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PONTO Nº 1 - TEORIA GERAL DAS PROVAS (3º ano – 2010).

Quadro Sinótico: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Objetivo


(ou finalidade). 4. Objeto. 4.1. Não se exclui (e deve ser objeto de
prova). 4.2. Independem de prova. 5. Classificação da provas: 5.1.
Quanto ao objeto; 5.2. Quanto aos sujeitos de quem emanam; 5.3.
Quanto à forma; 5.4. Quanto ao efeito. 6. Meios de prova. 7.
Princípio da liberdade probatória. Limites. 7.1. Proibição de
utilização das provas ilícitas. 7.2. Restrição quanto ao estado civil
das pessoas. 8. Ônus da prova. 9. Prova emprestada. 10. O inquérito
policial e as provas. 11. As provas cautelares (ou antecipadas). 12.
Sistemas de apreciação das provas: 12.1. Antigos; 12.2. Modernos.
13. Princípios da prova: 13.1. Princípio da auto-responsabilidade;
13.2. Princípio da audiência contraditória; 13.3. Princípio da
aquisição ou comunhão; 13.4. Princípio da oralidade e concentração.

1. Introdução.

Para que o Juiz de Direito possa julgar uma causa, deverá obrigatoriamente
analisar os fatos alegados pelas partes litigantes em confronto com o direito.

Daí a afirmação de que na sentença o Juiz desenvolve um silogismo, sendo que a


premissa maior é a norma jurídica e a premissa menor a situação de fato concreta,
sendo a decisão de procedência ou improcedência a conclusão.

Logo, cada parte litigante deve demonstrar ao magistrado a veracidade dos fatos
alegados em seu interesse, permitindo a incidência da norma jurídica invocada.

Não se nega a importância da interpretação do direito. Contudo, ela exige, no


processo, a análise de uma situação fática concreta.

Oportuna a seguinte advertência de Vicente Greco Filho: “De nada adianta o


direito em tese ser favorável a alguém se não consegue demonstrar que se encontra
numa situação que permite a incidência da norma. Aliás, no plano prático é mais
importante para a atividade das partes a demonstração dos fatos do que a
interpretação do direito, porque esta ao juiz compete, ao passo que os fatos a ele
devem ser trazidos” (Manual, pág. 196).
2. Conceito.

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Dentre os inúmeros conceitos doutrinários de prova, confiram-se os seguintes:

“Conjunto de atos praticados pelas partes, por terceiros (testemunhas, peritos,


etc.), e até pelo Juiz, para averiguar a verdade e formar a convicção deste último”
(Tornaghi).

“A prova é todo elemento que pode levar o conhecimento de um fato a alguém”


(Vicente Greco Filho).

“Aquilo que atesta a veracidade ou a autenticidade de alguma coisa” (Aurélio).

De relevo, ainda no plano conceitual, as seguintes lições:

“Antonio Magalhães Gomes Filho, no Direito brasileiro, e Michelle Tarufo, no


italiano, contribuíram para o esclarecimento das acepções possíveis do vocábulo
prova. Ambos concordam com pelo menos três acepções: a) demonstração; b)
experimentação; e c) desafio.

“A prova como demonstração (primeira acepção) é utilizada no sentido de que


‘ela serve para estabelecer a verdade sobre determinados fatos’. Como experimentação
(segunda acepção), por sua vez, sustentam os autores citados que significa ‘atividade
ou procedimento destinado a verificar a correção de uma hipótese ou afirmação’. Por
fim, a prova como desafio (terceira acepção) significa ‘obstáculo que deve ser
superado como condição para se obter o reconhecimento de certas qualidades ou
aptidões.” (DEZEM, Guilherme Madeira. Da Prova Penal. Campinas (SP): Millenium,
2008. p. 82).

“O processo, na visão do ideal, objetiva fazer a reconstrução histórica dos fatos


ocorridos para que se possa extrair as respectivas conseqüências em face daquilo que
ficar demonstrado. O convencimento do julgador é o anseio das partes que litigam em
juízo, que procurarão fazê-lo por intermédio do manancial probatório carreado aos
autos. Esta é a fase da instrução processual, onde se utilizam os elementos disponíveis
para descortinar a ‘verdade’ do que se alega, na busca de um provimento judicial
favorável. A demonstração da verdade dos fatos é feita por intermédio da utilização
probatória, e a prova é tudo aquilo que contribui para a formação do convencimento
do magistrado, demonstrando os fatos, atos, ou até mesmo o próprio direito discutido
no litígio. Intrínseco no conceito está a sua finalidade, o objetivo, que é a obtenção do
convencimento daquele que vai julgar, decidindo a sorte do réu, condenando ou
absolvendo.” (TÁVORA, Nestor; ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual
Penal. 2. ed. Salvador (BA): Juspodivm, 2009. p. 297-298).

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“Que se entende por prova? Provar é, antes de mais nada, estabelecer a
existência da verdade; e as provas são os meios pelos quais se procura estabelecê-la. É
demonstrar a veracidade do que se afirma, do que se alega. Entendem-se, também, por
prova, de ordinário, os elementos produzidos pelas partes ou pelo próprio Juiz visando
a estabelecer, dentro do processo, a existência de certos fatos. É o instrumento de
verificação do thema probandum.” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual
de Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 513).

3. Objetivo (ou finalidade).

O juiz é o destinatário da prova, pois a ele incumbe o julgamento do pedido.

Logo, “o objetivo ou finalidade da prova é formar a convicção do Juiz sobre os


elementos necessários para a decisão da causa. Para julgar o litígio, precisa o juiz
ficar conhecendo a existência do fato sobre o qual versa a lide. Pois bem: a finalidade
da prova é tornar aquele fato conhecido do Juiz, convencendo-o da sua existência. As
partes, com as provas produzidas, procuram convencer o Juiz de que os fatos existiram,
ou não, ou, então, de que ocorreram desta ou daquela maneira” (TOURINHO FILHO,
Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 514).

4. Objeto

O objeto da prova são os fatos, os quais se pretendem demonstrar.

“Abrange não só o fato criminoso e sua autoria, como todas as circunstâncias


objetivas e subjetivas que possa influir na responsabilidade criminal e na fixação da
pena ou medida de segurança” (MIRABETE).

“O objeto da prova, diz Manzini, são todos os fatos, principais ou secundários,


que reclamem uma apreciação judicial e exijam uma comprovação. Somente os fatos
que possam dar lugar a dúvida, isto é, que exijam uma comprovação, é que constituem
objeto de prova.” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal.
9. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 514).

E o conceito de fato, para fins de análise do objeto da prova, é bem amplo,


abrangendo os acontecimentos, lugares, pessoas, coisas, documentos, etc. Por outras
palavras, tudo o que não for direito deve ser objeto de prova.

Há, no entanto, posição doutrinária diversa, no sentido de que o objeto de prova


não é o fato em si, mas sim a afirmação sobre o fato, a imputação dele decorrente, na

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medida em que o fato para ter repercussão jurídica necessita de uma norma específica
tornando-o relevante por algum motivo.

Confira-se a seguinte lição de Guilherme Madeira Dezem:

“Quanto ao objeto da prova, é conceito do qual nos afastamos da posição


majoritária da doutrina e caminhamos para a posição apresentada por Gomes Filho,
que esclarece: ‘Afirma-se, em geral, que objeto da prova (thema probandum) são os
fatos que interessam à solução de uma controvérsia submetida à apreciação judicial’.

Contudo, posteriormente explicita sua definição de objeto da prova: ‘No


processo penal, a atividade probatória versa, fundamentalmente, sobre a imputação de
um fato criminoso, ou seja, sobre a afirmação que faz a acusação a respeito da
ocorrência de um fato tipificado pelo Direito Penal. Assim, a qualificação jurídica
também integra a imputação, na medida em que o fato narrado só tem valor quando
ligado à norma incriminadora’. Da mesma posição é Marina Gascón Abellán, que
afirma: ‘Hasta aqui hemos hablado de la prueba de los hechos como si se tratase de
um concepto preciso y unívoco, y la hemos identificado, grosso modo, com la fijación
de los hechos relevantes para la decisión judicial. Esta forma de hablar, sin embargo,
no es de todo exacta, pues el objeto de la prueba no son hechos, sino enunciados sobre
hechos.’

Concordamos com a posição apresentada por ambos (Magalhães e Maria


Gascón Abellán): não são os fatos que são objeto de prova, mas as afirmações sobre os
fatos. Com efeito, mostra-se impossível a prova de um fato, na medida em que é
impossível a reconstrução integral do que efetivamente ocorreu. [...] Ademais, a
qualificação jurídica também integra a imputação, conforme dito por Gomes Filho.”
(DEZEM, Guilherme Madeira. Da Prova Penal. Campinas (SP): Millenium, 2008. p.
85-86).

É possível, por outro lado, distinguir as expressões objeto de prova e objeto da


prova. Objeto da prova são todos os fatos pertinentes para a causa, enquanto que objeto
de prova são aqueles que realmente necessitam de uma atividade probatória, visto que
há aqueles que a dispensam, seja em razão de notoriedade, presunções, ou mesmo em
razão do onus probandi etc.

Sobre a aludida distinção confira-se a lição que segue:

“[Objeto] É o que se deve demonstrar, ou seja, aquilo sobre o que o juiz deve
adquirir o conhecimento necessário para resolver o litígio. É o que de fundamental

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deve estar conhecido e demonstrado para viabilizar o julgamento. Crucial a distinção
entre objeto da prova e objeto de prova:

a) Objeto da prova: o foco são os fatos relevantes. Lembre-se de que o réu defende-
se dos fatos, e não da tipificação jurídica dada aos mesmos. É a coisa, o fato, o
acontecimento que deve ser conhecido pelo juiz, a fim de que possa emitir um juízo de
valor.

b) Objeto de prova: diz respeito ao que é pertinente ser provado. É saber o que se
precisa provar. Identificando o que é preciso provar, por exclusão, elimina-se o que a
parte não precisa perder tempo em demonstrar, pois a lei dispensa. Ex: não se precisa
provar que 25 de dezembro é Natal, já que este é um fato notório, e por força do art.
334, inc. I do CPC, independe de demonstração probatória.” (TÁVORA, Nestor;
ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 2. ed. Salvador (BA):
Juspodivm, 2009. p. 299).

Especificamente quanto ao direito não há no CPP regra similar a do art. 337 do


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CPC que pode, por analogia, ser invocada. Assim, temos que excepcionalmente o
direito pode ser objeto de prova, pois sendo invocada uma lei estadual, municipal ou
estrangeira, poderá o juiz determinar que a parte prove o teor e a vigência. Sendo lei
federal, porém, o juiz é obrigado a conhecer.

Importa observar, porém, que somente os fatos relevantes para o julgamento da


causa devem ser objeto de prova, cabendo ao Juiz recusar as provas impertinentes, sem
qualquer interesse para o processo. É o que dispõe o artigo 400, §1º, do CPP.

4.1. Não se exclui (e deve ser objeto de prova):

a) vox populi: rumores e boatos;

b) clamor público: indignação do povo;

c) fato incontroverso (o admitido pelas partes) em razão dos princípios da


verdade real e da investigação oficial. Toda prova deve ser questionada. Rebus in
modus, visto que em se tratando de evento secundário nada impede eventual
admissibilidade de incontroversabilidade, desde que nenhum prejuízo advenha para o
acusado de maneira clara.

Oportuna a seguinte lição de Tourinho Filho:

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“Art. 337. A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a
vigência, e assim o determinar o juiz.”

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“E o fato incontroverso? Em princípio, não [é objeto de prova]. Contudo,
a circunstância de acusador e defensor acordarem quanto à existência ou inexistência
não priva o Juiz de fazer diligências a respeito, tal como lhe permite a segunda parte
do art. 156 do CPP.” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo
Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 514).

Exceção: Nos Juizados Especiais Criminais encontramos a “verdade


consensuada”, aquela derivada da transação penal positivada e que é aceita pelo Juiz.
Artigo 76, da Lei 9.099/95.

4.2. Independem de prova:

a) os fatos axiomáticos (ou intuitivos), evidentes por si mesmos.

b) os fatos notórios (indiscutível, induvidoso). Ex. que dia 25 de


dezembro se comemora o Natal. Abrangem os fatos que decorrem do conhecimento do
cidadão de cultura média.

c) os fatos presumidos por lei.

c.1 - presunção absoluta “jure et de jure” - não admitem prova em


contrário. Ex.: a inimputabilidade do menor de 18 anos.

c.2 - presunção relativa “jure tantum” pode ser afastada por


outra prova.

Sobre a atividade probatória em relação a fato notório confira-se:

“[...] Provar a notoriedade é tarefa de louco, já se disse. Tanto a evidência como


a notoriedade não podem ser postas em dúvida. Ambas produzem ao Juiz o sentimento
da certeza em torno da existência do fato. Daí a máxima notoria vel manifesta non
egent probatione (o notório e o evidente não precisam de prova). O fato evidente
representa o que é certo, indiscutível, induvidoso, de maneira segura, rápida, sem
necessidade de maiores indagações. Notórios são os fatos que pertencem, como diz
Brichetti, ao patrimônio estável de conhecimento do cidadão de cultura média de uma
determinada sociedade. Estes fatos devem considerar-se conhecidos do Juiz, já que sua
noção forma parte de sua ordinária cultura (Lévidenza nel diritto processuale penale.
Napoli, Jovene, 1950, p. 98). Sabe-se que na década de 30ª nossa moeda era o ‘mil-
réis’ e que desde julho de 1994 passou a ser denominada ‘real’; sabe-se que no dia 25
de dezembro comemora-se o Natal. São fatos notórios e que não precisam ser
provados, por fazerem parte da nossa cultura.

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Ao lado dos fatos notórios, as denominadas máximas de experiência, ‘noções e


conhecimentos ministrados pela vida prática e os costumes sociais’. São juízos
formados ante o quod plerumque accidit (o que normalmente acontece) ‘e que, como
tais, podem ser formados em abstrato por qualquer pessoa de cultura média’. Sabem,
por exemplo, os Juízes das Comarcas de Jaú, Barra Bonita, Lençóis Paulista, todas do
Estado de São Paulo, que, durante a safra canavieira, é grande o movimento de
caminhões e até treminhões pelas estradas. Sabem os Juízes que nos feriados as ruas
ficam menos movimentadas e, às vezes, completamente desertas...

Também as presunções (juris et de jure) dispensam ser provadas pelas partes


que as alegam.” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal.
9. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 514-515).

A doutrina aponta ainda que independem de prova os fatos inúteis, impertinentes


para a causa, conforme acima já foi colocado, posto que nenhuma relevância para o
deslinde daquela questão trará. Com o perdão da palavra, mas é o mesmo que procurar
pêlo em ovo. Vide artigo 400, §1º, do CPP.

5. Classificação das provas.

5.1. Quanto ao objeto:

a) direta: quando se refere imediatamente ao fato probando. A


conclusão é imediata e objetiva. Ex. A diz ter visto B matar C.

b) indireta: afirmação de um fato por meio do qual se busca a prova


de outro. Exige raciocínio para chegar-se à conclusão desejada. Ex. A
diz ter visto B com a faca na mão próximo ao ofendido C.

As presunções e os indícios (art. 239 do CPP) são provas indiretas.

5.2. Quanto aos sujeitos de quem emanam:

a) pessoal: é a revelação consciente feita por uma pessoa. Ex.


depoimento de uma testemunha.

b) real: é a atestação inconsciente feita por uma coisa. Ocorre quando


a prova emerge de coisas e objetos ou do próprio fato.

5.3. Quanto à forma:

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a) pessoal (ou testemunhal): afirmação feita por uma pessoa.

b) documental (literal ou instrumental): afirmação feita por escrito.

c) material: qualquer meio químico, físico ou biológico como veículo de


percepção. Ex. instrumentos e produtos do crime, exames periciais.

5.4. Quanto ao efeito:

A prova pode ser:

a) Plena: aquela que por si só carreia aos autos do processo um juízo de certeza
forte o suficiente para a condenação, v.g.

b) Não plena (ou indiciária): não traz consigo a certeza necessária, todavia
devendo ser valorada em conjunto com as demais provas constantes dos
autos, levando assim a um juízo de mérito mais adequado.

Confira-se a lição seguinte:

“Em razão de seu efeito ou valor, a prova pode ser plena, completa, convincente
(exigida, p. ex., para a condenação), ou não plena, uma probabilidade de procedência
da alegação (suficiente para medidas preliminares, como arresto, seqüestro, prisão
preventiva, apreensão etc.). Entre estas últimas destaca-se, p. ex., a chamada prova
prima facie, ‘aquela que deixa desde logo no espírito do juiz a convicção da
veracidade de um fato embora possa ser infirmada por outras provas. Para
exemplificar: se uma pessoa indefesa, à noite, dentro da própria casa, mata um ladrão
contumaz, que arrombou uma janela, prima facie, isto é, à primeira vista, tudo
convence de que o homicídio foi praticado em legítima defesa’[TORNAGHI]. São elas
indicadas na nossa lei como ‘indícios veementes’, ‘indícios suficientes’, ‘fundadas
razões’ e outras expressões semelhantes.” (MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo
Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 251).

A classificação em apreço deve ser analisada com cautela, posto que no sistema
brasileiro, onde vigora o princípio do livre convencimento motivado, falar em prova
plena ou não plena é uma questão de subjetivismo do julgador. Na verdade, este tem o
dever de confrontar todo o conjunto probatório para chegar a sua conclusão na
sentença.

6. Meios de prova.

Meios de provas são as coisas ou ações utilizadas para pesquisar ou demonstrar a


verdade. Ex. depoimentos testemunhais, perícias, etc. (MIRABETE, Julio Fabbrini.
Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 252).

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Segundo Vicente Greco Filho “são os instrumentos pessoais ou materiais aptos


a trazer ao processo a convicção da existência ou inexistência de um fato”.

Para Tourinho Filho, “É tudo quanto possa servir, direta ou indiretamente, à


comprovação da verdade que se procura no processo: testemunha, documento, perícia,
informação da vítima, reconhecimento, tudo são meios de prova.” (Manual de Processo
Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 515).

Pode-se, destarte, concluir que meio de prova é a forma como se manifesta à


produção do acervo probante, sendo, em regra, livre, todavia, possuindo limites.

O próprio Código de Processo Penal disciplina, nos artigos 158 a 250 os meios
de provas passíveis de utilização no processo, os quais são chamados de “meios
legais” e que serão estudados nos pontos seguintes.

7. Princípio da liberdade probatória. Limites.

Sem embargo do regramento do Código de Processo Penal, pode a parte utilizar-se de


qualquer outro meio de prova no processo, designadas na doutrina de “provas
inominadas” tendo em vista o princípio da verdade real. Aplica-se, assim, o quanto
disposto no artigo 332, do CPC, que tem a seguinte redação: “Todos os meios legais,
bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são
hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.”

Por outras palavras, a enumeração do código e da legislação extravagante não é


taxativa.

Assim, p. ex., pode ser reproduzida no plenário no plenário do Júri uma fita
magnética, um filme em DVD ou VHS (STF e STJ), meios de prova não tratados
expressamente pelo estatuto processual.

Há, contudo, limites à atividade probatória, estabelecidos pela Constituição


Federal e pelo Código de Processo Penal, a saber:

7.1. Proibição de utilização das provas ilícitas.

O artigo 5º, inciso LVI da Carta Magna está assim redigido:

“São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

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Da mesma feita, o Código de Processo Penal passou a guardar dispositivo
específico acerca da questão, qual seja, o art. 157, com a redação conferida pela Lei
11.690/2008, a saber:

“Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as


provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais.

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando


não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as
derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites


típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz
de conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível,


esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o
incidente.

§ 4o (VETADO)”

A preocupação do Constituinte originário ao estabelecer a garantia da


inadmissibilidade das provas ilícitas foi salvaguardar a liberdade, como direito
fundamental de reconhecida importância do indivíduo. Refratária do princípio do
devido processo legal, esta norma impede que provas obtidas de maneira escusa,
indigna, imoral, ilegal, ilegítima ou ilícita (em sentido estrito) sejam utilizadas como
fundamento para uma acusação e eventual condenação. Protege-se a liberdade, na
medida em que se afastou o adágio de que “os fins justificam os meios”, já que quanto
à questão probatória, assim não ocorre2.

Insustentável tornou-se o sistema judiciário vigente em épocas outras,


sobremaneira na idade média, no qual acusador e julgador se confundiam, sendo que o
indivíduo desconhecia especificamente a imputação contra ele apresentada,
desenvolvendo-se o processo em segredo de justiça, de maneira que o acusado era
obrigado a confessar ante as torturas contra ele realizadas3. O sistema existia para
2
“Reafirme-se a crença no Direito; reafirme-se o entendimento de que, sendo uma ciência, o meio justifica o fim, mas
não este aquele, advindo a almejada segurança jurídica da observância do ordenamento normativo. O combate ao crime
não pode ocorrer com atropelo da ordem jurídica nacional, sob pena de vir a grassar regime totalitário, com prejuízo
para toda a sociedade” (STF – 2ª T. – HC 74639-0/RJ – Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 31.out.96).
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“A informação penal escrita, secreta submetida, para construir suas provas, a regras rigorosas, é uma máquina que
pode produzir a verdade na ausência do acusado. E por essa mesma razão, embora no estrito direito isso não seja
necessário, esse procedimento vai necessariamente tender à confissão. Por duas razões: em primeiro lugar, porque esta
constitui uma prova tão forte que não há nenhuma necessidade de acrescentar outras, nem de entrar na difícil e duvidosa
combinação de indícios; a confissão, desde que feita na forma correta, quase desobriga o acusador do cuidado de
fornecer outras provas (em todo caso, as mais difíceis). Em seguida, a única maneira para que esse procedimento perca
tudo o que tem de autoridade unívoca, e se torne efetivamente uma vitória conseguida sobre o acusado, a única maneira

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manter a força do rei, do monarca, em cuja pessoa se confundia a figura do Estado. Um
crime, mais do que atingir a vítima, atingia em primeira mão o monarca, sendo
considerado um crime contra o próprio Estado, que merecia assim repressão brutal4.

O sistema atual privilegia a busca pela verdade. Por certo, os crimes ainda são
previstos, sendo tipificadas as condutas que maior lesividade causem a sociedade. Os
infratores devem ser punidos, tendo a pena imposta os objetivos não somente de
repressão, mais também prevenção e ressocialização do criminoso. O objetivo deixou
de ser o encontro do culpado a qualquer custo, ainda que signifique a condenação de
um inocente, e passou a ser a condenação do real responsável pela infração penal, ou
seja, a verdade real, e não meramente ficta ou documental56.

Porém, esta busca da verdade não é desenfreada, encontrando limitações. Daí a


inadmissibilidade das provas ilícitas.

Confira-se, a propósito, a seguinte fundamentação inserta em decisão do STF:

para que a verdade exerça todo o seu poder, é que o criminoso tome sobre si o próprio crime e ele mesmo assine o que
sábia obscuramente construído pela informação.” (FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 33. ed. Petrópolis (RJ): Vozes,
2007. p. 34).
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“O crime, além de sua vítima imediata, ataca o soberano; ataca-o pessoalmente, pois a lei vale como a vontade do
soberano; ataca-o fisicamente, pois a força da lei é a força do príncipe. Pois para que uma lei pudesse vigorar neste
reino, era preciso necessariamente que emanasse diretamente do soberano, ou pelo menos que fosse confirmada com o
selo de sua autoridade.
A intervenção do soberano não é, portanto uma arbitragem entre dois adversários; é mesmo muito mais que uma ação
para fazer respeitar os direitos de cada um; é uma réplica direta àquele que a ofendeu.
O exercício do poder soberano na punição dos crimes é sem dúvida uma das partes essenciais na administração da
justiça.
O castigo então não deve ser identificado nem medido como reparação do dano; deve haver sempre na punição pelo
menos uma parte, que é a do príncipe; e mesmo quando se combina com a reparação prevista, ela constitui o elemento
mais importante na liquidação penal do crime, Ora, essa parte que toca no príncipe, em si mesma, não é simples: ela
implica, por um lado, na reparação do prejuízo que foi trazido ao reino (a desordem instaurada, o mau exemplo dado,
são prejuízos consideráveis que não têm comparação com o que é sofrido por um particular); mas implica também em
que o rei procure a vingança de uma afronta feita à sua pessoa.
O direito de punir será então como um aspecto do direito que tem o soberano de guerrear seus inimigos: castigar provém
desse direito de espada, desse poder absoluto de vida ou de morte que trata o direito romano ao se referir ao merum
imperium, direito em virtude do qual o príncipe faz executar sua lei ordenando a punição do crime.” (FOUCAULT,
Michel. Vigiar e Punir. 33. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2007. p. 41-42).
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“Contrariamente à verdade formal, inspiradora do processo civil, onde o juiz não está obrigado à buscar provas,
mormente em ações de conteúdo exclusivamente patrimonial, que constitui interesse disponível, contentando-se com a
trazida pelas partes e extraindo sua conclusão com o que se descortina nos autos, a verdade real vai além: quer que o
magistrado seja co-autor na produção de provas. Esse princípio muitas vezes inspira o afastamento da aplicação literal
de preceitos legais. Exemplo disso é o que ocorre quando a parte deseja ouvir mais testemunhas do que lhe permite a lei.
Invocando a busca da verdade real, pode obter do magistrado a possibilidade de fazê-lo.” (NUCCI, Guilherme de Souza.
Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 96).
6
“Assim entendido, o rito probatório não configura um formalismo inútil, transformando-se, ele próprio, em um escopo
a ser visado, em uma exigência ética a ser respeitada, em um instrumento de garantia para o indivíduo. A legalidade na
disciplina da prova não indica um retorno ao sistema da prova legal, mas assinala a defesa das formas processuais em
nome da tutela dos direitos do acusado: as velhas regras da prova legal apresentavam-se como regras para a melhor
pesquisa da verdade; seu valor era um valor de verdade. Hoje, bem pelo contrário, as regras probatórias devem ser vistas
como normas de tutela de esfera pessoal de liberdade: seu valor é um valor de garantia.” (GRINOVER, Ada Pellegrini;
FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 8. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 154).

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“É indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária
idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela
qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do
ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e
garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é
representado pelo interesse que tem a sociedade em uma eficaz repressão aos delitos.
É um pequeno preço que se paga por viver-se em estado de direito democrático. A
justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade,
limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados, ensina Heleno
Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência criminal, transcrita pela defesa. A
Constituição brasileira, no art. 5º, inc. LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que
são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (STF, Ação Penal
307-3-DF – Plenário, Rel. Min. Ilmar Galvão – DJU, 13. out.1995).

Apesar de o Estado ter o direito-dever de punir os criminosos, todos os


indivíduos têm seus direitos fundamentais protegidos, direitos inerentes à própria
liberdade do homem. São os chamados direitos de primeira dimensão, ou “direitos de
liberdade”, que constituem limitações do Estado em seu agir, de forma a respeitar-se
uma esfera de direitos básicos do ser humano, inerentes ao seu próprio enquadramento
como tal. Transmutam-se estes em verdadeiras exceções ao poder de agir do Estado,
ora referindo-nos, por evidência, as liberdades públicas78. O marco de sua introdução é
a Magna Carta, em 1.215, pelo então Rei João “Sem Terra”. Buscou-se retirar do
Estado os poderes até então detidos sobre as pessoas, os quais poderia ele exercitar – e
normalmente o fazia – de maneira arbitrária e totalmente desenfreada.

A mesma ratio (ubi idem ratio, ibi eadem jus) pode ser empregada no que tange
a validade de provas obtidas de maneira ilícita. Se inadmissível é a violação de direitos
como o de intimidade, inviolabilidade das comunicações e do domicílio, como poder-
se-ia admitir que provas obtidas ao total arrepio destes primeiros pudessem ser
utilizadas? Aliás, este é um dos fundamentos que justificaram a criação da exclusionary
rule nos Estados Unidos, sendo que a teoria brasileira da inadmissibilidade das provas
ilícitas de lá é proveniente9.
7
“Os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades
públicas), surgidos institucionalmente com base na Magna Carta de 1215.” (MORAES, Alexandre de. Constituição do
Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 7. ed. São Paulo. Atlas, 2007. p. 98).
8
“Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas,
negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e
culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os
direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as
formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de
desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais
indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (STF – RTJ 164/158).
9
“Segundo Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, no contexto da 4ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos da
América, a proibição contra a admissão, no processo, de prova obtida inconstitucionalmente tem sido conhecida como
‘princípio da exclusão’ ou, conforme denominação mais empregada em português, ‘regra de exclusão’ (‘exclusionary
rule’), que equivale, em terminologia brasileira, ao princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos
ou princípio da licitude. Entretanto, menos freqüentemente, também têm sido denominadas ‘regra de exclusão’ as
referências à 6ª Emenda, ao devido processo legal e ao princípio da não-auto-incriminação. Portanto, melhor se diriam
‘regras de exclusão’ (‘exclusionary rules’), no plural.

12
13

E nem ao menos se pode argumentar pela aplicação do princípio da


proporcionalidade, sobre o prisma de que injusto seria permitir a um sabido criminoso
sua absolvição por falta de provas ante a imprestabilidade daquelas então coligidas
ilicitamente. Se assim fosse, o Estado não teria limites, podendo agir
indiscriminadamente. Seria a tentativa de se justificar uma ilegalidade (rectius:
inconstitucionalidade) pelo Estado, o qual, ante sua própria condição de “gerador” das
normas, deveria ser o primeiro a observá-las espontaneamente. Esta é a garantia maior
de todos aqueles que vivem em sociedade, sob a proteção do Estado.

Ainda sobre provas ilícitas confiram-se as seguintes lições:

“Uma outra ordem de considerações também leva à necessidade de se colocarem


limites ao direito à prova: o processo só pode fazer-se dentro de uma escrupulosa
regra moral, que rege a atividade do juiz e das partes.

Por isso é que o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal Militar,
em regras consideradas de superposição e aplicáveis a todo e qualquer processo,
consideram inadmissíveis meios de prova moralmente ilegítimos (art. 332 do CPC) e
que atentem contra a moral e a segurança individual ou coletiva (art. 295 do CPPM).

E é exatamente no processo penal, onde avulta a liberdade do indivíduo, que se


torna mais nítida a necessidade de se colocarem limites à atividade instrutória. A
dicotomia defesa social/direitos de liberdade assume freqüentemente conotações
dramáticas no juízo penal; e a obrigação de o Estado sacrificar na medida menor
possível os direitos de personalidade do acusado transforma-se na pedra de toque de
um sistema de liberdades públicas.” (GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES,

Em 1914, no caso Weeks versus United States, a Suprema Corte Americana estabeleceu que o ‘princípio da exclusão’
(‘exclusionary rule’) era aplicável aos processos federais. Nesse caso, a Suprema Corte decidiu que prova obtida com
violação à 4ª Emenda por ‘policiais federais’ seria banida de um processo federal.
Entretanto, as cortes estaduais americanas resistiram à adoção do ‘princípio da exclusão´, chegando ao ponto de, em
1949, trinta cortes estaduais o rejeitarem.
Em 1961, no caso Mapp v. Ohio, a Suprema Corte americana estendeu o ‘princípio da exclusão’ aos processos estaduais,
afirmando que toda prova obtida por meio de busca e apreensões (e prisões) com violação da Constituição é
inadmissível numa corte estadual.
Até o caso Mapp v. Ohio, cinco fundamentos surgiram para a exclusão de provas ilícitas: 1) as implicações da 5ª
Emenda; 2) a necessidade de impedir uma violação continuada à privacidade individual por meio da introdução da
prova ilícita; 3) as implicações naturais do direito de recurso; 4) o imperativo da integridade judicial; 5) a necessidade
de dissudiar (prevenir) futuras violações. Desde o caso Mapp v. Ohio, os três primeiros foram completamente
rejeitados pela Suprema Corte, o quarto passou a ter uma importância claramente secundária e o quinto emergiu como a
razão crucial.
A justificação primária para o ‘princípio da exclusão’, no caso Weeks v. U.S., foi a necessidade de evitar a confirmação
judicial de ações inconstitucionais da polícia. As cortes não poderiam tornar-se cúmplices da desobediência
intencional da Constituição, a qual elas tinham jurado preservar (caso Elkins v. U.S., 1960). A exclusão da prova
ilícita assegura às pessoas – todas potenciais vítimas de conduta estatal ilícita – que o governo não terá proveito de
sua conduta ilícita, minimizando-se, assim, o risco de seriamente minar a confiança popular no governo (caso U.S.
v. Calandra, 1974). O entendimento majoritário posterior, contudo, deu menor peso ao fundamento da ‘integridade
judicial’.” (FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal: Teoria, Crítica e Praxis. 5. ed. Niterói (RJ): Impetus, 2008. p.
607-608 - destacamos).

13
14
Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo
Penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 153).

“No que se refere à questão da qualidade da prova, o reconhecimento da ilicitude


do meio de obtenção da prova já impede o aproveitamento de métodos cuja idoneidade
probatória seja previamente questionada, como ocorre, por exemplo, na confissão
obtida mediante tortura, ou mediante hipnose, ou, ainda, pela ministração de
substâncias químicas (soro da verdade, etc). De outro lado, a vedação das provas
obtidas ilicitamente também oferece repercussão no âmbito da igualdade processual,
no ponto em que, ao impedir a produção probatória irregular pelos agentes do Estado
– normalmente os responsáveis pela prova –, equilibra a relação de forças
relativamente à atividade instrutória desenvolvida pela defesa.

[...] o espaço probatório no processo penal é (e há mesmo de ser) mais amplo que
o do processo civil, em razão da relevância dos interesses que delimitam o seu
conteúdo. Entretanto, isso não significa que essa amplitude possa ser traduzida como a
admissibilidade de todos os meios de prova, desde que não estejam expressamente
proibidos.

Não. Na realidade, a vedação da prova não ocorre unicamente em relação ao


meio escolhido, mas também em relação aos resultados que podem ser obtidos com a
utilização de determinado meio de prova. Uma interpretação telefônica, enquanto
meio de prova, poderá ser lícita se autorizada judicialmente, mas ilícita quando não
autorizada. No primeiro caso, a afetação (o resultado) do direito à privacidade e/ou
intimidade é permitida, enquanto, no segundo, não, disso resultando uma violação
indevida daqueles valores.

Em tema de prova, portanto, mesmo quando não houver vedação expressa quanto
ao meio, será preciso indagar ainda acerca do resultado da prova, isto é, se os
resultados obtidos configuram ou não violação de direitos. E se configurarem, se a
violação foi e se poderia ter sido autorizada.” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso
de Processo Penal. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 302).

a) Conceito de provas ilegais e suas espécies:

Diz-se que a prova é ilegal quando sua obtenção viola normas legais ou
princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou material.

Numa primeira análise, temos que o termo “provas ilegais” é empregado em


sentido amplo; sem embargo, é, numa segunda abordagem, dividido em provas ilícitas
(em sentido estrito) e provas ilegítimas, levando-se em conta a natureza da norma
jurídica violada para ou por sua obtenção.

14
15

Assim, acaso tenha sido a prova coletada em violação a norma de direito


material, como em violação ao direito à intimidade e à privacidade, ou mesmo à
integridade física e dignidade, diz-se que a prova é ilícita em sentido estrito.
Normalmente a sua obtenção de forma ilegal configura infração penal, administrativa,
ou, no mínimo, ato ilícito.

Por outro lado, a prova obtida em violação a norma de direito processual é


caracterizada como prova ilegítima. Como exemplo, pode-se mencionar
reconhecimento de pessoa ou coisa que não observou o procedimento legalmente
previsto (arts. 226 usque 228 do CPP), assim como busca e apreensão realizada no
domicílio do acusado, autorizada por ordem judicial devidamente motivada, mas na
qual os executores da medida não observam o procedimento adequado (arts. 240 usque
250 do CPP).10

Assim, são duas as espécies de prova ilegal ou ilícita em sentido amplo, a saber:

a.1. provas ilícitas (sentido estrito) quando sua obtenção violar norma material;

a.2. prova ilegítima quando sua obtenção violar norma processual.

Importa observar que nenhuma delas poderá ser utilizada no processo. Ambas
são vedadas pelo ordenamento jurídico.

b) Consequências de sua inclusão no processo:

b.1.) não consideração pelo Juiz. A prova ilegal não deve ser considerada pelo
Juiz de Direito por ocasião do julgamento da causa.

b.2.) Desentranhamento da prova.

Discutia-se se a prova ilícita deveria ou não ser desentranhada dos autos,


divergência solucionada ante a nova redação do caput do art. 157 do CPP, determinada
pela Lei 11.690/2008, segundo a qual “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas

10
“Nessa linha, as provas proibidas ou ilegais podem ser classificadas como:
a) provas ilícitas: as que violam norma de direito material. As provas ilícitas dizem respeito à obtenção ou coleta da
prova. Por exemplo, as declarações do indiciado ou réu colhidas sob tortura. No caso, há violação de norma material, a
saber, a norma penal incriminadora que prevê a conduta como crime de tortura (Lei nº 9.455/1997);
b) provas ilícitas e ilegítimas simultaneamente: as que violam norma de direito material e processual simultaneamente.
Por exemplo, a realização de busca e apreensão por um delegado de polícia com violação de domicílio, sem mandado
judicial e sem flagrante delito. No caso, há violação de norma penal, pois a conduta é prevista como crime comum de
abuso de autoridade (Lei nº 4.898/1965, art. 3º, b), bem como de norma processual, que estabelece os requisitos para a
realização de busca e apreensão domiciliares (art. 240 a 250 do CPP c/c art. 5º, XI, CR);
c) provas ilegítimas: as que violam norma de direito processual. As provas ilegítimas dizem respeito à produção da
prova. Por exemplo, a elaboração do laudo pericial com apenas um perito (art. 159, caput, do CPP).” (FEITOZA,
Denilson. Direito Processual Penal: Teoria, Crítica e Praxis. 5. ed. Niterói (RJ): Impetus, 2008. p. 606-607).

15
16
do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais”.

O princípio da proporcionalidade11, de origem alemã, indica que,


excepcionalmente, em casos de extrema gravidade, o Juiz pode e deve considerar uma
prova obtida ilicitamente, para assegurar o equilíbrio entre os valores fundamentais
contrastantes no processo.

Na mesma linha, para o direito inglês prevalece a irrelevância dos métodos


utilizados para a obtenção da prova. 12

Tal princípio, contudo, não tem sido acolhido por nossos Tribunais, exceto em
benefício do acusado.

Observação:

O juiz deve afastar-se do feito, após ter tido contato com provas por ele
reconhecidas como ilícitas? A discussão é antiga na doutrina, sendo que o § 4º do art.
157 continha esta determinação, sendo, todavia, vetado no tramitar da Lei nº
11.690/2008. O afastamento do julgador dar-se-ia em razão da contaminação de seu
convencimento, uma vez que, mesmo determinando o desentranhamento das provas
consideradas como ilícitas, já tivera contato com estas, restando prejudicado em seu
íntimo convencimento.

O certo é que, com o veto, o magistrado não precisa se afastar do caso.

11
“A proporcionalidade (Verhältnismäbigkeitsgrundsatz) ganhou desenvoltura e disciplina na jurisprudência e doutrina
alemãs, adaptada ao Direito judicial estadunidense como teoria da proporcionalidade (balancing test), funcionado como
regra de exclusão à inadmissibilidade de provas ilícitas, quando, sopesando o caso concreto, chegue-se à conclusão de
que a exclusão da prova ilícita levaria à absoluta perplexidade e evidente injustiça. Humberto Ávila aduz que
... proporcionalidade não se confunde com a idéia de proporção em suas mais variadas manifestações. Ele se aplica
apenas a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e
um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da
necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos
restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela
promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?) [ÁVILA, Humberto. Teoria dos
Princípios. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 161]
Por sua vez, salienta Robert Alexy:
Princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas. A máxima da
proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, exigência de sopesamento, decorre da relativização em face das
possibilidades jurídicas. Quando uma norma de direito fundamental com caráter de princípio colide com um princípio
antagônico, a possibilidade jurídica para a realização dessa norma depende do princípio antagônico. Para se chegar a
uma decisão é necessário um sopesamento nos termos da lei de colisão. [ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos
Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 117].
O conflito entre bens jurídicos tutelados pelo ordenamento leva o intérprete a dar prevalência àquele bem de maior
relevância. Nesta linha, se de um lado está o jus puniendi estatal e a legalidade na produção probatória, e o do outro o
status libertatis do réu, que objetiva demonstrar a inocência, este último bem deve prevalecer, sendo a prova utilizada,
mesmo que ilícita, em seu benefício.” (TÁVORA, Nestor; ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 2.
ed. Salvador (BA): Juspodivm, 2009. p. 310).
12
In “Direito à prova no Processo Penal”, A. M. Gomes Filho, pág.101.

16
17

b.3.) Nulidade por derivação - contaminação das provas oriundas da ilícita.

O Supremo Tribunal Federal adotou a teoria segundo a qual a prova ilícita


contamina as dela derivadas (“fruit of the poisonous tree” ou Teoria da Árvore dos
Frutos Envenenados), fundada, ainda, no art.573, §1º do CPP, e, após a edição da Lei
11.690/2008, expressamente no art. 157, § 1º, do mesmo Codex.

Ensina Antonio Magalhães Gomes Filho:

“Trata-se aqui de verificar que, reconhecida a violação de uma regra do


ordenamento para a obtenção da prova, deve ser excluída somente a prova assim
conseguida, ou, por derivação, devem também ser afastadas eventuais outras provas
cuja descoberta somente foi possível a partir daquela inicialmente viciada.

Essa questão foi colocada à Suprema Corte norte-americana no julgamento do


caso Silverthone Lumber Co v. U.S., em 1920, que a partir de então formulou a
chamada fruit os the poisonous tree doctrine ou taint doctrine, segundo a qual a regra
de exclusão é aplicável a toda prova maculada por uma investigação inconstitucional.

O tema também tem sido objeto de consideração pela doutrina e pela


jurisprudência alemãs, que, não sem dissensões, têm se manifestado contra o chamado
efeito à distância (Fernwirkung) em relação à prova proibida: entende o BGH, por
exemplo, que, se o acusado é confrontando com o resultado de uma gravação ilícita,
as declarações daí resultantes não podem ser valoradas como prova; mas se, nas
mesmas condições, menciona fatos novos, estes já não constituem prova ilícita. Em
sentido contrário, segundo informa Gössel, o tribunal vem reconhecido um efeito à
distância em casos de interceptação telefônica quando, através de uma operação
autorizada para apuração de um dos crimes catalogados, descobre-se uma prova de
um outro crime, não relacionado entre os que admitem a interceptação.

Apesar das evidentes dificuldades que se apresentam para uma solução


uniforme de tais situações, dadas as particularidades de cada caso concreto, é
impossível negar a priori a contaminação da prova secundária pela ilicitude inicial,
não somente por um critério de finalidade com que são estabelecidas as proibições em
análise. De nada valeriam tais restrições à admissibilidade da prova se, por via
derivada, informações colhidas a partir de uma violação ao ordenamento pudessem
servir ao convencimento do juiz – nessa matéria importa ressaltar o elemento
profilático, evitando-se condutas atentatórias aos direitos fundamentais e à própria
administração correta e leal da justiça penal.” (GOMES FILHO, Antonio Magalhães.
Provas. In: MOURA, Maria Thereza Rocha de. As reformas no processo penal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 266-267).

17
18
Em recente decisão, manifestou-se o STJ, aplicando a teoria da árvore dos frutos
envenenados:

“Os impetrantes informaram que foi realizada por agentes da Receita Federal e
da Polícia Federal uma blitz ilegal, sem mandado judicial, na qual foram apreendidos
diversos documentos que serviram como único fundamento para instaurar contra o
paciente o inquérito policial e a ação penal, entre outras. Alegam que o STF já julgou
ilegal essa busca e apreensão e anulou uma das ações penais dela originadas (HC
82.788-RJ DJ 2/6/2006). Assim, entende a Min. Relatora assistir razão aos
impetrantes, por considerar que, se todas as provas que embasaram a denúncia
derivaram da documentação apreendida em diligência considerada ilegal, é de se
reconhecer incidente a teoria dos frutos da árvore envenenada. Tendo o STF
declarado a ilicitude da diligência, impõe-se a extensão dessa decisão a todas as ações
dela derivadas em atendimento, também, aos princípios da isonomia e da segurança
jurídica.” (STJ – 6ª T. – HC 100.879-RJ – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura –
j. 19.8.2008 – Informativo STJ 364).

Todavia, há um ponto de equilíbrio na teoria das provas ilícitas por derivação,


conforme se pode extrair dos §§ 1º e 2º do art. 157 do CPP, o qual somente veio a
firmar expressamente o que a doutrina e a jurisprudência já haviam consolidado. Trata-
se da exceção da ilicitude por derivação no caso de existência de fonte independente.

O § 1º do art. 157 do CPP enuncia: “São também inadmissíveis as provas


derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas
e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das
primeiras.”

A primeira exceção decorre da lógica, posto que nem ao menos seriam provas
derivadas, mas absolutamente independentes.

A segunda exceção mostra-se controversa, pois permite o emprego das provas


derivadas se restar demonstrado que estas poderiam ter sido alcançadas mesmo sem a
prova principal da qual derivaram, quando então esta segunda prova seria convalidada.

Entretanto, alerta a doutrina para a escorreita interpretação do § 3º do art. 157 – o


qual efetivamente conceitua “fonte independente”. Isto porque da forma como exposta
permitiria a interpretação de que a simples possibilidade de sua obtenção de maneira
legal afastaria a sua ilicitude. Na verdade, deve-se chegar à conclusão de que a prova
derivada seria alcançada sem mesmo a existência daquela que lhe seria principal, ai
então poderíamos falar em independência das fontes. Não basta que o procedimento de
obtenção da prova secundária seja escorreito, posto que o seu pilar de sustentação
partiria de uma inconstitucionalidade / ilegalidade, o que atingiria frontalmente os
próprios limites do Estado, desafiando a expressão contida no caput do art. 1º da CF,
qual seja, “Estado Democrático de Direito”.

18
19

Confira-se, mais uma vez, a lição de GOMES FILHO (Provas. In: MOURA,
Maria Thereza Rocha de. As reformas no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. p. 266-267):

“Parece ter havido aqui uma confusão do legislador entre as exceções da fonte
independente e da descoberta inevitável. Assim mesmo, como antes anotado, na
situação da inevitable Discovery, são as circunstâncias especiais do caso concreto
(como no exemplo do encontro de cadáver) que permitem considerar que a prova seria
inevitavelmente obtida, mesmo se suprimida a fonte ilícita. Ao contrário disso, o texto
legislativo examinado pertine que se suponha sempre a possibilidade de obtenção da
prova derivada por meios legais, o que esvazia, por completo, o sentido da garantia.

Em resumo, como está redigido, o texto do art. 157, § 2º, é inconstitucional.”

b.4.) Responsabilização criminal, se o caso, do infrator.

A lei pode considerar crime a obtenção de determinada prova. Assim, caberá ao


Juiz aplicar o artigo 40 do Código de Processo Penal e remeter cópias do processo ao
Ministério Público.

c) Utilização da prova ilícita em favor do réu:

A doutrina admite, contudo, a utilização da prova ilícita em favor do réu, sob os


seguintes fundamentos:

- Princípio da proporcionalidade (direito à liberdade deve se sobrepor às regras


procedimentais)

- A garantia que veda a prova ilícita foi instituída em favor do réu; logo, poderia
ser afastada em seu próprio benefício;

- Quando o próprio réu obtém a prova ilicitamente, para provar sua inocência,
atua em legítima defesa ou estado de necessidade, que excluiu a ilicitude.

Em suma, só se admite exceção a tal vedação em benefício do réu, aos


argumentos de que: a) trata-se de garantia individual destinada a proteger o cidadão
contra atos do Estado e de terceiros; assim, o interessado poderia dela renunciar; b) o
direito à liberdade é o bem maior do indivíduo, que não pode ser sacrificado em razão
de uma norma ditada em benefício da mesma pessoa; c) vige no processo penal o
princípio da verdade real.

Anote-se:

19
20

“Entendemos que o princípio da proporcionalidade deve ser invocado, na sua


essência, para preservar os interesses do acusado. Nesse sentido, não há discrepância
doutrinária ou jurisprudencial (concepção da prova ilícita utilizada pro reo). Na
ponderação axiológica, a violação legal para produção probatória, quando
estritamente necessária, só se justifica para manutenção do status de inocência. Sabe-
se, contudo, que já se tem invocado o princípio em exame para tutelar os interesses da
acusação (pro societate). A nosso ver, é uma contradição em termos, pois se é sabido
que algumas modalidades de atividade criminosa exigem um aparato de produção
probatória mais eficiente, como a realização de interceptação telefônica, a quebra de
sigilos, a infiltração de agentes etc., estas ferramentas devem ser utilizadas nos
estritos limites da lei. Não se justifica a quebra de garantias constitucionais, num
Estado fora da lei, na busca do combate ao crime.” (TÁVORA, Nestor; ANTONNI,
Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 2. ed. Salvador (BA): Juspodivm, 2009. p.
311).

d) a escuta telefônica:

A interceptação telefônica está regulamentada pela Lei nº 9.296/96 e será objeto


de estudo específico.

7.2. Restrição quanto ao estado civil das pessoas.

Por outro lado, o parágrafo único do artigo 155 do Código de Processo Penal
assim dispõe:

“Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições


estabelecidas na lei civil”.

E o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 74, com o seguinte teor:

“Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por


documento hábil”.

A jurisprudência tem mitigado o rigor da norma em apreço, aceitando a prova


quanto ao estado das pessoas por outros meios idôneos que não o indicado na
legislação civil.

Exs. Prova do casamento por testemunhas e não pela certidão respectiva, como
exige o art. 202 do CC.

20
21
STF e STJ: menoridade pode ser comprovada pela certidão de nascimento ou
outro documento idôneo.

Na doutrina, a posição não é aceita com unanimidade. Vejamos.

“Em relação ao estado das pessoas, o parágrafo único do art. 155 do CPP
determina que se deve observar as restrições estabelecidas na lei civil. Nessas
hipóteses a intenção é encontrar, com exclusividade, no campo cível, a prova
competente, prevalecendo sobre eventual prova criminal produzida em sentido
contrário. Assim, por exemplo, a existência de violência presumida nos crimes contra
a liberdade sexual (art. 224, a, CP), deve ser demonstrada com a juntada da certidão
de nascimento da vítima. Também por meio de tal documento será reduzida ou
aumentada a pena (arts. 65, I e 61, II, h, ambos do CP), ou o prazo prescricional em
favor do menor de 21 ou maior de 70 anos (art. 115 do CP). Também a morte, fator
extintivo da punibilidade do réu (art. 107, I, do CP), somente pode ser demonstrada
por meio da respectiva certidão de óbito (art. 62 do CPP). E assim, inúmeras outras
hipóteses espalhadas na legislação, nas quais a prova civil é indispensável, jamais
sendo superada pela prova penal, mesmo ante eventual confissão do réu ou
depoimento veraz da vítima ou testemunha. Esta restrição, para alguns, mostra-se
arbitrária, ferindo, inclusive, a garantia da ampla defesa. Não nos parece. Temos, no
caso, a previsão do princípio da especialidade, sobrepondo-se à penal, a prova civil,
produzida na seara própria.” (GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches;
PINTO, Ronaldo Batista. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da
Lei de Trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 271-272).

8. Ônus da prova.

8.1. Por ônus se entende o encargo ou liberalidade da parte no processo, e o seu


não atendimento pode trazer consequências processuais, ante o instituto da preclusão.

Segundo Mirabete o ônus da prova “é a faculdade que tem a parte de


demonstrar no processo a real ocorrência de um fato que alegou em seu interesse”.

Para Badaró, “o mais importante é definir o ônus com uma posição jurídica na
qual o ordenamento jurídico estabelece determinada conduta para que o sujeito possa
obter um resultado favorável. Em outros termos, para que o sujeito onerado obtenha o
resultado favorável, deverá praticar o ato previsto no ordenamento jurídico.”
(BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 173).

O ônus da prova é assim tratado no artigo 156, caput, do Código de Processo


Penal: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer...”.

21
22
Temos, então, que em regra o encargo de provar incumbe à parte que alegou o
fato em seu interesse (art. 156, 1 ª parte), o que se denomina “ônus subjetivo”.

Logo, cabe ao acusador provar a ocorrência do fato criminoso (incluindo dolo e


culpa sentido estrito) e autoria, bem como as causas de exasperação da pena articuladas
na denúncia.

Confira-se, por oportuno, a seguinte lição de Tourinho Filho:

“Cabe, pois, à parte acusadora provar a existência do fato e demonstrar sua


autoria. Também lhe cabe demonstrar o elemento subjetivo que se traduz por dolo ou
culpa. Se o réu goza da presunção de inocência, é evidente que a prova do crime, quer
a parte objecti, quer a parte subjecti, deve ficar a cargo da Acusação.” (TOURINHO
FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 524).

Ao acusado cabe a prova “das causas que excluem a antijuridicidade,


culpabilidade e punibilidade, bem como das circunstâncias que impliquem diminuição
da pena....” (MIRABETE), enfim de todos os fatos alegados em seu favor, inclusive o
álibi.

Diz-se que o ônus probatório da defesa é imperfeito ou diminuído13, porque o seu


descumprimento não acarreta necessariamente a procedência da imputação. Isso porque
cabe à acusação provar a culpa sentido lato do réu e, na dúvida, este será absolvido (in
dubio pro reo).

Especificamente acerca da questão do ônus da prova no processo penal em face à


recente reforma, comenta Antonio Magalhães Gomes Filho:

“No processo penal, a regra de julgamento baseada na repartição de tal ônus


revela-se insuficiente, pois, como lembrou Giovanni Verde, o seu objetivo não é
simplesmente de alcançar a paz entre os litigantes, mas atingir-se, se possível, a
verdade e a justiça.

É comum afirmar-se, por isso, numa postura mais radical, que simplesmente não
existe qualquer ônus da prova em matéria criminal, tanto para a acusação como para a
defesa – independentemente de eventuais contribuições trazidas pelas partes, e é ao juiz
que compete esclarecer os fatos submetidos a julgamento e, a persistir a dúvida, só lhe
restará a absolvição por falta de provas, não como conseqüência do descumprimento de
qualquer ônus, mas pela aplicação do princípio in dubio pro reo.

13
Segundo VGF, “ônus imperfeito ou diminuído é o que não acarreta necessariamente a preclusão ou não acarreta
conseqüências irreversíveis. Assim, o ônus de denunciar é ônus imperfeito ou diminuído porque o decurso do prazo não
acarreta a perda da legitimidade para oferecê-la” (Manual, pág. 205, rodapé).

22
23
Em outra linha, sustenta-se que, mesmo em um processo dominado pela pesquisa
da ‘verdade real’, não seria descabido falar em ônus da prova, pois a aplicação da
regra de julgamento não pressupõe necessariamente uma repartição de encargos entre
as partes, revelando-se no momento em que se verifica a ausência de prova acerca de
um fato determinado. É nessa situação que a falta de comprovação do fato se resolveria
em prejuízo da parte à qual pesa o ‘ônus material’ da prova. Não existindo no processo
penal uma repartição formal do ônus da prova, é ao Ministério Público que cabe o ônus
substancial da prova, no sentido de que deve provar a presença de todos os elementos
de fato sobre os quais se funda a pretensão punitiva e também a inexistência de
qualquer elemento que obste o surgimento desta mesma pretensão.

Seja como for, através da negação completa do ônus da prova no criminal, ou


pela atribuição integral do encargo ao órgão da acusação, resulta que no processo
penal a dúvida acerca da existência de qualquer fato deve sempre favorecer o acusado,
até porque a presunção de inocência constitui garantia de não intervenção do ius
puniendi em casos de duvidosa legitimidade.” (GOMES FILHO, Antonio Magalhães.
Provas. In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. As reformas no processo penal.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 256-257).

8.2. Como exceção a lei atribuiu ao Juiz a faculdade (para mim seria
poder/dever) de determinar a produção de provas. Trata-se, assim, de uma atuação
probatória supletiva ou complementar que o Juiz exerce no processo, “para suprir a
inércia ou conjurar a astúcia das partes” (Florian apud TOURINHO FILHO).

Sobre o tema assim dispõe o art. 156, do CPP:

“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém,


facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de
provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a
realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”

O fundamento da exceção é o princípio da verdade real.

No Direito Penal e Processual Penal vige o princípio da verdade real, no sentido


de que não deve o julgador ater-se somente as informações a ele levadas pelas partes,
mas sim, por si só buscar a realidade dos acontecimentos que estão sob julgamento.
Justamente nestes termos encontra-se o art. 156 do Código de Processo Penal,
recentemente alterado pela Lei 11.690, de 9 de junho de 2008, acima transcrito,
tornando-o ainda mais claro e peremptório.

23
24

Sobre tal princípio confiram-se as seguintes lições:

“Contrariamente à verdade formal, inspiradora do processo civil, onde o juiz


não está obrigado a buscar provas, mormente em ações de conteúdo exclusivamente
patrimonial, que constitui interesse disponível, contentando-se com a trazida pelas
partes e extraindo sua conclusão com o que se descortina nos autos, a verdade real vai
além: quer que o magistrado seja co-autor na produção de provas. Esse princípio
muitas vezes inspira o afastamento da aplicação literal de preceitos legais. Exemplo
disso é o que ocorre quando a parte deseja ouvir mais testemunhas do que lhe permite
a lei. Invocando a busca da verdade real, pode obter do magistrado a possibilidade de
fazê-lo.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 96 - destacamos).

“Assim entendido, o rito probatório não configura um formalismo inútil,


transformando-se, ele próprio, em um escopo a ser visado, em uma exigência ética a
ser respeitada, em um instrumento de garantia para o indivíduo. A legalidade na
disciplina da prova não indica um retorno ao sistema da prova legal, mas assinala a
defesa das formas processuais em nome da tutela dos direitos do acusado: as velhas
regras da prova legal apresentavam-se como regras para a melhor pesquisa da
verdade; seu valor era um valor de verdade. Hoje, bem pelo contrário, as regras
probatórias devem ser vistas como normas de tutela de esfera pessoal de liberdade:
seu valor é um valor de garantia.” (GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES,
Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo
Penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 154 – destacamos).

Portanto, deve o Magistrado, ante eventual inércia das partes, determinar mesmo
a condução coercitiva das testemunhas, v.g., como medida salutar não somente ao
direito a ampla defesa do acusado, mas principalmente em verdadeira vivificação da
busca da verdade real. Já decidiram os Tribunais a este respeito:

“Prova criminal – Inquirição de pessoa não arrolada como testemunha pelas


partes – Admissibilidade – Busca da verdade material pelo juiz – inexistência de
constrangimento ilegal – Recurso de habeas corpus – improvimento – Inteligência dos
arts. 209 e 396 do CPP – Habeas corpus – Art. 209 do CPP – Testemunha não
arrolada pelas partes – Busca da verdade material – O art. 209 do CPP credencia a
oitiva, pelo juiz, de pessoas outras que não arroladas como testemunhas pelas partes,
na busca da verdade material – Encargo que o distingue do juiz do cível. Recurso
desprovido.” (STF – TR 599/449).

“O silêncio de defensoria, nas alegações finais, sobre o eventual cerceamento


ao direito à prova do acusado, não leva à sanatória do vício daí resultante, vez que,
além de se tratar de nulidade absoluta, a procura da verdade material não se acha

24
25
sujeita ao sistema de preclusão, não se estancando nem sequer frente a coisa julgada
penal condenatória.” (TACrim-SP – Ap. 773.013 – Órgão Julgador: 10ª Câm – Rel.
Sérgio Pitombo – Rolo-flash 760/024).

Recomenda a doutrina, contudo, que o Juiz só utilize o poder instrutório após a


atividade das partes, ou seja, após encerrada a fase instrutória, convertendo o
julgamento em diligência, para manter a imparcialidade.

Observação:

A jurisprudência tem decidido pela inversão do ônus da prova em caso de furto,


quando a res furtiva é apreendida em poder do agente. Confira-se:

“Em se tratando de crime de furto, a apreensão da res furtiva em poder do


agente implica em inversão do ônus da prova, cabendo à Defesa apresentar
justificativa convincente para o ocorrido” (TACrimSP – RJDTACRIM 25/177).

“FURTO - Prova - Agente visto com a ‘res furtiva’, posteriormente apreendida,


no dia da ocorrência do delito - Inversão do ônus da prova, presumindo-se sua
responsabilidade e impondo-se-lhe justificativa inequívoca” (TJSC - RT 782/674).

“FURTO - Prova - Inversão do ônus - Apreensão da coisa subtraída em poder


do acusado - Responsabilidade presumida - Presunção não elidida por justificativa
inequívoca - Concorrência da confissão extrajudicial do réu, tornado revel -
Condenação confirmada” (TACrimSP - RT 656/303).

9. Prova emprestada.

Prova emprestada é aquela produzida num processo e trasladada para outro


processo, no qual se pretende também utilizá-la.

Confira-se a seguinte lição de Guilherme de Souza Nucci:

“É aquela produzida em outro processo e, através da reprodução documental,


juntada no processo criminal pendente de decisão. O juiz pode levá-la em
consideração, embora deva ter especial cautela de verificar como foi formada no outro
feito, de onde foi importada, para saber se houve o indispensável devido processo
legal. Essa verificação inclui, naturalmente, o direito indeclinável ao contraditório,
razão pela qual abrange o fato de ser constatado se as mesmas partes estavam
envolvidas no processo em que a prova foi efetivamente produzida. Ex.: o depoimento
de uma testemunha pode ser extraído de um jeito e juntado em outro, mas torna-se

25
26
indispensável saber se se tratavam das mesmas partes envolvidas, pois, do contrário,
deve a testemunha ser novamente inquirida, permitindo-se que a parte ausente
promova as suas reperguntas. Solução diversa iria ferir o devido processo legal.”
(NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2. Ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 365).

Não há no Código de Processo Penal norma tratando da prova emprestada.


Contudo, entende-se que é possível a sua utilização, desde que respeitado os princípios
do contraditório e da ampla defesa.

Assim, em hipótese alguma será possível simplesmente extrair cópias de


depoimentos testemunhais de um processo e juntá-las noutro onde o réu é pessoa
diversa e utilizar tal prova como fundamento de uma decisão. É preciso, como acima
consignado, respeitar o contraditório e a ampla defesa, dando ciência às partes sobre a
prova acrescida, permitindo-se a impugnação.

Por isso se afirma que a prova emprestada, na realidade, é apenas um fato que
também precisa ser provado.

Eugênio Pacelli de Oliveira adota o seguinte posicionamento sobre a prova


emprestada:

“A doutrina do processo penal faz uma distinção conceitual entre a prova ilícita
e a denominada prova ilegítima.

As provas ilícitas seriam aquelas obtidas com violação de direito material,


enquanto as provas ilegítimas receberiam tal definição por violarem normas de
Direito Processual.

A distinção é mesmo procedente, ao menos para melhor compreensão do que


sejam os momentos de obtenção, introdução e produção e, ainda, de valoração da
prova.

O melhor exemplo, e que facilita enormemente o entendimento acerca da


distinção, é o da prova emprestada, isto é, a prova obtida a partir de outra produzida
em processo distinto.

Em ação penal instaurada contra determinados réus, é possível, por exemplo,


que, no caso de morte de uma testemunha, a acusação obtenha uma certidão de inteiro
teor do depoimento por ela prestado em outra ação penal, envolvendo os mesmos fatos
e outros acusados. Essa prova, assim obtida, seria denominada emprestada, porque
produzida efetivamente em outro processo.

26
27
Como se percebe, a sua obtenção seria inteiramente lícita, não se podendo falar,
ainda, em inadmissibilidade da prova.

Todavia, a sua introdução no novo processo e, sobretudo, a sua valoração, seria


inadmissível, por manifesta violação do princípio do contraditório. Efetivamente, como
os réus na nova ação não eram os mesmos daquela, no curso do qual teria sido
produzida a aludida prova testemunhal, tem-se que eles não puderam manifestar-se
concretamente sobre o conteúdo do depoimento constante da prova assim emprestada.
Em tese, sempre em tese, é claro, poderiam eles se ali presentes, confrontar o referido
depoimento, demonstrando até mesmo (em tese) a sua falsidade, o que, com a morte da
testemunha, e a juntada de simples certidão, seria rigorosamente impossível.

Por isso, porque atingido o direito ao contraditório, tal prova não poderia ser
utilizada contra os réus.” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 8.
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 309 - destacamos).

10. O inquérito policial e as provas

Questão interessante a ser notada com a reforma processual de 2008 refere-se ao


emprego das provas obtidas no inquérito policial na fase judicial, sendo consideradas
para fins de condenação.

O art. 155 do CPP, com sua nova redação, tornou norma legal o entendimento
jurisprudencial predominante, dispondo expressamente que as provas obtidas
exclusivamente no inquérito e não ratificadas no decorrer da instrução processual não
podem por si só embasar a prolação de um édito condenatório.

Sobre o tema confiram-se ad seguintes lições doutrinárias:

“Apesar do estabelecimento dessa importante distinção, vinculando a própria


noção de prova ao entendimento do contraditório judicial, o legislador de 2008 não
acolheu integralmente a proposta do Poder Executivo, que vedava, de forma absoluta,
a utilização das informações trazidas pela investigação na formação do convencimento
do juiz.

Ao contrário, ao introduzir na nova redação do art. 155 do CPP o advérbio


exclusivamente, a Lei 11.690 permite que elementos informativos da investigação
possam servir de fundamento ao juízo sobre os fatos, desde que existam, também,
provas produzidas em contraditório judicial.

Em outros termos: para chegar ao resultado da prova, ou seja, à conclusão


sobre a veracidade ou a falsidade de um fato afirmado, o juiz penal pode servir-se

27
28
tanto de elementos de prova (produzida em contraditório) como de informações
trazidas pela investigação. Só não poderá ser utilizada, diz a lei, exclusivamente de
dados informativos da investigação.” (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas.
In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. As reformas no processo penal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 251).

“No desejo de conter o poder punitivo estatal, o art. 155, caput, proíbe o
magistrado sentenciante de fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas.

No Senado houve emenda buscando retirar do dispositivo a expressão


‘exclusivamente’, sob o argumento de que as informações colhidas na investigação
não são provas produzidas de acordo com o contraditório, não devendo sequer ser
levadas em consideração pelo juiz criminal. Não foi acolhida pela Câmara. A
supressão pretendida faria com que o órgão jurisdicional fosse impedido de
considerar qualquer elemento informativo da fase de inquérito. Foi corretamente
lembrado que, por determinação constitucional, todas as decisões judiciais devem ser
fundamentadas, de tal forma que o julgador só deve levar em consideração
informações contidas em inquérito policial se o fizer de forma razoável. Deve,
portanto, o magistrado explicitar os motivos que o levaram a determinar o elemento
informativo colhido no inquérito policial, que, isoladamente, não se prestam para
ensejar uma condenação, pelo que devem receber alguma confirmação em juízo. Já o
inquérito policial, de sua parte, não segue mais o antigo paradigma de investigação
inquisitória, havendo, atualmente, observância às garantias do acusado no que tange à
ampla defesa, sendo, inclusive, assegurado o acesso do advogado aos autos, ainda que
determinado o sigilo do inquérito.

A inovação em estudo acompanhou copiosa jurisprudência dos nossos


Tribunais. A Lei, com efeito, adequou o artigo em análise ao princípio do devido
processo legal, estampado no art. 5º, LV, da Constituição Federal, protegendo o
cidadão contra a ingerência arbitrária do Estado, proibindo este último de exercer o
seu direito de punir senão por meio de um processo judicial legítimo, concedendo ao
acusado o direito de oferecer resistência produzir provas e influenciar, positivamente,
no convencimento do Julgador.” (GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches;
PINTO, Ronaldo Batista. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da
Lei de Trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 269-270).

11. As provas cautelares (ou antecipadas)

O inciso I do art. 156, ao tratar dos poderes instrutórios do juiz, permite a


produção das chamadas provas cautelares, ou antecipadas, em princípio não repetíveis.
Equivale, rebus in modus, a medida cautelar de produção antecipada de provas no juízo
cível (arts. 846 usque 851 do Código de Processo Civil). Entretanto, em razão das

28
29
naturais diferenças entre as jurisdições, a medida deve ser vista no criminal como
absoluta exceção, sendo que o próprio legislador coloca como requisitos para sua
produção o preenchimento dos elementos do princípio da proporcionalidade
(necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito).

Sobre o tema confira-se:

“As provas cautelares, não repetíveis ou antecipadas dispensam reprodução


sobre o crivo do contraditório (é dizer, na fase judicial). A razão é óbvia: há provas
que, por sua própria natureza, não permitem reprodução em Juízo. Nesses casos,
embora produzidas extrajudicialmente, pode o juiz basear sua decisão em tais provas.
Imagine-se uma perícia realizada em um portão, a fim de apurar a prática de um
crime de furto qualificado. Tal exame deverá ser realizado o mais rápido possível, tão
logo se der a prática do crime. Não se exigirá, nesse caso, que passado um ano, já em
juízo, nova violação na porta seja feita, para que uma perícia, agora judicial, seja
produzida. Tampouco se imporá à vítima o dever de aguardar, durante um ano, um
eventual processo criminal para, somente a partir daí, poder efetuar os reparos na
porta, como forma de proteger seu patrimônio. Não. A prova válida e eficaz será
aquela produzida ainda na fase policial, embora – insistimos – sem contar com as
garantias do contraditório e da ampla defesa, exigíveis, apenas, para o processo
criminal.” (GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo
Batista. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 270-271).

É certo, porém, que quando de sua produção na fase pré-processual deverá ser
assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Confira-se, ainda, a seguinte lição Antonio Magalhães Gomes Filho:

“Para que se compreenda o alcance da regra, é preciso lembrar que na Itália


todas as provas são produzidas na fase do dibattimento, em que há o contraditório. Se
houver uma prova cuja realização seja urgente, existe a possibilidade de sua
antecipação, num procedimento prévio levado a cabo perante o juiz, com todas as
garantias, denominado incidente probatório. Assim, se for previsível uma
circunstância que impeça a posterior produção de prova na fase de dibattimento, isso
deve se feito, desde logo, por meio do incidente probatório. Daí por que somente no
caso de fato imprevisível é admitida na leitura de declarações prestadas sem o
contraditório em fases precedentes.
[...]
Embora a nossa legislação não tenha previsto o mecanismo do incidente
probatório, como na Itália, é certo que o art. 225 do CPP permite a antecipação do
depoimento, se qualquer testemunha tiver de ausentar-se ou, por enfermidade ou
velhice, houver receio de que já não exista ao tempo da instrução. Além disso, também

29
30
o art. 366, na redação da Lei 9.271/1996, que trata da suspensão do processo em
casos de citação por edital, prevê a produção antecipada de provas urgentes.

Sendo assim, se for previsível que a prova não possa ser repetida na instrução
judicial, o procedimento correto – até porque ajustado às garantias constitucionais –
será o dos artigos citados, perante o juiz e com a presença das partes. Quanto à
defesa, deve estar presente pelo menos um defensor dativo; mas, se já estiver
estabelecida a identidade do autor do fato, este também deve ser intimado para os atos
de produção da prova antecipada, assegurada inclusive a constituição de advogado.”
(GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas. In: MOURA, Maria Thereza Rocha de
Assis. As reformas no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 254).

12. Sistemas de apreciação das provas.

Se as partes têm o ônus probante, o Juiz tem o dever de apreciar as provas


produzidas (“ônus subjetivo”14), não podendo ignorá-las. A valoração das provas
constitui um dos pontos nevrálgicos de todo processo, dado o inafastável caráter
subjetivo.

A doutrina aponta os seguintes sistemas de valoração das provas, a saber:

12.1 Antigos:

a)sistema étnico ou pagão : impressões do juiz


b)religioso: invocação divina

12.2 . Modernos:

a) Sistema da livre apreciação (ou da convicção íntima, ou da certeza moral do


juiz): o julgador tem ampla liberdade para decidir, segundo critérios íntimos e próprios
de avaliação, independentemente do que consta dos autos e de fundamentação.

Ex. Tribunal do Júri.

b) Sistema da prova legal (=certeza moral do legislador). A lei fixa preceitos e


valores de cada prova, vinculando o julgador.

Deriva deste sistema o brocardo “testis unus testis nullus” (uma só testemunha
não tem valor), sem aplicação no Brasil.
14
Impropriamente designado pela doutrina austríaca de “ônus subjetivo”; impropriamente porque o juiz não tem o ônus
de analisar as provas, mas sim o dever funcional. V. Vicente Greco Filho, pág. 204.

30
31

Ensina Michel Foucault:

“Mas o segredo não impedia que, para estabelecer a verdade, se devesse


obedecer a certas regras. O segredo implicava mesmo na definição rigorosa de um
modelo de demonstração penal. Toda uma tradição, que remontava ao meio ambiente
medieval, mas que os juristas da Renascença haviam largamente desenvolvido,
prescreviam o que deviam ser a natureza e a eficácia das provas. Ainda no século
XVIII encontravam-se regularmente distinções como as seguintes: as provas
verdadeiras, diretas ou legítimas (os testemunhos por exemplo) e as provas indiretas,
conjeturais, artificiais (por argumento); ou ainda as provas manifestas, as provas
consideráveis, as provas imperfeitas ou ligeiras; ou ainda: as provas ‘urgentes e
necessárias’ que não permitem duvidar da verdade do fato (são provas ‘plenas’: assim
duas testemunhas irrepreensíveis que a afirmassem ter visto o acusado com uma
espada nua e ensangüentada na mão, a sair do lugar onde, algum tempo depois, foi
encontrado o corpo do morto marcado por golpes de espada); os indícios próximos ou
provas semiplenas, que se podem considerar verdadeiras enquanto o acusado não a
destruir com uma prova contrária (prova ‘semiplena’, como uma só testemunha
ocular, ou ameaças de morte que precedem um assassinato); enfim, os indícios
longínquos ou ‘adminículos’ que consistem apenas no parecer dos homens (opinião
pública, fuga do suspeito, sua perturbação ao ser interrogado, etc.). ora, essas
distinções não são simplesmente sutilezas teóricas. Elas têm uma função operatória.
Em primeiro lugar, porque cada um desses indícios tomado em si mesmo e se
permanece isolado, pode ter um tipo definido de efeito judiciário: as provas plenas
podem acarretar qualquer condenação; as semiplenas podem acarretar penas físicas
infamantes, mas nunca a morte; os indícios imperfeitos e leves bastam para fazer
‘decretar’ o suspeito, para fazer contra ele investigações mais aprofundadas ou para
lhe impor uma multa. Em segundo lugar, porque se combinam entre si com regras
precisas de cálculo: duas provas semiplenas podem fazer uma prova completa:
adminículos, desde que sejam vários e concordem, podem combinar-se para formar
uma meia-prova; mas sozinhos, por numerosos que sejam, não podem equivaler a
uma prova completa. Temos então uma aritmética penal meticulosa em muitos pontos,
mas que deixa ainda margem a muitas discussões: podemos apoiar-nos, para dar uma
sentença capital, numa única prova plena ou é preciso que ela seja acompanhada de
outros indícios mais ligeiros? Dois indícios próximos são sempre equivalentes a uma
prova plena? Não seria necessário admitir três deles ou combiná-los com os indícios
longínquos? Há elementos que só podem ser indícios para certos crimes, em certas
circunstâncias e em relação a certas pessoas (assim um testemunho é anulado se
provém de um vagabundo; é, ao contrário, reforçado, se se trata ‘de uma pessoa de
consideração’ ou de um patrão a respeito de um delito doméstico). Aritmética
modulada por uma casuística, que tem por função definir como se pode construir uma
prova judicial. [...]” (FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 33. ed. Petrópolis (RJ):
Vozes, 2007. p. 33-34 – destaques nossos).

31
32

c) Sistema da persuasão racional (ou livre convicção motivada, ou livre


convencimento). O juiz tem liberdade para apreciar e valorar as provas, não estando
vinculado a critérios valorativos, tendo, contudo, o dever de fundamentar suas decisões
(art. 93, IX da CF), cingindo-se as provas dos autos (daí o brocardo “id quod non est
in actis non est in mundus” (=o que não está nos autos não está no mundo15).

A exigência de fundamentação das sentenças afasta possíveis arbítrios, tornando


transparente a prestação da tutela jurisdicional.

É dizer: ao julgar o magistrado fica vinculada à prova constante do processo e à


sua consciência, devendo fundamentar a decisão, expondo as razões de seu
convencimento.

Por tal sistema, todos os meios de prova são admissíveis e não há hierarquia
entre as provas; todas são relativas.

Esse sistema foi adotado pelo Código de Processo Penal, conforme se extrai da
atual redação do seu art. 155 (“O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da
prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as
provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”).

A Exposição de Motivos do Código de Processo Penal não deixa dúvidas acerca


do sistema adotado, como regra, no Direito brasileiro. Assim estabelece o item VII da
Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, que dispõe sobre a questão das
provas:

“VII – O projeto abandonou radicalmente o sistema chamado da certeza legal.


Atribui ao juiz a faculdade de iniciativa de provas complementares ou supletivas, quer
no curso da instrução criminal, quer a final, antes de proferir a sentença. Não serão
atendíveis as restrições à provas estabelecidas pela lei civil, salvo quanto ao estado
das pessoas; nem é prefixada uma hierarquia de provas: na livre apreciação destas, o
juiz formará, honesta e lealmente, a sua convicção. A própria confissão do acusado
não constitui, fatalmente, prova plena de sua culpabilidade. Todas as provas são
relativas, nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente mais
prestígio que outra. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos,
não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar,
através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído a sua própria
consciência. Nunca é demais, porém, advertir que livre convencimento não quer dizer
puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. O juiz está livre
de preceitos legais na aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao

15
Com fundamento neste brocardo VGF esclarece que fica consagrado o Princípio da Verdade Formal, “ou seja, o juiz
decidirá segundo a verdade dos autos e não segundo a verdade da natureza (verdade real). (Manual, pág. 215).

32
33
seu conteúdo. Não estará ele dispensado de motivar a sua sentença. E precisamente
nisto reside a suficiente garantia do direito das partes e do interesse social.

Por outro lado, o juiz deixará de ser um espectador inerte da produção de


provas. Sua intervenção na atividade processual é permitida, não somente para dirigir
a marcha da ação penal e julgar a final, mas também para ordenar, de ofício, as
provas que lhe parecerem úteis ao esclarecimento da verdade. Para a indagação
desta, não estará sujeito a preclusões. Enquanto não estiver averiguada a matéria da
acusação ou da defesa, e houver uma fonte de prova ainda não explorada, o juiz não
deverá pronunciar o in dubio pro reo ou o non liquet.

Como corolário do sistema da livre apreciação do juiz, é rejeitado o velho


brocardo testis unus testis nullus. Não se compreende a prevenção legal contra a voix
d’um, quando, tal seja o seu mérito, pode bastar à elucidação da verdade e à certeza
moral do juiz. Na atualidade, aliás, a exigência da lei, como se sabe, é contornada por
uma simulação prejudicial ao próprio decoro ou gravidade da justiça, qual a
consistente em suprir-se o mínimo legal de testemunhas com pessoas cuja insciência
acerca do objeto do processo é previamente conhecida, e que somente vão a juízo para
declarar que nada sabem.
[...]” (destaques nossos).

13. Princípios da prova.

Além dos princípios acima referidos, podemos destacar outros relacionados com
as provas, a saber:

13.1 .Princípio da auto-responsabilidade.

As partes assumem as conseqüências de sua inatividade, negligência, erro ou


atos intencionais.

13.2 . Princípio da audiência contraditória.

Toda prova admite contraprova. A parte contrária tem direito de conhecer o


conteúdo da prova e impugná-la.

O contraditório, em tema de prova, se apresenta em três aspectos:

a) Ciência. As partes devem ser informadas sobre o pedido, o deferimento e a


produção da prova.
b) Influência. A parte pode influenciar na produção das provas. Ex. Na oitiva
das testemunhas, a parte poderá formular perguntas.

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c) Impugnação. A parte pode impugnar, contestar a prova apresentada e
produzida.

A ciência sempre será necessária, todavia, a influência e a impugnação não, pois


a parte pode não influir na prova a ser produzida, ou mesmo não impugná-la.

Por isso que a prova emprestada não pode produzir efeito contra pessoa que não
figurou como parte no processo originário.

13.3 .Princípio da aquisição ou comunhão.

A prova não pertence a parte que a requereu, servindo a todos e aos interesses da
justiça.

A propósito:

“A prova não pertence à parte que a produziu e sim ao processo. Se a parte


deseja desistir da prova que tenha proposto, a parte contrária deve obrigatoriamente
ser ouvida. Em havendo aquiescência, ainda assim o magistrado poderá determinar de
ofício a realização da prova. Deve ser analisada com cautela a previsão do art. 401, §
2º do CPP, autorizando que a parte desista de qualquer das testemunhas arroladas,
ressalvando apenas a possibilidade do magistrado determinar a oitiva de ofício.
Apesar da omissão legal, se a parte contrária insistir na oitiva, a testemunha deve ser
ouvida, em atenção ao princípio da comunhão.” (TÁVORA, Nestor; ANTONNI,
Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 2. ed. Salvador (BA): Juspodivm, 2009. p.
320).

13.4 . Princípios da oralidade e concentração.

Na produção das provas deve prevalecer a palavra falada, princípio relativo em


nosso sistema processual.

Pela concentração almeja-se produzir toda a prova em audiência, o que também e


relativo no processo brasileiro, sendo marcante nos Juizados Especiais Criminais.

Confira-se, por pertinência, a lição abaixo:

“Deve haver a predominância da palavra falada. Ex: testemunhos,


interrogatório, etc. A oralidade ganhou destaque pela previsão do art. 62 da Lei n.º
9.099/1995, tomando-a expressamente como critério reitor nos Juizados Especiais
Criminais. Foi também o desejo da reforma, assegurando-se, como regra, a realização
dos debates orais, ao invés de alegações finais escritas, que só excepcionalmente terão

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cabimento (art. 403 do CPP). Do princípio da oralidade, decorre o princípio da
concentração, buscando-se centralizar a produção probatória em audiência única, ou
no menor número delas (art. 400, § 1º, CPP), e o princípio da imediatidade,
aproximando o magistrado do contexto probatório, com as provas produzidas perante
a autoridade. Além deles, averbou-se no ordenamento o princípio da identidade física
do julgador, de sorte que o magistrado que preside a instrução é necessariamente
aquele que irá julgar o processo, salvo as exceções legalmente contempladas, como
promoção, aposentadoria, dentre outras (art. 399, § 2º, CPP).” (TÁVORA, Nestor;
ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 2. ed. Salvador (BA):
Juspodivm, 2009. p. 320-321).

A doutrina ainda aponta outros princípios incidentes, como o da publicidade


(entretanto, por entendermos que este se vincula a todos os atos judiciais, em regra, e
não especificamente às provas, não o colocamos como princípio específico) e o
princípio do livre convencimento motivado (o qual considero como sistema de
valoração probatório e não especificamente como princípio incidente. Ele é o próprio
pano de fundo no qual incidem as regras principiológicas, e não uma destas em si).

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