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Coração de Pedra

Flowers in stony places

Marjorie Lewty
Sabrina 49

Adam era um conquistador, Samantha sabia. Mesmo assim ela se


apaixonou. Qual seria o final desse amor sem esperança?

Quando Adam Royle assumiu o cargo de diretor da escola de Kings Worthy,


onde Samantha era secretária, ela se mostrou sinceramente disposta a ajudá-lo no
que fosse possível. Mas logo percebeu que estava mais atraída pelo homem que pelo
patrão. Adam era fascinante e tinha a reputação de um inveterado conquistador,
habituado a tratar as mulheres com frieza. No entanto, por mais que tentasse
resistir, Samantha estava cada vez mais atraída por ele — e nem mesmo quando
Royle se confessou alérgico aos elogios femininos ela conseguiu fechar seu coração
aos apelos desse amor impossível. Como poderia Samantha atingir aquele coração
de pedra?

Digitalização e Revisão: m_nolasco73

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Copyright: MARJORIE LEWTY

Título original: "FLOWERS IN STONY PLACES"


Publicado originalmente em 1976 pela
Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra.

Tradução: MARILÍVIA INÊS DE OLIVEIRA

Copyright para a língua portuguesa: 1979.


Abril S. A. Cultural e Industrial, São Paulo.

Composto e impresso nas oficinas da


Abril S.A. Cultural e Industrial, São Paulo.
Caixa Postal 2372 - São Paulo.

Foto da capa: NAPER MILANO


CAPÍTULO I
Samantha estava no alto da grande escada, pintando o teto da sala da
secretaria, pegada ao escritório do diretor na Escola Worthy Kings, quando tocaram
a campainha. Se fosse época de aulas, jamais ouviria o som da campainha. Mas,
agora, estavam na terceira semana de férias e ela a escutava perfeitamente, pois o
eco ressoava pelas salas vazias.
Ouvindo os passos da senhora Kimble, a governanta, pelo assoalho de madeira
caminhando à porta de entrada, Samantha tremeu de susto. A primeira coisa que
pensou foi em alguma notícia do hospital sobre seu tio Edward. Alguma coisa não
devia ir bem.
Na noite anterior a irmã tinha-lhe dito que o senhor Barnes fora operado sem
maiores problemas e que não corria grande risco. Mas tinha sido uma séria
emergência, e ainda levaria algum tempo para tudo ficar bem. Sim, ela entraria
imediatamente em contato com a senhorita Gold, caso acontecesse algo ruim. E era
exatamente isso que Samantha temia agora. Seu coração batia
descompassadamente.
A porta da frente foi aberta. Depois, novamente fechada. Ela ouviu a voz da
senhora Kimble dizendo alguma coisa. Havia luz no hall.
— Samantha! Sam! Onde é que você está?
Samantha respirou fundo e suspirou, acalmando-se no topo da escada.
— Estou aqui no escritório — gritou.
A porta foi aberta e sua irmã Lisa entrou, observando a sala repleta de papéis e
sentindo o cheiro forte de tinta.
— Sam, que bagunça é esta que você está fazendo? — Lisa torceu o nariz bem
feito, como se não apreciasse aquilo. — Mas que bagunça!
Samantha olhou para baixo e, aliviada, disse rindo muito. — Eu acho que estava
sendo bem cuidadosa. Ninguém consegue pintar o teto sem fazer um pouco de
sujeira e bagunça, você sabe.
— Mas você não precisa fazer isto. Por que não contrata algum pintor?
Lisa caminhou pela sala, pisando sobre os papéis espalhados por todos os
cantos.
— Bem, agora você já pode descer — ela disse. — Vim buscá-la para passar o dia
comigo, em minha casa. Almoçaremos no caminho, no Warnick. Quanto tempo você
acha que leva para se livrar desta bagunça toda e trocar de roupa? Espero que não
demore muito.
— Sinto muito, mas esta é minha melhor roupa. Além do mais, acho que não
poderei ir, Lisa.
Lisa arregalou os olhos. Samantha conhecia muito bem aquela expressão; sua
irmã costumava fazê-la desde criancinha, particularmente quando queria alguma
coisa e alguém se recusava a lhe dar. Aquilo quase sempre funcionava.
— Mas, Sam querida, você tem que vir comigo. Vou acabar triste se ficar
sozinha o dia todo. Estou sem ninguém em casa. Os Derwent foram para Nova
Iorque. Poppy Crane foi com Bill para uma convenção em Amsterdam. E Maggy está
em Paris, claro. — Ela suspirou. — Pensei até em tomar um avião e juntar-me a ela.
Mas sei que Robert ficaria muito magoado se eu fosse sem avisá-lo. Ele sempre tem
que saber onde estou e o que estou fazendo quando não está aqui.
— Bem, você sabia que ia se casar com um homem controlador — disse
Samantha distraidamente, desejando que Lisa perguntasse sobre tio Edward. Ela
não podia ter esquecido da operação. Claro, para Lisa ele era apenas um velho amigo
de seu pai. Ela não sentia gratidão e carinho por ele, como Samantha, que o via como
seu segundo pai.
Mas os pensamentos de Lisa estavam longe. Ela suspirou languidamente e
respirou. — Hum, mas eu simplesmente adoro homens machões. Não sou como
você, Sam.
— Verdade? E como é que eu sou?
Lisa deu um sorrisinho falso. — Não me entenda mal, eu não estava insinuando
que você não é atraente e tudo o mais. Mas você é... bem, fria, não é mesmo? Sempre
disse que nunca deixaria um homem mandar em você. E são justamente os machões
que são bons em... bem, você entende o que estou tentando dizer, não entende?
— Entendo perfeitamente — Samantha sorriu.
Lisa passou as mãos pelos cabelos, ajeitando-os com satisfação. — Robert às
vezes me dá um pouco de trabalho, eu concordo. Ele é muito possessivo. Mas os
homens apaixonados sempre são. Pelo menos você não passaria por este tipo de
coisa se se casasse com Richard.
Samantha desceu da escada e limpou as gotas de tinta que haviam caído em seu
ombro. — Talvez não — disse ela. Não tinha intenção de discutir a potência sexual de
Richard Barnes com a irmã. E também não pretendia ouvir as confidências de Lisa,
que tinha o costume de falar de Robert de uma forma que a fazia estremecer. Se ela
tivesse um marido, pensou, nunca conseguiria discuti-lo com outras pessoas, nem
mesmo para comentar como ele era bom de cama. Mas se ela se casasse com
Richard, pensou, talvez nunca acontecesse nada de extraordinário para discutir.
Richard Barnes não era um amante muito bom, tinha certeza absoluta disto. Mas,
depois, lembrou-se de si mesma: nenhum homem tinha realmente lhe interessado.
Talvez Lisa tivesse razão, talvez fosse mesmo uma garota fria.
Voltou-se abruptamente para a porta. — Vou fazer um pouco de café para nós
— disse. — Oh... e, antes que eu me esqueça, tio Edward se saiu muito bem na
operação.
Lisa parou no meio da sala, levando a mão à cabeça. — Santo Deus, eu havia
esquecido. Ah, querida, mas que falta de consideração a minha! Estive tão ocupada
com a ida de Robert para Manchester, que acabei esquecendo do pobre homem. Mas
ele está bem, não está? Fico muito feliz. Você também deve estar mais aliviada, Sam.
Sei o quanto gosta daquele pobre velho. Eu também, claro. Só que quase não o vejo.
— Elas saíram juntas do aposento vazio. — Ele voltará para o segundo semestre?
Hoje em dia as recuperações são tão rápidas...
— Não, temo que não — disse Samantha secamente. Depois, olhando para o
rosto meigo, bonito e delicado da garota mais nova, sorriu. Lisa sempre foi tão
indefesa, tão fraca e sempre tão protegida por todos que não podia mesmo conhecer
os desgostos da vida. — Foi uma operação muito séria, você sabe. Ele terá que ficar
de repouso durante um longo período antes de voltar para a escola. — Seus olhos se
encheram de lágrimas repentinamente. — Se é que ele poderá voltar.
— Você não precisa se preocupar tanto, Sam. Ele voltará. Ele ficará bom, pode
ter certeza do que estou lhe dizendo.
— Foi exatamente isso que dissemos a nós mesmas a respeito de papai, lembra?
E não estávamos certas, não foi?
O rosto bonito de Lisa entristeceu e ela disse chorosa. — Sam, por que você
tinha que dizer isso? Sabe muito bem como essas coisas me aborrecem. Não posso
nem pensar, pobre papai! — Retirou um lencinho da bolsa e enxugou os olhos.
— Sinto muito, Lisa — disse Samantha ressentida. — Venha comigo para a
cozinha enquanto faço um café.
Samantha preparou três xícaras de café e levou uma para o andar superior,
orientando-se pelo barulho do aspirador de pó. A senhora Kimble era uma mulher
forte, vinda do Norte do país, que não gostava de desperdiçar palavras, muito menos
de perder tempo com futilidades. Dirigiu um de seus raros sorrisos para Samantha e
disse: — Muito obrigada, senhorita Gold. Faça-me o favor de colocar sobre a
penteadeira. — E continuou com seu serviço.
Samantha desceu a escada novamente e juntou-se a Lisa, que já estava sentada
à grande mesa de madeira da cozinha. As lágrimas haviam sido esquecidas, Lisa
estava alegre outra vez.
— Sinto muito ter me esquecido do tio Edward. Realmente estou muito sentida.
Você deve estar achando que sou uma bruxa.
— Claro que não estou achando nada disso — disse Samantha, e sorriu para ela
indulgentemente. Era impossível ficar ressentida com Lisa.
— O que você vai fazer sem ele?
Samantha comprimiu fortemente os lábios e disse:
— Aí é que está o problema! Nós não seremos nada sem ele. Aquele homem é
insubstituível. Se Richard estivesse aqui... mas tio Edward não quer que o
avisemos... pelo menos até que tudo esteja sob controle novamente. Ele me fez
prometer que não contaria nada para Richard quando lhe escrevesse. Ele sabe como
Richard gosta da América do Sul. E sabe que uma oportunidade para trabalhar com
o catedrático Hayes não aparece todos os dias.
Lisa torceu seu delicado nariz. — Isto soa terrivelmente antigo para mim. Ficar
cavando covas pré-históricas e coisas assim o dia todo: deve ter um cheiro horrível.
— Richard não iria perceber. — Samantha passou a lata de biscoitos para Lisa e
depois se serviu. — Ele é totalmente ligado em coisas arqueológicas. Até hoje nunca
encontrou nada da pré-história, mas tenho certeza de que adoraria encontrar.
— Bem, acho que ele devia voltar e ocupar o lugar do pai aqui. É uma boa idéia,
não acha? — disse Lisa.
— Eventualmente, mas ainda é cedo. Tio Edward diz que, uma vez que as
pessoas se dedicam a um tipo de vida, é difícil se dedicar também às outras pessoas e
coisas. Por isso ele quer que Richard faça tudo o que deseja enquanto é jovem.
— E como é que você vai se virar com o próximo semestre, então?
— Eis o problema — disse Samantha preocupada. — Não é fácil. No meio do
ano, então, é praticamente impossível. O pior é que tem que ser alguém bom de
verdade, e eu é que vou escolher. Virá um homem aqui esta tarde e sou a única
pessoa que pode entrevistá-lo e contar-lhe sobre a escola. — Seu rosto endureceu. —
É uma situação um tanto ridícula, a secretária entrevistando o futuro diretor. Mas
vou tentar fazer o melhor para tio Edward.
— Quem é o homem? — perguntou Lisa, arregalando os olhos azuis,
repentinamente alertos. — Você o conhece?
— Não, nunca o vi antes, mas já ouvi falar dele. Tio Edward está sempre
falando dele. Era estudante quando tio Edward dava conferências na universidade,
anos atrás, e de lá para cá sempre estiveram em contato. Parece-me que ele
trabalhava numa escola grande, e agora está livre. E morando na França. Tio Edward
telefonou para ele um pouco antes de ir para o hospital e ele concordou em vir aqui
esta tarde. Espero que ele sirva.
— Qual é o nome dele? — perguntou Lisa novamente, debruçando-se sobre a
mesa.
— Royle — disse Samantha. — Adam Royle. — Ela levou a xícara de café aos
lábios mas, vendo a mudança no rosto da irmã, depositou-a novamente na mesa. —
Por que, Lisa, qual é o problema? Você sabe alguma coisa a respeito de Adam Royle?
O rosto de Lisa empalideceu apesar da maquilagem.
— Muito, — disse ela — e nada que seja bom. — Depois interrompeu. — Oh,
Sam, é impossível você aceitar este homem aqui! Você precisa encontrar uma outra
pessoa.
— Não seria melhor você me explicar esta história? Onde conheceu Adam
Royle?
— Oh, aconteceu há muitos anos. Não dê muita importância ao que eu disse. —
Ela tomou um gole de café. — Esqueça, Sam, isso realmente não importa. É que me
assustei ao ouvir o nome dele novamente, depois de tantos anos.
— Deixe disso, Lisa. Agora você vai ter que me contar tudo. Talvez eu vá
trabalhar para ele no semestre que vem e não conseguiria ir sossegada depois do que
você disse. Vamos, conte-me.
— Você sempre consegue o que quer, não é mesmo, Sam? — Lisa fez um gesto
indefeso. — Para dizer a verdade, não é a minha história, por isso não queria contar.
Mas agora terei de fazê-lo. Foi naquele verão antes de eu me casar, quando você
estava em Londres terminando seu curso de secretária. Tio Edward e tia Betty deram
uma festa de tênis aqui na escola, nas férias. Eles me pediram para trazer uma amiga
para completar o quadro de convidados e eu trouxe... bem, eu gostaria de não dizer o
nome dela, se você não se importa. De qualquer forma, não acredito que a conheça.
Ela tinha vindo passar as férias aqui com os pais e nós ficamos amigas. Logo depois
ela foi embora para o Sul. Acho que para Dorset. Bem, este tal Adam Royle estava
aqui também, e ele partiu o coração da... dessa garota. Ela se apaixonou de verdade
por ele. Durante muitas semanas eles saíram juntos; de manhã, de tarde, de noite e
— ela olhou para Samantha — provavelmente de madrugada também. Ela estava
completamente louca por ele. Depois, de uma hora para a outra, ele simplesmente a
abandonou. Você entende: "Obrigado pelas recordações... e adeus".
Samantha passou os dedos pela xícara de café, baixando o olhar. A história
parecia ter terminado, e ela disse:
— Isso é tudo? Ora, isso vive acontecendo, você sabe. Existem circunstâncias
que a gente não pode julgar...
— Eu posso julgar! Eu sabia de todas as circunstâncias. Ela era minha amiga, eu
vi tudo acontecer. Existem mil maneiras de acabar um relacionamento, concordo.
Mas ele foi muito grosseiro... e bruto. — Sua voz estremeceu.
— Você certamente deve ter se metido com o rapaz, não foi?
— Espero que você seja compreensiva! — Lisa parecia magoada. — Acho que me
envolvi um pouco com ele. Você entende, a garota estava num estado que me deixou
realmente assustada. Pensei que ela fosse... bem, pensei que ela fosse fazer alguma
besteira.
— Você estava com medo que ela se matasse?
— Bem, sim, eu estava com medo. Ela me implorou que fosse falar com ele e
tentasse fazê-lo mudar de idéia.
— Você fez isto? Você foi mesmo? — Samantha estava muito surpresa.
— Sim, fui. Acho que foi tolice minha tentar interferir. — E, como a irmã
concordasse com a cabeça, ela continuou. — Mas não havia necessidade nenhuma de
ele ter sido tão mau comigo. Estava apenas tentando ajudar. As coisas idiotas que ele
me disse, você nem pode imaginar. — Sua boca tremia.
— Acho que posso — disse Samantha —, e acho que foi você mesma quem
procurou encrencas, Lisa. Bem, mas continue, o que foi que aconteceu no fim?
— Ele partiu logo, o tio Edward me disse depois.
— O tio Edward sabe disso tudo?
Lisa parecia muito assustada. — Não. Não, tenho certeza de que ele nem
desconfia. Você o conhece, ele não vê coisas deste tipo. Está sempre metido com os
livros. Acho que a tia Betty, sim, deve ter desconfiado.
— E a garota? — perguntou Samantha. — Logo depois ela também foi embora.
Consegui convencê-la de que não havia perdido nada de bom. De qualquer forma, ela
ficou muito abalada.
Samantha terminou de beber o café. — Bem, obrigada pelo aviso, Lisa, mas não
posso entender que diferença faz se ele vier trabalhar aqui. Tenho certeza de que as
mulheres que vai encontrar aqui não repetirão a atitude de sua amiga. E eu, você
sabe, não sou do tipo que me atiro no rio por um desgosto de amor.
— Então você vai aceitá-lo? Vai deixar que ele venha para cá depois de tudo o
que lhe contei? Acha que realmente vale a pena?
— Realmente, garota, você está indo longe demais, preocupando-se com isso.
Foi tio Edward quem o escolheu para fazer o trabalho; precisamos de um homem
bastante competente para tomar conta da escola no segundo semestre. E ele parece
ser a pessoa ideal, do ponto de vista acadêmico.
Lisa levantou-se e ajeitou a saia. — Bem, você vai me ver poucas vezes enquanto
ele estiver aqui, pode ter certeza.
— Então, terei que ir visitá-la. — O tom de Samantha era de gozação. — Irei vê-
la e levarei o relatório de todos os corações que ele conseguir partir na escola Kings
Worthy.
— Está bem, você pode fazer piadas com o que acabei de lhe contar, mas espere
e verá. O homem é um destruidor de corações e ele mesmo não o tem. Isso é terrível.
— Ela virou-se para a porta. — E é melhor eu ir embora agora, antes de dar de cara
com ele.
Samantha ficou parada à porta e acenou para Lisa, que já seguia em seu lindo e
luxuoso carro esporte. Depois, pensativamente, voltou a pintar o teto.
Na hora do almoço o teto já estava pronto, os papéis recolhidos e o escritório,
de novo, todo arrumadinho. As paredes e os retoques teriam que esperar mais alguns
dias. Ainda faltava uma semana para recomeçarem as aulas.
Samantha tinha que se preparar para tudo, e neste tudo estava incluído o sr.
Adam Royle. Mesmo antes do relato de Lisa, ela já estivera antecipando a visita desta
tarde com muita ansiedade, um misto de medo e respeito. Ia ser bem desagradável
ter um estranho lá por um semestre, depois de trabalhar com tio Edward — um
homem dedicado, que conseguia levar os garotos com habilidade firmeza e humor,
mostrando-se amigo e compreensivo com todos. Nunca, pensou Samantha quando
entrou no escritório para ver se tudo estava em ordem, nunca haveria alguém que
pudesse substituí-lo, muito menos um homem bem mais novo que ele.
Por outro lado, para a salvação do tio Edward e também para a salvação da
própria escola, tudo ficaria sob a responsabilidade desse tal sr. Royle, pelo menos
temporariamente, e ela estivera pensando numa maneira de colocar panos quentes
na situação. Há três semanas, quando a escola entrara em férias, tio Edward parecia
muito bem de saúde. Só depois de tudo paralisado é que ele lhe confessou que
precisava de um especialista A partir daí, as coisas tinham acontecido muito
depressa. Primeiro, a operação deveria ser adiada para as próximas férias de verão,
como tio Edward realmente desejava que fosse. Mas então ele teve que ser levado às
pressas para o hospital, há dois dias, para ser operado.
Às duas horas, Samantha já havia almoçado, mudado de roupa e estava pronta
para receber o candidato a diretor.
Deixara todas as portas abertas para ouvir a campainha. Mas, mesmo
preparada, seu coração disparou quando percebeu que chegava alguém. A meia hora
seguinte seria da maior importância.
Levantou-se e dirigiu-se para o outro lado da escrivaninha. Não ficaria bem
recebê-lo sentada na cadeira do diretor. Avisara a senhora Kimble para ficar atenta à
porta e indicar a direção para o sr. Royle, quando ele chegasse. E, agora já ouvia os
passos da governanta, a porta da frente sendo aberta, e a voz masculina. Então, a sra.
Kimble anunciou:
— O sr. Royle veio vê-la, srta. Gold — e desapareceu, fechando a porta atrás de
si.
Samantha já sabia o que fazer. Tinha planejado tudo cuidadosamente, e deu
dois passos na direção do homem diante dela, em calças bem feitas, de fino corte, e
jaqueta de tweed. Estendeu a mão, com um sorriso de boas-vindas nos lábios.
— Como tem passado, senhor?
Então, deu tudo errado. O homem estava olhando para ela muito surpreso. E
quando ele falou, sua voz foi forte como um trovão.
— Srta. Gold, não diga! Que idéia é esta de fingir que não me conhece? E que
diabos está fazendo aqui?
Samantha deu um passo para trás com o impacto das palavras dele, mas sabia
como se portar diante de uma situação como aquela. Sua voz continuava controlada,
quando disse:
— Acho que o senhor está enganado, Sr. Royle. Nunca nos encontramos antes.
Ele continuou a olhá-la, sem poder acreditar no que via. Ela enfrentou aquele
olhar sem pestanejar. Se não tivesse franzido a testa, ela pensou, ficaria mais
atraente. Era alto, magro, forte e claro, o tipo de homem que qualquer mulher
admiraria. Mas ela não era "qualquer". Ela preferia alguém mais restrito, mais sutil,
como Richard Barnes, talvez, com sua aparência de intelectual.
Ele examinou-lhe a face, seu corpo e, apesar da tentativa de manter-se calma,
ela sentiu o sangue subir ao rosto. Então, quando viu que não podia enfrentar aquela
situação nem por mais um momento, ele falou.
— É estranha a semelhança. Até no nome! Por favor, procure desculpar-me,
compreendo que estava errado. Por acaso você não tem uma irmã gêmea?
Samantha compreendeu rapidamente. Claro! Ele a havia confundido com Lisa,
e tinha ficado agressivo só de lembrar. Ela lera em algum lugar que a raiva é a reação
natural da culpa. No dia do infeliz encontro de Lisa com aquele homem, ela havia
sido "Srta. Gold", claro. E a mesma altura, corpo e cor eram suficientemente
semelhantes para ele confundi-la, depois de tantos anos. Mas, como Lisa não
pretendia aparecer enquanto Adam Royle estivesse lá, não havia motivo para trazer à
tona as recordações. Então, ela respondeu, triunfante:
— Não, não tenho.
— Bem, é apenas uma bobagem — ele deu de ombros, parecendo ainda um
tanto confuso.
— Sinto muito, acredito que eu tenha bancado o sem-educação. Por favor,
perdoe-me.
Ele sorriu, e Samantha percebeu porque Lisa o chamara de destruidor de
corações. Eram aqueles olhos escuros, quase negros, estranhamente luminosos.
Quando ele sorria seus cílios se erguiam sombreando o rosto. Hum! pensou
Samantha, um verdadeiro galã de cinema! Aposto que treina diante do espelho...
De repente, sentiu-se muito perversa. Afinal de contas, tinha apenas a palavra
de Lisa contra ele, e preferia julgar as pessoas por si própria. Assim, disse em sua
melhor voz de secretária: — Não se preocupe com isso, estes enganos sempre
acontecem. Por favor, queira sentar-se. — Empurrou a grande cadeira de tio Edward
para ele e sentou-se no lado oposto da escrivaninha. Iria estabelecer o
relacionamento certo entre eles desde o início.
Ele olhou-a uma vez mais, muito confuso, quando ela se sentou. Mas,
evidentemente, decidiu-se a falar do propósito de sua visita:
— Acho que economizaríamos tempo se você me colocasse diante dos fatos.
Você é?...
— Samantha Gold, a secretária da escola.
— Samantha — ele disse pensativamente —, ah, sim. — E uma vez mais dirigiu-
lhe um olhar de consideração.
— Se o senhor me disser o que quer saber, eu tentarei responder tudo e sanar as
dúvidas que possam existir, com detalhes.
— Mais do que simples detalhes, eu acho. Realmente, sei muito pouco a
respeito de escolas. É uma linda casa antiga, não? — Seu olhar passeou pelo
escritório repleto de livros e de mobília colonial, e depois pelas grandes janelas que
davam para o jardim de rosas de tio Edward. — Já havia esquecido como isto aqui é
calmo. Faz alguns anos que saí da escola. — Ele voltou-se e olhou sério para ela. Será
que ainda estava pensando que ela era Lisa e se recusava a reconhecê-lo?
— Sim — disse ela. — É muito bonito. Os arredores também são muito bonitos.
— Há quanto tempo está aqui, srta. Gold?
— Sou secretária há quase quatro anos. Mas moro aqui há muito mais tempo.
Ele parecia mais confuso do que nunca. — Não sei como não a conheci quando
estive aqui. Deve ter sido, deixe-me pensar, há mais de quatro anos. Eu estava
fazendo algumas pesquisas e o senhor Barnes estava muito interessado. Ele e sua
esposa me convidaram para ficar com eles. Devo ter ficado cerca de um mês. É
estranho não termos nos conhecido.
— Para dizer a verdade, não — ela disse friamente. — Deve ter sido quando eu
estava em Londres, fazendo meu curso de secretária.
Ele recostou-se na cadeira, olhando-a como se repentinamente algo o tivesse
iluminado. — Claro! Agora está tudo explicado!
— O que está realmente explicado?
— Bem, a garota que pensei que fosse você, nem num milhão de anos poderia
tornar-se secretária de uma escola. Não era tão inteligente. É apenas uma
coincidência. Mas agora, onde foi que paramos?
— O senhor ia me dizer o que precisava saber a respeito da escola.
— Tudo o que sei é que recebi um pedido de socorro do senhor Barnes, na
quarta-feira à noite. Ele precisava ir para o hospital, e me pediu para vir, caso eu
pudesse, para assumir o lugar dele. Em primeiro lugar, e o mais importante, como é
que ele está? Ele me pareceu muito mal ao telefone.
— Estava sentindo muitas dores. — A voz de Samantha mudou, tornando-se
muito carinhosa. — Ele foi operado ontem à tarde. Quando telefonei, me disseram
que estava passando muito bem, e me deram essa mesma resposta esta manhã.
— Hum, isso foi tudo que você procurou obter deles? — Ela corou com o que lhe
pareceu um pouco de crítica. Mas lembrou-se do conselho da srta. Carruther: "Não
leve as coisas pelo lado pessoal e saiba se portar bem..." e respondeu apenas,
baixinho: — Sim, isso foi tudo.
— É uma péssima situação a dele, péssima! — Por alguns instantes fez-se
silêncio. Então ele puxou um caderno e um lápis e disse, rigorosamente: — Voltemos
ao assunto, agora. Seria bom que você me desse alguns detalhes. Normalmente, eu
não deveria perturbá-la com tudo isso, devia procurar aprender com os funcionários.
Mas, pelo que pude notar, todos estão de férias.
— Sim, o sr. Barnes não quis chamar nenhum deles nas férias, até que o senhor
chegasse. — Ela abriu uma pasta e passou para ele. — Já preparei tudo o que achei
necessário o senhor saber. Os meninos em cada classe, particulares ou residentes,
considerações especiais, como bolsas de estudo...
— Obrigado. —Ele olhou para a lista no alto do papel. — Pelo que posso ver há
mais mulheres que homens, aqui. Cerca de duas para um.
— Se o senhor contar as voluntárias que vêm para ensinar arte, música e
francês, há. Senão, os números são iguais: srta. Bayley e srta. Trump, que dão aula
para o primeiro e segundo ano; e sr. Jones e o próprio sr. Barnes, que ensinam os
garotos mais velhos. O sr. Barnes prefere que as mulheres fiquem com os garotos
mais novos.
— Ah! — respondeu o sr. Royle, e ela se perguntou o que aquilo queria dizer.
Ele concentrou-se na lista por algum tempo e depois levantou os olhos para ela.
— Suponho que haja uma governanta.
— Sim, a sra. Phillips. É uma pessoa encantadora. As crianças acham que ela é
a oitava maravilha do mundo — acrescentou Samantha. Christine Phillips era uma
das pessoas mais bondosas que ela conhecia.
— E também claro, há você. Você vive aqui?
— Sim — ela disse um pouco confusa.
Houve um longo silêncio. Ele olhava para a lista mas parecia não lê-la.
Finalmente, ela se atreveu: — O senhor está... o senhor acha que poderá trabalhar
conosco no próximo semestre, sr. Royle?
Ele ergueu o sobrolho, como se ela estivesse lhe fazendo uma pergunta tola. —
Sim, claro que poderei vir, podem ter certeza que estarei aqui para ajudá-los.
Foi um alívio. Fosse o que fosse (e até o momento ele não passara de um
enigma), ela tinha certeza que tio Edward não pediria para ele vir se não o julgasse
capacitado para o cargo.
— Oh, fico muito feliz — disse impulsivamente, esquecendo-se por alguns
instantes do seu lugar de secretária. — Tenho certeza de que todos farão o possível
para ajudá-lo. O senhor vai ver como somos amigos.
Ele não fez questão de responder àquilo, mas sentou-se olhando para fora da
janela, como se estivesse tentando organizar seus pensamentos. Então virou a cabeça
e disse: — Srta. Gold, há uma coisa que eu quero que fique clara desde o início. Não
sou um animal muito social. Naturalmente, desempenho meu papel de distrair os
parentes algumas vezes, mas só quando isso se torna muito necessário. Para dizer a
verdade, não estou bem preparado para me envolver pessoalmente com os familiares
dos alunos.
— O que o faz pensar que aqui terá que se meter nos assuntos familiares? —
Samantha estava assustada.
— É o que acontece — ele disse secamente —, ainda mais quando há muitas
mulheres por perto. Estou lhe dizendo isso porque gostaria que minha posição
ficasse bem clara para todos. — Um sorriso irônico apareceu no canto de seus lábios.
— Tenho certeza que a senhorita é muito diplomática, srta. Gold.
Ela olhou para ele em silêncio. Estaria ele adotando essa atitude para se
defender do que tinha acontecido no passado? Certamente ele não parecia um
animal anti-social. Não com aqueles olhos e aquela boca. Bem, ela pensou, o que
mais interessava agora era que tudo corresse bem na escola.
— Farei o possível para que ninguém o perturbe enquanto estiver aqui, sr.
Royle.
Ele lançou-lhe um olhar suspeito, mas ela manteve o rosto calmo e inocente de
ironia.
— Você entende, estou terminando um livro, e devo entregá-lo aos editores até
o fim do mês que vem.
— Oh, sim — ela disse com muita educação.
Será que ele pretendia que ela fizesse alguma pergunta a respeito do livro? Se
pretendesse, ia ficar muito desapontado. Ele pareceu esperar um pouco e, depois,
como ela não dissesse nada, levantou-se. — Parece que já falamos sobre as coisas
preliminares — disse. — E, agora, se você me ensinar o caminho irei até o hospital
para saber o que está acontecendo. De qualquer forma, tentarei falar com o médico
de seu tio.
— Oh, verdade? Ficaria muito feliz se você conseguisse. — A voz de Samantha,
repentinamente, tornou-se cheia de afeto e carinho. — Quando perguntei, disseram
que o médico estava ocupado e só consegui falar com a enfermeira de plantão. Mas
tenho certeza de que o senhor vai conseguir descobrir mais coisas.
Ele olhou para ela muito confuso. — Você acha mesmo isso? E por quê?
Aqueles olhos escuros e jocosos enfrentaram os dela, e ela tomou consciência
do magnetismo masculino daquele homem.
— Bem, o senhor é homem e, tenho certeza, eles lhe darão mais atenção, em
todos os lugares acontece a mesma coisa.
Ele continuou a examiná-la. Para seu pavor, sentiu o rosto ficar vermelho e,
então, baixou os olhos até se fixarem no primeiro botão do casaco dele.
— Srta. Gold — disse ele finalmente, e como ela não estava olhando para ele,
não sabia se sorria ou não. — Srta. Gold, já que vamos trabalhar juntos, devo dizer-
lhe que sou alérgico a elogios femininos. E, agora, por favor, diga-me como chegar ao
hospital.

CAPÍTULO II
Às quatro da tarde, Samantha espiou pela porta da cozinha e viu que a sra.
Kimble tinha posto o bule no fogo. Colocou xícaras e pires na mesa e dois pedaços de
bolo de cereja.
— A vantagem das férias, sra. Kimble, é que eu sou sempre a primeira a comer
este bolo maravilhoso que a senhora faz. Mas preciso tomar cuidado para não comer
muito, senão acabo virando uma bola.
Naquele exato momento o telefone tocou e Samantha levantou-se para atender.
Durante toda sua vida nunca se preocupara com o que ia ser dito do outro lado, e
desta vez nem podia sonhar com o que ia acontecer. — Kings Worthy School — ela
disse.
— Srta. Gold? Aqui fala Adam Royle. — Ela teria sabido quem era, sua voz
soava exatamente como em pessoa, grave e segura. — Achei que gostaria de saber
notícias do sr. Barnes, estou saindo de lá.
— Oh, sim, gostaria muito.
— Tive muita sorte, encontrei o cirurgião no hospital e consegui falar com ele.
Colocou-me a par da situação. O diagnóstico diz que ele tem muita chance de
recuperar-se logo. Foi uma operação demorada e muito complexa, mas
aparentemente o coração resistiu bem, e não há motivos para preocupações. Não foi
possível vê-lo, mas amanhã, provavelmente, poderá receber visitas por alguns
minutos, portanto, o resultado foi bastante satisfatório, não?
— Sim, muito obrigada por ter me telefonado avisando. — Não podia cair na
besteira de cometer um erro novamente, e então tentou pôr um pouco de frieza na
voz.
Ele pareceu esperar algum tempo, depois disse: — Não combinamos quando
devo ir à escola, não foi? As aulas começam quando?
— Na terça-feira da outra semana. Provavelmente os alunos estarão chegando
no domingo ou na segunda-feira.
— Compreendo. Gostaria de chegar um pouco antes deles, se você concordar,
para arrumar minhas coisas. Deixe-me ver... que tal sábado, daqui há uma semana?
Está bem para você?
Ela hesitou. Havia algo estranho na perspectiva de tê-lo lá durante o fim de
semana antes das aulas começarem, apenas os dois e a sra. Kimble. Ninguém mais
chegaria até sábado à noite.
— Se tiver algum inconveniente...
— Não, claro que não — disse ela rapidamente. E, na pressa de desfazer o mal-
entendido, acrescentou: — Estaremos à sua espera no sábado, então, sr. Royle. Tudo
estará em ordem, pronto para recebê-lo.

Samantha conseguiu ver o tio no hospital, no dia seguinte. Olhando para o


homem deitado no leito, que parecia adormecido, era difícil acreditar que aquele
senhor envelhecido, com expressão de cansaço, era o tio Edward que conhecia.
Parecia impossível que, há apenas uma ou duas semanas, ele estivesse trabalhando
na escola, muito animado com os garotos, tentando mostrar que estava tudo bem
com ele.
— Apenas três minutos — a enfermeira de plantão disse para ela. — Não fale
muito e procure não fazê-lo falar.
Ele realmente não parecia muito capaz de falar, pensou Samantha, procurando
reter as lágrimas. E, se estivesse dormindo, não ia acordá-lo. Logo depois, ele abriu
os olhos e fixou-os nela, sem reconhecê-la. Depois, contente com o reconhecimento,
o brilho voltou aos seus olhos. Logo se transformou no tio Edward que ela conhecia.
Era como se fosse um milagre.
— Samantha, querida! Como você é boa! — ele murmurou, e ela inclinou-se e
beijou-lhe o rosto.
— Como está se sentindo? Eles só me deixarão ficar um minuto ou dois.
— Estou bem, muito bem. Acho que sairei logo daqui. Tudo... tudo está bem?
Falar era obviamente um grande esforço, mas ela sabia o que ele queria dizer.
Ela torceu as mãos e disse: — Tudo está esplêndido. O sr. Royle vem na semana que
vem. Portanto, não precisa se preocupar com nada. Procure descansar. E fique bom
o mais depressa possível.
Ele não respondeu, mas seu olhar estava satisfeito quando fechou os olhos
novamente. Samantha sentou-se lá, em silêncio, segurando a mão dele, até que a
enfermeira chegou para avisá-la que o tempo de visita acabara.
Mas não era fácil. Só agora ela entendeu quanto tio Edward significava para
ela; como ele tinha ocupado o lugar do pai que ela amara profundamente e que tinha
morrido de um modo tão trágico, quando ainda era muito novo, de um ataque do
coração. Samantha trabalhara muito para conseguir ótimas notas, e Lisa fizera tudo
o que podia para convencer todos de que podia largar a escola com apenas dezesseis
anos.
A morte do pai havia deixado ambas muito chocadas. Lisa chorou dias e dias
seguidos. Depois se conformou um pouco mais. E, mais tarde, ficou feliz quando a
madrinha, para quem ela sempre fora a favorita, se oferecera para levá-la a uma
viagem às ilhas gregas. Quando, mais tarde, o convite se estendeu para ir morar com
a família, Lisa aceitou com alegria. Os Conways eram bastante ricos para terem um
outro membro em sua família sem sentir diferença financeira alguma. E Samantha,
ainda triste e chorosa, ficou feliz por Lisa ter uma vida melhor.
Edward Barnes, um velho amigo de seu pai e executor de seu testamento, tinha
sido o único apoio de Samantha durante aquele terrível período. A mãe das garotas
já tinha morrido há alguns anos e seus únicos parentes vivos moravam muito longe.
Eram tias e primos de segundo grau, que viviam no Canadá, que elas nunca tinham
encontrado. Os mesmos parentes que escreveram cartas de condolência quando
souberam da tragédia e nunca mais deram notícias.
— Samantha deve vir morar conosco — tia Betty tinha insistido, e tio Edward
tinha concordado de bom grado. No início, Samantha hesitou, pois sabia que o
estado de saúde de tia Betty não era bom, e tinha medo de ser uma carga,
principalmente por tio Edward estar começando com a escola.
— Você irá nos ajudar mais do que ser ajudada — tio Edward havia dito. — E,
de qualquer forma, estará ocupando o lugar de seu pai.
Samantha estava contente, agora, por estar com eles. Continuou um ano mais
na escola, indo e voltando todos os dias de ônibus, mas devido à fraca saúde de tia
Betty, desistiu da universidade.
Tio Edward, talvez sentindo-se um pouco culpado, tinha tentado fazê-la mudar
de idéia, mas ela havia deixado bem claro que não fazia questão de ter uma vida
acadêmica. Então, depois de ter passado nos exames finais, foi para Londres fazer o
curso de secretária, já com a intenção de aceitar a sugestão de tio Edward de tornar-
se a secretária da escola quando tivesse terminado seu curso.
Samantha tinha ido trabalhar na escola com ele e nunca se arrependera disso.
Ela adorava seu trabalho e a convivência com aquele casal afetuoso. Entretanto, tia
Betty piorava dia-a-dia. Samantha esperava que naqueles últimos dias pudesse
ajudar em alguma coisa e usou todo seu amor e sua devoção. Tia Betty tinha, com o
tempo, se tornado a mãe de quem ela pouco lembrava. Quando tia Betty morreu.
Samantha sentiu muito.
Isto havia acontecido há quatro anos.
Logo depois, Lisa se casou com Robert Fieding, um dos diretores de uma
fábrica de automóveis, e parecia bastante feliz com sua linda casa nova num bairro
luxuoso, onde só viviam executivos. Richard Barnes apareceu logo depois, vindo de
Oxford. E, durante as férias, conseguira mostrar a Samantha que merecia sua
amizade e sua companhia. Ela também o julgava muito necessário. Quando estava
com Richard, sentia-se bem e muito segura. Algum dia, ela pensou, poderia se casar
com ele. Mas estava contente por esperar. Tinha muitos amigos em Warwick, e
mesmo fora de lá, e tudo corria muito bem. Ela se sentia segura. E foi justamente a
quebra dessa segurança nos dias que se seguiram à visita de Adam Royle o que mais
a abalou.
A semana pareceu voar. Havia sempre muito trabalho para ser feito, inclusive
as cartas para serem escritas individualmente para os pais dos alunos, informando-
os sobre a situação. Assim que o início das aulas estava próximo, a paz desapareceu.
Quando tinha alguns minutinhos de folga, Samantha ajudava a sra. Kimble com a
inspeção e, às vezes, com algumas costuras e remendos.
Duas vezes ela foi ao hospital em Warwick para visitar tio Edward, levando
algumas braçadas de flores do jardim da escola.
Assim, num abrir e fechar de olhos, Adam Royle chegou. Samantha estava na
ala sul, vendo se tudo estava em ordem na sala de tio Edward, quando a sra. Kimble
entrou apressada conduzindo-o para dentro. No quarto próximo, Samantha olhou-se
ao espelho. Com muita raiva, percebeu que seu coração estava descontrolado, e que
não sentia vontade alguma de encontrá-lo novamente.
Ouviu o barulho de malas colocadas no chão e também a sra. Kimble dizer: —
Vou procurar a srta. Gold e avisá-la que o senhor está aqui. — Samantha esperou um
pouquinho até assumir sua posição de secretária. Ajeitou os cabelos, observou seu
vestido bege, de jérsei, que estava tão em ordem quanto o quarto, e depois apareceu
no corredor.
— Fico muito contente. Bem, acho que estamos preparados para recebê-lo. Vou
mostrar-lhe seus aposentos.
A sra. Kimble apareceu na porta. — Onde gostaria de jantar, senhor?
— Não me importo nem um pouco com estas coisas. Onde seria mais
conveniente? Onde o sr. Barnes costuma comer? Não pretendo mudar os costumes
aqui.
A sra. Kimble estava olhando para ele, o rosto vermelho e a expressão peculiar,
que Samantha reconheceu como um de seus raros sorrisos. — Obrigada, senhor, é
muita bondade sua.
Quando a porta se fechou, Adam Royle ergueu as sobrancelhas, olhando para
Samantha. — Que mulher mais esquisita! Ela sempre faz caretas daquele jeito?
— A sra. Kimble dificilmente sorri para as pessoas. O senhor deve se considerar
muito honrado. Ou devo acreditar que ela está entre as mulheres que não pertencem
ao seu círculo de amizade?
O sorriso desapareceu de seus olhos. — Você é sempre assim tão sensível, srta.
Gold?
Sua determinação para manter as coisas em ordem entre eles voou. — Tenho
que estar sempre me dizendo de que o senhor gosta ou não gosta. Para o bem do sr.
Barnes, e o bem da escola, pretendo cooperar com tudo que for possível. Mas, de
certa forma, parece que vai ser difícil.
— Não acha que está exagerando um pouco? Meu comentário a respeito da
governanta foi totalmente inocente, posso lhe garantir. Inclusive, gostei muito dela.
Agora, não acha que seria melhor deixar de lado esta frieza para podermos nos
comportar como seres humanos?
Samantha ficou parada no meio da sala olhando fixamente para ele, com todas
as suas boas intenções esquecidas. — Acho que sou um bom ser humano. É o senhor
que...
— É você que não... — ele a imitou, terminando a sentença para ela — se
comporta no usual de todas as mulheres!
Ela estava assustada com a repentina raiva que fazia tremer seus joelhos e bater
ainda mais fortemente seu coração de garota sensível. — Isso é totalmente estúpido
— ela começou.
— Um outro argumento típico das mulheres! — Para deixá-la ainda mais
confusa, tomou suas mãos levando-a para perto da janela. — Agora escute, srta.
Gold, parece que levantamos com o pé esquerdo. Seria melhor que você se acalmasse
para que pudéssemos falar como dois adultos.
Ela esforçou-se para soltar as mãos, mas agora já havia perdido qualquer
vestígio de raiva, e tudo o que pôde fazer foi afundar-se na poltrona. Ele sentou-se ao
lado dela, continuando a segurar seu pulso como se fosse uma garotinha indefesa
que ele tinha por obrigação controlar. A humilhação desceu sobre ela. Samantha não
fazia idéia de como tinham chegado àquela situação. Sentia os olhos dele em seu
rosto, mas era incapaz de encará-lo. Não podia admitir, mas tinha uma terrível
impressão de que havia pedido tudo o que estava acontecendo. Ela precisava saber
que Adam Royle não era o tipo do homem que se podia dobrar, e fazer desaparecer.
Lisa estava certa a respeito de uma coisa — ele era um pouco bruto com as pessoas.
Mas, quando falou, sua voz era bastante agradável e calma. — Agora, então, srta.
Gold, vamos deixar certas coisas em ordem, desde o início. Semana passada, quando
a vi, pensei que você fosse uma garota sensata, e justamente por este motivo confiei
em você e disse o que disse. Mas, pelo amor de Deus, não faça disso um cavalo de
batalha, e pare de se defender a todo instante. Você deixou bem claro que não gosta
de mim, e não vejo necessidade alguma de me provar isso a todo instante. Na
verdade, se eu tenho que trabalhar com mulheres, acho vantagem elas não gostarem
de mim. Será que me fiz entender? Acho que agora tudo ficou bem claro.
Samantha estava indignada. Mas, para o bem do tio Edward, ela teria que ser
agradável com aquele homem, ou pelo menos tentar ser civilizada com ele.
Levantou os olhos e encontrou os dele, e uma vez mais havia aquela curiosa
sensação de fraqueza. Com aqueles olhos ele podia hipnotizar as pessoas, sem
dúvida, mas não ia hipnotizá-la. — Perfeitamente claro — disse, e tentou manter
afastado qualquer traço de ironia de sua voz.
— Ótimo. Então, tenho certeza de que nos daremos muito bem. Agora, se você
pudesse me mostrar meus aposentos...
Ela o conduziu para o confortável apartamento de tio Edward, e depois para o
fim do corredor.
Não era justo, ela pensou. Se ele não queria manter relações amigáveis, não
devia olhá-la daquela forma. Não devia usar aquela ironia quase íntima, aquele tom
de voz tão amigo. Ela não sabia como se portar com ele.
Durante todo o corredor da ala azul ela continuou repetindo "Espere para ver,
Sr. Royle!" Samantha nunca se considerara vingativa, e isso a surpreendia
totalmente. Perdera por completo o controle. Esse Adam Royle era mesmo um
homem intrigante: vivia provocando briga.
Havia passado a chave da extensão telefônica para o escritório quando acabou
de pintá-lo e agora dirigia-se para lá a fim de telefonar para Lisa. Tinha tentado duas
vezes, durante a semana passada, mas não havia conseguido. Estava preocupada.
Fizera as chamadas à noite, quando provavelmente a mulher da limpeza já não
estava mais. Claro que Robert já devia ter voltado de Manchester e, sem dúvida, ele e
Lisa deviam ter saído. Eles tinham uma vida muito cheia, entretendo as pessoas e
sendo entretidos por elas.
Agora, outra vez, não obteve resposta. Ouviu o telefone chamar mais vezes do
que o necessário, depois colocou o fone no gancho. Precisava lembrar de ligar
durante o dia, na manhã seguinte. Lisa precisava ser avisada de que Adam Royle já
estava lá, para que não aparecesse, correndo o risco de dar de cara com ele.
Subiu para se aprontar para o jantar. Não costumava trocar de roupa nas férias,
para o jantar, a não ser que fosse sair ou que tio Edward tivesse convidados. Mas
hoje era uma noite diferente. Hoje ela tinha que parecer bem, diante do sr. Adam
Royle. Gostaria muito se ele apreciasse sua aparência.
Já sabia exatamente o que iam jantar: carne assada com abacaxi e cereja,
maionese, creme de champignon. Depois, aquelas bistecas deliciosas que só a sra.
Kimble sabia preparar, acompanhada de biscoitinhos gelados de queijo. A sala de
jantar, que também era usada como sala comum, era muito bonita. Mobília antiga,
portas escuras de madeira de boa qualidade e um belo terraço, muito procurado no
verão. Era relativamente sossegado e, de lá, avistava-se duas quadras de tênis e o
campo de futebol, de onde vinha a maioria do barulho quando trinta e cinco
capetinhas resolviam jogar algumas partidas, depois de terem feito os trabalhos de
escola.
Naquele momento, ouviu passos atrás de si e virou-se, dando de cara com
Adam Royle entrando na sala e já falando com ela.
Ele também tinha trocado de roupa e estava usando um terno escuro com uma
camisa branca e gravata vermelha. Quem ele estaria tentando impressionar?
Samantha se perguntou, e então percebeu que ele também poderia estar se fazendo a
mesma pergunta.
— Você está parecendo uma verdadeira anfitriã. Vem mais alguém jantar em
nossa companhia?
— Apenas nós dois esta noite. — Ela hesitou, pensando no que iria dizer depois.
Até agora, não havia pretendido chegar à última nota com aquele homem. Talvez não
devesse tentar nada agora. Samantha sempre preferira a franqueza, mesmo sendo
uma secretária. De qualquer forma, valeria a pena tentar.

CAPÍTULO III
O jantar já tinha sido servido e eles ainda não haviam provado nada. Samantha
estendeu a mão e pegou seus talheres. — Seria melhor se não nos demorássemos —
disse. — As duas empregadas ainda estão de férias, e a sra. Kimble não me deixa
ajudar a lavar os pratos. Se demorarmos para comer, ela terá que trabalhar até mais
tarde.
— Eu não preciso de incentivo para comer — Adam Royle respondeu. —
Especialmente se a comida tem um aroma e uma aparência tão bons como esta. Sou
um grande freqüentador de restaurantes e sei ver de longe quando uma comida é
boa.
A maionese desapareceu rapidamente e Samantha serviu o resto da comida
enquanto ele servia o vinho. Adam Royle olhou para ela com um sorriso divertido e
depois comeu com bastante apetite, sem dizer mais nada. Em poucos segundos não
havia mais nada na mesa.
Samantha lembrou-se de que, quando ele mencionara o livro, ela não dissera
nada, e nada no mundo ia fazê-la mudar de idéia. Mas agora que as coisas pareciam
estar numa base mais amigável, parecia-lhe falta de educação não perguntar.
— É sobre o que o seu livro?
Ele levantou os olhos do prato, muito assustado.
— Agora sim — disse, e Samantha sabia que ele tinha notado sua prévia falta de
interesse. — Mas talvez você fique desapontada: é sobre educação.
— Oh! — disse ela vagamente, porque livros sobre educação pareciam não ter
muita importância, naqueles dias. Todas as pessoas que tinham algo a ver com
educação escreviam um livro sobre o assunto. Ela já havia tentado ler alguns e os
achara muito teóricos. Muitos dos escritores, ela imaginava, não tinham dado
importância ao lado de dentro das salas de aula. Sem dúvida, devia haver algum
bom: ela é que não devia ter escolhido nenhum bom. Mas disse, educadamente: —
Deve ser muito interessante.
— E é, para mim. Coisas novas sempre me fascinaram. Ou talvez eu devesse
dizer coisas frescas. E o livro é a respeito de uma delas. Houve um novo início para a
educação, na Europa, ao fim do que chamamos "Idade da Escuridão". E é justamente
sobre isso que estou escrevendo.
— Oh, História! — Samantha ficou feliz com aquela idéia. — Parece ser bastante
diferente. Hoje em dia é raro uma coisa desse tipo.
Depois daquilo era fácil falar, ou seja, ouvir. História fora sua maior paixão na
escola e ela não aprendera tanto quanto gostaria. Aproveitou Adam Royle para
enchê-lo de perguntas, ouvindo, encantada, as respostas. Num piscar de olhos,
parecia que o jantar tinha terminado e a garrafa de Bordeaux estava vazia. Ela sentia
calor e conforto, com uma espécie de brilho por dentro. E não sabia dizer quanto
tempo estiveram falando e quanto beberam.
Adam Royle também parecia à vontade. Seus olhos brilhavam, por baixo dos
cílios muito negros, enquanto ele falava. De repente, Samantha lembrou-se de
alguma coisa que Lisa havia dito uma vez para ela: "Se você deixar um homem falar
sobre sua vida pessoal, estará na metade do caminho". Na hora, não percebera nada,
porque Lisa tinha o costume de soltar ditados e eles sempre estavam relacionados
com o sexo. Lisa era perita no assunto. Para dizer a verdade, desde os doze anos,
aquilo parecia ser a única coisa que a interessava.
Samantha não pretendia estar na metade do caminho com Adam Royle, claro,
mas seria bem melhor se eles fossem amigos, pois iam trabalhar juntos. Melhor para
a escola e, por causa da escola, para tio Edward. Aquilo era o que mais importava.
— O senhor me deixaria ler um pedaço do seu livro? Ou é só para especialistas?
— Não apenas para especialistas. Eu gostaria que quem o lesse gostasse dele. E,
para dizer a verdade, gostaria muito que você o lesse, Samantha.
Quando pronunciou seu nome, ela se sentiu estremecer, o que era estranho,
porque naqueles dias já era comum as pessoas se chamarem pelo primeiro nome.
Mas até agora ele só a chamara de srta. Gold, muito formalmente.
Naquele instante, a sra. Kimble entrou para tirar a mesa, e levou as xícaras de
café. Adam ficou em pé e cumprimentou-a pelo jantar. O rosto meio índio da velha
senhora corou de prazer. Para ela também aquela noite fora um sucesso. Depois,
virou-se para Samantha: — Agora, se me der licença, vou subir, desempacotar
minhas coisas e minha velha máquina de escrever. Tenho um mundo de anotações
para passar para o segundo capítulo e não vejo a hora de fazê-lo.
Ela quase disse: quer que o ajude com a datilografia? Mas parou a tempo. Ele já
deixara bem claro que não gostava de trabalhar com mulheres.
— Então, amanhã de manhã talvez você possa me mostrar a escola toda. Quero
deixar tudo certinho na minha cabeça, antes de os garotos chegarem. Não ficaria
nada bem, para o diretor, ter que estar perguntando aos alunos onde fica tal lugar.
— A hora que quiser — disse.

Samantha e Adam Royle tinham chegado no terraço do lado da sala de vidro. O


passeio deles pela escola e quadras tinha começado logo após o café da manhã e
durara a manhã inteira, com apenas uma paradinha para o cafezinho. Nunca em sua
vida Samantha tinha encontrado alguém tão meticuloso como ele. Quis ver tudo, e,
enquanto ela o conduzia de uma sala para outra, para cima e para baixo, pela quadra
de esportes e pelas salas de aula e dormitórios, ele fez uma porção de perguntas,
todas relacionadas com o que estavam vendo. Mas não anotou nada, e Samantha
percebeu que estava gravando tudo na cabeça. Esta manhã ele estava sendo o jovem
diretor, e não guardara um simples vestígio do homem que tinha tomado vinho em
sua companhia e conversado tão amigavelmente na noite anterior.
Durante o almoço, eles ficaram trabalhando. Comeram sanduíches e tomaram
café no escritório. As duas e quinze, Adam ainda estava mexendo com alguns papéis:
— Isso terá que ser alterado — disse, colocando sua xícara de lado e pegando a caneta
sem levantar os olhos dos papéis. — Se vou dar aula para o quarto ano, então não
poderei falar com Wheeler ao mesmo tempo. Agora, suponhamos que eu faça uma
mudança nestes dois. — Acrescentou mais umas duas flechas no formulário, que já
estava começando a parecer uma tribo de índios, e depois franziu a testa, na
tentativa de concentrar-se.
Samantha teve que juntar toda sua coragem para interrompê-lo:
— Sr. Royle...
— Sim? — Ele levantou a cabeça, mas não desfranziu a testa.
— Desculpe-me por interrompê-lo, mas eu tinha planejado ir ao hospital para
visitar o sr. Barnes esta tarde, e queria saber...
Ela pensou que ele fosse ficar irritado. Mas, em vez disso, ele disse de imediato:
— É claro que você deve ir. Quais são os horários de visita?
— Das catorze e trinta às quinze e trinta.
Ele consultou seu relógio. — Você está um pouco atrasada, não? Por que não
me disse antes? Como vai chegar lá? Você guia?
— Sim, tenho um pequeno carro.
— Então arrume-se depressa, e tomara que ele esteja melhor. — E, quando ela
se dirigiu para a porta: — E... Samantha...
Ela se voltou. Era uma sensação estranha ouvi-lo dizer seu nome, alguma coisa
que mexia com seus nervos, embora ela não soubesse explicar exatamente o que era.
— Pois não, sr. Royle.
— Descubra se ele ainda quer me ver e quando é que posso ir visitá-lo, por
favor.
— Está bem. — Ela pegou o casaco que estava na cadeira e saiu correndo para a
garagem.
Enquanto dirigia pela estrada tão sua conhecida, tão cheia de árvores, se viu
pensando uma vez mais em Adam Royle. Ele tinha parecido tão sincero, tão
preocupado com a saúde de tio Edward. Isso não combinava muito com o que Lisa
havia dito dele. Um bruto, um homem sem coração, assim ela o havia descrito. Não,
aquilo não fazia sentido. E ainda devia haver mais coisas na história de Lisa. Ele lhe
parecera tão mau e duro, quando vira as quadras de tênis... Ela desejava que
houvesse outra maneira de descobrir a verdade. Não que isso realmente lhe
importasse, mas seria bom saber.
O hospital estava cheio de visitantes, e do pátio exalava-se o aroma agradável
das flores primaveris. O sol da tarde penetrava pelas grandes janelas e parecia haver
uma atmosfera de felicidade. Tio Edward estava na ponta do corredor, e logo que
avistou Samantha caminhando em sua direção, com um ramalhete de narcisos que
havia colhido apressada, antes de partir, levantou as mãos para cumprimentá-la.
Ela colocou as flores sobre uma mesinha e inclinou-se para beijá-lo no rosto. —
O senhor está com uma aparência bem melhor, ótima. Isto é muito bom.
Ele segurou uma das mãos dela, enquanto Samantha puxava uma cadeira para
sentar-se ao seu lado.
— Só estou assim porque você veio me ver, minha filha. — A voz dele ainda
estava fraca, mas seus olhos continuavam com o mesmo brilho de antes. — Acho que
estou conseguindo voltar da terra das sombras.
As lágrimas apareceram por trás de seus cílios, quando ela sorriu para ele e, por
algum tempo, não conseguiu responder. Depois disse, suavemente: — Foi meio duro,
mas agora tudo está acabado. Muito breve teremos o senhor conosco outra vez. —
Aquele ''muito breve" era tremendamente otimista, e ela sabia. Mas só de dizer isso
parecia que o tempo ficava mais curto. No próximo semestre, ela se lembrou, tio
Edward estará de volta e então o enigmático Adam Royle terá partido para dar aulas
em sua importante e grande escola.
— Tenho uma boa notícia para o senhor — ela disse, abrindo a bolsa. — Uma
carta de Richard. Chegou ontem à tarde.
Depositou o envelope azul do lado dele e, devido à interrogação em seus olhos,
respondeu. — Não, querido, ele não sabe sobre o seu estado. Prometi que não ia
contar nada para ele, não é?
Ele bateu carinhosamente na mão dela. — Sempre poderei confiar em você,
Samantha.
— Quer que eu abra para o senhor? — Ela abriu o envelope com o dedo e dois
pedaços de papel escorregaram, dobrados separadamente. — Uma para mim — ela
disse feliz, pegando aquele em que estava escrito o seu nome. No pé da página,
Richard tinha escrito: "Os selos andam muito difíceis de serem conseguidos, aqui;
portanto, a sua segue com a de papai. Por favor, me desculpe". Ela colocou a sua no
bolso do casaco. — Vou ler a minha carta mais tarde — disse.
— Eu também. Mas veja se ele está bem, por favor, querida. — Ele indicou o
armário. — Estas malditas enfermeiras esconderam meus óculos.
Samantha sorriu: — Bem, pelo menos elas poupam seu trabalho de escondê-los,
não é mesmo? — Esta era uma piada entre eles, sempre os óculos do tio
desapareciam misteriosamente. Ela abriu a carta e leu em voz alta: — Querido papai,
apenas um bilhete para dar notícias da vida. Tudo vai bem, por aqui, e nós estamos
com saúde, bronzeados e também barbudos. Estamos trabalhando bastante e sei que
mais tarde serei recompensado.
Ela dobrou o papel e o pôs de volta no envelope. — Ele está bem. Não consigo
imaginar Richard de barba, e o senhor?
Falaram a respeito de Richard, de seus companheiros e do projeto dele. E,
então, tio Edward disse: — Agora conte-me sobre os seus projetos. Quando Adam vai
chegar?
— Ele chegou ontem.
— Ah sim, ele ia chegar ontem mesmo. Sei que ele gosta de estar por dentro de
tudo, quando aceita um emprego.
— Para dizer a verdade, gosta, sim — Samantha disse secamente. — Quando o
senhor voltar, vai encontrar apenas a minha alma.
Ela falou gentilmente, mas havia se esquecido da percepção de tio Edward. —
Ele não é... você acha que vai se dar bem com ele, minha querida? — Ele parecia
estar um pouco ansioso.
— Oh sim, tenho certeza que sim — ela disse, confidencialmente, muito mais
confidencialmente do que sentia. Nunca tivera dificuldade em fazer amizade com as
pessoas. Mas Adam Royle não era ''pessoa". — Desde que ele consiga se dar bem
comigo — acrescentou.
— Não tenho dúvidas a respeito disso — tio Edward disse galantemente. — Não
há nenhum homem vivo que não se dê bem com você, minha filha.
— Galanteador! — Eles se olharam afetuosamente. Depois ela disse, mais
seriamente: — Tudo na mesma, ele ainda me parece um pouco confuso. Ele não é por
um acaso um "misogênio'', sei lá, como se diz?
— Um misógino? Adam? — Ele deu uma gargalhada. — Muito pelo contrário,
eu diria. O que foi que ele fez para fazê-la pensar dessa forma?
— Disse que não gosta de trabalhar com mulheres. E procurou deixar bem claro
isso. Não fez questão alguma de fazer segredo ou deixar que as pessoas descobrissem
por elas mesmas.
— Hum, ele disse isso? — E pensou no assunto por alguns instantes. — Eu não
encararia isso com tanta seriedade. Imagino que foi apenas uma defesa própria
contra todas as possibilidades. Ele, ah!, atrai o sexo oposto, quer queira, quer não.
Lembro-me muito bem, nos tempos da universidade. Elas viviam correndo atrás dele
como ratos atrás de queijo. Já devia ter-se casado, eu lhe disse isto muitas vezes. Mas
ele diz que talvez acabe se casando, se um dia encontrar a garota dos seus sonhos.
Houve um momento de silêncio. Depois Samantha disse: — Não vamos ficar
falando dele. Vamos falar do senhor. Está com fome, agora? Quer que eu lhe traga
alguma coisa? Que tal os seus biscoitos favoritos?
Ele concordou em que seria bom. Depois, repentinamente, pareceu muito
cansado. Samantha levantou-se e disse suavemente: — Preciso ir agora, o senhor já
conversou bastante, por hoje. Voltarei a visitá-lo logo que seja possível, tio Edward.
Oh! Adam Royle disse que gostaria de vir visitá-lo, qualquer dia destes. O que o
senhor acha?
Ele concordou com um gesto de cabeça. — Sim, sim! Claro que gostaria de
recebê-lo. — Agora sua voz estava bastante fraca, os olhos fechados. Ela se levantou e
ficou olhando para ele, cheia de preocupação. Ainda não tinha cinqüenta anos, mas
parecia um homem velho, as rugas do rosto bem acentuadas, o cabelo mais fino e
mais cinza do que nunca, as mãos sem movimento, sob a colcha. Engolindo as
lágrimas que teimavam em querer sair. Samantha inclinou-se e beijou-o na testa.
Depois, virou-se e saiu apressada pelo corredor, não suportando ver por mais tempo
uma pessoa querida sofrendo tanto.
De volta para o carro, tirou a carta de Richard do bolso do casaco para ler.
Aquela letra pequena e bonita trouxe-o de volta à sua memória, alto, magro, cabelos
claros, com um bom senso de humor, assim como o pai, e olhos firmes e muito cinza.
"Querida Samantha", leu, "este é apenas um simples bilhete para incluir com o
de papai. Já contei a ele todas as novidades; portanto, não vou me repetir. Estou
gostando muito daqui, e a escola preparatória para garotos parece fazer parte de um
outro mundo. O que não significa que não sinto muita saudade daí. De tudo, de
todos, de você. Gostei muito da sua última carta e ri muito com a história dos Potts.
Pelo jeito, o garoto já está atingindo a maturidade. O professor Hayes é soberbo, e eu
aprendo mais e mais a cada dia que passa. Tudo isso está me deixando muito
entusiasmado para voltar, mas ainda tenho algumas coisas para resolver e aprender.
Tome conta de você, Samantha, e não deixe que papai e a escola judiem muito de
você. Vê-la novamente é um dos aspectos mais agradáveis do meu regresso, qualquer
dia destes, nas férias de verão, eu acho.
Saudades,
Richard."
Samantha dobrou a carta e colocou-a de volta no bolso, com um sorriso feliz
nos lábios. Aquilo era tão próprio de Richard... pensou. Calmo, restrito e ainda muito
humano. Ela sempre fora muito, muito fã de Richard Barnes, ele era um homem fácil
de ser amado. Estaria apaixonada por ele?
Ficou ali por algum tempo, a mão na ignição do carro, matutando. Então, com
um confuso balanceio de cabeça, ligou o motor e tirou o carro do estacionamento.
Um pouco antes, tinha decidido que ia telefonar para ver se Lisa estava em
casa. Mas, de repente, decidiu visitá-la sem telefonar. Estava no meio do caminho e,
assim, teria oportunidade de saber como a irmã estava. Aproveitaria também para
avisá-la da chegada de Adam Royle, no caso de Lisa pretender manter-se afastada da
escola enquanto ele estivesse lá. A própria Samantha estava inclinada a pensar que
era desnecessário fazer um cavalo de batalha por uma coisa tão boba. Afinal de
contas, Lisa não se envolvera diretamente no caso entre Adam e essa tal garota de
Dorset, e certamente, depois desse tempo todo, as coisas poderiam ser deixadas de
lado e esquecidas. Então, lembrou-se da expressão horrorizada de sua irmã quando
ouvira a notícia da chegada de Adam. E a reação dele não tinha sido menos violenta,
quando pensara que ela fosse Lisa. Talvez, depois de tudo, fosse melhor deixar as
coisas como estavam. Quanto mais calma e feliz a atmosfera, enquanto Adam
estivesse lá, melhor!
Apertou a campainha da porta da frente e ouviu o toque dentro da casa, mas
ninguém respondeu. Tocou mais duas vezes e esperou. Depois, deu de ombros. A
culpa era dela, pois tinha vindo sem avisar Lisa. Restava outra tentativa: se eles
estivessem no jardim, não teriam ouvido a campainha, e claro que a mulher da
limpeza não estava lá numa tarde de domingo. Samantha rodeou a casa, dirigindo-se
para o jardim. Caminhou por entre as árvores e de repente os viu, deitados nas
cadeiras em volta da piscina, muito juntos. Que belezinha! pensou. Depois de três
anos de casamento, eles ainda ficam tão juntos, como recém-casados... E sentiu uma
coisa muito semelhante à inveja.
— Ei, vocês dois! — Ela correu pelo gramado em direção a eles. E, depois,
parou, um pouco sem jeito. Porque o homem ao lado de Lisa não era seu marido.
Depois de um breve relance de olhos, Lisa viu-a. Levantando-se, abraçou
Samantha com muito carinho e choramingou. — Sam! Que agradável surpresa! Mas
por que você não me ligou para avisar que vinha? Roy e eu acabamos com o chá. —
Ela apontou para a bandeja na mesinha. — Venha cá e sente-se.
O homem também tinha-se levantado, e Lisa disse: — Samantha, este é Roy
Mathers, um amigo de Robert. Ele veio à procura de Robert, mas o coitado não está,
foi para a Alemanha logo depois que voltou de Manchester. Eu estava tão chateada
aqui, sozinha, que acabei conseguindo que Roy ficasse comigo para tomarmos chá
juntos. — Ela dirigiu aos dois um sorriso de perfeita anfitriã. — Roy, esta é
Samantha, minha irmã mais velha e também minha única irmã, não é verdade, Sam?
Ela é minha melhor amiga.
Ele sorriu e estendeu a mão. — Olá, Samantha. Não há dúvida de que hoje é
meu dia de sorte. Vim para tratar de negócios e, em vez disso, encontro duas garotas
bonitas.
Samantha disse rapidamente: — Não posso ficar. Fui ao hospital e pensei em
passar por aqui para visitá-la, antes de ir para a escola. Lisa, eu tentei uma porção de
vezes falar com você pelo telefone, mas não consegui. Não houve resposta nenhuma
vez.
Lisa estava ocupada colocando xícaras, pires e pratos na bandeja. Ela não
levantou os olhos. — Que vergonha... — disse casualmente. — Eu devia ter ido. Como
é que você achou o velho? Ele está melhorando?
— Tio Edward? — Samantha ouviu a reprovação da própria voz e sentiu-se
como a verdadeira irmã mais velha. Mas Lisa estava num estado de humor que a
irritava. Ela sabia há muito tempo que seus tipos de vida e de atitudes eram
diferentes, mas ultimamente as coisas pareciam estar mais evidentes.
— Sim, querida, tio Edward — disse Lisa, usando um tom de voz muito irônico,
mas que também era de conciliação. Ela olhou para Roy Mathers e acrescentou: —
Minha irmã trabalha como secretária numa escola preparatória. O diretor precisou
ser operado e está no hospital.
— Oh... — ele disse polidamente. — Que azar! — Ele olhou de uma garota para a
outra. Provavelmente, Samantha pensou, podia sentir a atmosfera pesada entre elas.
Um homem novo, como diretor, não podia ser nenhum bobo.
— Ele está um pouco melhor — disse Samantha, respondendo à pergunta de
Lisa —, mas parece muito cansado. Agora, eu terei que voar, tenho um mundo de
coisas para fazer, lá na escola. As aulas começam na terça-feira — explicou para Roy
Mathers — e nós estamos com um novo diretor; portanto, há muita coisa para ser
resolvida ainda.
Lisa se assustou:
— Oh, ele conseguiu, não foi mesmo? Como ele é?
— Ainda não tive tempo para descobrir — disse Samantha, e virou-se para ir
embora. — Não, não se preocupe em me acompanhar — disse, quando Lisa começou
a segui-la. Naquele momento, ela não pretendia falar com Lisa em particular.
Apressadamente, despediu-se e saiu do jardim com o carro.
Afastando-se da casa, pensou: missão cumprida! Já avisara Lisa de que Adam
tinha chegado. Tudo tinha acontecido de maneira muito estranha, mas não era culpa
dela. Se Lisa queria entreter jovens senhores com chá, durante a ausência de seu
marido, ela não tinha nada com isso.
Mas quando pegou a estrada principal e dirigiu o carro para a cidade, não pôde
deixar de ficar um pouco preocupada. Esperava que Lisa soubesse o que estava
fazendo. Eles podiam viver de forma bem moderna, mas Robert, ela imaginou, não
era nada moderno em relação às atitudes de sua jovem esposa, e Lisa seria uma
idiota se se arriscasse a fazer alguma loucura com sua vida.
A primeira pessoa que Samantha viu, quando chegou à escola, foi Christine
Phillips, a governanta dos alunos, saindo de um táxi, seguida um pouco
relutantemente por seu pequeno filho, James. James viera para a escola o ano
passado, em setembro, e ainda não tinha terminado o curso. Ficou feliz em vê-los.
Christine o observou com um sorriso nos lábios. Depois, virou-se. — Bem,
Samantha, quais são as novidades?
— Venha para cá; vou colocá-la a par da situação. Tivemos muitas crises, aqui.
— Samantha levou-a para o escritório e puxou duas cadeiras para perto do
aquecedor, porque a tarde estava começando a esfriar.
— O que há de errado, Samantha? — Christine perguntou, com a voz
preocupada. Sua voz era agradável e sentida, o tipo de voz que faz com que os
garotinhos pensem que seus machucados e arranhões não são tão graves quanto eles
pensam.
— Espere um instante — disse Samantha. Ela se levantou e bateu na porta da
sala do diretor. Era bem possível que Adam Royle estivesse trabalhando lá ainda.
Mas não houve resposta. E, quando ela colocou a cabeça no vão da porta, viu que a
sala estava vazia. Voltou para a cadeira.
— Estas duas últimas semanas foram bem horríveis — disse, e então contou
para Christine como tudo tinha acontecido, começando por tio Edward tendo que ser
levado às pressas para o hospital e terminando com a chegada do famoso sr. Adam
Royle no dia anterior.
— E que tal esse novo diretor? Você acha que ele dará conta do recado?
— Gostaria de poder saber. Tio Edward espera muito dele; portanto, acredito
que seja o homem certo para o cargo. Ele me pareceu muito interessado em tudo.
Mas ele é... bem, ele é um pouco enigmático. Não é exatamente o que eu esperava.
— Como assim?
— Primeiro, é mais moço do que eu esperava. Deve ter uns trinta anos. E é
muito inteligente. Estive vasculhando a vida dele e, pelo jeito, é realmente bom.
Extremamente dinâmico, para dizer a verdade. E há uma outra coisa que devo dizer-
lhe: ele me pediu que deixasse bem claro que está aqui para trabalhar, e nenhum
contato pessoal com os outros é bem aceito por ele.
Christine soltou a respiração. — Santo Deus, será que esse homem é humano?
Repentinamente Samantha viu aqueles olhos escuros enfrentando os seus,
sentiu a força das mãos dele em seu braço e viu o jeito de ele sorrir. — Oh, imagino
que seja humano — disse. — Ele explica sua estranha atitude por estar escrevendo
um livro e não poder perder tempo em se envolver com as coisas sociais. E também...
— Sim? — Christine olhava para ela muito interessada.
— Não foi ele quem me disse isso, mas também não precisava dizer. Tio
Edward me contou, esta tarde, quando fui visitá-lo no hospital. Este tal Adam Royle
tem certo fascínio sobre as mulheres. Elas correm atrás dele como ratos atrás de
queijo.
Christine pareceu ficar triste. — Para mim, ele deve ter uma personalidade
marcante. Por que tem que pensar que vamos correr atrás dele? Será que acha que
vamos desmaiar com o charme dele? A meu ver, nenhuma de nós tem jeito para rato,
você não concorda?
— Agora você entende — disse Samantha finalmente, ainda rindo —, nós temos
que tomar cuidado, não acha?
— Se você começar a gostar dele, minha garota, terá que acertar contas com
Richard Barnes quando ele voltar , não é? E quanto a mim... — Ela se interrompeu, o
rosto corado. — Tenho novidades para você. Vou me casar novamente!
— Oh, Chris, mas que boa notícia! Fico muito feliz. Realmente esta é uma boa
novidade. Quem é ele? Ele merece você?
— Acho que sim — Christine disse suavemente. — O nome dele é Hugh Garrett,
e é arquiteto. Trabalha em Birmingham, mas mora em Leamington, portanto não
vou me mudar para muito longe. A esposa dele faleceu há seis anos e ele tem dois
filhos, um pouco mais velhos que James.
— Como é que James está encarando tudo?
Christine fez uma cara de tristeza. — Não muito bem, eu acho. Ele está com os
nervos à flor da pele novamente, e isso me preocupa. Achei que ele cresceria sem
esse problema. Mas Hugh é um encanto e, no final das contas, vai ajudar muito
James. Espero mesmo que consiga — ela acrescentou, um pouco ansiosa. Mas seu
rosto se iluminou quando começou a falar de Hugh, e Samantha viu que aquele não
seria um casamento por conveniência ou para o bem da criança, o que era
esplêndido para Christine, porque era uma criatura maravilhosa e merecia ser feliz,
mesmo. Christine parecia muito culpada. — Eu estava adiando essa conversa com
você. E, agora, ao saber do estado do sr. Barnes, me sinto ainda pior.
Samantha sentiu uma ponta de desespero. Aquele semestre já ia ser triste sem
tio Edward, e agora, então, Chris estava partindo...
— Diga-me o pior — suplicou.
— Hugh tem que ir à Itália a negócio, em junho, e daria para tirar uma semana
ou mais de férias. Ele quer que viajemos em lua-de-mel. Você acha que até lá
encontra alguém para me substituir, Samantha, ou vai ser muito duro, com tudo o
que já está acontecendo?
— Pare! — Samantha segurou a mão dela. — Claro que você deve ir. Dá para
continuar até que eu consiga arrumar uma substituta para você?
— Sim, claro que dá.
— Então vou começar a procurar já. Vou datilografar um memorando para o sr.
Royle e deixar sob a mesa dele. — Ela se levantou e descobriu a máquina de escrever.
— Estou muito feliz com a sua novidade, Chris, e espero que você seja muito, mas
muito feliz mesmo.

CAPÍTULO IV
Na segunda-feira de manhã a escola começou a tomar vida. A cozinheira estava
ocupada na cozinha e as duas empregadas mais novas do povoado se empenhavam
na limpeza e no polimento, sob a direção da sra. Kimble.
Às dez e meia Samantha estava no escritório e viu a chegada do sr. Jones e da
srta. Bayley, que, sem dúvida alguma, tinham repartido o táxi desde a estação. Ela os
observou por algum tempo, com um sorriso, o sr. Jones, muito alto e imponente,
inclinado sobre a palma de sua mão como se estivesse tentando encontrar algumas
moedas para pagar o motorista; a srta. Bayley, baixinha e de cabelo encaracolado,
fazia ginástica dentro do táxi para conseguir tirar sua numerosa bagagem.
Samantha observava a pantomima, enquanto a srta. Bayley tentava colocar
algumas moedas na mão dele. A srta. Bayley era muito divertida. Com seus alunos do
primeiro ano, era muito boa. Mas, quando tinha que se misturar com mais gente,
costumava ficar muito nervosa e acabava se portando mal, parecendo muito boba.
Teria que se manter afastada de Adam Royle o mais que pudesse, Samantha pensou.
Tio Edward apreciava as qualidades da senhorita Bayley, mas talvez o novo diretor
não as apreciasse. Tio Edward era uma pessoa mais humana, enquanto o tal sr.
Royle...
Finalmente eles resolveram a situação e a bagagem ficou nos degraus.
— E como vai você, srta. Gold? Como andam as coisas, neste nosso cantinho? —
Ela olhou com carinho para a escola. Isto, Samantha sabia, não era fingimento; a
srta. Bayley trabalhava na Kings Worthy, com tio Edward, desde o começo. E ela
vivia apenas para aquela vida que levava na escola. E para as férias, quando viajava
sempre.
Enquanto eles carregavam as malas para o hall, Samantha deu-lhes as notícias.
O sr. Jones balançou a cabeça em sinal de preocupação e quis saber todos os
detalhes. Já a srta. Bayley soltou uma exclamação: — Um estranho! Oh querida!
Estou muito chateada com o que aconteceu com o pobre sr. Barnes, claro! Mas é
muito chato trabalhar para um estranho. Ele é um bom homem, srta. Gold? Quando
é que vamos encontrá-lo, conhecê-lo?
Aquele era o problema. Tio Edward sempre fazia um encontro o corpo docente,
antes de as aulas se iniciarem, e oferecia bolo, café e alguns biscoitinhos. Ela se
perguntou como Adam iria encarar uma reunião como aquela. Seria melhor dar esta
sugestão assim que ele voltasse, ela decidiu, sem encarar a idéia com muito prazer,
pois ele era um tipo muito diferente.
Um barulho de motor interrompeu-os e todos viraram-se para ver quem estava
chegando. Viram uma grande motocicleta vermelha parando, soltando muita fumaça
e com o escapamento furado.
— Santo Deus! — resmungou a srta. Bayley. — É a srta. Trump! — Uma figura
usando um casaco de couro, capacete e botas desmontou da moto e acenou
alegremente para o grupo que estava parado à porta — Olá pessoal — cumprimentou
a srta. Trump. — Como foram de férias? Gostaram do meu tesouro? É uma beleza,
não acham?
O sr. Jones murmurou alguma coisa e desapareceu, provavelmente indo para
seu quarto. Ele era um homem calmo e simples, e achava a srta. Trump um tanto
exuberante, Samantha imaginou. Na presença da srta. Trump ele sempre se fechava,
talvez por ela estar sempre falando muito e conseguir sempre colocar sua classe em
ordem, enquanto o sr. Jones tinha que se esforçar muito para conseguir isso.
A srta. Trump aproximou-se dele, retirando seu capacete branco para pôr à
mostra seu belo cabelo louro. — Olá, Alison, Samantha! Cá estamos novamente,
todos prontos para o reinício. Já chegou algum diabinho? E agora, quais são as
novidades? Eu também quero saber.
A srta. Bayley começou a falar antes de Samantha: — Oh, Cicely, você nunca
poderia imaginar! Temos um novo diretor, este semestre. O coitado do sr. Barnes
está hospitalizado. Não quero nem pensar como vamos nos virar, sem ele, já
estávamos tão acostumados!
Cicely Trump arregalou os olhos. — Caramba. — disse, no seu péssimo costume
de usar gírias. Mas os garotos se divertiam muito com ela. — O que aconteceu?
— Venha, querida, vamos para o seu quarto, e eu lhe conto tudo. Não, querida,
você poderá deixar sua moto aqui, por enquanto. Aqui é seguro. — Ela olhou para a
motocicleta e balançou os ombros delicadamente. — Que enormidade! Realmente,
Cicely, não sei como tem coragem de andar nisto.
Samantha observou-as enquanto subiam os degraus em direção ao hall. Alison
Bayley respondendo com sua voz toda delicada às perguntas de Cicely Trump, que
eram feitas em voz forte e grave. Samantha estava começando a vê-los como um
estranho os veria. Ela os conhecia há muito tempo, tinha-se acostumado a eles e
tinha muito carinho por todos. Eles eram, como ela havia dito a Adam, uma turma
muito amiga. Mas havia uma coisa que a preocupava um pouco: eles estavam
acostumados a correr para tio Edward, quando surgiam problemas. E ele,
invariavelmente, os ouvia, solidário e atencioso. Ela tinha um estranho
pressentimento de que Adam Royle não ia ser tão compreensivo. Suspirou, quando
voltou para o escritório, e desejou novamente que nada daquilo tivesse acontecido.
Meia hora mais tarde Adam voltou e trouxe uma garota com ele. Entraram no
escritório quando Samantha estava escrevendo uma carta de reclamação para a
lavanderia.
— Olá, Samantha, tudo bem? Trouxe uma amiga comigo. Esta é Samantha
Gold, Estelle, nossa secretária da escola. Samantha, Estelle Norton. Você acha que
poderia oferecer-lhe o almoço?
—Claro que sim —Samantha murmurou, apertando a mão da outra. —Como
tem passado, srta. Norton?
A garota falou pouco. Era alta, cabelos claros e lisos, óculos escuros e um
vestido azul de tweed. Dirigiu um olhar de pouco caso para Samantha e depois
voltou-se para a janela, dizendo — Não deixe que eu o atrapalhe, Adam. Se você tem
algum trabalho para fazer, vá em frente. Não se preocupe comigo, posso tomar conta
de mim mesma.
Ele olhou surpreso para ela, com a testa franzida. Depois disse para Samantha:
— Tem alguma coisa urgente para mim? Como estão as coisas?
— Todos os professores já chegaram, e eu recebi um telefonema do sr. Read.
— Ele é o professor de Educação Física?
— Sim, confirmei a quarta-feira. Ele dará aulas às quartas, quintas e sábados,
como no semestre passado. A respeito dos outros três professores...
— Bem, vamos, diga-me, o que aconteceu com eles?
Ela prendeu a respiração e tentou entrar na zona perigosa. — O sr. Barnes
sempre convoca uma reuniãozinha um dia antes de as aulas começarem. É uma boa
oportunidade para todos se encontrarem e trocarem idéias, um tipo de reunião
informal. Gostaria de saber se o senhor... eu pensei que o senhor talvez não...
— Você está certa. Realmente, não gosto da idéia. Preferiria passar a noite
trabalhando no meu livro. Mas, por outro lado, é uma boa oportunidade para
quebrar o gelo e conhecer a todos. Será que isso pode ser organizado?
Seus olhos se encontraram num entendimento íntimo. Realmente, Adam e
Estelle deviam se conhecer muito bem. Samantha dirigiu-se, apressada, para a
escrivaninha, conhecedora de sua timidez. Esperava que Adam não se acostumasse a
trazer amiguinhas para a escola, principalmente se fossem do tipo de Estelle Norton,
de quem ela não gostara nem um pouco. Ele deu uns dois passos pela sala e deu a
mão para Estelle. — Venha comigo, então, e conheça o meu domínio. A gente passa
pela cozinha e eu vejo se a querida sra. Kimble pode preparar alguma coisa para
comermos antes de eu levá-la à estação, está bem?
Saíram de braços dados. Repentinamente, as palavras de tio Edward vieram à
cabeça de Samantha: ''Ele disse que talvez se case, se algum dia encontrar a mulher
certa". Bem, se Estelle Norton era a garota certa, então boa sorte para ele. Ia precisar
de muita.
Samantha não viu mais Estelle Norton, naquele dia. Ela e Adam tinham ido
para o apartamento dele e, pelo jeito, tinham almoçado lá.
Foi uma tarde muito cheia. Todos pareciam ter montes de perguntas e
problemas relacionados com a parte de secretaria. Nos intervalos, ela telefonou para
os pais dos alunos, um por um, explicando algumas mudanças. E, depois, ligou para
os professores para avisá-los da reunião que ia haver à noite, com Adam Royle. Terry
Read, o técnico de jogos, não podia comparecer. Precisava participar de uma reunião
no clube local. Os outros três aceitaram o convite. E as três mulheres também,
Samantha refletiu, quando ligou para Emily Mason. — Sim, claro, vou adorar
conhecer esse novo diretor. — A srta. Mason era a professora de Música, e também a
mais jovem e mais bonita. Mas duvidou de que Adam fosse se impressionar com ela.
Se Estelle Norton lhe agradava... seria difícil.
O resto do dia Samantha atendeu a telefonemas de pais, querendo saber coisas
a respeito da escola. E também perguntaram-lhe se John, o melhor jogador de
cricket da escola, poderia levar seu porquinho-da-índia, agora que a família havia
aumentado, nas férias. Mas Samantha teve a impressão de que o que eles queriam
era conhecer o novo diretor. Ela não os culpava; numa pequena escola, talvez muito
mais do que numa grande, eram a habilidade e a personalidade do diretor que
contavam de verdade. Muito mais do que qualquer outra coisa. Sim, ela lhes deu
certeza, o sr. Royle já estava lá, e eles poderiam conhecê-lo no dia seguinte. Ele
estava querendo conhecer os pais. Sim, ele também iria dar aulas, de História. Sim,
ela tinha certeza de que as aulas de religião iam continuar do jeito que eram quando
o senhor Barnes dava aulas.
Christine entrou quando ela estava no meio de uma conversa com a mãe de um
dos meninos, que estava com alergia, contraída durante as férias. — Sim, sra.
Forrester, vou deixar um recado para a governanta para que ela não permita que
Paul coma tomates.
Colocou o fone no gancho e ergueu o sobrolho, olhando para Christine. — Você
ouviu isto? Agora esta, Paul Forrester é alérgico a tomates.
— Mais uma coisa para a lista. As únicas coisas a que os garotos jamais serão
alérgicos são rosquinhas de mel, chocolates e sorvetes. Vão ficar cada vez mais
gordos. — Ela depositou uma bandeja sobre a escrivaninha. — Tome um pouco de
chá, Samantha, você parece que está muito cansada.
— Obrigada, Chris, você é uma ótima amiga. Não quer tomar uma xícara
também e me fazer companhia?
— Trouxe uma xícara a mais para o caso de você me convidar —, ela sorriu. —
Como vão indo as coisas? — E onde está o novo diretor? Eu ainda não o vi por aqui.
— Já chegou e já saiu novamente — Samantha disse, tomando um gole de chá.
— Ele estava com uma garota.
— Oh, verdade? — Os olhos de Christine se arregalaram com muito interesse; a
idéia de um romance apareceu-lhe na cabeça naquele exato momento. — Então me
conte, como é que ela era. Você gostou dela?
— Oh, bem comum. Pedante e muito metida, não me impressionou muito.
Mas era mentira. E Samantha, que não estava acostumada a mentir, nem
mesmo com pequenas mentiras, sentiu uma enorme culpa por perceber que mentia
sem dificuldade. — Ele foi levá-la à estação. Bem, pelo menos foi isso o que entendi.
— Bem, só espero que ele chegue a tempo de nos dar as boas-vindas esta noite.
Estão todos muito ansiosos por conhecê-lo, posso jurar-lhe de pés juntos. Bayley
acha que devo colocar o melhor vestido e Trump também está se embonecando. O sr.
Jones está trancado em sua concha e ainda não se manifestou. Ele provavelmente vai
sentir mais falta do sr. Barnes do que qualquer um aqui, eu acho.
— É, eu sei. — O sr. Jones era um daqueles gênios que nunca deveriam ter-se
metido em salas de aula. Seria muito mais feliz na universidade. Enfim...
— Como está James?
— Apresentando pequenos sintomas de nervosismo, eu acho. Hoje o estou
deixando fazer o que quer, mas só hoje. — Por alguns instantes, os olhos meigos de
Christine pareceram perturbados. — Espero que tudo saia bem. James é a única
verdadeira dificuldade. Ele sempre foi tão aberto comigo, mas agora parece
recalcado e conversa pouco comigo.
Samantha balançou a cabeça em sinal de solidariedade.
— Você pode entender por que ele anda assim perdido, não pode? Esses dois
meninos, os filhos de Hugh, que escola eles estão freqüentando, por enquanto?
— Uma em Warwick.
— Também são internos? — E como Christine negasse com a cabeça: — Acho
que isso deve trazer alguns problemas, não é mesmo?
— Sim, eu sei. — Christine suspirou. — Espero poder fazer alguma coisa. Não
seria justo eles irem para casa todos os dias, enquanto James está aqui sozinho.
Tenho certeza de que James iria ver as coisas assim. Mas não é muito fácil conseguir
transferência de escola. E, de qualquer forma, terá que ficar aqui mais este semestre.
Portanto, ainda não quero dizer nada para ele. — Ela terminou de tomar o chá e
levantou-se. — Não devo ficar amolando você, Samantha, sei que está muito
ocupada. Até o jantar, então! Talvez encontraremos o sr. Royle.
Mas não encontraram, porque ele não foi jantar. Samantha descobriu isso
quando perguntou à sra. Kimble.
— Não, senhorita, não o vi mais desde que preparei o almoço para ele e para
aquela garota. — A sra. Kimble não gostara de Estelle Norton, mas não disse nada. —
A cozinheira deseja saber se deve levar os bolos e sanduíches para a sala do diretor,
como fazia quando o sr. Barnes estava aqui.
— Sim, acho que sim — disse Samantha um pouco em dúvida. Ela gostaria que
Adam já estivesse de volta para dar sua opinião. Mas ele havia concordado com a
festa. E, se não voltasse a tempo, ela teria que tomar as decisões. Então lembrou-se
de que ele havia dito que ia depender dela para tomar certas decisões, se fosse
necessário. — Não, espere, sra. Kimble. Acho melhor fazermos nossa festinha na sala
dos professores. Assim está bem para a senhora? Não há nenhum inconveniente
nesta decisão?
— Não há inconveniente algum, srta. Gold. Para mim está tudo muito bem. Eu
mesma vou dar uma ajudazinha à cozinheira e tudo vai ficar muito bem organizado.
Às sete e meia Samantha se viu fazendo de anfitriã, pois Adam ainda não tinha
aparecido. Quando já acabara de desculpar-se por ele, dizendo que devia ter ficado
retido com algum compromisso e que logo estaria lá, foi ela que começou a ficar
ansiosa a respeito dele. Não poderia ter saído e esquecido totalmente do
compromisso que assumira. Ou poderia? Ela se esforçava, em saber bem o que fazer.
Telefonava para a polícia e hospitais para perguntar se tinha acontecido algum
acidente. Não conseguia pensar em nada e hesitou em tomar decisões drásticas.
Já havia tomado uma xícara de café e comido um sanduíche quando a sra.
Kimble entrou na sala e, puxando-a pelo braço, levou-a para o lado e disse
preocupada: — Srta. Gold, pode vir até aqui depressa? O sr. Royle acaba de chegar e
quer vê-la.
Samantha olhou para o rosto assustado da governanta e seguiu-a pelo corredor
dos quartos.
Ele levantou a cabeça e a viu, e suas mãos apertaram as dela com força. Depois,
ela se aproximou mais dele e disse suavemente: — Em que posso ajudar? Quer que
eu mande buscar a enfermeira?
Ele balançou a cabeça sem erguer o olhar. Samantha virou-se para a sra.
Kimble, que estava parada à porta, e disse: — Vá e fique fazendo as honras por mim,
por favor. Por enquanto, não diga nada a ninguém. Irei chamá-la se precisar da
senhora, está bem?
A governanta hesitou um pouco, depois olhou para Adam, saiu e fechou a porta.
— O que aconteceu? — ela perguntou gentilmente. — Ou o senhor prefere não
me contar?
— Uma criança saiu de dentro de casa e correu em frente ao meu carro, há
algumas milhas daqui. — Ele cerrou os olhos, piscando de nervoso como se tudo
estivesse acontecendo novamente. — Na tentativa de desviar, o carro tombou...
— A criança...? O senhor... — Ela não tinha coragem de fazer a pergunta.
— Estou muito bem, apesar de alguns arranhões. Prometo-lhe que não
arranjarei mais confusão. Não sou muito dado a este tipo de coisa. Apenas vi a
criança e me desesperei. Acho que é um pouco de humanidade. Santo Deus, pensei
que tivesse atropelado a criança. Foi um momento horrível. — Ele balançou a cabeça
como se, ao fazer aquilo, estivesse afastando tudo de sua memória.
— Soltou a mão dela, finalmente, e Samantha sentiu-se totalmente perdida. —
Estou apresentável? — Ele deu um sorriso amarelo. — Ou está escrito que acabei de
dar uma capotada com o carro?
Com muito esforço, ela tentou seguir o exemplo dele. Dirigiu-lhe um olhar
triste e disse: — Bem, seu rosto está um pouco sujo de lama, assim como sua calça. E
seu cabelo precisa de uma escovadela.
Ele se levantou. — Venha comigo e me dê uma mãozinha. Seja minha babá,
assim como é minha secretária.
Entraram no quarto contíguo e ele lavou o rosto e penteou os cabelos, enquanto
ela esperava, observando-o.
— Vamos dizer que estava dando uma carona a um amigo e ficou retido. Isto
nem chega a ser uma mentira, não é mesmo? — Disse Samantha.
— Simplesmente um mal-entendido. Gostaria de saber se Estelle conseguiu
tomar o trem.
— O senhor quer dizer que foi quando estavam indo para a estação que tudo
isso aconteceu? Pensei que fosse quando o senhor estava voltando de lá.
— Oh, não, Estelle estava comigo. Ela teve sorte, pulou do carro e ficou tão
imaculada como sempre. Que garota! — Ele balançou a cabeça, como se Estelle fosse
demais maravilhosa para ser verdadeira. — Teve que pegar uma carona para a
cidade, porque eu fiquei para trás, claro, para dizer à polícia o que aconteceu. Você
entende, não é mesmo? A mãe da criança estava muito assustada e, então, resolvi
ficar lá para acalmá-la. Depois tive que chamar um guincho para desvirar meu carro.
Felizmente, nada de mal aconteceu.
Então Estelle Norton tinha ido embora como se nada tivesse acontecido! Bem,
ele devia admirar sua frieza, mas Samantha tinha um outro nome para isso.
Possivelmente, insensibilidade. Ela desejou do fundo do coração que Estelle não
visitasse a escola novamente, enquanto Adam estivesse lá. Tinha um pressentimento
de que, se tivesse que vê-la novamente, a atmosfera de paz e tranqüilidade que
pretendia manter na escola, durante a ausência de tio Edward, estaria em perigo.
Após esse triste início, a festa tornou-se um sucesso. Parecia que Adam estava
se esforçando ao máximo para ser agradável e, sem dúvida alguma, o estava
conseguindo. Samantha apresentou-o a um por um e depois se retirou para ajudar a
sra. Kimble a servir o café e mais sanduíches. Quando a governanta foi para a
cozinha encher o bule, Christine aproximou-se de Samantha.
— Ele está sendo muito simpático, não acha? — disse baixinho e com a voz
cheia de surpresa, com um olhar em direção a Adam, que estava ouvindo o que a
srta. Bayley contava. A pequena Alison Bayley já havia provavelmente se esquecido
da ansiedade temporária a respeito do novo diretor. — Eu até o ouvi se mostrando
um pouco interessado pela motocicleta de Trump — prosseguiu Christine —, e os
convidados estão encantados com ele, você reparou?
— Sim — disse Samantha —, já reparei. — Ela olhou na direção das três jovens
professoras, que olhavam das xícaras de café para Adam, que agora conversava com
o senhor Jones, como sempre um pouco afastado.
— Eu entendo o que você quis dizer com o charme fatal dele — Christine disse.
— É o jeito com que olha para a gente, não é? Os homens com o olhar igual ao dele
são como dinamite. — Ela deu um sorrisinho. — Sorte a nossa, que já estamos
interessadas em outros homens, não acha, Samantha? Caso contrário, correríamos o
risco de cair nas garras dele.
A sra. Kimble voltou, com o bule de café, antes que Samantha pudesse
responder. E, logo depois, Adam, com uma palavra final ao senhor Jones, caminhou
determinadamente para a porta, parando ao seu lado. — Já estou de saída. Por favor,
antes de você se retirar, vá falar comigo. — E, logo em seguida, saiu.
Samantha esperou que a festa terminasse e ouviu as opiniões mais variadas a
respeito do novo diretor. Pelo menos aparentemente, ele obtivera sucesso, como
Chris havia dito. Havia uma atmosfera de alegria entre as mulheres, até mesmo em
Chris, embora ela não o percebesse. Os olhos delas estavam brilhando, suas vozes
mais vibrantes, o movimento de seus corpos um pouco mais consciente. Era isso o
que um homem charmoso fazia com as mulheres? Samantha queria rir, mas sabia
que não havia nada de engraçado ali. Ela mesma não estava imune, admitiu. Tinha
respondido sempre as mesmas coisas para o pessoal e, mesmo assim, ainda sofria
uma pequena turbulência por dentro, só de pensar que ainda iria ao apartamento
dele.
Deu boa-noite, dizendo que tinha algumas coisas para preparar para o dia
seguinte, e saiu da sala. Dirigiu-se para o escritório e lá começou a pensar em tudo o
que acontecera.
Não adianta, disse para si mesma. Ela não iria, repetiu, não iria comportar-se
como uma idiota com esse homem. Ela sabia, através da experiência de Lisa e, de
certa forma, pelo que tio Edward tinha falado, que não havia futuro algum em
apaixonar-se por ele, um homem que estava acostumado a ter todos os tipos de
mulheres aos seus pés. Era óbvio que podia escolher a dedo o tipo de mulher que
queria para casar-se. Mas também estava na cara que ele não pretendia envolver-se,
pelo menos não por enquanto. Samantha continuava com seu ponto de vista à
antiga, a respeito do casamento, e ela não tinha pretensão alguma de fazer parte do
harém de Adam Royle. Na verdade, tinha dó das coitadas das garotas que entravam
para aquele grupo, como a que Lisa tinha conhecido, a garota de Dorset, que ele
tinha tratado de forma tão abominável.
As aulas iam começar no dia seguinte e, daquele momento em diante, o
relacionamento deles seria estritamente o de secretária e diretor. Sem mais jantares
tête-à-tête, com conversas fascinantes a respeito de História. Não mais pequenos
episódios perturbadores e íntimos como o que acontecera no apartamento dele. Não
mais troca de olhares que a faziam tremer de emoção. Iria manter seus pensamentos
apenas na escola, no serviço e em Richard.
Com esta decisão tomada e a cabeça erguida, Samantha dirigiu-se para a sala
de Adam e bateu à porta.
— Entre! — Ela tentou se controlar, com o impacto que a voz dele lhe causava, e
então entrou.
Ele estava sentado numa cadeira almofadada, usando suas sandálias de couro e
um roupão comprido. — Peço desculpas por ter subido tão cedo e, uma vez mais, por
estar vestido desta forma. — Ele indicou o roupão. — Preciso relaxar um pouco. Não
quer sentar-se, Samantha?
— Obrigada, sr. Royle. — Sua voz estava trêmula e ela sentou-se numa cadeira
baixa, do lado da mesa, fingindo não perceber o modo como ele franzira o sobrolho.
— Queria agradecer-lhe por ter sido tão amiga, quando precisei de sua ajuda.
Ela não conseguia pensar em nenhuma resposta que parecesse profissional.
Portanto, não disse nada e manteve os olhos num exemplar da National
Geographical Magazine que estava sobre a mesa.
— Acredito que a festa tenha sido um sucesso, apesar do começo tão chato, não
acha? — disse. — Entendo agora o que você quis dizer a respeito de eles serem muito
amigos. Há uma atmosfera quase familiar.
— E isso é bom ou ruim? — Samantha perguntou.
— Quer saber se eu mudei minha atitude anti-social? — Então ela levantou o
olhar e viu um pouco de ironia nos olhos dele. — Acho que terei que suavizar um
pouco a minha maneira de ser, se é que quero me sair bem até que o sr. Barnes volte.
Você provavelmente me conhece bem, agora, para saber que a idéia não me agrada
muito. No entanto, continuo em débito com o sr. Barnes e não gostaria de lhe criar
problemas. Já sei que ele é mais do que um diretor aqui, nesta escola. É uma espécie
de pai para todos, aqui, não é mesmo? Ou estou enganado?
— Sim, o senhor está certo. Mas não pense que todos os bons diretores são
assim, o senhor deve saber disso, não?
— Sem dúvida alguma, terei que pensar nisso. É claro que nunca pude me
imaginar como um pai. E duvido muito que possa ser domesticado.
Ela se perguntou se ele dava o aviso a todas as garotas que conhecia, no caso de
elas terem alguma idéia mais avançada. Mas disse: — Bem, fico feliz por o senhor ter
mudado de idéia quanto a se manter tão...
— Reservado? —ele sugeriu.
— Se o senhor acha que sim... De qualquer forma, as coisas ficarão bem mais
fáceis.
— Nem tudo, eu acho.
— O senhor quer dizer... seu livro?
— Exatamente.
— Oh, sinto muito! Tinha-me esquecido completamente do seu livro. Por favor,
não me leve a mal e procure me desculpar.
Ele se encostou na cadeira e cruzou as pernas. Ela podia sentir seus olhos sobre
ela. Mas, segundo decidira, não iria enfrentá-lo. Foi aí que ele disse: — Se vou ser a
figura de um pai, em vez de me dedicar ao meu livro, só vejo uma solução. E é
exatamente por isso que eu pedi a você que viesse até aqui.
Então ela levantou os olhos e depois desviou-os novamente, quando encontrou
aqueles olhos escuros fixos nos dela: — A verdade é que... — ele disse — é que
precisarei de ajuda para o meu livro. Uma boa datilógrafa seria um presente de Deus
para mim. Sou péssimo em datilografia e muito lento. Acho que você está fazendo o
possível para facilitar as coisas para o sr. Barnes, não está, Samantha?
— Sim, claro que estou.
— Bem, então, o que você acha? Seria possível me ajudar com o livro todas as
noites? Prometo não retê-la por muito tempo.
Trabalhar como secretária da escola era uma coisa, mas estar com ele, no
quarto dele, todas as noites, fazendo um serviço que teria um sabor muito pessoal,
era outra. As bandeiras vermelhas de perigo pareciam balançar diante de seus olhos.
— Certamente que vou pagar o seu serviço extra.
— Santo Deus! — ela interrompeu. — Não quero ser paga, meu salário é muito
bom.
— Bem, então a idéia de trabalhar depois da hora não lhe agrada?
— Não, não é isso. Não me importo nem um pouco.
— Algum namorado seu não ficaria magoado por não poder vê-la todas as
noites?
— Não — disse firmemente.
— Nenhum namorado? — Ele estava zombando dela. — Você realmente me
surpreende.
Mas uma garota tem seu orgulho. Ela ergueu o queixo e disse: — Não na
vizinhança.
— Ah, sabia que devia ter alguém. Então, qual é a dificuldade?
Ela olhou para ele com uma certa hostilidade. Perguntava-se o que ele iria
responder se ela dissesse: "Você é muito atraente! Tenho medo de ficar ao seu lado
muito tempo e acabar me apaixonando, como todas as outras". Mas disse apenas:
— Não há nenhum problema, desde que isso não atrapalhe as coisas da escola.
Repentinamente ele sorriu e ela percebeu que era a primeira vez que o via
sorrir daquela maneira, parecendo encantado. O livro realmente devia significar
muito para ele.
— Esplêndido! Então poderemos começar amanhã à noite? Sei que amanhã é o
primeiro dia de aula e nós provavelmente estaremos ocupados o dia inteiro;
portanto, não irei prendê-la muito tempo. Apenas para organizar as coisas. Está bem
assim?
— Sim, claro — disse Samantha, levantando-se.
E quando disse boa-noite e saiu da sala, a figura dele, naquele roupão de seda,
seus olhos escuros e seu cabelo desarrumado pareceram ir junto com ela, embora
tentasse dissipá-los, até que, finalmente, deitou-se na cama e caiu no sono.

CAPÍTULO V
Como sempre, o primeiro dia de aula foi muito corrido. Quando a garagem se
esvaziou dos carros de pais, e as crianças pararam de brincar no hall, Adam sentou-
se um pouco mais sossegado para tomar o café que Samantha tinha levado para ele.
Mas, nos momentos seguintes, aconteceu tudo de novo: alunos chegando, malas
sendo arrastadas pelo corredor e, mais uma vez, alguns pais. Durante o dia ela
começou a perceber que, embora Adam Royle nunca tivesse sido um diretor de
verdade, estava fazendo seu papel muito bem. Tinha muito jeito para desfazer-se de
entrevistas demoradas e convencia os pais de que a educação e a formação de seus
filhos seriam cuidadas com muito esmero e carinho, como se ainda estivessem sob a
proteção do pacífico sr. Barnes.
No final daquela longa tarde, Samantha entrou com uma bandeja de chá e
colocou-a sobre a mesa. — O senhor pode descansar agora. — Está tudo sob controle.
Os garotos estão alojados, desfazendo suas malas, e já tomaram um bom café. O
novo aluno, Tomlinson, está sob os cuidados do filho da governanta. No semestre
passado ele era novato e está muito feliz agora, sentindo-se superior. Acredito que
Tomlinson não vai levar muito tempo para fazer amizades. Ele já é bem grande e
parece poder tomar conta de si. Ah, sim: todos os pais já foram embora.
Adam reclinou-se na cadeira. — É uma boa notícia. Acho que a pior parte deste
trabalho é ter entrevistas com os pais das crianças. Fora isto, o resto do semestre
será um brinquedinho de criança.
Todas as boas intenções de Samantha desapareceram. Ele era realmente muito
arrogante para falar certas coisas. Dirigiu-lhe um olhar frio e disse: — O senhor diria
que dirigir uma escola é um brinquedinho de criança?
Ele olhou-a de relance, enquanto ela se levantava da cadeira. — Ah, ah,
novamente colocando as manguinhas de fora! Você sabe o que aconteceu da última
vez.
Ela ficou corada quando lembrou, e uma vez mais pôde sentir os dedos fortes
em seu pulso. Os olhos escuros dele estavam fixos nela, mas ele realmente não estava
bravo desta vez. Ela podia afirmar com segurança por causa do sorriso que bailava
em seus lábios. Estava sendo perturbadoramente condescendente, talvez por que
pensava que ela estava dominada.
Ela então se retirou, fechando a porta. Mas Adam Royle ainda levou alguns
segundos para retornar ao trabalho.
De volta para sua própria sala, Samantha cobriu a máquina de escrever, jogou
fora os papéis sem utilidade e subiu para o seu quarto, que tio Edward tinha
mobiliado com muito conforto, e onde também havia uma pequena sala, com uma
cadeira reclinável e uma escrivaninha ao lado da janela que dava para o jardim dos
fundos.
Ela sentou-se à escrivaninha e pegou alguns papéis de carta. Precisava escrever
para Richard.
Logo em seguida, depois de três tentativas, ela rasgou as folhas de papel e
atirou-as no lixo. Continuou sentada diante de algumas folhas em branco. Era
estranho ela não conseguir escrever uma carta para Richard. Nunca tivera
dificuldade em fazê-lo. O começo era fácil, ela poderia falar a respeito do curso dele,
do catedrático Hayes, e da vida no México. Mas, quando fosse falar dela, seria quase
impossível. Tudo que estava acontecendo parecia estar ligado a Adam Royle. E ela
não podia mencionar que ele estava lá sem dizer que tio Edward estava doente no
hospital e que fora operado.
Samantha suspirou. Era difícil e muito chato ter que esconder tudo de Richard,
mesmo que não estivesse contando nenhuma mentira direta, e esta fosse uma causa
justa. Nem mesmo estava convencida de que era uma causa justa, e tinha discutido
um pouco com tio Edward, dizendo que ela tinha certeza de que Richard gostaria de
saber.
Mas ele não queria de forma alguma que seu filho ficasse sabendo. "Richard
não conseguiria chegar a tempo para ver seu pobre pai antes da operação", ele havia
dito, "portanto, para que deixar o garotão preocupado? Depois... bem, vamos esperar
e ver o que acontece, está bem?"
Ele devia saber que não haveria depois para ele. Mas agora parecia que ia
haver, e Samantha parou de pensar para agradecer a Deus por aquilo. Depois,
resolveu que ia tomar conta direitinho da escola, enquanto ele não estivesse de volta.
E se aquilo incluía ser gentil e útil com aquele arrogante que estava tomando o lugar
do velho... bem, ela ia fazer o possível para agradá-lo.
Colocou o bloco de papel de volta na gaveta. No dia seguinte, tentaria
novamente escrever para Richard. Agora estava na hora de se arrumar para o jantar.
Ela consultou seu relógio e achou que era hora para respirar um pouco de ar
fresco antes do jantar. Lá embaixo, no hall, encontrou a srta. Bayley, esperando do
lado de fora do escritório.
— Ah, srta. Gold! Estive procurando por você. — As faces da srta. Bayley
estavam coradas e seu cabelo estava penteado para cima, num coque todo cheio de
cachos. Sem dúvida, ela estivera vendo revistas de moda. — Estava querendo saber
se não atrapalho, logo no primeiro dia de aula... mas é muito importante, entende?
Porque se eu pudesse começar logo amanhã... depois de obter informações suas, isto
é... se eu deixar para depois elas estarão quase que mortas, e... — ela parou, vendo a
expressão perplexa de Samantha. — Oh, querida! Sinto muito, srta. Gold! Acabei não
me explicando. É a respeito das flores alpinas, você sabe. Elas chegaram pelo correio
em boas condições. Claro que não irão continuar frescas por muito tempo, não é? Eu
estava querendo saber se podia dar uma palavrinha com o sr. Royle a respeito do
meu jardim. Você entende? Se eu pudesse trocar com a srta. Trump, as coisas
poderiam se arranjar. Mas tenho que consultar o sr. Adam Royle a respeito disso,
claro. Por acaso você sabe se ele ainda está em seu escritório?
Samantha pensou rapidamente. Aquela situação era do tipo em que ela teria
que proteger Adam Royle, ela sabia. Se ele fosse participar de toda aquela bagunça
de mudança de horário e outras coisinhas insignificantes, não ia gostar nada. —
Tenho quase certeza... — ela começou um pouco em dúvida.
Naquele exato momento, Adam surgiu à porta do escritório e ficou totalmente
confuso. A srta. Bayley dirigiu-se a ele e logo em seguida já estava dando muitas
explicações e detalhes sobre suas flores alpinas. Ele dirigiu um olhar em direção a
Samantha, que ela interpretou como sendo: "Você devia ter evitado esta coisa", mas
não tinha mais jeito, pois a srta. Bayley estava sorrindo para ele e dizendo:
— Se nós pudéssemos dar uma olhadinha no horário, sr. Royle, tenho certeza
que o senhor iria entender o que quero dizer. Está com o senhor no seu escritório?
Prometo não prendê-lo por mais de dois minutos.
Ela se dirigiu para o escritório, enquanto falava, e Adam deu de ombros e a
acompanhou. Não havia nada que Samantha pudesse fazer. Então, ela foi para o
jardim, onde alguns garotos veteranos estavam começando a colocar em prática o
que estavam aprendendo. Terry Read, o técnico de esportes, estava com eles e
quando avistou Samantha deixou os garotos e aproximou-se dela.
— Olá, Terry. Como foi de férias? Não sabia que você estava aqui.
Terry tinha cabelos vermelhos, olhos castanho-claros e era muito paquerador.
— Vim especialmente para vê-la, querida — ele sorriu, piscando para ela.
— Não me venha com esse papo, Terry, você já devia saber que isso não
funciona comigo.
— É verdade, juro por Deus. E como é que está a minha bela Samantha? Sendo
um conforto e prazer para todos, como sempre? Foi muito chato o que aconteceu
com o sr. Barnes, não foi? Eu não sabia de nada até que você me contou pelo
telefone. É muito difícil de acreditar, ele parecia sempre tão forte, tão bem disposto...
Terry quis saber como tudo tinha acontecido e como estava indo o novo diretor,
e quando ela respondeu suas perguntas ele disse: — E o novo diretor? Que tipo de
homem é ele?
Ela desejou que as pessoas parassem de lhe fazer aquele tipo de pergunta,
porque ela não tinha nenhuma resposta pronta. — Oh, ele é bonitinho. — murmurou.
— Velho ou jovem? Bravo ou manso? Exigente ou moderado? Vamos, diga-me,
Samantha.
Ela riu. — É jovem. Não é muito bravo, mas pode ser.
— Já entendi. Terry terá que tomar muito cuidado, então. Santo Deus, ele não é
do tipo agradável?
Ela virou-se e viu Adam chegando. Ao vê-lo, alto e moreno, o cabelo voando
com o vento, o brilho da noite no rosto, destacando mais ainda aquela expressão
especulativa, seu coração deu um salto e seu rosto ficou vermelho. Ora, que absurdo!
Era apenas uma reação química, que não queria dizer nada.
Mas Terry percebeu. — Oh, Samantha, então as coisas estão desse jeito? — ele
zombou, mas ela não teve tempo de responder, pois Adam já se encontrava a seu
lado. Ouviu sua própria voz apresentando-o a Terry e, depois, deixou-os
conversando sobre cricket e voltou apressada para dentro.
Antes de chegar à porta, encontrou a srta. Trump, toda vestida, usando calça
comprida e uma malha branca. Ela acenou e gritou: — Vou ajudar um pouco os
garotos com o jogo.
A senhorita Trump era uma grande esportista, e a maior parte de seu tempo
livre treinava os garotos em cricket, natação e até mesmo futebol. Terry Read
admitia que ela era realmente boa. Ele havia dito uma vez para Samantha: ''Você
precisa dar um jeito de Trump ser professora de Educação Física, ela é quase minha
concorrente''
Samantha levantou-se nas pontas dos pés e a observou correndo pelo campo de
futebol. Devia ser uma espécie de piada para todo mundo, mas Samantha apreciava
as qualidades dela. Tinha trabalhado dia e noite na época da epidemia de gripe na
escola.
Ela não se juntou logo aos garotos. Parou ao lado de Adam e Terry e, logo, eles
pararam de conversar. Terry dirigiu-se para os garotos e Adam voltou para a escola.
A srta. Trump pareceu confusa por um instante, e então, como uma agulha
magnética, correu para Adam e parou diante dele. Ele também parou e começaram a
conversar. Mas, pelo que Samantha podia ver a distância, a conversa era mais do
lado da srta. Trump. Ela falava animadamente, gesticulando e balançando a cabeça,
como sempre fazia quando estava exaltada. Uma ou duas vezes Adam olhou em
direção à casa. Sem dúvida alguma estava preso lá com a conversa.
Samantha sorriu tristemente. "Os ratos correndo atrás do queijo", pensou, e
entrou na escola.
O jantar, àquela noite, não teve muito assunto. Adam não compareceu; o sr.
Jones estava trabalhando e Christine, sentada na beira da cadeira, esperava pelo
momento que pudesse se levantar para colocar os garotos na cama — e ver se tudo
estava correndo bem com eles.
Muitas vezes ela tinha olhado no relógio e, agora, já se aproximava das oito e
meia. Então, murmurou alguma coisa a respeito de alguns trabalhos para fazer e
atravessou o hall em direção ao escritório. Uma vez lá, pegou um caderninho de
anotações e uma caneta, perguntando-se se iria precisar da máquina de escrever.
Então resolveu levá-la. Depois, mudou de idéia. Deu uma espiada no espelho e,
finalmente, quando já não tinha mais nenhuma desculpa, dirigiu-se para a ala sul,
dizendo para si mesma que era um absurdo ter este sentimento, que a estava
deixando apavorada.
Ela bateu à porta e uma voz terna respondeu: — Pode entrar. Está aberta.
Sem falar com ela, ou levantar o olhar, indicou uma cadeira do outro lado da
mesa, onde ela se sentou e esperou. A espera foi longa. Ele parecia completamente
imerso no que estava escrevendo e completamente ignorante de sua presença.
Começou a se perguntar por que ele tinha pedido que ela fosse lá, se nem sequer
podia olhá-la.
Finalmente, ele depositou a caneta sobre a mesa, colocou o cabelo para trás, e
entregou-lhe o papel em que estivera escrevendo o tempo todo. — Você seria capaz
de decifrar o que acabei de escrever?
Ela examinou o papel, coberto de palavras. As linhas estavam muito próximas
umas das outras, e isto dificultava um pouco. Havia muitos rabiscos, flechas,
palavras escritas umas sobre as outras e indicações de troca total de parágrafos.
Ele estava olhando quando ela franziu a testa. — Não preciso de trabalho bonito
— disse ele. — Apenas alguma coisa que o editor possa decifrar. Tentei enviar-lhe os
originais, como este que você tem na mão. Mas claro que era muito para ele. No fim,
tive que datilografar, eu mesmo, e mandar para um revisor. Com isso, perdi muito
tempo. Se você conseguir decifrar o que está escrito aí, vai me ajudar muito.
— Vou fazer o possível — disse Samantha, lembrando que não fizera mais
cópias desde que terminara o curso de secretária. Muito menos de coisas tão
complicadas como aquelas.
— Você vai encontrar algumas coisas em francês — ele disse, olhando para ela
meio indeciso. — Uma ou duas frases em francês arcaico. Pergunte-me, se tiver
dúvidas.
Samantha datilografou outra página e mais outra. Estava começando a ficar
bem escuro lá fora. Tinha tido um dia muito corrido e ficaria feliz se pudesse parar e
descansar um pouco antes de ir para a cama. Mas Adam Royle estava totalmente
embevecido com seu trabalho agora, dava para perceber. E ela não pretendia
interrompê-lo.
A interrupção acabou vindo de outra direção. Uma batida nervosa na porta,
seguida de outra, e uma voz inconfundível, claro, da srta. Bayley, chegou até eles
como num suspiro: — Sr. Royle! Sr. Royle, o senhor está aí?
Ele levantou a cabeça, mordendo os lábios. Depois com muita raiva, respondeu:
— Sim?
A senhorita Bayley entrou no quarto, timidamente, e parou à porta, seus olhos
pousando na mesa cheia de papéis e em Samantha, sentada diante da máquina de
escrever. — Oh, Deus, vocês estão ocupados. Sinto muito interromper, sr. Royle. Mas
achamos que o senhor devia ser avisado.
— Avisado de quê? Vamos, fale, srta. Bayley. — Samantha percebeu que ele
estava se esforçando bastante para continuar calmo, e teve vontade de rir.
— Bem, são os porquinhos de Fothergill. Antes de dormir, ele pediu permissão
para ver se estavam bem e eu deixei. Mas ele voltou num estado deplorável. O portão
foi aberto e os porquinhos entraram no jardim, sumindo. O pai já foi encontrado,
mas a mãe e os dois porquinhos mais novos ainda estão perdidos, e...
Samantha olhava para o rosto de Adam, um pouco assustada. Mas a voz dele
estava admiravelmente controlada quando disse: — Srta. Bayley, o que quer
exatamente que eu faça com os porquinhos?
— Oh, não são os porcos-da-guiné, sr. Royle. É Potts, o jardineiro. O senhor
entende, ele não quer que eles fiquem lá, mas a governanta insiste que lá é o melhor
lugar. Ultimamente, está ficando muito difícil conversar com Potts. É muito
contraditório, e parece evidente que foi ele quem soltou os animaizinhos. É o único
que deixaria a jaula aberta. Ele diz que estava deixando entrar um pouco de ar nos
pés de tomates, mas não é necessário deixar a porta aberta para isto. E, além do
mais, a estufa fria está sempre fechada durante a noite, nesta época do ano. Nós...
isto é, a srta. Trump e eu, achamos que o senhor devia ser avisado a respeito de
Potts, pois trata-se realmente de um caso de disciplina, não é? Ele não devia andar
fazendo isso. Podia ter acontecido coisa bem pior.
Adam já tinha ouvido o suficiente. Levantou-se e disse muito calmamente: —
Obrigado, srta. Bayley. Agora, pode voltar a procurar a mãe e os bebês. Irei
conversar com Potts amanhã de manhã. Está bem, assim?
— Oh, sim, obrigada, sr. Royle! E sinto muito ter perturbado o senhor enquanto
estava trabalhando. Não percebi — e saiu do quarto se desculpando.
Quando já não era mais possível ouvir os passos dela no corredor, Adam olhou
para Samantha. — Não tenho muita certeza, se poderei passar um semestre aqui e
continuar são. Se não tenho direito a um pouco de paz depois do expediente, em meu
próprio quarto... — ele estava muito irritado, e passou as mãos pelos cabelos. — De
qualquer forma, esse garoto nunca devia ter tido permissão para trazer estes animais
para cá. O que é isso? Uma escola ou um albergue de animais? E por que elas acham
que eu devo me preocupar com essas tolices, tendo tanto trabalho para terminar?
— Não acho que, para Fothergill, a perda dos porquinhos seja uma bobagem. —
Samantha disse baixinho. — Tenho certeza absoluta de que eles significam tanto
para ele quanto o seu livro para o senhor. Provavelmente até mais, considerando-se
as circunstâncias.
Ela pensou que ele fosse explodir, mas tinha que dizer aquilo. Ele não explodiu.
Simplesmente olhou para ela. — Acho que seria melhor você se explicar. Quais
circunstâncias, exatamente?
— Fothergill perdeu a mãe naquele terrível desastre aéreo na Itália, um pouco
antes do Natal. O pai dele estava em outro avião... parece que tinham feito um
acordo de não voar no mesmo avião, até que John fosse mais velho. Uma tia mora
com eles agora, e toma conta de John durante as férias. Ela me parece uma boa
mulher, mas é claro que ninguém é como a mãe da gente.
Levantou os olhos para ver se sua explicação havia suavizado a atitude dele. A
raiva e a irritação tinham desaparecido de seu rosto, mas a boca continuava dura.
— Você tem toda razão — ele disse rapidamente. — Nada substitui uma mãe. —
E da maneira que falou ela imaginou que ele sabia o que era perder a própria mãe, e
teve vontade de se enfiar embaixo da terra, por ter tocado no assunto. Mas não podia
lhe fazer nenhuma pergunta, e ele não se candidatou como voluntário para dar-lhe
qualquer informação. Ao invés disso, para sua surpresa, sorriu. — Está bem
Samantha, você já deu sua opinião. Como qualquer ser humano, devo afirmar que os
porquinhos de Fothergill são mais importantes que meu livro. Portanto — ele se
levantou e se aproximou dela, pelo outro lado da mesa —, o que você acha de
acabarmos com isso e juntarmo-nos aos outro para procurar os porquinhos?
O olhar que ela dirigiu a ele foi cheio de gratidão.
— Oh, sim, obrigada, sr. Royle.
— Seria melhor se você me chamasse de Adam, fora do horário de aulas.
Ele estava parado perto dela, sua malha quase roçando nela, e a aproximação
fez com que seu coração disparasse. Se ela se levantasse da cadeira agora iria ficar
muito próxima dele e aquilo seria muito embaraçoso. Com qualquer outro homem
ela teria se levantado, rindo e brincando. Mas com aquele homem as coisas eram
bem diferentes. Então, sentiu suas mãos em seus ombros e seus ossos começaram a
derreter.
Ela se mexeu na cadeira e o olhar dele, fixo em seu rosto, deixou-a ainda mais
confusa. — O que está acontecendo, há alguma coisa errada? — murmurou como
uma idiota.
— Você sabe muito bem o que há de errado. Você é uma jovem muito
perturbadora para se ter por perto, srta. Gold, e eu sou apenas um humano e um
homem — embora você tenha duvidado do humano novamente — ele acrescentou,
com um franzir de testa. — Portanto, seria melhor nos apressarmos e irmos ajudar a
procurar os porquinhos.
As mãos dele escorregaram pelo seu braço e ele segurou sua mão ajudando-a a
levantar-se da cadeira e empurrando-a, delicado, para a porta. — Pronta para sair? —
ele sorriu. — Segurança primeiro é a minha regra de ouro.
De qualquer modo ela precisava manter-se calma, embora este tipo de encontro
— um tanto intenso — não fizesse parte de sua experiência tanto como para o
homem ao seu lado. Ela nunca havia conhecido ninguém como ele e começou a se
perguntar se não devia prestar mais atenção no conselho de Lisa. Estava surpresa
por descobrir, agora, que ela tinha uma resposta pronta. Quando eles saíram para o
corredor, ela sorriu docemente para ele e disse: — Minha também — e apressou o
passo.
Quando chegaram à estufa fria, no escuro, o pessoal estava todo lá. Dois dos
amigos mais íntimos de Fothergill tinham tido permissão para juntar-se ao grupo.
Christine estava lá e, claro, a srta. Bayley também, sendo que sua voz podia ser
ouvida a distância, dando pequenos gritos de esperança e desapontamento. A srta.
Trump estava a seu lado e caminhavam vasculhando tudo ao redor. Até mesmo o sr.
Jones estava lá, procurando entre as árvores com muito cuidado, com o ar de quem
está procurando algo de muita importância, mas não muito certo disto.
Quando Fothergill viu Adam se aproximando, ele obviamente temeu o pior.
Correu, desculpando-se. — Oh, senhor, eu sinto muito, senhor . Isto não acontecerá
novamente.
Houve um longo silêncio e Samantha quase perdeu a respiração. Ela nunca vira
Adam se aproximar de nenhum dos garotos e portanto não sabia o que esperar.
Quando ele falou foi num tom de voz meigo. — Fothergill!
— S-Sim, senhor.
— Você esqueceu de fechar o portão quando guardou os porquinho esta tarde?
No escuro, Samantha viu que o garoto tinha começado a tremer. Ele estava
preocupado com a perda dos porquinhos, e agora se assustava com a atitude do novo
diretor, tão diferente do sr. Barnes.
— N-não, senhor.
— O portão estava bem fechado quando você saiu?
— Sim, senhor.
— E quando você voltou esta noite estava aberto, e os porquinhos não estavam
mais?
— Sim, senhor.
— Então como você acha que isso aconteceu?
— Não sei, senhor — Fothergill disse tremendo. — Suponho que deve haver
alguma coisa errada com a tramela da porta, ou... ou... alguma coisa.
— Você acha que alguém abriu a porta... de propósito?
— Não, senhor. Por que alguém iria fazer isso? — Fothergill parecia estar
totalmente confuso.
— Muito bem, nós temos que dar uma olhada no trinco, não acha? Agora,
continue procurando os animaizinhos perdidos.
— O senhor quer dizer... que posso continuar com eles, senhor?
— Por quê não? Mas teremos que achar outra casa para eles. A estufa fria não
me parece o melhor lugar. Você pensou o quê? — A voz de Adam estava surpresa,
parecia mais agradável.
— Parkinson me disse que o senhor não ia deixar eu ficar com eles.
— Então Parkinson estava errado, não acha? — Adam disse agradavelmente. —
E, por favor, diga a ele para controlar essa imaginação fértil, daqui para a frente.
Os olhos claros de Fothergill estavam confusos. Então, encontrando o sorriso
de Adam, ele retribuiu radiante e se afastou apressado para se juntar aos amigos.
Se Samantha ainda tivesse alguma dúvida quanto a Adam conseguir controlar
os garotos, estas dúvidas haviam terminado. Nem mesmo o tio Edward teria se
safado do incidente de melhor maneira. Diferente, talvez, mas não melhor. Adam
teria pelo menos um companheiro no primeiro ano, daqui para frente.
Quando eles caminharam para se juntar ao grupo, Adam comentou:
— Sabe, eu achei aquilo bastante encorajador. Você, também?
— Você fala de Fothergill?
— Sim, Fothergill. Eu lhe dei a oportunidade de colocar a culpa em alguém, mas
ele não se aproveitou dela. Gostei do jeito dele. Se há uma coisa que eu admiro no
mundo é a franqueza — ele sorriu. — Você me acha muito puritano?
— Tenho certeza de que tio Edward concordaria com o senhor. E sei que vai
encontrar muitos garotos deste tipo aqui na escola. Espere só para ver.
— E você, Samantha? Concorda comigo?
Que pergunta mais estranha, ela pensou. Levantou os olhos para encontrar os
dele fixos nela, como se sua resposta significasse muito. Se ele não fosse diretor seria
um ótimo advogado, ela pensou. Seu interrogatório com Fothergill tinha sido
soberbo, e agora este...
— Oh, claro que concordo com o senhor — ela disse, como se a resposta não
pudesse ser outra.
Eles andavam devagar em direção ao grupo, quando Adam parou, olhou para
Samantha e franziu a testa. Parecia estar tão compenetrado em seus pensamentos
que nem lhe dava muita atenção.
— Desculpe-me — disse. — Eu estava a muitas milhas de distância daqui. Quer
apostar cinco dólares como vou achar o primeiro porquinho?
E aquilo foi um bom começo, Samantha pensou mais tarde.
CAPÍTULO VI
— Você percebeu — perguntou Christine, servindo-a de chocolate — que já se
passaram dez dias do primeiro semestre e esta é a sua primeira noite livre? O
homem está fazendo você trabalhar muito, não acha, Samantha?
Samantha encostou-se na cadeira de balanço no quarto de Christine e tentou
aparentar que preferia ficar conversando com ela a servir de datilógrafa para Adam
Royle.
— Bem, de qualquer forma ele resolveu me dar folga hoje. Ele foi visitar tio
Edward no hospital. Estão falando em dar alta para ele na semana que vem. Não é
maravilhoso, Christine?
— Certamente que é. Ele se recuperou mais depressa do que esperávamos. Ele
vem para cá, para convalescer?
— Oh, não, ele vai para a casa da irmã, em Devon. Foi difícil conseguir
convencê-lo, mas ele não teve outro jeito senão aceitar. Isso lhe fará muito bem.
Devon vai ser ótimo para ele! Já está dizendo que vai voltar novinho em folha para o
próximo semestre.
Samantha levou o copo aos lábios e bebeu pensativamente. O novo ano escolar,
com tio Edward de volta à direção da escola, significava que Adam iria embora para
sua escola tão grande e importante! Sua personalidade era tão forte que agora ela
não sabia mais como a escola iria ficar sem ele. Nem podia imaginar tal situação.
Christine olhou para ela pensativamente. — Você tem certeza de que não está
trabalhando demais, Samantha? Você parece tão cansada, esta noite. Sabe que está
trabalhando muito mais desde que o sr. Adam Royle velo para cá. E, agora, todo esse
trabalho de noite... Você realmente não devia estar fazendo tantas coisas. Vai acabar
com estafa e tendo que tirar uma licença.
— Não tenho outra escolha, Chris. A coisa mais importante é manter tudo sob
controle e o sr. Royle só tem as noites para trabalhar em seu livro.
— Mas isso é assim tão importante?
— Para ele, é vital. Se tivesse que escolher entre a escola e seu livro, tenho um
leve pressentimento de que escolheria o livro.
— Unh! Que homem mais egoísta!
— Você não acha que todos nós somos? De qualquer modo, ele já estava
trabalhando no livro, e não precisava ter aceito o serviço aqui. — Santo Deus! O que
ela estava fazendo? Tentando defendê-lo?
— Será que ele mesmo não poderia datilografar o trabalho? A maioria dos
escritores faz isso.
— É que ele ganha tempo com a datilografia. Eu consigo decifrar a letra dele e o
pessoal da editora não conseguia. Estudei um pouco de francês e isso ajuda muito —
ela deu um sorriso amarelo. — Devo admitir que, lá pelas dez horas, as teclas da
máquina já estão dançando diante de mim. Mas, depois, parece que acordo. Deve ser
porque estou interessada no trabalho. Você sabe que sempre tive uma paixãozinha
recolhida por História.
Christine passou a lata de biscoitos para ela. — Sim, eu sei. Lembro-me muito
bem como você e o sr. Barnes gostavam de ler História Antiga quando ele estava
aqui. Realmente, não sei como alguém pode se interessar tanto por uma coisa assim.
— Sim — disse Samantha, e mordeu um biscoito, sentindo-se um pouco
culpada porque ainda não tinha escrito para Richard. — Mas o que ele está fazendo é
bem diferente. Muito fascinante — ela sorriu um pouco sem graça. — Desculpe-me,
estou ficando muito empolgada.
— Empolgada apenas com o livro? — Christine perguntou inocentemente. — Ou
estou sendo muito atrevida em lhe fazer esta pergunta?
Samantha ficou um pouco chocada. Christine sempre fora sua amiga e
confidente, embora fosse dez anos mais velha e muito mais experiente que ela. A
pergunta tinha sido feita certamente por curiosidade. Era uma pergunta séria que,
sem dúvida alguma, também exigia uma resposta séria.
— Apenas pelo livro — disse baixinho. — Eu concordo que ele é muito atraente
mas, se uma garota tem juízo, ela não coloca este tipo de atração no alto de sua lista.
Fazer isto seria o mesmo que correr atrás de problemas.
Os olhos castanhos de Christine pareceram um pouco preocupados. — Bem, se
pensa desta forma, então não devo temer por você, não é mesmo?
— Não, não acredito. Não existe nada que não possa ser controlado. — Ele está
muito interessado no livro, para se dar conta de mim. — Desde aquela noite quando
os porquinhos de Fothergill tinham escapado, Adam estava muito diferente com ela.
Estava sendo muito educado e agradável, mas, sem dúvida, tinha colocado uma
barreira entre eles. O que para ela, parecia ser melhor. — Bem, já falei muito de mim.
Agora conte-me suas novidades. Você e Hugh já têm data fixa para o casamento?
Então, a conversa se centralizou em roupas e casamento, até a hora de dormir.

Na manhã seguinte, Adam estava de péssimo humor. Logo depois da reunião,


chamou Samantha e ditou várias cartas em grande velocidade, uma atrás da outra.
Depois, sentou-se, com a testa franzida. Samantha esperou um pouco mais antes de
colocar a pasta diante dele.
— As respostas do nosso anúncio no Suplemento de Educação, pedindo uma
nova governanta — ela disse. — O senhor gostaria de dar uma olhada agora?
— Você e a governanta podem resolver isso sozinhas. Escolha as mais
apresentáveis e marque entrevistas.
— É tudo que o senhor tem a dizer? — ela inquiriu.
Ele ergueu a cabeça sem prestar muita atenção. — O quê? Oh, sim, não preciso
de mais nada.
Samantha levantou-se. — O que o senhor achou do sr. Barnes ontem à noite? —
ele quase nem podia responder de tão irritado.
— Bem melhor que da última vez que fui visitá-lo.
— Oh, que bom — Samantha disse feliz. — Achei a mesma coisa quando fui
visitá-lo, no domingo. Fico feliz que o senhor também pense assim. Acho que ele
realmente está fora de perigo. Até mesmo a irmã está um pouco mais otimista.
Ele concordou com a cabeça. — Eles receberam o resultado de alguns exames
ontem à tarde e eram bem encorajadores.
Depois, ele ficou em silêncio. E ela já estava prestes a sair quando ele disse
repentinamente: — É, ele me pareceu bem melhor. Falou bastante também. Ele me
contou sobre o filho dele, no México.
— Richard? Você o conhece?
— Não, nunca nos encontramos. Mas fico realmente curioso para saber por que
ele não está aqui quando o pai está tão doente.
— Tio Edward não quis de forma alguma que ele soubesse. Só era para avisar se
ele não tivesse se saído bem na operação. Ele me fez prometer que não contaria nada
a Richard, quando escrevesse para ele. Richard estava tão feliz com seu trabalho lá
no México, com o catedrático George Hayes, que titio não quis atrapalhá-lo. Talvez
nunca mais tivesse uma oportunidade como essa.
— Entendo... — disse Adam, e alguma coisa no jeito com que ele disse aquilo fez
com que ela acrescentasse: — Richard é muito bom. Ele recebeu um prêmio em
Oxford. Tio Edward tem muito orgulho dele.
Ele olhou para ela sem sorrir. — E, pelo que pude ver, você também.
— Eu? — ela se sentiu corar. O que tio Edward teria dito para ele?
— Tive a impressão de que você e este tal Richard estão para fica noivos.
Ela quase disse "O que o senhor tem com isto?" mas lembrou da resolução que
tomara, de não dizer ou fazer qualquer coisa que parecesse provocação,
especialmente agora quando eles estavam conversando, amigavelmente.
— Nós somos apenas... — ela começou friamente.
— Bons amigos? — ele interrompeu, com certo cinismo.
Ela ergueu o queixo. — Exatamente — disse. E saiu da sala. Não pretendia, de
forma alguma, falar de Richard com aquele homem.
Quando o primeiro sinal tocou, ele entrou na sala dela e parou ao lado de sua
mesa. — Preciso dar um pulo na livraria. Tente agüentar as pontas se vier alguém me
procurar, está bem? Tenho muitas entrevistas para esta tarde?
— A srta. Griffiths pediu uma entrevista antes de ir embora. Acho que é a
respeito da viagem a Londres. A srta. Jackson vai trazer o programa de música para
que o senhor aprove. Isso às três horas. E a srta. Trump quer lhe falar a respeito dos
uniformes para a festa do Dia dos Pais.
— Oh, está bem. Suponho que será melhor atender — disse, sem mostrar muita
boa vontade. E saiu em direção à biblioteca.
Durante toda a tarde, as mulheres da escola monopolizaram o diretor.
Samantha, de sua sala, as viu chegar e sair. E todas pareceram (embora, talvez,
estivesse sendo precipitada) demorar mais do que o necessário. Quando a sra.
Kimble trouxe o chá dele, às quatro horas, Samantha pediu para ela mesma levar,
pois estava muito ocupada com a datilografia. Aquilo era covardia, admitiu, mas
estava começando a se sentir mal na presença dele.
À tarde, teve que resolver uns assuntos urgentes e ficou afastada dele cerca de
uma hora. Quando voltou, encontrou Alison Bayley saindo dc escritório com o rosto
muito vermelho. Olhou com tristeza para Samantha, cumprimentou-a e saiu
apressada sem dizer coisa alguma.
Era muito estranho que a srta. Bayley não tivesse parado para conversar. Será
que Adam tinha perdido o controle e falado alguma coisa que a ofendesse? Samantha
encheu-se de coragem e resolveu descobrir.
Bateu à porta, e entrou. O diretor estava sentado em sua escrivaninha, o rosto
como o céu depois de uma tempestade. — Sim? — ele disse.
Ela tentou dar muita naturalidade à voz. — Posso dar uma olhada nos boletins?
Estão no seu armário.
De repente, ele bateu com força na mesa. Foi um barulho bem alto. — Bem,
então olhe, droga! Por que diabos tenho que saber de tudo aqui dentro? Não sou
nenhuma secretária. Não estava aqui quando o ano escolar começou e, pelo jeito,
não pretendo ficar aqui por muito tempo.
Samantha sentiu um calafrio percorrer seu corpo. Então era bem pior do que
imaginava. Ele certamente não estaria pensando em deixá-los na mão. Só havia dito
aquilo porque estava irritado com alguma coisa. Mas a possibilidade havia sido
colocada e aquilo a assustava. Se Adam Royle se fosse, tio Edward insistiria em
voltar antes de terminar seu repouso, e ela não queria que isso acontecesse.
Samantha não tinha o costume de pedir nada e não ia pedir a ele, muito menos
para ela. De qualquer forma, a culpada não era ela, e perguntou com seriedade. — O
que aconteceu? Qual é o problema?
Ele pegou uma régua de cima da mesa e, por alguns segundos, ela achou que ele
fosse atirá-la nela. Mas ele bateu com a régua na mão e depositou-a de novo sobre a
mesa.
— Você quer realmente saber?
— Se tem alguma relação com a escola, quero.
— Você não vai gostar. Provavelmente nem vai acreditar. Nem eu posso
acreditar, nunca imaginei enfrentar tanta petulância.
— Conte-me, então — disse, e, num esforço de acalmar a atmosfera, sentou-se
ao lado da mesa, não muito próxima dele. Agora ela não era a secretária, sentiu. Era
a protetora de tio Edward e, como tal, ela estava preparada para se defender.
— São estas mulheres... são muitas... eu lhe disse como as coisas seriam. — Ele
passou as mãos pelos cabelos escuros e eles se espalharam por sua testa. — Elas
vivem arrumando concertos e insistindo na minha ajuda e no meu conselho;
sugerem levar os garotos para algum lugar histórico e tentar me convencer a ir com
elas também; pedem minha cooperação nas coisas mais insignificantes, quando
poderiam muito bem resolvê-las com pessoa de nível mais baixo. Pelo jeito, são um
bando de incompetentes... ou melhor, as mulheres mais ridículas que já encontrei
até hoje.
— É claro que não são incompetentes. Nenhuma delas. — Samantha disse
carinhosamente. — Não podia ser porque estão tentando ser um pouco mais amigas?
— até mesmo para ela aquilo soava estranho.
— Ora... — ele olhava fixamente para ela. — Você não sabe o que está falando,
minha querida srta. Gold. Você não é como elas, não anda correndo atrás de marido.
— Ele levantou-se, dirigindo-se para a janela, e lá ficou olhando para fora.
— Bem, talvez — ela falou desesperadamente. — Talvez elas estejam apenas
tentando fazer seus trabalhos com perfeição e interesse. Por isso é que trazem seus
serviços aqui.
Ele voltou-se e deu-lhe uma olhada que queria dizer milhões de coisas — Se é
assim, então me explique por que a srta. Bayley acabou de me convidar para
acompanhá-la ao teatro — à deux!
Ela arregalou os olhos. Ele aproximou-se da escrivaninha e deu um murro
sobre ela. — Sim, posso lhe garantir. Sim, sim, sim. Outro dia, durante o jantar,
comentei que estava interessado em ver Macheth, no Stratford. Bem, acontece que a
srta. Bayley conseguiu duas entradas para o espetáculo de sábado que vem e queria
saber se eu gostaria, etc. etc. Santo Deus, você consegue me imaginar acompanhando
a srta. Bayley ao teatro. — Tentei ser civilizado com ela. Desculpei-me, dizendo que
tinha muito serviço para fazer. Mas, quando eu vi que não ia adiantar, disse que já
tinha combinado ir com outra pessoa. Ela provavelmente não acreditou e aceitou a
resposta como uma simples desculpa — ele dirigiu um olhar estranho para
Samantha. — Talvez você esteja achando tudo muito divertido, mas eu não. Tudo o
que quero agora é ficar sozinho para poder fazer meu trabalho sossegado; sem ser
obrigado a ser rude, ou ter que arranjar desculpas evasivas o tempo todo. É
desagradável, irritante, chato! — ele afundou-se novamente na cadeira, parecendo
longe dali.
Samantha ficou olhando sem jeito para as costas de suas mãos. Aquilo era pior
do que ela esperava; se ele estava zangado e irritado com apenas dez dias de
permanência ali, então as próximas semanas seriam negras. Pelo jeito, Adam Royle
não ia dar nenhuma sugestão. Ele tinha chegado ao fim da linha e, de agora em
diante, ia começar a tratar o que ele chamava de "mulheres ridículas" à sua maneira.
E estremeceu, ao pensar no efeito que isso teria no moral da escola.
A solução, quando repentinamente surgiu, era tão fora do comum que ela não
ousava parar de pensar nela. — O senhor pensa que as suas dificuldades estão
aumentando porque... o que foi que disse mesmo? Um homem em idade de
casamento?
— Eu não penso que seja por esse motivo — disse. — Tenho certeza absoluta.
Ele ergueu o olhar e, por alguns minutos, seus olhos se encontraram e eles
ficaram em silêncio. Este não era, Samantha sabia, como o outro olhar que lhe
dirigira; agora ele não a estava vendo como uma garota que o atraía apenas por
algum tempo, mas como alguém a quem dera um ultimato e que estava procurando a
solução de um problema.
— Deve ser isso mesmo, o senhor sabe. Então, acho que quanto mais rápido o
senhor arranjar uma pretendente, mais fáceis serão as coisas.
— Oh! — ele parou de andar e sentou-se em sua cadeira, com os olhos
entreabertos, especulativamente. — Isso é muito interessante, muito...
— Bem, pelo menos é óbvio, não é? Se o senhor estiver comprometido com
alguma mulher, as outras não lhe darão tanta preocupação.
— Ora, mas é uma conversa muito agradável! E quem você sugere? A srta.
Bayley? A professora de música? Ou devo me oferecer para compartilhar da moto da
srta. Trump?
Ela prendeu a respiração. — E... eu mesma?
— Não — ele disse violentamente. — Não para cima de mim — ele ia levantar da
cadeira, mas sentou-se novamente.
— Por que não? Todos iriam acreditar, pois sabem que somos muito amigos do
sr. Barnes. Eu faria um grande esforço para defendê-lo, pois trabalho a seu lado a
maior parte do tempo. E o melhor de tudo: você estaria a salvo, bem a salvo
comigo... nunca me apaixonaria por você.
Ele parecia ter readquirido seu cínico autocontrole. Finalmente sua sugestão
parecia ter feito Adam esquecer-se de sua raiva. Ela deu parabéns a si mesma. — Já
que se trata de um assunto que interessa a ambos e desde que estamos sendo
bastante francos — ele disse —, por que não você?
Ela olhou a expressão terna dele com certo descrédito, mas manteve sua
resolução de ser tão honesta e cândida como sabia ser. — Sabe, o senhor tem muitos
atrativos. É bonito, atraente, como já deve saber. É boa companhia e, quando não
está bravo, tem uma conversa agradável. É um bom diretor, e admiro os homens que
são bons diretores.
— Continue — ele disse sorrindo. — Isso é fascinante. Devo imaginar que o pior
ainda está por vir?
Ela deu um sorriso amarelo. — Bem, sim. Se realmente quer saber, é muito
egoísta, auto-suficiente e pomposo. Pelo menos — ela continuou educadamente —, é
o que me parece. Portanto, se sentiria bem seguro comigo. Nunca iria desapontá-lo
com os meus avanços.
Ele cruzou as pernas e recostou-se na cadeira. — Você tem uma certa... hem...
pomposidade, srta. Gold. Mas não importa. Sabe, é muito incomum, mas estou
achando a conversa agradável e refrescante. Mas, por favor, mantenha a reserva. Há
algo muito, muito artificial a respeito disso tudo.
— O senhor acha que é apenas um novo tipo de engodo? — ela perguntou de
maneira agradável. — Não, não é. Sugeri isso porque me pareceu a única forma de
mantê-lo afastado de todos os problemas. De certa forma, afastando-se deles, o
senhor continua aqui na escola. É muito importante para mim, para o bem de tio
Edward e da escola, que tudo corra bem enquanto ele não está aqui. Acho que isso o
senhor pode entender, não é mesmo?
— Hum, muito nobre e digno de sua parte — agora ele estava sendo, como
sempre, muito sarcástico.
— Bem, o que acha da minha idéia?
— Acho desprezível. Só mesmo uma mulher poderia pensar tal coisa.
— Sabe — ela disse friamente —, estou ficando muito cansada desta história de
guerra de sexos. O senhor deseja minha ajuda, sr. Royle, ou não?
Ele continuou a olhá-la, enquanto ela estava em pé no lado oposto de sua
cadeira, esguia e bonita em seu vestido escuro, com o colar de pérolas, os cabelos
louros presos num rabo-de-cavalo, os olhos azuis ainda mais azuis e um olhar
cândido. Então, ele achou necessário levantar-se. Ficou em pé, observando-a. —
Aceito a sua oferta. Quem sabe? Talvez eu tenha vindo aqui não para educar, mas
para ser educado. Por onde começamos?
Ela se sentiu como se estivesse batendo numa porta trancada que
repentinamente se abria, deixando-a sem equilíbrio. Seus joelhos fraquejaram e teve
que se apoiar na mesa. Não podia perder o controle que mostrava ter. — Sugiro
deixar bem claro que eu sou a pessoa com quem você já estava comprometido para ir
ao teatro. E se formos no sábado será ainda mais convincente.
— Será que poderemos conseguir ingresso agora?
— Há sempre alguns que são devolvidos. E se você conseguir falar com forte
sotaque americano tenho certeza que conseguirá.
— Bastante desonesto — ele disse. — Igual...
— ...a todas as mulheres — ela completou. — Vamos deixar isso de lado. Quer
que eu vá tentar encontrar ingressos?
— Parece que não há outra escolha, não é mesmo? Compre os melhores que
você encontrar, não precisa economizar dinheiro.
Quando ela se dirigiu para a porta, ele disse: — Às oito horas, como sempre?
Ela concordou e saiu da sala. Bem, agora estava tudo combinado. Ela fizera o
que podia e teria que esperar para ver o que ia acontecer. De certa forma, era uma
pequena vitória, mas seus joelhos ainda continuavam trêmulos.
O telefone tocou logo depois que ela se sentou. — Escola Preparatória Kings
Worthy. Aqui, quem está falando é a secretária.
— Olá, Sam, você parece muito ocupada! — a risada de Lisa invadiu seus
ouvidos. Depois sua voz ficou mais séria. — Você está sozinha, ou ele está aí?
— Estou sozinha — respondeu Samantha. — Como é que você está Lisa?
— Oh, eu estou bem. Quando é que você vem me visitar?
— Oh, Lisa, perdoe-me, meu anjo. Mas está sendo muito difícil, por enquanto.
Começo de semestre e tudo o mais; estou simplesmente atarefada a todo momento.
— Durante as noites também?
— Sim, durante as noites também, eu acho — ela não procurou dar maiores
informações. — Nossa, mas Robert ainda não chegou?
— Não, ele ainda não voltou, aquele bruto — mas ela não parecia estar muito
desconsolada. — Ele teve que ir para Hamburgo, e achou que não valia a pena voltar
para casa. Me ligou ontem à noite e disse que estará de volta na próxima quarta —
ela deu um suspiro exagerado. — Agora, eu pergunto: de que adianta um marido que
nunca está em casa?
— Pobrezinha! — Samantha brincou com ela, mas alguma coisa na sua voz a
assustou. Será que Roy Mathers estaria consolando Lisa durante a ausência de
Robert? Certamente Lisa não era uma idiota para se envolver com um outro cara.
Talvez se ela visse Lisa... — Vou tentar dar uma passadinha aí qualquer dia destes —
ela disse. — Vou ver que hora eu tenho livre depois que terminar meu trabalho.
— Não — Lisa disse secamente. — Não faça isso. Quer dizer, ligue para mim
primeiro, está bem? E então eu lhe digo se estarei ou não em casa. Pode ser que eu
resolva ir ao cinema ou a qualquer outro lugar, e seria uma maldade fazer uma coisa
dessas com você.
Samantha prometeu telefonar se fosse até lá e ainda conversaram um pouco.
Mas, quando ela depositou o fone no gancho, ainda estava preocupada. Quando elas
eram mais novas, Lisa vivia se metendo em encrencas por causa de rapazes. E muitas
vezes Samantha tinha que interferir. Claro que agora ela estava casada e as coisas
mudavam de figura — ainda mais com um homem como Robert Fielding, que
certamente não suportaria nenhuma bobagem deste tipo. Samantha suspirou e
começou a arrumar sua mesa, ainda pensando no que a irmã mais nova podia
aprontar, caso elas não pudessem conversar.
O dia seguinte era quarta-feira, dia de visitar tio Edward. Ela o encontrou fora
da cama, sentado numa confortável cadeira, tomando um pouco de sol. O quarto
estava cheio do aroma de flores e de barulho de vozes. Ela inclinou-se para beijá-lo.
— Que maravilha encontrá-lo fora da cama! O senhor está com uma ótima aparência.
Trouxe-lhe mais flores; são do jardim perto da sua sala — ela sorriu. — Achei que se
o senhor sentisse seu perfume iria se sentir como se estivesse de volta.
Ela colocou as flores sobre o armário e eles começaram a conversar. Tio
Edward realmente estava com uma aparência ótima.
— E tudo porque você veio me ver, minha querida. Também sou um pouco
ídolo dos pacientes do corredor. Não me atrevo a deixar que o sorriso desapareça de
meus lábios nem um segundo. Ou devo deixá-los tristes?
— Nossa, mas a que chegamos, hem? — ela puxou uma cadeira e acariciou seu
braço. Realmente ele agora parecia o mesmo. Seu rosto estava mais magro, mas
havia saúde no rosado de suas faces e as linhas do sorriso estavam de volta ao canto
dos olhos. — Agora conte-me quais são seus planos. Quando eles vão lhe dar alta?
— Disseram-me que na quarta-feira. Doris vem de Exmouth para me buscar de
carro. É muita bondade dela, mas não me importo de lhe dizer, Samantha, que
gostaria muito mais de voltar para a escola, para me convalescer. Mesmo — ele
acrescentou filosoficamente — que pareça egoísmo, pois será mais uma carga para
você.
— Não, nunca — ela disse firmemente.
— Conheço seu gênio bom, Samantha, e já lhe dei trabalho suficiente. Aliás, já
que estamos falando disso, deixe-me parabenizá-la pelo trabalho que vem fazendo.
Você foi um grande conforto para mim quando fiquei doente, e a culpa é só minha
por não ter imaginado que este problema podia acontecer de uma hora para outra.
Os médicos avisaram, mas achei que poderia dar conta do recado até o fim do ano.
Não fui muito justo com você, mas você foi maravilhosa comigo e eu estou
profundamente grato.
Ela corou de prazer. Era muito raro tio Edward falar de seus sentimentos, e sua
gratidão a comovia muito.
— Eu realmente não fui... — ela começou, mas ele a interrompeu.
— Sem se desculpar. Eu sei o que você fez — sua voz mudou. — Agora me diga
como estão as coisas? Você está se dando bem com o sr. Royle?
— Estamos nos dando. Mas ele não é como o senhor.
— Mais exigente, hem?
— Muito, muito mais. Mas acho que nos damos muito bem. — Que resposta
mais estúpida aquela! Como se alguma vez na vida alguém conseguisse entender
alguém, principalmente um homem como Adam Royle, que parecia ter muitas
facetas diferentes de caráter.
— Ele certamente aprecia você. Esteve me contando outro dia como você o
ajuda com o livro que está escrevendo. Como ele está se saindo com os garotos?
— Muito bem, devo dizer. Ele não aceita nenhuma bobagem deles. Achei que
ele fosse optar pela expressão livre, mas felizmente ele ainda acredita em disciplina.
Sim, acho que os garotos gostam dele. E ele parece estar contente com tudo. É
bastante otimista a respeito das bolsas de estudo.
— Pelo jeito, então, posso ficar tranqüilo. Quando eu estiver em Exmouth vou
escrever para Richard e contar tudo que aconteceu. Espero que ele me perdoe por
não ter contado antes, mas ainda acredito que agi certo.
— Não, eu estive... estive um pouco ocupada na escola — ela hesitou —, e não
seria fácil escrever-lhe sem contar de você. Mas pretendo escrever breve —
acrescentou decidida.
Tio Edward olhava para ela um pouco assustado. — Isso é bom. Sei que ele
gosta muito de receber notícias suas. — Ela teve a impressão de que ele ia dizer
alguma coisa sobre ela e Richard. Mas não continuou o assunto. Ao contrário,
Samantha, então, disse: — Lisa me disse que conheceu Adam Royle há alguns anos
atrás, numa festa de tênis na escola — ela esperava que ele não percebesse sua
ansiedade.
Ele sorriu gentilmente: — Numa das festas de tênis organizadas por sua tia
Betty. Como ela adorava dar festas! Mas não lembro... ah, sim! Acho que agora me
lembro! Foi quando Adam estava escrevendo seu primeiro livro e ficou conosco por
alguns dias, enquanto fazia algumas pesquisas em Warnick e procurava alguns
velhos amigos na redondeza. Betty deu a tal festa de tênis e Lisa foi com uma amiga
da escola. Qual era seu nome? Jennifer? Gillian? Sim, Gillian Cartwright. Ela é
parente dos Cartwrights... você conhece. O Cartwright do quarto ano. Sim, agora me
lembro perfeitamente; era uma linda tarde de junho. Acho que foi a última festa de
tênis que sua tia deu — seu rosto ficou repentinamente triste. E Samantha,
observando-o, não fez mais perguntas, embora ela estivesse louca para saber de
tudo. Logo depois, se despediu:
— Adoraria poder ficar até a hora do sinal, mas tenho que voltar pela estrada
Stratford, para comprar alguns ingressos para Macbeth. Se dissesse para ele que ia
com Adam, teria que responder a algumas perguntas. Os professores sempre se
reuniam para ir ao teatro juntos, e tio Edward acharia que desta vez também era a
mesma coisa.
— Cá estão os livros que o senhor pediu, e dois pacotes do seu biscoito predileto
— ela colocou-os sobre a cama. — Vou manter contato com o pessoal daqui para
saber quando o senhor vai embora. Trarei suas roupas e tudo que o senhor possa
precisar e que também queira levar para Devon, está bem?
Ele tomou sua mão e segurou-a por entre as suas. — Deus a abençoe,
Samantha. Você será uma esposa maravilhosa para algum rapaz de muita sorte.
Ela riu e beijou-o, despedindo-se. E depois saiu do hospital. Mas, quando parou
à porta para acenar-lhe, ela sabia que ele queria dizer Richard, que ele esperava que
seu filho fosse o ''rapaz de sorte" e que iria ficar muito desapontado se estivesse
errado. Desejou ardentemente não ter que desapontá-lo, mas não sabia — ela não
sabia. Enquanto se dirigia para o estacionamento, pensou em Richard e tentou
lembrar exatamente como era ele, o formato de seu rosto. Ficou um pouco surpresa
quando percebeu que não conseguia.

Samantha dirigiu pela estrada movimentada, pegou os ingressos no teatro e


sentou-se um pouco no gramado ao lado do rio, observando os gansos. Pensou na
informação que tinha obtido de tio Edward a respeito da festa de tênis, há quatro
anos atrás. Não era muito... tio Edward estivera mais interessado nos livros do que
em assuntos românticos — mas aquilo que ele dissera parecia confirmar a história de
Lisa, e deu uma dica para Samantha identificar a garota que tinha se apaixonado por
ele e que tinha sido tão desprezada depois de algum tempo de namoro. Jennifer
Gillian? E ela era parente do Cartwright da quarta série. Devia ser muito nova e
inexperiente para não perceber como Adam era. Uma garota precisava ter muita
força de vontade e experiência para não cair nas teias de Adam. Veio-lhe à cabeça
Estelle Norton — gentil, cabelos claros, passiva como um gato.
De qualquer forma, ela tinha se saído bem aquela tarde. E certamente não tinha
ilusões a respeito dele. Ela era fria, não era? Uma garota fria que jamais iria se
dobrar diante de um homem. Fria, como aquele ganso no rio, deslizando suavemente
na água. Samantha deu de ombros e voltou para o carro.
Logo que chegou na escola foi procurar Christine, e finalmente encontrou-a no
quarto, contando os lençóis.
— Olá, onde é que você esteve? A sra. Kimble procurou você. É alguma coisa
relacionada com detergentes para a máquina de lavar pratos.
— Fui ao hospital visitar tio Edward — Samantha lhe disse. — E pegar isso —
ela balançou as duas entradas de teatro diante dos olhos de Christine.
Christine colocou uma pilha de lençóis num canto e olhou os ingressos. —
Hum, fileira da direita, na frente. Belo trabalho! Pelo jeito você não vai com as
garotas...
— Não, vou como meu chefe — Samantha sorriu.
— O sr. Royle? — Christine olhava-a sem poder acreditar. — Aconteceu
depressa, não? Pensei que você tivesse dito que...
— Espere aí! Não é o que você está pensando! Faz parte de um plano sujo —
meu plano — e quero contar com a sua ajuda,
— Não era fácil explicar aquilo para Christine sem apresentar Adam num
ângulo desfavorável. Mas ela fez o melhor que pôde, e felizmente Christine tinha
sentido na própria pele o que estava acontecendo. — Não estou surpresa — disse. —
Um homem tão atraente como ele não pode esperar ficar em paz para escrever seu
livro. Mas não estou muito feliz com a solução que você arrumou, Samantha.
Continuo achando que você está brincando com fogo. E, do fundo do coração, espero
que você não se queime.
— Não! — Samantha respondeu. — Ele nunca iria...
— Oh, não quis dizer que vai fazer alguma coisa com você! Estou muito mais
preocupada com o seu coração do que com a sua castidade. — Christine era
enfermeira e se expressava como tal. — Mas, se você está mesmo decidida a levar
isso adiante, vou fazer tudo para ajudá-la. Não é difícil espalhar isso para todos.
Na hora do jantar, Samantha percebeu que os comentários já haviam
começado. Alison Bayley tinha evidentemente se decidido por uma desforra pois,
entre os intervalos da refeição e da sobremesa, ela inclinou-se sobre o sr. Jones, que
estava sentado entre elas, e disse claramente: — Ouvi dizer que você vai assistir ao
Macbeth com o diretor, no sábado, srta. Gold. Que coincidência! A srta. Trump e eu
também vamos. Procuraremos por vocês.
Aquilo foi dito com muita coragem, tentando obter alguma resposta
convencional. Ela se perguntou quantos desapontamentos anteriores a outra já teria
passado. Devia ter mais de trinta anos, Samantha sabia disto. E sabia também que
passara sua juventude tomando conta dos pais doentes. Portanto, não seria surpresa
se agora estivesse um pouco chateada e desesperada, à procura de um homem para
se casar.
Do outro lado da mesa, Emily Mason e as outras duas professoras, que tinham
ficado na escola para uma reunião, deviam ter ouvido o que a srta. Bayley havia dito.
E, na certa, tiraram suas conclusões, porque estavam todas olhando para Samantha
como se ela tivesse tirado a sorte grande. Era muita sorte, ela pensou, que tudo
aquilo tivesse acontecido numa noite em que todos estavam reunidos para o jantar.
Exceto Adam, claro. Ele comeu em seu próprio quarto, com livros espalhados por
todos os cantos.
Ela contou tudo para ele mais tarde, quando acabou de datilografar o que tinha
para ser datilografado. — Todos já sabem que vou com você ao teatro, no sábado à
noite. Portanto, já temos um ponto a nosso favor. Vamos esperar um pouco para ver
se elas entendem e o deixam em paz.
Ele afastou a cadeira e esticou as pernas: — Você faz as coisas parecerem um
jogo sujo. Estou me sentindo um troféu de ouro num fim de jogo.
— É o preço que você tem que pagar por ser considerado um homem atraente e
em idade de casar.
— Não é bem assim — ele olhou para ela com os olhos semicerrados, cobrindo a
máquina de escrever. — É o preço que tenho que pagar por estar fazendo um favor
para um amigo.
— Você não pode dizer que seja uma satisfação e também um desgosto. Ou é
um desgosto, ou uma satisfação. Os dois não pode ser.
— Acho que devo optar, então, pelo desgosto. Parece mais apropriado e ainda
evita comparações, não concorda?
Ele estava sorrindo, mas repentinamente ela teve que ser um pouco mais fria.
Trabalhar com ele durante todas estas noites fez com que se aproximassem mais. E,
agora, ela já tinha coragem de dizer, se bem que muito séria: — Você realmente
despreza as mulheres tanto assim?
Ele sorriu. — Não. Não que eu as despreze. Apenas não confio nelas.
— Em nenhuma mulher? Jamais confiou?
Ele sacudiu a cabeça. — Nenhuma. Nunca.
Era uma daquelas conversas onde tudo que era importante ficava resolvido por
palavras. Mas ele evidentemente não tinha intenção de continuar com o assunto.
Tirou a carteira do bolso e se ofereceu para pagar as entradas do teatro.
— Obrigada.
Ele levantou-se, olhando-a no rosto. — Não fique magoada, Samantha. Agora
você já me conhece, e eu não incluí você.
— Não estou magoada — ela balançou a cabeça —, estou apenas triste, por você.
E pensou no poema de Masefield, que tio Edward vivia declamando. Comentou isso
com ele. E, quando ele pediu que declamasse para ele, sua voz era grave e quase
gentil.
— Não sei se me lembro de tudo. Lembrei-me dele quando você disse alguma
coisa a respeito do troféu de ouro. — E começou:
Já vi flores nascerem entre as pedras.
Vi a bondade ser praticada por homens duros
E o troféu de ouro ser ganho pelo pior cavalo.
Portanto eu também confio.
Ela esperou um pouco mas, como ele não disse nada, ela saiu da sala em
silêncio e fechou a porta.

CAPÍTULO VII
O sinal tocou finalizando o primeiro período da sexta-feira de manhã. De sua
sala, Samantha ouviu a porta do salão de jogos ser aberta com força. O primeiro ano
tinha terminado as aulas de Educação Física e, evidentemente, os garotos estavam
muito animados. Ouviam-se os pulos e os tombos no hall, e as vozes altas e alegres,
indicando que os doze saudáveis moleques estavam sozinhos, sem supervisão.
Em trinta segundos o barulho tinha aumentado, transformando-se num
pandemônio. Onde estava Terry Read?, Samantha se perguntou. E por que ele não
estava tomando conta dos garotos? Se aquele barulho todo chegasse aos ouvidos de
Adam, ele iria repreendê-los severamente.
A porta do escritório se abriu e Adam surgiu como um esquilo assustado que
havia pressentido algum perigo. — Que diabos está acontecendo aqui? Onde está
Read?
Aquilo não era responsabilidade de Samantha. Portanto, ela não disse nada.
Então, Terry Read apareceu no hall, erguendo a voz.
— De volta! De volta para seus lugares, todos vocês! — E, com uma voz de
trovão: — Quem foi que abriu a porta do ginásio sem ordem? Quantas vezes eu
preciso dizer que não podem fazer nada antes de eu dar a ordem?
Um sufoco sugeriu que alguém tinha se machucado. Depois, o barulho cessou.
Adam estava parado à porta do escritório. Mas, quando ficou claro que Terry tinha
assumido o controle da situação, se afastou.
— É... parece que ele conseguiu controlar as coisas, agora. Vou deixar passar.
Mas não quero que este tipo de comportamento aconteça novamente, muito menos
em frente à diretoria.
O único barulho agora vinha dos passos dentro do ginásio de esportes e de
algumas ordens de Terry Read. Depois, tudo ficou em silêncio.
Adam voltou para o escritório e, nisso, parou. Um som vinha de algum lugar
próximo da porta. — Um gato?
— Se for, deve estar machucado. E não deve ser daqui, pois o que tínhamos
morreu no ano passado.
Ouviram o barulho novamente, parecia mais um gemido. — Não queremos
gatos estranhos aqui! — disse Adam, e abriu a porta, olhando ao seu redor.
Samantha fez o mesmo.
Olharam atrás da porta do escritório, da porta da diretoria e do corredor que
levava para a entrada da sala de reunião. Adam estava parado à porta do hall e
Samantha ouviu-o dizer: — Que diabos, o que você está fazendo aqui?
Uma pequena figura magra se levantou. Estava de uniforme de ginástica e
tênis. Adam levantou a cabeça dele. Era James, o filho de Christine.
— O que foi que aconteceu? Está se sentindo mal? — A voz dei Adam não era
dura.
— Nã... não, senhor. — Samantha percebeu que ele tentava desesperadamente
controlar as lágrimas.
— Então o que fazia lá naquele canto?
Estava claro que James tinha sido criado como um pequeno animalzinho e
costumava se esconder no primeiro lugar que encontrasse. Mas Adam não ia
permitir que ele fizesse aquilo lá na escola.
— Vamos, o que você estava fazendo lá? Diga-me.
James deu um sorriso sem graça, tentando de todas as maneiras se controlar. —
Eu... eu devo ter escorregado, senhor.
— Escorregado? — A voz de Adam era como a de todo diretor, quando percebe
que lhe contaram uma mentira. — Vamos, Phillips, é melhor você pensar numa outra
história para contar.
— Sim, senhor. A gente estava correndo, entende?, e Forrester caiu sobre mim
e... e o assoalho estava escorregadio e eu escorreguei... e... e... e eu bati a cabeça na
parede e acabei ficando aqui.
Adam continuou olhando para ele. — Ninguém estava correndo atrás de você?
Empurrando de propósito?
— Não, senhor. Eu escorreguei.
— Hum, entendo. E sua cabeça não está doendo? Onde foi que você se
machucou?
—Não, senhor! Está tudo bem agora.
— Está bem, então corra e vá se juntar ao resto do pessoal.
James hesitou por alguns instantes, parecendo estar a ponto de dizer alguma
coisa. Depois mudou de idéia e dirigiu-se para o corredor. Adam fechou a porta do
escritório pensativamente. — Parece um coelhinho assustado! Ele não é novo aqui,
é?
— Não, ele veio para cá o semestre passado. Mas acho que ainda não se
acostumou. É um dos garotos mais sensíveis daqui, e um dos melhores alunos. É
filho da enfermeira... pensei que o senhor soubesse.
— Sim, eu sei. Ela vai lhe dar um padrasto e ele deve estar bastante confuso. Ele
gosta de jogos? Sabe se tem algum hobby? Alguma coisa pela qual realmente se
interesse?
— Ele é apaixonado por química, mas ainda não pode estudar porque está no
primeiro ano.
Adam estava em pé diante da janela e continuou olhando para fora, com as
mãos nos bolsos. Finalmente, disse: — Vou falar com o sr. Jones. Vou ver se consigo
que ele passe algum tempo livre no laboratório, mesmo que seja para olhar o que
anda acontecendo. Não gosto de ver um garoto tão triste como ele estava. — Disse
isso como se soubesse o que um garoto triste sentia. Pela primeira vez Samantha se
viu perguntando sobre a família dele, sua infância, enfim, toda a sua vida.
Mas se Adam ficou pensando no passado não foi por muito tempo. — Tenho
uma aula vaga agora — disse, de repente. — Tem alguma coisa que eu precise ver
com urgência? Ou alguém?
Ela consultou o caderno de apontamentos. — Nada — respondeu.
— É, parece que seu esquema já começou a funcionar. — Ela não gostou muito
da ironia, mas não se surpreendeu. Ele acreditava que todas as mulheres
atrapalhavam, e, para ele, ela não era exceção. Sem dúvida ele achava que, com
aquela decisão, estava planejando ter alguma coisa com ele.
Fechou o caderno de anotações e colocou-o de volta na escrivaninha. — Bem,
era exatamente isso o que queríamos, não?
Ele deu um dos seus sorrisos mais enigmáticos. — Para dizer a verdade, era.
Mas, como recompensa pela inteligência, garota, eu lhe darei folga na parte da tarde.
Preciso checar aquela parte que vimos ontem à noite sobre as escolas religiosas, e
acho que vou encontrar o que procuro num dos manuscritos no meu esconderijo.
Você gostaria de ir para Cotswolds, Samantha?
Do lado de fora, as flores tinham uma cor dourada e a grama brilhava, de tão
verde. O sol parecia querer se esconder. Era a primeira tarde de verão pra valer. —
Gostaria muito — disse Samantha.
— Ótimo. Você então pode me levar lá? A garagem está demorando para me
entregar o carro, e estou a pé. Ainda falta consertarem algumas coisas.
Era estupidez sentir aquela ponta de tristeza. Claro que ele não a havia
convidado pela companhia, apenas para usar seu carro. — Pode levar o Mini, não
tem a menor obrigação de levar a dona também.
Ele olhou diretamente para seus olhos. Depois disse baixinho: — Eu perguntei
se você me levaria lá. Você pode me levar?
Ele tinha o péssimo costume de deixá-la sem jeito. — Claro, se confiar em mim
como motorista... — disse.
Seus olhos continuavam encarando-a, e ela viu a raiva aparecer neles e ir
embora novamente. Quando falou, sua voz era suave e desinteressada. — Talvez eu
queira descobrir se sua habilidade como motorista combina com suas outras
qualidades. Agora, veja se consegue encontrar o sr. Jones, está bem? Assim eu o
deixarei como responsável pelo serviço e aproveito para falar com ele a respeito de
Phillips. Podemos partir logo que você esteja pronta. Pegue alguns sanduíches para
comermos no caminho.
Aquilo era uma ordem e Samantha saiu para fazer o que ele tinha mandado.
Depois de encontrar o sr. Jones e de dar-lhe o recado, subiu apressada para seu
quarto e trocou as roupas de trabalho por um gracioso vestido azul de verão, com
uma jaquetinha. Retocou a maquilagem rapidamente e percebeu que seu rosto
estava mais corado. Se Adam pretendia manter o duelo, ou seja, o desafio, então ela
ia lutar com todas as armas.

Adam estava esperando do lado de fora, encostado no carro, quando ela saiu.
Tinha trocado de roupas, também. E, agora, estava com uma calça clara e uma
camisa com mangas arregaçadas. — Que caminho gostaria de fazer? — perguntou,
enquanto abria a porta do carro para entrarem. — Acho que o mais rápido é por
Fosse e, de lá, Stoy. Mar não estamos com pressa, estamos? E seria agradável ir pelas
colinas, depois que sairmos da estrada principal.
— Para mim está bem. O Mini já sabe o caminho, e acho que irá sozinho até
Fosse.
Ele riu, e ela teve a impressão de ter dito alguma coisa divertida, que ajudou a
suavizar a partida. O corpo de Adam ia próximo ao seu, pois o carro era pequeno e,
todas as vezes que ela fazia uma curva, seu cotovelo roçava o joelho dele. Ele a olhava
com um olhar crítico, mas ela se concentrou o máximo que pôde e, depois de alguns
minutos, começou a relaxar e a se divertir.
O Mini saíra da revisão havia poucos dias e, agora, deslizava pela estrada como
um pássaro. Samantha tinha tirado a jaqueta e o sol quente queimava a pele de seu
braço. O vento suave batia em seus cabelos, fazendo-os voar. Quando passaram pelo
espinheiro alvar, repleto de flores brancas, e o perfume penetrou no carro, ela sentiu
uma felicidade repentina por estar viva. — Não está um dia maravilhoso?
— Lindo — concordou Adam. E, como estava prestando atenção na estrada, ela
não percebeu que ele não estava olhando para a paisagem. Seus olhos escuros
estavam fixos em seu rosto com uma expressão que a teria deixado muito sem graça
se ela tivesse visto.
— Você gosta de guiar?
— Oh, sim, gosto. Foi uma batalha comprar meu carro próprio e aprender a
guiar. A última vez que Richard Barnes esteve aqui, de férias, me ensinou a guiar. Ele
é um ótimo instrutor. Nunca se zanga e, sem dúvida, é muito paciente.
— Verdade? — O tom de voz de Adam era seco. E, depois daquilo, ficaram em
silêncio até chegarem em Stratford-on-Avon. Adam sugeriu que comessem alguma
coisa no bar, e quando voltaram para o carro Samantha insistiu: — Você já teve
tempo para saber como eu guio. E, se quiser ir guiando daqui para a frente... acho
até que seria melhor.
— Como você quiser. — Ele saltou do carro e sentou-se ao volante, enquanto ela
ocupava o lugar ao lado. Ao procurar o freio, sua mão roçou nos joelhos dela, e ela
sentiu o sangue subir ao rosto. O carro era muito pequeno e aquilo era inevitável,
mas não sabia dizer se era de propósito ou não. Daquele homem se podia esperar
tudo e ela estava de orelhas em pé. Ele não ia fazê-la passar ridículo, disso tinha
certeza.
— Não se preocupe, Samantha, foi totalmente acidental — disse ele, olhando-a
com o canto dos olhos.
Que homem mais desgraçado, que conseguia ler seus pensamentos! Será que
sua arrogância não tinha limites? Ela virou a cabeça, desejando não ter vindo.
— Não fique ofendida, Samantha. — Sua voz estava baixa e interessante. — Não
neste dia tão maravilhoso de verão. Posso assegurar-lhe que minhas intenções são as
melhores possíveis, embora incríveis. E digo incríveis porque você é muito bonita, a
ponto de me fazer perder a cabeça. Mas, quando chegarmos à minha casa de campo,
estarei preocupado com outras coisas.
Claro, o livro! Ele nunca permitiria que uma mulher viesse antes daquilo.
Adam sentou novamente no banco, colocando os pés nos pedais e examinando
o painel com interesse. — Agora me diga como é que essas coisas funcionam. Nunca
guiei um treco desse antes.
E aquilo, ela pensou, estabelecia o tom para o resto do dia: cooperação
amigável no interesse de seu trabalho, e, definitivamente, nada de romances. Como
se ela estivesse esperando, pensou com desprezo. Ou querendo alguns ataques
românticos da parte dele! Mas era muito insensível, em seu conceito masculino.
Nunca sonharia que alguma garota resistisse aos seus encantos se se mostrasse
interessada por ele. E quase desejou ter a oportunidade de mostrar que havia pelo
menos uma garota capaz de resistir ao seu charme fatal.
Adam parecia totalmente desligado dos sentimentos que estavam ocorrendo
nela. Aparentemente, estava dominando o Mini. — Fácil, muito fácil. Agora vamos
ver como ele reage nas colinas.
Deixaram a estrada principal, que, como Adam observou, era cheia de placas
para turistas, e seguiram por Chipping Campden, que não era nada disso. — Você
sabia — disse Adam, enquanto seguiam pela High Street — que G. M. Trevelyan diz
que este é o povoado mais bonito da Inglaterra? Está cheio de história! Olhe o velho
mercado. Soberbo!
Samantha esqueceu que o homem ao seu lado era o indivíduo mais insano que
conhecia, e, cheia de entusiasmo, pela própria paixão por aquela parte da Inglaterra,
que conhecia melhor, começou a conversar.
Logo eles deixaram o povoado para trás e começaram a subir as colinas. — Para
onde exatamente estamos indo? Sua casa de campo fica em Stow?
— Fica bem fora de Stow — ele riu. — Para falar a verdade fica quase fora do
mundo. Nos dois sentidos. Espere e verá. Estamos quase chegando, já está bem
perto.
Depois de mais alguns quilômetros, ele virou o carro e entrou numa estradinha
estreita que subia cada vez mais. Samantha nunca havia estado tão alto antes, e o
vasto panorama que se apresentava diante de seus olhos fez ela prender a respiração.
— É como estar no topo do mundo. — A paisagem era encantadora: árvores de todos
os lados, como um tapete verde; e, bem lá embaixo, campos que se estendiam no
horizonte. Parecia bastante quente. Mas, lá em cima, nas colinas, fazia frio. Adam
dirigiu ainda uns dois ou três quilômetros, onde o chão parecia mais seguro, e
brecou diante de uma casa de campo, de pedra. Samantha sentiu certa alegria, como
se estivesse bebendo champanhe.
— Cá estamos — disse ele, com a voz cheia de orgulho. — O que você acha?
Ela saltou do carro, contente como uma criança. — É perfeita! Mal posso
esperar para ver como é lá dentro.
— Era uma casa de pastor. Um amigo meu, que trabalha na televisão, comprou-
a há dois anos por um preço bastante baixo. Não chegou a modificá-la muito. Apenas
construiu o que era necessário, fez alguns arranjos e consertou o telhado. Estas casas
são construídas para resistir muito tempo. Vamos entrar e você verá.
— Santo Deus, como foi que conseguiram colocar tudo aqui dentro? —
Samantha estava encantada e Adam contou que a maior parte das coisas tinha sido
construída lá dentro mesmo.
— E, se alguém quiser retirar as coisas que estão aqui, a casa terá que ser
destruída. Caso contrário, não será possível levar nada. Bem, pelo menos acho que é
assim.
— Oh, mas ninguém ia querer fazer isso. Seria um crime! — E passou a mão
pelas esculturas da cama, com carinho.
— Isso vem de um coração sensível ou é apenas um sentimento histórico?
— Ambos, espero. O que foi que aconteceu com seu amigo. Como é que ele teve
coragem de perder este lugar?
— Força das circunstâncias. — Ele balançou a cabeça tristemente. — Ele teve
problemas com as coronárias o ano passado. Largou tudo e está vivendo no sul da
França. Quando ouvi dizer que ele pretendia se desfazer dela, agarrei-me de carne e
unhas no negócio.
— E agora é o seu lar?
— Um centro permanente. Sempre gostei de viver um pouco afastado do
emprego. Tenho um apartamento em outro lugar, mas acabo sempre voltando para
cá, para poder trabalhar com o meu livro em paz. Aliás... — ele sorriu triste e
acrescentou: — já estava tudo preparado para eu vir trabalhar aqui no meu livro,
quando o sr. Barnes me telefonou desesperado, dizendo que precisava da minha
ajuda.
Eles desceram para o andar de baixo, para a sala de visitas que havia se
transformado num escritório, com estantes construídas nos cantos das paredes e
acima da lareira e das janelas. Havia duas cadeiras de madeira no meio da sala e
outra encostada na parede. Adam abriu as janelas, e agora o sol penetrava na sala. O
ar frio e agradável das colinas impregnava o ambiente deixando-o tão puro quanto a
natureza.
— Agora posso entender melhor por que...
— Por que me queixo tanto da Kings Worthy? — os olhos dele brilhavam sob os
longos cílios.
— Mais ou menos...
— Bondade sua dizer isso. Particularmente, não gosto das mulheres de Kings. É
uma questão de preservação. Mas estou seguro ao seu lado, não estou, Samantha?
Você parecia estar muito certa disso. — Ela ouviu a ironia daquela voz. —
Perfeitamente seguro — ela o encarou com segurança, imaginando se ele nunca
deixava de zombar das mulheres.
Houve uma pequena pausa, depois ele voltou para a escrivaninha. — Ótimo!
Então agora basta para o resto do dia. Pode fazer o que quiser, enquanto arrumo
umas coisas aqui. Mais tarde irei procurá-la.
Ela o deixou e saiu para explorar o resto da casa, onde uma cozinha moderna,
um vestiário e um banheiro haviam sido construídos recentemente. A cozinha estava
equipada com um fogão a gás e até mesmo um exaustor, e as prateleiras estavam
repletas de latas, caixas e pacotes. Ela duvidou se teria sido mesmo Adam quem
tinha comprado toda aquela carne, patês, salsichas, lingüiças, cremes, frutas e todo o
resto. Dava para fazer um jantar para eles, pensou. Pelo jeito, Adam era bastante
organizado. Ou talvez não tivesse sido ele. Talvez a tal Estelle Norton tivesse
organizado tudo para ele. Samantha lembrou que no dia em que ele a levou na
escola, havia passado a noite lá. Talvez não tivesse ficado sozinho. Ela pensou na
cama de casal e depois tentou desviar o rumo de seus pensamentos. Não tinha nada
a ver com a vida particular dele. Claro que havia garotas na vida dele — o caso era
que ele não queria casar com nenhuma delas. Estelle Norton devia aceitar aquele
tipo de situação. Ela devia defender seu ponto de vista da mesma forma que Adam
defendia o dele.
Afastou os pensamentos de Estelle, saiu pela porta dos fundos. Lá, uma grande
parede de pedra ocultava um pátio, um pequeno forno, algumas ferramentas, e uma
pilha de capim num canto. Do outro lado, havia uma grande casa de cachorro
abandonada, e a grama quase cobria a entrada. Samantha passeou pela casa toda,
depois resolveu explorar as colinas. Sentou-se numa pedra, e ficou examinando a
paisagem, pensando no pastor que havia morado naquela casa muitos anos atrás.
Será que ele tinha sido feliz naquele lugar tão remoto, com seus carneiros e seus
cachorros? Era um solitário como Adam, ou morava com uma esposa e filhos, todos
espremidos na pequena casa?
Começou a pensar no pastor, e passou a ver o rosto de Adam, com seu corpo
forte. Ela o viu vindo pelas colinas, cansado e com frio, talvez trazendo algum
carneirinho recém-nascido...
— Samantha! — A voz de Adam fez ela voltar à realidade. Vinha descendo a
colina em direção a ela. — Já encontrei o que procurava nos manuscritos e,
repentinamente, tive vontade de ficar trabalhando. Você se importa de ficar mais um
pouquinho aqui? — Consultou o relógio. — Ainda não são cinco horas. Podíamos
ficar trabalhando mais umas duas horas e depois comeríamos alguma coisa. Tenho
certeza de que você encontrará algum enlatado para preparar um jantar, não acha? E
assim nós ainda chegaremos à escola cedo, ou seja numa hora boa. O que lhe parece?
— Você que sabe — disse Samantha. — Você é o patrão.
— Assim não — ele deu um sorriso. — Isso não é o tipo de coisa que gosto de
ouvir. — Ele estava fazendo piada, agora. Talvez a "coisa" antifeminina não fosse
assim tão séria. Mas era absurda a maneira com que seu coração batia. Foram para
casa.
— Você podia telefonar para o sr. Jones avisando que vamos ficar um pouco
mais aqui e para ver se tudo está bem — ela sugeriu.
— Você está brincando. Faz idéia de quanto custaria trazer um telefone para cá?
E, depois, comprei este lugar para me livrar dos horrores tipo telefone. — E riu. —
Nós deveríamos tentar encontrar um tambor, então assim mandaríamos a
mensagem.
A colina era escarpada perto da casa. Ela tropeçou numa pedra e o braço de
Adam a segurou. Enquanto terminavam de descer, não fez menção de retirá-lo. —
Não se preocupe, Samantha. Eles vão se virar sozinhos desta vez. — Sua voz era
calma e agradável. Parecia que eles se conheciam havia muito tempo. Ele realmente
estava cumprindo a sua parte do trato, e ela, por seu lado, iria cumprir a dela. Seria
agradável não ter que ficar sempre alerta.
Aquela casa parecia inspirar Adam; as palavras e idéias saltavam dele, e
Samantha cobriu páginas e mais páginas do livro de exercícios escrito a mão para ela
datilografar. Eles trabalharam arduamente, completamente absorvidos. Quando
ergueram a cabeça já eram sete horas.
Adam correu os dedos através do cabelo escuro. — Este foi o melhor trabalho
que me lembro de ter feito. Você pode ler tudo novamente, Samantha?
— Acredito que sim, se me der uma ajudazinha.
— Vamos fazer um lanche, estou morto de fome.
— Eu também.
Ela foi para a cozinha e olhou as latas na prateleira. — Que tal sopa de
aspargos? — gritou para Adam, que estava no escritório.
— Para mim está bem.
— Com lagosta coberta com cogumelos e salada verde. Creme com amora e
café?
— Soberbo! Mal posso esperar! — Aquele era um lado que Adam nunca tinha
mostrado, cheio de vida, quase um garotinho.
Enquanto jantavam, ela contou a respeito das fantasias com o pastor que
morara naquela casa. Adam colocou a imaginação de escritor em dia e eles
inventaram nomes para a família toda, inclusive o cachorro. Criaram uma história
para a linda filha dele, Lucy, e tudo era bastante absurdo e eles riram juntos.
Samantha percebeu, meio chocada, que há muito tempo não se sentia tão feliz.
Foi quando lavava a louça, e enquanto Adam arrumava seus livros, que ela
percebeu que a cozinha estava bastante escura, e olhou para fora, para ver o sol se
escondendo por trás das colinas.
— Acho que devemos ir embora logo — ela tentou não se mostrar muito
ansiosa. — Já está escurecendo.
— Aqui escurece cedo, não precisa se preocupar. Conheço o caminho como a
palma da minha mão. Provavelmente ainda está claro lá embaixo.
— Continuo achando que não devíamos perder tempo. — Uma vez, num passeio
pela floresta, aos oito anos, ela tinha tido uma experiência inesquecível. Lisa fugiu e
o pai foi procurá-la. Eles ficaram separados e Samantha acabou se perdendo. Desde
então, sentia muito medo do crepúsculo e da neblina.
— O que há de errado, Samantha? — Os olhos de Adam estavam brilhando. —
Está com medo de que tenhamos que passar a noite aqui?
Ela não podia explicar para ele e sentiu o rosto corar. Então, virou o rosto.
— Pobre Samantha, você não gosta que zombem de você, não? — Ele colocou o
resto dos papéis juntos. — Está bem, estou pronto. Vamos, que vou fechar a casa.
Trancou a porta da casa e se dirigiram para o Mini. Adam colocou os papéis no
banco traseiro: — É melhor eu guiar agora; conheço o caminho melhor que você.
Ela se sentou no banco ao lado, olhando para trás, para a casa. Bastante triste,
ela se perguntava se algum dia iria voltar lá. Provavelmente, não. De qualquer forma,
era muito triste. Com isso, não estava prestando atenção no barulho do motor. Mas,
então, ela ouviu. Uma, duas, três vezes, sem nenhuma resposta do motor.
— Alguma coisa está errada. Como é que se abre o capô?
Ela saiu do carro, abriu o capô para ele e ele teve que se mexer, sem jeito.
Depois, foi para trás do carro, olhou como estavam as coisas, abriu a porta e deu
uma olhadinha no painel. Quando se endireitou novamente, seu rosto estava duro. —
Você não fez isso de propósito, não é mesmo, Samantha? — Ela sentiu uma onda de
ódio tomar conta de seu corpo.
— O que... o que foi que aconteceu agora? — ela ignorava o que estava
acontecendo.
— Não tem gasolina — ele disse secamente.
Ela passou a mão pela testa. — Oh, meu Deus, perdoe-me! Eu ia encher o
tanque mas acabei esquecendo.
— Muito conveniente — disse ele — quando você sabia que vínhamos para um
lugar tão desocupado.
— Eu não sabia que era assim tão afastado da civilização, e... e — acabou
ficando toda confusa. A coisa era tão ridícula! Ele não acreditava... ele não podia
acreditar que ela tinha feito aquilo de propósito, para que ficassem lá! Preferia uma
longa caminhada até um posto de gasolina.
Mas, claro, ele não acreditava.
— A antiga malandragem — ele acrescentou com sarcasmo. — Pensei que só os
homens usassem este truque da gasolina.
Ela olhou fixamente para ele, os olhos arregalados de choque. A surpresa de
suas palavras a tinha surpreendido. Um ódio mortal, nunca sentido antes, surgiu
nela.
— Como... como é que você ousa? — ela ergueu a mão e deu-lhe um tapa com
força. Depois virou-se e correu o mais que pôde, descendo a colina, fazendo o
possível para ficar bem longe dele. Quando sentiu que escurecia de verdade o pânico
começou a dominá-la, mas continuou correndo, tropeçando de vez em quando em
alguma pedrinha. Lágrimas de frustração banhavam seu rosto. Tinha sido uma tarde
tão encantadora. Eles haviam se dado tão bem e Adam tinha sido tão diferente. E,
agora, vinha aquilo!
Já havia corrido uns cem metros quando ele a segurou fortemente. Ela tentou
lutar, mas ele era muito mais forte. Ele a fez virar-se e olhou-a bem no fundo dos
olhos. — Que diabos, para onde você acha que está indo?
— Para qualquer lugar. Qualquer lugar bem longe de você — respondeu, com os
olhos assustados e úmidos. — Já agüentei muito sua arrogância!
Ela enfrentou seu olhar, disposta a não desviar os olhos dele. Parecia uma
eternidade, eles daquele jeito, as mãos dele segurando o braço dela, a neblina ao
redor, tudo fazendo com que continuassem mais juntos.
— Você é um demônio, Samantha — ele disse afetuosamente.
Então, deliberadamente, puxou-a para si e sua boca procurou a dela. Um beijo
demorado, longo e nada gentil; um beijo de raiva e paixão. Quando ele finalmente
afastou os lábios, ela estava tremendo dos pés à cabeça. Havia surpresa, mas havia
também um outro sentimento, mais primitivo, que ela jamais havia sentido. Ele
respirou fundo. — Isso teria que acontecer uma hora ou outra, mas não acontecerá
mais. Precisamos voltar para a escola. Com gasolina ou sem gasolina, com neblina ou
sem neblina. Você percebe, garota, o que aconteceria se tivéssemos que passar a
noite nesta casa?
Seu cérebro não parecia estar trabalhando muito bem. — Eu... eu imagino que
todos lá na escola iriam comentar muito.
— Eu não estava pensando na escola — disse. — Não importa, deixe isso de
lado. Temos que ir para Stow. É mais longe do que ir para o povoado mais próximo,
mas lá há garagens e hotéis. É mais fácil conseguirmos uma carona de volta para a
escola.
Ele empurrou-a para a frente e, em silêncio, retiraram seus pertences do carro.
Adam trancou-o e colocou a chave no bolso da calça. Ele colocou sua maleta e dois
livros grandes embaixo do braço. — Vamos — disse, sem nem mesmo olhar para a
pequena figura a seu lado. — Pelo amor de Deus, vamos indo.
Já eram quase dez horas quando eles chegaram na escola. Christine observou o
rosto muito pálido de Samantha e levou-a para a enfermaria, para dar-lhe algum
estimulante e chá quente.
— Tome isto, você parece estar apaixonada.
— Obrigada. Andamos muito, e eu não estou com roupa apropriada. — Tentou
sorrir, mas a boca estava rígida de frio e de nervoso. Nem uma caminhada pelas
colinas ia deixá-la tão cansada como estava agora. Os conflitos de sentimentos a
estavam deixando exausta.
— Estava começando a me preocupar. — Christine colocou uma almofada nas
costas de Samantha. — Até o sr. Royle telefonar, avisando o que tinha acontecido,
estava imaginando acidentes de carro e mais uma porção de coisas horríveis.
— Nada é mais terrível do que eu ter esquecido de encher o tanque do carro. —
Era muito bom estar de volta, depois de ter escalado a colina, por um bom tempo,
com Adam a sua frente. Suas pernas estavam muito doloridas, pois precisara
esforçar-se muito para conseguir acompanhá-lo. Mas ele não demonstrou nenhuma
consideração. Apenas parava de vez em quando para esperá-la, impaciente. Quando
chegaram em Stow e acharam uma carona, ela afundou-se no banco de trás do carro
— Adam estava sentado na frente com o motorista —, quase chorando de tanta fadiga
e miséria. Sim, era muito bom estar de volta às pessoas amigas. Tudo que queria era
uma boa noite de sono. No dia seguinte já teria esquecido a noite tão desastrosa e
enervante.
Mas, quando acordou no dia seguinte, aquilo foi a primeira coisa que lhe veio à
cabeça. Apesar de seu cansaço — ou talvez por causa disto — o sono não viera logo.
Mas quando finalmente o cansaço tomou conta, deve ter dormido bastante, pois nem
chegou a ouvir o alarme. Perdeu também o café da manhã e a reunião, e tinha
acabado de sentar-se quando Adam entrou na sala.
Samantha tinha passado um bom tempo rolando na cama, imaginando como
Adam iria tratá-la naquela manhã. Será que ele ainda estava bravo com ela, ou tinha
esquecido tudo, chegando à conclusão de que sua atitude foi muito mal-educada e
sem razão? Ela havia, com alguma dificuldade, descontado aquele momento na
colina, quando ele a tomou nos braços, beijando-a com loucura. Os homens, ela
sabia, podiam fazer coisas sem estar apaixonados.
E estremeceu, lembrando-se da violência que tinha percebido nele. Pelo menos
tinha aprendido um pouco com aquele incidente. Descobriu que não era a garota fria
que sempre pensara que fosse. Embora não estivesse apaixonada por Adam Royle —
e ela certamente não estava, tentou provar para si mesma —, ele tinha o poder de
fazê-la sentir uma paixão nunca sentida antes. Devia, sim, tomar muito cuidado o
resto do semestre.
Mas agora, quando ele entrou no escritório e parou ao lado da escrivaninha, ela
sentiu o coração bater desenfreadamente. Disse bom-dia sem levantar a cabeça.
— Bom dia — disse ele com voz de patrão. — O que tenho marcado para hoje?
— O sr. e a sra. Gregory vêm vê-lo às dez e meia.
— O que eles querem?
— Escreveram dizendo que estão preocupados com as notas de matemática de
Peter, e gostariam de falar com o senhor.
— Ah, sim, agora me lembro. Por favor avise o sr. Jones para ficar disponível,
vou precisar da opinião dele. Acho que vou querer ver o boletim do garoto e também
o dos três semestres passados. Seria bom oferecer um café para os Gregory. E depois,
o que tenho?
— Três pais de alunos desejam vir conhecer a escola às onze horas. O senhor
mesmo vai lhes mostrar? — Ela olhava direto para um ponto e tudo o que conseguia
ver de Adam era uma parte da roupa que ele costumava usar para reuniões. Era, ela
pensou tristemente, uma roupa de funeral, muito preta, que marcava a morte de um
entendimento que ia florescer no dia anterior lá na casa de campo.
— Sim, vou acompanhá-los. É melhor você ficar preparada para conversar com
eles, caso eu não tenha terminado a entrevista com os Gregory. Mais alguma coisa?
— Nenhuma entrevista. Mas o senhor prometeu assistir o jogo de críquete esta
tarde. — E a respeito desta noite?, ela se perguntava. E nosso teatro esta noite? Mas
ela não iria mencionar aquilo se ele não o fizesse. Era muita cara-de-pau.
— Está bem — disse secamente. — Vou providenciar a correspondência antes de
os Gregory chegarem. Por favor, traga seu caderno de anotações.
Foi uma manhã muito ocupada e, conforme ia passando, os modos de Adam
continuavam estritamente impessoais. Ficou bem claro para Samantha que o que
aconteceu na noite anterior não tinha nenhuma importância para ele, exceto pela
pequena irritação que durava até agora.
Christine entrou com um prato de biscoitos enquanto Samantha tomava o café
na sala. Adam estava trancado com os Gregory na diretoria. — Trouxe um pouco de
biscoitos; achei que você ia gostar, já que perdeu a hora do café esta manhã.
— Dormi demais — confessou Samantha. — Fiquei muito cansada de escalar
montanhas. — Era melhor fazer uma piada daquilo.
— Tem certeza de que está bem? Você não pegou um resfriado, não? Você
parecia uma pequena órfã perdida, quando chegou aqui na escola ontem à noite.
— Não, estou muito bem, obrigada. — Não queria falar sobre a noite anterior. —
Ah, por sinal, Chris, recebemos cartas de duas moças que estão interessadas em
ocupar seu lugar. As duas podem vir para a entrevista a semana que vem. Uma na
quarta-feira de manhã e a outra na parte da tarde. Está bem para você? Parece que
teremos que entrevistá-las, e decidirmos. O sr. Royle não me pareceu interessado.
Ele não vai estar aqui no próximo semestre...
— Só espero que ao menos uma seja boa, e possa começar logo. Isto é a coisa
mais importante.
— Vocês já marcaram a data do casamento?
— Provisoriamente, trinta de junho; de hoje a um mês. Acho que terei tempo de
organizar tudo aqui. Ah! Ia me esquecendo... o sr. Jones foi me procurar esta manhã.
Ele vai providenciar para que James assista as aulas de laboratório. Não foi bondade
dele pensar nisso?
— Nossa, que bom! — Samantha achou estranho o sr. Jones não ter
mencionado que era uma idéia do diretor e não dele. Talvez Adam tivesse pedido que
não comentasse nada.
— Estou tão aliviada! — Christine continuou: — Tenho certeza absoluta de que
James, se tiver uma coisa que goste para fazer, vai agüentar melhor a carga. Depois,
quando voltarmos da Itália, veremos o que fazer com ele. Não quero ficar fazendo
muito alvoroço a respeito disto. Realmente, espero que James se acostume, e aceite a
situação, com ele é tão difícil a gente ter certeza de alguma coisa! Guarda tudo para
ele. Sabe o que estou tentando dizer, não é mesmo, Samantha?
— Sim, é um garoto muito sensível. — Samantha lembrou como estava triste no
dia anterior, depois da aula de educação física; tão pequeno e miserável...
Os olhos de Christine se encheram de lágrimas. — Não é uma tragédia a
felicidade de uma pessoa depender da infelicidade de outra? Sei que James vai ser
muito beneficiado por ter um pai, especialmente um pai como Hugh. Mas sei,
também, que ficará muito perturbado no começo. Você vai tomar conta dele para
mim, não vai, Samantha? Não o mime muito, claro!, mas só para ver como ele está.
— Claro que tomarei conta dele — ela não disse, mas tinha certeza de que Adam
ia ajudar muito. Era estranho ter tanta certeza da lealdade dele para com o garoto,
quando era tão mau e injusto com ela. Gozado, pensou.
— Obrigada — disse Christine, com um nó na garganta. E, para esconder a
emoção, continuou rapidamente. — E agora? E você? Como é que vai fazer para
trazer seu carro de volta?
— Sabe que eu nem tinha pensado nisso? — Deu um tapinha na testa. — Estou
meio zonza esta manhã.
— Gostaria de saber se posso ajudar. Estou com a tarde livre hoje e vou até
Oxford encontrar Hugh. Podíamos ir até a casa de campo do sr. Royle com um galão
de gasolina para o carro. Assim você podia trazê-lo de volta, hein? O que acha?
— Ah, obrigada, Chris. Seria realmente muito bom. — Então, lembrou do
compromisso e balançou a cabeça. — Mas... não sei. Preciso ir ao teatro com Adam
em Stratford. Não sei se o convite continua em pé. Ele ficou tão aborrecido comigo
ontem que talvez resolva cancelar tudo.
Christine franziu a testa. Mas, antes que pudesse dizer alguma coisa, a porta da
diretoria foi aberta e a voz de Adam surgiu lá de dentro, dizendo em voz de diretor
para os pais: — Não acredito que precisem se preocupar tanto. Nós vamos
providenciar para que Paul tenha aulas de reposição, e...
Christine pegou a xícara de Samantha e saiu em silêncio.
Adam passou a manhã inteira em companhia dos pais de alunos e, com isso,
Samantha teve tempo de datilografar o trabalho que tinham feito no dia anterior. Fez
força para se concentrar, mas a todo instante as palavras traziam recordações da
tarde que haviam passado na casa de campo. A maneira de Adam trabalhar,
encostado em sua cadeira, testa franzida, olhos semicerrados e os cílios sombreando
o rosto; a maneira dele ir através do passado e colocá-lo novamente no presente, em
todos os sentimentos e cores, as barbaridades e as esperanças do futuro. Ele possuía
um forte dom de conseguir colocar o passado no presente.
Lendo novamente as anotações, Samantha sentiu a mesma ansiedade que havia
sentido no dia anterior, e era tanto que podia ouvir a voz de Adam naquele lugar.
Mas estava tão absorta que não ouviu Adam entrando na sala, e só se deu conta
quando ele disse, atrás dela: — Já tocou o sinal do recreio. Você não ouviu?
Samantha assustou-se, virando-se na cadeira. — Não, eu não... eu — e como
sempre acontecia seu coração disparou. Devia tentar controlá-lo e percebeu que era
apenas o efeito da vitalidade masculina, mas mesmo assim continuava a bater
depressa.
— Estou vendo que você está trabalhando com o meu livro. Espero que não
esteja colocando nada que o deixe confuso.
— Pensei que fosse importante.
Ele continuou em pé olhando para ela, muito alto, moreno e sério.
— É importante para mim, mas não há motivos para ser também para você.
Muito menos, se pensar na maneira estúpida que tratei você ontem.
Ela arregalou os olhos, mas não disse nada.
— Sinto muito, Samantha. Você pode me perdoar?
— Claro! — disse. Ela desejava saber o que tinha de perdoar, se era a acusação
sobre a gasolina ou o beijo. Mas, fosse o que fosse, tudo estava esquecido e eles eram
amigos novamente.
— Você é muito legal. Eu devia saber que você nunca... bem, não vamos discutir
aquilo agora. Olhe, as chaves do seu carro. — E depositou-as na mesa.
— A enfermeira vai para Oxford esta tarde e se ofereceu para ir comigo pegar o
Mini, e...
— O Mini está lá fora, no estacionamento. Chegou há alguns minutos.
— Não entendo. Como?
— Combinei com a garagem em Stow para ir apanhá-lo hoje e trazê-lo para cá.
Era o mínimo que eu podia fazer. E, de qualquer forma, vamos precisar de um carro
para ir a Stratford esta noite, pois o meu só fica pronto na segunda-feira. A que horas
devemos estar prontos, às seis e meia?
Ela concordou, ainda meio passada. Não podia acreditar no que tinha acabado
de ouvir.
O sr. Jones entrou na sala e os dois saíram discutindo as dificuldades de Paul
Gregory em matemática.
Samantha afundou na cadeira, largou os ombros e deu um suspiro. Trabalhar
com Adam Royle era tão estonteante como andar de montanha russa: primeiro lá em
cima, depois lá embaixo novamente. Ele era a pessoa mais estranha que já conhecera
durante toda a vida. Mas já havia se desculpado pelo incidente da noite anterior,
mandara buscar seu carro e agora, à noite, eles iriam juntos ao teatro.
Samantha dirigiu-se para a sala de jantar com um sorriso feliz nos lábios.

CAPÍTULO VIII
Samantha se vestiu para a noite com muita ansiedade e esmero. Parecia até a
primeira vez que saía com um rapaz importante em sua vida — e não para um
passeio que ela mesma sugeriu — por motivos práticos e nada românticos. Mas, fosse
qual fosse o passado, uma garota devia estar sempre muito bem vestida quando seu
companheiro era um homem tão atraente e, quando terminou, parou satisfeita
diante do espelho e sorriu. Parecia Lisa olhando para ela. Lisa sempre fora mais
bonita, mas aquela noite Samantha estava bonita de verdade. Seu cabelo muito
louro, arrumado, brilhava muito. Seus olhos estavam muito azuis, os lábios,
sensuais, e os dentes, muito brancos e brilhantes.
Escolheu seu vestido predileto: um branco e amarelo, de decote canoa e
mangas compridas, que lhe caía maravilhosamente bem. Ficou sem saber se levava
ou não um casaco, mas acabou resolvendo que aquela noite seria agradável e não iria
precisar de um. Atirou uma estola sobre os ombros, dançou uma ou duas vezes
diante do espelho, e desceu apressada as escadas.
Os quartos dos professores ficavam numa outra ala da casa e não havia
ninguém por lá àquela hora da noite. Isto talvez fosse uma pena. Para o sucesso do
plano, devia haver uma porção de gente para testemunhar sua partida com Adam,
pensou com um sorriso, imaginando eles todos amontoados na janela, vendo os dois
saindo, com inveja. Mas por alguma razão o plano tinha ficado em segundo lugar e
não parecia mais tão importante.
Adam estava esperando do lado do Mini. Estava com um terno marrom-escuro,
uma camisa amarelinha, e seu coração deu o mesmo sobressalto quando sorriu para
ela.
— Pontual — disse. — Uma rara virtude feminina! — E seus olhos a
examinaram de cima a baixo. — Muito bem, nota dez. Como a falsa noiva do sr.
Adam Royle, você não podia estar melhor. Ela sentiu aquele friozinho característico
na barriga, mas sorriu brilhantemente e disse: — Oh, posso ficar melhor que isto, se
quiser.
— Mas só para Richard Barnes?
— Talvez... — Ela passou as chaves do carro para ele — Você guia?
Ele não destravou logo a porta. Continuou a observá-la pensativamente. —
Sabe? Seria mais apropriado irmos assistir Hamlet em vez de Macbeth.
— Hamlet? Por quê?
— Ele também tinha uma porção de problemas com as mulheres. — E dirigiu-se
para o outro lado do carro.
Quando sentou-se ao lado dele, disse: — Estive pensando se não devíamos
oferecer uma carona para a srta. Bayley e a srta. Trump. O que você acha?
— Você perdeu sua oportunidade — disse ele, ligando o motor. — Elas partiram
num táxi, há alguns minutos. Foi até um pouco surpreendente! Pensei que elas
fossem na moto da Trump.
Samantha não pôde deixar de rir ao imaginar aquela cena, mas bateu a porta do
carro com força e disse: — Gosto muito da srta. Trump. Ela é muito boazinha e, além
do mais, é uma ótima professora. Os garotos também gostam muito dela.
— Eu também — disse ele simplesmente. — Você ainda não percebeu que só
faço gozação com as pessoas de quem gosto? Gosto de todos aqui! Desde que não me
perturbem ou me convidem para sair...
Ela não pôde resistir à tentação. Olhou para ele por baixo dos cílios e disse: —
Parece que fui eu que o convidei para sair. Isto também significa que você não gosta
de mim?
— Oh, você fica numa categoria diferente! — disse ele. — E não me provoque
quando estou falando sério. Ou vamos cair numa valeta.
Ela sorriu e ajeitou-se no assento. Tentar o humor de Adam era a mesma coisa
que colocar o pé no mar antes de dar o mergulho. Aquela noite a temperatura
parecia estar bem agradável. Samantha passou a observar a paisagem, divertindo-se
com seus pensamentos.
Era uma noite perfeita de verão. O sol, escondendo-se, deixava a atmosfera um
pouco fria. Adam guiou como se também estivesse se deliciando com o canto dos
pássaros, o perfume das árvores, as sombras frescas, que ainda não estavam
totalmente escuras — tudo aquilo ajudava a dar uma paz tranqüilizante àquele
pequeno pedaço de terra da Inglaterra.
Repentinamente, Samantha sentiu-se muito feliz com tudo que a rodeava. Até
mesmo o fato de Adam Royle estar ao seu lado parecia alguma coisa pouco
importante. Ela respirou fundo e foi soltando o ar aos poucos.
Ele olhou para ela. — Tudo bem? Qual o motivo deste suspiro?
— Felicidade — respondeu ela rapidamente. — Adoro teatro e faz muito tempo
que não vou a nenhum.
Talvez sua explicação o tivesse deixado satisfeito, porque não disse mais nada.
Logo, entraram na estrada principal. Ele guiou rápido, e o silêncio dominou o carro
até chegarem em Stratford. Pararam num estacionamento para evitar a confusão na
saída do teatro, e caminharam pelo jardim, passando pelo grupo de estátuas onde
havia uma de Shakespeare em bronze.
Adam parou, olhando para aquele rosto familiar de barba, olhos que pareciam
fixos num lugar onde quem não está morto não pode ver. — Ele sabia tudo. Tudo que
é preciso saber a respeito das pessoas. Você não precisa ser uma psicóloga se
conhece e entende Shakespeare. Todos podem encontrar-se em algum lugar.
Samantha concordou. — Só que nem sempre nos reconhecemos. E, se
reconhecemos, podemos não gostar do que vemos.
Ele a olhou com uma expressão assustada nos olhos escuros: — Que menina
mais perceptiva você é! Está sempre me surpreendendo.
— Muito obrigada, senhor diretor! — disse sorrindo. — Só que não sou uma
menina.
— Não? — perguntou, zombando. E depois, suavemente: — Não, talvez você
não seja mesmo.
Eles caminharam pela calçada, o rio à esquerda deles como uma piscina de
vidro refletindo o teatro. Ficaram em silêncio enquanto seguiam e, para Samantha,
aquilo era como uma corrente elétrica correndo por seus corpos. De repente, sentiu-
se fraca. Seus joelhos tremiam. Ela lembrou as palavras da música. "A velha magia
negra conseguiu me envolver". Aquilo sim que era, disse para si mesma, magia
negra. Uma atração física tão intensa que chegava a doer. Depois de algum tempo,
sentiu a mão de Adam encostando-se na sua, e depois segurá-la. Ele também devia
estar possuído pela magia negra.
O encanto não desapareceu. Samantha já havia visto muitas produções de
Shakespeare há alguns anos, em Stratford, mas esta era diferente de todas as outras.
Era realmente alguma coisa a mais caminhar por aquelas escadas de mármore ao
lado do homem mais distinto que estava à vista, de sentar-se em lugares mais caros
do que costumava sentar, de ouvir a voz grave de Adam enquanto discutiam a peça, e
ela falava a respeito de Scotland, em épocas remotas, quando lá era cheio de
violência. Para uma garota apaixonada por história, ele era uma companhia perfeita.
Ela desejava poder dizer-lhe aquilo, mas era proibido. Lembrava-se de como ele
havia dito, no primeiro encontro, que era totalmente alérgico a elogios femininos, e
ela não ia estragar uma noite tão agradável arriscando-se a elogiá-lo. Portanto, se
contentou em fazer perguntas e ouvir suas respostas até a peça começar.
Daquele momento em diante, Samantha se perdeu no drama. O tempo parou
de significar qualquer coisa, e até mesmo o intervalo, quando eles se juntaram ao
resto do pessoal para tomar café, escassamente a trouxe de volta do passado. Ela
estava vivendo a peça e as cenas familiares apareciam-lhe diante dos olhos — os
assassinos, as batalhas, os visitantes fantasmas, a terrível e má Lady Macbeth —
como um sonho que ela tinha tido muitas vezes em sua vida.
As luzes se acenderam novamente, deixando-a perdida no espaço. Quando
estavam com o resto do pessoal, afastando-se do auditório Adam perguntou: — Bem,
o que foi que você achou?
— Maravilhoso! Mas as peças sempre são maravilhosas para mim, não importa
quantas vezes eu já as assisti. Não sou crítica.
— Sem dúvida, você aproveitou todos os segundos. Estive observando você.
Eles estavam numa das saídas agora. De repente, Adam abraçou-a. — Não olhe
agora, mas a srta. Bayley e a srta. Trump estão nos observando. Talvez este seja o
melhor momento para o nosso plano. — E abraçou-a com força, puxando-a para si
com um gesto íntimo. Sobre sua estola, a mão dele estava firme e protetora, e ela
sentiu um desejo repentino, logo reprimido, de apoiar-se nele. Não havia nenhuma
necessidade, disse para si mesma, de levar a coisa tão a sério.
A voz de Adam soou bem próxima de seus ouvidos: — Como estou me saindo?
Estou bem no papel de homem apaixonado?
Ela ergueu os olhos e seu coração deu um salto com a expressão que viu nos
olhos dele. Mas aquilo tudo era apenas uma farsa, claro: — Muito competente! —
disse com um sorriso frio. — Não há dúvida de que você teve uma porção de
experiências.
— Estranho... você pode não me acreditar. Mas não tive tanta experiência
assim. Talvez — acrescentou — eu esteja esperando pela garota certa.
Uma vez mais ela pensou em Estelle Norton, a garota de quem ele havia falado
com tanta admiração. A garota que provavelmente nunca iria zombar de nenhum
homem. E, de repente, ficou cansada daquele plano ridículo. Desejava agora nunca
ter sugerido aquilo, nem mesmo para o bem da escola. — Não há necessidade de agir
tão realisticamente — disse ela com um pouco de frieza em sua voz. — Elas não irão
ouvi-lo no meio deste povo todo.
Ele sorriu. — Tut-tut! De quem foi a idéia em primeiro lugar? Eu não deveria
cair de charme pela secretária da escola? E, por falar nisso, como é que você pode ter
certeza que eu estava fingindo? Diga-me, vamos.
Samantha sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha. Olhou para o rosto dele,
seus olhos arregalados e interrogantes. Mas nenhum dos dois pôde dizer mais nada.
A srta. Trump aproximou-se deles por entre o pessoal. — Ei, vocês dois! O espetáculo
foi ótimo, não acharam?
A srta. Trump, seguida pela srta. Bayley, avançava por entre a multidão, e lá
seguia o tipo de conversa que geralmente é ouvida depois de uma peça de teatro,
pelos corredores e passagens. — Uma produção esplêndida... soberba Lady
Macbeth... atmosfera maravilhosa... talvez um pouco escura, você achou? —
Samantha sorriu vagamente para as duas mulheres, e ouviu surpresa a amabilidade
de Adam. Ela não estava realmente prestando atenção. Estava era matutando se ele
pretendia dar uma carona para as duas, de volta para a escola, e estava bastante
chocada pela intensidade de suas esperanças de que ele não oferecesse. Foi com
grande alívio que as viu despedindo-se e sentiu o braço dele protegendo-a da
multidão que se aglomerava fora do teatro. — Reservei uma mesa para o jantar —
disse ele. — Está bem para você?
Sua primeira reação foi de encantamento, então aquela noite agradável ainda ia
durar mais tempo. Mas disse: — Oh, você não precisava ter feito isso. Eu quero dizer,
realmente não era necessário.
— Eu achei que era bastante necessário. Por dois motivos. Primeiro, será bem
mais convincente se eu ficar com você até tarde da noite, não acha? Segundo, estou
morto de fome. Ou você teve tempo de jantar antes de sairmos da escola?
— Não, não tive — admitiu. Depois, porque estava com medo de parecer mal-
educada, acrescentou com um sorriso rápido. — Muito obrigada, foi uma idéia ótima
e eu estou com muita fome.
— Então venha, vamos ver o que é que eles servem.
Adam era o tipo de homem que os garçons corriam para atender, e o jantar
estava delicioso. Uma saborosa sopa, acompanhada de cogumelos com creme de leite
e, mais tarde, morango com chantilly. Eles conversaram sobre a peça, discutindo a
respeito de outras, e para Samantha o tempo passou muito depressa.
Ela suspirou enquanto eles tomavam café. — Foi maravilhoso. Eu não
imaginava que estava com tanta fome. Só havia comido alguns biscoitos antes de
sairmos. Estava escrevendo algumas cartas que precisavam ser enviadas de última
hora. O correio anda muito lento estes tempos, e eu queria terminá-las ainda hoje
para mandar amanhã de manhã.
Ele estava olhando pensativamente para ela do outro lado da mesa. — Você leva
seu trabalho na escola muito a sério, não?
— É, acho que sim. De certa forma, sinto como se estivesse ocupando o lugar de
meu pai, embora, claro!, nunca pudesse realmente fazer isso. Ele era um professor
maravilhoso. — Fez uma pausa, os olhos fixos nas flores da mesa. — Ele pretendia
cuidar da escola com tio Edward. Planejaram isso durante anos, desde o tempo da
universidade, e pareceu uma vergonha que logo que... As cores das flores logo se
misturaram e ela engoliu seco. — Foi por isso que, quando tio Edward ficou doente,
tentei segurar as pontas. Foi assim que ele disse. Talvez soe bastante importante
para mim, e se alguma coisa não saiu bem, não foi por falta de tentar, mas...
— Mas você ia tentar fazer o possível — ele terminou, sorrindo, os olhos ainda
mais escuros e nem um pouco cínicos. — Bem, vamos torcer para que nada de errado
aconteça com a Kings Worthy. Mas, lembre-se! Se surgir algum problema agora,
você não está mais sozinha. Estarei lá para ajudá-la.
— Sim, eu sei. E isso ajuda muito.
Ela o observava enquanto ele pagava a conta. Como parecia independente,
controlado! Agora você me tem, ele tinha dito. Ela se perguntou como seria ouvi-lo
dizer exatamente isso, e ainda por cima, ser verdade. Mas aquilo nunca iria
acontecer. Nunca nenhuma mulher iria ter Adam Royle de corpo e alma, de amor e
de lealdade. Ele não nasceu para aquilo.
No caminho de volta, Adam parecia inclinado a ficar em silêncio mas, para
Samantha, o silêncio tinha uma tensão bastante perturbadora. Bombardeou-o com
perguntas e, finalmente, conseguiu que ele falasse a respeito de seu trabalho como
professor, e também a respeito da grande escola no sul da Inglaterra para onde teria
que voltar em setembro.
— Vai ser muito diferente da Kings Worthy — ela comentou.
— Muito. Mas há lugar para todos os tipos de escola. Eu próprio sou contra a
uniformidade de ensino, embora isso talvez seja inevitável.
— Onde é que você vai morar?
— Vou ocupar a casa de um homem que está para se mudar. É muito agradável,
bem perto do rio.
— Mas você vai continuar com a casa de campo, não vai?
— Oh, sim, eu não gostaria de me desfazer daquela casa, é o meu refúgio. Vou
passar a maior parte das minhas férias lá; escrevendo, claro.
No escuro do carro ela engoliu um suspiro.
— Você já tem tudo preparado, não?
Ele sorriu gentilmente.
— Por que não?
Sim, ele sabia o que queria. Ela se perguntou se seus planos incluíam uma
esposa, eventualmente. Talvez levasse uma garota com ele para lá — garotas
diferentes em épocas diferentes, ela consertou, lembrando-se do que Lisa tinha
falado, de como ele tratava as mulheres de sua vida. A imagem da casa de campo lhe
veio vividamente, a sala cheia de livros, a pequena e moderna cozinha, a enorme
cama de casal... Pare com isto, Samantha!, ela ordenou para si mesma.
— Cá estamos. — A voz de Adam interrompeu seus pensamentos e ela olhou
surpresa para ver que acabavam de chegar à escola.
Ele desligou o motor e olhou para a antiga casa, onde apenas uma ou duas
janelas estavam iluminadas.
— Gostaria de saber se tem alguém olhando pelas cortinas para testemunhar o
nosso regresso — disse ele. — Devemos dar-lhes o que esperam? — Fez uma pausa e
acrescentou delicadamente: — Vamos, Samantha?
Eles se olharam na escuridão do carro. Depois, deliberadamente, ele passou o
braço ao redor de seus ombros. Ela estremeceu quando os dedos dele tocaram seus
ombros nus. Seus olhos se fecharam e ele a atraiu para si, sua boca beijando a dela
num longo beijo. Seu braço era forte, sua mão dura e firme contra o corpo dela.
Samantha agarrou-se a ele, retribuindo sua paixão com tanto ardor que nem podia
acreditar. Admitiu que este encanto era o que sempre havia desejado, há muito
tempo, desde aquele dia na casa de campo.
Finalmente ele a soltou, acariciou seus cabelos e olhou direto para seus olhos.
— Acho que estou apaixonado, Samantha. Acho que finalmente encontrei
minha garota — disse ele.
Então o mundo do lado de fora intrometeu-se. Luzes fortes de um carro
iluminaram a escuridão. O breque foi puxado e um carro parou ao lado do deles,
cortando o silêncio da noite.
Samantha abriu a porta do carro e saltou quando viu uma figura correndo pela
grama. A voz alta e nervosa de Lisa chamava:
— Sam, graças a Deus é você! — E, aproximando-se: — Vim lhe pedir refúgio.
Será que pode me alojar sem que o chato do sr. Adam Royle me veja? Tive uma
discussão muito feia com Robert e... oh... — Ela ficou muda quando Adam saltou do
carro, dirigindo-se para elas. — Oh, sinto muito, não sabia que tinha alguém com
você. — Depois de algum tempo de irritação, Lisa conseguiu controlar-se. — Não vai
me apresentar?
Ela se aproximou, olhando para Adam. Ele tinha levantado a cabeça, e a luz da
porta da entrada batia em cheio em seu rosto. Samantha estava em pé do lado de
Lisa e viu que ela estremecia.
— Não há necessidade de apresentações — disse Adam. — Nós já nos
conhecemos, não é mesmo, srta. Gold? Ou já é senhora não sei das quantas?
Lisa não disse nada, apenas continuou lá, olhando para ele, o rosto branco
como neve. Samantha olhou de um para o outro sem saber o que fazer, sem entender
o medo na voz da irmã, a raiva e o desprezo de Adam. Mas, fosse o que fosse que
tivesse acontecido, não tinha nada a ver com ela.
— Não vamos ficar aqui fora. Vamos entrar e... — ela tocou a manga da camisa
de Adam, lembrando-se que há poucos minutos ele a havia segurado nos braços,
murmurando palavras que prometiam mudar a vida dos dois. Só poderia acreditar
no que ele lhe dissera... ele pareceu tão franco!
Adam afastou-se dela. Depois, com um pequeno movimento de cabeça, disse:
— Vou deixá-las a sós. Depois você tranca tudo, Samantha?
— Sim. — Sua voz parecia não lhe pertencer.
— Boa noite. — Adam disse secamente, e depois virou-se e foi para dentro.
Samantha observou-o sair em silêncio. Então Lisa deu uma tremenda
gargalhada.
— Oh, santos! A minha intromissão veio na hora errada! Ele era a última pessoa
que eu esperava encontrar. Mas tinha que arriscar, Sam, tinha que vir vê-la. Robert
praticamente me jogou para fora de casa. Ele veio para casa sem avisar e Roy
Mathers estava lá. Acho que já era bem tarde, e... bem, Roy e eu estávamos um pouco
empolgados. Não teria acontecido nada... eu tentei explicar isso para Robert, mas ele
não quis me ouvir. — E, aí, ela perdeu o controle e começou a chorar, procurando
por um lenço: — Oh, Sam, foi terrível!
Samantha retirou um lenço limpo da bolsa e o deu para Lisa. Depois trancou o
carro: — Venha, não é nada bom ficarmos aqui fora. Por acaso você avisou Robert
que vinha para cá? O que foi que você disse quando saiu?
Lisa enxugou os olhos enquanto se dirigiam para a porta de entrada.
— Não, eu... apenas saí. Ele estava de muito mau humor. Eu queria sair de lá o
mais depressa possível.
— Então — Samantha levou-a para sua sala — é melhor telefonar para ele e
avisar, não acha? — E empurrou o telefone para a irmã. Lisa parecia horrorizada.
— Oh, não, não poderia! Não esta noite! Vou deixar para amanhã de manhã, e...
— Agora — disse Samantha —, se você não ligar, eu ligo. — Os lábios de Lisa
tremiam:
— Como você pode fazer isso, Sam? Você é minha irmã, devia estar se sentindo
pelo menos um pouco solidária.
— Mas não me sinto. Quer que eu disque para você? — Ela discou, ouviu a voz
grave de Robert, muito zangada, e entregou o fone para Lisa. Depois, saiu da sala,
fechou a porta e sentou-se no hall para esperar.
Lisa demorou uns dez ou quinze minutos, estava pálida e muito chateada,
quando saiu. Mas o medo tinha desaparecido de seu rosto e o tom de voz estava mais
calmo.
— Robert está vindo para cá para me levar para casa.
— Ótimo! — disse Samantha brevemente.
— Posso... você se importa se eu for lá no seu quarto retocar meu rosto? — E
passou a mão pelos cabelos sedosos, a única parte de seu corpo que parecia estar
bem. Seus olhos estavam manchados de rímel; o batom, todo desajeitado; e seu lindo
nariz, vermelho e brilhando. — Devo estar com uma aparência horrível!
— Pode ir lá, vá! Vou buscar uma xícara de café bem forte para nós duas. Nós
estamos precisando — e lembrou do olhar de Adam quando ele se voltou e subiu as
escadas desaparecendo.
— Obrigada, Sam. E obrigada também por me ter feito ligar para Robert. Você
estava certa. Você sempre foi uma garota sensata, não?
— Sensata? Não diria isso — respondeu Samantha secamente, e foi para a
cozinha.
Para uma garota sensata ela tinha feito a coisa mais estúpida do mundo. Tinha
se apaixonado por Adam Royle.
Encheu a panela e ficou esperando ferver, acariciando o pescoço onde, há
apenas alguns minutos, os lábios dele a tinham beijado. Lembrava-se do cabelo dele
entre seus dedos, do seu rosto duro contra o dela. Então, as lágrimas vieram aos
olhos quando lembrou do momento em que pôs a mão em seu braço e ele se virou,
subindo as escadas.
Por que Lisa tinha que aparecer justo naquele instante? Ela tinha estragado
tudo. Adam ficou tão frio, com tanto ódio! Droga! Tentou ver as coisas pelo lado que
ele tinha visto. Repentinamente aparecia alguém que sabia como ele havia se
portado mal alguns anos atrás, que havia lhe trazido à lembrança algo que preferia
não se lembrar. Claro que ia ficar com raiva. Aquilo iria deixá-lo em maus lençóis e
faria ele se sentir culpado. Nenhum homem gosta de se sentir culpado, pelo menos
nenhum homem tão orgulhoso e confiante como Adam Royle. Mas isso era um caso
à parte, agora. Fazia parte do passado e devia ser esquecido. Tinha sido um choque,
mas no dia seguinte ele certamente já teria esquecido tudo. Não havia nada com que
se preocupar.
Mas se preocupava. Mesmo depois de Lisa ter ido embora com o calmo Robert;
mesmo depois dela ter hesitado no corredor que levava para o quarto de Adam,
perguntando-se se teria coragem para vê-lo novamente aquela noite, e decidindo que
não tinha; mesmo depois que se deitou, esperando sentir sono logo, e achou
dificuldade para dormir. Ela continuou se preocupando.
Só depois de resolver que na manhã seguinte tentaria explicar as coisas a
respeito de Lisa, foi que ela conseguiu dormir. Sabia que ia precisar de todas as suas
forças, mas de qualquer forma iria resolver tudo. Aí, adormeceu.
Era uma pena, do ponto de vista de Samantha, que o outro dia fosse domingo.
Como não havia nada de desagradável para ser resolvido, queria acabar com aquela
história toda, mas Adam não estava nada acessível. Todas as vezes que o via estava
falando com alguém. Uma hora o viu dirigir-se para ela no corredor. Apressou o
passo, mas, antes que pudessem se encontrar, ele entrou na enfermaria. Ela se
perguntava se ele a estava evitando propositadamente.
Durante a missa na Igreja St. Mary's, olhou bastante para ele, mas ele parecia
de pedra. Aquele era o primeiro Adam Royle que ela havia conhecido — duro,
estúpido e assustador.
Conforme o dia ia passando, e não surgia a oportunidade de falar com ele,
Samantha começou a se preocupar. No ônibus escolar, voltando da igreja, Adam
sentou-se atrás com os garotos do quarto ano. Depois do almoço, desapareceu para o
seu quarto e não foi mais visto. Samantha andava de um lado para o outro tentando
reunir coragem para ir lá falar com ele, lembrando-se de seu rosto na igreja, e seu
coração doía. Acabou indo à procura de Christine e encontrou-a na lavanderia da
escola, sentada numa cadeira contando os lençóis.
— O quê? Trabalhando aos domingos?
Christine olhou para ela.
— Vinte e nove, trinta... olá, Samantha, como vão as coisas? Não tenho o
costume de trabalhar nos fins de semana, mas achei que seria mais apropriado se
deixasse tudo em ordem para a nova governanta.
— Mas ela não virá agora. As entrevistas são só na semana que vem.
— Acho que houve uma mudança. Você não ficou sabendo?
— Mudança? Mas...
— Bem, não foi exatamente uma mudança. O sr. Royle me disse esta manhã que
vamos continuar com as entrevistas, conforme o planejado. Mas o resultado só sairá
em setembro. Aparentemente ele já contratou uma conhecida para preencher a vaga
até o final deste semestre.
Samantha ficou indignada.
— Ele disse quem era?
— Alguém que já trabalhou para ele antes. Disse que ela é bem qualificada, que
tem muita experiência e parece que está livre até setembro. Eu acho uma sorte,
realmente, que ele tenha conseguido alguém. É um alívio para mim.
— É... — disse Samantha, vagarosamente. Uma possibilidade terrível começava
a perturbar sua cabeça. — Ele não disse o nome dela, disse?
— Sim, disse. — Christine levou a mão à cabeça. — Como é mesmo? Norton.
Sim... isso mesmo! Estelle Norton. E parece que é francesa.
Ela levantou-se da cadeira. Depois olhou para o rosto de Samantha e franziu a
testa.
— Por quê? Você a conhece?
— Eu a encontrei uma vez.
— Então... ande logo, Samantha! Conte-me, como é ela? Você acha que ela
serve?
Samantha olhou para ela. Essa, então, era a maneira de Adam mostrar-lhe que
ia mais longe do que pretendia. Ia trazer Estelle Norton para a escola, sem consultá-
la ou mesmo pedir sua opinião. Sentiu-se muito mal.
— Oh, sim, ela saberá substituí-la! — Samantha disse, e riu. — Na verdade, fará
tudo muito bem.
Ela não lembrava de ter deixado Christine. Quando viu, estava correndo pelo
corredor que levava ao quarto de Adam, sem saber como tinha chegado lá. A porta
pesada no fim do corredor estava diante dela, fechada e proibida, mas a dor e a raiva
lhe davam forças. Respirou fundo e bateu.
Aquele "entre" não soou nada como boas-vindas, mas ela entrou, fechando a
porta e encostando-se nela.
Adam estava sentado à mesa olhando para ela, rodeado de papéis.
— Pois não! — disse com a imponência de um homem sendo interrompido no
meio de um assunto muito importante.
— Acabei de saber que você contratou a srta. Norton para trabalhar aqui.
— Sim, isso mesmo. — Ele franziu a testa. — Você faz alguma objeção?
— Claro que não... não sei nada a respeito dela. Só acho que você devia ter me
falado o que pretendia fazer, antes que eu descobrisse por outras pessoas.
Ele continuou sentado atrás da mesa, olhando para ela, o rosto sem expressão.
Depois, levantou-se e dirigiu-se para a janela, ficando de costas para ela. Depois de
alguns instantes, virou e disse:
— Por que você mentiu para mim, dizendo que não tinha nenhuma irmã?
Ela se afastou, pestanejando com o ataque inesperado.
— A primeira vez que a vi — prosseguiu, ainda naquela voz dura — eu a
confundi com outra pessoa, uma outra srta. Gold. Disse que você era muito parecida
e perguntei se tinha uma irmã. Você respondeu que não, que não tinha. Foi uma
mentira deliberada, não foi?
Ela ainda continuava a tremer, mas esforçou-se para dizer:
— Isso não é justo. Você me perguntou se eu tinha uma irmã gêmea.
Ele afastou aquilo com um gesto de descontentamento, como uma evasão que
não valia a pena discutir.
— Está bem, então — prosseguiu ela, ganhando um pouco mais de confiança. —
Eu menti, mas pensei que justificasse, e ainda penso. Sei o que aconteceu há quatro
anos, entre você e Lisa. Ela me disse, antes de você chegar. E me disse também que
não pretendia vê-lo. Achei que você também pensasse da mesma forma.
— E pensou certo — disse ele secamente.
— Este foi o motivo. Eu lhe disse como me sentia responsável, como estava
ansiosa para que o semestre corresse bem, para o bem de tio Edward. Não pretendia
trazer lembranças tristes para você. Ela encontrou seus olhos e por um momento
interminável eles se encararam. As sobrancelhas de Adam estavam franzidas. Ele
parecia mais confuso, agora, do que irritado. E, por alguns instantes, Samantha
pensou que fosse ficar mais gentil. Então ele voltou para sua mesa, pegou um papel e
disse:
— Bem, não vamos mais discutir isso. É um assunto totalmente pessoal, e não
tem nada a ver com a escola. Agora, a respeito da posição da nova enfermeira, não
tenho nenhuma intenção de seguir o que você quer: eu pretendia contar-lhe amanhã,
durante as horas de trabalho. — Ela pensou que tivesse entendido as últimas três
palavras, insinuando que ela estava atrapalhando-o em seu horário de folga. — De
qualquer forma, como você tocou neste assunto, posso lhe dizer que a srta. Norton
estará livre, inesperadamente, durante o resto do semestre. Tenho certeza de que o
sr. Barnes preferirá, ele mesmo, fazer as entrevistas quando voltar — ele deu de
ombros. — E isso é tudo.
Tudo, ela pensou. Quem é que estava contando mentiras agora?
— Eu entendo — disse baixinho, a mão na maçaneta da porta. — Obrigada por
ter me dado atenção.
Abriu a porta. O longo e solitário corredor estava diante dela. Em outro
momento, teria se afastado dali, sem resolver nada, sem entender coisa alguma.
Apenas uma lacuna entre eles, onde a última noite tinha sido tão íntima, como ela
nunca havia experimentado antes com outro homem. Ou que ela tivesse imaginado.
Impulsivamente, voltou para o quarto dele.
— Adam... — sua mão foi em direção a ele, num gesto de súplica.
Ele olhou rapidamente para ela e depois desviou o olhar.
— Esqueça isso, está bem, Samantha? E, pelo amor de Deus, não faça
escândalos.
Ela olhou para ele, sem acreditar no que acabava de ouvir. Logo, ela soube,
estaria se sentindo como uma minhoca, rastejando, cheia de humilhação. Mas,
naquele instante, pretendia levantar a cabeça e fazer sua boca parar de tremer.
— Não tenho o costume de fazer escândalos — disse firmemente, e depois saiu,
fechando a porta atrás de si.
Foi para a cozinha e depois subiu para o quarto. Não tinha vontade de
encontrar ninguém naquele momento. Ela poderia cair no choro, e aquilo mostraria
que ela era fraca, porque ela só se julgaria culpada se se sentisse destruída. Lisa
havia lhe avisado que Adam era daquele jeito, mas ela preferiu ignorar o aviso. Bem,
agora sabia, não? Estúpido, bruto — era assim que Lisa o qualificara, e aquilo não
era exagero. Disse para si mesma que era uma sorte ele colocar um ponto final
naquilo, antes de a coisa se desenvolver. Senão, seria ainda pior. Ela disse em voz
baixa que seria estupidez continuar pensando nele, sonhando com ele, imaginando
que era um homem diferente daquele que havia provado ser. Disse que o que sentia
por ele era simplesmente uma atração física, e que havia se safado a tempo. E, para
cuidar de seu coração ferido, ia dar tempo ao tempo, até que o semestre terminasse.
Depois sentou-se na cama, catou um lenço embaixo do travesseiro e chorou
como se alguém tivesse lhe partido o coração.

CAPÍTULO IX
Às nove e meia da manhã de segunda-feira, Samantha não mostrava traços da
terrível noite que passara. Estava apenas um pouco mais pálida do que o normal,
quando sentou à mesa.
Mas estava totalmente controlada — quer dizer, quase que completamente. E,
quando Adam Royle entrou, depois da reunião, preenchendo o silêncio da sala com
sua vitalidade masculina, ela conseguiu olhar par ele com um sorriso formal e dizer:
— Bom dia, sr. Royle! — como uma secretária perfeita.
— Bom dia!
Ele tirou o paletó e colocou-o na cadeira. Samantha imaginou ter percebido
alívio na voz dele e quase sorriu. Não se preocupe, sr. Royle, não vou implorar nem
fazer alguma loucura. É isto que o senhor espera das mulheres, não é mesmo? Mas
posso lhe assegurar que serei uma exceção.
— Há uma porção de cartas — ela disse. — A maior parte trata de assuntos
corriqueiros, mas estas três precisam de sua atenção especial — entregou-lhe as
cartas, olhando o caderno de apontamentos. — O senhor está livre até as onze horas.
Gostaria de falar com o sr. Read a respeito da organização para os pais das crianças
que vão jogar críquete?
— Não esta manhã, isso terá que esperar. Vou ver as cartas primeiro, depois
vou até Leaimington encontrar a srta. Norton que chega de trem. Dê-me tempo para
separar estas cartas e depois traga seu caderno aqui, por favor — ele entrou na
diretoria e fechou a porta.
Fim do segundo ato, pensou Samantha tristemente. Acontecesse o que tivesse
de acontecer no ato três, sua parte seria apenas a de artista iniciante. Adam e Estelle
Norton seriam as estrelas de grande sucesso. Fim da história. Com tio Edward de
volta e Richard também, tudo voltaria ao normal.
Examinar as cartas levou um bom tempo, e exigiu vários telefonemas e
entrevistas com professores. Quando o café foi servido, Adam consultou o relógio,
assustado: — Santo Deus, já é tão tarde? O resto terá que ficar para a tarde —
empurrou a cadeira e se adiantou para a porta. — Devo estar de volta lá pelas onze
horas, a não ser que o trem esteja atrasado. Se eu chegar tarde, diga-lhes que me
esperem.
Ele se apressou e, alguns minutos depois, seu carro passava em frente à janela e
tomava velocidade. Samantha assistia a tudo de sua mesa. Adam gostava de tudo
bem certinho, e teria que ser alguma coisa muito especial para deixá-lo daquele jeito.
Algo como ir ao encontro de Estelle Norton. Ela deu de ombros, terminou de tomar
um café, e levou a xícara vazia e a xícara cheia dele para a cozinha. Voltou para sua
sala e começou a datilografar.
Onze horas, e Adam ainda não havia regressado. Quando os dois garotos mais
velhos se apresentaram para o seminário, Samantha disfarçou: — O senhor Royle
ainda não está desocupado. É melhor vocês entrarem na diretoria e esperar.
Eles tinham acabado de fechar a porta quando Samantha ouviu passos no hall.
Levantou-se, crente que ia encontrar Estelle Norton e Adam Royle, mas ao invés
disso encontrou um homem alto e magro, de barba, com aparência alegre, parado na
porta.
Olhou para ele indecisa. Não era um dos pais dos garotos, disso tinha certeza. E
não estava disposta a entrevistar vendedores naquele exato momento. — Desculpe-
me — ela já ia perguntando quem tinha deixado ele entrar. Mas, de repente... —
Richard! É você?
— Olá, Samantha! — Richard Barnes aproximou-se dela e abraçou-a de forma
tão carinhosa, que ela ficou mais surpresa do que nunca.
— Como? Quando? Você está simplesmente maravilhoso, como um explorador
que fica longe de casa muito tempo, nas matas. Não o reconheci com essa barba. Mas
por que não ficamos sabendo que você ia chegar? — A primeira surpresa havia
passado e sua mente começou a trabalhar. Como contar-lhe a respeito de tio
Edward? Tenho algumas... notícias para você. Tenho medo que não ache as coisas
como gostaria de encontrá-las.
— Você quer dizer... a respeito de papai? Está tudo O.K., Samantha, eu já sei. Já
fui até vê-lo. Liguei para o hospital assim que meu avião pousou, e fui direto para a
estação de trem.
Samantha sentou-se rapidamente.
— Espere um pouco! Como foi que você descobriu? Ele não queria de maneira
alguma que você soubesse, até que saísse do hospital e tudo estivesse bem.
— É, foi isso que imaginei. É muito característico dele — puxou uma cadeira e
sentou-se ao seu lado. — Fiquei sabendo de uma forma bem engraçada. Eu me
encontrei com o pai de um dos garotos, o pai de Robert Lowther, na Cidade do
México. Ele estava lá a negócios. Eu tinha ido à cidade para buscar algumas peças, e
nos reconhecemos no hotel. Ele foi logo dizendo: "Senti muito ficar sabendo por
Robert da doença de seu pai. Como é que ele está?" Isso foi no sábado à noite.
Arranjei um lugar no avião e cá estou — ele franziu um pouco a testa — Mas gostaria
de ter ficado sabendo antes, Samantha. Entre outras coisas, eu poderia ter ajudado
um pouco você, se tivesse vindo para casa. Papai me contou que você está comendo o
pão que o diabo amassou.
Ela sorriu e balançou a cabeça. — Na verdade, não. Tio Edward contratou um
diretor muito bom. Você conhece Adam Royle?
— Não, nunca nos encontramos. Ele estava bem mais adiantado na
universidade. Mas sei de quem se trata. Papai sempre falou nele e sempre se
interessou muito por ele, desde que era estudante. Como é que ele é, Samantha?
Você está se dando bem com ele?
— É bastante inteligente, um excelente professor. Os garotos gostam dele, e isso
é o que mais importa, não? Ele não faz o meu tipo, mas é muito esperto e seguro de
si.
Richard riu. — Pobre Samantha! Eu devia ter vindo para salvá-la. Já arrumei
tudo para levar papai para Devon na quarta-feira, se o cirurgião concordar quando
for vê-lo amanhã de manhã. Vou providenciar a acomodação dele com tia Doris, e
depois voltarei e darei uma ajuda a vocês. Sem pegar muito no pé deste tal sr. Royle,
naturalmente. Mas deve haver alguma coisa que eu possa fazer.
— Oh, tenho certeza que sim. — Samantha suspirou aliviada, por não ter mais
que lutar sozinha contra Adam Royle e Estelle Norton. — Oh, Richard, estou tão
contente por você estar de volta! — disse carinhosamente.
— Samantha, há uma coisa que eu queria lhe dizer. Oh, que droga, mas isso terá
que esperar...
Os dois olharam ao mesmo tempo quando a porta foi aberta e Adam apareceu
com Estelle Norton ao lado — um vestido verde muito elegante, o cabelo claro
amarrado no alto da cabeça e óculos escuros. Observava a cena muito surpresa.
Samantha largou a mão de Richard e se levantou. Ele se levantou também. E, por
alguns instantes, os quatro ficaram em pé, sem ninguém falar. Então, Samantha
quebrou o silêncio: — Richard chegou sem aviso prévio, sr. Royle. E Jones e
Blenkinson estão em sua sala para o seminário.
Adam esticou a mão para Richard. — Muito prazer em conhecê-lo. Sempre nos
desencontramos, não é mesmo? Precisamos conversar logo que for possível. Por
enquanto, preciso atender os dois alunos que estão tentando bolsas de estudo.
Queira me desculpar. Talvez nos encontremos na hora do almoço. Samantha vai
fazer-lhe as honras da casa, tenho certeza. — E, virando-se para Samantha: — Por
favor, leve a srta. Norton até a enfermeira e veja que planos tem para ela. Agora, se
me dão licença... — ele sorriu, desculpando-se, e foi para sua sala.
Samantha levou algum tempo para instalar Estelle.
— A srta. Jennifer deixou-lhe este quarto, provisoriamente — Samantha disse,
abrindo a porta de um quarto agradável, que geralmente era reservado aos pais que
vinham visitar os filhos na escola, no caso de algum estar doente, ou em outras
emergências semelhantes.
Estelle olhou ao redor sem comentários. Nem se preocupou em agradecer a
Samantha por ter carregado suas malas para cima. Abriu as malas, tirou uma bolsa
de cosméticos, e sentou-se diante do espelho para retocar a pintura e arrumar o
cabelo imaculado. Depois, retirou os óculos, colocou-o sobre a cama e, então, disse
para Samantha: — Adam me contou que você se sente responsável pelo andamento
da escola, durante a ausência do sr. Barnes, srta. Gold — e fez isso soar de modo
bastante interessante, como se Samantha fosse a garotinha responsável pela casa,
enquanto mamãe fosse fazer compras. — Só queria deixar bem claro que não precisa
se preocupar com o meu departamento. Tenho bastante experiência com escola, e já
fui também enfermeira de um famoso hospital.
Uma porção de coisas veio à mente de Samantha, mas preferiu não dizer nada.
Não seria bom entrar em conflito com a srta. Norton; teria que se encontrar com ela
durante todo o tempo do semestre. Então, balançou a cabeça e disse calmamente: —
Entendo. Espero que se sinta feliz conosco durante sua estada aqui. E, se houver
alguma coisa que possa fazer por você, por favor, não hesite em me procurar.
— Oh, eu nunca iria hesitar! — Estelle disse amavelmente, afastando uma
mosca imaginária de seu impecável vestido verde. — Mas tenho certeza que não
precisarei incomodá-la. O sr. Royle e eu estamos acostumados a trabalhar juntos, e
sei exatamente como ele gosta das coisas. Portanto, serão poucas as vezes que irei
pedir seu auxílio. Em todo caso, muito obrigada, já vi que nos daremos bem. A
senhorita é muito gentil.
"Tenho certeza que você sabe como o sr. Royle gosta das coisas", pensou
Samantha, um pouco chocada com a reação da outra. Mas não foi isso que disse:
— Bem, continuo à sua disposição. E agora, se você está pronta, irei apresentá-
la à enfermeira e ela vai colocá-la por dentro da situação da escola.
Quando deixou a srta. Norton com Christine, Samantha voltou apressada à
procura de Richard, mas sua sala estava vazia. Havia um bilhete sobre a
escrivaninha: Achei que você ia demorar, e tenho um compromisso. Desculpe-me
por estar com tanta pressa. Será que dava para você preparar as coisas de papai
para a viagem e levá-las ao hospital amanhã? Ele me disse que você prometeu
preparar tudo. Eu a vejo quando eu voltar de Devon. Passaremos bons momentos
juntos. R.
Ela leu o bilhete duas vezes, franzindo um pouco a testa. Há muito tempo vinha
querendo que Richard ficasse na escola, e logo agora ele não estava mais lá. Amassou
o pedaço de papel e jogou-o no lixo. E continuou ao lado de sua mesa, em pé. Da
porta da diretoria, podia ouvir a voz de Adam, conduzindo os seminários. Através da
porta do ginásio de esportes vinha o barulho de bola. Pela janela, ela podia ver
alguns garotos jogando críquete, sendo treinados pela srta. Trump. Nas classes e no
laboratório as aulas continuavam como sempre. Na enfermaria, Christine devia estar
pondo Estelle Norton a par da situação. Tudo ao redor de Samantha ali na escola
parecia confuso e irritante.
Ela se sentia muito sozinha.

Logo depois do meio-dia os garotos saíram da diretoria. Samantha se encheu de


coragem, bateu à porta e entrou.
Adam ergueu os olhos, sentado à mesa, e voltou sua atenção para os papéis que
estavam diante dele. Seus modos não eram muito animadores Ela respirou fundo: —
Queria lhe perguntar...
— Sim?
— O sr. Barnes está para sair do hospital, e tenho que arrumar as coisas dele,
para levar para Devon. Desculpe-me por tê-lo interrompido, mas preciso ir ao quarto
dele pegar o que é necessário.
— Certamente. Quando é que ele vai para Devon? Onde mesmo que ele vai
ficar?
— Provavelmente, na quarta-feira. Vai passar uma temporada na casa da irmã
dele. O senhor se importaria se amanhã à tarde eu fosse ao hospital levar as coisas
dele?
— Pode sair à hora que você quiser.
— Muito obrigada. Agora vou subir para fazer a mala dele, caso isso não
atrapalhe.
— Não tem problema algum — ele concordou, sem prestar muita atenção.
Não tinha levantado os olhos da mesa desde que ela tinha entrado, e, agora,
estava obviamente esperando que ela saísse da sala.
— Vai querer... — ela começou, e interrompeu-se. Ele então levantou o olhar
lentamente. Samantha tentou uma vez mais. — Vai precisar da minha ajuda esta
noite com a datilografia, como de costume?
Ele pegou um lápis de cima da mesa, olhou para ele por alguns instantes, e
depositou-o novamente sobre a mesa. — Acho que não. Fico-lhe muito grato por
tudo que fez, mas agora não precisarei mais de sua ajuda. A srta. Norton é uma
exímia datilógrafa, entre outras coisas, e eu já combinei com ela para que me desse
uma ajuda. Na atual circunstância, quanto menos nos encontrarmos fora do horário
de trabalho, melhor.
Ela olhou para ele sem dizer nada. Depois, repentinamente, a raiva começou a
tomar conta dela. Falar daquele jeito como se nada tivesse acontecido na noite
passada... como se nunca tivesse murmurado no carro ''eu acho que estou
apaixonado, Samantha. Acredito que finalmente encontrei minha garota!"
Ela jogou os cabelos para trás, os olhos brilhando.
— Então Lisa me disse a verdade a seu respeito — falou com a voz trêmula. —
Ela me avisou, antes, que você era arrogante e estúpido na maneira de tratar as
mulheres. Pensei que não fosse tanto, mas estava enganada. Onde quer que o senhor
esteja, sr. Royle, a história se repete como sempre, não é mesmo?
Agora ele estava em pé, olhando diretamente para ela, os olhos muito escuros,
quase negros, e havia um brilho perigoso neles que parecia soltar faísca. — Não estou
interessado na opinião que sua irmã tem de mim — disse friamente —, nem na sua.
Agora, saia daqui antes que eu faça alguma coisa de que possa me arrepender depois.
Ninguém me diz coisas assim e sai sem ouvir nada.
Por um momento, que pareceu muito longo para os dois, eles se olharam
fixamente. Depois, ela lhe deu as costas e saiu da sala, batendo com força a porta.
Este teria sido um gesto de desafio muito satisfatório, mas, enquanto subia para o
quarto de tio Edward, parecia que o mundo dela estava desabando ao seu redor, sem
que pudesse mexer uma palha para evitar.
Mas, fosse o que fosse que acontecesse com o mundo particular de Samantha, o
mundo da Escola Kings Worthy tinha que continuar. Nos dias seguintes, Samantha
viu Adam muito pouco, o que era um alívio para ela. Algumas vezes se perguntava se
ele a estava evitando de propósito, mas achou que ele dificilmente iria se preocupar
em fazer isso. A única coisa, realmente, era que não estava acontecendo nada que
exigisse o trabalho dos dois. Os exames das bolsas de estudos estavam para acabar
agora, e Adam estava se dedicando bastante aos dois garotos. Seu modo de se dirigir
a Samantha eram breves e formais. Ele havia erguido uma alta barreira entre os dois,
e parecia estar evitando passar para sua sala através da porta dela.
Samantha preferia assim, agora que sabia que tipo de homem ele era. Mas
ainda havia uma dúvida. Alguma coisa em sua cabeça continuava sem explicação, e
isso lhe vinha sempre à mente quando estava trabalhando.
Gostaria de ver Lisa novamente, para tentar descobrir o que mais tinha
acontecido quatro anos atrás, que pudesse explicar a extrema antipatia entre Lisa e
Adam. Mas depois se perguntou o que aquilo ia adiantar. Não ia mesmo explicar o
mau comportamento dele para com ela. Não, pensou, o melhor era deixar as coisas
correrem normalmente, e, quando Lisa ligou dois dias depois, ela não mencionou
Adam.
— Só queria lhe dar notícias minhas, Sam. Robert está me esperando no carro
— deu uma risadinha. — Ele disse que nunca mais vai me perder de vista. Portanto,
vai me levar com ele para Newcastle. Eu só queria lhe dizer que está tudo bem entre
nós dois. Pensei que você estivesse preocupada, depois daquela confusão que eu
arrumei aquela noite.
Samantha não disse que tinha outras coisas com que se preocupar. Lisa nunca
iria entender que os problemas dos outros fossem mais importantes que os dela.
Sempre fora assim e não iria mudar agora. Então Samantha disse apenas que ficava
feliz em saber, e deixou as coisas como estavam.
Talvez fosse sorte de Samantha estar sempre ocupada com a parte doméstica
naqueles dias. Quando encontrou a sra. Kimble deitada no chão da cozinha, uma
tarde, tentando levantar-se sem conseguir, ela descobriu que a governanta estava
sofrendo de artrite, e que a doença parecia estar se agravando. Samantha tirou folga
no outro dia para levar a sra. Kimble ao médico, e ainda teve muita dificuldade em
convencer a enérgica senhora de que devia seguir os conselhos do médico e repousar
alguns dias. Precisava encontrar outra governanta, e finalmente conseguiu uma
viúva, muito simpática, chamada sra. Dood. A sra. Kimble não estava muito feliz com
a idéia de passar as responsabilidades para os ombros de outra mulher, e Samantha
passava a maior parte do tempo tentando manter a paz entre as duas.
Só uma coisa boa tinha acontecido nesses tempos ruins — Tio Edward recebera
alta do hospital, e Samantha dirigiu-se para lá com os pertences dele e uma porção
de livros que ele pediu. Não poderia vê-lo naquele dia, pois um cirurgião estava
examinando-o, mas mandou um recado, dizendo que estaria lá na quarta-feira, antes
dele ir para Devon. Quando chegou o dia, ela assim o fez, chegando atrasada para
uma outra crise doméstica. Parou o Mini no estacionamento do hospital e correu
para ver Richard e Tio Edward partindo.
Correu em direção ao carro, e Richard a viu e parou. Tio Edward abaixou o
vidro.
— Chegou a tempo! — disse.
— Eu queria ter chegado antes para me despedir — ela olhou tristemente para
eles.
Tio Edward parecia muito feliz em vê-la, e ela lhe disse que ele estava com uma
aparência muito boa. — Descanse bastante e fique bem forte. Nós vamos judiar
muito do senhor quando voltar para a escola.
— Para mim está ótimo — seu velho sorriso estava de volta aos lábios. — Toda
essa confusão de viagem não foi idéia minha. Mas prometo me comportar direitinho
e descansar. Vou procurar deixá-la um pouco mais sossegada quando eu voltar.
Richard sorriu para Samantha. Ele guiava o carro de tio Edward, logo, devia ter
ido à escola recentemente para apanhá-lo. Que estranho não ter entrado para
procurá-la! Ela não viu nem falou com Richard desde o dia em que ele fora à escola,
o que ela achou muito estranho. Mas supôs que ele estivesse com amigos, em algum
lugar. Ele era um homem calmo e muito fechado e não achava necessário contar a
todo mundo seus planos e seus movimentos. De qualquer modo, devia ter-lhe dito
alguma coisa, ela pensou, magoada com o que lhe parecia indiferença.
— Adeus, por enquanto, Samantha — ele disse. — Logo estarei de volta, acho.
Mas os meus planos são um pouco incertos, por enquanto. Você tem Adam Royle
para ajudá-la com as coisas, portanto ficará bem, não é mesmo?
— Oh, sim, eu estarei bem! Tudo está indo muito bem.
Ela se afastou e ficou observando o carro partir pela avenida, até que
atravessou a entrada do hospital e se perdeu de vista. Depois, caminhou devagar
para seu carro.

O primeiro sábado de junho era o início do campeonato de críquete, um


acontecimento muito importante no calendário da escola. Todo mundo rezou para
fazer um dia agradável e as preces certamente tinham sido atendidas. Após uma
garoinha muito fina, no começo do dia, o sol apareceu forte e agora estava brilhando
no céu azul. Potts, o jardineiro, tinha retirado sua roupa de trabalho, e com a ajuda
de um garoto do povoado, estava preparando tudo com muito bom gosto. A grama
estava bem tratada e os canteiros de flores estavam lindos, muito floridos.
Samantha ficou um pouco afastada da multidão. As mulheres vestiam roupas
estampadas, os homens, calças esporte e camisas sem mangas. Alguns estavam
sentados ao sol, com as crianças brincando na grama; outros estavam à sombra das
árvores, ou na varanda do pavilhão. Um dos garotos mais velhos servia limonada
numa bandeja.
— Uma tradicional cena inglesa, não é mesmo, srta. Gold? — disse uma voz
atrás de Samantha; ela virou-se e encontrou o sr. Jones, o professor, alto e sisudo de
Matemática e Ciências.
Falaram a respeito do tempo e do jogo, por algum tempo. E ele já estava para se
afastar quando Samantha lembrou:
— Oh, sr. Jones... — ele parou cortesmente e ela prosseguiu: — Só queria
perguntar como é que está indo James Phillips?
— Phillips? — ele passou a mão no rosto vagamente. — Ah, sim... o garotinho
que assiste duas aulas por semana na minha turma do quarto ano, a pedido do sr.
Royle. Sim, é verdade, ele parece se interessar muito por química. É raro encontrar
um garoto tão desenvolvido quanto ele. Se continuar tão interessado, no futuro,
poderá ser alguém bastante famoso.
Sorriu bondosamente para ela e dirigiu-se para o pavilhão. Samantha olhou
para ele com tristeza. Não ia conseguir ajuda dele, era evidente. O pobre James teria
que esperar até conseguir entrar na turma dele, o que só aconteceria no semestre
seguinte.
Ela caminhou para o campo de críquete. Agora era a vez dos garotos e os pais
estavam no campo. Alguns eram incrivelmente jovens para terem filhos na escola;
outros já estavam bastante idosos. Ela olhou para o placar e viu que o time da escola
estava se saindo maravilhosamente bem. E, depois de assistir um pouco mais, foi
para a barraca, ver se tudo estava sendo bem servido. Depois, satisfeita, voltou para
onde tinha estado. Mas, quando ia entrar, viu Adam. Ele estava em pé lá fora
observando o jogo. Como de costume, ela não se aproximava muito dele. E, agora,
espiava de longe, esperando que ele saísse de lá para que ela pudesse passar.
Viu um dos garotos se aproximar dele e reconheceu-o como sendo o Cartwright
da quarta série. Ao seu lado estava uma moça muito bonita, teria uns vinte e quatro
anos, num lindo vestido azul e com um chapéu de palha.
— Senhor, esta é minha tia — Cartwright disse. — Ela o conhece — ele
acrescentou, com importância.
Adam estava de costas para Samantha e ela não pôde ver sua expressão. Mas
viu o rosto da moça quando esta se dirigiu a ele com os olhos brilhando.
— Lembra-se de mim, Adam Royle? Fomos parceiros num jogo de tênis, neste
mesmo lugar, nos anos da minha extrema juventude.
Uma pequena hesitação, e então a voz de Adam se fez ouvir, carinhosa e feliz.
— Gillian! Gillian Cartwright! Claro que me lembro de você. Sua defesa de mão
esquerda é muito boa e não é fácil de ser esquecida. Você estava passando alguns
dias com o seu irmão. Sua casa ficava em Dorset, não é isso?
— Você tem boa memória — ela riu. — Mas atualmente estou morando na
Alemanha. Meu marido e eu estamos de férias. Casei com um soldado, você sabia?
Eles continuaram conversando, mas Samantha parou de ouvir. Então aquela
era a garota de Dorset? A garota que Adam tinha magoado profundamente com sua
estupidez, que quase tinha se matado por causa dele? Não, Lisa. Não, não. Aquela
era uma boa história dramática, mas não tinha nenhum fundo de verdade.
Devia ter imaginado, pensou Samantha. Não devia ter acreditado que ele era
realmente aquele tipo de homem.
Mas se não era, como desculpar a maneira com que ele a havia tratado?

Christine ficou na escola até o dia de seu casamento.


— Os pais de Hugh me convidaram para ficar na casa deles — ela disse a
Samantha —, mas prefiro ficar com James o máximo possível. Você sabe como é,
não?
Foi um casamento calmo e informal, como Christine queria. James ficou perto
de Samantha durante toda a cerimônia na Igreja de St. Nicholas, em Warwick.
Mesmo depois, quando se reuniram com mais alguns amigos de Hugh para o
champanhe e o bolo, não se afastou dela. Os dois filhos de Hugh, provavelmente
incentivados pelo pai, fizeram o possível para agradá-lo, mas James recusou
qualquer convite.
Samantha gostou de Hugh Garret desde o início. Ele era um homem alto, de
rosto inteligente e uma boca grande. Christine estava linda. Vestia um conjunto de
calças compridas amarelo. Quando estavam prontos para ir para o aeroporto, ela
abraçou James com força.
— Viremos visitá-lo logo que chegarmos, querido. Quem sabe trago uma
surpresa para você da Itália? — James agarrou-se a ela por um momento, sem poder
falar, mas não derramou uma lágrima. O que não aconteceu com a mãe, quando
Christine se virou para ir ao encontro do novo marido.
Na volta para a escola, no carro de Samantha, James não disse nada. Ela
respeitou o silêncio dele, sabendo que nada que dissesse ia ajudar nesse momento.
Percebeu que ele chegava mais para perto dela no carro, e ficou feliz, por ver que sua
presença o confortava um pouco.
Finalmente, chegaram. Samantha desligou o carro, consultando o relógio. —
Chegamos em tempo para o jantar — disse. — O que é que você vai fazer depois?
Os pais de Hugh estavam na casa dele, em Leamington, para tomar conta dos
dois garotos, enquanto os recém-casados estavam na Itália. Tinham convidado
James para passar o fim de semana com eles e conhecer melhor seus dois irmãos.
Mas James parecia não ter gostado muito da idéia, e ninguém mais falou sobre isso.
Agora Samantha começou a desejar que ele tivesse aceito. James ia se sentir mais
perdido que tudo na vida.
Repentinamente, ele disse: — Senhorita Gold...
— Sim, James?
Seu rosto estava contorcido pelo esforço de controlar as lágrimas: — Senhorita
Gold, por favor. Peça à senhorita Norton para me deixar assistir à experiência de
química esta noite. Ela disse que não tenho mais permissão para ir lá novamente,
mas só mais uma vez, por favor.
— Sim, claro que falarei com ela. Vou procurá-la já.
— Você acha que ela vai deixar? — Seus olhos escuros, tão parecidos com os de
sua mãe, estavam implorando.
— Espero que sim, James. — Ela não podia lhe dar muitas esperanças, pois não
sabia qual ia ser a resposta da governanta. De qualquer modo, Estelle Norton tinha
que ser um monstro para recusar, naquelas circunstâncias.
Encontrou a srta. Norton na enfermaria. Quando Christine trabalhava lá,
aquele lugar tinha uma aparência familiar, embora tivesse uma cama, equipamentos
de primeiros socorros e outras coisas. Mas agora, com a senhorita Norton, a sala
tinha uma aparência mais clínica. A cortina e a colcha que Christine tinha colocado
na janela e na cama tinham desaparecido, assim como as almofadas das cadeiras e os
tapetes do assoalho. Nenhum garoto se apresentava com dor de cabeça, um corte no
joelho, ou mesmo algum arranhão, pois não teria mais a mesma atenção.
A nova governanta, de avental branco, levantou a cabeça do formulário que
estava preenchendo com esmerada caligrafia. Samantha entrou.
— Vim aqui com um pedido de James Phillips. Como você já deve saber, a mãe
dele se casou novamente esta tarde, e viajou, e ele está se sentindo um pouco triste.
Eu sei que ele está proibido de ir ao laboratório depois do jantar, mas não daria para
abrir uma exceção, apenas por hoje? Ele é apaixonado por química, e tenho certeza
de que isso o ajudaria a distraí-lo da saudade que sente da mãe.
O olhar da srta. Norton era frio.
— Por que ele não veio falar comigo pessoalmente?
Samantha pensou: "porque ele se assusta com você, assim como eu me
assustaria, se tivesse que enfrentá-la". Mas disse diplomaticamente:
— Tenho certeza que ele virá. Está um pouco assustado agora. Mas isto é
compreensível, você não acha?
— Se ele não está se sentindo bem, é melhor que venha me ver. Diga-lhe para
vir até aqui falar comigo, está bem, srta. Gold?
— E você vai... vai deixá-lo ir ao laboratório? — aqueles olhos azuis olharam-na
fixamente através dos óculos grossos. — Vou ver se devo permitir ou não, senhorita
Gold.
"Em outras palavras, saia e não interfira no meu trabalho", pensou Samantha,
tremendo de raiva. Mas não havia nada para ser dito, e ela saiu e fechou a porta.
Encontrou James passeando pelo corredor. — A governanta deseja vê-lo, James
— disse a ele. — Ela está agora lá, vá vê-la.
Ele estremeceu, mas ela sorriu tentando encorajá-lo. Pôs o braço ao redor de
seus ombros e deu-lhe um empurrão. — Vá, James, seja um bom menino.
Do lado oposto da enfermaria havia um pequeno armário onde Samantha
guardava os livros novos e outros materiais. Ela dirigiu-se para lá, deixando a porta
aberta, e esperou que James aparecesse. Certamente, disse para si mesma, Estelle
Norton vai tratá-lo bem; se ela realmente fosse tão boa governanta como Adam
acreditava que era, iria reconhecer a sensibilidade do garoto que estava diante dela
nesse exato momento, e faria o máximo que pudesse por ele. Mas Samantha não
estava muito convencida de que aquilo tudo ia ser resolvido com facilidade. Esperou,
contando os novos livros automaticamente.
Depois a porta da enfermaria bateu, e ela ouviu pequenos passos no corredor.
Ouviu um outro som também, abafado, mas inconfundível. James estava soluçando
como se tivessem machucado seu coração.
Samantha nunca havia se sentido tão revoltada como nesse momento. Trêmula
de ódio, abriu a porta e saiu para o corredor, no mesmo instante em que Adam Royle
aparecia e eles se encontraram face a face. Ele devia, ela percebeu, ter estado no
quartinho particular da enfermaria.
Seus olhos se encontraram em silêncio, depois Adam, voltou-se como se fosse
afastar-se novamente, mas Samantha disse: — Sr. Royle, espere um minuto, por
favor.
Ele parou olhando para ela, as sobrancelhas escuras franzidas, o rosto muito
sério. Numa outra hora ela teria parado para medir suas palavras, mas agora não se
importava com o que ia dizer.
— O senhor estava lá o tempo todo? O senhor viu o que aconteceu?
— Sim, eu estava lá.
— E o senhor permitiu... o senhor permitiu que aquela mulher — ela estava com
toda a sua fúria — tratasse o menino do jeito que ela tratou?
Adam Royle estava sombrio.
— Ele terá que aprender a se virar sozinho, mais cedo ou mais tarde. Todos nós
temos que aprender.
— Mais cedo ou mais tarde, sim. Mas ele é apenas um garotinho. Tem apenas
oito anos. Esta tarde foi muito triste para ele e, no entanto, se comportou
maravilhosamente. Sei que era porque eu estava lá. A vida dele mudou totalmente, e
ele não derramou sequer uma lágrima. Não até agora. Não até que a governanta
falasse com ele. O mínimo que ela podia ter feito era mostrar-se um pouco mais
compreensiva, mais humana, mais carinhosa. — Samantha estava totalmente
descontrolada. — Acho que ela agiu sem um pingo de humanidade. E o senhor
também, sr. Royle — acrescentou sarcasticamente, e só não disse mais porque tinha
medo de acabar chorando.
Os olhos dele se estreitaram. Pareciam extremamente perigosos. Mas quando
falou, sua voz foi fria. — Sou o chefe aqui, srta. Gold. Não aceito ordens e muito
menos críticas de ninguém. Está bem entendido? Só espero que, no futuro, a
senhorita não cometa outro engano como este e se mantenha no seu lugar — e saiu
pelo corredor afora.
Samantha ficou olhando para ele, sem poder realmente enxergar. Aquilo então
era o fim. O triste fim.

CAPÍTULO X
Samantha foi para sua sala. Sua garganta estava seca e os joelhos pareciam
elásticos esticados. Assim que sentou o telefone tocou. Ela respirou fundo para
tentar se controlar: — Escola Kings Worthy, aqui é a secretária.
— Oh, finalmente é você, Samantha — era a voz de Richard. — Estive tentando
falar com você a tarde inteira.
Depois do que tinha acontecido entre ela e Adam, o tom amigo da voz dele fazia
com que sentisse vontade de chorar: — Estive fora. Fui a um casamento. Como estão
as coisas, Richard? E como está tio Edward?
— Oh, ele está muito bem, está se recuperando a olhos vistos. Ele lhe manda
seu carinho e diz que vai lhe escrever. Tenho algumas novidades... — aquela
ansiedade ela já havia notado antes, era alguma coisa rara em Richard, que ela
conhecia tão bem.
— Boas notícias? — perguntou. Por um instante ela imaginou que ele ia dizer
que tinha encontrado alguém, que estava comprometido e ia se casar. Mas não foi o
que ele disse: — Notícias maravilhosas. Queria lhe contar antes, mas estava com
muita pressa, quando fui vê-la. Tinha que encontrar um homem em Birmingham,
um amigo do professor Hayes que está liderando a nossa turma. O projeto todo está
saindo melhor e mais promissor do que ele esperava, e então ele resolveu esticar a
temporada no México. O que você acha disso?
— Maravilhoso, Richard. Divino! Do jeito que você sempre desejou, não é
mesmo? — ela estava feliz por ele, mas era difícil se entusiasmar com alguma coisa,
pois não se sentia nada bem. — Por acaso isso quer dizer que você estará viajando
em breve?
— Amanhã. Me sinto um pouco egoísta em deixar papai, mas ele realmente me
parece que está muito bem. Está mais entusiasmado do que eu. — Houve uma pausa,
depois ele disse um pouco hesitante: — Há uma outra coisa, Samantha.
— Sim?
— É tão difícil no telefone... gostaria de ter conversado com você, mas tudo
aconteceu tão depressa, que não foi possível. Eu queria dizer... bem, eu sempre achei
que, um dia ou outro, você e eu íamos ficar juntos, você sabe. Acho que nos daríamos
muito bem. Tinha planos de falar com você, quando vim de férias no último verão. E,
agora, vou deixá-la de novo, pois não sei quando estarei de volta. — Ele interrompeu-
se, e depois continuou: — Oh, diabos, isto é estúpido, mas acho que você está me
entendendo, não, Samantha?
— Acho que estou, Richard.
— E você promete pensar no assunto, mais tarde, quando meus planos forem
mais definidos?
— Claro que sim, Richard.
Algum dia, talvez. Quando Adam Royle não estivesse mais fazendo parte de sua
vida, quando não se lembrasse mais dele, do som de sua voz, e quando ele não mais
fizesse seu coração disparar, aí então talvez pudesse pensar nele com mais calma,
num casamento, o tipo de casamento que uma vez havia imaginado. Lisa sempre lhe
dissera que era uma garota fria, e ela acabara por concordar. Mas, agora, a demora
para acertar as coisas entre ela e Adam, sentir o tato dele em suas mãos, estar em
seus braços novamente, ser beijada com paixão por ele, era tudo o que mais queria, e
não sabia nem o que pensar sobre ela e Richard.
Depois de ter dado adeus a Richard e depois de ter lhe desejado toda a sorte do
mundo, a única coisa que Samantha queria era ficar quieta e calada, para poder
parar de fingir que tudo estava correndo bem na sua vida. Ela não era de se entregar
tão facilmente; esforçou-se para ir jantar e, depois, dar um pulo até a sala dos
professores, tomar café e conversar. Todos estavam interessados no casamento de
Christine e queriam saber dos detalhes. Quando já havia dado todas as informações,
e a conversa se generalizou, a srta. Bayley chegou e sentou-se ao seu lado e disse
confidencialmente:
— E como você acha que o pequeno Phillips está reagindo a isso? Pode haver
algum problema, eu acho. Ele teve a mãe só para ele por longo tempo, e isso deve ter
sido um grande choque, pobre garoto... Ele é ótimo! Muito sensível para sua idade,
você não concorda? — suspirou. — No meu ponto de vista, eles ainda são
criancinhas, e muito vulneráveis. Mas Phillips é diferente, tenho um carinho muito
especial por ele.
Samantha balançou a cabeça, concordando, e ficou feliz. Ao menos James tinha
alguém mais que se preocupava com ele. Se pelo menos a nova governanta tivesse
sido um pouco mais humana, ao invés de reagir como uma máquina, James podia ter
assistido sua tão adorada aula de química!
Ela foi para cama tarde, pensando em James. E aquilo acabava fazendo-a
pensar em Estelle Norton, que, por sua vez, a levava inevitavelmente para Adam. À
meia-noite e meia, Samantha ainda continuava preocupada e não conseguia dormir.
Acendeu a luz e leu um pouco, mas as palavras não faziam sentido. Talvez se ela
soubesse que James estava dormindo tranqüilo se acalmasse um pouco. Ela não ia
fingir que sua falta de sono era só por causa do menino, mas pelo menos ele era um
pouco culpado por isso. Ainda podia ouvir os soluços dele no corredor, quando saiu
da enfermaria.
Ela se vestiu, calçou o chinelo e saiu. James e mais quatro meninos dormiam na
ala norte, e foi para lá que se dirigiu. Ela abriu a porta e espiou. Tudo estava em
silêncio. As cortinas estavam um pouco abertas e a lua clareava uma parte do quarto,
as duas camas do canto, e uma delas James ocupava. Mas, agora, estava vazia.
Samantha sentiu um peso no coração. Era assustador ver a cama vazia, os
lençóis jogados para o lado. Depois, procurou se acalmar. Claro! Ele teria se
levantado para ir ao banheiro. Talvez estivesse doente. Apressou-se, correndo para o
corredor: "Não vou levá-lo para aquela srta. Norton. Eu simplesmente não vou levá-
lo".
Mas as duas portas do banheiro estavam abertas. James não estava lá também.
Samantha pensou novamente. Nos livros de histórias, sempre havia um garoto que
fugia. Mas para onde James teria fugido? Ele não poderia ter ido encontrar sua mãe
na Itália, e dificilmente iria para a casa de sua nova avó, pois nem queria conhecê-la.
Ficou parada alguns instantes, com as mãos muito cerradas. Depois lembrou-
se. O laboratório! Por que não pensara nisso antes? Correu para as escadas que
levavam às salas de aula, vazias e escuras agora, exceto por uma luz que saía de baixo
de uma das portas. Ela estava certa! Abriu a porta e disse baixinho: — James, você
está aí? Sou eu, Samantha — acrescentou, para deixá-lo mais calmo.
Então, quando abriu mais a porta, sobressaltou-se. Havia um choro agudo de
criança, e um corpinho branco iluminado pela luz clara; o armário estava no chão e
havia líquido esparramado pela sala toda, queimando. No canto do laboratório
estava James, assustado com o fogo diante dele.
Samantha agiu instintivamente. Sua roupa era de náilon, mas James usava um
pijama de algodão. — Tire o seu pijama, rápido! — ela o ajudou a livrar-se das
mangas e depois tentou apagar com ele as chamas mais próximas com o pijama.
Achou que devia tocar o alarme no corredor, mas ia acordar a escola toda. Enfim,
por enquanto o fogo era pouco, e ela mesma podia dar conta dele sozinha. — Deixe
eu pensar um pouco — murmurou com os dentes trincados.
Decidiu trabalhar arduamente, tentando apagar o fogo com as toalhas que
encontrou ali e também atirando água para evitar que o fogo se alastrasse. Dentro de
dois minutos o fogo estava dominado e, pouco depois, tudo estava escuro, só se
sentia o cheiro de queimado.
— Você está bem? — Ela viu que James estava muito pálido e sem voz,
amedrontado e chocado, mas não tinha se machucado. Colocou-o sentado num
banquinho alto e desceu a cabeça dele até os joelhos, forçando-a um pouco ali, com o
outro braço ao redor daquele corpinho frágil. Foi nesse instante que as luzes se
acenderam e a voz de Adam soou, cortante:
— Que diabo está acontecendo aí? — Ele entrou na sala, olhando assustado para
as coisas no chão e as poças d'água. Viu Samantha segurando James, e acrescentou:
— Está bem, você não precisa dizer, posso adivinhar o que aconteceu.
Depois daquilo, ele estava com o controle da situação. Samantha não se sentia
nada bem, e então sentou-se no banquinho ao lado de James, com a cabeça baixa.
Ele procurou examinar os dois, mas ela não notou que havia mais alguém na sala, até
que ele falou:
— Nenhum dos dois está machucado, felizmente.
Ela ergueu a cabeça e viu Estelle Norton. Estava com a mão no ombro de James
e tentava de qualquer jeito fazê-lo erguer a cabeça.
— Vamos, Phillips, vamos dar uma olhada em você — e, como ele resistisse
teimosamente, ela suspirou e disse para Adam: — Você pode fazer o favor de trazê-lo
ao meu quarto? Não posso examiná-lo direito aqui.
James se encolheu como um animalzinho assustado. Se o braço de Samantha
não continuasse em seus ombros ele teria caído da banqueta. — Não — ele
respondeu, erguendo a voz histericamente: — Não, não vou com você! Não quero ir!
— Venha, não seja bobo, garoto. — Estelle Norton tentou novamente tirá-lo da
banqueta, mas ele se desvencilhou de suas mãos e escondeu a cabeça no peito de
Samantha, agarrando-se a ela com desespero.
Adam deve ter percebido que o garoto não estava em condições de atender à
ordem. — Está bem — disse para Samantha —, é melhor levá-lo consigo e tomar
conta dele por enquanto. Vou limpar aqui.
Samantha levou Phillips para seu próprio quarto, limpou a sujeira de suas mãos
e o rosto, e, vendo que ele não havia mesmo se ferido, ficou muito satisfeita. Então
sentou-o numa cadeira confortável, conversou um pouco com ele, serviu-lhe uma
caixa de biscoitos e ficou observando-o comer.
— Pode comer, são deliciosos, não acha?
Ele mastigou um biscoito com gosto e depois conseguiu falar. — Eu só queria
olhar a experiência que eles fizeram. Quis tentar alguma coisa, mas acho que peguei
o tubo errado. Aí o gás começou a se desprender e... — ele parou e então disse como
se estivesse muito arrependido: — Por favor, srta. Gold, quero ir para casa. Quero ir
para casa agora.
A primeira coisa que Samantha pensou foi que ele estivesse falando da casa da
avó. Ele estava bem novamente. Mas ela disse com muito jeito: — Você não devia ter
ido ao laboratório, James, você fez uma coisa muito errada. Principalmente porque a
srta. Norton disse que você não devia ir.
— Eu sei. Ela disse que eu não podia ir no meu horário de folga, depois do
jantar, e eu não fui. Esperei até a hora de dormir. Então a coisa não foi tão ruim
assim, não é mesmo?
— Não sei, James. Teremos de esperar para saber o que o sr. Royle vai dizer.
Agora, coma seus biscoitos. Logo eu estarei de volta.
Ela voltou ao laboratório e encontrou-o vazio. Tudo já estava limpo, mas ainda
havia aquele cheiro de coisa queimada. No dia seguinte, todos iam ficar sabendo.
Adam reapareceu.
— Levei um pouco da sujeira lá para o fundo — disse, entrando. — Agora só
falta tirar este lixo. Como é que o garoto está?
Ela não podia julgar seu humor; não podia dizer se ele estava irritado ou não.
— Fisicamente, está bem. Mas assustou-se muito.
— Ele merecia isso — disse Adam. — Ele desobedeceu à srta. Norton de
propósito.
— Ele não achou que estivesse desobedecendo. Ela disse que ele não podia ir ao
laboratório depois do jantar, então ele esperou até que todos fossem dormir. As
crianças desta idade não entendem muito bem as coisas. Mas ele sabe que agiu
errado. A tentação é que foi muito forte para ele resistir, eu imagino.
— A srta. Norton acha que ele fez isto só para desafiá-la.
— A srta. Norton — ela disse com raiva — está enganada.
Os dois ficaram calados. Aquela conversa não estava levando a nada. E, então,
Samantha disse: — James quer que eu o leve para casa. Agora, esta noite.
— Impossível. Ele não pode fugir desse jeito. Tem que ficar! Enfrentar a
situação e arcar com as conseqüências do que fez.
— Ele é um garoto muito confuso e infeliz. Precisa de amor e de compreensão.
— E você acha que ele não tem isso aqui?
— Não por parte de todos — e a implicação era inconfundível. — E tem mais. Se
ele ficar, a história vai se tornar conhecida. Os garotos vão contar a seus pais, e os
pais vão pensar que há alguma coisa errada com a segurança da escola. Seria muito
degradante para a reputação da Kings Worthy.
— Os pais estariam certos, não? — disse Adam. — Tenho que conversar
seriamente com o sr. Jones pela manhã. O laboratório nunca deveria ficar aberto.
— Não, não devia — ela balançou a cabeça sem poder fazer nada. Não ia ajudar
em nada, ela pensou, mas tio Edward fazia uma ronda todas as noites, para ver se
tudo estava bem, janelas e portas trancadas. — Não acha que isto é menos
importante do que o fato ser revelado?
A expressão de Adam não era muito encorajadora. — Deixe-me tentar entender
as coisas. Você está sugerindo que nós inventemos alguma história para que os
garotos não tomem conhecimento do que aconteceu?
— Eu podia dizer que estava limpando o laboratório e tive um acidente; que
James Phillips se machucou e que, por isso, o levamos para casa. Isso será bem
aceito e logo todos esquecerão.
— Você está me pedindo para contar uma mentira?
Ela não se atreveu a olhar para ele. Sabia que o que ia ver era desprezo. Aquela
era mais uma prova de que as mulheres são mentirosas e gostam de enganar os
outros. Então, disse:
— Para o bem da escola, sim. Há momentos em que não podemos dizer a
verdade.
— E o que vai acontecer se eu me recusar? — a voz dele era quase gentil.
— Eu levarei James para a casa dele e o deixarei lá com sua nova avó. Ela é uma
pessoa muito boa, e saberá ajudá-lo. Acho que ele deve ir, para o bem dele e de toda
a escola. Sinto muito que o senhor não veja as coisas desta maneira. Vou ligar para a
avó de James e colocá-la a par da situação, sem alarmá-la. Depois, levarei James
para Leamington, e o senhor não poderá me deter, sr. Royle.
E, com a cabeça erguida, saiu do laboratório.

Já passava das duas horas quando Samantha saiu da casa nova de Christine em
Leamington. Ela ficou até ver James deitado e dormindo. Mas a sra. Garrett tinha
insistido em fazer café e sanduíches.
— Caso contrário — a bondosa senhora de cabelos brancos tinha dito —, você
acabará dormindo no volante, e nós não queremos ter duas catástrofes numa única
noite, não acha?
Samantha estava muito grata, admitindo que aquela emergência a tinha
deixado tremendamente cansada. Até agora, o auxílio que teve que prestar tinha
conseguido mantê-la de pé. Mas, agora, teria que enfrentar Adam Royle, e era uma
coisa que realmente não queria. Ela havia criticado e desafiado a sua autoridade.
Agira contra a vontade dele, e ele não era homem de deixar esse tipo de coisa passar
em brancas nuvens.
Quando se despediu, e a luz de fora bateu em seu rosto, pálido e tenso, a sra.
Garrett disse: — Você está num péssimo estado, pobrezinha. Acho que não devia
voltar guiando. Gostaria que meu marido estivesse aqui para poder levá-la. Mas ele
teve que sair logo depois do casamento para tratar de alguns negócios, e ficará longe
de casa uns dois ou três dias. — Fique, passe a noite aqui conosco.
Mas Samantha recusou. Tinha uma leve impressão de que Adam a esperava e,
se houvesse alguma coisa desagradável para ser discutida, ela preferia que fosse logo.
Portanto, disse adeus à sra. Garrett, que havia prometido entrar em contato com
Christine para lhe contar o que tinha acontecido.
Samantha agradeceu e dirigiu-se para o carro. O café a despertara. Agora,
sentia-se capaz de voltar guiando com segurança até a escola. Ela entrou no carro,
mas antes de dar a partida, divisou uma figura morena que se aproximou. Sentiu um
momento de pânico, irracional. A sra. Garrett ainda estava na porta. E então viu que
era Adam.
Ela abaixou o vidro, mas a luz da rua estava muito fraca para mostrar a
expressão dele.
— Que... que você está fazendo aqui?
— Vim para levá-la de volta.
— Mas, mas... como é que você sabia onde eu estava?
— Eu a segui.
— Você ficou esperando todo este tempo? Sentado no carro, esperando?
— A maior parte do tempo fiquei passeando, pensando — ele usava um tom
muito seco, e ela pensou, santo Deus!... ele devia ter ficado lá cerca de duas horas!
Samantha saiu do carro e viu que a sra. Garret estava vindo na direção deles.
Adam se apresentou e explicou que tinha vindo para buscar Samantha. Disse que
ficaria muito agradecido se pudessem deixar lá o carro dela, e que viria alguém
buscá-lo no dia seguinte.
Enquanto se dirigiam para a escola, Adam não disse nada e Samantha olhava
pela janela, lá para fora. Depois de algum tempo, acabou dormindo, encostada no
assento do carro.
— Acorde, Samantha, já chegamos. — Ela ouviu a voz de Adam com um
sobressalto, e endireitou-se. — Devo ter dormido.
— Sim — ele disse. Estava claro que não pretendia falar muito com ela.
Adam abriu a porta da frente, e só no hall falou com ela:
— Você quer comer alguma coisa? Ou beber? — sua voz não era muito
animadora. Ele não estava sugerindo uma refeição amigável, ela pensou, e,
repentinamente, começou a sentir-se exausta.
— Não, obrigada.
— Então vá dormir, e procure esquecer o que aconteceu esta noite.
— M... mas — Ele não iria dizer nada a respeito? Se ficou andando, e pensando
por quase duas horas, já devia ter chegado a uma conclusão.
Como quem está no fim de sua paciência, ele olhou fixamente para ela.
— Já disse para ir se deitar, você não ouviu? — Então vá.
— Está bem — e cansada para discutir, ela subiu as escadas e pulou na cama.
O sol estava bastante forte quando acordou e encontrou a sra. Kimble ao seu
lado com uma bandeja de café. — Trouxe o seu café. Sua noite não foi nada boa,
hein? Está se sentindo melhor agora? O sr. Royle me disse que você sofreu um
acidente no laboratório ontem à noite. Ainda bem que não foi nada grave.
Samantha sentou-se, ajeitando o cabelo. Então Adam tinha resolvido aceitar
seu plano de não divulgar a história verdadeira? Estava muito aliviada, mas sabia o
quanto essa decisão lhe custara. Ela o havia feito agir contra seus princípios e ele não
iria perdoá-la. Se as coisas já não estavam boas para ela antes, agora então seria bem
pior. De qualquer forma, teria que pensar num modo de se aproximar, de tentar ser
mais amiga dele. Mas até a hora em que ela tinha tomado café e se vestido, nenhuma
idéia lhe apareceu.
Quando abriu a porta de sua sala, Adam estava lá, em pé, diante da janela. E ela
imaginou: esperando para repreendê-la, sem dúvida.
— Está mais descansada? — ele perguntou.
— Sim, obrigada.
— Ótimo! Agora, então, gostaria que você me fizesse um favor. Deixei um livro
muito importante na casa de campo, e não poderei continuar se não o tiver aqui
comigo. Eu mesmo iria lá, mas tenho um dia muito cheio hoje — ele falava e ia
tirando a chave do bolso para lhe entregar. — Um ônibus sai para Warwick às dez e
meia. A srta. Trump vai levar um time do segundo ano para jogar contra a Escola
Emscote Lodge. De lá você pode tomar um ônibus e ir até minha casa. Você faria isso
para mim?
— Certamente — ela concordou. Não podia mostrar-lhe que estava surpresa,
mas sentia uma coisa muito estranha. Ela esperara que ele reagisse de outra forma,
que expressasse seu desprezo, que ficasse bravo. Mas, ao contrário, ele parecia ter
esquecido tudo que acontecera naquela noite.
— Ótimo — ele disse, e parecia mais aliviado depois de ter explicado qual o
título do livro que queria. Claro, ela pensou, seu livro é muito mais importante do
que qualquer coisa que acontecesse na escola.
Mas não conseguia entender aquilo. Enfim...
— Muito obrigada por ter me trazido para casa ontem à noite. E por ter falado o
que falou a respeito do acidente.
— Você não me deu muita escolha, não foi? — mas o tom de sua voz era normal,
sem mágoa.
Antes que ela pudesse pensar numa resposta, a porta foi aberta e Estelle Norton
entrou. Olhou para Samantha, porém se dirigiu a Adam.
— Podia me dar um minuto ou dois, diretor? É muito importante. — Havia um
leve sorriso em seus lábios. Ela parecia agitada, embora tentasse aparentar o
contrário. ''Esta'', pensou Samantha, é que é uma moça fria, não eu. E este é o tipo de
mulher que Adam vai escolher, porque ele nunca saberia se ela estava ou não
manobrando as coisas ou usando truques femininos para conseguir tudo à sua
maneira.

A sra. Garrett ficou feliz ao ver Samantha.


— Minha querida, estou contente que você tenha vindo! James é um garoto
muito inteligente, completamente diferente das outras crianças. Você acertou. Uma
criança precisa de um lar e segurança. A volta dele foi a melhor coisa que podia ter
acontecido. Quer que eu diga que você está aqui?
— Seria melhor que não — Samantha respondeu rapidamente. — Eu adoraria
vê-lo, mas talvez seja melhor não lembrá-lo agora da escola.
— Mas eu estava certa que ia ficar para o almoço.
— Adoraria, mas estou indo para Stow. O diretor tem uma casa de campo lá e
me mandou buscar um livro para ele.
— Ah, Cotswolds! Lá é um lugar lindo! Bem, o dia está mesmo muito propício
para um passeio de carro. Você vai gostar muito, tenho certeza.
Mas Samantha não apreciou nada. De fato, era um lindo dia. O sol brilhava, as
árvores estavam verdinhas e a estrada sem muito movimento. Mas ela estava tão
triste que chegou a desejar que o dia estivesse escuro e chuvoso, para combinar com
o seu humor.
Não pretendia demorar lá; sabia muito bem que aquele lugar ia enchê-la de
recordações.
Mais duas curvas e lá estava a casa de campo, exatamente como ela se
lembrava, como a primeira pintura da casa de uma criança; quatro janelas, uma
porta e uma chaminé no alto. "Podíamos ser tão felizes aqui", ela pensou, e sentiu
um nó na garganta quando saltou do carro e se dirigiu para a casa. Mas nem bem se
aproximou, viu a porta aberta e alguém lá... não! Não podia ser:
— Adam!
O mundo pareceu dar uma volta de trezentos e sessenta graus. Aquilo era só
imaginação. Só podia ser! E seus joelhos começaram a tremer.
— Está tudo bem, Samantha. Não sou um fantasma — ele sorria e olhava para
ela com ternura. — Já faz tempo que estou esperando você. Tive medo de que não
viesse, que tivesse se assustado muito com o meu bom comportamento.
Ela não conseguia falar nada. Apenas continuava ali, olhando para ele, sem
entender coisa alguma. Olhou para aqueles olhos escuros como duas poças de água.
E, com o que viu, a vida pareceu nascer em sua alma novamente.
— Eu judiei muito de você, não? Nunca pensei que um dia fosse encontrar uma
garota que conseguisse me fazer mudar de idéia a respeito das mulheres. Pensei que
era invulnerável, mas depois que você apareceu, Samantha, minha querida...
Ela não sabia como havia atravessado a distância entre eles. Só sabia que estava
em seus braços, agarrada com tanta força que quase não conseguia respirar. Ouviu a
respiração descontrolada dele, e o seu coração batendo. Continuaram assim por
algum tempo e quando finalmente ele a largou, ela disse:
— É claro que estou sonhando. Mas não quero de jeito nenhum acordar.
— Eu também não quero — e tomou-a nos braços novamente, beijando seus
lábios, seu pescoço. — Oh, Samantha, foi terrível ficar esperando você aqui. Pensei
que a tivesse perdido, que você estava me odiando.
— Pois eu achava que era você quem estava me odiando — ela balançou a
cabeça. — Não entendo, não consigo entender.
— Só há uma coisa para ser entendida, Samantha. Estou apaixonado por você,
mas tão apaixonado que nada mais tem importância. Você também me ama? Pelo
menos tenho essa impressão. Estou certo?
Ela sorriu, saboreando o momento em que a mulher domina o homem. —
Continua arrogante, não é mesmo? Continua acreditando que nenhuma mulher pode
resistir ao seu charme?
O jeito que ele olhou para ela deu-lhe um momento de terrível paixão. Então,
ele tomou seu rosto entre as mãos e beijou-a lentamente.
— Você consegue resistir a mim? É só isso que quero saber — e quando ela
confessou que não, ele riu feliz. — Quer se casar comigo? Você não está
comprometida com Richard Barnes?
— Richard é um encanto, mas está muito mais interessado em suas descobertas
do que em se casar com alguém. Ele voltou para o México.
— Maravilhoso! Agora, que tal se sairmos para um piquenique no alto da
colina?
— E a escola?
— A escola, bem... a escola ficou aos cuidados do sr. Jones, e Estelle está lá para
qualquer emergência.
— Eu pensei que você fosse se casar com Estelle Norton...
— Nunca faria uma coisa destas — ele respondeu, balançando a cabeça, e ela
não tocou mais no assunto.
Mais tarde, quando já haviam almoçado, Samantha olhou para Adam que
estava deitado na grama, com as mãos atrás da cabeça e não resistiu:
— Quando foi que você descobriu que gostava de mim?
— Desde a primeira vez que vi você senti cheiro de perigo. Sabia muito bem que
ia acabar com a minha paz.
— Mas você era tão... tão...
— Vamos, fale. Tão insuportável, chato e muito mau?
— Eu não posso qualificá-lo assim. Prefiro dizer... desencorajador. Por que,
Adam? Acho que mereço uma explicação.
De um momento para outro seu rosto ficou sério.
— A verdade é que aprendi a não confiar nas mulheres desde que era garotinho.
Quando ainda não andava, só vivia aos pés de minha mãe...
— Não estou entendendo.
— Vamos dizer que eu não tive muita sorte com minha mãe. Meu pai era um
homem muito bom, um homem sensato. Eu o amava e admirava muito. Depois que
fui começando a entender as coisas, eu a vi destruindo, pouco a pouco, a serenidade
de meu pai. Ela costumava mentir e enganar para conseguir o que queria. Quando
finalmente foi embora de casa, meu pai ficou muito nervoso. Morreu dois anos
depois.
— Sinto muito. — Samantha estava penalizada. — Acho que agora estou
entendendo melhor. Mas...
— Muito bem, Samantha. Acho que sei o que você está pensando. Outros
homens tiveram mães como a minha, e não deixaram que suas almas endurecessem,
não é?
— É, mais ou menos. Mas não foi só sua mãe, não? Há outros motivos — e isso
tem alguma coisa a ver com Lisa, ela pensou, mas não disse nada.
Por algum tempo ele pareceu distante, o rosto duro, olhando para o horizonte.
— É preciso mesmo falarmos sobre isso?
— Eu acho que sim. Deve haver muito mal-entendido. Não tenho certeza, mas...
— Está bem, vou lhe dar os fatos e você, então, poderá preencher as lacunas. Eu
disse que tinha um irmão. Seu nome era Jimmy e ele era seis anos mais novo que eu.
Éramos muito unidos, talvez pela forma com que minha mãe nos criou. — Fez uma
pausa, e acrescentou sobriamente: — Você pode estar pensando que nós éramos
unidos em defesa do inimigo, mas havia algo mais entre nós dois. Ele era uma pessoa
maravilhosa, sempre querendo aprender, experimentar coisas novas. Eu o ensinei a
nadar e a escalar montanhas. Nós costumávamos escalar juntos, durante as férias.
Logo depois que papai morreu, fui morar num apartamento em Cambridge e ele ia lá
de vez em quando. Então, quando estava no segundo ano da universidade, conheceu
uma garota numa festa de tênis e ficou muito inclinado por ela. Vi tudo aquilo
começar; eu também estava lá. Ela era bonita e viva. Eu tinha dúvidas, mas ele não.
Era muito ingênuo com relação a garotas e, para ele, aquilo era tudo.
E aquela garota era Lisa. Samantha tinha certeza disto.
— Continue, Adam — murmurou, percebendo que não conhecia tão bem a irmã
mais nova como imaginava.
— Bem, ela prometeu casar com ele. Eu não sei se ela pretendia realmente, mas
o casamento não chegou a acontecer, pois ela encontrou um homem com muito
dinheiro e acabou tudo com Jimmy, de uma maneira bastante brutal. Ele ficou
arrasado. Daí a alguns dias, foi escalar uma montanha na Suíça com um amigo. Ele
despencou de duzentos metros de altura e morreu instantaneamente.
— Oh, não! — ela estava horrorizada. E então, quando percebeu que o que ele
dizia era muito incriminador, quis saber. — Você acha que ele fez isso de propósito?
Ele desviou o olhar e seu rosto estava muito magoado.
— Não, não estou dizendo isso. Mas ninguém conseguiu entender como um
rapaz que era tão bom esportista, tão cheio de vida, pôde cair de um lugar tão sem
perigo. Ninguém conseguiu entender por que que ele não amarrou as cordas direito.
De acordo com a polícia, sua morte foi considerada um acidente.
— Mas você não pensa assim, não?
— Eu o vi antes de partir — ele disse vagarosamente. — Acho que não estava
nem se importando.
Houve um profundo silêncio, e Samantha entendeu uma porção de coisas a
respeito dele que não entendia antes. Não só uma vez, mas duas, ele tinha passado
por um inferno por causa de mulheres.
— E depois você foi visitar a garota, não foi? Você disse tudo que pensava a
respeito dela. Você a deixou em pedaços, não foi mesmo?
Ele olhou para ela muito assustado.
— Como é que você ficou sabendo disso?
— Aquela garota era Lisa, não era? Ela nunca se esqueceu de você e nunca o
perdoou.
— É... Era Lisa.
Não havia necessidade de maiores explicações. Tudo já estava no devido lugar.
Depois de certo tempo, ela aproximou-se dele e abraçou-o com força. Ficaram
sentados juntos, sem falar, com a paz das colinas envolvendo os dois.
Samantha debruçou-se para apanhar uma flor azulzinha e entregou-a a Adam
sorrindo.
— Já vi flores crescerem no meio das pedras, portanto, confio em você. — Ela
olhou fixamente para aqueles olhos escuros e disse como se precisasse urgentemente
de uma resposta: — Você pode confiar em mim, Adam?
— Vivemos num mundo falso, minha querida. Mas eu confio e continuarei
confiando em você por todo o tempo em que vivermos.
Ela suspirou e relaxou em seus braços, preparando-se para o longo beijo:
— Era tudo o que eu precisava saber, querido.
SABRINA 51
"A FORÇA DO DESEJO"
Anne Mather
Ebook

Helen não conseguia acreditar no que seus olhos viam: à sua frente estava um
leopardo! Em meio a uma terrível tempestade de neve, com o carro enguiçado, sua
situação não podia ser pior. Ela estava perdida, numa região isolada, ao norte da
Inglaterra. Felizmente, o leopardo era manso, e o dono do animal, Dominic Lyall,
surgiu para socorrrê-la, oferecendo sua mansão para que ela se hospedasse. Mas a
situação transformou-se num pesadelo, quando Helen descobriu que Dominic
pretendia aprisioná-la ali. Como poderia fugir, se não tinha idéia do lugar onde
estava? Pior ainda: como enfrentar seu próprio desejo de ficar ali, com ele?

SABRINA 52
"A SOMBRA DA OUTRA"
Marjorie Lewty
Ebook

Antonia Warren estava habituada a uma vida de sacrifícios, junto a sua mãe. E
nunca imaginara que, ao se candidatar ao cargo de secretária, estava abrindo um
novo e maravilhoso capítulo em sua vida. O dono da empresa era Benjamin Warren,
seu tio-avô, que se mostrou feliz ao reencontrar uma parte da família que ele julgava
perdida para sempre. Mas Gray Lawrence — o homem fascinante que era seu sócio
nos negócios — hostilizou Antonia desde o primeiro minuto. Por quê? Seria porque ela
se parecia tanto com a falecida mulher de Gray, que ele amara acima de tudo? Ou
seria porque, de repente, Gray a desejara tanto?

SABRINA 53
"UM ADORÁVEL TIRANO"
Violet Winspear
Ebook

Esta é a história de Fay e de sua surpreendente aventura em Hollywood, com


todo o glamour e a sofisticação do mundo dos astros e estrelas do cinema. Ela era uma
jovem enfermeira, ingênua e inexperiente, quando conheceu Lew Marsh, um famoso
diretor de cinema, e aceitou casar-se com ele. Pelas mãos de Lew, ingressou naquele
mundo fascinante, acreditando que seria feliz, até descobrir que ele não passava de um
monstro. Hollywood transformou-se então num pesadelo, do qual ela precisava fugir,
de qualquer jeito, porque Lew Marsh não a amava, procurava nela apenas uma
companhia. O que Lew faria se soubesse que Fay esperava um filho dele?

SABRINA 54
"CORAÇOES INDOMÁVEIS"
Anne Mather
Ebook

Tamar e Ross nasceram e cresceram juntos numa pequena aldeia de pescadores


na costa oeste da Irlanda. Ainda jovens se apaixonaram, mas o romance não deu
certo. Quando Ross estava de casamento marcado com outra garota, Tamar resolveu
tentar reconstruir sua vida longe dali. Foi para Londres, na esperança de um dia
encontrar a verdadeira felicidade. Teve sucesso como pintora, mas jamais conseguiu
se livrar das sombras do passado. Então, anos depois, resolveu voltar para a Irlanda.
Mas, ao reencontrar Ross, percebeu que ainda o amava. Poderia continuar ali e ser
feliz, mesmo sabendo que Ross nunca seria seu?

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