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Pedro Kupfer
A vida do professor de
Yoga
entrevista com Pedro Kupfer
A Formação.
Satya. O professor tem de ser verdadeiro. Não pode dizer uma coisa
e fazer outra. Não pode haver incoerência entre o que se pensa, o que
se diz e o que se faz. Mas também isto é aplicável primeiro ao ser
humano, depois ao yogi e em terceiro lugar ao professor de yoga. A
questão é que este está numa situação peculiar pois ocupa uma
determinada imagem na sociedade. Dentro da sala o professor tem
poder e é possível que os alunos idealizem e achem que ele é um santo,
coisa que ele não é. Ele é um ser humano normal como qualquer outro,
que aprecia as qualidades de um santo mas que, muito provavelmente,
ainda não se conseguiu estabilizar dentro destas virtudes.
Neste contexto cabe ainda asteya, não tirar aos demais tempo,
energia ou emoções e tão pouco permitir que os outros façam isso
consigo. Assim, na sua conduta o professor de yoga também deve ser
parcimonioso ao não exigir dos outros professores, dos amigos, da
família, dos alunos o seu tempo, por exemplo.
Mas existem muitos outros problemas humanos que não estão nesta
lista, os problemas emocionais, por exemplo. Às vezes as emoções
transformam-se em vícios muito piores do que estes hábitos que
listamos e se eu quero ser livre tenho de me livrar delas também. O
professor de yoga pode não fumar, não beber, não comer carne mas isto
é secundário, porque o principal é se ele está bem resolvido
emocionalmente e se as suas acções, as suas palavras e as suas
atitudes no mundo condizem com o estado de santosha
(contentamento). Mais ainda, se ele é capaz de levar isso para o convívio
com os demais e se ele é capaz de inspirar outras pessoas neste sentido.
Algum tempo depois, fiquei com dúvidas e decidi voltar para lá para
reaprender tudo o que sabia, porque algumas coisas percebia que
estavam equivocadas, para me reprogramar com alguém que me
corrigisse tudo. No primeiro dia encontrei logo aquele que seria o meu
professor, hoje em dia não é tão fácil. Recebo muitos emails de pessoas
que dizem que vão para a Índia sem expectativas, de mente aberta, à
espera que algo de mágico aconteça, mas geralmente, se a pessoa não
prepara a viagem frustra-se. A Índia dos livros de fotografia não é a
Índia, mas um pequeno ângulo dela.
Neste sentido, se formos ainda mais para trás até às Upanishads, lê-
se aquela afirmação da Katha Upanishad que fala sobre o fio da navalha
“estreito é o caminho”. Não há muita gente disposta a andar no fio da
navalha. Então yoga como fenómeno para o combate ao stress, para a
manutenção da saúde e do bem–estar é uma coisa, agora yoga como
caminho para moksha, como instrumento para colocar em prática o
auto-conhecimento é para poucos e neste sentido, deparamo-nos hoje
com esse paradoxo de ver muita gente a ensinar yoga, transmitindo
técnicas baseadas na presunção de que yoga é um sistema para manter
conforto, bem-estar e saúde e poucos, inclusivamente dentro da nação
dos professores de yoga, o vêem como o que ele desde sempre foi – o
caminho para a liberdade.
Neste sentido, as estruturas das tribos dos jovens por mais que
pareçam coloridas, modernas e abertas são medievais, super fechadas “
senão pensas como eu és um alienígena”, “eu só falo com quem fala a
minha língua”. Então quando temos amigos dentro de uma destas tribos,
se eu mudo a minha forma de ser, mas a amizade existe, ela não se
perde. A resposta à pergunta é que é impossível. O facto de eu viver a
vida de yoga e seguir os seus valores não me vai colocar fora da
sociedade mas é possível sim que, em algum momento, alguma pessoa
observe ou se dê conta e mude determinados hábitos – como deixar as
drogas ou o álcool. A pergunta que eu faço é: eu preciso de pertencer a
um grupo no qual eu sou julgado pelos meus actos e do qual eu vou ser
irradiado se os meus actos não se encaixarem com os actos que esse
grupo aprova? Posso pertencer se para mim isso for importante, por uma
questão de identidade cultural, mas se eu achar que não preciso disso
não fico, e as amizades verdadeiras vão permanecer por mais que as
pessoas naveguem em navios diferentes.
ILUMINAÇÃO PARA
QUE?
Pedro Kupfer
A verdade sobre o puja
Pedro Kupfer
O Tantra e os Yogas
Entrevista com Pedro Kupfer
Entretanto, por mais que mudem alguns dos seus conteúdos durante
essa travessia, a essência do Yoga continua sempre a mesma: mágica,
imutável e atemporal. A mensagem do primeiro praticante,
atravessando as gerações, continua sendo válida para nós, homens do
século XXI.
1) Grupos posturais
a) equilíbrio,
b) lateralidade,
c) fortalecimento muscular,
d) estabilização articular,
e) inversão,
f) alongamento passivo e
g) relaxamento.
Definindo o karma.
Lendo esta historinha, podemos pensar que karma seja uma espécie
de destino inevitável. No entanto, a idéia de karma como destino ou
fatalidade está longe do que esta palavra sânscrita realmente significa.
Karma quer dizer 'ação', e define não apenas as coisas que fizemos e
fazemos, mas igualmente os resultados que derivam dessas ações. Esse
termo é usado para definir o princípio de causa e efeito que rege todas
as relações no universo. Esse conceito abrange absolutamente todos os
feitos dos homens e suas conseqüências ao longo do tempo, em nível
coletivo e individual.
Podemos usar nossa liberdade para definir o que fazemos, mas não
temos escolha nem liberdade em relação aos resultados das nossas
ações. Porém, o grande problema é que não sabemos disso, e ficamos o
tempo todo tentando manipular os resultados. Ficamos constantemente
tentando mudar aquilo que não pode ser mudado. Isso é uma fonte de
infelicidade e sofrimento contínuo e nasce, em última análise, da
incapacidade de perceber que existe uma limitação em nossos poderes,
e uma diferença entre o que pode e o que não pode ser mudado.
Aceitação é a chave.
A atitude de aceitação grata é o que abre o coração. Deveríamos
aprender a aceitar, e esquecer crenças e padrões mecânicos como 'eu
deveria ter feito isto', 'estou arrependido', etc. Ao invés disso,
poderíamos pensar 'isto é o que eu fiz ou disse, e foi o melhor que podia
fazer ou dizer, dadas as circunstâncias', ou 'sou totalmente perfeito
dentro da minha imperfeição'.
Patañjali, o tântrico
Pedro Kupfer
Recebi recentemente uma interessante mensagem de um praticante
fazendo, em nome do Yoga tântrico, uma série da categóricas
afirmações sobre o Yoga Sutra. Dentre outras coisas, afirmava o colega
que a obra clássica de Patañjali não menciona prana, chakras, nadis nem
kundalini. Como discordo completamente dessa opinião, escolhi
deliberadamente o título provocativo deste texto, com o objetivo de
instigar a curiosidade do amigo leitor em relação ao pouco conhecido
vínculo entre o Yoga Clássico de Patañjali e o Yoga tântrico (do qual o
Hatha faz parte). Digo isso porque chamar Patañjali de “tântrico” pode
ser considerado uma blasfema em certos círculos de Yoga, já que há
algumas pessoas que têm medo da kundalini e de todos os assuntos
relacionados a esta força.
Quanto sabemos
sobre a respiração
yogika?
Pedro Kupfer
Criatividade e
tradição
Pedro Kupfer
Alhos e bugalhos.
E nós? Até onde deveríamos usar a criatividade sem atropelar a
tradição? Até onde poderíamos usar a iniciativa sem sacrificar, diluir ou
deformar aquilo que nos foi ensinado? Para responder adequadamente a
estas questões, é preciso separar alhos de bugalhos. (Para os curiosos:
um bugalho é uma saliência arredondada que se forma em algumas
espécies de árvores da família do carvalho a partir de um ovo de vespa.
A vespa desenvolve-se no interior do bugalho, onde viverá suas
metamorfoses: larva, ninfa e fase adulta. Antigamente, as crianças
portuguesas usavam bugalhos como bolinhas de gude.) Por mais que
tanto os alhos como os bugalhos tenham forma arredondada, não
devemos confundir uns com os outros.
Para que o Yoga possa ser chamado Yoga, é necessário que haja não
apenas aplicação de técnicas, mas igualmente uma integração delas
com o ensinamento na vida prática. Por outro lado, para que o método
de transmissão do ensinamento mereça o nome de Yoga, é necessário,
da mesma maneira, que ele seja aplicado na vida. De nada adianta,
como querem alguns “yogis de sofá”, apenas sentar para ouvir o
ensinamento, sem implementar o ensinamento na vida. Nessa situação,
sem integrar visão e ação, o conhecimento sobre si mesmo fica reduzido
a uma teoria. Teorias são explanações mais ou menos plausíveis, que
podem ser adotadas ou descartadas, conforme a situação. Porém,
acontece que você não é uma teoria, e que o conhecimento de si mesmo
não é de maneira alguma algo “teórico”.
Por outro lado, técnicas existem muitas e podem ser aplicadas por
diferentes pessoas, em diferentes momentos e ocasiões, com o objetivo
de aplicar na prática o ensinamento sobre si mesmo. A visão é uma só.
Consideramos que as técnicas são aquilo que muda, enquanto que a
visão e a metodologia que a transmite são elementos invariáveis. Sobre
as técnicas podemos aplicar a criatividade. O que creio que não cabe é
tentarmos mudar ou “aperfeiçoar” esse meio de conhecimento que é a
visão do Yoga. Isso seria tão estéril quanto tentarmos ouvir sons com os
olhos, ou perceber cheiros com os ouvidos. Tentativas de integrar a
visão do Yoga com fragmentos de sistemas psicológicos ou tradições
espirituais como o xamanismo nem sempre produzem o resultado
esperado.
Nós chamamos o Yoga de Yoga por que foi com esse nome que este
sistema chegou até nós. Porém, isso não significa que o ensinamento do
Yoga não existisse ou exista atualmente sob outras formas ou com
outros nomes, noutras culturas e lugares. Alguns exemplos de formas de
Yoga não indianas são estas: o sufismo, o taoísmo, o budismo tibetano, o
budismo zen, e a filosofia de ocidentais como Aristóteles, Epicuro,
Spinoza e Schopenhauer. Swami Dayanada considera que qualquer
ensinamento ou doutrina que mostre a identidade essencial entre o
indivíduo e o todo, e que seja acompanhado de um método para
exposição e aprendizado, pode ser chamado Brahmavidya,
independentemente do nome que tenha recebido originalmente.
Namaste!
O dharma e o
códigoyogiko de
conduta
A compreensão plena do conceito de dharma é essencial para
podermos integrar em nossa vida os aspectos mais profundos da
prática do Yoga, pois ele está intrinsecamente ligado ao código de
conduta yogika, chamadoyama e niyama.
Este texto foi preparado para a palestra sobre dharma ministrada por
Pedro Kupfer no II Yoga Sangam, conferência internacional de Yoga que
aconteceu em Florianópolis, em maio de 2001. O nosso caro
leitor/internauta saberá perdoar o estilo coloquial do artigo.
Se existe uma coisa que apóia, que mantém unidas as pessoas, isso
é o dharma. O dharma é uma doutrina prática. É a lei inerente à
natureza de todos os fenômenos existentes. Não é apenas um conjunto
de crenças separadas da vida diária, senão um conjunto de princípios
para viver uma vida harmoniosa e benéfica.
1. artha (prosperidade)
2. káma (prazer)
3. dharma (virtude)
4. moksha (libertação ou iluminação)
A palavra Deus não existe em sânscrito com o sentido que lhe damos
aqui no Ocidente. Claro que alguém poderá ver deuses nos mantras
hindus. Pessoalmente, prefiro vê-los como formas de energia,
representações simbólicas intuitivas das camadas da existência que
transcendem o intelecto. A Brihadáranyaka Upanishad (III:9) deixa isso
bem claro neste diálogo:
1. confio em mim;
2. harmonia física e mental;
3. o sucesso me acompanha em todos os empreendimentos;
4. desenvolvo o meu potencial espiritual.
No final do dia, é bom olhar para o dia que passou para refletir sobre
seus desafios. Cada erro é uma lição, cada conquista um
aprofundamento do entendimento.
É lamentável, mas compreensível, ver a nossa juventude seduzida por esse tipo
de ideologia reacionária. Essas seitas se apresentam sempre sob uma forma light e
criam uma identidade com a linguagem, as atividades e as inquietudes dos jovens.
No entanto, por trás do marketing enganoso, escondem-se a exigência de
obediência cega, o doutrina¬mento e a devoção ao mestre, estabelecida através de
juramentos e outros rituais patéticos.
Cabe lembrar que o yoga é uma ciência complexa e pro¬funda que busca a
realização do potencial humano. Essa realização é chamada nirvana, uma palavra
sânscrita que significa literalmente "sem desejos", exatamente o contrário do que
se preconiza nesse tipo de instituição. Praticar yoga é levar uma vida que exige
transformações pro¬fundas: desde o esforço por superar-se na prática e no
cotidiano, aplicando a consciência a cada ação, até o cultivo das virtudes nos
relacionamentos.
COINCIDÊNCIA,
SUPERSTIÇÃO E
CAUSALIDADE
Pedro Kupfer
Um dos leitmotivs da cultura do Yoga é o aforismo 'tudo está
conectado'. Esse tema, central e recorrente na literatura do Yoga,
aparece explicitado em afirmações vaidikas como 'O Universo inteiro é
uma grande família' (vasudaiva kutumbakam), ou 'Assim como no Ser,
também no corpo' (yata brahmande tata pindade). Muito embora seja
verdade verdadeira que existe uma conexão intrínseca entre Brahman, a
Consciência Única, e todas as formas, animadas e inanimadas, isso não
se estende necessariamente a todos os aspectos da realidade, quando
observada desde a perspectiva do ego ou da mente de cada pessoa. Por
momentos, o ego, permeado pela ignorância, nos faz perceber conexões
onde elas não existem. Um antigo texto não-dualista chamado Yoga
Vasishtha usa o derivativo kakataliya, para referir-se a situações desse
tipo. Kakataliya quer dizer 'sobre o corvo na palmeira'. Porém, antes de
entrar na definição desse importante, mas esquecido conceito, e já que
um dos temas deste texto é a causalidade, permita-me o paciente leitor
ilustrar o quê seriam coincidências acidentais contando dois 'causos'.
Gatos terapeutas!
Meu amigo Ricardo disse-me numa oportunidade que alguns
terapeutas da Nova Era afirmam que, quando um gato deita sobre os
corpos dos seus amigos humanos, ele irá procurar os 'chakras fora de
equilíbrio'. Assim, uma das funções desses felinos domésticos seria,
desinteressadamente, contribuir para o equilíbrio energético das pessoas
que convivem com eles. Acontece que têm gatos e humanos de
diferentes tamanhos. Se a gata Chandra deita sobre meu tronco, ela vai
pegar dois ou três chakras ao longo do eixo da espinha dorsal. Se a gata
Jaya, que é bem maior, deitar sobre mim, irá pegar três ou quatro
chakras. Deveríamos então concluir, supondo que a premissa fosse
verdadeira, que cada gata faz um diagnóstico diferente dos meus
'desequilíbrios chákricos'? Como poderiam ser interpretados esses
sinais?
O corvo na palmeira.
As duas situações expostas acima apontam para o mesmo fato: a
mente humana tende, precipitadamente, a fazer conexões entre fatos
reais, mas que não estão necessariamente vinculados entre si. A palavra
sânscrita para definir essa situação é, como dizemos no início,
kakataliya. Esta palavra é composta por kaka, que significa corvo, e tala,
que significa palmeira. Traduz-se como o exemplo 'do corvo e a
palmeira'. No entanto, numa tradução livre, mas que apontasse para a
intenção do vocábulo, poderíamos dizer que kakataliya significa
'coincidência acidental'.
Assim, se alguém, por exemplo, reza para que algo aconteça, e isso
coincidir com a realização daquele desejo, a pessoa tenderá
naturalmente a acreditar que existe uma conexão causal entre a reza e
a realização. Desta maneira, a pessoa desenvolve a idéia de que é
possível forçar Ishvara (o Ser manifestado na forma da criação) a agir de
acordo com seus próprios desejos e vontades. Dessa maneira, aquilo que
parece uma sucessão verossímil de acontecimentos conectados, não
passa de uma falácia, algo que parece verdadeiro, mas não é. Há uma
palavra em sânscrito para dizer falácia: hetvabhasa.
Aristóteles na palmeira.
Essa falácia exposta na filosofia hindu foi igualmente postulada na
filosofia grega pelo grande Aristóteles, que afirmou: post hoc, ergo
propter hoc. Traduzindo: 'Depois daquilo. Portanto, provocado por
aquilo'. Em suma, o que a falácia aristotélica diz é: 'Isto aconteceu
depois daquilo. Como aconteceu depois, isto só pode ter sido provocado
por aquilo'. O coco caiu da palmeira depois do corvo pousar nela.
Conseqüentemente, o pouso do corvo provocou a queda do coco. Essa
falácia, que ficou conhecida como post hoc, pode ser resumida da
seguinte maneira:
1. A aconteceu antes de B.
Superstição e religião.
A superstição é um tipo de crença irracional que leva a estabelecer
obrigações imaginárias, a temer coisas inócuas ou a acreditar em
presságios e sinais, sempre originados por coincidências fortuitas. A
superstição está baseada na falsa conexão de causa e efeito entre esses
fatores aleatórios. De modo geral, pessoas de uma determinada religião
(ou tipo de Yoga!) irão enxergar pessoas de outras religiões (ou
modalidades de Yoga) como supersticiosas. Ateístas e agnósticos, por
sua vez, tenderão a ver pessoas de todas as religiões como
supersticiosas. Ninguém questiona dentro do catolicismo as curas
milagrosas de Jesus, mas, se alguém afirmar que um santo hindu ou
budista realizou os mesmos milagres, os católicos certamente irão torcer
o nariz e chamar aquele santo de charlatão. Já testemunhei
pessoalmente uma situação dessas.
Digo isto porque, apesar de vivermos num mundo laico, numa era
em que a razão deveria estar na moda, e apesar de que o Yoga propõe
uma vida com ambos os pés firmemente fincados no chão da realidade,
as situações listadas mais acima neste texto são sintomáticas de que
alguma coisa está sendo distorcida na maneira em que o Yoga está
sendo visto ou tratado por aqueles que deveríamos cuidar muito bem
dele: os próprios professores e praticantes.
Então, 'o que eu tenho a ver com isso?' Todos nós, praticantes e/ou
professores, mesmo se não tivermos pensado antes nisso, somos
responsáveis por cuidar bem daquilo que foi transmitido para nós pelos
mestres e professores das gerações anteriores. Um dos ensinamentos
que mais gosto do meu mestre, Swami Dayananda, e que ele repete
com alguma freqüência para nos lembrar, é que we are reality people.
Somos gente da realidade. O yogi é uma pessoa que evita viajar na
maionese, capaz de analisar de maneira crítica e isenta a realidade em
que vive. O yogi é uma pessoa que não atribui causas sobrenaturais às
coisas, que não se ilude nem ilude os demais e que, principalmente, não
perde tempo em tarefas de duvidosa eficiência.
Mas o rishi implora: "me dê outros cem anos, preciso mais tempo
para entender os Vedas."
Brahma concorda e assim passam mil anos mais: o rishi pedindo mais
e mais tempo para estudar, o deus aquiescendo com piedade infindável.
No final, vendo que não conseguia acabar de entender as escrituras, o
rishi, desalentado, pergunta ao deus: "porque nunca termino?"
Ele responde: "porque você não está fazendo Yoga. Porque não serve
para nada estudar os Vedas se você não os coloca em prática, e a
prática do conhecimento vêdico é o Yoga".
Isto é para que você não esqueça que o estudo sem a prática não
produz nenhum resultado. Os shastras dizem que se você for estudioso
dos Vedas, você não é nada, pois o Veda não vai te levar ao moksha, à
libertação. O simples estudo dos Vedas e a recitação dos mantras traz
apenas mais condicionamentos. Por isso se diz que não existe Yoga sem
Veda, e não existe Veda sem Yoga. O Veda está dentro de você, e para
onde você olhar. Enquanto não vir o Veda dentro de você mesmo, e em
todas as coisas ao seu redor, esses quatro livros serão inúteis.
É por isso que até os templos são réplicas da natureza. Templo se diz
mandir em sânscrito, de man = mente, e dir = paz. O sentido desta
palavra é tornar a mente pacificada. Todos os templos construídos
segundo os princípios do vastu shastra, a arquitetura sagrada hindu, são
representações simbólicas da natureza. Se eu não puder ir para a
natureza, trago a natureza para a
Então, para que estas afirmações não fiquem no ar, vamos aprender
a medir auras e chakras. É mais fácil começar medindo a aura de outra
pessoa. Coloque-se a algo menos de um metro de distância da pessoa
em quem você fará a medição. Afaste a palma da mão do ombro do
outro, e depois aproxime-a devagar, até sentir um misto de calor e
formigamento bem característico, que emana do corpo. Para estimar
com exatidão a largura da aura devemos prestar bastante atenção no
centro da palma da mão, onde tem um chakra com o que você
perceberá a energia do outro.
Por isso, loucos são os outros. Talvez você possa ser criticado por
praticar uma filosofia de vida "exótica", alheia ao seu contexto cultural.
Vejamos um exemplo esquemático, porém claro. Se alguém trabalha
sem parar, sem tirar férias, e fica estressado e alienado correndo atrás
do dinheiro e do sucesso, os demais dirão: "Fulano é uma pessoa muito
responsável e bem sucedida".
Acredito que a única coisa que pode nos dar paz, mas paz
verdadeira, é sermos capazes de saber quem somos e o que estamos
fazendo aqui. O Yoga nos ensina que nós estamos fabricados de paz.
Essa paz, em sânscrito, chama-se shantah. Não é um sentimento ou uma
emoção, não é aquela sensação de tranqüilidade que ora vem, ora vai, e
que é substituída pelo seu oposto, o nervosismo ou a tensão. Shantah é
Paz com maiúscula, contínua e sólida. Essa paz precisa ser conhecida,
para ser devidamente apreciada. O caminho para a paz chama-se
autoconhecimento. Quando conheço a mim mesmo como paz, nada que
aconteça no mundo das dualidades poderá me tirar do centro. Ou, se
alguma situação me tirar do centro, voltou para ele com rapidez e
flexibilidade, como o bambu que se enverga com o vento e que volta a
ficar em pé quando o este cessa.
Atitudes: atentividade e consciência.
Algo fundamental para vivermos em paz é saber qual é a nossa
vocação, para compreender em que lugar e de que maneira nos
colocamos na sociedade e no mundo. A paz surge naturalmente e sem
esforço em mim quando compreendo que estou fazendo aquilo que
cabe, da maneira mais justa e harmoniosa. Se, ao fazer aquilo que nasci
para fazer, eu cometer alguma equivocação, isso não vai tirar a minha
paz, pois sei que estou fazendo o melhor que posso, com atentividade e
consciência. A Bhagavad Gita nos ensina que é melhor fracassar
cumprindo o próprio dever, do que ter sucesso fazendo o dever de
outrem. Isso significa que, independentemente dos resultados das
minhas ações, eu fico tranqüilo e em paz. Aprender a amar o que se faz,
ao invés de ficar penando para fazer somente aquilo que se quer,
também ajuda a ficar dentro desse estado de tranqüilidade.
Práticas: mantra e meditação.
Uma prática que gosto de fazer para lembrar da paz que sou é cantar
mantras. Os mantras são uma maneira fácil, acessível e rápida de refletir
sobre aquilo que somos. Como prática, eles nos dão ampla liberdade de
escolha, tanto na forma quanto no tema. Se não souber cantar mantras,
não tem problema: escolha uma boa gravação, da qual você goste,
dentre as muitas que temos disponíveis hoje, encontre um lugar
tranqüilo, sente ou deite em silêncio e apenas ouça, dando a si mesmo o
direito de parar.
Outra prática que acho essencial é um tipo especial de meditação
chamado nididhyásana. Essa meditação consiste em fazer uma reflexão
sobre aquilo que se sabe sobre si mesmo. E, isso que se sabe, ou deveria
saber-se sobre si, é que eu sou paz. No desespero e estresse do campo
de batalha, o príncipe Arjuna pergunta para o deus Krishna como
recuperar a paz. Ele está tremendamente deprimido e não consegue
lutar. Krishna não lhe dá uma receita para praticar algum respiratório ou
postura, mas ensina para o príncipe que ele já é a paz que está
buscando ao tentar fugir das suas responsabilidades. Uma vez que
Arjuna aprendeu a lição, cabe-lhe praticar o nididhyásana, ou seja,
refletir sobre aquilo que sabe sobre si mesmo, enquanto realiza as ações
que deve realizar.
Pode-se dedicar uma vida inteira aos ásanas, e nem por isso estará
se fazendo Yoga. O que faz a diferença é a atitude que está por trás dos
exercícios. E, com a atitude correta, vem uma série de coisas junto:
alinhamento, inteligência corporal, respiração consciente, despertar das
experiências do corpo sutil, transformação do organismo, num processo
que poderíamos chamar de alquimia corporal.
O Yoga quer dar um corpo novo ao praticante, que ele mesmo irá
construir, célula por célula, fibra por fibra. Usando esse novo corpo como
instrumento, ele poderá avançar a passos largos em direção à meta do
Yoga. O único que se precisa ter é muita disposição e força de vontade.
O poder que dá o Yoga é para aniquilar o ego, mas pode ser usado
erroneamente, como combustível para alimentá-lo. Flexibilidade da
coluna não é sinal de progresso no Yoga. Se fosse assim, os
contorcionistas de circo seriam pessoas altamente espiritualizadas. E
você sabe que nem sempre flexibilidade e espiritualidade vão juntas.
Perguntas e respostas
sobre Yoga, para
iniciantes
Pedro Kupfer
E os demais Yogas?
Há uma lista dessas formas de Yoga e seus efeitos
no www.yoga.pro.br, num texto chamado “Que Yoga devo praticar?”
Antídoto contra a
Ansiedade
Pedro Kupfer
Não-violência, dharma e
vegetarianismo
Pedro Kupfer
Em sânscrito, vegetarianismo se
diz shakaharah. Shakaharah significa literalmente “comedor de
vegetais” (shaka = vegetal). A pessoa não vegetariana é
chamada mamsaharah, que significa “comedor de carne” (mamsa =
carne). O Manudharmashastra, um texto de mais de 2.000 anos de
antiguidade, dá a seguinte explicação sobre a palavra mamsaharah,
“comedor de carne”:
Proibido praticar
Pedro Kupfer
Este texto não noticia que o Yoga esteja sob ataque de forças ocultas,
nem fala sobre um complô ou propõe uma teoria conspiratória contra
ele. Não obstante, lista uma série de acontecimentos, alguns recentes e
outros nem tanto, que revelam a forma em que certas lideranças
religiosas e políticas orientam as pessoas sob sua égide a se relacionar
com esta escola de vida que é o Yoga. Possivelmente, partes deste texto
poderão produzir desconforto em algumas pessoas. Respeitosamente,
pedimos desculpas por isso, mas achamos que seria mais construtivo
falar do que calar perante essas questões, para informação e reflexão
dos nossos queridos leitores.
Cristãos
O convívio dos cristãos com o Yoga tem sido bastante ambíguo ao
longo da história. Sabemos que padres católicos e pastores protestantes,
em missão na terra do Yoga, foram seduzidos pelos belos e práticos
ensinamentos que ele apresenta. O maior e mais conhecido exemplo de
tentativa de integrar o cristianismo com a espiritualidade do Yoga foi o
padre jesuíta indiano Anthony de Mello (1931-1987), autor de belíssimos
poemas que respiram Yoga. Um ano após a morte deste padre-yogi, sua
obra acabou previsivelmente sofrendo severa censura do então Cardeal
Joseph Ratzinger.
Muçulmanos
A proibição da Igreja e as outras tentativas de censura acima
descritas acontecem dentro de um contexto maior em que,
recentemente (novembro de 2008), o Yoga sofreu uma condenação
similar da parte de líderes fundamentalistas muçulmanos na Malásia.
Curiosamente, o novo papa parece estar imitando a ala extremista do
Islame. A diferença é que esses militantes radicais são uma barulhenta,
mas pequena minoria da nação islâmica, enquanto que o sumo pontífice
fala como a autoridade máxima e o guia espiritual de todos os católicos.
Cabe lembrar que a perseguição sofrida pelos yogis dos países do ex-
bloco soviético acontecia ao mesmo tempo em que eram proibidas todas
as formas de culto religioso e livre pensar. Ditaduras, todos sabemos,
não apreciam nada que possa contestar ou colocar em xeque o modelo
de governo. Tampouco apreciam o estado de direito, a imprensa livre, a
liberdade de expressão, a liberdade de ir e vir ou de associar-se. Nessa
ordem de coisas, a proibição do Yoga não surpreende tanto, embora seja
chocante e inconcebível para cidadãos de um país livre.
Pelo que sei, a influência da ditadura militar no Brasil foi bem menor
na questão das liberdades individuais e no cotidiano da população.
Quem não sentiu na pele essa falta de liberdade, dificilmente poderá dar
valor às coisas mais simples, como tomar a decisão de fazer uma
viagem ou simplesmente manter a integridade física. Um dos motivos
que me levou a abandonar a minha terra natal foi constatar que, mesmo
depois da ditadura, as pessoas ainda carregavam essa falta de liberdade
em suas mentes. Qualquer ditadura é ruim para um praticante de Yoga,
já que este busca, intrinsecamente, a liberdade, que é justamente o que
aquela nega.
Tolerância e convívio
O hinduísmo tem, historicamente, uma exemplar tradição de
tolerância. A Índia recebeu, ao longo dos séculos, populações inteiras de
pessoas que eram perseguidas em suas terras de origem por causa da
religião, como foi o caso dos cristãos assírio-caldeus, jacobitas e
nestorianos que se estabeleceram no sul da Índia a partir dos primeiros
séculos desta era, o da comunidade dos parsis, que migraram desde o
Irã para Maharashtra há mais de 1500 anos, e o mais recente caso dos
budistas tibetanos que se mudaram para o norte da Índia após a invasão
do Tibete pelos chineses, em 1959. A todas e cada uma dessas
populações, foi dado o direito de estabelecer-se, trabalhar e conviver
lado a lado, pacifica e harmoniosamente, com a maioria da população
hindu.
Conclusões
É provável que tanto o defunto politburo soviético quanto o papa e
os imames islâmicos tenham resolvido proibir e perseguir o Yoga porque
eles sabem positivamente que esta escola de vida tem como objetivo
libertar o ser humano das correntes da ignorância. É possível também
que saibam que o propósito maior do Yoga é moksha, a liberdade, e que
na medida em que as pessoas se libertarem, elas se tornam difíceis de
serem manipuladas, questionadoras, livre-pensantes e independentes.
1 - Antes de começar...
É recomendável verificar se, no momento em que iniciamos,
precisamos dar uma atenção especial a alguma parte do corpo, à
respiração ou à disposição interior. O corpo, a emocionalidade e o nível
de energia mudam constantemente, e o nosso bom senso precisa ouvir,
interpretar corretamente os sinais dele, e adaptar o que for preciso.
2 - O mantra inicial
Há alguns mantras muito simples, mas não menos eficientes para
criar um ambiente propício e adequado à prática. Recomendamos os
shanti pathas, de invocação da paz como, por exemplo, o svasti patha:
lokah samasta sukhino bhavantu (que significa, aliás, "que todos os
seres no mundo sejam felizes)", precedido por algumas repetições do
Om, o som sagrado que aponta para o Ser. Este mantra irá levar, no
máximo, dois minutos.
4 - Shatkarma: As purificações
Como é sabido, o Hatha Yoga dá muita importância às ações de
purificação. Escolha então uma das purificações, como a automassagem
abdominal, os exercícios para os olhos, a limpeza nasal etc. Esta parte
da prática pode ser feita em pouco menos de cinco minutos. As ações
purificatórias são as seguintes: dhauti - a purificação do trato digestivo e
outros processos, como a limpeza dos dentes, as gengivas e a garganta;
vasti - a lavagem intestinal, usando água morna e salgada; neti - a
limpeza nasal, feita com um pano ou com água salgada; laukiki (também
chamado nauli) - a automassagem e tonificação abdominal; trataka - a
purificação do olhar através de exercícios que são verdadeiros asanas
para os olhos; e kapalabhati - a limpeza das vias respiratórias.
I - Grupos posturais
a) equilíbrio,
b) estabilização articular,
c) flexibilidade articular,
d) fortalecimento muscular,
e) alongamento muscular e
f) repouso.
Estas são as cinco ações que uma coluna vertebral sadia é capaz de
executar. Elas devem ser alternadas, mas não precisam ser feitas
exatamente na ordem dessa lista. Há, ainda, diferentes combinações
dessas ações. Idealmente, antes de cada flexão, extensão ou torção, é
necessário aplicar a tração, para ganhar espaço. Ao passar para a
execução dessas ações, é preciso, na medida do possível, manter ainda
esse espaço. A prática conjunta das posturas com os bandhas, as
contrações de músculos e plexos como o mula bandha (elevação do
assoalho pélvico) e o uddiyana bandha (recolhimento do baixo ventre)
ajuda bastante a manter esse espaço.
8 - A meditação
9 - O mantra final
10 - A duração da prática
Não se force: não tente fazer sozinho aquilo que você não sabe ou
não domina. Seja sempre cuidadoso e atento.