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Informativo 655-STJ
Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE
DIREITO ADMINISTRATIVO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
▪ Se a Eletrobrás e a União foram condenadas a pagar valores decorrentes do empréstimo compulsório sobre
consumo de energia elétrica e a Eletrobrás quitou toda a dívida com o particular, ela não poderá pedir o
ressarcimento da União.

DIREITO CIVIL
NOME
▪ É possível a retificação do registro civil para acréscimo do segundo patronímico do marido ao nome da mulher
durante a convivência matrimonial.

JUROS
▪ Se o FIDC for cessionário de título de crédito de um banco, ele pode cobrar a mesma taxa de juros porque esse fundo
se amolda à definição legal de instituição financeira.

FIANÇA
▪ Em um contrato de cessão de crédito tendo por cessionário Fundo de Investimento em Direitos Creditórios - FIDC, é
válida a previsão contratual de fiança garantindo os riscos em caso de inadimplência dos devedores.

CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO DIGITAL


▪ Compete à justiça comum estadual julgar ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos materiais
e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta UBER para que possa voltar a
usar o aplicativo e realizar seus serviços.

AÇÃO POSSESSÓRIA
▪ Em ação possessória ajuizada pelo fazendeiro que teve o imóvel invadido por indígenas não cabe a realização de
laudo antropológico para examinar se são terras indígenas.

DIREITO REAL DE HABITAÇÃO


▪ No CC/1916, o cônjuge viúvo que casasse de novo ou constituísse união estável perdia o direito real de habitação;
no CC/2002, não mais existe essa causa de extinção.

DIREITO DO CONSUMIDOR
PLANO DE SAÚDE
▪ Paciente que fez o procedimento em hospital não credenciado deve ser ressarcido, pelo plano de saúde, em relação
às despesas que teve, segundo a tabela de valores do plano, mesmo que não fosse um caso de urgência ou
emergência.

COMPRA DE IMÓVEIS
▪ Sujeita-se à decadência à restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de SATI quando a causa
de pedir é o inadimplemento contratual por parte da incorporadora, não se aplicando o entendimento fixado no
tema repetitivo 938/STJ.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1


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DIREITO PROCESSUAL CIVIL


COMPETÊNCIA
▪ Compete à justiça comum estadual julgar ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos materiais
e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta Uber para que possa voltar a
usar o aplicativo e realizar seus serviços.

AGRAVO DE INSTRUMENTO
▪ A decisão interlocutória que majora a multa fixada para a hipótese de descumprimento de decisão antecipatória de
tutela anteriormente proferida é recorrível por agravo de instrumento.

PENHORA
▪ A quota-parte do coproprietário ou cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da avaliação do bem
indivisível.

DIREITO PENAL
CRIMES DO ECA
▪ O delito do art. 240 do ECA é classificado como crime formal, comum, de subjetividade passiva própria, consistente
em tipo misto alternativo.

LEI MARIA DA PENHA


▪ A medida de afastamento do local de trabalho, prevista no art. 9º, § 2º, da Lei é de competência do Juiz da Vara de
Violência Doméstica, sendo caso de interrupção do contrato de trabalho, devendo a empresa arcar com os 15
primeiros dias e o INSS com o restante.

DIREITO PROCESSUAL PENAL


PROVAS
▪ É ilícita a prova obtida mediante conduta da autoridade policial que atende, sem autorização, o telefone móvel do
acusado e se passa pela pessoa sob investigação.

SAÍDA TEMPORÁRIA
▪ Condenado que se encontra cumprindo pena em prisão domiciliar por falta de vagas no regime semiaberto tem
direito à saída temporária como se estivesse efetivamente no regime semiaberto.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO
APOSENTADORIA HÍBRIDA
▪ Para fins de aposentadoria híbrida, o tempo rural pode ser remoto, descontínuo, não predominante, sem
contribuições, não concomitante ao implemento das condições ou à data do requerimento administrativo.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO


Se a Eletrobrás e a União foram condenadas a pagar valores decorrentes do empréstimo
compulsório sobre consumo de energia elétrica e a Eletrobrás quitou toda a dívida com o
particular, ela não poderá pedir o ressarcimento da União

Não há direito de regresso, portanto, não é cabível a execução regressiva proposta pela
Eletrobrás contra a União em razão da condenação das mesmas ao pagamento das diferenças
na devolução do empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica ao particular
contribuinte da exação.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.576.254-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 26/06/2019
(recurso repetitivo – Tema 963) (Info 655).

O que é um empréstimo compulsório?


Se houver...
1) uma calamidade pública
2) uma guerra externa ou
3) a necessidade de se fazer investimento público urgente e de interesse nacional ...

... a União poderá tomar emprestados recursos do contribuinte comprometendo-se a aplicar o valor
arrecadado em uma dessas despesas.
Nisso consiste o empréstimo compulsório, que é uma espécie de tributo prevista no art. 148 da CF/88:
Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa
ou sua iminência;
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional,
observado o disposto no art. 150, III, "b".
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será
vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.

A lei complementar que instituir o empréstimo compulsório já deverá fixar o seu prazo e as condições de
resgate (art. 15, parágrafo único, do CTN).

Empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica


Em 1962, foi editada a Lei nº 4.156/62 criando um empréstimo compulsório sobre o consumo de energia
elétrica. Esse tributo foi instituído com o objetivo de financiar a expansão e a melhoria do setor elétrico
brasileiro em uma época onde em muitos lugares do país não havia energia elétrica. Assim, na conta de
luz do consumidor, além da tarifa normal, era cobrado determinado valor a título de empréstimo
compulsório, o que perdurou até 1993.
O valor arrecadado era destinado à Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras), sociedade de economia mista
federal responsável pela expansão da oferta de energia elétrica no país.

Papel da União nesse empréstimo


Vimos que o dinheiro arrecadado com o empréstimo compulsório era repassado à Eletrobrás, que tinha a
obrigação de investir na expansão da rede elétrica e, no final do prazo previsto na lei, devolver aos
consumidores a quantia tomada emprestada. E a União, qual era o papel que a lei estabeleceu para ela?

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 3


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A União instituiu o empréstimo compulsório e, segundo a lei, ela seria responsável solidária, juntamente
com a Eletrobrás, pela devolução dos valores aos consumidores (art. 4º, § 3º da Lei nº 4.156/62):
Art. 4º Até 30 de junho de 1965, o consumidor de energia elétrica tomará obrigações da
ELETROBRÁS, resgatáveis em 10 (dez) anos, a juros de 12% (doze por cento) ao ano,
correspondentes a 20% (vinte por cento) do valor de suas contas. A partir de 1º de julho de 1965,
e até o exercício de 1968, inclusive, o valor da tomada de tais obrigações será equivalente ao que
for devido a título de imposto único sobre energia elétrica.
(...)
§ 3º É assegurada a responsabilidade solidária da União, em qualquer hipótese, pelo valor nominal
dos títulos de que trata este artigo.

Em outras palavras, a obrigação de devolver os valores do empréstimo compulsório era solidária da


Eletrobrás e da União.

Divergências quanto à devolução dos valores


No prazo previsto na lei, a Eletrobrás efetuou a devolução dos valores cobrados dos clientes como
empréstimo compulsório. No entanto, surgiram várias divergências acerca da quantia que seria realmente
devida. Isso porque diversos consumidores questionaram os índices de correção monetária e juros que
foram utilizados pela empresa para a devolução, especialmente por causa da alta inflação vivenciada no
período.
Além disso, parte desses valores foram devolvidos em forma de ações preferenciais da Eletrobrás, o que
também gerou inúmeros conflitos quanto ao preço dessas ações, que não teria se baseado no valor real
de mercado.
Enfim, todos esses problemas acabaram se transformando em milhares de ações judiciais propostas pelos
consumidores contra a Eletrobrás.

De quem é a competência para julgar as demandas envolvendo cobrança de valores relacionados com
o empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica? Se o particular não concordou com os
valores pagos pela Eletrobrás e ingressou com ação pedindo uma quantia superior, quem será
competente para julgar esta demanda?
Depende:
1) Se o particular propõe a ação contra a Eletrobrás e a União, em litisconsórcio: Justiça FEDERAL.
Vimos acima que a União responde solidariamente pelo empréstimo compulsório, nos termos do art. 4º,
§ 3º, da Lei nº 4.156/62.
Desse modo, sendo caso de responsabilidade solidária, o autor (credor) poderá ajuizar a ação contra os
dois devedores solidários (União e Eletrobrás) em litisconsórcio. Se assim o fizer, a competência será da
Justiça Federal, com base no art. 109, I, da CF/88.

2) Se o consumidor propõe a ação exclusivamente contra a Eletrobrás:


2.1 REGRA: em regra, a competência será da Justiça ESTADUAL.
Como a dívida é solidária, o autor (credor) pode escolher ajuizar a ação contra apenas um dos devedores
solidários (art. 275 do CC). Não se trata de litisconsórcio necessário, mas sim facultativo (REsp
1145146/RS).
Se escolher propor a ação exclusivamente contra a Eletrobrás (não incluindo a União na lide), a Justiça
Estadual será competente para a apreciação da causa. Isso porque, em regra, as sociedades de economia
mista, ainda que mantidas pela União, não são julgadas pela Justiça Federal. Se você ler o inciso I do art.
109 da CF/88 verificará que as sociedades de economia mista não estão ali previstas. Houve uma opção
do constituinte de não incluir tais empresas estatais no rol do art. 109 da CF/88. Justamente por isso, as
causas envolvendo a Eletrobrás (sociedade de economia mista federal), sem a presença da União, são
julgadas pela Justiça estadual.

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2.2 EXCEÇÃO: se a União intervier na lide, a competência será da Justiça FEDERAL.


Como a União é devedora solidária, ela possui interesse jurídico e poderá pedir para intervir na lide.
Ocorrendo esta situação, o juiz de direito (juiz estadual) que estava apreciando a lide contra a Eletrobrás
deverá declinar a competência para a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88.
Importante esclarecer que não cabe ao juiz de direito dizer se há ou não interesse da União. Pedindo a
União para intervir, o magistrado estadual deverá declinar a competência para que a Justiça Federal
aprecie o pedido da União (Súmula 150-STJ).

O STJ editou um enunciado sobre o tema:


Súmula 553-STJ: Nos casos de empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica, é
competente a Justiça estadual para o julgamento de demanda proposta exclusivamente contra a
Eletrobrás. Requerida a intervenção da União no feito após a prolação de sentença pelo juízo estadual, os
autos devem ser remetidos ao Tribunal Regional Federal competente para o julgamento da apelação se
deferida a intervenção.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


João teve que pagar durante muito tempo o empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica.
Anos mais tarde, a Eletrobrás pagou a João R$ 100 mil a título de devolução dos valores do empréstimo
compulsório.
Ocorre que João não concordou com a quantia recebida e ajuizou ação contra a Eletrobrás e a União, em
litisconsórcio, afirmando que deveria ter recebido R$ 400 mil.
O pedido de João foi julgado procedente e a Eletrobrás e a União foram condenadas a pagar,
solidariamente, ao consumidor, R$ 300 mil, correspondente a diferença entre o valor pago (R$ 100 mil) e
a quantia devida (R$ 400 mil).
A Eletrobrás pagou os R$ 300 mil a João e, em seguida, ingressou com execução regressiva contra a União
pedindo para ser ressarcida em R$ 150 mil. A Eletrobrás alegou o seguinte: ora, tendo a sentença proferida
na ação ordinária declarado a responsabilidade solidária da União, e sendo o débito pago unicamente por
mim (Eletrobrás), possuo o direito de ser ressarcida, recebendo metade do valor adimplido.

A tese da Eletrobrás foi aceita pelo STJ?


NÃO. O STJ entendeu que:
Não há direito de regresso, portanto, não é cabível a execução regressiva proposta pela Eletrobrás
contra a União em razão da condenação das mesmas ao pagamento das diferenças na devolução do
empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica ao particular contribuinte da exação.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.576.254-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 26/06/2019 (recurso
repetitivo – Tema 963) (Info 655).

A responsabilidade da União deve ser definida com base no exame da Lei nº 4.156/62, em especial na
interpretação sistemática e histórica do art. 4º, § 3º.
Como a Eletrobrás é uma sociedade de economia mista organizada sob a forma de sociedade anônima,
com capital constituído de recursos públicos e privados, deve-se entender que a responsabilidade da
União é subsidiária, ou seja, o patrimônio da União somente deve responder pela dívida se for insuficiente
o patrimônio da Eletrobrás.
Trata-se, portanto, de responsabilidade solidária, mas subsidiária. Logo, inexiste o direito de regresso da
Eletrobrás contra a União, pois esta somente é garantidora, perante o credor, nas situações de
insuficiência patrimonial da empresa principal devedora.
A expressão “em qualquer hipótese” contida no dispositivo legal (art. 4º, § 3º, da Lei nº 4.156/62) existe
apenas para permitir ao consumidor/contribuinte/credor optar por acionar diretamente a União e, nesse
último caso, esta é que terá direito de regresso contra a Eletrobrás ou benefício de ordem, se houver
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patrimônio suficiente, já que originalmente destacado da União, justamente com a finalidade de realizar
a política no setor de energia.

DIREITO CIVIL

NOME
É possível a retificação do registro civil para acréscimo do segundo patronímico do marido ao
nome da mulher durante a convivência matrimonial

O cônjuge pode acrescentar sobrenome do outro (§ 1º do art. 1.565, do Código Civil).


Em regra, o sobrenome do marido/esposa é acrescido no momento do matrimônio, sendo essa
providência requerida no processo de habilitação do casamento.
A despeito disso, não existe uma vedação legal expressa para que, posteriormente, no curso
do relacionamento, um dos cônjuges requeira o acréscimo do outro patronímico do seu
cônjuge por meio de ação de retificação de registro civil, especialmente se o cônjuge apresenta
uma justificativa.
Vale ressaltar que o art. 1.565, §1º do CC não estabelece prazo para que o cônjuge adote o
apelido de família do outro, em se tratando, no caso, de mera complementação, e não alteração
do nome.
Assim, é possível a retificação do registro civil para acréscimo do segundo patronímico do
marido ao nome da mulher durante a convivência matrimonial.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.648.858-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/08/2019 (Info 655).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Karla Souza Andrade se casou com Renato Ferrari Gonçalves e, durante a habilitação do casamento,
decidiu acrescentar um dos patronímicos do marido, passando a se chamar Karla Andrade Gonçalves.
Passados alguns anos, Karla ajuizou ação de retificação de assentamento civil, pedindo para que o outro
patronímico de seu marido fosse incluído em seu nome e que ela passasse a se chamar Karla Andrade
Ferrari Gonçalves.
A autora alegou que o patronímico “Ferrari” é conhecido no seu convívio social, sendo o mais utilizado por
seu marido.
Vale ressaltar que o pedido foi instruído com certidões negativas que demonstravam que não haveria
qualquer prejuízo a outras pessoas e que a autora estava de boa-fé.
O juiz negou o pedido argumentando que o nome é imutável e que, o acréscimo do sobrenome do marido
é uma providência que ocorre no momento da habilitação.
A questão chegou até o STJ.

O pedido da autora deve ser julgado procedente?


SIM.
O momento adequado para que um cônjuge acrescente o patronímico do outro é, em regra, a fase de
habilitação para o futuro casamento. No entanto, não existe uma vedação legal expressa para que,
posteriormente, no curso do relacionamento, um dos cônjuges requeira o acréscimo do outro patronímico
do seu cônjuge por meio de ação de retificação de registro civil (arts. 109 e 57 da Lei nº 6.015/73),
especialmente se o cônjuge justifica que faz isso porque esse outro patronímico é aquele mais utilizado
no meio social.
Veja a redação dos dispositivos da Lei dos Registros Públicos:

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Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil,
requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de
testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no
prazo de cinco dias, que correrá em cartório.

Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência
do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro,
arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do
art. 110 desta Lei.

Vale ressaltar que o art. 1.565, §1º do Código Civil não estabelece prazo para que o cônjuge adote o apelido
de família do outro, em se tratando, no caso, de mera complementação, e não alteração do nome:
Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes,
companheiros e responsáveis pelos encargos da família.
§ 1º Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.
(...)

Nesse sentido:
(...) 1. O art. 1.565, § 1º, do Código Civil de 2002 autoriza a inclusão do sobrenome de um dos nubentes
no nome do outro, o que se dá mediante solicitação durante o processo de habilitação, e, após a
celebração do casamento, com a lavratura do respectivo registro. Nessa hipótese, a alteração do nome de
um ou de ambos os noivos é realizada pelo oficial de registro civil de pessoas naturais, sem a necessidade
de intervenção judicial.
2. Dada a multiplicidade de circunstâncias da vida humana, a opção conferida pela legislação de inclusão
do sobrenome do outro cônjuge não pode ser limitada, de forma peremptória, à data da celebração do
casamento. Podem surgir situações em que a mudança se faça conveniente ou necessária em período
posterior, enquanto perdura o vínculo conjugal. Nesses casos, já não poderá a alteração de nome ser
procedida diretamente pelo oficial de registro de pessoas naturais, que atua sempre limitado aos termos
das autorizações legais, devendo ser motivada e requerida perante o Judiciário, com o ajuizamento da
ação de retificação de registro civil prevista nos arts. 57 e 109 da Lei 6.015/73. Trata-se de procedimento
judicial de jurisdição voluntária, com participação obrigatória do Ministério Público. (...)
STJ. 4ª Turma. REsp 910.094/SC, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 04/09/2012.

Em tese, se não fosse permitida tal alteração, o casal, cuja relação conta com vários anos, deveria se
divorciar para, então, formalizar, por meio de novas núpcias, e consequentemente de novo processo de
habilitação, o pedido de adesão pela mulher do integral sobrenome do marido, o que não é razoável.
Ao se casar, cada cônjuge pode manter o seu nome de solteiro, sem alteração do sobrenome, ou substituir
seu sobrenome pelo sobrenome do outro, ou modificar seu sobrenome com adição do sobrenome do
outro. Esses arranjos são livres, de acordo com a cultura de cada comunidade.
Assim, desde que não haja prejuízo à ancestralidade ou à sociedade, é possível a supressão de um
sobrenome, pelo casamento, “pois o nome civil é direito da personalidade” (LOBO, Paulo. Direito Civil,
Famílias, Vol. 5, 9ª ed, São Paulo: Saraiva, 2019, p. 135).
A tutela jurídica relativa ao nome precisa ser balizada pelo direito à identidade pessoal, especialmente
porque o nome representa a própria identidade individual e, ao fim e ao cabo, o projeto de vida familiar,
escolha na qual o Poder Judiciário deve se imiscuir apenas se houver insegurança jurídica ou se houver
intenção de burla à verdade pessoal e social.

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Em suma:
É possível a retificação do registro civil para acréscimo do segundo patronímico do marido ao nome da
mulher durante a convivência matrimonial.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.648.858-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/08/2019 (Info 655).

DOD Plus
É possível a alteração de assento registral de nascimento para a inclusão do patronímico do companheiro
na constância de uma união estável, em aplicação analógica do art. 1.565, § 1º, do CC, desde que:
• seja feita prova documental da relação por instrumento público e
• haja anuência do companheiro cujo nome será adotado.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.206.656-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/10/2012.

JUROS
Se o FIDC for cessionário de título de crédito de um banco, ele pode cobrar a mesma taxa de
juros porque esse fundo se amolda à definição legal de instituição financeira

Os Fundos de Investimento em Direito Creditório - FIDCs amoldam-se à definição legal de


instituição financeira e não se sujeitam à incidência da limitação de juros da Lei da Usura.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.634.958-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 06/08/2019 (Info 655).

O que é FIDC?
FIDC é a sigla para Fundo de Investimento em Direitos Creditórios.
Trata-se de um fundo de investimento no qual os valores serão aplicados, no mínimo, 50% em direitos
creditórios (títulos de crédito).
Assim, as pessoas interessadas investem um determinado valor no fundo, que é administrado por
especialistas. Este fundo aplica o valor dos investidores e, depois, divide entre os participantes as receitas
que conseguir, abatidas as despesas necessárias para o negócio.
A peculiaridade deste fundo é o fato de ele ter que aplicar pelo menos metade dos recursos em direitos
creditórios (daí o seu nome).
A CVM editou a Instrução nº 356/2001, que estabelece no art. 2º, III, que o FIDC é uma comunhão de
recursos que destina parcela preponderante do respectivo patrimônio líquido para a aplicação em direitos
creditórios.

Direitos creditórios
Direitos creditórios são direitos derivados de créditos que uma empresa tem a receber, como, por
exemplo, cheques, aluguéis, duplicatas, parcelas de cartão de crédito etc. Assim, a empresa tem esses
créditos para receber no futuro, mas como precisa de capital de giro, aceita “vender” esses créditos para
um terceiro, recebendo à vista menos do que eles valem. Ex: a empresa tinha um cheque “pós-datado”
para receber em 90 dias no valor de R$ 1 mil; ela aceita “vender” esse crédito por R$ 800,00 recebendo à
vista a quantia.
De acordo com o art. 2º, I, da Instrução CVM nº 356/2001, os direitos creditórios são os direitos e títulos
representativos de crédito, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial,
industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, e os warrants,
contratos e títulos referidos no § 8º do art. 40 dessa Instrução.

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Securitização de recebíveis
A partir do que foi exposto, podemos concluir que o FIDC, em regra, opera mediante a securitização de
recebíveis.
O termo “securitização” deriva do termo em inglês securities, que quer dizer, em tradução livre, “valores
mobiliários” (PEREIRA, Evaristo Dumont de Lucena. FREITAS, Bernardo Vianna; VERSIANI, Fernanda Valle
(coords.). Fundos de Investimento – Aspectos Jurídicos, Regulamentares e Tributários. São Paulo: Quartier
Latin, 2015, p. 231).
A securitização caracteriza-se pela cessão de créditos originariamente titulados por uma unidade
empresarial para outra entidade, que os deve empregar como lastro na emissão de títulos ou valores
mobiliários, colocados à disposição de investidores, com o objetivo de angariar recursos ordinariamente
para o financiamento da atividade econômica.
Um FIDC pode adquirir direitos creditórios por meio de dois atos formais:
a) o endosso, típico do regime jurídico cambial, cuja disciplina depende do título de crédito adquirido, mas
que tem efeito de cessão de crédito; e
b) a cessão civil ordinária de crédito, como no caso, disciplinada nos arts. 286 a 298 do CC.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


João celebrou contrato de mútuo feneratício com o banco Santander por meio do qual tomou emprestado
R$ 100 mil, com a obrigação de devolver, em até 24 meses, a quantia principal acrescida de juros
remuneratórios de 3% ao mês.
João assinou várias notas promissórias como forma de materializar essa dívida.

Mútuo feneratício
A palavra “feneratício” vem do latim “feneratitius”, que significa algo “relativo à usura”.
O mútuo feneratício é o empréstimo que tem fins econômicos, ou seja, no qual haverá o pagamento de
uma remuneração ao mutuante. Encontra-se previsto no art. 591 do CC:
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob
pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização
anual.

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada,
ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor
para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

A remuneração pelo empréstimo de coisa fungível é chamada de juros remuneratórios.


Assim, podemos resumir dizendo que mútuo feneratício consiste no “empréstimo de dinheiro a juro”.

Obs: segundo prevalece no STJ, a taxa dos juros moratórios a que se refere o art. 406 do CC é a taxa
referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC (STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1105904/DF,
Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/09/2012).

Essa taxa de juros (3% ao mês) é superior à taxa legal do art. 406 do Código Civil. Mesmo assim, o banco
poderia cobrá-la?
SIM.
Realmente, o art. 591 prevê que, no mútuo feneratício, a taxa de juros não pode ser superior à taxa legal
prevista no art. 406 do CC. O art. 591 do CC afirma também que a única capitalização possível seria a anual.
Vale ressaltar, contudo, que essas restrições contidas no art. 591 do CC não se aplicam para o mútuo
feneratício envolvendo instituições financeiras.
Em outras palavras, se o mutuante for uma instituição financeira:
• a taxa de juros contratada poderá ser superior à taxa legal (art. 406); e
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• será permitida capitalização de juros com periodicidade inferior a 1 ano.

Assim, os juros remuneratórios cobrados pelos bancos não estão sujeitos aos limites impostos pela Lei de
Usura (Decreto nº 22.626/33), pelo Código Civil ou por qualquer outra lei.
Em outras palavras, não existe lei limitando os juros que são cobrados pelos bancos (STJ. 2ª Seção. REsp
1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008).
Existe uma súmula do STF que afirma isso:
Súmula 596-STF: As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros
encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema
financeiro nacional.

Diante da ausência de lei que imponha limites aos juros cobrados pelas instituições financeiras, o STJ
construiu a seguinte regra: os juros cobrados pelos bancos devem utilizar como índice a taxa média de
mercado, que é calculada e divulgada pelo Banco Central (BACEN) em sua página na internet.
Desse modo, se Lucas empresta dinheiro a juros para Henrique, ele deverá se submeter às restrições do
art. 591 do CC. Por outro lado, um banco não estará limitado a tais exigências.

Voltando ao nosso exemplo:


João tinha a obrigação de pagar a dívida em 24 meses. No entanto, o banco Santander queria o dinheiro
à vista. Diante disso, o banco cedeu as notas promissórias para um Fundo de Investimento em Direitos
Creditórios.
Ocorre que João não pagou a dívida e o Fundo ajuizou execução contra ele cobrando as notas
promissórias.
João defendeu-se alegando que a taxa de juros cobrada é superior à taxa legal e que isso configura usura.
Afirmou que, se fosse o banco cobrando, tudo bem, considerando que as instituições financeiras não estão
submetidas à lei de usura. No entanto, como é o Fundo, ele deve se submeter à limitação de juros já que
não é instituição financeira.

A tese do devedor foi acolhida pelo STJ?


NÃO. Segundo decidiu o STJ:
Os Fundos de Investimento em Direito Creditório - FIDCs amoldam-se à definição legal de instituição
financeira e não se sujeitam à incidência da limitação de juros da Lei da Usura.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.634.958-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 06/08/2019 (Info 655).

O art. 17, parágrafo único, da Lei nº 4.595/64 estabelece que se consideram instituições financeiras, para
os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas que tenham como atividade
principal ou acessória a coleta, a intermediação ou a aplicação de recursos financeiros próprios ou de
terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.
Assim, para os efeitos dessa lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as
pessoas físicas que exerçam qualquer uma das atividades referidas no citado artigo, de forma permanente
ou eventual.
O art. 18, § 1º, do mesmo diploma legal esclarece que, além dos estabelecimentos bancários oficiais ou
privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas, das
cooperativas de crédito ou da seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam
às disposições e disciplina dessa lei, no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e
de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro,
mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que
exercem, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e a venda de ações e
quaisquer outros títulos, realizando nos mercados financeiro e de capitais operações ou serviços de
natureza dos executados pelas instituições financeiras.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10


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O mercado financeiro abrange o de capitais, e a operação dos FIDCs, por envolver a captação de poupança
popular mediante a emissão e a subscrição de cotas (valor mobiliário) para concessão de crédito, é
inequivocamente de instituição financeira, bastante assemelhada ao desconto ou redesconto bancário,
anotando a doutrina especializada que a criação dessa modalidade de fundo de investimento deu-se com
o objetivo de que outras instituições pudessem exercitar tarefa tipicamente bancária.
Registre-se, ainda, que o sistema privado caminha para a objetivação do crédito, como, aliás, se nota, o
art. 29, § 1º, da Lei nº 10.931/2004, dispõe que no tocante ao endosso de cédula de crédito bancário,
aplicar-se-ão, no que couber, as normas do direito cambiário, caso em que o endossatário, mesmo não
sendo instituição financeira ou entidade a ela equiparada, poderá exercer todos os direitos por ela
conferidos, inclusive cobrar juros e demais encargos na forma pactuada na cédula.
Dessa forma, a tese acerca da incidência da limitação de juros da Lei da Usura ignora a natureza de
entidade do mercado financeiro dos FIDCs, conduz ao enriquecimento sem causa do cedido e vai na
contramão da evolução do Direito, que busca conferir objetivação à regular cessão de crédito, conforme
se extrai da teleologia do art. 29, § 1º, da Lei nº 10.931/2004.

FIANÇA
Em um contrato de cessão de crédito tendo por cessionário Fundo de Investimento em Direitos
Creditórios - FIDC, é válida a previsão contratual de fiança, garantindo os riscos em caso de
inadimplência dos devedores

É válida a celebração de contrato acessório de fiança na cessão de crédito em operação de


securitização de recebíveis, tendo por cessionário um FIDC (Fundo de Investimento em Direito
Creditório).
STJ. 4ª Turma. REsp 1.726.161-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 06/08/2019 (Info 655).

Observação: o entendimento acima é diferente do caso das factorings.


Não se admite a estipulação de garantia em favor da empresa de factoring no que se refere,
especificamente, ao inadimplemento dos títulos cedidos, salvo na hipótese em que a inadimplência é
provocada pela própria empresa faturizada (STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1385554/SE, Rel. Min.
Antonio Carlos Ferreira, julgado em 09/09/2019).

O que é FIDC?
FIDC é a sigla para Fundo de Investimento em Direitos Creditórios.
Trata-se de um fundo de investimento no qual os valores serão aplicados, no mínimo, 50% em direitos
creditórios (títulos de crédito).
Assim, as pessoas interessadas investem um determinado valor no fundo, que é administrado por
especialistas. Este fundo aplica o valor dos investidores e, depois, divide entre os participantes as receitas
que conseguir, abatidas as despesas necessárias para o negócio.
A peculiaridade deste fundo é o fato de ele ter que aplicar pelo menos metade dos recursos em direitos
creditórios (daí o seu nome).
A CVM editou a Instrução nº 356/2001, que estabelece no art. 2º, III, que o FIDC é uma comunhão de
recursos que destina parcela preponderante do respectivo patrimônio líquido para a aplicação em direitos
creditórios.

Direitos creditórios
Direitos creditórios são direitos derivados de créditos que uma empresa tem a receber, como, por
exemplo, cheques, aluguéis, duplicatas, parcelas de cartão de crédito etc. Assim, a empresa tem esses

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11


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créditos para receber no futuro, mas como precisa de capital de giro, aceita “vender” esses créditos para
um terceiro, recebendo à vista menos do que eles valem. Ex: a empresa tinha um cheque “pós-datado”
para receber em 90 dias no valor de R$ 1 mil; ela aceita “vender” esse crédito por R$ 800,00 recebendo à
vista a quantia.
De acordo com o art. 2º, I, da Instrução CVM nº 356/2001, os direitos creditórios são os direitos e títulos
representativos de crédito, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial,
industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, e os warrants,
contratos e títulos referidos no § 8º do art. 40 dessa Instrução.

Securitização de recebíveis
A partir do que foi exposto, podemos concluir que o FIDC, em regra, opera mediante a securitização de
recebíveis.
O termo “securitização” deriva do termo em inglês securities, que quer dizer, em tradução livre, “valores
mobiliários” (PEREIRA, Evaristo Dumont de Lucena. FREITAS, Bernardo Vianna; VERSIANI, Fernanda Valle
(coords.). Fundos de Investimento – Aspectos Jurídicos, Regulamentares e Tributários. São Paulo: Quartier
Latin, 2015, p. 231).
A securitização caracteriza-se pela cessão de créditos originariamente titulados por uma unidade
empresarial para outra entidade, que os deve empregar como lastro na emissão de títulos ou valores
mobiliários, colocados à disposição de investidores, com o objetivo de angariar recursos ordinariamente
para o financiamento da atividade econômica.
Um FIDC pode adquirir direitos creditórios por meio de dois atos formais:
a) o endosso, típico do regime jurídico cambial, cuja disciplina depende do título de crédito adquirido, mas
que tem efeito de cessão de crédito; e
b) a cessão civil ordinária de crédito, como no caso, disciplinada nos arts. 286 a 298 do CC.

Imagine a seguinte situação hipotética:


A sociedade empresária PW Ltda é uma loja de roupas.
Na sua atividade empresarial, ela faz muitas vendas à crédito.
Para tanto, os clientes assinam notas promissórias se comprometendo a pagar as dívidas em 90, 120 e 180 dias.
Ocorre que a loja não pode aguardar todo esse tempo e precisa de dinheiro para pagar suas despesas e
comprar mercadorias.
A empresa resolveu, então, “vender” seus créditos, recebendo à vista o dinheiro, com deságio, ou seja,
com desconto.
Para tanto, PW celebrou contrato de cessão de créditos com um Fundo de Investimento em Direitos
Creditórios – FIDC.
Por meio desse contrato, a PW cedeu para o Fundo diversas notas promissórias (títulos de crédito) que
iriam vencer apenas em 180 dias. A soma desses créditos totalizava R$ 100 mil.
Como contrapartida, o Fundo pagou, à vista, R$ 90 mil para a PW, ficando com o direito de cobrar dos
devedores os R$ 100 mil.
Ocorre que esses Fundos se cercam das mais diversas garantias possíveis. Assim, o Fundo exigiu que Paulo
(sócio da PW) figurasse como fiador neste contrato de cessão de crédito.
Desse modo, Pedro, na qualidade de fiador, assumiu a obrigação de responder perante o Fundo não só
pelo risco da existência dos créditos, como pela inadimplência dos devedores/cedidos.

Essa fiança é válida? Em um contrato de cessão de crédito tendo por cessionário Fundo de Investimento
em Direitos Creditórios - FIDC, é válida a previsão contratual de garantia fidejussória (fiança)?
SIM.
É válida a celebração de contrato acessório de fiança na cessão de crédito em operação de securitização
de recebíveis, tendo por cessionário um FIDC (Fundo de Investimento em Direito Creditório).
STJ. 4ª Turma. REsp 1.726.161-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 06/08/2019 (Info 655).

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12


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Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) atuam no mercado financeiro, especificamente


de capitais, e são regulados e fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Nos termos do art. 17, parágrafo único, da Lei nº 4.595/64 o FIDC pode ser equiparado a uma instituição
financeira.
Assim, a contrato de cessão de crédito no qual um FIDC figura como cessionário é uma operação que se
assemelha muito ao desconto bancário.
Nesse contexto, como é comum nas operações envolvendo desconto bancário, a cessão de crédito é do
tipo cessão pro solvendo, de forma que o cedente é responsável, perante o cessionário, pela solvência do
crédito, desde que isso fique expressamente previsto, conforme exige o art. 296 do Código Civil:
Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.

Dessa feita, se houver estipulação contratual, o cedente é responsável ao cessionário pela solvência do
devedor, podendo existir um contrato acessório de fiança que garanta essa obrigação.

O que foi explicado acima vale também para a factoring? Se, em vez de um FIDC, o contrato tivesse sido
celebrado com uma factoring, seria possível essa cláusula?
A situação, neste caso, é um pouco diferente.

Caso a faturizadora não consiga receber do devedor o valor do título, ela poderá cobrar essa quantia do
faturizado que lhe cedeu esse crédito? Ex.: mulher foi até a loja de sapatos e pagou com um cheque pós-
datado de R$ 700,00. A loja “vendeu” esse cheque para a factoring. Ocorre que o cheque não foi
descontado por falta de fundos. A faturizadora poderá cobrar a quantia do faturizado (loja)?
• Regra: NÃO. O risco assumido pelo faturizador é inerente à operação de factoring, não podendo o
faturizado ser demandado para responder regressivamente. Essa impossibilidade de regresso decorre do
fato de que a faturizada não garante a solvência do título.
• Exceção: o faturizado pode ser demandado para responder regressivamente se tiver dado causa ao
inadimplemento dos contratos cedidos.
STJ. 4ª Turma. REsp 1163201/PE, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 02/12/2014.

Não se admite a estipulação de garantia em favor da empresa de factoring no que se refere,


especificamente, ao inadimplemento dos títulos cedidos, salvo na hipótese em que a inadimplência é
provocada pela própria empresa faturizada.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1385554/SE, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 09/09/2019.

A faturizadora não tem direito de regresso contra a faturizada sob alegação de inadimplemento dos títulos
transferidos, porque esse risco é da essência do contrato de factoring.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 638.055/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 17/05/2016.

Desse modo, existe diferença em caso de FIDC ou de factoring.


O FIDC, de modo diverso das atividades desempenhadas pelos escritórios de factoring, opera no mercado
financeiro (vertente do mercado de capitais) mediante a securitização de recebíveis, por meio da qual
determinado fluxo de caixa futuro é utilizado como lastro para a emissão de valores mobiliários colocados
à disposição de investidores. Conforme a legislação e a normatização infralegal de regência, um FIDC pode
adquirir direitos creditórios por meio de dois atos formais:
a) o endosso, cuja disciplina depende do título de crédito adquirido; e
b) a cessão civil ordinária de crédito, disciplinada nos arts. 286 a 298 do CC, pro soluto ou pro solvendo.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13


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Por outro lado, no tocante especificamente ao contrato de factoring, alguns dos fundamentos da corrente
que não admitem o estabelecimento de garantia para a operação de fomento comercial consistem
justamente no fato de que essa operação costuma cobrar taxa maior de desconto (deságio maior) e de
que isso serve também para não se confundir com o contrato privativo de instituição financeira.
No caso, como há a captação de poupança popular dos próprios cotistas, além da eficiência da engenhosa
estrutura a envolver a operação dos FIDCs, que prescinde de intermediação, o deságio pela cessão de
crédito dos direitos creditórios é menor que nas operações de desconto bancário, razão pela qual é
descabida a tese acerca de que a operação se distancia do desconto bancário, a justificar a nulidade da
garantia.

CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO DIGITAL


Compete à justiça comum estadual julgar ação de obrigação de fazer cumulada com reparação
de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de
sua conta UBER para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços

Compete à justiça comum estadual julgar ação de obrigação de fazer, cumulada com reparação
de danos materiais e morais, ajuizada por motorista de aplicativo, pretendendo a reativação
de sua conta UBER para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços.
As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade
de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que
a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos
geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade,
atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa
proprietária da plataforma.
STJ. 2ª Seção. CC 164.544-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 28/08/2019 (Info 655).

Veja comentários em Direito Processual Civil.

AÇÃO POSSESSÓRIA
Em ação possessória ajuizada pelo fazendeiro que teve o imóvel invadido por indígenas, não
cabe a realização de laudo antropológico para examinar se são terras indígenas

É inadequada a discussão acerca da tradicionalidade da ocupação indígena em ação


possessória ajuizada por proprietário de fazenda antes de completado o procedimento
demarcatório.
Assim, não cabe produção de laudo antropológico em ação possessória ajuizada por
proprietário de fazenda ocupada por grupo indígena.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.650.730-MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 20/08/2019 (Info 655).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João, fazendeiro, ajuizou ação de reintegração de posse contra Raoni (cacique da comunidade indígena
Guarani Açú), contra a Fundação Nacional do Índio - FUNAI e contra a União, em litisconsórcio passivo,
alegando que os índios invadiram sua propriedade rural.
Vale ressaltar que João ocupa essa fazenda invadida desde 1977.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14


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A FUNAI, em sua contestação, alegou que a fazenda invadida pode ser caracterizada como terra
tradicionalmente ocupada pelos índios e, portanto, pediu que fosse produzido um laudo antropológico
destinado a demonstrar a existência ou não de ocupação tradicional indígena sobre a área.

O pedido da FUNAI deve ser acolhido?


NÃO.
O processo em tela é uma ação possessória ajuizada pelo proprietário da fazenda ocupada pelos indígenas.
A produção de laudo antropológico é uma providência que é realizada em procedimento administrativo
de demarcação da terra indígena, onde aí sim é examinada adequadamente a tradicionalidade da
ocupação indígena sobre determinada área.
É inadequada a discussão acerca da tradicionalidade da ocupação indígena, sob pena de admitir a
possibilidade de justiça de mão própria pelos indígenas, tornando legal a ocupação prematura e
voluntariosa de uma determinada área, antes mesmo de completado o procedimento de demarcatório.
Enquanto não configurado o momento apropriado para a ocupação de terra indígena tradicionalmente
ocupada - o que pressupõe regular procedimento demarcatório -, não há justo título para a ocupação
perpetrada, daí a configuração do esbulho.
Vale ressaltar que julgar procedente a ação possessória proposta pelo fazendeiro não atrapalha nem gera
qualquer óbice para eventual reconhecimento, no procedimento demarcatório, da tradicionalidade da
ocupação da terra indígena e os efeitos dela decorrentes. Em outras palavras, na ação possessória não se
está discutindo a demarcação das terras indígenas. Isso deverá ser feito no procedimento adequado,
segundo a legislação.

Em suma:
É inadequada a discussão acerca da tradicionalidade da ocupação indígena em ação possessória ajuizada
por proprietário de fazenda antes de completado o procedimento demarcatório.
Assim, não cabe produção de laudo antropológico em ação possessória ajuizada por proprietário de
fazenda ocupada por grupo indígena.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.650.730-MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 20/08/2019 (Info 655).

DOD PLUS
A quem pertencem as terras tradicionalmente ocupadas por índios?
Pertencem à União (art. 20, XI, da CF/88). No entanto, essas terras destinam-se à posse permanente dos
índios, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
Em suma, são bens da União, mas para serem usadas pelos índios. Por isso, alguns autores classificam
essas terras como sendo bens públicos de uso especial.

O que são as chamadas “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”?


Segundo o § 1º do art. 231 da CF/88 são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios:
• as que eles habitam em caráter permanente;
• as utilizadas para suas atividades produtivas;
• as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar;
• e as necessárias a sua reprodução física e cultural (segundo seus usos, costumes e tradições).

Vale ressaltar que se a terra já foi habitada pelos índios, porém quando foi editada a CF/88 o aldeamento
já estava extinto, ela não será considerada terra indígena. Confira:
Súmula 650-STF: Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos
extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto.

Segundo critério construído pelo STF, somente são consideradas “terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios” aquelas que eles habitavam na data da promulgação da CF/88 (marco temporal) e,

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15


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complementarmente, se houver a efetiva relação dos índios com a terra (marco da tradicionalidade da
ocupação).
Assim, se, em 05/10/1988, a área em questão não era ocupada por índios, isso significa que ela não terá
a natureza indígena de que trata o art. 231 da CF/88.

Qual é a proteção conferida às terras tradicionalmente ocupadas por índios?


A CF/88 garante aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, exercendo
sobre elas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos.
Essas terras são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas são imprescritíveis.
Para que os índios possam exercer seus direitos compete à União fazer a demarcação dessas terras.

Demarcação das terras indígenas


Os índios possuem direitos sobre as terras por eles ocupadas tradicionalmente. Tais direitos decorrem da
própria Constituição e existem mesmo que as terras ainda não estejam demarcadas. No entanto, o
legislador determinou que a União fizesse essa demarcação a fim de facilitar a defesa desses direitos.
A demarcação é um processo administrativo realizado na forma prevista no Decreto nº 1.775/96.
Vale ressaltar, mais uma vez, que a demarcação se dá por meio de processo administrativo (não é judicial).
Além disso, importante ressaltar que o Congresso Nacional não participa da demarcação, ocorrendo ela
apenas no âmbito do Poder Executivo.
OSTF entende que o procedimento previsto no Decreto nº 1.775/96 é constitucional e não viola os
princípios do contraditório e da ampla defesa:
O processo de demarcação de terras indígenas, tal como regulado pelo Decreto nº 1.775/1996, não
vulnera os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que garante aos interessados o direito
de se manifestarem.
STF. 1ª Turma. RMS 27255 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24/11/2015.

DIREITO REAL DE HABITAÇÃO


No CC/1916, o cônjuge viúvo que casasse de novo ou constituísse união estável perdia
o direito real de habitação; no CC/2002, não mais existe essa causa de extinção

Se o cônjuge sobrevivente casar novamente ou constituir uma união estável, ele perderá o
direito real de habitação? Ex: João era casado com Maria. Faleceu, deixando quatro filhos e,
como herança, um único apartamento, que estava em seu nome e onde morava com a esposa.
Diante desse cenário, Maria passou a ter direito real de habitação sobre o imóvel. Suponhamos
que 10 anos após a morte de João, Maria passou a viver em união estável com Pedro. Ela
perderá o direito real de habitação sobre o imóvel?
• Se a morte do autor da herança ocorreu na vigência do CC/1916: SIM.
A constituição de união estável superveniente à abertura da sucessão, ocorrida na vigência do
Código Civil de 1916, afasta o estado de viuvez previsto como condição resolutiva do direito
real de habitação do cônjuge supérstite.
• Se a morte do autor da herança ocorreu na vigência do CC/2002: NÃO (posição majoritária
da doutrina).
O Código Civil de 1916 previa que o direito real de habitação seria extinto caso o cônjuge
sobrevivente deixasse de ser viúvo, ou seja, caso se casasse ou iniciasse uma união estável (art.
1.611, § 2º). Como o CC-2002 não repetiu essa regra, entende-se que houve um silêncio
eloquente e que não mais existe causa de extinção do direito real de habitação em caso de novo
casamento ou união estável.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.636-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/08/2019 (Info 655).

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16


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Direito real de habitação


O Código Civil de 2002 prevê o direito real de habitação em seu art. 1.831 nos seguintes termos:
Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem
prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao
imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

O instituto também era previsto, com algumas diferenças, no § 2º do art. 1.611 do Código Civil de 1916.

Exemplo
João era casado com Maria. Faleceu, deixando quatro filhos e, como herança, um único apartamento, que
estava em seu nome e onde morava com a esposa. Nesse caso, Maria terá direito real de habitação sobre
esse imóvel.

O que significa isso?


A pessoa que tem direito real de habitação poderá residir no imóvel. Logo, mesmo havendo quatro filhos
como herdeiros, Maria é quem terá direito de ficar residindo no apartamento.
O direito real de habitação tem por objetivo garantir o direito fundamental à moradia (art. 6º, caput, da
CF/88) e o postulado da dignidade da pessoa humana (art. art. 1º, III).

Recai sobre o imóvel destinado à residência da família


O cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação sobre o imóvel em que residia o casal, desde que
integre o patrimônio comum ou particular do cônjuge falecido no momento da abertura da sucessão (STJ.
3ª Turma. REsp 1273222/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/06/2013).

O regime de bens do casamento interfere no reconhecimento do direito real de habitação?


• No CC/1916: SIM. O benefício destinava-se ao cônjuge sobrevivente que era casado sob regime de
comunhão universal.
• No CC/2002: NÃO. Atualmente, poderá ser assegurado o direito real de habitação qualquer que seja o
regime de bens.

O fato de o cônjuge falecido ter tido filhos com outra mulher interfere no direito real de habitação da
esposa sobrevivente?
NÃO. O direito real de habitação sobre o imóvel que servia de residência do casal deve ser conferido ao
cônjuge/companheiro sobrevivente não apenas quando houver descendentes comuns, mas também
quando concorrerem filhos exclusivos do de cujos (STJ. 3ª Turma. REsp 1134387/SP, julgado em
16/04/2013).

Até quando dura o direito real de habitação?


O titular do direito real de habitação poderá, se quiser, morar no imóvel até a sua morte. Trata-se,
portanto, de um direito vitalício.

Se o cônjuge sobrevivente casar novamente ou constituir uma união estável, ele perderá o direito real de
habitação? Ex: João era casado com Maria. Faleceu, deixando quatro filhos e, como herança, um único
apartamento, que estava em seu nome e onde morava com a esposa. Diante desse cenário, Maria passou
a ter direito real de habitação sobre o imóvel. Suponhamos que 10 anos após a morte de João, Maria
passou a viver em união estável com Pedro. Ela perderá o direito real de habitação sobre o imóvel?
• Se a morte do autor da herança ocorreu na vigência do CC/1916: SIM.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17


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A constituição de união estável superveniente à abertura da sucessão, ocorrida na vigência do Código


Civil de 1916, afasta o estado de viuvez previsto como condição resolutiva do direito real de habitação
do cônjuge supérstite.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.636-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/08/2019 (Info 655).

Veja a redação do art. 1.611, § 2º do Código Civil de 1916:


Art. 1.611 (...)
§ 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão universal, enquanto viver e
permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o
direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que
seja o único bem daquela natureza a inventariar. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 4.121/1962)

O texto do Código passado era claro ao dizer que o direito real de habitação deveria existir enquanto
perdurasse o estado de viuvez. Se o cônjuge sobrevivente casa de novo ou constitui união estável, ele
deixa de ser viúvo.
Vale ressaltar, ainda, que a CF/88 equiparou os institutos do casamento e da união estável quanto aos
efeitos jurídicos, inclusive no âmbito sucessório. Logo, mesmo que o titular do direito real de habitação
não case (não contrai matrimônio), mas apenas constitua uma união estável, ainda assim, isso gerava, na
vigência do CC/1916, a extinção do direito real de habitação.

• Se a morte do autor da herança ocorreu na vigência do CC/2002: NÃO (posição majoritária da doutrina).
Como vimos acima, o Código Civil de 1916 previa que o direito real de habitação seria extinto caso o
cônjuge sobrevivente deixasse de ser viúvo, ou seja, caso se casasse ou iniciasse uma união estável (art.
1.611, § 2º).
Como o CC-2002 não repetiu essa regra, entende-se que houve um silêncio eloquente e que não mais
existe causa de extinção do direito real de habitação em caso de novo casamento ou união estável. Veja
o que diz a doutrina:
“Comparando-se o art. 1831 do Código Civil de 2002 com o seu antecessor (art. 1.611, CC 1916),
houve substancial acréscimo qualitativo do direito real de habitação em favor do cônjuge
sobrevivente. Primeiro, o cônjuge passa a desfrutar do direito real de habitação, independente do
regime de bens adotado no matrimônio — no CC de 1916, só caberia em prol do meeiro no regime
da comunhão universal. Segundo, no CC de 1916 o direito de habitação era vidual, posto
condicionada a sua permanência à manutenção da viuvez. Doravante, mesmo que o cônjuge
sobrevivente case novamente ou inaugure união estável, não poderá ser excluído da habitação,
pois tal direito se torna vitalício.” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos
Reais. 8. ed., Salvador: Juspodivm, 2012, p. 856-857).

Destaco, mais uma vez, que o critério para saber se o direito real de habitação será regido pelo Código
Civil de 1916 ou pelo de 2002 é a data da abertura da sucessão (data da morte do autor da herança). Se a
abertura da sucessão ocorreu na vigência do CC/1916, este diploma permanecerá regendo o direito real
de habitação mesmo após a entrada em vigor do CC/2002:
O direito real de habitação conferido pelo Código Civil de 2002 à viúva sobrevivente, qualquer que seja o
regime de bens do casamento (art. 1.831 do CC/02), não alcança as sucessões abertas na vigência da
legislação revogada (art. 2.041 do CC/02).
STJ. 4ª Turma. REsp n. 1.204.347/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 2/5/2012.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18


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DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANO DE SAÚDE
Paciente que fez o procedimento em hospital não credenciado deve ser ressarcido, pelo plano
de saúde, em relação às despesas que teve, segundo a tabela de valores do plano, mesmo que
não fosse um caso de urgência ou emergência

É cabível o reembolso de despesas efetuadas por beneficiário de plano de saúde em


estabelecimento não contratado, credenciado ou referenciado pela operadora ainda que a
situação não se caracterize como caso de urgência ou emergência, limitado ao valor da tabela
do plano de saúde contratado.
O art. 12, VI, da Lei nº 9.656/98 afirma que o reembolso de despesas médicas realizadas em
hospital não credenciado ocorre em casos de urgência ou emergência. O STJ, contudo, confere
uma interpretação mais ampliativa desse dispositivo, afirmando que as hipóteses de urgência
e emergência são apenas exemplos (e não requisitos) desse reembolso.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.760.955-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/06/2019 (Info 655).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João precisava fazer uma cirurgia.
Ele era cliente de um plano de saúde que cobria esse procedimento, mas desde que fosse realizado em
um hospital credenciado.
Ocorre que João queria realizar a cirurgia no Sírio Libanês, hospital de sua confiança, mas que não
conveniado ao plano de saúde.
João fez a cirurgia no Sírio Libanês custeando todas as despesas com seu próprio dinheiro (obs: o hospital
cobrou R$ 200 mil do paciente por todo o tratamento realizado).
Depois disso, João ajuizou ação de cobrança contra o plano de saúde buscando o reembolso das despesas
médico-hospitalares relativas ao procedimento cirúrgico realizado no referido hospital não integrante da
rede credenciada.
O plano de saúde contestou a demanda, afirmando que somente seria obrigado a reembolsar o cliente se
o procedimento tivesse sido feito em caso de urgência ou de emergência. Como se tratou de um
procedimento eletivo (programado), o cliente deveria ter realizado na rede credenciada.

Quem tem razão: o plano de saúde ou o consumidor?


O consumidor.

Contrato de plano de saúde


O contrato de plano de assistência à saúde é aquele por meio do qual a operadora oferece aos usuários a
cobertura de custos de atendimento e tratamento médico, hospitalar e laboratorial perante profissionais,
hospitais e laboratórios próprios ou credenciados, recebendo, em contraprestação, o pagamento de um preço.

Cobertura do plano pode ficar limitada à rede própria ou conveniada


Em regra, o contrato de plano de saúde poderá prever que a cobertura contratada de médicos, hospitais
e laboratórios ficará restrita à rede própria ou conveniada.
Essa previsão contida em quase todos os contratos de plano de saúde não é, em princípio, abusiva.

A Lei prevê expressamente que o plano de saúde deve se responsabilizar pelos serviços de urgência e
emergência ainda que fora da rede
Mesmo que o contrato preveja que o plano de saúde só opera com rede própria e conveniada, caso se
trate de uma situação de urgência ou emergência em que não for possível a utilização dos serviços

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19


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próprios ou conveniados, o plano de saúde terá o dever de ressarcir o cliente pelas despesas que ele
efetuar em outros médicos ou hospitais.
Dessa forma, se o usuário do plano, em uma situação de urgência ou emergência, tiver que ser atendido
em um hospital ou médico não credenciado, terá o direito de ser reembolsado pelo plano.
Se o contrato prever que o plano não se responsabiliza por atendimentos de urgência fora da rede
credenciada mesmo em casos de urgência e emergência, esta cláusula contratual é considerada abusiva e
nula de pleno direito. Isso porque a Lei que rege o tema (Lei nº 9.656/98) determina expressamente esse
dever aos planos de saúde. Confira:
Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e
o § 1º do art. 1º desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas
as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10,
segundo as seguintes exigências mínimas:
(...)
VI - reembolso, em todos os tipos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta
Lei, nos limites das obrigações contratuais, das despesas efetuadas pelo beneficiário com
assistência à saúde, em casos de urgência ou emergência, quando não for possível a utilização dos
serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, de acordo com a
relação de preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto, pagáveis
no prazo máximo de trinta dias após a entrega da documentação adequada;

Mas no caso acima narrado a cirurgia foi eletiva, ou seja, não havia urgência nem emergência... mesmo
assim o plano de saúde terá que ressarcir o cliente?
SIM.
Segundo a literalidade do art. 12, VI, o reembolso das despesas médicas estaria limitado às hipóteses de
urgência ou emergência.
O STJ, contudo, conferiu uma interpretação não literal para esse dispositivo.
Acompanhe o raciocínio com calma.

Ressarcimento ao SUS
O art. 32 da Lei nº 9.656/98 prevê que, se um cliente do plano de saúde utilizar-se dos serviços do SUS, o
Poder Público poderá cobrar do referido plano o ressarcimento que ele teve com essas despesas. Veja:
Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art.
1º desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à
saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos
dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do
Sistema Único de Saúde - SUS.

Assim, o chamado “ressarcimento ao SUS”, criado pelo art. 32 da Lei nº 9.656/98, é uma obrigação legal
das operadoras de planos privados de assistência à saúde de restituir as despesas que o SUS teve ao
atender uma pessoa que seja cliente e que esteja coberta por esses planos.
O STF já decidiu que esse dispositivo é constitucional (RE 597064/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
7/2/2018).

Mesmo raciocínio presente no art. 32 pode ser aplicado para o consumidor


Se a operadora de plano de saúde é obrigada a reembolsar o SUS na hipótese de tratamento realizado por
seus beneficiários em hospital público, por que não haveria de reembolsar o próprio beneficiário que se
utiliza dos serviços do hospital privado que não faz parte da sua rede credenciada?
O STJ entendeu que não seria razoável, portanto, aceitar que o poder público fosse ressarcido, mas negar
esse direito ao cliente do plano de saúde que fosse atendido na rede particular não credenciada.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20


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Releitura do art. 12, VI


Desse modo, o STJ propôs a realização de uma releitura do art. 12, VI, da Lei nº 9.656/98 de modo que o
reembolso das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde seja permitido quando não
se utilizar dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, sendo as
hipóteses de urgência e emergência apenas exemplos (e não requisitos) dessa segurança contratual dada
aos consumidores (o reembolso).
Esta interpretação respeita, a um só tempo, o equilíbrio atuarial das operadoras de plano de saúde (pois
este custo diz respeito diretamente ao produto que coloca à disposição do consumidor de acordo com o
valor mensal de contribuição, sem qualquer surpresa acerca dos cálculos inerentes à sua colocação no
mercado) e o interesse do beneficiário, que escolhe hospital não integrante da rede credenciada de seu
plano de saúde e, por conta disso, terá de arcar com o excedente da tabela de reembolso prevista no
contrato.

Mas não irá ficar muito dispendioso para o plano de saúde, que terá que reembolsar grandes quantias
que são cobradas pelos hospitais particulares?
NÃO. Isso porque os valores a serem pagos ao cliente a título de ressarcimento terão como limite as
quantias previstas para cada procedimento na tabela de valores do plano de saúde.
Explicando melhor.
Os planos de saúde possuem uma tabela (planilha) na qual são listados os preços que ele paga para cada
procedimento realizado. Ex: o hospital “Sírio Libanês” cobrou R$ 200 mil pelo procedimento “X” realizado
em João. Segundo a tabela de referência, o plano de saúde paga R$ 50 mil para os seus hospitais
credenciados quando eles realizam esse mesmo procedimento “X”.
Isso significa que João terá direito de receber apenas R$ 50 mil, considerando que é esse o valor da tabela
do plano de saúde.
Assim, tal solução reveste-se de razoabilidade, não impondo desvantagem exagerada ao plano de saúde,
pois a suposta exorbitância de valores gastos pelo cliente na utilização dos serviços prestados por hospital
“famoso” será suportada pelo próprio consumidor, dado que o reembolso ficará limitado ao valor da
tabela do plano de saúde contratado.

Resumindo:
É cabível o reembolso de despesas efetuadas por beneficiário de plano de saúde em estabelecimento
não contratado, credenciado ou referenciado pela operadora ainda que a situação não se caracterize
como caso de urgência ou emergência, limitado ao valor da tabela do plano de saúde contratado.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.760.955-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/06/2019 (Info 655).

COMPRA DE IMÓVEIS
Sujeita-se à decadência a restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de
SATI, quando a causa de pedir é o inadimplemento contratual por parte da incorporadora, não
se aplicando o entendimento fixado no tema repetitivo 938/STJ

No julgamento do REsp 1.551.956-SP (Tema 938), o STJ decidiu que é de 3 anos o prazo
prescricional para que o adquirente pleiteie a restituição dos valores pagos a título de
comissão de corretagem ou de serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI).
O prazo de 3 anos fixado pelo STJ no Tema 938 envolve demandas nas quais a causa de pedir
é a abusividade da transferência desses valores para o consumidor. Em outras palavras, se o

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21


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consumidor alega que o pagamento da comissão de corretagem ou do SATI foi abusivo, o prazo
prescricional é de 3 anos.
Esse prazo prescricional de 3 anos não se aplica, contudo, no caso em que o adquirente pleiteia
a resolução do contrato em virtude do inadimplemento da incorporadora (que atrasou na
entrega do imóvel) e, como consequência disso, pede também a devolução de todos os valores
pagos, inclusive da comissão de corretagem e do SATI.
Se o adquirente ajuíza ação contra a incorporadora cuja causa de pedir é o inadimplemento
do contrato e o pedido é a devolução dos valores pagos, temos aí o exercício de um direito
potestativo, que não está sujeito a prescrição, mas sim decadência.
Logo, não se aplica o Tema 938/STJ aos casos em que a pretensão de restituição da comissão
de corretagem e da SATI tem por fundamento a resolução do contrato por culpa da
incorporadora.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.737.992-RO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 20/08/2019
(Info 655).

Comissão de corretagem
Como remuneração pelo serviço prestado, o corretor de imóveis receberá o pagamento de uma quantia,
que é chamada de “comissão de corretagem”.
O valor da comissão de corretagem deverá estar previsto na lei ou no contrato firmado entre as partes.

Em um contrato de promessa de compra e venda, é possível que exista uma cláusula dizendo que o
promitente-comprador (consumidor) irá pagar a comissão de corretagem?
SIM, desde que isso seja devidamente explicado ao consumidor que está efetivamente pagando:
É válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de
corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de
incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade
autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.599.511-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso
repetitivo) (Info 589).

Serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI)


Alguns contratos de compromisso de compra e venda possuem uma cláusula prevendo que o promitente-
comprador deverá pagar um percentual a título de serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI).
A justificativa das incorporadoras é a de que este valor é pago para ressarcir os custos que ela tem com a
manutenção dos serviços oferecidos no estande de vendas: funcionários para exame dos documentos,
análise de crédito, para prestar esclarecimentos técnicos e jurídicos acerca das cláusulas do contrato, das
condições do negócio etc.
Desse modo, os serviços de assessoria técnico-imobiliária são esses serviços prestados antes do contrato
de promessa de compra e venda de imóveis ser assinado e que levam algumas incorporadoras a cobrar
dos promitentes-compradores um valor para ressarcir os custos de sua prestação. Esta quantia cobrada é
conhecida, na prática imobiliária, como “taxa SATI”. Em geral, este valor corresponde a 0,88% sobre o total
do bem.

É válida a cobrança da taxa SATI (ou de valor equivalente, mas com outro nome)?
NÃO.
É abusiva a cobrança pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou
atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.599.511-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso
repetitivo) (Info 589).

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22


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Discussão judicial sobre a abusividade da comissão de corretagem e da taxa SATI e prazo prescricional
para essa pretensão de restituição
Vimos acima que, na prática, muitas incorporadoras exigem que o promitente-comprador pague a
comissão de corretagem e o “serviço de assessoria técnico-imobiliária” (SATI).
Inúmeros consumidores não se conformam com essa cobrança e a questionam no Poder Judiciário.
Os consumidores ajuízam ações pedindo que seja declarada a abusividade de tais cláusulas e que, como
consequência, a eles sejam restituídos (recebam de volta) os valores pagos a título de comissão de
corretagem e de SATI.

Qual é o prazo prescricional neste caso?


3 anos.
Prescreve em 3 anos a pretensão de restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem ou
de serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere (art. 206, § 3º, IV, CC).
STJ. 2ª Seção. REsp 1.551.956-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso
repetitivo – Tema 938) (Info 589).

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


Em 2010, Pedro celebrou contrato de promessa de compra e venda de um apartamento com a construtora
MB empreendimentos imobiliários.
O pacto previa que a construtora entregaria o apartamento em 2013.
Ocorre que houve um grande atraso e, em 2016, o empreendimento ainda não havia sido entregue.
Diante disso, Pedro ajuizou ação de resolução do contrato por inadimplemento da construtora cumulado
com pedido de indenização.
• Causa de pedir dessa ação: o descumprimento do prazo de entrega da obra pela incorporadora.
• Pedidos formulados:
a) a extinção do contrato;
b) a devolução das parcelas mensais que ele pagou durante esses anos;
c) a devolução da comissão de corretagem e da assessoria técnica (SATI) que ele pagou no momento da
assinatura do contrato (em 2010).

Alegação de que a terceira pretensão estaria prescrita


A incorporadora contestou alegando, dentre outros argumentos, que a pretensão do autor para reaver os
valores pagos a título de comissão de corretagem e assessoria técnica (SATI) estaria prescrita,
considerando o pagamento ocorreu em 2010 e a ação foi proposta em 2016.
Segundo a ré, o prazo prescricional seria de 3 anos, conforme decidido pelo STJ no REsp 1.551.956-SP
(Tema 938), acima mencionado.

O argumento da incorporadora está correto?


NÃO.
O prazo de 3 anos fixado pelo STJ no REsp 1.551.956-SP (Tema 938) envolve demandas nas quais a causa
de pedir é a abusividade da transferência da comissão de corretagem e do SATI para o consumidor. Em
outras palavras, se o consumidor alega que o pagamento da comissão de corretagem ou do SATI foi
abusivo, o prazo prescricional é de 3 anos.
No entanto, no caso concreto, o autor não está questionando a abusividade da comissão de corretagem
ou do SATI. Ele está simplesmente dizendo que deve ser ressarcido porque a construtora descumpriu suas
obrigações contratuais, devendo as partes voltarem ao status quo.
Desse modo, em nosso exemplo, a causa de pedir é o inadimplemento contratual por parte da
incorporadora, caracterizado pelo atraso na entrega da obra.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23


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Atraso na entrega da obra enseja a resolução do contrato


O atraso na entrega da obra por culpa da incorporadora dá ensejo à resolução do contrato, com devolução
integral das parcelas pagas, nos termos da Súmula 543/STJ:
Súmula 543-STJ: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel
submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas
pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente
vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.

Direito de pedir a resolução do contrato é um direito potestativo


O direito de pleitear a resolução do contrato por inadimplemento é um direito potestativo, assegurado ao
contratante não inadimplente, conforme enuncia a norma do art. 475 do Código Civil:
Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir
exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

Sendo direito potestativo, não se fala em prazo prescricional, mas sim em prazo decadencial
Tratando-se de um direito potestativo, não há falar em prazo de prescrição, mas em decadência, o que
por si só já afastaria a aplicação do Tema 938/STJ ao caso.
Assim, o direito à resolução do contrato por inadimplemento é um direito potestativo, sujeito à
decadência.

Qual seria o prazo decadencial neste caso?


O Código Civil não traz um prazo que a pessoa possa pleitear a resolução do contrato por inadimplemento
da outra parte.
O STJ afirmou que o exercício desse direito fica prejudicado a partir do momento em que estiverem
prescritas as pretensões que a parte interessada teria para exigir o cumprimento do contrato.
No caso concreto, como a pretensão do adquirente ao cumprimento do contrato (entrega do imóvel) não
se enquadra em nenhuma das hipóteses de prazo específico de prescrição do Código Civil, é de se aplicar
o prazo geral de prescrição (10 anos). Assim, a partir da data prevista para a entrega do imóvel, em 2013,
o adquirente teria 10 anos para pleitear a resolução do contrato.

Resumindo:
No julgamento do REsp 1.551.956-SP (Tema 938), o STJ decidiu que é de 3 anos o prazo prescricional
para que o adquirente pleiteie a restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem ou de
serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI).
O prazo de 3 anos fixado pelo STJ no Tema 938 envolve demandas nas quais a causa de pedir é a
abusividade da transferência desses valores para o consumidor. Em outras palavras, se o consumidor
alega que o pagamento da comissão de corretagem ou do SATI foi abusivo, o prazo prescricional é de 3
anos.
Esse prazo prescricional de 3 anos não se aplica, contudo, no caso em que o adquirente pleiteia a
resolução do contrato em virtude do inadimplemento da incorporadora (que atrasou na entrega do
imóvel) e, como consequência disso, pede também a devolução de todos os valores pagos, inclusive da
comissão de corretagem e do SATI.
Se o adquirente ajuíza ação contra a incorporadora cuja causa de pedir é o inadimplemento do contrato
e o pedido é a devolução dos valores pagos, temos aí o exercício de um direito potestativo, que não está
sujeito a prescrição, mas sim decadência.
Logo, não se aplica o Tema 938/STJ aos casos em que a pretensão de restituição da comissão de
corretagem e da SATI tem por fundamento a resolução do contrato por culpa da incorporadora.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.737.992-RO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 20/08/2019 (Info 655).

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA
Compete à justiça comum estadual julgar ação de obrigação de fazer cumulada com reparação
de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de
sua conta Uber para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços

Compete à justiça comum estadual julgar ação de obrigação de fazer cumulada com reparação
de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de
sua conta Uber para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços.
As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade
de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que
a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos
geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade,
atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa
proprietária da plataforma.
STJ. 2ª Seção. CC 164.544-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 28/08/2019 (Info 655).

Imagine a seguinte situação adaptada:


Daniel era motorista de Uber.
Determinado dia, a Uber, alegando que Daniel teve comportamento irregular, suspendeu a sua conta de
motorista, fazendo com que ele ficasse impedido de realizar corridas.
Diante disso, Daniel ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos morais e
materiais contra a Uber.
Na demanda, pediu para que a sua conta fosse reativada e para que a empresa fosse condenada a
indenizá-lo pelos prejuízos que teve durante a suspensão, período no qual não pode trabalhar.
A ação foi proposta na Justiça Estadual.
O Juiz de Direito declinou da competência para a Justiça do Trabalho, argumentando que se trata de uma
relação de trabalho.
O Juiz do Trabalho entendeu que não havia relação de trabalho e, portanto, declarou-se igualmente
incompetente, razão pela qual suscitou conflito de competência.

Quem julga conflito de competência entre Juiz de Direito e Juiz do Trabalho?


Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 105, I, “d”, da CF/88:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”,
bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais
diversos;

O que decidiu o STJ? De quem é a competência para julgar ação de obrigação de fazer cumulada com
reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo contra a empresa Uber?
Justiça comum estadual.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25


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Compete à justiça comum estadual julgar ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos
materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta UBER
para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços.
STJ. 2ª Seção. CC 164.544-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 28/08/2019 (Info 655).

Pedido formulado pelo autor não está relacionado com relação de emprego
O pedido formulado pelo autor é para a reativação de sua conta de motorista Uber para que possa voltar
a fazer uso do aplicativo e realizar seus serviços.
A causa de pedir é, portanto, o contrato de intermediação digital para a prestação de serviços firmado
entre as partes.
Os fundamentos de fato e de direito da causa não dizem respeito a eventual relação de emprego havida
entre as partes, tampouco veiculam a pretensão de recebimento de verbas de natureza trabalhista. Em
outras palavras, o autor não pediu para que fosse reconhecido vínculo de emprego nem pediu verbas
trabalhistas.
O pedido decorre do contrato firmado com empresa detentora do aplicativo, tratando-se, portanto, de
relação de cunho eminentemente civil.

Não há relação de emprego entre o motorista e a Uber


A relação de emprego exige os pressupostos da pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade.
Ausente algum desses pressupostos, o trabalho caracteriza-se como autônomo ou eventual.
A empresa Uber atua no mercado através de um aplicativo de celular responsável por fazer a aproximação
entre os motoristas parceiros e seus clientes, os passageiros.
Os motoristas de aplicativo não mantém relação hierárquica com a empresa Uber porque seus serviços
são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos e não recebem salário fixo, o que
descaracteriza o vínculo empregatício entre as partes.

Relação de cunho civil


Afastada a relação de emprego, tem-se que o sistema de transporte privado individual, a partir de
provedores de rede de compartilhamento, detém natureza de cunho civil.
A atividade desenvolvida pelos motoristas de aplicativos foi reconhecida com a edição da Lei nº
13.640/2018, que alterou a Lei nº 12.587/2012 (Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana), para
incluir o inciso X em seu art. 4º, com a seguinte redação:
Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se:
(...)
X – transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte
de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou
compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos
ou outras plataformas de comunicação em rede.

A lei atribuiu à atividade caráter privado, em consonância com o conceito adotado pela Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para o compartilhamento de bens entre pessoas, por
meio de sistema informatizado, chamado de “peer-to-peer platforms” ou “peer platform markets”, ou
seja, um mercado entre pares – P2P, conforme nos esclarece a doutrina sobre o tema:
“Essa nova modalidade de interação econômica não se confunde com os clássicos modelos que
envolvem uma empresa e um consumidor (B2C – business to consumer), duas empresas (B2B –
business to business) ou consumidores (C2C – consumer to consumer). Há, na realidade, um
“mercado de duas pontas” (two-sided markets), visto que existem dois sujeitos interessados,
sendo que um deles se predispõe a permitir que o outro se utilize de um bem, que se encontra
em seu domínio, e o outro concorda em usufruí-lo mediante remuneração. No entanto, toda a

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26


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transação é intermediada por um agente econômico que controla a plataforma digital.” (SILVA,
Joseane Suzart Lopes da. O transporte remunerado individual de passageiros no Brasil por meio
de aplicativo: a Lei 13.640/2018 e a proteção dos consumidores diante da economia do
compartilhamento. Revista de Direito do Consumidor, vol. 118, ano 27, pp. 157/158)

A OCDE utiliza a designação desse mercado de peer platform markets (mercado de plataformas
de parceria), analisando apenas o segmento que envolve intercâmbios econômicos entre
particulares, peer to peer (P2P), “esses modelos de negócios tornam acessíveis oportunidades
econômicas para indivíduos que fornecem os bens ou serviços ('peer providers') e para as
plataformas que fazem a conexão ('peer platform')”. Para os consumidores (peer consumers), esse
mercado oferece vantagens, como menores custos, maior seletividade, conveniência,
experiências sociais, ou mesmo uma proposta de consumo mais
sustentável.” (PAIXÃO, Marcelo Barros Falcão da. Os desafios do direito do consumidor e da
regulação na sharing economy. Revista dos Tribunais. vol. 994. ano 107. São Paulo: Ed. RT, agosto
2018, pp. 227/228).

As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade de interação
econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços
por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de
tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores
individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma.
Em suma, tratando-se de demanda em que a causa de pedir e o pedido deduzidos na inicial não se referem
à existência de relação de trabalho entre as partes, configurando-se em litígio que deriva de relação
jurídica de cunho eminentemente civil, é o caso de se declarar a competência da Justiça Estadual.

O tema está resolvido ou ainda existe possibilidade de novo entendimento?


O tema parece estar resolvido no âmbito do STJ, no entanto, a polêmica ainda persistirá na Justiça do
Trabalho. Isso porque o tema chegou ao STJ, neste caso, porque o autor não pedia o reconhecimento do
vínculo de emprego e Juiz do Trabalho entendeu que não era competente para a causa.
No entanto, existem inúmeras outras situações nas quais o motorista ajuíza a ação diretamente na Justiça
do Trabalho pedindo o reconhecimento do vínculo empregatício. Nestes casos, se o Juiz do Trabalho
reputar que é competente para a causa, a questão não chegará ao STJ e tramitará no âmbito da Justiça do
Trabalho. Vale ressaltar que existem decisões de Tribunais Regionais do Trabalho afirmando que existe
sim vínculo empregatício entre o motorista e a empresa Uber. Desse modo, o tema só estará mais
consolidado quando houver uma manifestação do TST e, principalmente, do STF a respeito do assunto.

AGRAVO DE INSTRUMENTO
A decisão interlocutória que majora a multa fixada para a hipótese de descumprimento de
decisão antecipatória de tutela anteriormente proferida é recorrível por agravo de instrumento

Novo CPC
Importante!!!
A decisão interlocutória que majora a multa que havia sido fixada inicialmente consiste em
uma tutela provisória sendo, portanto, recorrível por agravo de instrumento com base no art.
1.015, I, do CPC/2015:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

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I - tutelas provisórias;
Se é concedida uma tutela provisória e, posteriormente, é proferida uma segunda decisão
interlocutória modificando essa tutela provisória, pode-se considerar que esse segundo
pronunciamento jurisdicional se enquadra no conceito de decisão interlocutória que verse
sobre tutela provisória.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.827.553-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/08/2019 (Info 655).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João ajuizou ação de obrigação de fazer contra uma operadora de plano de saúde.
O juiz concedeu a tutela provisória determinando que o plano realizasse o tratamento médico pleiteado,
no prazo de 48h, sob pena de multa diária de R$ 5 mil.

É cabível agravo de instrumento contra esta decisão do magistrado?


SIM. É possível a interposição de agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, I, do CPC/2015:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I - tutelas provisórias;

A operadora, mesmo intimada, descumpriu a ordem judicial e não realizou o procedimento médico.
Vale ressaltar que a operadora também não recorreu contra a decisão.
Diante disso, o juiz proferiu nova decisão interlocutória majorando (aumentando) a multa para R$ 20 mil.

É cabível agravo de instrumento contra esta segunda decisão do magistrado?


SIM.
A decisão interlocutória que majora a multa fixada para a hipótese de descumprimento de decisão
antecipatória de tutela anteriormente proferida é recorrível por agravo de instrumento.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.827.553-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/08/2019 (Info 655).

O conceito de “decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória” previsto no art. 1.015, I, do
CPC/2015, abrange as decisões que digam respeito:
1) à presença ou não dos pressupostos que justificam o deferimento, indeferimento, revogação ou
alteração da tutela provisória (é o chamado núcleo essencial);
2) ao prazo e ao modo de cumprimento da tutela;
3) à adequação, suficiência, proporcionalidade ou razoabilidade da técnica de efetivação da tutela
provisória; e
4) à necessidade ou dispensa de garantias para a concessão, revogação ou alteração da tutela provisória.
STJ. 3ª Turma. REsp 1752049-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/03/2019 (Info 644).

Se é concedida uma tutela provisória e, posteriormente, é proferida uma segunda decisão interlocutória
modificando essa tutela provisória, pode-se considerar que esse segundo pronunciamento jurisdicional se
enquadra no conceito de decisão interlocutória que verse sobre tutela provisória (art. 1.015, I, do CPC).

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28


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PENHORA
A quota-parte do coproprietário ou cônjuge alheio à execução
recairá sobre o produto da avaliação do bem indivisível

Imagine que um determinado imóvel indivisível pertença a duas pessoas. Uma delas está
sendo executada e a outra não tem nenhuma relação com essa dívida cobrada.
Esse bem é penhorado. Esse imóvel poderá ser alienado, no entanto, depois de vendido deverá
ser entregue ao coproprietário não responsável o valor de sua quota-parte. É o que prevê o
caput do art. 843 do CPC/2015:
Art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do
coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem.
Vale ressaltar, no entanto, que o bem indivisível somente poderá ser alienado se o valor de
alienação for suficiente para assegurar ao coproprietário não responsável 50% do valor de
avaliação do bem:
Art. 843 (...) § 2º Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na
qual o valor auferido seja incapaz de garantir, ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à
execução, o correspondente à sua quota-parte calculado sobre o valor da avaliação.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.728.086-MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/08/2019 (Info 655).

O que acontece com o bem penhorado?


Se o bem penhorado for dinheiro, ele é transferido ao credor, quitando-se a obrigação.
Se o bem penhorado for coisa diferente de dinheiro, ele poderá ser:
a) adjudicado (ocorre quando a propriedade do bem penhorado é transferida para o exequente como
forma de pagamento da dívida que está sendo cobrada em juízo);
b) alienado;
c) concedido em usufruto ao exequente.

Expropriação
Quando acontece uma dessas três situações acima, dizemos que houve a “expropriação”, conforme
previsto no art. 825 do CPC/2015:
Art. 825. A expropriação consiste em:
I - adjudicação;
II - alienação;
III - apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


João e Pedro, irmãos, são proprietários de um apartamento.
Cada um deles tem 50% deste imóvel, ou seja, a quota-parte de cada irmão é 50%.
João está sendo executado e o juiz determinou a penhora do bem.
Vale ressaltar que o apartamento é um bem indivisível e que Pedro não tem nenhuma relação com essa
dívida, não figurando no polo passivo da execução.

Neste caso, o que fazer? Este bem penhorado poderá ser alienado para pagar a dívida?
SIM. No entanto, a lei determina que o coproprietário que não tem nada a ver com a execução não poderá
ser prejudicado e, por isso, após o bem ser vendido, ele receberá a sua quota-parte do imóvel em dinheiro.
É o que diz o art. 843 do CPC/2015:
Art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do
coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29


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Assim, em nosso exemplo, o apartamento será vendido e 50% do que for arrecadado (produto da
alienação do bem) será entregue a Pedro. O restante servirá para pagar a dívida.

Avaliação
Antes de o bem penhorado ser alienado, é necessário realizar uma avaliação.
O § 2º do art. 843 afirma que se o bem penhorado tiver um coproprietário que é alheio à dívida que está
sendo executada, este bem só poderá ser vendido por um preço que dê para pagar pelo menos a quota-
parte deste coproprietário:
Art. 843 (...)
§ 2º Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na qual o valor
auferido seja incapaz de garantir, ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à execução, o
correspondente à sua quota-parte calculado sobre o valor da avaliação.

Desse modo, “o coproprietário não devedor e o cônjuge ou companheiro não devedor nem responsável
patrimonial secundário têm direito a receber sua cota-parte tomando por base o valor da avaliação do
bem, e não o valor da expropriação. E, caso a expropriação não atinja sequer o valor que deve ser entregue
a esses sujeitos, não deverá ser realizada.” (NEVES, Daniel Assumpção. Manual de Direito Processual Civil.
11ª ed., Salvador: Juspodivm, 2019, p. 1146).

Utilizando nosso exemplo:


O apartamento foi avaliado em R$ 1 milhão. Isso significa que a quota-parte de Pedro, segundo a avalição,
corresponde à R$ 500 mil.
Se o apartamento for vendido por R$ 1 milhão e 400 mil, Pedro receberá R$ 700 mil (50%).
Por outro lado, se o apartamento for alienado por R$ 800 mil, Pedro receberá R$ 500 mil (50% da
avaliação).
Por fim, se o maior lance pelo apartamento for R$ 400 mil, ele não poderá ser vendido. Isso porque não
daria para cumprir o § 2º do art. 843 e pagar a quota-parte de Pedro, calculada com base no valor da
avaliação (R$ 1 milhão).
Assim, o coproprietário alheio à execução deverá receber, no mínimo, a sua quota-parte calculada com
base na avaliação. Pode receber mais (se o imóvel for vendido a um preço superior ao da avaliação). No
entanto, não pode receber menos.

A quota-parte do coproprietário ou cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da avaliação do


bem indivisível.
O bem indivisível somente poderá ser alienado se o valor de alienação for suficiente para assegurar ao
coproprietário não responsável 50% do valor de avaliação do bem (art. 843, § 2º, do CPC/2015).
STJ. 3ª Turma. REsp 1.728.086-MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/08/2019 (Info 655).

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30


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DIREITO PENAL
CRIMES DO ECA
O delito do art. 240 do ECA é classificado como crime formal, comum,
de subjetividade passiva própria, consistente em tipo misto alternativo

Importante!!!
Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena
de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: (...)
• Crime formal (consumação antecipada): o delito se consuma independentemente da
ocorrência de um resultado naturalístico. Assim, a ocorrência de efetivo abalo psíquico e
moral sofrido pela criança ou adolescente é mero exaurimento do crime, sendo irrelevante
para a sua consumação. De igual forma, se forem filmadas mais de uma criança ou adolescente,
no mesmo contexto fático, haverá crime único.
• Crime comum: o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.
• Crime de subjetividade passiva própria: exige-se uma condição especial da vítima (no caso,
exige-se que a vítima seja criança ou adolescente).
• Tipo misto alternativo: o legislador descreveu duas ou mais condutas (verbos). No entanto,
se o sujeito praticar mais de um verbo, no mesmo contexto fático e contra o mesmo objeto
material, responderá por um único crime, não havendo concurso de crimes nesse caso. Logo,
se o agente fotografou e filmou o ato sexual, no mesmo contexto fático, haverá crime único.
STJ. 5ª Turma. PExt no HC 438.080-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 27/08/2019 (Info 655).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Ao final de uma festa, “J” (18 anos) manteve relação sexual, ao mesmo tempo, com “D” (17 anos) e “K”
(16 anos).
Sem que os três percebessem, “R” (18 anos) tirou fotos e filmou o ato sexual com um celular.
A gravação foi descoberta e instaurou-se um inquérito policial para apurar os fatos.

“R” cometeu algum crime?


SIM. Ele praticou o delito do art. 240 do ECA, assim tipificado:
Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de
sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

O agente praticou dois verbos do tipo penal (fotografar e filmar). Em razão disso, pode-se dizer que ele
praticou duas vezes o crime?
NÃO. O delito do art. 240 do ECA é classificado como tipo misto alternativo.
Antes de prosseguirmos, vamos relembrar o que é tipo misto. O tipo penal pode ser dividido em:
• tipo simples: ocorre quando o legislador descreve apenas um verbo para tipificar a conduta. Ex: art. 121
do CP (matar alguém);
• tipo misto: é aquele no qual o legislador descreve dois ou mais verbos, ou seja, mais de uma forma de se
realizar o fato delituoso. Ex.: art. 34 da Lei de Drogas (o agente pratica o crime se fabricar, adquirir, utilizar etc.):
Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título,
possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer
objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31


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O tipo misto pode ser alternativo ou cumulativo.


• tipo misto alternativo: o legislador descreveu duas ou mais condutas (verbos). No entanto, se o sujeito
praticar mais de um verbo, no mesmo contexto fático e contra o mesmo objeto material, responderá por
um único crime, não havendo concurso de crimes nesse caso. Ex.: João adquire, na boca-de-fumo, uma
máquina para fazer drogas, transporta-a para sua casa e lá a utiliza. Responderá uma única vez pelo art.
34 e não por três crimes em concurso.
• tipo misto cumulativo: o legislador descreveu duas ou mais condutas (verbos). Se o sujeito incorrer em
mais de um verbo, irá responder por tantos crimes quantos forem os núcleos praticados. Ex.: art. 242 do CP:
Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou
substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.

Desse modo, voltando ao exemplo, o fato de “R” ter fotografado e filmado as cenas de sexo indica que ele
praticou dois verbos, com dupla conduta. Apesar disso, haverá subordinação típica única, tendo em vista
que os dois verbos foram praticados no mesmo contexto fático. Logo, neste caso, a execução de mais de
um verbo típico representa um único crime, dada a natureza de crime de ação múltipla ou conduta variada
do art. 240 do ECA.

Houve duas vítimas (duas adolescentes foram filmadas e fotografas). Neste caso, podemos falar em dois
crimes praticados em concurso formal?
NÃO. Apesar de terem sido duas adolescentes filmadas e fotografadas, não se pode falar que houve dois
resultados típicos. Isso porque o crime do art. 240 do ECA é formal ou de consumação antecipada,
consumando-se unicamente pela prática da conduta de filmar ou fotografar cenas de sexo explícito, da
qual participe criança ou adolescente.
Desse modo, a quantidade de vítimas menores filmadas ou fotografadas é elemento meramente
circunstancial. Logo, não serve para aumentar o número de crimes cometidos. Serve, contudo, para
aumentar a pena-base como circunstância judicial desfavorável.
Isso significa que, mesmo tendo sido filmadas duas adolescentes, como isso ocorreu no mesmo contexto
fático, pode-se dizer que houve crime único.

O réu alegou que as duas adolescentes não sofreram nem tiveram qualquer abalo em decorrência da
gravação, de sorte que não teria havido crime. Essa tese pode ser acolhida?
Como já dito acima, o crime do art. 240 do ECA é formal ou de consumação antecipada, consumando-se
unicamente pela prática da conduta de filmar ou fotografar cenas de sexo explícito, da qual participe
criança ou adolescente.
Assim, a ocorrência de efetivo abalo psíquico e moral sofrido pela criança ou adolescente é mero
exaurimento do crime, sendo irrelevante para a sua consumação.

Outras classificações
Podemos também dizer que o art. 240 do CP é crime:
• COMUM: aquele no qual o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (não exige qualquer qualidade especial
do sujeito ativo);
• DE SUBJETIVIDADE PASSIVA PRÓPRIA: aquele no qual se exige uma condição especial da vítima (no caso
do art. 240 do ECA exige-se que a vítima seja criança ou adolescente).

O delito do art. 240 do ECA é classificado como crime formal, comum, de subjetividade passiva própria,
consistente em tipo misto alternativo.
STJ. 5ª Turma. PExt no HC 438.080-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 27/08/2019 (Info 655).

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32


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LEI MARIA DA PENHA


A medida de afastamento do local de trabalho, prevista no art. 9º, § 2º, da Lei é de competência
do Juiz da Vara de Violência Doméstica, sendo caso de interrupção do contrato de trabalho,
devendo a empresa arcar com os 15 primeiros dias e o INSS com o restante

Importante!!!
O art. 9º, § 2º da Lei Maria da Penha prevê que:
O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua
integridade física e psicológica, manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o
afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
A competência para determinar essa medida é do Juiz da Vara de Violência Doméstica ou do
Juiz do Trabalho?
Juiz da Vara de Violência Doméstica. O juiz da vara especializada em Violência Doméstica (ou,
caso não haja na localidade, o juízo criminal) tem competência para apreciar pedido de
imposição de medida protetiva de manutenção de vínculo trabalhista, por até seis meses, em
razão de afastamento do trabalho de ofendida decorrente de violência doméstica e familiar.
Isso porque o motivo do afastamento não advém da relação de trabalho, mas sim da situação
emergencial que visa garantir a integridade física, psicológica e patrimonial da mulher.
Qual é a natureza jurídica desse afastamento? Sobre quem recai o ônus do pagamento?
A natureza jurídica do afastamento por até seis meses em razão de violência doméstica e
familiar é de interrupção do contrato de trabalho, incidindo, analogicamente, o auxílio-
doença, devendo a empresa se responsabilizar pelo pagamento dos quinze primeiros dias,
ficando o restante do período a cargo do INSS.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.757.775-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/08/2019 (Info 655).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João e Francisca eram casados.
Determinado dia, tiveram uma grave discussão na qual ele chegou até a ameaçá-la de morte.
No mesmo instante, Francisca decidiu que não queria mais viver com ele e, com medo da ameaça,
procurou a Delegacia da Mulher.
O juiz da Vara de Violência Doméstica deferiu medidas protetivas de urgência, determinando que João:
a) mantivesse distância mínima de 500m de Francisca; e
b) que não tivesse qualquer contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de
comunicação.

Vítima se mudou
Como a vítima ainda não se sentia segura ela se mudou da cidade em que vivia para outro Município, onde
passou a residir com a sua mãe.
Ocorre que, em razão disso, ela teria que deixar de comparecer ao seu trabalho (Francisca é empregada
de um supermercado localizado na sua cidade).
Diante disso, ela formulou, ao Juiz da Vara de Violência Doméstica pedido de afastamento do local de
trabalho com manutenção do vínculo empregatício, nos termos do art. 9º, § 2º, II, da Lei nº 11.340/2006:
Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma
articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social,
no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e
políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
(...)

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33


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§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua
integridade física e psicológica:
(...)
II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por
até seis meses.

O Juiz da Vara de Violência Doméstica declinou a análise do pedido para a Justiça do Trabalho alegando
que o pleito envolve relação trabalhista. Agiu corretamente o magistrado?
NÃO.
O juiz da vara especializada em Violência Doméstica (ou, caso não haja na localidade, o juízo criminal) tem
competência para apreciar pedido de imposição de medida protetiva de manutenção de vínculo
trabalhista, por até seis meses, em razão de afastamento do trabalho de ofendida decorrente de violência
doméstica e familiar. Isso porque o motivo do afastamento não advém da relação de trabalho, mas sim
da situação emergencial que visa garantir a integridade física, psicológica e patrimonial da mulher.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.757.775-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/08/2019 (Info 655).

O pedido da mulher para afastamento do trabalho advém das ameaças de morte sofridas, reconhecidas
pelo Juiz criminal, que fixou as medidas protetivas de urgência de proibição de aproximação da ofendida
e de estabelecimento de contato com ela por qualquer meio de comunicação, conforme previsto no art.
22, da Lei Maria da Penha, circunstâncias alheias ao contrato de trabalho.

Qual a natureza jurídica do afastamento do trabalho advindo de medida protetiva? Seria causa de
interrupção ou suspensão do contrato de trabalho?
O contrato de trabalho pode sofrer a paralisação temporária de seus efeitos, embora mantenha a sua
vigência. Essa paralisação pode ser classificada como suspensão ou interrupção. Veja abaixo as diferenças:
não há trabalho Exemplos:
não há pagamento de salários • período de suspensão disciplinar;
Suspensão não há contagem do tempo de • período em que o empregado estiver recebendo
(total) serviço auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez
não há recolhimento fundiário (enquanto não se tornar definitiva a aposentadoria),
ou mesmo previdenciário pagos pela Previdência Social.
não há trabalho Exemplos:
há pagamento de salários • licença-maternidade;
Interrupção há contagem do tempo de • repousos semanais remunerados e feriados;
(parcial) serviço • gozo de férias anuais;
há recolhimento fundiário e • alistamento como eleitor (até 2 dias);
previdenciário • primeiros 15 dias de afastamento por doença.

Tudo bem, entendi. Mas, e o art. 9º, § 2º, II, da Lei nº 11.340/2006: é suspensão ou interrupção?
Interrupção.
A natureza jurídica de interrupção do contrato de trabalho é a mais adequada para os casos de
afastamento por até seis meses em razão de violência doméstica e familiar, ante a interpretação
teleológica da Lei Maria da Penha, que veio concretizar o dever assumido pelo Estado brasileiro de
proteção à mulher contra toda forma de violência, art. 226, §8º, da Constituição Federal.

Sobre quem recai o ônus decorrente do afastamento do trabalho por até seis meses?
A empresa se responsabiliza pelo pagamento dos 15 primeiros dias.
O pagamento do restante do período fica a cargo do INSS (como se fosse um auxílio-doença).

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34


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O art. 18 da Lei nº 8.213/91 prevê os benefícios que são pagos pela Previdência Social (administrada
pelo INSS) e nele não consta esse afastamento do local de trabalho (art. 9º, § 2º, II, da Lei nº
11.340/2006). Como resolver isso?
O STJ disse que, diante dessa omissão legislativa, deve-se recorrer à aplicação analógica, que é um
processo de integração do direito em face da existência de lacuna normativa.
Assim, como os casos de violência doméstica e familiar acarretam ofensa à integridade física ou psicológica
da mulher, estes devem ser equiparados, por analogia, aos de enfermidade da segurada, com incidência
do auxílio-doença, pois, conforme inteligência do art. 203 da CF/88, “a assistência social será prestada a
quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”.
Neste caso, em vez do atestado de saúde, a mulher precisará apresentar documento de homologação ou
determinação judicial de afastamento do trabalho em decorrência de violência doméstica e familiar para
comprovar que a ofendida está incapacitada a comparecer ao local de trabalho.
Desse modo, a empresa se responsabilizará pelo pagamento dos 15 primeiros dias, ficando o restante do
período a cargo do INSS.
Nesse contexto, será garantida a manutenção do vínculo empregatício da vítima, pelo prazo estipulado na
lei, que retornará normalmente ao trabalho após o término da medida protetiva.
Vale ressaltar que a empregada terá direito ao período aquisitivo de férias, desde o afastamento, mesmo
porque a própria lei prevê não ser o prazo superior a 6 meses.

Em suma:
A natureza jurídica do afastamento por até seis meses em razão de violência doméstica e familiar é de
interrupção do contrato de trabalho, incidindo, analogicamente, o auxílio-doença, devendo a empresa se
responsabilizar pelo pagamento dos quinze primeiros dias, ficando o restante do período a cargo do INSS.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.757.775-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/08/2019 (Info 655).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROVAS
É ilícita a prova obtida mediante conduta da autoridade policial que atende, sem autorização, o
telefone móvel do acusado e se passa pela pessoa sob investigação

Importante!!!
Não tendo a autoridade policial permissão do titular da linha telefônica, ou mesmo da Justiça,
para ler mensagens nem para atender ao telefone móvel da pessoa sob investigação e travar
conversa por meio do aparelho com qualquer interlocutor que seja se passando por seu dono,
a prova obtida dessa maneira arbitrária é ilícita.
No caso concreto, o policial atendeu ao telefone do condutor, sem autorização para tanto, e
passou-se por ele para fazer a negociação de drogas e provocar o flagrante. Esse policial
também obteve acesso, sem autorização pessoal nem judicial, aos dados do aparelho de
telefonia móvel em questão, lendo as mensagens.
STJ. 6ª Turma. HC 511.484-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 15/08/2019 (Info 655).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Os policiais militares estavam em patrulhamento quando avistaram um veículo estacionado em local
muito escuro, conhecido pela grande quantidade de tráfico de drogas.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35


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Foi efetuada a abordagem e João, condutor, estava sozinho no veículo, muito nervoso, não tendo
conseguido explicar o que fazia ali parado.
Os policiais iniciaram, então, uma busca no carro e encontraram droga embaixo do banco.
João afirmou que se tratava de droga para consumo próprio.
Neste instante, tocou o telefone do suspeito.
Um dos policiais atendeu a ligação como se fosse João, sem a sua autorização, e fez negociação de drogas
com o interlocutor a fim de provocar o flagrante.
João foi denunciado e esse depoimento do policial que atendeu o telefone foi utilizado para condenar o réu.
A defesa do condenado impetrou habeas corpus alegando que a condenação era nula porque o
procedimento adotado pelo policial foi ilícito já que ele não poderia, sem autorização de João ou da
autoridade judicial, ter atendido o telefonema.

A tese da defesa foi aceita pelo STJ?


SIM.
É ilícita a prova obtida mediante conduta da autoridade policial que atende, sem autorização, o telefone
móvel do acusado e se passa pela pessoa sob investigação.
STJ. 6ª Turma. HC 511.484-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 15/08/2019 (Info 655).

Para o STJ, não se pode ter como legítima a conduta do policial que, sem autorização pessoal nem judicial,
atende o telefone do suspeito e mantém conversa com o interlocutor fingindo ser o dono do aparelho de
telefonia móvel.
Mesmo que o referido vício tenha ocorrido na fase investigativa, ele atinge a validade da condenação na
ação penal porque nem a denúncia nem a condenação teriam base se não fosse o depoimento do policial
que atendeu a ligação.

SAÍDA TEMPORÁRIA
Condenado que se encontra cumprindo pena em prisão domiciliar por falta de vagas no regime
semiaberto tem direito à saída temporária como se estivesse efetivamente no regime semiaberto

Importante!!!
Há compatibilidade entre o benefício da saída temporária e prisão domiciliar por falta de
estabelecimento adequado para o cumprimento de pena de reeducando que se encontre no
regime semiaberto.
STJ. 6ª Turma. HC 489.106-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 13/08/2019 (Info 655).

NOÇÕES GERAIS SOBRE SAÍDA TEMPORÁRIA


O que é a saída temporária?
Saída temporária é...
- uma autorização concedida pelo juiz da execução penal
- aos condenados que cumprem pena em regime semiaberto
- por meio da qual ganham o direito de saírem temporariamente do estabelecimento prisional
- sem vigilância direta (sem guardas acompanhando/sem escolta)
- com o intuito de:
a) visitarem a família;
b) frequentarem curso supletivo profissionalizante, de ensino médio ou superior; ou
c) participarem de outras atividades que ajudem para o seu retorno ao convívio social.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36


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Obs: o juiz pode determinar que, durante a saída temporária, o condenado fique utilizando um
equipamento de monitoração eletrônica (tornozeleira eletrônica).

Obs2: os presos provisórios que já foram condenados (ainda sem trânsito em julgado) e estão cumprindo
a pena no regime semiaberto podem ter direito ao benefício da saída temporária, desde que preencham
os requisitos legais que veremos abaixo.

Previsão
A saída temporária encontra-se disciplinada nos arts. 122 a 125 da Lei n. 7.210/84 (LEP).

Quem concede a saída temporária?


A autorização para saída temporária será concedida por ato motivado do Juiz da execução, devendo este
ouvir antes o Ministério Público e a administração penitenciária, que irão dizer se concordam ou não com
o benefício.

Requisitos
A concessão da saída temporária dependerá da satisfação dos seguintes requisitos (art. 123 da LEP):
I - comportamento adequado do reeducando;
É chamado de requisito subjetivo. Normalmente isso é provado por meio da certidão carcerária fornecida
pela administração penitenciária.

II - cumprimento mínimo de 1/6 da pena (se for primário) e 1/4 (se reincidente).
Trata-se do requisito objetivo.
Deve-se lembrar que o apenado só terá direito à saída temporária se estiver no regime semiaberto. No
entanto, a jurisprudência permite que, se ele começou a cumprir a pena no regime fechado e depois
progrediu para o semiaberto, aproveite o tempo que esteve no regime fechado para preencher esse
requisito de 1/6 ou 1/4. Em outras palavras, ele não precisa ter 1/6 ou 1/4 da pena no regime semiaberto.
Poderá se valer do tempo que cumpriu no regime fechado para preencher o requisito objetivo.
Com outras palavras, foi isso o que o STJ quis dizer ao editar a Súmula 40: “Para obtenção dos benefícios de
saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de cumprimento da pena no regime fechado.”

III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

Ressalte-se que o simples fato de o condenado que cumpria pena no regime fechado ter ido para o regime
semiaberto não significa que, automaticamente, ele terá direito ao benefício da saída temporária. Isso
porque o juiz deverá analisar se ele preenche os demais requisitos do art. 123 da LEP (STJ. 6ª Turma. RHC
49.812/BA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 06/11/2014).

PRISÃO DOMICILIAR POR FALTA DE ESTABELECIMENTO ADEQUADO E SAÍDA TEMPORÁRIA


Imagine a seguinte situação hipotética:
João, que estava cumprindo pena no regime fechado, teve direito de progredir para o regime semiaberto.
Ocorre que, no momento de ir para o regime semiaberto, o juiz percebeu que não havia vaga em colônia
agrícola, industrial ou estabelecimento similar (art. 33, § 1º, “b”, CP), que são as unidades prisionais
adequadas para o cumprimento da pena em regime semiaberto.

Diante dessa situação, João poderá cumprir a pena no regime fechado enquanto não há vagas no
semiaberto?
NÃO.
A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional
mais gravoso.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 37


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STF. Plenário. RE 641.320/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2016 (repercussão geral) (Info 825).

A manutenção do condenado em regime mais gravoso do que é devido caracteriza-se como “excesso de
execução”, havendo, no caso, violação ao direito do apenado.

O que fazer em caso de déficit (falta) de vagas no estabelecimento adequado?


Havendo “déficit” de vagas, deve ser determinada:
1) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas;
2) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão
domiciliar por falta de vagas;
3) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progrida ao regime
aberto.
STF. Plenário. RE 641320/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2016 (repercussão geral) (Info 825).

O STF editou uma súmula vinculante a respeito do tema:


Súmula vinculante 56: A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do
condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros
fixados no RE 641.320/RS.

Voltando ao nosso exemplo:


Tentou-se determinar as outras medidas previstas no RE 641320, mas, como elas não resolveram a situação,
o juiz determinou que João, que deveria estar no regime semiaberto, ficasse em prisão domiciliar, sendo
monitorado por tornozeleira eletrônica.
Assim, João, em vez de ficar cumprindo a pena em uma colônia agrícola, industrial ou estabelecimento
similar (art. 33, § 1º, “b”, CP), está cumprindo a pena na sua própria casa.
Após completar o tempo necessário, João pediu ao juiz para que lhe fosse deferido o benefício da saída
temporária.
O Ministério Público manifestou-se contrariamente ao pedido alegando que o apenado não faz jus ao
benefício, uma vez que se encontra em prisão domiciliar, e não em regime semiaberto propriamente dito.
Logo, a saída temporária seria incompatível com a prisão domiciliar.

A questão chegou até o STJ. Neste caso, João, mesmo estando em prisão domiciliar, terá direito à saída
temporária?
SIM.
Há compatibilidade entre o benefício da saída temporária e prisão domiciliar por falta de
estabelecimento adequado para o cumprimento de pena de reeducando que se encontre no regime
semiaberto.
STJ. 6ª Turma. HC 489.106-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 13/08/2019 (Info 655).

Neste caso, o apenado reeducando está formalmente em regime semiaberto, mas se encontra em prisão
domiciliar com monitoramento eletrônico, por falta de estabelecimento adequado para o cumprimento
de pena, por culpa do Estado, não havendo que se falar em incompatibilidade da prisão domiciliar com a
saída temporária.
O benefício da saída temporária tem como objetivo a ressocialização do preso e é concedido ao apenado em
regime semiaberto. Logo, não se justifica negar o benefício ao reeducando que somente se encontra em regime
menos gravoso (aberto, na modalidade de prisão domiciliar), por desídia do próprio Estado, que não dispõe de
vagas em estabelecimento prisional compatível com o regime para o qual formalmente progrediu.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 38


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DIREITO PREVIDENCIÁRIO

APOSENTADORIA HÍBRIDA
Para fins de aposentadoria híbrida, o tempo rural pode ser remoto, descontínuo, não
predominante, sem contribuições, não concomitante ao implemento das condições ou à data do
requerimento administrativo

Importante!!!
Atenção! Concursos federais
O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei nº
8.213/91, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria
híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos
termos do art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91, seja qual for a predominância do labor misto
exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento
do requisito etário ou do requerimento administrativo.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.788.404-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 14/08/2019
(recurso repetitivo - Tema 1007) (Info 655).

Aposentadoria por idade


A aposentadoria por idade do RGPS encontra-se prevista no inciso II do § 7º do art. 201 da CF/88:
Art. 201 (...)
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei,
obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em
cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas
atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o
pescador artesanal.

Desse modo, existem duas espécies de aposentadoria por idade:


URBANA RURAL
Homem: 65 anos de idade Homem: 60 anos de idade
Mulher: 60 anos de idade Mulher: 55 anos de idade

Carência: exige-se uma carência de 180 O trabalhador rural deve comprovar o efetivo
contribuições mensais (quinze anos). exercício de atividade rural, ainda que de forma
descontínua, no período imediatamente anterior
Obs: existe uma regra de transição no art. 142 da
ao requerimento do benefício, por tempo igual ao
Lei nº 8.213/91 para o segurado inscrito na
número de meses de contribuição correspondente
previdência social até 24/07/91. Assim, por
à carência do benefício pretendido. Ex: se a
exemplo, se o segurado implementou as
carência for de 180 contribuições, ele deverá
condições de idade em 2010, ela precisará apenas
comprovar quinze anos de atividade rural
de 174 meses de contribuição.
contínua.
Obs.: também deve ser observada a tabela de
transição do art. 142 da Lei nº 8.213/91.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 39


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Pode acontecer de, quando o trabalhador rural atingir a idade mínima necessária (ex.: 60 anos, homem),
ele ainda não ter alcançado o tempo mínimo de atividade rural exigida. Ex.: João trabalhou dez anos com
atividades urbanas. De repente, decidiu se mudar para o campo e, desde então, só trabalha com
agricultura. Ao atingir 60 anos de idade, João não pode ter direito à aposentadoria por idade rural, já que
só acumulou oito anos trabalhando na roça (e a carência seria de quinze anos).

O que João poderá fazer para se aposentar?


Ele poderá continuar trabalhando por mais cinco anos na roça e, quando completar 65 anos de idade
(requisito da aposentadoria urbana), poderá utilizar o tempo trabalhado na atividade rural (treze anos)
para somar com o período laborado em atividades urbanas e receber a chamada “aposentadoria híbrida”
ou “mista”, assim denominada por combinar os requisitos das duas.

Foi isso que decidiu o STJ:


Caso o trabalhador rural, ao atingir a idade prevista para a concessão da aposentadoria por idade rural (60
anos, se homem, e 55 anos, se mulher), ainda não tenha alcançado o tempo mínimo de atividade rural
exigido na tabela de transição prevista no art. 142 da Lei 8.213/1991, poderá, quando completar 65 anos,
se homem, e 60 anos, se mulher, somar, para efeito de carência, o tempo de atividade rural aos períodos
de contribuição sob outras categorias de segurado, para fins de concessão de aposentadoria por idade
“híbrida”, ainda que inexistam contribuições previdenciárias no período em que exerceu suas atividades
como trabalhador rural.
A modalidade “híbrida” foi introduzida pela Lei nº 11.718/2008 para permitir uma adequação da norma
para as categorias de trabalhadores urbanos e rurais, possibilitando ao segurado especial a soma do tempo
de atividade rural sem contribuições previdenciárias ao tempo de contribuição sob outra classificação de
segurado, com a finalidade de implementar o tempo necessário de carência. Com isso, o legislador
permitiu ao rurícola o cômputo de tempo rural como período contributivo, para efeito de cálculo e
pagamento do benefício etário. Assim, sob o enfoque da atuária, não se mostra razoável exigir do
segurado especial contribuição para obtenção da aposentadoria por idade híbrida, relativamente ao
tempo rural. Por isso, não se deve inviabilizar a contagem do trabalho rural como período de carência.
Assim, o segurado especial que comprove a condição de rurícola, mas não consiga cumprir o tempo rural
de carência exigido na tabela de transição prevista no artigo 142 da Lei nº 8.213⁄1991 e que tenha
contribuído sob outras categorias de segurado, poderá ter reconhecido o direito ao benefício
aposentadoria por idade híbrida, desde que a soma do tempo rural com o de outra categoria implemente
a carência necessária contida na Tabela, não ocorrendo, por certo, a diminuição da idade.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.367.479-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 4/9/2014 (Info 548).

Aposentadoria híbrida
A aposentadoria híbrida tem por objetivo alcançar os trabalhadores que, ao longo de sua vida, mesclaram
períodos de labor urbano e rural, sem, contudo, perfazer tempo suficiente para se aposentar em nenhuma
dessas atividades, quando isoladamente consideradas, permitindo-se, por conseguinte, a soma de ambos
os tempos.

Previsão legal
Veja cada uma das modalidades de aposentadoria por idade no art. 48 da Lei nº 8.213/91:

Aposentadoria por idade urbana:


Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta
Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 40


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Aposentadoria por idade rural:


Art. 48 (...)
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de
trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na
alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo
exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior
ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718/2008)

Aposentadoria híbrida:
Art. 48 (...)
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º
deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição
sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco)
anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718/2008)
§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de
acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-
contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-
contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718/2008)

A definição do regime jurídico da aposentadoria é o trabalho exercido no período de carência:


• se foi exclusivamente urbano: a aposentadoria será urbana (ar. 48, caput);
• se foi exclusivamente rural: a aposentadoria será rural (art. 48, § 1º);
• se foi de natureza mista: a aposentadoria será híbrida (art. 48, §§ 3º e 4º).

Para ter direito à aposentadoria híbrida, a última atividade exercida pela pessoa deve ser a agrícola?
Exige-se que a pessoa tenha saído da atividade urbana para a agrícola?
NÃO. O reconhecimento do direito à aposentadoria híbrida por idade não está condicionado ao exercício
de atividade rurícola no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo.
Em outras palavras, a aposentadoria híbrida pode ser concedida ainda que a última atividade do segurado
tenha sido a urbana, ou seja, ainda que ele tenha começado na atividade rural e depois migrado para a urbana.
Não faz diferença se ele está exercendo atividade urbana ou rural no momento em que completa a idade
ou apresenta o requerimento administrativo.
Quem sai do campo para cidade tem direito à aposentadoria híbrida, assim como quem sai da cidade e vai
para o campo.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.476.383-PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 1º/10/2015 (Info 570).

Para ter direito à aposentadoria híbrida, a pessoa tem que ter trabalhado mais tempo na agricultora do
que em atividades urbanas? A agricultura tem que ser a atividade preponderante? Existe essa exigência?
NÃO. Seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido
no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem
direito à aposentadoria híbrida, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural.
STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1.497.086/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 06/04/2015.

Para ter direito à aposentadoria híbrida, a pessoa pode aproveitar o tempo trabalhado em atividades
rurícolas mesmo que isso tenha ocorrido antes da Lei nº 8.213/91 (tempo rural remoto, ou seja, muito

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 41


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antigo)? Pode aproveitar o tempo trabalhado em atividades rurais mesmo que não tenha recolhido
contribuições para a Previdência Social sobre esse labor rural?
SIM. É possível considerar o tempo de serviço rural anterior ao advento da Lei nº 8.213/91 para fins de
carência de aposentadoria híbrida por idade, sem que seja necessário o recolhimento de contribuições
previdenciárias para esse fim.
A Lei nº 11.718/2008, ao alterar o art. 48 da Lei nº 8.213/91 e prever a aposentadoria híbrida, não proibiu
que se computasse o tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei nº 8.213/91 para fins de carência
nem exigiu qualquer recolhimento de contribuições previdenciárias.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.476.383-PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 1º/10/2015 (Info 570).

Para o Min. Napoleão Nunes Maia Filho:


“Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado não tenha
retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991 praticamente sem
efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores é o exercício de atividade
rural quando mais jovens, migrando para o atividade urbana com o avançar da idade.”

Recurso repetitivo
Esses entendimentos do STJ foram todos agrupados em uma tese definida sob a sistemática do recurso
repetitivo:
O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei nº 8.213/91, pode
ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda
que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º, da Lei nº
8.213/91, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de
trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.788.404-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 14/08/2019 (recurso
repetitivo - Tema 1007) (Info 655).

O segurado pode ter direito à aposentadoria híbrida mesmo que o tempo de serviço rural:
• seja remoto (antigo);
• seja descontínuo (trabalhou um período no campo, outro como urbano, novamente no campo, outra
vez urbano etc.);
• seja anterior à Lei nº 8.213/91;
• não seja predominante (a maior parte do tempo o segurado trabalhou com atividades urbanas);
• não tenha sido acompanhado de recolhimento de contribuições;
• não seja aquele que era desempenhado no momento da implementação dos requisitos ou no momento
do requerimento (quando o segurado completou os requisitos ou fez o pedido de aposentadoria ele estava
exercendo atividade urbana).

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 42


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EXERCÍCIOS
Julgue os itens a seguir:
1) Não há direito de regresso, portanto, não é cabível a execução regressiva proposta pela Eletrobrás contra a
União em razão da condenação das mesmas ao pagamento das diferenças na devolução do empréstimo
compulsório sobre o consumo de energia elétrica ao particular contribuinte da exação. ( )
2) Não é possível a retificação do registro civil para acréscimo do segundo patronímico do marido ao nome da
mulher durante a convivência matrimonial, considerando que tal providência deve ser realizada na fase de
habilitação do matrimônio. ( )
3) Os Fundos de Investimento em Direito Creditório - FIDCs amoldam-se à definição legal de instituição financeira
e não se sujeitam à incidência da limitação de juros da Lei da Usura. ( )
4) Não é válida a celebração de contrato acessório de fiança na cessão de crédito em operação de securitização
de recebíveis, tendo por cessionário um FIDC (Fundo de Investimento em Direito Creditório). ( )
5) Não se admite a estipulação de garantia em favor da empresa de factoring no que se refere, especificamente,
ao inadimplemento dos títulos cedidos, salvo na hipótese em que a inadimplência é provocada pela própria
empresa faturizada. ( )
6) É inadequada a discussão acerca da tradicionalidade da ocupação indígena em ação possessória ajuizada por
proprietário de fazenda antes de completado o procedimento demarcatório. ( )
7) É devida a produção de laudo antropológico em ação possessória ajuizada por proprietário de fazenda
ocupada por grupo indígena. ( )
8) É cabível o reembolso de despesas efetuadas por beneficiário de plano de saúde em estabelecimento não
contratado, credenciado ou referenciado pela operadora ainda que a situação não se caracterize como caso
de urgência ou emergência, limitado ao valor da tabela do plano de saúde contratado. ( )
9) Sujeita-se à decadência a restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de SATI, quando
a causa de pedir é o inadimplemento contratual por parte da incorporadora. ( )
10) Compete à justiça do trabalho julgar ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos materiais
e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta Uber para que possa
voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços. ( )
11) A decisão interlocutória que majora a multa fixada para a hipótese de descumprimento de decisão
antecipatória de tutela anteriormente proferida não é recorrível por agravo de instrumento. ( )
12) A quota-parte do coproprietário ou cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da avaliação do bem
indivisível. ( )
13) O delito do art. 240 do ECA é classificado como crime formal, comum, de subjetividade passiva própria,
consistente em tipo misto alternativo. ( )
14) A natureza jurídica do afastamento por até seis meses em razão de violência doméstica e familiar é de
interrupção do contrato de trabalho, incidindo, analogicamente, o auxílio-doença, devendo a empresa se
responsabilizar pelo pagamento dos quinze primeiros dias, ficando o restante do período a cargo do INSS. ( )
15) Não tendo a autoridade policial permissão do titular da linha telefônica, ou mesmo da Justiça, para ler
mensagens nem para atender ao telefone móvel da pessoa sob investigação e travar conversa por meio do
aparelho com qualquer interlocutor que seja se passando por seu dono, a prova obtida dessa maneira
arbitrária é ilícita. ( )
16) Não há compatibilidade entre o benefício da saída temporária e o apenado que está em prisão domiciliar por
falta de estabelecimento adequado para o cumprimento de pena de reeducando que se encontre no regime
semiaberto. ( )
17) O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei nº 8.213/91, pode ser
computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha
sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91, seja qual for a
predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do
implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo. ( )
Gabarito
1. C 2. E 3. C 4. E 5. C 6. C 7. E 8. C 9. C 10. E
11. E 12. C 13. C 14. C 15. C 16. E 17. C

Informativo 655-STJ (27/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 43

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