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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC/SP

Mariana Corrêa de Andrade Pinho

Controle jurídico dos incentivos fiscais

Mestrado em Direito

São Paulo
2017
2

Mariana Corrêa de Andrade Pinho

Controle jurídico dos incentivos fiscais

Mestrado em Direito

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de
Mestre em Direito Tributário, sob a
orientação da Professora Elizabeth Nazar
Carrazza.

São Paulo
2017
3

Banca Examinadora

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4

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha mãe, Angela, minha maior inspiração de


vida, que me ensinou a amar a minha profissão e a me dedicar
incondicionalmente ao conhecimento e aos estudos.
Dedico também ao meu amor Eduardo, por estar sempre ao meu lado e
por ter achado graça em passar as noites da sexta-feira em frente à televisão,
fazendo-me companhia enquanto eu terminava de escrever esse trabalho.
5

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Elizabeth Nazar Carrazza, que me deu a primeira –


e inesquecível – aula do mestrado. Sou extremamente grata pela forma
maternal e carinhosa como fui acolhida, seja no ambiente da PUC/SP ou da
sua própria casa, onde costuma receber seus alunos, pessoalmente na porta
de entrada, para debates e reuniões. É um orgulho poder ter aprendido com
alguém tão brilhante e respeitada por onde quer que passe.
Às professoras Thais Helena Morando e Isabela Bonfá, que diariamente
me ensinaram o apaixonante ofício da docência e sempre estiveram comigo
nos melhores e mais desafiadores momentos dessa jornada.
Aos colegas da Procuradoria da Fazenda Nacional, pelo incentivo diário
e pela compreensão, imprescindíveis para eu conseguisse desempenhar a
dupla jornada de trabalho e estudo. Em especial, a Camila e Marcos, revisores
deste trabalho, e Weider, grande parceiro.
Por fim, à minha família e aos meus amigos, por acreditarem comigo que
nesses quase três anos não houve tempo consumido, nem tempo a
economizar, pois o tempo é todo vestido de amor e tempo de amar.
6

Você não sente nem vê


Mas eu não posso deixar de dizer, meu
amigo
Que uma nova mudança em breve vai
acontecer
E o que há algum tempo era jovem novo
Hoje é antigo, e precisamos todos
rejuvenescer.
(Belchior)
7

RESUMO

O presente estudo tem como foco central os instrumentos de controle jurídico


dos incentivos fiscais, a partir de uma análise funcional do Direito Tributário.
Para tanto, propõe um retorno às origens do Direito Tributário, disciplina
jurídica que nasce no seio da Ciência das Finanças e tem por propósito
regulamentar os meios para a satisfação das necessidades coletivas.
Estabelecida essa premissa, aborda criticamente o atual regime jurídico dos
incentivos fiscais e as consequências da aplicação do princípio da igualdade
tributária no exercício da função extrafiscal dos tributos. Por esta razão, os
capítulos intermediários são dedicados ao princípio da igualdade tributária, à
noção de extrafiscalidade e ao conceito de incentivos fiscais. Ao final, dispõe
sobre a necessidade de conciliar a discricionariedade política em matéria de
benefícios fiscais com as formas de controle disponíveis no Direito Tributário,
em especial as decorrentes da aplicação do princípio da proporcionalidade.

Palavras-chave: Direito Tributário. Extrafiscalidade. Controle. Incentivos


Fiscais. Benefícios Fiscais. Princípio da Igualdade. Proporcionalidade.
8

ABSTRACT

This paper focuses on the legal control instruments of tax incentives, based on
a functional analysis of Tax Law. To achieve that, it proposes a return to the
origins of Tax Law, that is born within the Science of Finance and whose main
role is to regulate the mean to provide public requirements. Based on this
premise, it critically addresses the current legal framework of tax incentives and
the implications of applying the principle of equality in the extrafiscality.
Therefore, the intermediate chapters are devoted to the principle of equality, to
the notion of extrafiscality and to the concept of tax incentives. At last,
discusses the need to combine the legislative discretion regarding tax benefits
with the legal control instruments, especially those resulting from the application
of the principle of proportionality.

Keywords: Tax Law. Extrafiscality. Control. Tax Incentives. Tax Benefits.


Principle of Equality. Proportionality.
9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................... 12

1. DIREITO TRIBUTÁRIO E INTERVENÇÃO DO ESTADO ............ 14

1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................. 14

1.2. DE VOLTA ÀS ORIGENS DO DIREITO TRIBUTÁRIO. DA


CIÊNCIA DAS FINANÇAS AO DIREITO FINANCEIRO. DO DIREITO
FINANCEIRO AO DIREITO TRIBUTÁRIO. .................................................. 15

1.2.1. GÊNESIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO .................................. 17

1.2.2. TRIBUTAÇÃO E MODELO DE ESTADO: O ESTADO FISCAL


21

1.2.3. EVOLUÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO NO BRASIL .......... 23

1.3. O CONCEITO TELEOLÓGICO DE TRIBUTO ....................... 28

1.4. CONSEQUÊNCIAS DA ESTERELIZAÇÃO DO DIREITO


TRIBUTÁRIO SOBRE O ESTUDO DOS INCENTIVOS FISCAIS E
CONCLUSÃO PARCIAL DO CAPÍTULO...................................................... 29

2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA IGUALDADE


TRIBUTÁRIA .................................................................................................... 31

2.1. IGUALDADE COMO MATERIALIZAÇÃO DO IDEAL DE


JUSTIÇA 31

2.2. IGUALDADE COMO PARÂMETRO CONSTITUCIONAL DAS


NORMAS TRIBUTÁRIAS. ............................................................................ 31

2.3. OS OBLÍQUOS HORIZONTES DA IGUALDADE TRIBUTÁRIA


34

2.4. IGUALDADE COMO FÓRMULA VAZIA ................................ 38

2.5. FISCALIDADE, IGUALDADE TRIBUTÁRIA E PRINCÍPIO DA


CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ................................................................... 41

2.6. ISONOMIA E EXTRAFISCALIDADE ..................................... 46

3. EXTRAFISCALIDADE .................................................................. 50
10

3.1. FINANCIAMENTO DO ESTADO, ORDEM ECONÔMICA E


FUNCÕES DO TRIBUTO ............................................................................. 50

3.2. O CONTEXTO HISTÓRICO DA EXTRAFISCALIDADE ........ 53

3.3. OS CONTORNOS JURÍDICOS DA EXTRAFISCALIDADE ... 57

3.4. EM BUSCA DE UM CONCEITO PARA A


EXTRAFISCALIDADE .................................................................................. 59

3.5. A EXTRAFISCALIDADE E A SUPERAÇÃO DO MITO DA


NEUTRALIDADE DO ESTADO .................................................................... 64

3.6. A FUNÇÃO DA EXTRAFISCALIDADE NO ORDENAMENTO


JURÍDICO-TRIBUTÁRIO BRASILEIRO ....................................................... 65

3.7. LIMITES À EXTRAFISCALIDADE, EXCEPCIONALIDADE E


INCENTIVOS FISCAIS ................................................................................. 69

4. INCENTIVOS FISCAIS ................................................................. 72

4.1. RELEVÂNCIA TRIBUTÁRIA .................................................. 73

4.2. INCENTIVOS FISCAIS NO DIREITO COMPARADO: AS TAX


EXPEDITURES DO DIREITO NORTE-AMERICANO .................................. 73

4.3. CONCEITO E ESPÉCIES ...................................................... 75

4.4. INCENTIVO FISCAL, RENÚNCIA FISCAL E INCENTIVO


FINANCEIRO: DISTINÇÕES NECESSÁRIAS ............................................. 77

4.5. INCENTIVO FISCAL, IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E


EXONERAÇÕES LATO SENSU ............................................................... 79

4.6. INCENTIVO COMO FINALIDADE, COMO REGRA E COMO


EFICÁCIA 82

4.6.1. INCENTIVO FISCAL COMO REGRA JURÍDICA .................. 83

4.6.2. INCENTIVO FISCAL COMO UM FIM IDEAL ........................ 85

4.6.3. EFETIVIDADE DA NORMA DE INCENTIVO FISCAL ........... 87

4.7. PROBLEMÁTICA: CRIA-SE OU NÃO UMA REGRA DE


INCENTIVO? 91
11

4.7.1. INVERSÃO DA LÓGICA E DOS VALORES


CONSTITUCIONAIS ................................................................................. 91

4.7.2. CUSTO PARA QUEM FICA E IMPACTO NA ARRECADAÇÃO


TRIBUTÁRIA ............................................................................................. 92

4.7.3. AUMENTO DA COMPLEXIDADE ......................................... 94

4.7.4. CONCORRÊNCIA DESLEAL ................................................ 96

5. NECESSIDADE DE CRITÉRIOS DE CONTROLE DOS


INCENTIVOS FISCAIS .................................................................................... 98

5.1. SISTEMATIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS ........ 98

5.2. A IMPORTÂNCIA DA JUSTIFICAÇÃO DOS INCENTIVOS


FISCAIS 102

5.3. DOS LIMITES À DISCRICIONARIEDADE LEGISLATIVA ... 104

5.4. PROPORCIONALIDADE COMO HARMONIZAÇÃO DE


LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS NA NORMA EXTRAFISCAL .............. 108

5.5. CONTROLE DE PROPORCIONALIDADE .......................... 111

CONCLUSÃO ...................................................................................... 117

ANEXO ÚNICO – COMPILAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA CITADA ... 118

BIBLIOGRAFIA .................................................................................... 127


12

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem a pretensão de retomar o elo perdido entre o


Direito Financeiro e o Direito Tributário a fim de melhor compreender as
funções do tributo e os seus instrumentos de controle. A narrativa inicia-se com
a demonstração de que o Direito Tributário é resultado da sistematização da
atividade financeira do Estado e, por esta razão, é uma dogmática construída
sobre a premissa fática de angariar recursos para a consecução das
finalidades materiais do Estado.
Não obstante, no atual modelo de Estado Intervencionista, os tributos
não exercem apenas uma função arrecadatória, mas também atuam como
instrumento de intervenção na ordem econômica. Relativamente ao sistema
tributário brasileiro, o conceito aglutinante de tributo é um bem jurídico que
extrapolou a função original de “arrecadar dinheiro aos cofres do Estado” para
assumir outras funções, especialmente as de feição diretiva na ordem
econômica.
No exercício de ambas as funções está sempre presente a igualdade
tributária, cujo princípio correlato proíbe discriminações injustificadas e, ao
mesmo tempo, exige uma postura ativa do Estado na equiparação do
tratamento de pessoas e bens. A igualdade está no coração do Direito
Tributário.
Em relação às normas que exercem função fiscal, a capacidade
contributiva é o corolário do princípio da igualdade e é responsável por
mensurar o esforço devido por cada contribuinte para a satisfação dos
interesses comuns. O critério da mensuração é sempre a manifestação da
riqueza individual.
Em igual medida, a igualdade tributária também deve estar presente nos
tributos extrafiscais, já que a estes incumbe a função de correção de
desigualdades sociais, econômicas e regionais, mediante indução de
comportamentos privados. A grande dificuldade está em delimitar o conteúdo e
determinar o modo de aferição deste princípio em matéria de extrafiscalidade.
Especificamente, interessa considerar a subespécie da extrafiscalidade que
13

compreende os incentivos fiscais, pois é nesta seara que ela se revela em


termos mais significativos e frequentes.
Estabelecida a problemática, propõe-se um estudo dos incentivos fiscais
a partir de uma visão sistêmica e funcional, que considere os efeitos da norma
em relação à necessidade de preservação da função fiscal. Para tanto, será
necessário perquirir a finalidade da norma tributária extrafiscal, assim como os
seus efeitos sociais, os quais traduzem um objetivo constitucional a ser
perseguido pela ordem econômica.
14

1. DIREITO TRIBUTÁRIO E INTERVENÇÃO DO ESTADO1

1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O primeiro capítulo deste trabalho destina-se a uma breve análise da


formação do Direito Tributário como disciplina autônoma. Para tanto, faz-se
necessário voltar no tempo e investigar as origens do Direito Tributário no
Brasil.
O intuito nesta parte é inicialmente demonstrar como o Direito Tributário
interage com questões tradicionalmente reservadas à disciplina de Direito
Financeiro, a fim de, adiante, defender uma visão mais abrangente daquele
ramo do Direito, voltada à análise das funções exercidas pelo tributo no
ordenamento jurídico.
A ampliação do espectro de estudo será necessária para defender a
premissa adotada quanto à existência de uma função principal do tributo: a
função arrecadatória, com vistas à realização da despesa pública.
Divide-se a narrativa deste capítulo em duas partes. A primeira parte
debruça-se sobre uma análise evolutiva e histórica da Ciência das Finanças, do
Direito Financeiro e, por fim, do próprio Direito Tributário. O objetivo dessa
parte do trabalho é demonstrar que o Direito Tributário compartilha interesses
comuns a essas duas áreas de conhecimento, e que a sua melhor
compreensão demanda uma análise interdisciplinar2, capaz de superar o
isolamento da disciplina em nome de uma pretensa autonomia do Direito
Tributário.
Para André Folloni:

1
Compartilha-se do entendimento de Eros Roberto Grau no sentido de que a intervenção
expressa atuação estatal em área de outrem, in casu, do setor privado. Cf. GRAU, Eros
Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica . 17ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2015, pp. 90-91. Entende-se que o Estado “intervém” pelo tributo
mediante interferência nas escolhas dos particulares pela concessão de vantagens ou
desvantagens de ordem econômica, isto é, desenvolvendo uma função promocional. Essa
espécie de intervenção é denominada por Eros Roberto Grau de intervenção por indução.
Sobre a função promocional do direito, cf. BOBBIO, Noberto. Da estrutura à função: novos
estudos de teoria do direito. São Paulo: Manole, 2007, p. 68.
2
Cf. BORGES, Souto Maior. Um Ensaio Interdisciplinar em Direito Tributário: Superação
da Dogmática. Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 211, 2013, pp. 106-121.
15

O interdisciplinar pressupõe as disciplinas. Mas significa saber


que as disciplinas promovem um corte abstrato – geralmente
arbitrário – no real, e que esse corte não impede, aliás,
demanda um conhecimento voltado para o que ficou dele
excluído, na tentativa de uma compreensão mais ampla3.

Superada essa primeira abordagem, passa-se à segunda parte do


capítulo, que tem por incumbência lançar argumentos que sustentem a
necessidade de reaproximar o Direito Tributário do Direito Financeiro,
permitindo uma análise funcional das normas tributárias4. Essa reaproximação
será determinante para o estudo dos incentivos fiscais.

1.2. DE VOLTA ÀS ORIGENS DO DIREITO TRIBUTÁRIO. DA CIÊNCIA


DAS FINANÇAS AO DIREITO FINANCEIRO. DO DIREITO
FINANCEIRO AO DIREITO TRIBUTÁRIO.

Sob a ótica formalista, o Direito é uma técnica racional e organizada


para determinação do agir. Produto do pensamento humano, o estudo do
Direito demanda uma constante compartimentalização, como forma de
apreendê-lo, em sua totalidade. Nesse sentido, pressupõe-se que o
conhecimento da dogmática jurídica requer crescente redução e isolamento do
seu objeto. Sob essa ótica, as grandezas “profundidade” e “extensão” seriam
inversamente proporcionais: para se conhecer melhor, é necessário reduzir o
espectro de conhecimento. É com base nessa perspectiva que surge a
necessidade de criação de ramos autônomos do Direito. “A disciplina é um
princípio de controle da produção do discurso. Ela lhe fixa os limites pelo jogo

3
FOLLONI, André. Ciência do direito tributário no Brasil: crítica e perspectivas a partir de
José Souto Maior Borges. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 336.
4
Contraposta à análise estrutural, no sentido exposto por Noberto Bobbio. Cf. BOBBIO,
Noberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. São Paulo: Manole,
2007.
16

de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das


regras” 5.
Assim como as disciplinas, os conceitos são seletores de propriedades6,
porque são elaborados dentro dos horizontes da disciplina. Tais horizontes são
determinados pelos princípios7 aplicáveis. Consequentemente, os princípios
determinam os conceitos.
Contudo, é possível que um mesmo conceito seja válido para duas ou
mais disciplinas, justamente porque tais conceitos tem fundamento em
princípios comuns.
Cite-se um exemplo trivial. O conceito de pena (sanção estatal em
virtude de um ato ilícito) é utilizado por diversas disciplinas jurídicas que
adotam o princípio da legalidade8, tais como o Direito Penal e o Direito
Tributário. Ora, se o Estado somente pode obrigar alguém a fazer ou deixar de
fazer algo em virtude de lei, o conceito de pena deve necessariamente
pressupor que essa só possa ser aplicada pelo Estado.
Da mesma forma, o conceito de tributo é um ponto de interseção entre o
Direito Tributário e o Direito Financeiro. Isso se dá porque o Direito Tributário
tem sua origem no Direito Financeiro e apenas adquire a feição atual porque é
fruto de um duplo corte histórico-epistemológico.
Com efeito, a formação histórica do Direito Tributário remonta a um
duplo corte do conhecimento: primeiramente, há a separação do Direito
Financeiro da Ciência das Finanças, disciplina essa que, de certa forma,
compreendia os mais variados tipos de abordagem científica das Finanças
Públicas, de natureza política, econômica, social e filosófica. Apenas em um

5
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France,
pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 24º ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 34.
6
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo:
Noeses, 2005, p. 85.
7
Para este trabalho, adota-se o conceito de princípios cunhado por Robert Alexy:
“princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível
dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Como mandamentos de
otimização, os princípios são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus
variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das
possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas”. Cf. ALEXY, Robert.
Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 90.
8
Constituição Federal, artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes: [...] II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei.
17

segundo momento (segundo corte epistemológico) é que o Direito Tributário


surge como disciplina autônoma em relação ao Direito Financeiro.
Por esse motivo, além da compartimentalização natural das disciplinas,
o duplo corte histórico-epistemológico fez do Direito Tributário uma disciplina
extremamente refinada e dogmática. Na linguagem de Alfredo Augusto Becker,
a separação rigorosa entre a Ciência das Finanças e o Direito Tributário
evitaria a gestação de um ser híbrido e teratológico: o Direito Tributário
invertebrado9.
De fato, o Direito Tributário que se tem hoje é um direito tributário
“destilado”, isolado de interferências políticas, econômicas e financeiras.
Segundo Alfredo Augusto Becker, “tanto juristas quanto financistas estão de
pleno acordo em recomendar a rigorosa e nítida separação entre a Ciência das
Finanças Públicas e o Direito Tributário, quer no estudo científico, quer na
exposição didática” 10.
Para analisar – criticamente – essas afirmações, é necessário realizar
uma análise histórica do surgimento do Direito Tributário como disciplina
autônoma.

1.2.1. GÊNESIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO

O tributo nasce no seio das Ciências das Finanças como instrumento de


intervenção do Estado para fins sociais, econômicos e políticos. Alberto
Deodato ressalta que “desde os primeiros agrupamentos sociais, a
necessidade de estudar a justa repartição dos encargos dá início à Ciência das
Finanças, embora sem regras nem estudos” 11.

9
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2010,
p. 27.
10
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2010,
p. 24.
11
DEODATO, Alberto. Manual de Ciência das Finanças. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1983,
pp. 110-111.
18

Aliomar Baleeiro entende que “a ciência das finanças estuda um dos


aspectos ou atividades do Estado: a obtenção e emprego dos meios materiais,
e serviços, na realização de seus fins” 12.
Inicialmente, a Ciência das Finanças surge como uma ciência
econômica do Estado13. Enquanto a economia privada estuda as relações
econômicas entre particulares, a economia pública, objeto de estudo da
Ciência das Finanças, estudaria a atividade produtora dos Estados com vistas
à satisfação das necessidades públicas.
Assim, a Ciência das Finanças seria uma espécie da Economia Política,
destacada da Economia “geral” para fins estritamente didáticos em razão de
suas particularidades. Esse entendimento é capitaneado por Benvenuto
Griziotti, Luigi Einaudi e Viti de Marco, na Itália no início do século XX,
conforme explica Tathiane Piscitelli em estudo detalhado sobre o assunto 14. No
Brasil, essa concepção doutrinária já havia sido adotada por Amaro Cavalcanti,
em trabalho publicado em 189615.
Note-se que a Ciência das Finanças seria, por essa ótica, um braço da
Economia, e a função do Estado equiparar-se-ia à função exercida pelos
agentes econômicos. Essa doutrina remete à ideia de união de esforços
econômicos com vistas a construir um patrimônio novo, que suportará as
despesas decorrentes das necessidades comuns.
Entretanto, como bem ressalta Cláudio Martins, nas Finanças Públicas
inverte-se a ordem dos fatos: primeiro, constroem-se as necessidades,
providenciando-se, em seguida, com o apoio do poder do Estado, os meios
para seu atendimento. Ao menos em tese, na economia privada é o contrário:
primeiro tem-se a receita, depois, permite-se o gasto16.
Em contraposição a essa doutrina, Veiga Filho introduz, em 1898, o
entendimento de que a Ciência das Finanças deveria ser vista como uma

12
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 17ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p. 3.
13
Vide ATALIBA, Geraldo. Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e
Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969, pp. 12-13; PISCITELLI, Tathiane.
Argumentando pelas consequências no direito tributário . São Paulo: Noeses, 2011, p. 38.
14
PISCITELLI, Tathiane. Argumentando pelas consequências no direito tributário . São
Paulo: Noeses, 2011, pp. 38 -39.
15
PISCITELLI, Tathiane. Argumentando pelas consequências no direito tributário. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 42.
16
MARTINS, Cláudio. Compêndio de Finanças Públicas. São Paulo: Bushatsky, 1980, p.
40.
19

disciplina jurídica, vinculada ao Direito Administrativo, por estar relacionada a


um fim social e às funções do Estado17. Nesse momento, a análise científica
deixa de ser simplesmente econômica e passa a revestir-se de natureza
jurídica18.
Ademais, nem todas as riquezas estudadas pela Ciência das Finanças
provêm da exploração do patrimônio privado. O Estado também é capaz de
obter receitas decorrentes de sua própria atividade produtiva, e tal atividade
deverá submeter-se a um regime jurídico próprio, não sujeito aos princípios
econômicos privados, mas aos princípios que regulam as relações públicas
(imparcialidade, moralidade, etc.).
De um modo geral, a organização e a classificação das diferentes fontes
de receitas públicas pressupõem a organização administrativa (repartição de
competência, fiscalização, transparência fiscal, responsabilidade fiscal, etc.),
razão pela qual o Direito Financeiro desponta da vertente jurídico-
administrativa da Ciência das Finanças. As ações que o Estado precisará
tomar para atender às suas despesas não são fruto de escolhas econômicas,
mas de escolhas políticas.
Adepto desse entendimento, Alberto Deodato entende que o Direito
Financeiro está contido no Direito Administrativo e tem por objeto o
ordenamento jurídico total das atividades financeiras do Estado: receita,
despesa, orçamento e crédito público19. Geraldo Ataliba e Souto Maior Borges
também compartilham desse entendimento20.
De sua parte, Souto Maior Borges pondera que, apesar da atribuição de
uma autonomia (didática) à atividade financeira, pela nítida distinção das outras

17
PISCITELLI, Tathiane. Argumentando pelas consequências no direito tributário . São
Paulo: Noeses, 2011, p. 46.
18
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a formação do Direito Administrativo como
ramo autônomo teve início com o desenvolvimento do conceito de Estado de Direito,
estruturado sobre o princípio da legalidade e sobre o princípio da separação de podere s.
Atualmente, pode ser definido como o ramo do direito público que tem por objeto órgãos,
agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a administração Pública, a
atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a
consecução de seus fins, de natureza pública. Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, pp. 1-48.
19
DEODATO, Alberto. Manual de Ciência das Finanças. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1983,
pp. 16-17.
20
ATALIBA, Geraldo. Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e
Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969, p. 33; BORGES, José Souto Maior.
Introdução ao Direito Financeiro. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 63.
20

manifestações de Direito Administrativo, carentes de conteúdo econômico, o


fato é que essa ainda é uma atividade predominantemente administrativa, já
que está centrada no exercício das funções de criação e arrecadação de
tributos21.
Nada obstante, a especialização do estudo das fontes de financiamento
ao longo do século XX dá início a um processo de separação do Direito
Financeiro do Direito Administrativo, e aquele seguirá um caminho alternativo
que lhe dará forma própria, cabendo-lhe disciplinar, dentre outros assuntos, a
regulação de receitas e despesas. Nesse contexto, a atividade financeira,
objeto do Direito Financeiro, é conceituada por Souto Maior Borges:

“A atividade financeira, nela incluída como parte integrante a


atividade tributária, é atividade orientada no sentido de obter os
meios necessários para suprir as necessidades públicas” 22.

No Direito Financeiro, é salutar que os “meios”, ou as receitas, recebam


uma atenção especial. Dentre as receitas, o tributo, espécie de receita
derivada23, figura como a principal fonte de recursos do Estado. Desde o século
XVIII, os Estados Modernos criados após o período absolutista passaram a
concentrar as suas atividades na arrecadação e na gestão dos recursos
públicos, deixando a etapa antecedente – de obtenção desses recursos – nas
mãos dos particulares. Passaram, assim, a legitimar comportamentos
orientados à acumulação de riquezas24.
Por essa lógica, o tributo fundamenta-se em uma necessidade pública
do Estado, assim estabelecida mediante comum acordo dos cidadãos.

21
BORGES, José Souto Maior. Introdução ao Direito Financeiro. São Paulo: Max Limonad,
1998, p. 20.
22
BORGES, José Souto Maior. Introdução ao Direito Financeiro. São Paulo: Max Limonad,
1998, p. 27.
23
As receitas são classificadas em receita originária e receita derivada. A receita
originária é aquela que decorre da exploração do patrimônio público, enquanto que a
receita derivada é a que resulta da apropriação do patrimônio do particular. Por todos, c f.
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 5ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013, pp. 148-151.
24
Note-se que a licitude da tributação de fatos geradores praticados em circunstâncias
ilícitas, sob o fundamento do pecunia non olet, não infirma o exposto. Trata-se apenas de
uma medida de igualdade, com vistas a não privilegiar o cidadão que descumpre a lei.
21

Essa conjuntura exigirá o desenvolvimento de uma Ciência que estude


as formas pelas quais os Estados adquirem, cobram e administram recursos
dos particulares para empregá-los na satisfação de suas necessidades
públicas. É o embrião do Direito Tributário que se desenvolve a partir do Direito
Financeiro.

1.2.2. TRIBUTAÇÃO E MODELO DE ESTADO: O ESTADO FISCAL

A intensidade da tributação e a forma como ela é juridicamente disposta


dependerão do modelo político adotado. A política fiscal é resultado de uma
opção feita pelo detentor do poder político. Sendo o Estado Fiscal o Estado
cujas necessidades financeiras são essencialmente cobertas por impostos,
facilmente compreende-se que ele tem sido (e é) uma tendência constante nos
Estados Modernos, não obstante a sua evolução traduzida na passagem do
Estado Liberal para o Estado Social25.
Ou seja, a hegemonia do Estado Fiscal prepondera na sociedade desde
a formação dos Estados Modernos. Permanece hegemônico tanto sob a égide
de Estados Liberais (Estado Fiscal Liberal) quanto de Estados Sociais (Estado
Fiscal Social).
O conhecimento das origens do Estado Fiscal revela que ele tem como
pressuposto a separação entre Estado e sociedade, traduzida no princípio da
subsidiariedade. A lógica é que os cidadãos entreguem ao Estado uma parcela
de sua riqueza, produzida ou acumulada, certos de que esse último poderá
desempenhar uma melhor gestão de tais recursos a fim de satisfazer às
necessidades que são comuns a todos os cidadãos ou que, ao menos,
interessam a eles. Essa contrapartida é o preço que se paga para que a
relação simbiótica entre economia e política se concretize.
A relação é simbiótica porque a preservação da finalidade última de
cada entidade é proporcionada pelo esforço da outra. É salutar a atuação
estatal em busca do equilíbrio global da economia, que hoje se dá pelo

25
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015,
pp. 192-194.
22

direcionamento de certas atividades, sempre respeitadas as liberdades


individuais. Por outro lado, a economia é responsável por determinar o
tamanho e os fins do próprio Estado. O florescimento da economia dá
condições para o Estado obter as receitas fiscais necessárias ao financiamento
de suas tarefas e vice-versa.
No Estado Fiscal, cabe ao ente público proteger os direitos à liberdade e
à propriedade (leia-se, lucro) do particular, ao passo em que cabe à economia
alimentar os cofres públicos. Um depende do outro. “O Estado Fiscal é um
estado separado da economia e, simultaneamente e por consequência, um
estado limitado no que ao domínio econômico concerne” 26.
Especificamente, o Estado Fiscal Social tenta estabelecer uma relação
mais próxima entre Estado e sociedade, permitindo-se intervir nesta última para
solucionar as injustiças criadas pelo modelo econômico capitalista. A grande
dificuldade consiste em delimitar o ponto de equilíbrio da relação: quanto maior
a interação, maior a necessidade de recursos por parte do Estado e, assim,
menor a expressão da liberdade de ação dos sujeitos particulares.
Observa-se, portanto, que o regime tributário denota uma opção política
do Estado. E, na tentativa de segregar as consequências jurídicas dessa
opção, a separação entre a Ciência das Finanças e o Direito Financeiro
representou uma decorrência natural do processo. O aspecto político das
ações do Estado relativo à criação de receitas passa a ser matéria reservada à
Ciência das Finanças, enquanto que as decorrências jurídicas do regime
adotado para obtenção de receitas (incluído o regime jurídico tributário) fica sob
a tutela do Direito Financeiro.
Segundo Alberto Deodato:

“A Ciência das Finanças não é uma ciência jurídica. Não é um


ramo do Direito. Está dentro do quadro das Ciências Políticas.
De fato: as Ciências Políticas abrangem a Política
propriamente dita, a Administração Social e a Administração

26
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
198.
23

Política. Nossa Ciência, estando incluída na Administração


Política, claro que é um ramo da Ciência Política” 27.

Por sua vez, Cláudio Martins afirma que a Ciência das Finanças “é o
ramo das ciências morais ou do homem que se ocupa do estudo teórico da
aquisição e aplicação dos meios pecuniários de que o Estado precisa para
atender às necessidades públicas” 28.
Assim sendo, a Ciência das Finanças ficaria responsável por estudar a
atividade financeira sob um viés político, ao passo em que o Direito Financeiro,
braço do Direito Administrativo, concentrar-se-ia na regulação normativa dessa
atividade.

1.2.3. EVOLUÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO NO BRASIL

No Brasil, a primeira etapa do processo de separação do Direito


Tributário do conjunto da Ciência das Finanças ocorreu com a especificação do
Direito Financeiro da Ciência das Finanças.
Em 1891, a Ciência das Finanças é incluída como disciplina obrigatória
nos cursos das Faculdades de Direito29. Na época, o estudo dos tributos não
passava de um tópico da Ciência das Finanças.
Em 1914, a questão da autonomia do Direito Financeiro assume
contornos mais práticos que acadêmicos30, fato certamente atrelado ao anseio
de uma atuação estatal mais incisiva.
Mas é somente em 1960 que o Direito Financeiro é reconhecido como
disciplina jurídica autônoma, quando a Comissão de Ensino Superior do
Conselho Federal de Educação incluiu a disciplina no currículo mínimo dos

27
DEODATO, Alberto. Manual de Ciência das Finanças. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1983,
pp. 11-12.
28
MARTINS, Cláudio. Compêndio de Finanças Públicas. São Paulo: Bushatsky, 1980, p.
37.
29
PISCITELLI, Tathiane. Argumentando pelas consequências no direito tributário . São
Paulo: Noeses, 2011, p. 46.
30
FONROUGE, C. M. Giuliani. Direito Financeiro: uma nova disciplina jurídica. Revista
Forense, vol. 88, ano 38, out. 1941, pp. 61-70.
24

cursos de graduação em Direito31. Tal diferenciação tem como causa o


aumento do endividamento público no período pós-guerra, o que demandou um
aumento na arrecadação de tributos por parte do Estado. A essa causa
principal somam-se ainda os novos e já consolidados papéis assumidos pelo
Estado Social, que também contribuíram para o aumento das despesas
ordinárias.
Nessa primeira etapa, afasta-se completamente o Direito Financeiro das
finalidades políticas perseguidas pela atividade financeira. Caberia ao Direito
Financeiro – que naquele momento ainda compreendia o Direito Tributário –
apenas regulamentar a atividade financeira, nos moldes da norma criada pelo
Estado.
Logo em seguida, a segunda etapa promoverá a separação entre Direito
Financeiro e Direito Tributário, no contexto da Reforma Constitucional
Tributária de 1965, realizada pela Emenda Constitucional n.º 18 e pela
publicação do Código Tributário Nacional em 1966. A edição deste representa,
assim, o ápice no processo de autonomia do Direito Tributário.
A importância do tributo na atividade financeira do Estado desencadeou,
no século passado, doutrinas que defendiam a necessidade de separar o
Direito Tributário do Direito Financeiro. Segundo elas, havia uma clara
homogeneidade no Direito Tributário que o destacaria das demais relações
jurídicas disciplinadas pelo Direito Financeiro.
A saída encontrada foi desenvolver uma teoria focada apenas no
fenômeno da incidência tributária32. Nesse momento, fica bastante clara a
ânsia pela purificação do Direito Tributário33 e o reconhecimento da sua
autonomia didática. Sem dúvida, o maior partidário dessa fase foi Alfredo
Augusto Becker, com sua obra “Teoria Geral do Direito Tributário”, editada em
1963.

31
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de
Educação Superior. Parecer n.º 0055/2004. Assunto: Diretrizes Curriculares Nacionais
para o curso de graduação em Direito. Relatores: José Carlos Almeida da Silva e Lauro
Ribas Zimmer. Aprovado em 18.02.2004.
32
PISCITELLI, Tathiane. Argumentando pelas consequências no direito tributário. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 66.
33
PISCITELLI, Tathiane. Argumentando pelas consequências no direito tributário . São
Paulo: Noeses, 2011, p. 73.
25

A separação acadêmica entre as disciplinas de Direito Financeiro e


Direito Tributário, contudo, apenas ocorrerá no Brasil na década de 1990, com
a implantação das “diretrizes curriculares e do conteúdo mínimo do curso
jurídico, de âmbito nacional”, fixados pela Portaria n.º 1.886, de 30 de
dezembro de 199434.
A principal razão teórica de Alfredo Augusto Becker para justificar a
necessidade de separação da Ciência das Finanças do Direito Tributário é a
distinção entre o Estado-Realidade Natural e o Estado-Ficção Jurídica. Para o
autor, o Estado-Realidade apenas conjuga deveres tributários em nível
constitucional. Quem de fato figura no polo ativo da relação jurídico-tributária
não é o Estado-Realidade, mas uma ficção jurídica, que ele denomina de
Estado-Ficção, cujo fundamento é um feixe de deveres impostos pelo Estado-
Realidade, e ficticiamente abstrai os fins do Estado.
E mais: para Alfredo Augusto Becker, a grande causa de “demência
tributária” estaria na indistinção entre os Estados (Estado-Realidade Natural e
Estado-Ficção Jurídica), que daria margem à incorporação de dados pré-
jurídicos, como aqueles provenientes da Ciência das Finanças35.
É interessante notar que a proposta de Alfredo Augusto Becker não é de
consagrar a autonomia científica do Direito Tributário. Como ele bem destaca,
a questão da autonomia é um problema falso36. A sua maior preocupação é
separar o jurídico do pré-jurídico, vez que este se fazia muito presente nas
premissas do Direito Financeiro e do próprio Direito Tributário.
Diante dessa realidade normativa que afasta finalidades e motivações
ditas “econômicas”, a finalidade do tributo reduz-se a simplesmente satisfazer o
dever jurídico tributário. Satisfeito esse dever, terminaria o papel do Direito
Tributário:

34
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de
Educação Superior. Parecer n.º 0055/2004. Assunto: Diretrizes Curriculares Nacionais
para o curso de graduação em Direito. Relatores: José Carlos Almeida da Silva e Lauro
Ribas Zimmer. Aprovado em 18.02.2004.
35
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2010,
p. 5.
36
Cf. tópico “Autonomia de qualquer ramo do Direito é um problema falso”, em BECKER,
Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2010, pp. 32-38.
26

“O Direito tributário não tem objetivo (imperativo econômico-


social) próprio; ou melhor, como todo Direito Positivo, o Direito
Tributário tem natureza instrumental e seu “objetivo próprio”
(razão de existir) é ser um instrumento a serviço de uma
política. Esta (a Política) é que tem seus próprios e específicos
objetivos econômico-sociais” 37.

É com base nessa premissa que se pode construir a ideia de que o


papel do Direito Tributário inicia-se com a instituição do tributo e encerra-se no
momento da sua arrecadação.
O maior problema dessa teoria resume-se em desconsiderar o fato de
que o conceito de tributo e, consequentemente, o objeto do Direito Tributário,
variam conforme o modelo de Estado que se adote. Ignorar esse fato no
momento da elaboração e do controle de constitucionalidade da norma
tributária é um erro “permitido” pelo nosso ordenamento jurídico e validado pela
doutrina dominante.
Com base nessa teoria, “o direito tributário, de fato, nada teria a ver com
a função de financiar a estrutura administrativa que garante o funcionamento
do Estado Democrático de Direito: essa finalidade seria extrajurídica e apenas
informadora dos dados (da realidade) com os quais o jurista trabalha, mas
38
jamais integrantes do próprio direito” . Observe-se que os fins do tributo
ficaram esquecidos na doutrina de Alfredo Augusto Becker.
Todavia, não conhecer qual finalidade a norma persegue compromete a
atividade normativa de interpretação e aplicação do Direito. Afirmar
simplesmente que o Direito Tributário regula o tributo – que é fruto do poder de
coação do Estado, somente limitado pela Constituição – importa numa visão
parcial que prejudica a edição e, principalmente, o controle das normas
tributárias.
Ao contrário, ao se assumir que o Direito Tributário é instrumento de
regulação do tributo que tem por finalidade primordial arrecadar recursos para
a manutenção do Estado, este passa a ser o principal fundamento que norteará
a edição e o controle das normas tributárias. Nada obsta, todavia, que o Direito

37
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2010,
p. 596.
38
PISCITELLI, Tathiane. Argumentando pelas consequências no direito tributário . São
Paulo: Noeses, 2011, p. 74.
27

Tributário se construa a partir de premissas menores, a exemplo daquela que


materializa a intervenção na economia a fim de estimular ou desestimular
comportamentos dos agentes privados.
No caso da norma tributária extrafiscal, cuja finalidade primordial é
direcionar comportamentos, pode-se concluir esta também está submetida a
um controle jurídico que avalia, dentre outros: a) a intensidade desse
direcionamento de comportamentos, que não pode ofender a liberdade de agir
do contribuinte; b) os efeitos financeiros que a norma produz na arrecadação
tributária; e c) as consequências estruturais que a norma produz na
organização tributária, especialmente no que tange à coerência sistêmica.
Todas essas reflexões demandam uma reaproximação com as origens
do Direito Tributário, sem que isso resulte na consideração de fatos econômico-
financeiros ou pré-jurídicos, segundo denominação de Alfredo Augusto Becker.
Segundo Celso de Barros Correia Neto:

“É preciso propor um novo enfoque para o exame dos tributos


e dos gastos públicos, de modo a incluí-los conjuntamente no
contínuo processo de causalidade jurídica, favorecendo o
desenvolvimento de formas de controle das despesas do
Estado” 39.

Como se verá, o estudo dos incentivos fiscais como opção político-


tributária do Estado permite essa reaproximação do Direito Tributário ao Direito
Financeiro, na medida em que o instituto concilia noções de receita
(arrecadação de tributos) e despesa (concessão de incentivos fiscais).

39
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 69.
28

1.3. O CONCEITO TELEOLÓGICO DE TRIBUTO

Se o Direito Tributário regula o tributo e se o Estado Fiscal baseia-se e


concretiza-se no dever fundamental de pagar tributos40, então há que se
esclarecer primeiramente o que se entende pela expressão “tributo”.
Que prestação é essa que o particular tem obrigação de dar ao Estado?
Geraldo Ataliba aduz que “a Constituição adota um preciso – embora implícito
41
– conceito de tributo” . Ademais, a expressão “tributo” é repetida treze vezes
pelo legislador constitucional, o que de certo modo confirma esse
entendimento, pois denota a segurança do legislador constitucional com o uso
da expressão.
Segundo Geraldo Ataliba, do ponto de vista objetivo, o tributo é uma
prestação pecuniária. Do ponto de vista subjetivo, o tributo é uma prestação
exigida de detentores de capacidade contributiva. A essas duas vertentes,
Casalta Nabais acrescenta ainda um elemento teleológico ou finalista, o qual
nos interessa com mais ênfase neste trabalho.
Sob o aspecto teleológico, os tributos são conceituados conforme a
razão para a qual foram criados. Por essa ótica, podem ser classificados em
fiscais, quando têm por objetivo primordial a obtenção de receitas para
satisfação das necessidades coletivas, ou extrafiscais, quando possuem
finalidades outras, distintas da finalidade fiscal, desde que não se revistam de
uma finalidade sancionatória.
Sob essa ótica, observe-se que a evolução do Estado Fiscal Liberal para
o Estado Fiscal Social pode ser observada por meio da análise da feição
teleológica do tributo. Isto porque a função originária para o qual foi concebido
(arrecadação para realização das despesas coletivas do Estado) passa a
conviver com uma função intervencionista, típica do modelo de Estado Social,
cada vez mais presente na estrutura dos tributos brasileiros. Assim, o conceito
de tributo é, ao longo do tempo, sucessivamente associado a uma função
exclusivamente fiscal, depois a uma função principalmente fiscal, em seguida a

40
Faz-se aqui uma ampliação do título do livro “O dever fundamental de pagar impostos”
de José Casalta Nabais.
41
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014,
p. 33.
29

uma função paritariamente fiscal e, finalmente, a uma função ao menos


secundariamente fiscal e até a uma função exclusivamente extrafiscal42.
Portanto, compreender o conceito teleológico do tributo pressupõe a
compreensão do modelo de Estado e suas relações sociais, suas
incumbências e os meios de que dispõem para a realização de tais
incumbências.

1.4. CONSEQUÊNCIAS DA ESTERELIZAÇÃO DO DIREITO


TRIBUTÁRIO SOBRE O ESTUDO DOS INCENTIVOS FISCAIS E
CONCLUSÃO PARCIAL DO CAPÍTULO

Com base no exposto, afirma-se que este trabalho visa a estabelecer um


corte metodológico mais abrangente para o Direito Tributário, permitindo a
inclusão de argumentos tradicionalmente qualificados como extrajurídicos.
O que se pretende demonstrar é que o Direito Tributário é ramo jurídico
que nasce a partir da sistematização da atividade financeira do Estado e, por
esta razão, não dispensa averiguação sobre o efetivo cumprimento de sua
principal finalidade, que é angariar recursos para o Estado.
Por isso, propõe-se uma mudança na análise linear das relações
jurídico-tributárias, as quais podem ser mais bem compreendidas se
investigadas sob uma ótica sistêmica, que considere o conjunto de relações
como representativo da opção política de distribuição do ônus tributário.
O foco na estrita relação contribuinte-Fisco desenvolve uma perspectiva
desconectada dos demais elementos da Fazenda Pública e da atividade
financeira43, que ignora tudo que antecede a formação de tal relação e tudo que
sucede a extinção dessa relação. Em suma, desenvolve-se uma perspectiva
desconectada com das origens desse ramo de conhecimento que é o Direito
Tributário.

42
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
227.
43
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 67.
30

Adota-se, em contraposição, um conceito que compreenda a finalidade


da disciplina, historicamente vinculada à necessidade de obtenção de recursos
para o Estado, mas que incorporou, ao longo dos anos, a finalidade de realizar
diretamente o Estado Democrático. Segundo lúcida afirmação de Tathiane
Piscitelli, “o Direito Tributário funciona, a um só tempo, como garantidor
material do Estado e instrumento para efetivação de um Estado Democrático
de Direito” 44.

44
PISCITELLI, Tathiane. Argumentando pelas consequências no direito tributário . São
Paulo: Noeses, 2011, p. 130.
31

2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA IGUALDADE


TRIBUTÁRIA

2.1. IGUALDADE COMO MATERIALIZAÇÃO DO IDEAL DE JUSTIÇA

O Estado de Direito volta-se à realização da justiça. O Direito é a


realidade cujo sentido é servir à justiça45. E a Justiça Tributária tem como
principal sustentáculo o princípio da isonomia. Por essa razão, é oportuno tratar
do assunto, especialmente dos princípios correlatos, dentre os quais se
destaca o princípio da capacidade contributiva.
Neste capítulo, pretende-se demonstrar que a capacidade contributiva é
o principal instrumento de realização da igualdade no Direito Tributário, embora
não seja o único. A abordagem sistêmica do Direito Tributário impõe uma visão
abrangente do objeto principal deste trabalho – os incentivos fiscais – que,
como se verá, não prescindem da existência de capacidade contributiva.
Para tratar da exceção, é necessário antes conhecer o funcionamento
da regra e as suas características.

2.2. IGUALDADE COMO PARÂMETRO CONSTITUCIONAL DAS


NORMAS TRIBUTÁRIAS.

A igualdade surge e se consolida como um direito incondicional dos


cidadãos, que não tolera discriminações injustificadas. “O princípio da
igualdade imprime à justiça um caráter de racionalidade que preside
46
permanentemente e constantemente o sentido do jogo sem fim do Direito” .
Robert Alexy defende que há uma hierarquia relativa entre princípios
quando a prevalência de um é presumida relativamente a outro, e só é

45
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. 2ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010,
pp. 51-52.
46
FERRAZ JUNIOR. Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão,
dominação. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 235.
32

modificável se houver razões suficientes para isso 47. Partindo dessa premissa,
Humberto Ávila destaca que o princípio da igualdade possui uma hierarquia
axiológica relativa em nível abstrato, em função do status que ocupa o princípio
geral da isonomia na Constituição48. Essa hierarquia, ainda que relativa,
estabelece uma presunção de que os conflitos devem primar por uma solução
que prestigie a igualdade, a não ser que existam razões suficientes para decidir
diferentemente.
Para Regina Helena Costa, a isonomia representa a diretriz mais
importante do Direito, sobre a qual repousam e encontram fundamento todas
as demais49. O efeito dessa afirmação é justamente exigir um ônus
argumentativo maior para justificar a não prevalência do tratamento isonômico.
O enunciado geral de igualdade permite desenvolver dois enunciados
decorrentes, assim resumidos: i) a igualdade é regra, salvo se houver razão
fundada para tratar desigualmente; e ii) a desigualdade é admitida, desde que
justificada a excepcionalidade e comprovado o ganho sistêmico incomum,
capaz de demonstrar a superação da regra.
No ordenamento jurídico brasileiro e segundo a classificação de normas
desenvolvida por Humberto Ávila, a igualdade tributária pode assumir o papel
de princípio, regra ou postulado50.
Enquanto princípio, a igualdade representa um status ideal imaginado
pelo Constituinte regido pelos valores derivados da generalidade,
51
impessoalidade, equidade, objetividade, representatividade, etc. O princípio
da igualdade é um status a ser buscado pela norma constitucional, o qual
servirá de baliza para a criação de todo o sistema jurídico. Aplicando a
igualdade enquanto princípio, o Supremo Tribunal Federal declarou
inconstitucional uma lei estadual que criava incentivo fiscal ao automobilismo,
por considerar que a lei específica singularizava injustificadamente os

47
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015,
pp. 94-99.
48
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros. 2015, p.
153.
49
COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária: exequibilidade de lei
tributária e direitos do contribuinte. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 113.
50
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros. 2015,
pp. 138-144. Cf. ainda ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação
dos princípios jurídicos. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
51
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012,
pp. 410-411.
33

destinatários, de tal modo que apenas uma única pessoa se beneficiaria com
mais de 75% dos incentivos. Na prática, o programa “Acelera Paraíba” previa
uma compensação no Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços –
ICMS devido por empresas que investissem na carreira de pilotos de
automobilismo nascidos no Estado da Paraíba. Ocorre que, segundo se
apurou, 75% dos benefícios da norma agraciariam apenas um único
beneficiário, piloto conhecido da região52.
Enquanto regra, a igualdade representa um dever imposto ao Estado
que diz respeito ao modo de tratamento dos seus jurisdicionados no curso do
processo de elaboração (Poder Legislativo), aplicação (Poder Executivo) e
interpretação das leis (Poder Judiciário). São ilustrativas as situações em que a
lei concede incentivos fiscais utilizando como parâmetro um critério proibido
pela Constituição, a exemplo da ocupação profissional. Aplicando a igualdade
como regra, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a lei
estadual que previa isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos
Automotores – IPVA para pessoa que realiza o transporte escolar e esteja
vinculado à cooperativa do município53.
Por fim, enquanto postulado, a igualdade é empregada para orientar o
intérprete na aplicação de outras normas de modo igual e imparcial a todos
aqueles que se submetem ao seu âmbito de aplicação54. Enquanto postulado,
a igualdade serviu de parâmetro para estender a isenção de ICMS ao produto
importado de país signatário do Acordo Geral de Tarifas e Comércio – GATT
quando seu similar nacional já é submetido à mesma carga tributária55.
Cumpre ressaltar que o princípio da igualdade está previsto na
Constituição Federal no artigo 5º56, que inaugura o Título dos Direitos e
Garantias Fundamentais57. Especificamente em matéria tributária, o inciso II do

52
STF, ADI 4259, Relator Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 03.03.2016.
53
STF, ADI 1655, Relator Ministro Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em
03.03.2004.
54
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros. 2015, p.
140.
55
STF, ARE 831170 AgR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em
07.04.2015.
56
A igualdade em matéria tributária foi prevista em quase todas as Consti tuições
Brasileiras: art. 179, XV, da Constituição de 1824; art. 113, “1” e “32” da Constituição de
1934; art. 202 da Constituição de 1946; art. 21, I e III, da Constituição Federal de 1967.
57
Art. 5º.Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
34

artigo 150 da Constituição Federal consagra a vedação ao tratamento desigual


entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibindo
distinções de quaisquer natureza58.
À vista disso, observa-se que, em matéria tributária, o princípio da
igualdade ocupa uma posição hierárquica de destaque em relação aos demais
princípios constitucionais tributários, o que importa dizer que o sistema
tributário nacional está essencialmente pautado na igualdade de tratamento
dos contribuintes.

2.3. OS OBLÍQUOS HORIZONTES DA IGUALDADE TRIBUTÁRIA

A aplicação de leis tributárias gerais e uniformes é um direito individual


dos contribuintes. Se todos os cidadãos terão de pagar tributos – essa é uma
premissa –, que o façam de maneira isonômica.
Compreender essa afirmação, razoavelmente simples59, permite lidar
com os desafios e a complexidade do tratamento isonômico na seara tributária.
O primeiro grande desafio advém da complexidade das sociedades
contemporâneas, cujos indivíduos possuem cada vez mais elementos
particulares, que os distinguem dos demais. Alfredo Augusto Becker assevera
que “a vida social é complexíssima” e que:

“O ideal seria adaptar o Direito Positivo a esta matéria diversa


de um tal modo que cada caso de cada espécie poderia
encontrar sua solução específica previamente preparada e
perfeitamente adequada aos caracteres próprios e únicos do

à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e


mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
58
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] II - instituir tratamento
desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer
distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
59
Robert Alexy afirma que “no seu núcleo, contudo, esse dever é simples. Ele exige que
toda a norma jurídica seja aplicada a todos os casos que sejam abrangidos por seu
suporte fático, e a nenhum caso que não o seja, o que nada mais significa que dizer que
as normas jurídicas devem ser cumpridas”. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos
Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 394.
35

caso individual. Mas não existe autoridade pública, nem


mesmo inteligência humana, capaz de prever e de resolver o
número infinito de casos gerados pela fecundidade da vida
social” 60.

Todo ser humano e toda situação fática possuem um elemento, mínimo


que seja, que o diferencia dos demais. Os gêmeos univitelinos podem ser
diferenciados pelo momento em que nascem; os grãos de areia pela
microscópica diferença percentual de elementos que os compõem, etc. Por
outro lado, a igualdade é uma abstração que parte de uma desigualdade dada.
“As coisas e as pessoas são tão desiguais quanto ‘um ovo ao outro’” 61.
Por conseguinte, é necessário fixar a premissa de que as diferenças são
características inerentes e inafastáveis do mundo dos fatos, do mundo material.
Apenas no plano abstrato é que se pode pensar em igualdade absoluta, criada
pela mente humana para simplificar e ordenar a vida social.
Por isso é que, didaticamente, impõe diferenciar a igualdade material da
igualdade formal.
A igualdade material é um estado ideal, reflete uma situação em que
todos possuem idêntico acesso aos bens da vida. Essa igualdade é utópica e
habita apenas o mundo das ideias. A igualdade material é pensada visando a
alcançar uma finalidade específica, hipoteticamente realizável.
A igualdade formal, por sua vez, é uma igualdade normativa, que
comporta discriminações autorizadas pela Constituição. É sobre essa
igualdade formal com que se deve preocupar, posto que a sua construção em
formato de norma é algo complexo e inevitavelmente sujeito à imperfeição.
A construção da regra jurídica importará sempre em maior ou menor
deformação e transfiguração do fenômeno real, gerando consequentemente
uma tensão entre a regra jurídica e a realidade social62. Há de se convir que a
construção da regra abarca apenas uma amostra do fenômeno real, limitada no
tempo e no espaço, o que, por si só, já é causa de deformação.

60
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5ª ed. São Paulo: Noeses,
2010, p. 82.
61
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. 2ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010,
p. 50.
62
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5ª ed. São Paulo: Noeses,
2010, p. 83.
36

Assim, o segundo fator de complexidade reside na dificuldade de


encontrar um ponto de equilíbrio entre as situações que merecem diferenciação
e as situações que, por uma questão de praticabilidade63, podem ser
enquadradas numa mesma categoria. Ou seja, a dificuldade consiste em saber
quando o tratamento igualitário demanda opção pela individualização de casos
ou pela sua padronização.
Optando-se pela padronização, a lei trabalha com uma noção de “média”
dos sujeitos ou objetos comparados, podendo produzir situações injustas para
uma minoria não considerada na generalização. Optando-se pela
individualização, a busca ilimitada por justiça fiscal, mediante verificação
individual de capacidade contributiva dos cidadãos, torna o sistema jurídico
impraticável e, não raras vezes, provoca o efeito inverso: geração de injustiças
pela impossibilidade técnica de controle casuístico.
Referindo-se especificamente ao princípio da capacidade contributiva –
embora o raciocínio se aplique de forma geral ao princípio da isonomia
tributária – Klaus Tipke resume:

“se o princípio da capacidade contributiva fosse


minunciosamente aplicado por leis altamente diferenciadas, as
leis tributárias não poderiam mais ser aplicadas
isonomicamente pelas autoridades fazendárias com o emprego
razoável de pessoal e tempo, uma vez que tais autoridades
têm milhões de contribuintes para fiscalizar” 64.

O fato é que a juridicização do dever de igualdade mutila seu conteúdo


deontológico em troca de certeza e de praticabilidade65. Entretanto, sem
praticabilidade, não se consegue uma tributação generalizada e,
consequentemente, uma aplicação eficaz do princípio da igualdade.

63
Para Regina Helena Costa, as leis tributárias se orientam pelo princípio da
praticabilidade porque devem ser exequíveis, propiciando o atingimento dos fins de
interesse público por elas objetivado, quais sejam, o adequado cumprimento de seus
comandos pelos administrados, de maneira simples e eficiente, bem como a devida
arrecadação dos tributos. COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária:
exequibilidade de lei tributária e direitos do contribuinte. São Paulo: Malheiros, 2007.
64
TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e o Princípio da Capacidade
Contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 38.
65
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5ª ed. São Paulo: Noeses,
2010, p. 526.
37

Essa dicotomia afeta não só o Poder Legislativo, mas também os


Poderes Judiciário e Executivo. Com efeito, no exercício do poder
regulamentar, o Poder Executivo frequentemente esbarra na dificuldade de
regulamentar todas as minúcias necessárias à aplicação da lei, o que torna a
legislação tributária hipercomplexa e fragmentada. De sua parte, o Poder
Judiciário também se depara com a necessidade de considerar propriedades
individuais na aplicação de normas gerais e vice-versa; em outras palavras,
diferenciar onde o legislador igualou, e unir onde ele separou66.
De fato, há uma enorme dificuldade em encontrar um ponto de equilíbrio
entre o anseio por uma solução jurídica personalizada e a necessidade de
praticabilidade. Essa dificuldade está na base do sistema tributário fiscal.
Adicionado o componente da extrafiscalidade, a dificuldade aumenta de grau,
decorrente do acréscimo de múltiplos valores que guiarão a elaboração da
norma tributária. Ora se privilegia a arrecadação tributária, ora a realização de
finalidades ordinatórias.
De todo modo, não sendo faticamente possível a edição de “leis sob
medida” capazes de analisar cada diferença ou semelhança existente num
conjunto de coisas ou pessoas, opta-se pela generalização, que consiste em
considerar o elemento jurídico relevante presente numa maioria.
A aferição da aptidão concreta e individual de uma expressão da
igualdade é um estado ideal a ser visado, mas só se torna exigível se se
demonstrar “praticável”. Não sendo praticável, é imperioso partir para outro
critério, dotado de maior generalidade.
No universo tributário, a praticabilidade é um instrumento que, num
primeiro momento, promove atenuações em abstrato ao princípio da isonomia
para possibilitar, mais à frente, a realização em concreto desse mesmo
princípio. Sem essa concessão, o projeto de isonomia revelar-se-ia inexequível.

66
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros. 2015, p.
22.
38

2.4. IGUALDADE COMO FÓRMULA VAZIA

Em igual medida, a insignificação apriorística da igualdade soma-se aos


desafios tratados no tópico anterior. Afirmar que todos devem ser tratados de
igual maneira não diz muita coisa. Traduz apenas um dever formal que
demanda densificação de seu conteúdo. Por esse motivo, Klaus Tipke entende
que a igualdade é um cheque assinado em branco, na medida em que ele
mesmo não fornece um critério de comparação adequado à matéria67.
A igualdade somente determina uma forma, uma relação, não a
materialidade do tratamento, que sempre carece de complementação,
mediante outros princípios fundamentais68.
A igualdade que se busca no texto constitucional, a igualdade material,
requer preenchimento de significado normativo mediante identificação dos
critérios de discriminação. Quer dizer, “a igualdade enquanto metanorma
estruturadora da aplicação de outras, somente adquire significado normativo
69
quando relacionada a critérios normativos materiais” . De fato, se a lei é uma
abstração, daí decorre logicamente o fato de “todos serem iguais perante a lei”,
restando ao legislador e ao aplicador estabelecerem e interpretarem,
respectivamente, os critérios de identificação da igualdade previstos na lei,
especialmente com base nos dados extraídos da realidade social.
A grande dificuldade não reside em reconhecer que se trata de um
conceito relacional – a igualdade ou a desigualdade devem ser examinadas em
relação a determinadas características –, mas em escolher um critério
diferenciador, dentre os inúmeros existentes. Elizabeth Nazar Carrazza resume
bem a questão:

“o problema da igualdade não é o reconhecimento de que se


trata de um conceito relacional, que envolve dois sujeitos e
uma medida de comparação, mas na opção desse standard

67
TIKPE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade
Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 24.
68
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. 2ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010,
p. 50-51.
69
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.
433.
39

que será utilizado, dentre tantos que podem ser escolhidos


dentre os caracteres presentes no sujeito” 70.

Por sua vez, José Arthur Lima Gonçalves nota, ainda em 1993, que
pouco se avançou na questão da materialização do princípio da isonomia.
Segundo ele, as obras que trataram do assunto limitava-se a repetir, com
outras palavras, a célebre lição de Léon Diguit, difundida no Brasil por Ruy
Barbosa: “a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente
os desiguais, na medida da sua desigualdade”.
De fato, poucos foram os esforços no sentido de uma sistematização
realmente útil, que pudesse auxiliar os operadores do Direito na tarefa de
decidir acerca da eventual ocorrência de ofensa à igualdade em determinada
situação71.
Dentre esses poucos doutrinadores, a obra de Celso Antônio Bandeira
de Mello é seguramente a mais emblemática, porque motivada pela noção de
utilidade – e de instrumentalidade – do Direito.
Celso Antônio Bandeira de Mello72 desenvolve uma espécie de teste de
constitucionalidade da norma que estabelece uma discriminação, consistente
em submetê-la a três verificações básicas73: a) qual é o discrímen instituído; b)
correlação lógica entre o discrímen e o tratamento diferenciado previsto na
norma; e c) existência de relação de pertinência entre o tratamento
diferenciado instituído e os valores prestigiados pelo texto constitucional.
O discrímen deve residir na própria pessoa, situação ou coisa
discriminada, pois nenhum objeto pode ser particularizado em relação a outros,
senão em função de características que lhes são próprias. A diferença não
pode residir em fatores neutros como, por exemplo, tempo e espaço. Em
contrapartida, o discrímen não pode singularizar o destinatário, onerando-o ou

70
CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade – igualdade e capacidade
contributiva. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 41.
71
GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros
Editores, 1993, p. 41.
72
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª
ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
73
Elizabeth Nazar Carrazza decompõe a igualdade nos seguintes elementos: i)
razoabilidade do critério de discriminação; ii) existência de uma finalidade perseguida pela
discriminação; iii) nexo lógico entre a finalidade e o critério. CARRAZZA, Elizabeth Nazar.
IPTU e Progressividade – igualdade e capacidade contributiva. 2ª ed. São Paulo: Quartier
Latin, 2015, p. 43.
40

beneficiando-o isoladamente. A diferença deve residir numa categoria de


pessoas, coisas ou situações.
O discrímen é, pois, um elemento essencial, contido no universo de
representações da discriminação e variará em razão da finalidade almejada
pela norma.
Verificando-se que a norma jurídica cumpre esse primeiro requisito,
deve-se procurar a existência ou não de correlação lógica entre o discrímen e o
tratamento diferenciado. Referida correlação traduz-se no exame de
pertinência. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello:

“é agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para


qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de
pertinência lógica com a inclusão ou exclusão do benefício ou
com a inserção ou arrendamento do gravame imposto” 74.

Por fim, a última verificação consiste em adequar a discriminação aos


valores e interesses protegidos pela Constituição. O princípio da igualdade
reveste-se de conteúdo normativo mínimo que assegura sua eficácia operativa,
impedindo que se institua impunemente qualquer espécie de discriminação que
não guarde respeito aos valores positivados pela Constituição75.
À primeira vista, já se percebe que a expressão “valores e interesses
protegidos pela Constituição” pode ser uma vala comum capaz de albergar
uma infinidade de discriminações pretensamente constitucionais. A grande
dificuldade consiste em fixar o conteúdo e o alcance dessa expressão.
Por isso, José Artur Lima Gonçalves defende que, antes de tudo,
incumbe ao estudioso conhecer a Constituição como um todo, desvendando-
lhe as diretrizes explícitas e implícitas, habilitando-se, em consequência, a dela
extrair todas as implicações sistemáticas76.
É do texto constitucional que se extrairão os critérios para balizar as
desigualdades, cerne da questão. O que realmente é relevante é determinar

74
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª
ed. São Paulo: Malheiros, 2015, pp. 38-39.
75
GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros
Editores, 1993, p. 67.
76
GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros
Editores, 1993, p. 55.
41

quem são os iguais e os desiguais sob os olhos da Constituição, para só então


definir as circunstâncias em que a desigualação se impõe.

2.5. FISCALIDADE, IGUALDADE TRIBUTÁRIA E PRINCÍPIO DA


CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

A igualdade tributária requer consideração central de que, em última


análise, a fonte para o pagamento de tributos é a renda dos cidadãos. Dada
essa premissa, há que se encontrar um critério de acordo com o qual o
montante do tributo devido por cada cidadão seja resultado de um esforço
igual, proporcional à renda de cada um.
A igualdade tributária, então, conduz às seguintes assertivas: a) há um
dever de generalidade, isto é, todos os cidadãos são destinatários da norma
tributária; b) via de regra, o critério de desigualação está fundado na
quantidade de riqueza acumulada de cada indivíduo, descontado o montante
necessário à sua subsistência77; e c) a tributação não pode ser excessiva,
proibitiva ou confiscatória78.
O princípio da capacidade contributiva é o critério geral adotado pelo
Sistema Tributário Nacional para pautar as normas tributárias que gravam o
patrimônio dos contribuintes. Regina Helena Costa aduz que a capacidade
contributiva “funciona como pressuposto ou fundamento jurídico do tributo, ao
condicionar a atividade de eleição, pelo legislador, dos fatos que ensejarão o
nascimento de obrigações tributárias” 79.
Observe-se que o princípio da capacidade contributiva é um limite
constitucional à atuação do legislador e, portanto, está relacionado com o ideal
de justiça que direciona o Estado de Direito80. Cabe ao Poder Legislativo, como

77
A expressão “via de regra” está posta para lembrar que a quantidade de riqueza nem
sempre será o critério de discriminação dos tributos, como tratará detidamente o Capítulo
3.
78
COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária: exequibilidade de lei
tributária e direitos do contribuinte. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 111-112.
79
COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária: exequibilidade de lei
tributária e direitos do contribuinte. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 114.
80 CARRAZZA. Elizabeth Nazar. IPTU e progressividade – Igualdade e Capacidade
Contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 72.
42

primeiro intérprete do texto constitucional, implementar a igualdade na própria


lei, através de critérios fundados em valores republicanos do Estado de
Direito81.
Referido princípio tem previsão constitucional expressa nos artigos 145,
parágrafo 1º, e 150, II, da Constituição Federal de 1988:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os


Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...)

§1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e


serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente
para conferir efetividade a esses objetivos, identificar,
respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao


contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: (...)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se


encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção
em razão de ocupação profissional ou função por eles
exercida, independentemente da denominação jurídica dos
rendimentos, títulos ou direitos.

Já na Constituição de 1824 o fundamento da capacidade contributiva


estava presente no artigo 179, parágrafo XV, que previa que “ninguém será
eximido de contribuir para as despesas do Estado proporcionalmente aos seus
82
bens” . Literalmente, entretanto, o princípio da capacidade contributiva é

81 A igualdade pode ser observada “na lei” ou “perante a lei”. A primeira está vinculada ao
dever do legislador de estabelecer condições de igualdade no próprio texto da lei. A
perante a lei remete ao dever do aplicador de, no caso concreto, utilizar a lei de maneira
não discriminatória.
82
Constituição de 1824, art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos
Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira s eguinte. [...] XV
Ninguem será exempto de contribuir pera as despezas do Estado em proporção dos seus
haveres.
43

erigido a princípio constitucional tributário com a Constituição Federal de 1946


em seu artigo 20283.
Mas nem sempre o critério para tributar com justiça foi esse. Na Idade
Média, por exemplo, a Capitação era o imposto pago por cada membro da
família de servos ao seu senhor feudal. Ou seja, a medida da tributação era
“ser servo”. É claro que tal forma de tributação per capita é atualmente
condenável, por desconsiderar o mínimo existencial arraigado na dignidade
humana84.
Outro critério aplicado no passado baseava-se no princípio da
equivalência, que exigia uma correspondência entre a soma dos serviços
estatais consumidos e o montante do imposto pago. De acordo com esse
critério, a medida da tributação seria equivalente ao gasto público diretamente
relacionado ao contribuinte85. Assim, quanto mais o contribuinte usufruía dos
serviços públicos, mais ele deveria pagar ao Fisco.
Atualmente, a equivalência é o critério de justiça aplicado aos tributos
vinculados a uma contraprestação (taxas e contribuições de melhoria). De fato,
não é razoável aplicá-lo aos impostos, já que estes são exigidos
independentemente de uma atuação estatal correlata. Curiosamente, observa-
se que os cidadãos que mais necessitam de prestações do Estado são
normalmente os que menos têm condições financeiras de arcar com a
contraprestação equivalente.
O princípio da capacidade contributiva, tal como é concebido hoje,
começa a ter seus contornos definidos com a Declaração de Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789, cujo artigo 13 assim dispunha:

Artigo 13º- Para a manutenção da força pública e para as


despesas de administração é indispensável uma contribuição

83
Constituição da República de 1946, art. 202. Os tributos terão caráter pessoal, sempre
que isto for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do
contribuinte.
84
TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e o Princípio da Capacidade
Contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 28.
85
TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e o Princípio da Capacidade
Contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 29.
44

comum, que deve ser igualmente repartida entre todos os


cidadãos de acordo com as suas possibilidades86.

Na verdade, o que se pode dessumir é que o princípio da capacidade


contributiva é uma forma de representação dos princípios da igualdade e da
dignidade da pessoa humana, ambos consagrados na Declaração: tributar
conforme a capacidade contributiva implica na vedação à tributação excessiva
que ofenda o próprio sustento do cidadão e de sua família.
Ora, se a capacidade contributiva é o reflexo da valorização da
dignidade da pessoa humana, tem-se que a política fiscal deve corresponder a
uma política de justiça, e não a uma mera política de interesses arrecadatórios.
Klaus Tipke assevera que a tributação seria um procedimento sem dignidade
ética se impostos pudessem ser arrecadados de qualquer maneira e se o
legislador pudesse ditar as leis fiscais ao seu talante87.
Assim, a graduação dos impostos deve observar a riqueza individual dos
cidadãos, de modo que os tributos só incidam sobre a renda armazenada, em
outras palavras, sobre o patrimônio. Trata-se, segundo Klaus Tipke, de uma
regra de prudência, pois querer coletar onde nada existe não é inteligente88.
Em síntese, capacidade contributiva pode ser definida como a aptidão
para pagar tributos proporcionais à renda de cada indivíduo.
Consequentemente, a fiscalidade, que é o exercício da competência tributária
destinado à finalidade arrecadatória, tem por pressuposto a observância do
princípio da capacidade contributiva. Isso porque a função fiscal das normas
tributárias não está relacionada ao volume de arrecadação, mas ao efeito da
distribuição equitativa dos encargos de acordo com os critérios de comparação
fornecidos pela Constituição, especialmente pelo princípio da capacidade
contributiva89.

86
Tradução livre do autor do original: “Art. 13. Pour l'entretien de la force publique, et pour
les dépenses d'administration, une contribution commune est indispensable : elle doit être
également répartie entre tous les citoyens, en raison de leurs facultés”.
87
TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e o Princípio da Capacidade
Contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 28.
88
TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e o Princípio da Capacidade
Contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 22.
89
DANIEL NETO, Carlos Augusto. A provisoriedade dos incentivos fiscais – uma
abordagem pragmática da Zona Franca de Manaus. Direito Tributário Atual, v. 35, p. 53.
45

Segundo a lição de Humberto Ávila, a capacidade contributiva é o


critério de aplicação da igualdade no caso de impostos com finalidade fiscal90.
Por fim, a respeito da literalidade do artigo 145, duas considerações
teóricas merecem destaque.
A primeira diz respeito à limitação do princípio da capacidade
contributiva aos impostos (sempre que possível os impostos serão
graduados...). De acordo com a Teoria Tripartite91, adotada por autores como
Geraldo Ataliba, Roque Antonio Carraza e Paulo de Barros Carvalho, a
restrição do princípio da capacidade contributiva aos tributos não
contraprestacionais não é de todo desprovida de sentido, vez que as taxas e
contribuições de melhoria pautam-se na ideia de equivalência entre a medida e
o parâmetro de justiça adotado (valor da taxa versus custo do serviço/poder de
polícia).
Na mesma linha, Elizabeth Nazar Carrazza defende que o princípio da
capacidade contributiva somente se aplicaria aos impostos, por expressa
previsão constitucional, já que somente esses incidem sobre manifestações de
riqueza desvinculadas de uma contraprestação92.
Nada obstante, essa limitação vem sendo superada pela jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, que tende a se consolidar no sentido de que o
princípio da capacidade contributiva tem aplicação generalizada aos tributos,
quando têm por parâmetro os signos presuntivos de riqueza93.
No mais, poderiam surgir dúvidas sobre a aplicação do referido princípio
às contribuições previstas no artigo 149 da Constituição Federal (contribuições
sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições
corporativas). Entretanto, se considerarmos que o aspecto material da hipótese
de incidência de algumas contribuições coincide com o de diversos impostos –

90
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.
434.
91
A Teoria Tripartite é desenvolvida com base no artigo 145 da Constituição Federal, que
classifica os tributos em três espécies: impostos, taxas e contribuições de melhoria.
92
CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade – igualdade e capacidade
contributiva. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015, pp. 77-78.
93
Pela aplicação do princípio relativamente às taxas: STF, ARE 707.948-AgR, Relator
Ministro Dias Toffoli, 2º Turma, julgado em 19.6.2015. Pela aplicação do princípio à
Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – COSIP: STF, RE 573.675,
Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 25.03.2009. Pela
aplicação do princípio aos tributos de maneira geral: STF, RE 406955 AgR,
Relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 21.10. 2011.
46

diferenciando-se apenas quanto à vinculação do produto da arrecadação – não


haveria motivos para afastar a aplicação do princípio às contribuições em
questão.
Ante o exposto, defende-se que, sempre que possível, o princípio é
aplicável à tributação com finalidade fiscal, não consistindo atecnia a sua
menção generalizada aos tributos.
A segunda observação diz respeito à expressão “sempre que possível”.
Paulo de Barros Carvalho critica veementemente a expressão, considerando-a
desnecessária, uma vez que a aplicação de comandos normativos sempre
depende de condições ontológicas de aplicabilidade94.
Apesar disso, prevalece o entendimento capitaneado por Roque Antonio
Carrazza no sentido que a expressão diz respeito ao caráter pessoal dos
impostos95. Ou seja, a dicção constitucional é no sentido de que “os impostos
terão caráter pessoal, sempre que possível”. Isso permite concluir que a
pessoalidade deve ser observada sempre que a norma tributária referir-se a
elementos pessoais do contribuinte96.
Ante o exposto, pode-se concluir que a capacidade contributiva é um
princípio determinável com base nas possibilidades econômicas individuais,
que depende da mensuração real dos rendimentos efetivamente auferidos, e
aplicável, sempre que possível, aos tributos.

2.6. ISONOMIA E EXTRAFISCALIDADE

A igualdade na lei traduz o desejo constitucional de que todos sejam


tratados da mesma maneira pelo legislador, sem distinções de qualquer
natureza.
Consoante lição de Elizabeth Nazar Carrazza, contudo, o princípio da
igualdade não se contenta em estabelecer uma vedação à discriminação

94
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 209.
95
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 30ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2015, p. 128.
96
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012,
p.435.
47

injustificada dos iguais, alcançando também o dever de distinguir sempre que


se esteja diante de situações fáticas que justifiquem tal proceder97.
No mesmo sentido, Paulo Caliendo entende que a igualdade se
expressa de duas formas: i) como cláusula geral de proibição de arbítrio e de
discriminações injustificadas; e ii) como cláusula geral de exigência de
tratamento equitativo98.
A extrafiscalidade é uma forma de representação dessa segunda
expressão. O Estado Social não se contenta com a proibição da primeira
cláusula e exige uma postura proativa voltada à redução da desigualdade já
existente.
Assim, enquanto instrumento promovedor da igualdade, a tributação
extrafiscal não atua para evitar tratamentos discriminatórios daqueles que se
encontram em igual posição, mas para possibilitar a mudança social através da
correção das desigualdades fáticas, buscando a igualdade material. “A
extrafiscalidade amplia os interesses da tributação de tal modo a mudar a
estrutura da sociedade, enquanto que o princípio da capacidade contributiva
99
divide o esforço fiscal conforme a estrutura social vigente” .
Pode-se dizer, assim, que o conteúdo do princípio da igualdade “contém”
o chamado princípio da capacidade contributiva, mas é ainda mais amplo que
este. Isso porque, em se tratando de normas tributárias extrafiscais, a
igualdade materializa-se através de outros critérios (por exemplo,
proporcionalidade e subsidiariedade, mais adiante tratados) que legitimam a
flexibilização da capacidade contributiva para permitir o acolhimento de outros
valores constitucionais como critérios que nortearão a tributação extrafiscal.
Em suma, a tributação fiscal está pautada num critério de igualdade
focado na proteção do cidadão, ao passo que a tributação extrafiscal está
pautada em um critério de igualdade focado na proteção da sociedade.

97
CARRAZZA. Elizabeth Nazar. IPTU e progressividade – Igualdade e Capacidade
Contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 51.
98
CALIENDO, Paulo. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar com finalidade
extrafiscal. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC. Disponível em
<http://paulocaliendo.com.br/Mostrar+arquivo/34-file1-art2>. Acesso em: 16/09/2017, p. 195.
99
CALIENDO, Paulo. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar com finalidade
extrafiscal. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC. Disponível em
<http://paulocaliendo.com.br/Mostrar+arquivo/34-file1-art2>. Acesso em: 16/09/2017, p.
199.
48

Enquanto a primeira utiliza um critério “de dentro para fora”, a segunda utiliza
um critério “de fora para dentro” 100.
Desta maneira, a melhor forma de compreender e aplicar o princípio da
igualdade tributária dá-se a partir de uma perspectiva sistêmica pluralista, que,
sem desconsiderar a posição fundamental ocupada pelo princípio da
capacidade contributiva, considere também os demais critérios de aplicação do
princípio da igualdade, bem com os demais princípios constitucionais que
compõem o sentido teleológico da norma tributária101.
Isso ocorre de maneira emblemática nos tributos extrafiscais, para os
quais a capacidade contributiva deixa de ser o critério principal para promoção
da igualdade, haja vista que “o que se procura não é atingir o substrato
econômico dos contribuintes, mas conduzi-los de uma forma preferida pelo
102
Estado, voltada à realização de uma determinada finalidade” .
Assim, pode-se concluir que a extrafiscalidade também realiza a
igualdade quando cumpre a função de correção de desigualdades sociais,
econômicas ou regionais. Tal função é desempenhada em grande medida
através de incentivos fiscais. Observe-se, todavia, que tais incentivos não
podem estabelecer situações díspares para contribuintes identicamente
enquadrados pelo constituinte, sob pena de ofender a igualdade tributária. Por
esse motivo, Casalta Nabais resume a observância da igualdade nas normas
extrafiscais na exigência de justa seleção do círculo de beneficiários, a fim de
evitar desvios de finalidade103.
Pelo exposto, tem-se que o princípio da capacidade contributiva é o
principal critério do exercício pelo Estado da função fiscal dos tributos.
Contudo, a Constituição também confere aos Entes Federativos atribuição para
exercer a função extrafiscal, mediante utilização das ferramentas tributárias

100
PINTO, Tibério Carlos Soares Roberto. Os incentivos fiscais enquanto instrumento para
a promoção da igualdade material entre os contribuintes. In: MACHADO, Hugo de Brito
(coord.). Regime Jurídico dos Incentivos Fiscais. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 558.
101
CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade – igualdade e capacidade
contributiva. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 78.
102
CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade – igualdade e capacidade
contributiva. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 97.
103
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
668.
49

como forma de intervir no domínio econômico e regular condutas dos agentes,


mediante estímulos e desestímulos a ações privadas.
É o que se passa a tratar no próximo capítulo.
50

3. EXTRAFISCALIDADE

O estudo da função extrafiscal dos tributos vem ganhando espaço na


doutrina tributarista104, em razão da percepção do impacto que essa função é
capaz de provocar não só nas finanças públicas, como também na própria
estrutura lógica do Direito Tributário.
Com base nessa perspectiva, este capítulo destina-se a esmiuçar o
fenômeno da extrafiscalidade, em suas diversas acepções e propósitos. Num
primeiro momento, pretende-se abordar a construção histórica da expressão no
contexto do Direito Tributário, a fim de situar a sua atual concepção jurídica.
Em seguida, passar-se-á às formas de manifestação e às premissas jurídico-
constitucionais do exercício da função extrafiscal.

3.1. FINANCIAMENTO DO ESTADO, ORDEM ECONÔMICA E


FUNCÕES DO TRIBUTO

O estudo das funções do tributo no Estado de Direito importa tanto para


a construção do Sistema Tributário Nacional quanto para a definição dos
pilares normativos da ordem econômica e financeira105. Segundo Ruy Barbosa
Nogueira, o próprio conceito de sistema tributário pressupõe a coordenação do
sistema econômico dominante com os fins fiscais e extrafiscais da
imposição106.
Do primeiro e segundo capítulo foi possível extrair a compreensão de
que os tributos permitem ao Estado desempenhar a árdua tarefa de proteção
dos bens e direitos de cada cidadão e daqueles pertencentes coletivamente à
sociedade, partindo da noção de que o conceito de tributo integra o próprio

104
Por todos, cite-se NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar
impostos: contributo para a compreensão do estado fiscal contemporâneo . Coimbra:
Livraria Almedina, 1998 e SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e
intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
105
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 86.
106
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Direito Financeiro: curso de direito tributário. 3ª ed. São
Paulo: José Bushatsky, 1971, p. 37.
51

conceito de Estado como realidade institucional criada para salvaguardar


direitos individuais.
107
Viu-se que, sem o tributo, o Estado simplesmente “não é” , já que o
financiamento público que ele proporciona é uma garantia do cidadão,
enquanto sujeito de direitos. “O tributo é o preço da liberdade”, para usar a
conhecida expressão.
De fato, sem tributação os direitos fundamentais são mera aspiração,
expectativa social. Pode-se mesmo afirmar que a tributação é pressuposto do
exercício de cidadania, na medida em que instrumentaliza a realização de
necessidades públicas. E os impostos, em maior medida, por estarem
lastreados no princípio da capacidade contributiva, exercem a dupla função de
garantir e promover a igualdade entre os cidadãos.
Destarte, sob a ótica da ordem econômica constitucional, o sistema
tributário desempenha a importante função de buscar a mudança e o
desenvolvimento econômico e social, necessários para alcançar a igualdade
material108. O tributo é, inegavelmente, instrumento de redistribuição de renda e
de nivelamento da riqueza. Nesse contexto, a universalidade da tributação
garante autonomia ao Estado em face das diretrizes de mercado e dos
interesses dos grupos de pressão.
Também foi dito nos capítulos que precederam que a forma como está
organizado o sistema tributário (delimitação constitucional das competências
tributárias, repartição de receitas, regime de isenções, etc.) reflete o ideal de
ordem econômica que se quer ver adotado. No modelo de Estado
Intervencionista, a tributação é instrumento de indução de comportamentos, de
modo que o exercício da extrafiscalidade desencadeia exceções à regra da
universalidade da tributação.
A extrafiscalidade, logo, está a serviço da manutenção da ordem
econômica. Nada obstante – e essa será a conclusão a que se pretende
chegar ao final deste capítulo –, a atuação extrafiscal do Estado não é ilimitada,
não estando sujeita ao arbítrio do legislador ou do administrador público.

107
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e
crítica. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 16.
108
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
240.
52

E a razão dessa limitação está atrelada ao fato de que a intervenção do


Estado na economia é subsidiária e excepcional. Nas palavras de Eros Roberto
Grau:

O mercado exige, para a satisfação do seu interesse, o


afastamento ou a redução de qualquer entrave social, político
ou moral ao processo de acumulação de capital. Reclama uma
atuação estatal para garantir a fluência de suas relações,
porém, ao mesmo tempo, exige que essa atuação seja
mínima109.

Desse modo, a limitação à atuação extrafiscal assume um papel político-


constitucional, pois a liberdade para deixar de cobrar tributos em virtude de
uma finalidade intervencionista não tem a mesma intensidade que a liberdade
para cria-los. Paulo Caliendo aduz que “não existe no sistema constitucional
nacional uma cláusula geral autorizativa de instituição de tributos com
finalidade extrafiscal” 110.
Ressalte-se que essa afirmação não contradiz o entendimento
doutrinário de que o Ente Público tem competência tributária para deixar de
cobrar o tributo na mesma proporção que o tem para cobrá-lo111. Não se nega
que a competência para tributar compreende a competência para isentar, mas
há que se observar que essa última não é necessária para o exercício do poder
de tributar, diferentemente da primeira.
O que se quer afirmar aqui é que a atuação extrafiscal submete-se a
critérios constitucionais de controle mais rigorosos que a atuação fiscal. Isto
porque, em que pese nem sempre seja injusta em si mesma, a atuação
extrafiscal pode prejudicar a eficiência do sistema em sua função mais ampla
de promover a justiça através da igualdade da tributação.

109
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e
crítica. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 36.
110
CALIENDO, Paulo. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar com finalidade
extrafiscal. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC. Disponível em
<http://paulocaliendo.com.br/Mostrar+arquivo/34-file1-art2>. Acesso em: 16/09/2017, p. 189.
111
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 30ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2015, p. 595.
53

Estabelecido o enfoque que permeará o capítulo, a extrafiscalidade será


analisada primeiramente no contexto histórico em que a expressão surge na
literatura jurídico-tributária.
Em seguida, serão dedicadas algumas linhas sobre a dualidade da
classificação “fiscal – extrafiscal” e sobre as diversas conotações que a
expressão extrafiscalidade pode assumir.
Por fim, buscar-se-á um conceito doutrinário que melhor se adeque aos
objetivos do presente trabalho, e que servirá de norte para solucionar a
questão central deste capítulo, relativa à delimitação das situações nas quais o
tributo pode ser utilizado para finalidades extrafiscais.

3.2. O CONTEXTO HISTÓRICO DA EXTRAFISCALIDADE

A extrafiscalidade se consolida como objeto jurídico do Direito Tributário


no Brasil na metade do século XX, no contexto da adoção de uma política de
desenvolvimento econômico capitaneada pelo Estado.
O tratamento constitucional da regulação da economia pelo Estado
Social demonstra o desejo de dar normatividade ao modelo de produção
econômica “ideal”, resultante de um plano de governo, que materializa o
planejamento e a organização da ação política. O planejamento da ação estatal
irá conferir visão prospectiva e informar o novo modo de atuação do Estado112.
Essa perspectiva é totalmente diferente da que se vivenciou no modelo
de Estado precedente (Liberal), cujas Constituições “não necessitavam, no seu
nível (delas, constituições liberais), dispor, explicitamente, normas que
compusessem uma ordem econômica constitucional”. No Estado Liberal, “a
ordem econômica no mundo do ser não merecia reparos” 113.
A razão dessa mudança está na premente necessidade de reinvenção
do modelo capitalista ainda vigente, herança do Estado Liberal, a partir da

112
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 129.
113
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e
crítica. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 71.
54

criação do Estado Intervencionista. Neste, o Estado passa a assumir funções


relegadas à sorte do mercado como solução para a sua própria preservação.
Segundo Eros Roberto Grau:

“para complementar o mercado, o sistema jurídico é adequado


a novas formas de organização empresarial, de concorrência e
de financiamento (por exemplo, através da criação de novas
instituições no Direito Bancário e Empresarial e da
manipulação do sistema fiscal), sem, porém, conturbar a
dinâmica do processo de acumulação” 114.

Para Luís Eduardo Schoueri, o modelo de Estado Intervencionista é uma


evolução do Estado Liberal, já que ambos adotam a mesma crença no
mecanismo de mercado115.
Em outros termos, na medida em que o Estado passa a intervir no
modelo econômico vigente a fim de aprimorá-lo, o Direito posto também se
transforma, aproximando-se da ordem econômica constitucional. Nesse
contexto de transformação, o tributo revelou-se um valioso e potente
instrumento do Estado, capaz de influenciar as escolhas econômicas dos
contribuintes, o que possibilitou o reconhecimento da função extrafiscal dos
tributos.
Entretanto, o reconhecimento da extrafiscalidade crescente dos tributos
– isto é, da sua aptidão para regular o comportamento dos agentes econômicos
– não aniquila o modelo de Estado Fiscal. Ao contrário, preserva-o, na medida
em que a tributação continua a desempenhar o papel de principal fonte de
recursos do Estado de Direito para financiamento da ação pública.
Visto como uma projeção necessária do Estado Democrático de
Direito116 em razão do status ocupado pelos tributos nas finanças públicas, o
Estado Fiscal se reinventa, passando a conviver, ou melhor, a reconhecer e,
consequentemente, disciplinar a atividade regulatória.

114
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e
crítica. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 20.
115
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio
de Janeiro: Forense, 2005, p. 73.
116
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário.
Volume V. O orçamento na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.19.
55

A solução encontrada em muitos Estados é a criação de um regime


jurídico tributário capaz de absorver a dupla função. Ao prever a utilização de
normas tributárias com objetivos diversos da arrecadação, o tributo agrega a
função de instrumento de intervenção do Estado na economia, também
denominada de função extrafiscal, diversa da função fiscal, voltada
exclusivamente à finalidade arrecadatória.
No Brasil, a política desenvolvimentista adquire relevância jurídica por
ocasião da reforma tributária promovida pela Emenda Constitucional n.º 18 de
1965, que se incumbiu da tarefa de vincular o sistema tributário ao objetivo do
desenvolvimento econômico117.
De fato, é durante o período da ditadura militar que a política
intervencionista é reforçada, com a estatização de empresas e da criação de
inúmeros planos de investimento público na iniciativa privada. Cite-se, a título
ilustrativo, a criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia –
SUDAM e os incentivos fiscais concedidos a empreendimentos florestais
criados pela Lei 5.106/1966.
Após a reforma tributária, o Direito Tributário passa a ser,
reconhecidamente, instrumento de obtenção das finalidades socioeconômicas
a que se propõe o Estado. Geraldo Ataliba, referindo-se à Constituição de
1967, afirma que “não foi dito pela Constituição que os tributos só serviriam
como fonte de receita” 118.
Nem os anos 80, a chamada “década perdida”, fizeram com que a
ideologia intervencionista entrasse em recesso119. No final da década de 80, a
recém-promulgada Constituição da República de 1988 elencou o
desenvolvimento econômico como objetivo da República, juntamente com o
objetivo de construir uma sociedade justa, livre e solidária, na dicção do seu
artigo 3º, inciso II. Essa previsão garantista do Constituinte de 1988 traduziu a
permanente insatisfação com a situação econômica do País no fim do século
XX.

117
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário.
Volume V. O orçamento na Constituição. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.301.
118
ATALIBA, Geraldo. Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e
Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969, p. 148.
119
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário.
Volume V. O orçamento na Constituição. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 300.
56

Em que pese tenha entendido pela necessidade de manter a


participação do Estado na ordem econômica, a novidade é que a Constituição
Federal de 1988 passou a dispor que a intervenção direta na economia seria
medida excepcional, cabendo preferencialmente ao Estado o papel de agente
regulador e indutor de condutas. Nesse sentido, o artigo 151, inciso I, dispõe
que a União não pode instituir tributos não uniformes ou que impliquem
distinção ou preferência no território nacional, “ressalvada” – expressão que
denota claramente a excepcionalidade – a concessão de incentivos fiscais
destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico.
In verbis:

Art. 151. É vedado à União:

I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território


nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a
Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de
outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a
promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico
entre as diferentes regiões do País

Outra inovação é que a Constituição Federal de 1988 passou a prever


instrumentos de controle dessa intervenção excepcional, a exemplo do
disposto nos artigos 70 e 165, parágrafo 6º:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária,


operacional e patrimonial da União e das entidades da
administração direta e indireta, quanto à legalidade,
legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e
renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional,
mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno
de cada Poder.

Art. 165, § 6º. O projeto de lei orçamentária será acompanhado


de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e
despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões,
subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e
creditícia.
57

O Congresso Nacional, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União,


recebeu do Constituinte a responsabilidade pela fiscalização ampla do ato
administrativo que importe em concessão de subvenções e renúncia de
receitas. Logo, o disposto no artigo 70 representa uma preocupação com o
controle do ato interventivo, independentemente dos propósitos a que se
destine.
Já o previsto no parágrafo 6º do artigo 165 traz a exigência de que a Lei
Orçamentária Anual – LOA seja acompanhada de um estudo que quantifique e
qualifique o efeito dos incentivos fiscais, financeiros e creditícios. Esse
dispositivo materializa o princípio da transparência fiscal, princípio legitimador
do Estado de Direito, na medida em que “penetra em todos os valores e
princípios constitucionais, equilibrando-os e justificando-os o sentido” 120.
De fato, a norma em questão traz transparência fiscal ao sistema porque
permite o conhecimento dos riscos fiscais presentes na atividade extrafiscal em
questão (descontrole orçamentário, gestão irresponsável, corrupção, abuso de
forma jurídica pelos particulares, etc).
Ante o exposto, resta nítido que a Constituição de 1988 reconhece a
tributação interventiva como realidade jurídica e cria mecanismos para
controlá-la.

3.3. OS CONTORNOS JURÍDICOS DA EXTRAFISCALIDADE

Não há um conceito legal de extrafiscalidade, da mesma forma em que


nenhuma menção legal é feita à fiscalidade. As expressões são construções
doutrinárias criadas para aludir a um fim ou a um efeito jurídico da norma
tributária.
Conforme a finalidade ou a eficácia projetada, as normas tributárias
podem ser classificadas em fiscais ou extrafiscais. A extrafiscalidade, portanto,
é um efeito produzido pelas normas extrafiscais, estas entendidas como classe
de normas tributárias que visam a alcançar um fim diverso do arrecadatório.

120
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Volume
V. O orçamento na Constituição. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 208, p. 167.
58

Observe-se que o prefixo “extra” deixa subentendido que a tributação


estaria servindo para uma finalidade não originalmente tributária, já que,
conforme o pensamento liberal até então vigente quando da formulação do
conceito de tributo, a tributação deveria ser enxuta o suficiente para apenas
destinar-se a uma finalidade arrecadatória, sem “margem” para se imiscuir na
seara econômica. Logo, a expressão “extrafiscais” designaria os tributos com
configuração “atípica” de exercício da competência tributária.
Nesse contexto é que Casalta Nabais aduz que a extrafiscalidade
integraria o Direito Fiscal “formal”. Para o autor:

“há que separar dicotomicamente as normas fiscais das


normas extrafiscais, ordenando aquelas, como direito fiscal
(clássico) que são, aos princípios jurídico-constitucionais da
“constituição fiscal”, e estas, como direito econômico (fiscal)
que são, aos princípios jurídico–constitucionais da “constituição
econômica” 121.

Com base nessa afirmação, é curioso observar que fiscalidade e


extrafiscalidade materializam o exercício de funções diversas, mas expressam-
se através da mesma forma jurídica. Se analisarmos a estrutura formal das
normas tributária extrafiscais, ver-se-á que “em nada se distinguem
formalmente os tributos fiscais dos extrafiscais” 122.
Por isso que Casalta Nabais faz um constante alerta para a necessidade
de compatibilizar a forma (fiscal) com a função (econômica) dos tributos
extrafiscais: os princípios da capacidade contributiva e da legalidade não
podem deixar de estar presentes nas medidas extrafiscais como seu
pressuposto.
Observe-se que o respeito ao princípio da legalidade no exercício da
extrafiscalidade foi expressamente previsto pela Constituição Federal em seu
artigo 150, parágrafo 6º:

121
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
629.
122
ATALIBA, Geraldo. Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e
Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969, p. 148.
59

Art. 150, § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base


de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou
remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só
poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual
ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima
enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem
prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.

Tal previsão consagra o princípio da separação de Poderes e, na


mesma medida, traz coerência para o sistema constitucional tributário, vedando
ao Poder Judiciário, ainda que sob o fundamento da isonomia, a concessão de
benefícios fiscais em favor daqueles a quem o legislador, com apoio em
critérios impessoais e objetivos, não quis contemplar.
Ademais, havendo identidade de forma, é de se esperar que tanto a
instituição do tributo quanto a sua dispensa – aqui entendida em sentido lato –
sejam veiculadas através do mesmo instrumento normativo.

3.4. EM BUSCA DE UM CONCEITO PARA A EXTRAFISCALIDADE

Por se tratar de um conceito doutrinário, à extrafiscalidade foram dadas


diversas acepções. Vejamos.
Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Humberto Ávila, Casalta
Nabais e Luís Eduardo Schoueri utilizam a expressão para aludir a uma
finalidade normativa.
Geraldo Ataliba afirma que “a extrafiscalidade é o emprego dos
instrumentos jurídico-tributários com objetivos não fiscais, mas ordinatórios,
que podem ser entendidos como finalidades não financeiras, mas regulatórias
de comportamentos sociais, em matéria econômica e política” 123.
Já Paulo de Barros Carvalho conceitua extrafiscalidade como “o
emprego de fórmulas jurídico-tributárias para obtenção de metas que

123
ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1968, p.150.
60

prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários”


124
.
Humberto Ávila, por sua vez, faz uso de um conceito por exclusão:
enquanto tributos fiscais seriam aqueles que repartem os encargos com base
em medidas de comparação aferidas por elementos presentes nos próprios
contribuintes, ou seja, com base na capacidade contributiva, os tributos
extrafiscais seriam aqueles que visam a atingir um fim público autônomo (por
exemplo, proteção ao meio ambiente, desenvolvimento regional), e utilizam
medidas de comparação estimadas por elementos existentes fora do universo
pessoal dos contribuintes125.
Em vista disso, para Humberto Ávila, a tributação extrafiscal lastreia-se
numa finalidade estranha à própria distribuição igualitária da carga tributária,
que, como já foi dito, parametriza o Sistema Tributário Nacional.
Outrossim, Casalta Nabais distingue a extrafiscalidade em (1)
extrafiscalidade em sentido estrito, que corresponde à finalidade da norma,
consistente em atuar diretamente sobre os comportamentos econômicos e
sociais dos destinatários, estimulando-os (mediante criação de benefícios
fiscais) ou desestimulando-os (mediante criação de agravamentos fiscais) e (2)
extrafiscalidade “como fenômeno” ou em sentido lato, presente na generalidade
das normas tributárias, como um efeito imanente ao fenômeno tributário126.
Luís Eduardo Schoueri prefere utilizar a expressão “normas tributárias
indutoras” a fim de não confundir o gênero “normas extrafiscais” com a espécie,
a qual dá o nome de “normas tributárias indutoras”.
Para o autor, as normas tributárias extrafiscais poderiam ser divididas
em três espécies, segundo a função que exercem: (1) normas que distribuem a
carga tributária; (2) normas que induzem comportamentos (normas tributárias

124
CARVALHO, Paulo Barros. Curso de Direito Tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 234.
125
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
64.
126
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
630.
61

indutoras); e (3) normas que simplificam o sistema tributário e são regidas pelo
princípio da praticabilidade127.
Numa acepção ampla, então, normas extrafiscais (ou normas tributárias
indutoras, segundo classificação de Schoueri) são normas tributárias criadas
com a finalidade de favorecer e estimular atividades privadas consentâneas
com o interesse público, compreendendo não só as modalidades de
exoneração tributária, mas também quaisquer formas de favorecimento do
contribuinte128.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior, por seu turno, utiliza a expressão
“extrafiscalidade” como sinônimo de regime jurídico. Esse autor traz uma
importante contribuição sobre a necessidade de atentar para a existência de
uma predisposição constitucional de determinados impostos a uma finalidade
extrafiscal. Ferraz Júnior chama a atenção para a necessidade de observar se
a disciplina constitucional de um tributo conferiu espaço à extrafiscalidade, em
que medida, e com qual finalidade, sob pena de desrespeito à ordem tributária
imposta pelo constituinte. Para o autor:

“se dada a discriminação constitucional de competências


impositivas, não pode o legislador desfigurar a discriminação
própria de tributos, introduzindo em uns as características
próprias de outros, não pode igualmente alterar-lhes o perfil, no
sentido de frustrá-los funcionalmente” 129.

Seus ensinamentos deixam claro que cada tributo possui uma aptidão
peculiar para uma atuação extrafiscal, que varia essencialmente de acordo com
a materialidade sobre a qual o tributo incide. Cite-se o exemplo dos impostos
aduaneiros e o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. A extrafiscalidade
do IPI deve observar o princípio da seletividade em função da essencialidade
do produto, nos termos do artigo 153, parágrafo 3º, inciso I, da Constituição

127
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio
de Janeiro: Forense, 2005, p.32. Para as normas simplificadoras, o autor dá como
exemplos a tributação do imposto de renda pelo lucro presumido e do Regime Especial
Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempr esas e
Empresas de Pequeno Porte, conhecido como Simples Nacional.
128
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 132.
129
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito Constitucional: liberdade de fumar,
privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007, p. 355.
62

Federal130. “É possível utilizar-se o IPI por razões de política econômica, mas


não é possível fazê-lo abandonando o critério da essencialidade” 131.
Por outro lado, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços -
ICMS está construído, desde a Constituição Federal de 1967, como um
imposto materialmente fiscal. Segundo explica Ruy Barbosa Nogueira no
contexto da Reforma Tributária Nacional, promovida em 1966:

“Para se evitar esta guerra tributária entre os Estados-membros


e considerando também que a intervenção do Estado no
domínio econômico é tarefa precípua do poder central, foram
tomadas todas as providências para que o ICM fôsse um
impôsto neutro, um imposto de cunho exclusivamente fiscal,
que não tem finalidade regulatória” 132.

A uniformidade, a sistemática de alíquotas máximas e mínimas fixadas


pelo Senado Federal e a regulamentação de isenções, incentivos e benefícios
fiscais por lei complementar são os principais avisos constitucionais da
essência fiscal desse tributo. Considerando a estrutura constitucional do tributo,
pode-se asseverar que a guerra fiscal travada entre os Entes Estaduais
configura um desvio de finalidade para atingir uma finalidade extrafiscal.
Destarte, a conclusão a que se chega após a leitura da obra de Tércio
Sampaio Ferraz Júnior é a de que o regime jurídico-tributário extrafiscal não
pode servir de justificativa para excepcionar os demais princípios tributários,
sob pena de inconstitucionalidade por violação de função, ou, simplesmente,
desvio de finalidade133.

130
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...] III - renda e proventos de
qualquer natureza; [...] § 3º O imposto previsto no inciso IV: I - será seletivo, em função da
essencialidade do produto [...];
131
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito Constitucional: liberdade de fumar,
privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007, p. 359.
132
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito Constitucional: liberdade de fumar,
privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007, p. 364;
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Direito Financeiro: curso de direito tributário. 3ª ed. São Paulo:
José Bushatsky, 1971, p. 151.
133
Tércio Sampaio Ferraz Junior afirma que “desvio de finalidade e inadequação finalista
são expressões apropriadas à manifestação de uma forma de inconstitucionalidade por
violação de função”. FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito Constitucional: liberdade
de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas . São Paulo: Manole, 2007,
p. 362.
63

“O que não se permite é que, a pretexto de atingir outras


finalidades, o imposto seja estruturado de sorte a atingir
finalidades que não lhes são próprias, inadequadas, pois, à sua
instrumentalidade funcional” 134.

Nessa toada, Geraldo Ataliba pontua que “não é admissível invocar


razões extrafiscais para, com isto, amesquinhar quantos óbices e restrições
colocou o poder constituinte ao poder de tributar” 135.
Em resumo, pode-se entender que a extrafiscalidade é uma função das
normas tributárias indutoras para a consecução de finalidades constitucionais
materiais, que se desenvolve mediante estímulo ou desestímulo de
comportamentos na seara socioeconômica. Atuando de maneira extrafiscal, “o
tributo deixa de ser apenas pressuposto do exercício das demais competências
constitucionais e passa a ser, ele próprio, instrumento direto da efetivação de
136
interesses, valores e finalidades prestigiadas no ordenamento jurídico” .
Por último, uma ressalva se faz necessária. Por mais que um tributo seja
concebido, em sua formulação, como instrumento de intervenção no domínio
econômico, jamais se descuidará da receita dele decorrente, tratando o próprio
Constituinte de disciplinar sua destinação. Nesse sentido, expõe Paulo de
Barros Carvalho:

“Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a


introdução de expedientes extrafiscais. Outros, no entanto,
inclinam-se mais ao setor da fiscalidade. Não existe, porém,
entidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de
realizar-se tão-só a fiscalidade, ou, unicamente, a
extrafiscalidade. Os dois objetivos convivem, harmônicos, na
mesma figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por
vezes, um predomina sobre o outro” 137.

Atualmente, prevalece o entendimento de que os fenômenos são


incindíveis: sem fiscalidade não há extrafiscalidade e vice-versa. Com efeito,

134
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito Constitucional: liberdade de fumar,
privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007, p.364.
135
ATALIBA, Geraldo. Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e
Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969, p. 149.
136
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 81.
137
CARVALHO, Paulo Barros. Curso de Direito Tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 234.
64

sem uma base fiscal a extrafiscalidade não tem espaço para se desenvolver,
especialmente a extrafiscalidade que corresponde à concessão de incentivos
fiscais. Por outro lado, não é possível conceber um tributo neutro, unicamente
voltado à finalidade arrecadatória.
Pelo exposto, sustenta-se que não existem tributos propriamente fiscais
e tributos propriamente extrafiscais, mas normas que cumprem funções
(predominantemente) fiscais ou extrafiscais. São, pois, os objetivos visados
pela lei tributária que definem a sua classificação em fiscal ou em extrafiscal.

3.5. A EXTRAFISCALIDADE E A SUPERAÇÃO DO MITO DA


NEUTRALIDADE DO ESTADO

As considerações feitas até o momento já permitem concluir que a


extrafiscalidade é uma função que permeia de maneira incisiva as normas
tributárias criadas no Estado Social. Segundo Aliomar Baleeiro, a escolha dos
instrumentos de imposição tem obedecido menos a inspirações econômicas do
que a considerações políticas138. Essa constatação leva à desconstrução do
mito da neutralidade do Estado.
De acordo com o pensamento liberal, a tributação deveria assumir uma
posição neutra na economia. Segundo Casalta Nabais, a exigência de
neutralidade impunha a observância das seguintes características: ser mínimo,
geral, proporcional e exclusivamente fiscal, de modo a causar o menor
sacrifício aos cidadãos e a manter a sua posição relativa na economia e na
sociedade139.
Nada obstante, a ilusão do Estado Neutro criada pelo pensamento liberal
do século XVIII só se sustentou enquanto a carga tributária era a menor
possível a ponto de não influenciar nas decisões políticas e sociais dos
indivíduos.

138
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 17ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p. 228.
139
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
228. O autor refere-se ainda à regra de Edimburgo (“leave them as you find them”), que
traduz o pensamento liberal da época.
65

No final do século XIX, porém, o desenvolvimento de um conceito


político-social de imposto, instrumento de modificação do status quo, e até de
revolução social, em busca de uma melhor repartição de riquezas 140, põe em
cheque a existência de sua finalidade exclusivamente fiscal.
Consoante lição de Luís Eduardo Schoueri, o mito da neutralidade –
segundo o qual o Estado atuaria como mero vigilante de uma economia que se
autorregulava – viu-se superado pelo modelo a partir do qual o Estado passou
a desempenhar um papel ativo e permanente nas decisões feitas no campo
econômico, assumindo responsabilidades para condução e funcionamento das
próprias forças econômicas141.
Hoje, o mito está desfeito. Liam Murphy e Thomas Nagel ressaltam que
nenhuma decisão econômica depende exclusivamente das conjunturas de
mercado. Por menor que seja a intervenção do Estado, os resultados
econômicos sempre estarão atrelados a certo conjunto de princípios políticos
estabelecidos pelo governo142. Mais uma vez, reafirma-se a assertiva de que
não existe Estado Neutro.

3.6. A FUNÇÃO DA EXTRAFISCALIDADE NO ORDENAMENTO


JURÍDICO-TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

A mera afirmação de que “a tributação não é neutra” não é clara o


suficiente para revelar o atual papel do Estado na tributação. Na verdade, o
aumento da carga tributária global no Estado Social Fiscal implicou o
progressivo crescimento das funções assumidas pelo tributo.
O que se pretende inferir, portanto, é justamente o entendimento
contrário dos que defendem a tributação neutra: a tributação é hoje um dos
principais instrumentos de intervenção econômica, seja pela via da fiscalidade,
seja pela via da extrafiscalidade. Percebe-se com clareza que, à medida que a

140
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo . Coimbra: Almedina, 2015,
pp. 228-229.
141
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio
de Janeiro: Forense, 2005, p.1.
142
MURPHY, Lian e NAGEL, Thomas. O mito da propriedade: os impostos e a justiça.
Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 47.
66

carga tributária aumenta, o tributo passa a intervir com mais intensidade na


esfera social, induzindo comportamentos nessa seara. Nota-se que os agentes
tomam decisões conforme a carga tributária a que se sujeitam. Eles não são
indiferentes à tributação, a qual, de sua parte, influi no movimento econômico
do País.
É curioso observar que, atuando a norma tributária sob quaisquer das
duas formas, intervém-se na vida das pessoas. Se, por um lado, a tributação
fiscal em excesso, com finalidade meramente arrecadatória, pode provocar
ineficiência econômica, mediante desestímulo à prática de determinada
atividade, por outro lado, a concessão de incentivos fiscais em excesso
também pode provocar um déficit de arrecadação capaz de prejudicar o
equilíbrio das contas públicas.
Tal conjuntura é sintetizada por Casalta Nabais ao mencionar que há
uma alteração tanto quantitativa quanto qualitativa na função dos impostos.
Quantitativa porque o Estado passa a aumentar tributos, seja para fazer face
às novas despesas assumidas, seja para ter “margem de manobra” para a
tributação extrafiscal. E qualitativa porque o Estado assume definitivamente
uma nova função (extrafiscal), seja ela voltada para a ordenação econômica,
seja voltada para a conformação social.
O ideal é que se possam combinar as duas coisas. Defende-se que os
tributos, para além de constituírem um suporte financeiro da ação do Estado na
economia, tenham por objetivo a indução de condutas sociais, mediante um
modelo (des)incentivador de comportamentos143.
A grande dificuldade está em identificar os valores preponderantes a que
se visa realizar, descobrindo o elemento teleológico da norma. Mas que valores
seriam esses? Em tese, podem ser quaisquer valores constitucionais. Cita-se,
por exemplo, a consecução dos valores elencados no artigo 170 da
Constituição Federal de 1988: a proteção à Zona Franca de Manaus (art. 170,
incisos VI e VII, da Constituição Federal e art. 40 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias) e o desenvolvimento de micro e pequenas
empresas (art. 170, inciso IX, art. 179 e art. 146, inciso III, “e”, da Constituição

143
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
201.
67

Federal). Contudo, também é possível valer-se de normas tributárias indutoras


na área de educação, saúde, reforma agrária, etc.
A isenção de impostos sobre os itens integrantes da cesta básica, por
exemplo, visa a garantir o mínimo existencial aos mais pobres. O benefício
geral ao produtor desses itens justifica-se pela necessidade de fomentar a
adequação do preço do produto ao custo de vida do maior número de
habitantes do País, independentemente da capacidade contributiva de quem os
produz144.
A Lei Rouanet (Lei 8.313/91) também prevê uma série de incentivos
fiscais para incentivadores de projetos culturais, geralmente incidentes sobre o
imposto de renda.
Para preservar o equilíbrio econômico-financeiro entre os Estados, é
admitida a concessão de incentivos fiscais, nos termos do artigo 151, inciso I,
da Constituição Federal. Nessa hipótese, o constituinte excepciona o princípio
da uniformidade aplicável aos tributos federais e expressamente autoriza a
tributação extrafiscal.
Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a criação de
incentivos é atividade discricionária do legislador145. Com base no permissivo
constitucional acima tratado, é possível citar diversos incentivos fiscais, tais
como os conhecidos incentivos relacionados à SUDAM e à Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, mas também outros menos
divulgados, a exemplo das isenções do Adicional ao Frete para Renovação da
Marinha Mercante – AFRMM aos empreendimentos que se implantarem no
Nordeste e na região amazônica e que sejam considerados de interesse para o
desenvolvimento dessas regiões (Lei 9.808/99, artigo 4º, inciso II).
É vã a tentativa de elencar e enquadrar a infinidade de fins
constitucionais em níveis de hierarquia. Na expressão de Celso de Barros
Correia Neto, a legislação brasileira é uma “potência extrafiscal” 146.

144
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito Constitucional: liberdade de fumar,
privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007, pp. 356-
361.
145
STF, AG no AI n.º 360.461-7/MG, Relator Ministro Celso de Mello, julgado em
6.12.2005; STF, AgR no AI 630.997-4/MG, Relator Ministro Eros Grau, julgado em
24.4.2007.
146
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 113.
68

Com vistas a possibilitar o conhecimento do universo extrafiscal e em


cumprimento ao disposto no parágrafo 6º do artigo 165 da Constituição, o
Ministério da Fazenda divulga anualmente o Demonstrativo de Gastos
Tributários PLOA147, que apresenta um rol discriminado dos incentivos fiscais
na esfera federal.
Pela leitura do citado documento, percebe-se que o rol de possibilidades
é quase ilimitado. A lista é aberta e alcança qualquer bem ou interesse
constitucional realizável através do sistema tributário. As possibilidades
residem na discricionariedade legislativa, o que não implica dizer que esteja
alheia ao controle do Poder Judiciário, especialmente no que tange à
justificação da sua finalidade e à proporcionalidade do instrumento tributário
utilizado.
Ademais, se todos são fins constitucionais, sem relação hierárquica
entre si e sem pré-requisitos além daqueles fixados constitucionalmente,
“declarar vinculação ao interesse público não acrescenta muito ao debate dos
incentivos fiscais, a não ser para excluir as situações extremas, nas quais se
comprove que a lei volta-se a interesses inconfessáveis e não republicanos”
148
.
Por essas razões, entende-se que o exame da constitucionalidade da
finalidade visada exige a comprovação que esta (1) não é vedada pelo
ordenamento, (2) é factível, exequível, e não meramente especulatória149; e (3)
está entre as competências materiais do ente que concede a exoneração150.
Ou seja, não basta apenas deter competência tributária (prevista nos
artigos 145, 149, 153, 154, 155 e 156, dentre outros); deve o ente político

147
______, Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Demonstrativo de Gastos
Tributários PLOA 2017. Brasília, ago. 2017. Disponível em:
<http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/renuncia-fiscal/previsoes-
ploa/arquivos-e-imagens/texto-dgt-ploa-2018-arquivo-final-para-publicacao.pdf>. Acesso
em 01 de outubro de 2017.
148
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 176.
149
Segundo análise realizada por Humberto Ávila e Celso de Barros Correia Neto, a
inaptidão para alcançar a finalidade visada pode ser constatada a priori ou apenas a
posteriori. No primeiro caso, a prognose legislativa levará à invalidação da norma por vício
material. No segundo caso, a medida que se impõe é a submissão ao controle de
constitucionalidade.
150
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 178.
69

possuir competência material para legislar sobre a matéria sobre a qual


incidirão os incentivos fiscais.

3.7. LIMITES À EXTRAFISCALIDADE, EXCEPCIONALIDADE E


INCENTIVOS FISCAIS

Como visto, a extrafiscalidade pode assumir múltiplas significações e


incorporar inúmeras finalidades constitucionais. Se já se assumiu e comprovou
que não há neutralidade tributária, faz-se necessário delimitar qual feição da
extrafiscalidade, precisamente, pretende-se abordar neste trabalho.
Porém, como já mencionado em linhas anteriores, para conhecer os
limites dessa feição extrafiscal é necessário adotar uma dogmática jurídica não
tradicional, que transcende os limites da relação impositiva concentrada no
adimplemento da obrigação tributária.
Com efeito, a dogmática que se propõe está focada na questão da
análise funcional do Direito Tributário e dos efeitos externos da norma tributária
extrafiscal que concede incentivos fiscais. Insta perguntar: para que serve o
tributo? Da mesma forma, também é relevante conjugar a análise funcional
com o estudo dos efeitos externos das normas tributárias que, no caso
daquelas que criam incentivos fiscais, voltam-se para a indução de condutas.
Pode-se dizer que o incentivo fiscal é um efeito produzido pela norma
tributária extrafiscal que atua pela redução da carga tributária. Sob um mesmo
viés aborda Casalta Nabais:

“Há que se olhar para os efeitos que os impostos produzem no


quadro das relações econômico-sociais em que os mesmos se
inserem, sendo sobretudo ao nível dos efeitos que melhor se
compreendem os benefícios fiscais que, por sua natureza, são
orientados por objetivos extrafiscais”151.

151
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
244.
70

Partindo dessas premissas e conhecidas as hipóteses constitucionais


em que a extrafiscalidade atua, resta saber quais os requisitos legitimadores da
norma tributária extrafiscal que concede incentivos fiscais. A esses requisitos
destinar-se-ão os capítulos seguintes.
Antes, uma última consideração faz-se necessária: no modelo fiscal
adotado pelo Brasil, a atuação extrafiscal é sempre complementar em relação à
atuação fiscal, em razão de sua desvinculação à necessidade de assegurar a
obtenção de receitas para satisfação de necessidades públicas e o respeito às
liberdades individuais, especialmente o livre funcionamento do mercado.
No Estado Social contemporâneo, que tem a incumbência de conciliar o
custeio de direitos sociais e liberdades individuais, o conceito de tributo tem por
finalidade primária a obtenção de receitas, pois só essa permite respeitar os
postulados básicos da estrutura de imposto inerente à própria ideia de Estado
Fiscal152. Por esse motivo, prescindir da finalidade fiscal como essência do
conceito de tributo é negar o próprio conceito de Estado de Direito, calcado na
liberdade individual e na igualdade traduzida na capacidade contributiva.
Assim, “o imposto não pode ser transformado em instrumento normal de
intervenção econômico-social: ele será sempre um instrumento por via de regra
financeiro, um instrumento que assim se presume orientado por um objetivo
principalmente fiscal” 153.
Conquanto o Sistema Tributário Constitucional assuma uma postura de
prevalência pela fiscalidade como instrumento de satisfação das necessidades
coletivas, isso não torna a extrafiscalidade um fenômeno anormal.
Excepcionalidade não se confunde com anormalidade. Vista como uma
excepcionalidade, a concessão de incentivos fiscais é um meio eficaz de
concretização de valores constitucionais, desde que respeitadas determinadas
condições formais e materiais.
É com base nessas afirmações que é possível tratar da extrafiscalidade
de maneira apropriada. No próximo capítulo tratar-se-ão com minúcias dos

152
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
245.
153
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
247.
71

incentivos fiscais. Finalmente, o último capítulo dedicar-se-á a demonstrar que


também os preceitos excepcionais ou especiais podem socorrer-se de
princípios próprios, concretizadores da aplicação do princípio da igualdade
tributária às normas extrafiscais.
72

4. INCENTIVOS FISCAIS

Os incentivos fiscais são elementos do sistema tributário, como o são as


normas impositivas154. Contudo, esse instrumento só adquire destaque na
doutrina tributária a partir da segunda metade do século XX, momento histórico
de reposicionamento do Estado em suas relações com a sociedade civil e a
ordem econômica, mediante adoção de uma postura ativa e interventiva,
encorajadora de determinadas ações.
Essa realidade contrasta com o modelo do Estado Liberal vigente desde
o século XVIII, no qual os rumos do Estado eram ditados pela reunião de
vontades particulares, expressadas no nível econômico, e apenas se combatia
a ação indesejada.
A mudança de postura influenciará na mudança dos instrumentos
utilizados para induzir comportamentos privados. Segundo Celso de Barros
Correia Neto, “o recrudescimento do uso de leis de incentivo fiscal tem relação
direta com a reconfiguração das funções do Poder Público e do ordenamento
jurídico, no Estado Social de Direito” 155.
Assim, uma das principais características desse novo modelo de Estado
é a substituição do método punitivo pelo método incentivador de condutas. De
fato, enquanto o Estado Liberal fazia uso de sanções punitivas para coibir
condutas não desejadas, o Estado Social inverte a lógica e lança mão de
sanções positivas ou premiais, estimulando as condutas desejadas156.
E é justamente no contexto das sanções premiais que se enquadram os
incentivos fiscais, que, como o próprio nome diz, incentivam determinada
atividade econômica mediante redução da carga tributária.
A Zona Franca de Manaus é um bom exemplo de incentivo fiscal
destinado a desenvolver a região amazônica através de estímulos tributários os
mais variados. Existem incentivos fiscais incidentes sobre a importação de
matéria-prima e bens de capital, sobre a saída de produtos industrializados

154
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 26.
155
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 128.
156
BOBBIO, Noberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. São
Paulo: Manole, 2007, pp. 3-21.
73

produzidos para qualquer ponto do território nacional, sobre as mercadorias


produzidas e destinadas ao consumo interno, etc.

4.1. RELEVÂNCIA TRIBUTÁRIA

O estudo dos incentivos fiscais no Brasil importa a reunião do


conhecimento de diversos temas em Direito Constitucional, Tributário e
Financeiro. Para o Direito Tributário, o assunto compreende o estudo sobre
competência tributária, federalismo fiscal, autonomia dos entes políticos, além
de limitações ao poder de tributar.
Apesar disso, não há grande oferta de trabalhos sobre a temática dos
efeitos dos incentivos fiscais na ordem tributária. A doutrina especializada
restringe o espectro das pesquisas à análise das formas tributárias das
espécies de incentivos fiscais (isenção, redução da base de cálculo e alíquota,
remissões, etc.) e ao exame da maneira como tais institutos afetam a
obrigação tributária.
Por esse motivo, a primeira parte deste capítulo retomará brevemente as
principais contribuições da doutrina tributária sobre os incentivos fiscais e,
ultrapassada essa parte, a segunda etapa destinar-se-á a abordar o tema sob
uma ótica finalística e eficacial desse relevante instrumento extrafiscal, tal
como introduzido no capítulo precedente.

4.2. INCENTIVOS FISCAIS NO DIREITO COMPARADO: AS TAX


EXPEDITURES DO DIREITO NORTE-AMERICANO

Analisados sob a ótica dos efeitos financeiros que produzem, os


incentivos fiscais (tax incentives) possuem íntima relação com conceito de
gasto tributário ou tax expenditure, expressão cunhada em 1968 pelo então
Secretário de Finanças dos Estados Unidos, Stanley Surrey, para representar
as perdas de receitas atribuíveis a dispositivos das leis tributárias federais
americanas que permitem uma exclusão, isenção ou dedução especial ou que
74

concedem um crédito de imposto especial ou uma taxa preferencial de imposto


de renda157.
O termo foi originalmente cunhado para o universo da tributação sobre a
renda. Não obstante, hoje, o conceito de tax expenditures está atrelado a
desvios ao modelo abstrato de tributação (benchmark), mediante concessão de
um regime especial a determinadas categorias de atividades ou a certos
grupos de contribuintes, por meio de reduções de impostos que, de outro
modo, teriam de suportar158.
A grande crítica inerente à expressão diz respeito à dificuldade de
promover a definição do que se entende por tributação padrão, tributação de
referência, benchmark, modelo abstrato de imposto, etc., conceito variável no
tempo e no espaço, a partir do qual seria possível desenvolver o conceito de
gastos tributários já que, sinteticamente, gastos tributários seriam “desvios à
tributação de referência”.
Alguns estudiosos norte-americanos até tentaram criar mecanismos para
identificar esses desvios à estrutura padrão, tais como listagem das hipóteses
já conhecidas e criação de verificações fáticas consecutivas (“saber se o
dispositivo é fundamental para determinar a base do tributo, em conformidade
com a sua natureza”, “verificar se o dispositivo é parte da alíquota geralmente
aplicável”, etc.). Nada obstante, conforme ressalta Phelippe Toledo Pires de
Oliveira:

“embora muitos tenham sido os estudos sobre o tema, não há


um critério ou modelo aceito universalmente pelos países para
se definir o que seja a estrutura normal ou de referência do
tributo, para que se possa definir o gasto como sendo aquele
que se afasta dessa estrutura”.

157
OLIVEIRA, Phelippe Toledo Pires de. O gasto tributário no direito brasileiro: o que fazer
para melhorar o seu controle? Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, v.
133, pp. 251-266, mar/abr 2017.
158
SURREY, Stanley. Tax incentives as a device for implementing go vernment policy: a
comparison with direct government expenditures. Harvard Law Review, vol. 83, n. 4,
feb.1970, p. 70; NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos:
contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo . Coimbra:
Almedina, 2015, p. 634.
75

Em que pesem as críticas, a maior contribuição do trabalho iniciado por


Stanley Surrey consistiu em equiparar os incentivos fiscais, sediados no campo
da receita orçamentária, aos demais gastos representados na despesa
orçamentária e, com isso, possibilitar uma visão comparativa a essa seara de
flagrante discricionariedade, como se verá ao longo do capítulo.

4.3. CONCEITO E ESPÉCIES

Em apertada síntese, pode-se afirmar que incentivos fiscais ou


benefícios fiscais são os institutos de Direito Tributário que afetam a obrigação
tributária mediante redução do montante devido e visam à produção de efeitos
extrafiscais.
Franco Fichera, professor de Direito Tributário nas Universidades de
Nápoles e Bolonha, e grande estudioso da função extrafiscal dos tributos,
apresenta um conceito de incentivo fiscal condicionado à conjugação
simultânea de três características: (1) integração a uma disciplina derrogatória
da disciplina ordinária do imposto159; (2) produção de um tratamento mais
favorável a uma determinada classe de pessoas; e (3) desenvolvimento de
uma função promocional160.
Para Casalta Nabais, por seu turno, os incentivos fiscais são normas
fiscais submetidas à política financeira (ou das despesas) que, ao preverem
uma tributação menor do que a requerida pelo critério da capacidade
contributiva, estão dominados pelo intuito de atuar diretamente sobre os
comportamentos econômicos e sociais dos seus destinatários, fomentando-
os161. Chama atenção nesse conceito a vinculação dos incentivos fiscais a uma

159
A expressão “disciplina ordinatória” não é isenta de críticas ante a sua imprecisão. Cf.
os comentários feitos no item 4.2, supra. Também partilham desse entendimento Klaus
Tipke e Sainz de Bujanda.
160
FICHERA apud NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos:
contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo . Coimbra:
Almedina, 2015, p. 635.
161
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina , 2015, p.
629. O Estatuto dos Benefícios Fiscais de Portugal (Decreto-Lei 198, de 3 de julho de
2001) dispõe em seu art. 1º: “Consideram-se benefícios fiscais as medidas de caráter
76

derrogação, ainda que parcial, do princípio da capacidade contributiva,


vinculado aos tributos fiscais.
Salvatore La Rosa, outro autor italiano, frequentemente citado por
Casalta Nabais, ressalta que a principal característica dos incentivos fiscais é
equiparar-se a uma despesa fiscal. O doutrinador investiga as formas de
identificar os incentivos fiscais, distinguindo-os das particularidades legais
existentes para um determinado tributo. Para ele, há que se analisar a relação
existente entre os incentivos fiscais e a disciplina do imposto visado (ou
impostos visados), a qual revelará a sua natureza. Esse autor cita como
exemplo as seguintes situações fáticas, capazes de revelar a existência de um
incentivo fiscal: (1) previsão da benesse em textos especificamente dedicados
ao assunto ou em complexo legislativo envolvendo diversos impostos, e não
em normas que também englobem a disciplina ordinária do imposto visado; e
(2) previsão de limites temporais e territoriais à sua eficácia162.
Como se vê, a identificação dos benefícios fiscais é algo complexo. Em
sentido amplo e vulgar, a expressão poderia incluir quaisquer disposições
especiais inseridas entre as regras tributárias com o objetivo de favorecer e
estimular atividades privadas consentâneas ao interesse público163.
Conforme ressalta Henry Tilbery, o incentivo fiscal:

“é um conceito da ciência das finanças que não se identifica


com conteúdo jurídico determinado de nenhum instituto
específico, definido pelo direito tributário, mas abrange uma
variedade de institutos, entre os quais a isenção fiscal” 164.

excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam
superiores aos da própria tributação que impedem”.
162
LA ROSA apud NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos:
contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra:
Almedina, 2015, p. 636.
163
Nesse sentido, CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e
renúncias fiscais no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 132. Para o
autor, seriam incentivos fiscais em sentido amplo as formas de pagamento mais
vantajosas e prazos de parcelamento mais dilatados ou ainda, a simplificação de deveres
instrumentais.
164
TILBERY, Henry. Base econômica e efeitos das isenções. In: DÓRIA, Antonio Roberto
Sampaio (Org.). Incentivos fiscais para o desenvolvimento. São Paulo: J. Brushatsky,
1970, p.21.
77

De fato, não há homogeneidade formal entre os incentivos fiscais165. A


própria ideia de alteração da obrigação tributária não é uma regra absoluta,
pois não compreende, por exemplo, a remissão tributária, hipótese que
extingue o crédito tributário já devidamente constituído.
Assim, pode-se concluir que o conceito de incentivos fiscais está
lastreado muito mais na função exercida do que na forma assumida pelos
diferentes institutos que integram o seu conceito. Em síntese, o resultado da
criação de um incentivo fiscal é o desvio ou a alteração da tributação de
referência em busca da realização de uma função promocional.

4.4. INCENTIVO FISCAL, RENÚNCIA FISCAL E INCENTIVO


FINANCEIRO: DISTINÇÕES NECESSÁRIAS

Sob a ótica dos efeitos produzidos, incentivo fiscal e renúncia fiscal são
faces de um mesmo objeto dinâmico. “É a mesma regra jurídica, justificada
pelo mesmo escopo, que produz os dois efeitos, incentivo e renúncia, ambos
efeitos externos no tocante à relação jurídica tributária”166.
Enquanto os incentivos fiscais são os efeitos tributários a serviço da
extrafiscalidade, a renúncia fiscal é o efeito financeiro desses instrumentos.
Há entre os dois termos uma relação de causa e consequência167. Trata-
se de uma consequência inevitável, não especialmente desejada pelo
legislador tributário: a instituição de incentivos fiscais é causa de renúncia
fiscal, ou seja, da não arrecadação “integral” de tributos (benchmark)168. Por
esse motivo, pode-se dizer que a expressão “incentivo fiscal” denota o aspecto
positivo da norma tributária, consistente numa ação que produz um resultado,
ao passo que a expressão “renúncia fiscal” denota o seu aspecto negativo, o
custo dessa ação.

165
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 182.
166
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 171.
167
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 29.
168
A respeito da expressão, vide item 4.3 deste trabalho.
78

Celso de Barros Correia Neto também observa que “renúncia e incentivo


fiscal padecem de ambiguidade do tipo ‘processo-produto’”169.
Os incentivos fiscais também não se confundem com os incentivos
financeiros. Ambos são denominados “incentivos” porque têm por finalidade
estimular comportamentos na ordem econômica. O que os distingue é a
variação dos instrumentos utilizados para a consecução de tal finalidade: os
incentivos fiscais valem-se de instrumentos do Direito Tributário, ao passo que
os incentivos financeiros valem-se de instrumentos do Direito Financeiro,
disponíveis após arrecadação da receita pública, de origem tributária ou não.
Por esse motivo, no orçamento, o incentivo fiscal é contabilizado como
receita (renúncia de receita), enquanto o incentivo financeiro é contabilizado
como despesa pública. Em suma, se o incentivo é concedido antes do
pagamento do tributo, considera-se fiscal; se é concedido após o pagamento
do tributo, considera-se financeiro.
O exemplo mais comum de incentivo financeiro é a subvenção,
mencionada nos artigos 19, inciso I, 70, caput, e 199, parágrafo 2º, da
Constituição Federal170. Pode-se ainda citar os financiamentos de longo prazo,
as doações de imóveis e de infraestrutura, muito recorrentes quando envolvem
ações governamentais destinadas a desenvolver economicamente
determinadas regiões de seu território, mediante criação de atrativos para a
instalação de empreendimentos privados.
Régis Fernandes Oliveira define as subvenções como “o auxílio
financeiro, previsto no orçamento público, para ajudar entidades públicas ou

169
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 205.
170
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I -
estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento
ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da
União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade,
legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será
exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle
interno de cada Poder;
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. (...) § 2º É vedada a destinação
de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins
lucrativos.
79

particulares a desenvolver atividades assistenciais, culturais ou empresariais”


171
.
Tratando-se de incentivos fiscais, deixa-se de receber. Tratando-se de
incentivos financeiros, despendem-se recursos diretamente. A diferença, sob a
ótica econômica, é nula172. Para Ricardo Lobo Torres, os incentivos fiscais e os
incentivos financeiros são conversíveis entre si, e a diferença entre eles seria
apenas jurídico-formal173. Por esses motivos, são bem vindos os esforços de
promover uma análise comparada do custo e da eficácia de ambas as formas
de incentivo, o que certamente conferirá maior transparência e controle aos
incentivos fiscais.

4.5. INCENTIVO FISCAL, IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E


EXONERAÇÕES LATO SENSU

É importante ter em mente que os incentivos fiscais são aqueles que


decorrem de uma atividade discricionária do legislador ordinário. Assim, não se
incluem no conceito de incentivos as desonerações previstas ou autorizadas no
próprio texto constitucional, que decorrem da configuração da competência
tributária174.
É consabido que as imunidades tributárias operam no plano
constitucional e conformam a própria competência tributária, delimitando-a. Já
os incentivos fiscais operam no plano legislativo infraconstitucional e
pressupõem a existência da própria competência tributária.

171
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 5ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013, p. 494.
172
DA SILVEIRA, Alexandre Coutinho, SCAFF, Fernando Facury. Incentivos fiscais na
federação brasileira. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Regime Jurídico dos
Incentivos Fiscais. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 35.
173
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário.
Volume V. O orçamento na Constituição. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 320.
174
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 138.
80

Portanto, os incentivos fiscais não se confundem com as imunidades


constitucionais nem com qualquer outra limitação constitucional ao poder de
tributar175.
Também é importante ressaltar que nem todas as exonerações
tributárias são incentivos fiscais em sentido estrito (aqueles que importam na
redução do tributo para incentivar comportamentos). Essas exonerações
podem estar relacionadas a três outras finalidades, a saber: a) simplificação
e/ou diminuição dos custos da administração; b) promoção da equidade; e c)
correção de desvios do próprio sistema tributário.
E mais, existem exonerações que não atendem exclusivamente a uma
finalidade extrafiscal, mas também estão a serviço da capacidade contributiva.
Citem-se os exemplos da previsão legal de dedução de despesas com saúde e
educação do Imposto de Renda Pessoa Física – IRPF (art. 8º da Lei 9.250/95)
e das hipóteses de desoneração da contribuição ao Programa de Integração
Social – PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social –
COFINS incidentes sobre os itens componentes da cesta básica.
Consequentemente, as exonerações que têm como critério a ausência
de capacidade contributiva acabam se vinculando a uma decorrência da
própria estrutura padrão de tributação, construída a partir do princípio da
capacidade contributiva.
Segundo Casalta Nabais, a distinção reside no tipo de política visada:
enquanto as exonerações lato sensu inserem-se no rol de medidas de política
fiscal, os incentivos fiscais são medidas de política econômica e social por via
fiscal. Os simples desagravamentos:

“embora traduzam despesas fiscais enquanto diminuem as


receitas ou a produtividade dos correspondentes impostos, são
adotadas pelo legislador no exercício do seu poder tributário,
isto é, enquanto seleciona e delimita os factos tributários pro-

175
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 30ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2015, pp. 835-846.
81

nunciado-se sobre o que pretende tributar o que não pretende


tributar em função da política de impostos adoptada” 176.

Esse entendimento está afinado com o disposto no Estatuto de


Benefícios Fiscais Português que, após apresentar o conceito de benefício
fiscal em seu artigo 2º, distingue-o dos simples “desagravamentos fiscais” (art.
4º): “situações de não sujeição tributária, assim entendidas como medidas
fiscais de caráter normativo que estabeleçam delimitações negativas expressas
da incidência”, a saber:

“Artigo 2.º Conceito de benefício fiscal e de despesa fiscal e


respectivo controlo.

1 - Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter


excepcional instituídas para tutela de interesses públicos
extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria
tributação que impedem.

2 - São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas,


as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações
e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que
obedeçam às características enunciadas no número anterior.

3 - Os benefícios fiscais são considerados despesas fiscais, as


quais podem ser previstas no Orçamento do Estado ou em
documento anexo e, sendo caso disso, nos orçamentos das
Regiões Autónomas e das autarquias locais.

4 - Para efeitos de controlo da despesa fiscal inerente aos


benefícios fiscais concedidos, pode ser exigida aos
interessados a declaração dos rendimentos isentos auferidos,
salvo tratando-se de benefícios fiscais genéricos e
automáticos, casos em que podem os serviços fiscais obter os
elementos necessários ao cálculo global do imposto que seria
devido”.

176
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
633.
82

“Artigo 4.º Desagravamentos fiscais que não são benefícios


fiscais

1 - Não são benefícios fiscais as situações de não sujeição


tributária.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se,


genericamente, não sujeições tributárias as medidas fiscais
estruturais de carácter normativo que estabeleçam
delimitações negativas expressas da incidência.

3 - Sempre que o julgar necessário, pode a administração fiscal


exigir dos interessados os elementos necessários para o
cálculo da receita que deixa de cobrar-se por efeito das
situações de não sujeição tributária”.

A grande questão consiste em identificar quando se está diante de um


caso ou de outro. Celso de Barros Correia Neto sustenta que “não há elemento
estrutural comum que permita concluir que certa exoneração é discricionária,
concedida a título de fomento, ou necessária, aplicada em decorrência da
177
insuficiência de capacidade contributiva” . Ora, se a estrutura formal do
incentivo é insuficiente para distingui-lo dos desagravamentos lato sensu, a
solução é, mais uma vez, analisar o instituto a partir de um elemento finalístico.

4.6. INCENTIVO COMO FINALIDADE, COMO REGRA E COMO


EFICÁCIA

Para Celso de Barros Correia Neto, os incentivos fiscais podem ser


estudados sob a ótica da finalidade, do instrumento (ou da regra jurídica) e dos
efeitos sociais externos que produzem178.

177
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 141.
178
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 169.
83

Interessa para este estudo a análise dos efeitos dos incentivos fiscais.
Contudo, não se dispensa uma análise conjunta das três acepções, a fim de
compreender o instituto a partir de uma visão multifocal.

4.6.1. INCENTIVO FISCAL COMO REGRA JURÍDICA

Começa-se pela noção de incentivo como regra jurídica. Destaca-se


aqui o seu caráter normativo. A regra de incentivo convive com a regra de
tributação, alterando-a, reduzindo-a ou suprimindo-a. Tal regra pode adquirir
diversas formas, a exemplo da remissão, da isenção, da redução de alíquota e
base de cálculo e do crédito presumido.
A utilidade do estudo do incentivo como regra está em ressaltar a sua
heterogeneidade formal, bem como o seu caráter excepcional em relação à
tributação de referência.
A remissão é o perdão de dívidas e importa na extinção do crédito
tributário e encontra previsão nos artigos 156 e 172 do Código Tributário
Nacional179. É muito frequente observar a remissão no contexto de
parcelamentos especiais concedidos pelo ente tributante, que combinam
remissão parcial de tributos e extensos prazos de pagamento. Para ilustrar,
cite-se o caso dos parcelamentos denominados “REFIS”, editados pelo
Governo Federal pelas Leis n.ºs 9.964/00, 11.941/09, 12.865/13 e 12.996/14, e
que costumam combinar incentivos fiscais (remissão e/ou redução de rubricas
tributárias) e outras formas de favorecimento fiscal (moratória e possibilidade
de aproveitamento de créditos tributários) e que, por este motivo, revelam-se
extremamente atrativos para os contribuintes, bem como extremamente
prejudiciais para os cofres públicos no longo prazo.

179
Art. 156. Extinguem o crédito tributário: [...] IV – remissão; Art. 172. A lei pode
autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão
total ou parcial do crédito tributário, atendendo: I - à situação econômica do sujeito
passivo; II - ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato;
III - à diminuta importância do crédito tributário; IV - a considerações de eqüidade, em
relação com as características pessoais ou materiais do caso; V - a condições peculiares
a determinada região do território da entidade tributante. Parágrafo único. O despacho
referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto
no artigo 155.
84

Nos termos do Código Tributário Nacional, a isenção constitui hipótese


de exclusão do crédito tributário e deve ser necessariamente veiculada por
meio de lei180. Configura, portanto, um favor legal que desonera o sujeito
passivo do cumprimento da obrigação principal.
A doutrina especializada, contudo, não compartilha do mesmo
entendimento. Vejamos.
José Souto Maior Borges concebe as isenções tributárias como hipótese
de não incidência legalmente qualificada. Segundo o autor, a norma de isenção
obsta o nascimento da obrigação tributária e produz o “fato gerador isento”,
distinto do fato gerador do tributo181.
Paulo de Barros Carvalho define isenção como a mutilação parcial de
um ou mais critérios da norma padrão de incidência182. Tais critérios podem
estar tanto na hipótese da norma (exemplo das isenções do imposto sobre
produtos industrializados produzidos na Zona Franca de Manaus, que
importam em mutilação do critério espacial) quanto no seu consequente
(exemplo da isenção de imposto de renda sobre o trabalho de servidores
diplomáticos de governos estrangeiros, que importa em mutilação do critério
pessoal).
Roque Antonio Carrazza, de sua parte, define isenção como a limitação
legal do âmbito de validade da norma jurídica tributária, que impede que o
tributo nasça. Para o autor, a lei isentiva e a lei tributante convivem
harmonicamente, formando uma única norma jurídica tributária183.
A redução de alíquotas consiste na redução do tributo devido mediante
redução do percentual aplicável à base de cálculo. Por sua vez, a redução da
base de cálculo importa desconsideração de uma parte da base tributável (por
exemplo, valor do produto ou do serviço).

180
Art. 175. Excluem o crédito tributário: I - a isenção; II - a anistia.; Art. 176. A isenção,
ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as
condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo
caso, o prazo de sua duração.
181
BORGES, José Souto Maior. Isenções Tributárias. 2ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias,
1980, pp. 162-164.
182
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013,
p. 450.
183
Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 30ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2015, p. 1048.
85

Observe-se que a redução brusca de alíquotas ou da base de cálculo,


além de causar vultosa renúncia fiscal, pode criar severas distorções entre o
montante devido por cada segmento de contribuintes. Cite-se o exemplo da
redução a zero das alíquotas de PIS e COFINS incidentes sobre a receita bruta
decorrente da venda, no mercado interno, de veículos destinados ao transporte
escolar para a educação básica na zona rural, quando adquiridos pela União,
Estados, Municípios e pelo Distrito Federal, conforme previsão do artigo 28,
inciso VIII, da Lei 10.865/04.
Por fim, crédito presumido é um crédito fictício concedido ao
contribuinte, a fim de que ele possa promover a compensação com dívidas
próprias. O crédito presumido está normalmente associado ao interesse do
Fisco de promover a simplificação da apuração do imposto a ser recolhido pelo
contribuinte, flexibilizando a norma geral de compensação de débitos e
créditos. A título exemplificativo tem-se o crédito presumido de IPI para os
estabelecimentos industriais na aquisição de resíduos sólidos utilizados como
matérias-primas ou produtos intermediários na fabricação de produtos
industrializados, consoante dispõe os artigos 5º da Lei 12.375/10 e 7º do
Decreto 7.619/2011.

4.6.2. INCENTIVO FISCAL COMO UM FIM IDEAL

Quando analisada sob a ótica da finalidade, importa perquirir a razão de


ser da norma de incentivo fiscal, o que justifica a sua existência, mediante
identificação do estado ideal de coisas buscado. A norma de incentivo é criada
porque visa a uma finalidade específica, consubstanciada no propósito
consciente de interferir no comportamento dos contribuintes e demais cidadãos
através do tributo184. A finalidade é, pois, aspecto indissociável do conceito
teleológico de incentivo fiscal, responsável por agrupar os demais elementos e
dar uniformidade à sua regra.

184
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 171.
86

Há sempre uma finalidade que orienta a ação, passível de aferição. Se


não levarmos em consideração tais propósitos, então não há que se falar na
categoria de incentivos fiscais. Sem esse elemento unificador, a isenção, a
remissão, a redução de alíquota e de base de cálculo, etc., resumem-se a
meras técnicas de tributação. O que as une, destarte, é justamente a
possibilidade de estarem orientadas para uma finalidade prescritiva.
As finalidades possíveis foram analisadas no capítulo anterior (tópico
3.6) e lá se alertou para o risco de um discurso vazio, pois quando o controle
judicial da norma de incentivo fiscal está restrito à indicação de uma finalidade,
é suficiente que a finalidade não seja proibida, esteja prevista na lei e faça
parte da competência do ente incentivador.
Veda-se, por exemplo, discriminações baseadas em origem, raça, sexo,
cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV, da
Constituição Federal de 1988) ou na ocupação profissional ou função exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou
direitos (artigo 150, inciso II, da Constituição Federal de 1988).
Preocupada com a adequação finalística da norma tributária, a
Constituição Mexicana continha disposição expressa vedando a concessão de
isenções tributárias:

“ARTÍCULO 28.- En los Estados Unidos Mexicanos no habrá


monopolios ni estancos de ninguna clase; ni exención de
impuestos; ni prohibiciones a título de protección a la industria;
exceptuándose únicamente los relativos a la acu- ñación de
moneda, a los correos, telégrafos y radiotelegrafía, a la emisión
de billetes por medio de un solo Banco, que controlará el
Gobierno Federal, y a los privilegios que por determinado
tiempo se concedan a los autores y artistas para la
reproducción de sus obras, y a los que, para el uso exclusivo
de sus inventos, se otorguen a los inventores y
perfeccionadores de alguna mejora”.

Diante do flagrante desrespeito à previsão na prática, o Tribunal


Constitucional Mexicano limitou o âmbito de aplicação do dispositivo aos
chamados privilégios fiscais e, em 1983, o texto foi reformulado nos seguintes
termos:
87

“ARTÍCULO 28. En los Estados Unidos Mexicanos quedan


prohibidos los monopolios, la prácticas monopólicas, los
estancos y las exenciones de impuestos en los términos y
condiciones que fijan las leyes. El mismo tratamiento se dará a
ls prohibiciones a título de protección a la indústria”.

Logo, o exame de pertinência entre a finalidade e o efeito produzido é de


suma relevância, já que a primeira não passa de uma projeção do segundo185,
assim entendido como a conduta ou o estado de coisas verificado após a
vigência da norma:

“a decisão legislativa de utilizá-los (os incentivos fiscais), como


instrumento de intervenção pública, vincula um prognóstico
legislativo, um cálculo, ainda que impreciso, de meio e fim, de
custo e consequência” 186.

Se considerarmos que, cronologicamente, almeja-se alcançar uma


finalidade ao criar a norma para, em seguida, verificar os efeitos produzidos,
pode-se concluir que o efeito da regra é uma projeção da sua finalidade.

4.6.3. EFETIVIDADE DA NORMA DE INCENTIVO FISCAL

Por derradeiro, o último viés a ser abordado é aquele que analisa os


efeitos da norma de incentivo fiscal, concretamente verificados em normas
extrafiscais que estabelecem finalidades diversas da finalidade meramente
arrecadatória.
Como visto, as normas tributárias possuem, didaticamente, duas
funções que orientam a ação e são passíveis de aferição: fiscal e extrafiscal. A
depender da função desempenhada, a eficácia que a norma produz dentro do
sistema pode variar.

185
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 168.
186
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 165.
88

A eficácia classifica-se em eficácia oneratória e eficácia diretiva. A


eficácia oneratória decorre do ato de império consistente em gravar o
patrimônio do particular e tem por parâmetro a justa distribuição do encargo.
Traduz-se, assim, na materialização do princípio da igualdade.
Humberto Ávila classifica a eficácia oneratória de eficácia interna, já que
o parâmetro de aplicação da norma é ínsito aos sujeitos ou à própria situação
comparada: a capacidade contributiva é um elemento extraído de uma
manifestação de riqueza do próprio contribuinte.
A eficácia diretiva, por sua vez, materializa a finalidade de promover o
direcionamento de condutas na seara econômica e social e tem por parâmetros
“princípios constitucionais ordinatórios” – para utilizar a célebre expressão de
Geraldo Ataliba – diversos do princípio da capacidade contributiva.
Genericamente, diz-se que o incentivo fiscal é eficaz quando estabelece
alternativas mais benéficas para os contribuintes, mediante redução da carga
tributária. Trata-se de uma faculdade dada a esses, que podem optar entre a
norma “padrão” de tributação ou a norma de incentivo fiscal, desde que
preencham as condições previstas em lei.
Tratando-se de normas tributárias extrafiscais, fala-se em eficácia
externa, porque a finalidade correlata é alcançar um determinado bem da vida
ou estado de coisas que pode ser alcançado sem o auxílio de conceitos
jurídicos ou normas187.
A eficácia externa corresponde, no plano das relações privadas, aos
efeitos cogitados e buscados pela norma jurídica. É a efetividade da norma,
materialização do plano ideal. Trata-se de uma relação de causa e
consequência: uma causa jurídica (finalidade da norma de incentivo) é efetiva
quando produz uma consequência econômica (efeito externo relevante).
É interessante pontuar que a expressão “externo(a)” poderia levar ao
entendimento de que os efeitos produzidos pela norma extrafiscal seriam
efeitos externos à ordem jurídica, extrajurídicos, perceptíveis fora do âmbito
jurídico, de índole social e econômica. Nada obstante, parece que o intuito do

187
Não se concorda com o entendimento de Humberto Ávila de que os fins externos são
extrajurídicos, já que a finalidade extrafiscal baseia-se, como ele próprio sugere, em fins
direta ou indiretamente previstos no ordenamento constitucional. Sobre o assunto, vide
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros. 2015, p.
167.
89

autor é tão somente demonstrar que alguns efeitos “externos” são relevantes
porque fornecem coerência e estabilidade ao sistema jurídico. Para ele,
“existem certos fatos extrajurídicos que ‘tocam’ o fato jurídico e, por isso, se
juridicizam”, isto é, são trazidos para dentro do ordenamento jurídico188.
Sobre esse ponto, são úteis as lições de Eros Roberto Grau, para quem
“ordem econômica” deve ser entendida como parcela da “ordem jurídica”, e não
como “modo de ser empírico de determinada economia concreta”, justamente
porque o vocábulo “ordem” já traz ínsito a normatividade (ordem como conjunto
de normas)189.
Se não incorporada à ordem jurídica a noção de efetividade, jamais se
saberá se os efeitos produzidos estão alinhados à finalidade prevalecente. Da
mesma forma, e isto interessa em maior medida ao Direito Financeiro, não se
saberá se o efeito de incentivo está adequado ao efeito de renúncia produzido.
Estabelecer a ordem econômica (ou outra ordem constitucional parcial)
como parâmetro de eficácia da norma tributária não pode ser entendido como
algo externo ao Direito ou metajurídico. Defender a não juridicidade do
fenômeno pressupõe uma dogmática fundada exclusivamente na validade do
Direito Tributário.
Para Casalta Nabais:

“Há que se olhar para os efeitos que os impostos produzem no


quadro das relações econômico-sociais em que os mesmos se
inserem, sendo, sobretudo, ao nível dos efeitos que melhor se
compreendem os benefícios fiscais que, por sua natureza, são
orientados por objetivos extrafiscais” 190.

Assim sendo, interessa ao Direito Tributário conhecer o grau de


efetividade de uma norma, as diferentes repercussões que provoca no plano

188
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 123.
189
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e
crítica. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 67.
190
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
244.
90

social ou as razões pelas quais é mais ou menos seguida191. A criação de um


incentivo fiscal instala um estado de coisas concreto que, sob as óticas
econômica e social, traduz-se nos resultados alcançados pela indução de
comportamentos e, sob a ótica do Direito Financeiro, na perda de arrecadação,
que é a renúncia fiscal. Para o Direito Tributário, ambos os resultados importam
e devem ser analisados conjuntamente, a fim de que a ordem tributária consiga
manter o seu objetivo maior que é a tributação fiscal, calcada na igualdade e na
universalidade.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior destaca que a função eficacial dos tributos
está prevista na Constituição Federal e é resultado da análise conjugada da
discriminação de competências e dos princípios constitucionais próprios de
cada tributo. Para além de uma ratio que envolve a discriminação do fato
imponível e de sua base de cálculo, a configuração constitucional dos impostos
delimita ainda os efeitos que a imposição deve provocar192. Por essa razão é
que se pode afirmar que os incentivos fiscais inserem-se na disciplina tributária
por pertinência funcional, e não estrutural.
Souto Maior Borges também adota um enfoque eficacial das normas
extrafiscais, que ele denomina como “moderna teoria da extrafiscalidade”, que
põe em relevo a produção de efeitos decorrentes da intervenção do Estado,
pelas finanças públicas, na ordem econômica193.
Ante o exposto, conclui-se que o aspecto marcante do conceito de
incentivo fiscal não é a sua estrutura, mas a função que desempenha e a
maneira como o faz no interior do ordenamento jurídico194. Quando o legislador
cria um benefício fiscal, ele quer que exista algo que não existe hoje. Sob a
ótica funcional, os incentivos fiscais são instrumentos para realização de
finalidades constitucionais do Estado que somente se perfazem mediante
estímulo e provocação da conduta dos indivíduos e dos grupos.

191
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 205.
192
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Direito Constitucional: liberdade de fumar,
privacidade, estado, direitos humanos e outros temas . São Paulo: Manole, 2007, pp. 355-
356.
193
BORGES, José Souto Maior. Introdução ao Direito Financeiro. São Paulo: Max
Limonad, 1998, pp. 46-47.
194
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 185.
91

4.7. PROBLEMÁTICA: CRIA-SE OU NÃO UMA REGRA DE


INCENTIVO?

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a decisão


que cria um incentivo fiscal é discricionária195. Além de poder optar pela criação
de um incentivo fiscal, cabe ao legislador escolher a técnica de intervenção que
melhor lhe aprouver, dentre as disponíveis.
Conciliar a discricionariedade com a excepcionalidade do regime de
incentivos fiscais é um assunto que será abordado no próximo capítulo. De
antemão, já se sabe que a grande dificuldade está em definir os instrumentos
de controle da norma de incentivo, que permitam a verificação do efetivo
alcance da finalidade extrafiscal, bem como da sua conformidade ao sistema
constitucional tributário. Em síntese, é importante controlar o critério justificador
da medida que cria uma desigualdade e, além disso, os efeitos que ela produz.
Os tópicos a seguir facilitam a identificação das consequências da
discricionariedade não regulada, corroborando a conclusão pela necessidade
de melhores instrumentos de controle.

4.7.1. INVERSÃO DA LÓGICA E DOS VALORES CONSTITUCIONAIS

Cumpre relembrar que a concessão de incentivos fiscais não abandona


o principio da igualdade em favor dos demais princípios que regem a
extrafiscalidade. Se pensarmos que os incentivos são excepcionais e, por isso,
beneficiam uma restrita parcela de contribuintes, teoricamente delimitados,
conclui-se que a igualdade estará presente quando se discutem as razões
pelas quais apenas essa restrita parcela será beneficiada pelo incentivo e
todos os demais devem arcar com o tributo in totum.

195
STF, AI 360461 AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em
06.12.2005; STF, RE 480107 AgR, Relator Ministro Eros Grau, Segunda Turma, julgado
em 03.03.2009; STF, RE 344331, Relatora Ministra Ellen Gracie, Primeira Turma, julgado
em 11.02.2003; STF, AI 142348 AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Primeira Turma,
julgado em 02.08.1994.
92

Em descompasso com essa constatação, a norma de indução pode


facilmente encobrir um intuito político e meramente alocativo de receitas: de um
grupo de pessoas menos prestigiadas para outro grupo com maior prestígio, de
um orçamento superavitário no futuro para um orçamento deficitário no
presente, como é o caso dos programas de parcelamentos especiais, já citados
linhas acima.
Há ainda que se observar que, como resultado de uma política fiscal, os
incentivos fiscais geralmente – e paradoxalmente – criam vantagens para os
setores da sociedade economicamente ativa, correspondente à parcela social
mais abastada.
Essa temática é explorada por Liam Murphy e Thomas Nagel na obra “O
mito da propriedade”. Para os autores, o fluxo dos incentivos fiscais é aspecto
importante da política fiscal global, por meio da qual uma sociedade
implementa sua concepção de justiça social e econômica. Segundo eles: “toda
dedução tributária dá mais desafogo aos contribuintes situados em faixas de
renda mais elevadas, de tal modo que, num sistema de alíquotas graduadas,
os que têm mais renda ganham mais [...]”196.
Assim, conclui-se que os benefícios fiscais podem facilmente limitar-se a
quem deles menos necessita, configurando clara violação à igualdade material.

4.7.2. CUSTO PARA QUEM FICA E IMPACTO NA ARRECADAÇÃO


TRIBUTÁRIA

Também é importante notar que os incentivos fiscais não apenas


beneficiam os destinatários da norma, mas também prejudicam os não
contemplados por ela, que terão que arcar com o custo da decisão política.
No fim das contas, o tratamento tributário favorável provoca uma
transferência de riquezas dos não contemplados para os que foram agraciados
com a desoneração. Para Murphy e Nagel:

196
MURPHY, Lian e NAGEL, Thomas. O mito da propriedade: os impostos e a justiça.
Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 227.
93

“Toda vantagem tributária é uma redistribuição que vai


daqueles que não têm vantagem para os que a têm: o
excedente de renda que estes últimos conservam à sua
disposição tem de ser coberto por impostos mais altos
cobrados dos primeiros” 197.

Casalta Nabais aborda a mesma temática, alertando para a utilização de


instrumentos de manipulação política. Para ele, os agravamentos fiscais
acabam sendo muito mais contestados pelos contribuintes do que os incentivos
fiscais, que passam muitas vezes despercebidos, apesar de provocarem um
impacto financeiro muito maior para os que não foram beneficiados. Segundo o
autor:

“Sob a ótica dos contribuintes, as medidas extrafiscais que


importam em agravamento fiscal são muito mais contestadas
que as medidas que importam em incentivo fiscal, posto que
são concretizadas numa agressão direta, específica e
individualizada, ao passo em que essas últimas importam
numa agressão indireta, geral e difusa” 198.

Essas considerações permitem constatar que os incentivos podem servir


ao propósito de falsear privilégios. Conforme dicção de Ricardo Lobo Torres,
“os benefícios fiscais são excelentes instrumentos para encobrir vantagens
fiscais”199. Para Casalta Nabais, os benefícios fiscais “amolecem a própria
consciência cívica (dos cidadãos) e o sentido do pagamento dos impostos
como o cumprimento dum dever fundamental” 200.
De fato, ainda falta a compreensão de que, sob a ótica social, os
incentivos fiscais podem ser extremamente prejudiciais ao sistema tributário, na
medida em que o seu “custo” será socializado com os demais contribuintes.

197
MURPHY, Lian e NAGEL, Thomas. O mito da propriedade: os impostos e a justiça.
Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 226.
198
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
658.
199
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário.
Volume V. O orçamento na Constituição. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 208, p. 320.
200
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
667.
94

Ademais, há que se observar que o respeito à igualdade e aos princípios


correlatos (capacidade contributiva, não confisco, etc.) deve se harmonizar com
outro valor constitucional: a proteção do erário. Isso porque os que incentivos
fiscais importam numa – ao menos teórica – perda de arrecadação.
Considerar e quantificar esse elemento permite realizar um cotejo entre
o fator perda de arrecadação e o fator relevância da medida e coerência em
face dos princípios do sistema tributário.

4.7.3. AUMENTO DA COMPLEXIDADE

De tudo que já foi exposto no capítulo parece claro que a criação de


incentivos fiscais traz complexidade para o sistema tributário, o qual fica
recortado de agravamentos e desonerações múltiplos, voltados para objetivos
os mais variados. E observe-se que, tanto mais complexo o tributo, tanto mais
caro será sua gestão para a Administração Tributária e para o contribuinte201.
Contra essa tendência, a transparência fiscal auxilia na redução da
complexidade do sistema. O demonstrativo regionalizado a que alude o
parágrafo 6º do artigo 165 da Constituição Federal é um bom exemplo de como
a transparência fiscal pode auxiliar a identificar a causa da complexidade. Não
é difícil perceber, por exemplo, que a COFINS é o tributo mais recortado por
incentivos fiscais (a projeção para 2018 é um gasto de R$ 65.062.004.501,00,
o equivalente a 0,91% do Produto Interno Bruto – PIB e a 4,75% da
arrecadação tributária global)202. Combinando tais informações com a análise
da eficácia de tais incentivos no sistema, pode-se chegar a soluções redutoras
de complexidade, a exemplo da substituição de certos incentivos por outros,
por incentivos financeiros e, principalmente, a sua completa supressão.
Tome-se o exemplo dos programas de parcelamento no âmbito federal.
Recentemente, criou-se o Programa Especial de Regularização Tributária –

201
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 108.
202
______, Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Demonstrativo de Gastos
Tributários PLOA 2017. Brasília, ago. 2017. Disponível em:
<http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/renuncia-fiscal/previsoes-ploa/arquivos-e-
imagens/texto-dgt-ploa-2018-arquivo-final-para-publicacao.pdf>, p. 10. Acesso em 01 de
outubro de 2017.
95

PERT, por meio da Medida Provisória n.º 783/18. Sem entrar no mérito do
descabimento de medidas provisórias sobre o assunto, o fato é que referido ato
normativo foi objeto de sucessivas prorrogações de prazo, por meio da edição
de outras duas medidas provisórias (Medida Provisória n.º 798/17 e Medida
Provisória 804/17), manobra jurídica encontrada pelo Poder Executivo para
evitar a caducidade da norma pela sua não conversão em lei (parágrafo 3º do
artigo 62 da Constituição Federal). Finalmente, o PERT foi convertido na Lei
13.496/2017, que apresentou um regulamento substancialmente distinto do
projeto original em razão das modificações impostas pelo Congresso Nacional.
Referido programa especial de parcelamento repete a experiência do
Governo Federal de criar programas de parcelamento em períodos de crise ou
instabilidade econômica, a fim de estimular o pagamento de tributos, iniciada
nos anos de 2000, quando a Lei 9.964/00 criou o primeiro programa de
parcelamento especial, denominado REFIS. Desde então, os contribuintes
federais vêm podendo aderir, com a periodicidade de 2 a 3 anos, a programas
de parcelamentos especiais capazes de remitir, em determinadas situações,
mais da metade do montante consolidado da dívida. Trata-se de um incentivo
fiscal mascarado sob a roupagem de parcelamento, com regulação
extremamente complexa e exclusivista.
O maior prejuízo, entretanto, está relacionado à falta de transparência do
incentivo. O montante de renúncia ocasionada por esses programas não é
quantificado pelo Demonstrativo de Gastos Tributários do PLOA, sob o
argumento de que tais programas “não constituem redução dos tributos
devidos, apenas um diferimento no pagamento” e apenas “representam um
benefício de fluxo de caixa para as empresas e uma perda financeira no tempo
para o governo” 203.
Soluções políticas como essa, com desastrosas consequências
orçamentárias no longo prazo, passam muitas vezes despercebidas da
população, justamente em razão da dificuldade existente em compreender
suas reais intenções e efeitos.

203
______, Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Demonstrativo de Gastos
Tributários PLOA 2017. Brasília, ago. 2017. Disponível em:
<http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/renuncia-fiscal/previsoes-ploa/arquivos-e-
imagens/texto-dgt-ploa-2018-arquivo-final-para-publicacao.pdf>, p. 10. Acesso em 01 de
outubro de 2017.
96

Uma solução para a complexidade pode estar na opção por incentivos


financeiros, que desvinculam a intervenção econômica do Estado da finalidade
arrecadatória, e não raro são aptos a produzir o mesmo efeito indutor dos
incentivos fiscais. Tal opção tem por vantagem agregar transparência à política
desenvolvimentista do Estado e, consequentemente, facilitar o controle da ação
estatal.

4.7.4. CONCORRÊNCIA DESLEAL

Por último, é importante considerar os possíveis impactos que a criação


de um incentivo fiscal pode provocar na relação entre os agentes econômicos.
É claro que não é possível prever com exatidão qual será o comportamento de
tais agentes, mas é certo que “os benefícios fiscais apresentar-se-ão como
desproporcionais quando a sua atribuição a certos contribuintes tenha como
reflexo a especial afectação de outros contribuintes, designadamente dos
concorrentes” 204.
Por conseguinte, tratando-se de incentivos fiscais para finalidades
diversas da promoção à livre concorrência, também se impõe preservar a livre
decisão dos agentes econômicos e uma dinâmica de mercado saudável e
autossuficiente. Essa preocupação está positivada no artigo 6º do Estatuto de
Benefícios Fiscais Português:

“Artigo 6.º Carácter genérico dos benefícios fiscais; Respeito


pela livre concorrência.

1 - A definição dos pressupostos objectivos e subjectivos dos


benefícios fiscais deve ser feita em termos genéricos, e tendo
em vista a tutela de interesses públicos relevantes, só se
admitindo benefícios de natureza individual por razões
excepcionais, devidamente justificadas no diploma que os
instituir.
2 - A formulação genérica dos benefícios fiscais deve obedecer

204
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
667.
97

ao princípio da igualdade, de modo a não falsear ou ameaçar


falsear a concorrência”.

Por outro lado, estando-se diante de incentivos fiscais destinados à


promoção da livre concorrência, é importante ponderar se a medida fiscal é
realmente necessária e adequada para assegurar a igualdade material dos
competidores. “Sob a capa de incentivos fiscais, escondem-se verdadeiros
privilégios, doações simuladas, concedidas em favor dos agentes econômicos
menos eficientes, mas com maior influência política” 205.
E mais: as normas incentivadoras podem ser objeto de questionamento
quando não implicarem, necessariamente, mudança do comportamento dos
agentes econômicos. Nesse caso, os grandes afetados são justamente os que
sustentam a economia, isto é, os agentes econômicos eficientes.

205
CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais
no direito brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, p. 31.
98

5. NECESSIDADE DE CRITÉRIOS DE CONTROLE DOS INCENTIVOS


FISCAIS

Até o presente, viu-se que o princípio da capacidade contributiva não


pode servir de norte para a adequação constitucional dos incentivos fiscais,
que têm a característica de ser um instrumento de diferenciação, seleção e
estímulo de comportamentos dos contribuintes. Nada obstante, não se pode
afirmar que a disciplina dos incentivos fiscais não demanda respeito ao
princípio da igualdade, que obriga o Estado a tratar todos os cidadãos da
mesma forma e, portanto, veda a concessão de benesses injustificadas.
Também se afirmou que a extrafiscalidade é um fenômeno que usa a
forma fiscal em favor de objetivos econômicos e, por isso, reclama tratamento
jurídico que seja capaz de conjugar o princípio da igualdade com os princípios
oriundos do Direito Econômico. Por essa razão, a extrafiscalidade deve estar
atrelada a uma realização concreta no mundo real. Caso contrário, a função da
norma não terá sido cumprida. A eficácia, que é decorrente da produção dos
efeitos visados, está latente na finalidade da norma extrafiscal. Se tais efeitos
se realizam, diz-se que a norma atingiu o seu propósito extrafiscal.
Foi mencionado, por fim, que os incentivos fiscais são instrumentos que
excepcionam a função primordial do Direito Tributário e, por essa razão, devem
se submeter a uma fiscalização mais intensa, a fim de preservar a arrecadação
e aplicação isonômica das leis tributárias.
Assim, o presente capítulo tem por finalidade conjugar o que foi dito até
então para constatar que a disciplina jurídico-tributária dos incentivos fiscais
reclama critérios de controle que sirvam de norte para harmonizar os diferentes
valores envolvidos.

5.1. SISTEMATIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS

A partir de uma visão clássica, o conceito de sistema jurídico remete à


noção de relação hierárquica de valores, de estrutura representada
graficamente pelo formato piramidal. A norma fundamental, situada no topo da
99

pirâmide, orienta toda a estrutura normativa descendente até a base da


estrutura que, de sua parte, valida o critério unificador da norma fundamental.
Segundo José Arthur Lima Gonçalves:

“Sistema é um conjunto harmônico, ordenado e unitário de


elementos reunidos em torno de um conceito fundamental ou
aglutinante. Esse conceito aglutinante serve de critério
unificador, na linguagem de Geraldo Ataliba, atraindo e
harmonizando, em um só sistema, os vários elementos de que
se compõe” 206.

Para Geraldo Ataliba, sistema é o “conjunto ordenado e sistemático de


normas, construído em torno de princípios coerentes e harmônicos, em função
de objetivos socialmente consagrados” 207.
Ataliba foi um dos primeiros autores brasileiros a reconhecer o caráter
sistêmico do Direito Tributário, cujas principais características são a rigidez
normativa – resultante de uma pormenorizada fixação de competências – e a
submissão a uma interpretação que considere a totalidade das normas
constitucionais, notadamente as que garantam direitos individuais208. Logo, o
conceito de sistema constitucional tributário não se restringe apenas às normas
tributárias previstas no Capítulo I do Título VI da Constituição Federal, intitulado
“Do Sistema Tributário Nacional”, mas é integrado por todos os princípios
constitucionais que, direta ou indiretamente, afetam a disciplina tributária.
No sistema constitucional tributário, os direitos e garantias individuais
encontram-se materializados nas chamadas limitações constitucionais ao poder
de tributar, algumas das quais estão expressamente dispostas na Seção II,
intitulada “Das Limitações do Poder de Tributar”, integrante do citado Capítulo I
do Título VI da Constituição da República.
Destarte, pode-se inferir que as limitações constitucionais definem o
sistema constitucional tributário. Por estarem fundadas em princípios, ao
mesmo tempo em que limitam a atuação do Estado, também delineiam a

206
GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros
Editores, 1993, p.14.
207
ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1968, p. 3.
208
ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1968, pp. 7-10.
100

própria atuação estatal. Um bom exemplo extraído da doutrina é o da


imunidade tributária em relação à formação (leia-se, delimitação) da
competência tributária: há certo consenso em afirmar que as imunidades
formam a competência do ente federativo209.
Nessa esteira, as limitações constitucionais ao poder de tributar exercem
conformação recíproca, uma sobre as outras. Assim, por exemplo, o princípio
da capacidade contributiva é limitado pelos princípios da ordem econômica, e
vice-versa.
É digno de nota o fato de que, ao contrário do que o nome pode sugerir
no nosso inconsciente, as limitações não se resumem a impor uma abstenção
ou uma atuação negativa do Estado (por exemplo, é proibido tributar onde não
há capacidade contributiva). Em igual medida, as limitações constitucionais
instituem obrigações de agir e criam deveres de atuação positiva por parte do
Estado. Partindo da irretocável constatação de que o tributo intervém na ordem
econômica, é possível afirmar, por exemplo, que o dever do Estado de proteger
o meio ambiente é também uma limitação constitucional “positiva” ao poder de
tributar.
As limitações constitucionais “positivas” realizam os princípios da ordem
econômica, respeitados os princípios da proibição do excesso e da igualdade
geral, entendida como proibição de arbítrio210. Nesse ponto, o Direito
Econômico intercepta obliquamente o Direito Fiscal, modificando-o no
concernente aos seus objetivos ou finalidades211. Aliás, o Direito Econômico
intercepta todos os ramos do Direito: essa é a lógica do Estado Fiscal, que faz
parte do pacto “sociedade – Estado”.
Cumpre referir que uma das principais limitações constitucionais ao
poder de tributar está materializada no princípio da isonomia tributária, já
analisado no capítulo 2. A igualdade tributária confere equilíbrio e unidade ao
sistema constitucional tributário ao proibir que contribuintes com igual

209
Por todos, cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário.
30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 836; CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de
Direito Tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 181.
210
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
662.
211
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
654.
101

capacidade contributiva sejam injustificadamente tributados de maneira distinta.


Ou seja, as desigualdades tributárias apenas se justificam quando há um
fundamento adequado, impessoal e objetivo, forte o suficiente para corroborá-
las. Tais fundamentos, por sua vez, foram tratados no capítulo 3, quando se
abordou as razões da extrafiscalidade.
Importa saber agora como esses valores interagem dentro do sistema
tributário. Sem ignorar a importância da abordagem normativa dos sistemas
jurídicos, calcada na organização estrutural de suas normas, impõe-se
destacar a abordagem funcional desse, que analisa os fins das normas
tributárias, especialmente daquelas que incentivam comportamentos.
Na esteira de Humberto Ávila, o estudo dos instrumentos de controle dos
incentivos fiscais demanda a revisitação da noção de hierarquia do sistema,
melhor compreendida quando associada à noção de coerência. Segundo ele, a
relação entre as normas que compõem um sistema deve ser coerente212.
Dentre os instrumentos de coerência, a necessidade de justificação
recíproca expressa a relação de interdependência entre as normas do sistema.
A relação entre fiscalidade e extrafiscalidade representa bem essa
reciprocidade, na medida em que as feições do tributo são interdependentes. A
justa repartição dos encargos harmoniza-se com os demais princípios da
ordem econômica.
A construção de normas que sejam capazes de conciliar o princípio da
capacidade contributiva com outros valores de cunho constitucional só reforça
o sistema tributário, na medida em que ele consegue realizar todos os valores
envolvidos em suas máximas possibilidades. Por esse motivo, faz-se
necessário reconhecer que a capacidade contributiva é mecanismo de
acoplamento estrutural para ingresso dos incentivos fiscais no sistema
tributário213.

212
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 83.
213
MELO, Álisson José Maia. Premissas para uma abordagem jurídica dos incentivos
fiscais. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Regime Jurídico dos Incentivos Fiscais.
São Paulo: Malheiros, 2015, p. 84.
102

5.2. A IMPORTÂNCIA DA JUSTIFICAÇÃO DOS INCENTIVOS FISCAIS

Quanto maior for o efeito direto ou indireto na restrição de um direito


fundamental, maior deverá ser a sua justificação214.
Se há na ordem tributária uma presunção de igualdade, disso decorre
logicamente que a diferenciação do encargo fiscal perante contribuintes com
igual capacidade contributiva estabelece, a priori, um indício de não
conformidade, que deve ser afastado por razões constitucionais suficientes
capazes de legitimar a norma que cria tal diferenciação.
Entretanto, tais razões não se limitam à simples alegação de
atendimento ao interesse público, de proteção ao meio ambiente e à livre
concorrência, de desenvolvimento regional, etc., mas na justificação dos meios
necessários para o alcance de tais finalidades. Cabe ao legislador demonstrar,
por exemplo, que a intensidade do fomento ao interesse público e a
intensidade da ofensa ao princípio capacidade contributiva foram previamente
confrontados, tendo prevalecido, no caso concreto, a opção pelo fomento.
No Recurso Extraordinário n.º 203.954-3/CE, o Supremo Tribunal
Federal entendeu que a portaria do Ministério da Fazenda que proibia a
importação de automóveis usados não ofendia o princípio da isonomia, haja
vista a necessidade de promover o aperfeiçoamento das condições de
competitividade da indústria nacional. Nesse caso, o fomento ao mercado
interno prevaleceu ante o tratamento isonômico de contribuintes com igual
capacidade contributiva (vendedores de automóveis)215.
Não obstante, observe-se que justificar não se confunde com explicar.
Explicar um determinado incentivo fiscal é simplesmente fornecer uma razão
para sua existência. Os parcelamentos REFIS na esfera federal, por exemplo,
explicam-se pela necessidade de recomposição econômica em virtude da
conjuntura de crise vivida no Brasil de tempos em tempos.

214
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 425.
215
RE 203954, Relator Ministro Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, julgado em 20.11.1999. No
mesmo sentido: RE 203308, Relator Ministro Maurício Corrêa, Segunda Turma, julgado
em 26.11.1996; RE 199090, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em
26.11.1992.
103

A simples menção a uma finalidade extrafiscal não basta. Na lição de


Humberto Ávila, “a prevalência axiológica da igualdade tributária traz
216
repercussões para a sua realização” . O autor aponta para o desnivelamento
favorável à igualdade, que exige maiores razões para o seu afastamento.
Assim, é necessário justificar a opção pela extrafiscalidade, mediante
demonstração de que a finalidade extrafiscal possui relação fundada e
conjugada de pertinência com a medida de comparação utilizada. E tal
justificação se requer expressa, já que a presunção vigente é do tratamento
igualitário, e não o inverso.
Justificar é fundamentar, é trazer razões que permitam conhecer o lado
negativo do incentivo (ofensa à capacidade contributiva, renúncia fiscal, etc.) e,
ainda assim, concluir pela sua conformidade, em razão da relevância do fim
visado e da eficácia do instrumento utilizado.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1643-1, o Supremo Tribunal
Federal reconheceu a constitucionalidade do inciso XIII do artigo 9º da Lei
9.317/96, que excluiu diversas categorias de profissionais liberais (por
exemplo, veterinários, arquitetos, contadores, advogados) do rol de
beneficiados do regime simplificado de tributos sob o fundamento de que essas
categorias profissionais não sofrem o impacto do domínio de mercado pelas
grandes empresas, não se encontram inseridas no contexto de economia
informal e, ademais, não constituem fonte de geração de empregos em
satisfatória escala.
Além de ser um argumento falacioso, não experimentado na realidade
econômica do Brasil, observe-se que nenhum dos fundamentos acima
levantados relaciona-se com a finalidade do regime tributário diferenciado,
destinado a beneficiar as pequenas associações empresariais.
Justificar pressupõe uma avaliação jurídica para uma ação217. De
maneira análoga ao primeiro exemplo, a União também teria grandes
dificuldades em justificar os parcelamentos REFIS, porque eles não atendem à
finalidade para o qual foram criados. Prova disso é que a suposta crise

216
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros. 2015, p.
156.
217
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros. 2015,
pp. 157-158
104

econômica volta a aparecer nos próximos anos, e idênticos benefícios são


novamente editados.
A deficiência de fundamentação nas decisões judiciais impossibilita a
construção dos exatos limites ao poder de tributar em sua feição positiva, o que
viola tanto o princípio do Estado de Direito quanto a hierarquia sintática entre
as normas constitucionais, que alça o princípio da igualdade à categoria de
princípio fundamental do Estado de Direito (artigos 1º e 5º da Constituição
Federal de 1988)218.
Da mesma forma, a ausência de exposição dos motivos nas leis de
incentivos fiscais também contribui para dificultar o seu controle. O cotejo da lei
com sua mensagem, que deve conter as justificativas para a iniciativa
legislativa, teria o condão de facilitar o controle jurídico.

5.3. DOS LIMITES À DISCRICIONARIEDADE LEGISLATIVA

Na seara econômica, o texto constitucional está repleto de normas


programáticas, que dão ampla liberdade de conformação ao legislador na
escolha da melhor combinação de fatores da norma extrafiscal (tempo, modo,
quantidade, intensidade), a qual se faz necessária para obtenção dos fins e
objetivos constitucionais. É discricionário ao legislador estabelecer o prazo de
vigência, as condições de usufruto, as hipóteses em que haverá perda do
benefício, o montante envolvido, etc.
Cabe-lhe escolher, dentre as alternativas disponíveis pelo ordenamento,
aquela que melhor atende ao interesse público. Souto Maior Borges pontua:

“são escolhas políticas, por consequência, que delimitam o raio


de atuação do Estado; escolhas que traduzem preferências
eventuais dos detentores do poder político ou das maiorias
congressuais, inexistindo, no estado atual do conhecimento
científico, um critério válido, universalmente aceito, para revelar

218
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 419.
105

quais as necessidades a serem providas pelo Estado e quais


as que deverão ser satisfeitas pelos particulares” 219.

Na prática, essa constatação é extremamente subjetiva (o que melhor


atende ao interesse público?) e complexa. Por esse motivo, é necessário
adentrar em um tema bastante sensível e controverso, relativo ao controle da
discricionariedade legislativa pelo Poder Judiciário e aos limites de tal
discricionariedade.
A abordagem que se pretende, entretanto, não é analisar as diversas
teorias e decorrências jurídicas e processuais de um controle judicial da
liberdade construtiva do Poder Legislativo. Tampouco examinar os limites da
interpretação conforme a Constituição feita pelo Supremo Tribunal Federal,
segundo doutrina e jurisprudência pátrias. E nem poderia ser, pois uma análise
dessa envergadura demandaria um trabalho específico voltado exclusivamente
ao assunto.
Pois bem, o que de fato se pretende nesse tópico é analisar, sob a ótica
da coerência sistêmica, quais os contornos da discricionariedade legislativa em
matéria de incentivos fiscais e, na outra ponta, quais juízos são permitidos ao
Poder Judiciário. O intuito é demonstrar que não é porque há uma finalidade
extrafiscal que orienta a norma tributária que se descuidará da realização da
igualdade mediante sustentação de que se trata de ato discricionário que
escapa ao controle do Poder Judiciário. Combate-se, aqui, o mito de que a
extrafiscalidade imuniza o controle judicial dos critérios justificadores do tributo.
É certo que há uma grande liberdade de conformação por parte do
legislador quando escolhe as normas que melhor atendam aos fins ou objetivos
constitucionais. E observe-se que essa liberdade legislativa não se limita
apenas ao se, antes se estende também ao como de cada benefício, ficando o
legislador, em princípio, livre para definir a sua extensão220. Todavia, em que
pese se tratar de uma atividade discricionária, com ampla liberdade
constitutiva, não há que se olvidar que tal atividade utiliza-se de institutos de

219
BORGES, José Souto Maior. Introdução ao Direito Financeiro. São Paulo: Max
Limonad, 1998, p. 14.
220
FICHERA apud NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos:
contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo . Coimbra:
Almedina, 2015, p. 669.
106

Direito Tributário e, por essa razão, submete-se a essa disciplina e aos seus
instrumentos de controle.
Nada obstante, nota-se uma deficiência na construção semântica do
princípio da igualdade tributária feita pelo Supremo Tribunal Federal, que
serviria de excelente instrumento de controle da discricionariedade. De
antemão percebe-se que a Suprema Corte não faz a necessária distinção entre
a igualdade aplicada às normas com finalidade fiscal e a aplicada às normas
extrafiscais. Segundo Humberto Ávila, não há nas decisões do Supremo uma
clara separação entre justificação com base em fins internos e fins externos221.
Entende o Supremo Tribunal Federal que, havendo diversidade de
situações, a medida de desigualação deve ser constitucionalmente
fundamentada. Para que não haja ofensa à igualdade, basta apenas
demonstrar que a medida de desigualação está atrelada a uma finalidade
constitucional. Ocorre que esse controle é suficiente tão somente para normas
tributárias com finalidade fiscal, que têm o escopo arrecadatório como uma
constante, bastando apenas aferir se os elementos de discrímen conectam-se
logicamente com a expressão da capacidade contributiva dos pagantes.
Sobre o ponto, assevera Humberto Ávila:

“A finalidade extrafiscal não torna o ato nem discricionário nem


imune ao controle: não torna o ato discricionário, porque, como
se viu, a finalidade eleita continua tendo que manter uma
relação de pertinência fundada e conjugada com a medida de
comparação escolhida pelo órgão competente; não torna imune
ao controle do Poder Judiciário porque o Poder Judiciário tem
competência para realizar vários juízos positivos. [...] alegar a
discricionariedade do poder competente e a imunidade do
controle em virtude de finalidade extrafiscal é silenciosamente
violar igualdade” 222.

Essa deficiência de controle também é observada por Klaus Tipke, que


cita a mudança de paradigma realizada pelo Tribunal Constitucional Alemão,
consistente em abandonar a interpretação do princípio da igualdade como

221
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 411.
222
ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros. 2015, p.
191.
107

proibição de arbitrariedade223 e adotar, por conseguinte, uma fórmula que


associa a igualdade à exigência de igual tratamento quando não houver
diferenças de tal maneira e importância que possam justificar o tratamento
desigual224. Segundo ele:

“Um tribunal que entende que o princípio da igualdade apenas


como proibição de arbitrariedade e que admite toda razão
objetiva como justificativa (para o legislador não é difícil
encontrar ou inventar tais razões) escapa à censura de ofender
a separação dos Poderes, mas faz muito pouco pela justiça
fiscal” 225.

Passa ao largo, portanto, o controle sobre a proporcionalidade do critério


de discriminação, sua pertinência e objetividade. Passam à margem as
considerações acerca da suficiência do critério e, principalmente, da busca por
instrumentos de controle da alegação.
Por fim, é ainda questionável a restrição do papel do Supremo Tribunal
Federal à figura de legislador negativo, impossibilitado de estender os efeitos
da lei questionada àqueles que não foram expressamente previstos. Tal
comportamento também é reconhecido por Elizabeth Nazar Carrazza 226.
A impossibilidade de atuação como legislador positivo foi reconhecida no
Recurso Extraordinário n.º 185.802/SP, que asseverou a impossibilidade do
Tribunal de ampliar o critério temporal da isenção de Imposto sobre Operações
de Câmbio – IOF Câmbio para pagamento de bens importados, a fim de
prestigiar a isonomia dos contribuintes, tendo em vista a impossibilidade de
atuar como legislador positivo227.

223
No mesmo sentido também se pronuncia CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e
Progressividade – igualdade e capacidade contributiva. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin,
2015, p. 38.
224
TIKPE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade
Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 24.
225
TIKPE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade
Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 24.
226
CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e Progressividade – igualdade e capacidade
contributiva. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 30.
227
STF, RE 185802, Relator Ministro Néri da Silveira, Segunda Turma, julgado em
15.12.1994. No mesmo sentido: STF, RE 184957, Relator Ministro Néri da Silveira,
Segunda Turma, julgado em 29.11.1994; STF, RE 188.951, Segunda Turma, Relator
Ministro Maurício Corrêa, julgado em 16.5.1995; STF, ADI 1.643-1, Tribunal Pleno. Relator
Ministro Maurício Corrêa, julgado em 5.12.2002.
108

A dificuldade é latente, diante da pluralidade dos valores em jogo. Para


Casalta Nabais, o problema resume-se a uma exigência de coerência do
legislador consigo mesmo228. Como se verá, a coerência compatibiliza-se com
o juízo de proporcionalidade.

5.4. PROPORCIONALIDADE COMO HARMONIZAÇÃO DE


LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS NA NORMA EXTRAFISCAL

Estabelecida a premissa do que se entende por sistema tributário, tem-


se que o exame de pertinência da parte (normas extrafiscais) com o todo é
realizável mediante juízo de proporcionalidade, consistente em definir a
adequação da medida, sua necessidade e, por último, a não desproporção
relativa à preservação de outros direitos fundamentais.
Desta forma, a harmonização entre os princípios que dão substância à
finalidade extrafiscal e os princípios que regem as normas fiscais perfaz-se
mediante juízo de proporcionalidade. Robert Alexy aduz que o dever de
proporcionalidade é uma consequência lógica do caráter principial das normas,
especialmente as normas que importam em limitações constitucionais ao poder
de tributar229.
Proporcionalidade pode ser entendida como uma condição normativa de
aplicação das normas que, segundo o Supremo Tribunal Federal, tem
fundamento constitucional no princípio do Estado de Direito (artigo 1º) e nos
princípios fundamentais (artigo 5º)230.
Humberto Ávila, por seu turno, enquadra a proporcionalidade na
categoria de postulados normativos aplicativos, destinados a solucionar

228
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
669.
229
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015,
pp. 116-120.
230
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 472.
109

questões que surgem com a aplicação do Direito, especialmente para


solucionar antinomias contingentes, concretas e externas231.
Vale referir que o postulado da proporcionalidade é frequentemente
associado a outros princípios e valores constitucionais, tais como razoabilidade
e proibição de vedação ao excesso.
Luís Roberto Barroso aduz que proporcionalidade e razoabilidade são
princípios que divergem apenas quanto à origem: enquanto o princípio da
razoabilidade é uma construção do direito norte-americano, o princípio da
proporcionalidade é uma construção do direito alemão232.
Nos Estados Unidos, o princípio da razoabilidade é desenvolvido a partir
do conceito constitucional de devido processo legal e da construção
jurisprudencial de parâmetros para o controle de constitucionalidade das leis.
Segundo Suzana de Toledo Barros, o princípio da razoabilidade dos norte-
americanos foi desenvolvido sob o clima de maior liberdade dos juízes na
criação do direito233. Na Alemanha, a proporcionalidade é uma construção
oriunda do Direito Administrativo, especialmente via poder de polícia234.
Sem embargo, ambos os termos compartilham da mesma função, qual
seja, evitar a criação de normas arbitrárias e desmensuradas, conforme o
senso comum. Por esse motivo, há certo consenso em afirmar que
proporcionalidade e razoabilidade são conceitos que se confundem no direito
brasileiro. Segundo Luís Roberto Barroso, “são conceitos próximos o suficiente
para serem intercambiáveis, não havendo maior proveito metodológico ou
prático na distinção” 235.

231
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 175.
232
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 277-
279.
233
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de
constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais . Brasília: Brasília Jurídica,
1996, p. 54.
234
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de
constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais . Brasília: Brasília Jurídica,
1996, p. 42.
235
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 280.
Nesse mesmo sentido, Regina Helena Costa. Para ela, ambos os conceitos significam
diretriz implícita fundamentada nas ideias de devido processo legal substantivo e de
justiça, com vista à proibição da arbitrariedade. COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e
110

Não obstante, Humberto Ávila entende que proporcionalidade não se


confunde com razoabilidade. No Direito Tributário, uma das manifestações da
razoabilidade – que o autor denomina de razoabilidade-equivalência – está
relacionada à proibição do efeito confiscatório dos tributos. O autor cita a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, com fundamento na
razoabilidade, reconheceu a inconstitucionalidade da taxa judiciária
estabelecida em percentuais fixos236.
Da mesma forma, o controle de proporcionalidade é muitas vezes
associado à ideia de vedação ao excesso. Casalta Nabais adota esse
entendimento para concluir pela necessidade de que a utilização dos
instrumentos extrafiscais se dê de maneira adequada, idônea e esteja em
consonância com o fim intervencionista visado no caso concreto. A
interpretação contrario sensu da vedação ao excesso impõe que os benefícios
sejam necessários, exigíveis e indispensáveis, atentando-se à existência de
outros instrumentos ou alternativas disponíveis, além de proporcionais em
sentido estrito237.
Observe-se que a vedação ao excesso pode ser interpretada em ambos
os lados: excesso de exação e excesso de desoneração tributária. A vedação
impõe-se porque a eliminação de tributo é incompatível com o Estado de
Direito, da mesma forma que a imposição excessiva também é prejudicial
porque inviabiliza por completo a atividade econômica, impedindo a geração de
riquezas.
Nesta oportunidade, interessa considerar o excesso de desoneração, a
ponto de eliminar completamente a função fiscal de um determinado tributo e,
consequentemente, o papel do Estado como arrecadador de divisas para
satisfação das necessidades coletivas. Exemplo hipotético passível de ser
citado é o caso de leis tributárias que criam benefícios fiscais na ordem de 70%
sobre os tributos devidos por contribuintes que venham a se instalar em
determinada região inóspita do país, com o intuito de desenvolvê-la e habitá-la.

justiça tributária: exequibilidade de lei tributária e direitos do contribuinte . São Paulo:


Malheiros, 2007, p. 128.
236
STF, Rp 1077, Relator Ministro. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 28.03.1984.
237
NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2015, p.
663.
111

Sob a ótica do desenvolvimento regional, a criação de incentivos pode


encontrar respaldo constitucional. Contudo, analisando o instituto sob a ótica
da livre concorrência, a medida pode revelar-se excessiva, capaz de promover
o desequilíbrio concorrencial entre empresas do mesmo ramo de atividade
daquelas instaladas na área desonerada.
No Direito Tributário, a proibição do excesso vem trazer equilíbrio
sistêmico à norma de incentivo: impõe-se avaliar todos os efeitos que ela pode
produzir dentro do sistema constitucional a fim de verificar e constatar a sua
proporcionalidade (ou razoabilidade). Não havendo excesso, os incentivos
fiscais são instrumentos à disposição discricionária do legislador, bastando que
estejam alinhados às finalidades constitucionais.
Ultrapassadas essas considerações, pode-se afirmar que a
proporcionalidade abriga os conceitos de razoabilidade e vedação ao excesso
e está associada ao exame de pertinência com a finalidade que justifica a sua
utilização.
Com efeito, o exame de proporcionalidade divide-se em três fases: (1)
adequação; (2) necessidade; e (3) proporcionalidade em sentido estrito.
Apesar de não se valer da expressão “proporcionalidade”, Klaus Tipke
salienta que todo incentivo fiscal tem de ser eficaz e imprescindível, para que
possa realizar o fim almejado238. A nosso ver, ele está a falar do juízo de
adequação e necessidade.

5.5. CONTROLE DE PROPORCIONALIDADE

Preliminarmente, é sempre importante ter em mente que o controle de


proporcionalidade, realizado pelo Poder Judiciário, deve buscar preservar ao
máximo a escolha original do legislador (artigo 1º, inciso I, da Constituição
Federal de 1988), de modo que a invalidação de um parâmetro da norma
extrafiscal somente deve ocorrer quando a ofensa à igualdade tributária for
manifesta.

238
TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e o Princípio da Capacidade
Contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 41.
112

Dito isso, passa-se a analisar as fases do referido controle.


Adequação e necessidade expressam a exigência de uma máxima
realização em relação às possibilidades fáticas, ao passo em que a
proporcionalidade em sentido estrito expressa a máxima realização em relação
às possibilidades jurídicas239.
A adequação é o exame de conformidade entre a medida e a finalidade.
Para Robert Alexy, o exame de adequação contribui para afastar os meios
inadequados240. Com base nessa premissa, a adequação pode ser analisada
sob várias dimensões: quantitativa (mais ou menos adequada), qualitativa
(melhor ou pior adequação) ou probabilística (maior ou menor certeza quanto à
sua adequação)241. As normas fiscais, por exemplo, são inadequadas quando
não promovem a capacidade contributiva.
Na extrafiscalidade, a adequação está vinculada à subsidiariedade dos
incentivos fiscais. Dado o caráter excepcional dos incentivos em relação à
tributação de referência, o exame de adequação torna-se extremamente
palpável: impõe-se um mínimo de conformidade dos instrumentos da norma
extrafiscal perante o resultado almejado. Por isso considera-se que é suficiente
que o exame analise se está presente alguma adequação.
Ao Poder Judiciário, no exercício do controle de constitucionalidade da
norma tributária extrafiscal, compete avaliar se a medida é minimamente
adequada, no presente, para realizar a finalidade que a norma busca.
O grande desafio é precisar o momento certo em que deve ser realizado
um juízo de adequação: “as prognoses ex ante são inseguras, e o controle ex
post em geral vem muito tarde, podendo ele sequer chegar”, menciona Klaus
Tipke242. Para Casalta Nabais, o controle dos resultados e efeitos das normas
extrafiscais impõe-se logo após o decurso de certo tempo da concessão dos

239
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015,
pp. 588 e 593.
240
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015,
p. 590.
241
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 478.
242
TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e o Princípio da Capacidade
Contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 41.
113

benefícios. Dessa forma, é possível manter o teste da necessidade 243 operante


ao longo do tempo.
Observa-se que, em muitas situações, a norma tributária extrafiscal não
ultrapassa nem mesmo o exame de adequação. Ou seja, os instrumentos
tributários de indução não são capazes de promover ou estimular a finalidade
que justifica a sua criação.
Essa incapacidade pode derivar de erro no prognóstico legislativo,
decorrente de mudança da conjuntura fática no momento da aplicação da
norma, impossibilitando a produção do efeito concreto pretendido na origem, no
momento da elaboração da norma.
Incentivos fiscais inadequados ofendem o que Ricardo Lobo Torres
denomina de “princípio da subsidiariedade da ação do Estado na sociedade” e
criam desnecessária dependência do corpo social em sua dinâmica
econômica244.
O segundo elemento da proporcionalidade é a necessidade. O juízo de
necessidade pressupõe um objeto de comparação. Algo só é mais ou menos
necessário se houver um objeto de comparação que represente o oposto (isto
é mais necessário que aquilo; isto é menos necessário que aquilo).
Relativamente às normas extrafiscais que concedem benefícios, a
questão que se põe é saber se existe algum meio alternativo menos restritivo
de direitos fundamentais colateralmente afetados245. Com base na
necessidade, prestigiam-se os incentivos fiscais igualmente adequados que
intervenham de modo menos intenso no princípio da capacidade contributiva
ou em outro princípio constitucional em jogo.
Portanto, o juízo de necessidade dos incentivos fiscais impõe
comparação com meios alternativos de que o Estado pode lançar mão para
realizar as mesmas finalidades.

243
Cotejando os elementos da proporcionalidade – adequação, necessidade e
proporcionalidade em estrito senso – de Humberto Ávila (adotados neste trabalho) com os
de Casalta Nabais, observa-se que há uma inversão dos conceitos “adequação” e
“necessidade”. O que Casalta Nabais entende por necessidade é o que aqui utiliza -se
como adequação e vice-versa. Cf. NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar
impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo .
Coimbra: Almedina, 2015, p. 665.
244
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário.
Volume V. O orçamento na Constituição. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 208, p. 191.
245
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 483.
114

Exemplos de incentivos fiscais desnecessários são aqueles que


poderiam ser facilmente substituídos por subvenções financeiras246, vez que
essas trazem inegáveis benefícios à transparência fiscal. Além disso, as
subvenções financeiras são juridicamente formuladas com prazo determinado
de vigência, ao contrário dos incentivos fiscais, que podem ter prazo indefinido.
Mas também é possível cogitar em discrímens hipotéticos substitutivos,
dotados de maior coerência. Retomando o exemplo da norma que proibiu a
importação de veículos usados para estimular a indústria nacional, é
interessante perquirir se existem outras soluções que prestigiam a igualdade
tributária e, ao mesmo tempo, atingem a finalidade visada. Ao invés de proibir,
uma alternativa viável seria o aumento das alíquotas do imposto sobre a
importação de veículos usados, em relação à importação de veículos novos.
Sob a ótica da necessidade, essa alternativa restringe menos a liberdade
econômica e a isonomia tributária que a solução encontrada pela norma já
avaliada.
No exame de necessidade, é essencial determinar qual aspecto do
objeto será submetido ao exame de comparação. Caso contrário, depara-se
com o mesmo problema do exame antecedente (adequação), relativo à
indefinição dos parâmetros sob controle. Ademais, é importante relembrar a
necessidade de preservação da escolha do legislador, democraticamente
legítimo para eleger os instrumentos de promoção da igualdade tributária e das
finalidades extrafiscais.
Por derradeiro, o exame de proporcionalidade em sentido estrito “exige a
comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da
restrição aos direitos fundamentais” 247.
Segundo Robert Alexy, a proporcionalidade em sentido estrito coincide
com a ideia de otimização em relação a princípios colidentes: “quanto maior for

246
Sobre o assunto, cf. TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e o Princípio
da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, pp. 39-42; CORREIA
NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito
brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2016, pp. 142-145.
247
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 486
115

o grau de não satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que


ser a importância da satisfação de outro” 248.
No âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o julgamento
da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n.º 1276/SP reclama um exame
de proporcionalidade em sentido estrito. Estava em discussão a
constitucionalidade da Lei estadual n.º 9.806/95, que criava isenção de tributos
estaduais para as pessoas jurídicas domiciliadas no Estado de São Paulo que,
na qualidade de empregador, possuíam pelo menos 30% de seus empregados
com idade superior a 40 anos. A Corte Superior entendeu pela
constitucionalidade da norma, por considerar que a mesma procurou atenuar
um quadro característico do mercado de trabalho brasileiro: os obstáculos para
que as pessoas de meia-idade consigam ou mantenham seus empregos.
Ademais, entendeu que a norma compensaria a vantagem natural dos jovens
na disputa do mercado de trabalho249.
Sem adentrar no exame do que seria meia-idade (hoje, certamente
superior a 40 anos), nem na discussão sobre quem tem maior dificuldade de
acessar o mercado de trabalho, o fato é que a norma em questão é
desproporcional em sentido estrito por criar uma desigualdade injustificada,
violadora do artigo 3º, IV, da Constituição Federal, que proíbe preconceitos de
idade.
Será que é realmente necessário estimular o mercado de trabalho com
esse incentivo? Se a resposta for positiva, também não seria necessário
estimular o primeiro-emprego? Em sendo a resposta mais uma vez positiva, a
constatação é inequívoca: haveria inegável perda de arrecadação. Parece que
solução para a questão do estímulo à contratação de trabalhadores de meia-
idade reclama muito mais uma solução no âmbito das normas trabalhistas que
das normas tributárias. A criação do incentivo fiscal em questão ofende em
enorme medida a igualdade tributária e a igualdade geral (por prestigiar uma
determinada classe etária de trabalhadores), além de se imiscuir
desordeiramente na liberdade de escolha das empresas privadas. De fato, a

248
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015,
p. 593.
249
STF, ADI 1276/SP, Relatora Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em
29.08.2002.
116

norma em questão cria um desvio à tributação de referência desproporcional


em sentido estrito.
Ante o exposto, pode-se afirmar que o juízo de proporcionalidade dos
incentivos fiscais divide-se nas seguintes etapas: 1) investigação da aptidão da
norma de incentivo em materializar o fim almejado; 2) comparação com as
demais soluções jurídicas adequadas, a fim de se certificar que essa é a opção
que importa menor desvio à denominada “regra padrão de tributação”,
lastreada na capacidade contributiva; e 3) constatação de que, no geral, a
norma de incentivo realiza mais e ofende menos os princípios da ordem
tributária.
Feitas essas considerações, conclui-se que o exame de
proporcionalidade pode se revelar em um útil instrumento de controle jurídico
dos incentivos fiscais, notadamente porque é capaz de trazer instrumentos de
aferição e de comparação dos princípios que balizam a função extrafiscal, com
vistas a harmonizá-los com a manutenção da função arrecadatória.
117

CONCLUSÃO

A discussão que se pretendeu expor no presente trabalho não gira em


torno tanto da admissão constitucional dos incentivos fiscais, mas dos limites e
das condições para os quais estes podem ser criados.
Partiu-se da premissa de que a escolha da estratégia de intervenção é
ato discricionário do legislador. Entretanto, tal discricionariedade não dispensa
a busca por coerência, a fim de harmonizar as finalidades extrafiscais com a
exigência apriorística de que os tributos sejam pautados conforme a
capacidade contributiva dos pagantes.
Ademais, é certo que os sistemas tributários lançam mão de inúmeras
técnicas de indução de comportamento, especialmente incentivos fiscais, já
que são poderosos instrumentos de realização dos anseios do Estado Social.
Nada obstante, também há que se contrapor a inegável utilidade do instituto
com os prováveis prejuízos que ele pode causar no sistema tributário, a
exemplo do aumento de complexidade, da inversão da lógica da tributação, do
custo financeiro para os que contribuintes que não são contemplados com os
benefícios, além dos danos à livre concorrência.
Ao se examinar a coerência da norma extrafiscal, fiscaliza-se a
discricionariedade do legislador, sem invadir o mérito do ato legislativo. E é
justamente pela possibilidade de restrição ao princípio da capacidade
contributiva e, em última análise, ao princípio da igualdade tributária, que o
modelo de controle que se propõe está pautado na necessidade de justificação
dos incentivos fiscais, na transparência fiscal e no exame de proporcionalidade
da norma, cotejando a sua finalidade com o seu efeito concreto.
Desta forma, a análise ora proposta visou a promover o questionamento
quanto à concepção das finanças funcionais do atual Estado Social, o qual
reclama um crescente enxugamento face ao caos a que os sistemas fiscais
chegaram a expensas do excessivo recurso ao tributo como instrumento de
intervenção econômica e social.
Pensar em reforma tributária demanda, de antemão, a valorização e o
aperfeiçoamento dos instrumentos de controle jurídico dos incentivos fiscais,
especialmente daqueles pautados na análise funcional do Direito Tributário.
118

ANEXO ÚNICO – COMPILAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA CITADA

i. Página 33: ADI 4259, Relator Ministro Edson Fachin, Tribunal


Pleno, julgado em 03.03.2016.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO.


INCENTIVO FISCAL. ESPORTES. AUTOMOBILISMO. IGUALDADE
TRIBUTÁRIA. PRIVILÉGIO INJUSTIFICADO. IMPESSOALIDADE. LEI
8.736/09 DO ESTADO DA PARAÍBA. PROGRAMA “ACELERA PARAÍBA”.
MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. 1. A Lei estadual 8.736/2009 singulariza de
tal modo os beneficiários que apenas uma única pessoa se beneficiaria com
mais de 75% dos valores destinados ao programa de incentivo fiscal, o que
representa evidente violação aos princípios da igualdade e da impessoalidade.
2. A simples fixação de condições formais para a concessão de benefício fiscal
não exime o instrumento normativo de resguardar o tratamento isonômico no
que se refere aos concidadãos. Doutrina. Precedentes. 3. Ação direta de
inconstitucionalidade procedente.

ii. Página 33: ADI 1655, Relator Ministro Maurício Corrêa, Tribunal
Pleno, julgado em 03.03.2004

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL


356/97, ARTIGOS 1º E 2º. TRATAMENTO FISCAL DIFERENCIADO AO
TRANSPORTE ESCOLAR VINCULADO À COOPERATIVA DO MUNICÍPIO.
AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E ISONOMIA. CONTROLE
ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE.
CANCELAMENTO DE MULTA E ISENÇÃO DO PAGAMENTO DO IPVA.
MATÉRIA AFETA À COMPETÊNCIA DOS ESTADOS E À DO DISTRITO
FEDERAL. TRATAMENTO DESIGUAL A CONTRIBUINTES QUE SE
ENCONTRAM NA MESMA ATIVIDADE ECONÔMICA.
INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Norma de efeitos concretos. Impossibilidade
de conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade. Alegação
119

improcedente. O fato de serem determináveis os destinatários da lei não


significa, necessariamente, que se opera individualização suficiente para tê-
la por norma de efeitos concretos. Preliminar rejeitada. 2. Lei Estadual
356/97. Cancelamento de multa e isenção do pagamento do IPVA. Matéria
afeta à competência dos Estados e à do Distrito Federal. Benefício fiscal
concedido exclusivamente àqueles filiados à Cooperativa de Transportes
Escolares do Município de Macapá. Inconstitucionalidade. A Constituição
Federal outorga aos Estados e ao Distrito Federal a competência para
instituir o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores e para
conceder isenção, mas, ao mesmo tempo, proíbe o tratamento desigual
entre contribuintes que se encontrem na mesma situação econômica.
Observância aos princípios da igualdade, da isonomia e da liberdade de
associação. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

iii. Página 33: ARE 831170 AgR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira
Turma, julgado em 07.04.2015

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM


AGRAVO. TRIBUTÁRIO. ICMS. PRODUTOS IMPORTADOS DE PAÍSES
SIGNATÁRIOS DO ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO – GATT.
SIMILAR NACIONAL. ISONOMIA NA TRIBUTAÇÃO. CONSTATAÇÃO A
PARTIR DE NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS E INCURSIONAMENTO
NO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. OFENSA REFLEXA
E SÚMULA Nº 279 DO STF. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO
CONTRADITÓRIO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL REJEITADA
PELO PLENÁRIO DO STF NO ARE 748.371. CONTROVÉRSIA DE ÍNDOLE
INFRACONSTITUCIONAL. 1. O Plenário desta Corte, no julgamento do RE
229.096, Relatora para o acórdão a Ministra Cármen Lúcia, fixou
entendimento de que a isenção de ICMS relativa à mercadoria importada de
país signatário do GATT, quando isento o similar nacional, foi recepcionada
pela Constituição Federal de 1988, não se aplicando a limitação prevista no
120

artigo 151, III, da Constituição Federal (isenção heterônoma) às hipóteses


em que a União atua como sujeito de direito na ordem internacional. 2.
Acórdão recorrido que concluiu, com base na interpretação de normas
infraconstitucionais (Convênio ICMS 128/1994-CONFAZ, Decretos Estaduais
nº 14.876/1991, 19.631/1997 e 20.411/1998) e na análise das provas dos
autos, no sentido de que tanto o produto importado de país signatário do
GATT quanto seu similar nacional já são submetidos à mesma carga
tributária. Impossibilidade de rever esse entendimento no recurso
extraordinário. No caso, a afronta à Constituição, se existente, seria indireta
e incidiria o óbice erigido pela Súmula nº 279 do STF. 3. A parte se valeu dos
meios recursais cabíveis e teve a jurisdição devidamente prestada por
decisões fundamentadas, embora contrária aos seus interesses. Assim, não
resta caracterizada a negativa de prestação jurisdicional. 4. Os princípios da
ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e dos limites da
coisa julgada, quando debatidos sob a ótica infraconstitucional, não revelam
repercussão geral apta a tornar o apelo extremo admissível, consoante
decidido pelo Plenário Virtual do STF na análise do ARE 748.371-RG, da
Relatoria do Min. Gilmar Mendes. 5. In casu, o acórdão recorrido
extraordinariamente assentou: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. BACALHAU IMPORTADO DE PAÍS
SIGNATÁRIO DO GATT. REVOGAÇÃO DE ISENÇÃO DO ICMS PELO
ESTADO DE PERNAMBUCO INCIDENTE SOBRE O PRODUTO SIMILAR
(PEIXE SECO). INCABÍVEL O RECOLHIMENTO DE APENAS 2,5%.
PRODUTO NACIONAL TRIBUTADO A MAIOR. OFENSA AO PRINCÍPIO
ISONÔMICO. VIGÊNCIA DECRETO 19.631/97. RECURSO IMPROVIDO”. 6.
Agravo regimental DESPROVIDO.

iv. Página 91: AI 360461 AgR, Relator Ministro Celso de Mello,


Segunda Turma, julgado em 06.12.2005.

E M E N T A: AGRAVO DE INSTRUMENTO - IPI - AÇÚCAR DE CANA - LEI


Nº 8.393/91 (ART. 2º) - ISENÇÃO FISCAL - CRITÉRIO ESPACIAL -
121

APLICABILIDADE - EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO - ALEGADA OFENSA AO


PRINCÍPIO DA ISONOMIA - INOCORRÊNCIA - NORMA LEGAL
DESTITUÍDA DE CONTEÚDO ARBITRÁRIO - ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO
COMO LEGISLADOR POSITIVO - INADMISSIBILIDADE - RECURSO
IMPROVIDO. CONCESSÃO DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA E UTILIZAÇÃO
EXTRAFISCAL DO IPI. - A concessão de isenção em matéria tributária
traduz ato discricionário, que, fundado em juízo de conveniência e
oportunidade do Poder Público (RE 157.228/SP), destina-se - a partir de
critérios racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimo em
norma legal - a implementar objetivos estatais nitidamente qualificados pela
nota da extrafiscalidade. A isenção tributária que a União Federal concedeu,
em matéria de IPI, sobre o açúcar de cana (Lei nº 8.393/91, art. 2º) objetiva
conferir efetividade ao art. 3º, incisos II e III, da Constituição da República.
Essa pessoa política, ao assim proceder, pôs em relevo a função extrafiscal
desse tributo, utilizando-o como instrumento de promoção do
desenvolvimento nacional e de superação das desigualdades sociais e
regionais. O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA - A
QUESTÃO DA IGUALDADE NA LEI E DA IGUALDADE PERANTE A LEI
(RTJ 136/444-445, REL. P/ O ACÓRDÃO MIN. CELSO DE MELLO). - O
princípio da isonomia - que vincula, no plano institucional, todas as instâncias
de poder - tem por função precípua, consideradas as razões de ordem
jurídica, social, ética e política que lhe são inerentes, a de obstar
discriminações e extinguir privilégios (RDA 55/114), devendo ser examinado
sob a dupla perspectiva da igualdade na lei e da igualdade perante a lei (RTJ
136/444-445). A alta significação que esse postulado assume no âmbito do
Estado democrático de direito impõe, quando transgredido, o
reconhecimento da absoluta desvalia jurídico-constitucional dos atos estatais
que o tenham desrespeitado. Situação inocorrente na espécie. - A isenção
tributária concedida pelo art. 2º da Lei nº 8.393/91, precisamente porque se
acha despojada de qualquer coeficiente de arbitrariedade, não se qualifica -
presentes as razões de política governamental que lhe são subjacentes -
como instrumento de ilegítima outorga de privilégios estatais em favor de
determinados estratos de contribuintes. ISENÇÃO TRIBUTÁRIA: RESERVA
122

CONSTITUCIONAL DE LEI EM SENTIDO FORMAL E POSTULADO DA


SEPARAÇÃO DE PODERES. - A exigência constitucional de lei em sentido
formal para a veiculação ordinária de isenções tributárias impede que o
Judiciário estenda semelhante benefício a quem, por razões impregnadas de
legitimidade jurídica, não foi contemplado com esse "favor legis". A extensão
dos benefícios isencionais, por via jurisdicional, encontra limitação absoluta
no dogma da separação de poderes. Os magistrados e Tribunais, que não
dispõem de função legislativa - considerado o princípio da divisão funcional
do poder -, não podem conceder, ainda que sob fundamento de isonomia,
isenção tributária em favor daqueles a quem o legislador, com apoio em
critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar com a
vantagem desse benefício de ordem legal. Entendimento diverso, que
reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria,
em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador
positivo, condição institucional que lhe recusa a própria Lei Fundamental do
Estado. Em tema de controle de constitucionalidade de atos estatais, o
Poder Judiciário só deve atuar como legislador negativo. Precedentes.

v. Página 102: RE 203.308, Relator Ministro Maurício Corrêa,


Segunda Turma, julgado em 26.11.1996.

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE


IMPORTAÇÃO DE VEÍCULOS USADOS. VEDAÇÃO: PORTARIA Nº 8/91-
DECEX. VULNERAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA
LEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1.
Imposto de importação. Função predominantemente extrafiscal, por ser
muito mais um instrumento de proteção da indústria nacional do que de
arrecadação de recursos financeiros, sendo valioso instrumento de política
econômica. 2. A Constituição Federal estabelece que é da competência
privativa da União legislar sobre comércio exterior e atribui ao Ministério da
Fazenda a sua fiscalização e o seu controle, atribuições essas essenciais à
defesa dos interesses fazendários nacionais. 2.1. Importação de veículos
usados. Vedação. Portaria DECEX nº 08/91. Legalidade. A competência do
123

Departamento de Comércio Exterior, órgão do Ministério da Fazenda,


encontra-se disciplinada no art. 165 do Decreto nº 99.244/90 e, dentre
outras atribuições, compete-lhe a de emitir guia de importação, de fiscalizar
o comércio exterior e a elaboração de normas necessárias à
implementação da política de comércio exterior. Improcedência da alegação
de ofensa ao princípio da legalidade. 3. Princípio da isonomia. Vulneração.
Inexistência. Os conceitos de igualdade e de desigualdade são relativos:
impõem a confrontação e o contraste entre duas ou várias situações, pelo
que onde só uma existe não é possível indagar sobre tratamento igual ou
discriminatório. 3.1. A restrição à importação de bens de consumo usados
tem como destinatários os importadores em geral, sejam pessoas jurídicas
ou físicas. Lícita, pois, a restrição à importação de veículos usados.
Recurso extraordinário conhecido e provido.

vi. Página 102: RE 203954, Relator Ministro Ilmar Galvão, Tribunal


Pleno, julgado em 20.11.1996.

IMPORTAÇAO DE AUTOMOVEIS USADOS. PROIBIÇAO DITADA PELA


PORTARIA Nº 08, DE 13.05.91 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. ALEGADA
AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA, EM
PRETENSO PREJUIZO DAS PESSOAS DE MENOR CAPACIDADE
ECONÔMICA. ENTENDIMENTO INACEITAVEL, PORQUE NÃO
DEMONSTRADO QUE A ABERTURA DO COMERCIO DE IMPORTAÇAO
AOS AUTOMOVEIS TENHA O FITO DE PROPICIAR O ACESSO DA
POPULAÇAO, COMO UM TODO, AO PRODUTO DE ORIGEM
ESTRANGEIRA, ÚNICA HIPÓTESE EM QUE A VEDAÇAO DA
IMPORTAÇAO AOS AUTOMOVEIS USADOS PODERIA SOAR COMO
DISCRIMINATORIA, NÃO FOSSE CERTO QUE, AINDA ASSIM,
CONSIDERAVEL PARCELA DOS INDIVIDUOS CONTINUARIA SEM
ACESSO AOS REFERIDOS BENS. DISCRIMINAÇAO QUE, AO REVES,
GUARDA PERFEITA CORRELAÇAO LOGICA COM A DISPARIDADE DE
TRATAMENTO JURÍDICO ESTABELECIDA PELA NORMA IMPUGNADA,
124

A QUAL, ADEMAIS, SE REVELA CONSENTANEA COM OS INTERESSES


FAZENDARIOS NACIONAIS QUE O ART. 237 DA CF TEVE EM MIRA
PROTEGER, AO INVESTIR AS AUTORIDADES DO MINISTÉRIO DA
FAZENDA NO PODER DE FISCALIZAR E CONTROLAR O COMERCIO
EXTERIOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

vii. Página 103: ADI 1643-1, Relator Ministro Maurício Corrêa,


Tribunal Pleno, julgado em 05.12.2002.

EMENTA: ACÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. SISTEMA


INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DAS
MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE.
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS PROFISSÕES LIBERAIS.
PERTINÊNCIA TEMÁTICA. LEGITIMIDADE ATIVA. PESSOAS JURÍDICAS
IMPEDIDAS DE OPTAR PELO REGIME. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Há
pertinência temática entre os objetivos institucionais da requerente e o inciso
XIII do artigo 9º da Lei 9317/96, uma vez que o pedido visa à defesa dos
interesses de profissionais liberais, nada obstante a referência a pessoas
jurídicas prestadoras de serviços. 2. Legitimidade ativa da Confederação. O
Decreto de 27/05/54 reconhece-a como entidade sindical de grau superior,
coordenadora dos interesses das profissões liberais em todo o território
nacional. Precedente. 3. Por disposição constitucional (CF, artigo 179), as
microempresas e as empresas de pequeno porte devem ser beneficiadas,
nos termos da lei , pela "simplificação de suas obrigações administrativas,
tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução
destas" (CF, artigo 179). 4. Não há ofensa ao princípio da isonomia tributária
se a lei, por motivos extrafiscais, imprime tratamento desigual a
microempresas e empresas de pequeno porte de capacidade contributiva
distinta, afastando do regime do SIMPLES aquelas cujos sócios têm
condição de disputar o mercado de trabalho sem assistência do Estado.
Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.
125

viii. Página 107: RE 188951, Relator Ministro Maurício Corrêa,


Segunda Turma, julgado em 16.05.1995.

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO: ISENÇÃO DO IMPOSTO


SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS NAS IMPORTAÇÕES. LIMITAÇÃO À
DATA DA EXPEDIÇÃO DA GUIA DE IMPORTAÇÃO. DESLOCAMENTO DA
DATA DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR. INEXISTÊNCIA.
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA PARTE FINAL DO
ART. 6º DO DECRETO-LEI Nº 2.434/88. IMPOSSIBILIDADE. 1. A isenção
fiscal decorre do implemento da política fiscal e econômica, pelo Estado,
tendo em vista o interesse social. É ato discricionário que escapa ao controle
do Poder Judiciário e envolve o juízo de conveniência e oportunidade do
Poder Executivo. O termo inicial de vigência da isenção, fixada a partir da
data da expedição da guia de importação, não infringe o princípio da
isonomia tributária, nem desloca a data da ocorrência do fato gerador do
tributo, porque a isenção diz respeito à exclusão do crédito tributário,
enquanto o fato gerador tem pertinência com o nascimento da obrigação
tributária. 2. Não pode esta Corte alterar o sentido inequívoco da norma, por
via de declaração de inconstitucionalidade de parte do dispositivo da lei. A
Corte Constitucional só pode atuar como legislador negativo, não, porém,
como legislador positivo. Precedente. Recurso extraordinário conhecido e
provido.

ix. Página 115: ADI 1276, Relatora Ministra Ellen Gracie, Tribunal
Pleno, julgado em 29.08.2002.

Ao instituir incentivos fiscais a empresas que contratam empregados com


mais de quarenta anos, a Assembléia Legislativa Paulista usou o caráter
extrafiscal que pode ser conferido aos tributos, para estimular conduta por
parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade e da isonomia.
Procede a alegação de inconstitucionalidade do item 1 do § 2º do art. 1º, da
126

Lei 9.085, de 17/02/95, do Estado de São Paulo, por violação ao disposto no


art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal. Em diversas ocasiões, este
Supremo Trubunal já se manifestou no sentido de que isenções de ICMS
dependem de deliberações dos Estados e do Distrito Federal, não sendo
possível a concessão unilateral de benefícios fiscais. Precedentes ADIMC
1.557 (DJ 31/08/01), a ADIMC 2.439 (DJ 14/09/01) e a ADIMC 1.467 (DJ
14/03/97). Ante a declaração de inconstitucionalidade do incentivo dado ao
ICMS, o disposto no § 3º do art. 1º desta lei, deverá ter sua aplicação restrita
ao IPVA. Procedência, em parte, da ação.
127

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