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Cinthia de Souza2
Resumo: Resgatando parte do debate econômico existente ne heterodoxia acerca das causas
da desindustrialização na economia brasileira, este artigo tem como principal objetivo analisar os
impactos da taxa de câmbio real, do grau de abertura financeira e da formação bruta de capital fixo
na redução da participação da indústria no PIB brasileiro no período de 2001 a 2019. A variável
taxa de câmbio real foi incluída para analisar o impacto dos preços relativos na desindustrialização,
buscando avaliar o argumento dos novo-desenvolvimentistas de que o câmbio sobrevalorizado é
principal causa da queda da participação industrial no PIB. A abertura financeira foi introduzida a
fim de avaliar uma possível relação entre a liberalização financeira e a desindustrialização. Já a
formação bruta de capital fixo foi introduzida como forma de avaliar o impacto do elemento mais
dinâmico da demanda agregada na variável dependente. A um nível de 10% de significância, os
resultados sugerem que uma taxa de câmbio real impacta negativamente na participação industrial,
enquanto a relação entre investimento e participação da indústria no PIB é positiva. O grau de
abertura financeira não demonstrou significância estatística.
Palavras-chave: Desindustrialização; Taxa de câmbio; Financeirização; Formação Bruta de
Capital Fixo.
1
Trabalho apresentado à disciplina de Econometria no curso de Mestrado em Teoria Econômica da UNICAMP no ano
de 2019.
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Mestranda em Teoria Econômica na UNICAMP.
1. TEMA, OBJETIVOS E HIPÓTESES
Este trabalho tem como objetivo realizar um estudo econométrico a fim de analisar o impacto
das variáveis taxa de câmbio real, formação bruta de capital fixo e grau de abertura financeira sobre
a trajetória decrescente da indústria de transformação no PIB brasileiro dos anos de 2001 a 2019.
Nas últimas décadas, tem-se observado uma tendência geral de queda da participação do
valor agregado da manufatura no valor agregado total, bem como no emprego deste setor
relativamente ao emprego total. Nos países desenvolvidos esta redução na parcela relativa do valor
agregado foi, entre os anos de 1970 a 2018, de 17,2 para 15,7%, enquanto o emprego se reduziu de
27,2% para 13,4% de 1970 a 2010. Nos países em desenvolvimento a participação relativa do setor
manufatureiro no valor agregado manteve-se em torno de 15% no período analisado, todavia houve
uma grande heterogeneidade entre tais países. Enquanto na Ásia houve um aumento de 13,0% para
22,3%, na América Latina houve uma queda de 18,3% para 14,6% (Peres et al, 2018).
Ainda que a desindustrialização esteja presente em países de distintos níveis de
desenvolvimento, tal processo ocorre de forma diferenciada entre os mesmos. Enquanto nos países
desenvolvidos a queda relativa da produção manufatureira está relacionada a um nível de elevado
progresso técnico, que a partir de determinado padrão passa a se mover no sentido de expandir,
modernizar e diversificar os serviços mais que a agricultura e a indústria, no caso de países
periféricos como o Brasil ocorre algo distinto (Cano, 2012). No Brasil, o processo de
desindustrialização se iniciou quando a economia encontrava-se em um nível de renda per capita
inferior ao observado nos países em desenvolvimento, sendo por vezes denominada de
“desindustrialização precoce” (Oreiro e Feijó, 2010).
O Brasil foi um dos poucos países da América Latina que conseguiu ultrapassar fortemente
a produção de bens não duráveis de consumo, internalizando em razoável medida o setor de bens
de consumo duráveis e de bens de capital, o que foi posto em prática por robustos planejamentos
estatais principalmente durante as décadas de 1950 a 1970. Na década de 80 e principalmente a
partir das reformas neoliberais da década de 90 essa trajetória mudou radicalmente, o que veio
acompanhado de uma queda progressiva da participação da indústria de transformação no PIB. Essa
trajetória descendente se mantém até a atualidade, de forma que no final de 2001 a participação da
indústria de transformação no PIB foi de 13,02%, passando para 10,17% do PIB no segundo
trimestre de 2019. Durante este período, a trajetória de queda da participação industrial parece se
acelerar a partir da crise de 2008, conforme pode-se visualizar no gráfico 1.
Gráfico 1
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13
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11
10
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2002.III
2005.III
2008.III
2011.III
2014.III
2017.III
2004.I
2007.I
2010.I
2013.I
2016.I
2019.I
2003.II
2004.IV
2006.II
2009.II
2012.II
2015.II
2018.II
2001.IV
2007.IV
2010.IV
2013.IV
2016.IV
Fonte: Contas Nacionais Trimestrais – IBGE
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Os autores discordam da nomenclatura “desindustrialização”, mas argumentam a respeito das causas do
arrefecimento da produção industrial. Neste trabalho parte-se do pressuposto de que a redução da participação da
indústria de transformação no PIB é causa e manifestação da desindustrialização.
limitando a capacidade do Estado em formular, dentre outras políticas, as políticas industriais. Outra
hipótese subjacente a esta pesquisa é a de que a formação bruta de capital fixo é um elemento central
para compreender a evolução da participação da indústria de transformação no PIB. Por fim, nossa
última hipótese é de que a sobrevalorização da taxa de câmbio não está necessariamente relacionada
com um aprofundamento da desindustrialização. Isso ocorre, dentre outros fatores, porque o
dinamismo industrial no Brasil depende da capacidade para importar; e também porque o efeito da
taxa de câmbio impacta sobre os preços relativos e possui um efeito imediato expansionista. Desta
forma, a taxa de câmbio tem uma influência contraditória no desenvolvimento industrial brasileiro:
a particularidade de nossa industrialização implique que por um lado a desvalorização dificulte a
importação de bens necessários a nossa indústria, restringindo-a; mas por outro lado impõe
limitações a este crescimento pelas mesmas razões.
2. REVISÃO TEÓRICA
Nesta seção será exposto alguns dos debates existentes na heterodoxia da teoria econômica
sobre o fenômeno da desindustrialização no Brasil. Serão discutidas três visões principais: os novo
desenvolvimentistas, que colocam o enfoque da causa da desindustrialização nos preços
macroeconômicos, em especial na sobrevalorização cambial; a visão de Serrano e Summa (2012)
que afirma ser a queda do investimento a principal causa da redução da participação da indústria no
PIB. Por fim, serão demonstrados argumentos que apontam a importância da financeirização, da
abertura econômica e da desregulamentação como fontes explicativas da desindustrialização.
As ideias de Serreno e Summa (2012) explicitam uma visão totalmente diferente da anterior
acerca das causas da redução da participação da indústria no PIB. Para os autores, a sobrevalorização
cambial é superestimada na visão teórica dos novo desenvolvimentistas na interpretação das causas
da desvalorização. A perda de participação da indústria de transformação está fundamentalmente
relacionada com o nível de investimento público e privado, principalmente a formação bruta de
capital fixo. Os teóricos argumentam ainda que a indústria cresceu nos momentos em que a taxa real
de câmbio estava apreciada e que a valorização foi expansionista durante os anos 2000, por impactar
positivamente nos salários reais. Ainda que a taxa de câmbio sobrevalorizada possa limitar a
competitividade da indústria tal efeito é incerto, há outros fatores que são determinantes para a
produção industrial. No curto prazo, sempre que a taxa de investimento da economia aumentar é
esperado que a produção industrial aumente mais que proporcionalmente aos demais setores; já
quando há uma queda na taxa de investimento o provável é que ocorra o oposto. Desta forma, é a
redução na taxa de crescimento dos investimentos públicos e privados a principal causa da
desaceleração da produção da indústria de transformação. Como o investimento privado depende
da demanda efetiva, esta visão indiretamente coloca ênfase no papel da demanda e
consequentemente do investimento público como propulsores da industrialização.
Por fim, Peres et al (2018) enfatiza como um dos fatores passíveis de serem responsáveis
pela desindustrialização a abertura financeira e a consolidação da financeirização. A explicação
coloca ênfase na limitação das políticas econômicas no contexto da liberalização financeira, que
viria a limitar a execução de políticas industriais. O preço de variáveis como a taxa de juros e de
câmbio passou a se tornar nesse cenário não o reflexo de políticas ativas, mas sim de fatores
externos, onde o papel dos movimentos especulativos e das finanças é grande. Haveria, portanto,
uma priorização da acumulação financeira em detrimento de investimentos produtivos que teria
contrubuído para um cenário de grande instabilidade, de estagnação da demanda agregada e como
consequência, para a desindustrialização. Tal perspectiva compartilha com algumas das
contribuições abordagem da “hierarquia monetária” (Prates, Biancarelli) para explicar a fragilidade
na autonomia das políticas econômicas nos países periféricos. A fragilidade das políticas
econômicas frente ao cenário da liberalização foi evidenciada por Rey (2015), que explica que a
autonomia das políticas econômicas fica fragilizada sob o contexto de abertura comercial e
financeira. Na visão de Prates (2005) tal fragilidade é ainda maior para os países periféricos como
o Brasil, onde a posição de sua moeda em um nível baixo da hierarquia monetária implica em
assimetrias financeiras e macroeconômicas que limitam a autonomia das políticas econômicas. Há,
na visão destes autores, uma ligação estreita entre financeirização, liberalização e perda de
autonomia da política econômica. Sugere-se neste artigo, assim como Peres et al (2018) que tais
limitações de políticas podem ser relevantes na explicação da desindustrialização.
3. METODOLOGIA
Esta seção tem por objetivo fazer uma análise do modelo proposto a partir da abordagem
teórica anteriormente exposta. A caracterização da metodologia utilizada compreende a exposição
e detalhamento dos dados, a descrição do modelo e dos testes aplicados, bem como a análise dos
resultados. Com a suposição de que todas as variáveis são exógenas, utilizou-se um nível de
significância de 10%. Toda a metodologia foi realizada no programa R Studio em sua versão
1.2.1335. A relação que se estabelece a priori é a ilustrada pelo Modelo 1.
Modelo 1
Log(IndTransf) = θ + β1Log(Câmbio) + β2Log(FBKF) + β3Log(AbertFinan) + ut
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Ou seja, Grau de abertura financeira=(Estoque de ativos+ Estaque de passivos)/(Exportações + Importações). Tal
forma de mensurar a abertura financeira foi retirada de Lane e Milesi-Ferreti (2007).
acordo com Wooldridge (2006) a estacionariedade das variáveis é importante para que as
distribuições e os parâmetros sejam identificados estavelmente ao longo do tempo.
A função de autocorrelação de todas as séries temporais analisadas parecem indicar a
presença de não estacionariedade. Para confirmar a presença de raiz unitária foi utilizado o método
ADF (Augmented Dickey-Fuller), testando a hipótese nula de presença de raiz unitária em cada
variável.
A série “Ind Transf” apresentou os seguintes resultados para o teste ADF, no modelo com
tendência:
Modelo “trend”
Assim, o valor de -2,95 está fora da zona crítica a 10% de significância e não é possível
rejeitar a hipótese nula de não estacionariedade.
Aplicando o teste para o modelo com drift, novamente não se pode rejeitar a hipótese nula:
Modelo “drift”
Por fim, realizando o teste apenas com uma defasagem, confirma-se que a série é não
estacionária:
Modelo “none”
Modelo “trend”
Modelo “drift”
Modelo “none”
Modelo “trend”
Modelo “drift”
Figura 8- Teste ADF para "FBKF", "drift"
Modelo “none”
Por fim, a série “AbertFinan” também apresenta todos os valores estatísticos de teste fora
da região crítica, sendo não estacionária:
Modelo “trend”
Modelo “drift”
Modelo “none”
Figura 12 - Teste ADF para "Abert Finan", "none"
Desta forma, todas as séries analisadas são não estacionárias e é necessário calcular a
primeira diferença das séries e novamente realizar o teste de raiz unitária para confirmar se a
primeira diferença das séries é estacionária.
Aplicando o deste para a primeira diferença da série “Ind Transf”, percebe-se que o valor
teste está na região crítica e é possível rejeitar h0, logo a série é estacionária:
Modelo “trend”
Figura 13 - Teste ADF para primeira diferença de " Ind Transf", "trend"
Modelo “trend”
Modelo “trend”
Figura 15- Teste ADF para primeira diferença de " FBKF", "trend"
Desta forma, conclui-se que o modelo preliminar deve ser alterado, a fim de corrigir a não
estacionariedade das séries através de suas diferenças. O modelo a ser trabalhado deve ser o
seguinte:
Modelo 2
∆Log(IndTransf) = θ + β1∆Log(Câmbio) + β2∆Log(FBKF) + β3∆Log(AbertFinan) + ut
Após a aplicação do teste ADF, foi testada a inserção de defasagens na variável Câmbio a
fim de analisar impactos que demoram de um a três trimestre para impactarem no câmbio.
Introduzindo três defasagens e testando a significância conjunta das mesmas obteve-se o resultado
de que não é possível rejeitar a hipótese nula de que as variáveis defasadas são conjuntamente
insignificantes. Portanto, optou-se por não incluir no modelo as defasagens do câmbio.
Aplicou-se o teste Jarque-Bera para testar a normalidade dos resíduos. A hipótese nula de
normalidade foi rejeitada e portanto os resíduos não possuem distribuição normal.
Por fim, foi realizado um teste para verificar a presença de autocorrelação dos resíduos
AR(1). Ao analisar o gráfico da dispersão dos resíduos pela sua defasagem, não é evidente a priori
a existência de autocorrelação serial, pois não há um padrão visível entre os resíduos e suas
defasagens, como pode ser observado no gráfico 2.
Gráfico 2
A análise gráfica é pouco confiável, sendo necessário realizar um teste para detectar a
autocorrelação dos resíduos. A presença de heterocedasticidade faz com que seja necessário realizar
um teste de autocorrelação a partir de uma regressão dos resíduos com estimadores robustos. Isso
foi feito utilizado o teste Autocorrelação dos resíduos AR(1), como proposto em Wooldridge (2006).
Primeiro, realizou-se a estimação dos resíduos do modelo. Posteriormente, realizou-se a regressão
dos resíduos em relação a primeira defasagem destes mesmos resíduos. Como a nossa regressão é
heterocedastica, é necessário realizar tal procedimento utilizando estimadores robustos na busca de
minimizar os efeitos da heterocedasticidade na análise. O resultado do p-valor desta regressão foi
0,11, desta forma não pode-se a 10% de significância rejeitar h0. Ou seja, não é possível rejeitar a
hipótese nula de que os erros não são autocorrelacionados.
Após todos os testes terem sido realizados, é possível através dos estimadores robustos
corrigir o problema da heterocedasticidade. Tal método reformula os erros padrão de cada
estimativa, mantendo o valor dos parâmetros iguais ao método usual. Os resultados finais da
regressão podem ser analisados abaixo.
Após os ajustes, o R² do modelo é de 0,28, ou seja, as variáveis independentes explicam em
28% as variações na variável dependente. As variáveis “∆Cambio” e “∆FBKF”, que no modelo sem
a correção eram significativas a um nível de 1%, passam a ser significantes a um nível de apenas
10%. Já a variável “∆AbertFinan” que era significante a um nível de 5% deixa de ser significante
mesmo a 10% com os estimadores robustos.
Com relação a taxa de câmbio, o resultado sugere que uma desvalorização cambial atua
negativamente sobre a participação da indústria de transformação no PIB. Mais especificamente,
uma variação de 1% na primeira diferença cambial gera uma redução de 0,10% na primeira
diferença da participação da indústria de transformação no PIB.
Os resultados sugerem um impacto positivo do investimento na participação da indústria.
Uma variação de 1% na primeira diferença da Formação Bruta de Capital Fixo gera um aumento de
0,19% na primeira diferença da participação da indústria de transformação no PIB.
O grau de abertura financeira embora insignificante estatisticamente, apresenta uma relação
inversa com a participação da indústria de transformação no PIB.
4. CONCLUSÃO
Prates, Daniela Magalhães. "As assimetrias do sistema monetário e financeiro internacional." Revista de
economia contemporânea (2005).
Peres, Samuel Costa, et al. "Uma investigação sobre os determinantes da desindustrialização: teorias e
evidências para países desenvolvidos e em desenvolvimento." (2018).
Oreiro, José Luis, and Carmem A. Feijó. "Desindustrialização: conceituação, causas, efeitos e o caso
brasileiro." Brazilian Journal of Political Economy 30.2 (2010): 219-232.
Serrano, Franklin, and Ricardo Summa. "A desaceleração rudimentar da economia brasileira desde
2011." OIKOS (Rio de Janeiro) 11.2 (2012).
Rey, Hélène. Dilemma not trilemma: the global financial cycle and monetary policy independence. No.
w21162. National Bureau of Economic Research, 2015.