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10 de Dezembro
Guerra
Racismo
Fome
Refugiados
Manipulação
...
Manuel Alegre
20 de Junho de 1942
O meu pai já tinha trinta e seis anos quando se casou com minha mãe, a qual
tinha vinte e cinco. Minha irmã, Margot, nasceu em 1926, em Frankfurt am
Main. E eu em 12 de Junho de 1929. Sendo cem por cento judeus, emigramos
para a Holanda em 1933, onde meu pai foi nomeado director da Travis N.V.,
firma associada à Kolen & Cia. de Amesterdão. O mesmo edifício albergava as
sociedades das quais meu pai era accionista. Desde então, a vida não estava
livre de emoções para nós, pois o restante de nossa família ainda encontrava-
se defendendo das medidas hitleristas contra os judeus. À raiz das
perseguições de 1938, meus dois tios maternos fugiram e chegaram sãos e
salvos aos Estados Unidos. Minha avó, então de setenta e três anos, reuniu-se
connosco. Depois de 1940, nossa boa época terminaria rapidamente diante de
tudo: a guerra, a captura, e a invasão dos alemães, levando-nos à miséria.
Disposição atrás de disposição contra os judeus. Os judeus eram obrigados a
levar a estrela, a ceder suas bicicletas. Proibição dos judeus de subir num
autocarro, de dirigir um carro. Obrigação para os judeus de fazerem suas
compras exclusivamente nos estabelecimentos marcados com o letreiro:
“Comércio Judeu”, e, das 15:00 às 17:00 horas apenas. Proibição para os
judeus de saírem depois das 8:00 da noite, nem sequer a seus jardins - ou
ainda - de permanecer na casa de seus amigos. Proibição para os judeus
de praticarem exercícios em qualquer transporte público: proibido o acesso à
piscina, ao corte de ténis, ao hóquei ou a outros lugares de treino. Proibição
para os judeus de visitarem aos cristãos. Obrigação para os judeus de irem a
escolas judias, e muitas outras restrições semelhantes
8 de Julho de 1942
Às 3:00 da tarde bateram à nossa porta. Eu não escutei porque estava lendo
no terraço, preguiçosamente reclinada ao sol em uma cadeira de balanço. De
repente, Margot surgiu na porta da cozinha visivelmente perturbada:
- „Pai recebeu uma intimação da SS!‟ Cochichou. „A mãe acaba de sair para
buscar ao senhor Van Daan.” (Van Daan é um colega do pai, e nosso amigo.)
Eu estava aterrorizada. Todos sabem o que significa uma intimação. Vi surgir
na minha imaginação os campos de concentração e as celas solitárias.
Deixaríamos o pai partir para lá?
- „Naturalmente isso não acontecerá‟ Disse Margot, enquanto ambas
esperávamos no quarto o regresso da mãe.
- “A mãe foi à casa dos Van Daan para ver se podemos morar a partir de
amanhã em nosso esconderijo. Os Van Daan irão esconder-se lá connosco.
Seremos sete.”
No nosso dormitório, Margot confessou-me que a intimação não era para o pai,
mas para ela própria. Assustada de novo, comecei a chorar. „Margot tem
dezasseis anos! Querem, pois, que garotas da sua idade vão sozinhas?
Felzmente, a mãe disse; „Não irá!‟
9 de Outubro de 1942
Hoje só tenho para dar notícias deprimentes. Muitos dos nossos amigos judeus
são pouco a pouco embarcados pela Gestapo, a qual não anda com
contemplações. São transportados em furgões de gado par Westebork, o
grande campo para judeus, em Dentre. Westebork deve ser um pesadelo.
Centenas e centenas estão obrigados a se lavarem num só quarto e não tem
quartos de banho. Dormem uns em cima dos outros, amontoados em qualquer
canto. Homens, mulheres e crianças dormem juntos. Nem falemos dos
costumes: muitas das mulheres e garotas estão grávidas. Impossível fugir. A
maioria está marcada pela cabeça rapada e outros pelo seu tipo judeu. Se isto
ocorre na Holanda, como será nas regiões longínquas e bárbaras das que
Westebork não é mais que a porta de entrada? Nós não ignoramos que essa
pobre gente será massacrada. A rádio inglesa fala de câmaras de gás. Depois
de tudo, talvez seja melhor morrer rapidamente. Isso deixa-me doente.
19 de Novembro de 1942
Poderíamos fechar os olhos ante toda esta miséria, mas pensamos nos que
nos eram queridos e para os quais tememos o pior, sem poder socorrê-los. Na
minha cama, bem coberta, sinto-me menos do que nada quando penso nas
amigas que mais gostava, arrancadas das suas casas e metidas naquele
inferno. Tenho medo só de pensar que aqueles que estavam tão próximos de
mim se encontrem agora nas mãos dos carrascos mais cruéis do mundo, pelo
simples fato de serem judeus.
13 de Janeiro de 1943
O terror reina na cidade. Noite e dia, transportes incessantes dessa pobre
gente, provida apenas de uma bolsa no ombro e de um pouco de dinheiro.
Estes últimos bens são lhe tirados no trajecto, segundo dizem. As famílias são
separadas, agrupando a homens, mulheres e crianças. As crianças ao voltarem
da escola, já não encontram os seus pais. As mulheres ao voltarem do
mercado encontram as suas portas seladas e notam que suas famílias
desapareceram. O mesmo acontece com os cristãos holandeses: seus filhos
são enviados obrigatoriamente para a Alemanha. Todos têm medo. Centenas
de aviões voam sobre a Holanda para bombardear e deixam em ruínas as
cidades alemãs. E a cada hora centenas de homens caem na Rússia e na
África do Norte. Ninguém está seguro. A terra inteira encontra-se em guerra e,
ainda que os aliados vençam a guerra, todavia não se vê o final. Poderia seguir
durante horas falando da miséria ocasionada pela guerra, mas isso entristece-
me mais e mais. Não nos resta mais do que suportar e esperar o término
destas desgraças. Judeus e cristãos esperam; o mundo inteiro espera. E
muitos esperam a morte.
Anne Frank
Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhai-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
António Gedeão
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
Alda Lara
Eu também sou américa
Langston Hughes
[Em 1854 Franklin Pierce, presidente dos EUA, fez uma oferta de compra de
uma grande extensão de terras da tribo índia Suquamish, situadas no Estado
de Washington, prometendo criar uma "reserva" para o povo indio. Eis a
resposta do chefe índio Seattle ao grande chefe branco de Washington a 11 de
Março:]
Somos parte da terra e do mesmo modo ela é parte de nós próprios. As flores
perfumadas são nossas irmãs, o veado, o cavalo, a grande águia, são nossos
irmãos; as rochas escarpadas, os húmidos prados, todos pertencem à mesma
família.
Por tudo isto, quando o Grande Chefe de Washington nos envia a mensagem
de que quer comprar as nossas terras, está a pedir-nos demasiado. Também o
Grande Chefe nos diz que nos reservará um lugar em que possamos viver
confortavelmente uns com os outros. Ele se converterá, então, em nosso pai e
nós em seus filhos. Por esta razão consideramos a sua oferta de comprar as
nossas terras. Isto não é fácil para nós.
A água cristalina que corre nos rios e ribeiros não é somente água: representa
também o sangue dos nossos antepassados.
Os rios são nossos irmãos e saciam a nossa sede; são portadores das nossas
canoas e alimentam os nossos filhos. Se lhes vendermos a terra, devem
recordar-se e ensinar aos vossos filhos que os rios são irmãos deles, e que,
portanto, devem tratá-los com a mesma doçura com que se trata um irmão.
Sabemos que o Homem Branco não compreende o nosso modo de vida. Ele
não sabe distinguir um pedaço de terra de outro, porque ele é um estranho que
chega de noite e tira da terra o que necessita. A terra não é sua irmã mas sim
sua inimiga e, uma vez conquistada, ele segue o seu caminho, deixando atrás
de si a sepultura de seus pais, sem se importar com isso.
Rouba a terra aos seus filhos: também não se importa. Tanto a sepultura de
seus pais como o património dos seus filhos são esquecidos. Trata a sua mãe,
a terra, e o seu irmão, o firmamento como objectos que se compram, se
exploram e se vendem como ovelhas ou contas coloridas. O seu apetite
devorará a terra deixando atrás de si só o deserto.
Não existe um lugar tranquilo nas cidades dos Homens Brancos, não há sítio
onde escutar como desabrocham as folhas das árvores na Primavera ou como
esvoaçam os insectos.
Mas talvez isto também seja porque sou um selvagem que não compreende
nada. Só o ruído parece um insulto para os nossos ouvidos. Depois de tudo,
para que serve a vida se o homem não pode escutar o grito solitário do noitibó
nem as discussões nocturnas das rãs nas margens dum charco? Sou um Pele-
Vermelha e nada entendo. Nós preferimos o sussurrar suave do vento sobre a
superfície dum charco, assim como o cheiro desse vento purificado pela chuva
do meio-dia ou perfumado com o aroma dos pinheiros.
Sou um selvagem e não compreendo outro modo de vida. Tenho visto milhares
de bisontes apodrecendo nas pradarias, mortos a tiro pelo Homem Branco, da
janela de um comboio em andamento.
Devem ensinar aos vossos filhos que o solo que pisam são as cinzas dos
nossos avós. Inculquem nos vossos filhos que a terra está enriquecida com as
vidas dos nossos semelhantes, para que saibam respeitá-la. Ensinem aos
vossos aquilo que temos ensinado aos nossos, que a terra é nossa mãe. Tudo
quanto acontecer à terra acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem
no solo, cospem em si próprios.
Isto sabemos: a terra não pertence ao Homem, pertence à terra. Isto sabemos.
Tudo está ligado, como o sangue que une uma família. Tudo está ligado. Tudo
o que acontece à terra acontecerá aos filhos da terra. O Homem não teceu a
rede da vida, ele é só um dos seus fios. Aquilo que ele fizer à rede da sua vida
ele faz a si próprio.
Nem mesmo o Homem Branco, cujo Deus passeia e fala com ele de amigo
para amigo, fica isento do destino comum. Por fim talvez sejamos irmãos.
Veremos isso. Sabemos uma coisa que talvez o Homem Branco descubra um
dia: o nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar nesta altura que Ele
vos pertence, do mesmo modo como desejam que as nossas terras vos
pertençam; porém, não é assim. Ele é o Deus dos homens e a Sua compaixão
reparte-se por igual entre o Pele-Vermelha e o Homem Branco. Esta terra tem
um valor inestimável para Ele, e, se a estragamos, isso provocaria a ira do
Criador. Também os Brancos acabarão um dia, talvez antes das demais tribos.
Contaminem os vossos leitos e uma noite morrerão afogados nos vossos
próprios resíduos.
Esse destino é um mistério para nós próprios, pois não percebemos porque se
exterminam os bisontes, se domam os cavalos selvagens, se saturam os mais
escondidos recantos dos bosques com a respiração de tantos homens e se
mancha a paisagem das exuberantes colinas com os fios do telégrafo. Onde se
encontra já o matagal? Destruído. Onde está a águia? Desapareceu. Termina a
vida e começa a sobrevivência.
Jean Zielger
Fala do Velho do Restelo ao Astronauta
Aqui, na terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.
Acendemos cigarros em fogos de Napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza
Ou talvez da pobreza, e da fome outra vez,
E pusemos em ti nem eu sei que desejo
De mais alto que nós, e melhor, e mais puro.
No jornal soletramos, de olhos tensos,
Maravilhas de espaço e de vertigem:
Salgados oceanos que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.
Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
(E as bombas de Napalme são brinquedos),
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome.
José Saramago
A canção desesperada
Ah, mais do que isso tudo. Ah, mais do que isso tudo.
É hora de partir. Oh abandonado!
Pablo Neruda
O mais belo poema - A lista de Pablo Neruda
Uma das mais generosas e exemplares acções de solidariedade humana que
ocorreram um pouco antes da 2ª Guerra Mundial eclodir foi a realizada pelo
poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), Prémio Nobel da Literatura em 1971.
Cônsul do seu país em Paris, ele tratou de salvar um número significativo de
refugiados espanhóis que se abrigaram na França, após a derrota dos
republicanos na guerra civil de 1936-9. Conseguiu milagrosamente, em Agosto
de 1939, fretar um navio, o Winnipeg, proporcionando a que 2.500 exilados
pudessem começar uma nova vida na América do Sul, poupando-os da guerra
mundial e salvando-os dos campos de concentração. Eles formaram a lista de
Neruda.
O governo francês, que nada fizera para salvar a república golpeada, ainda
lhes aprontou outra. Confinou aquele povo todo - chegaram a ser mais de 400
mil -, em 15 campos de concentração espalhados pelo sul do país. Trataram-
nos como se fossem párias. Nessas circunstâncias dramáticas é que Pablo
Neruda, poeta já de certa fama que fora nomeado para ser cônsul chileno em
Paris, incumbiu-se de uma missão. Determinou-se, com apoio do novo governo
do seu país, a não medir esforços para ajudar os refugiados espanhóis que se
derramavam em massa pelas fronteiras da França. A posição dele somente foi
possível porque o presidente do Chile, Aguirre Cerda - eleito pela Frente
Popular, uma coalizão das esquerdas - vencera as eleições de 1938. Neruda,
que sempre foi discreto a respeito da sua actuação neste episódio, confessou
que este fora o seu „mais belo poema‟.
A identidade de uma pessoa não é o nome que tem, o lugar onde nasceu, nem
a data em que veio ao mundo.
A identidade de uma pessoa consiste, simplesmente, em SER e o SER não
pode ser negado.
Apresentar um papel que diga como nos chamamos, donde e quando
nascemos, é tanto uma obrigação legal como uma necessidade social.
Ninguém, verdadeiramente, pode dizer quem é, mas todos temos direito de
poder dizer quem somos para os outros. Para isso servem os documentos de
identidade.
Negar a alguém o direito a ser reconhecido socialmente é o mesmo que retirá-
lo da sociedade humana.
Ter um papel para mostrar, quando nos perguntam quem somos, é o mínimo
dos direitos humanos, porque a identidade social é um direito primário, o mais
importante, talvez, porque as leis exigem que desse papel dependa a inserção
do indivíduo na sociedade.
(...)
A lei abusará do seu poder sempre que se comporte como se a pessoa que
tem diante de si não existisse.
Nenhum ser humano é humanamente ilegal. Ainda assim, há pessoas que,
pelos seus comportamentos, deveriam legalmente ser ilegais, esses são os
que exploram, os que se servem dos seus semelhantes para crescerem em
poder e riqueza.
Para os outros, para as vítimas de perseguições políticas e religiosas, para os
encurralados pela fome e pela miséria, a quem tudo foi negado, negar-lhes um
papel que os identifique será a última das humilhações.
Já há demasiada humilhação no mundo, contra ela e a favor da dignidade,
documentos para todos, que nenhum homem ou mulher seja excluído da
comunidade humana.
José Saramago
MANIPULAÇÃO
A galinha vermelha
A história da galinha vermelha que encontrou alguns grãos de trigo e disse aos
seus vizinhos:
'Se plantarmos trigo, teremos pão para comer. Alguém quer ajudar-me a
plantá-lo?'
'Eu não', disse a vaca.
'Eu não posso pôr em risco o meu subsídio de doença', disse o pato.
'Mas eu ganhei este pão com o meu próprio suor', defendeu-se a galinha.
'Exactamente', disse o funcionário do governo. 'Essa é a beleza da livre
empresa. Qualquer um aqui na fazenda pode ganhar o quanto quiser. Mas sob
nossas modernas regulamentações governamentais, os trabalhadores mais
produtivos têm que dividir o produto de seu trabalho com os que não fazem
nada'.
[Esta fábula de origem anónima tornou-se mais conhecida após ter sido
divulgada por Ronald Reagan nos anos 70. Reagan, então presidente dos
Estados Unidos da América, reduziu a carga tributária, conseguindo, no
entanto, aumentar as receitas.]
Novas formas de manipulação - Cenários Catastróficos
Para analisarmos estas formas difusas de manipulação temos que ter em conta
algumas condições históricas que as possibilitaram e as tornam muito
poderosas.
- Jornais. Ainda ligada aos espaços públicos, marca a transição para os novos
processos de comunicação de massa.
- Rádio. Recepção privada, fora dos espaços públicos
- Cinema.
- Televisão. Recepção maioritariamente privada, fora dos espaços públicos.
- Internet
- Telemóveis, etc.
Dado o seu impacto social desde muito cedo começaram também a produzir
(ou a forjarem) a opinião pública... dos cidadãos.
2. Aquilo que oferecem às pessoas não é o que é melhor para a sua educação,
mas apenas aquilo que as seduz e as mantém presas aos ecrãs de televisão,
fazendo desta forma subir as audiências. A receita que utilizam é sempre a
mesma: sexo, violência, sensacionalismo, etc. Uma receita que cansa, por isso
mesmo obriga-as a um reforço contínuo das suas doses diárias (mais sexo,
mais violência, mais sensacionalismo...).
Exemplos de Manipulação
Manipulação ( 1 ).
Manipulação ( 2 ) .
Indiferença
Bertolt Brecht
a vida presente.
Eu estou contente em unir-me a vocês no dia que entrará para a história como
a maior demonstração pela liberdade na história da nossa nação.
Mas cem anos depois, o Negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do
Negro ainda é tristemente diminuída pelas algemas da segregação e das
cadeias de discriminação. Cem anos depois, o Negro vive numa ilha de
pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos
depois, o Negro ainda adoece nos cantos da sociedade americana e encontra-
se exilado na sua própria terra.
Assim, nós viemos aqui hoje para o libertar da sua vergonhosa condição.
De certo modo, nós viemos à capital de nossa nação para trocar um cheque.
Quando os arquitectos da nossa república escreveram as magníficas palavras
da Constituição e da Declaração da Independência [do Reino Unido], eles
estavam a assinar uma nota promissória para a qual todos os americanos
seriam seus herdeiros. Esta nota era a promessa de que todos os homens,
sim, os homens negros, como também os homens brancos, teriam garantia dos
direitos inalienáveis de vida, da liberdade e da busca da felicidade.
Hoje é óbvio que aquela América não apresentou esta nota promissória. Em
vez de honrar esta obrigação sagrada, a América deu para o povo negro um
cheque sem fundo, um cheque que voltou marcado com „fundos insuficientes‟.
Mas nós recusamo-nos a acreditar que o banco da justiça é falível. Recusamo-
nos a acreditar que há capitais insuficientes de oportunidades nesta nação.
Assim nós viemos trocar este cheque, um cheque que nos dará o direito de
reclamar as riquezas de liberdade e a segurança da justiça. Nós também
viemos para recordar à América essa cruel urgência.
Seria fatal para a nação negligenciar a urgência desse momento. Este verão
sufocante do legítimo descontentamento dos Negros não passará até termos
um renovador outono de liberdade e igualdade. Este ano de 1963 não é um
fim, mas um começo. Esses que esperam que o Negro agora esteja contente,
terão um violento despertar se a nação votar aos negócios de sempre.
Mas há algo que eu tenho que dizer ao meu povo que se dirige ao portal que
conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar o nosso legítimo
direito, nós não devemos ser culpados de acções de injustiça. Não vamos
satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da chávena da amargura e do
ódio. Nós temos que conduzir a nossa luta num elevado nível de dignidade e
de disciplina. Nós não devemos permitir que o nosso criativo protesto se
degenere em violência física. Repetidamente nós temos que subir às
majestosas alturas da reunião da força física com a força de alma. Nossa nova
e maravilhosa combatividade mostrou à comunidade negra que não devemos
ter uma desconfiança para com todas as pessoas brancas, para muitos dos
nossos irmãos brancos, como comprovamos pela presença deles aqui hoje.
Vieram testemunhar que o destino deles está unido ao nosso destino. Eles
vieram testemunhar que a liberdade deles está indissoluvelmente ligada à
nossa liberdade. Nós não podemos caminhar sós.
Eu não esqueci que alguns de você vieram até aqui após grandes testes e
sofrimentos. Alguns de você vieram recentemente de celas estreitas das
prisões. Alguns de vocês vieram de terras onde a sua busca de liberdade os
deixaram marcados pelas tempestades das perseguições e pelos ventos de
brutalidade policial. Vocês são os veteranos do sofrimento. Continuem a
trabalhar com a fé que o sofrimento imerecido é redentor.
Eu tenho um sonho que as minhas quatro crianças vão um dia viver numa
nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de
seu carácter. Eu tenho um sonho hoje!
Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e
montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares
tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne
estará junta.
Esta é a nossa esperança. Esta é a fé com que regressarei para o Sul. Com
esta fé nós poderemos cortar da montanha do desespero uma pedra de
esperança. Com esta fé nós poderemos transformar as discórdias estridentes
da nossa nação numa bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós
poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, para ir encarcerar juntos,
defender liberdade juntos e, quem sabe, nós seremos um dia livres. Este será o
dia, este será o dia quando todas as crianças de Deus poderão cantar com um
novo significado.
E quando isto acontecer, quando nós permitirmos que o sino da liberdade soe,
quando nós o deixarmos soar em todas as casas e vilas, em todos os Estados
e em todas as cidades, nós poderemos antecipar aquele dia em que todas as
crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios,
protestantes e católicos, unirão as mãos a cantar as palavras do velho
espiritual negro: „Livre afinal, livre afinal. Agradeço ao Deus todo-poderoso, nós
somos livres afinal.‟
I have a dream
Lamento muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício.
Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar,
se possível, os judeus, os gentios, os negros, os brancos.
Todos nós desejamos ajudar-nos uns aos outros. Os seres humanos são
assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu
infortúnio. Por que havemos de odiar ou desprezar-nos uns aos outros? Neste
mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as
nossas necessidades.
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais que vos desprezam, que vos
escravizam, que retiram as vossas vidas, que ditam os vossos actos, as vossas
ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que
vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como um gado
humano e que vos utilizam como carne para canhão! Não sois máquina!
Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não
odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os
inumanos.
No décimo sétimo capítulo de São Lucas é escrito que o Reino de Deus está
dentro do homem - não de um só homem ou de um grupo de homens, mas dos
homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder, o poder de criar
máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar
esta vida livre e bela, de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto, em nome
da democracia, usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um
mundo novo, um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que
dê futuro à mocidade e segurança à velhice.
É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só
ludibriam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores
libertam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo,
abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência.
Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso
conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-
nos.
[Charles Chaplin (1889-1977), conhecido como Charlie Chaplin foi uma das
personalidades mais criativas e influentes do cinema mudo e sonoro. Para
além de brilhante actor, Chaplin escreveu os guiões, compôs as bandas
sonoras e realizou os filmes em que ele próprio actuava (mais de 80). Foi ainda
um talentoso bailarino e jogador de xadrez.
1.
A criança,
Toda a criança.
Seja de que raça for,
Seja negra, branca, vermelha, amarela,
Seja rapariga ou rapaz.
Fale que língua falar,
Acredite no que acreditar,
Pense o que pensar,
Tenha nascido seja onde for,
Ela tem direito...
2.
...A ser para o homem a
Razão primeira da sua luta.
O homem vai proteger a criança
Com leis, ternura, cuidados
Que a tornem livre, feliz,
Pois só é livre, feliz
Quem pode deixar crescer
Um corpo são,
Quem pode deixar descobrir
Livremente
O coração
E o pensamento.
Este nascer e crescer e viver assim
Chama-se dignidade.
E em dignidade vamos
Querer que a criança
Nasça,
Cresça,
Viva...
3.
...E a criança nasce
E deve ter um nome
Que seja o sinal dessa dignidade.
Ao Sol chamamos Sol
E à Vida chamamos Vida.
Uma criança terá o seu nome também.
E ela nasce numa terra determinada
Que a deve proteger.
Chamemos-lhe Pátria a essa terra,
Mas chamemos-lhe antes Mundo...
4.
...E nesse Mundo ela vai crescer:
Já sua mãe teve o direito
A toda a assistência que assegura um nascer perfeito.
E, depois, a criança nascida,
Depois da hora radial do parto,
A criança deverá receber
Amor,
Alimentação,
Casa,
Cuidados médicos,
O amor sereno de mãe e pai.
Ela vai poder
Rir,
Brincar,
Crescer,
Aprender a ser feliz...
5.
...Mas há crianças que nascem diferentes
E tudo devemos fazer para que isto não aconteça.
Vamos dar a essas crianças um amor maior ainda.
6.
E a criança nasceu
E vai desabrochar como
Uma flor,
Uma árvore,
Um pássaro,
E
Uma flor,
Uma árvore,
Um pássaro
Precisam de amor – a seiva da terra, a luz do Sol.
De quanto amor a criança não precisará?
De quanta segurança?
Os pais e todo o Mundo que rodeia a criança
Vão participar na aventura
De uma vida que nasceu.
Maravilhosa aventura!
Mas se a criança não tem família?
Ela tê-la-á, sempre: numa sociedade justa
Todos serão sua família.
Nunca mais haverá uma criança só,
Infância nunca será solidão.
7.
E a criança vai aprender a crescer.
Todos temos de a ajudar!
Todos!
Os pais, a escola, todos nós!
E vamos ajudá-la a descobrir-se a si própria
E os outros.
Descobrir o seu mundo,
A sua força,
O seu amor,
Ela vai aprender a viver
Com ela própria
E com os outros:
Vai aprender a fraternidade,
A fazer fraternidade.
Isto chama-se educar:
Saber isto é aprender a ensinar.
8.
Em situação de perigo
A criança, mais do que nunca,
Está sempre em primeiro lugar...
Será o Sol que não se apaga
Com o nosso medo,
Com a nossa indiferença:
A criança apaga, por si só,
Medo e indiferença das nossas frontes...
9.
A criança é um mundo
Precioso
Raro.
Que ninguém a roube,
A negoceie,
A explore
Sob qualquer pretexto.
Que ninguém se aproveite
Do trabalho da criança
Para seu próprio proveito.
São livres e frágeis as suas mãos,
Hoje:
Se as não magoarmos
Elas poderão continuar
Livres
E ser a força do Mundo
Mesmo que frágeis continuem...
10.
A criança deve ser respeitada
Em suma,
Na dignidade do seu nascer,
Do seu crescer,
Do seu viver.
Quem amar verdadeiramente a criança
Não poderá deixar de ser fraterno:
Uma criança não conhece fronteiras,
Nem raças,
Nem classes sociais:
Ela é o sinal mais vivo do amor,
Embora, por vezes, nos possa parecer cruel.
Frágil e forte, ao mesmo tempo,
Ela é sempre a mão da própria vida
Que se nos estende,
Nos segura
E nos diz:
Sê digno de viver!
Olha em frente!