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Marjorie Lewty
Sabrina 49
CAPÍTULO II
Às quatro da tarde, Samantha espiou pela porta da cozinha e viu que a sra.
Kimble tinha posto o bule no fogo. Colocou xícaras e pires na mesa e dois pedaços de
bolo de cereja.
— A vantagem das férias, sra. Kimble, é que eu sou sempre a primeira a comer
este bolo maravilhoso que a senhora faz. Mas preciso tomar cuidado para não comer
muito, senão acabo virando uma bola.
Naquele exato momento o telefone tocou e Samantha levantou-se para atender.
Durante toda sua vida nunca se preocupara com o que ia ser dito do outro lado, e
desta vez nem podia sonhar com o que ia acontecer. — Kings Worthy School — ela
disse.
— Srta. Gold? Aqui fala Adam Royle. — Ela teria sabido quem era, sua voz
soava exatamente como em pessoa, grave e segura. — Achei que gostaria de saber
notícias do sr. Barnes, estou saindo de lá.
— Oh, sim, gostaria muito.
— Tive muita sorte, encontrei o cirurgião no hospital e consegui falar com ele.
Colocou-me a par da situação. O diagnóstico diz que ele tem muita chance de
recuperar-se logo. Foi uma operação demorada e muito complexa, mas
aparentemente o coração resistiu bem, e não há motivos para preocupações. Não foi
possível vê-lo, mas amanhã, provavelmente, poderá receber visitas por alguns
minutos, portanto, o resultado foi bastante satisfatório, não?
— Sim, muito obrigada por ter me telefonado avisando. — Não podia cair na
besteira de cometer um erro novamente, e então tentou pôr um pouco de frieza na
voz.
Ele pareceu esperar algum tempo, depois disse: — Não combinamos quando
devo ir à escola, não foi? As aulas começam quando?
— Na terça-feira da outra semana. Provavelmente os alunos estarão chegando
no domingo ou na segunda-feira.
— Compreendo. Gostaria de chegar um pouco antes deles, se você concordar,
para arrumar minhas coisas. Deixe-me ver... que tal sábado, daqui há uma semana?
Está bem para você?
Ela hesitou. Havia algo estranho na perspectiva de tê-lo lá durante o fim de
semana antes das aulas começarem, apenas os dois e a sra. Kimble. Ninguém mais
chegaria até sábado à noite.
— Se tiver algum inconveniente...
— Não, claro que não — disse ela rapidamente. E, na pressa de desfazer o mal-
entendido, acrescentou: — Estaremos à sua espera no sábado, então, sr. Royle. Tudo
estará em ordem, pronto para recebê-lo.
CAPÍTULO III
O jantar já tinha sido servido e eles ainda não haviam provado nada. Samantha
estendeu a mão e pegou seus talheres. — Seria melhor se não nos demorássemos —
disse. — As duas empregadas ainda estão de férias, e a sra. Kimble não me deixa
ajudar a lavar os pratos. Se demorarmos para comer, ela terá que trabalhar até mais
tarde.
— Eu não preciso de incentivo para comer — Adam Royle respondeu. —
Especialmente se a comida tem um aroma e uma aparência tão bons como esta. Sou
um grande freqüentador de restaurantes e sei ver de longe quando uma comida é
boa.
A maionese desapareceu rapidamente e Samantha serviu o resto da comida
enquanto ele servia o vinho. Adam Royle olhou para ela com um sorriso divertido e
depois comeu com bastante apetite, sem dizer mais nada. Em poucos segundos não
havia mais nada na mesa.
Samantha lembrou-se de que, quando ele mencionara o livro, ela não dissera
nada, e nada no mundo ia fazê-la mudar de idéia. Mas agora que as coisas pareciam
estar numa base mais amigável, parecia-lhe falta de educação não perguntar.
— É sobre o que o seu livro?
Ele levantou os olhos do prato, muito assustado.
— Agora sim — disse, e Samantha sabia que ele tinha notado sua prévia falta de
interesse. — Mas talvez você fique desapontada: é sobre educação.
— Oh! — disse ela vagamente, porque livros sobre educação pareciam não ter
muita importância, naqueles dias. Todas as pessoas que tinham algo a ver com
educação escreviam um livro sobre o assunto. Ela já havia tentado ler alguns e os
achara muito teóricos. Muitos dos escritores, ela imaginava, não tinham dado
importância ao lado de dentro das salas de aula. Sem dúvida, devia haver algum
bom: ela é que não devia ter escolhido nenhum bom. Mas disse, educadamente: —
Deve ser muito interessante.
— E é, para mim. Coisas novas sempre me fascinaram. Ou talvez eu devesse
dizer coisas frescas. E o livro é a respeito de uma delas. Houve um novo início para a
educação, na Europa, ao fim do que chamamos "Idade da Escuridão". E é justamente
sobre isso que estou escrevendo.
— Oh, História! — Samantha ficou feliz com aquela idéia. — Parece ser bastante
diferente. Hoje em dia é raro uma coisa desse tipo.
Depois daquilo era fácil falar, ou seja, ouvir. História fora sua maior paixão na
escola e ela não aprendera tanto quanto gostaria. Aproveitou Adam Royle para
enchê-lo de perguntas, ouvindo, encantada, as respostas. Num piscar de olhos,
parecia que o jantar tinha terminado e a garrafa de Bordeaux estava vazia. Ela sentia
calor e conforto, com uma espécie de brilho por dentro. E não sabia dizer quanto
tempo estiveram falando e quanto beberam.
Adam Royle também parecia à vontade. Seus olhos brilhavam, por baixo dos
cílios muito negros, enquanto ele falava. De repente, Samantha lembrou-se de
alguma coisa que Lisa havia dito uma vez para ela: "Se você deixar um homem falar
sobre sua vida pessoal, estará na metade do caminho". Na hora, não percebera nada,
porque Lisa tinha o costume de soltar ditados e eles sempre estavam relacionados
com o sexo. Lisa era perita no assunto. Para dizer a verdade, desde os doze anos,
aquilo parecia ser a única coisa que a interessava.
Samantha não pretendia estar na metade do caminho com Adam Royle, claro,
mas seria bem melhor se eles fossem amigos, pois iam trabalhar juntos. Melhor para
a escola e, por causa da escola, para tio Edward. Aquilo era o que mais importava.
— O senhor me deixaria ler um pedaço do seu livro? Ou é só para especialistas?
— Não apenas para especialistas. Eu gostaria que quem o lesse gostasse dele. E,
para dizer a verdade, gostaria muito que você o lesse, Samantha.
Quando pronunciou seu nome, ela se sentiu estremecer, o que era estranho,
porque naqueles dias já era comum as pessoas se chamarem pelo primeiro nome.
Mas até agora ele só a chamara de srta. Gold, muito formalmente.
Naquele instante, a sra. Kimble entrou para tirar a mesa, e levou as xícaras de
café. Adam ficou em pé e cumprimentou-a pelo jantar. O rosto meio índio da velha
senhora corou de prazer. Para ela também aquela noite fora um sucesso. Depois,
virou-se para Samantha: — Agora, se me der licença, vou subir, desempacotar
minhas coisas e minha velha máquina de escrever. Tenho um mundo de anotações
para passar para o segundo capítulo e não vejo a hora de fazê-lo.
Ela quase disse: quer que o ajude com a datilografia? Mas parou a tempo. Ele já
deixara bem claro que não gostava de trabalhar com mulheres.
— Então, amanhã de manhã talvez você possa me mostrar a escola toda. Quero
deixar tudo certinho na minha cabeça, antes de os garotos chegarem. Não ficaria
nada bem, para o diretor, ter que estar perguntando aos alunos onde fica tal lugar.
— A hora que quiser — disse.
CAPÍTULO IV
Na segunda-feira de manhã a escola começou a tomar vida. A cozinheira estava
ocupada na cozinha e as duas empregadas mais novas do povoado se empenhavam
na limpeza e no polimento, sob a direção da sra. Kimble.
Às dez e meia Samantha estava no escritório e viu a chegada do sr. Jones e da
srta. Bayley, que, sem dúvida alguma, tinham repartido o táxi desde a estação. Ela os
observou por algum tempo, com um sorriso, o sr. Jones, muito alto e imponente,
inclinado sobre a palma de sua mão como se estivesse tentando encontrar algumas
moedas para pagar o motorista; a srta. Bayley, baixinha e de cabelo encaracolado,
fazia ginástica dentro do táxi para conseguir tirar sua numerosa bagagem.
Samantha observava a pantomima, enquanto a srta. Bayley tentava colocar
algumas moedas na mão dele. A srta. Bayley era muito divertida. Com seus alunos do
primeiro ano, era muito boa. Mas, quando tinha que se misturar com mais gente,
costumava ficar muito nervosa e acabava se portando mal, parecendo muito boba.
Teria que se manter afastada de Adam Royle o mais que pudesse, Samantha pensou.
Tio Edward apreciava as qualidades da senhorita Bayley, mas talvez o novo diretor
não as apreciasse. Tio Edward era uma pessoa mais humana, enquanto o tal sr.
Royle...
Finalmente eles resolveram a situação e a bagagem ficou nos degraus.
— E como vai você, srta. Gold? Como andam as coisas, neste nosso cantinho? —
Ela olhou com carinho para a escola. Isto, Samantha sabia, não era fingimento; a
srta. Bayley trabalhava na Kings Worthy, com tio Edward, desde o começo. E ela
vivia apenas para aquela vida que levava na escola. E para as férias, quando viajava
sempre.
Enquanto eles carregavam as malas para o hall, Samantha deu-lhes as notícias.
O sr. Jones balançou a cabeça em sinal de preocupação e quis saber todos os
detalhes. Já a srta. Bayley soltou uma exclamação: — Um estranho! Oh querida!
Estou muito chateada com o que aconteceu com o pobre sr. Barnes, claro! Mas é
muito chato trabalhar para um estranho. Ele é um bom homem, srta. Gold? Quando
é que vamos encontrá-lo, conhecê-lo?
Aquele era o problema. Tio Edward sempre fazia um encontro o corpo docente,
antes de as aulas se iniciarem, e oferecia bolo, café e alguns biscoitinhos. Ela se
perguntou como Adam iria encarar uma reunião como aquela. Seria melhor dar esta
sugestão assim que ele voltasse, ela decidiu, sem encarar a idéia com muito prazer,
pois ele era um tipo muito diferente.
Um barulho de motor interrompeu-os e todos viraram-se para ver quem estava
chegando. Viram uma grande motocicleta vermelha parando, soltando muita fumaça
e com o escapamento furado.
— Santo Deus! — resmungou a srta. Bayley. — É a srta. Trump! — Uma figura
usando um casaco de couro, capacete e botas desmontou da moto e acenou
alegremente para o grupo que estava parado à porta — Olá pessoal — cumprimentou
a srta. Trump. — Como foram de férias? Gostaram do meu tesouro? É uma beleza,
não acham?
O sr. Jones murmurou alguma coisa e desapareceu, provavelmente indo para
seu quarto. Ele era um homem calmo e simples, e achava a srta. Trump um tanto
exuberante, Samantha imaginou. Na presença da srta. Trump ele sempre se fechava,
talvez por ela estar sempre falando muito e conseguir sempre colocar sua classe em
ordem, enquanto o sr. Jones tinha que se esforçar muito para conseguir isso.
A srta. Trump aproximou-se dele, retirando seu capacete branco para pôr à
mostra seu belo cabelo louro. — Olá, Alison, Samantha! Cá estamos novamente,
todos prontos para o reinício. Já chegou algum diabinho? E agora, quais são as
novidades? Eu também quero saber.
A srta. Bayley começou a falar antes de Samantha: — Oh, Cicely, você nunca
poderia imaginar! Temos um novo diretor, este semestre. O coitado do sr. Barnes
está hospitalizado. Não quero nem pensar como vamos nos virar, sem ele, já
estávamos tão acostumados!
Cicely Trump arregalou os olhos. — Caramba. — disse, no seu péssimo costume
de usar gírias. Mas os garotos se divertiam muito com ela. — O que aconteceu?
— Venha, querida, vamos para o seu quarto, e eu lhe conto tudo. Não, querida,
você poderá deixar sua moto aqui, por enquanto. Aqui é seguro. — Ela olhou para a
motocicleta e balançou os ombros delicadamente. — Que enormidade! Realmente,
Cicely, não sei como tem coragem de andar nisto.
Samantha observou-as enquanto subiam os degraus em direção ao hall. Alison
Bayley respondendo com sua voz toda delicada às perguntas de Cicely Trump, que
eram feitas em voz forte e grave. Samantha estava começando a vê-los como um
estranho os veria. Ela os conhecia há muito tempo, tinha-se acostumado a eles e
tinha muito carinho por todos. Eles eram, como ela havia dito a Adam, uma turma
muito amiga. Mas havia uma coisa que a preocupava um pouco: eles estavam
acostumados a correr para tio Edward, quando surgiam problemas. E ele,
invariavelmente, os ouvia, solidário e atencioso. Ela tinha um estranho
pressentimento de que Adam Royle não ia ser tão compreensivo. Suspirou, quando
voltou para o escritório, e desejou novamente que nada daquilo tivesse acontecido.
Meia hora mais tarde Adam voltou e trouxe uma garota com ele. Entraram no
escritório quando Samantha estava escrevendo uma carta de reclamação para a
lavanderia.
— Olá, Samantha, tudo bem? Trouxe uma amiga comigo. Esta é Samantha
Gold, Estelle, nossa secretária da escola. Samantha, Estelle Norton. Você acha que
poderia oferecer-lhe o almoço?
—Claro que sim —Samantha murmurou, apertando a mão da outra. —Como
tem passado, srta. Norton?
A garota falou pouco. Era alta, cabelos claros e lisos, óculos escuros e um
vestido azul de tweed. Dirigiu um olhar de pouco caso para Samantha e depois
voltou-se para a janela, dizendo — Não deixe que eu o atrapalhe, Adam. Se você tem
algum trabalho para fazer, vá em frente. Não se preocupe comigo, posso tomar conta
de mim mesma.
Ele olhou surpreso para ela, com a testa franzida. Depois disse para Samantha:
— Tem alguma coisa urgente para mim? Como estão as coisas?
— Todos os professores já chegaram, e eu recebi um telefonema do sr. Read.
— Ele é o professor de Educação Física?
— Sim, confirmei a quarta-feira. Ele dará aulas às quartas, quintas e sábados,
como no semestre passado. A respeito dos outros três professores...
— Bem, vamos, diga-me, o que aconteceu com eles?
Ela prendeu a respiração e tentou entrar na zona perigosa. — O sr. Barnes
sempre convoca uma reuniãozinha um dia antes de as aulas começarem. É uma boa
oportunidade para todos se encontrarem e trocarem idéias, um tipo de reunião
informal. Gostaria de saber se o senhor... eu pensei que o senhor talvez não...
— Você está certa. Realmente, não gosto da idéia. Preferiria passar a noite
trabalhando no meu livro. Mas, por outro lado, é uma boa oportunidade para
quebrar o gelo e conhecer a todos. Será que isso pode ser organizado?
Seus olhos se encontraram num entendimento íntimo. Realmente, Adam e
Estelle deviam se conhecer muito bem. Samantha dirigiu-se, apressada, para a
escrivaninha, conhecedora de sua timidez. Esperava que Adam não se acostumasse a
trazer amiguinhas para a escola, principalmente se fossem do tipo de Estelle Norton,
de quem ela não gostara nem um pouco. Ele deu uns dois passos pela sala e deu a
mão para Estelle. — Venha comigo, então, e conheça o meu domínio. A gente passa
pela cozinha e eu vejo se a querida sra. Kimble pode preparar alguma coisa para
comermos antes de eu levá-la à estação, está bem?
Saíram de braços dados. Repentinamente, as palavras de tio Edward vieram à
cabeça de Samantha: ''Ele disse que talvez se case, se algum dia encontrar a mulher
certa". Bem, se Estelle Norton era a garota certa, então boa sorte para ele. Ia precisar
de muita.
Samantha não viu mais Estelle Norton, naquele dia. Ela e Adam tinham ido
para o apartamento dele e, pelo jeito, tinham almoçado lá.
Foi uma tarde muito cheia. Todos pareciam ter montes de perguntas e
problemas relacionados com a parte de secretaria. Nos intervalos, ela telefonou para
os pais dos alunos, um por um, explicando algumas mudanças. E, depois, ligou para
os professores para avisá-los da reunião que ia haver à noite, com Adam Royle. Terry
Read, o técnico de jogos, não podia comparecer. Precisava participar de uma reunião
no clube local. Os outros três aceitaram o convite. E as três mulheres também,
Samantha refletiu, quando ligou para Emily Mason. — Sim, claro, vou adorar
conhecer esse novo diretor. — A srta. Mason era a professora de Música, e também a
mais jovem e mais bonita. Mas duvidou de que Adam fosse se impressionar com ela.
Se Estelle Norton lhe agradava... seria difícil.
O resto do dia Samantha atendeu a telefonemas de pais, querendo saber coisas
a respeito da escola. E também perguntaram-lhe se John, o melhor jogador de
cricket da escola, poderia levar seu porquinho-da-índia, agora que a família havia
aumentado, nas férias. Mas Samantha teve a impressão de que o que eles queriam
era conhecer o novo diretor. Ela não os culpava; numa pequena escola, talvez muito
mais do que numa grande, eram a habilidade e a personalidade do diretor que
contavam de verdade. Muito mais do que qualquer outra coisa. Sim, ela lhes deu
certeza, o sr. Royle já estava lá, e eles poderiam conhecê-lo no dia seguinte. Ele
estava querendo conhecer os pais. Sim, ele também iria dar aulas, de História. Sim,
ela tinha certeza de que as aulas de religião iam continuar do jeito que eram quando
o senhor Barnes dava aulas.
Christine entrou quando ela estava no meio de uma conversa com a mãe de um
dos meninos, que estava com alergia, contraída durante as férias. — Sim, sra.
Forrester, vou deixar um recado para a governanta para que ela não permita que
Paul coma tomates.
Colocou o fone no gancho e ergueu o sobrolho, olhando para Christine. — Você
ouviu isto? Agora esta, Paul Forrester é alérgico a tomates.
— Mais uma coisa para a lista. As únicas coisas a que os garotos jamais serão
alérgicos são rosquinhas de mel, chocolates e sorvetes. Vão ficar cada vez mais
gordos. — Ela depositou uma bandeja sobre a escrivaninha. — Tome um pouco de
chá, Samantha, você parece que está muito cansada.
— Obrigada, Chris, você é uma ótima amiga. Não quer tomar uma xícara
também e me fazer companhia?
— Trouxe uma xícara a mais para o caso de você me convidar —, ela sorriu. —
Como vão indo as coisas? — E onde está o novo diretor? Eu ainda não o vi por aqui.
— Já chegou e já saiu novamente — Samantha disse, tomando um gole de chá.
— Ele estava com uma garota.
— Oh, verdade? — Os olhos de Christine se arregalaram com muito interesse; a
idéia de um romance apareceu-lhe na cabeça naquele exato momento. — Então me
conte, como é que ela era. Você gostou dela?
— Oh, bem comum. Pedante e muito metida, não me impressionou muito.
Mas era mentira. E Samantha, que não estava acostumada a mentir, nem
mesmo com pequenas mentiras, sentiu uma enorme culpa por perceber que mentia
sem dificuldade. — Ele foi levá-la à estação. Bem, pelo menos foi isso o que entendi.
— Bem, só espero que ele chegue a tempo de nos dar as boas-vindas esta noite.
Estão todos muito ansiosos por conhecê-lo, posso jurar-lhe de pés juntos. Bayley
acha que devo colocar o melhor vestido e Trump também está se embonecando. O sr.
Jones está trancado em sua concha e ainda não se manifestou. Ele provavelmente vai
sentir mais falta do sr. Barnes do que qualquer um aqui, eu acho.
— É, eu sei. — O sr. Jones era um daqueles gênios que nunca deveriam ter-se
metido em salas de aula. Seria muito mais feliz na universidade. Enfim...
— Como está James?
— Apresentando pequenos sintomas de nervosismo, eu acho. Hoje o estou
deixando fazer o que quer, mas só hoje. — Por alguns instantes, os olhos meigos de
Christine pareceram perturbados. — Espero que tudo saia bem. James é a única
verdadeira dificuldade. Ele sempre foi tão aberto comigo, mas agora parece
recalcado e conversa pouco comigo.
Samantha balançou a cabeça em sinal de solidariedade.
— Você pode entender por que ele anda assim perdido, não pode? Esses dois
meninos, os filhos de Hugh, que escola eles estão freqüentando, por enquanto?
— Uma em Warwick.
— Também são internos? — E como Christine negasse com a cabeça: — Acho
que isso deve trazer alguns problemas, não é mesmo?
— Sim, eu sei. — Christine suspirou. — Espero poder fazer alguma coisa. Não
seria justo eles irem para casa todos os dias, enquanto James está aqui sozinho.
Tenho certeza de que James iria ver as coisas assim. Mas não é muito fácil conseguir
transferência de escola. E, de qualquer forma, terá que ficar aqui mais este semestre.
Portanto, ainda não quero dizer nada para ele. — Ela terminou de tomar o chá e
levantou-se. — Não devo ficar amolando você, Samantha, sei que está muito
ocupada. Até o jantar, então! Talvez encontraremos o sr. Royle.
Mas não encontraram, porque ele não foi jantar. Samantha descobriu isso
quando perguntou à sra. Kimble.
— Não, senhorita, não o vi mais desde que preparei o almoço para ele e para
aquela garota. — A sra. Kimble não gostara de Estelle Norton, mas não disse nada. —
A cozinheira deseja saber se deve levar os bolos e sanduíches para a sala do diretor,
como fazia quando o sr. Barnes estava aqui.
— Sim, acho que sim — disse Samantha um pouco em dúvida. Ela gostaria que
Adam já estivesse de volta para dar sua opinião. Mas ele havia concordado com a
festa. E, se não voltasse a tempo, ela teria que tomar as decisões. Então lembrou-se
de que ele havia dito que ia depender dela para tomar certas decisões, se fosse
necessário. — Não, espere, sra. Kimble. Acho melhor fazermos nossa festinha na sala
dos professores. Assim está bem para a senhora? Não há nenhum inconveniente
nesta decisão?
— Não há inconveniente algum, srta. Gold. Para mim está tudo muito bem. Eu
mesma vou dar uma ajudazinha à cozinheira e tudo vai ficar muito bem organizado.
Às sete e meia Samantha se viu fazendo de anfitriã, pois Adam ainda não tinha
aparecido. Quando já acabara de desculpar-se por ele, dizendo que devia ter ficado
retido com algum compromisso e que logo estaria lá, foi ela que começou a ficar
ansiosa a respeito dele. Não poderia ter saído e esquecido totalmente do
compromisso que assumira. Ou poderia? Ela se esforçava, em saber bem o que fazer.
Telefonava para a polícia e hospitais para perguntar se tinha acontecido algum
acidente. Não conseguia pensar em nada e hesitou em tomar decisões drásticas.
Já havia tomado uma xícara de café e comido um sanduíche quando a sra.
Kimble entrou na sala e, puxando-a pelo braço, levou-a para o lado e disse
preocupada: — Srta. Gold, pode vir até aqui depressa? O sr. Royle acaba de chegar e
quer vê-la.
Samantha olhou para o rosto assustado da governanta e seguiu-a pelo corredor
dos quartos.
Ele levantou a cabeça e a viu, e suas mãos apertaram as dela com força. Depois,
ela se aproximou mais dele e disse suavemente: — Em que posso ajudar? Quer que
eu mande buscar a enfermeira?
Ele balançou a cabeça sem erguer o olhar. Samantha virou-se para a sra.
Kimble, que estava parada à porta, e disse: — Vá e fique fazendo as honras por mim,
por favor. Por enquanto, não diga nada a ninguém. Irei chamá-la se precisar da
senhora, está bem?
A governanta hesitou um pouco, depois olhou para Adam, saiu e fechou a porta.
— O que aconteceu? — ela perguntou gentilmente. — Ou o senhor prefere não
me contar?
— Uma criança saiu de dentro de casa e correu em frente ao meu carro, há
algumas milhas daqui. — Ele cerrou os olhos, piscando de nervoso como se tudo
estivesse acontecendo novamente. — Na tentativa de desviar, o carro tombou...
— A criança...? O senhor... — Ela não tinha coragem de fazer a pergunta.
— Estou muito bem, apesar de alguns arranhões. Prometo-lhe que não
arranjarei mais confusão. Não sou muito dado a este tipo de coisa. Apenas vi a
criança e me desesperei. Acho que é um pouco de humanidade. Santo Deus, pensei
que tivesse atropelado a criança. Foi um momento horrível. — Ele balançou a cabeça
como se, ao fazer aquilo, estivesse afastando tudo de sua memória.
— Soltou a mão dela, finalmente, e Samantha sentiu-se totalmente perdida. —
Estou apresentável? — Ele deu um sorriso amarelo. — Ou está escrito que acabei de
dar uma capotada com o carro?
Com muito esforço, ela tentou seguir o exemplo dele. Dirigiu-lhe um olhar
triste e disse: — Bem, seu rosto está um pouco sujo de lama, assim como sua calça. E
seu cabelo precisa de uma escovadela.
Ele se levantou. — Venha comigo e me dê uma mãozinha. Seja minha babá,
assim como é minha secretária.
Entraram no quarto contíguo e ele lavou o rosto e penteou os cabelos, enquanto
ela esperava, observando-o.
— Vamos dizer que estava dando uma carona a um amigo e ficou retido. Isto
nem chega a ser uma mentira, não é mesmo? — Disse Samantha.
— Simplesmente um mal-entendido. Gostaria de saber se Estelle conseguiu
tomar o trem.
— O senhor quer dizer que foi quando estavam indo para a estação que tudo
isso aconteceu? Pensei que fosse quando o senhor estava voltando de lá.
— Oh, não, Estelle estava comigo. Ela teve sorte, pulou do carro e ficou tão
imaculada como sempre. Que garota! — Ele balançou a cabeça, como se Estelle fosse
demais maravilhosa para ser verdadeira. — Teve que pegar uma carona para a
cidade, porque eu fiquei para trás, claro, para dizer à polícia o que aconteceu. Você
entende, não é mesmo? A mãe da criança estava muito assustada e, então, resolvi
ficar lá para acalmá-la. Depois tive que chamar um guincho para desvirar meu carro.
Felizmente, nada de mal aconteceu.
Então Estelle Norton tinha ido embora como se nada tivesse acontecido! Bem,
ele devia admirar sua frieza, mas Samantha tinha um outro nome para isso.
Possivelmente, insensibilidade. Ela desejou do fundo do coração que Estelle não
visitasse a escola novamente, enquanto Adam estivesse lá. Tinha um pressentimento
de que, se tivesse que vê-la novamente, a atmosfera de paz e tranqüilidade que
pretendia manter na escola, durante a ausência de tio Edward, estaria em perigo.
Após esse triste início, a festa tornou-se um sucesso. Parecia que Adam estava
se esforçando ao máximo para ser agradável e, sem dúvida alguma, o estava
conseguindo. Samantha apresentou-o a um por um e depois se retirou para ajudar a
sra. Kimble a servir o café e mais sanduíches. Quando a governanta foi para a
cozinha encher o bule, Christine aproximou-se de Samantha.
— Ele está sendo muito simpático, não acha? — disse baixinho e com a voz
cheia de surpresa, com um olhar em direção a Adam, que estava ouvindo o que a
srta. Bayley contava. A pequena Alison Bayley já havia provavelmente se esquecido
da ansiedade temporária a respeito do novo diretor. — Eu até o ouvi se mostrando
um pouco interessado pela motocicleta de Trump — prosseguiu Christine —, e os
convidados estão encantados com ele, você reparou?
— Sim — disse Samantha —, já reparei. — Ela olhou na direção das três jovens
professoras, que olhavam das xícaras de café para Adam, que agora conversava com
o senhor Jones, como sempre um pouco afastado.
— Eu entendo o que você quis dizer com o charme fatal dele — Christine disse.
— É o jeito com que olha para a gente, não é? Os homens com o olhar igual ao dele
são como dinamite. — Ela deu um sorrisinho. — Sorte a nossa, que já estamos
interessadas em outros homens, não acha, Samantha? Caso contrário, correríamos o
risco de cair nas garras dele.
A sra. Kimble voltou, com o bule de café, antes que Samantha pudesse
responder. E, logo depois, Adam, com uma palavra final ao senhor Jones, caminhou
determinadamente para a porta, parando ao seu lado. — Já estou de saída. Por favor,
antes de você se retirar, vá falar comigo. — E, logo em seguida, saiu.
Samantha esperou que a festa terminasse e ouviu as opiniões mais variadas a
respeito do novo diretor. Pelo menos aparentemente, ele obtivera sucesso, como
Chris havia dito. Havia uma atmosfera de alegria entre as mulheres, até mesmo em
Chris, embora ela não o percebesse. Os olhos delas estavam brilhando, suas vozes
mais vibrantes, o movimento de seus corpos um pouco mais consciente. Era isso o
que um homem charmoso fazia com as mulheres? Samantha queria rir, mas sabia
que não havia nada de engraçado ali. Ela mesma não estava imune, admitiu. Tinha
respondido sempre as mesmas coisas para o pessoal e, mesmo assim, ainda sofria
uma pequena turbulência por dentro, só de pensar que ainda iria ao apartamento
dele.
Deu boa-noite, dizendo que tinha algumas coisas para preparar para o dia
seguinte, e saiu da sala. Dirigiu-se para o escritório e lá começou a pensar em tudo o
que acontecera.
Não adianta, disse para si mesma. Ela não iria, repetiu, não iria comportar-se
como uma idiota com esse homem. Ela sabia, através da experiência de Lisa e, de
certa forma, pelo que tio Edward tinha falado, que não havia futuro algum em
apaixonar-se por ele, um homem que estava acostumado a ter todos os tipos de
mulheres aos seus pés. Era óbvio que podia escolher a dedo o tipo de mulher que
queria para casar-se. Mas também estava na cara que ele não pretendia envolver-se,
pelo menos não por enquanto. Samantha continuava com seu ponto de vista à
antiga, a respeito do casamento, e ela não tinha pretensão alguma de fazer parte do
harém de Adam Royle. Na verdade, tinha dó das coitadas das garotas que entravam
para aquele grupo, como a que Lisa tinha conhecido, a garota de Dorset, que ele
tinha tratado de forma tão abominável.
As aulas iam começar no dia seguinte e, daquele momento em diante, o
relacionamento deles seria estritamente o de secretária e diretor. Sem mais jantares
tête-à-tête, com conversas fascinantes a respeito de História. Não mais pequenos
episódios perturbadores e íntimos como o que acontecera no apartamento dele. Não
mais troca de olhares que a faziam tremer de emoção. Iria manter seus pensamentos
apenas na escola, no serviço e em Richard.
Com esta decisão tomada e a cabeça erguida, Samantha dirigiu-se para a sala
de Adam e bateu à porta.
— Entre! — Ela tentou se controlar, com o impacto que a voz dele lhe causava, e
então entrou.
Ele estava sentado numa cadeira almofadada, usando suas sandálias de couro e
um roupão comprido. — Peço desculpas por ter subido tão cedo e, uma vez mais, por
estar vestido desta forma. — Ele indicou o roupão. — Preciso relaxar um pouco. Não
quer sentar-se, Samantha?
— Obrigada, sr. Royle. — Sua voz estava trêmula e ela sentou-se numa cadeira
baixa, do lado da mesa, fingindo não perceber o modo como ele franzira o sobrolho.
— Queria agradecer-lhe por ter sido tão amiga, quando precisei de sua ajuda.
Ela não conseguia pensar em nenhuma resposta que parecesse profissional.
Portanto, não disse nada e manteve os olhos num exemplar da National
Geographical Magazine que estava sobre a mesa.
— Acredito que a festa tenha sido um sucesso, apesar do começo tão chato, não
acha? — disse. — Entendo agora o que você quis dizer a respeito de eles serem muito
amigos. Há uma atmosfera quase familiar.
— E isso é bom ou ruim? — Samantha perguntou.
— Quer saber se eu mudei minha atitude anti-social? — Então ela levantou o
olhar e viu um pouco de ironia nos olhos dele. — Acho que terei que suavizar um
pouco a minha maneira de ser, se é que quero me sair bem até que o sr. Barnes volte.
Você provavelmente me conhece bem, agora, para saber que a idéia não me agrada
muito. No entanto, continuo em débito com o sr. Barnes e não gostaria de lhe criar
problemas. Já sei que ele é mais do que um diretor aqui, nesta escola. É uma espécie
de pai para todos, aqui, não é mesmo? Ou estou enganado?
— Sim, o senhor está certo. Mas não pense que todos os bons diretores são
assim, o senhor deve saber disso, não?
— Sem dúvida alguma, terei que pensar nisso. É claro que nunca pude me
imaginar como um pai. E duvido muito que possa ser domesticado.
Ela se perguntou se ele dava o aviso a todas as garotas que conhecia, no caso de
elas terem alguma idéia mais avançada. Mas disse: — Bem, fico feliz por o senhor ter
mudado de idéia quanto a se manter tão...
— Reservado? —ele sugeriu.
— Se o senhor acha que sim... De qualquer forma, as coisas ficarão bem mais
fáceis.
— Nem tudo, eu acho.
— O senhor quer dizer... seu livro?
— Exatamente.
— Oh, sinto muito! Tinha-me esquecido completamente do seu livro. Por favor,
não me leve a mal e procure me desculpar.
Ele se encostou na cadeira e cruzou as pernas. Ela podia sentir seus olhos sobre
ela. Mas, segundo decidira, não iria enfrentá-lo. Foi aí que ele disse: — Se vou ser a
figura de um pai, em vez de me dedicar ao meu livro, só vejo uma solução. E é
exatamente por isso que eu pedi a você que viesse até aqui.
Então ela levantou os olhos e depois desviou-os novamente, quando encontrou
aqueles olhos escuros fixos nos dela: — A verdade é que... — ele disse — é que
precisarei de ajuda para o meu livro. Uma boa datilógrafa seria um presente de Deus
para mim. Sou péssimo em datilografia e muito lento. Acho que você está fazendo o
possível para facilitar as coisas para o sr. Barnes, não está, Samantha?
— Sim, claro que estou.
— Bem, então, o que você acha? Seria possível me ajudar com o livro todas as
noites? Prometo não retê-la por muito tempo.
Trabalhar como secretária da escola era uma coisa, mas estar com ele, no
quarto dele, todas as noites, fazendo um serviço que teria um sabor muito pessoal,
era outra. As bandeiras vermelhas de perigo pareciam balançar diante de seus olhos.
— Certamente que vou pagar o seu serviço extra.
— Santo Deus! — ela interrompeu. — Não quero ser paga, meu salário é muito
bom.
— Bem, então a idéia de trabalhar depois da hora não lhe agrada?
— Não, não é isso. Não me importo nem um pouco.
— Algum namorado seu não ficaria magoado por não poder vê-la todas as
noites?
— Não — disse firmemente.
— Nenhum namorado? — Ele estava zombando dela. — Você realmente me
surpreende.
Mas uma garota tem seu orgulho. Ela ergueu o queixo e disse: — Não na
vizinhança.
— Ah, sabia que devia ter alguém. Então, qual é a dificuldade?
Ela olhou para ele com uma certa hostilidade. Perguntava-se o que ele iria
responder se ela dissesse: "Você é muito atraente! Tenho medo de ficar ao seu lado
muito tempo e acabar me apaixonando, como todas as outras". Mas disse apenas:
— Não há nenhum problema, desde que isso não atrapalhe as coisas da escola.
Repentinamente ele sorriu e ela percebeu que era a primeira vez que o via
sorrir daquela maneira, parecendo encantado. O livro realmente devia significar
muito para ele.
— Esplêndido! Então poderemos começar amanhã à noite? Sei que amanhã é o
primeiro dia de aula e nós provavelmente estaremos ocupados o dia inteiro;
portanto, não irei prendê-la muito tempo. Apenas para organizar as coisas. Está bem
assim?
— Sim, claro — disse Samantha, levantando-se.
E quando disse boa-noite e saiu da sala, a figura dele, naquele roupão de seda,
seus olhos escuros e seu cabelo desarrumado pareceram ir junto com ela, embora
tentasse dissipá-los, até que, finalmente, deitou-se na cama e caiu no sono.
CAPÍTULO V
Como sempre, o primeiro dia de aula foi muito corrido. Quando a garagem se
esvaziou dos carros de pais, e as crianças pararam de brincar no hall, Adam sentou-
se um pouco mais sossegado para tomar o café que Samantha tinha levado para ele.
Mas, nos momentos seguintes, aconteceu tudo de novo: alunos chegando, malas
sendo arrastadas pelo corredor e, mais uma vez, alguns pais. Durante o dia ela
começou a perceber que, embora Adam Royle nunca tivesse sido um diretor de
verdade, estava fazendo seu papel muito bem. Tinha muito jeito para desfazer-se de
entrevistas demoradas e convencia os pais de que a educação e a formação de seus
filhos seriam cuidadas com muito esmero e carinho, como se ainda estivessem sob a
proteção do pacífico sr. Barnes.
No final daquela longa tarde, Samantha entrou com uma bandeja de chá e
colocou-a sobre a mesa. — O senhor pode descansar agora. — Está tudo sob controle.
Os garotos estão alojados, desfazendo suas malas, e já tomaram um bom café. O
novo aluno, Tomlinson, está sob os cuidados do filho da governanta. No semestre
passado ele era novato e está muito feliz agora, sentindo-se superior. Acredito que
Tomlinson não vai levar muito tempo para fazer amizades. Ele já é bem grande e
parece poder tomar conta de si. Ah, sim: todos os pais já foram embora.
Adam reclinou-se na cadeira. — É uma boa notícia. Acho que a pior parte deste
trabalho é ter entrevistas com os pais das crianças. Fora isto, o resto do semestre
será um brinquedinho de criança.
Todas as boas intenções de Samantha desapareceram. Ele era realmente muito
arrogante para falar certas coisas. Dirigiu-lhe um olhar frio e disse: — O senhor diria
que dirigir uma escola é um brinquedinho de criança?
Ele olhou-a de relance, enquanto ela se levantava da cadeira. — Ah, ah,
novamente colocando as manguinhas de fora! Você sabe o que aconteceu da última
vez.
Ela ficou corada quando lembrou, e uma vez mais pôde sentir os dedos fortes
em seu pulso. Os olhos escuros dele estavam fixos nela, mas ele realmente não estava
bravo desta vez. Ela podia afirmar com segurança por causa do sorriso que bailava
em seus lábios. Estava sendo perturbadoramente condescendente, talvez por que
pensava que ela estava dominada.
Ela então se retirou, fechando a porta. Mas Adam Royle ainda levou alguns
segundos para retornar ao trabalho.
De volta para sua própria sala, Samantha cobriu a máquina de escrever, jogou
fora os papéis sem utilidade e subiu para o seu quarto, que tio Edward tinha
mobiliado com muito conforto, e onde também havia uma pequena sala, com uma
cadeira reclinável e uma escrivaninha ao lado da janela que dava para o jardim dos
fundos.
Ela sentou-se à escrivaninha e pegou alguns papéis de carta. Precisava escrever
para Richard.
Logo em seguida, depois de três tentativas, ela rasgou as folhas de papel e
atirou-as no lixo. Continuou sentada diante de algumas folhas em branco. Era
estranho ela não conseguir escrever uma carta para Richard. Nunca tivera
dificuldade em fazê-lo. O começo era fácil, ela poderia falar a respeito do curso dele,
do catedrático Hayes, e da vida no México. Mas, quando fosse falar dela, seria quase
impossível. Tudo que estava acontecendo parecia estar ligado a Adam Royle. E ela
não podia mencionar que ele estava lá sem dizer que tio Edward estava doente no
hospital e que fora operado.
Samantha suspirou. Era difícil e muito chato ter que esconder tudo de Richard,
mesmo que não estivesse contando nenhuma mentira direta, e esta fosse uma causa
justa. Nem mesmo estava convencida de que era uma causa justa, e tinha discutido
um pouco com tio Edward, dizendo que ela tinha certeza de que Richard gostaria de
saber.
Mas ele não queria de forma alguma que seu filho ficasse sabendo. "Richard
não conseguiria chegar a tempo para ver seu pobre pai antes da operação", ele havia
dito, "portanto, para que deixar o garotão preocupado? Depois... bem, vamos esperar
e ver o que acontece, está bem?"
Ele devia saber que não haveria depois para ele. Mas agora parecia que ia
haver, e Samantha parou de pensar para agradecer a Deus por aquilo. Depois,
resolveu que ia tomar conta direitinho da escola, enquanto ele não estivesse de volta.
E se aquilo incluía ser gentil e útil com aquele arrogante que estava tomando o lugar
do velho... bem, ela ia fazer o possível para agradá-lo.
Colocou o bloco de papel de volta na gaveta. No dia seguinte, tentaria
novamente escrever para Richard. Agora estava na hora de se arrumar para o jantar.
Ela consultou seu relógio e achou que era hora para respirar um pouco de ar
fresco antes do jantar. Lá embaixo, no hall, encontrou a srta. Bayley, esperando do
lado de fora do escritório.
— Ah, srta. Gold! Estive procurando por você. — As faces da srta. Bayley
estavam coradas e seu cabelo estava penteado para cima, num coque todo cheio de
cachos. Sem dúvida, ela estivera vendo revistas de moda. — Estava querendo saber
se não atrapalho, logo no primeiro dia de aula... mas é muito importante, entende?
Porque se eu pudesse começar logo amanhã... depois de obter informações suas, isto
é... se eu deixar para depois elas estarão quase que mortas, e... — ela parou, vendo a
expressão perplexa de Samantha. — Oh, querida! Sinto muito, srta. Gold! Acabei não
me explicando. É a respeito das flores alpinas, você sabe. Elas chegaram pelo correio
em boas condições. Claro que não irão continuar frescas por muito tempo, não é? Eu
estava querendo saber se podia dar uma palavrinha com o sr. Royle a respeito do
meu jardim. Você entende? Se eu pudesse trocar com a srta. Trump, as coisas
poderiam se arranjar. Mas tenho que consultar o sr. Adam Royle a respeito disso,
claro. Por acaso você sabe se ele ainda está em seu escritório?
Samantha pensou rapidamente. Aquela situação era do tipo em que ela teria
que proteger Adam Royle, ela sabia. Se ele fosse participar de toda aquela bagunça
de mudança de horário e outras coisinhas insignificantes, não ia gostar nada. —
Tenho quase certeza... — ela começou um pouco em dúvida.
Naquele exato momento, Adam surgiu à porta do escritório e ficou totalmente
confuso. A srta. Bayley dirigiu-se a ele e logo em seguida já estava dando muitas
explicações e detalhes sobre suas flores alpinas. Ele dirigiu um olhar em direção a
Samantha, que ela interpretou como sendo: "Você devia ter evitado esta coisa", mas
não tinha mais jeito, pois a srta. Bayley estava sorrindo para ele e dizendo:
— Se nós pudéssemos dar uma olhadinha no horário, sr. Royle, tenho certeza
que o senhor iria entender o que quero dizer. Está com o senhor no seu escritório?
Prometo não prendê-lo por mais de dois minutos.
Ela se dirigiu para o escritório, enquanto falava, e Adam deu de ombros e a
acompanhou. Não havia nada que Samantha pudesse fazer. Então, ela foi para o
jardim, onde alguns garotos veteranos estavam começando a colocar em prática o
que estavam aprendendo. Terry Read, o técnico de esportes, estava com eles e
quando avistou Samantha deixou os garotos e aproximou-se dela.
— Olá, Terry. Como foi de férias? Não sabia que você estava aqui.
Terry tinha cabelos vermelhos, olhos castanho-claros e era muito paquerador.
— Vim especialmente para vê-la, querida — ele sorriu, piscando para ela.
— Não me venha com esse papo, Terry, você já devia saber que isso não
funciona comigo.
— É verdade, juro por Deus. E como é que está a minha bela Samantha? Sendo
um conforto e prazer para todos, como sempre? Foi muito chato o que aconteceu
com o sr. Barnes, não foi? Eu não sabia de nada até que você me contou pelo
telefone. É muito difícil de acreditar, ele parecia sempre tão forte, tão bem disposto...
Terry quis saber como tudo tinha acontecido e como estava indo o novo diretor,
e quando ela respondeu suas perguntas ele disse: — E o novo diretor? Que tipo de
homem é ele?
Ela desejou que as pessoas parassem de lhe fazer aquele tipo de pergunta,
porque ela não tinha nenhuma resposta pronta. — Oh, ele é bonitinho. — murmurou.
— Velho ou jovem? Bravo ou manso? Exigente ou moderado? Vamos, diga-me,
Samantha.
Ela riu. — É jovem. Não é muito bravo, mas pode ser.
— Já entendi. Terry terá que tomar muito cuidado, então. Santo Deus, ele não é
do tipo agradável?
Ela virou-se e viu Adam chegando. Ao vê-lo, alto e moreno, o cabelo voando
com o vento, o brilho da noite no rosto, destacando mais ainda aquela expressão
especulativa, seu coração deu um salto e seu rosto ficou vermelho. Ora, que absurdo!
Era apenas uma reação química, que não queria dizer nada.
Mas Terry percebeu. — Oh, Samantha, então as coisas estão desse jeito? — ele
zombou, mas ela não teve tempo de responder, pois Adam já se encontrava a seu
lado. Ouviu sua própria voz apresentando-o a Terry e, depois, deixou-os
conversando sobre cricket e voltou apressada para dentro.
Antes de chegar à porta, encontrou a srta. Trump, toda vestida, usando calça
comprida e uma malha branca. Ela acenou e gritou: — Vou ajudar um pouco os
garotos com o jogo.
A senhorita Trump era uma grande esportista, e a maior parte de seu tempo
livre treinava os garotos em cricket, natação e até mesmo futebol. Terry Read
admitia que ela era realmente boa. Ele havia dito uma vez para Samantha: ''Você
precisa dar um jeito de Trump ser professora de Educação Física, ela é quase minha
concorrente''
Samantha levantou-se nas pontas dos pés e a observou correndo pelo campo de
futebol. Devia ser uma espécie de piada para todo mundo, mas Samantha apreciava
as qualidades dela. Tinha trabalhado dia e noite na época da epidemia de gripe na
escola.
Ela não se juntou logo aos garotos. Parou ao lado de Adam e Terry e, logo, eles
pararam de conversar. Terry dirigiu-se para os garotos e Adam voltou para a escola.
A srta. Trump pareceu confusa por um instante, e então, como uma agulha
magnética, correu para Adam e parou diante dele. Ele também parou e começaram a
conversar. Mas, pelo que Samantha podia ver a distância, a conversa era mais do
lado da srta. Trump. Ela falava animadamente, gesticulando e balançando a cabeça,
como sempre fazia quando estava exaltada. Uma ou duas vezes Adam olhou em
direção à casa. Sem dúvida alguma estava preso lá com a conversa.
Samantha sorriu tristemente. "Os ratos correndo atrás do queijo", pensou, e
entrou na escola.
O jantar, àquela noite, não teve muito assunto. Adam não compareceu; o sr.
Jones estava trabalhando e Christine, sentada na beira da cadeira, esperava pelo
momento que pudesse se levantar para colocar os garotos na cama — e ver se tudo
estava correndo bem com eles.
Muitas vezes ela tinha olhado no relógio e, agora, já se aproximava das oito e
meia. Então, murmurou alguma coisa a respeito de alguns trabalhos para fazer e
atravessou o hall em direção ao escritório. Uma vez lá, pegou um caderninho de
anotações e uma caneta, perguntando-se se iria precisar da máquina de escrever.
Então resolveu levá-la. Depois, mudou de idéia. Deu uma espiada no espelho e,
finalmente, quando já não tinha mais nenhuma desculpa, dirigiu-se para a ala sul,
dizendo para si mesma que era um absurdo ter este sentimento, que a estava
deixando apavorada.
Ela bateu à porta e uma voz terna respondeu: — Pode entrar. Está aberta.
Sem falar com ela, ou levantar o olhar, indicou uma cadeira do outro lado da
mesa, onde ela se sentou e esperou. A espera foi longa. Ele parecia completamente
imerso no que estava escrevendo e completamente ignorante de sua presença.
Começou a se perguntar por que ele tinha pedido que ela fosse lá, se nem sequer
podia olhá-la.
Finalmente, ele depositou a caneta sobre a mesa, colocou o cabelo para trás, e
entregou-lhe o papel em que estivera escrevendo o tempo todo. — Você seria capaz
de decifrar o que acabei de escrever?
Ela examinou o papel, coberto de palavras. As linhas estavam muito próximas
umas das outras, e isto dificultava um pouco. Havia muitos rabiscos, flechas,
palavras escritas umas sobre as outras e indicações de troca total de parágrafos.
Ele estava olhando quando ela franziu a testa. — Não preciso de trabalho bonito
— disse ele. — Apenas alguma coisa que o editor possa decifrar. Tentei enviar-lhe os
originais, como este que você tem na mão. Mas claro que era muito para ele. No fim,
tive que datilografar, eu mesmo, e mandar para um revisor. Com isso, perdi muito
tempo. Se você conseguir decifrar o que está escrito aí, vai me ajudar muito.
— Vou fazer o possível — disse Samantha, lembrando que não fizera mais
cópias desde que terminara o curso de secretária. Muito menos de coisas tão
complicadas como aquelas.
— Você vai encontrar algumas coisas em francês — ele disse, olhando para ela
meio indeciso. — Uma ou duas frases em francês arcaico. Pergunte-me, se tiver
dúvidas.
Samantha datilografou outra página e mais outra. Estava começando a ficar
bem escuro lá fora. Tinha tido um dia muito corrido e ficaria feliz se pudesse parar e
descansar um pouco antes de ir para a cama. Mas Adam Royle estava totalmente
embevecido com seu trabalho agora, dava para perceber. E ela não pretendia
interrompê-lo.
A interrupção acabou vindo de outra direção. Uma batida nervosa na porta,
seguida de outra, e uma voz inconfundível, claro, da srta. Bayley, chegou até eles
como num suspiro: — Sr. Royle! Sr. Royle, o senhor está aí?
Ele levantou a cabeça, mordendo os lábios. Depois com muita raiva, respondeu:
— Sim?
A senhorita Bayley entrou no quarto, timidamente, e parou à porta, seus olhos
pousando na mesa cheia de papéis e em Samantha, sentada diante da máquina de
escrever. — Oh, Deus, vocês estão ocupados. Sinto muito interromper, sr. Royle. Mas
achamos que o senhor devia ser avisado.
— Avisado de quê? Vamos, fale, srta. Bayley. — Samantha percebeu que ele
estava se esforçando bastante para continuar calmo, e teve vontade de rir.
— Bem, são os porquinhos de Fothergill. Antes de dormir, ele pediu permissão
para ver se estavam bem e eu deixei. Mas ele voltou num estado deplorável. O portão
foi aberto e os porquinhos entraram no jardim, sumindo. O pai já foi encontrado,
mas a mãe e os dois porquinhos mais novos ainda estão perdidos, e...
Samantha olhava para o rosto de Adam, um pouco assustada. Mas a voz dele
estava admiravelmente controlada quando disse: — Srta. Bayley, o que quer
exatamente que eu faça com os porquinhos?
— Oh, não são os porcos-da-guiné, sr. Royle. É Potts, o jardineiro. O senhor
entende, ele não quer que eles fiquem lá, mas a governanta insiste que lá é o melhor
lugar. Ultimamente, está ficando muito difícil conversar com Potts. É muito
contraditório, e parece evidente que foi ele quem soltou os animaizinhos. É o único
que deixaria a jaula aberta. Ele diz que estava deixando entrar um pouco de ar nos
pés de tomates, mas não é necessário deixar a porta aberta para isto. E, além do
mais, a estufa fria está sempre fechada durante a noite, nesta época do ano. Nós...
isto é, a srta. Trump e eu, achamos que o senhor devia ser avisado a respeito de
Potts, pois trata-se realmente de um caso de disciplina, não é? Ele não devia andar
fazendo isso. Podia ter acontecido coisa bem pior.
Adam já tinha ouvido o suficiente. Levantou-se e disse muito calmamente: —
Obrigado, srta. Bayley. Agora, pode voltar a procurar a mãe e os bebês. Irei
conversar com Potts amanhã de manhã. Está bem, assim?
— Oh, sim, obrigada, sr. Royle! E sinto muito ter perturbado o senhor enquanto
estava trabalhando. Não percebi — e saiu do quarto se desculpando.
Quando já não era mais possível ouvir os passos dela no corredor, Adam olhou
para Samantha. — Não tenho muita certeza, se poderei passar um semestre aqui e
continuar são. Se não tenho direito a um pouco de paz depois do expediente, em meu
próprio quarto... — ele estava muito irritado, e passou as mãos pelos cabelos. — De
qualquer forma, esse garoto nunca devia ter tido permissão para trazer estes animais
para cá. O que é isso? Uma escola ou um albergue de animais? E por que elas acham
que eu devo me preocupar com essas tolices, tendo tanto trabalho para terminar?
— Não acho que, para Fothergill, a perda dos porquinhos seja uma bobagem. —
Samantha disse baixinho. — Tenho certeza absoluta de que eles significam tanto
para ele quanto o seu livro para o senhor. Provavelmente até mais, considerando-se
as circunstâncias.
Ela pensou que ele fosse explodir, mas tinha que dizer aquilo. Ele não explodiu.
Simplesmente olhou para ela. — Acho que seria melhor você se explicar. Quais
circunstâncias, exatamente?
— Fothergill perdeu a mãe naquele terrível desastre aéreo na Itália, um pouco
antes do Natal. O pai dele estava em outro avião... parece que tinham feito um
acordo de não voar no mesmo avião, até que John fosse mais velho. Uma tia mora
com eles agora, e toma conta de John durante as férias. Ela me parece uma boa
mulher, mas é claro que ninguém é como a mãe da gente.
Levantou os olhos para ver se sua explicação havia suavizado a atitude dele. A
raiva e a irritação tinham desaparecido de seu rosto, mas a boca continuava dura.
— Você tem toda razão — ele disse rapidamente. — Nada substitui uma mãe. —
E da maneira que falou ela imaginou que ele sabia o que era perder a própria mãe, e
teve vontade de se enfiar embaixo da terra, por ter tocado no assunto. Mas não podia
lhe fazer nenhuma pergunta, e ele não se candidatou como voluntário para dar-lhe
qualquer informação. Ao invés disso, para sua surpresa, sorriu. — Está bem
Samantha, você já deu sua opinião. Como qualquer ser humano, devo afirmar que os
porquinhos de Fothergill são mais importantes que meu livro. Portanto — ele se
levantou e se aproximou dela, pelo outro lado da mesa —, o que você acha de
acabarmos com isso e juntarmo-nos aos outro para procurar os porquinhos?
O olhar que ela dirigiu a ele foi cheio de gratidão.
— Oh, sim, obrigada, sr. Royle.
— Seria melhor se você me chamasse de Adam, fora do horário de aulas.
Ele estava parado perto dela, sua malha quase roçando nela, e a aproximação
fez com que seu coração disparasse. Se ela se levantasse da cadeira agora iria ficar
muito próxima dele e aquilo seria muito embaraçoso. Com qualquer outro homem
ela teria se levantado, rindo e brincando. Mas com aquele homem as coisas eram
bem diferentes. Então, sentiu suas mãos em seus ombros e seus ossos começaram a
derreter.
Ela se mexeu na cadeira e o olhar dele, fixo em seu rosto, deixou-a ainda mais
confusa. — O que está acontecendo, há alguma coisa errada? — murmurou como
uma idiota.
— Você sabe muito bem o que há de errado. Você é uma jovem muito
perturbadora para se ter por perto, srta. Gold, e eu sou apenas um humano e um
homem — embora você tenha duvidado do humano novamente — ele acrescentou,
com um franzir de testa. — Portanto, seria melhor nos apressarmos e irmos ajudar a
procurar os porquinhos.
As mãos dele escorregaram pelo seu braço e ele segurou sua mão ajudando-a a
levantar-se da cadeira e empurrando-a, delicado, para a porta. — Pronta para sair? —
ele sorriu. — Segurança primeiro é a minha regra de ouro.
De qualquer modo ela precisava manter-se calma, embora este tipo de encontro
— um tanto intenso — não fizesse parte de sua experiência tanto como para o
homem ao seu lado. Ela nunca havia conhecido ninguém como ele e começou a se
perguntar se não devia prestar mais atenção no conselho de Lisa. Estava surpresa
por descobrir, agora, que ela tinha uma resposta pronta. Quando eles saíram para o
corredor, ela sorriu docemente para ele e disse: — Minha também — e apressou o
passo.
Quando chegaram à estufa fria, no escuro, o pessoal estava todo lá. Dois dos
amigos mais íntimos de Fothergill tinham tido permissão para juntar-se ao grupo.
Christine estava lá e, claro, a srta. Bayley também, sendo que sua voz podia ser
ouvida a distância, dando pequenos gritos de esperança e desapontamento. A srta.
Trump estava a seu lado e caminhavam vasculhando tudo ao redor. Até mesmo o sr.
Jones estava lá, procurando entre as árvores com muito cuidado, com o ar de quem
está procurando algo de muita importância, mas não muito certo disto.
Quando Fothergill viu Adam se aproximando, ele obviamente temeu o pior.
Correu, desculpando-se. — Oh, senhor, eu sinto muito, senhor . Isto não acontecerá
novamente.
Houve um longo silêncio e Samantha quase perdeu a respiração. Ela nunca vira
Adam se aproximar de nenhum dos garotos e portanto não sabia o que esperar.
Quando ele falou foi num tom de voz meigo. — Fothergill!
— S-Sim, senhor.
— Você esqueceu de fechar o portão quando guardou os porquinho esta tarde?
No escuro, Samantha viu que o garoto tinha começado a tremer. Ele estava
preocupado com a perda dos porquinhos, e agora se assustava com a atitude do novo
diretor, tão diferente do sr. Barnes.
— N-não, senhor.
— O portão estava bem fechado quando você saiu?
— Sim, senhor.
— E quando você voltou esta noite estava aberto, e os porquinhos não estavam
mais?
— Sim, senhor.
— Então como você acha que isso aconteceu?
— Não sei, senhor — Fothergill disse tremendo. — Suponho que deve haver
alguma coisa errada com a tramela da porta, ou... ou... alguma coisa.
— Você acha que alguém abriu a porta... de propósito?
— Não, senhor. Por que alguém iria fazer isso? — Fothergill parecia estar
totalmente confuso.
— Muito bem, nós temos que dar uma olhada no trinco, não acha? Agora,
continue procurando os animaizinhos perdidos.
— O senhor quer dizer... que posso continuar com eles, senhor?
— Por quê não? Mas teremos que achar outra casa para eles. A estufa fria não
me parece o melhor lugar. Você pensou o quê? — A voz de Adam estava surpresa,
parecia mais agradável.
— Parkinson me disse que o senhor não ia deixar eu ficar com eles.
— Então Parkinson estava errado, não acha? — Adam disse agradavelmente. —
E, por favor, diga a ele para controlar essa imaginação fértil, daqui para a frente.
Os olhos claros de Fothergill estavam confusos. Então, encontrando o sorriso
de Adam, ele retribuiu radiante e se afastou apressado para se juntar aos amigos.
Se Samantha ainda tivesse alguma dúvida quanto a Adam conseguir controlar
os garotos, estas dúvidas haviam terminado. Nem mesmo o tio Edward teria se
safado do incidente de melhor maneira. Diferente, talvez, mas não melhor. Adam
teria pelo menos um companheiro no primeiro ano, daqui para frente.
Quando eles caminharam para se juntar ao grupo, Adam comentou:
— Sabe, eu achei aquilo bastante encorajador. Você, também?
— Você fala de Fothergill?
— Sim, Fothergill. Eu lhe dei a oportunidade de colocar a culpa em alguém, mas
ele não se aproveitou dela. Gostei do jeito dele. Se há uma coisa que eu admiro no
mundo é a franqueza — ele sorriu. — Você me acha muito puritano?
— Tenho certeza de que tio Edward concordaria com o senhor. E sei que vai
encontrar muitos garotos deste tipo aqui na escola. Espere só para ver.
— E você, Samantha? Concorda comigo?
Que pergunta mais estranha, ela pensou. Levantou os olhos para encontrar os
dele fixos nela, como se sua resposta significasse muito. Se ele não fosse diretor seria
um ótimo advogado, ela pensou. Seu interrogatório com Fothergill tinha sido
soberbo, e agora este...
— Oh, claro que concordo com o senhor — ela disse, como se a resposta não
pudesse ser outra.
Eles andavam devagar em direção ao grupo, quando Adam parou, olhou para
Samantha e franziu a testa. Parecia estar tão compenetrado em seus pensamentos
que nem lhe dava muita atenção.
— Desculpe-me — disse. — Eu estava a muitas milhas de distância daqui. Quer
apostar cinco dólares como vou achar o primeiro porquinho?
E aquilo foi um bom começo, Samantha pensou mais tarde.
CAPÍTULO VI
— Você percebeu — perguntou Christine, servindo-a de chocolate — que já se
passaram dez dias do primeiro semestre e esta é a sua primeira noite livre? O
homem está fazendo você trabalhar muito, não acha, Samantha?
Samantha encostou-se na cadeira de balanço no quarto de Christine e tentou
aparentar que preferia ficar conversando com ela a servir de datilógrafa para Adam
Royle.
— Bem, de qualquer forma ele resolveu me dar folga hoje. Ele foi visitar tio
Edward no hospital. Estão falando em dar alta para ele na semana que vem. Não é
maravilhoso, Christine?
— Certamente que é. Ele se recuperou mais depressa do que esperávamos. Ele
vem para cá, para convalescer?
— Oh, não, ele vai para a casa da irmã, em Devon. Foi difícil conseguir
convencê-lo, mas ele não teve outro jeito senão aceitar. Isso lhe fará muito bem.
Devon vai ser ótimo para ele! Já está dizendo que vai voltar novinho em folha para o
próximo semestre.
Samantha levou o copo aos lábios e bebeu pensativamente. O novo ano escolar,
com tio Edward de volta à direção da escola, significava que Adam iria embora para
sua escola tão grande e importante! Sua personalidade era tão forte que agora ela
não sabia mais como a escola iria ficar sem ele. Nem podia imaginar tal situação.
Christine olhou para ela pensativamente. — Você tem certeza de que não está
trabalhando demais, Samantha? Você parece tão cansada, esta noite. Sabe que está
trabalhando muito mais desde que o sr. Adam Royle velo para cá. E, agora, todo esse
trabalho de noite... Você realmente não devia estar fazendo tantas coisas. Vai acabar
com estafa e tendo que tirar uma licença.
— Não tenho outra escolha, Chris. A coisa mais importante é manter tudo sob
controle e o sr. Royle só tem as noites para trabalhar em seu livro.
— Mas isso é assim tão importante?
— Para ele, é vital. Se tivesse que escolher entre a escola e seu livro, tenho um
leve pressentimento de que escolheria o livro.
— Unh! Que homem mais egoísta!
— Você não acha que todos nós somos? De qualquer modo, ele já estava
trabalhando no livro, e não precisava ter aceito o serviço aqui. — Santo Deus! O que
ela estava fazendo? Tentando defendê-lo?
— Será que ele mesmo não poderia datilografar o trabalho? A maioria dos
escritores faz isso.
— É que ele ganha tempo com a datilografia. Eu consigo decifrar a letra dele e o
pessoal da editora não conseguia. Estudei um pouco de francês e isso ajuda muito —
ela deu um sorriso amarelo. — Devo admitir que, lá pelas dez horas, as teclas da
máquina já estão dançando diante de mim. Mas, depois, parece que acordo. Deve ser
porque estou interessada no trabalho. Você sabe que sempre tive uma paixãozinha
recolhida por História.
Christine passou a lata de biscoitos para ela. — Sim, eu sei. Lembro-me muito
bem como você e o sr. Barnes gostavam de ler História Antiga quando ele estava
aqui. Realmente, não sei como alguém pode se interessar tanto por uma coisa assim.
— Sim — disse Samantha, e mordeu um biscoito, sentindo-se um pouco
culpada porque ainda não tinha escrito para Richard. — Mas o que ele está fazendo é
bem diferente. Muito fascinante — ela sorriu um pouco sem graça. — Desculpe-me,
estou ficando muito empolgada.
— Empolgada apenas com o livro? — Christine perguntou inocentemente. — Ou
estou sendo muito atrevida em lhe fazer esta pergunta?
Samantha ficou um pouco chocada. Christine sempre fora sua amiga e
confidente, embora fosse dez anos mais velha e muito mais experiente que ela. A
pergunta tinha sido feita certamente por curiosidade. Era uma pergunta séria que,
sem dúvida alguma, também exigia uma resposta séria.
— Apenas pelo livro — disse baixinho. — Eu concordo que ele é muito atraente
mas, se uma garota tem juízo, ela não coloca este tipo de atração no alto de sua lista.
Fazer isto seria o mesmo que correr atrás de problemas.
Os olhos castanhos de Christine pareceram um pouco preocupados. — Bem, se
pensa desta forma, então não devo temer por você, não é mesmo?
— Não, não acredito. Não existe nada que não possa ser controlado. — Ele está
muito interessado no livro, para se dar conta de mim. — Desde aquela noite quando
os porquinhos de Fothergill tinham escapado, Adam estava muito diferente com ela.
Estava sendo muito educado e agradável, mas, sem dúvida, tinha colocado uma
barreira entre eles. O que para ela, parecia ser melhor. — Bem, já falei muito de mim.
Agora conte-me suas novidades. Você e Hugh já têm data fixa para o casamento?
Então, a conversa se centralizou em roupas e casamento, até a hora de dormir.
CAPÍTULO VII
O sinal tocou finalizando o primeiro período da sexta-feira de manhã. De sua
sala, Samantha ouviu a porta do salão de jogos ser aberta com força. O primeiro ano
tinha terminado as aulas de Educação Física e, evidentemente, os garotos estavam
muito animados. Ouviam-se os pulos e os tombos no hall, e as vozes altas e alegres,
indicando que os doze saudáveis moleques estavam sozinhos, sem supervisão.
Em trinta segundos o barulho tinha aumentado, transformando-se num
pandemônio. Onde estava Terry Read?, Samantha se perguntou. E por que ele não
estava tomando conta dos garotos? Se aquele barulho todo chegasse aos ouvidos de
Adam, ele iria repreendê-los severamente.
A porta do escritório se abriu e Adam surgiu como um esquilo assustado que
havia pressentido algum perigo. — Que diabos está acontecendo aqui? Onde está
Read?
Aquilo não era responsabilidade de Samantha. Portanto, ela não disse nada.
Então, Terry Read apareceu no hall, erguendo a voz.
— De volta! De volta para seus lugares, todos vocês! — E, com uma voz de
trovão: — Quem foi que abriu a porta do ginásio sem ordem? Quantas vezes eu
preciso dizer que não podem fazer nada antes de eu dar a ordem?
Um sufoco sugeriu que alguém tinha se machucado. Depois, o barulho cessou.
Adam estava parado à porta do escritório. Mas, quando ficou claro que Terry tinha
assumido o controle da situação, se afastou.
— É... parece que ele conseguiu controlar as coisas, agora. Vou deixar passar.
Mas não quero que este tipo de comportamento aconteça novamente, muito menos
em frente à diretoria.
O único barulho agora vinha dos passos dentro do ginásio de esportes e de
algumas ordens de Terry Read. Depois, tudo ficou em silêncio.
Adam voltou para o escritório e, nisso, parou. Um som vinha de algum lugar
próximo da porta. — Um gato?
— Se for, deve estar machucado. E não deve ser daqui, pois o que tínhamos
morreu no ano passado.
Ouviram o barulho novamente, parecia mais um gemido. — Não queremos
gatos estranhos aqui! — disse Adam, e abriu a porta, olhando ao seu redor.
Samantha fez o mesmo.
Olharam atrás da porta do escritório, da porta da diretoria e do corredor que
levava para a entrada da sala de reunião. Adam estava parado à porta do hall e
Samantha ouviu-o dizer: — Que diabos, o que você está fazendo aqui?
Uma pequena figura magra se levantou. Estava de uniforme de ginástica e
tênis. Adam levantou a cabeça dele. Era James, o filho de Christine.
— O que foi que aconteceu? Está se sentindo mal? — A voz dei Adam não era
dura.
— Nã... não, senhor. — Samantha percebeu que ele tentava desesperadamente
controlar as lágrimas.
— Então o que fazia lá naquele canto?
Estava claro que James tinha sido criado como um pequeno animalzinho e
costumava se esconder no primeiro lugar que encontrasse. Mas Adam não ia
permitir que ele fizesse aquilo lá na escola.
— Vamos, o que você estava fazendo lá? Diga-me.
James deu um sorriso sem graça, tentando de todas as maneiras se controlar. —
Eu... eu devo ter escorregado, senhor.
— Escorregado? — A voz de Adam era como a de todo diretor, quando percebe
que lhe contaram uma mentira. — Vamos, Phillips, é melhor você pensar numa outra
história para contar.
— Sim, senhor. A gente estava correndo, entende?, e Forrester caiu sobre mim
e... e o assoalho estava escorregadio e eu escorreguei... e... e... e eu bati a cabeça na
parede e acabei ficando aqui.
Adam continuou olhando para ele. — Ninguém estava correndo atrás de você?
Empurrando de propósito?
— Não, senhor. Eu escorreguei.
— Hum, entendo. E sua cabeça não está doendo? Onde foi que você se
machucou?
—Não, senhor! Está tudo bem agora.
— Está bem, então corra e vá se juntar ao resto do pessoal.
James hesitou por alguns instantes, parecendo estar a ponto de dizer alguma
coisa. Depois mudou de idéia e dirigiu-se para o corredor. Adam fechou a porta do
escritório pensativamente. — Parece um coelhinho assustado! Ele não é novo aqui,
é?
— Não, ele veio para cá o semestre passado. Mas acho que ainda não se
acostumou. É um dos garotos mais sensíveis daqui, e um dos melhores alunos. É
filho da enfermeira... pensei que o senhor soubesse.
— Sim, eu sei. Ela vai lhe dar um padrasto e ele deve estar bastante confuso. Ele
gosta de jogos? Sabe se tem algum hobby? Alguma coisa pela qual realmente se
interesse?
— Ele é apaixonado por química, mas ainda não pode estudar porque está no
primeiro ano.
Adam estava em pé diante da janela e continuou olhando para fora, com as
mãos nos bolsos. Finalmente, disse: — Vou falar com o sr. Jones. Vou ver se consigo
que ele passe algum tempo livre no laboratório, mesmo que seja para olhar o que
anda acontecendo. Não gosto de ver um garoto tão triste como ele estava. — Disse
isso como se soubesse o que um garoto triste sentia. Pela primeira vez Samantha se
viu perguntando sobre a família dele, sua infância, enfim, toda a sua vida.
Mas se Adam ficou pensando no passado não foi por muito tempo. — Tenho
uma aula vaga agora — disse, de repente. — Tem alguma coisa que eu precise ver
com urgência? Ou alguém?
Ela consultou o caderno de apontamentos. — Nada — respondeu.
— É, parece que seu esquema já começou a funcionar. — Ela não gostou muito
da ironia, mas não se surpreendeu. Ele acreditava que todas as mulheres
atrapalhavam, e, para ele, ela não era exceção. Sem dúvida ele achava que, com
aquela decisão, estava planejando ter alguma coisa com ele.
Fechou o caderno de anotações e colocou-o de volta na escrivaninha. — Bem,
era exatamente isso o que queríamos, não?
Ele deu um dos seus sorrisos mais enigmáticos. — Para dizer a verdade, era.
Mas, como recompensa pela inteligência, garota, eu lhe darei folga na parte da tarde.
Preciso checar aquela parte que vimos ontem à noite sobre as escolas religiosas, e
acho que vou encontrar o que procuro num dos manuscritos no meu esconderijo.
Você gostaria de ir para Cotswolds, Samantha?
Do lado de fora, as flores tinham uma cor dourada e a grama brilhava, de tão
verde. O sol parecia querer se esconder. Era a primeira tarde de verão pra valer. —
Gostaria muito — disse Samantha.
— Ótimo. Você então pode me levar lá? A garagem está demorando para me
entregar o carro, e estou a pé. Ainda falta consertarem algumas coisas.
Era estupidez sentir aquela ponta de tristeza. Claro que ele não a havia
convidado pela companhia, apenas para usar seu carro. — Pode levar o Mini, não
tem a menor obrigação de levar a dona também.
Ele olhou diretamente para seus olhos. Depois disse baixinho: — Eu perguntei
se você me levaria lá. Você pode me levar?
Ele tinha o péssimo costume de deixá-la sem jeito. — Claro, se confiar em mim
como motorista... — disse.
Seus olhos continuavam encarando-a, e ela viu a raiva aparecer neles e ir
embora novamente. Quando falou, sua voz era suave e desinteressada. — Talvez eu
queira descobrir se sua habilidade como motorista combina com suas outras
qualidades. Agora, veja se consegue encontrar o sr. Jones, está bem? Assim eu o
deixarei como responsável pelo serviço e aproveito para falar com ele a respeito de
Phillips. Podemos partir logo que você esteja pronta. Pegue alguns sanduíches para
comermos no caminho.
Aquilo era uma ordem e Samantha saiu para fazer o que ele tinha mandado.
Depois de encontrar o sr. Jones e de dar-lhe o recado, subiu apressada para seu
quarto e trocou as roupas de trabalho por um gracioso vestido azul de verão, com
uma jaquetinha. Retocou a maquilagem rapidamente e percebeu que seu rosto
estava mais corado. Se Adam pretendia manter o duelo, ou seja, o desafio, então ela
ia lutar com todas as armas.
Adam estava esperando do lado de fora, encostado no carro, quando ela saiu.
Tinha trocado de roupas, também. E, agora, estava com uma calça clara e uma
camisa com mangas arregaçadas. — Que caminho gostaria de fazer? — perguntou,
enquanto abria a porta do carro para entrarem. — Acho que o mais rápido é por
Fosse e, de lá, Stoy. Mar não estamos com pressa, estamos? E seria agradável ir pelas
colinas, depois que sairmos da estrada principal.
— Para mim está bem. O Mini já sabe o caminho, e acho que irá sozinho até
Fosse.
Ele riu, e ela teve a impressão de ter dito alguma coisa divertida, que ajudou a
suavizar a partida. O corpo de Adam ia próximo ao seu, pois o carro era pequeno e,
todas as vezes que ela fazia uma curva, seu cotovelo roçava o joelho dele. Ele a olhava
com um olhar crítico, mas ela se concentrou o máximo que pôde e, depois de alguns
minutos, começou a relaxar e a se divertir.
O Mini saíra da revisão havia poucos dias e, agora, deslizava pela estrada como
um pássaro. Samantha tinha tirado a jaqueta e o sol quente queimava a pele de seu
braço. O vento suave batia em seus cabelos, fazendo-os voar. Quando passaram pelo
espinheiro alvar, repleto de flores brancas, e o perfume penetrou no carro, ela sentiu
uma felicidade repentina por estar viva. — Não está um dia maravilhoso?
— Lindo — concordou Adam. E, como estava prestando atenção na estrada, ela
não percebeu que ele não estava olhando para a paisagem. Seus olhos escuros
estavam fixos em seu rosto com uma expressão que a teria deixado muito sem graça
se ela tivesse visto.
— Você gosta de guiar?
— Oh, sim, gosto. Foi uma batalha comprar meu carro próprio e aprender a
guiar. A última vez que Richard Barnes esteve aqui, de férias, me ensinou a guiar. Ele
é um ótimo instrutor. Nunca se zanga e, sem dúvida, é muito paciente.
— Verdade? — O tom de voz de Adam era seco. E, depois daquilo, ficaram em
silêncio até chegarem em Stratford-on-Avon. Adam sugeriu que comessem alguma
coisa no bar, e quando voltaram para o carro Samantha insistiu: — Você já teve
tempo para saber como eu guio. E, se quiser ir guiando daqui para a frente... acho
até que seria melhor.
— Como você quiser. — Ele saltou do carro e sentou-se ao volante, enquanto ela
ocupava o lugar ao lado. Ao procurar o freio, sua mão roçou nos joelhos dela, e ela
sentiu o sangue subir ao rosto. O carro era muito pequeno e aquilo era inevitável,
mas não sabia dizer se era de propósito ou não. Daquele homem se podia esperar
tudo e ela estava de orelhas em pé. Ele não ia fazê-la passar ridículo, disso tinha
certeza.
— Não se preocupe, Samantha, foi totalmente acidental — disse ele, olhando-a
com o canto dos olhos.
Que homem mais desgraçado, que conseguia ler seus pensamentos! Será que
sua arrogância não tinha limites? Ela virou a cabeça, desejando não ter vindo.
— Não fique ofendida, Samantha. — Sua voz estava baixa e interessante. — Não
neste dia tão maravilhoso de verão. Posso assegurar-lhe que minhas intenções são as
melhores possíveis, embora incríveis. E digo incríveis porque você é muito bonita, a
ponto de me fazer perder a cabeça. Mas, quando chegarmos à minha casa de campo,
estarei preocupado com outras coisas.
Claro, o livro! Ele nunca permitiria que uma mulher viesse antes daquilo.
Adam sentou novamente no banco, colocando os pés nos pedais e examinando
o painel com interesse. — Agora me diga como é que essas coisas funcionam. Nunca
guiei um treco desse antes.
E aquilo, ela pensou, estabelecia o tom para o resto do dia: cooperação
amigável no interesse de seu trabalho, e, definitivamente, nada de romances. Como
se ela estivesse esperando, pensou com desprezo. Ou querendo alguns ataques
românticos da parte dele! Mas era muito insensível, em seu conceito masculino.
Nunca sonharia que alguma garota resistisse aos seus encantos se se mostrasse
interessada por ele. E quase desejou ter a oportunidade de mostrar que havia pelo
menos uma garota capaz de resistir ao seu charme fatal.
Adam parecia totalmente desligado dos sentimentos que estavam ocorrendo
nela. Aparentemente, estava dominando o Mini. — Fácil, muito fácil. Agora vamos
ver como ele reage nas colinas.
Deixaram a estrada principal, que, como Adam observou, era cheia de placas
para turistas, e seguiram por Chipping Campden, que não era nada disso. — Você
sabia — disse Adam, enquanto seguiam pela High Street — que G. M. Trevelyan diz
que este é o povoado mais bonito da Inglaterra? Está cheio de história! Olhe o velho
mercado. Soberbo!
Samantha esqueceu que o homem ao seu lado era o indivíduo mais insano que
conhecia, e, cheia de entusiasmo, pela própria paixão por aquela parte da Inglaterra,
que conhecia melhor, começou a conversar.
Logo eles deixaram o povoado para trás e começaram a subir as colinas. — Para
onde exatamente estamos indo? Sua casa de campo fica em Stow?
— Fica bem fora de Stow — ele riu. — Para falar a verdade fica quase fora do
mundo. Nos dois sentidos. Espere e verá. Estamos quase chegando, já está bem
perto.
Depois de mais alguns quilômetros, ele virou o carro e entrou numa estradinha
estreita que subia cada vez mais. Samantha nunca havia estado tão alto antes, e o
vasto panorama que se apresentava diante de seus olhos fez ela prender a respiração.
— É como estar no topo do mundo. — A paisagem era encantadora: árvores de todos
os lados, como um tapete verde; e, bem lá embaixo, campos que se estendiam no
horizonte. Parecia bastante quente. Mas, lá em cima, nas colinas, fazia frio. Adam
dirigiu ainda uns dois ou três quilômetros, onde o chão parecia mais seguro, e
brecou diante de uma casa de campo, de pedra. Samantha sentiu certa alegria, como
se estivesse bebendo champanhe.
— Cá estamos — disse ele, com a voz cheia de orgulho. — O que você acha?
Ela saltou do carro, contente como uma criança. — É perfeita! Mal posso
esperar para ver como é lá dentro.
— Era uma casa de pastor. Um amigo meu, que trabalha na televisão, comprou-
a há dois anos por um preço bastante baixo. Não chegou a modificá-la muito. Apenas
construiu o que era necessário, fez alguns arranjos e consertou o telhado. Estas casas
são construídas para resistir muito tempo. Vamos entrar e você verá.
— Santo Deus, como foi que conseguiram colocar tudo aqui dentro? —
Samantha estava encantada e Adam contou que a maior parte das coisas tinha sido
construída lá dentro mesmo.
— E, se alguém quiser retirar as coisas que estão aqui, a casa terá que ser
destruída. Caso contrário, não será possível levar nada. Bem, pelo menos acho que é
assim.
— Oh, mas ninguém ia querer fazer isso. Seria um crime! — E passou a mão
pelas esculturas da cama, com carinho.
— Isso vem de um coração sensível ou é apenas um sentimento histórico?
— Ambos, espero. O que foi que aconteceu com seu amigo. Como é que ele teve
coragem de perder este lugar?
— Força das circunstâncias. — Ele balançou a cabeça tristemente. — Ele teve
problemas com as coronárias o ano passado. Largou tudo e está vivendo no sul da
França. Quando ouvi dizer que ele pretendia se desfazer dela, agarrei-me de carne e
unhas no negócio.
— E agora é o seu lar?
— Um centro permanente. Sempre gostei de viver um pouco afastado do
emprego. Tenho um apartamento em outro lugar, mas acabo sempre voltando para
cá, para poder trabalhar com o meu livro em paz. Aliás... — ele sorriu triste e
acrescentou: — já estava tudo preparado para eu vir trabalhar aqui no meu livro,
quando o sr. Barnes me telefonou desesperado, dizendo que precisava da minha
ajuda.
Eles desceram para o andar de baixo, para a sala de visitas que havia se
transformado num escritório, com estantes construídas nos cantos das paredes e
acima da lareira e das janelas. Havia duas cadeiras de madeira no meio da sala e
outra encostada na parede. Adam abriu as janelas, e agora o sol penetrava na sala. O
ar frio e agradável das colinas impregnava o ambiente deixando-o tão puro quanto a
natureza.
— Agora posso entender melhor por que...
— Por que me queixo tanto da Kings Worthy? — os olhos dele brilhavam sob os
longos cílios.
— Mais ou menos...
— Bondade sua dizer isso. Particularmente, não gosto das mulheres de Kings. É
uma questão de preservação. Mas estou seguro ao seu lado, não estou, Samantha?
Você parecia estar muito certa disso. — Ela ouviu a ironia daquela voz. —
Perfeitamente seguro — ela o encarou com segurança, imaginando se ele nunca
deixava de zombar das mulheres.
Houve uma pequena pausa, depois ele voltou para a escrivaninha. — Ótimo!
Então agora basta para o resto do dia. Pode fazer o que quiser, enquanto arrumo
umas coisas aqui. Mais tarde irei procurá-la.
Ela o deixou e saiu para explorar o resto da casa, onde uma cozinha moderna,
um vestiário e um banheiro haviam sido construídos recentemente. A cozinha estava
equipada com um fogão a gás e até mesmo um exaustor, e as prateleiras estavam
repletas de latas, caixas e pacotes. Ela duvidou se teria sido mesmo Adam quem
tinha comprado toda aquela carne, patês, salsichas, lingüiças, cremes, frutas e todo o
resto. Dava para fazer um jantar para eles, pensou. Pelo jeito, Adam era bastante
organizado. Ou talvez não tivesse sido ele. Talvez a tal Estelle Norton tivesse
organizado tudo para ele. Samantha lembrou que no dia em que ele a levou na
escola, havia passado a noite lá. Talvez não tivesse ficado sozinho. Ela pensou na
cama de casal e depois tentou desviar o rumo de seus pensamentos. Não tinha nada
a ver com a vida particular dele. Claro que havia garotas na vida dele — o caso era
que ele não queria casar com nenhuma delas. Estelle Norton devia aceitar aquele
tipo de situação. Ela devia defender seu ponto de vista da mesma forma que Adam
defendia o dele.
Afastou os pensamentos de Estelle, saiu pela porta dos fundos. Lá, uma grande
parede de pedra ocultava um pátio, um pequeno forno, algumas ferramentas, e uma
pilha de capim num canto. Do outro lado, havia uma grande casa de cachorro
abandonada, e a grama quase cobria a entrada. Samantha passeou pela casa toda,
depois resolveu explorar as colinas. Sentou-se numa pedra, e ficou examinando a
paisagem, pensando no pastor que havia morado naquela casa muitos anos atrás.
Será que ele tinha sido feliz naquele lugar tão remoto, com seus carneiros e seus
cachorros? Era um solitário como Adam, ou morava com uma esposa e filhos, todos
espremidos na pequena casa?
Começou a pensar no pastor, e passou a ver o rosto de Adam, com seu corpo
forte. Ela o viu vindo pelas colinas, cansado e com frio, talvez trazendo algum
carneirinho recém-nascido...
— Samantha! — A voz de Adam fez ela voltar à realidade. Vinha descendo a
colina em direção a ela. — Já encontrei o que procurava nos manuscritos e,
repentinamente, tive vontade de ficar trabalhando. Você se importa de ficar mais um
pouquinho aqui? — Consultou o relógio. — Ainda não são cinco horas. Podíamos
ficar trabalhando mais umas duas horas e depois comeríamos alguma coisa. Tenho
certeza de que você encontrará algum enlatado para preparar um jantar, não acha? E
assim nós ainda chegaremos à escola cedo, ou seja numa hora boa. O que lhe parece?
— Você que sabe — disse Samantha. — Você é o patrão.
— Assim não — ele deu um sorriso. — Isso não é o tipo de coisa que gosto de
ouvir. — Ele estava fazendo piada, agora. Talvez a "coisa" antifeminina não fosse
assim tão séria. Mas era absurda a maneira com que seu coração batia. Foram para
casa.
— Você podia telefonar para o sr. Jones avisando que vamos ficar um pouco
mais aqui e para ver se tudo está bem — ela sugeriu.
— Você está brincando. Faz idéia de quanto custaria trazer um telefone para cá?
E, depois, comprei este lugar para me livrar dos horrores tipo telefone. — E riu. —
Nós deveríamos tentar encontrar um tambor, então assim mandaríamos a
mensagem.
A colina era escarpada perto da casa. Ela tropeçou numa pedra e o braço de
Adam a segurou. Enquanto terminavam de descer, não fez menção de retirá-lo. —
Não se preocupe, Samantha. Eles vão se virar sozinhos desta vez. — Sua voz era
calma e agradável. Parecia que eles se conheciam havia muito tempo. Ele realmente
estava cumprindo a sua parte do trato, e ela, por seu lado, iria cumprir a dela. Seria
agradável não ter que ficar sempre alerta.
Aquela casa parecia inspirar Adam; as palavras e idéias saltavam dele, e
Samantha cobriu páginas e mais páginas do livro de exercícios escrito a mão para ela
datilografar. Eles trabalharam arduamente, completamente absorvidos. Quando
ergueram a cabeça já eram sete horas.
Adam correu os dedos através do cabelo escuro. — Este foi o melhor trabalho
que me lembro de ter feito. Você pode ler tudo novamente, Samantha?
— Acredito que sim, se me der uma ajudazinha.
— Vamos fazer um lanche, estou morto de fome.
— Eu também.
Ela foi para a cozinha e olhou as latas na prateleira. — Que tal sopa de
aspargos? — gritou para Adam, que estava no escritório.
— Para mim está bem.
— Com lagosta coberta com cogumelos e salada verde. Creme com amora e
café?
— Soberbo! Mal posso esperar! — Aquele era um lado que Adam nunca tinha
mostrado, cheio de vida, quase um garotinho.
Enquanto jantavam, ela contou a respeito das fantasias com o pastor que
morara naquela casa. Adam colocou a imaginação de escritor em dia e eles
inventaram nomes para a família toda, inclusive o cachorro. Criaram uma história
para a linda filha dele, Lucy, e tudo era bastante absurdo e eles riram juntos.
Samantha percebeu, meio chocada, que há muito tempo não se sentia tão feliz.
Foi quando lavava a louça, e enquanto Adam arrumava seus livros, que ela
percebeu que a cozinha estava bastante escura, e olhou para fora, para ver o sol se
escondendo por trás das colinas.
— Acho que devemos ir embora logo — ela tentou não se mostrar muito
ansiosa. — Já está escurecendo.
— Aqui escurece cedo, não precisa se preocupar. Conheço o caminho como a
palma da minha mão. Provavelmente ainda está claro lá embaixo.
— Continuo achando que não devíamos perder tempo. — Uma vez, num passeio
pela floresta, aos oito anos, ela tinha tido uma experiência inesquecível. Lisa fugiu e
o pai foi procurá-la. Eles ficaram separados e Samantha acabou se perdendo. Desde
então, sentia muito medo do crepúsculo e da neblina.
— O que há de errado, Samantha? — Os olhos de Adam estavam brilhando. —
Está com medo de que tenhamos que passar a noite aqui?
Ela não podia explicar para ele e sentiu o rosto corar. Então, virou o rosto.
— Pobre Samantha, você não gosta que zombem de você, não? — Ele colocou o
resto dos papéis juntos. — Está bem, estou pronto. Vamos, que vou fechar a casa.
Trancou a porta da casa e se dirigiram para o Mini. Adam colocou os papéis no
banco traseiro: — É melhor eu guiar agora; conheço o caminho melhor que você.
Ela se sentou no banco ao lado, olhando para trás, para a casa. Bastante triste,
ela se perguntava se algum dia iria voltar lá. Provavelmente, não. De qualquer forma,
era muito triste. Com isso, não estava prestando atenção no barulho do motor. Mas,
então, ela ouviu. Uma, duas, três vezes, sem nenhuma resposta do motor.
— Alguma coisa está errada. Como é que se abre o capô?
Ela saiu do carro, abriu o capô para ele e ele teve que se mexer, sem jeito.
Depois, foi para trás do carro, olhou como estavam as coisas, abriu a porta e deu
uma olhadinha no painel. Quando se endireitou novamente, seu rosto estava duro. —
Você não fez isso de propósito, não é mesmo, Samantha? — Ela sentiu uma onda de
ódio tomar conta de seu corpo.
— O que... o que foi que aconteceu agora? — ela ignorava o que estava
acontecendo.
— Não tem gasolina — ele disse secamente.
Ela passou a mão pela testa. — Oh, meu Deus, perdoe-me! Eu ia encher o
tanque mas acabei esquecendo.
— Muito conveniente — disse ele — quando você sabia que vínhamos para um
lugar tão desocupado.
— Eu não sabia que era assim tão afastado da civilização, e... e — acabou
ficando toda confusa. A coisa era tão ridícula! Ele não acreditava... ele não podia
acreditar que ela tinha feito aquilo de propósito, para que ficassem lá! Preferia uma
longa caminhada até um posto de gasolina.
Mas, claro, ele não acreditava.
— A antiga malandragem — ele acrescentou com sarcasmo. — Pensei que só os
homens usassem este truque da gasolina.
Ela olhou fixamente para ele, os olhos arregalados de choque. A surpresa de
suas palavras a tinha surpreendido. Um ódio mortal, nunca sentido antes, surgiu
nela.
— Como... como é que você ousa? — ela ergueu a mão e deu-lhe um tapa com
força. Depois virou-se e correu o mais que pôde, descendo a colina, fazendo o
possível para ficar bem longe dele. Quando sentiu que escurecia de verdade o pânico
começou a dominá-la, mas continuou correndo, tropeçando de vez em quando em
alguma pedrinha. Lágrimas de frustração banhavam seu rosto. Tinha sido uma tarde
tão encantadora. Eles haviam se dado tão bem e Adam tinha sido tão diferente. E,
agora, vinha aquilo!
Já havia corrido uns cem metros quando ele a segurou fortemente. Ela tentou
lutar, mas ele era muito mais forte. Ele a fez virar-se e olhou-a bem no fundo dos
olhos. — Que diabos, para onde você acha que está indo?
— Para qualquer lugar. Qualquer lugar bem longe de você — respondeu, com os
olhos assustados e úmidos. — Já agüentei muito sua arrogância!
Ela enfrentou seu olhar, disposta a não desviar os olhos dele. Parecia uma
eternidade, eles daquele jeito, as mãos dele segurando o braço dela, a neblina ao
redor, tudo fazendo com que continuassem mais juntos.
— Você é um demônio, Samantha — ele disse afetuosamente.
Então, deliberadamente, puxou-a para si e sua boca procurou a dela. Um beijo
demorado, longo e nada gentil; um beijo de raiva e paixão. Quando ele finalmente
afastou os lábios, ela estava tremendo dos pés à cabeça. Havia surpresa, mas havia
também um outro sentimento, mais primitivo, que ela jamais havia sentido. Ele
respirou fundo. — Isso teria que acontecer uma hora ou outra, mas não acontecerá
mais. Precisamos voltar para a escola. Com gasolina ou sem gasolina, com neblina ou
sem neblina. Você percebe, garota, o que aconteceria se tivéssemos que passar a
noite nesta casa?
Seu cérebro não parecia estar trabalhando muito bem. — Eu... eu imagino que
todos lá na escola iriam comentar muito.
— Eu não estava pensando na escola — disse. — Não importa, deixe isso de
lado. Temos que ir para Stow. É mais longe do que ir para o povoado mais próximo,
mas lá há garagens e hotéis. É mais fácil conseguirmos uma carona de volta para a
escola.
Ele empurrou-a para a frente e, em silêncio, retiraram seus pertences do carro.
Adam trancou-o e colocou a chave no bolso da calça. Ele colocou sua maleta e dois
livros grandes embaixo do braço. — Vamos — disse, sem nem mesmo olhar para a
pequena figura a seu lado. — Pelo amor de Deus, vamos indo.
Já eram quase dez horas quando eles chegaram na escola. Christine observou o
rosto muito pálido de Samantha e levou-a para a enfermaria, para dar-lhe algum
estimulante e chá quente.
— Tome isto, você parece estar apaixonada.
— Obrigada. Andamos muito, e eu não estou com roupa apropriada. — Tentou
sorrir, mas a boca estava rígida de frio e de nervoso. Nem uma caminhada pelas
colinas ia deixá-la tão cansada como estava agora. Os conflitos de sentimentos a
estavam deixando exausta.
— Estava começando a me preocupar. — Christine colocou uma almofada nas
costas de Samantha. — Até o sr. Royle telefonar, avisando o que tinha acontecido,
estava imaginando acidentes de carro e mais uma porção de coisas horríveis.
— Nada é mais terrível do que eu ter esquecido de encher o tanque do carro. —
Era muito bom estar de volta, depois de ter escalado a colina, por um bom tempo,
com Adam a sua frente. Suas pernas estavam muito doloridas, pois precisara
esforçar-se muito para conseguir acompanhá-lo. Mas ele não demonstrou nenhuma
consideração. Apenas parava de vez em quando para esperá-la, impaciente. Quando
chegaram em Stow e acharam uma carona, ela afundou-se no banco de trás do carro
— Adam estava sentado na frente com o motorista —, quase chorando de tanta fadiga
e miséria. Sim, era muito bom estar de volta às pessoas amigas. Tudo que queria era
uma boa noite de sono. No dia seguinte já teria esquecido a noite tão desastrosa e
enervante.
Mas, quando acordou no dia seguinte, aquilo foi a primeira coisa que lhe veio à
cabeça. Apesar de seu cansaço — ou talvez por causa disto — o sono não viera logo.
Mas quando finalmente o cansaço tomou conta, deve ter dormido bastante, pois nem
chegou a ouvir o alarme. Perdeu também o café da manhã e a reunião, e tinha
acabado de sentar-se quando Adam entrou na sala.
Samantha tinha passado um bom tempo rolando na cama, imaginando como
Adam iria tratá-la naquela manhã. Será que ele ainda estava bravo com ela, ou tinha
esquecido tudo, chegando à conclusão de que sua atitude foi muito mal-educada e
sem razão? Ela havia, com alguma dificuldade, descontado aquele momento na
colina, quando ele a tomou nos braços, beijando-a com loucura. Os homens, ela
sabia, podiam fazer coisas sem estar apaixonados.
E estremeceu, lembrando-se da violência que tinha percebido nele. Pelo menos
tinha aprendido um pouco com aquele incidente. Descobriu que não era a garota fria
que sempre pensara que fosse. Embora não estivesse apaixonada por Adam Royle —
e ela certamente não estava, tentou provar para si mesma —, ele tinha o poder de
fazê-la sentir uma paixão nunca sentida antes. Devia, sim, tomar muito cuidado o
resto do semestre.
Mas agora, quando ele entrou no escritório e parou ao lado da escrivaninha, ela
sentiu o coração bater desenfreadamente. Disse bom-dia sem levantar a cabeça.
— Bom dia — disse ele com voz de patrão. — O que tenho marcado para hoje?
— O sr. e a sra. Gregory vêm vê-lo às dez e meia.
— O que eles querem?
— Escreveram dizendo que estão preocupados com as notas de matemática de
Peter, e gostariam de falar com o senhor.
— Ah, sim, agora me lembro. Por favor avise o sr. Jones para ficar disponível,
vou precisar da opinião dele. Acho que vou querer ver o boletim do garoto e também
o dos três semestres passados. Seria bom oferecer um café para os Gregory. E depois,
o que tenho?
— Três pais de alunos desejam vir conhecer a escola às onze horas. O senhor
mesmo vai lhes mostrar? — Ela olhava direto para um ponto e tudo o que conseguia
ver de Adam era uma parte da roupa que ele costumava usar para reuniões. Era, ela
pensou tristemente, uma roupa de funeral, muito preta, que marcava a morte de um
entendimento que ia florescer no dia anterior lá na casa de campo.
— Sim, vou acompanhá-los. É melhor você ficar preparada para conversar com
eles, caso eu não tenha terminado a entrevista com os Gregory. Mais alguma coisa?
— Nenhuma entrevista. Mas o senhor prometeu assistir o jogo de críquete esta
tarde. — E a respeito desta noite?, ela se perguntava. E nosso teatro esta noite? Mas
ela não iria mencionar aquilo se ele não o fizesse. Era muita cara-de-pau.
— Está bem — disse secamente. — Vou providenciar a correspondência antes de
os Gregory chegarem. Por favor, traga seu caderno de anotações.
Foi uma manhã muito ocupada e, conforme ia passando, os modos de Adam
continuavam estritamente impessoais. Ficou bem claro para Samantha que o que
aconteceu na noite anterior não tinha nenhuma importância para ele, exceto pela
pequena irritação que durava até agora.
Christine entrou com um prato de biscoitos enquanto Samantha tomava o café
na sala. Adam estava trancado com os Gregory na diretoria. — Trouxe um pouco de
biscoitos; achei que você ia gostar, já que perdeu a hora do café esta manhã.
— Dormi demais — confessou Samantha. — Fiquei muito cansada de escalar
montanhas. — Era melhor fazer uma piada daquilo.
— Tem certeza de que está bem? Você não pegou um resfriado, não? Você
parecia uma pequena órfã perdida, quando chegou aqui na escola ontem à noite.
— Não, estou muito bem, obrigada. — Não queria falar sobre a noite anterior. —
Ah, por sinal, Chris, recebemos cartas de duas moças que estão interessadas em
ocupar seu lugar. As duas podem vir para a entrevista a semana que vem. Uma na
quarta-feira de manhã e a outra na parte da tarde. Está bem para você? Parece que
teremos que entrevistá-las, e decidirmos. O sr. Royle não me pareceu interessado.
Ele não vai estar aqui no próximo semestre...
— Só espero que ao menos uma seja boa, e possa começar logo. Isto é a coisa
mais importante.
— Vocês já marcaram a data do casamento?
— Provisoriamente, trinta de junho; de hoje a um mês. Acho que terei tempo de
organizar tudo aqui. Ah! Ia me esquecendo... o sr. Jones foi me procurar esta manhã.
Ele vai providenciar para que James assista as aulas de laboratório. Não foi bondade
dele pensar nisso?
— Nossa, que bom! — Samantha achou estranho o sr. Jones não ter
mencionado que era uma idéia do diretor e não dele. Talvez Adam tivesse pedido que
não comentasse nada.
— Estou tão aliviada! — Christine continuou: — Tenho certeza absoluta de que
James, se tiver uma coisa que goste para fazer, vai agüentar melhor a carga. Depois,
quando voltarmos da Itália, veremos o que fazer com ele. Não quero ficar fazendo
muito alvoroço a respeito disto. Realmente, espero que James se acostume, e aceite a
situação, com ele é tão difícil a gente ter certeza de alguma coisa! Guarda tudo para
ele. Sabe o que estou tentando dizer, não é mesmo, Samantha?
— Sim, é um garoto muito sensível. — Samantha lembrou como estava triste no
dia anterior, depois da aula de educação física; tão pequeno e miserável...
Os olhos de Christine se encheram de lágrimas. — Não é uma tragédia a
felicidade de uma pessoa depender da infelicidade de outra? Sei que James vai ser
muito beneficiado por ter um pai, especialmente um pai como Hugh. Mas sei,
também, que ficará muito perturbado no começo. Você vai tomar conta dele para
mim, não vai, Samantha? Não o mime muito, claro!, mas só para ver como ele está.
— Claro que tomarei conta dele — ela não disse, mas tinha certeza de que Adam
ia ajudar muito. Era estranho ter tanta certeza da lealdade dele para com o garoto,
quando era tão mau e injusto com ela. Gozado, pensou.
— Obrigada — disse Christine, com um nó na garganta. E, para esconder a
emoção, continuou rapidamente. — E agora? E você? Como é que vai fazer para
trazer seu carro de volta?
— Sabe que eu nem tinha pensado nisso? — Deu um tapinha na testa. — Estou
meio zonza esta manhã.
— Gostaria de saber se posso ajudar. Estou com a tarde livre hoje e vou até
Oxford encontrar Hugh. Podíamos ir até a casa de campo do sr. Royle com um galão
de gasolina para o carro. Assim você podia trazê-lo de volta, hein? O que acha?
— Ah, obrigada, Chris. Seria realmente muito bom. — Então, lembrou do
compromisso e balançou a cabeça. — Mas... não sei. Preciso ir ao teatro com Adam
em Stratford. Não sei se o convite continua em pé. Ele ficou tão aborrecido comigo
ontem que talvez resolva cancelar tudo.
Christine franziu a testa. Mas, antes que pudesse dizer alguma coisa, a porta da
diretoria foi aberta e a voz de Adam surgiu lá de dentro, dizendo em voz de diretor
para os pais: — Não acredito que precisem se preocupar tanto. Nós vamos
providenciar para que Paul tenha aulas de reposição, e...
Christine pegou a xícara de Samantha e saiu em silêncio.
Adam passou a manhã inteira em companhia dos pais de alunos e, com isso,
Samantha teve tempo de datilografar o trabalho que tinham feito no dia anterior. Fez
força para se concentrar, mas a todo instante as palavras traziam recordações da
tarde que haviam passado na casa de campo. A maneira de Adam trabalhar,
encostado em sua cadeira, testa franzida, olhos semicerrados e os cílios sombreando
o rosto; a maneira dele ir através do passado e colocá-lo novamente no presente, em
todos os sentimentos e cores, as barbaridades e as esperanças do futuro. Ele possuía
um forte dom de conseguir colocar o passado no presente.
Lendo novamente as anotações, Samantha sentiu a mesma ansiedade que havia
sentido no dia anterior, e era tanto que podia ouvir a voz de Adam naquele lugar.
Mas estava tão absorta que não ouviu Adam entrando na sala, e só se deu conta
quando ele disse, atrás dela: — Já tocou o sinal do recreio. Você não ouviu?
Samantha assustou-se, virando-se na cadeira. — Não, eu não... eu — e como
sempre acontecia seu coração disparou. Devia tentar controlá-lo e percebeu que era
apenas o efeito da vitalidade masculina, mas mesmo assim continuava a bater
depressa.
— Estou vendo que você está trabalhando com o meu livro. Espero que não
esteja colocando nada que o deixe confuso.
— Pensei que fosse importante.
Ele continuou em pé olhando para ela, muito alto, moreno e sério.
— É importante para mim, mas não há motivos para ser também para você.
Muito menos, se pensar na maneira estúpida que tratei você ontem.
Ela arregalou os olhos, mas não disse nada.
— Sinto muito, Samantha. Você pode me perdoar?
— Claro! — disse. Ela desejava saber o que tinha de perdoar, se era a acusação
sobre a gasolina ou o beijo. Mas, fosse o que fosse, tudo estava esquecido e eles eram
amigos novamente.
— Você é muito legal. Eu devia saber que você nunca... bem, não vamos discutir
aquilo agora. Olhe, as chaves do seu carro. — E depositou-as na mesa.
— A enfermeira vai para Oxford esta tarde e se ofereceu para ir comigo pegar o
Mini, e...
— O Mini está lá fora, no estacionamento. Chegou há alguns minutos.
— Não entendo. Como?
— Combinei com a garagem em Stow para ir apanhá-lo hoje e trazê-lo para cá.
Era o mínimo que eu podia fazer. E, de qualquer forma, vamos precisar de um carro
para ir a Stratford esta noite, pois o meu só fica pronto na segunda-feira. A que horas
devemos estar prontos, às seis e meia?
Ela concordou, ainda meio passada. Não podia acreditar no que tinha acabado
de ouvir.
O sr. Jones entrou na sala e os dois saíram discutindo as dificuldades de Paul
Gregory em matemática.
Samantha afundou na cadeira, largou os ombros e deu um suspiro. Trabalhar
com Adam Royle era tão estonteante como andar de montanha russa: primeiro lá em
cima, depois lá embaixo novamente. Ele era a pessoa mais estranha que já conhecera
durante toda a vida. Mas já havia se desculpado pelo incidente da noite anterior,
mandara buscar seu carro e agora, à noite, eles iriam juntos ao teatro.
Samantha dirigiu-se para a sala de jantar com um sorriso feliz nos lábios.
CAPÍTULO VIII
Samantha se vestiu para a noite com muita ansiedade e esmero. Parecia até a
primeira vez que saía com um rapaz importante em sua vida — e não para um
passeio que ela mesma sugeriu — por motivos práticos e nada românticos. Mas, fosse
qual fosse o passado, uma garota devia estar sempre muito bem vestida quando seu
companheiro era um homem tão atraente e, quando terminou, parou satisfeita
diante do espelho e sorriu. Parecia Lisa olhando para ela. Lisa sempre fora mais
bonita, mas aquela noite Samantha estava bonita de verdade. Seu cabelo muito
louro, arrumado, brilhava muito. Seus olhos estavam muito azuis, os lábios,
sensuais, e os dentes, muito brancos e brilhantes.
Escolheu seu vestido predileto: um branco e amarelo, de decote canoa e
mangas compridas, que lhe caía maravilhosamente bem. Ficou sem saber se levava
ou não um casaco, mas acabou resolvendo que aquela noite seria agradável e não iria
precisar de um. Atirou uma estola sobre os ombros, dançou uma ou duas vezes
diante do espelho, e desceu apressada as escadas.
Os quartos dos professores ficavam numa outra ala da casa e não havia
ninguém por lá àquela hora da noite. Isto talvez fosse uma pena. Para o sucesso do
plano, devia haver uma porção de gente para testemunhar sua partida com Adam,
pensou com um sorriso, imaginando eles todos amontoados na janela, vendo os dois
saindo, com inveja. Mas por alguma razão o plano tinha ficado em segundo lugar e
não parecia mais tão importante.
Adam estava esperando do lado do Mini. Estava com um terno marrom-escuro,
uma camisa amarelinha, e seu coração deu o mesmo sobressalto quando sorriu para
ela.
— Pontual — disse. — Uma rara virtude feminina! — E seus olhos a
examinaram de cima a baixo. — Muito bem, nota dez. Como a falsa noiva do sr.
Adam Royle, você não podia estar melhor. Ela sentiu aquele friozinho característico
na barriga, mas sorriu brilhantemente e disse: — Oh, posso ficar melhor que isto, se
quiser.
— Mas só para Richard Barnes?
— Talvez... — Ela passou as chaves do carro para ele — Você guia?
Ele não destravou logo a porta. Continuou a observá-la pensativamente. —
Sabe? Seria mais apropriado irmos assistir Hamlet em vez de Macbeth.
— Hamlet? Por quê?
— Ele também tinha uma porção de problemas com as mulheres. — E dirigiu-se
para o outro lado do carro.
Quando sentou-se ao lado dele, disse: — Estive pensando se não devíamos
oferecer uma carona para a srta. Bayley e a srta. Trump. O que você acha?
— Você perdeu sua oportunidade — disse ele, ligando o motor. — Elas partiram
num táxi, há alguns minutos. Foi até um pouco surpreendente! Pensei que elas
fossem na moto da Trump.
Samantha não pôde deixar de rir ao imaginar aquela cena, mas bateu a porta do
carro com força e disse: — Gosto muito da srta. Trump. Ela é muito boazinha e, além
do mais, é uma ótima professora. Os garotos também gostam muito dela.
— Eu também — disse ele simplesmente. — Você ainda não percebeu que só
faço gozação com as pessoas de quem gosto? Gosto de todos aqui! Desde que não me
perturbem ou me convidem para sair...
Ela não pôde resistir à tentação. Olhou para ele por baixo dos cílios e disse: —
Parece que fui eu que o convidei para sair. Isto também significa que você não gosta
de mim?
— Oh, você fica numa categoria diferente! — disse ele. — E não me provoque
quando estou falando sério. Ou vamos cair numa valeta.
Ela sorriu e ajeitou-se no assento. Tentar o humor de Adam era a mesma coisa
que colocar o pé no mar antes de dar o mergulho. Aquela noite a temperatura
parecia estar bem agradável. Samantha passou a observar a paisagem, divertindo-se
com seus pensamentos.
Era uma noite perfeita de verão. O sol, escondendo-se, deixava a atmosfera um
pouco fria. Adam guiou como se também estivesse se deliciando com o canto dos
pássaros, o perfume das árvores, as sombras frescas, que ainda não estavam
totalmente escuras — tudo aquilo ajudava a dar uma paz tranqüilizante àquele
pequeno pedaço de terra da Inglaterra.
Repentinamente, Samantha sentiu-se muito feliz com tudo que a rodeava. Até
mesmo o fato de Adam Royle estar ao seu lado parecia alguma coisa pouco
importante. Ela respirou fundo e foi soltando o ar aos poucos.
Ele olhou para ela. — Tudo bem? Qual o motivo deste suspiro?
— Felicidade — respondeu ela rapidamente. — Adoro teatro e faz muito tempo
que não vou a nenhum.
Talvez sua explicação o tivesse deixado satisfeito, porque não disse mais nada.
Logo, entraram na estrada principal. Ele guiou rápido, e o silêncio dominou o carro
até chegarem em Stratford. Pararam num estacionamento para evitar a confusão na
saída do teatro, e caminharam pelo jardim, passando pelo grupo de estátuas onde
havia uma de Shakespeare em bronze.
Adam parou, olhando para aquele rosto familiar de barba, olhos que pareciam
fixos num lugar onde quem não está morto não pode ver. — Ele sabia tudo. Tudo que
é preciso saber a respeito das pessoas. Você não precisa ser uma psicóloga se
conhece e entende Shakespeare. Todos podem encontrar-se em algum lugar.
Samantha concordou. — Só que nem sempre nos reconhecemos. E, se
reconhecemos, podemos não gostar do que vemos.
Ele a olhou com uma expressão assustada nos olhos escuros: — Que menina
mais perceptiva você é! Está sempre me surpreendendo.
— Muito obrigada, senhor diretor! — disse sorrindo. — Só que não sou uma
menina.
— Não? — perguntou, zombando. E depois, suavemente: — Não, talvez você
não seja mesmo.
Eles caminharam pela calçada, o rio à esquerda deles como uma piscina de
vidro refletindo o teatro. Ficaram em silêncio enquanto seguiam e, para Samantha,
aquilo era como uma corrente elétrica correndo por seus corpos. De repente, sentiu-
se fraca. Seus joelhos tremiam. Ela lembrou as palavras da música. "A velha magia
negra conseguiu me envolver". Aquilo sim que era, disse para si mesma, magia
negra. Uma atração física tão intensa que chegava a doer. Depois de algum tempo,
sentiu a mão de Adam encostando-se na sua, e depois segurá-la. Ele também devia
estar possuído pela magia negra.
O encanto não desapareceu. Samantha já havia visto muitas produções de
Shakespeare há alguns anos, em Stratford, mas esta era diferente de todas as outras.
Era realmente alguma coisa a mais caminhar por aquelas escadas de mármore ao
lado do homem mais distinto que estava à vista, de sentar-se em lugares mais caros
do que costumava sentar, de ouvir a voz grave de Adam enquanto discutiam a peça, e
ela falava a respeito de Scotland, em épocas remotas, quando lá era cheio de
violência. Para uma garota apaixonada por história, ele era uma companhia perfeita.
Ela desejava poder dizer-lhe aquilo, mas era proibido. Lembrava-se de como ele
havia dito, no primeiro encontro, que era totalmente alérgico a elogios femininos, e
ela não ia estragar uma noite tão agradável arriscando-se a elogiá-lo. Portanto, se
contentou em fazer perguntas e ouvir suas respostas até a peça começar.
Daquele momento em diante, Samantha se perdeu no drama. O tempo parou
de significar qualquer coisa, e até mesmo o intervalo, quando eles se juntaram ao
resto do pessoal para tomar café, escassamente a trouxe de volta do passado. Ela
estava vivendo a peça e as cenas familiares apareciam-lhe diante dos olhos — os
assassinos, as batalhas, os visitantes fantasmas, a terrível e má Lady Macbeth —
como um sonho que ela tinha tido muitas vezes em sua vida.
As luzes se acenderam novamente, deixando-a perdida no espaço. Quando
estavam com o resto do pessoal, afastando-se do auditório Adam perguntou: — Bem,
o que foi que você achou?
— Maravilhoso! Mas as peças sempre são maravilhosas para mim, não importa
quantas vezes eu já as assisti. Não sou crítica.
— Sem dúvida, você aproveitou todos os segundos. Estive observando você.
Eles estavam numa das saídas agora. De repente, Adam abraçou-a. — Não olhe
agora, mas a srta. Bayley e a srta. Trump estão nos observando. Talvez este seja o
melhor momento para o nosso plano. — E abraçou-a com força, puxando-a para si
com um gesto íntimo. Sobre sua estola, a mão dele estava firme e protetora, e ela
sentiu um desejo repentino, logo reprimido, de apoiar-se nele. Não havia nenhuma
necessidade, disse para si mesma, de levar a coisa tão a sério.
A voz de Adam soou bem próxima de seus ouvidos: — Como estou me saindo?
Estou bem no papel de homem apaixonado?
Ela ergueu os olhos e seu coração deu um salto com a expressão que viu nos
olhos dele. Mas aquilo tudo era apenas uma farsa, claro: — Muito competente! —
disse com um sorriso frio. — Não há dúvida de que você teve uma porção de
experiências.
— Estranho... você pode não me acreditar. Mas não tive tanta experiência
assim. Talvez — acrescentou — eu esteja esperando pela garota certa.
Uma vez mais ela pensou em Estelle Norton, a garota de quem ele havia falado
com tanta admiração. A garota que provavelmente nunca iria zombar de nenhum
homem. E, de repente, ficou cansada daquele plano ridículo. Desejava agora nunca
ter sugerido aquilo, nem mesmo para o bem da escola. — Não há necessidade de agir
tão realisticamente — disse ela com um pouco de frieza em sua voz. — Elas não irão
ouvi-lo no meio deste povo todo.
Ele sorriu. — Tut-tut! De quem foi a idéia em primeiro lugar? Eu não deveria
cair de charme pela secretária da escola? E, por falar nisso, como é que você pode ter
certeza que eu estava fingindo? Diga-me, vamos.
Samantha sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha. Olhou para o rosto dele,
seus olhos arregalados e interrogantes. Mas nenhum dos dois pôde dizer mais nada.
A srta. Trump aproximou-se deles por entre o pessoal. — Ei, vocês dois! O espetáculo
foi ótimo, não acharam?
A srta. Trump, seguida pela srta. Bayley, avançava por entre a multidão, e lá
seguia o tipo de conversa que geralmente é ouvida depois de uma peça de teatro,
pelos corredores e passagens. — Uma produção esplêndida... soberba Lady
Macbeth... atmosfera maravilhosa... talvez um pouco escura, você achou? —
Samantha sorriu vagamente para as duas mulheres, e ouviu surpresa a amabilidade
de Adam. Ela não estava realmente prestando atenção. Estava era matutando se ele
pretendia dar uma carona para as duas, de volta para a escola, e estava bastante
chocada pela intensidade de suas esperanças de que ele não oferecesse. Foi com
grande alívio que as viu despedindo-se e sentiu o braço dele protegendo-a da
multidão que se aglomerava fora do teatro. — Reservei uma mesa para o jantar —
disse ele. — Está bem para você?
Sua primeira reação foi de encantamento, então aquela noite agradável ainda ia
durar mais tempo. Mas disse: — Oh, você não precisava ter feito isso. Eu quero dizer,
realmente não era necessário.
— Eu achei que era bastante necessário. Por dois motivos. Primeiro, será bem
mais convincente se eu ficar com você até tarde da noite, não acha? Segundo, estou
morto de fome. Ou você teve tempo de jantar antes de sairmos da escola?
— Não, não tive — admitiu. Depois, porque estava com medo de parecer mal-
educada, acrescentou com um sorriso rápido. — Muito obrigada, foi uma idéia ótima
e eu estou com muita fome.
— Então venha, vamos ver o que é que eles servem.
Adam era o tipo de homem que os garçons corriam para atender, e o jantar
estava delicioso. Uma saborosa sopa, acompanhada de cogumelos com creme de leite
e, mais tarde, morango com chantilly. Eles conversaram sobre a peça, discutindo a
respeito de outras, e para Samantha o tempo passou muito depressa.
Ela suspirou enquanto eles tomavam café. — Foi maravilhoso. Eu não
imaginava que estava com tanta fome. Só havia comido alguns biscoitos antes de
sairmos. Estava escrevendo algumas cartas que precisavam ser enviadas de última
hora. O correio anda muito lento estes tempos, e eu queria terminá-las ainda hoje
para mandar amanhã de manhã.
Ele estava olhando pensativamente para ela do outro lado da mesa. — Você leva
seu trabalho na escola muito a sério, não?
— É, acho que sim. De certa forma, sinto como se estivesse ocupando o lugar de
meu pai, embora, claro!, nunca pudesse realmente fazer isso. Ele era um professor
maravilhoso. — Fez uma pausa, os olhos fixos nas flores da mesa. — Ele pretendia
cuidar da escola com tio Edward. Planejaram isso durante anos, desde o tempo da
universidade, e pareceu uma vergonha que logo que... As cores das flores logo se
misturaram e ela engoliu seco. — Foi por isso que, quando tio Edward ficou doente,
tentei segurar as pontas. Foi assim que ele disse. Talvez soe bastante importante
para mim, e se alguma coisa não saiu bem, não foi por falta de tentar, mas...
— Mas você ia tentar fazer o possível — ele terminou, sorrindo, os olhos ainda
mais escuros e nem um pouco cínicos. — Bem, vamos torcer para que nada de errado
aconteça com a Kings Worthy. Mas, lembre-se! Se surgir algum problema agora,
você não está mais sozinha. Estarei lá para ajudá-la.
— Sim, eu sei. E isso ajuda muito.
Ela o observava enquanto ele pagava a conta. Como parecia independente,
controlado! Agora você me tem, ele tinha dito. Ela se perguntou como seria ouvi-lo
dizer exatamente isso, e ainda por cima, ser verdade. Mas aquilo nunca iria
acontecer. Nunca nenhuma mulher iria ter Adam Royle de corpo e alma, de amor e
de lealdade. Ele não nasceu para aquilo.
No caminho de volta, Adam parecia inclinado a ficar em silêncio mas, para
Samantha, o silêncio tinha uma tensão bastante perturbadora. Bombardeou-o com
perguntas e, finalmente, conseguiu que ele falasse a respeito de seu trabalho como
professor, e também a respeito da grande escola no sul da Inglaterra para onde teria
que voltar em setembro.
— Vai ser muito diferente da Kings Worthy — ela comentou.
— Muito. Mas há lugar para todos os tipos de escola. Eu próprio sou contra a
uniformidade de ensino, embora isso talvez seja inevitável.
— Onde é que você vai morar?
— Vou ocupar a casa de um homem que está para se mudar. É muito agradável,
bem perto do rio.
— Mas você vai continuar com a casa de campo, não vai?
— Oh, sim, eu não gostaria de me desfazer daquela casa, é o meu refúgio. Vou
passar a maior parte das minhas férias lá; escrevendo, claro.
No escuro do carro ela engoliu um suspiro.
— Você já tem tudo preparado, não?
Ele sorriu gentilmente.
— Por que não?
Sim, ele sabia o que queria. Ela se perguntou se seus planos incluíam uma
esposa, eventualmente. Talvez levasse uma garota com ele para lá — garotas
diferentes em épocas diferentes, ela consertou, lembrando-se do que Lisa tinha
falado, de como ele tratava as mulheres de sua vida. A imagem da casa de campo lhe
veio vividamente, a sala cheia de livros, a pequena e moderna cozinha, a enorme
cama de casal... Pare com isto, Samantha!, ela ordenou para si mesma.
— Cá estamos. — A voz de Adam interrompeu seus pensamentos e ela olhou
surpresa para ver que acabavam de chegar à escola.
Ele desligou o motor e olhou para a antiga casa, onde apenas uma ou duas
janelas estavam iluminadas.
— Gostaria de saber se tem alguém olhando pelas cortinas para testemunhar o
nosso regresso — disse ele. — Devemos dar-lhes o que esperam? — Fez uma pausa e
acrescentou delicadamente: — Vamos, Samantha?
Eles se olharam na escuridão do carro. Depois, deliberadamente, ele passou o
braço ao redor de seus ombros. Ela estremeceu quando os dedos dele tocaram seus
ombros nus. Seus olhos se fecharam e ele a atraiu para si, sua boca beijando a dela
num longo beijo. Seu braço era forte, sua mão dura e firme contra o corpo dela.
Samantha agarrou-se a ele, retribuindo sua paixão com tanto ardor que nem podia
acreditar. Admitiu que este encanto era o que sempre havia desejado, há muito
tempo, desde aquele dia na casa de campo.
Finalmente ele a soltou, acariciou seus cabelos e olhou direto para seus olhos.
— Acho que estou apaixonado, Samantha. Acho que finalmente encontrei
minha garota — disse ele.
Então o mundo do lado de fora intrometeu-se. Luzes fortes de um carro
iluminaram a escuridão. O breque foi puxado e um carro parou ao lado do deles,
cortando o silêncio da noite.
Samantha abriu a porta do carro e saltou quando viu uma figura correndo pela
grama. A voz alta e nervosa de Lisa chamava:
— Sam, graças a Deus é você! — E, aproximando-se: — Vim lhe pedir refúgio.
Será que pode me alojar sem que o chato do sr. Adam Royle me veja? Tive uma
discussão muito feia com Robert e... oh... — Ela ficou muda quando Adam saltou do
carro, dirigindo-se para elas. — Oh, sinto muito, não sabia que tinha alguém com
você. — Depois de algum tempo de irritação, Lisa conseguiu controlar-se. — Não vai
me apresentar?
Ela se aproximou, olhando para Adam. Ele tinha levantado a cabeça, e a luz da
porta da entrada batia em cheio em seu rosto. Samantha estava em pé do lado de
Lisa e viu que ela estremecia.
— Não há necessidade de apresentações — disse Adam. — Nós já nos
conhecemos, não é mesmo, srta. Gold? Ou já é senhora não sei das quantas?
Lisa não disse nada, apenas continuou lá, olhando para ele, o rosto branco
como neve. Samantha olhou de um para o outro sem saber o que fazer, sem entender
o medo na voz da irmã, a raiva e o desprezo de Adam. Mas, fosse o que fosse que
tivesse acontecido, não tinha nada a ver com ela.
— Não vamos ficar aqui fora. Vamos entrar e... — ela tocou a manga da camisa
de Adam, lembrando-se que há poucos minutos ele a havia segurado nos braços,
murmurando palavras que prometiam mudar a vida dos dois. Só poderia acreditar
no que ele lhe dissera... ele pareceu tão franco!
Adam afastou-se dela. Depois, com um pequeno movimento de cabeça, disse:
— Vou deixá-las a sós. Depois você tranca tudo, Samantha?
— Sim. — Sua voz parecia não lhe pertencer.
— Boa noite. — Adam disse secamente, e depois virou-se e foi para dentro.
Samantha observou-o sair em silêncio. Então Lisa deu uma tremenda
gargalhada.
— Oh, santos! A minha intromissão veio na hora errada! Ele era a última pessoa
que eu esperava encontrar. Mas tinha que arriscar, Sam, tinha que vir vê-la. Robert
praticamente me jogou para fora de casa. Ele veio para casa sem avisar e Roy
Mathers estava lá. Acho que já era bem tarde, e... bem, Roy e eu estávamos um pouco
empolgados. Não teria acontecido nada... eu tentei explicar isso para Robert, mas ele
não quis me ouvir. — E, aí, ela perdeu o controle e começou a chorar, procurando
por um lenço: — Oh, Sam, foi terrível!
Samantha retirou um lenço limpo da bolsa e o deu para Lisa. Depois trancou o
carro: — Venha, não é nada bom ficarmos aqui fora. Por acaso você avisou Robert
que vinha para cá? O que foi que você disse quando saiu?
Lisa enxugou os olhos enquanto se dirigiam para a porta de entrada.
— Não, eu... apenas saí. Ele estava de muito mau humor. Eu queria sair de lá o
mais depressa possível.
— Então — Samantha levou-a para sua sala — é melhor telefonar para ele e
avisar, não acha? — E empurrou o telefone para a irmã. Lisa parecia horrorizada.
— Oh, não, não poderia! Não esta noite! Vou deixar para amanhã de manhã, e...
— Agora — disse Samantha —, se você não ligar, eu ligo. — Os lábios de Lisa
tremiam:
— Como você pode fazer isso, Sam? Você é minha irmã, devia estar se sentindo
pelo menos um pouco solidária.
— Mas não me sinto. Quer que eu disque para você? — Ela discou, ouviu a voz
grave de Robert, muito zangada, e entregou o fone para Lisa. Depois, saiu da sala,
fechou a porta e sentou-se no hall para esperar.
Lisa demorou uns dez ou quinze minutos, estava pálida e muito chateada,
quando saiu. Mas o medo tinha desaparecido de seu rosto e o tom de voz estava mais
calmo.
— Robert está vindo para cá para me levar para casa.
— Ótimo! — disse Samantha brevemente.
— Posso... você se importa se eu for lá no seu quarto retocar meu rosto? — E
passou a mão pelos cabelos sedosos, a única parte de seu corpo que parecia estar
bem. Seus olhos estavam manchados de rímel; o batom, todo desajeitado; e seu lindo
nariz, vermelho e brilhando. — Devo estar com uma aparência horrível!
— Pode ir lá, vá! Vou buscar uma xícara de café bem forte para nós duas. Nós
estamos precisando — e lembrou do olhar de Adam quando ele se voltou e subiu as
escadas desaparecendo.
— Obrigada, Sam. E obrigada também por me ter feito ligar para Robert. Você
estava certa. Você sempre foi uma garota sensata, não?
— Sensata? Não diria isso — respondeu Samantha secamente, e foi para a
cozinha.
Para uma garota sensata ela tinha feito a coisa mais estúpida do mundo. Tinha
se apaixonado por Adam Royle.
Encheu a panela e ficou esperando ferver, acariciando o pescoço onde, há
apenas alguns minutos, os lábios dele a tinham beijado. Lembrava-se do cabelo dele
entre seus dedos, do seu rosto duro contra o dela. Então, as lágrimas vieram aos
olhos quando lembrou do momento em que pôs a mão em seu braço e ele se virou,
subindo as escadas.
Por que Lisa tinha que aparecer justo naquele instante? Ela tinha estragado
tudo. Adam ficou tão frio, com tanto ódio! Droga! Tentou ver as coisas pelo lado que
ele tinha visto. Repentinamente aparecia alguém que sabia como ele havia se
portado mal alguns anos atrás, que havia lhe trazido à lembrança algo que preferia
não se lembrar. Claro que ia ficar com raiva. Aquilo iria deixá-lo em maus lençóis e
faria ele se sentir culpado. Nenhum homem gosta de se sentir culpado, pelo menos
nenhum homem tão orgulhoso e confiante como Adam Royle. Mas isso era um caso
à parte, agora. Fazia parte do passado e devia ser esquecido. Tinha sido um choque,
mas no dia seguinte ele certamente já teria esquecido tudo. Não havia nada com que
se preocupar.
Mas se preocupava. Mesmo depois de Lisa ter ido embora com o calmo Robert;
mesmo depois dela ter hesitado no corredor que levava para o quarto de Adam,
perguntando-se se teria coragem para vê-lo novamente aquela noite, e decidindo que
não tinha; mesmo depois que se deitou, esperando sentir sono logo, e achou
dificuldade para dormir. Ela continuou se preocupando.
Só depois de resolver que na manhã seguinte tentaria explicar as coisas a
respeito de Lisa, foi que ela conseguiu dormir. Sabia que ia precisar de todas as suas
forças, mas de qualquer forma iria resolver tudo. Aí, adormeceu.
Era uma pena, do ponto de vista de Samantha, que o outro dia fosse domingo.
Como não havia nada de desagradável para ser resolvido, queria acabar com aquela
história toda, mas Adam não estava nada acessível. Todas as vezes que o via estava
falando com alguém. Uma hora o viu dirigir-se para ela no corredor. Apressou o
passo, mas, antes que pudessem se encontrar, ele entrou na enfermaria. Ela se
perguntava se ele a estava evitando propositadamente.
Durante a missa na Igreja St. Mary's, olhou bastante para ele, mas ele parecia
de pedra. Aquele era o primeiro Adam Royle que ela havia conhecido — duro,
estúpido e assustador.
Conforme o dia ia passando, e não surgia a oportunidade de falar com ele,
Samantha começou a se preocupar. No ônibus escolar, voltando da igreja, Adam
sentou-se atrás com os garotos do quarto ano. Depois do almoço, desapareceu para o
seu quarto e não foi mais visto. Samantha andava de um lado para o outro tentando
reunir coragem para ir lá falar com ele, lembrando-se de seu rosto na igreja, e seu
coração doía. Acabou indo à procura de Christine e encontrou-a na lavanderia da
escola, sentada numa cadeira contando os lençóis.
— O quê? Trabalhando aos domingos?
Christine olhou para ela.
— Vinte e nove, trinta... olá, Samantha, como vão as coisas? Não tenho o
costume de trabalhar nos fins de semana, mas achei que seria mais apropriado se
deixasse tudo em ordem para a nova governanta.
— Mas ela não virá agora. As entrevistas são só na semana que vem.
— Acho que houve uma mudança. Você não ficou sabendo?
— Mudança? Mas...
— Bem, não foi exatamente uma mudança. O sr. Royle me disse esta manhã que
vamos continuar com as entrevistas, conforme o planejado. Mas o resultado só sairá
em setembro. Aparentemente ele já contratou uma conhecida para preencher a vaga
até o final deste semestre.
Samantha ficou indignada.
— Ele disse quem era?
— Alguém que já trabalhou para ele antes. Disse que ela é bem qualificada, que
tem muita experiência e parece que está livre até setembro. Eu acho uma sorte,
realmente, que ele tenha conseguido alguém. É um alívio para mim.
— É... — disse Samantha, vagarosamente. Uma possibilidade terrível começava
a perturbar sua cabeça. — Ele não disse o nome dela, disse?
— Sim, disse. — Christine levou a mão à cabeça. — Como é mesmo? Norton.
Sim... isso mesmo! Estelle Norton. E parece que é francesa.
Ela levantou-se da cadeira. Depois olhou para o rosto de Samantha e franziu a
testa.
— Por quê? Você a conhece?
— Eu a encontrei uma vez.
— Então... ande logo, Samantha! Conte-me, como é ela? Você acha que ela
serve?
Samantha olhou para ela. Essa, então, era a maneira de Adam mostrar-lhe que
ia mais longe do que pretendia. Ia trazer Estelle Norton para a escola, sem consultá-
la ou mesmo pedir sua opinião. Sentiu-se muito mal.
— Oh, sim, ela saberá substituí-la! — Samantha disse, e riu. — Na verdade, fará
tudo muito bem.
Ela não lembrava de ter deixado Christine. Quando viu, estava correndo pelo
corredor que levava ao quarto de Adam, sem saber como tinha chegado lá. A porta
pesada no fim do corredor estava diante dela, fechada e proibida, mas a dor e a raiva
lhe davam forças. Respirou fundo e bateu.
Aquele "entre" não soou nada como boas-vindas, mas ela entrou, fechando a
porta e encostando-se nela.
Adam estava sentado à mesa olhando para ela, rodeado de papéis.
— Pois não! — disse com a imponência de um homem sendo interrompido no
meio de um assunto muito importante.
— Acabei de saber que você contratou a srta. Norton para trabalhar aqui.
— Sim, isso mesmo. — Ele franziu a testa. — Você faz alguma objeção?
— Claro que não... não sei nada a respeito dela. Só acho que você devia ter me
falado o que pretendia fazer, antes que eu descobrisse por outras pessoas.
Ele continuou sentado atrás da mesa, olhando para ela, o rosto sem expressão.
Depois, levantou-se e dirigiu-se para a janela, ficando de costas para ela. Depois de
alguns instantes, virou e disse:
— Por que você mentiu para mim, dizendo que não tinha nenhuma irmã?
Ela se afastou, pestanejando com o ataque inesperado.
— A primeira vez que a vi — prosseguiu, ainda naquela voz dura — eu a
confundi com outra pessoa, uma outra srta. Gold. Disse que você era muito parecida
e perguntei se tinha uma irmã. Você respondeu que não, que não tinha. Foi uma
mentira deliberada, não foi?
Ela ainda continuava a tremer, mas esforçou-se para dizer:
— Isso não é justo. Você me perguntou se eu tinha uma irmã gêmea.
Ele afastou aquilo com um gesto de descontentamento, como uma evasão que
não valia a pena discutir.
— Está bem, então — prosseguiu ela, ganhando um pouco mais de confiança. —
Eu menti, mas pensei que justificasse, e ainda penso. Sei o que aconteceu há quatro
anos, entre você e Lisa. Ela me disse, antes de você chegar. E me disse também que
não pretendia vê-lo. Achei que você também pensasse da mesma forma.
— E pensou certo — disse ele secamente.
— Este foi o motivo. Eu lhe disse como me sentia responsável, como estava
ansiosa para que o semestre corresse bem, para o bem de tio Edward. Não pretendia
trazer lembranças tristes para você. Ela encontrou seus olhos e por um momento
interminável eles se encararam. As sobrancelhas de Adam estavam franzidas. Ele
parecia mais confuso, agora, do que irritado. E, por alguns instantes, Samantha
pensou que fosse ficar mais gentil. Então ele voltou para sua mesa, pegou um papel e
disse:
— Bem, não vamos mais discutir isso. É um assunto totalmente pessoal, e não
tem nada a ver com a escola. Agora, a respeito da posição da nova enfermeira, não
tenho nenhuma intenção de seguir o que você quer: eu pretendia contar-lhe amanhã,
durante as horas de trabalho. — Ela pensou que tivesse entendido as últimas três
palavras, insinuando que ela estava atrapalhando-o em seu horário de folga. — De
qualquer forma, como você tocou neste assunto, posso lhe dizer que a srta. Norton
estará livre, inesperadamente, durante o resto do semestre. Tenho certeza de que o
sr. Barnes preferirá, ele mesmo, fazer as entrevistas quando voltar — ele deu de
ombros. — E isso é tudo.
Tudo, ela pensou. Quem é que estava contando mentiras agora?
— Eu entendo — disse baixinho, a mão na maçaneta da porta. — Obrigada por
ter me dado atenção.
Abriu a porta. O longo e solitário corredor estava diante dela. Em outro
momento, teria se afastado dali, sem resolver nada, sem entender coisa alguma.
Apenas uma lacuna entre eles, onde a última noite tinha sido tão íntima, como ela
nunca havia experimentado antes com outro homem. Ou que ela tivesse imaginado.
Impulsivamente, voltou para o quarto dele.
— Adam... — sua mão foi em direção a ele, num gesto de súplica.
Ele olhou rapidamente para ela e depois desviou o olhar.
— Esqueça isso, está bem, Samantha? E, pelo amor de Deus, não faça
escândalos.
Ela olhou para ele, sem acreditar no que acabava de ouvir. Logo, ela soube,
estaria se sentindo como uma minhoca, rastejando, cheia de humilhação. Mas,
naquele instante, pretendia levantar a cabeça e fazer sua boca parar de tremer.
— Não tenho o costume de fazer escândalos — disse firmemente, e depois saiu,
fechando a porta atrás de si.
Foi para a cozinha e depois subiu para o quarto. Não tinha vontade de
encontrar ninguém naquele momento. Ela poderia cair no choro, e aquilo mostraria
que ela era fraca, porque ela só se julgaria culpada se se sentisse destruída. Lisa
havia lhe avisado que Adam era daquele jeito, mas ela preferiu ignorar o aviso. Bem,
agora sabia, não? Estúpido, bruto — era assim que Lisa o qualificara, e aquilo não
era exagero. Disse para si mesma que era uma sorte ele colocar um ponto final
naquilo, antes de a coisa se desenvolver. Senão, seria ainda pior. Ela disse em voz
baixa que seria estupidez continuar pensando nele, sonhando com ele, imaginando
que era um homem diferente daquele que havia provado ser. Disse que o que sentia
por ele era simplesmente uma atração física, e que havia se safado a tempo. E, para
cuidar de seu coração ferido, ia dar tempo ao tempo, até que o semestre terminasse.
Depois sentou-se na cama, catou um lenço embaixo do travesseiro e chorou
como se alguém tivesse lhe partido o coração.
CAPÍTULO IX
Às nove e meia da manhã de segunda-feira, Samantha não mostrava traços da
terrível noite que passara. Estava apenas um pouco mais pálida do que o normal,
quando sentou à mesa.
Mas estava totalmente controlada — quer dizer, quase que completamente. E,
quando Adam Royle entrou, depois da reunião, preenchendo o silêncio da sala com
sua vitalidade masculina, ela conseguiu olhar par ele com um sorriso formal e dizer:
— Bom dia, sr. Royle! — como uma secretária perfeita.
— Bom dia!
Ele tirou o paletó e colocou-o na cadeira. Samantha imaginou ter percebido
alívio na voz dele e quase sorriu. Não se preocupe, sr. Royle, não vou implorar nem
fazer alguma loucura. É isto que o senhor espera das mulheres, não é mesmo? Mas
posso lhe assegurar que serei uma exceção.
— Há uma porção de cartas — ela disse. — A maior parte trata de assuntos
corriqueiros, mas estas três precisam de sua atenção especial — entregou-lhe as
cartas, olhando o caderno de apontamentos. — O senhor está livre até as onze horas.
Gostaria de falar com o sr. Read a respeito da organização para os pais das crianças
que vão jogar críquete?
— Não esta manhã, isso terá que esperar. Vou ver as cartas primeiro, depois
vou até Leaimington encontrar a srta. Norton que chega de trem. Dê-me tempo para
separar estas cartas e depois traga seu caderno aqui, por favor — ele entrou na
diretoria e fechou a porta.
Fim do segundo ato, pensou Samantha tristemente. Acontecesse o que tivesse
de acontecer no ato três, sua parte seria apenas a de artista iniciante. Adam e Estelle
Norton seriam as estrelas de grande sucesso. Fim da história. Com tio Edward de
volta e Richard também, tudo voltaria ao normal.
Examinar as cartas levou um bom tempo, e exigiu vários telefonemas e
entrevistas com professores. Quando o café foi servido, Adam consultou o relógio,
assustado: — Santo Deus, já é tão tarde? O resto terá que ficar para a tarde —
empurrou a cadeira e se adiantou para a porta. — Devo estar de volta lá pelas onze
horas, a não ser que o trem esteja atrasado. Se eu chegar tarde, diga-lhes que me
esperem.
Ele se apressou e, alguns minutos depois, seu carro passava em frente à janela e
tomava velocidade. Samantha assistia a tudo de sua mesa. Adam gostava de tudo
bem certinho, e teria que ser alguma coisa muito especial para deixá-lo daquele jeito.
Algo como ir ao encontro de Estelle Norton. Ela deu de ombros, terminou de tomar
um café, e levou a xícara vazia e a xícara cheia dele para a cozinha. Voltou para sua
sala e começou a datilografar.
Onze horas, e Adam ainda não havia regressado. Quando os dois garotos mais
velhos se apresentaram para o seminário, Samantha disfarçou: — O senhor Royle
ainda não está desocupado. É melhor vocês entrarem na diretoria e esperar.
Eles tinham acabado de fechar a porta quando Samantha ouviu passos no hall.
Levantou-se, crente que ia encontrar Estelle Norton e Adam Royle, mas ao invés
disso encontrou um homem alto e magro, de barba, com aparência alegre, parado na
porta.
Olhou para ele indecisa. Não era um dos pais dos garotos, disso tinha certeza. E
não estava disposta a entrevistar vendedores naquele exato momento. — Desculpe-
me — ela já ia perguntando quem tinha deixado ele entrar. Mas, de repente... —
Richard! É você?
— Olá, Samantha! — Richard Barnes aproximou-se dela e abraçou-a de forma
tão carinhosa, que ela ficou mais surpresa do que nunca.
— Como? Quando? Você está simplesmente maravilhoso, como um explorador
que fica longe de casa muito tempo, nas matas. Não o reconheci com essa barba. Mas
por que não ficamos sabendo que você ia chegar? — A primeira surpresa havia
passado e sua mente começou a trabalhar. Como contar-lhe a respeito de tio
Edward? Tenho algumas... notícias para você. Tenho medo que não ache as coisas
como gostaria de encontrá-las.
— Você quer dizer... a respeito de papai? Está tudo O.K., Samantha, eu já sei. Já
fui até vê-lo. Liguei para o hospital assim que meu avião pousou, e fui direto para a
estação de trem.
Samantha sentou-se rapidamente.
— Espere um pouco! Como foi que você descobriu? Ele não queria de maneira
alguma que você soubesse, até que saísse do hospital e tudo estivesse bem.
— É, foi isso que imaginei. É muito característico dele — puxou uma cadeira e
sentou-se ao seu lado. — Fiquei sabendo de uma forma bem engraçada. Eu me
encontrei com o pai de um dos garotos, o pai de Robert Lowther, na Cidade do
México. Ele estava lá a negócios. Eu tinha ido à cidade para buscar algumas peças, e
nos reconhecemos no hotel. Ele foi logo dizendo: "Senti muito ficar sabendo por
Robert da doença de seu pai. Como é que ele está?" Isso foi no sábado à noite.
Arranjei um lugar no avião e cá estou — ele franziu um pouco a testa — Mas gostaria
de ter ficado sabendo antes, Samantha. Entre outras coisas, eu poderia ter ajudado
um pouco você, se tivesse vindo para casa. Papai me contou que você está comendo o
pão que o diabo amassou.
Ela sorriu e balançou a cabeça. — Na verdade, não. Tio Edward contratou um
diretor muito bom. Você conhece Adam Royle?
— Não, nunca nos encontramos. Ele estava bem mais adiantado na
universidade. Mas sei de quem se trata. Papai sempre falou nele e sempre se
interessou muito por ele, desde que era estudante. Como é que ele é, Samantha?
Você está se dando bem com ele?
— É bastante inteligente, um excelente professor. Os garotos gostam dele, e isso
é o que mais importa, não? Ele não faz o meu tipo, mas é muito esperto e seguro de
si.
Richard riu. — Pobre Samantha! Eu devia ter vindo para salvá-la. Já arrumei
tudo para levar papai para Devon na quarta-feira, se o cirurgião concordar quando
for vê-lo amanhã de manhã. Vou providenciar a acomodação dele com tia Doris, e
depois voltarei e darei uma ajuda a vocês. Sem pegar muito no pé deste tal sr. Royle,
naturalmente. Mas deve haver alguma coisa que eu possa fazer.
— Oh, tenho certeza que sim. — Samantha suspirou aliviada, por não ter mais
que lutar sozinha contra Adam Royle e Estelle Norton. — Oh, Richard, estou tão
contente por você estar de volta! — disse carinhosamente.
— Samantha, há uma coisa que eu queria lhe dizer. Oh, que droga, mas isso terá
que esperar...
Os dois olharam ao mesmo tempo quando a porta foi aberta e Adam apareceu
com Estelle Norton ao lado — um vestido verde muito elegante, o cabelo claro
amarrado no alto da cabeça e óculos escuros. Observava a cena muito surpresa.
Samantha largou a mão de Richard e se levantou. Ele se levantou também. E, por
alguns instantes, os quatro ficaram em pé, sem ninguém falar. Então, Samantha
quebrou o silêncio: — Richard chegou sem aviso prévio, sr. Royle. E Jones e
Blenkinson estão em sua sala para o seminário.
Adam esticou a mão para Richard. — Muito prazer em conhecê-lo. Sempre nos
desencontramos, não é mesmo? Precisamos conversar logo que for possível. Por
enquanto, preciso atender os dois alunos que estão tentando bolsas de estudo.
Queira me desculpar. Talvez nos encontremos na hora do almoço. Samantha vai
fazer-lhe as honras da casa, tenho certeza. — E, virando-se para Samantha: — Por
favor, leve a srta. Norton até a enfermeira e veja que planos tem para ela. Agora, se
me dão licença... — ele sorriu, desculpando-se, e foi para sua sala.
Samantha levou algum tempo para instalar Estelle.
— A srta. Jennifer deixou-lhe este quarto, provisoriamente — Samantha disse,
abrindo a porta de um quarto agradável, que geralmente era reservado aos pais que
vinham visitar os filhos na escola, no caso de algum estar doente, ou em outras
emergências semelhantes.
Estelle olhou ao redor sem comentários. Nem se preocupou em agradecer a
Samantha por ter carregado suas malas para cima. Abriu as malas, tirou uma bolsa
de cosméticos, e sentou-se diante do espelho para retocar a pintura e arrumar o
cabelo imaculado. Depois, retirou os óculos, colocou-o sobre a cama e, então, disse
para Samantha: — Adam me contou que você se sente responsável pelo andamento
da escola, durante a ausência do sr. Barnes, srta. Gold — e fez isso soar de modo
bastante interessante, como se Samantha fosse a garotinha responsável pela casa,
enquanto mamãe fosse fazer compras. — Só queria deixar bem claro que não precisa
se preocupar com o meu departamento. Tenho bastante experiência com escola, e já
fui também enfermeira de um famoso hospital.
Uma porção de coisas veio à mente de Samantha, mas preferiu não dizer nada.
Não seria bom entrar em conflito com a srta. Norton; teria que se encontrar com ela
durante todo o tempo do semestre. Então, balançou a cabeça e disse calmamente: —
Entendo. Espero que se sinta feliz conosco durante sua estada aqui. E, se houver
alguma coisa que possa fazer por você, por favor, não hesite em me procurar.
— Oh, eu nunca iria hesitar! — Estelle disse amavelmente, afastando uma
mosca imaginária de seu impecável vestido verde. — Mas tenho certeza que não
precisarei incomodá-la. O sr. Royle e eu estamos acostumados a trabalhar juntos, e
sei exatamente como ele gosta das coisas. Portanto, serão poucas as vezes que irei
pedir seu auxílio. Em todo caso, muito obrigada, já vi que nos daremos bem. A
senhorita é muito gentil.
"Tenho certeza que você sabe como o sr. Royle gosta das coisas", pensou
Samantha, um pouco chocada com a reação da outra. Mas não foi isso que disse:
— Bem, continuo à sua disposição. E agora, se você está pronta, irei apresentá-
la à enfermeira e ela vai colocá-la por dentro da situação da escola.
Quando deixou a srta. Norton com Christine, Samantha voltou apressada à
procura de Richard, mas sua sala estava vazia. Havia um bilhete sobre a
escrivaninha: Achei que você ia demorar, e tenho um compromisso. Desculpe-me
por estar com tanta pressa. Será que dava para você preparar as coisas de papai
para a viagem e levá-las ao hospital amanhã? Ele me disse que você prometeu
preparar tudo. Eu a vejo quando eu voltar de Devon. Passaremos bons momentos
juntos. R.
Ela leu o bilhete duas vezes, franzindo um pouco a testa. Há muito tempo vinha
querendo que Richard ficasse na escola, e logo agora ele não estava mais lá. Amassou
o pedaço de papel e jogou-o no lixo. E continuou ao lado de sua mesa, em pé. Da
porta da diretoria, podia ouvir a voz de Adam, conduzindo os seminários. Através da
porta do ginásio de esportes vinha o barulho de bola. Pela janela, ela podia ver
alguns garotos jogando críquete, sendo treinados pela srta. Trump. Nas classes e no
laboratório as aulas continuavam como sempre. Na enfermaria, Christine devia estar
pondo Estelle Norton a par da situação. Tudo ao redor de Samantha ali na escola
parecia confuso e irritante.
Ela se sentia muito sozinha.
CAPÍTULO X
Samantha foi para sua sala. Sua garganta estava seca e os joelhos pareciam
elásticos esticados. Assim que sentou o telefone tocou. Ela respirou fundo para
tentar se controlar: — Escola Kings Worthy, aqui é a secretária.
— Oh, finalmente é você, Samantha — era a voz de Richard. — Estive tentando
falar com você a tarde inteira.
Depois do que tinha acontecido entre ela e Adam, o tom amigo da voz dele fazia
com que sentisse vontade de chorar: — Estive fora. Fui a um casamento. Como estão
as coisas, Richard? E como está tio Edward?
— Oh, ele está muito bem, está se recuperando a olhos vistos. Ele lhe manda
seu carinho e diz que vai lhe escrever. Tenho algumas novidades... — aquela
ansiedade ela já havia notado antes, era alguma coisa rara em Richard, que ela
conhecia tão bem.
— Boas notícias? — perguntou. Por um instante ela imaginou que ele ia dizer
que tinha encontrado alguém, que estava comprometido e ia se casar. Mas não foi o
que ele disse: — Notícias maravilhosas. Queria lhe contar antes, mas estava com
muita pressa, quando fui vê-la. Tinha que encontrar um homem em Birmingham,
um amigo do professor Hayes que está liderando a nossa turma. O projeto todo está
saindo melhor e mais promissor do que ele esperava, e então ele resolveu esticar a
temporada no México. O que você acha disso?
— Maravilhoso, Richard. Divino! Do jeito que você sempre desejou, não é
mesmo? — ela estava feliz por ele, mas era difícil se entusiasmar com alguma coisa,
pois não se sentia nada bem. — Por acaso isso quer dizer que você estará viajando
em breve?
— Amanhã. Me sinto um pouco egoísta em deixar papai, mas ele realmente me
parece que está muito bem. Está mais entusiasmado do que eu. — Houve uma pausa,
depois ele disse um pouco hesitante: — Há uma outra coisa, Samantha.
— Sim?
— É tão difícil no telefone... gostaria de ter conversado com você, mas tudo
aconteceu tão depressa, que não foi possível. Eu queria dizer... bem, eu sempre achei
que, um dia ou outro, você e eu íamos ficar juntos, você sabe. Acho que nos daríamos
muito bem. Tinha planos de falar com você, quando vim de férias no último verão. E,
agora, vou deixá-la de novo, pois não sei quando estarei de volta. — Ele interrompeu-
se, e depois continuou: — Oh, diabos, isto é estúpido, mas acho que você está me
entendendo, não, Samantha?
— Acho que estou, Richard.
— E você promete pensar no assunto, mais tarde, quando meus planos forem
mais definidos?
— Claro que sim, Richard.
Algum dia, talvez. Quando Adam Royle não estivesse mais fazendo parte de sua
vida, quando não se lembrasse mais dele, do som de sua voz, e quando ele não mais
fizesse seu coração disparar, aí então talvez pudesse pensar nele com mais calma,
num casamento, o tipo de casamento que uma vez havia imaginado. Lisa sempre lhe
dissera que era uma garota fria, e ela acabara por concordar. Mas, agora, a demora
para acertar as coisas entre ela e Adam, sentir o tato dele em suas mãos, estar em
seus braços novamente, ser beijada com paixão por ele, era tudo o que mais queria, e
não sabia nem o que pensar sobre ela e Richard.
Depois de ter dado adeus a Richard e depois de ter lhe desejado toda a sorte do
mundo, a única coisa que Samantha queria era ficar quieta e calada, para poder
parar de fingir que tudo estava correndo bem na sua vida. Ela não era de se entregar
tão facilmente; esforçou-se para ir jantar e, depois, dar um pulo até a sala dos
professores, tomar café e conversar. Todos estavam interessados no casamento de
Christine e queriam saber dos detalhes. Quando já havia dado todas as informações,
e a conversa se generalizou, a srta. Bayley chegou e sentou-se ao seu lado e disse
confidencialmente:
— E como você acha que o pequeno Phillips está reagindo a isso? Pode haver
algum problema, eu acho. Ele teve a mãe só para ele por longo tempo, e isso deve ter
sido um grande choque, pobre garoto... Ele é ótimo! Muito sensível para sua idade,
você não concorda? — suspirou. — No meu ponto de vista, eles ainda são
criancinhas, e muito vulneráveis. Mas Phillips é diferente, tenho um carinho muito
especial por ele.
Samantha balançou a cabeça, concordando, e ficou feliz. Ao menos James tinha
alguém mais que se preocupava com ele. Se pelo menos a nova governanta tivesse
sido um pouco mais humana, ao invés de reagir como uma máquina, James podia ter
assistido sua tão adorada aula de química!
Ela foi para cama tarde, pensando em James. E aquilo acabava fazendo-a
pensar em Estelle Norton, que, por sua vez, a levava inevitavelmente para Adam. À
meia-noite e meia, Samantha ainda continuava preocupada e não conseguia dormir.
Acendeu a luz e leu um pouco, mas as palavras não faziam sentido. Talvez se ela
soubesse que James estava dormindo tranqüilo se acalmasse um pouco. Ela não ia
fingir que sua falta de sono era só por causa do menino, mas pelo menos ele era um
pouco culpado por isso. Ainda podia ouvir os soluços dele no corredor, quando saiu
da enfermaria.
Ela se vestiu, calçou o chinelo e saiu. James e mais quatro meninos dormiam na
ala norte, e foi para lá que se dirigiu. Ela abriu a porta e espiou. Tudo estava em
silêncio. As cortinas estavam um pouco abertas e a lua clareava uma parte do quarto,
as duas camas do canto, e uma delas James ocupava. Mas, agora, estava vazia.
Samantha sentiu um peso no coração. Era assustador ver a cama vazia, os
lençóis jogados para o lado. Depois, procurou se acalmar. Claro! Ele teria se
levantado para ir ao banheiro. Talvez estivesse doente. Apressou-se, correndo para o
corredor: "Não vou levá-lo para aquela srta. Norton. Eu simplesmente não vou levá-
lo".
Mas as duas portas do banheiro estavam abertas. James não estava lá também.
Samantha pensou novamente. Nos livros de histórias, sempre havia um garoto que
fugia. Mas para onde James teria fugido? Ele não poderia ter ido encontrar sua mãe
na Itália, e dificilmente iria para a casa de sua nova avó, pois nem queria conhecê-la.
Ficou parada alguns instantes, com as mãos muito cerradas. Depois lembrou-
se. O laboratório! Por que não pensara nisso antes? Correu para as escadas que
levavam às salas de aula, vazias e escuras agora, exceto por uma luz que saía de baixo
de uma das portas. Ela estava certa! Abriu a porta e disse baixinho: — James, você
está aí? Sou eu, Samantha — acrescentou, para deixá-lo mais calmo.
Então, quando abriu mais a porta, sobressaltou-se. Havia um choro agudo de
criança, e um corpinho branco iluminado pela luz clara; o armário estava no chão e
havia líquido esparramado pela sala toda, queimando. No canto do laboratório
estava James, assustado com o fogo diante dele.
Samantha agiu instintivamente. Sua roupa era de náilon, mas James usava um
pijama de algodão. — Tire o seu pijama, rápido! — ela o ajudou a livrar-se das
mangas e depois tentou apagar com ele as chamas mais próximas com o pijama.
Achou que devia tocar o alarme no corredor, mas ia acordar a escola toda. Enfim,
por enquanto o fogo era pouco, e ela mesma podia dar conta dele sozinha. — Deixe
eu pensar um pouco — murmurou com os dentes trincados.
Decidiu trabalhar arduamente, tentando apagar o fogo com as toalhas que
encontrou ali e também atirando água para evitar que o fogo se alastrasse. Dentro de
dois minutos o fogo estava dominado e, pouco depois, tudo estava escuro, só se
sentia o cheiro de queimado.
— Você está bem? — Ela viu que James estava muito pálido e sem voz,
amedrontado e chocado, mas não tinha se machucado. Colocou-o sentado num
banquinho alto e desceu a cabeça dele até os joelhos, forçando-a um pouco ali, com o
outro braço ao redor daquele corpinho frágil. Foi nesse instante que as luzes se
acenderam e a voz de Adam soou, cortante:
— Que diabo está acontecendo aí? — Ele entrou na sala, olhando assustado para
as coisas no chão e as poças d'água. Viu Samantha segurando James, e acrescentou:
— Está bem, você não precisa dizer, posso adivinhar o que aconteceu.
Depois daquilo, ele estava com o controle da situação. Samantha não se sentia
nada bem, e então sentou-se no banquinho ao lado de James, com a cabeça baixa.
Ele procurou examinar os dois, mas ela não notou que havia mais alguém na sala, até
que ele falou:
— Nenhum dos dois está machucado, felizmente.
Ela ergueu a cabeça e viu Estelle Norton. Estava com a mão no ombro de James
e tentava de qualquer jeito fazê-lo erguer a cabeça.
— Vamos, Phillips, vamos dar uma olhada em você — e, como ele resistisse
teimosamente, ela suspirou e disse para Adam: — Você pode fazer o favor de trazê-lo
ao meu quarto? Não posso examiná-lo direito aqui.
James se encolheu como um animalzinho assustado. Se o braço de Samantha
não continuasse em seus ombros ele teria caído da banqueta. — Não — ele
respondeu, erguendo a voz histericamente: — Não, não vou com você! Não quero ir!
— Venha, não seja bobo, garoto. — Estelle Norton tentou novamente tirá-lo da
banqueta, mas ele se desvencilhou de suas mãos e escondeu a cabeça no peito de
Samantha, agarrando-se a ela com desespero.
Adam deve ter percebido que o garoto não estava em condições de atender à
ordem. — Está bem — disse para Samantha —, é melhor levá-lo consigo e tomar
conta dele por enquanto. Vou limpar aqui.
Samantha levou Phillips para seu próprio quarto, limpou a sujeira de suas mãos
e o rosto, e, vendo que ele não havia mesmo se ferido, ficou muito satisfeita. Então
sentou-o numa cadeira confortável, conversou um pouco com ele, serviu-lhe uma
caixa de biscoitos e ficou observando-o comer.
— Pode comer, são deliciosos, não acha?
Ele mastigou um biscoito com gosto e depois conseguiu falar. — Eu só queria
olhar a experiência que eles fizeram. Quis tentar alguma coisa, mas acho que peguei
o tubo errado. Aí o gás começou a se desprender e... — ele parou e então disse como
se estivesse muito arrependido: — Por favor, srta. Gold, quero ir para casa. Quero ir
para casa agora.
A primeira coisa que Samantha pensou foi que ele estivesse falando da casa da
avó. Ele estava bem novamente. Mas ela disse com muito jeito: — Você não devia ter
ido ao laboratório, James, você fez uma coisa muito errada. Principalmente porque a
srta. Norton disse que você não devia ir.
— Eu sei. Ela disse que eu não podia ir no meu horário de folga, depois do
jantar, e eu não fui. Esperei até a hora de dormir. Então a coisa não foi tão ruim
assim, não é mesmo?
— Não sei, James. Teremos de esperar para saber o que o sr. Royle vai dizer.
Agora, coma seus biscoitos. Logo eu estarei de volta.
Ela voltou ao laboratório e encontrou-o vazio. Tudo já estava limpo, mas ainda
havia aquele cheiro de coisa queimada. No dia seguinte, todos iam ficar sabendo.
Adam reapareceu.
— Levei um pouco da sujeira lá para o fundo — disse, entrando. — Agora só
falta tirar este lixo. Como é que o garoto está?
Ela não podia julgar seu humor; não podia dizer se ele estava irritado ou não.
— Fisicamente, está bem. Mas assustou-se muito.
— Ele merecia isso — disse Adam. — Ele desobedeceu à srta. Norton de
propósito.
— Ele não achou que estivesse desobedecendo. Ela disse que ele não podia ir ao
laboratório depois do jantar, então ele esperou até que todos fossem dormir. As
crianças desta idade não entendem muito bem as coisas. Mas ele sabe que agiu
errado. A tentação é que foi muito forte para ele resistir, eu imagino.
— A srta. Norton acha que ele fez isto só para desafiá-la.
— A srta. Norton — ela disse com raiva — está enganada.
Os dois ficaram calados. Aquela conversa não estava levando a nada. E, então,
Samantha disse: — James quer que eu o leve para casa. Agora, esta noite.
— Impossível. Ele não pode fugir desse jeito. Tem que ficar! Enfrentar a
situação e arcar com as conseqüências do que fez.
— Ele é um garoto muito confuso e infeliz. Precisa de amor e de compreensão.
— E você acha que ele não tem isso aqui?
— Não por parte de todos — e a implicação era inconfundível. — E tem mais. Se
ele ficar, a história vai se tornar conhecida. Os garotos vão contar a seus pais, e os
pais vão pensar que há alguma coisa errada com a segurança da escola. Seria muito
degradante para a reputação da Kings Worthy.
— Os pais estariam certos, não? — disse Adam. — Tenho que conversar
seriamente com o sr. Jones pela manhã. O laboratório nunca deveria ficar aberto.
— Não, não devia — ela balançou a cabeça sem poder fazer nada. Não ia ajudar
em nada, ela pensou, mas tio Edward fazia uma ronda todas as noites, para ver se
tudo estava bem, janelas e portas trancadas. — Não acha que isto é menos
importante do que o fato ser revelado?
A expressão de Adam não era muito encorajadora. — Deixe-me tentar entender
as coisas. Você está sugerindo que nós inventemos alguma história para que os
garotos não tomem conhecimento do que aconteceu?
— Eu podia dizer que estava limpando o laboratório e tive um acidente; que
James Phillips se machucou e que, por isso, o levamos para casa. Isso será bem
aceito e logo todos esquecerão.
— Você está me pedindo para contar uma mentira?
Ela não se atreveu a olhar para ele. Sabia que o que ia ver era desprezo. Aquela
era mais uma prova de que as mulheres são mentirosas e gostam de enganar os
outros. Então, disse:
— Para o bem da escola, sim. Há momentos em que não podemos dizer a
verdade.
— E o que vai acontecer se eu me recusar? — a voz dele era quase gentil.
— Eu levarei James para a casa dele e o deixarei lá com sua nova avó. Ela é uma
pessoa muito boa, e saberá ajudá-lo. Acho que ele deve ir, para o bem dele e de toda
a escola. Sinto muito que o senhor não veja as coisas desta maneira. Vou ligar para a
avó de James e colocá-la a par da situação, sem alarmá-la. Depois, levarei James
para Leamington, e o senhor não poderá me deter, sr. Royle.
E, com a cabeça erguida, saiu do laboratório.
Já passava das duas horas quando Samantha saiu da casa nova de Christine em
Leamington. Ela ficou até ver James deitado e dormindo. Mas a sra. Garrett tinha
insistido em fazer café e sanduíches.
— Caso contrário — a bondosa senhora de cabelos brancos tinha dito —, você
acabará dormindo no volante, e nós não queremos ter duas catástrofes numa única
noite, não acha?
Samantha estava muito grata, admitindo que aquela emergência a tinha
deixado tremendamente cansada. Até agora, o auxílio que teve que prestar tinha
conseguido mantê-la de pé. Mas, agora, teria que enfrentar Adam Royle, e era uma
coisa que realmente não queria. Ela havia criticado e desafiado a sua autoridade.
Agira contra a vontade dele, e ele não era homem de deixar esse tipo de coisa passar
em brancas nuvens.
Quando se despediu, e a luz de fora bateu em seu rosto, pálido e tenso, a sra.
Garrett disse: — Você está num péssimo estado, pobrezinha. Acho que não devia
voltar guiando. Gostaria que meu marido estivesse aqui para poder levá-la. Mas ele
teve que sair logo depois do casamento para tratar de alguns negócios, e ficará longe
de casa uns dois ou três dias. — Fique, passe a noite aqui conosco.
Mas Samantha recusou. Tinha uma leve impressão de que Adam a esperava e,
se houvesse alguma coisa desagradável para ser discutida, ela preferia que fosse logo.
Portanto, disse adeus à sra. Garrett, que havia prometido entrar em contato com
Christine para lhe contar o que tinha acontecido.
Samantha agradeceu e dirigiu-se para o carro. O café a despertara. Agora,
sentia-se capaz de voltar guiando com segurança até a escola. Ela entrou no carro,
mas antes de dar a partida, divisou uma figura morena que se aproximou. Sentiu um
momento de pânico, irracional. A sra. Garrett ainda estava na porta. E então viu que
era Adam.
Ela abaixou o vidro, mas a luz da rua estava muito fraca para mostrar a
expressão dele.
— Que... que você está fazendo aqui?
— Vim para levá-la de volta.
— Mas, mas... como é que você sabia onde eu estava?
— Eu a segui.
— Você ficou esperando todo este tempo? Sentado no carro, esperando?
— A maior parte do tempo fiquei passeando, pensando — ele usava um tom
muito seco, e ela pensou, santo Deus!... ele devia ter ficado lá cerca de duas horas!
Samantha saiu do carro e viu que a sra. Garret estava vindo na direção deles.
Adam se apresentou e explicou que tinha vindo para buscar Samantha. Disse que
ficaria muito agradecido se pudessem deixar lá o carro dela, e que viria alguém
buscá-lo no dia seguinte.
Enquanto se dirigiam para a escola, Adam não disse nada e Samantha olhava
pela janela, lá para fora. Depois de algum tempo, acabou dormindo, encostada no
assento do carro.
— Acorde, Samantha, já chegamos. — Ela ouviu a voz de Adam com um
sobressalto, e endireitou-se. — Devo ter dormido.
— Sim — ele disse. Estava claro que não pretendia falar muito com ela.
Adam abriu a porta da frente, e só no hall falou com ela:
— Você quer comer alguma coisa? Ou beber? — sua voz não era muito
animadora. Ele não estava sugerindo uma refeição amigável, ela pensou, e,
repentinamente, começou a sentir-se exausta.
— Não, obrigada.
— Então vá dormir, e procure esquecer o que aconteceu esta noite.
— M... mas — Ele não iria dizer nada a respeito? Se ficou andando, e pensando
por quase duas horas, já devia ter chegado a uma conclusão.
Como quem está no fim de sua paciência, ele olhou fixamente para ela.
— Já disse para ir se deitar, você não ouviu? — Então vá.
— Está bem — e cansada para discutir, ela subiu as escadas e pulou na cama.
O sol estava bastante forte quando acordou e encontrou a sra. Kimble ao seu
lado com uma bandeja de café. — Trouxe o seu café. Sua noite não foi nada boa,
hein? Está se sentindo melhor agora? O sr. Royle me disse que você sofreu um
acidente no laboratório ontem à noite. Ainda bem que não foi nada grave.
Samantha sentou-se, ajeitando o cabelo. Então Adam tinha resolvido aceitar
seu plano de não divulgar a história verdadeira? Estava muito aliviada, mas sabia o
quanto essa decisão lhe custara. Ela o havia feito agir contra seus princípios e ele não
iria perdoá-la. Se as coisas já não estavam boas para ela antes, agora então seria bem
pior. De qualquer forma, teria que pensar num modo de se aproximar, de tentar ser
mais amiga dele. Mas até a hora em que ela tinha tomado café e se vestido, nenhuma
idéia lhe apareceu.
Quando abriu a porta de sua sala, Adam estava lá, em pé, diante da janela. E ela
imaginou: esperando para repreendê-la, sem dúvida.
— Está mais descansada? — ele perguntou.
— Sim, obrigada.
— Ótimo! Agora, então, gostaria que você me fizesse um favor. Deixei um livro
muito importante na casa de campo, e não poderei continuar se não o tiver aqui
comigo. Eu mesmo iria lá, mas tenho um dia muito cheio hoje — ele falava e ia
tirando a chave do bolso para lhe entregar. — Um ônibus sai para Warwick às dez e
meia. A srta. Trump vai levar um time do segundo ano para jogar contra a Escola
Emscote Lodge. De lá você pode tomar um ônibus e ir até minha casa. Você faria isso
para mim?
— Certamente — ela concordou. Não podia mostrar-lhe que estava surpresa,
mas sentia uma coisa muito estranha. Ela esperara que ele reagisse de outra forma,
que expressasse seu desprezo, que ficasse bravo. Mas, ao contrário, ele parecia ter
esquecido tudo que acontecera naquela noite.
— Ótimo — ele disse, e parecia mais aliviado depois de ter explicado qual o
título do livro que queria. Claro, ela pensou, seu livro é muito mais importante do
que qualquer coisa que acontecesse na escola.
Mas não conseguia entender aquilo. Enfim...
— Muito obrigada por ter me trazido para casa ontem à noite. E por ter falado o
que falou a respeito do acidente.
— Você não me deu muita escolha, não foi? — mas o tom de sua voz era normal,
sem mágoa.
Antes que ela pudesse pensar numa resposta, a porta foi aberta e Estelle Norton
entrou. Olhou para Samantha, porém se dirigiu a Adam.
— Podia me dar um minuto ou dois, diretor? É muito importante. — Havia um
leve sorriso em seus lábios. Ela parecia agitada, embora tentasse aparentar o
contrário. ''Esta'', pensou Samantha, é que é uma moça fria, não eu. E este é o tipo de
mulher que Adam vai escolher, porque ele nunca saberia se ela estava ou não
manobrando as coisas ou usando truques femininos para conseguir tudo à sua
maneira.
Helen não conseguia acreditar no que seus olhos viam: à sua frente estava um
leopardo! Em meio a uma terrível tempestade de neve, com o carro enguiçado, sua
situação não podia ser pior. Ela estava perdida, numa região isolada, ao norte da
Inglaterra. Felizmente, o leopardo era manso, e o dono do animal, Dominic Lyall,
surgiu para socorrrê-la, oferecendo sua mansão para que ela se hospedasse. Mas a
situação transformou-se num pesadelo, quando Helen descobriu que Dominic
pretendia aprisioná-la ali. Como poderia fugir, se não tinha idéia do lugar onde
estava? Pior ainda: como enfrentar seu próprio desejo de ficar ali, com ele?
SABRINA 52
"A SOMBRA DA OUTRA"
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Antonia Warren estava habituada a uma vida de sacrifícios, junto a sua mãe. E
nunca imaginara que, ao se candidatar ao cargo de secretária, estava abrindo um
novo e maravilhoso capítulo em sua vida. O dono da empresa era Benjamin Warren,
seu tio-avô, que se mostrou feliz ao reencontrar uma parte da família que ele julgava
perdida para sempre. Mas Gray Lawrence — o homem fascinante que era seu sócio
nos negócios — hostilizou Antonia desde o primeiro minuto. Por quê? Seria porque ela
se parecia tanto com a falecida mulher de Gray, que ele amara acima de tudo? Ou
seria porque, de repente, Gray a desejara tanto?
SABRINA 53
"UM ADORÁVEL TIRANO"
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SABRINA 54
"CORAÇOES INDOMÁVEIS"
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