 formas de promover
os objetivos da rede, usando para isso o conhecimento que terão sobre o território
em comum.
P á g i n a | 161

A FAS3 terá um contato mais frequente e direto com a comunidade,


através do FECOL e outras parcerias, tornando-se um facilitador importante para os
grupos acadêmicos, os quais não dispõem de recursos para alcançar individual e
diretamente mais membros do grupo comunitário. As parcerias nascem
especialmente poderosas dentro desta rede, em virtude de seu nível baixo de
integração vertical. Para receber seus serviços, a FAS3 conta com a UFPR Litoral,
que por sua vez necessita da FAS3 para ter acesso ao grupo comunitário
definitivamente. Tal interdependência da cadeia de valores aumenta as chances
para a formação de parcerias que levam a novas oportunidades para se atingir de
forma mais consistente os objetivos da rede.

O foco das tradicionais parcerias entre universidade e outros grupos está


nos repasses de recursos, no fornecimento de serviços e produção de mão de obra
qualificada, na interação entre os alunos e os representantes de diversos grupos
sociais. Nossa proposta passa por trás desses pontos óbvios de contato para
explorar as questões que resultam muito mais do que na mera manipulação
utilitarista do conhecimento.

Os relacionamentos baseados nesta rede, não somente seduzem mais


pessoas a participar de forma consistente do Projeto Pedagógico da UFPR Litoral,
mas também encorajam os sujeitos a desenvolverem conhecimentos adicionais para
receberem benefícios adicionais. E quanto maior o investimento na rede, mais
oneroso e inconveniente torna-se a saída da mesma. Quando os custos de
transferência advêm de ações e conhecimentos que os participantes investiram
visando o recebimento de serviços e benefícios futuros, a ligação é persuasiva e
consistente.

Banco FIDES

Fica clara a necessidade de interação entre os grupos que comporão a


rede FAS3, de tal forma que cada um dos seus respectivos membros sinta-se
competindo por algo que os recompense, por sua forma de agir dentro da rede, no
entanto, com valores significantes para todos os grupos.
P á g i n a | 162

Os instrumentos para essa interação e competição em rede serem


praticadas, já foram elaborados de acordo com a cultura, são os diversos programas
de sustentabilidade e projetos pedagógicos que existem atualmente. Integrados à
rede, tais programas e projetos deixam de ser apenas de participação voluntária e
espontânea para tornarem-se instrumentos de ascensão vitais dentro de uma rede
social estabelecida com valores focados no Ecodesenvolvimento, o qual se torna
fundamental e somente alcançado pela organização e participação individual.

A repartição de valores e circulação do conhecimento supõe algum tipo


de suporte sistemático – escrito, gráfico, auditivo e informatizado – que faça
chegar o valor e o conhecimento aos grupos de participantes, no ritmo, frequência e
forma, situados de acordo com regras estabelecidas pelo facilitador (FAS3). Todos
devem ter acesso livre a esse suporte e suas comunicações têm de ser difundidas
aos demais. As regras estabelecidas devem fixar limites quanto à dimensão,
frequência e conteúdo das mensagens, para se adequarem aos meios disponíveis e
aos princípios da rede.

A proposta da rede se estende, portanto, a um suporte: um programa de


fidelização, gerenciado pelo FIDES e representado pelo Banco FIDES, um banco de
conhecimento, que busca por meio de persuasão customizada, construir e manter a
fidelidade dos grupos à rede criada. A fidelização é basicamente construída pelo
relacionamento constante, diferenciado e personalizado com os mesmos. Com foco
no conhecimento e na adoção de práticas que possam criar e agregar valor para os
participantes, a fidelização permite a formação de elos duradouros entre os grupos.

A FAS3 e todas as instituições que a compõem, poderão através do


Banco FIDES aumentar as suas bases incorporando-as à promoção do progresso
humano e desenvolvimento solidário. A partir da formação desta base a FAS3
poderá, por exemplo, sistematizar e reconhecer e divulgar informações geográficas
sobre os grupos. Estas informações servirão, por exemplo, para que a UFPR Litoral
possa gerenciar melhor seus esforços de desenvolvimento local. Contudo, ao longo
do tempo, a universidade pode usufruir de laços mais fortes com todos os grupos e
consequentemente buscar continuamente à consistência de seu projeto pedagógico,
levando seus alunos para categorias de ação mais solidárias.
P á g i n a | 163

A situação problema tem como foco o desafio de lançar um sistema que


envolva as pessoas emocionalmente e não somente pela bonificação. Estabelecer
laços com o aluno baseado em sua vivência e desejos revelando a necessidade de
desenvolvimento de estratégias que combinem as relações de simples troca de
benefícios particulares a outras recompensas, de caráter mais abrangente, ligados à
dimensão socioambiental de seu território por exemplo. Uma estratégia de
relacionamento que combine as modernas ferramentas de gestão e consiga
comunicar-se emocionalmente com os membros terá, portanto, bem mais chances
de manter sua consistência.

A melhor maneira de se estabelecer um banco de conhecimento – Banco


FIDES - sólido e ao mesmo tempo com suporte eficiente para a rede é a
implantação de um cartão de fidelidade. Este cartão deve ser gratuito e constitui
simplesmente na iniciativa de acolher particularmente os Pacos para os membros
dos grupos que mantiverem hábitos conscientes e que participarem dos programas
propostos na rede. Na UFPR Litoral já existe um sistema de identificação, inclusive
com carteirinhas e seus códigos de barras, aos quais se podem vincular um banco
de dados da nova rede. Assim, a carteirinha terá consistência em sua finalidade de
autorização para os alunos, ao trocarem seus Pacos, acessarem serviços já
presentes no cotidiano universitário e que atualmente não são valorados: como
empréstimos na biblioteca, uso do laboratório de informática, presença nos espaços
de aprendizagem.

Como já foi tratado, muito dos projetos pedagógicos são apresentados


apenas como uma forma efetiva de promover o neoliberalismo, diferenciando
categorias profissionalizantes e aumentando os recursos do mercado. Sendo assim
a implicação está em utilizar tais projetos para fomentar a integração e competição
dentro de uma rede, onde a vantagem coletiva é o foco essencial, mas onde a
vantagem individual é fundamental para ser empregada como motivação nos
grupos, fazendo com que cada membro participe dos programas e contribua de
forma consistente para a prática ecodesenvolvimentista. Destarte, esta proposta de
transformações é necessária para que os aparelhos da UFPR Litoral e as ações
solidárias dos alunos se convertam em instrumentos de ascensão vitais dentro da
rede.
P á g i n a | 164

Benefícios

Mesmo que todos os membros do grupo sejam racionais e centrados em


seus próprios interesses, e que saiam ganhando se, como grupo, agirem para atingir
os objetivos da rede, ainda assim eles não agirão voluntariamente para promover
esses interesses coletivos. (OLSON, 1999)

Olson afirma que quando está em pauta um benefício coletivo, um


benefício caracterizado pela impossibilidade de discriminação entre aqueles que
contribuíram para o provimento do mesmo daqueles que não o fizeram, alguns dos
membros podem preferir não contribuir para a consecução dos objetivos. Isso
porque o ator, mesmo não contribuindo com a consecução do benefício coletivo,
pode usufruir de igual modo da vantagem em questão.

Mesmo que os custos da colaboração sejam mais reduzidos do que os


benefícios recebidos individualmente, a desistência tácita na ação coletiva é natural
sempre que o efeito da contribuição de cada indivíduo para a provisão do benefício
coletivo não exercer "uma diferença perceptível para o grupo como um todo, ou para
o ônus ou ganho de qualquer membro do grupo tomado individualmente" (ibid.).

Como a consequência positiva que cada contribuição individual exerce


sobre o beneficio coletivo não é notada, pelo fato de ser muito reduzida, e essa
contribuição envolver custos, é racional que o ator interessado não arque com esses
mesmos custos, maximizando assim a sua conveniência. Grupos cujos membros se
deparam com essa percepção em relação à contribuição individual dos mesmos
para a produção do benefício coletivo são classificados por Olson como "latentes".

O "dilema da ação coletiva" em grupos "latentes" reside justamente nessa


ambivalência: na medida em que todos os membros do grupo raciocinam da mesma
maneira, isto é, na medida em que procuram maximizar as suas respectivas
utilidades às custas da deserção, pelo fato de não notarem, no fim, qualquer
acréscimo significativo no nível de provisão do benefício coletivo para o grupo como
um todo ou para algum membro isoladamente por conta da contribuição individual, o
resultado acaba se tornando desastroso do ponto de vista agregado. Do ponto de
vista da racionalidade coletiva, todos ganhariam caso houvesse uma cooperação
P á g i n a | 165

integral. Porém, de acordo com a racionalidade individual, a deserção não deixa de


ser a estratégia que proporciona a recompensa mais vantajosa a cada membro,
independentemente dos outros membros do grupo cooperarem ou deixarem de
cooperar.

Embora os participantes possam ficar satisfeitos em serem


recompensados por seus hábitos, os pacos que recebem podem não elevar suas
opiniões em relação aos objetivos do programa. Portanto, é necessário oferecer
incentivos e recompensas certas para encorajar os membros a usarem a rede com
frequência.

Em relação a UFPR Litoral, no entanto, o objetivo não é tentar conquistar


todos os alunos, mas sim, preferencialmente, os que não se sentem ou não se
sentiam motivados a participar de forma consistente do projeto pedagógico. Embora
possa parecer muito simples, só é valido conquistar a lealdade dos alunos com
incentivos que reflitam uma profunda compreensão de suas necessidades.

Participação

Somente uma universidade que enfatize a autonomia do aluno e ao


mesmo tempo promova um intenso exercício com professores e servidores é que
pode transpor “antecedentes culturais” para estabelecer vínculos de confiança com
os alunos, ajudando-os a romper hábitos que vão ao encontro da consistência de
uma nova prática pedagógica.

Tanto alunos quanto servidores e professores precisam ser capacitados


para a rede ter a maior abrangência de entendimento e apoio possível. Necessitam
obter informações sobre Economia neoliberal e Economia Solidária. Posteriormente,
devem conhecer os propósitos e objetivos deste projeto, assim como seu sistema de
funcionamento.

Todos os assalariados da universidade, independentemente de trabalhar


diretamente na nova rede ou não, precisam conhecer e divulgar o projeto e poder
esclarecer dúvidas a qualquer momento. Este fato requer um amplo esquema de
divulgação de informações e comunicação para que se possa indicar e manter uma
unificação dos procedimentos operacionais da rede.
P á g i n a | 166

O objetivo é garantir que todos tenham acesso as mesmas informações.


É imprescindível ouvir com atenção todos os membros, assim como adotar suas
boas ideias. Sob motivação adequada surgirá o entusiasmo necessário capaz de
induzir mais pessoas à proatividade em relação à rede, ao projeto pedagógico e
consequentemente à própria emancipação.

Considerações

Até agora, poucas universidades tentaram reconstruir os laços com a


comunidade por meio do estímulo do envolvimento do aluno, mas o apelo dessa
abordagem é enorme.

Cada vez mais pessoas valorizam a confiabilidade e a estabilidade


geradas por um relacionamento duradouro com organizações que compreendam e
possam responder às suas necessidades específicas. Isso exige uma ampla
reorganização das ideias sobre os valores que a universidade oferece aos seus
alunos, bem como da prática pedagógica que ela oferece.

A maioria das universidades apenas gerencia o aprendizado e distancia-


se dos alunos; enquanto uma universidade que promove a lealdade enxerga o
relacionamento entre os indivíduos que a compõem, como sendo igualmente
profundo. A presente proposta ganha poder por meio da criação de uma experiência
comunitária, que transcende os benefícios fornecidos somente pelos diplomas,
tornando-se profundamente arraigada na vida emocional de alunos, professores,
servidores e qualquer pessoa que sinta interesse em entrar na rede.

Um relacionamento entre organizações e pessoas baseado em um claro


entendimento dos papeis de cada um, de suas responsabilidades, torna-se cada vez
mais importante. A FAS3 pode ajudar a estabelecer os limites, devolver essa visão
em parcerias com outros setores e regular quando necessário. A universidade deve
fazer, criar, inovar e produzir novas formas de praticar uma pedagogia libertadora.
Os indivíduos devem exercer seus poderes de emancipação e demandar suas
necessidades básicas rompendo antigos hábitos que desencontram o
Ecodesenvolvimento.
P á g i n a | 167

Acreditamos que uma visão compartilhada entre todos os grupos


complementares na educação sobre o real significado do conceito de
Ecodesenvolvimento é a chave para um futuro sucesso. Sem essa visão, as ações
necessárias para permitir a autossustentação da rede ou não serão realizadas ou
parecerão arbitrarias.

4.3 Conclusão

O dinheiro é uma metáfora humana, uma ferramenta cultural. Por ter essa
característica, tal qual a cultura o dinheiro repudia padrões desviantes. Ele funciona
como elo entre as diferentes sociedades humanas. Cada qual unida sobre seus
valores e princípios, com seus mecanismos de comunicação. As sociedades
neoliberais utilizam o dinheiro não como um meio de comunicação, mas como o fim
do desenvolvimento. Assim, todo o dinheiro tende a “correr” para uma sociedade
humana abastada, que aumenta os lucros deste sistema. Se lucra mais, o sistema
se diz crescente, em ascensão. Porém, como prevê um desenvolvimento humano
quantitativo, não percebe ou ignora os malefícios sociais e ambientais desta
ideologia, apontados durante este trabalho. A humanidade propaga, assim, uma
cultura que a fragmenta e a destrói. Privar seres humanos de possuir dinheiro, é
impedir que aja envolvimento humano; sem envolvimento, não há desenvolvimento.

A UFPR Litoral mesmo que esteja engajada em quebrar o paradigma


dominante, acaba, por fim, condenada à reproduzir o neoliberalismo. Ao centralizar o
poder e a informação, esta ideologia criou os desertos monetários e intelectuais.
Nestes ambientes, a não interação humana acarreta numa perda considerável de
capital social: há subutilização das capacidades humanas. Monetário ou intelectual,
estes fenômenos negativos do neoliberalismo são desertos, e se curam da mesma
maneira: fornecendo o que neles não há. Um deserto monetário se refaz com a
metáfora dinheiro; o intelectual com o capital social. Como a UFPR Litoral possui
estrutura e capital social estável, dado pela ligação de confiança existente entre
seus membros, e como sua função e objetivo é disseminar o conhecimento
libertador, então deve-se buscar um meio de utilizar estas potencialidades para
integrar a humanidade, produzindo e aplicando conhecimentos que tenham estas
premissas: como aqueles projetos que têm o foco no Ecodesenvolvimento e na
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economia solidária. Disseminar estas informações é mais viável através da


metodologia de redes, que findam com o aumento da confiança e disseminação da
informação entre essa. Isso, como foi explicado neste ensaio, significa aumento de
capital social que, por sua vez, significa aumento de dinheiro que, por sua vez,
significa interação humana. Se a riqueza monetária de uma pais é dada pela
velocidade que o dinheiro circula dentro dele, então a mesma lógica funciona para o
capital social: mais capital social significa maior circulação de informação
(quantidade e qualidade) entre os integrantes de redes sociais.

Uma rede que finde apenas instruir atitudes individuais e contribuir para
um bem maior, que é o progresso de todos os humanos, não pode se embasar nas
lógicas da ideologia neoliberal. Por ser uma ferramenta cultural já valorada, o
dinheiro a circular dentro desta rede não pode ter os mesmos valores do dinheiro
neoliberal, centrados na lógica capitalista da mais-valia. O dinheiro serve
simplesmente para pacificar as pessoas e disseminar a informação, através das
relações humanas: por isso chama-se Paco, na Rede FIDES. Nesta rede, a
finalidade maior é acumular capital social para cidade de Matinhos, auxiliando-a em
sua autonomia político-financeira. Para isso, criar-se-ia um banco de conhecimentos.

As experiências conseguidas através do envolvimento dos autores no


Fórum Nacional de Economia Solidária, na vivência de 22 dias no Conjunto
Palmeira, na leitura interdisciplinar (embasada em etimologia, antropologia,
economia, educação, história crítica e Ecodesenvolvimento, principalmente), no
conhecimento conseguido durante os quatro anos de formação no curso de Gestão
Ambiental da academia, levaram à conclusão exposta neste ensaio. Chama-se de
ensaio, pois, como tentou-se demonstrar, a revolução não é uma marco histórico. É
um processo. Parafraseia-se Freire: a vida não é, está sendo. Somos atores de uma
história que se refaz cotidianamente. Adequar-se às regras, simplesmente, é
reproduzir invariavelmente o erro cabal: a ideologia neoliberal, instável, fragmentada,
em crise paradigmática.

As universidades, redes que funcionam em prol da educação e instrução,


não podem simplesmente acomodar seus futuros cidadãos. Pompeo lembra que o
progresso não é natural: quem está acomodado, feliz, não quer progredir. Formar
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alunos não pode, portanto, ser o mesmo que conformar alunos. Devem ser críticos
de sua própria realidade, a fim de poderem mudá-la. Sem as informações e a
organização necessárias, no entanto, isso não é possível.

Contribuir para a disseminação de uma cultura alternativa a atual é algo


primordial em uma educação crítica. Como o processo educativo não possui
barreiras temporais ou espaciais, criar um modelo pedagógico com estas
características é o mesmo que se aproximar da autonomia das pessoas. Uma
interação cultural e humanística não pode ser homogênea (disciplinar), tampouco
limitada à universidade e uma data. Enquanto vivíamos no Ceará, em nossa
vivência, escrevemos em nosso diário online <http://emprofusao.blogspot.com/> :

“Onde está o elo entre a comunidade acadêmica e a cientifica?


Anseiam-se, oras, então por que se compelem?
Por que agem tão dispersas, fragmentadas; como se houvesse um
abismo entre elas?
Precisamos resgatar os valores humanos!!
A pergunta óbvia e substancial surge em um tom natural: “Como??”
Como resgatar os valores humanos?
Oras, simples: VALORANDO-OS!!!”

Se novos valores humanos, aqueles da humanidade, forem impostos pela


rede, então ela atuará nesse sentido: em prol dos humanos, independente da
intenção de seus membros. Este escrito é, pois, um Ensaio sobre a Revolução
Matinhense: como utilizar as potencialidades existentes hoje na cidade para quebrar
os paradigmas científicos e habituais que nos movem em direção à uma cultura
preconceituosa, prepotente, massificadora, disseminadora de miséria, renegadora
dos direitos humanos, centralizadora de poder, destruidora do mundo. O tom com
que se deseja encerrar este projeto é poético e profundo. A seguinte poesia chama-
se “Teremos Tudo”, e foi escrita pelo ser humano poeta Reginaldo Figueiredo, um
dos responsáveis pela Economia Solidária no estado do Ceará. Segue:

Teremos Tudo

Quando todos nós entendermos


que de nada somos donos
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teremos tudo.
Com muito prazer presentearemos
E seremos presenteados.
Não haverá violência
Nessa vivência
Convivência humanitária
Justa e fraterna.
Ninguém manda, ninguém impera
Na água, no ar, na terra
Não faremos guerra.
Compartilharemos com a natureza
Ampliaremos sua beleza,
Produzindo e consumindo
Somente o que é bem-vindo.
Quando todos nós entendermos
que de nada somos donos
teremos tudo.
Reginaldo Figueiredo

4.4 Referências Bibliográficas:

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