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DIA INTERNACIONAL DOS DIREITOS DO HOMEM

10 de Dezembro

SELECÇÃO DE TEXTOS E POEMAS


ÍNDICE

Guerra

As colunas partiram de madrugada, ALEGRE, Manuel 4

Diário de Anne Frank, FRANK, Anne

Tese de doutoramento em Ciências Sociais na Universidade de Osnabrück


(excerto), ANDRIOLI, António Inácio 7

Racismo

O menino negro não entrou na roda, VICTOR, Geraldo Bessa 10

Lágrima preta, GEDEÃO, António 11

A cor que se tem, MENDONÇA, Maria Cândida 12

Prelúdio, LARA, Alda 13

Eu também sou América, HUGHES, Langston 14

Discurso ao presidente americano Franklin Pierc, Chefe índio SEATLE 15

Fome

A fome, ZIELGER, Jean 19

Fala do velho do Restelo ao astronauta, SARAMAGO, José 20

Refugiados

A canção desesperada, NERUDA, Pablo 21

O mais belo poema (A lista de Pablo Neruda), NERUDA, Pablo 23

A identidade, SARAMAGO, José 24

Manipulação

A galinha vermelha, ANÓNIMO 25

Novas formas de manipulação, FONTES, Carlos 27

Desobediência por meios pacíficos

Indiferença, BRECHT, Bertolt 32


Mãos Dadas, DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos 33

Eu tive um sonho, LUTHER KING, Martin 34

I have a dream, LUTHER KING, Martin 37

Sofrimento e promessa de um mundo mais humano

Os ombros que suportam o mundo, DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos 38

O Grande Ditador [Último discurso d‟], CHAPLIN, Charlie 39

Os Direitos das Crianças, ARAÚJO, Matilde Rosa 41


GUERRA

As colunas partiam de madrugada...

... para o norte partiam para a morte


partiam de Luanda flor pisada
levavam morte de Luanda para o norte.
...
Todo o tempo é uma batalha. Ataque. Fuga.
Fuga. Ataque. Silêncio. Um silêncio que aterra.
Que marca o rosto com seu peso ruga a ruga.
Um silêncio que canta na canção da guerra.

Mina. Emboscada. Pó. Pólvora. Sangue. Fogo.


Acerta não acerta? erra não erra?
Perdeu todo o sentido dizer-se até logo.
Metralhadoras cantam a canção da guerra.

...

Há um soldado que grita eu não quero morrer.


E o sangue corre gota a gota sobre a terra.
Vai morrer a gritar eu não quero morrer.
Metralhadoras cantam a canção da terra.

Houve um que se deitou e disse: Até amanhã.


Mas amanhã é o dia em que se enterra
o soldado que disse: Até amanhã.
Metralhadoras cantam a canção da guerra.

Manuel Alegre

Diário de Anne Frank

20 de Junho de 1942
O meu pai já tinha trinta e seis anos quando se casou com minha mãe, a qual
tinha vinte e cinco. Minha irmã, Margot, nasceu em 1926, em Frankfurt am
Main. E eu em 12 de Junho de 1929. Sendo cem por cento judeus, emigramos
para a Holanda em 1933, onde meu pai foi nomeado director da Travis N.V.,
firma associada à Kolen & Cia. de Amesterdão. O mesmo edifício albergava as
sociedades das quais meu pai era accionista. Desde então, a vida não estava
livre de emoções para nós, pois o restante de nossa família ainda encontrava-
se defendendo das medidas hitleristas contra os judeus. À raiz das
perseguições de 1938, meus dois tios maternos fugiram e chegaram sãos e
salvos aos Estados Unidos. Minha avó, então de setenta e três anos, reuniu-se
connosco. Depois de 1940, nossa boa época terminaria rapidamente diante de
tudo: a guerra, a captura, e a invasão dos alemães, levando-nos à miséria.
Disposição atrás de disposição contra os judeus. Os judeus eram obrigados a
levar a estrela, a ceder suas bicicletas. Proibição dos judeus de subir num
autocarro, de dirigir um carro. Obrigação para os judeus de fazerem suas
compras exclusivamente nos estabelecimentos marcados com o letreiro:
“Comércio Judeu”, e, das 15:00 às 17:00 horas apenas. Proibição para os
judeus de saírem depois das 8:00 da noite, nem sequer a seus jardins - ou
ainda - de permanecer na casa de seus amigos. Proibição para os judeus
de praticarem exercícios em qualquer transporte público: proibido o acesso à
piscina, ao corte de ténis, ao hóquei ou a outros lugares de treino. Proibição
para os judeus de visitarem aos cristãos. Obrigação para os judeus de irem a
escolas judias, e muitas outras restrições semelhantes
8 de Julho de 1942

Às 3:00 da tarde bateram à nossa porta. Eu não escutei porque estava lendo
no terraço, preguiçosamente reclinada ao sol em uma cadeira de balanço. De
repente, Margot surgiu na porta da cozinha visivelmente perturbada:
- „Pai recebeu uma intimação da SS!‟ Cochichou. „A mãe acaba de sair para
buscar ao senhor Van Daan.” (Van Daan é um colega do pai, e nosso amigo.)
Eu estava aterrorizada. Todos sabem o que significa uma intimação. Vi surgir
na minha imaginação os campos de concentração e as celas solitárias.
Deixaríamos o pai partir para lá?
- „Naturalmente isso não acontecerá‟ Disse Margot, enquanto ambas
esperávamos no quarto o regresso da mãe.
- “A mãe foi à casa dos Van Daan para ver se podemos morar a partir de
amanhã em nosso esconderijo. Os Van Daan irão esconder-se lá connosco.
Seremos sete.”
No nosso dormitório, Margot confessou-me que a intimação não era para o pai,
mas para ela própria. Assustada de novo, comecei a chorar. „Margot tem
dezasseis anos! Querem, pois, que garotas da sua idade vão sozinhas?
Felzmente, a mãe disse; „Não irá!‟
9 de Outubro de 1942
Hoje só tenho para dar notícias deprimentes. Muitos dos nossos amigos judeus
são pouco a pouco embarcados pela Gestapo, a qual não anda com
contemplações. São transportados em furgões de gado par Westebork, o
grande campo para judeus, em Dentre. Westebork deve ser um pesadelo.
Centenas e centenas estão obrigados a se lavarem num só quarto e não tem
quartos de banho. Dormem uns em cima dos outros, amontoados em qualquer
canto. Homens, mulheres e crianças dormem juntos. Nem falemos dos
costumes: muitas das mulheres e garotas estão grávidas. Impossível fugir. A
maioria está marcada pela cabeça rapada e outros pelo seu tipo judeu. Se isto
ocorre na Holanda, como será nas regiões longínquas e bárbaras das que
Westebork não é mais que a porta de entrada? Nós não ignoramos que essa
pobre gente será massacrada. A rádio inglesa fala de câmaras de gás. Depois
de tudo, talvez seja melhor morrer rapidamente. Isso deixa-me doente.
19 de Novembro de 1942
Poderíamos fechar os olhos ante toda esta miséria, mas pensamos nos que
nos eram queridos e para os quais tememos o pior, sem poder socorrê-los. Na
minha cama, bem coberta, sinto-me menos do que nada quando penso nas
amigas que mais gostava, arrancadas das suas casas e metidas naquele
inferno. Tenho medo só de pensar que aqueles que estavam tão próximos de
mim se encontrem agora nas mãos dos carrascos mais cruéis do mundo, pelo
simples fato de serem judeus.
13 de Janeiro de 1943
O terror reina na cidade. Noite e dia, transportes incessantes dessa pobre
gente, provida apenas de uma bolsa no ombro e de um pouco de dinheiro.
Estes últimos bens são lhe tirados no trajecto, segundo dizem. As famílias são
separadas, agrupando a homens, mulheres e crianças. As crianças ao voltarem
da escola, já não encontram os seus pais. As mulheres ao voltarem do
mercado encontram as suas portas seladas e notam que suas famílias
desapareceram. O mesmo acontece com os cristãos holandeses: seus filhos
são enviados obrigatoriamente para a Alemanha. Todos têm medo. Centenas
de aviões voam sobre a Holanda para bombardear e deixam em ruínas as
cidades alemãs. E a cada hora centenas de homens caem na Rússia e na
África do Norte. Ninguém está seguro. A terra inteira encontra-se em guerra e,
ainda que os aliados vençam a guerra, todavia não se vê o final. Poderia seguir
durante horas falando da miséria ocasionada pela guerra, mas isso entristece-
me mais e mais. Não nos resta mais do que suportar e esperar o término
destas desgraças. Judeus e cristãos esperam; o mundo inteiro espera. E
muitos esperam a morte.
Anne Frank

[Anne Frank escreveu este diário entre 12 de Junho de 1942 e 1 de Agosto de


1944, durante a Segunda Guerra Mundial. Escondida com a sua família e
outros judeus em Amesterdão, durante a ocupação nazi na Holanda, Annne
Frank, com 13 anos de idade, conta a vida deste grupo de pessoas. A 4 de
Agosto de 1944 agentes da Gestapo detém todo o grupo e leva-o para vários
campos de concentração. Nesse dia entregam o diário de Anne a seu pai.
Anne Frank morre no campo de concentração Bergen-Belsen em 1945. O seu
pai, Otto Rank, foi o único do grupo que sobreviveu ao campo de concentração.
Em 1947 decide publicar o diário, como Anne desejava em vida. O diário está
no Instituto Holandês para a Documentação da Guerra. O Fundo Anne Frank
na Suíça ficou herdeiro dos direitos da obra de Anne Frank.]
Tese de doutoramento em Ciências Sociais
Universidade de Osnabrück, Alemanha (excerto)

Para todos aqueles que vêem na racionalidade e no progresso tecnológico a


esperança de um mundo melhor, a lembrança de Auschwitz, certamente, é
paradoxal. A „indústria da morte‟, idealizada e organizada com o auxílio da
tecnologia e da burocracia mais avançada da época, é incomparável a
qualquer barbárie anterior registrada na história da humanidade. Ao visitar
somente o que restou de Auschwitz, 60 anos após, uma pergunta não quer
calar: como o ser humano foi capaz de tudo isso? A própria pergunta já revela
nossa crença num possível progresso da sociedade humana rumo a uma maior
humanização ou civilização. Terrível é ter de admitir que aquilo que
costumamos chamar de civilização produziu a moderna barbárie, uma situação
que nem o mais pessimista dos filósofos alemães anteriores ao nazismo
poderia sequer imaginar ou prever.
A existência de campos de extermínio de pessoas, como o de Auschwitz, pode
ser compreendida como a concretização extrema de um ímpeto presente em
muitas assim chamadas civilizações, ou seja, a eliminação intencionalmente
planeada de seres humanos que estejam obstruindo interesses de grupos
sociais hegemonicamente estabelecidos. Hitler afirmava claramente, em
novembro de 1937, no seu discurso dirigido ao Ministro do Exterior e aos seus
principais líderes militares, que no seu regime não se tratava de conquistar
pessoas e sim territórios. O programa do partido nazista anunciava a
necessidade de conquistar terra para alimentar o povo e assentar o excedente
populacional alemão. A ideologia nazista, alicerçada na idéia de que o povo
alemão é superior aos demais, encarregava-se de pregar o ódio contra a
democracia, o marxismo, os judeus e todos os que não se enquadrassem nos
padrões e propósitos da dominação totalitária: os povos eslavos, os
homossexuais, os deficientes físicos, os ciganos e os opositores políticos.
Com o objetivo de anexar territórios e abrir a passagem para o leste europeu a
ser conquistado, a Polônia precisava ser arrasada. Hitler ordenava as suas
tropas para o extermínio sem piedade de homens, mulheres e crianças de
origem polonesa, alegando que, somente assim, a Alemanha conquistaria o
espaço necessário para sobreviver, acabando com a população residente e
ocupando a área com assentamentos alemães. Como a Polônia contava com
cerca de 3 milhões de judeus (10% da população do país), a construção de um
campo de extermínio neste país não foi obra do acaso. A escolha de Auschwitz
foi estratégica, tanto do ponto de vista do isolamento das vítimas, como na
perspectiva da eficiência para o transporte, ao exterminar o inimigo no território
em que ele existia em maior número e que deveria ser „liberado‟ para a
ocupação nazi, com vista ao avanço em direção ao inimigo maior: o
bolchevismo judeu. Estima-se que para Auschwitz foram deportados, no
mínimo, 1,1 milhões de judeus (a maioria da Hungria e da Polônia), 150 mil
presos políticos poloneses, 23 mil ciganos, 15 mil presos de guerra soviéticos e
mais 25 mil presos de outras nacionalidades, especialmente tchecos,
franceses, jugoslavos, russos, ucranianos e alemães.
O plano dos nazis previa o extermínio total dos judeus, chegando a anunciar o
genocídio de 11 milhões na Europa e estima-se que tenha atingido, no total, 6
milhões de vítimas. A fábrica da morte em Auschwitz foi projectada e
construída, prioritariamente, para exterminar judeus, enquanto outros campos
de extermínio se ocupavam com os demais „inimigos declarados pelo nazismo‟.
O „crime‟ dos judeus era terem „nascido judeus‟ e o governo nazi se
encarregava de classificá-los e enviá-los a Auschwitz, com a falsa promessa de
que iriam ao leste para trabalhar. Paralelamente, a “indústria da morte” em
Auschwitz contribuía com setores da indústria capitalista alemã, através do
trabalho forçado, em função do fornecimento de gás para as câmaras de
extermínio e, inclusive, através da apropriação dos bens das vítimas.
As vítimas podiam levar até 50 Kg de bagagem, a qual era confiscada já na
chegada em Auschwitz. Roupas, calçados, instrumentos de trabalho, objetos
de uso pessoal eram simplesmente roubados, classificados e enviados de volta
à Alemanha. Os objetos de maior valor, como dinheiro e ouro (também o ouro
dos dentes das vítimas) eram enviados diretamente ao Banco Central Alemão
e não são raros os casos em que os soldados se apropriavam, imediatamente,
de parte desses bens. Logo após a chegada, as vítimas eram obrigadas a se
despir e entrar na “sala de desinfecção” onde recebiam uma roupa
padronizada, um número em forma de tatuagem no braço e o cabelo era
cortado, armazenado e enviado para a Alemanha, como “matéria-prima” para a
indústria têxtil. Para ilustrar isso, quando as tropas soviéticas ocuparam
Auschwitz, foram encontradas 7 toneladas de cabelo e uma infinidade de
objetos das vítimas que ainda não haviam sido enviadas à Alemanha.
O extermínio foi racionalmente organizado, de tal forma, que pudesse eliminar
o máximo de pessoas em menos tempo, com os menores custos e a maior
eficiência do ponto de vista operativo. A rígida divisão do trabalho e a extrema
organização da "indústria da morte", incorporou o conhecimento de geniais
arquitetos, administradores, antropólogos, médicos, químicos, biológos, enfim,
parte do conhecimento e da tecnologia mais avançada a serviço da destruição
de seres humanos. Para Hitler e os principais líderes nazistas, havia,
entretanto, mais um ingrediente importante na “indústria da morte”: o uso do
terror como arma política. Segundo Hitler, qualquer um que tivesse a intenção
de atacar o governo alemão iria rever sua posição ao saber do que o esperava
nos campos de extermínio.
Esse efeito do terror sobre a sociedade os nazistas aproveitavam para dar o
passo seguinte, de tal forma, que aquilo que, até então, parecia inimaginável à
razão humana de que acontecesse, já estava sendo assimilado como conduta
na lógica do extermínio. Assim, se sucederam os experimentos com as vítimas,
usadas como cobaias para o desenvolvimento da medicina e da indústria
farmacêutica alemã. As atrocidades mais famosas são as conduzidas pelo
médico Josef Mengele com gêmeos e liliputianos. A documentação atualmente
existente revela, no entanto, 178 diferentes tipos de experimentos médicos
realizados, incluindo crueldades como injeções no olho sem anestesia com a
intenção de mudar a cor, esterilizações, contaminação com vírus e bactérias
causadores de doenças, amputações e retirada de órgãos.
O nazistas demonstraram claramente à humanidade que é perfeitamente
possível estimular a ciência e utilizá-la a serviço da destruição do próprio ser
humano e pasmem: sem que os responsáveis pela produção do conhecimento
e sua utilização tenham algum peso na consciência ou um sentimento de culpa
quanto a isso. Os soldados nazistas que estiveram em Auschwitz e que ainda
estão vivos, ao serem perguntados sobre sua responsabilidade no genocídio,
respondem que, simplesmente, procuram não pensar no que aconteceu com
as vítimas, que eles estavam cumprindo ordens e assim conseguem viver de
forma bem tranqüila com seu passado. O mesmo comportamento é verificável
no âmbito de muitas áreas da ciência contemporânea dominadas pela razão
instrumental, onde os pesquisadores sequer questionam as conseqüências da
utilização do seu conhecimento, como se o uso e a produção do conhecimento
estivessem isolados. São os efeitos daquilo que Herbert Marcuse denominou
de caráter ideológico da técnica e da ciência, fruto do racionalismo moderno,
com potencial de produção da barbárie em patamares ainda desconhecidos.
Por isso, a diferença entre Ausschwitz e as barbáries anteriores da história
humana não é só gradual pela sua intensidade, mas foi produzida de maneira
substancialmente diferenciada, ao incorporar, de forma original, a racionalidade
a serviço da destruição humana, de tal forma, que o efeito comparativo se
anula. Auschwitz inaugura, assim, uma nova versão da barbárie, a qual opera
como indústria, como uma máquina, diante da qual os protagonistas aparecem
de forma invertida, seja como pseudo-vítimas, seja como colaboradores de um
processo exterminador, no qual o contato direto com as vítimas é,
parcialmente, isolado pela própria lógica da organização.
Esse é um detalhe passível de verificação em Auschwitz: as próprias vítimas
eram obrigadas a executar as tarefas mais degradantes ao ser humano, seja a
retirada dos corpos das câmaras de gás como sua transferência aos fornos de
cremação. As vítimas não somente imaginavam o que, em seguida, iria
acontecer com elas, como já vivenciavam, concretamente, sua exterminação
coletiva, na qual eram obrigadas a contribuir na forma de trabalho forçado. A
destruição da humanidade das vítimas, portanto, já se dava antes da sua
destruição física. Como descreve Primo Levi, um dos sobreviventes do
Holocausto, um campo de concentração é uma grande engrenagem projetada
para transformar seres humanos em animais. Resistir à lógica desta máquina
desumanizadora é muito difícil e doloroso.
O que aconteceu em Auschwitz mudou as noções de barbárie que a
humanidade conheceu ao longo da história e mostrou, objetivamente, do que o
ser humano é capaz. O paradoxo da civilização moderna que Theodor Adorno,
em suas obras Dialektik der Auflärung, de 1944, e Minima Moralia, de 1945,
corretamente caracterizou de progresso regressivo, aconteceu e continua atual
em nossa geração, marcada pelo predomínio da racionalidade instrumental. O
caráter contraditório do progresso e da civilização nos tempos modernos,
brilhantemente abordado e discutido pela tradição da Escola de Frankfurt,
merece uma atenção especial quando nos confrontamos com as brutalidades e
genocídios presentes em nosso tempo.
Auschwitz é um exemplo para demonstrar que, se não temos como provar,
objetivamente, a vigência de um período na história em que a exploração e a
destruição humanas não tenham existido, sua intensificação e aprofundamento
são perfeitamente possíveis. Prafraseando Adorno, como a barbárie continua
em curso, o desafio racional da nossa existência é construir a antítese na
sociedade, de tal forma que seja possível à história produzir uma síntese mais
humana do que a que temos consciência, para que genocídios como os de
Auschwitz não se repitam jamais.
Antônio Inácio Andrioli
RACISMO

O menino negro não entrou na roda

das crianças brancas - as crianças brancas


que brincavam todas numa roda viva
de canções festivas, gargalhadas francas...

O menino negro não entrou na roda.

E chegou o vento junto das crianças


- e bailou com elas e cantou com elas
as canções e danças das suaves brisas,
as canções e danças das brutais procelas.

O menino negro não entrou na roda.

Pássaros, em bando, voaram chilreando


sobre as cabecinhas lindas dos meninos
e pousaram todos em redor. Por fim,
bailaram seus vôos, cantando seus hinos ...

O menino negro não entrou na roda.

"Venha cá, pretinho, venha cá brincar"


- disse um dos meninos com seu ar feliz.
A mamã, zelosa, logo fez reparo;
o menino branco já não quis, não quis ...

o menino negro não entrou na roda.

O menino negro não entrou na roda


das crianças brancas. Desolado, absorto,
ficou só, parado com olhar cego,
ficou só, calado com voz de morto.

Geraldo Bessa Víctor


LÁGRIMA DE PRETA

Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhai-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

António Gedeão

[António Gedeão, pseudónimo de Rómulo de Carvalho (1906-1997), foi poeta,


professor e historiador da ciência. Combina a cultura literária e humanística, a
emoção com o conhecimento científico, a razão, tal como actualmente António
Damásio. Enquanto poeta comunica, com um notável rigor científico, a solidão
e o sofrimento alheios, investindo com uma profunda dignidade humana figuras
socialmente desprezadas.]
A cor que se tem

Quando for crescida


hei-de inventar
um perfume de encantar.
Quem o cheirar
há-de ficar
com cor de pele
que mais gostar.
Branco ou amarelo
se preferir
preto ou vermelho
é só decidir.
Para alegrar
até estou a pensar
outras cores acrescentar.
Cor de rosa
verde ou lilás
são cores bonitas
e tanto faz.
E assim
há-de chegar
o dia de acreditar
que o valor
de alguém
não se pode avaliar
pela cor que tem
e então
tudo estará bem.

Maria Cândida Mendonça


Prelúdio

Pela estrada desce a noite


Mãe-Negra, desce com ela...

Nem buganvílias vermelhas,


nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,


voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...

Tem voz de noite, descendo,


de mansinho, pela estrada...

Que é feito desses meninos


que gostava de embalar?...

Que é feito desses meninos


que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...

Mãe-Negra não sabe nada...

Mas ai de quem sabe tudo,


como eu sei tudo
Mãe-Negra!...

Os teus meninos cresceram,


e esqueceram as histórias
que costumavas contar...

Muitos partiram p'ra longe,


quem sabe se hão-de voltar!...

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.

É a tua a voz deste vento,


desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada..

Alda Lara
Eu também sou américa

Também canto a América


Sou seu "brother".
Quando chega alguém,
Eles me mandam comer na cozinha
Mas eu rio,
Como bem,
E fico forte.
Amanhã
Sentarei à mesa
Quando chegar alguém.
Então ninguém se atreverá
A me dizer
"Coma na cozinha".
Aí eles vão ver como sou bonito
E ficarão envergonhados.
Eu também sou a América.
I, TOO, SING AMERICA
I, too, sing America.
I am the darker brother.
They send me to eat in the kitchen
When company comes,
But I laugh,
And eat well,
And grow strong.
Tomorrow,
I'll be at the table
When company comes.
Nobody'll dare
Say to me
"Eat in the kitchen",
Then.
Besides,
They'll see how beautiful I am
And be ashamed .

Langston Hughes
[Em 1854 Franklin Pierce, presidente dos EUA, fez uma oferta de compra de
uma grande extensão de terras da tribo índia Suquamish, situadas no Estado
de Washington, prometendo criar uma "reserva" para o povo indio. Eis a
resposta do chefe índio Seattle ao grande chefe branco de Washington a 11 de
Março:]

Como se pode comprar ou vender o firmamento, ou ainda o calor da terra? Tal


ideia é-nos desconhecida.

Se não somos donos da frescura do ar nem do fulgor das águas, como


poderão vocês comprá-los? Cada parcela desta terra é sagrada para o meu
povo.
Cada brilhante mata de pinheiros, cada grão de areia nas praias, cada gota de
orvalho nos escuros bosques, cada outeiro e até o zumbido de cada insecto, é
sagrado para a memória e para o passado do meu povo. A seiva que circula
nas veias das árvores leva consigo a memória dos Peles-Vermelhas.
Os mortos do Homem Branco esquecem-se do seu país de origem quando
empreendem as suas viagens no meio das estrelas; ao contrário, os nossos
mortos nunca podem esquecer-se desta bondosa terra, pois ela é a mãe dos
Peles-Vermelhas.

Somos parte da terra e do mesmo modo ela é parte de nós próprios. As flores
perfumadas são nossas irmãs, o veado, o cavalo, a grande águia, são nossos
irmãos; as rochas escarpadas, os húmidos prados, todos pertencem à mesma
família.

Por tudo isto, quando o Grande Chefe de Washington nos envia a mensagem
de que quer comprar as nossas terras, está a pedir-nos demasiado. Também o
Grande Chefe nos diz que nos reservará um lugar em que possamos viver
confortavelmente uns com os outros. Ele se converterá, então, em nosso pai e
nós em seus filhos. Por esta razão consideramos a sua oferta de comprar as
nossas terras. Isto não é fácil para nós.

A água cristalina que corre nos rios e ribeiros não é somente água: representa
também o sangue dos nossos antepassados.

Se lhes vendermos a terra devem recordar-se que ela é sagrada e, ao mesmo


tempo, ensinar aos vossos filhos que ela é sagrada e que cada reflexo nas
claras águas dos lagos conta os acontecimentos e memórias das vidas das
nossas gentes.

O murmúrio da água é a voz do pai do meu pai.

Os rios são nossos irmãos e saciam a nossa sede; são portadores das nossas
canoas e alimentam os nossos filhos. Se lhes vendermos a terra, devem
recordar-se e ensinar aos vossos filhos que os rios são irmãos deles, e que,
portanto, devem tratá-los com a mesma doçura com que se trata um irmão.

Sabemos que o Homem Branco não compreende o nosso modo de vida. Ele
não sabe distinguir um pedaço de terra de outro, porque ele é um estranho que
chega de noite e tira da terra o que necessita. A terra não é sua irmã mas sim
sua inimiga e, uma vez conquistada, ele segue o seu caminho, deixando atrás
de si a sepultura de seus pais, sem se importar com isso.

Rouba a terra aos seus filhos: também não se importa. Tanto a sepultura de
seus pais como o património dos seus filhos são esquecidos. Trata a sua mãe,
a terra, e o seu irmão, o firmamento como objectos que se compram, se
exploram e se vendem como ovelhas ou contas coloridas. O seu apetite
devorará a terra deixando atrás de si só o deserto.

Não sei mas a nossa maneira de viver é diferente da vossa. Só de ver as


vossas cidades entristecem-se os olhos do Pele-Vermelha. Mas talvez seja
porque o Pele-Vermelha é um selvagem e não compreende nada.

Não existe um lugar tranquilo nas cidades dos Homens Brancos, não há sítio
onde escutar como desabrocham as folhas das árvores na Primavera ou como
esvoaçam os insectos.

Mas talvez isto também seja porque sou um selvagem que não compreende
nada. Só o ruído parece um insulto para os nossos ouvidos. Depois de tudo,
para que serve a vida se o homem não pode escutar o grito solitário do noitibó
nem as discussões nocturnas das rãs nas margens dum charco? Sou um Pele-
Vermelha e nada entendo. Nós preferimos o sussurrar suave do vento sobre a
superfície dum charco, assim como o cheiro desse vento purificado pela chuva
do meio-dia ou perfumado com o aroma dos pinheiros.

O ar tem um valor inestimável para o Pele-Vermelha, uma vez que todos os


seres partilham um mesmo alento ― animal, a árvore, o homem, todos
respiramos o mesmo ar.

O Homem Branco não parece estar consciente do ar que respira, como um


moribundo que agoniza durante muitos dias é insensível ao cheiro. Mas se lhes
vendermos as nossas terras, devem recordar-se que o ar é, para nós,
inestimável, que o ar partilha o seu espírito com a vida que mantém. O vento,
que deu aos nossos avós o primeiro sopro de vida, também recebe os seus
últimos suspiros. E, se lhes vendermos as nossas terras, devem conservá-las
como coisa à parte e sagrada, como um lugar onde até o Homem Branco
possa saborear o vento perfumado pelas flores das pradarias.

Por tudo isso, consideraremos a vossa oferta de comprar as nossas terras. Se


decidirmos aceitá-la, eu porei uma condição: o Homem Branco deverá tratar os
animais desta terra como irmãos.

Sou um selvagem e não compreendo outro modo de vida. Tenho visto milhares
de bisontes apodrecendo nas pradarias, mortos a tiro pelo Homem Branco, da
janela de um comboio em andamento.

Sou um selvagem e não compreendo como é que uma máquina fumegante


pode ser mais importante que o bisonte que nós matamos para sobreviver.
Que seria do homem sem os animais? Se todos fossem exterminados, o
Homem também morreria de uma grande solidão espiritual. Porque o que
suceder aos animais também sucederá ao Homem. Tudo está ligado.

Devem ensinar aos vossos filhos que o solo que pisam são as cinzas dos
nossos avós. Inculquem nos vossos filhos que a terra está enriquecida com as
vidas dos nossos semelhantes, para que saibam respeitá-la. Ensinem aos
vossos aquilo que temos ensinado aos nossos, que a terra é nossa mãe. Tudo
quanto acontecer à terra acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem
no solo, cospem em si próprios.

Isto sabemos: a terra não pertence ao Homem, pertence à terra. Isto sabemos.
Tudo está ligado, como o sangue que une uma família. Tudo está ligado. Tudo
o que acontece à terra acontecerá aos filhos da terra. O Homem não teceu a
rede da vida, ele é só um dos seus fios. Aquilo que ele fizer à rede da sua vida
ele faz a si próprio.

Nem mesmo o Homem Branco, cujo Deus passeia e fala com ele de amigo
para amigo, fica isento do destino comum. Por fim talvez sejamos irmãos.
Veremos isso. Sabemos uma coisa que talvez o Homem Branco descubra um
dia: o nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar nesta altura que Ele
vos pertence, do mesmo modo como desejam que as nossas terras vos
pertençam; porém, não é assim. Ele é o Deus dos homens e a Sua compaixão
reparte-se por igual entre o Pele-Vermelha e o Homem Branco. Esta terra tem
um valor inestimável para Ele, e, se a estragamos, isso provocaria a ira do
Criador. Também os Brancos acabarão um dia, talvez antes das demais tribos.
Contaminem os vossos leitos e uma noite morrerão afogados nos vossos
próprios resíduos.

Contudo, vocês caminharão para a vossa destruição rodeados de glória,


inspirados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e que, por algum
desígnio especial, lhes deu o domínio sobre ela e sobre os Peles-Vermelhas.

Esse destino é um mistério para nós próprios, pois não percebemos porque se
exterminam os bisontes, se domam os cavalos selvagens, se saturam os mais
escondidos recantos dos bosques com a respiração de tantos homens e se
mancha a paisagem das exuberantes colinas com os fios do telégrafo. Onde se
encontra já o matagal? Destruído. Onde está a águia? Desapareceu. Termina a
vida e começa a sobrevivência.

Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubessemos


quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais
visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de
amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos
para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se
consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá
talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o
último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra
de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a
viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-
nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra,
ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca
esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o
seu poder e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos e ama-a como
Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus.
Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso
destino comum.
FOME

A fome no mundo explicada ao meu filho

- Donde vem a fome?


- Ela sempre existiu! Acompanha a humanidade desde as suas origens. Foi
obsessão quotidiana dos homens do Neolítico. As cidades de Ur e da Babilónia
foram regularmente devastadas pela fome. Fomes horríveis despovoaram
periodicamente os campos da Antiguidade grega e romana. Milhões de servos,
de camponesas livres e de habitantes das cidades, as suas mulheres e filhos,
morreram de fome na Idade Média. Na China, na África, na Rússia e no
Império Otomano, ao longo de todo o século XIX, morreram de fome centenas
de milhares de seres humanos.
Ora, durante os últimos cem anos, as capacidades de produção da
humanidade – incluindo as agrícolas – desenvolveram-se de uma maneira
extraordinária. Já não há actualmente sobre a terra uma “carência objectiva de
bens”, como dizia Marx. Há superabundância. Mas nem por isso o escândalo
da fome desapareceu. Pelo contrário, agrava-se tragicamente. O que hoje mata
é a carência social, isto é, a injusta distribuição dos bens disponíveis. Milhões
de seres humanos morrem de fome todos os anos porque não têm os meios
financeiros (ou outros) que lhes permitam aceder a uma alimentação suficiente.
- Se estou a perceber bem, isso quer dizer que a nossa Terra poderia alimentar
todos os seus habitantes?
- Não só poderia alimentar todos os seus habitantes actuais como o dobro da
actual população mundial. Nós somos hoje sobre a terra um pouco mais de 5, 5
mil milhões de seres humanos. A FAO diz que o mundo, mantendo o actual
estado das forças de produção agrícola, poderia sem problemas alimentar 12
mil milhões de seres humanos. Alimentar quer dizer: fornecer a cada um –
homem, mulher ou criança – uma porção de alimentos que represente 2.400 a
2.700 calorias por dia, em função da necessidade de alimentos dos indivíduos,
que varia consoante o trabalho executado e as zonas climáticas onde vivem.
- Então a fome não é uma fatalidade?
- De modo nenhum! Se a distribuição dos alimentos sobre a terra fosse justa,
haveria comida à vontade para todos.

Jean Zielger
Fala do Velho do Restelo ao Astronauta
Aqui, na terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.
Acendemos cigarros em fogos de Napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza
Ou talvez da pobreza, e da fome outra vez,
E pusemos em ti nem eu sei que desejo
De mais alto que nós, e melhor, e mais puro.
No jornal soletramos, de olhos tensos,
Maravilhas de espaço e de vertigem:
Salgados oceanos que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.
Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
(E as bombas de Napalme são brinquedos),
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome.

José Saramago

[Homem simples, escritor crítico e inconformado, José Saramago (1922-2010)


lutou – através da palavra - contra as desigualdades entre os homens. O único
escritor português a quem foi atribuído um prémio Nobel da Literatura.]
REFUGIADOS

[Enquanto houver guerra, perseguição, descriminação e intolerância têm de


haver refugiados. Os refugiados são de todas as raças e religiões e existem em
todo o Mundo. Forçados a fugir por recearem pela sua vida e liberdade, na
maioria das vezes têm de abandonar tudo - casa, bens, família e país - rumo a
um futuro incerto em terras estrangeiras. Calcula-se que existam em todo o
mundo cerca de 21 milhões de refugiados, dos quais 12,6 milhões são
refugiados dentro dos seus próprios países de residência, em lugares como
Darfur, Uganda e República Democrática do Congo, etc.]

A canção desesperada

Tua lembrança emerge da noite em que estou.


O rio junta ao mar seu lamento obstinado.

Abandonado como os portos na alvorada.


É a hora de partir, oh abandonado!

Sobre o meu coração chovem frias corolas.


Oh sentina de escombros, feroz cova de náufragos!

Em ti se acumularam as guerras e os vôos.


De ti alçaram asas os pássaros do canto.

Ah, tudo devoraste como a fria distância.


Como mar, como o tempo. Tudo em ti foi naufrágio!

Era o momento alegre do assalto e do beijo.


Era a hora do assombro que ardia como um facho.

Angústia de piloto, fúria de búzio cego,


turva embriaguez de amor, tudo em ti foi naufrágio!

Minha infância de névoa, de alma alada e ferida.


Descobridor perdido, tudo em ti foi naufrágio!

Eu fiz retroceder a muralha de sombra,


e caminhei além do desejo e do ato.

Oh carne, carne minha, mulher que amo e perdi,


a ti, nesta hora úmida, evoco e elevo o canto.

Como um vaso abrigaste a infinita ternura,


e o esquecimento infindo te partiu como a um vaso.
Era a negra, era a negra soledade das ilhas,
e ali me receberam, mulher de amor, teus braços.

Era a sede, era a fome, e foste tu o fruto.


Era o luto, as ruínas, e tu foste o milagre.

Ah mulher, não sei como tu pudeste conter-me


na terra de tua alma e na cruz de teus braços!

Meu desejo de ti foi o mais tenso e curto,


o mais revolto e ébrio, o mais terrível e ávido.

Cemitério de beijos, inda há fogo em tuas tumbas,


ardem ainda as uvas bicadas pelos pássaros.

Oh a boca mordida, oh os beijados membros,


oh os famintos dentes, oh os corpos trançados.

Oh, a cópula louca de esperança e esforço,


em que nos enlaçamos e nos desesperamos.

E a ternura leve como a água e o trigo.


E a palavra apenas começada nos lábios.

Foi esse o meu destino: nele foi meu anseio


e caiu meu anseio, tudo em ti foi naufrágio!

De queda em queda ainda flamejaste e cantaste.


De pé qual um marujo sobre a proa de um barco.

Ainda floriste em cantos, rompeste correntezas.


Oh sentina de escombros, poço aberto e amargo.

Pálido búzio cego, fundeiro desditoso,


descobridor perdido, tudo em ti foi naufrágio!

É a hora de partir, a dura e fria hora


pela noite sujeita a todos os horários.

O cinturão ruidoso do mar aperta a costa.


Surgem frias estrelas, emigram negros pássaros.

Abandonado como os portos na alvorada.


Somente a sombra trêmula se contorce em meus braços.

Ah, mais do que isso tudo. Ah, mais do que isso tudo.
É hora de partir. Oh abandonado!

Pablo Neruda
O mais belo poema - A lista de Pablo Neruda
Uma das mais generosas e exemplares acções de solidariedade humana que
ocorreram um pouco antes da 2ª Guerra Mundial eclodir foi a realizada pelo
poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), Prémio Nobel da Literatura em 1971.
Cônsul do seu país em Paris, ele tratou de salvar um número significativo de
refugiados espanhóis que se abrigaram na França, após a derrota dos
republicanos na guerra civil de 1936-9. Conseguiu milagrosamente, em Agosto
de 1939, fretar um navio, o Winnipeg, proporcionando a que 2.500 exilados
pudessem começar uma nova vida na América do Sul, poupando-os da guerra
mundial e salvando-os dos campos de concentração. Eles formaram a lista de
Neruda.

A longa coluna estreitava-se pelas passagens sinuosas dos montes Pirinéus.


Caminhões, carroças, gente montada e gente a pé, misturavam-se naquela
estrada do sofrimento em busca de um refúgio seguro nas terras da França.
Era a então chamada República dos Trabalhadores que, saindo da Espanha,
derrotada pelo levante militar do general Francisco Franco (iniciado em 18 de
julho de 1936), arrastava-se para fora do país. Milicianos da UGT e da CNT,
carregando seus fuzis, soldados rasos do exército popular, operários das
fábricas da Catalunha e de Valência, famílias inteiras de camponeses levando
nos ombros um cobertor ou mesmo um colchão, a brava gente pobre da Ibéria,
com a cara endurecida pela vida e pela ferocidade da guerra civil, no alto
daquelas montanhas, enfrentava o frio glacial daquele de janeiro-fevereiro
1939, para escapar à implacável repressão franquista.

O governo francês, que nada fizera para salvar a república golpeada, ainda
lhes aprontou outra. Confinou aquele povo todo - chegaram a ser mais de 400
mil -, em 15 campos de concentração espalhados pelo sul do país. Trataram-
nos como se fossem párias. Nessas circunstâncias dramáticas é que Pablo
Neruda, poeta já de certa fama que fora nomeado para ser cônsul chileno em
Paris, incumbiu-se de uma missão. Determinou-se, com apoio do novo governo
do seu país, a não medir esforços para ajudar os refugiados espanhóis que se
derramavam em massa pelas fronteiras da França. A posição dele somente foi
possível porque o presidente do Chile, Aguirre Cerda - eleito pela Frente
Popular, uma coalizão das esquerdas - vencera as eleições de 1938. Neruda,
que sempre foi discreto a respeito da sua actuação neste episódio, confessou
que este fora o seu „mais belo poema‟.

Em nome daqueles espanhóis, deserdados de tudo, que entraram na


providencial lista de Neruda e cujos descendentes se tornaram „os filhos de
Neruda‟, o juiz espanhol Baltasar Garson entrou em acção em 1998. A intenção
do dr. Garson era levá-lo a julgamento por ter praticado crimes contra a
humanidade, especificamente contra 73 cidadãos espanhóis que foram mortos
no Chile durante o regime militar. Apesar de concordarem com a demanda, o
governo britânico, em vista do delicado estado em que o general Pinochet, um
octogenário, se encontrava, permitiu que ele retornasse para Santiago. Não
consegui o intento, mas expôs Pinochet frente ao mundo. Foi a maneira dos
espanhóis poderem manifestar, ainda que tardiamente, a sua solidariedade a
Neruda.
A identidade

A identidade de uma pessoa não é o nome que tem, o lugar onde nasceu, nem
a data em que veio ao mundo.
A identidade de uma pessoa consiste, simplesmente, em SER e o SER não
pode ser negado.
Apresentar um papel que diga como nos chamamos, donde e quando
nascemos, é tanto uma obrigação legal como uma necessidade social.
Ninguém, verdadeiramente, pode dizer quem é, mas todos temos direito de
poder dizer quem somos para os outros. Para isso servem os documentos de
identidade.
Negar a alguém o direito a ser reconhecido socialmente é o mesmo que retirá-
lo da sociedade humana.
Ter um papel para mostrar, quando nos perguntam quem somos, é o mínimo
dos direitos humanos, porque a identidade social é um direito primário, o mais
importante, talvez, porque as leis exigem que desse papel dependa a inserção
do indivíduo na sociedade.
(...)
A lei abusará do seu poder sempre que se comporte como se a pessoa que
tem diante de si não existisse.
Nenhum ser humano é humanamente ilegal. Ainda assim, há pessoas que,
pelos seus comportamentos, deveriam legalmente ser ilegais, esses são os
que exploram, os que se servem dos seus semelhantes para crescerem em
poder e riqueza.
Para os outros, para as vítimas de perseguições políticas e religiosas, para os
encurralados pela fome e pela miséria, a quem tudo foi negado, negar-lhes um
papel que os identifique será a última das humilhações.
Já há demasiada humilhação no mundo, contra ela e a favor da dignidade,
documentos para todos, que nenhum homem ou mulher seja excluído da
comunidade humana.

José Saramago
MANIPULAÇÃO

A galinha vermelha

A história da galinha vermelha que encontrou alguns grãos de trigo e disse aos
seus vizinhos:

'Se plantarmos trigo, teremos pão para comer. Alguém quer ajudar-me a
plantá-lo?'
'Eu não', disse a vaca.

'Nem eu', disse o pato.

'Eu também não', disse o porco.

'Eu muito menos', afirmou o ganso.

'Então eu mesma planto', disse a galinha vermelha.

E assim o fez. O trigo cresceu alto e amadureceu em grãos dourados.

'Quem me vai ajudar a colher o trigo?', quis saber a galinha.

'Eu não', disse o pato.

'Não faz parte de minhas funções', disse o porco.

'Não depois de tantos anos de serviço!', exclamou a vaca.

'Eu iria arriscar-me a perder o subsídio de desemprego', disse o ganso.

'Então eu mesma colho', disse a galinha. E colheu o trigo ela mesma.

Finalmente, chegou a hora de preparar o pão.

'Quem me ajuda a cozer o pão?', indagou a galinha vermelha.

'Só se me pagarem hora extra', disse a vaca.

'Eu não posso pôr em risco o meu subsídio de doença', disse o pato.

'Eu fugi da escola e nunca aprendi a fazer pão', disse o porco.

'Caso só eu ajude, é discriminação', resmungou o ganso.

'Então eu mesma faço', exclamou a pequena galinha vermelha.


Ela cozeu no forno cinco pães, e pôs todos numa cesta para que os vizinhos
pudessem ver. De repente, todos queriam pão e exigiam um pedaço. Mas a
galinha simplesmente disse: 'Não, eu vou comer os cinco pães sozinha'.

'Lucros excessivos!', gritou a vaca.

'Sanguessuga capitalista!', exclamou o pato.

'Eu exijo direitos iguais!', bradou o ganso.

O porco, esse só grunhiu.

Eles pintaram faixas e cartazes dizendo 'Injustiça!' e marcharam em protesto


contra a galinha, gritando obscenidades.

Quando um agente do governo chegou, disse à galinhazinha vermelha:


'Você não pode ser assim egoísta'.

'Mas eu ganhei este pão com o meu próprio suor', defendeu-se a galinha.
'Exactamente', disse o funcionário do governo. 'Essa é a beleza da livre
empresa. Qualquer um aqui na fazenda pode ganhar o quanto quiser. Mas sob
nossas modernas regulamentações governamentais, os trabalhadores mais
produtivos têm que dividir o produto de seu trabalho com os que não fazem
nada'.

E todos viveram felizes para sempre, inclusive a pequena galinha vermelha,


que sorriu e cacarejou: 'eu estou grata', 'eu estou grata'.
Mas os vizinhos sempre perguntavam por que a galinha, desde então,
nunca mais fez nada...

Nem mesmo um pão.

[Esta fábula de origem anónima tornou-se mais conhecida após ter sido
divulgada por Ronald Reagan nos anos 70. Reagan, então presidente dos
Estados Unidos da América, reduziu a carga tributária, conseguindo, no
entanto, aumentar as receitas.]
Novas formas de manipulação - Cenários Catastróficos

As práticas de manipulação são milenares. Estão intrinsecamente ligadas à


vontade de domínio. Há manipulação sempre que alguém procura controlar o
conhecimento de outro tendem em vista condicionar ou alterar o seu
comportamento. As formas de manipulação ligadas ao poder político são as
mais conhecidas, mas não são as únicas existentes.

1. Formas Directas de Manipulação

As formas manipulação mais conhecidas são as realizadas pelos regimes


ditatoriais. Podemos neste caso identificar facilmente quem as faz, com que
objectivos e os meios que utiliza. Trata-se de um manipulação com rosto, que
coloca desde logo os cidadãos de sobreaviso em relação àqueles que as
planeiam e executam. A censura, a propaganda e a violência repressiva sobre
os "desviantes" são os seus meios privilegiados.

Censura: a informação é manipulada não apenas tendo em vista omitir factos


relevantes, mas também deformar o conteúdo da informação veiculada de
modo a que a mesma se ajuste às ideias dos censores. Em Portugal a censura
foi um dos instrumentos mais utilizados pela ditadura (1926-1974) para a
manipulação da opinião pública: a informação que era autorizada era
previamente mutilada. A restante era simplesmente proibida.

Na Alemanha nazi (1933-1945) ficaram tristemente célebres a destruição


pública de milhões livros, mas também de obras de arte de autores
considerados „degenerados‟ pelo regime hitleriano.

Propaganda: a informação é forjada de forma provocar a uma adesão imediata


a certos estímulos, explorando para tal as emoções ou os medos das pessoas.
Durante a 1.ª Guerra Mundial (1914-1945), as técnicas de propaganda aos
serviços dos Estados tornaram-se enormes máquinas de mobilização de
massa, dotadas de enormes recursos técnicos, que foram depois eficazmente
aplicados e desenvolvidos pelos diferente regimes totalitários.

Em Portugal, uma das primeiras acções da ditadura (1926-1974) foi a de criar


importantes orgãos de propaganda do regime. O regime de nazi, foi contudo
aquele mais desenvolveu as técnicas de propaganda e as aplicou com grande
êxito. No Congresso de Nuremberg, em 1936, Hitler afirmou: „a propaganda
conduziu-nos ao poder, a propaganda permitiu-nos conservar depois o poder, a
propaganda, ainda, dar-nos-á a possibilidade de conquistar o mundo‟. Mal
conquistou o poder, uma das suas acções foi criar um Ministério da
Propaganda, dotando-o de enormes recursos. A propaganda nazi assentava
em ideias muitos simples, que podia ser facilmente apreendidas pelas pessoas.
Estas ideias apelavam à emoção, estimulando reacções de medo, ódio,
violência e desejo de vingança.
2. Formas Difusas de Manipulação

Os processos de manipulação da informação são todavia mais amplos, e estão


largamente disseminados nas sociedades democráticas ocidentais, utilizando-
se técnicas muito sofisticadas, mas não menos eficazes, nomeadamente
porque os cidadãos estão desprevenidos.

Para analisarmos estas formas difusas de manipulação temos que ter em conta
algumas condições históricas que as possibilitaram e as tornam muito
poderosas.

a) Condições Sociais. As actuais sociedades urbanas nasceram da


desagregação das sociedades rurais onde predominavam fortes laços
tradicionais (família, comunidade), contribuindo para o crescente isolamento
dos indivíduos. Sem ligações a famílias, comunidades ou a nenhum território
em concreto, tornaram-se desta forma extremamente permeáveis aos
processos de manipulação. Não tendo ninguém com quem discutir a
informação que recebem tendem a acreditar no que dizem os meios de
comunicação.

b) Destruição dos Espaços Públicos. Esta profunda transformação social foi


acompanhada pela destruição daquilo que se chama espaço público , os
lugares onde os encontros entre os cidadãos. Era nestes espaços públicos que
se construía a Opinião Pública.

c) Meios de Comunicação. Com o crescente isolamento surgiu também a


necessidade de se encontrar meios de comunicação entre os indivíduos
atomizados que íam sendo produzindo. É neste contexto que foram criados e
desenvolvidos os novos meios de comunicação de massa:

- Jornais. Ainda ligada aos espaços públicos, marca a transição para os novos
processos de comunicação de massa.
- Rádio. Recepção privada, fora dos espaços públicos
- Cinema.
- Televisão. Recepção maioritariamente privada, fora dos espaços públicos.
- Internet
- Telemóveis, etc.

d) Informar ou Fabricar Opiniões? Os novos meios de comunicação,


promovidos e controlados pelos grandes grupos económicos, não se limitaram
todavia a serem simples instrumentos de comunicação, passaram também a
produzir opiniões de acordo com os interesses de quem os controla estes
meios.

Dado o seu impacto social desde muito cedo começaram também a produzir
(ou a forjarem) a opinião pública... dos cidadãos.

A comunicação social nas sociedades democráticas possui uma enorme


influência sobre as pessoas, não apenas consegue dizer em que devem
pensar, mas também como devem pensar sobre isso . As mais sujeitas a esta
influência são naturalmente as que possuem menores recursos intelectuais ou
menos preparadas para lidarem com os média (televisão, rádios, jornais, etc.)

e) Ilusão de Discussão Pública. Para tornar convincente a opinião que


produzem, como sendo a opinião dos cidadãos, os jornais ou a televisão
utilizavam várias técnicas para criar a ilusão de que são meros instrumentos
neutrais que veiculam apenas aquilo que estes discutem e defendem. Neste
sentido simulam debates, realizam sondagem, realizam entrevistas ao vivo, etc.
Os comentadores ou pessoas que nelas aparecem são frequentemente
apresentados como os representantes dos cidadãos. Nada é dito porque foram
escolhidos uns e não outros. A ideia é que o leitor ou o espectador tenha a
ilusão que aquele que fala é o representante de todos os trabalhadores, ou de
todos os patrões, os estudantes, as mulheres, etc.

f) Diversão. Uma das formas actualmente mais eficazes de manipular os


cidadãos é através da diversão (distracção). Quando ocorrem certas situações
poucos favoráveis a quem controla os diferentes poderes, os orgãos de
comunicação social transformam-se frequentemente em orgãos de distracção:
a produção de informações aumenta sem qualquer critério de relevância
política, de modo a fazer passar despercebidos factos incómodos ou a torná-
los a-significantes pelo excesso de informação.

Televisão: Um Perigo para a Democracia?

Karl Popper, no início da década de 90, acusou a televisões de estarem a


destruir os regimes democráticos. Afirmando:

„1. A finalidade das televisões não é a educação ou a melhoria das pessoas,


mas apenas o lucro.

2. Aquilo que oferecem às pessoas não é o que é melhor para a sua educação,
mas apenas aquilo que as seduz e as mantém presas aos ecrãs de televisão,
fazendo desta forma subir as audiências. A receita que utilizam é sempre a
mesma: sexo, violência, sensacionalismo, etc. Uma receita que cansa, por isso
mesmo obriga-as a um reforço contínuo das suas doses diárias (mais sexo,
mais violência, mais sensacionalismo...).

3.Com o aumento do número de canais de televisão, cresceu também o


número de pessoas mediocres ou gente sem escrúpulos ligadas à produção de
programas televisivos. Gente que apesar da sua enorme influência social,
trabalha na mais completa impunidade e sem qualquer controlo democrático.

4. As pessoas mais vulneráveis a esta influência nefasta da televisão são as


que possuem um nível de formação e maturidade insuficiente para
estabelecerem uma distinção entre a ficção e a realidade.‟

A importância dos meios de comunicação

Os meios de comunicação tornaram-se hoje palcos privilegiados da disputada


política. Acontece que os políticos não estão agora sós, mas confrontam-se
agora também com correntes de interesses organizadas que actuando através
dos jornalistas e outros agentes, procurando apresentar uma dada opinião
como a Vontade da População.

A única forma dos cidadãos evitarem cair nestes processos de manipulação é


tornaram-se mais vigilantes em relação às instituições democráticas e aos
órgãos de informação. Adoptando uma atitude de permanente reflexão crítica
sobre a informação que lhes é fornecida. Não há outra saída.

Exemplos de Manipulação

Manipulação ( 1 ).

Os meses que precederam a ocupação do Iraque, em 19 de Março de 2003,


assistiu-se a uma campanha de manipulação da informação a nível mundial.

As principais agências de comunicação social divulgavam informações


provenientes das mais diversas fontes e origens todas num único sentido:
sustentarem a tese dos EUA de que a o ditador do Iraque possui armas de
destruição maciça.

Em vários países, como Portugal, muitos jornalistas e especialistas em


questões militares apoiaram activamente esta campanha preparando a opinião
pública para aceitar a inevitabilidade de uma intervenção no Iraque, a fim de
acabar com os arsenais e a produção das alegadas armas de destruição
maciça.

Um ano depois da ocupação, os governos dos EUA e da Grã-Bretanha


reconheciam que estas armas não existiam e que haviam enganado a opinião
pública. Acusaram na altura os seus serviços de espionagem de lhes terem
fornecido de informações forjadas.

Objectivo da manipulação: o controlo das enormes reservas de petróleo


existentes no Iraque

Manipulação ( 2 ) .

Logo após o atentado de Madrid de 11 de Março de 2004, o governo espanhol


procurou deliberadamente manipular a comunicação social, veiculando
informações no sentido de fazer crer à população que a ETA era a autora do
atentado ( A ETA é uma organização fundada em finais dos anos 50 do século
XX e que luta pela Independência do país Basco (Euskadia). O próprio
primeiro-ministro da altura (José Maria Aznar) pressionou directamente
directores de jornais para veicularem uma informação que sabia ser falsa.

Objectivo da manipulação: vencer uma disputada eleitoral


Manipulação ( 4 )
Em 1801 a Espanha usurpou um importante concelho português - Olivença.
Durante dois séculos a população que não foi exterminada tem vido a sofrer
uma brutal manipulação da sua identidade cultural. A língua portuguesa foi
proibida, assim como as suas tradições. Até o nome do concelho, das ruas e
das suas povoações foram alterados de português para espanhol. A própria
história de Olivença foi modificada de forma a legitimar a usurpação. Para este
enorme processo de manipulação foram também aliciados muitos portugueses,
que a troco de umas lentilhas participaram neste trabalho de manipulação.

Objectivo da manipulação: omitir um etnocídio e legitimar a usurpação de um


território português.

Carlos Fontes, http://confrontos.no.sapo.pt/index.html


DESOBEDIÊNCIA POR MEIOS PACÍFICOS

Indiferença

Primeiro levaram os comunistas,


Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.
Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.
Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.
Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.
Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.

Bertolt Brecht

[Bertolt Brecht (1898 — 1956) distinguiu-se como escritor de peças de teatro,


poeta e encenador. Defensor do ideal marxista, Brecht apela neste poema à
acção, à denúncia das atrocidades cometidas no dia-a-dia, ao compromisso
político.]
Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheiros

Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.

Entre eles, considere a enorme realidade.

O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.

não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.

não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.

não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,

a vida presente.

Carlos Drummond de Andrade


Eu tive um sonho

Eu estou contente em unir-me a vocês no dia que entrará para a história como
a maior demonstração pela liberdade na história da nossa nação.

Há cem anos atrás, um grande americano [presidente Abraham Licoln], em


cuja simbólica sombra nos encontramos, assinou a Proclamação da
Emancipação dos escravos. Esse importante decreto surgiu como um grande
farol de esperança para milhões de escravos negros que viviam sob injustiça.
Ele veio como uma alvorada para terminar uma longa noite de cativeiro.

Mas cem anos depois, o Negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do
Negro ainda é tristemente diminuída pelas algemas da segregação e das
cadeias de discriminação. Cem anos depois, o Negro vive numa ilha de
pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos
depois, o Negro ainda adoece nos cantos da sociedade americana e encontra-
se exilado na sua própria terra.

Assim, nós viemos aqui hoje para o libertar da sua vergonhosa condição.

De certo modo, nós viemos à capital de nossa nação para trocar um cheque.
Quando os arquitectos da nossa república escreveram as magníficas palavras
da Constituição e da Declaração da Independência [do Reino Unido], eles
estavam a assinar uma nota promissória para a qual todos os americanos
seriam seus herdeiros. Esta nota era a promessa de que todos os homens,
sim, os homens negros, como também os homens brancos, teriam garantia dos
direitos inalienáveis de vida, da liberdade e da busca da felicidade.

Hoje é óbvio que aquela América não apresentou esta nota promissória. Em
vez de honrar esta obrigação sagrada, a América deu para o povo negro um
cheque sem fundo, um cheque que voltou marcado com „fundos insuficientes‟.
Mas nós recusamo-nos a acreditar que o banco da justiça é falível. Recusamo-
nos a acreditar que há capitais insuficientes de oportunidades nesta nação.
Assim nós viemos trocar este cheque, um cheque que nos dará o direito de
reclamar as riquezas de liberdade e a segurança da justiça. Nós também
viemos para recordar à América essa cruel urgência.

Agora é o tempo para transformar em realidade as promessas de democracia.


Agora é o tempo para subir do vale das trevas da segregação ao caminho
iluminado pelo sol da justiça racial. Agora é o tempo para erguer a nossa nação
das areias movediças da injustiça racial para a pedra sólida da fraternidade.
Agora é o tempo para fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de
Deus.

Seria fatal para a nação negligenciar a urgência desse momento. Este verão
sufocante do legítimo descontentamento dos Negros não passará até termos
um renovador outono de liberdade e igualdade. Este ano de 1963 não é um
fim, mas um começo. Esses que esperam que o Negro agora esteja contente,
terão um violento despertar se a nação votar aos negócios de sempre.

Mas há algo que eu tenho que dizer ao meu povo que se dirige ao portal que
conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar o nosso legítimo
direito, nós não devemos ser culpados de acções de injustiça. Não vamos
satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da chávena da amargura e do
ódio. Nós temos que conduzir a nossa luta num elevado nível de dignidade e
de disciplina. Nós não devemos permitir que o nosso criativo protesto se
degenere em violência física. Repetidamente nós temos que subir às
majestosas alturas da reunião da força física com a força de alma. Nossa nova
e maravilhosa combatividade mostrou à comunidade negra que não devemos
ter uma desconfiança para com todas as pessoas brancas, para muitos dos
nossos irmãos brancos, como comprovamos pela presença deles aqui hoje.
Vieram testemunhar que o destino deles está unido ao nosso destino. Eles
vieram testemunhar que a liberdade deles está indissoluvelmente ligada à
nossa liberdade. Nós não podemos caminhar sós.

E como nós caminhamos, temos que fazer a promessa que marcharemos


sempre em frente. Nós não podemos retroceder. Há os que estão perguntando
para os devotos dos direitos civis, „Quando é que vocês estarão satisfeitos?‟

Nunca estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos horrores


indizíveis da brutalidade policial. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto os
nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não puderem ter
hospedagem nas estalagens à beira das estradas e nos hotéis das cidades.
Nós não estaremos satisfeitos enquanto um Negro não puder votar no
Mississipi e um Negro em Nova Iorque acreditar que ele não tem motivo para
votar. Não, não, nós não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos
até que a justiça e a rectidão corram como águas de uma poderosa correnteza.

Eu não esqueci que alguns de você vieram até aqui após grandes testes e
sofrimentos. Alguns de você vieram recentemente de celas estreitas das
prisões. Alguns de vocês vieram de terras onde a sua busca de liberdade os
deixaram marcados pelas tempestades das perseguições e pelos ventos de
brutalidade policial. Vocês são os veteranos do sofrimento. Continuem a
trabalhar com a fé que o sofrimento imerecido é redentor.

Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do


Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Louisiana, voltem para as ruas sujas e
guetos de nossas cidades do norte, sabendo que de alguma maneira esta
situação pode e será mudada. Não se deixem caiar no vale de desespero.

Eu digo-vos a vocês hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as


dificuldades de hoje e de amanhã eu ainda tenho um sonho. É um sonho
profundamente enraizado no sonho americano. Eu tenho um sonho que um dia
esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado da sua crença. Nós
celebraremos esta verdade e ela será clara para todos: os homens são criados
iguais.
Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos
descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos
poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade.

Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no Estado de Mississippi, um


Estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de
opressão, será transformado num oásis de liberdade e justiça.

Eu tenho um sonho que as minhas quatro crianças vão um dia viver numa
nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de
seu carácter. Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com os seus racistas malignos,


com o seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e
negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras
poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e
irmãos.

Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e
montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares
tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne
estará junta.

Esta é a nossa esperança. Esta é a fé com que regressarei para o Sul. Com
esta fé nós poderemos cortar da montanha do desespero uma pedra de
esperança. Com esta fé nós poderemos transformar as discórdias estridentes
da nossa nação numa bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós
poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, para ir encarcerar juntos,
defender liberdade juntos e, quem sabe, nós seremos um dia livres. Este será o
dia, este será o dia quando todas as crianças de Deus poderão cantar com um
novo significado.

„Meu país, doce terra de liberdade, eu te canto.

Terra onde meus pais morreram,

terra do orgulho dos peregrinos,

de qualquer lado da montanha,

ouço o sino da liberdade!‟

E se a América é uma grande nação, isto tem que se tornar verdadeiro.

E assim ouvirei o sino da liberdade no extraordinário topo da montanha de New


Hampshire. Ouvirei o sino da liberdade nas poderosas montanhas de Nova
York. Ouvirei o sino da liberdade nos engrandecidos Alleghenies da
Pennsylvania. Ouvirei o sino da liberdade nas montanhas cobertas de neve
Rockies do Colorado. Ouvirei o sino da liberdade nas ladeiras curvas da
Califórnia. Mas não é só isso. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de
Pedra da Geórgia. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Vigilância do
Tennessee. Ouvirei o sino da liberdade em todas as colinas do Mississipi. Em
todas as montanhas, ouvirei o sino da liberdade.

E quando isto acontecer, quando nós permitirmos que o sino da liberdade soe,
quando nós o deixarmos soar em todas as casas e vilas, em todos os Estados
e em todas as cidades, nós poderemos antecipar aquele dia em que todas as
crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios,
protestantes e católicos, unirão as mãos a cantar as palavras do velho
espiritual negro: „Livre afinal, livre afinal. Agradeço ao Deus todo-poderoso, nós
somos livres afinal.‟

Martin Luther King

I have a dream

(…) Go back to Mississippi, go back to Alabama, go back to South Carolina, go


back to Georgia, go back to Louisiana, go back to the slums and ghettos of our
northern towns, knowing that somehow this situation can and must be changed.
Let us not wallow in the land of despair.
I say to you today, my friends... so even though we face the problems of today
and tomorrow, I still have a dream. It is a dream deeply rooted in the American
dream. I have a dream that one day this country will rise up and live out the true
meaning of its creed : "We hold these truths to be self-evident : that all men
were created equal." I have a dream that one day, on the red hills of Georgia,
the sons of former slaves and the sons of previous slaveowners will be allowed
to sit down together at a table of brotherhood. I have a dream that one day even
the state of Mississippi, a state sweltering with the heat of injustice, sweltering
with the heat of oppression, shall be transformed into an oasis of liberty and
justice. I have a dream that my three little children will one day live in a nation
where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their
mind. I have a dream today. I have a dream that one day down in Alabama, with
their vicious racists, with its governor having his lips dripping with the words of
interposition and nullification, one day right down in Alabama little black boys
and black girls will be able to join hands with little white boys and white girls like
sisters and brothers. I have a dream today.

Martin Luther King

[Discurso proferido a 28 de Agosto de 1963, por Martin Luther King (1929-


1968), nos degraus do Licoln Memorial (Washington), em frente a uma plateia
de mais de 200.000 pessoas. Este discurso é parte da Marcha de Washington
por Empregos e Liberdade. Apela ao protesto/desobediência civil por meios
pacíficos, tal como Mahatma Gandhi ou Jesus Cristo. Luther King, pastor
protestante e activista político, recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1964,
poucos anos antes de ter sido assassinado.]
SOFRIMENTO E PROMESSA DE UM MUNDO MAIS HUMANO

Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa que venha a velhice, que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios

provam apenas que a vida prossegue

e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espectáculo,

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação. Carlos Drummond de Andrade


Último discurso d’ O Grande Ditador

Lamento muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício.
Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar,
se possível, os judeus, os gentios, os negros, os brancos.

Todos nós desejamos ajudar-nos uns aos outros. Os seres humanos são
assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu
infortúnio. Por que havemos de odiar ou desprezar-nos uns aos outros? Neste
mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as
nossas necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza. Porém perdemo-nos.


A cobiça envenenou a alma do homem... Levantou no mundo as muralhas do
ódio e tem-nos feito marchar gradualmente para a miséria e os massacres.
Criamos a época da velocidade, mas sentimo-nos enclausurados dentro dela.
A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado no infortúnio. Os nossos
conhecimentos fizeram-nos cépticos; a nossa inteligência, fez-nos
empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais
do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência,
precisamos de afeição e doçura. Sem essas duas virtudes, a vida será de
violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A natureza dessas coisas é


um apelo eloquente à bondade do homem, um apelo à fraternidade universal, à
união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhões de
pessoas pelo mundo fora. Milhões de desesperados, homens, mulheres,
criancinhas vítimas de um sistema que tortura de seres humanos que
encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: "Não desespereis!" A
desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em
agonia, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano.
Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que
do povo arrebataram há-de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem os
homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais que vos desprezam, que vos
escravizam, que retiram as vossas vidas, que ditam os vossos actos, as vossas
ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que
vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como um gado
humano e que vos utilizam como carne para canhão! Não sois máquina!
Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não
odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os
inumanos.

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade!

No décimo sétimo capítulo de São Lucas é escrito que o Reino de Deus está
dentro do homem - não de um só homem ou de um grupo de homens, mas dos
homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder, o poder de criar
máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar
esta vida livre e bela, de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto, em nome
da democracia, usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um
mundo novo, um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que
dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só
ludibriam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores
libertam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo,
abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência.
Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso
conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-
nos.

Hannah, estás a ouvir-me? Onde te encontres, levanta os olhos! Vês, Hannah?


O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva
para a luz! Vamos entrando num mundo novo, um mundo melhor, em que os
homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergues os olhos,
Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o
arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!

Charlie Chaplin, último discurso d‟ O Grande Ditador

[Charles Chaplin (1889-1977), conhecido como Charlie Chaplin foi uma das
personalidades mais criativas e influentes do cinema mudo e sonoro. Para
além de brilhante actor, Chaplin escreveu os guiões, compôs as bandas
sonoras e realizou os filmes em que ele próprio actuava (mais de 80). Foi ainda
um talentoso bailarino e jogador de xadrez.

Filho de artistas que rapidamente entraram em decadência (Hannah,


enlouquecida, teve de se separar dos filhos por conta da extrema miséria
enquanto o pai, Charlie Chaplin Sr., definhou por conta do alcoolismo), Chaplin
que aos 7 anos é levado para um ofanato, transformou a sua tragédia pessoal
em comédia universal.]
Os direitos das crianças

1.
A criança,
Toda a criança.
Seja de que raça for,
Seja negra, branca, vermelha, amarela,
Seja rapariga ou rapaz.
Fale que língua falar,
Acredite no que acreditar,
Pense o que pensar,
Tenha nascido seja onde for,
Ela tem direito...

2.
...A ser para o homem a
Razão primeira da sua luta.
O homem vai proteger a criança
Com leis, ternura, cuidados
Que a tornem livre, feliz,
Pois só é livre, feliz
Quem pode deixar crescer
Um corpo são,
Quem pode deixar descobrir
Livremente
O coração
E o pensamento.
Este nascer e crescer e viver assim
Chama-se dignidade.
E em dignidade vamos
Querer que a criança
Nasça,
Cresça,
Viva...

3.
...E a criança nasce
E deve ter um nome
Que seja o sinal dessa dignidade.
Ao Sol chamamos Sol
E à Vida chamamos Vida.
Uma criança terá o seu nome também.
E ela nasce numa terra determinada
Que a deve proteger.
Chamemos-lhe Pátria a essa terra,
Mas chamemos-lhe antes Mundo...
4.
...E nesse Mundo ela vai crescer:
Já sua mãe teve o direito
A toda a assistência que assegura um nascer perfeito.
E, depois, a criança nascida,
Depois da hora radial do parto,
A criança deverá receber
Amor,
Alimentação,
Casa,
Cuidados médicos,
O amor sereno de mãe e pai.
Ela vai poder
Rir,
Brincar,
Crescer,
Aprender a ser feliz...

5.
...Mas há crianças que nascem diferentes
E tudo devemos fazer para que isto não aconteça.
Vamos dar a essas crianças um amor maior ainda.

6.
E a criança nasceu
E vai desabrochar como
Uma flor,
Uma árvore,
Um pássaro,
E
Uma flor,
Uma árvore,
Um pássaro
Precisam de amor – a seiva da terra, a luz do Sol.
De quanto amor a criança não precisará?
De quanta segurança?
Os pais e todo o Mundo que rodeia a criança
Vão participar na aventura
De uma vida que nasceu.
Maravilhosa aventura!
Mas se a criança não tem família?
Ela tê-la-á, sempre: numa sociedade justa
Todos serão sua família.
Nunca mais haverá uma criança só,
Infância nunca será solidão.
7.
E a criança vai aprender a crescer.
Todos temos de a ajudar!
Todos!
Os pais, a escola, todos nós!
E vamos ajudá-la a descobrir-se a si própria
E os outros.
Descobrir o seu mundo,
A sua força,
O seu amor,
Ela vai aprender a viver
Com ela própria
E com os outros:
Vai aprender a fraternidade,
A fazer fraternidade.
Isto chama-se educar:
Saber isto é aprender a ensinar.

8.
Em situação de perigo
A criança, mais do que nunca,
Está sempre em primeiro lugar...
Será o Sol que não se apaga
Com o nosso medo,
Com a nossa indiferença:
A criança apaga, por si só,
Medo e indiferença das nossas frontes...

9.
A criança é um mundo
Precioso
Raro.
Que ninguém a roube,
A negoceie,
A explore
Sob qualquer pretexto.
Que ninguém se aproveite
Do trabalho da criança
Para seu próprio proveito.
São livres e frágeis as suas mãos,
Hoje:
Se as não magoarmos
Elas poderão continuar
Livres
E ser a força do Mundo
Mesmo que frágeis continuem...
10.
A criança deve ser respeitada
Em suma,
Na dignidade do seu nascer,
Do seu crescer,
Do seu viver.
Quem amar verdadeiramente a criança
Não poderá deixar de ser fraterno:
Uma criança não conhece fronteiras,
Nem raças,
Nem classes sociais:
Ela é o sinal mais vivo do amor,
Embora, por vezes, nos possa parecer cruel.
Frágil e forte, ao mesmo tempo,
Ela é sempre a mão da própria vida
Que se nos estende,
Nos segura
E nos diz:
Sê digno de viver!
Olha em frente!

Matilde Rosa Araújo

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