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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

GREICE CRISTINA AUGUSTA DA SILVA COSTA

O NEGRO E A MONARQUIA: construção da identidade étnica no discurso dos sambas de


enredo.

RIO DE JANEIRO
2011
Greice Cristina Augusta da Silva Costa

O NEGRO E A MONARQUIA: construção da identidade étnica no discurso dos sambas de


enredo

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Psicologia da Universidade


Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Formação de Psicólogo.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Teixeira Portugal

Rio de Janeiro
2011
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por ter me inspirado alento para concluir esta etapa de minha
vida;

A minha mãe, pelo apoio e paciência nas horas de dificuldade e angústia;

Ao Professor Francisco Portugal, pelas valiosas bibliografias e também pela disponibilidade,


sempre atencioso no processo de orientação;

Ao Professor Luiz Montez da Faculdade de Letras/UFRJ, que possibilitou o início da pesquisa


com a concessão da bolsa PIBIC/CNPq.
RESUMO

Costa, Greice Cristina Augusta da Silva. O negro e a monarquia: construção da identidade


étnica no discurso dos sambas de enredo. Rio de Janeiro, 2011. Trabalho de Conclusão de Curso
– Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

O presente trabalho tem como objetivo apresentar reflexões acerca dos processos de
construção identitária do negro carioca no discurso dos sambas de enredo, tendo em vista os
atravessamentos sócio-históricos e culturais pertinentes à dinâmica discursiva abordada. Para tal,
foi adotado o procedimento da análise do discurso de sambas que apresentem o tema da
monarquia brasileira, tomando como ponto de partida histórico o Segundo Reinado, construído
em torno da figura “Monarca dos Trópicos” (Schwarcz, 1998) D. Pedro II, mas ao mesmo tempo
marcado por coroações de reis negros, legado das matrizes culturais africanas que persiste até
hoje. A fim de melhor compreender a relação entre os fatores discursivos, históricos e culturais
que se interligam na construção simbólica da identidade étnica, buscou-se promover uma análise
integrada do corpus, o qual se constitui de sambas das décadas de 1960 e 1970. Deste modo,
propõe-se aqui a investigação de um discurso de resistência negra em meio à lógica de
configuração identitária dos sambas, trabalhados aqui a partir dos marcos teóricos do
Construcionismo em Psicologia Social articulados às contribuições da Antropologia, no que
concerne à questão da identidade étnica.

Palavras-chave: Cultura Negra, Construcionismo, Segundo Reinado, Psicologia Social.


AUTORIZAÇÃO

Eu, GREICE CRISTINA AUGUSTA DA SILVA COSTA, DRE 105025975,


AUTORIZO o Instituto de Psicologia da UFRJ a divulgar total ou parcialmente o presente
Trabalho de Conclusão de Curso através de meios eletrônicos e em consonância com a orientação
geral do SiBI.

Rio de Janeiro, 15/12/2011.

assinatura
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 07
1 “Reis Negros” e “Rei Branco”: a monarquia nas festas populares................................................. 09
2 A monarquia no carnaval.................................................................................................................... 13
3 “Caras e Coroas” nos sambas de enredo........................................................................................... 15
4 Um futuro “em branco” para o negro: o ideal do branqueamento................................................ 16
5 Discurso e identidade: a abordagem construcionista em Psicologia Social..................................... 20
6 Apresentação e análise dos sambas de enredo.................................................................................... 25
CONCLUSÃO.......................................................................................................................................... 47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................. 49
7

INTRODUÇÃO

No presente trabalho, partimos do momento histórico correspondente ao Segundo


Reinado com o propósito de refletirmos sobre as construções discursivas presentes nos sambas de
enredo que se apropriaram do símbolo da Monarquia, mais especificamente da figura do primeiro
e único Monarca brasileiro, D. Pedro II. Seu longo governo, que durou de 1840 a 1889, foi
caracterizado como o “regime da ordem e da paz” (Lyra, 1977, p. 9) e entrou para a historiografia
como modelo de estabilidade política e de empenho em prol da construção de uma identidade
nacional. Esta última, por sua vez, constituía preocupação central da elite intelectualizada,
ansiosa por consolidar uma cultura “genuinamente brasileira”; no entanto, para tal esta elite
aderiu aos cânones europeus, os únicos considerados civilizados (Schwarcz, 1998, p. 127).
Neste aspecto, os Institutos Históricos e Geográficos patrocinados pelo Imperador
desempenharam um papel fundamental, visto que estas instituições constituíram centros
irradiadores das idéias de uma elite composta de literatos e “homens de ciência” empenhados na
produção de uma história brasileira erigida em torno de grandes vultos e personagens (Schwarcz,
1998). O projeto cultural do Segundo Reinado pretendia, assim, construir uma nacionalidade a
partir de uma narrativa histórica unificada, ao produzir um discurso sobre a nação que engendra
uma identidade monolítica, cerne do mito fundador do Brasil: o encontro do europeu civilizador
com o indígena heróico que, embora dizimado, é elevado a símbolo nacional; já o negro, visto
como objeto devido à condição cativa, foi tornado invisível na historiografia oficial.
Mesmo assim, os negros fariam notar sua presença nesta corte europeizada, pois como
disse Reis (1996) “havia uma mentalidade monarquista, por assim dizer, circulando entre os
negros, que parece ter sido recriação de concepções africanas de liderança, reforçadas em uma
colônia, e depois em um país governado por cabeças coroadas” (como citado em Schwarcz, 1998,
p.15). Esta “mentalidade monarquista” se apresentaria reinterpretada nos sambas de enredo do
carnaval carioca, os quais celebram os cortejos de reis negros do passado, num esforço de
atualização do legado cultural africano marginalizado pelo poder cultural dominante.
Deste modo, procuramos localizar as formas pelas quais emergem nos sambas não
somente as figuras tradicionais da nacionalidade como D. Pedro II e a Princesa Isabel, mas
também as manifestações culturais de origem africana que se apresentam tanto sob a forma de
8

valorização das matrizes religiosas, quanto de exaltação aos heróis negros. Estes aparecem quase
sempre ligados à nobreza africana, tidos como símbolos de resistência à opressão do sistema
escravista e, posteriormente, à repressão do regime ditatorial e à discriminação numa sociedade
que pretensamente teria integrado o negro após a Abolição.
Tendo em vista estas considerações, optou-se por delimitar a constituição do corpus da
pesquisa a sambas de enredo das décadas 1960 e 1970, período extremamente conturbado da
História brasileira, marcado pela passagem da experiência democrática, das grandes mobilizações
sindicais da classe operária do governo João Goulart (1961- 1964) para a implantação do regime
militar, com o golpe de março de 1964 (Fausto, 2009). Teve início, então, o período de enorme
repressão política e ideológica, assim como a consolidação dos grandes conglomerados que
controlam os meios de comunicação e a indústria do entretenimento (Ortiz, 1986,).
De maneira sistemática, o Regime Autoritário procurou legitimar, através do discurso
centrado na ideologia da “unidade na diversidade" (Ortiz, 1986, p. 93), um plano cultural para o
Brasil amparado numa historiografia tradicional, articulada ao discurso da mítica democracia
racial. Esta, sob a égide da mestiçagem e da unidade nacional, buscava abafar a pluralidade étnica
e cultural brasileira, em prol de um ideal de unificação disfarçado de fervor patriótico.
Logo, o golpe de 64 desempenhou um papel de normatização da esfera da cultura,
submetendo as diferenças à homogeneidade dos "Objetivos Nacionais" (Ortiz, 1986, p. 82). Para
isso, o Regime Militar exercia controle sobre a produção e a distribuição dos bens culturais,
associando-se à indústria da comunicação e do entretenimento. Segundo J. L. Oliveira (1985), a
intervenção nas escolas de samba não se fez demorar, pois o carnaval, como festa tipicamente
urbana e que congrega largas faixas da população, oferecia o risco de “expressar a consciência
das classes subalternas” (p. 65). O samba, inicialmente criminalizado e visto com preconceito por
trazer a “marca” da cultura negra, angariou cada vez mais prestígio e visibilidade, tornando-se
uma das mais importantes manifestações da cultura popular do Rio de Janeiro.
Porém, se as agremiações e o discurso dos sambas de enredo foram utilizados pelo
Governo Militar como veículos de propagação de seus feitos, através de enredos ufanísticos e
tradicionais, nem todas as escolas de samba desempenharam um papel passivo. Várias
agremiações transformaram-se em centros de resistência, ao gerarem mecanismos de
enfrentamento diante dos valores impostos pelo Poder Militar e pelas classes dominantes da
sociedade, por meio da valorização da cultura negra.
9

Desta forma, até hoje as escolas de samba desempenhariam importante papel político, ao
divulgarem a história brasileira; no entanto, ao ressignificar o discurso oficial da nacionalidade e
afirmar uma singular construção identitária afro-centrada, o discurso dos sambas de enredo
contesta as concepções hegemônicas e se apresenta também como veículo de legitimação de
identidades marginalizadas.
Em relação aos sambas prolíficos em episódios e personagens da História tradicional,
centrados numa realeza europeizada, constatamos que no decorrer das duas décadas que
constituem o objeto de estudo ocorreram transformações significativas: as figuras históricas do
patriotismo aparecem cada vez menos, ao passo que o negro, de uma posição praticamente
invisível, torna-se elemento fundamental no discurso dos sambas, principalmente na forma de
realezas negras, históricas ou míticas.
Num diálogo com a resistência do Movimento Negro, principalmente na década de 1970,
a exaltação de símbolos da matriz cultural africana que se verificou na época persiste até a
atualidade, como herança deste período de luta aberta contra a desigualdade. Esta modificação,
que aponta para o protagonismo dos negros na construção da sociedade, se tornou possível
devido a todo aquele que, como cantou o samba “Dia de Graça”, de Candeia, “deixa de ser rei só
da folia”1 para vir a modificar a sua própria, e muitas outras realidades. Tal perspectiva de
mudança social através do discurso será estudada mediante a análise dos sambas de enredo,
orientada pelo referencial do Construcionismo Social que, devido às suas contribuições à
Psicologia Social, oferece possibilidades de conjugar fatores históricos, sociais e culturais de
modo promover uma investigação mais integrada acerca da questão da identidade negra.

1 “Reis negros” e “Rei Branco”: a monarquia nas festas populares

O investimento na construção simbólica do poder monárquico brasileiro, com seus ritos e


símbolos que mesclavam o temporal e o sagrado, buscava legitimar e afirmar a unidade e o
fortalecimento do Estado. Segundo Schwarcz (1998), a rica simbologia que envolveu a figura do
Imperador Pedro II, representado tanto em sua época quanto na a posteridade como “herói
nacional”, rei idealizado e mitificado, encontrou eco no imaginário social, acionando mecanismos
ideológicos que geraram grande aceitação popular (pp. 20-21). A elite brasileira da época

1
Vargens, J. B. M. (2008). Candeia: luz da inspiração (3a ed.). Rio Bonito, RJ: Almádena.
10

percebeu o poder de cooptação social exercido pela Monarquia nos sistemas simbólicos da
sociedade brasileira, representando-a “como símbolo de união (...), pois somente a figura do rei
congregaria este território gigantesco, marcado por profundas diferenças” (Schwarcz, 1998 p.
38).
A figura do monarca foi apropriada tanto pelo discurso do projeto civilizatório formulado
pela elite, quanto pelo discurso dos sambas de enredo, os quais se originaram entre a população
negra e pobre do Rio de Janeiro. Como disse Schwarcz (1998) o "corpo do rei" constituía a
mediação entre duas instâncias: a realeza institucional de um lado e a figura mítica, do imaginário
popular, de outro (p. 21). Estas duas perspectivas, a erudita e a popular, encontram-se
complexamente mescladas no discurso dos sambas de enredo.
Em meio a todo o processo de construção do “Império Tropical”, encabeçado pela
supervalorização da cultura palaciana, a qual que pretendia representar toda a nacionalidade, a
alienação frente às contradições da realidade brasileira era patente: o Brasil, que buscava divulgar
a imagem de monarquia civilizada no exterior, ainda adotava o regime escravocrata. Segundo
Skidmore (1976), o Brasil do século XIX era a única “nação” constituída por mais de cinquenta
por cento de negros (p. 40). A capital, a cidade do Rio de Janeiro, denominada “a Corte” (Lyra,
1977, p. 43) ainda era tomada pela prática da religiosidade barroca, caracterizada pelas
manifestações públicas e grandiosas de fé, procissões e festas de santos da tradição católica
portuguesa, nas quais “a população escrava e/ou negra não perdia a oportunidade para mostrar
suas músicas, danças e batuques” (Abreu, 1999, p. 34).
Assim, o símbolo da monarquia parecia unificar estes universos distintos, posto que em
meio aos cortejos em que tomava parte o próprio monarca, via-se também multidões de negros,
fossem escravos ou libertos, com suas próprias cortes festivas e coroando seus reis e rainhas. Por
isso, Schwarcz (1998) diz que nessas ocasiões, “as realezas se encontravam (...) como se a festa
suspendesse por algumas horas o conflito e congregasse autoridades de ordens diferentes” (pp.
248-249).
Deste modo, africanos e seus descendentes que foram convertidos ao Catolicismo
utilizavam elementos desta religião, ressignificando as práticas culturais do colonizador através
de cerimônias de coroação de reis e rainhas negros, realizadas por irmandades leigas de "homens
pretos", onde tomavam parte negros escravos, forros ou livres. Estas associações eram
constituídas em torno do culto a um santo padroeiro e eram importantes formas de sociabilidade
11

entre negros de diversas etnias, cujo ponto alto consistia nas eleições de reis negros em rituais
festivos, segundo M. Souza (2002, pp.182-183).
Revivendo “antigos reinados” da África nos festejos dos dias de Nossa Senhora do
Rosário e de santos negros, como Santo Elesbão, Santa Ifigênia, São Benedito e o Santo Rei
Baltazar, os cortejos das realezas africanas representavam uma construção simbólica segundo a
qual os negros buscavam lembrar a cultura de seus locais de origem, mas também construir uma
nova identidade. Produto de diferentes contextos culturais em contato, esta religiosidade “afro-
carioca” (Karasch, 2000, p. 361) foi fundamental para a configuração de uma identidade negra
autônoma, posto que, através destas e tantas outras manifestações, como as práticas mágico-
religiosas de origem africana, a exemplo do candomblé, os negros puderam articular novamente
sua vida cultural, estilhaçada pela diáspora.
No Brasil, ocorreram diversos casos de reis e nobres africanos, vendidos como escravos
por motivo de guerras ou intrigas em seus próprios reinos, que procuraram reconstruir, na medida
do possível, práticas e estruturas políticas e religiosas de suas terras de origem (Schwarcz, 1998,
p. 14). Assim, conforme disse M. Souza (2002), a existência de coroações simbólicas de reis
negros “constituía um mecanismo de resistência frente à sociedade escravista, na qual o grupo
dominante de origem européia monopolizava o poder” (p. 173). Estes reis, ridicularizados pela
classe dominante, que classificava tais manifestações como bárbaras e indecorosas, funcionavam
como elo entre a comunidade negra e as matrizes africanas baseadas no culto da ancestralidade,
posto que, mesmo no contexto da dominação colonial e escravista, os reis negros representavam
lideranças importantes na reconstrução cultural e na configuração de uma identidade étnica, num
esforço unificador (Souza, 2002, pp. 194- 195).
Vistas com horror pelos viajantes estrangeiros, as festas populares do Império, com seus
de “rituais misturados” que mesclavam tradições européias e práticas africanas, eram
consideradas sinônimo de atraso e incivilidade e severamente criticadas por amalgamarem “as
velhas tradições dos Habsburgo – linhagem real à qual pertencia D. Pedro II – com as ‘crendices’
de africanos e mulatos” (Schwarcz, 1998, p. 252). As autoridades então passaram a ver os
candomblés, batuques, capoeira e eleições de reis negros como atos políticos, submetendo-os
com o passar do tempo a medidas de controle social cada vez maiores. O Império Brasileiro, com
a sua ânsia civilizadora, fez recrudescerem as proibições e estes festejos rarearam
progressivamente, até serem relegados às áreas mais afastadas da Corte, o centro de poder, pois
12

eram consideradas "incompatíveis com a posição da moderna capital imperial e a pretendida


civilização” (Souza, 2002, p. 317).
13

2 A Monarquia no Carnaval

Ao contrário do entrudo "porco e brutal", em que desde os tempos coloniais pessoas das
mais diversas classes sociais divertiam-se antes da Quaresma atirando umas às outras tinas de
água e “limões-de-cheiro” (Ferreira, 2004), o carnaval carioca no século XIX objetivava
constituir-se em "festa civilizada" nos moldes de Paris e Veneza (Ferreira, 2005, p. 12).
Tal estratégia fazia parte do projeto civilizatório de modelo europeu, empreendido de
forma intensa no Segundo Reinado: era a época das "Sumidades Carnavalescas", associações das
quais participavam membros da alta intelectualidade brasileira. Estas agremiações se
apresentavam em desfiles que, de forma semelhante àqueles que ocorrem atualmente, contavam
com a presença de carros alegóricos. Além disso, a pedido de uma comissão formada por
diversos intelectuais, tais passeatas carnavalescas chegaram a ser assistidas no Paço de São
Cristóvão pela família real brasileira, inclusive por S. M. o Imperador Pedro II (Moraes Filho,
1979, p. 20).
Todavia, não faltava nestes carnavais o caráter satírico, do qual nem o próprio Imperador
teria escapado, como mostrou Jota Efegê ao citar estes versos da Sociedade dos Fenianos: "(...)
Eis o sota escravocrata / Do reinado da patota; / Deste reino-patarata/ Eis o sota escravocrata / Na
sua nádega chata / Fotografou-se o idiota... / Eis o sota escravocrata / Do reinado da patota”
(como citado em Schwarcz, 1998, p. 424).
Apesar de ter sido trazido pelos europeus e de ser considerado como festa das elites, o
carnaval foi sendo apropriado pela população negra do Rio de Janeiro e até hoje se apresenta
como espaço de grande visibilidade para a manifestação da cultura e da música negras; isso teria
ocorrido em parte pelo fato de, historicamente, serem raras as oportunidades dos negros
realizarem seus festejos, os quais passaram a ocupar o período carnavalesco (Ferreira, 2004, p.
192). Desta forma, folguedos que envolviam "cabeças coroadas", como maracatus, congadas e
cucumbis, que foram permeados pela tradição católica ibérica trazida ao Brasil por catequistas
com o objetivo de converter escravos, segundo Araújo (1964 como citado em Augras, 1998, pp.
20-21), foram traduzidos pelos africanos com base em códigos culturais próprios, trazidos de suas
terras de origem. Posteriormente, os elementos destes folguedos interpenetraram o universo do
carnaval carioca.
14

Segundo Roberto Damatta (1997), o carnaval seria uma "festa invertida" (p. 14), ou seja,
uma manifestação marcada pela quebra da rígida hierarquia do mundo cotidiano. Compartilhando
a lógica que orientaria a própria cultura popular, em que os grandes são destronados e os
pequenos são coroados, o carnaval seria o espaço, por excelência, do convívio entre os opostos,
no qual pessoas de classes sociais e etnias diversas, numa anulação temporária das barreiras
hierárquicas do mundo social, conjugam-se numa totalidade contraditória (Damatta, 1997).
Desse modo, o carnaval seria "a festa dos destituídos e dos dominados" (Damatta, 1997,
p. 122), que remete muitas vezes a um período mítico ou aristocrático, assim como os festejos de
religiosidade barroca, nos quais os negros assumem temporariamente o papel dos senhores.
Assim, na coroação simbólica dos reis negros era celebrada uma "África mítica, homogeneizada",
em que africanos e seus descendentes buscaram sobrepor as diferenças étnicas existentes em prol
da construção de uma identidade negra comum, no contexto da escravidão, como uma forma de
resistência à hegemonia dos valores europeus (Souza, 2002, p. 329).
Nos sambas de enredo presentes nos carnavais, a ruptura da vida diária que caracteriza a
dinâmica da festa popular abre espaço para que o negro marginalizado no cotidiano afirme sua
identidade na figura de um nobre ou rei, africano ou afro-brasileiro, exaltando as manifestações
culturais perseguidas pelo poder dominante por suas origens consideradas bárbaras e sujeitas à
vigilância das autoridades. Estas últimas reprimiam os festejos negros tanto pela possibilidade de
constituírem focos de rebelião escrava, quanto por reivindicarem o direito à diferença, numa
sociedade que impõe a democracia racial no século XX e ainda no século XXI.
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3 “Caras e Coroas” nos sambas de enredo

Em diversas culturas, o rei aparece como ligação entre o temporal e o sagrado; dessa
forma, ao constituir a personificação de toda uma estrutura histórica e social, o monarca seria “o
mediador entre o homem e a divindade” (Souza, 2002, p. 26), atualizando, através de toda uma
ritualística, o mito do herói-fundador. A função do rei seria, portanto, a do ancestral vivo, o
símbolo visível da identidade coletiva de uma comunidade, afirmando-lhe os laços e legitimando
a ordem social. Considerada “fonte de sabedoria e união da comunidade” como em alguns reinos
da África (Souza, 2002, p. 221), a realeza confere aos seus súditos uma identidade, diante do
compartilhamento de um passado comum redivivo na figura do rei.
Nas escolas de samba do Rio de Janeiro, é notória a presença da simbologia imperial, nos
nomes das agremiações, nos brasões das bandeiras apresentadas nos desfiles e nos enredos. A
realeza como elemento aglutinador parece corresponder à herança cultural da ancestralidade
africana, a qual, apesar da perseguição empreendida pelo "mundo dos brancos", foi mantida viva
pelos negros que procuraram reter fortes laços com o passado.
Sendo assim, os ritos e símbolos das dinastias européias bem como as tradições ancestrais
africanas se apresentam combinados e ressignificados no contexto do carnaval, quando surgem
no discurso dos sambas de enredo “imperadores tropicais, quase europeus, ao lado de reis
africanos escravizados, mas que reinavam entre os cativos” (Schwarcz, 1998, p. 287). Dessa
forma, entre realezas "reais" e míticas, figuras tradicionais, como de D. Pedro II e Zumbi dos
Palmares, assim como personagens pouco conhecidas, tal qual D. Obá II da Pequena África,
foram sendo apropriadas pelos setores marginalizados da sociedade, os quais utilizariam estas
figuras como referenciais na construção de uma identidade não apenas de brasileiro, mas também
de negro.
16

4 Um futuro “em branco” para o negro: o ideal do branqueamento

O projeto de nacionalidade idealizado no Segundo Reinado deveria se construir longe de


tudo o que lembrasse a “mácula da escravidão” (Schwarcz, 1998, p. 124). Por isso, nas artes e nas
produções científicas, o negro era relegado à obscuridade, no primeiro caso, ou considerado
abertamente um obstáculo ao progresso da nação, no segundo; era embaraçoso para nossa
“Civilização Tropical” ser ao mesmo tempo um Império sustentado pela escravidão. Assim, o Rio
de Janeiro, que devia tornar-se exemplo de civilização para todo o Império, via contrastar com
seus anseios de fazer parte do concerto das nações a existência de uma enorme massa de negros
escravos e libertos, para o desespero da elite que procurava formar uma nação homogênea e
civilizada, ou seja, branca tanto biológica quanto culturalmente.
A população negra da Corte não constituía uma massa uniforme e obscura; antes era
formada por mestiços, crioulos e africanos, estes últimos pertencentes às mais diversas etnias. No
contexto da escravidão, porém, as etnias africanas eram denominadas “nações”, termo cunhado
pelos colonizadores no contexto do tráfico negreiro e que correspondiam a macrorregiões ou
portos de embarque de escravos na África. Por isso, longe de remeterem a identidades étnicas
pelas quais os africanos se autodenominavam em função de sua experiência cultural e histórica,
as “nações” designavam identidades impostas pelos traficantes de escravos, as quais poderiam ser
apropriadas pelos cativos ou não (Soares, 2004, p. 141).
Dessa forma, da África Centro-Ocidental provinham as mais diversificadas etnias, como
congos, angolas, benguelas, cabindas, cassanges, monjolos, entre muitos outros; eram conhecidos
genericamente como bantos e eram os mais numerosos na capital do Império até 1840 (Soares,
2004, p. 126); da África Ocidental vinham os calabares e os minas. Os negros minas, conhecidos
como nagôs na Bahia, eram os principais alvos da repressão na Corte: uma onda de medo foi
gerada em relação aos africanos desta “nação”, devido à sua participação na Revolta dos Malês,
ocorrida em 1835, na Bahia2. Apesar de serem pouco numerosos no Rio de Janeiro, esta situação
muda após o fracasso da mencionada revolta, com o êxodo de escravos deste grupo étnico para a
Corte, o qual veio a constituir parte significativa da população escrava a partir das décadas de 40
e 50 do século XIX.

2
A este respeito ver Reis, J. J. (2003) Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos Malês. São
Paulo: Companhia das Letras.
17

No fim da década de 1880, quando a escravidão dava os seus estertores e o Império


também chegava ao fim, a sociedade hierarquizada entre senhores e escravos se via diante do
conflito de “incorporar o negro ao mundo do branco” (Azevedo, 2004, p. 39). Durante a
campanha abolicionista, os argumentos sobre a integração social dos negros se dividiam: alguns
os classificavam como seres naturalmente inferiores aos brancos e inaptos para o trabalho livre;
outros defendiam a sua utilização como colonos livres, desde que continuassem sujeitos ao
controle disciplinar dos grandes proprietários, criando assim, uma categoria ilusória entre a
escravidão e o trabalho livre (Azevedo, 2004).
A abolição, numa perspectiva que até bem pouco tempo ainda fazia parte da
historiografia, foi retratada como “dádiva” ofertada pelo senhor branco ao negro humilde, fiel e
agradecido; ou ainda, como “altruísmo do Imperador” ou “bondade da Princesa”. Esta concepção
objetivava obscurecer as lutas dos dominados e evidenciar um paternalismo com o qual eram
adornadas as relações entre senhores dadivosas e escravos submissos, além de forjar a imagem de
uma “harmonia racial” entre brancos e negros (Azevedo, 2004, p. 65). Porém, esta imagem
paradisíaca era desmentida por uma realidade de preconceito e profunda divisão social que
marginalizou os ex-escravos; o negro, no processo de sua própria libertação, foi tratado como
ente passivo e visto “tão-somente como objeto a ser resgatado das trevas da escravidão pelos
verdadeiros sujeitos daquele momento histórico, os abolicionistas” (Azevedo, 2004, p. 192).
Da mesma maneira, o século XIX foi pródigo em formular teorias que afirmassem a
inferioridade do negro, seus instintos bárbaros, sua baixa capacidade mental, sua tendência
natural à ociosidade, ao vício do álcool, à lascívia e à marginalidade (Azevedo, 2004). As
manifestações tipicamente negras, como o samba, a capoeira e o candomblé, eram consideradas
práticas bárbaras e perigosas, sendo perseguidas por constituírem “uma ameaça à ordem”
(Schwarcz, 2008, p. 229). O “problema do negro”, bode expiatório para o atraso do país,
encontrou na apropriação das teorias do racismo científico terreno fértil para justificar a ideologia
de dominação da elite intelectual brasileira que se considerava européia.
Os discursos sobre o negro veiculados pelas classes dominantes circulavam entre
concepções que o enquadravam ora como criatura naturalmente humilde, servil e dependente,
incapazes de entender ou atuar na política, ora como o negro selvagem, rebelde, violento, infiel e
perigoso (Schwarcz, 2008). Todavia, fosse entre os proprietários rurais ou entre os chamados
“homens de ciência”, o negro era tido como negação da ordem e do progresso, duplamente
18

estigmatizado por sua origem “selvática, africana (...) resistente a toda espécie de civilização”
(Azevedo, 2004, p. 34).
Constatamos dessa forma que os negros, apenas formalmente libertos, ainda carregavam o
estigma do passado da escravidão – imposta pelos brancos para civilizá-los, mas que os teria
“embrutecido”, razão a mais para excluí-los da sociedade - além da “marca” de sua origem
(Schwarcz, 2008, p. 245), ou seja, a África, continente relacionado a todos os estereótipos
negativos associados ao negro: “a feitiçaria, a barbárie, a violência, a degeneração e a
imoralidade” (Schwarcz, 2008, p. 115).
Principalmente na década de 90 do século XIX, cresce a receptividade nos meios
intelectuais brasileiros às teorias do racismo “científico”, mormente na Capital da nova
República. Estas doutrinas racistas surgiram na Europa, mas teriam sido sistematizadas nos
Estados Unidos; seus pressupostos afirmavam a existência de uma “hierarquia racial” (Skidmore,
1976, p. 50), na qual as “raças inferiores” eram identificadas com os povos não brancos,
especialmente os negros que brutalizados pelo cativeiro, ocupariam o último nível da escala da
civilização. Este pensamento, formulado para justificar o controle europeu, naturalizava o papel
do homem branco como portador da civilização, assim como os “teóricos” desta pseudociência
propunham que os brancos triunfariam gradualmente sobre o planeta, por serem mais aptos do
que as raças não brancas, naturalmente inferiores e por isso, fadadas ao desaparecimento.
Com a abolição da escravatura e a quase simultânea queda da Monarquia, o racismo
científico constituiu ferramenta muito utilizada no processo civilizatório ao qual a República deu
continuidade. Raimundo Nina Rodrigues, ao fim do século XIX considerado um dos maiores
adeptos do racismo científico no Brasil, embora tenha sido pioneiro na sistematização do estudo
da influência africana na cultura brasileira, produziu publicações impregnadas de afirmações
preconceituosas. Segundo este autor, “a influência do negro há de constituir sempre um dos
fatores de nossa inferioridade como povo” (1957, p. 28 como citado em Skidmore, 1976, p. 77).
Todavia, se os negros foram responsabilizados por todos os males do país devido a sua
inferioridade física, moral e intelectual, justamente eles formavam grande parte da população
brasileira; a mestiçagem cultural e biológica, extremamente condenada pela doutrina racista da
“pureza da raça européia”, tornava a herança africana praticamente onipresente. Para tentar
contornar a contradição entre a realidade brasileira e as condições ideais do pensamento racista
europeu e norte-americano, os autores nacionais se utilizaram de tais teorias, mas apoderando-se
19

de determinados pontos e desvalorizando outros, numa adaptação destas propostas ao contexto


brasileiro.
Portanto, a mestiçagem, vista como sinônimo de degenerescência e inferioridade, mas que
ocorreu amplamente no Brasil, foi um dilema que procurou ser resolvido no Brasil através do
chamado “ideal do branqueamento” (Skidmore, 1976, p. 126). Tal formulação representaria o
compromisso brasileiro com as teorias do racismo científico e, ao mesmo tempo, uma solução ao
“dilema étnico”. Este ideal atendia às aspirações da elite tradicional, que acreditava “no
clareamento progressivo da população” mediante a injeção massiva de “sangue branco”,
provenientes dos imigrantes europeus de “raça pura” (Skidmore, 1976).
A visão predominante era de que a população negra, bárbara, deveria ser assimilada por
meio da miscigenação, desaparecendo através da “fusão étnica” com o europeu, civilizado
(Skidmore, 1976, p. 212); a suposta integração levaria a um “Brasil mais branco”, posto que a
raça branca, por ser superior, prevaleceria sobre a raça negra nesse processo de “amalgamação
étnica” (Skidmore, 1976, p. 126). Daí a adoção da política imigrantista por parte do governo
brasileiro, que subsidiou a vinda de colonos europeus, principalmente de italianos e alemães, com
base no pressuposto de que sua miscigenação com os nacionais apagaria os traços indesejáveis da
população negra.
As teorias racistas do século XIX constituíram paradigma para se pensar identidade
étnica e identidade nacional até a década de 1930 do século XX, quando Gilberto Freyre retomou
a questão da miscigenação; no entanto, ele desloca o eixo da discussão, pois ao invés dos
argumentos biológicos dos pensadores racistas, ele analisa a mestiçagem em termos culturais,
realizando a “façanha teórica” (Vianna, 1995, p.61) de reabilitar a mestiçagem nos meios
intelectuais. Tal façanha teria sido mostrar que índios, negros e mestiços contribuíram
positivamente na formação da cultura brasileira3. No entanto, a concepção de Freyre da
miscigenação entre brancos, índios e negros deu margem à construção do famoso “mito da
democracia racial”, emanado da visão idealizada da convivência harmoniosa entre as raças,
desconsiderando “as relações de poder assimétricas entre senhores e escravos” (Munanga, 2004,
p. 89) e as consequentes desigualdades de oportunidades entre negros e brancos.
Portanto, a decantada democracia racial, com sua metáfora de “cadinho das raças” (Ortiz,

3
A este respeito ver Freyre, G. (1966). Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. Rio de Janeiro: J. Olympio.
20

1986, p. 19), na verdade reforçaria o ideal do branqueamento: apesar de valorizar a contribuição


do negro, sua cultura, mesmo importante, precisaria ser relegada ao passado (Skidmore, 1976, p.
211). As diferenças precisariam ser diluídas, para que se construísse uma nova civilização, onde,
no entanto, as desigualdades persistem de forma dissimulada; as especificidades históricas e
culturais precisariam ser negadas, em prol do mito de uma origem comum. Reconhecia-se a
importância do negro, mas num passado mítico, folclórico; no presente, todavia, permaneceria a
hegemonia da elite branca, à qual ainda seria atribuída “uma posição de superioridade na
construção da civilização brasileira” (Ortiz, 1986, p. 20).
Considerada de extrema importância para a delimitação da identidade nacional, para o
progresso e o desenvolvimento histórico, a questão étnica ou “racial” ocupava papel central nos
debates dos intelectuais que se propunham a encontrar soluções para o atraso econômico e social
do Brasil em relação à Europa. Na seguinte discussão sobre discurso e identidade, serão
explicitadas as relações entre o contexto sócio-histórico e cultural e as construções identitárias em
seu aspecto étnico, articuladas no discurso.

5 Discurso e identidade: a abordagem construcionista em Psicologia Social

Para auxiliar a compreensão da complexa questão da identidade étnica, este trabalho


utilizou como ferramenta a análise do discurso segundo o referencial teórico do Construcionismo
Social, movimento que por sua proposta de reformulação epistemológica ensejou novas
possibilidades de considerar a relação entre análise do discurso e Psicologia Social.
Em meio a um contexto de modificações nos métodos de investigação empregados pela
área psicológica, mais especificamente nos anos 1970, notou-se que a abordagem do campo
discursivo adquiriu grande relevância para a configuração de uma perspectiva crítica em
Psicologia Social, no sentido de propor uma ruptura com o paradigma
positivista/experimentalista dominante nesta área (Pizzi, 2010).
Da mesma forma, a proposta do Construcionismo Social constituiu fundamental ponto de
articulação com a análise do discurso de cunho pragmatista – de origem inglesa – a qual, por
considerar a linguagem em seu aspecto concreto, preocupou-se em estudá-la em seu uso
cotidiano e, portanto, enquanto instância contextualizada e produtora de efeitos sociais. Devido a
este aspecto, tal vertente de análise do discurso estaria mais próxima da Psicologia Social (Pizzi,
21

2010).
Assim, consideramos que o arcabouço construcionista apresenta-se de grande valia ao
tratarmos do tema da identidade, em relação ao qual não se pretenderá estabelecer aqui uma
definição única, dada a sua complexidade. Segundo R. Oliveira (2006), a identidade seria um
termo “por natureza, polissêmico” (p. 20) sujeito a diversas vicissitudes e apropriado por campos
de saber heterogêneos, como a Antropologia, a Psicologia e a Linguística.
Neste ponto, evidenciamos a proposta epistemológica e metodológica do Construcionismo
Social, que enfatiza a investigação centrada nos processos pelos quais as pessoas descrevem,
explicam ou narram o mundo em que vivem, inclusive elas mesmas (Gergen, 1985, p. 266). Tal
formulação nos aponta para possibilidade de convergências no estudo da construção da
identidade no discurso dos sambas de enredo, visto que nestes últimos a narrativa do passado se
encontra intrinsecamente ligada à produção de sentidos no presente. Estes sentidos/significados
poderiam levar tanto à reprodução de concepções cristalizadas ou favorecer novos olhares sobre
instituições sociais como nação, cultura, religião e etnicidade, as quais têm ampla repercussão nas
formas pelas quais sujeitos e grupos vêem a si mesmos, ou seja, configuram suas identidades.
Desse modo, o Construcionismo nos convida a considerar que os modelos de produção de
conhecimento supostamente neutros seriam historicamente situados, desde os paradigmas
científicos positivistas até os processos de configuração identitária, os quais também seriam
formas de organizar o mundo e dar lugar aos sujeitos. Neste ínterim, tais formas de organizar o
mundo configuram descrições e explicações do mundo que constituem “formas de ação social”
(Gergen, 1985, p. 268), o que nos leva a tratar o discurso e as instituições a que ele dá suporte
como histórica e culturalmente contextualizados e, portanto, sujeitos à crítica e transformação
(Gergen, 1985, p. 273).
Logo, o interesse deste trabalho é delinear pontos de convergência entre a análise do
discurso segundo as concepções construcionistas em Psicologia Social – que, devido às suas
próprias formulações torna de grande relevância o estudo concomitante da História – e algumas
noções da identidade em seu aspecto étnico. Lembramos, assim, da proposição de Fairclough
(2001), ao dizer que “a análise de discurso é uma atividade multidisciplinar” (p. 102), o que
evidencia a necessidade de articular diferentes áreas do conhecimento na tentativa de esclarecer
como é construída a noção da identidade, no presente caso, em sua feição étnica relativa dos
negros do Rio de Janeiro.
22

Roberto de Oliveira discorre sobre a questão da identidade étnica e, ao enumerar diversos


autores, cita definições entre as quais figura a de Berger & Luckmann, segundo a qual a
“identidade é um fenômeno que emerge da dialética entre indivíduo e sociedade” (1971, p.195
como citado em Oliveira, 1976, p. 44). Já Glasser (1958) adentra a questão antropológica e expõe
uma definição não de identidade, mas de identificação étnica: “(...) identificação étnica refere-se
ao uso que uma pessoa faz de termos raciais, nacionais ou religiosos para se identificar e, desse
modo, relacionar-se com os outros” (1958, p. 31 como citado em Oliveira, 1976, p. 3).
Ao longo de seu estudo, Oliveira (1976) afirma que a identidade é por excelência um
fenômeno relacional, visto que a delimitação do que é semelhante ou diferente se realiza em
função do relacionamento com o outro social; em sua feição étnica, a identidade se constitui de
forma contrastiva, ou seja, "implica a afirmação do nós diante dos outros" (p. 5)4 . O contraste,
para este autor, constituiria o cerne da identidade étnica, pois esta se afirmaria "negando a outra
identidade", de modo a confrontá-la e apreendê-la "num sistema de representação de conteúdo
ideológico" (Oliveira, 1976, p. 9).
Esta perspectiva que considera a interdependência também é encontrada em Silva (2000),
o qual afirma que, além de serem produções históricas e culturais, identidade e
diferença/alteridade igualmente constituem atos de criação linguística e resultam de um processo
ativo de construção simbólica e discursiva. Nesse sentido, identidade e diferença são
indissociáveis uma da outra, uma vez que seus significados seriam construídos a partir de uma
lógica discursiva e linguística que funcionaria mediante uma rede de negações e afirmações, na
qual “as afirmações sobre diferença só fazem sentido em relação se compreendidas em sua
relação com as afirmações sobre identidade” (Silva, 2000, p. 73). Ou seja, o conjunto de
significados atribuídos ao termo “negro”, por exemplo, teria sido constituído a partir de uma
dinâmica que lhe conferia todas as “negações” das características do “branco”: os negros estariam
associados à incivilidade, lascívia, preguiça, baixa capacidade intelectual, apenas pra citar
algumas atribuições.
Igualmente, é preciso ressaltar que identidade e diferença assumem sentidos
culturalmente atribuídos, o que evidencia o caráter contextualizado destas instituições produzidas
nas relações sociais e culturais e as caracteriza como instáveis e atravessadas por relações de
poder. Tais relações de poder seriam fundamentais para a configuração das representações

4
Grifo nosso.
23

associadas à identidade e à diferença, as quais são produzidas ativamente numa arena de tensão
onde os embates de poder geram relações de hierarquia entre os grupos. Assim, as relações de
poder instituídas na demarcação de identidades e de diferenças poderiam construir narrativas de
modo a promover concepções hegemônicas de identidade, pautadas na desqualificação de tudo o
que vier a ser classificado como diferente, já que “a identidade e a diferença não são nunca,
inocentes” (Silva, 2000, p. 75), proposição que traz uma reflexão acerca do caráter ideológico
deste processo.
Com estes argumentos, buscamos delinear pontos de convergência entre a perspectiva
discursiva e a cultural, ao enfatizar que as identidades se produzem em relação com uma rede de
representações sociais atravessada por molduras ideológicas, de modo a configurar os
denominados "sistemas de identificação", os quais se baseiam em oposições (Montes, 1996, p.
59). Todavia, estes sistemas de identificação não conformam oposições rígidas, mas variáveis
conforme os complexos fatores sociais que se articulam em determinado contexto histórico.
Logo, é preciso compreender que a identidade, de forma geral, não pode ser compreendida de
maneira dissociada do contexto e da história (Montes, 1996, p. 60), em função dos quais serão
selecionados determinados elementos culturais que, ressignificados, tem por objetivo construir,
contrastivamente, uma nova identidade.
Portanto, a identidade étnica é constituída de forma processual, com base no
estabelecimento de uma diferença, visto que ela se produz em oposição a uma alteridade e é
constantemente rearticulada de acordo com a dinâmica das transformações históricas e sociais.
Assim, identidade e etnia não podem ser compreendidas “fora desse processo, efetivamente
político, de afirmação e ressignificação das diferenças, que só podem ser entendidas por contraste
e por oposição” (Montes, 1996, p. 61).
Todavia, as identidades que se produzem por contraste não devem ser vistas de maneira
dicotômica, com um pólo homogêneo representando os brancos e o outro, igualmente monolítico,
os negros – e tampouco devemos nos conformar com um meio termo igualmente mistificador
como ideal da democracia racial. O importante é considerar a identidade enquanto fluxo
contínuo, indissociada das relações de poder como não poderia deixar de ser enquanto instituição
social e cultural e, portanto sujeita às transformações próprias da dinâmica discursiva, em
consonância com as especificidades do contexto histórico e cultural.
Ainda assim, necessário se faz atentar para os “essencialismos culturais” que podem a
24

levar a concepções fixas sobre a identidade e a diferença, articuladas em torno dos chamados
“mitos fundadores”, entre os quais a identidade nacional se manifesta como um dos principais
exemplos. Ao oferecer determinadas narrativas sobre a “origem” dos povos, a cultura nacional,
que nada mais seria que “um dispositivo discursivo que representa a diferença como identidade
ou unidade” (Hall, 2009, p. 62) busca uma imagem ilusoriamente unificada da identidade,
amparando-se em símbolos e representações que, de produções históricas e culturais, foram
transformados em tradições atemporais, reificadas.
No entanto, mesmo os mitos de origem nacional podem dar margem à construção de um
discurso de resistência, visto que mesmo aqueles que são relegados a uma posição subordinada –
Hall (2009) fala em “povos desprivilegiados” – podem apropriar-se dos elementos da cultura
dominante e mostrarem a “sua versão da história”, ao criar “uma história alternativa ou
contranarrativa” (p. 55). O discurso hegemônico, assim, pode favorecer brechas para que os
marginalizados possam expressar suas contribuições, suas lutas, seu protagonismo, de certa
forma reescrevendo a História ao lembrarem-se daqueles que no passado tiveram sua voz
suprimida pelas relações de poder opressivas.
Apesar da constante recorrência ao passado - e "um dos identificadores da identidade
étnica seria que ela se orienta pelo passado" (Souza, 2002, p. 142) - a identidade negra que se
articula no discurso dos sambas de enredo, longe de se conservar estática, dialoga com o contexto
sócio-histórico em que é produzida numa relação dinâmica, de modo a reconfigurar as origens
comuns, históricas e culturais, coordenando-as com a luta pelo direito à singularidade e à
equidade na participação social (Souza, 2002, pp. 141-142).
Portanto, os mecanismos de construção da identidade étnica do negro no discurso dos
sambas de enredo das décadas de 1960 e 1970 referem-se um processo dinâmico de
ressignificação de elementos culturais, relacionados tanto ao poder dominante – eurocêntrico –
quanto ao seu "contraste", a resistência dos marginalizados – africanos e afro-descendentes. Dado
o caráter político da luta dos negros por uma identidade singular, a qual se articularia às
reivindicações contra exploração a que ainda são submetidos, a legitimação de uma "negritude"
no discurso dos sambas de enredo se fez também pela afirmação de elementos estigmatizados
pela cultura dominante, como as matrizes religiosas africanas e os reis negros, folclorizados pelo
poder hegemônico.
Assim, tentamos aqui estabelecer um diálogo entre a perspectiva antropológica e as
25

contribuições teóricas do Construcionismo para a Psicologia Social, contribuições estas que, além
de reconhecerem a centralidade das práticas discursivas nas produções sociais, enfatizam a
variabilidade e a polissemia dos discursos, principalmente nos posicionamentos identitários.
Dessa maneira, a postura construcionista privilegia na análise do discurso a problematização e o
enfrentamento do não-familiar, o que possibilitaria a ruptura com os discursos hegemônicos,
através da reapropriação destes discursos. Portanto, o Construcionismo Social seria uma
ferramenta útil para a desnaturalização de práticas discursivas hegemônicas e a possibilidade de
transformação social5.

6 Apresentação e análise dos sambas de enredo

No início da década de 60, mesmo antes do Golpe Militar, eram abundantes nos carnavais
do Rio de Janeiro os sambas de enredo ufanísticos, de exaltação aos grandes vultos da História
Nacional, bem ao gosto dos Institutos Históricos e Geográficos criados no Segundo Reinado.
Nestas instituições, também eram recrutados durante a Ditadura Militar os intelectuais
conservadores, a serviço da ideologia do poder autoritário (Ortiz, 1986).
No entanto, os sambas não eram produzidos por estes intelectuais, mas sim por
compositores, em sua maioria negros e mulatos, pertencentes às camadas mais baixas da
sociedade. Esta parcela marginalizada da população, considerada "ignorante e perseguida
sistematicamente pela polícia" (Damatta, 1997, p. 127) se apropriava do discurso da
historiografia oficial, retratando os heróis brasileiros numa moldura mitificada.
O negro, porém, está quase sempre ausente das "datas magnas", recorrentes nos sambas e
ensinadas nos manuais de História da época, como em "Medalhas e Brasões" (Silas de Oliveira e
Mano Décio) citado na íntegra. Este samba, que narra a "gloriosa vitória" do Brasil na Guerra do
Paraguai, não menciona o grande contingente de soldados negros que foram mandados para as
batalhas (Schwarcz, 1998, p. 306); estes passaram despercebidos, não sendo contados entre os
"filhos varonis" da Nação. O Imperador Pedro II, considerado o "Voluntário Número Um" na
guerra, é aquele que concede dádivas e condecorações:

5
Ver Spink, M. J. & Medrado, B. (2004) "Produção de sentidos no cotidiano: uma abordagem teórico-metodológica
para a análise das práticas discursivas". In: SPINK, M. J. (Org.). Práticas discursivas e produção de sentidos no
cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas (3a ed.). São Paulo: Cortez.
26

1960 / Império Serrano

Esta brilhante página


Da nossa história militar
É um lindo cenário
De ilustrações
Que glorificaram
Os nossos rincões
Onde desfilaram
Medalhas e Brasões
Que glorificaram
Seus filhos varonis
São fatos da nossa história
Que deram glórias ao nosso país

A coragem de Caxias
O exército glorificou
A bravura de Marcílio Dias
A marinha consagrou
Num predomínio de fé
Exaltamos Barroso
E o bravo Tamandaré

Ao finalizar essa história


Narramos as batalhas meritórias
Curuzu, Riachuelo e Paissandu
Tiveram muita expressividade
Em suas vitórias
Sua majestade
Nosso querido Imperador
Orgulhosamente
Nossos heróis
Condecorou
(...)

Já o samba “O Império de D. Pedro II” (Claudionor Sant'Anna) constitui grande exemplo


do discurso idealizado sobre a realeza, marca dos sambas de enredo da década de 1960. O
"Monarca dos Trópicos" surge como figura principal, o “rei menino", que encarnava as
esperanças da jovem nação, mas que ungido e coroado – na cerimônia em verdade realizada em
18 de julho de 1841 - torna-se tão “gigante” quanto o país. Imortalizado no imaginário popular,
D. Pedro II aparece como símbolo de unidade nacional, que emerge do passado e é vivificado no
presente, como emblema de paz num período histórico conturbado; num país tão carente de
heróis, ele é o "Defensor Perpétuo da Nação", cercado da glória e do esplendor da Corte Imperial.

1961/ Caprichosos de Pilares


Hoje apresentamos com orgulho
27

A cerimônia opulenta
Do dia 22 de julho
De 1840
As câmaras decretaram com felicidade
Que aos quatorze anos sua majestade
D. Pedro II era maioridade
Para que o monarca muito juvenil
Assumisse a regência do Brasil
Logo que teve o gigante ao seu critério
Fundou seu primeiro ministério
Com grande ovação da multidão
Foi sagrado e coroado Imperador
E defensor perpétuo da nação
(...)
Nasceu um nobre vulto de sua geração
E veio abolir a escravidão
Divulgando nossa história pelo mundo
Glórias a D. Pedro II
Ô ô ô salve a Princesa e o Imperador

A recorrência de figuras imperiais nos sambas poderia ser associada ao fato de que, na
representação do povo, principalmente entre população negra, prevaleceu a imagem mítica do
Imperador como mensageiro da "justiça e da segurança" (Schwarcz, 1998, p. 438), posto que os
negros teriam ligado o fim da escravidão à realeza. Esta relação teria se dado muito antes de
1888, pois, segundo relatos do início do Segundo Reinado, “por ocasião da coroação de D. Pedro
II, havia denúncias sobre levantes, tanto próximo à Corte como no interior da província, pois
‘diziam que quando se fizesse a coroação os pretos ficariam forros’” (Gomes, 2006, p. 229).
A Abolição, o ato que mais marcou o Segundo Império, entrou para a posteridade como
ato heróico, mas quase nunca atribuído ao monarca, mas sim à Princesa Regente, Isabel, "A
Redentora". Se no imaginário popular, D. Pedro II é o "Pai dos Brancos" (Schwarcz, 1998, p. 11),
que concede honras e traz a paz e a justiça, Isabel é a "Mãe dos Pretos" por abolir a escravidão, o
que vem estabelecer uma imagem paternalista da Realeza, senhora suprema e distribuidora de
dádivas.
Em 1965, já durante o regime militar, todas as escolas de samba homenagearam os
quatrocentos anos da cidade do Rio de Janeiro. O samba "Histórias e tradições do Rio
Quatrocentão – do morro Cara de Cão à Praça Onze" (Candeia e Waldir 59), da escola Portela,
em sua íntegra se apresenta repleto de personagens históricas, como Estácio de Sá e Tiradentes,
algumas das figuras de um idealizado Rio Colonial, época que aparece em diversos sambas de
enredo como a "idade de ouro" da antiga Capital.
28

Aqui destacamos alguns trechos, onde as manifestações de origem africana, que


alegremente tomavam o Rio, são saudosamente lembradas; em que o negro, mesmo escravo, era
o dono das ruas com seus rituais. D. Pedro II não é citado, mas sim a Regente Isabel, figura
muito mais recorrente nos sambas de enredo que seu pai, frequentemente exaltada como se o fim
da escravidão houvesse resultado única e simplesmente de um ato de sua vontade, e não o fruto
de um processo histórico que envolveu fatores econômicos, políticos e sociais:

1965/ Portela
Rio antigo, das batucadas
Dos rituais, capoeiras e congadas
Oh! Meu Rio colonial
(...)
Salve! A princesa redentora Isabel
Que aboliu a escravatura tão cruel
Esse fato que tanto nos comove...
(...)
Hoje no século XX, do caldeamento de raças
Surgiu com requinte e graça
No mundo aristocrata
Consagrada beleza exuberante da mulata.

O discurso sobre o passado, celeiro de glórias, quase não deixa espaço para o presente;
quando ocorre uma menção à atualidade, ela remete não mais à matriz africana, mas sim à
decantada ideologia da mestiçagem e da harmonia nas relações interétnicas, "encarnada" na
figura da mulata carioca.

Segundo Ortiz (1986), a Ditadura Militar, assim como o Estado Novo, recorreu à
ideologia da mestiçagem para sustentar o discurso da unidade nacional, amparado pelo
pensamento de intelectuais tradicionalistas, a fim de construir uma imagem ilusória de harmonia
resultante do cruzamento entre as raças. Na verdade, este discurso procurava diluir a diversidade
étnica e cultural em prol da unidade nacional, escamoteando as relações de desigualdade e
exploração a que o negro foi submetido. Voltaremos a este tema mais adiante.

No discurso dos sambas de enredo pertencentes aos primeiros anos de Regime Militar, as
personagens do Segundo Reinado são apresentadas como modelos de virtude; são os “vultos
nacionais” que aparecem nos tradicionais manuais de História do Brasil, os quais, carregados de
ideologia nacionalista, certamente não primavam pela reflexão crítica, bem ao gosto do modelo
propagado pelo Poder Autoritário.
29

O cunho cívico é patente na exaltação ao Imperador D. Pedro II, o “herói-civilizador”,


sempre lembrado como o monarca empenhado em colocar o Brasil nos trilhos do progresso
europeu e também por seu saber inestimável que impulsionou o desenvolvimento nacional, assim
como no culto a Isabel, a quem couberam os louros da abolição da escravatura. A identidade
nacional, baseada numa História individualista, foi formulada por uma elite e se calcou na
exaltação das “grandes figuras”, inseparáveis do esplendor e dos feitos magnânimos, como bem
retrata o samba “Monarquia e Esplendor da História” (Mathias de Freitas):

1966 / Imperatriz Leopoldinense


Lá, Lá, Lá, Lá... D. Pedro II
Governante de rara cultura
Verdadeiro amante da arte
Protetor da literatura
Seus feitos foram de glórias
Enaltecendo as páginas da nossa história
E não podemos deixar de exaltar
A redentora Princesa Isabel
Com o seu gesto nobre e varonil
Aboliu a escravidão
do nosso querido Brasil

Assim como em “Apoteose da Cultura Nacional” (Chocolate):

1968/São Clemente
D. Pedro II
Foi quem incentivou
Dando impulso magistral
A cultura imperial
Grandes nomes
Cobertos de glórias
Passaram para os anais
Da nossa história
Recordar...

E “O Paquete do Exílio” (Ivancué):


1969 / Beija-Flor
Esta brilhante página
Que a nossa história imortalizou
Após o último capítulo da monarquia
Quando nosso nobre Imperador
D. Pedro II ao Brasil legou.
A sua consciência cristalina
Sua imperturbável linha de honestidade
30

Elegância de atitude
Dignidade de ação
Ao despedir-se da nossa nação
Para o exílio
Resolução do regime governamental
Para orgulho do Brasil e do povo tradicional
O grande monarca embarcou
Com toda família imperial
(...)
Glória a Sua Majestade D. Pedro II
Que foi glorificado por ser tão gentil
Como Imperador do Brasil

Aqui, até o fim da Monarquia é retratado de forma idealizada; novamente o Imperador é o


modelo de virtude, o "Príncipe Perfeito" e "Mártir da Nação" (Schwarcz, 1998, p. 49),
apresentado como símbolo de retidão moral. É o monarca que se sacrificou pelo país,
permanecendo digno mesmo na ocasião de sua expulsão, apresentada no samba como "Esta
brilhante página / Que a nossa história imortalizou".
Apesar de deixar Brasil às pressas, intimado pelo novo regime, o Imperador continuaria
incólume no imaginário popular, pois como disse Reis, “é, aliás, conhecida a popularidade de D.
Pedro II entre os negros” (Reis, 1996, p. 24 como citado em Schwarcz, 1998, p. 15).
Lembramos, então, da ironia de S. Romero, ao dizer que "o primeiro Imperador caiu porque não
era nato; o segundo há de sê-lo porque não é mulato” (como citado em Schwarcz, 1998, p. 526).
O culto à virtuosidade real também se apresenta no samba "Três acontecimentos
históricos" (Simplício, Zé Branco e Gemeu), no qual Pedro II é citado às pressas, mas não falta
menção à virtude de Isabel:

1966 / Unidos de Vila Isabel


(...)
D. Pedro foi aclamado e coroado imperador
Mais tarde entregou o reinado a D. Pedro II
Jovem sucessor
A Princesa Isabel, de nobre coração, assinou a Lei Áurea
Abolindo a escravidão

Assim como em “Senzalas em festa” (autor desconhecido):

1969 / Tupy de Bras de Pina


(...)
31

As negras escravas
Mostrando os seus bamboleios brejeiros
Para Isabel, a Redentora
Mãe branca de uma geração
Que das senzalas extinguiu
Os sofrimentos da escravidão.

Em "Sublime Pergaminho" (Zeca Melodia, Nilton Russo e Carlinhos Madrugada) os


negros já aparecem associados a formas de luta e resistência, através de manifestações culturais
que contribuiram para reconstrução de laços identitários ("Formavam irmandades / Em grande
união / Daí nasceram festejos / Que alimentavam o desejo de libertação") e da insurreição direta
("Pagavam com sacrifício a insubordinação"). Todavia, a ideologia dominante que atribuía ao
negro uma condição de ignorância e servilismo ainda se manifesta, quando o samba se refere aos
africanos “iludidos por quinquilharias”.
Além disso, as alusões à Lei do ventre Livre (1871) e à Lei dos Sexagenários (1885),
que buscavam muito mais angariar a obediência dos escravos, com se fossem atos de
benevolência e generosidade dos brancos (Fausto, 2009, p. 218) implicam ainda na concepção do
negro passivo, que não poderia alcançar a liberdade senão pelas mãos dos senhores. Estas leis,
segundo o pensamento das elites do século XIX, combateriam o risco das revoltas de escravos: o
negro com autonomia e ciente dos seus direitos poderia a conduzir o país à guerra entre as raças
e, no século XX, levaria à indesejável contestação do discurso da política cultural da Ditadura,
que objetivava promover a “essência da brasilidade” ancorada numa cultura “democraticamente”
espontânea, sincrética e plural (Ortiz, 1986, p. 96).
Assim, da mesma forma que o projeto civilizatório promovido durante o Segundo
Reinado, a Ditadura Militar buscou estabelecer uma política cultural para o país, ideologicamente
pautada numa elite "produtora de conhecimento", que seria a “representante da tradição",
empenhada em desenvolver um projeto cultural brasileiro, com uma proposta de "memória e
identidade brasileiras reificadas no tempo" (Ortiz, 1986, p. 98).

1968 / Unidos de Lucas


Quando o navio negreiro
Transportava os negros africanos
Para o rincão brasileiro
Iludidos com quinquilharias
Os negros não sabiam
Ser apenas sedução
(...)
Formavam irmandades
32

Em grande união
Daí nasceram festejos
Que alimentavam desejo de libertação
Era grande o suplício
Pagavam com sacrifício a insubordinação

E de repente
Uma lei surgiu (uma lei surgiu)
E os filhos dos escravos
Não seriam mais escravos no Brasil

Mais tarde raiou a liberdade


Pra aqueles que completassem
Sessenta anos de idade
Oh sublime pergaminho!
Libertação geral
A princesa chorou ao receber
A rosa de ouro papal
Uma chuva de flores cobriu o salão
E o negro jornalista
De joelhos beijou a sua mão

O “negro jornalista", numa atitude de submissão diante da Princesa, provavelmente


constitui uma alusão a José do Patrocínio, um dos principais difusores do culto à Isabel e mentor
da "Guarda Negra", formada, segundo relatos da época, pela "ralé carioca e maltas de capoeiras"
(Schwarcz, 1998, p. 447), ex-escravos que se mostravam leais à Monarquia e se opunham aos
republicanos.
Porém, mesmo anos 60, notamos uma modificação na forma com que é tratada a relação
do negro com a Monarquia. Por exemplo, a escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, nascida
em 1953 (Augras, 1998, p. 90) constituiu-se em agremiação pioneira na temática da negritude,
também denominada "afro-bahia", muito escassa nos carnavais cariocas até a mencionada
década.
Segundo alguns estudiosos, neste período ocorreram modificações na historiografia
brasileira, e diversos autores passaram a questionar o paternalismo das relações senhor/escravo e
a submissão “natural” do negro ao cativeiro, focando-se nas manifestações de resistência dos
negros à escravidão. Nos sambas de enredo emergiriam, então, figuras marginalizadas da
História, entre estas, negros associados à realeza como o herói revoltoso Zumbi dos Palmares,
além de figuras envoltas em lendas, como Chico Rei e Chica da Silva, que raramente apareciam
nos sambas até então, mas que se tornaram recorrentes.
Como exemplo, podemos citar trechos do samba “História da liberdade no Brasil”, de
33

Aurinho da lha:

1967 / Acadêmicos do Salgueiro


Nos Palmares,
Zumbi, o grande herói,
Chefia o povo a lutar
Só para um dia alcançar
Liberdade.
(...)
No dia 13 de maio
Negro deixou de ter senhor,
Graças à Princesa Isabel,
Que aboliu com a Lei Áurea
O cativeiro tão cruel.

Neste samba, ao lado da tradicional figura da Princesa Regente, surge o rebelde Zumbi
dos Palmares, personificação da luta e da resistência negra e considerado elo simbólico da cultura
ancestral africana, muito presente como elemento de afirmação da identidade étnica nas décadas
de 60 e 70. Segundo M. D. Souza (2001), este “herói transgressor” (p. 82) constituiria um
elemento centralizador de identidades há muito fragmentadas, por ocasião da diáspora africana.
Nos diversos sambas que futuramente se dedicariam à temática da negritude, Zumbi
aparece como figura de liderança, apresentado ora como Rei-Mártir, sacrificado pela causa da
libertação, ora como chefe da "República Negra de Palmares" (Souza, 2001, p. 83). Este
quilombo, reduto de resistência frente à sociedade escravista e opressora, se transformou em
símbolo da tomada de consciência frente à discriminação por parte de militantes do Movimento
Negro no Brasil.
Contrariando o discurso do Autoritarismo, segundo o qual cabia ao povo apenas recordar
os "grandes feitos" dos heróis do passado, sem refletir criticamente sobre a exploração histórica a
que foi submetido, constatamos que o negro, ao homenagear nos sambas os reis negros e sua
herança cultural, afirma uma identidade afro-centrada, singular, posto que ressignificada no
Brasil. Neste contexto, a configuração de uma identidade étnica constitui-se num mecanismo de
contestação do “padrão tradicional” das relações entre brancos e negros (Pinto, 1998, p.274), a
qual, implícita ou explicitamente, impõe a superioridade dos valores europeus. Desse modo,
desde a Abolição os negros ocupariam uma posição de igualdade apenas teórica em relação aos
brancos, posto que ainda hoje se encontrem separados por uma distância abissal no que diz
respeito às oportunidades de educação, saúde, lazer, trabalho e participação política.
34

Nesta lógica, os meios de comunicação de massa passaram a desempenhar importante


papel na divulgação do carnaval carioca como “o maior espetáculo da Terra”, vendendo ao
exterior uma imagem mitificada do Brasil, principalmente do Rio de Janeiro, apresentado como
uma cidade de gente alegre e sem preconceitos. Esta construção, entretanto, escamotearia uma
realidade de intensa desigualdade social e de preconceitos disfarçados (Oliveira, 1985, p. 2),
engendrando uma dinâmica de caráter pernicioso.
Logo, as transformações que se operavam no contexto-sócio histórico dialogam com o
discurso dos sambas de enredo, pois se tratava de uma época em que fervilhavam as
reivindicações sindicais, o que nos faz lembrar também que boa parte dos operários era negra:
segundo Pinto (1998), de escravo a proletário 6, foi a maior distância percorrida pela grande
massa de homens e mulheres negros no Rio de Janeiro (p. 114). Vemos, então, figuras
transgressoras alçadas ao panteão dos grandes heróis, como em “Quilombo dos Palmares” (Noel
Rosa de Oliveira e Anescar Rodrigues):

1960 / Acadêmicos do Salgueiro

(...)
Com a invasão dos holandeses
Os escravos fugiram da opressão
E do jugo dos portugueses.
Esses revoltosos
Ansiosos pela liberdade
Nos arraiais dos Palmares
Buscavam a tranqüilidade.
(...)
Surgiu nessa história um protetor.
Zumbi, o divino Imperador,
Resistiu com seus guerreiros em sua Tróia,
Muitos anos, ao furor dos opressores,
Ao qual os negros refugiados
Rendiam respeito e louvor.
Quarenta e oito anos depois
De luta e glória,
Terminou o conflito dos Palmares,
E lá no alto da serra,
Contemplando em sua terra,
Viu em chamas a sua Tróia,
E num lance impressionante
Zumbi no seu orgulho se precipitou
Lá do alto da Serra do Gigante.
Meu maracatu
É da coroa imperial.
É de Pernambuco,

6
Grifo do autor.
35

Ele é da casa real.

Zumbi, rei negro também cercado por uma aura mística, é o "divino Imperador", o
protetor esperado, figura aglutinadora da resistência negra frente aos opressores brancos, fossem
portugueses ou holandeses.
Embora remeta ao período colonial e à distante província de Pernambuco, Zumbi aqui
pode ser tomado como símbolo de arregimentação e resistência, desta vez ressignificado a partir
de cânones da literatura européia, pois o quilombo torna-se a antiga cidade de Tróia, igualmente
devastada pelos inimigos.
O suicídio deste líder aqui é tido como um ato desafiador frente à derrota. Segundo
estudiosos, o suicídio entre os africanos escravizados poderia ter como motivos o protesto contra
a condição cativa, vingança contra o senhor, ou ainda, o desejo de retorno espiritual à África
(Karasch, 2000, p. 244). A memória de Zumbi, neste samba, é atualizada através do rito do
Maracatu de Pernambuco, no qual se coroam reis negros que desfilam numa corte festiva.
Quase vinte anos depois, Zumbi também é lembrado no samba comemorativo “Noventa
anos de Abolição” (Wilson Moreira e Nei Lopes); no entanto, esta data é comemorada não com
referências às figuras tradicionais da historiografia, mas sim com a exaltação de personagens
obscuras da resistência negra, participantes da anteriormente mencionada Revolta dos Malês,
ocorrida na Bahia de 1835. Novamente, a luta histórica dos negros contra a degradação do
cativeiro se articula à reivindicação organizada dos movimentos negros contra a discriminação e
a desigualdade, cujos militantes são os "quilombolas de hoje em dia", que assumem o
protagonismo na construção de sua identidade e das lutas sociais. A própria escola de samba
Quilombo surgiu como um protesto à elitização, descaracterização e mercantilização das escolas
de samba7.

1979 / GRES Quilombo


(...)
Reverenciamos a memória
Desses bravos que fizeram nossa história:
Zumbi, Licutan e Alumá
Zundu, Luís Sanin e Dandará.

7
Ver Vargens, J. B. M. (2008). Candeia: luz da inspiração (3a ed.). Rio Bonito, RJ: Almádena.
36

E os quilombolas de hoje em dia


‘São candeia’ que nos alumia
E hoje nesta festa
Noventa anos de Abolição
Quilombo vem mostrar que a igualdade
O negro vai moldar com a sua própria mão
E em luta pelo seu lugar ao sol
Não é só bom de samba e futebol.

Apesar de ser considerado apenas como “peça” e “coisa” (Schwarcz, 2008, p. 161), mera
propriedade nas mãos do senhor branco, o negro, seja africano ou crioulo (nascido no Brasil),
durante três séculos de escravidão não permaneceu passivo; antes, lançou mão de diversas
estratégias de enfrentamento. Bastide (1971), por exemplo, diz que a resistência negra à
escravidão poderia se dar abertamente (abortos, suicídios, revoltas quilombolas) ou pela
sobrevivência cultural (práticas religiosas, festejos, cultos e mistérios). Revoltas e insurreições
foram cantadas em diversos sambas, mas da mesma maneira o foram as matrizes culturais
africanas, reinventadas no contexto brasileiro.
Outra forma de resistência seriam as pequenas sabotagens, os pequenos furtos realizados
pelos escravos que, ao minar o patrimônio dos brancos, desforçavam-se da liberdade que lhes
fora retirada. Caso semelhante é contado no samba “Chico Rei” (Geraldo Babão, Djalma Sabiá e
Binha):

1964 / Acadêmicos do Salgueiro


Vivia no litoral africano
Um régia tribo ordeira
Cujo rei era símbolo
De uma terra laboriosa e hospitaleira.
Um dia, essa tranqüilidade sucumbiu
Quando os portugueses invadiram,
Capturando homens
Para fazê-los escravos no Brasil.
(...)
Chegando ao Rio de Janeiro,
No mercado de escravos
Um rico fidalgo os comprou,
Para Vila Rica os levou.
A idéia do rei foi genial,
Esconder o pó do ouro entre os cabelos,
Assim fez seu pessoal.
Todas as noites quando das minas regressavam
Iam à igreja e suas cabeças lavavam,
Era o ouro depositado na pia
E guardado em outro ligar de garantia
Até completar a importância
Para comprar suas alforrias.
37

Foram libertos cada um por sua vez


E assim foi que o rei,
Sob o sol da liberdade, trabalhou
E um pouco de terra ele comprou,
Descobrindo ouro enriqueceu.
Escolheu o nome de Francisco,
Ao catolicismo se converteu,
No ponto mais alto da cidade Chico-Rei
Com seu espírito de luz
Mandou construir uma igreja
E a denominou
Santa Efigênia do Alto da Cruz!

Chico Rei, personagem lendária das Minas Gerais, aqui surge no discurso do samba
carioca. Rei na África e escravizado pelos colonizadores, no Brasil sua resistência se fez não pela
luta armada, mas através da burla ao sistema dos brancos, roubando o ouro retirado das minas
onde trabalhava junto dos companheiros. Mesmo escravo, exerce liderança e não deixa de ser rei
entre os seus; quando liberto e rico, exerce sua autonomia e escolhe o seu nome cristão. Neste
caso, é um rei negro que distribui as dádivas e repara as injustiças. Como no carnaval, o negro
oprimido no cotidiano se transmuta em rei.
Conforme o já exposto, as coroações de reis negros nas festas religiosas católicas da
Colônia e do Império atuavam como elementos importantes na reconstrução identitária da
comunidade negra no Rio de Janeiro. Manifestações híbridas, ou seja, resultantes da combinação
das culturas lusitana e africana, segundo M. Souza (2002, p. 217) e constantemente
reinterpretadas pelos afro-descendentes, os reinados festivos de reis do Congo ou de Angola são
frequentemente citados nos sambas de enredo.
A imagem destas realezas, pertencentes ao universo cultural banto, era imbuída de tal
força simbólica que as associações que se formavam ao seu redor agregavam negros das mais
diversas etnias africanas, onde recriavam uma África mítica, unificada (Souza, 2002, p. 173),
perpassada por contribuições européias. Estes reis negros passam a ter lugar no carnaval carioca,
como no samba “Festas e tradições populares do Brasil” (Paulo Granada, Leônidas de Araújo,
Barata e Chocolate):

1967 / São Clemente


(...)
E sempre a festejar
Já no Rio de Janeiro
A irmandade do rei Baltazar
38

Coroava o rei negro


Quando apareceu nesta cidade o carnaval
Era animado pela banda marcial
Dominós, arlequins e pierrots
Que encantavam a família imperial

Assim como em “Danças de um povo livre” (Ivo da Rocha Gomes e João Carlos Grilo),
em que as palavras rebuscadas dão lugar à fala popular do rei negro coroado, que traz consigo as
marcas de sua herança africana, mas também dos folguedos portugueses, o que torna as
coroações de negros no Brasil uma manifestação singular:

1972 / São Clemente


(...)
O soberano tão contente
Acabava de chegar
E acenando o seu bordão
Cantava com emoção

Sou rei do Congo


Quero brincar
Cheguei agora
De portugá

De forma semelhante também em “Dona Santa, rainha do maracatu” (Wilson Diabo,


Malaquias e Carlinhos), o qual, embora cante o Maracatu de Pernambuco, apresenta semelhanças
com as festas de coroação dos negros do Rio de Janeiro:

1974 / Império Serrano

Vejam em noite de gala


As nações africanas
Que o tempo não levou
É maracatu
Olhem quanto esplendor
Na festança real
Vêm as nações importantes
Saudando a rainha Dona Santa
Cantarolando num baque virado alucinante
(...)
Vejam a garbosa rainha
Na matriz do Rosário
Depois da coroação

Chegou maracatu no Império original


Maracatu tradição do carnaval

Todavia, nem sempre a rainha é negra... No samba “Rainha mestiça no templo do lundu”
39

(Jurandir Cândido e Serafim Adriano), aquela que consegue ultrapassar os espaços da senzala
para o salão é a mestiça, tida na ideologia do “cadinho das raças” como o harmonioso fruto da
miscigenação entre brancos e negros. Ela é a rainha-símbolo da união, da pacificação entre os
antagonismos senzala/ casa-grande. A herança africana, o lundu, precisou se "civilizar" para
adentrar os salões; semelhante ao que aconteceria na história do samba e do carnaval do Rio de
Janeiro, que apesar da marcante presença negra, mercantilizou-se e precisou se tornar mais
palatável para as elites.
Assim, o lundu pode ter sido associado ao congraçamento das raças porque, apesar de ser
uma dança negra por origem, era executada tanto por negros quanto por brancos, escravos e
livres, e foi considerado, segundo relatos de viajantes estrangeiros do século XIX, como o ritmo
de maior trânsito entre os diferentes segmentos sociais e étnicos da cidade do Rio de Janeiro
(Abreu, 1999, p. 92).

1972 / Mocidade Independente de Padre Miguel

Vamos falar de nossa história


Lembrando o Brasil imperial
Exaltando a rainha mestiça
Neste carnaval
Vamos falar dos bantos
Que para alegria geral
Trouxeram de Angola
O lundu para alegrar o pessoal

Saiu da senzala
Entrou nos salões
Para alegria de todos os corações
(...)
Ao som da melodia
A tristeza da senzala
O escravo esquecia
Cantando o lundu
Dançando o lundu
E tudo terminava em alegria

As escolas de samba continuariam a ser a manifestação cultural urbana mais visada pelo
Governo, o qual acreditava que, "ao controlar as manifestações culturais dos setores mais pobres,
teria assim mais facilidade de barrar as reivindicações políticas destas camadas" (Oliveira, 1975,
p. 43). O “elogio da mestiçagem”, base do mito da democracia racial, continuava a ser veiculado
pela política cultural do Poder Militar, a qual buscou também cooptar a adesão das agremiações.
Numa época de grande repressão política e ideológica, o Regime Autoritário exerce
40

intenso controle sobre a produção e a circulação de bens culturais, do qual não escaparam os
sambas de enredo, ainda mais quando alcançaram maior divulgação, ao ingressarem na indústria
fonográfica (Cavalcanti, 1994, p. 27). Por isso, alguns sambas veiculavam uma exaltação ao
discurso do sincretismo e da mestiçagem, que serviram à normatização da esfera cultural,
construindo um discurso sob a égide da aculturação, “na qual ilusoriamente não se manifestariam
relações de poder” (Ortiz, 1986, p. 95). As divisões hierárquicas eram contornadas, nesta
ideologia do sincretismo que abafa as contradições propondo uma sociedade harmônica, sem
preconceito de raça/etnia ou classe. Esta ideologia foi muito bem utilizada pela política cultural
do regime militar, entrelaçada com o fervor ufanista.
No discurso dos sambas apresentados, verificou-se que a questão da resistência identitária
dos negros é atravessada fortemente pelo fator religioso. Bastide (1971) aponta, historicamente,
para a importância da religiosidade na resistência dos africanos à escravidão, ao afirmar que
“para esse negro abandonado a si mesmo em um mundo hostil (...) a religião permitia reencontrar
a segurança perdida mediante a participação num outro sistema de comunhões sociais” ( p. 518) .
O candomblé, uma das principais representações dos cultos africanos no Brasil, também
alcançou importante local de expressão no carnaval do Rio de Janeiro. Na década de 70, auge da
repressão militar, ganham força os sambas que abordavam a temática denominada “afro-bahia”,
enquanto decaíam sambas que falavam de temas patrióticos. A pioneira na abordagem dos “temas
marginais da História” (Augras, 1998, p.90) foi a escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, que
já na década de 1960, inovou com a tendência de africanidade nos enredos, que tratavam de
costumes, lendas e mitos do “continente negro”. Mesmo com toda a visibilidade angariada, as
práticas culturais africanas ainda eram consideradas temáticas marginais.
Desta forma, os anos 1970 são vistos como a "época dourada" da exaltação das religiões
afro-brasileiras no discurso dos sambas de enredo, vistas pelo Movimento Negro como expressão
de singularidade cultural e fator de resistência e negação da dominação colonial, segundo M.
Souza (2001, p. 83). O candomblé da Bahia, com seu culto aos orixás, aparece nos sambas do Rio
de Janeiro como sinônimo de africanidade "autêntica".
No entanto, esta tradição religiosa não traduz a totalidade da experiência religiosa africana
existente no Brasil; antes, designa o resultado da redefinição cultural por que tiveram de passar as
mais diversas "nações africanas" no contato com colonizador europeu e também com africanos
das mais diversas etnias. Formou-se, também, uma rede de solidariedade entre africanos e
41

crioulos, que se fazia expressar, em termos religiosos, pela reunião de divindades africanas e
santos católicos no mesmo espaço de culto: o terreiro. Perseguidas pelas autoridades como
práticas bárbaras, as religiões afro-brasileiras consistiram também em resistência ao controle
social exercido sobre os negros, escravos ou libertos (Vainfas, 2002 p. 115).
Deste modo, a matriz nagô-iorubá do candomblé ainda constitui inegável elemento de
afirmação das raízes culturais negras, herança dos negros baianos desta “nação” que migraram
em quantidade considerável para o Rio de Janeiro no final do século XIX, em busca de melhores
condições de vida. Aqui, ocuparam localidades como Gamboa, Santo Cristo e Saúde, que
constituíram a chamada "Pequena África", berço da samba carioca. Nestes bairros, a cultura nagô
fincou raízes e deixou indelevelmente a sua contribuição na formação da identidade étnica do
negro do Rio de Janeiro, ao se projetar até os nossos dias, nos terreiros e nos sambas, num
processo de constante ressignificação. Por sua vez, a realeza das divindades iorubanas é
apresentada em diversos sambas, como “A festa dos deuses afro-brasileiros” (Baianinho):

1974 / Em Cima da Hora

Desde o tempo do cativeiro


A magia imperou
Os negros vieram da África
Com sofrimento e dor

E chegando à Bahia
Bahia de São Salvador ô ô ô
Os negros pediam aos deuses
Para amenizar a sua dor
Nas noites de lua cheia
Eles cantavam com fervor
(...)
Nas noites de magia
Pretos velhos festejavam
O grande mestre Oxalá
E a rainha Iemanjá

E também em “Logun-Edé, Príncipe de Efã” (Dimas Cordeiro, Capelo e Pipico), o qual


faz parte de uma série de sambas que mostram a riqueza do universo mítico-religioso da matriz
cultural iorubá, com seus reis, príncipes e princesas:

1977 / G.R.E.S. Arranco


42

No Reino de Oxalá
O príncipe de Efan
Xangô ficou encantado
E o fruto do amor proibido
Assim foi perdoado
(...)
Ô saravá, ô saravá
A minha fé, a minha fé
Salve o escravo africano
Que trouxe pro Brasil
O candomblé

Assim como ocorre em “Do yorubá à luz, a aurora dos deuses” (Renato Verdade):

1978 / Acadêmicos do Salgueiro

(...)
E quando os tumbeiros aportaram,
reis, heróis e deuses de iorubá
em seu novo mundo aclamaram
Xangô seu pai no Axé-opô-afonjá
E os pretos velhos da Bahia
ainda seguem seus antigos rituais,
usando a mais pura magia
nos terreiros de famosos babalorixás.

Saruê! Baiana, iorubana,


de saia amarrada co’a paia da cana

E “Criação do mundo na tradição Nagô” (Neguinho da Beija-Flor):

1978 / Beija-Flor

Raiou o luar
Vou entoar um canto de alegria
Três princesas africanas na sagrada Bahia
Iyá-Kalá, Iyá-Detá, Iyá-Nassô
Cantaram assim a tradição nagô
(...)

Por fim, o samba “Valongo” (Djalma Sabiá), além de mencionar a diversidade de etnias
provenientes da África, também narra a busca pela reconstrução de uma identidade após a
diáspora e as vicissitudes do cativeiro. De rei na África, o negro passa a escravo em terras
brasileiras; não é por acaso que o cais do Valongo, porto de desembarque e venda de escravos, é
tomado como uma espécie de limiar entre a origem africana e a integração no contexto brasileiro,
sob a condição cativa. A epopéia dos negros escravizados de diversas etnias não estaria
43

concluída, pois “as lutas para a sua integração” ainda estariam em curso, através dos afro-
descendentes que “desenvolvendo esta Nação” dão continuidade ao processo de construção
identitária.

1976 / Acadêmicos do Salgueiro

Lá no seio d’África vivia


Em plena selva o fim de sua monarquia.
Terminou o guerreiro
No navio negreiro,
Lugar do seu lazer feliz.
Veio cativo povoar nosso país,
Seguiu do cais do Valongo,
No Rio de Janeiro,
Com suas tribos chegando.
Foi o chão cultivando
Sob o céu brasileiro.
Nações Haussá, Gegê e Nagô,
Negra Mina e Ângela,
Gente escrava de Sinhô.
Foram muitas suas lutas
Para integração,
Ainda hoje
Desenvolveu
Desenvolvendo esta Nação,
Sua cultura, suas músicas e danças
Seúnem aqui suas lembranças.
(...)

Com o passar do tempo e a redemocratização do país, as escolas de samba passaram a


tratar dos temas nacionalistas de forma mais crítica, muitas vezes satirizando as figuras históricas
tradicionais. Todavia, o monarca D. Pedro II, ainda que voltasse a aparecer pouquíssimas vezes
no discurso dos sambas de enredo, como em “Um monarca na fuzarca” (Meia Noite, Jurandir,
Gil Azeitona, Mestre Arerê, Tunico do Pandeiro, Serginho da Ilha e César Som Livre), a imagem
idealizada do Imperador parece não ter desaparecido por completo:

2000 / Paraíso do Tuiuti


(...)
E ainda adolescente
D. Pedro é coroado
Imperador
Mecenas das artes,
Explosão cultural
Resgata a imagem do índio, que antes esquecido
Como herói nacional
44

Assim como Isabel continuaria associada à mãe dadivosa, que concedeu a “redenção
negra”; é desta maneira que ela surge, num samba dedicado à luta dos negros islamizados que se
insurgiram, “Ilê Saim à Nação Malê” (Samuel, Rocha e Sereno):

2003 / Mocidade Independente de Inhaúma

(...)
Abalou, os pilares da nobreza
O sacrifício não foi em vão
Pra conquistar um ideal
Outros guerreiros surgirão
Salve o Rei! Manuel Congo
Crioula Mariana, ousadia e valentia
Indo em busca de um sonho
Mas a voz não se calou, hoje eu canto uma exaltação
Glórias a princesa que afinal, assinou a redenção

Apesar do corpus da pesquisa ser formado por sambas das décadas de 1960 e 1970,
acreditamos que uma breve relação com alguns sambas atuais é necessária, visto que o estudo
crítico do passado implica numa relação com o contexto presente.
Nos anos 2000, constatamos ainda uma grande quantidade de sambas de exaltação às
raízes africanas, principalmente de realezas negras; estas são apresentadas como figuras
fortemente associadas à resistência, uma alusão ao constante esforço empenhado pela
comunidade negra no sentido de afirmar uma identidade étnica afro-centrada e construir uma
sociedade realmente pluricultural (Munanga, 2004, p. 118), ao invés de um modelo
homogeneizador de identidade nacional, historicamente construída em bases eurocêntricas e que
busca diluir as identidades dos grupos dominados. Calcada num paradigma civilizatório que
desqualifica a diferença e impõe a democracia racial, a identidade produzida no “cadinho das
raças” ainda persiste no discurso de alguns sambas, como “A Mangueira traz os Brasis do Brasil,
mostrando a formação do povo brasileiro” (Lequinho, Jr. Fionda, Gilson Bernini e Gusttavo
Clarão):

2003 / Mangueira

Deus me fez assim filho desse chão


Sou povo, sou raça... miscigenação
(...)
O branco aqui chegou
45

No paraíso se encantou
Ao ver tanta beleza no lugar
Quanta riqueza pra explorar
Índio valente guerreiro
Não se deixou escravizar, lutou...
E um laço de união surgiu
O negro mesmo entregue à própria sorte
Trabalhou com braço forte
Na construção do meu Brasil

É sangue, é suor, religião


Mistura de raças num só coração
Um elo de amor à minha bandeira
Canta a Estação Primeira

A pluralidade também se manifestaria na própria herança cultural africana, da qual


participaram diversas etnias e contou com uma singularidade ainda mais rica ao ser reformulada
no Brasil. Grande exemplo desta riqueza é mostrado em "África: Do Berço Real à Corte
Brasiliana" (Cláudio Russo, J. Velloso, Gilson Dr., Carlinhos do Detran):

2007 / Beija-Flor

(...)
Oh! Majestade negra, Oh! Mãe da liberdade
África: O baobá da vida Ilê Ifé
Áfricas:Realidade e realeza, axé
Calunga cruzou o mar
Nobreza a desembarcar na Bahia
A fé nagô-yorubá,
Um canto pro meu orixá tem magia
Machado de Xangô, Cajado de Oxalá
Ogum yê, o onirê, ele é Odara

(...)
Zumbi é rei
Jamais se entregou, rei guardião
Palmares hei de ver pulsando em cada coração
Galanga pó de ouro e a remissão enfim
Maracatu chegou rainha ginga
Gamboa, a pequena África de Obá
Da Pedra do Sal viu despontar a Cidade do Samba
Então dobre o run
Pra Ciata d`Oxum imortal
Soberana do meu carnaval na princesa nilopolitana
Agoye o mundo deve o perdão
A quem sangrou pela história
Áfricas de luta e de glória

Sou quilombola Beija-Flor


Sangue de rei, comunidade
46

Obatalá anunciou
Já raiou o sol da liberdade

Aqui, as sagas de realezas negras das mais diversas origens, sejam as realezas divinas dos
orixás iorubanos, o conhecido Rei Zumbi ou polêmico D. Obá II d’África, herdeiro do trono de
Oyó, amigo de D. Pedro II e “reverenciado por escravos, libertos e homens livres de cor”(Silva,
1997, p. 18), imprimem sua marca na construção de uma identidade étnica afro-centrada, que se
reconfigura no discurso da atualidade que apresenta o negro lutador e protagonista de sua propria
história.

CONCLUSÃO
47

Através da análise do discurso dos sambas de enredo das décadas de 1960 e 1970
buscamos evidenciar, a partir da consideração de diversos atravessamentos políticos, ideológicos
e culturais, o papel das figuras ligadas à Monarquia na configuração da identidade étnica do
negro do Rio de Janeiro.
O samba, tido como sinônimo de expressão popular, constantemente se apropria de
cânones da historiografia oficial; esta apropriação, todavia, pode vir a reproduzir as ordens de
discurso hegemônicas, ou ao contrário, contestá-las, a partir de uma fala de resistência, que surge
nas bordas do discurso oficial. A afirmação da identidade negra nos sambas inicialmente se
processou à sombra dos grandes vultos nacionais, mas acabou por conquistar o seu lugar em meio
ao discurso civilizatório da unidade nacional, que ainda opera sob o primado biológico e cultural
do branco, disfarçado de miscigenação democrática.
Desta forma, o negro ignorado no discurso nacionalista do século XIX e retratado como
escravo passivo nos tradicionais manuais de História rompeu o silêncio e, num longo processo de
lutas, se articulou em militâncias em prol da valorização da negritude e da igualdade de
oportunidades, reivindicações que continuam até os dias atuais com os movimentos negros
contemporâneos.
Porém, se a construção da identidade étnica implica no estabelecimento de um contraste e
de uma diferença, vemos que o “enigma da negritude” persiste no Brasil, onde a linha que separa
a classificação entre brancos e negros é móvel, variando de acordo com fatores como status
socioeconômico e nível educacional (Nogueira, 1985, p. 6 como citado em Munanga, 2004,
p.96). A herança da ideologia do branqueamento, ainda presente no discurso dos sambas de
enredo, evidencia o caráter contextual das construções identitárias: ambivalentes, fluidas, que se
fazem notar em sambas que ora afirmam enaltecidamente a negritude, ora contemporizam com a
mestiçagem.
Assim é preciso resistir às formulações que pretendem encarcerar a identidade negra
numa concepção monolítica e atemporal, visto que a ambivalência seria inerente ao processo de
construção identitária: a história do negro no Rio de Janeiro seria ao mesmo tempo formada por
negociação e conflito, continuidade e ruptura, congraçamento e transgressão. Nas relações de
poder assimétricas estabelecidas ao longo da história, o negro que foi visto como o “outro”
obscuro consegue pela resistência inventar e reinventar a si mesmo, através de “todo um campo
de respostas, reações, resultados possíveis”, pois que “a resistência é ela mesma uma ação nas
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relações de poder” (Barros & Josephson, 2005, p. 443).


Apesar dos esforços para a formação de uma consciência coletiva acerca da exploração
histórica, refletida nas desigualdades sociais que assolam a população negra, a “solução” do
branqueamento continuaria atuando como um “'pano de fundo ideológico' sobre o qual outros
discursos, outras concepções entre 'branco' e 'negro' vão se sedimentando" (Hofbauer, 2003, p.
65). A ideologia da unidade ainda se faz presente, ao pretensamente retratar o negro integrado no
“cadinho das raças”, enquanto em realidade, por herança histórica, continua explorado,
marginalizado e desvalorizado.
O Rio de Janeiro, que mostra para todo o mundo o samba e a mulata como seus símbolos
tradicionais, trata a negritude como uma colcha de retalhos, na qual determinados motivos são
realçados, outros desfeitos, em função das constantes negociações por que passam os
posicionamentos identitários e a própria cultura, mas que também envolvem relações de poder.
Por isso, o ambiente de congraçamento do carnaval é também o espaço de confirmação de
pertencimento a uma origem, pois apesar da inegável "mestiçagem" na origem do samba carioca,
a matriz cultural negra está presente, sempre ressignificada na multiplicidade dos fatores políticos
e ideológicos, fundamentais para se compreender a dinâmica identitária.
Portanto, passado e presente estão imbricados na configuração da identidade étnica do
negro carioca e, entre as contingências históricas, a divulgação da cultura africana através da
maior manifestação cultural popular do planeta teria permitido não apenas o surgimento do
"negro como espetáculo" (PINTO, 1998, p. 10), mas o negro protagonista de sua história; não
apenas o folião, mas o negro conhecedor de seu passado e crítico de seu presente, com
possibilidade de transformar o futuro.

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