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UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E COMUNICAÇÃO


LETRAS

ANTONIO DONIZETI DA ROCHA JUNIOR - B9852A5


DANIEL CLEMENTE – C2396A5
DIEGO HENRIQUE SOTO ALVES SOARES C37DBB1
LUCAS MATHEUS STORONI – C24HEI5
LUCCA PIETROBON TIRICO – C367BJ3

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

O DISCURSO MIDIÁTICO NO FILME “V” DE VINGANÇA:


Aspectos Políticos e Discursivos na Criação de Inimigos

Professora Orientadora: Monica Oliveira Santos

CAMPUS SWIFT
CAMPINAS
2017
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Trabalho de conclusão de curso feito


por alunos do 8º e 7º semestres do
curso de Letras, sob a orientação da
Prof.ª Dra. Mônica Oliveira Santos

CAMPUS SWIFT
CAMPINAS
2017
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da UNIP
Campus II – Swift – Campinas/SP

8
D6117 O discurso midiático no filme V de vingança: aspectos políticos e
discursivos na criação de inimigos / Daniel Clemente. – Campinas, SP:
Universidade Paulista - UNIP, 2017.
84f.
Orientador: Profa. Dra. Monica Oliveira Santos.
TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) - Universidade Paulista – UNIP.
Instituto de Ciências Sociais e Comunicação. Faculdade de Letras.
Inclui bibliografia.
1. Análise do discurso. 2. Discurso midiático. 3. Manipulação da
mídia. 4. Letras. I. Santos, Monica Oliveira. II. Clemente, Daniel. III.
Rocha Junior, Antonio Donizeti da. IV. Soares, Diego Henrique Soto
Alves. V. Storoni, Lucas Matheus. VI. Tirico, Lucca Pietrobon. VII.
Universidade Paulista – UNIP. Instituto de Ciências Sociais e
Comunicação. Faculdade de Letras. VIII. Título.

CDU 8
ANTONIO DONIZETI DA ROCHA JUNIOR - B9852A5
DANIEL CLEMENTE – C2396A5
DIEGO HENRIQUE SOTO ALVES SOARES C37DBB1
LUCAS MATHEUS STORONI – C24HEI5
LUCCA PIETROBON TIRICO – C367BJ3

O DISCURSO MIDIÁTICO NO FILME “V” DE VINGANÇA:


Aspectos Políticos e Discursivos na Criação de Inimigos

Aprovado em 30/11/2017
Nota: 9,8

BANCA EXAMINADORA

___________________30/11/2017

Professora Doutora Mônica Oliveira Santos


Universidade Paulista – UNIP

____________________30/11/2017
Professora Doutora Tyara Veriato
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

____________________30/11/2017
Professora Doutora Karina
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
AGRADECIMENTOS

Agradecemos primeiramente aos nossos familiares pelo apoio e pela


compreensão do longo caminho que se dá ao realizar um trabalho de
conclusão de curso, às nossas mães que ajudaram financeiramente e
moralmente para que pudéssemos realizar algumas pesquisas e a impressão
deste trabalho de conclusão.
Aos chefes e diretores por serem flexíveis com os membros que trabalham, para
que fosse possível realizar anotações, pesquisas e adendos no meio do
expediente.
Agradecemos a orientadora Doutora Mônica Oliveira Santos, pelo apoio e pelo
incentivo a pesquisa, aos demais professores dos semestres anteriores, que
compreenderam que algumas vezes não era possível que ficássemos na sala
por conta do trabalho de conclusão.
Aos demais professores que tivemos a honra de estudar com, o nossa
profunda estima e consideração.
Aos funcionários e funcionárias da biblioteca, da coordenação e a todos os
servidores da Universidade Paulista – UNIP o nosso muito obrigado. Deixamos
aqui nossa estima e consideração a esta universidade pelo incentivo a pesquisa
dado desde o início do curso.
RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso apresenta uma análise discursiva de


específicos trechos do filme “V de Vingança”, uma obra baseada em uma HQ,
original da Marvel, o filme é dirigido pelo diretor James McTeigue e apresenta
inúmeras simbologias e aspectos discursivos pontuais a serem analisados.
A pesquisa deste trabalho é baseada principalmente em nos autores Eni Orlandi,
Michel Foucault, Michel Pecheux e Louis Althusser que por meio de obras que
refletem o funcionamento de Análise do Discurso Francesa, fundamentam a
análise dos específicos enunciados que foram selecionados para serem
interpretados conforme os princípios da Análise do Discurso Francesa, isto é,
com base nesta ciência, esta análise propõe e apresenta a interpretação desses
específicos enunciados, considerando principalmente a ideia de sujeito e
ideologia em sua relação com a exterioridade.
Portanto, por meio desta análise, constitui-se uma forma de interpretação que por
meio da Análise do Discurso, visa identificar a maneira como a mídia televisiva
apresentada no filme “V de vingança” tem o poder de formar ideias, construir
conceitos e promover impactos sociais que refletem na criação de inimigos, sejam
esses inimigos tanto da ideologia predominante que se opõe a um sistema já
instituído, como da ideologia que resiste a esse sistema. A partir disso,
consideramos a relevância da análise ao propormos por meio desta, a percepção
das formações de sentidos que ao serem identificadas pelo ponto de vista da
Análise do Discurso Francesa, propõe o desenvolvimento do senso crítico do
interlocutor.

Palavras chave: Análise do discurso, Mídia, Filme, “V de Vingança”, Estudo,


Imagética.
ABSTRACT

This concluding work presents a discursive analysis of specific excerpts from


the film "V for Vendetta," a work based on an original Marvel comic book. The film is
directed by director James McTeigue and presents numerous symbologies and
punctual discursive aspects to be analyzed.
The research of this work is based mainly on the authors Eni Orlandi, Michel
Foucault, Michel Pecheux and Louis Althusser who through works that reflect the
work of Analysis of the French Discourse, base the analysis of the specific
statements that were selected to be interpreted according to the principles of French
Discourse Analysis, that is, based on this science, this analysis proposes and
presents the interpretation of these specific statements, mainly considering the idea
of subject and ideology in its relation to externality.
Therefore, through this analysis, it is a form of interpretation that, through
Discourse Analysis, aims to identify the way the television media presented in the
film "V of revenge" has the power to form ideas, construct concepts and promote
impacts social relations that reflect in the creation of enemies, are these enemies of
both the predominant ideology that opposes an already established system and the
ideology that resists that system. From this, we consider the relevance of the
analysis by proposing, through this, the perception of the formations of meanings
that, when identified from the point of view of the French Discourse Analysis,
proposes the development of the critical sense of the interlocutor.

Keywords: Discourse Analysis, Media, Film, "V for Vendetta", Study, Imagery.
SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS...............................................................................................3
RESUMO..................................................................................................................4
ABSTRACT..............................................................................................................5
INTRODUÇÃO.........................................................................................................6
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.............................................................................16
ANÁLISE DO DISCURSO E CONCEITOS GERAIS............................................ 16
IDEOLOGIA E APARELHOS IDEOLÓGICOS DO ESTADO...............................27
IDEOLOGIA............................................................................................................28
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E INTERDISCURSO........................................... 29
FORMAÇÕES DISCURSIVAS IMAGINÁRIAS E IDEOLÓGICAS....................... 32
INTERPELAÇÃO DO SUJEITO PELA IDEOLOGIA............................................ 34
PARÁFRASE E POLISSEMIA.............................................................................. 36
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..............................................................38
OBJETIVOS DA PESQUISA:................................................................................38
FICHA TÉCNICA DAS PERSONAGENS..............................................................41
ANÁLISE................................................................................................................47
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E INTERDISCURSO........................................... 51
CONTEXTO IMEDIATO, CONTEXTO AMPLO E INTERDISCURSO..................51
ESQUECIMENTOS................................................................................................53
PARÁFRASE E POLISSEMIA.............................................................................. 55
RELAÇÕES DE FORÇA E RELAÇÕES DE SENTIDOS, ANTECIPAÇÃO:
FORMAÇÕES IMAGINÁRIAS...............................................................................56
FORMAÇÕES DISCURSIVAS.............................................................................. 59
IDEOLOGIA E SUJEITO........................................................................................60
O SUJEITO EM SUA FORMA HISTÓRICA.......................................................... 61
INCOMPLETUDE: MOVIMENTO, DESLOCAMENTO E RUPTURA...................62
CONCLUSÃO.........................................................................................................81
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................83
6

INTRODUÇÃO

Não é possível lidar com a materialidade do filme V de Vingança, na posição de


telespectador do ano de 2017, sem considerar seu trabalho no campo simbólico,
como objeto ressignificado. É a transformação constatável do que o filme era em
sua forma de adaptação no ano de 2006 e como o discurso presente nele circulou
o ambiente social nas feições de Guy Fawkes, ao ponto de se tornar um dos mais
populares, se não o maior símbolo dos protestos brasileiros do ano de 2013.
A adaptação para o cinema em 2006 foi um potencializador para o alcance da
história do conspirador mascarado e a identidade ambígua de herói
– Ou terrorista, em seu aspecto demonizado – Convergiu com os paradigmas
modernos de temor ao ditatorial, briga por liberdade dentro de um novo estilo de
vida cujas ideologias aparentam muitas vezes, serem arquitetadas por marketing
predatório e jornalismo parcial, o terrorismo e o que faz do terrorista
“um terrorista” num contexto de bombardeios mútuos.
Daí, a Análise do Discurso Francesa, proveniente do interesse em explorar uma
área mais específica da linguagem, no trabalho de compreender a língua
enquanto trabalho simbólico se faz eficaz e, mais que eficiente, como olhar diante
da materialidade do filme, em mediação entre a linguagem e a capacidade do
Sujeito de significar nas relações sociais, históricas e ideológicas em que está
envolvido. Essa mediação tem o poder tanto de fazer com que o meio em que se
vive permaneça como está, assim como tem poder de transformar a sociedade.
Isso é possível porque o trabalho simbólico do discurso está na base da produção
da existência humana, o homem em sua capacidade de produzir significado, faz o
emprego do discurso para expressar ideias que podem provocar mudanças ou
simplesmente manter sistemas socialmente estabelecidos.
Conhecer as etapas dos processos de Análise do Discurso permite a identificação
de ideias que são expressas no cotidiano, bem como a interpretação dessas por
meio de um ponto de vista crítico que problematiza uma série de questões sociais
no âmbito da construção das ideias e na compreensão de conceitos da
sociedade.
7

Especificamente, o discurso que parte das mídias (notícias de jornais, revistas,


televisão, etc.) atinge a massa, carregado com elementos que, direta ou
indiretamente, expressam ideias que se encaixam em relações de poder, estas
por sua vez, atreladas interdiscursivamente a ideologias derivadas de
acontecimentos históricos ou que se baseiam em ideologias já ditas e existentes,
como por exemplo, o fascismo. E tomando conhecimento dessas questões,
chega-se à conclusão de que a importância de partir da Análise do Discurso
Francesa como base para interpretar essas relações, deriva da necessidade de
aprimorar o senso crítico tanto do analista como de seus interlocutores, bem
como a relevância de se compreender os métodos de construção de conceitos e
criação de inimigos que se estabelecem na sociedade por meio do discurso.
Portanto a partir da consideração de que o emprego do discurso através das
mídias tem o poder de interferir no funcionamento do meio social, se insere neste
trabalho a importância de utilizar os mecanismos e métodos da Análise do
Discurso Francesa, para partirmos de um ponto de vista crítico com relação ao
discurso que é utilizado pela mídia em suas relações de poder e controle de
massa. E para prosseguir com essa observação, foi tomado como base material o
filme V de Vingança, que apresenta em seu todo um conjunto de discursos
impregnados de aspectos ideológicos que se expressam por meio de elementos e
conformidades simbólicas que serão analisadas no desenvolver do trabalho,
apoiado no método da Análise do Discurso Francesa, levando em consideração
como o filme carrega um contexto de forte apelo midiático televisivo e como esse
influi na sociedade.
O discurso no filme é apresentado por meio de diversos formatos e divide-se em
diversas categorias discursivas que no desenvolver desta análise serão
interpretadas de acordo com a metodologia da Análise do Discurso Francesa, por
isso, considera-se inicialmente de forma superficial, que o discurso no filme é
apresentado de maneira dicotômica ao partir da ideia de que este se divide em
discurso de poder “fascista” e discurso de resistência “anarquista”, entretanto a
análise não determina quem é o verdadeiro inimigo visto que o objetivo não é a
identificação do “herói”, mas a consideração do fato de que existe agressividade e
tentativa de persuasão no discurso de ambas ideologias que se apresentam no
filme por meio das falas, diálogos, das caracterizações de personagens e cenas
exibidas na televisão que ao interagir com os personagens é passível de
questionamentos que a Análise do Discurso Francesa pode apontar no objetivo
de observar a construção de inimigos.
A partir da exposição desta ideia de que a mídia (mais especificamente a
televisão) – No filme V de Vingança – Utiliza o discurso como meio de influir na
sociedade, o objetivo do trabalho é utilizar a metodologia da Análise do Discurso
Francesa para explicitar a forma como esse discurso tem o poder manipular
ideias e conceitos que refletem na criação de inimigos da sociedade. A finalidade
é, por meio deste apontamento, dissecar uma série de discursos que estão
presentes na mídia representada no filme, para revelar a composição das pistas
que se relacionam com diferentes ideologias e desta forma expor e até
“desmascarar” o discurso midiático para desconstruir do mesmo, a ideia de
transparência, ou seja, explicitar a forma como a tentativa de persuasão do
sujeito se faz presente nos entremeios do discurso.
Esse processo de exposição envolve apontar signos, relações de força, efeitos de
sentido e ideologias que devem ser problematizadas no intuito de mostrar que o
discurso midiático exerce influência no âmbito social, desmistificando ideais do
censo comum de impenetrabilidade, ou impermeabilidade, do espaço por parte de
um objeto visual, como é o caso do filme – Olhar que se manifesta, como já dito,
no se refazer da simbologia do filme nas ruas, em protestos e um levantar
sociopolítico-histórico.
A realização deste trabalho parte do princípio de que a influência social, exercida
pela mídia por meio do discurso, pode produzir determinados tipos de efeitos na
sociedade, seja promovendo o acesso à informação, à cultura, à educação ou até
mesmo provocando exclusão, incitando violência e discriminação contra grupos
sociais específicos. Portanto, a importância de pautar a criação de inimigos por
meio do discurso, origina-se da visão de que essas práticas de exclusão e
violência são fenômenos negativos em consequência do tendencioso e imparcial
uso do discurso, logo, basear-se no filme V de Vingança para esta análise, é
também uma forma de expor a forma como a criação do inimigo que permeia o
discurso, se faz presente nas entrelinhas do discurso midiático televisivo.
Como um todo, considerando o filme em seu formato, enredo e como adaptação
direta de histórias em quadrinhos, é possível ver em quê a materialidade
discursiva do filme pode possibilitar a análise. O personagem V é ativo em ações
tidas e lidas como terroristas por parte dos personagens, em geral concordantes
com aspectos ideológicos comuns ou que se repelem, mas mesmo assim se
manifesta potencialmente ao passo em que o contato de um ou mais
personagens o reconhecem e ressignificam sua postura, intenções e inclinações
ideológicas. O homem por trás da máscara é o idealizador de um levante contra
um regime autoritário e suas atitudes – Que vão da explosão de um monumento
histórico para reinscrevê-lo na história, até a invasão de uma emissora de TV,
para a circulação de um discurso que fomente esse levante gradativamente ao
longo da trama – Remetem à ambiguidade ao passo em que as pessoas
procuram desvendar a realidade desse sujeito e batem de frente com a seu
caráter ambíguo: de herói, terrorista, anti-herói, monstro, mito ou inimigo.
Muito antes da abordagem do herói, há um governo e como ele se estabelece. E
é exatamente esse governo, em muitos momentos, o responsável pela forma
como o personagem V será lido como ambíguo. Para compreender a forma como
esse governo existe e se faz, basta captar referências discursivas que o
comprovem e que dão forma a ele, o condicionam. A perseguição contra sujeitos
homossexuais motivadas por fundamentalismo religioso, conservadorismo,
núcleo de onde também se comprova o fascismo e tentáculos punitivos de
perseguição contra muçulmanos, ativistas políticos contrários ao autoritarismo,
artes e vários outros aspectos da vivência. Esse formato penetra a cultura
oprimida do filme e a limita de forma corrosiva e paralisante, sendo esses
processos de “subversão de ideias” um encontro de palavras que acha espaço no
processo de significação feito pelo sujeito que lida com o filme, que o consome,
considerando-se um espaço político atual permeado pelo medo e guerra ao
terror, onde o filme V de Vingança encontrou respaldos para um impacto cultural.
Esse impacto cultural é constatável ao olhar eventos, alguns deles de proporção
global, onde símbolos referentes ao filme são encontrados. Um exemplo comum:
os protestos de 2013. No final do filme, a população em acordo com o discurso de
V, toma as ruas, munido cada um da máscara icônica e enfrentam as forças
armadas – Em junho de 2013, no Brasil, ocorreram as chamadas Manifestações
dos 20 centavos, em que um aumento na tarifa de transporte público foi o estopim
que uniu a população nas ruas de inúmeras cidades do país com o mesmo lema:
“não é só pelos 20 centavos”. Entre os manifestantes, em meio a cartazes e
faixas de protesto, um objeto se tornou comum, a máscara de Guy Fawkes usada
pelo personagem V. E ela estava em todo lugar – Nas ruas, onde se
concentravam os manifestantes em confronto com a polícia militar, cobrindo seus
rostos ou em faixas, nos convites digitais do evento em redes sociais, em vídeos
na internet, em que mascarados faziam discursos contra o governo e a
corrupção, etc.
Um a um, dentro do enredo do filme, o governo vai construindo e moldando seus
inimigos: primeiro o inimigo está em outros países – Como o mencionado EUA –
E os riscos de ataques condicionam o medo da população inglesa do filme.
Depois esse inimigo está dentro, são esses os inimigos da igreja e seus valores,
do parlamento. Os homossexuais, muçulmanos, ativistas antifascistas, etc. Para
então V ser tomado como tal. E de terrorista a terrorista, o governo através da
mídia, demoniza diferentes personagens para reafirmar sua importância, para não
fazer o medo ser esquecido e assim, manter a população em um cárcere
ideológico, que a impede de se rebelar. Dentro desse caráter de encontrar um
inimigo e deque o padrão de inimigo atrelado à psique coletiva pode se encaixar
em variadas ocasiões, fica o questionamento sobre a solidez de um problema e
sua constatável, muitas vezes, imaterialidade.
No desenhar do enredo, além de V, há personagens com significados
interessantes e pertinentes como resposta à relevância dos aspectos da obra,
como no caso de Prothero, um representante da mídia na trama, em sua
particularidade na criação do inimigo. Sob a alcunha de “A Voz de Londres”, é o
apresentador de um modelo sensacionalista de jornalismo e pelo discurso
entusiástico que carrega as marcas de relevante perseguição do governo, quem
aponta os culpados, tudo de forma pautada e organizada pelas intenções
governamentais. Outro personagem é Evey Hammond, que protagoniza a história
ao lado de V. É através das situações que se sucedem após seu encontro com o
mascarado e o desenvolver de sua relação, que a personalidade dele se
desmistifica e as possibilidades do agir do personagem se concretizam, assim
como Eric Finch, o investigador, que trás à luz de interpretações o que o governo
esconde com o desenvolver de seu personagem, num modelo cujas cores e
aspectos trabalhados, remete à regimes totalitaristas históricos, como o nazismo.
A história passa uma mensagem que pede à análise, ser trazida à luz de suas
configurações e interdiscursividades que facilitam a uma coletividade
compreendê-la como palavra contra o obscurantismo ideológico, proposto pelo
fundamentalismo religioso e regimes autoritários de forma oscilante globalmente.
Encaixar em outros sugeridos momentos do texto, a questão das referências que
o filme carrega: no desenvolver do roteiro, o filme carrega em si múltiplas
referências apontadas pela crítica, que influem interdiscursivamente no seu
desenrolar. São inspirações históricas – A Conspiração da Pólvora de 1605, o
Terceiro Reich em 1943, a perseguição de homossexuais e judeus na Alemanha
nazista e em outros governos de seguimento nazifascista, os discursos de Adam
Sutler remete diretamente à eloquência discursiva de Hitler, referências à
suástica e o supremacismo branco com o imaginário do Fogo Nórdico – E da
política de sua época – Como o governo de George W. Bush nos Estados Unidos
da América (2001-2009), a Guerra do Iraque (2003). E literárias e artísticas de
modo geral: a imagem sugerida de V e sua personalidade não bebe apenas na
fonte do historicismo, como no caso da influência do conspirador Guy Fawkes
para constituição do personagem V, mas a saga de Edmond Dantès, de O Conde
de Monte Cristo (Alexandre Dumas, 1844), igualmente preso injustamente e
movido pela vingança em uma nova persona. Também elementos de Mil
Novecentos e Oitenta e Quatro (George Orwell, 1949) e o estado e vigilância, A
Trágica História do Doutor Fausto (Christopher Marlowe, 1588 ou 1592), O
Fantasma da Ópera (Gaston Leroux, 1909), na relação entre Evey e V, além do
uso da máscara em ambos os personagens em um cordão prosaico de tutorar a
personagem feminina em seu desenvolver intelectual. Sinfonia n.º 5 em Dó
menor Op. 67 (Ludwig Van
Beethoven, escrita entre 1804 e 1808) e a Abertura Solene Para o Ano de 1812,
ou apenas Abertura 1812 (Pyotr Ilyich Tchaikovsky, 1882).
Para atingir o objetivo de criação de consciência interpretativa, extraímos da
materialidade do filme, os principais enunciados que revelam tanto as formas de
opressão e relações de poder, como o discurso que resiste a essas ideias, pois a
materialidade discursiva do filme está carregada de elementos passíveis de
interpretação crítica.
Para esta análise, foram selecionados três principais enunciados que expressam
relações de poder e resistência, serão analisados conforme aparecem de acordo
com a cronologia do próprio filme. Portanto, o primeiro enunciado a ser analisado
é o discurso do personagem Lewis Prothero, um comunicador responsável pela
“voz do destino” nesse contexto de uma Inglaterra futurista e opressora. A função
de Lewis Prothero é divulgar as noticias relacionadas ao Estado e a sua voz
representa uma espécie de símbolo para a sociedade. Sua imagem e voz é a
propaganda oficial do regime totalitário descrito no filme. O discurso a ser
analisado:
“Bem, eu li que os antigos Estados Unidos estão tão desesperados por
suprimentos médicos que eles supostamente mandaram várias caixas com trigo
e tabaco, um gesto disseram eles de boa vontade, querem a minha opinião?
Como estão vendo o meu programa eu acredito que querem! Acho que já é hora
de deixarmos essas colonias saberem o que pensamos delas, é hora de nos
vingarmos de um cházinho que eles nos deram a algumas centenas de anos,
sugiro que a gente vá àquelas docas essa noite e jogue essas caixas no lugar
onde tudo o que vem dos escrotos ulcerados da avertérica merecem! Quem vai
comigo? Quem é que concorda? Gostaram dessa? EUA, escrotos ulcerados da
avertérica. Ora, do que mais podemos chama-los, eis um pais que tinha tudo,
absolutamente tudo, e agora 20 anos depois é o quê? A maior colônia de
leprosos do mundo! Por quê? Falta de fé! Eu vou repetir: falta de fé! Não foi a
guerra que começaram, não foi a praga que criaram, foi o juizo final, ninguém
escapa do passado, ninguém escapa do juizo final. Acham que não há um Deus?
Vocês acham que ele não cuida deste pais? Como explicam então? Ele nos
testou, mas nós vencemos! Fizemos o que tinhamos que fazer, (...) eu estive lá,
eu vi tudo, imigrantes, muçulmanos,
homossexuais, terroristas degenerados cheios de doenças, tiveram que morrer,
força pela unidade e unidade pela fé! Eu sou um inglês temente a Deus e tenho
muito orgulho disso!”
O segundo enunciado a ser analisado é o discurso do personagem V, um
misterioso justiceiro anarquista que busca sua vingança contra aqueles que o
torturaram no passado, ou seja, as mãos do próprio Estado. Neste discurso
selecionado, V, expressa suas ideias ao vivo diante de toda a Inglaterra:
“Boa noite, Londres. Primeiro, desculpem a interrupção. Eu, como muitos de
vocês, aprecio o conforto do dia-a-dia, a segurança do familiar, a tranquilidade da
rotina. Gosto disso como todo mundo. Mas no espírito da comemoração, em que
eventos do passado associados à morte de alguém ou ao fim de uma luta terrível
são comemorados com um belo feriado, pensei em marcar esse 5 de novembro,
um dia que, infelizmente, já foi esquecido aproveitando um pouco do tempo de
vocês para bater um papo. Há aqueles que não querem que falemos. Desconfio
que estejam dando ordem ao telefone e homens armados viram logo. Por quê? O
governo pode usar violência em vez do diálogo, mas as palavras sempre
manterão seu poder. As palavras oferecem um significado e, para aqueles que
ouvem, a enunciação da verdade. E a verdade é que há algo terrivelmente errado
com o país. Crueldade e injustiça, intolerância e opressão. Se antes você tinha
liberdade de se opor, pensar e falar quando quisesse, agora você tem censores e
câmeras obrigando-o a se submeter. Como isso aconteceu? Quem é o culpado?
Há alguns mais responsáveis que outros e eles vão arcar com as consequências.
Mas, verdade seja dita, se procuram culpados, basta vocês se olharem no
espelho. Eu sei porque vocês fizeram isso. Sei que tinham medo. Quem não
teria? Guerra, terror, doença. Uma série de problemas se juntaram para
corromper sua razão e afetar seu bom senso. O medo dominou vocês e vocês
recorreram ao novo alto chanceler, Adam Sutler. Ele prometeu ordem. Prometeu
paz. Tudo que ele pediu em troca foi seu consentimento silencioso. Ontem tentei
dar fim ao silêncio. Ontem, eu destruí o Old Bailey para lembrar ao país o que foi
esquecido. Há 400 anos um grande cidadão quis gravar o 5 de novembro para
sempre em nossa memória. Ele quis lembrar ao mundo que imparcialidade,
justiça, liberdade são mais que palavras. São perspectivas.
Então, se vocês não viram nada, se desconhecem os crimes desse governo,
sugiro que deixem o 5 de novembro passar em branco. Mas se vocês veem o
que eu vejo, se sentem o que sinto e se buscam o que eu busco, peço que
estejam ao meu lado, daqui um ano, na entrada do parlamento e juntos daremos
à eles um 5 de novembro que nunca, jamais será esquecido”.
O terceiro enunciado é também um discurso de V durante uma conversa
com Evey: “Acha que explodir o parlamento vai tornar o país melhor?” / “As
pessoas não deveriam temer seu governo. O governo é que deveria temer o seu
povo...” / “Explodir um prédio levará a isso?” / “O prédio é um símbolo, assim
como o ato de destruí-lo. O poder dos símbolos emana do povo. Sozinho, um
símbolo não tem valor, mas com gente suficiente explodir um prédio pode mudar
o mundo”.
A análise tem o objetivo de averiguar todos os aspectos discursivos presentes no
filme V de Vingança no âmbito político e social que se faz presente na ficção e
como este toma proporção em seu espaço social apresentado no contexto do
filme.
Para uma base forte, que possibilite questionar, refutar, ter uma visão ampla do
assunto especifico, o trabalho tem como alguns de seus principais referenciais o
livro Analise de Discurso: Princípios e Procedimentos (Eni P. Orlandi 2007),
versado em linguagem simples e didática, universalizando a A. D. Francesa, a
aula inaugural foucaultiana A Ordem do Discurso (Michel Foucault, 1970) que
influi, como muito da produção do autor nos anos 60, na crítica à modernidade e
não menor, as filiações teóricas e postulações de autores como o entusiasta da
análise do discurso, Michel Pêcheux, e suas influencias diretas, Lacan e
Althusser, se fazem presentes em sua dialética sobre o sujeito nos entremeios
dessa metodologia.
V de vingança é abundante em aspectos e transições discursivas, de relevância
explícita à análise, que integram a materialidade enunciativa, o enredo da historia
– Em seu núcleo, sujeitos, paráfrases, condições de produção,
interdiscursividades, relações, etc; estão as respostas para discussões sobre
manipulação midiática massificada, autoritarismo ou até mesmo alienação, para
não negar também, a capacidade do discurso como transformador das
situacionalidades, da relação de um povo com seu governo, por exemplo.
Dentro dos contrastes e interdiscursividades no filme, serão analisados a fala, o
discurso de personagens específicos e o poder de ação desses enunciados, num
processo que parte da seleção de três enunciados (como já citado) que elucidam
à priori as intenções enunciativas do filme, estes são oito tópicos que serão
desenvolvidos, cada um, como olhar que se repetirá em cada um dos
enunciados:
1. Condições de Produção e Interdiscurso.
2. Esquecimentos.
3. Relações de Força, Relações de Sentido, Antecipação:
Formações Imaginárias.
4. Paráfrase e Polissemia.
5. Formação Discursiva.
6. Ideologia e Sujeito.
7. O Sujeito e sua Forma Histórica.
8. Incompletude: Movimento, Deslocamento e Ruptura.
O percurso metodológico que será realizado nesse TCC considera as
ressignificações que a fundamentação teórica sofrerá mediante o fenômeno
investigado. Essa postura investigativa anseia detalhar os caminhos percorridos a
fim de que a forma de se elaborar a pesquisa seja coerente com o tema
escolhido. O estudo em questão opta pelo referencial teórico metodológico de
Análise do Discurso da linha francesa. A Análise do Discurso, ou Análise de
Discurso, preocupa-se com a produção de sentidos e a interpretação através da
linguagem, compreende-se que o discurso não é individual e que está atrelado ao
contexto histórico e social, envolvendo-se em um processo de significações e
símbolos em suas decodificações. As relações de linguagem se constituem em
relações de sujeitos e sentidos, e seus efeitos são múltiplos e variados.
(ORLANDI, 2005).
A fundamentação referencial teórica da Análise do Discurso utilizada na análise
do filme “V de vingança” seguiu os seguintes passos: buscou, através da dizer, a
produção de sentido, assim como a ideologia presente no discurso que está
conectado com o contexto em que este sujeito está inserido (o interdiscurso).
Outro elemento da análise foi procurar compreender a ideologia, as condições da
produção, as formações discursivas ideológicas e a interpelação do sujeito,
EU/OUTRO do sujeito, contexto em relação ao próprio discurso, conexões,
interdito e intradiscursos, a análise compreende o discurso, do filme “V de
vingança” e sua especificidade na produção ideológica, em um contexto social e
político de transformações sociais utilizando de conceitos de paráfrase,
polissemia, efeitos de sentido, interdiscurso e intradiscurso.
ORLANDI (2005, p.29) Fala sobre a importância da fundamentação teórica. Ela
afirma que “[...] o referencial teórico da analise do discurso constrói sua prática
conjuntamente com todos os elementos acima citados, constitui, assim, uma
análise complexa”.
O procedimento metodológico empregado na coleta e no exame do corpus, tais
como a criação de um sistema de transcrição e, posteriormente, apresentação
dos objetivos e percurso teórico da pesquisa, são evidenciados para que em
seguida apontem-se as problemáticas no uso do discurso midiático televiso
enquanto ferramenta de persuasão para fins de controle da massa ou destruição
de ideias predominantes, assim definindo tópicos e partes que nortearão os
capítulos de analise, e por fim, propor a discussão sobre as implicações éticas e
práticas advindas do dispositivo do sujeito e o contexto histórico social da análise
do discurso.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
ANÁLISE DO DISCURSO E CONCEITOS GERAIS

Esta pesquisa visa à observação e análise de enunciados discursivos específicos


extraídos do filme V de vingança a partir da reflexão dos trabalhos da Análise do
Discurso Francesa que considera em seus conceitos, o sujeito, o discurso e a
ideologia partindo-se do principio de que a linguagem está intimamente
relacionada com a exterioridade, isto é, as condições de produção do discurso
cuja materialidade interfere essencialmente na construção de textos e enunciados
assim refletindo o funcionamento do interdiscurso, ou seja, a memória que habita
o dizer e seu universo de significados através do tempo e da sociedade. Assim, a
Análise do Discurso considerando a linguagem em sua relação com a
exterioridade, se distancia das definições de linguagem que a classificam como
um mero instrumento de comunicação e expressão, mas a compreende como
objeto de funcionamento que por meio do trabalho simbólico tem o poder de
transformar visto que “tomar a palavra é um ato social com todas as suas
implicações, conflitos, reconhecimentos, relações de poder, constituição de
identidade etc” (ORLANDI, 2000, p. 17).
Neste capítulo serão apresentados os principais conceitos da Análise do Discurso
Francesa tomando como base as reflexões de Althusser e a apresentação de
suas ideias baseadas no marxismo isto é, a definição do funcionamento dos
Aparelhos Ideológicos do Estado e a forma como interferem na sociedade.
Também serão apresentados nesse capítulo, os procedimentos de controle e
exclusão do discurso e seus procedimentos internos e externos refletidos por
Foucault, bem como os procedimentos de imposição de regras aos sujeitos do
discurso e suas condições de funcionamento. Paralelamente, serão apresentadas
as reflexões de Pêcheux em sua síntese do funcionamento discursivo que
considera o sujeito em sua interpelação com a ideologia e relação com a
historicidade. Assim, serão explicados e definidos os princípios e procedimentos
da Análise do Discurso, segundo as reflexões dos principais autores selecionados
para a constituição da análise (Foucault, Pêcheux, Althusser, Orlandi)
Assim, segundo Pêcheux (1995) em sua obra Semântica e discurso – uma crítica
à afirmação do óbvio, considera-se que a linguística ao possuir seus limites,
torna-se insuficiente para explicar o funcionamento do discurso, pois é a ideologia
que se materializa na linguagem, fazendo com que a linguagem não funcione por
meio um sistema de regras formais como ocorre, por exemplo, na sintaxe. E para
justificar que a linguística por si só não é capaz de explicar o discurso, ele afirma
que os conceitos da sintaxe semântica, desconhecem que o discurso de um
sujeito é ideológico, ou seja, essas áreas da linguística não se podem detectar
ideias e relações de poder, o sujeito em seu discurso ideologicamente marcado
advém das condições históricas de uma específica conjunção social. Todo dizer
do sujeito já é portanto, constituído dessas condições de produção determinadas
pela ideologia dessa conjuntura. Por este motivo, Pêcheux (1995) se retoma a
partir das ideias de Karl Marx (1818 – 1883) e Friedrich Engels (1820 – 1895) e
posteriormente Louis Althusser, justamente porque esses pensadores falam
sobre um indivíduo que é interpelado pelas condições de uma específica
conjuntura social, ou seja, condições das relações de trabalho, relações históricas
e sociais. Sendo assim, as condições de produção de uma sociedade, são que
determinam a interpelação do indivíduo em sujeito. Essas condições são relações
de produção cultural, o regime político, as instituições, relações de trabalho,
família, religião e todas as relações que configurariam os costumes do indivíduo,
por esse motivo, Pêcheux (1995) reforça o conceito de Althusser ao dizer que os
indivíduos são interpelados pela ideologia de uma específica conjunção social.
O campo da Análise do Discurso em sua complexidade abrange diversos
conceitos em sua constituição, um especificamente dentre eles, é a noção de
sujeito do discurso. O sujeito do discurso no campo da AD se diferencia do sujeito
que se insere nas outras áreas da linguística, isto é, não está relacionado com as
demais definições de sujeito como o sujeito oculto, simples, composto,
determinado, indeterminado, dentre outros, mas de um sujeito que na perspectiva
da Análise do Discurso, é atravessado pela ideologia e pelo inconsciente, o que
produz um sujeito descentrado que não se constitui por meio de seu enunciado
pois não é a fonte original do mesmo uma vez que seus processos discursivos
são determinados pela própria formação discursiva na qual esse sujeito já está
inserido antes mesmo de produzir seu discurso. Apesar disso, o sujeito tem a
ilusão de ser a fonte de seu discurso quando na verdade sua enunciação deriva
de uma série elementos metafóricos, metonímicos, parafrásticos e polissêmicos
que significam e são significados pelo interdiscurso que está na base de tudo o
que é dito pelo sujeito, conceito que se sustenta por meio da reflexão de Pêcheux
que ao retomar a questão do sujeito, afirma:

[...] é na forma-sujeito do discurso, na qual coexistem,


indissociavelmente, interpelação, identificação e produção de sentido,
que se realiza o non-sens da produção do sujeito como causa de si sob
a forma da evidência primeira", isto é, de que "eu sou realmente eu.
(PÊCHEUX, 1995, p. 266)

Assim, Pêcheux pensa a linguagem em sua pratica, isto é, no discurso, portanto


sua teoria na obra Semântica e Discurso, nos leva a compreender sob quais
condições o discurso funciona, não se trata de mera análise linguística gramatical
ou de conteúdo, mas apenas do discurso, pois, para Pêcheux, é a ideologia que
produz no sujeito, seu discurso, o discurso é efeito da ideologia, sendo assim, são
as condições históricas, sociais e políticas que determinam o dizer de um sujeito.
Assim, Althusser (1985) sustenta Pêcheux ao acrescentar que os linguistas e
todos aqueles que recorrem à linguística com diferentes fins, costumam tropeçar
em suas análises por desconhecer os efeitos ideológicos em todos os discursos –
inclusive os discursos científicos. Paralelamente a esta noção, (ORLANDI, 2005,
p. 15), pesquisadora e professora universitária brasileira, introdutora da Análise
do Discurso no Brasil, também afirma que a “Análise de Discurso, como seu
próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática, embora todas
essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso,
etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de
movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem:
com o estudo do discurso observa-se o homem falando”.
Pêcheux tem o objetivo de sustentar sua teoria do discurso e sua lógica parte da
ideia de que um determinado sujeito ao viver em uma conjuntura social, está
inevitavelmente assujeitado pelas condições históricas e sociais desta conjuntura,
ou seja, todos os seus dizeres são constituídos pela sociedade na qual ele vive.
Ele propõe discutir o que já foi dito por Althusser, ao acrescentar apenas que o
funcionamento das ideologias, bem como a interpelação dos indivíduos como
sujeito, se dá pelo discurso. Essa interpelação ocorre pelas circunstâncias
históricas dessa específica conjuntura social que determinariam de algum modo,
o funcionamento do discurso do sujeito. Essas reflexões levaram Michel Pêcheux
a fazer uma releitura sobre a teoria do discurso, procurando entender que o
discurso está materializado pela ideologia, o sujeito ao produzir o discurso, cai no
esquecimento de que o seu dizer tem um posicionamento e que este parte das
condições sociais e históricas de uma específica conjuntura social.

(...) retomando os termos que introduzimos acima e aplicando-os ao


ponto específico da materialidade do discurso e o do sentido, diremos
que os indivíduos são “interpelados” em sujeitos-falantes (sujeitos em
seu discurso) pelas formações discursivas que representam na
linguagem as formações ideológicas que lhes são correspondentes.
(PÊCHEUX 1995, p. 147).

A partir destes estudos foi que Pêcheux passou a compreender que uma
sociedade trata-se de uma formação ideológica. Segundo ele, o sujeito fala a
partir de uma posição ligada às condições que o representa da linguagem que
advém das formações discursivas de específica conjuntura social. Deste modo,
um sujeito que produz um discurso, não reconhece que seu dizer é feito de seu
assujeitamento das condições em que está inserido nessa sociedade, ou seja, ao
produzir o discurso, seu dizer é efeito ideológico das condições sociais e
históricas da qual está assujeitado.Desta forma, pode-se concluir que ao construir
a teoria da Análise do Discurso, o objetivo de Pêcheux é compreender o
funcionamento do discurso como sendo efeitos de sentido, bem como, analisar os
discursos e observar como os sentidos produzem as interpretações. Cabe ao
analista do discurso, observar em que posição ocupa o sujeito que produz o
discurso e sob quais condições históricas e sociais, ele o produz, e dessa forma
compreender e explicar seu funcionamento, bem como identificar que efeito
ideológico ocorre nesse discurso.
Sendo Michel Foucault (1996) o autor que contribui para a Análise do Discurso ao
estabelecer base teórica que também discute sobre relações de poder e efeitos
de sentido, o autor é um grande referencial ao estudar a dinâmica do poder
dentro da sociedade, bem como a forma como o poder se estabelece nas
relações que envolvem a todos no próprio cotidiano. Foucault revela que o poder
não se estabelece como um mecanismo de força (de uma macro estrutura para
uma microestrutura), isto é, segundo o autor, o poder não se resume a uma
escala de opressão que parte do maior em direção ao menor, mas que se
estabelece por meio de microrelações de poder que permeiam a sociedade, ou
seja, se manifesta desde pequenas instituições como a escola, família e igreja.
A obra “A ordem do discurso – Michel Foucault” é a transcrição da aula inaugural
1
proferida pelo autor no Collège de France em 1970 . Foucault evidencia desde o
princípio, a questão do poder relacionado ao discurso, baseando toda a sua obra
em sua aula inaugural, por meio desta relação discurso e poder. No início dessa
aula inaugural, Foucault demonstra certa inquietação ao iniciar esse discurso:

Gostaria de perceber que no momento de falar uma voz sem nome me


precedia há muito tempo: bastaria, então, que eu encadeasse,
prosseguisse a frase, me alojasse, sem ser percebido, em seus
interstícios, como se ela me houvesse dado um sinal, mantendo-se, por
um instante, suspensa. (FOUCAULT, 1996, pág. 5-6).

Por meio desta obra e na intenção de justificar o fato de que existe uma grande
responsabilidade em discorrer sobre o discurso, Foucault afirma que ao invés de
ser a fonte ou o início do discurso, que ele próprio (Foucault) fosse o ponto de
seu desaparecimento, entretanto ele afirma que a instituição responderia a essa
inquietação, afirmando que não há o que temer, pois o discurso está posicionado
de forma a possuir um lugar de honra que ao mesmo tempo o desarma e que
portanto, se o discurso possui algum poder, este advém apenas de nós, seres
humanos em sociedade.
Focault apresenta então a hipótese de seu trabalho, resumindo-a da seguinte
forma:
Supõe que em toda sociedade, a produção no discurso é ao mesmo
tempo, controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo
número de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e
perigos, dominarem seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e
temível materialidade”. (FOUCAULT, 1996, pág. 08- 09).

Portanto, Foucault (1996, p. 10-11) defende que o discurso é de fato um veículo


de poder e ao mesmo tempo um objeto de desejo, ao deter o discurso detém-se
consequentemente o poder, assim, para explicar os procedimentos de controle e
exclusão do discurso, o autor apresenta procedimentos internos e externos.

PROCESSOS EXTERNOS

São chamadas de processos internos, as limitações sociais que interferem na


produção do discurso e que podem impedi-los embora não possam barrar seu
pensamento.

INTERDIÇÃO DA PALAVRA:

Os procedimentos de exclusão ao se e exercerem de modo externo no discurso,


colocam em jogo as relações de poder e desejos, Foucault considera que o tipo
mais comum de exclusão, é a interdição que se apresenta em formas que
segundo ele, se cruzam, se reforçam e se compensam em uma rede contínua de
transformação. Sãos consecutivamente esses três tipos de interdição:
a) O tabu do objeto
Esse tipo de interdição refere-se ao que evita-se ser dito no discurso e pode ser
exemplificado pelo suicídio na mídia, ou sexualidade, isto é, aquilo que “não se
deve dizer”.

b) Ritual da circunstância
É a interdição que faz referência à determinados tipos de
discursos que só podem ser ditos em certos tipos de ocasiões,

c) Direito privilegiado
Refere-se ao discurso que só pode ser proferido por determinados tipos de
sujeitos.
A partir dessas questões, conclui-se que as interdições são consideradas por
Foucault como a ligação do discurso com o poder e o desejo, assim como deixam
claro que o próprio discurso é também objeto de desejo. Assim, essas três
interdições são resumidas pelo autor, da seguinte forma:

Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de


exclusão. O mais evidente, o mais familiar também, é a interdição. Sabe-se
bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de
tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar
de qualquer coisa. (FOUCAULT, 1998, p. 9)

SEGREGAÇÃO DA LOUCURA
23

Este procedimento afirma que a palavra do louco é o que permite separar o louco
dos outros indivíduos, no entanto essa palavra não é aceita como verdadeira, é
rejeitada, portanto a separação implica a rejeição, princípio dialógico visto que é
apenas por meio dessa separação e rejeição que existe a aceitação.

VONTADE DE VERDADE

Este procedimento externo de controle e exclusão do discurso, é a cisão entre


verdadeiro e falso que discute a vontade de historicidade da verdade, isto é, a
forma como as pessoas buscam o conhecimento através dos séculos, é a
vontade do saber que torna o sujeito um observador e verificador ao movê-lo em
busca da razão. Logo, essa vontade de verdade é reforçada institucionalmente
por meio de práticas que são distribuídas entre os indivíduos, assim, o discurso
tende a ser pressionado pela vontade de verdade.

Ao contrário dos princípios anteriores, a vontade de verdade se fortalece


enquanto os outros se enfraquecem, a vontade de verdade se torna mais
profunda e incontornável, pois ao atingir determinado nível de complexidade
cognitiva e intelectual, a regressão é algo impossível de acontecer, portanto
considera-se que a vontade de verdade é um principio de exclusão, pois ao
considerar um discurso como algo verdadeiro e consolidado em uma área de
conhecimento, acaba-se por excluir todos os outros estudiosos e pesquisadores
que tentaram chegar a este discursos sem obter sucesso, ou seja, aqueles que
tiveram suas “verdades” separadas e não aceitas.

Se o discurso verdadeiro não é mais, com efeito, desde os gregos,


aquele que exerce o poder, na vontade de verdade, na vontade de dizer
esse discurso verdadeiro, o que esta em jogo, senão o desejo do poder?
O discurso verdadeiro, a que a necessidade de sua forma liberta do
desejo e libera do poder, não pode reconhecer a vontade de verdade,
essa que se impõe a nós há bastante tempo, é tal que a verdadeira que
ela quer não pode deixar de mascará-la.( FOUCAULT,1996, p. 20).

PROCESSOS INTERNOS
24

Segundo Foucault (1998), os processos internos exercem controle, classificam,


ordenam e distribuem o que diz respeito ao acontecimento e ao acaso dos
discursos, logo, considera que esses procedimentos são recursos infinitos para a
formação de outros discursos, mas que é também necessário considerar seu
caráter de coerção.

a) Comentário
Foucault estabelece dois tipos principais de discurso. O primeiro, discursos
originais dos quais se fala e os outros discursos que são retomados e ditos
novamente, ou seja, comentários a respeito dos primeiros discursos. Portanto o
comentário surge da repetição e do renascimento do discurso primário. Foucault
ressalta que apesar de o comentário ser um desnível entre um outro tipo de
discurso, ele tem um papel solidário, pois permite a construção infindável de
novos enunciados e tem a função de dizer o que estava silenciado nos outros
discursos, ou seja, por meio do comentário, adiciona-se novas ideias aos
discursos anteriores.

b) Autor
Enquanto o comentário gira em torno da identidade do discurso que o origina, o
principio do autor gira em torno da individualidade do mesmo, logo, o que um ator
escreve ou deixa de escrever, de que forma ele assimila ou modifica sua época,
são traços que se pode observar a partir deste princípio.

c) Disciplinas
O principio que diz respeito às disciplinas, se define por um domínio de objetos,
um conjunto de regras, um sistema anônimo à disposição de quem quer que seja
seu inventor,por esse motivo se distancia do autor, pois este veicula a uma
individualidade enquanto a disciplina é um conjunto de procedimentos que pode
ser adotado por qualquer que seja o autor. Além disso, a disciplina também se
desvincula do comentário pois ela pressupõe que o que é requerido para
construção de novos enunciados ao contrário do comentário que se baseia em
discursos pré existentes. Pra que haja uma disciplina, é necessário que haja a
possibilidade formular novos enunciados
25

indefinidamente. As disciplinas não se tratam apenas do que é verdadeiro, mas


como também de erros, ou seja, para que uma proposição pertença a uma
disciplina, ela necessita atender a vários critérios e não deve pertencer ao que
é “monstruoso” ou diferente dentro de uma área de conhecimento. Portanto,
para que uma proposição possa pertencer a uma disciplina, não basta que ela
seja verdadeira, mas sim estar inserida no que é considerado como verdadeiro
em determinado momento histórico, logo, é possível afirmar, que as disciplinas
são também um conceito que vão se construindo historicamente.

PROCEDIMENTOS DE IMPOSIÇÃO DE REGRAS AOS SUJEITOS DO


DISCURSO

SOCIEDADE DE DISCURSO
Este princípio que se insere nos procedimentos internos, se define basicamente
por um sistema social discreto que veicula suas ideias de forma explícita apenas
para determinados grupos de pessoas pertencentes a esta ordem, um exemplo
desta condição é a maçonaria, pois esta apesar de não explicitar e expor suas
ações para a sociedade como um todo, pode interferir na mesma sem deixa de
manter seus “segredos”, portanto a sociedade do discurso tem o objetivo de
conservar ou proferir seus discursos de forma que esses possam veicular
internamente entre esse grupo fechado de pessoas.

DOUTRINAS
O inverso da Sociedade do Discurso está presente no princípio das Doutrinas,
pois enquanto a Sociedade do discurso limita a quantidade de pessoas ou grupos
que podem ter acesso ao seu enunciado, as Doutrinas emancipam e organizam
suas ideias selecionando todos os grupos que compactuam e aceitam essas
“verdades”, estão portanto, ligados a uma Doutrina.

APROPRIAÇÃO SOCIAL
Este princípio pode ser exemplificado como formas de educação que são formas
de manter ou modificar a apropriação social dos discursos, este princípio
promove a ritualização da palavra, a qualificação e a fixação de papéis e a
constituição de um grupo doutrinário através do ensino.

RITUAL
É definido pela qualificação do sujeito e seu comportamento ao proferir o
discurso bem como o os elementos simbólicos que o acompanham. Determina as
propriedades e papéis do sujeito que falam.
Após discorrer sobre todos esses procedimentos, Foucault apresenta seu método
de análise que segundo ele devem cumprir os papéis de questionar a vontade de
verdade, restituir ao discurso, o caráter de acontecimento e suspender a
soberania do significante. Portanto Foucault afirma que o seu método se baseia
no princípio da inversão, ou seja, considera que todos os princípios anteriores,
(autor, disciplina e vontade de verdade) que são considerados como geradores
de discursos infinitos, necessitam da atenção do princípio de rarefação, pois ao
mesmo tempo em que são geradores infinitos de discurso, esses princípios são
também limitadores, portanto o processo de inversão proposto por Foucault,
consiste basicamente em separar esses princípios e invertê-los passando da
forma positiva em que se encontram funcionando, para a observação de pontos
negativos, problematizando-os e detectando seus defeitos.
Dentro destes conceitos, em seguida considera-se também o princípio da
Descontinuidade, através do qual, os discursos devem ser tratados como práticas
descontínuas que podem tanto se cruzar como se excluir, levando a
compreensão de que não necessariamente os discursos serão sempre a
resignificação de novos discursos.
Baseado nas definições apontadas por Michel Foucault (1998) no que diz respeito
aos princípios do discurso, conclui-se em seu conjunto de ideias apontam que o
discurso é basicamente um conceito dialético que busca impor a verdade aos que
o ouvem, levando em consideração o desejo e o poder, ressaltando que existem
sistemas de exclusão existentes no discurso, sistema que exclui tudo aquilo que
está fora do padrão discursivo.
27

Para a análise do filme V de vingança que será apresentada nesse trabalho


considerando os princípios e procedimentos da Análise do Discurso Francesa,
compreende-se a relevância dos conceitos acima ao partir-se do princípio de que
os processos de exclusão e controle do discurso, bem como os procedimentos de
imposição de regras aos sujeitos, são utilizados pelas instituições que detém o
poder da construção de inimigos para agir conforme sua vontade na conjuntura
social na qual se insere. Assim, considerando que as reflexões de Michel
Foucault permitem a identificação de sistemas de controle e exclusão, tem-se a
importância de sua teoria para esta análise, uma vez que o objetivo do trabalho
seja identificar em específicos enunciados extraídos do filme V de vingança, as
estratégias de manipulação que se inserem no discurso midiático e provocam
efeitos na sociedade.
Assim como Foucault, outros autores que refletem o funcionamento da Análise do
Discurso Francesa também serão utilizados no decorrer deste trabalho. Althusser
em seu ensaio, Aparelhos Ideológicos do Estado, trás uma reflexão sobre os
mecanismos de controle da sociedade que se encontram nas instituições e a
forma como se relacionam com o discurso. E considerando que no filme V de
vingança, o papel das instituições é fundamental para a constituição do discurso,
considera-se também a relevância de Althusser para a construção desta análise.

IDEOLOGIA E APARELHOS IDEOLÓGICOS DO ESTADO

As instituições que detém o poder de uma determinada conjuntura social, fazem


uso de arquétipos que são fundamentais para a concretização de seus processos
de controle em massa. Esses instrumentos se relacionam com o discurso uma
vez que funcionam como uma ponte que liga o sujeito ao interlocutor e assim
produz seus efeitos também por meio da ideologia. Considerando a existência
desses instrumentos colocados por Althusser (1985), como Aparelhos Ideológicos
do Estado, serão apresentadas nesse tópico, as definições desta ideia, assim
como a exposição do funcionamento desses aparelhos e a apresentação e
exemplificação da maneira como age repressivamente na sociedade.
IDEOLOGIA

A capacidade de interpretação posta em pauta em qualquer discurso, realiza uma


manobra inconsciente em cada sujeito. Segundo Orlandi (2005) cada sujeito é
interpelado por uma ideologia. A capacidade de interpretação e de significação
depende justamente da ideologia traçada.
Conforme cita Orlandi (2005) cabe aqui dizer que o sentido se constitui da
materialidade da memória, auxiliando na visão de mundo de cada sujeito, atendo-
se de seu conhecimento prévio para o posterior.
Entretanto, afirmar que o sujeito é formado tão unicamente por certa ideologia é
um paradoxo enfrentado nas áreas da Análise Discursiva, o sujeito conhece
inúmeros tipos de realidades, destes tipos a de corroborar com aquela com
aspectos incomuns ligados a sua ideologia ou não, sendo assim a capacidade de
escolha é ilusória, e o sujeito continua interligado diretamente a seu sistema de
ideias.
A Análise do Discurso trabalha com uma noção de ideologia que resulta de
destroncamentos das definições de ideologia refletidas por Althusser (1985) em
sua releitura de Marx, isto é, esta noção de ideologia para a Análise do Discurso,
se trata, de acordo com Pêcheux (1995), do efeito do óbvio provocado por um
mecanismo imaginário:

É a ideologia que fornece as evidências pelas quais ‘todo mundo sabe’ o


que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve,
etc., evidências que fazem com que uma palavra ou enunciado ‘queiram
dizer o que realmente dizem’ e que mascarem, assim, sob a
‘transparência da linguagem’, aquilo que chamaremos o caráter material
do sentido das palavras e dos enunciados. (PÊCHEUX, 1995, p.160).

Althusser (1985) analisa o Estado como forma de aparelho ideológico. O analista


caracteriza o Estado como sendo uma “máquina” de repressão, (Althusser, 1975,
p.31), que consegue dominar as classes operárias em favorecimento das classes
dominantes (a elite da época), colocando-os de maneira opressiva num sistema
abusivo de mais valia. Iniciando assim uma cultura dominante que perdura-se até
os dias de hoje.
Sendo assim o Estado é definido como sendo acompadrado pela burguesia na
guerra de classes contra o proletariado
Com este aparelho de repressão que é o Estado, não podemos esquecer,
conforme, Althusser (1985), que temos os aparelhos ideológicos do Estado (AIE).
Althusser também cita alguns: O AIE religioso, nada mais é que as mais variadas
de dominação religiosa que são executadas em massa, o AIE escolar, que como
muito se estuda compreende desde a sua arquitetura prisional a seus métodos
antiquados de ensino e sobretudo disciplina, o AIE familiar que normalmente é
constituído de maneira padrão, na qual o indivíduo recebe sua primeira carga
intelectual, o AIE jurídico onde os policiais, advogados, delegados e juízes
também seguem uma linha que pende para somente um lado, o AIE político, que
compreende o sistema político com os diferentes partidos que o jogam e de
disseminam culturas ideias e ideais o AIE informativo, que neste trabalho será
trabalhado com mais ênfase, a mídia televisiva é um importante aparelho
ideológico, aliando-se com outros aparelhos ideológicos ela massifica informação
e dita pautas cotidianas que são seguidas à risca, por exemplo.
Os AIE não devem ser confundidos em hipótese alguma com o aparelho
(repressivo) de Estado. Uma boa dica é lembrar que, AIE é uma sigla com
significação plural, enquanto o AE é único. Após essas informações, nota-se que,
o aparelho (repressivo) de Estado normalmente pertence a esfera pública e, os
AIE se encontram pelo campo privado.

CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E INTERDISCURSO

Partindo-se das reflexões de Michel Pêcheux (1995), compreende-se como


essencial composição das condições de produção, o sujeito e a situação, assim
como o interdiscurso que “aciona” os sentidos e desta forma condiciona a
produção discursiva em uma composição sistêmica. Assim, as condições de
produção na obtenção das circunstancias de enunciação, consideram o
funcionamento do contexto imediato e do contexto amplo que incluem aspectos
contextuais sócio-históricos e ideológicos na produção do discurso.
O contexto imediato relacionado às circunstancias de enunciação é o local de
armazenamento do material discursivo juntamente com os sujeitos por trás de
sua produção. Conforme Eni P. Orlandi (2005) que usa como exemplo uma faixa
num campus universitário com os dizeres Vote sem Medo! – O “contexto imediato
é o campus onde a faixa foi colocada, os sujeitos que a ‘assinam’ (entidades de
funcionários e docentes), o momento das eleições e o fato do texto ter sido
escrito em uma faixa e não em um suporte material qualquer” (ORLANDI, 2005,
p. 31).
Seguindo, portanto esses conceitos, a noção do contexto amplo refere-se aos
sentidos e ao processo de significação e elementos que permeiam este contexto.
Ainda tomando como exemplo, Orlandi (2005), o contexto amplo está relacionado
com a “sociedade, com suas instituições, entre elas a Universidade, no modo
como elege representantes, como organiza o poder, distribuindo posições de
mando e obediência” (ORLANDI, 2005, p. 31).
A composição do objeto discutido dentro do processo da análise toma assim a
correspondência entre o espacial, o social, o histórico e o ideológico em noções
de sentido: contexto imediato ou amplo. Desse ponto, é importante e se faz
interessante discutir aquilo que integra a ideia do interdiscurso e seu papel na
produção discursiva – como já foi dito, a memória discursiva tem um papel, de
formato específico, no processo do fazer significar e da constituição dos sentidos.
Estando relacionada ao discurso, a memória é, portanto recebida como
interdiscurso: o já dito ou pensado, porém esquecido.
Todo esse saber discursivo acumulado retorna sob a forma do pré-construído na
base do que pode ser dito, como memória discursiva. Todo o já dito sobre
determinado tema presente no discurso – Mesmo, como já explicado, que esse já
dito seja independente – Vai afetar o modo de significar do sujeito, na situação
discursiva.
O agir do sujeito com relação ao fazer pensar, no dizer, é revisitado. Ele crê na
consciência individual durante essa ação, quando não há esse controle sobre a
forma como os sentidos se fazem nele. É nesse processo que todos os sentidos
são guiados pelas filiações de sentido num dizer que não é propriedade do
falante, sujeito, e os atinge independente do querer ou não. “Convocados pela
formulação” (ORLANDI. 2005, p. 31).
Nessa concepção, é necessário reafirmar a condição do sujeito com relação ao
discurso, não como produtor deste e sim, como comum significante de tal. Sendo
o sujeito concreto resultado da interpelação de sujeitos concretos (AlTHUSSER,
1985. p. 98-99).
Considerar o “já-dito” é essencial para a compreensão e manutenção do discurso,
na caracterização e distinção de sua maneira com relação ao sujeito e a
ideologia. A filiação dos dizeres se esclarece sob a observação do interdiscurso.
Constata Eni P. Orlandi (1995), que disso se deduz que há uma relação entre o
já-dito e o que se está dizendo que é a que existe entre o interdiscurso e o
intradiscurso ou, em outras palavras, entre a constituição do sentido e sua
formulação (ORLANDI, 2005, p. 32).
É possível considerar essa diferença representando toda essa interação
com a conexão de dois eixos, um vertical que se toma como representante dos
dizeres já expressos, e um eixo horizontal significante do processo de
formulação, do dito. Respectivamente, representantes gráficos do interdiscurso e
o intradiscurso – O falado.
Esclarecido isso, a formulação se dá através dessa relação com o interdiscurso.
Só é dizível o que se enquadra no interdiscurso. A constituição determina a
formulação, pois só podemos dizer (formular) se nos colocamos na perspectiva
do dizível (interdiscurso, memória). Todo dizer, na realidade, se encontra na
confluência dos dois: o da memória (constituição) e o da atualidade (formulação).
E é desse jogo que tiram seus sentidos (ORLANDI. 2005, p. 33). Parte também
da interdiscursividade, de forma paralela, aquilo que seria relevante para a
discursividade, para assim inscrever a exterioridade da textualidade.
É de relevância nesse espaço da fundamentação, o que M. Pêcheux
tem a dizer sobre essa especificação, em que é o interdiscurso que especifica as
condições nas quais um acontecimento histórico (elemento histórico descontínuo
e exterior) é suscetível de vir à inscrever-se na continuidade interna , no espaço
potencial de coerência próprio a uma memória (PÊCHEUX, M. 1983). Um
princípio que esclarece o que é o interdiscurso e o livra de ser confundido com o
que vem a ser o intertexto, é que este é todo conjunto de formulações feitas e já
esquecidas que determinam o que dizemos (ORLANDI. 2005, p. 33), ou seja, o
sentido precede o próprio sentido como efeito do interdiscurso no esquecimento –
O dito, em determinado momento se apaga, se esquece, e do anonimato se torna
especial em sentido em outras palavras.

A condição do sujeito se reescreve assim, nesse sentido. As condições de


produção interagem intimamente com os esquecimentos tratados por M. Pêcheux
(1975/1988), que os terá como estruturantes quando se fala do interdiscurso.
É por meio das condições de produção que no discurso é possível
interpretar elementos simbólicos que estão ocultos no dizer, pois ao acionar a
memória discursiva, o analista pode identificar as ideologias que permeiam
determinado discurso. A relevância deste método de análise para a realização
deste trabalho, deriva do fato de que por meio desse mecanismo, torna-se
possível examinar a infinidade simbólica que se faz presente no filme de V
vingança e desta forma, compreender nas enunciações selecionadas, o caráter
ideológico do sujeito, suas intenções, objetivos e filiações históricas.

FORMAÇÕES DISCURSIVAS IMAGINÁRIAS E IDEOLÓGICAS

Para Pêcheux (1975), o sujeito do discurso não se pertence, ele se constitui pelo
esquecimento daquilo que o determina isto é: significação do fenômeno da
interpelação do indivíduo em sujeito do seu próprio discurso. De acordo com as
reflexões de Pêcheux, as discussões acerca das manifestações do sujeito em
que o sentido é decorrente das condições de produção dos discursos e,
consequentemente, das formações discursivas dos sujeitos em interlocução,
possui ligação direta com as ações e representações condizentes com
determinadas posições de classe, constituídas por uma ou por várias formações
discursivas, que se relacionam entre si e determinam o que pode e deve ser dito
por um sujeito em um determinado contexto.
Pêcheux caracteriza as formações discursivas, como o lugar de desenvolvimento
das formações ideológico-discursivas, “em função das relações de dominação,
subordinação e contradição” (Gregolin, 2001, p.18). As práticas discursivas
possuem regras específicas que determinam as formações discursivas. As
formações também têm como característica a instabilidade. A instabilidade é
proveniente da heterogeneidade presente na formação discursiva, a qual é
constantemente atravessada e invadida por diversas enunciações que dão este
caráter plural, contraditório, desigual e subordinado.
33

Faz parte das propriedades das formações discursivas a movimentação das


fronteiras de delimitação delas.

A partir dessa leitura compreende-se que o sujeito para Pêcheux (1975) é a


posição de determinada prática social, é o que ocupa essa local, ele é interpelado
em ocupar o lugar de sujeito, posiciona e se reconhece enquanto tal. Posiciona a
partir de suas formações ideológicas e discursivas. Ao mesmo tempo em que ele
é também assujeitado, pois sofre as injunções da ideologia. As ações e
representações condizentes com determinadas posições de classe conflitantes,
constituídas por uma ou por várias formações discursivas, que se relacionam
entre si e determinam o que pode e deve ser dito por um sujeito em um
determinado contexto situacional, constituem uma formação ideológica, segundo
Pêcheux. Para explanar o pensamento do autor acerca do papel desempenhado
pela função ideológica é necessário ressaltar que ela atua nos grupos sociais de
modo desigual e isso faz com que haja a possibilidade de mudança ou
reprodução de valores. Analisar o possível significado dela requer analisar a
situação de interlocução, de enunciação, chamada na Análise do Discurso (A.D)
de condições de produção, isto é, as condições sócio-históricas e ideológicas de
produção. Dessa forma, a formação ideológica tem como um de seus
componentes as formações discursivas, ou seja, os discursos são governados
por formações ideológicas. São as formações discursivas que, em uma formação
ideológica específica e levando em conta uma relação de classe, determinam o
que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada em uma conjuntura já a
formação discursiva reflete o interdiscurso que é também subordinado à lei de
desigualdade-contradição-subordinação que “[...] caracteriza o complexo das
formações ideológicas" (PÊCHEUX, 1975, p.162).
Portanto os trajetos analíticos nos permitem pensar sobre as diferentes tomadas
de posição do sujeito e o modo como as suas filiações às formações ideológicas
e discursivas são diretamente decisivas para seu enunciado, uma vez que para
Pêcheux, são as formações imaginárias que permitem compreender o lugar que o
sujeito atribui a si e ao outro no processo discursivo. Cremos que, a partir dos
dispositivos analíticos da AD francesa temos como analisar esse discurso como
os sujeitos discursivos (que se constituem no interior de suas formações
discursivas) estão implicados na formulação e na circulação dos sentidos na
sociedade. Esse discurso se materializa e difunde-se através de sujeitos, dos
quais serão criadas diversas sequências discursivas, a serem analisadas, que
apresentam o recorrente enunciado.
Para Pêcheux (1975), as formações discursivas são elementos relacionados
diretamente com as formações ideológicas. Veja os fundamentos do conceito de
formação ideológica: em uma formação social dada, é possível identificar um
modo de produção específico que a domina e um estado de relações de classe
que a compõe. As práticas sociais vigentes através dos aparelhos estatais são a
forma concreta que essas relações de classe se expressam. Tais relações dão
espaço a posições de classe específicas, que não constituem indivíduos, mas
configuram formações que mantêm, entre si, relações de antagonismo, aliança ou
dominação.
Para a análise que será apresentada neste trabalho, considera-se a importância
das formações discursivas, uma vez que nesta análise existe a necessidade de
decifrar as pistas apresentadas pelo sujeito das enunciações do filme V de
vingança, para revelar o caráter ideológico do discurso, dessa forma, observando
os esquecimentos que envolvem o dizer para que seja possível apontar possíveis
problemáticas sociais que estejam relacionadas com a criação de inimigos, assim
traçar paralelos com ideologias de repressão ou libertárias que ao se
manifestarem discursivamente, movem indivíduos e situações que podem
provocar mudanças no espaço social.

INTERPELAÇÃO DO SUJEITO PELA IDEOLOGIA

De acordo com a teoria de Althusser (1985) a ideologia concebe a falsa


conscientização e compreensão do funcionamento do mundo. Em suas reflexões,
o filosofo tem como base segura, o trabalho do psicanalista Jacques Lacan.
Com base nos conceitos Lacanianos, Althusser afirma que a ideologia não seria a
repercussão do concreto, mas de retratar ou simbolizar vinculo ilusório com o
factual, conforme (Orlandi, 2005, p. 46), “este é o trabalho da ideologia ,produzir
evidência, colocando o homem na relação imaginaria com suas condições
materiais de existência”.
35

A ideologia sempre se manifesta por meio de ações e comportamentos, isto é,


expressa sua materialidade, como por exemplo, quando se recebe algum tipo de
ordem, pois desta forma se é assujeitado, assim como quando se acredita em
algo ou se pratica algum tipo de ritual, assim, tendo em vista que “não há discurso
sem sujeito e não há sujeito sem ideologia” (ORLANDI, 2005 apud. PÊCHEUX,
1975, p 17) o sujeito é interpelado pela ideologia, portanto desta forma
constituindo o sentido do dizer.
A todo instante o objetivo da ideologia é a formação de indivíduos independentes
como sujeitos dependentes, um exemplo mais óbvio seria o fato de cumprimentar
as pessoas, conhecido como o ritual do reconhecimento ideológico, mostrando a
individualidade de cada indivíduo, distinção entre ambos, por meio dessa
interpelação que os indivíduos são transformados em sujeitos.
Uma das sequelas da ideologia é a degeneração pratica do caráter ideológico da
mesma, essa nunca auto se denominaria “sou ideológica”.
De acordo com Orlandi (2005 p. 46), por sua vez, a evidência do sujeito- a de que
somos sempre já sujeitos- apaga o fato de que o individuo é interpelado em
sujeito pela ideologia. Esse é o paradoxo pelo qual o sujeito é chamado à
existência: sua interpelação pela ideologia. São essa evidencias que dão aos
sujeitos a realidade como sistema de significações percebidas, experimentas.
Essas evidencias funcionam pelos chamados “esquecimentos”, que referimos
anteriormente. Isso se dá de tal modo que a subordinação – assujeitamento se
realiza sob a forma da autonomia, como um interior sem exterior, esfumando se a
determinação do real (do interdiscurso), pelo modo mesmo com que ele funciona.
36

Conforme se observa os indivíduos serão sempre sujeitos, tornar se sujeito


ocorre mesmo antes de nascermos , uma proposta um tanto quanto paradoxal,
mas uma realidade, pois antes mesmo de um nascimento da criança, essa já
recebe o nome do pai e dessa forma já terá sua identidade decretada, quer dizer
o individuo nasce com o predestinado a ser o sujeito X, o sujeito tal.
Em suma não há realidade sem ideologia e não há discurso sem sujeito e da
mesma forma não há sujeito sem ideologia, todos se conectam, para existência
de um precisa existir o outro, embora existam discrepâncias em ambos, esses
caminham juntos.
É importante considerar a interpelação do sujeito pela ideologia para a
análise aqui apresentada, pois as enunciações selecionadas para este processo
analítico estão permeadas pela ideologia que refletem diretamente na criação de
inimigos, a observação desta interpelação, permite ao analista encontrar na
simbologia apresentada no discurso, as pistas que revelam o caráter ideológico
do sujeito.

PARÁFRASE E POLISSEMIA

A linguagem discursivamente pensada considera em seu funcionamento,


processos parafrásticos e polissêmicos. Do ponto de vista discursivo, a paráfrase,
é compreendida como um processo de repetição uma vez que no discurso, em
todo dizer há sempre um ideia que se mantém, ou seja, é a relação do discurso
com a memória do dizer. Orlandi(2005) ao teoricamente definir a paráfrase em
sua relação com a polissemia, aponta:

Quando pensamos discursivamente a linguagem, é difícil traçar limites


estritos entre o mesmo e o diferente. Daí considerarmos que todo o
funcionamento da linguagem se assenta na tensão entre processos
parafrásticos e processos polissêmicos. Os processos parafrásticos
pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é o
dizível, a memória. A paráfrase apresenta assim o retorno aos mesmos
espaços de dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer
sedimentado. A paráfrase está do lado da estabilização. Ao passo que,
na polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura de processos de
significação. Ela joga com o equívoco. (ORLANDI, 2005, p. 36)

A paráfrase e a polissemia são portanto, forças de significação que no discurso


trabalham o dizer fazendo com que todo discurso funcione por meio desses
polos, o já dito e o diferente, isto é, ao dizer, o sujeito é capaz de produzir algo
novo, no entanto para que isso aconteça, é necessário que ele tome como base,
uma infinidade de elementos discursivos que já existem e já significam de
maneira histórica, social e ideológica, assim, essa relação entre o mesmo e o
diferente (paráfrase e polissemia), é que os sujeitos e os sentidos proporcionam
fluidez em seu discurso e estabelecem seus significados, portanto, “a paráfrase
representa assim o retorno aos mesmos espaços do dizer” (ORLANDI, 2005,
p.36), é a matriz do sentido.
A Análise do Discurso compreende a noção de que o real da língua é sujeito a
falhas assim como o real da história é passível de ruptura, isto é, ao
constantemente movimentar o simbólico, considera-se que nem os sujeitos e os
sentidos estão prontos, assim interligados pela ideia de incompletude que
constituem sua existência sendo portanto essa a condição da linguagem, assim,
os sentidos e os sujeitos podem tanto ser parafrásticos mantendo-se os mesmos
em seu processo de significação discursiva, como também podem ser outros ou
não dependendo de como já estão determinados, inscritos ou constituídos na
história.
Assim, na Análise do Discurso a distinção entre a criatividade e a produtividade é
feita a partir da ideia de que a criatividade (regida pelo processo polissêmico),
implica a intervenção do diferente por meio da diversidade das ideias e a ruptura,
“do processo de produção da linguagem, pelo deslocamento de regras, fazendo
intervir o diferente, produzindo movimentos que afetam os sujeitos e os sentidos
na sua relação com a história e com a língua” (ORLANDI, 2005, p.36), enquanto
que a produtividade regida pelo processo parafrástico, produz variedade de
sentido a partir da repetição e de um constante retorno ao espaço do dizer. Dessa
forma, pode ser usada como exemplo, a mídia que apresenta a maior parte de
seu conteúdo dramático, não por meio da criatividade, mas pela produtividade,
visto que as novelas, por exemplo, seguem geralmente sempre o mesmo formato
de produção uma vez que apresentam a mesma estrutura narrativa com poucas
variações, fugindo, portanto da ideia de criatividade, já que este processo
depende, segundo Orlandi “um trabalho que ponha em conflito o já produzido e o
que vai-se instituir. Passagem do irrealizado ao possível, do não-sentido ao
sentido” (ORLANDI, 2005, p.37).
Observar a forma como os sujeitos são afetados pela ideologia e a maneira como
o dizer pode tanto se repetir como também se deslocar de regras já instituídas, é
um processo relevante para a construção da análise apresentada neste trabalho,
visto que por meio da identificação dos processos parafrásticos e polissêmicos, é
possível notar a constituição de novos dizeres bem como a ressignificação dos
sentidos.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

OBJETIVOS DA PESQUISA:

Como já especificado, este trabalho se fundamenta na Análise do Discurso


Francesa para interpretar a diversidade discursiva presente no filme V de
vingança. E para esse processo, esta pesquisa extrai do filme, específicas
enunciações discursivas cuja temática principal é a manipulação midiática em
suas relações de poder, ou seja, os enunciados selecionados para a composição
da materialidade deste trabalho são discursos que no contexto do filme são
apresentados por meio da televisão, portanto discorrendo em sua temática,
processos de manipulação, controle e alienação que a mídia pode exercer sobre
uma conjuntura social.
Paralelamente a essas observações, a ideia é reunir os discursos dispostos no
decorrer do filme, considerando que a linguagem não é transparente, ou seja,
que ela não busca atravessar o texto para se encontrar um sentido do outro lado,
mas pretende entender a ideia de “como o texto significa”, isto é, a questão não é
“o quê” mas o “como” e para responder a essa pergunta, o método de análise do
discurso proposto no trabalho não deve buscar conhecimentos já existentes ou
respostas prontas dentro do discurso apresentado, mas examinar as pistas para
revelar a forma como o discurso produz um conhecimento específico do próprio
texto partindo-se do principio de que este já possui materialidade simbólica
própria repleta de significados, portanto apontar a espessura semântica de cada
discurso apresentado.
A partir da exposição desta ideia de que a mídia (mais especificamente a televisão)
no filme V de Vingança, utiliza o discurso como meio de interferir na sociedade, o
objetivo desta pesquisa é utilizar a metodologia da Análise do Discurso Francesa
para explicitar a forma como esse discurso tem o poder manipular ideias e conceitos
que refletem na criação de inimigos na sociedade. A finalidade é por meio deste
apontamento, fragmentar elementos de específicas enunciações discursivas
presentes na mídia apresentada pelo filme, para revelar a composição das pistas que
se relacionam com ideologias tanto de repressão como de liberdade social e desta
forma expor e “desmascarar” o discurso midiático para revelar no mesmo a ideia de
transparência, isto é, fazer com que o filme sirva como uma demonstração para que
se entenda que o discurso apresentado pela mídia televisiva tem a capacidade de
influir conceitos sobre uma determinada conjuntura social.

PERCURSO TEÓRICO

A realização do trabalho é sustentada pelos conceitos da Análise do Discurso


Francesa que se apoia também nas reflexões de Foucault (1979) que considera
em sua obra A Ordem do Discurso, procedimentos de controle e exclusão do
discurso e explica o efeito discursivo por meio de processos internos e externos
de produção discursiva, cujo objetivo é esconder as reais forças que materializam
a constituição social, isto é, discursar de maneira na qual permaneça oculto o
papel das instituições nas construções de conceitos. Paralelamente se encaixa
neste nesse percurso teórico, os procedimentos de análise do discurso situados
por Eni Orlandi (2007) que compreende em sua reflexão as noções sujeito e as
condições de produção de seu discurso e interdiscurso, assim também considera
os esquecimentos que envolvem a enunciação, paráfrase e polissemia, relações
de força e sentido, formas imaginárias e discursivas, ideologia e sujeito em sua
forma histórica, bem como o funcionamento das instituições situado por Althusser
em sua teoria que revela os Aparelhos Ideológicos do Estado.
40

CORPUS DA PESQUISA

O percurso metodológico que será realizado nessa pesquisa, considera as


ressignificações que a fundamentação teoria sofrerá mediante o fenômeno
investigado. Essa postura investigativa enseja detalhar os caminhos percorridos a
fim de que a forma de se fazer a pesquisa seja coerente com o tema escolhido. O
estudo em questão opta pelo referencial teórico metodológico de análise do
discurso da linha francesa, a análise do discurso preocupa-se com a produção de
sentidos e a interpretação através da linguagem, compreende-se que o discurso
não é individual e que está atrelado ao contexto histórico e social, envolvendo-se
em um processo de significações e símbolos em suas decodificações. As
relações de linguagem se constituem em relações de sujeitos e sentidos, e seus
efeitos são múltiplos e variados. (ORLANDI, 2005).
A fundamentação referencial teórico da análise do discurso utilizado na análise do
filme “V de vingança” seguiu os seguintes passos: buscou, através da análise do
sentido da palavra, a produção de sentido, também buscou a ideologia presente
no discurso que está conectada com o contexto em que este sujeito está inserido.
Outro elemento da análise foi procurar compreender a ideologia condições da
produção, formações discursivas ideológicas, interpelação do sujeito, EU/OUTRO
do sujeito, contexto em relação ao próprio discurso, conexões, interdito e
intradiscursos, a análise compreende o discurso, do filme “V de vingança” e sua
especificidade na produção ideológica, em um contexto social e político de
transformações sociais utilizando de conceitos de paráfrase - polissemia, efeitos
de sentido, interdiscurso e intradiscurso.
ORLANDI (2005, p.29) Fala sobre a importância da fundamentação teórica. Ela
afirma que “[...] o referencial teórico da analise do discurso constrói sua prática
conjuntamente com todos os elementos acima citados, constitui, assim, uma
análise complexa”.
Em procedimentos metodológicos, situa-se a coleta e o exame do corpus, tais
como a criação de um sistema de transcrição e posteriormente apresentação dos
objetivos e do percurso teórico da pesquisa é evidenciado para que em seguida,
aponte-se as vantagens e os problemas no uso do discurso enquanto ferramenta
de manipulação midiática, definindo tópicos e partes que nortearão os capítulos
de analise, e por fim, propor a discussão sobre as implicações éticas e práticas
advindas do dispositivo do sujeito e o contexto histórico social da análise do
discurso.

FICHA TÉCNICA DAS PERSONAGENS

IMAGEM ATOR PERSONAGE DESCRIÇÃO DO


M PERSONAGEM
Hugo V V é o resultado da frustrada
Weavin experiência de testes
g comandados pelos membros do
Partido e futuros governantes do
país no campo de Larkhill, onde
eram levados os excluídos da
nova sociedade, o que incluía
minorias étnicas, sexuais,
imigrantes e ativistas políticos. V
é puro ódio contra aqueles que
lhe torturaram, manipularam suas
propriedades psíquicas e
fisiológicas, e esse desejo de
vingança, o combustível para
suas ações fazendo assim a sua
justiça pessoal, já que a justiça
legalmente constituída não
pertenceria mais aos cidadãos,
mas à classe dominante.
42

Natalie Evey Evey é uma jovem amante das


Portma Hammond artes, porém assustada e
n temerosa. Seus pais foram
executados pelas forças policiais
por serem ativistas políticos que
protestavam contra a ascensão
do grupo fascista ao poder e
ainda por cima, trabalha no canal
BTN, a TV estatal rigidamente
comandada pelo governo. Ela é
salva por V após quase ser
estuprada pelos Homens-Dedo
(policiais). Seu personagem
passa por uma verdadeira
metamorfose no decorrer da
história. Se no início do filme,
mostrava-se servil e obediente ao
sistema (apesar da plena
consciência da tirania no poder) e
às normas legais, depois passa a
compreender os propósitos de V,
forjando assim, não uma
consciência de classe, mas uma
consciência de luta contra a
opressão da sociedade. Outro
aspecto incorporado por Evey em
decorrência de sua convivência
com V é a ausência de uma
identidade própria.
43

Stephen Inspetor Finch Inspetor Finch, representa o fiel


Rea cumpridor de ordens do chanceler
em assuntos investigativos da
polícia. Também membro do
Partido, ele acredita que sua
missão em prol da sociedade é
manter a ordem e a unidade
através do trabalho na polícia.
44

Honesto, ele leva seu trabalho a


sério em seus princípios e
quando as sucessivas revelações
escusas sobre membros do
Partido são trazidas à tona em
suas investigações, começa a se
questionar sobre quais interesses
realmente representa.
Roger Lewis Prothero Lewis Prothero é um carismático
Allam comunicador e responsável pela
“voz do Destino” incumbido de
divulgar as notícias relacionadas
ao estado e a sua voz já havia se
tornado uma espécie de símbolo
para representar a voz do
destino. É um propagandista
oficial do Regime totalitário
descrito no filme. Tem o seu
programa de televisão semanal,
onde discursa para os britânicos.
Tim Peter Creedy Peter Creedy é o chefe da polícia
Pigott- secreta, "The Fingermen".
Smith

Stephen Gordon Gordon é um apresentador de


Fry Deitrich talk show / show de comédia e
revelou-se secretamente gay.
45

Rupert Dominic Stone Parceiro e protegido do inspetor


Graves Finch. Dominic é aquele que
descobre a conexão entre V e a
ex-equipe do campo de Larkhill.

Sinéad Delia Surridge Médica do campo de Larkhill.


Cusack Surridge é a única dos antigos
torturadores de V.

Natasha Valerie Page Aparece em uma série de


Wightman
flashbacks quando Evey
Hammond encontra sua carta, que
conta sua história quando a
mesma foi presa e torturada por
ser homossexual.
Imogen Valerie Page Interpreta a personagem quando
Poots jovem.

Ben Dascomb Dascombe é o chefe de


Miles propaganda do chanceler Adam
Susan.

Eddie Etheridge Etheridge é a cabeça de The Ear,


Marsan a divisão de áudio-vigilância do
governo de Norsefire.
46

John Anthony Lilliman é um bispo corrupto que


Standin James Lilliman molesta as meninas, que
g pertence ao Partido Norsefire na
Igreja da Inglaterra.

Guy Heyer Chefe do The Eye, o


Henry departamento de vigilância visual
de Norsefire.

Clive Guy Fawkes Também conhecido como Gudo


Ashborn Fawkes, foi um soldado inglês
que teve participação na
"Conspiração da pólvora", na qual
pretendia assassinar o rei
protestante da Inglaterra.
Mark Willy Um dos três Fingermens que
Phoenix Fingerman abordam Evey na rua e são
impedidos por V.

Alister Baldy Um dos três Fingermens que


Mazzotti Fingerman abordam Evey na rua e são
impedidos por V.

Ian Tweed Coat Um dos três Fingermens que


Burfield Fingerman abordam Evey na rua e são
impedidos por V.
ANÁLISE
O DISCURSO DE LEWIS PROTHERO

O discurso midiático em sua vasta capacidade de produzir significado reúne


códigos específicos que produzem efeitos na conjuntura social. Nesse sentido, a
mídia é constituída como uma grande indústria que pode ou não corresponder a
instituições hegemônicas e veicula elementos que carregam uma série de
significados capazes de interferir na realidade social.
Ao considerar um universo de possibilidades para a produção de significados, a
Analise do Discurso interpreta enunciados midiáticos, buscando identificar em
elementos constituintes de seu texto, peças que produzem efeitos de sentidos
conforme relacionadas aos contextos sociais, históricos e ideológicos nas quais
se inserem. Desta forma, no discurso midiático, procura-se avaliar toda a
composição do enunciado de forma a desvendar elementos chaves que ao se
encaixarem uns nos outros, vão produzindo os efeitos de sentido que interferem
na sociedade ao construírem conceitos.
Assim, a Análise do Discurso considera no enunciado midiático (e também no
cinema), o lugar do sujeito a quem e de que forma ele se dirige, observando seu
caráter ideológico e os interesses de seu dizer ao avaliar aspectos semânticos e
semióticos, isto é, que palavras são escolhidas pelo sujeito (que ao ser
interpelado pela ideologia, também passa pelo processo de ser escolhido pelas
palavras) e a maneira como se configuram, as formas gráficas e tipográficas, a
cromatografia, o tom de voz, o diálogo do discurso em relação à conceitos e
ideias já constituídas na história dentre outros aspectos que são tomados como
base para analisar e contextualizar o discurso.
A ideia de se basear nesses critérios específicos para decifrar elementos
discursivos configurados em enunciações midiáticas, não é apenas uma forma de
problematizar os sistemas hegemônicos e repressivos que envolvem o discurso,
mas também um meio de atentar-se às formas de manipulação da mídia, visando
a importância de não permitir que essa indústria em sua relação com instituições
repressivas, construam na sociedade, conceitos que partem de seus interesses
pessoais interligados a ideologias de exclusão, violência e segregação, pois
esses discursos adquirem legitimidade, quando proferidos pela mídia uma vez
que são representados por figuras inseridas em idealizações hierarquias que
correspondem às relações de poder, isto é, governantes, médicos, executivos,
professores, advogados – “[...] ninguém se deixe enganar mesmo na ordem do
discurso verdadeiro, mesmo na ordem do discurso publicado e livre de qualquer
ritual, se exercem ainda formas de apropriação de segredo e de não-
-permutabilidade” (FOUCAULT, 1998, p. 41).

A análise apresentada neste trabalho será conduzida a partir de três enunciações


extraídas do filme V de vingança, sendo a primeira, um discurso apresentado pelo
personagem Lewis Prothero que é proferido por meio da mídia. A segunda
enunciação, é um discurso apresentado pelo personagem V em uma cena do
filme na qual ele invade os canais de comunicação do país para se expressar
contra o governo autoritário da Inglaterra. A terceira enunciação a ser analisada,
se baseia no discurso de V que se estabelece por meio de um diálogo entre ele e
a personagem Evey. A análise discursiva dessas três enunciações serão
fundamentadas principalmente nos princípios e procedimentos da Análise do
Discurso refletidos por Eni Orlandi (2005), assim, o trabalho analítico será
constituído por meio da interpretação do discurso em um processo de
identificação dos princípios:

 Condições de produção e interdiscurso


 Esquecimentos
 Paráfrase e Polissemia
 Relações de Força e de sentido, Antecipação e formações imaginárias
 Formações discursivas
 Ideologia e Sujeito
 Sujeito e sua forma histórica
 Incompletude: Movimento, deslocamento e ruptura
 Procedimentos de controle e exclusão do discurso
 Procedimentos de imposição de regras ao aos sujeitos do discurso

49

Em paralelo com esse processo, serão também consideradas na interpretação


dos enunciados para a composição desta análise discursiva, os mecanismos de
interpretação refletidos por Foucault (1998), isto é, os procedimentos de controle
e exclusão do discurso e os procedimentos de imposição de regras aos sujeitos
do discurso. Desta forma, o trabalho analítico apresentado, identificará no
discurso os processos de significação que se constituem em sua relação com a
memória, a ideologia, a forma como se repetem ou se mantém para a construção
de novos dizeres.

A Análise do Discurso é o estudo que compreende a língua fazendo sentido


enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do
homem e da sua história.
Em sua conjuntura intelectual, é marcada pelo fato de que a noção da leitura é
posta em suspenso e tem como fundamento, a questão do sentido, constitui-se
no espaço em que a linguística tem a ver com a Filosofia e com as Ciências
Sociais, logo, na perspectiva discursiva, “a linguagem é linguagem porque faz
sentido e a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história” (Orlandi,
2005, p.23).
O trabalho analítico aqui apresentado, visa a compreensão de como um objeto
simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por
sujeitos, procura explicar como o texto organiza os gestos de interpretação que
relacionam sujeito e sentido.
50

Antes de estabelecer o ponto inicial da análise, é necessário construir um


dispositivo de interpretação. Esta pesquisa tem o objetivo de apontar específicos
enunciados do filme V de vingança e classificar seus elementos simbólicos em
suas devidas modalidades de funcionamento discursivo, com a finalidade de
evidenciar os efeitos do discurso midiático em uma conjuntura social.

O dispositivo, a escuta discursiva, deve explicitar os gestos de


interpretação que se ligam aos processos de identificação dos
sujeitos, suas filiações de sentidos: descrever a relação do sujeito
com a memória. Nessa empreitada, descrição e interpretação se
interrelacionam. E é também tarefa do analista distingui-las em
seu propósito de compreensão. (ORLANDI, 2005, p. 60).

A Análise do Discurso Francesa trabalha a relação língua-discurso-


ideologia ao partir-se da ideia de que a materialidade específica da ideologia é o
discurso e a materialidade específica do discurso é a língua, ou seja, a base da
ideologia é o discurso, assim como a base do discurso é a língua. Essa relação
se complementa com o fato de que segundo Pêcheux (1975/1988), não há
discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia, pois a ideologia apenas faz
sentido partindo-se do princípio de que o indivíduo é notificado em sujeito pela
ideologia, ou seja, no discurso, essa relação entre língua e ideologia,
compreende-se como a língua produz sentidos por/para sujeitos. Desta forma,
é possível afirmar que linguagem não é transparente ou neutra, mas
impregnada de uma simbologia que agrega sentido no mundo entre os sujeitos
através da história, assim influenciando e construindo conceitos e pensamentos
que refletem e interferem cotidianamente em nossa conjuntura social.
Antes de iniciar a análise dos enunciados que selecionamos do filme, é
importante verificar o contexto ideológico do mesmo para que seja possível
compreender não apenas quais, mas como e de que forma se constroem as
relações de poder ou resistência no decorrer do longa metragem, e assim
analisar sua discursividade de forma com que seja possível apontar os artifícios
que tornam o discurso uma ferramenta funcional. Além dessa contextualização, o
início da análise também apresenta alguns conceitos básicos da Análise do
Discurso que funcionam no filme, isto é, as condições de produção, o
interdiscurso, paráfrase e polissemia, relações de força e sentido, antecipação,
formações imaginárias, formação discursiva, ideologia e sujeito, sujeito e sua
forma histórica e incompletude.

CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E INTERDISCURSO

CONTEXTO IMEDIATO, CONTEXTO AMPLO E INTERDISCURSO

As condições de produção compreendem o contexto imediato, os sujeitos e a


situação. E dessa forma, incluem-se nessas condições, o contexto sócio-histórico
e ideológico, assim, o contexto imediato refere-se ao local onde o discurso
acontece, ou seja, o específico espaço dessa conjuntura social que o determina
apropriado para o funcionamento do discurso. Paralelamente a essas noções, o
contexto amplo é segundo Orlandi (1999 p.31), “o que traz para a consideração
dos efeitos de sentidos elementos que derivam da forma de nossa sociedade,
com suas Instituições, entre elas a Universidade, no modo como elege
representantes, como organiza o poder, distribuindo posições de mando e
obediência.

Aos dois minutos e vinte e cinco segundos do filme V de Vingança, Evey


Hammond (Natalie Portman) a protagonista do filme, é apresentada se
preparando para sair de casa. Neste momento, a televisão está ligada e o que se
passa é o discurso de Lewis Prothero, um propagandista conhecido como “a voz
de Londres”, representante audiovisual do Estado totalitário. Seu discurso
transmitido pela televisão reúne elementos discursivos que significam e
expressam ideias, ideias que o interlocutor é capaz de captar, processar e
compreender conforme os conceitos que já lhe estão instituídos em sua
conjuntura social.
Dentre os diversos elementos discursivos dispostos no primeiro discurso de Lewis
Prothero proferido no filme, o enquadramento visual utilizado pelo noticiário que
transmite seu discurso, dispõe de planos próximos e closes, isto é, aproximações
com a câmera que visam o foco do interlocutor no rosto do sujeito, desta forma
transmitindo a ideia de “verdade” e atenção.
Na medida em que profere seu discurso, a imagem de Lewis Prothero é colocada
em enquadramentos muito próximos de seu rosto, o que induz o interlocutor à
ideia de verdade e atenção.

Bem, eu li que os antigos Estados Unidos estão tão


desesperados por suprimentos médicos que eles
supostamente mandaram várias caixas com trigo e tabaco,
um gesto disseram eles de boa vontade, querem a minha
opinião? Como estão vendo o meu programa eu acredito
que querem! Acho que já é hora de deixarmos essas
colonias saberem o que pensamos delas, é hora de nos
vingarmos de um cházinho que eles nos deram a algumas
centenas de anos, sugiro que a gente vá àquelas docas
essa noite e jogue essas caixas no lugar onde tudo o que
vem dos escrotos ulcerados da avertérica merecem! Quem
vai comigo? Quem é que concorda? Gostaram dessa? EUA,
escrotos ulcerados da avertérica. Ora, do que mais
podemos chama-los, eis um pais que tinha tudo,
absolutamente tudo, e agora 20 anos depois é o quê? A
maior colônia de leprosos do mundo! Por quê? Falta de fé!
Eu vou repetir: falta de fé! Não foi a guerra que começaram,
não foi a praga que criaram, foi o juizo final, ninguém
escapa do passado, ninguém escapa do juizo final. Acham
que não há um Deus? Vocês acham que ele não cuida
deste pais? Como explicam então? Ele nos testou, mas nós
vencemos! Fizemos o que tinhamos que fazer, (...) eu estive
lá, eu vi tudo, imigrantes, muçulmanos, homossexuais,
terroristas degenerados cheios de doenças, tiveram que
morrer, força pela unidade e unidade pela fé! Eu sou um
inglês temente a Deus e tenho muito orgulho disso! (Lewis
Prother, V de Vingança, 2:25)

A partir das definições de contexto citadas acima e levando em consideração que


o contexto imediato é o espaço de reprodução do discurso, observa-se que o fato
de esse discurso ser proferido pela televisão, faz com que esse veículo de
comunicação seja portanto, o contexto imediato desse discurso.
Dessa forma, ainda considerando os aspectos das condições de produção,
observa-se que nesse discurso proferido por Lewis Prothero, o contexto amplo é
notado por meio das citações institucionais do sujeito, pois essas citações
produzem efeito de sentido por meio de elementos que remetem às formas
sociais estruturais organizadas em suas relações de poder.
Neste discurso de Lewis Prothero, evidencia-se o caráter ideológico do sujeito por
meio deste contexto amplo que é o sócio-histórico e ideológico. Neste contexto, a
relação social da Inglaterra com os EUA, revela uma densa tensão que deriva de
um acontecimento histórico fictício entre esses dois países. Paralelamente nesse
contexto amplo, o sujeito revela seu caráter ideológico excludente e opressor que
reproduz sua intolerância contra grupos sociais específicos (imigrantes,
homossexuais, muçulmanos), portanto remetendo à ideia de um conservadorismo
cristão que se reforça ao exaltar uma inquestionável existência e interferência
divina na sociedade, assim, partindo-se do princípio de que o interdiscurso ou
memória discursiva é a constituição do discurso em relação a outro já existente,
nessa enunciação do personagem Lewis Prothero, o interdiscurso é portanto
determinado pelo discurso fascista e também religioso (ao mencionar a
importância de sua fé religiosa para o bom funcionamento de um sistema) ou
seja, um discurso já existente que funciona histórica e ideologicamente ao ser
apropriado por um conjunto de ideias.
Também é possível identificar neste discurso, um dos procedimentos de
imposição de regras ao sujeito, isto é, o caráter doutrinário do sujeito que
organiza suas ideias e as direciona para um grupo de interlocutores que as aceita
como verdade. Assim, também é possível notar em seu dizer, um procedimento
externo de controle e exclusão do discurso que é a vontade de verdade do sujeito
revelada pela forma como ele busca sua razão alimentada institucionalmente e
que se distancia de pensamentos contrários às suas próprias ideias.

ESQUECIMENTOS

No contexto deste discurso, o esquecimento “número dois” que é da ordem da


enunciação, é formulado por Lewis Prothero por meio de seu caráter persuasivo
visto que essa modalidade da interpretação discursiva diz respeito a tudo aquilo
que é dito de uma forma e não de outra, porém indicando que sempre poderia ser
dito de uma outra forma.
Para Pêcheux (1975/1988), essa forma de esquecimento no discurso,
compreende a ideia da formação de famílias parafrásticas que ao indiciarem que
o dizer sempre pode ser outro, produz em nós a impressão da realidade do
pensamento. Trata-se de uma ilusão referencial, isto é, o esquecimento parcial e
semi-consciente.

(...) é hora de nos vingarmos de um cházinho que eles nos deram a algumas
centenas de anos, sugiro que a gente vá àquelas docas essa noite e jogue essas
caixas no lugar onde tudo o que vem dos escrotos ulcerados da avertérica
merecem! (Lewis Prothero, V de Vingança,2:50)

Nesse trecho, identifica-se no discurso esse tipo de esquecimento implícito na


forma como o sujeito convida seu interlocutor a participar e até a
praticar um ato específico, nesse caso, o de rejeitar as “caixas de trigo e
tabaco” por meio de uma agressividade explícita, a de jogá-las “no lugar onde
tudo o que vem dos escrotos ulcerados da avertérica merecem”.

O outro esquecimento número um, também chamado esquecimento


ideológico: ele é do inconsciente e surge do modo como somos
influenciados pela ideologia. Aí temos a ilusão de ser a origem do que
dizemos quando na realidade retomamos sentidos pré-existentes. Os
sentidos são determinados pela maneira como nos inscrevemos na
língua e na história e é por isto que significam e não pela nossa vontade.
Quando nascemos os discursos já estão em processo, aí é que nós
entramos, o que não significa que não haja singularidade na maneira
como a língua e a história nos afetam. Elas se realizam em nós em sua
materialidade. Essa é uma determinação necessária para que haja
sentidos e sujeitos. Por isso é que dizemos que o esquecimento é
estruturante. As ilusões não são defeitos, são uma necessidade para
que a linguagem funcione nos sujeitos e na produção de sentidos.
Sentidos e sujeitos estão sempre em movimento,significando sempre de
muitas e variadas maneiras, sempre as mesmas, mas ao mesmo tempo,
sempre outras.(ORLANDI, 2005, p. 35)

Pode-se afirmar que o tipo de esquecimento “número um” também se


faz presente nesse discurso de Lewis Prothero, uma vez que ao proferir, ele não
se baseia conscientemente em ideologias que já existem, o sujeito não cita ou faz
alusão direta a ideologia que predomina e permeia sua enunciação, mas afirma
que seu pensamento é determinado por situações que ele próprio presenciou:

(...) eu estive lá, eu vi tudo, imigrantes, muçulmanos, homossexuais,


terroristas degenerados cheios de doenças, tiveram que morrer, força pela
unidade e unidade pela fé! Eu sou um inglês temente a Deus e tenho muito
orgulho disso! (Lewis Prothero – V de Vingança, 3:50)
PARÁFRASE E POLISSEMIA

Como já dito na fundamentação teórica desta pesquisa, considera-se que o


funcionamento da linguagem é determinado também por processos parafrásticos
e processos polissêmicos, referem-se aos processos parafrásticos os dizeres nos
quais há sempre algo que se mantêm (a memória e o dizível), assim criando a
possibilidade de produzir diversas formulações de um mesmo dizer, portanto
colocando a paráfrase dentro da noção de equilíbrio.
Em contrapartida, a polissemia é compreendida por meio da ideia do
deslocamento, a ruptura de processos de significação, segundo Orlandi (2005)
“ela joga com o equívoco, portanto essas são duas forças que trabalham
continuamente o dizer, de modo que todo discurso se faz na tensão entre o igual
e o diferente”. Assim, o efeito polissêmico ao estar relacionado à ruptura,
rompimento de ideias e à criatividade, não permeia esse discurso de Lewis
Prothero que se institui por meio do processos que caracterizam a produtividade.
Assim, considerando essas reflexões, constitui-se no discurso de Lewis Prothero,
o efeito de paráfrase, uma vez que nesse, são mantidas ideias que se repetem na
história e na sociedade através de novas formulações. Um exemplo dessa
repetição é a ideia da xenofobia, da homofobia e da intolerância religiosa. De
forma geral, a exclusão de determinados grupos de pessoas que
é presente em diversos contextos históricos. Assim, pode-se identificar o
processo parafrástico presente nesse discurso de Lewis Prothero, ao recorrer à
história e à ideologia que se faz presente em acontecimentos históricos
específicos.
O jogo parafrástico em V de Vingança funciona por meio de suas
referências ideológicas e grande parte delas, estão interligadas ao nazismo. É
possível observar a repetição desse processo ideológico ao observar a forma como
a estrutura do monopólio se organiza e distribui suas ações para provocar efeitos
específicos na sociedade. O primeiro exemplo disso é o uso do medo para a
ascensão ao poder. Assim como historicamente falando, Hitler por meio de seu
discurso instituiu o medo por meio da propagação do antissemitismo, Sutler
instituiu o medo por meio do terrorismo biológico.
Outro exemplo de alusão ao nazismo, são as características de liderança
semelhantes entre Adam Sutler e Adolf Hitler. Dentre essas, o discurso
carismático que incita nas pessoas, as emoções. Assim, paralelamente, a
propaganda por meio da qual veicula o discurso, também é um elemento que
interliga o filme e a historicidade com relação ao nazismo.
Tanto na historicidade fictícia do filme como no nazismo, faz-se presente a ideia
de campos de concentração que reúnem grupos minoritários específicos
rejeitados pelo pensamento cristão e conservador. Assim como também, a ideia
da “polícia secreta”, que no filme é representada pelos “homens dedo”, enquanto
que na historicidade nazista, o “Gestapo” era a polícia que comandada por Hitler,
levava as pessoas para os campos de concentração.
Ocorre também no filme, a ressignificação de sentidos que em um primeiro
momento funcionam segundo as imposições institucionais e vão se
transformando conforme os acontecimentos, assim, o desenvolvimento de um
processo polissêmico. É possível detectar o funcionamento deste processo ao
partir-se do princípio de que primeiramente, os cidadãos possuem conceitos que
são diretamente influenciados pela mídia televisiva e pela propaganda autoritária
do Estado na voz de Lewis Prothero. Neste contexto, os ataques de V são
classificados pela mídia como ataque terrorista. É comum na perspectiva social
da realidade, observar que indivíduos que manifestam ações de resistência
diretamente contra o sistema, sejam classificados pela mídia como “terroristas” e
é também nessa repetição que a ideia da paráfrase se manifesta no discurso de
Lewis Prothero. Paralelamente, o processo polissêmico também se constitui
nesse contexto a partir do momento em que no filme, a sociedade ao consentir
as ações de V, faz que o significado de “terrorista”, seja transformado em algo
novo e diferente, isto é, um herói.

RELAÇÕES DE FORÇA E RELAÇÕES DE SENTIDOS, ANTECIPAÇÃO:


FORMAÇÕES IMAGINÁRIAS

As Relações de Força, ao “lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do


que ele diz” (Orlandi, 2005, p.39), isto é a partir das condições de seu dizer,
existem posições que caracterizam o lugar de fala do sujeito, isso significa que
por exemplo, um professor e um aluno falam a partir de posições distintas que
“valem” mais ou menos de acordo com as posições hierárquicas nas quais se
encontram.
Logo, a partir dessas definições, é possível identificar no discurso de Lewis
Prothero, as Relações de Força levando em conta a construção do personagem
que antes de ter se tornado a “voz do Estado”, ocupava um cargo de comandante
do campo que prendia as pessoas pertencentes aos grupos minoritários
rejeitados pelo governo. Assim, considerando que o dizer é característico do lugar
de onde fala o sujeito, constitui-se nesse discurso as relações de poder ao
relacionar as características das ideologias que permeiam o militarismo com o
discurso proferido. Assim, levando em consideração o caráter excludente,
agressivo e repressivo que historicamente falando foi reproduzido pelo
militarismo, conclui-se que o funcionamento desse discurso não apenas advém
de ideologias fascistas, como também compreende a posição do sujeito (a de ex
comandante) como critério essencial para a caracterização dessas Relações de
Força.
Paralelamente, as Relações de Sentido é a noção de que todo discurso
é interligado a outros considerando que eles se sustentam, se apontam e se
instituem por meio dessas relações na qual torna-se possível dizer que “não há
discurso que não se relacione com outros”, (Orlandi 2005). Logo, ao identificar no
discurso de Lewis Prothero, todas as ideologias que permeiam sua enunciação, é
possível a partir desta, estabelecer um paralelo com outros discursos do mesmo
caráter ideológico que se sustentam e se apontam inevitavelmente. Um exemplo
dessa relação de sentido nesse discurso agressivo proferido por Lewis Prothero,
está no uso repressivo da fé, ou seja, o ênfase em na religião como base
justificativa para a prática de determinadas ações:

Eu acredito que hoje eu estou agindo no sentido de o Criador Todo-


Poderoso. Ao repelir os judeus eu estou lutando pelo trabalho do
Senhor. (Adolf Hitler, Discurso no Reichstag, 1936)

É também um elemento discursivo presente na enunciação de Lewis


Prothero, a Antecipação, esta se define pela capacidade que o sujeito tem de
colocar-se na posição em que seu interlocutor se encontra, antecipando assim, o
sentido que as palavras produzem, isto é, o sujeito prevê a a forma como seu
interlocutor deve reagir ao discurso e desta forma regula sua argumentação
fazendo com que seu dizer seja feito de uma forma e não de outra. Assim, no
discurso de Prothero, observa-se essa antecipação permear todo o discurso uma
vez que as palavras se configuram de forma tendenciosa:
Bem, eu li que os antigos Estados Unidos estão tão desesperados por
suprimentos médicos (...). (Lewis Prohero – V de vingança, 2:25)

Nesse caso, o sujeito não prioriza a fonte de sua afirmação, pois para ele não é
importante evidenciar uma informação, mas usar um suposto acontecimento
como pretexto para jogar um indivíduo contra o outro (os EUA contra a
Inglaterra), mesmo assim, o sujeito prevê a possibilidade de o interlocutor sentir a
necessidade de uma fonte dessa informação, por isso afirma que apenas “leu” a
notícia desse suposto acontecimento.
Por meio desse mesmo mecanismo de Antecipação, o sujeito também determina
a configuração de suas palavras ao prever que sua colocação insere-se em um
contexto que pode ser desnecessariamente agressivo, por esta razão, ele faz
com que sua sua agressividade seja justificável pela ideia de que o indivíduo a
quem se agride, merece tal agressão:

EUA, escrotos ulcerados da avertérica. Ora, do que mais podemos


chamá-los, eis um pais que tinha tudo, absolutamente tudo, e agora 20
anos depois é o quê? A maior colônia de leprosos do mundo! Por quê?
Falta de fé! Eu vou repetir: falta de fé!”. (Lewis Prothero, V de vingança,
3:07)

Ou seja, o sujeito conduz sua enunciação de modo a fazer com que a “falta de fé”
seja um problema passível de sofrer agressão.

Resta acrescentar que todos esses mecanismos de funcionamento do


discurso repousam no que chamamos formações imaginárias. Assim
não são os sujeitos físicos nem os seus lugares empíricos como tal, isto
é, como estão inscritos na sociedade, e que poderiam ser
sociologicamente descritos, que funcionam no discurso, mas suas
imagens que resultam de projeções. São essas projeções que permitem
passar das situações empíricas – os lugares dos sujeitos – para as
posições do sujeito no discurso. Essa é a distinção entre lugar posição.
(Orlandi 2005 p.40)

FORMAÇÕES DISCURSIVAS

De acordo com Orlandi (2007 p. 43) “a formação discursiva se define como aquilo
que numa formação ideológica dada, ou seja, a partir de uma posição dada em
uma conjuntura sócio-histórica dada, determina o que pode e
o que deve ser dito”.
É portanto considerando e partindo do princípio de que as palavras não se
significam sozinhas fazendo sentido em si mesmas mas através da formação
ideológica e discursiva presente no contexto no qual se inserem, que se é seguro
afirmar o caráter ideológico de cada discurso.
No discurso de Prothero aqui analisado, o caráter ideológico é identificado pela
memória discursiva que ao ser analisada, se relaciona não apenas à outros
discursos, mas como também à fatos e contextos históricos que apresentam
determinados tipos de ideologia. Desta forma, apenas é possível afirmar que esse
discurso de Lewis Prothero faz relação com a ideologia fascista, porque a
historicidade presente na caracterização dessa ideologia, nos confere elementos
dessas posições ideológicas que estão em jogo com no processo sócio-histórico
em que as palavras são produzidas, isto é, a agressão contra grupos sociais
minoritários, a evidenciação da fé como verdade absoluta e modelo de regras e o
caráter ameaçador do sujeito. Porém esta relação ideológica não se restringe
apenas ao fascismo, mas também a outros acontecimentos históricos que
conferem a repulsa contra grupos não cristãos, com por exemplo a catequização
dos índios por parte dos Jesuítas que no ano de 1.500 consideravam a cultura e
religiosidade indígena não apenas como “falta de fé” mas também como
selvageria.

Acham que não há um Deus? Vocês acham que ele não


cuida deste pais? Como explicam então? Ele nos testou,
mas nós vencemos! Fizemos o que tinhamos que fazer, (...)
eu estive lá, eu vi tudo, imigrantes, muçulmanos,
homossexuais, terroristas degenerados cheios de doenças,
tiveram que morrer, força pela unidade e unidade pela fé!
Eu sou um inglês temente a Deus e tenho muito orgulho
disso! (Lewis Prothero, V de vingança, 3:36)

O trecho acima serve como um exemplo de formação discursiva. A instituição do


caráter ideológico do sujeito apenas é visível para o analista, uma vez que na
história existem acontecimentos que se referem à ideologias que já reproduziram
o mesmo tipo de discurso.
Ao responsabilizar uma suposta punição divina que envolve imigrantes,
muçulmanos e homossexuais e paralelamente considerar na historicidade, fatos
que coincidem com esse mesmo tipo de discurso, conclui-se que a constituição
do sentido se dá por meio desses outros discursos já enraizados na história, pois
sem esses acontecimentos históricos carregados pela idologia, a constituição de
sentidos seria abstrata e dependente do ponto de vista de cada interlocutor em
vez de única e específica.
IDEOLOGIA E SUJEITO

Em todo discurso, a presença da ideologia é marcada pela ideia que não há


sentido sem interpretação. Assim, segundo Orlandi (2007), “a ideologia é a
condição para a formação do sujeito e dos sentidos. Pela ideologia o sujeito
produz o dizer”.
A interpretação do discurso de Lewis Prothero analisado nesse trabalho, leva em
consideração a memória discursiva que funciona resgatando na história, objetos
simbólicos que se relacionam com esse discurso. E por meio desse
procedimento, observa-se que a ideologia ao se constituir, revela os sentidos e os
sujeitos. Assim, apenas conhecemos o caráter ideológico do sujeito, ao
considerar na interpretação, outros discursos proferidos anteriormente.
Segundo Orlandi (2007), “o sentido é assim uma relação determinada do sujeito –
afetado pela língua – com a história”, a autenticidade dessa definição pode ser
observada durante todo o discurso de Prothero, pois nele observa-se que ao
proferir, o sujeito faz uso da língua e o sentido se constitui ao reproduzir por
diversas vezes, ideias que se repetem na história. Essas ideias são expressados
por meio de diversos objetos simbólicos, como por exemplo a repulsa pela “falta
de fé”, já expressada por outros ditadores presentes na história.

O trabalho ideológico é um trabalho da memória e do esquecimento é só


quando passa para o anonimato que o dizer produz seu efeito de
literalidade. A impressão do sentido é justamente quando esquecemos
quem disse “colonização”, quando onde e porquê, que o sentido de
colonização produz seus efeitos” (Orlandi, 2005, p.49)

Desta forma, deve-se considerar ao analisar o discurso de Lewis Prothero, que o


sujeito ao dizer não se baseia em uma ideia da qual se declara um seguidor, mas
através de suas próprias palavras, acredita ser a prórpia fonte de sua fala e
assim, seu interlocutor que desconhece o caráter ideológico do sujeito, “tem a
ilusão de que os sentidos ali significam segundo sua vontade imediata”, Orlandi
(2007, p.50).

O SUJEITO EM SUA FORMA HISTÓRICA

Ao proferir seu discurso, o sujeito goza da liberdade de tudo poder dizer,


entretanto ele se assujeita à língua ficando submisso a ela para que tudo possa
ser dito, assim caindo no que a AD chama de Assujeitamento, portanto é correto
afirmar que como todo sujeito, Lewis Prothero é submisso à língua e seu discurso
logo, assujeitado por ela.
De acordo com Orlandi (2005, p.5), na idade Média, a forma-sujeito mais comum
era a de um sujeito que geralmente se apresentava de forma a explicitar seu
caráter religioso, diferente do sujeito de direito que se faz mais presente do que o
primeiro na atual sociedade visto que com as transformações sociais ele se
molda e faz com que sua subordinação se torne menos explícita, pois seu
condicionamento religioso se converte para uma forma social na qual o sujeito é
submisso às leis do homem e ao sistema capitalista. Essa submissão às normais
sociais ditadas implicitamente por um capitalismo que age “por trás” do sujeito,
faz com que essa subordinação seja menos visível, assim o sujeito acredita estar
em plena liberdade individual quando na realidade está assujeitado ao sistema
capitalista.
Em seu discurso, Lewis Prothero pode ser considerado um sujeito-de-direito visto
que seu dizer o caracteriza como o “efeito de uma estrutura social bem
determinada (Orlandi 2005)”, é possível observar este fato devido aos objetos
simbólicos que reproduz, objetos esses que revelam sua submissão ao Estado,
pois as ideias essencialmente conservadoras e capitalistas deste Estado, refletem
no dizer do sujeito, sem que ele se dê conta disso, ao revelar seu caráter
religioso, o sujeito não o institui a partir do emprego de sua própria fé, não
promove uma religião específica, mas implícita seu caráter religioso ao mencionar
seu “temor a Deus” e faz isso não por meio de si próprio como fonte original do
discurso, mas interpelado pela ideologia e assujeitado pelo contexto social no
qual está inserido, isto é, reproduz um dizer que ao revelar certa religiosidade, se
relaciona com uma ideia que já predomina o contexto amplo, mesmo antes da
constituição do próprio sujeito:

Acho que já é hora de deixarmos essas colônias saberem o que


pensamos delas, é hora de nos vingarmos de um cházinho que eles nos
deram a algumas centenas de anos, sugiro que a gente vá àquelas
docas essa noite e jogue essas caixas no lugar onde tudo o que vem
dos escrotos ulcerados da avertérica merecem! Quem vai comigo?
Quem é que concorda? Gostaram dessa? EUA, escrotos ulcerados da
avertérica. (Lewis Prothero, V de vingança, 2:45)62

Ao referir-se pejorativamente aos Estados Unidos, o sujeito acredita estar


expressando uma opinião própria, quando na verdade está reproduzindo uma
ideia já enraizada no sistema capitalista e conservador no qual está inserido.
Paralelamente, o sujeito em seu dizer produz a ilusão de transparência,
rementendo assim à noção de literaridade, isso pode ser observado no trecho:

EUA, escrotos ulcerados da avertérica. Ora, do que mais podemos


chama-los, eis um pais que tinha tudo, absolutamente tudo, e agora 20
anos depois é o quê? A maior colônia de leprosos do mundo! Por quê?
Falta de fé! (Lewis Prothero, V de vingança, 3:05)

Neste trecho, a convicção do sujeito produz a ilusão da transparência, pois seu


dizer é carregado por uma ideia que é justificada por um equívoco do sujeito, pois
ele acredita produzir seu dizer com transparência ao afirmar que os EUA são uma
“colônia de leprosos” devido ao fato de terem perdido tudo.

INCOMPLETUDE: MOVIMENTO, DESLOCAMENTO E RUPTURA

Para Orlandi (2005, p.52), “a condição da linguagem é a incompletude, nem


sujeitos nem sentidos estão completos, já feitos e constituídos definitivamente.
Constituem-se e funcionam sob o modo do entremeio, da relação, da falta, do
movimento. Essa incompletude atesta a abertura do simbólico, pois a falta é
também o lugar do possível”.
É possível identificar essa modalidade discursiva na enunciação de
Lewis Prothero, uma vez que nesse discurso, o sujeito constitui seu significado a
partir de condições determinadas nas quais ele é movido de pela língua em
paralelo com suas experiências do mundo, isto é, através de fatos que reclamam
sentidos em paralelo com sua memória discursiva. No contexto desse discurso no
qual Lewis Prothero afirma que viu homossexuais, terroristas e imigrantes, a
condição determinada é a exclusão social contra os grupos minoritários citados
na enunciação (imigrantes, mulçumanos, homossexuais), pois esta ideia deriva
da reprodução de outras ideologias já existentes que operam na conjuntura
social, isto é, conservadorismo cristão, nazismo e fascismo, por exemplo. E a
articulação dessas ideias reproduzidas no discurso de Lewis Prothero, com
ideologias já constituídas, ligam esse discurso à uma forma de repetição histórica,
que segundo Orlandi (2005, p.54) “é a que desloca, permite o movimento porque
historiciza o dizer e o sujeito, fazendo fluir o discurso, nos seus percursos,
trabalhando o equívoco, a falha, atravessando as evidências do imaginário e
fazendo o irrealizado irromper no já estabelecido”.
Ainda que o sentido esteja sempre conectado e intimamente interligado a um
sistema de significados já constituídos histórica e socialmente, esse significado
pode se desarticular desse sistema assim estabelecendo na incompletude, a
ideia de Deslocamento.
Nesse discurso portanto, observa-se a criação de inimigos primeiramente a
partir das condições de produção que se constitui a partir do local de fala do
sujeito, isto é, neste caso a televisão. Paralelamente, o esquecimento no qual o
sujeito está assujeitado, reforça seu caráter repressivo que convida o
interlocutor a reproduzir atos de exclusão e agressividade. Também faz parte do
processo de criação de inimigo, a repetição de ideias tendenciosas que em
relação com historicidade revelam no sujeito interpelado, seu caráter ideológico
que promove a intolerância e violência contra grupos minoritários especificados
por esse sujeito.

O PRIMEIRO DISCURSO DE “V” – ANÁLISE DISCURSIVA

O discurso do personagem “V” é um dos mais polêmicos presentes na trama,


carregado de sentidos e críticas ao comportamento social. A fala de “V” chega
como uma preparação para o clímax da obra.
Primeiramente vale observar que o discurso de “V” acontece de maneira forçada,
onde ele invade todos os canais de comunicação, fazendo com que todas as
televisões e toda a população londrina escutem o que ele tem a dizer. Esta ação,
segundo Foucault (1970) é um modo de mostrar como o poder está em quem
detém os meios de comunicação, ou seja, o sujeito quando está numa posição
completamente horizontal não deixa que o discurso se torne algo democrático, o
discurso passa então a ser unilateral.
Segundo Orlandi (2005) esta apresentação do sujeito, que, detém os meios de
comunicação, que fala para uma certa quantidade de pessoas, que propaga suas
ideias e ideologias, acarretando também no assujeitamento dos ouvintes destes
discursos, que vão sendo executados e reproduzidos. Segue o discurso na
integra:

“Boa noite, Londres. Primeiro, desculpem a interrupção. Eu, como


muitos de vocês, aprecio o conforto do dia-a-dia, a segurança do
familiar, a tranquilidade da rotina. Gosto disso como todo mundo. Mas
no espírito da comemoração, em que eventos do passado associados à
morte de alguém ou ao fim de uma luta terrível são comemorados com
um belo feriado, pensei em marcar esse 5 de novembro, um dia que,
infelizmente, já foi esquecido aproveitando um pouco do tempo de vocês
para bater um papo. Há aqueles que não querem que falemos.
Desconfio que estejam dando ordem ao telefone e homens armados
virão logo. Por quê? O governo pode usar violência em vez do diálogo,
mas as palavras sempre manterão seu poder. As palavras oferecem um
significado e, para aqueles que ouvem, a enunciação da verdade. E a
verdade é que há algo terrivelmente errado com o país. Crueldade e
injustiça, intolerância e opressão. Se antes você tinha liberdade de se
opor, pensar e falar quando quisesse, agora você tem censores e
câmeras obrigando-o a se submeter. Como isso aconteceu? Quem é o
culpado? Há alguns mais responsáveis que outros e eles vão arcar com
as consequências. Mas, verdade seja dita, se procuram culpados, basta
vocês se olharem no espelho. Eu sei porque vocês fizeram isso. Sei que
tinham medo. Quem não teria? Guerra, terror, doença. Uma série de
problemas se juntaram para corromper sua razão e afetar seu bom
senso. O medo dominou vocês e vocês recorreram ao novo alto
chanceler, Adam Sutler. Ele prometeu ordem. Prometeu paz. Tudo que
ele pediu em troca foi seu consentimento silencioso. Ontem tentei dar
fim ao silêncio. Ontem, eu destruí o Old Bailey para lembrar ao país o
que foi esquecido. Há 400 anos um grande cidadão quis gravar o 5 de
novembro para sempre em nossa memória. Ele quis lembrar ao mundo
que imparcialidade, justiça, liberdade são mais que palavras. São
perspectivas. Então, se vocês não viram nada, se desconhecem os
crimes desse governo, sugiro que deixem o 5 de novembro passar em
branco. Mas se vocês veem o que eu vejo, se sentem o que sinto e se
buscam o que eu busco, peço que estejam ao meu lado, daqui um ano,
na entrada do parlamento e juntos daremos à eles um 5 de novembro
que nunca, jamais será esquecido”.
Discurso do personagem “V”

Observe a frase “Desconfio que estejam dando ordem ao telefone e homens


armados virão logo. Por quê?”, o personagem “V” possui informações valiosas,
possui também conhecimento politico, e isso o torna uma figura que gera medo
nos demais personagens do governo da trama. Na terceira pessoa temos o verbo
estar, conjugado na 3ª pessoa do plural, ou seja, alguns homens estão durante o
discurso, mandando homens armados ao encontro de “V”, o motivo: Censura!
Característica do regime totalitário retratado no filme.

ANÁLISE DAS IMAGENS DURANTE O DISCURSO

Neste capitulo trabalharemos alguns aspectos imagéticos presentes no filme,


pois, mesmo sendo uma obra recheada de discursos, também traz alguns
elementos importantes a serem analisados.
Durante o discurso, o diretor também projeta nas imagens cores claras para dar
paz ao telespectador, de modo que, haja calma e entendimento claro do recado.
Mesmo que, o vídeo seja gravado numa escala vermelha e preta a exibição é
feita com cores frias.
Este jogo de cores também é um discurso, segundo Orlandi (2005) este jogo
de cores, no caso do cenário do discurso de “V” remete a formas de luta, ou seja
estamos diante ao cenário de simbologias do filme.
Essas condições de produção conforme citadas por Orlandi (2005), “incluem o
contexto sócio-histórico, ideológico”. Toda essa produção, desde o momento da
invasão do prédio de televisão, que segundo Althusser (1985) é um aparelho
ideológico do Estado, nesta invasão do prédio temos uma ruptura semelhante ao
que acontece na faixa da propaganda política que Orlandi (2005) escreve. Neste
momento, o discurso é desviado e colocado em todas as televisões de Londres,
de modo que a maioria da população tenha acesso. Esta ação mostra claramente
o poder midiático de entrar em cada casa todos os dias, e, como é possível
acompanhar é notório que toda a família assista a esse discurso.
Mas também não podemos deixar de lado, que o filme traz uma memória e certo
saudosismo ao cinco de novembro e a revolução da pólvora. Estes signos têm
em comum muita bagagem significativa, a máscara representando Guy Fawkes,
um mártir na conspiração da pólvora, o 5 de novembro, que, coincide com o
nome do personagem em algarismos romanos “V”. Estes elementos são
passiveis de analise, pois constituem o que Orlandi (2005) trata como
interdiscurso:
“Este é definido como aquilo que fala antes, em outro lugar,
independentemente. Ou seja, é o que chamamos memória discursiva: o
saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma
do preconstruido, o já dito que está na base do dizível, sustentando
cada tomada da palavra.”
(ORLANDI, Eni, 2005, p. 31)

Sabemos que o personagem “V” fala de uma revolução, e que talvez ele seja um
revolucionário, mas a revolução, o descontentamento não começou com o
personagem. É possível notar que a todo o momento ele é interpelado por
discursos muitas vezes de extrema esquerda e outras anarquistas. O seu
personagem basicamente constitui uma ideologia e “V” afirma em certo momento
durante o filme: “Por baixo desta máscara há uma ideia, Sr. Suttler, e ideias são a
prova de bala”, constituindo a noção de ideologia, perpassando o sentido de ideal
revolucionário que um homem e uma máscara pode fazer com uma sociedade.
Na mesma reflexão, põe-se em pauta o poder, adquirido por “V” por meio da
invasão ao prédio televisivo, a rede geral, e o poder usurpado pelo Alto Chanceler
Adam Suttler, todas estas ações nos remetem a dois eixos também citados por
Orlandi (2005) p. 33: “Todo dizer, na realidade, se encontra na confluência dos
dois eixos: o da mémoria (constituição) e o da atualidade (formulação). E é desse
jogo que tiram seus sentidos.”
É neste momento que a reflexão sobre o dito deve começar, apesar do
sarcasmo e de toda a ironia presente neste discurso, algumas falas sugerem
muito mais do que dizem, reparem:

“O governo pode usar violência em vez do diálogo, mas as palavras


sempre manterão seu poder. As palavras oferecem um significado e,
para aqueles que ouvem, a enunciação da verdade. E a verdade é que
há algo terrivelmente errado com o país.” Discurso do personagem “V”

Neste momento sua posição revolucionária e opositora ao governo atuante fica


evidente, temos então a plena certeza que trata-se de alguém trazendo um
conceito de uma verdade, e que se trata de um fato que nem é referido na fala de
“V”. O personagem então coloca os espectadores para pensar, refletir, falando de
maneira a deixar todos surpresos, dizendo que a culpa pelo pais estar daquele
modo, em um governo totalmente corrupto e autoritário era justamente da
população, que num grito de desespero cedeu um voto de confiança e colocou o
Alto Chanceler Adam Sutler no poder. Este discurso nos remete a uma frase
muito famosa e conhecida de Joseph-Marie Maistre (1753-1821): “Cada povo tem
o governo que merece”, a frase escrita em uma carta, totalmente solta, entrou
para a história e também interpela nosso sujeito, personagem e ideia.
O nosso personagem e seu discurso em analise nos leva então para outro ponto
de sua fala, relembrando acontecimentos históricos (do filme, fictícios) para que
haja comoção, para que os cidadãos lembrem-se do real motivo do “feriado”.
Entretanto não se trata apenas de uma simples lembrança, há de se entender
que o que Ele busca é a revolução, a retomada do poder pelo povo, a conquista
da Democracia. Na frase abaixo é feito o convite para a revolução popular:

Então, se vocês não viram nada, se desconhecem os crimes desse


governo, sugiro que deixem o 5 de novembro passar em branco. Mas se
vocês veem o que eu vejo, se sentem o que sinto e se buscam o que eu
busco, peço que estejam ao meu lado, daqui um ano, na entrada do
parlamento e juntos daremos à eles um 5 de novembro que nunca,
jamais será esquecido”. Discurso do personagem “V”

Neste momento a sua fala termina, vemos o convite para a ida até o parlamento,
mas o convite fica vago e não especifica do que realmente se trata esta visita, se
seria um protesto, uma homenagem ou alguma exibição. O personagem então
retira o disco de exibição do discurso e se retira do prédio, mas antes fantasia
todos os presentes na sala de exibição com vestes idênticas as suas e se
mistura, ao final da conferência um dos policiais consegue identifica-lo, porém há
luta corporal e “V” sai ileso após sua nova companheira Evey (salva
anteriormente por Ele dos homens dedo) ter atacado um dos policiais. Eles
fogem.
É após esta fala que algumas ações são desencadeadas, como a caça
ao “V”, a entrega de mascaras para a população e a busca por fabricar mentiras e
novos fatos para estancar as ações de “V”.
Antes mesmo de saírem do prédio da televisão, Evey é atacada e ele a ajuda a
escapar, assim os dois se escondem em seu esconderijo, onde ele explica
superficialmente algumas de suas intenções.
O ponto a se chegar é em como este discurso agiu em toda a população, o
método de “V” em fabricar um novo inimigo e de a mídia toda do filme também
coloca-lo como inimigo. Esta fabricação de inimigos se arrasta desde a
colonização, e para tanto é necessário que haja argumentos e que haja certo
esquecimento de alguns discursos, como sugere Michel Pecheux (1975 APUD
ORLANDI, 2005 p. 34) há dois esquecimentos, um que acontece de maneira
consciente, onde o falante sabe do que fala, assim como “V” cita, por exemplo o
filme “O conde de Monte Cristo” e também há o esquecimento número dois, onde
de maneira inconsciente o sujeito tem a ilusão da realidade do pensamento, deste
modo pode-se concluir que nenhum sujeito cria seu discurso, ele é interpelado
por milhares de discursos vindos desde muito antes de sua existência como
falante.
Quando o personagem fala que a culpa pelo país estar sendo governado por um
regime totalitário é da população há a interpelação do discurso de Joseph-Marie
Maistre, que era a favor da monarquia em sua época. Entretanto, este discurso é
recolocado numa nova significação e reaproveitado, a esta ação damos o nome
de Paráfrase:

“Os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há


sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase
representa assim o retorno aos mesmos espaços do dizer. Produzem-se
diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado.” (ORLANDI, 2005,
P.36)

O sujeito mais uma vez é falado, não fala. Os processos de paráfrase é


totalmente presente no filme, além, é claro, da polissemia. Há elementos textuais
que sugerem inúmeras interpretações, sendo que alguns não são sequer textuais,
como por exemplo, o símbolo do partido fogo nórdico. Neste símbolo temos uma
cruz com duas retas paralelas nas cores vermelho e preto, mais uma vez estas
cores nos remetem a luta. Uma batalha contra um inimigo, entretanto durante o
discurso no canal televisivo há de se notar que o cenário adotado é vermelho e
preto, cores que nos levam a outros sentidos.
Ficamos então diante de um encalço, em busca do vilão, apresentado pela mídia
presente no filme como sendo o homem mascarado, que aparentemente tenha
sido morto, e na série de crimes e revoltas após a exibição do discurso do “V” na
emissora de televisão. Quanto a esta reação, desencadeada pela fala Orlandi
(2005) dá o nome de Assujeitamento. E este assujeitamento age como um efeito
dominó na trama. O plano de conquista do parlamento de “V” é milimétricamente
calculado, e ele segue distribuindo anonimamente pelo correio milhares de
máscaras e vestes idênticas as suas. Colocando o povo em um papel
fundamental para se entender o filme.
Muitas ações são desencadeadas, leis são alteradas e adicionadas, a roupa é
proibida, mas, muito utilizada para a realização de assaltos e outros crimes. Os
cidadãos começam então a ressuscitar a revolta outrora esquecida, e é neste
momento que o telespectador é lembrado que para a completude daquele inicio
de guerra civil bastava um pequeno deslize para que toda a população se
revoltasse. Após esta fala um dos policiais, homem dedo no filme, atira numa
criança, então, neste momento é linchado pela população presente.
Estas ações como a praticada por “V” e confessada em sua fala: “Ontem, eu
destruí o Old Bailey para lembrar ao país o que foi esquecido”, a destruição do
prédio da justiça, tem também uma carga de significado, é nela que apoiamos a
ideia Ideologia e sujeito, também durante a explosão do prédio “V” não demonstra
remorso e comenta com Evey que o povo precisa disso. O prédio destruído
também é uma instituição recheada de significados assim como o prédio
televisivo, é importante salientar que todas as ações presentes na obra são
reproduções de uma HQ da Marvel e estes pontos com simbologia são apenas
representados.
A literatura já havia trabalhado sistemas de controle, assim como trabalhou em
“1984” de George Orwell (1993), no livro há o retrato da sociedade distópica onde
a tortura e as censuras fazem parte do cotidiano daquela população já cansada
de um governo “corrupto”.
Todo o discurso assim como o filme carrega muito sentido, e também muita
polissemia devido a sua pluralidade de retratos sociais.

ANÁLISE DO RECORTE NÚMERO 3: A (DES) CONSTRUÇÃO DO INIMIGO EM


UM REPENSAR DA PRÁTICA

O enunciado de número três é um recorte referente a um diálogo que ocorre em 32


minutos e 10 segundos do filme, entre o personagem mascarado V e a
coprotagonista, Evey Hammond e o olhar desse ponto da análise procura captar os
elementos evidenciados ao longo da sequência que envolve diálogo de 30 minutos
e 10 segundos à 32 minutos e 50 segundos. Após a invasão de V à sede da
emissora de televisão, o conflito que sinaliza o fim da sequência é V em dúvida se
salva Evey (que após auxiliá-lo, mesmo o encarando como um desconhecido
mascarado) acaba desacordada no local. Após isso ele a leva até seu refúgio,
quando em outro momento desperta e dentro de uma conversa, ela questiona as
atitudes do personagem. Sua relevância está em ser um enunciado que justifica a
atividade do personagem e ampara a dubiedade da identidade intencional de V,
como um selo, uma conclusão do arco, diante das afirmações no enunciado de
número 2.
Importante lembrar, também, que este enunciado se difere dos já conversados no
miolo da análise, em seu formato de diálogo e não de um pronunciamento ou
“discurso” propriamente dito, mas de uma conversa que vai se desprender da ideia
de produções midiáticas, do trabalho de uma emissora específica ou da ocupação
dela (como ocorre na segunda amostra). Aqui, a análise procura penetrar a fala de
V e responder questionamentos que crescem ao longo do manuseamento do filme,
tais como quem é V e se há nele, em seu significar e ser significado, espaço para
que sua máscara seja preenchida com a figura de um “homem” ou com uma
pluralidade que surpreenda e efetivamente frustre essa conclusão prática de que ele
só pode ser um homem, mas sim uma gama deles, diferentes pessoas, diferentes
ideias.
““– Evey: Acha que explodir o parlamento vai tornar o país melhor?
– V: As pessoas não deveriam temer seu governo. O governo é que deveria temer o seu povo...
– Evey: Explodir um prédio levará a isso?
– V: O prédio é um símbolo, assim como o ato de destruí-lo. O poder dos símbolos emana do povo.
Sozinho, um símbolo não tem valor, mas com gente suficiente explodir um prédio pode mudar o
mundo”.1”

Em uma visão rápida dessa sequência, é necessário captar as formações


discursivas ali presentes. Foucault (2012 p.47) fala – Dentro daquilo que influenciou
a posteriori o materialismo histórico de Pêcheux – Que se puder descrever, entre
certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão e no caso em que
entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se
puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e
funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma
formação discursiva.
Evey está acordada na cama, rodeada por livros que preenchem obsessivamente o
espaço do quarto, enquanto a melodia de Garota de Ipanema preenche o ambiente
já atulhado – Particularmente, a música interage com a visão de diversidade do
ambiente de V. O refúgio em si: com seus milhares de livros em acervos que
compreendem em sua totalidade também obras de arte censuradas, como pinturas,
filmes, musicas e artefatos históricos, elucida em parte o que preenche o homem
por trás da máscara e a estrutura do filme de forma geral, como um refúgio de
interdiscursividades, onde as ideias interagem entre si para formular outra,
1
V de Vingança. Direção: James Mc Teigue. [S.I.]: Warner Bros, 2005. 1 DVD (32:10 min).
guardadas. Como o campo materializado das ideologias que formam o sujeito. A
atmosfera rude do lugar, no que diz respeito à sua arquitetura, as cores que ali
trabalham nos processos de significação – Em especial o cinza que, mais à frente
na análise, será esmiuçado seu trabalho dentro da composição do filme junto a
outras cores – Conversa com os personagens nas condições do enunciado, dando a
eles maior expressão, ou melhor, compondo a discursividade.
É preciso relevar os aspectos não verbais agindo no discurso para que se sustente
a análise dos elementos visuais que compõe o cenário como parte da materialidade
do filme, trazendo para espaço de discussão a dimensão do verbal e do não verbal,
um (o não verbal) perpassado pelo outro (linguagem verbal) no espaço do filme,
como cenário, ilustrando, ou como linguagem – Ocupando assim, o espaço do
silêncio. Como sintetiza Orlandi (2007, p. 90) 2 “é no silêncio que as diferentes vozes
do sujeito se entretecem em uníssono. Ele é o amálgama das posições
heterogêneas”3, ou seja, em que as discursividades entram em harmonia numa
formação enunciativa que deve ser posta em perspectiva aos enunciadores. Assim:

“... aquela que não explica, nem serve para tornar inteligível ou interpretar o
sentido, mas que nos leva a melhor compreender os processos de
significação, o modo de funcionamento de qualquer exemplar de linguagem
para significar. Com efeito, a relação que a análise do discurso estabelece
com o texto não é para dele extrair um sentido mas sim para problematizar
essa relação, ou seja, para tornar visível sua historicidade e observar a
relação de sentidos que aí se estabelece, em função do efeito de unidade”
(2007, p. 173).4

Contribuindo para a materialidade do não verbal, temos V, que está na cozinha e


suas mãos estão sem luvas, deixando deformidades (cicatrizes) de queimaduras à
mostra – Numa atitude sutil de agregar ao homem a realidade da mortalidade. Ele,
que até então foi reconhecido por suas habilidades que excedem o comum e vai ao
sobrenatural, agora é tido como um humano por trás da mascara, que se degenera
como qualquer outro. Há uma história por trás do personagem, um incidente que
potencializa sua atitude tão quão a ideologia.
Levando em consideração os sentidos, tem-se por imediato a personagem Evey, em
questão com o personagem V – O cenário visual aqui é a cozinha do esconderijo de

2
Referências bibliográficas episódicas que não constam na fundamentação teórica também foram utilizadas ao
longo dessa análise por questões pontuais.
3
ORLANDI, Eni P. As formas do silêncio. Campinas. Editora da Unicamp, 2007, p.90.
4
ORLANDI, Eni P. As formas do silêncio. Campinas. Editora da Unicamp, 2007, p.173.
V, que remete à casualidade da situação num ambiente comum. Assim, a
significação dos elementos discursivos pode ser observada a partir do que são os
sujeitos em relação ao ambiente e o que eles representam. O ambiente é
estilisticamente composto, não só nessa sequencia, mas em todo momento ao
longo do filme, por colorações tristes e monotonia cotidiana, num colorido-triste que
foge ao monocromático de ambientações noir. As cores, por mais que variem entre
si, não fogem dos tons escuros e o contraste com cinza constante ou amarelo
pálido, que passa a impressão de neutralidade clássica, mas ao mesmo tempo
tecnologia. Cabe que, das cores, é necessário captar seus sentidos e efeitos, a
forma como se fazem significar coletivamente. As cores podem produzir uma
multiplicidade de efeitos. Assim como aborda Eva Heller, em A psicologia das cores:
como as cores afetam a emoção e a razão, “nenhuma cor está ali sozinha, está
sempre cercada de outras cores. A cada efeito intervêm várias cores – um acorde
cromático” (2014, p.21)5.
A cor cinza, considerando a ideia de futuro distópico, conduzindo uma sensação
desânimo, degradação e tristeza, sem interferir na expressão de outras cores com
seu ar de ‘apatia social’. Essa não interferência, além de carregar em si o contexto
do filme, em que a indignação coletiva da população é canalizada para apatia, olhar
conformista e impotência, ao invés de comoção transformadora. Propicia uma maior
liberdade para outras cores, essas que inferem na estrutura dos enunciados uma
resposta para esses sentimentos de desolação em um contrastivo trabalho de
levante agressivo através do questionamento e transformação revolucionária. Essas
cores compõe o visual de V: o vermelho, o branco e o preto. Sua marca em
vermelho é contrastiva com o tom sombrio de suas roupas pretas e face pálida,
juntos, destoantes em sua interação com o ambiente. A episteme das cores e seus
significados, assim como outros elementos visuais pode parecer insustentável em
primeiro momento, mas se comprova no todo da materialidade do filme. Assim como
cita Tania C. Clemente de Souza, em Discurso e imagem: Perspectivas de análise
não verbal6:

5
HELLER, Eva. A psicologia das cores: como as cores afetam a emoção e a razão. São Paulo. Editora G. Gilli,
2014, p.21.
6
Comunicação apresentada no 2º Colóquio Latinoamericano de Analistas Del Discurso, La Plata eBuenos Aires,
agosto/1997
“A não co-relação com o verbal, porém, não descarta o fato de que a imagem pode ser lida.
Propriedades como a representatividade, garantida pela referencialidade, sustentam, por um lado, a
possibilidade de leitura da imagem e, por outro, reafirmam o seu status de linguagem” (1997, p. 3).7

Tomando como ícone para a resolução do sentido do sujeito na produção


discursiva, a ideia do sujeito assujeitado postulado por Michel Pêcheux, que por sua
vez toma como base os conceitos de Althusser sobre ideologia (1985 p.98-99), o
personagem V mantém em sua identidade a “não-identidade”, a postura de sujeito
esquife-ideológico, como um recipiente dos processos ideológicos e não um homem
inconsciente de sua posição nos processos de significação, como um formador de
“seu” discurso numa ilusão referencial e sim, uma parte do processo discursivo.
Quando surge, é sombrio. A ausência de cores do preto passa mais uma vez a
impressão de que aquele homem é um espaço a ser preenchido, um espaço para
ideias, assim como também reflete o oculto, a morte numa ponta e a nobreza em
outra, num suporte do vermelho das emoções fortes, agressividade e claramente, os
ideais da esquerda política, o levante social – É uma cor de luta, com sentidos
variados ao longo da história em organizações sociais, como os movimentos
trabalhistas ou revolucionários em diferentes aspectos: comunismo, anarquismo,
etc. Cada uma dessas notas caracteriza a imagem de V como um símbolo de luta,
numa sociedade polarizada que recorre a significações como mocinhos e vilões.
Lembrando que sua imagem e não ele, considerando que qualquer um pode ocupar
seu local, fazer uso de sua máscara. Que qualquer um é V, que V é uma ideia e
essa pode ser compartilhada, e comungada, por qualquer um.
O uso da máscara pelo personagem V contribui para essa leitura do personagem,
ao mesmo tempo em que o disfarça, o reidentifica: em sua carga dramática, que
sentencia sua posição na trama como uma referência – Não direta – Ao “fantasma
da ópera” instrutor, amigo e ao mesmo tempo lido como terrível e ameaçador numa
transfiguração do caráter enganoso.
Nas histórias em quadrinhos, por exemplo, não deixando escapar a origem do
personagem no formato impresso, a máscara tem valores diversos, de ocultar a face
do herói e ao mesmo tempo a do vilão (não somente aí, mas no espaço real, a
máscara é de uso frequente por assaltantes e inclusive por policiais militares,
soldados, em ação por comunidades periféricas), não tendo o uso delas o único
intuito de ocultar uma identidade, mas também de transformá-la, dar vida a um novo
7
SOUZA, Tania C. Clemente de. Discurso e imagem: Perspectivas de análise não verbal. 1997, p. 3. Disponível
em: <http://www.ciberlegenda.uff.br/index.php/revista/article/view/240/128>. Acesso em: 17 de novembro
de 2017.
– Aqui, para o bem de observação, é importante ver a relação da máscara com o
lugar que o herói ocupa, sendo o de qualquer um do coletivo. O que há na imagem
de V aqui é um sujeito de origem desconhecida que se identifica e faz significar
pelos outros a partir de suas ideologias ou ações de leitura ambíguas (salvar
pessoas e explodir prédios), sua máscara e caracterização de modo geral, também
compete a uma exposição sombria, como é o caso do uso da cor preta abundante
em contraste à tez plástica branca fantasmagórica. O preto em sua totalidade
remete à um “pertencer-noturno” e o branco age como uma alegoria da morte, de
algo desencarnado ou um fantasma. Especificamente o fantasma de Guy Fawkes
numa ironia: sorri.
Por outro lado, Evey é o arquétipo do personagem civil agente das transformações
na construção de questionamentos, para assim, se tornar em determinado momento
aquela que transforma. Visualmente num primeiro momento e considerando o
recorte em questão, é mantida sua imagem como a de uma mulher de classe média,
com um emprego comum de assistente numa emissora de televisão. Inclusive no
uso de suas roupas e cabelo, fica clara a marca de quem ela é, tomando como
perspectiva a relação estética como alegoria ideológica. Evey teve seus pais
ativistas presos, ainda pequena, então diante de ideais como os de V, ela tente a
uma fuga expressiva do questionamento ao poder conservador. Mas um adendo de
importância, é especificar que o olhar nesse enunciado, se volta para a fala de V,
sem desconsiderar a forma como as interrogações de Evey efetivam o discurso.
Mas não somente as cores influenciam o processo enunciativo pautado. Também
há uma multiplicidade de produções literárias clássicas que se fazem presente
nessas caracterizações e trabalham na modalidade visual, convergindo na
discursividade do filme. Em 43 minutos e 52 segundos do filme, há uma cena em
que Evey está limpando um objeto espelhado com uma inscrição em latim: “vi veri
veniversum vivus vici”, que numa tradução literal significa “pelo o poder da verdade,
enquanto vivo, eu conquistarei o universo”. É uma referência direta a A Trágica
História do Doutor Fausto (2011) que é apontada no próprio filme, de Christopher
Marlowe, escrita em 1588 ou 1592 aproximadamente, trata da ação do bem contra e
sobre o mal, e faz alusão à obtenção do conhecimento e sua transparência. Em sua
postura anarquista, V procura especificamente a inversão das ordens em seu
caráter anárquico, reflete os significados atribuídos pelos sujeitos que lidam com a
materialidade de suas ações e enunciados. Enquanto seu caráter como justiceiro ou
terrorista se mantém à mercê das interpretações e cenas que se sobrepõem,
revelando aspectos da trama, não há dúvida de sua busca por verdade na
personificação da vingança. Assim como para Fausto, suas buscas pela verdade e
ações causam dor e está na verdade o sucesso para seus feitos.
Também em outro momento, e com menção em mais de um momento do filme, é
citado o personagem Edmond Dantès, de O Conde de Monte Cristo de Alexandre
Dumas (2009). É um pressuposto comum a referência direta à obra de Alexandre
Dumas. No final do filme, Evey, questionada sobre a identidade de V, responde:
“Ele era Edmond Dantès, ele era meu pai e minha mãe. Meu irmão, meu amigo. Ele era você e eu.
Ele era todos nós! Ninguém jamais esquecerá aquela noite e o que aquilo significou para este país,
mas eu nunca esquecerei o homem e o que ele significou para mim”.8

V parece encarnar o sentido obstinado do herói (Emond) em sua sina vingativa, mas
não se pode excluir o desfecho do filme, único momento da trama em que a
máscara é retirada, há uma quebra de expectativa e a verdade foge ao esperado: V
já está morto e sua “identidade” não é revelada. Dele mesmo, a máscara em
momento algum é retirada. É quando as pessoas saem às ruas, caracterizadas
como o personagem e retiram a máscara, que o arco da identidade se fecha,
trazendo ao imaginário que todos são ele. Que a coletividade se rebelam contra o
autoritarismo e que em nenhum momento as atitudes de V foram o pressuposto do
trabalho de um único homem numa revolução e sim produto do coletivo, anulando a
espera por uma figura revolucionária, fazendo de todos componentes da ação de
destruir um governo autoritário.
Mas outro referencial, em específico nesse diálogo, é elucidado pelo ar melancólico
e trágico do personagem e sua postura com relação à Evey: O Fantasma da Ópera
de Gaston Leroux (2005). Não só se inscreve à V a história do homem inocente que
é preso, torturado e se recupera disso como receptáculo da vingança, mas também
a sensibilidade depressiva de um fantasma mal quisto, de postura que remete à
operas trágicas, de caráter dúbio – Terrorista/monstro/fantasma ou homem sensível
e emocionalmente fragilizado.
Não há aí, uma sentido absoluto, os contextos enunciativos sempre irão alterar a
forma como os sujeitos irão identificar os objetos. Não há, para Bakhtin (2002),
sentidos absolutos, mas uma construção de sentidos que envolve elementos do
sistema linguístico e dos elementos mutáveis nos enunciados. Envolve também a
avaliação da situação enunciativa, que tem por base a cultura cujas especificidades
afetam a consciência (BRAIT, 2009)9.
8
V de Vingança. Direção: James Mc Teigue. [S.I.]: Warner Bros, 2005. 1 DVD (2:03:26 min).
9
BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin e o círculo. São Paulo: Contexto, 2009.
Está na relação e imagem construída de um ao outro a ideia de tutorar: não é em
todo o filme Evey faz parte da massa insatisfeita, ao mesmo tempo em que não se
pode apontá-la como totalmente manipulada pelas técnicas governamentais de
manipulação ideológica, estando em contato com a produção de mentiras na
emissora de TV, também acaba tendo um caráter conformista, de impotência de
ação com relação ao governo. Assim, parte de uma massa insatisfeita, porém sem
ação ou respostas para “como agir”. E nos questionamentos: é certo esse agir?
Quais são as opções de ação? E assim “Acha que explodir o parlamento vai tornar
o país melhor?”.
Cria-se questões que são essenciais para a trama, como a relação entre justiça e
vingança, suas diferenças e característica, em um mundo distópico, ou seja, a
sociedade em seu modelo de antítese da utopia, em que os valores que guiam a
justiça são corrompidos e pelo bem, muitas vezes se deve valer pela ilegalidade.
Essas questões, tutoradas por V à Evey, num modelo que irá remeter igualmente à
O Fantasma da Ópera. Do homem mascarado movido por interesses diversos que
acaba por auxiliar uma jovem. No filme está presente na intenção de Evey de
entender mais sobre os ideais de V, conforme se aprofunda nas questões que a
cercam e passa à enxergar com clareza tanto os propósitos de V, como as
intenções reais do governo. Evey, em dado momento, fala sobre o antigo sonho de
ser uma atriz, algo que mudou evidentemente após a morte de seus pais. Os
conhecimentos dela com relação à teatro, reconhecendo uma fala de Macbeth, de
Shakespeare, desperta a atenção de V. Assim é possível chegar à repostas em
primeiro momento, tal qual não há um bem e um mal e sim forças conflitantes que
se antagonizam num jogo de poderes.
A ideia de verdade, transparência discursiva, e atenção, mais uma vez são
passadas com os enfoques simples na face dos interlocutores e mais uma vez, a
composição do cenário como uma cozinha e com elementos não distrativos,
reforçam a atenção para os enunciados.
Evey questiona: “Acha que explodir o parlamento vai tornar o país melhor?” e V
responde: “As pessoas não deveriam temer seu governo. O governo é que deveria
temer o seu povo...” – O espaço casual que compreende o ‘espaço imediato’
esclarece e controla a produção do discurso, assim como as predicações dos
sujeitos envolvidos nele, em sua produção (Evey e V). O processo de produção que
se define aí: os dois personagens, a cozinha no refúgio de V (o fato de ser um
refúgio e a liberdade para se abordar diferentes assuntos em seu interior, sem temor
do peso do estado vigilante), a referência à explosão na cena anterior e seus
artifícios e o formato em que esse diálogo vem, são os mecanismos formais dessa
produção e compõe parcialmente as condições de produção enunciativa – O que vai
completar esse processo é o olhar (contexto) amplo, que irá efetivar o sentido do
recorte.
É esse “desprender” do discurso que elucida as condições de produção dadas aqui
– O discurso analisado se desprende de algo, ou seja, é condicionado. Em Análise
Automática do Discurso, Pêcheux (1997 p.77) exemplifica melhor a questão das
condições de produção, “um discurso é sempre pronunciado a partir de condições
de produção dadas: por exemplo, o deputado pertence a um partido político que
participa do governo ou a um partido da oposição; é porta-voz de tal ou tal grupo
que representa tal ou tal interesse, ou então está ‘isolado’, etc. Ele está, pois, bem
ou mal, situado no interior da relação de forças existentes entre os elementos
antagonistas de um campo político dado. O que diz, o que anuncia, promete ou
denuncia, não tem o mesmo estatuto conforme o lugar que ele ocupa; a mesma
declaração pode ser uma arma temível ou uma comédia ridícula segundo a posição
do orador e do que ele representa, em relação ao que diz. Um discurso pode ser um
ato político direto ou um gesto vazio, para ‘dar o troco’, o que é uma outra forma de
ação política”.
É cabível trazer ao espaço da discussão e análise, algumas compreensões da
citação sobre os enunciados que tomam como princípio o jogo de imagens em que
os personagens (sujeitos) estão inseridos, assim como as formações imaginárias do
campo da memória (interdiscurso). Dentro do contexto sócio-histórico e ideológico,
pode-se dizer que V está localizado de forma opositora a algo, no caso do governo,
e sua fala o constitui e firma posição ao passo que evidencia os elementos
antagonistas desse governo: “As pessoas não deveriam temer seu governo. O
governo é que deveria temer o seu povo...” – Nessas duas orações é possível
identificar essa relação de pode, de oposição, em/no algo “errado” do governo. Esse
“errado”, por sua vez, seria essa inversão de papéis. Um governo que produz medo
para afugentar o povo, para criar a falsa ilusão de necessariedade das pautas
conservadoras e das reações agressivas, como o toque de recolher, perseguições
antissemitas e homofóbicas, etc. Um governo que se gere e sustente a partir desse
ciclo.
A atitude de Evey não é um gesto vazio, mas está no interior de suas questões e
querer se fazer entender. Os questionamentos dela tem em uma de suas funções, o
jogo de atribuições imagéticas das funções imaginárias: que atribui à V, e vice-
versa. Influindo tudo às condições de produção e por sua vez, nos processos de
significação. Essas atribuições influenciam diretamente as possibilidades
enunciativas nessa situação discursiva. “Acha que explodir o parlamento vai tornar
o país melhor?” condiciona a resposta de V e partindo da compreensão do início da
fala de V, “Explodir um prédio levará a isso?” aparece como um condutor desse
diálogo, mas não só, pois marca que o primeiro “dito” foi também significado e
estratificado nessa segunda oração, servindo como condição para o final da fala de
V: “O prédio é um símbolo, assim como o ato de destruí-lo. O poder dos símbolos
emana do povo. Sozinho, um símbolo não tem valor, mas com gente suficiente
explodir um prédio pode mudar o mundo”.
Mesmo que indissociáveis na prática, aqui, para entendimento, as complexidades
amplas, o sentido amplo, do discurso podem ser tratadas como esses elementos
que se antagonizam e está expresso na fala de V. Primeiro, na comentada relação
polarizada de poderes conflitantes, numa interferência na esfera política. V é o
porta-voz de ideais que procuram romper com as estruturas governamentais de sua
atualidade, exaltando a sociedade antagônica e independente ao poder do Estado,
crítico às concessões ao poder em troca de segurança e tem como aparato para
suas atitudes o uso de simbologias que remetam a qualquer um que signifique sua
imagem e discurso a ideais sociopolíticos ou acontecimentos históricos, numa
performance metalinguística que não esconde seus processos: o de criar sentido
que convirjam à um outro – Romper com o atual governo, Estado autoritário.
Falamos aqui, da identidade política do personagem, e suas atitudes até esse ponto
do filme, usar a máscara de Guy Fawkes, o símbolo do “V” que remete diretamente
ao “A” de anarquia, explodir o prédio da justiça, etc. são discursos políticos diretos.
“O prédio é um símbolo”, no caso, o nomeado ‘prédio da justiça’, o que indica a
concepção, a ideia que esse edifício passa socialmente como potencial para sua
explosão. “Assim como o ato de destruí-lo” – Não há justiça, olhando para as
atitudes do governo ficcional, então não há motivos para que esse prédio exista.
Esse prédio é assim, na visão do personagem, nada além de um amontoado de
pedras, tijolos e cimento, não vai muito além de sua questão material, símbolo
apenas da decadência da justiça: não faz nada além de enfeitar e exaltar primórdios
e ideais afugentados pelo totalitarismo do governo. Assim, elucida-se a questão dos
símbolos e do discurso que servem a regras dos jogos de poder. Nas palavras de
Saussure, o símbolo tem como característica não ser jamais completamente
arbitrário; ele não está vazio, existe um rudimento de vínculo natural entre o
significante e o significado (Saussure, 1995: 82) 10.
“O poder dos símbolos emana do povo”, pois quem, se não o povo, a
coletividade, tem a ação direta de dar significados aos símbolos? Nessa fala assim,
o personagem procura sintetizar os processos de leitura e significação simbólica;
“Sozinho, um símbolo não tem valor”. É possível assim, em decorrência de menções
diretas ao símbolo e seu valor, como ele se dá em coletivo e fazendo uso dos
sujeitos, fazer menção direta aos esquecimentos de Pêcheux ou o sujeito como
efeito ideológico elementar althusseriano na visão do sujeito assujeitado não
produtor dos significados, mas sim envolvido pelas multiplicidades das formações
discursivas, na ilusão de realidade do pensamento. Tornando a destruição do prédio
da justiça enfim um símbolo de justiça, não mais o prédio em si, mas o seu desfazer
simbólico, é o que constitui os significados de sua conclusão, “mas com gente
suficiente explodir um prédio pode mudar o mundo”, como um representante dos
interesses da liberdade, descaracterizado da imagem de sujeito, mas símbolo da
interferência ideológica direta, num ato de inferência política direta. Permanece
assim a mensagem de anti-conformismo e do povo como legítimo detentor do poder
em sua coletividade.
Em “o poder dos símbolos emana do povo” e “sozinho, um símbolo não tem valor”
há uma relevante questão a ser observada: o discurso aqui revela uma reflexão
aprofundada sobre o símbolo e suas questões, dialogando diretamente com a
imagem do “quem sou eu” de V e a questão do sujeito assujeitado, do segundo
esquecimento. O discurso proferido é assim dito e não de outra forma, com
persuasão quase didática, que procura manter no caráter da ação, sua estrutura, o
já-dito, de famílias parafrásticas que indicam uma ideologia de processos: o povo (o
sujeito) atribui aos recortes (símbolos) seu significado no processo de significação.
Mas o discurso do locutor faz o interlocutor consciente da ordem enunciativa e
ilusão referencial, e comunica as possibilidades do dizível e, por sua vez, as
múltiplas significações oferecidas pelas famílias parafrásticas, podendo ou não,
diferentes significados serem atribuídos à um objeto (símbolo).
Segundo Orlandi (1999 p.35) a ilusão referencial “nos faz acreditar que há uma
relação direta entre o pensamento, a linguagem e o mundo, de tal modo que
pensamos que o que dizemos só pode ser dito com aquelas palavras, que só pode

10
SAUSSURE, Ferdinand. (1995). Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix.
ser assim”. Esse pensamento se comunica diretamente com o significar e o validar
de um símbolo.
81

CONCLUSÃO

A análise do Discurso nos apresenta métodos e técnicas para a interpretação de


práticas discursivas que nos possibilita compreender não apenas as intenções do
sujeito, mas também os efeitos e as consequências do discurso em sociedade. E
para a demonstrar e exemplificar esta noção neste trabalho, centramos as
principais ideias e conceitos teóricos básicos, com base em estudos relevantes
de importantes autores e pensadores desta área do conhecimento para construir
a possibilidade de proporcionar aos leitores desta pesquisa, uma compreensão
das características da análise do discurso e suas diferentes abordagens. Desta
forma exploramos os métodos da Análise do Discurso Francesa em paralelo com
as práticas discursivas midiáticas apresentadas no filme V de Vingança.
A partir da perspectiva da Análise do Discurso Francesa é possível detectar
em qualquer tipo de texto os efeitos de sentido que se formam por meio de
elementos que ao serem contextualizados na historicidade, na ideologia e na
sociedade, se tornam evidências que denunciam o caráter do discurso, assim
decifrando suas intenções e desvendando enunciações e simbologias.
O discurso midiático televisivo em sua multimodalidade tem o poder de persuadir
o interlocutor, bem como estabelecer mudanças na conjuntura social na qual é
proferido, pois a mídia é uma ferramenta com alta capacidade de extensão e
visibilidade, assim, a sociedade vive sob uma densa e saturada camada de
conteúdo midiático cujo objetivo pode ser tanto informar ou entreter, como
manipular e excluir.
As abordagem de Michel Foucault na Análise do Discurso tendem a envolver o
estudo da linguagem e da ideologia na sociedade, o ponto de partida desse
processo reflexivo é a preocupação com o papel do poder e suas relações de
força na sociedade, assim, identificando padrões de linguagem por meio de seus
mecanismos de interpretação que visam identificar os procedimentos de controle
e exclusão do discurso, seus processos internos e externos, bem como os
procedimentos de imposição de regras ao sujeito do discurso, e através desses
procedimentos, demonstrar como o discurso pode constituir aspectos e os
próprios conceitos da sociedade, portanto, considerando os discursos políticos e
ideológicos apresentados no filme V de vingança, como passíveis deste tipo de
interpretação, selecionamos enunciações específicas que a partir das noções da
Análise do Discurso Francesa, foram analisadas de forma a desvendar
formações discursivas, interdiscurso, dentre outras abordagens.
Os princípios e procedimentos da Análise do Discurso situados por Eni P.
Orlandi, são abordagens analíticas que podem ser usadas para desvendar a
construção de enunciações discursivas. Por esse motivo, essas abordagens
foram usadas como base para compreender a forma como o discurso se
estabelece no contexto midiático do filme e através dessas, toda a simbologia foi
desvendada em suas relações ideológicas.
Durante esse processo de análise foi possível notar a forma como elementos
de extrema significância ideológica podem permanecer ocultos na abordagem
discursiva, por meio dos mecanismos de análise abordados por Orlandi, foi
possível compreender a maneira como diferentes elementos interligadas à
ideologias de opressão funcionam no discurso apesar de implícitos pelos
esquecimentos.
E considerando as abordagens desses processos da Análise do Discurso que
instituem mecanismos para interpretar e desvendar enunciações, foi possível
estabelecer uma relação entre os efeitos do discurso midiático e a construção do
senso crítico, pois a partir deste método, a percepção da influência do discurso
midiático torna-se mais “sensível”, uma vez que os mecanismos de análise
possibilitam o desmembramento do processo de significação para a constituição
sentido, ou seja, as persuasões e os jogos de poder na qual o interlocutor é
submetido, tornam-se mais visíveis ao considerar a Análise do Discurso como
uma ferramenta de interpretação do discurso midiático televisivo.
A partir da análise do filme V de vingança com base nas reflexões da Análise do
Discurso Francesa, observa-se que a construção de inimigos que se desenvolve
por meio do discurso, se faz de forma múltipla e diversa. No contexto do filme,
através da televisão o Estado profere seu discurso e constrói seu inimigo ao
reforçar ideias que interdiscursivamente se relacionam com ideologias que fora
da ficção, já são compreendidas por seu caráter repressivo. Assim, por meio de
seus aparelhos ideológicos e de sua multimodalidade de produção discursiva, o
sujeito em relação com exterioridade e interpelado pela ideologia, vai revelando
seus conceitos que em incompatibilidade com outros apresenta gradativamente
suas intolerâncias e assim por consequência determina suas exclusões que
podem se tornar agressivas.
V em sua diversidade de formas interpretativas tem seu caráter passível de
interpretações ambíguas, seu anonimato o insere dentro de um contexto
misterioso que pode classificá-lo tanto como um rebelde agressivo que busca em
sua vingança um mero sádico prazer, como um herói que representa resistência
ao sistema de repressão e partir disso deseja não apenas satisfazer a si próprio,
mas atender as necessidades de uma grande massa social. Assim em seu
discurso, recorre a momentos históricos fictícios (como a eleição de Adam Sutler)
que no contexto do filme justificam aquele cenário repressivo, e também a fatos
históricos verídicos (como o 5 de Novembro) ao passo em que propõe uma
solução que está intimamente relacionada com ideias libertárias, assim
construindo a ideia de que o inimigo é o Estado.
Considerando portanto a Análise do Discurso Francesa como base para o
processo analítico da criação de inimigos no discurso midiático televisivo
apresentado no contexto do filme V de vingança, observa-se que os interesses
do sujeito interpelado pela ideologia e assujeitado pelas condições de produção
do discurso e memória discursiva, são o que compõe a chave de seu caráter
ideológico, desta forma, esses interesses ao estabelecerem relação direta com a
mídia televisiva, se reúnem no dizer e constroem elementos simbólicos que
compõem o discurso e constroem seus inimigos instituindo-os por meio de
relações com a exterioridade, levando portanto, até a possibilidade de jogar
determinadas ideologias contra ou a favor da massa, consequentemente
mantendo ou fortalecendo ideias já instituídas, provocando mudanças e refletindo
diretamente nas práticas políticas e sociais de uma determinada conjuntura.83

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<http://www.ciberlegenda.uff.br/index.php/revista/article/view/240/128>.
Acesso em: 17 de novembro de 2017.

V de Vingança. Direção: James Mc Teigue. [S.I.]: Warner Bros, 2005. 1 DVD


(132 min).

_____________. Direção: James Mc Teigue. [S.I.]: Warner Bros, 2005. 1


DVD (2:25 min).

_____________. Direção: James Mc Teigue. [S.I.]: Warner Bros, 2005. 1


DVD (2:27 min).

_____________. Direção: James Mc Teigue. [S.I.]: Warner Bros, 2005. 1


DVD (2:45 min).

_____________. Direção: James Mc Teigue. [S.I.]: Warner Bros, 2005. 1


DVD (3:07 min).

_____________. Direção: James Mc Teigue. [S.I.]: Warner Bros, 2005. 1


DVD (3:05 min).

_____________. Direção: James Mc Teigue. [S.I.]: Warner Bros, 2005. 1


DVD (3:36 min).

_____________. Direção: James Mc Teigue. [S.I.]: Warner Bros, 2005. 1


DVD (18:50 min).

_____________. Direção: James Mc Teigue. [S.I.]: Warner Bros, 2005. 1


DVD (32:10 min).
_____________. Direção: James Mc Teigue. [S.I.]: Warner Bros, 2005. 1
DVD (2:03:26 min).

1 A obra “A Ordem do Discurso – Michel Foucault” utilizada como parte da bibliografia deste trabalho é
uma edição publicada em 1996, Editora Loyola, São Paulo. 22

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