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Tarde cinzenta. Desde há muito que a névoa e a noite firmaram-se como uma morada
para o pensar poético e filosófico. Entro nesta casa que me chama. Sigo o pensamento por
entre estreitas paredes que não são paredes, e quando imagino tocá-las, o que toco é um
espesso véu que recobre meu corpo como um invólucro. Chove. Chove muito lá fora.
Atravesso as poças de água que formam longos espelhos e eu,
um cão a cruzar a zona.
Chego a uma parte muito confusa e cheia de silêncio, mas daquele(s) silêncio(s) que a
gente vê e ouve. Porque o silêncio sempre quer dizer alguma coisa mesmo quando ele não
pode, no horizonte do impossível. A esta zona, ou um palco onde tudo parece bailar em
movimento, chamei-lhe intersecção. E aqui começa a aventura metafísica.
Há um livro a minha frente, velho, em dois volumes e com letras vermelhas, Diálogos de
Amor, de Leão Hebreu. Leio com atenção. Apesar de o autor quinhentista, nascido em
Lisboa, ter levado uma vida errante, vivendo em Espanha e Itália, não foi este facto um mero
acidente, pois assim como a saudade vai muito mais além do circuito galaico-luso-brasileiro,
este filósofo, sem dúvida um grande filósofo à medida que o leitor se dilui nas páginas, fez do
tema do amor uma alma universal.
Penso. Por que este livro? No «Livro I» do primeiro volume, encontro a resposta. Escrito
em forma de diálogo, o filósofo nos fala, pela voz do personagem Fílon, da origem do amor:
O amor, e assim como penso também a saudade, são esses afetos que são pedra-ímã:
aproximam os distantes, unem-na-diferença. Digo que encontrei a resposta porque o amor é
este sentimento criador que intersecciona mundos, corpos, culturas. Entendo, ao tomar estas
palavras, o caos, a caosmose deste espaço interseccional da casa que me encontro: porque o
amor é a mare magnum (expressão latina para «grande mar») do Mundo. E eu e tu,
dialogia.