Sunteți pe pagina 1din 5

REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRAZIL. Ministério da Indús- 5. DE CAFÉ E DE LEITE ...

tria, Viação e Obras Públicas. Directoria Geral de Estatística. Recen-


seamento de 31 de dezembro de 1890. Rio de Janeiro: Oficina de
Estatística, 1898.
ROSEMBERG, Fúlvia et a1. A situação educacional de negros (pretos o
pardos). São Paulo, 1986 [Relatório de pesquisa do Departamento de
pesquisas educacionais/Fundação Carlos Chagas].
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições Rosa Maria Rodrigues dos Santos
e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das L -
tras, 1993. O propósito do presente artigo é relatar e levantar algumas
SCHWARTZMAN, Simon et a1. Tempos de Capanema. São Paulo/Rio de questões referentes à convivência com L., uma garota que apre-
Janeiro: Edusp/Paz e Terra, 1984. sentava em seus sintomas, de modo muito evidente, as marcas e
conflitos ligados à sua origem étnica e como esta interveio na
SEADE. Pesquisa de condição de vida na Região Metropolitana de São
Paulo. São Paulo: Seade, 1992.
constituição de sua subjetividade, ou na busca desta. Esse conta-
to ocorreu durante um estágio de nove meses em uma instituição
SÃO PAULO, Secretaria da criança, familia e bem-estar social. Conta-
de tratamento para crianças com dificuldades emocionais graves
gem de crianças e adolescentes em situação de rua na Cidade de São
Paulo. São Paulo: Secretaria da criança, família e bem-estar social, ou portadoras de comprometimento global do desenvolvimento.
1993. Março de 1995, início de ano no país do Carnaval. Início de
SEIFERTH, Giralda. A estratégia do branqueamento. In: Ciência hoje, v. 5, uma importante - e muito desejada - atividade no último ano de
n. 25, p. 54-61, 1989. graduação: estagiar como psicóloga em um Hospital Dia Infantil
-. Os paradoxos da miscigenação: observação sobre o tema imigração e em Saúde Mental da Prefeitura de São Paulo. Era muito mais que
raça no Brasil. In: Estudos AfIO-Asiáticos, n. 20, p. 165-185. Rio de isso ... Atividade inquietante! Afinal, o que seria passar quatro
Janeiro, 1991. horas do dia em contato com crianças autistas, psicóticas, neu-
SERVA, Mario Pinto. A virilização da raça. São Paulo: Companhia Melho- róticas graves? Eis o grande frio na espinha do primeiro mergu-
ramentos de São Paulo, 1923. lho na piscina ... Contudo, havia uma postura a priori: a relação
SILVA, Nelson do Valle. Distância social e casamento inter -racial no Bra- deveria se dar entre mim e as crianças e não com "interessantes
sil. In: HASENBALG, Carlos A. & SILVA, Nelson do Valle. Relações patologias", o que não impediria o interesse teórico e de forma-
raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Rio Fundo Edito- ção. Começava o desafio.
ra/IUPERJ, 1992, p. 17-53.
O estranhamento, no começo: crianças com vários comporta-
SKIDMORE, Thomas. Fato e mito: descobrindo um problema racial no
mentos bizarros, falas estereotipadas, falas inexistentes, "diferen-
Brasil. In: Cadernos de pesquisa, n. 79, p. 5-16. São Paulo, 1991.
tes" e, o mais curioso, crianças "normais", ou seja, aquelas que
TELLES, Edward & LIM, Nelson. Does it matter who answers the race provocam a pergunta: "por que estão aqui?" Sazonalmente, com
question? Racial classification and income inequality in Brazil. In:
Demography, V. 35, n. 4, p. 3465-3474, 1998.
sutileza ou não, a resposta chega, revelando o que é comum a to-
das: um intenso sofrimento psíquico.
WAGLEY, C. Race and class in rural Brazil. New York: Columbia Univer-
sity Press, 1952. Para apaziguar tal sofrimento - já que sua cura é bastante
WOOD, Charles. Categorias censitárias e classificações subjetivas de questionável - a equipe de técnicos da instituição priorizava, em
raça no Brasil. In: LOVELL,Peggy (orq.). Desigualdade racial no Bra- vez do uso medicamentoso, a consideração de cada criança como
sil contemporâneo. Belo Horizonte: CEDEPLAR, 1991, p. 93-111.

120 121
4
um sujeito'. Por vezes, essa consideração parecia antecipar o que . Na ép.oca, L. - como será conhecida - contava nove anos de
ainda era da ordem do porvir, já que os modos com que alqumas Idade. Miúda, rosto e gestos delicados, Vasta cabeleira bem enca-
podiam se apresentar - seus gestos, aparentes sensações ou ,I racolada q~e, ~om sua cor de pele, não Permitiam a negação de
mais plena falta delas - traziam a dúvida quanto ao seu pertenci sua ascendência ne.~ra. Mas, neste Brasil, seu fenótipo possibilita-
mento à nossa espécie: "é mesmo o comportamento de um huma va que foss~ tranquilamente chamada de "moreninha". Contudo,
no, de um(a) menino(a)?" nada tranqüílo era o modo como L. se autodefinia: "eu sou loira!"

Ultrapassar essa dúvida e trabalhar considerando sempre o L. é filha de mãe negra e pai loiro". A mãe fora expulsa de casa
contato com uma criança era mais que uma crença, era um posicio quando se d~scobriu qu~'. solteira, estava gráVida. Não recebeu
namento teórico, ético e político; pré-requisitos fundamentais qualquer ~POlO de ~ua família, nem do pai de 1., durante toda a ges-
para se lidar e lutar pelo tratamento das loucuras fora do âmbito taçao. Apos o nascimento, os pais da menina se uniram novamente
psiquiátrico asilar, que perverte e aniquila toda a condição huma durante um período repleto de fatos bastante conturbados tais
na. Essas foram as primeiras e básicas lições dadas pela equip como tentativas de homicídio por parte do Pai contra a mãe' c'e
em sua forma de agir. q~e teríarn
enam sídSI o presencia. d as por L. em fases muito precoces ' de sua
nas
vída. O casal se s~P~~~. O pai as ~a~donou para se unir a uma
O que deve se privilegiar no trabalho com crianças? Brincar mulher como ele: lo~a . L: e sua mae vao Para um cortiço, onde ti-
formar, não é? No caso, auxiliar em aspectos da formação de sujei- veram que enfrentar InClUSIVea fome. Hoje moram com a família do
tos de um modo lúdico. Assim, as atividades propostas visavam lado materno, ainda enfrentando grandes dificuldades.
cumprir este objetivo através de atuações em grupos: as oficinas.
Cli~icamente,. a cria~ça sofreu graves alterações em seu de-
Estas eram espaços promotores da subjetivação através do movi-
senvolvrrnento psícoafetívo . de tal modo que foi situada , cliní
mca _
mento, das artes de cozinhar, da vivêncie ecológica, dos esportes e
men t ~ falan d o, na fronteíra entre a neurose e a psicose. L. já havia
também do livre brincar que elas criassem" recebido alta do tratamento no H.D. há mais de um ano ._
• . d . - , mas VI
Para que o auxílio na formação ou restituição da subjetividade vencias e pnvaçoes materiais e afetivas tidas por ela e sua mãe
ocorresse, nessas oficinas deveriam operar atos terapêuticos, pro- desencadearam novas crises, motivando o reínícío do tratamento.
motores do desenvolvimento daquelas crianças, fora do setting de Dentro dessas circunstâncias, a minha chegada ao H D
terapia. Desse modo, a palavra de ordem era a de intervir de modo alqo bastante esperado pela equipe. Além de ser uma nov~ ~s~~~
lúdico e respeitoso, evitando-se a mobilização de afetos que não ~Iana ~ue terra um contato freqüente com L., eu possuía uma qua-
pudessem ser lidados em grupo. As oficinas seriam o principal es- lídade Importante e desejada para o caso: sou negra.
paço de ação durante o estágio. Configurou-se, assim, o cenário
dos relatos, tomando-se, de modo especial. as oficinas de artes, A primeira vez que L. me viu, o fez de modo desconfiado com
pela qualidade e importância dos fatos ali ocorridos". um ~er~o.desdém, _como rabinho de olho: "Quem é essa aí?'" Ha-
VIa indícios que nao deixavam dúvidas quanto ao fato de "es
'" t d usa
ai er provoca o algum sentimento em L., desde o primeiro

1. Falar de sujeito, neste sentido, é tratar do sujeito do inconsciente, dividido em seu saber,
falho - impossibilitado de ser pleno de si mesmo - e, dentro do possível, conhecedor de 4. As iniciais utilizadas são fictícias, não correspondem às ini . . d .
dos pacientes. ClaIS os nomes verdadeiros
suas falhas: o humano do qual trata a psicanálise.
2. O itálico destaca o nome das principais oficinas existentes na instituição. 5. A "loíritude" desse pai poderia até ser questionada, POderl'ase trat d h "
'" bé . ar eum ornem sa-
rara - tam em rnestíço de negros. Contudo, este dado Perdea sua I . ,
3. Todo o material trazido é totalmente independente dos conteúdos - expressamente sigi- ao poder que exerce no imaginário da criança um pai com cara t . stí eva~cla comparado
losos - da análise da criança, realizada durante anos por um psicólogo da instituição. branquitude, já que "loiro" é uma dimensão de branco. c ens icas e uma suposta

122 123
olhar ... Talvez a negritude negada e agora refletida num espelho". de entre ela e nós. 1., em seguida, pediu-me que desenhasse no-
Dias depois, eu começava a participar da oficina de artes, onde L. vamente essa parte de seu corpo. Concordei. Porém, repeti o de-
também estaria. Ela me reconheceu e pediu que eu a desenhas- senho em cor marrom, não tendo havido reclamações por parte
se. Assim fiz. Desenhei o rosto de uma garotmha ~egra - muito dela. L. contou a todos os presentes que possuía "píntínhas" pelo
parecido com o seu - e sua linda cabeleira, tudo pintado com as corpo, apontando-as. Eram pintinhas imaginárias. Dissemos a ela
que não era possível vê-Ias. Pediu que eu fizesse o desenho de seu
devidas cores.
"bumbum", o que fiz também com a mesma cor: marrom. L. com-
Obviamente, recebi o pedido "pinta meu cabelo de l~iro!", não pletou o desenho fazendo seu tronco, pernas, cabeça e todo o res-
com um ar briguento, mas imperioso. Respondi negatIvamente, tante do corpo como se estivesse de costas, finalizando com cabe-
tentando mostrar as diferenças e semelhanças de uI? gIZ de cera los loiros e várias pintinhas pelo corpo. Participando da oficina es-
amarelo e outro preto em relação ao seu _cabelo. ~alS u~a ~ez: ~ tava uma outra garota, ruiva e muito "píntadínha". Eu disse a L.
óbvio. O apelo ao concreto, à realidade, nao fez muito efeito. Nao. que parecia que ela admirava e gostaria de ser como sua amiga.
Eu sou loira!", seguido por um "não sou?", que trouxe uma leve Silêncio. Pediu, então, que eu fizesse "cocó saindo do bumbum"
. t I
esperança: havia um esboço de questíonamen o. em seu desenho. Dessa vez eu preferi que ela mesma desenhasse.
Além de ser "loira", L. exigia ser chamada de "Fedora" por L. tomou em suas mãos o lápis de cor marrom, o mesmo do contor-
toda a equipe e em sua casa. Esse apelido,fora dado ~urante um no de todo seu corpo, e fez "muitos cocôs" , fazendo menção ao
encontro da oficina de artes, há tempos atrás'. Ca,da cnança_rece- "fedô" que deles saía.
beu um apelido que durou na memória por um per!odo que nao ex- Assim, parece ter sido revelada parte de uma cadeia assocíatí-
cedeu uma tarde, com exceção de L. Tal rete~ç~o eVIdencIava o va que, hipoteticamente, teria garantido tamanha adesão e prefe-
fato de que esse nome teria significados especiais para a memna, rência em relação a seu apelido - Fedo(ra) -, em detrimento de seu
significados que seriam suposta~ent:. coerentes alguns de ~0I? próprio nome. É concreta a ligação entre a sua cor e a cor do
seus desejos inconscientes, o que [ustífícava sua sxiqencia em ser "cocó", sendo que foi sempre utilizado o mesmo lápis. A exube-
chamada por "Fedora" . Curiosamente, quando s~u ~pelido era ut~- rância do que sai do corpo sugere que este seja recheado de fezes,
lízado, L. se mostrava mais "mandona", o que dífena de sua delí- fezes malcheirosas, com fedor... Fedora. Talvez através da utiliza-
cadeza habitual. ção desse nome estivesse sendo expresso o qozo" contido no
O relato de uma tarde, na oficina de artes, trouxe elemen:os modo como L. podia ver sua negritude: via uma menina-cocô.
que contribuíram para a formulação de algumas especulaçoes Essas conexões, associações supostas 10, são bastante coeren-
acerca dos possíveis significados desse nome para a garota. tes com várias piadas e ditos populares racistas. como "se negro
Nesta tarde, L. mostrou um interesse particu~a~ po,: temas r,~B- não caga na entrada, caga na saída", o que faz com que seja possí-
lacionados à sexualidade. Fez os desenhos de vanas xoxotas .: vel se fazer outras especulações. Possivelmente, esse é o modo
sendo que a sua era "branca", enquanto a minha e de outras mem- como a mãe de L. se percebe enquanto negra, o que talvez tenha
nas negras do H.D. eram "pretas" - evidenciando uma deslgualda- Influenciado em sua escolha de parceiro. Um homem imaginaria-
mente limpo, não-cocô, mas totalmente incapaz de respeitá-Ia

6. Considera-se, aqui, o espelho em dois sentidos: refletor das semelhanças físicas entre o
mãe e ela; e especular (speculum), o que vai questionar tais semelhanças.
. Termo que, psicanaliticamente, designa mescla de prazer e de dor.
7 Neste encontro, uma profissional atribuiu apelidos às crianças, apeli90s que bríncavan;
de alguma forma com seus nomes. Assim, não houve uma prarneditaçào na escolha, mas 10. Sempre é referido o caráter hipotético e especulatívo das idéias expostas, por serem fru-
tomando-se, por outro lado, que considera as próprias questões do ínconscíente, pode-s \Ode pequenas observações, sem dúvida importantes, mas fora da profundidade obtida em
dizer que existiu uma relativa arbitrariedade. IIIn processo psicanalítico, que permitisse a expressão de uma forma mais positiva, em fun-
V o da maior quantidade de dados, vindos de um tipo de relacionamento mais controlado.
8. Nome utilizado pela criança para se referir à vulva.

124 125
como mulher. De forma dolorosa, mãe e filha S~? trocad~s pelo
imaginado "selo de qualidade dourado" dado pela l.amtude ,ta~- mentira que ela presentifica. O que lhe faz mal não é tanto a situa-
bém suposta, de outra mulher. Diferenças híerarquízadas evalo~I- ção real quanto aquilo que, nessa situação, não foi claramente
verbalizado. É o não-dito que assume aqui um certo relevo (Man-
zadas cultural e socialmente, deixando seu legado na constítuíçao nonni, 1970, p. 70).
psíquica, subjetiva.
Assim, quem pode ser L. senão a doida e doída confusão que é L. é filha de negra e branco, merecendo o lugar de direito de
a "loira" Fedora? Loira e negra ao mesmo tempo, de u~ modo qu.e cada uma das partes que compõem a sua condição de "mestiça".
somente pode ter existência no inconsciente, onde n~o s~ cons~- Passa-se, desse modo, da condição de "café com leite" para a de ser
dera o tempo e o espaço tal como os conhecemos, e nao ha POSSI- feita "de café" e "de leite". Ambos compõem o inteiro, heranças
bilidade de contradições. O império do Princípio do Prazer e tam- materna e paterna que a constituem como humana. É, então, possí-
bém do gozo. vel se observar os mesmos fatos dos dois lados. Um que privilegia a
Por esse prisma, L. não é nada além de "café com leite" 11, ~o psicose, marcando a ausência de um sujeito, já que está todo ele
imerso num denso discurso familiar que não lhe dá lugar, nem direi-
sentido mais autêntico das brincadeiras de criança: ~m nada, pOIS
to para surgir e ter sua fala independente - a cela da loucura. O ou-
nada vale. Nada, que tem a sua existência e permanencia benevo-
, tro traz o privilégio da neurose, no qual o sintoma é o grande apelo
lentemente toleradas. Nenhuma regra a atirlge. E.como nada vale,
do sujeito para se libertar e se fazer valer através de sua voz. A cri-
tudo vale. A criança aparece muito imersa ~o .~scurso m~terno,
onde negro e loiro são marcas importantes, síqnífícantes. Lona t~- ança, sendo marcada pelo universo simbólico dos pais, por sua vez
influenciados pelas gerações anteriores, apresenta em seu sintoma
vez seja o que a mãe de L. gostaria de ser, par~ sentir-se em condi-
ções de manter o homem desejado perto de SI. Dessa forma, ~em um enigma a ser decifrado por meio da palavra. Na psicose a aliena-
se torna loira é a filha, através dos poderes de Mídas do deseja m- ção no universo simbólico do Outro é quase total, diferentemente
do que ocorreria na neurose (Mannonní, 1971).
consciente materno, desejo este que L. viria a completar: para ser,
talvez, valorizada pela mãe ao possuir um atrib~to que tena para .e~a Ser este nada de café com leite - totalmente positivado pelo
peso-ouro. Nos fatos assim irlterpretados, L. nao ~ode se: um SUjeI- quantum de sofrimento que traz - porta também a possibilidade
to diferenciado de sua mãe, sendo somente a manifesta?ao especu- de ser seu oposto, o tudo, irlclusive loira! É, para o observador de-
lar do desejo desta. Por outro lado, os mesmos fatos e Sillto~~ po- satento, ou melhor, desavisado, algo bizarro. Mas, para os acom-
dem marcar a busca da menirla em se afirmar enquanto sujeíto, de panhantes das vivências e expressões de L., a questão mostra a
resgatar suas origens e constituir sua inteireza ..O que podena ser ambigüidade desta situação que, ao chamar atenção para nossa
lido somente como uma idéia delirante - ser lona - pode ser tam- garota através de seu ato insólito, permite a abertura do caminho a
bém um pedido para se nomear a parte dela qu~ pe~anece recusa- ser percorrido para que L. venha a ser ela mesma!
da no contexto da família e não devidamente simbolizada: .seu per-
Por razões que só o irlconsciente explicaria, quando a equipe,
tencimento e origens étnicos, assim como os fato~ con~equentes a
após discussões sobre o caso, decide não mais atender ao pedido de
essa não-simbolização (a relação do casal pai/mãe, pai/outra mu-
L. em ser chamada de "Federa" - o que parecia, em determinado
lher, pai/filha; todas culminando na vivência do abandono).
momento, estar se configurando como um duplo, uma personagem
Não é tanto o confronto da criança com uma verdade penosa que , L. pára de formular seus pedidos. O nome surgiu na irlstituição e
é traumatizante, mas o seu confronto com a "~entira" do adulto nela morreu, cortando-se o gozo que havia em sua existência.
(vale dizer, o seu fantasma). No seu sintoma, e exatamente essa
No que se refere à relação comigo, houve um aumento gradual
de aproximação. L. me fazia sempre a pergunta: "você é loira?";
11. "Café com leite", na terminologia dos jogos infantis, é a criança desconsiderada, que 10 que sempre respondia: "sou negra". Era essa resposta que bus-
não manda, que não opina, que se submete.
cava, como num jogo no qual algo é repetido para o deleite de

126
127
quem joga. Toda vez em que se fazia necessário ou possível- mui-
tas vezes quando eu era elogiada por L. - a situação era aproveita- vesse todo O preparo de condi - ,
ao qual L. tem se submetido ~~e:n~t~~ves do processo de terapia,
da para mostrar semelhanças entre ela e eu, assim como favorecer
a sua percepção do quanto era bonita. Por exemplo, mostrá-Ia no Recordando o comprom r '.
espelho com seus cabelos soltos. no fato de se considerar se~ rmento etlco e político existente
caso, crianças _ é fundamentaf~eo~e~ontato co~ _o sujeito - no
Aos poucos, L. foi deixando de se denominar "loira" e pas-
sando a se chamar de "morena clara", depois de "morena". Eu,
para o desenvolvimento global da s b' a ?~
condlçoes adequadas
as suas representações fenotí ic li Jetlvldad,e, sendo a etnia ou
para ela, era "morena escura", o que era de certo modo permitido desse trabalho N t . p as lmportantlsslmos elementos
- embora sempre me afirmasse como "negra" - para que fosse . es e sentIdo as cri d
mentar em suas vívén . '. .lan?as. evem poder experí-
mantido um eixo de identificação - a "morenítude" - que ela pró-
de um Posicionament~I:~ny~~Pa~~ e m~tltUClOnai~a Possibilidade
pria havia estabelecido".
outras etnías, permitindo o alcan q~a o e ta~bem variado, com
Entre nós, havia várias brincadeiras e códigos utilizados para humanidade plena. ce o conceito e da condição de
marcar atividades próprias, particulares a ambas. Músicas canta-
das em determinadas situações de oficinas, "historinhas" que ser- Através dos breves relatos feit .
viam como lembretes, fórmulas para execução de tarefas, como
:t
muladas acerca deles, houve a r os, ss1m co~o das idéias for-
tomas estão diretamente ligad;S e:~~s~? ?e ;nfat~z~r como os sín-
amarrar os sapatos. Tudo foi registrado na memória de L., que
rnília, transcendendo a sim .IS or:a o sujeito e de sua fa-
sempre se recordava de cada uma dessas marcas todas as vezes de uma doença mental. As ples ~otlflCaçao de sinais reveladores
em que nos encontrávamos, durante visitas ao H.D., mesmo após agir no mundo, muito mais ~~m,u . ~ra~,pela forma com que pôde
o término do estágio. Um ritual que se repetiu sempre que possí- q
se infantil. Traz a força de hist .emdlclOS de uma suposta psíco-
vel, ritual que revelou a importância de uma convivência do passa-
têncía, e que nela irIterferiram e~;:~~ que ante~ed~;a.:n a .sua"exis-
do, reavivada em minutos esparsos do presente.
sentes em heranças e errâncias, "d~r=~n~e,:~: le~~~.dltos pre-
Indubitavelmente, o fato de pertencermos à mesma etnia e de
possuirmos uma fenotipia próxima foi fundamental na operação
de mudanças, uma espécie de catalisador. No bojo de toda uma Referências bibliográficas
relação constituída, em nove meses de estágio, pôde ser vislum-
brada a possibilidade de não mais se negar a negritude refletida no I"REUD, S. Recordar, repetir e elaborar In' Ob
espelho. O tempo de uma gestação que, se fôssemos tomar a for- de Janeiro: Standard Brasileira, S:d.· ras completas. Vol. XlI. Rio
mação da identidade étnica de L. desde bebê, o trabalho ainda não IURANVJLLE, A. A teoria do inconsci t . .
estaria inteiramente concluído. Ainda assim, esse relacionament Inconsciente. In: Lacan e a tu e2 e ~ o problema da eXlStencia do
foi como um ato terapêutíco, capaz de causar alterações na posi MANNON '. oso la. o de Janeiro: Zahar, 1987.
NI, M. A pnmelIa entreVista e . ,.
ção do sujeito - sendo adequado ao espírito e objetivo das oficinas Campus, 1970. m pSlCanaJise. Rio de Janeiro:
dentro da instituição.
A criança, sua doença e os outros _ .
Também, sem qualquer sombra de dúvida, as transformações neiro: Zahar, 1971. o smtoma e a palavra. Rio de Ja-
operadas teriam outra qualidade - ou nem existiriam - se não hou

12. A gama de cores e de aspectos fenotípicos (como claro/escuro, crespo/liso) são da lem
da linguagem marcados pela cultura nacional. Marcam "critérios de pureza" relativos
constituição da identidade étnica, tanto no que se refere à negritude, quanto ao que se rero
re à branquitude.

128
129

S-ar putea să vă placă și