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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE (UFS)

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS (CECH)


DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA (DPS)

MATHEUS FERNANDES DOS SANTOS PEREIRA

A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL DE SAÚDE PÚBLICA

SÃO CRISTÓVÃO (SE)


2019
Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH)
Departamento de Psicologia (DPS)

Matheus Fernandes dos Santos Pereira

A Rede de Atenção Psicossocial de Saúde Pública

Relatório apresentado à disciplina de Psicologia e Práticas de Saúde


(PSIC0110 - 2018.2 - T01), na Universidade Federal de Sergipe,
como um dos requisitos na avaliação disciplina.
Responsáveis pela disciplina:
Prof.ª Dr.ª Liliana da Escóssia Melo
Prof. Dr. Marcelo de Almeida Ferreri
Prof.ª Dr.ª Michele de Freitas Faria de Vasconcelos
Prof.ª Dr.ª Sandra Raquel de Oliveira Santos

São Cristóvão (SE)


2019
INTRODUÇÃO

O presente relatório trata de articulação entre teoria-prática da disciplina de


Psicologia e Práticas de Saúde, do curso de Psicologia na Universidade Federal de
Sergipe, em específico abordando a análise e processamento do material conceitual da
disciplina.
Partirei do processo psico-sócio-histórico de constituição das Políticas de Saúde
Pública ao redor do mundo e no Brasil, descrevendo os principais acontecimentos que
estabeleceram o campo da Saúde Coletiva no Brasil e a criação e implementação do
Sistema Único de Saúde (SUS). A partir disto, será feita uma articulação dos conjuntos
de significados e práticas dentro do campo de saúde pública, enfatizando os aspectos
sócio-histórico-políticos de constituição deste campo.
Será definida a Rede de Saúde Pública em Aracaju-SE, na qual fui inserido
durante todo o processo de imersão no campo, que é a Rede de Atenção Psicossocial.
Trarei uma conexão da Rede com o contexto da Políticas de Saúde Pública e da Reforma
Psiquiátrica Brasileira, usando como base as discussões realizadas durante todas as aulas
na disciplina de Psicologia e Práticas de Saúde.
Fundamentado no que foi discutido, compartilhado, experienciado e produzido,
em termos de discursos, saberes e processos subjetivos de afetações, durante as visitas
realizadas nos serviços referentes à Atenção e Cuidado aos Usuários de Álcool e Outras
Drogas, sendo eles o CAPS AD Primavera de Aracaju-SE e o contato com o Programa
de Redução de Danos. Pretende-se articular teoria (textos usados para essas atividades) e
práticas, vistas nas visitas e que foram discutidas nos seminários. Serão destacados,
inclusive, os dispositivos de Apoio Matricial, Colegiado Gestor e Projeto Terapêutico
Singular, e relacionando a Rede de Atenção Psicossocial com as outras Redes de Saúde
Pública vivenciadas e discutidas pelos outros grupos.
Por fim, a partir desse espaço construído de articulação teoria-prática, será feita
uma breve análise sobre os papéis e principais desafios do psicólogo enquanto inserido
na saúde pública no Brasil. A partir das perspectivas de usuário e profissional dessa rede
e das possíveis implicações metodológicas dos novos e futuros contextos do país nesse
modo de produção de saúde, pensaremos em conjunto o modelo de saúde pública
enquanto instituição, dispositivo, políticas e movimentos, e também enquanto produtora
de corpos e subjetividades.

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A história dos saberes e práticas sobre a saúde e a doença tem sido, de forma
dominante, a história dos saberes e práticas de dispositivos científicos, que tem por objeto
o doente, e como prática a arte, a técnica e a ciência de curar ou aliviar o sofrimento. As
políticas de saúde pública no Brasil têm um percurso de lutas e desafios (BRASIL, 2005)
que vem de uma história impregnada pela participação das bases, dos movimentos sociais,
e ligada às reivindicações por um serviço de saúde universal, que atendesse a todos os
brasileiros. Nas últimas décadas, o processo de implantação das Políticas de Saúde
Pública tem sido importante no campo de saúde pública. E pode ser considerado ainda
um dos mais importantes movimentos de defesa dos direitos humanos no país, com
transformações nos modos de tratamento e cuidado dos sujeitos produzidos pelo modo de
concepção normativa e nas formas de participação social e política dos sujeitos em
sofrimento físico, psíquico ou social (FOUCAULT, 1975, 2015).
Tal processo ocorre por meio de diversas estratégias e dispositivos de
desmontagem do modelo de exclusão e de práticas vigentes, bem como por meio de
variadas experiências e coletivos militantes que produziram novos discursos e práticas
sobre os novos tipos de sujeitos produzidos pelos contextos que foram surgindo através
do mundo, com desdobramentos, implicações e discussões que chegaram e/ou surgiram
no nosso país, compondo um novo cenário em relação à histórica exclusão de sujeitos e
do modo como se entende a dualidade normal-patológico (AMARANTE, 2003a, 2003b;
BRASIL, 2005; FOUCAULT, 1975, 2015).
As políticas de saúde pública no Brasil estão configuradas a partir do modelo do
SUS, uma rede assistencial que prevê atendimento em todos os níveis. Nesse sentido, irei
traçar de forma sintetizada a construção sociohistórica do surgimento e implantação das
Políticas de Saúde Pública, no mundo e no Brasil, destacando os principa is
acontecimentos, movimentos e conceitos que fundamentaram o campo da Saúde Coletiva
no Brasil e a criação e implementação do SUS no país.

A CONSTITUIÇÃO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA NO MUNDO

Na Antiguidade, acreditava-se que as doenças eram causadas por elementos


naturais ou sobrenaturais. Esse tipo de compreensão acerca do sujeito doente estava
inserido no campo da filosofia religiosa e do misticismo. As causas eram relacionadas ao
ambiente físico, aos astros, ao clima, aos insetos e aos animais (HELLMAN, 2003).

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Na Idade Média, os tratamentos eram realizados nas ruas (por cirurgiões barbeiros,
curandeiros ou outros “médicos” populares) ou nas casas (por indivíduos que eram
“reconhecidos” como médicos). Entre médicos e curandeiros, não existia, praticamente,
distinção. Era fundamental, entretanto, possuir o dom de curar, que na época era atribuído
como um fenômeno proveniente de um plano divino. (AMARANTE, 2003a). Os homens
se viam como criaturas de Deus e o ideal seria empregar todos os esforços para salvar o
maior número de almas possível.
Do latim hospitale, que significa hospedaria, hospedagem, hospitalidade, surge a
noção de hospital, principalmente no contexto da prática de caridade como virtude cristã
da Igreja Católica, que construiu hospitais para oferecer moradia, alimento, roupa e
propagar sua doutrina (AMARANTE, 2003a). Quem os procurava era com o intuito de
ser acolhido para esperar a morte e receber cuidado cristão, como também para serem
afastados da sociedade.
Nesta época existiram e desenvolveram-se práticas “médicas” referentes ao
tratamento de sujeitos entendidos como doentes. Estes tratamentos não eram nem
psicológicos nem físicos: eram ambos ao mesmo tempo, pois distinção cartesiana da
extensão e do pensamento não afetou a unidade dessas práticas (FOUCAULT, 1975).
Na Idade Média, embora ainda com uma visão da doença relacionada ao caráter
religioso, no final desse período, com as crescentes epidemias, retoma-se a ideia de
contágio entre os homens, sendo as causas a conjugação dos astros, o envenenamento das
águas pelos leprosos, judeus ou por bruxarias (HELLMAN, 2003). Os leprosos eram
internados nos leprosários em isolamento permanente e sem tratamento. No século XV,
junto à segregação dos loucos, a prática de evitar contágio traz a extinção da lepra na
Europa, tornando a exclusão social a principal prática de saúde: a separação entre doentes
e saudáveis na erradicação da lepra gerou bases para uma cisão dualista entre
normal/patológico (FOUCAULT, 2014).
Contida a lepra, os leprosários assumem entre os séculos XIV e XVII a internação
de doentes venéreos e, posteriormente, degenerados e desviantes de toda espécie -
inválidos e idosos na miséria, prostitutas, pobres, vagabundos presidiários e “cabeças
alienadas” (FOUCAULT, 2014), numa cultura de trabalho forçado e disciplinamento pelo
castigo e pela ordem.
No Renascimento, os estudos empíricos originam a formação das ciências básicas
e com isto surge a necessidade de descobrir a origem das matérias que causavam os
contágios. Do fim do século XVIII ao início do século XX, abriu-se espaço para que a

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prática médica individual viesse gradativamente a ocupar o lugar central nas práticas de
saúde, revelando a medicina social. O empirismo influenciou e ainda influencia a
medicina (GONÇALVES, 1988).
Neste contexto, nasceu a medicina moderna, que era fundamentalme nte
individual. Além do dever da salvação individual da alma, em que a Igreja era a instituição
que canalizava o poder, os indivíduos deveriam, coletivamente, fortalecer o Estado e a
cidade, colaborando para a acumulação de riquezas (AMARANTE, 2003a).
Caracterizada por uma prática médica centrada na melhoria do nível de saúde da
população, não tinha como principal objetivo o tratamento de doenças ou a diminuição
do sofrimento que causavam, mas sim qualificar os indivíduos como componentes de uma
nação. O Estado só poderia ser forte e poderoso se assim também o fossem seus cidadãos.
Da Idade Média para a Era Moderna, surge uma nova forma de registro simbólico
com o qual as pessoas passavam a se identificar: o registro do cidadão. Esse registro
remetia às ideias de cidade e de Estado como espaços em que se instaurava identidade
comum (AMARANTE, 2003a). As pessoas, agora, além de criaturas de Deus,
pertenceriam a uma cidade, que se encontrava ainda sob o poder de um Estado. Se, até
então, o ideal maior seria o de salvar a alma, um outro ideal surgia: fazer tudo para
fortalecer a cidade e o Estado.
A medicina social surge, impulsionada pelos revolucionários de 1848 e suas
perspectivas de reformas econômicas e políticas, como uma empresa de intervenção sobre
as condições de vida, sobre o meio socialmente organizado pelo modo devida capitalista
configurado pela Revolução Industrial. E a medicina social só seria devidamente
registrada na metade do século XIX, em 1848. Surgiu na França, ao lado de um
movimento geral que tomou conta da Europa, num processo de lutas por mudanças
políticas e sociais (NUNES, 1998).
Amarante (2003a) traz que em meados do século XVIII, a Europa passa um grande
crescimento demográfico, o qual Estado não consegue acompanhar. Consequenteme nte,
surgiram os centros urbanos, a desigualdade social e a falta de estrutura nesses centros.
Os graves problemas sociais do início do capitalismo industrial, as desastrosas condições
de vida e trabalho, geradas pela formação e crescimento dos núcleos urbanos e pela
necessidade cada vez maior de expandir o capital industrial, às custas da exploração da
força de trabalho e da pobreza.
Deste modo, surge, a partir daí a influência do contexto social na saúde da
população, pois o crescimento desordenado das cidades e dos núcleos de trabalhadores

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nem sempre contava com as mais perfeitas condições de habitação, saneamento básico,
tratamento adequado da água, pois não houve adequação da assistência à saúde da
população, influenciando no crescimento na taxa de mortalidade, assim como também no
aumento de doenças, em maior vulnerabilidade entre os habitantes, principalmente no
grupo social de crianças e idosos (AMARANTE, 2003a). E com esses graves problemas
sociais iniciou-se a preocupação com a influência das condições de vida na saúde do
indivíduo. Inicia-se, assim, o surgimento e crescimento dos hospitais enquanto
instituições médicas.
Uma penetração do conhecimento médico no campo do ambiente social, aplicado
ao panorama mercantilista da Alemanha e da França do século XVIII e ao capitalis mo
surgido da Inglaterra industrial do século XIX, fez nascer a medicina social no
entrelaçamento de três movimentos discutidos por Foucault (1979). A polícia médica
alemã, uma medicina de Estado que instaurou medidas compulsórias de controle de
doenças; a medicina urbana francesa, saneadora das cidades enquanto estruturas espaciais
que buscavam uma nova identidade social; e, por último, uma medicina da força de
trabalho na Inglaterra industrial, onde havia sido mais rápido o desenvolvimento de um
proletariado.
Devido à falta de organização das cidades francesas, a medicina característica da
França do fim na transição do século XVIII para o XIX será uma medicina voltada para
a urbanização, uma medicina do espaço urbano, baseada em três objetivos
(AMARANTE, 2003a), a saber: Analisar os lugares que poderiam formar e reproduzir
doenças; controlar a circulação dos elementos, principalmente a água e o ar; organizar e
enquadrar elementos necessários à vida comum da cidade, como fontes de água, esgotos,
etc.
Na França, os inimigos do rei ou do Estado eram enclausurados nestes hospita is
para evitar que atrapalhassem a ordem pública e a classe dominante, em algo que Foucault
(1975; 1979; 2014) irá chamar de “Terceira Ordem de Repressão”. Será aqui onde
acontecerá a transformação dos hospitais de instituição religiosa e filantrópica em
instituições médicas. No ano de 1656 será criado o Hospital Geral de Paris, em à medicina
do espaço urbano (AMARANTE, 2003a). Nele não haverá restrição de internação, sendo
um hospital geral de fato, abarcando toda população de forma voluntária ou involuntár ia,
determinado pelas autoridades públicas. Em seu decreto de fundação, o diretor detinha
centralizado todo poder, não somente sobre os internos, como também sobre os pobres de
Paris, podendo internar qualquer indivíduo (FOUCAULT, 1979).

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Pautados no modelo epistemológico das ciências naturais (principalmente o
isolamento e o afastamento), os hospitais passaram cada vez mais a parecerem com o
hospital que conhecemos na contemporaneidade, produzindo saberes, poderes e práticas
sobre doenças (AMARANTE, 2003a; FOUCAULT, 1979). Dentre esses dispositivos
institucionais e científicos, havia o isolamento do corpo doente para observar sem a
interferência de um fator externo, além do agrupamento por características parecidas, a
partir de uma lógica classificatória e taxonômica. Durante esse processo, o ambiente
hospitalar passa de um local de espera pela morte à um local onde buscava-se a cura das
doenças.
De acordo com Amarante (2003a) e Foucault (1979), a saúde e o estado de bem-
estar social dos trabalhadores eram inversamente proporcionais ao desenvolvimento da
Revolução Industrial na Inglaterra do século XVIII/XIX. O conjunto de estratégias
adotado foi chamado de medicina da força do trabalho. Com a rápida acumulação e
grande concentração de capital, a pobreza surgiu como problemática para medicina
vigente. Por ser considerada um grande perigo para sociedade, uma ameaça à ordem
pública, ou por potencial força revolucionária, ou possível portadora e transmissora de
doenças, acabou sendo objeto para as políticas públicas. É a partir disto, então, que
surgem os movimentos em busca de reformas sanitárias, configurando instituições de
saúde pública.
A Lei dos Pobres foi decretada em 1833 como sistema legal de assistência aos
pobres na Grã-Bretanha (AMARANTE, 2003a). Neste decreto foi instituído workhouses
onde pessoas consideradas saudáveis recebiam assistência médico-sanitária em troca de
sua força de trabalho. Por causa de abusos, a Comissão Central da Lei dos Pobres foi
extinta em 1847, e as workhouses tornaram-se instituições de assistência pública em 1930.
Em 1848 são a promulgados os primeiros Decretos Nacionais de Saúde Pública e
o Decreto Sanitário em 1866, propondo regulação do esgoto e disposição de refugos,
habitação de animais, suprimento de água, prevenção e controle de doenças, registro e
inspeção de residências de cuidados e hospitais privados, etc. Tais medidas representaram
para a saúde pública um caráter universal, “científico” e compulsória, e formou base para
os primórdios da higiene industrial (AMARANTE, 2003a).
Com a Revolução Francesa, há uma troca de poderes vigentes no campo da saúde,
passando da figura dos reis e da Igreja, para a racionalidade e o método científico. Os
médicos, por meio das ciências naturais, tornam-se detentores das práticas e
saberes/poderes da saúde, através da medicina de espaço urbano e da internação

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compulsória, aplicando novos modos de processamento de uma chamada disciplina
hospitalar (AMARANTE, 2003a; FOUCAULT, 1975, 1979).
Com isso, a medicina, não preocupada com o indivíduo ou a doença, mas com o
espaço urbano, acaba relacionando-se com outras áreas do saber científico, como a
química e a física, para poder desenvolver e lidar com suas intervenções (AMARANTE,
2003a). É nesse esse período que surge a noção de salubridade como estado das coisas,
do meio e de seus elementos constitutivos, que permitem a melhor saúde possível para a
“medicalização da cidade”.
Inserida nesse contexto, a clínica (do grego klinus, que significa leito ou cama)
dará início à medicina moderna. A clínica médica, representada pelo leito e pela
assistência ao doente na cama, irá criar dispositivos de escuta de demandas em busca de
soluções e tratamentos (AMARANTE, 2003a). Com a atuação cotidiana do médico,
sendo personagem principal do hospital enquanto espaço científico, surge a clínica e a
Medicina Moderna, cujo enfoque é transferido do sujeito doente para o corpo doente, isto
é, para a doença.

AS POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Na conjuntura brasileira, diante da predominância de modelos hegemônicos como


o privatista (suplementar), institucionalizado e sanitarista, movimentos foram realizados
para mudança dos modelos vigentes de saúde pública. Desse modo, com o movimento da
Reforma Sanitária Brasileira, ao longo da década de 1980, o movimento da Reforma
Psiquiátrica e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) na Constituição de 1988 e sua
implantação nas últimas décadas, o sistema de saúde no Brasil chegou ao século XXI
organizado em torno da promoção da saúde (CHIESA et al., 2007; PAIM et al., 2011).
No Brasil, no período da Primeira República (1889-1930), foi implementada o que
é entendido como a primeira política de saúde. Eram as Campanhas Sanitárias, que tinham
como objetivo o combate às epidemias que estavam se espalhando pelas cidades do Rio
de Janeiro-RJ, São Paulo-SP e Santos-SP, e oferecendo ações e serviços para o resto do
país (AMARANTE, 2003b).
A Constituição de 1891 determinou que, cabia aos estados a responsabilidade
pelas ações de saúde e saneamento (SANTOS, 2002, 2005). Segundo Amarante (2003b),
as políticas de saúde ocorrerão, na virada do século XIX para o século XX, com as
mudanças no modo de produção, aliando autoritarismo ao nascente cientificismo europeu.

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Oswaldo Cruz, oriundo do Instituto Pasteur, irá enfrentar as epidemias da época (febre
amarela e varíola) que ameaçam a saúde dos portos e a agro exportação por meio de
campanhas com vacinações e inspeções sanitárias. Ou seja, as primeiras ações do Estado
na área de saúde tinham um claro interesse econômico, para viabilizar as exportações dos
produtos brasileiros. Cruz será destaque como líder da reforma sanitária no Brasil a partir
de 1899, combatendo a febre amarela, varíola e peste bubônica. Elaborou o Código
Sanitário em 1904, introduzindo a desinfecção a notificação permanente de doenças
infectocontagiosas, a vacinação obrigatória e a polícia sanitária (AMARANTE, 2003b).
Com as ações de Oswaldo Cruz, avançou-se bastante no controle e no combate de
algumas doenças, além do conhecimento sobre as mesmas. Mas apesar das ações de saúde
pública estarem mais voltadas para ações coletivas e preventivas, grande parte da
população ainda não possuía recursos próprios para custear uma assistência à saúde.
As pesquisas acerca das doenças baseavam-se na observação da morbidade com
registro contínuo dos quadros de adoecimento e morte (evolução da doença e
acompanhamento dos casos) e na busca de casualidade e formas de transmissão das
doenças (COSTA, 1985). Começava assim a busca por conhecimento e ações na área de
saúde pública, com a criação em 1897, da Diretoria Geral de Saúde Pública e a criação
de institutos específicos de pesquisa, como o Instituto Soroterápico Federal criado em
1900, renomeado Instituto Oswaldo Cruz (IOC) um ano depois.
Em 1923, o Deputado Eloy Chaves apresentou um Projeto de Lei que propunha a
implementação da Caixa de Aposentadoria e Pensões para os ferroviários, em cada uma
das empresas de estrada de ferro, inovação na área da assistência médica (AMARANTE,
2003b; TEIXEIRA & OLIVEIRA, 1985). Essa Caixa de Aposentadorias e Pensões
(CAPs) foi criada especificamente para os servidores públicos e organizado segundo os
princípios da seguridade social, dependendo de contribuição por parte dos segurados.
As CAPs eram organizadas pelas empresas e administradas e financiadas por
empresas e trabalhadores, em uma espécie de seguro social. Nem toda empresa oferecia
ao trabalhador a possibilidade de formação de uma CAP, esse era um benefício mais
comum nas empresas de maior porte. O Estado em nada contribuía financeiramente e
muito menos tinha responsabilidade na administração dessas Caixas, sua atuação
restringia-se à legalização de uma organização que já vinha se dando de maneira infor ma l
desde 1910, e ao controle a distância do funcionamento dessas caixas, mediando possíveis
conflitos de interesses (TEIXEIRA & OLIVEIRA, 1985).
Com as CAPs, uma parcela mínima dos trabalhadores do país passava a contar

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com uma aposentadoria, pensão e assistência à saúde, marcando uma tradição brasileira
nas políticas públicas de saúde de subordinação do direito à assistência médica a um
sistema de previdência social (AMARANTE, 2003b). Entre as atribuições estavam a
concessão a socorro médico, medicamento a preços especiais, aposentadorias e pensões
para os herdeiros em caso de morte do titular. O Estado não participava diretamente do
sistema, controlando-o apenas à distância, normalizando e regulando o que lhe competia.
O movimento sanitarista da Primeira República obteve importantes resultados,
principalmente na dimensão política, o que pode ser observado com a criação, em 1920,
após um intenso processo de negociação política, envolvendo sanitaristas, governo
federal, estados e poder legislativo, do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP),
dirigido até 1926 por Carlos Chagas (SANTOS, 2002, 2005; TEIXEIRA & OLIVEIRA,
1985). À princípio, defendia-se a criação de um ministério autônomo, porém essa
proposta foi fortemente atacada pelas oligarquias rurais que apontavam essa criação como
uma ameaça às autonomias dos estados. Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e
da Saúde Pública (Mesp) no Governo Provisório do Presidente Getúlio Vargas, o qual
passou por seguidas reformulações.
Conforme descreve Amarante (2003b) a Revolução de 1930, o CAPs foi
substituído pelo Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs). Com a criação dos IAPs
passou-se a incluir em um mesmo instituto toda uma categoria profissio nal, não mais
apenas empresas, e o Estado passou a participar da sua administração, controle e
financiamento. A partir de 1946 surgem os hospitais próprios de cada instituto, junto ao
crescimento de rede públicas estaduais e municipais dando assistência de qualidade
inferior aos marginalizados pela previdência social.
Dá-se início à criação de um sistema público de previdência social, porém, ainda
se mantinha o formato do vínculo contributivo formal do trabalhador para a garantia do
benefício, caso não contribuísse estaria excluído do sistema de proteção. Dessa forma, a
proteção previdenciária era um privilégio de poucos, ocasionando uma injustiça social
em grande parte da população, podendo-se notar uma cidadania regulada e excludente,
pois não garante a todos os mesmos direitos.
A partir de 1945 o país inicia um período de 19 anos de experiência democrática
e a saúde pública passou a ter uma estrutura mais centralizada com programas e serviços
verticalizados para implementar campanhas e ações sanitárias. A criação do Ministér io
da Saúde (MS), a reforma dos serviços nacionais, mantinha como posição hegemônica a
defesa do foco central nas doenças das coletividades. O modelo ainda se mantinha vertical

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e coordenado pelo governo federal (LIMA, 2005).
O golpe militar de 1964 trouxe mudanças para o sistema sanitário brasileiro, com
destaque na assistência médica, no crescimento progressivo do setor privado e na
abrangência de parcelas sociais no sistema previdenciário (AMARANTE, 2003b). A
primeira ação significativa no sistema previdenciário brasileiro ocorreu em 1966 com a
unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) no Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS). O novo órgão permitiu uma padronização dos institutos,
principalmente acerca dos benefícios prestados. Há ainda extensão da cobertura
previdenciária com relação a assistência psiquiátrica, até então realizada em hospitais
públicos, sobretudo para pessoas de baixa renda (TEIXEIRA & OLIVEIRA, 1985).
As pressões por reforma na política de saúde possibilitaram transformações ainda
nos anos 70. Em 1974, com a criação do Plano de Pronta Ação (PAA), foi permitido o
atendimento à não contribuintes da previdência, mas só para casos de emergência e
através de convênios com hospitais universitários. Em 1975 é criado o Sistema Nacional
de Saúde (SNS) definindo algumas diretrizes que foram importantes para as políticas de
saúde (LIMA, 2005).
O Movimento da Reforma Sanitária (ou Movimento Sanitário) ganhou força após
a crise do modelo implementado pelo Regime Militar e com a crise financeira da
Previdência Social (COSTA, 1985). Indicava propostas de expansão da área de
assistência medica da previdência. Na tentativa de formular alternativas para crise do
modelo assistencial devido à crise financeira da Previdência (TEIXEIRA & OLIVEIRA,
1985), o governo militar propôs a Co-gestão (política de planejamento e gestão conjunta
entre os Ministérios da Saúde, da Previdência e Assistência Social, e da Educação) e o
Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (Conasp).
Os reformistas buscavam a universalização do direito à saúde, a unificação dos
serviços prestados pelo Inamps e a integralidade das ações. Crescia o debate sobre o
direito à saúde, em um sentido mais amplo (AMARANTE, 2003b). Portanto, o direito à
saúde significava a garantia de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitár io
às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação em todos os níveis, assegurado
pelo Estado.
As Ações Integradas de Saúde (AIS), implementadas na década de 80 após o
Conasp, rompem com o antigo modelo propondo a descentralização e hierarquização dos
serviços de saúde e a universalização do atendimento (AMARANTE, 2003b). Em 1985,
o regime militar chega ao fim, e as AIS constituem uma importante estratégia no processo

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de descentralização da saúde. Líderes do movimento sanitarista passam a ocupar posições
de destaque no âmbito político- institucional no país, coordenando as políticas e
negociações no setor da saúde e previdência (NUNES, 1998; TEIXEIRA & OLIVEIRA,
1985).
Existia a necessidade de uma reforma mais profunda, com a aplicação do conceito
de saúde e sua correspondente ação institucional. Foi aprovada, por unanimidade, a
diretriz da universalização da saúde e do controle social efetivo de acordo com as práticas
de saúde estabelecidas, permanecendo as propostas de fortalecimento do setor público,
garantindo um direito à saúde integral (LIMA, 2002). Em julho de 1987, criou-se o
Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (Suds), que se apresentou como base na
construção do SUS.
O Suds avançou na política de descentralização da saúde e, principalmente na
descentralização do orçamento, permitindo uma maior autonomia dos estados na
programação das atividades do setor; deu prosseguimento às estratégias de hierarquização
e universalização da rede de saúde e buscou a retirada dos poderes centralizados
(VENÂNCIO, 2005).
Talvez o possível ápice da luta tenha sido a partir da Constituição de 1988, na
Assembleia Nacional Constituinte de 1987/88. O Sistema Único de Saúde (SUS) foi
instituído como a Política Nacional de Saúde, tendo como base o relatório da 8ª CNS para
discutir a reforma sanitária (AMARANTE, 2003b; FARIA, 1997). As disputas de
interesse durante as discussões não foram suficientes para barrar a aprovação do SUS e
seus princípios, mas impediram a definição de algumas políticas importantes para o
processo de implementação da reforma, tais como o financiamento, a regulação do setor
privado, a estratégia para a descentralização e unificação do sistema, dentre outras
Concebida pela Constituição Federal de 1988, o SUS é o resultado de um processo
de articulação do Movimento pela Reforma Sanitária e de diversas pessoas
comprometidas com o reconhecimento dos direitos sociais de cada cidadão brasileiro
(AMARANTE, 2003b; FARIA, 1997), ao determinar um caráter universal às ações e aos
serviços de saúde no País. O processo de consolidação do SUS implicou em mudanças na
legislação brasileira, buscando uma melhor implementação do sistema onde possa
acompanhar as transformações econômicas e sociais do Brasil. Ao longo de 1989, as
negociações se concentraram em torno da lei complementar que daria bases operacionais
para o SUS.
A instituição do SUS, a partir da Constituição Federal de 1988, representa um

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marco histórico das políticas de saúde no Brasil (AMARANTE, 2003b), pois redefine as
políticas de saúde com base em na garantia ao direito fundamental de cidadania,
obrigatoriamente fornecido pelo Estado.
A legitimidade do processo constituinte e do movimento pela reforma sanitária
constitui-se na melhor garantia da operacionalização dos ideais dos SUS, ou seja, de seus
princípios e diretrizes. Foi assegurado pela Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990,
mantendo a perspectiva de participação social na gestão do SUS e consequenteme nte,
conquista dos cidadãos, que passaram a ocupar espaços estratégicos a partir de dentro dos
aparelhos do Estado (NUNES, 1998). No governo Collor, no final de 1990, são aprovadas
leis que regulamentam o funcionamento do SUS, reforçando o papel de competência de
planejar, organizar, controlar e avaliar as ações de saúde, e gerir e executar os serviços de
saúdes atribuídos aos municípios.
O SUS é um marco e chega para romper com o modelo elitista de assistência à
saúde, o modelo institucionalizado, higienista e previdenciário, universalizando o direito
à saúde. Define diretrizes para ampla reorganização do sistema de serviços de saúde sob
responsabilidade do Estado, enfatizando a descentralização, o financiamento, o controle
social e a participação da comunidade, a gestão do trabalho, o atendimento integral, com
prioridade para as atividades preventivas e sem prejuízo dos serviços assistenc ia is
(AMARANTE, 2003b).

INSERIDO NA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

A vivência prática no presente trabalho consistiu em visitas e contato com a Rede


de Atenção Psicossocial de Aracaju-SE, especificamente nos serviços voltados à usuários
de álcool e outras drogas, através do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras
Drogas Primavera (CAPS AD Primavera), no bairro Atalaia, e do Programa de Redução
de Danos (PRD). Barros et al. (2011) define a Rede de Atenção Psicossocial como:
“(...) um conjunto de serviços que consolidam uma estrutura de cuidado às
pessoas com transtornos mentais ou que fazem uso abusivo de substâncias
psicoativas. Essa rede ou trama de serviços busca atender às necessidades de
saúde dos usuários em um contexto mais amplo, utilizando -se para tanto de
todos os equipamentos existentes no território, rompendo com o modelo
anterior de cuidado que tinha como foco o asilamento, a exclusão e a
consequente negação da cidadania.” (p. 34).

É importante destacar que a Rede de Atenção Psicossocial está atravessada pelo


movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que traz, junto com os movime ntos

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antipsiquátricos ao redor do mundo, um processo de desinstitucionalização nas redes de
tratamento aos indivíduos com transtorno mental (BRASIL, 2005). O verbo
“desinstucionalizar”, (re)inventado e (re)significado, articula-se com o verbo
“humanizar”, com a produção de mudanças nos contextos epistemológicos e teóricos, nas
ações cotidianas e, sobretudo, na cultura institucional e nos modos de produção de saúde
e dos serviços de saúde mental.
O processo de Reforma Psiquiátrica não pretendia apenas acabar com os hospitais
psiquiátricos e seu modelo de tratamento, mas também introduzir uma política de
reconstrução das bases científicas e adjuntas para o cuidado e o tratamento de indivíd uos
com transtornos mentais (BASAGLIA, 1985). Esse movimento parte de uma luta
antimanicomial nas clínicas e de democratização da saúde, a partir da garantia de direitos
sociais e de cidadania para, principalmente, os usuários do sistema de tratamento em
saúde mental. Os movimentos antimanicomiais lutaram por um rompimento com o
modelo hospitalar psiquiátrico (BARBOSA, 2012) e a favor de uma rede de atenção e
cuidados em saúde mental.
A Reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial, bem como as redes de atenção
psicossocial aos usuários dos serviços de saúde mental se mostram um grande desafio,
em nível nacional, regional e local. Nesse sentido, Aracaju-SE mostra-se uma cidade
desenvolvida e caminhando à passos largos para o surgimento de novas políticas e formas
de tratamento desvinculadas do regime antigo.
Segundo o Ministério da Saúde do Brasil (2015), Aracaju possuía (no ano de
2015) três CAPS III, um CAPS ad III, um CAPS AD/infanto-juvenil e um CAPS I, quatro
Residências Terapêuticas, dezesseis agentes de Redução de Danos, uma urgência
psiquiátrica, serviço hospitalar de referência em saúde mental, SAMU, referências
ambulatoriais de saúde mental, equipes de Saúde da Família, leitos em hospital
universitário e Unidades de Pronto Atendimento. É notável, conforme indicado na
literatura, durante as visitas e o seminário, a evolução no modelo de tratamento em saúde
mental na nossa cidade.
A partir das visitas no CAPS AD Primavera e no contato com o Programa de
Redução de Danos, e a partir dos textos usados como material teórico e dos seminár ios,
pôde-se observar o fato de que algumas ações são desenvolvidas na perspectiva da clínica
ampliada e visando os princípios pregados pelo SUS (BARROS et al., 2011; BRASIL,
2005, 2015) em Aracaju, dentre elas: o trabalho de humanização com a equipe de
referência; a facilitação de grupos de educação em saúde com profissionais da equipe

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multidisciplinar; a realização de visitas domiciliares; e as reuniões com os agentes
comunitários de saúde, dentre outras.
Durante as visitas e a articulação teoria-prática durante a preparação e
apresentação dos seminários, ficou nítido como funciona, dentro da Rede de Atenção
Psicossocial, o Modelo de Atenção e Cuidado aos Usuários de álcool e outras drogas.
Esse modelo está em harmonia com o que se é discutido ao longo do movimento da
Reforma Psiquiátrica e das diretrizes do Modelo de Atenção Psicossocial (BRASIL,
2015). O enfoque, por exemplo, é o indivíduo, e não o seu transtorno ou demanda, e assim
busca-se fortalecer suas subjetividades e fornecer a ele os suportes e cuidados necessários
durante sua vivência na rede.
Isso está relacionado aos dispositivos que foram selecionados para serem
observados durante as visitas. Segundo a Política Nacional de Humanização (BRASIL,
2004), por dispositivos entende-se a atualização das diretrizes de uma política em arranjos
de processos de trabalho. É um arranjo de elementos, que podem ser concretos e/ou
imateriais capazes de dar início ou de disparar processos. Eles são ferramentas que
disparam mudanças no processo de trabalho agenciando ações com outros dispositivos e
grupos de trabalho, na perspectiva de construção de redes solidárias e cooperativas.
A atenção psicossocial aponta para a necessidade de construir dispositivos e redes
que representem a superação do modelo asilar, assim como intervenções que direcione m
a assistência para as transformações necessárias nas configurações subjetivas e nos
processos de produção social (BRASIL, 2004). Os CAPS têm se constituído como
dispositivos que buscam tornarem-se substitutivos às internações psiquiátricas,
oferecendo, além da atenção à crise, um espaço de convivência e a criação de redes de
relações que se alarguem para além dos locais das instituições, atingindo o território da
vida cotidiana dos usuários.
Estar em rede também é estar em movimento. Nenhum dos dispositivos ou pontos
de cuidado funciona fechado em si mesmo, e aumentam sua potência quando se articula m
em rede. Resolvemos, nesse sentido, observar durante as visitas os seguintes dispositivos :
Projeto Terapêutico Singular (PTS), Apoio Matricial, e Colegiado Gestor.
O Programa Terapêutico Singular consiste em pensar junto ao usuário as
demandas e necessidades, buscando intervenções com objetivo no cuidado singular e
focando sua subjetividade, para quebrar com a lógica da medicalização proposta pelos
manicômios (BARROS et al., 2011; BRASIL, 2004). Nesse sentido, destaco desde a fase
do acolhimento, que pode ser realizada por qualquer profissional e oferece um suporte e

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enlace inicial com o sujeito, até o desenvolvimento de atividades e trabalhos voltados
para a expressão artística ou das potencialidades do mesmo, como formas de manifestação
desse dispositivo no CAPS AD Primavera.
O acolhimento realizado lá busca estabelecer um caráter profissional, mas também
receptivo, constituindo o primeiro contato do usuário com o serviço, garantindo a sua
escuta, o registro de sua história, e permitindo sua expressividade. A vivência é construída
pelo próprio usuário a partir da sua relação com os dispositivos e práticas dentro da Rede
(BRASIL, 2005, 2015), desde a fase de acolhimento, durante as oficinas, grupos de
trabalho, dinâmicas, reuniões das assembleias gerais, dentre outras atividades que são
desenvolvidas pelo modelo.
Foi interessante perceber as diversas práticas que transpassam o serviço, as quais
eu não fazia ideia que seriam possíveis (por exemplo, a realização de atividades físicas
em parceria com uma academia) e que se tornam possíveis através do manejo dos
dispositivos ali presentes. Em contrapartida, a experiência compartilhada por um colega
do nosso grupo, com relação ao não acolhimento de algumas pessoas que o
acompanharam até o local, me chamou a atenção negativamente, no sentido em que vai
de encontro as diretrizes do SUS, referentes ao dispositivo de acolhimento.
O Apoio Matricial é uma lógica de produção do processo de trabalho na qual um
profissional oferece apoio em sua especialidade para outros profissionais, equipes e
setores (BRASIL, 2004). Inverte-se, assim, o modelo tradicional e fragmentado de
saberes e práticas, já que ao mesmo tempo em que o profissional cria pertencimento à sua
equipe/setor, também funciona como apoio, referência para outras equipes.
O espaço de trabalho dos profissionais, dentro do CAPS AD Primavera, funcio na
como um espaço de formação, permitindo a evolução e o aprendizado constante, bem
como a interdisciplinaridade e o funcionamento da equipe de forma coesa, o que também
pode ser visto nas reuniões da equipe de saúde mental, que são feitas semanalmente.
Nesse contexto, também é importante destacar a atuação conjunta do Programa de
Redução de Danos com a Rede de Atenção Básica e da colaboração do CAPS AD
Primavera com o Hospital de Urgência São José. Ambas articulações se encaixam dentro
da ideia de integralidade proposta pelo SUS, que se faz importante quando se analisa a
vulnerabilidade e condições que se encontram os usuários do serviço do CAPS AD
Primavera.
O Colegiado Gestor traz um modelo de gestão participativa, centrado no trabalho
em equipe e na construção coletiva (BRASIL, 2004). Os colegiados gestores garantem o

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compartilhamento do poder, a co-análise, a co-decisão e a co-avaliação. O colegiado é
um espaço coletivo deliberativo e é composto por todos os membros da equipe ou por
representantes. Tem por finalidade elaborar o projeto de ação da instituição, atuar no
processo de trabalho da unidade, responsabilizar os envolvidos, acolher os usuários, criar
e avaliar os indicadores, sugerir e elaborar propostas.
Apesar do funcionamento de uma equipe multiprofissional não ser garantia de um
trabalho interdisciplinar, a forma como as discussões e reuniões são feitas contribuem
para a coesão e a noção de grupo, seja nas discussões dos casos, nas intervenções
conjuntas, etc. Esse modelo de trabalho está intimamente ligado com os movimentos de
desfragmentação e descentralização do poder que é uma das pautas de luta da Reforma
Psiquiátrica e que é um dos principais focos do Modelo de Atenção Psicossocial
(AMARANTE, 2003b; BRASIL, 2005).
A implantação e o funcionamento atual de serviços são exemplos de como esse
modelo de atenção psicossocial é viável. Porém, sempre há o que melhorar, na seja na
garantia dos direitos dos usuários, na formação e qualificação dos profissionais, na
estrutura e na rede de apoio, etc. O CAPS AD Primavera, por exemplo, possui uma
demanda de mais de 400 usuários, o que torna desgastante todo o processo terapêutico e
de acompanhamento, e sobrecarrega os profissionais. Nesse sentido, os dispositivos
observados nesse serviço tornam-se de difícil articulação, devido ao número de
contingente de usuários e do pouco efetivo de profissionais.
Necessita-se, cada vez mais, maiores investimentos nessa área, sejam eles
financeiros ou não, e a atuação conjunta da equipe com a comunidade (algo que, até hoje,
possui entraves), no que condiz à responsabilidade coletiva no cuidado e apoio aos
usuários desses serviços. Ao mesmo tempo, é também notória a tentativa de fazer
funcionar um sistema que está, estruturalmente sucateado e necessitando de
investimentos. Esse tipo de esforço faz parte da lógica do modelo de políticas públicas e
transpassa também os usuários.
Nesse sentido, é preciso fortalecer os movimentos de lutas e em prol dos direitos
do antipsquiátrico e visando melhorias dos serviços e conscientizar a população da
importância dessa luta e desses movimentos, descontruindo paradigmas e preconceitos
existentes. A construção de um modelo de atenção psicossocial mais humanizado só é
possível com o pensamento de que, assim como no funcionamento do REAPS, os
processos e as soluções são melhores executadas quando o coletivo atua harmonicame nte.

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CONCLUSÃO

A Saúde Pública é um campo que exige atualizações, reflexões e novas


metodologias de seus profissionais. É preciso romper com o modelo tradicional de clínica
e criar novas práticas, de acordo com o contexto em que os indivíduos estão inseridos,
sem temer a não ortodoxia. É necessário, ainda, resgatar as múltiplas dimensões de saúde
e reformular a postura de intervenção profissional, além de incorporar outros saberes para
compor a produção do cuidado com a saúde.
O psicólogo deve repensar seu modelo de atuação e redimensionar o papel da
Psicologia no campo da saúde pública. É preciso desinstucionalizar os saberes e práticas
vigentes, a formação acadêmica e questionar as formas instituídas que atravessam os
cursos de “Psicologias”, que historicamente privilegiam a clínica privada e o atendime nto
individualizado, trazendo em sua prática aspectos de uma lógica neoliberal e uma
aplicação do modelo biomédico, que assume paradoxalmente postura contrária ao modelo
psicossocial de assunção da territorialidade, integralidade e humanização definidos pelo
SUS.
Também se faz necessário contrapor as políticas pensadas nas formas que acabam
produzindo um saber sobre o outro tomado como verdade absoluta ou que implicam em
retrocessos em todo o percurso de lutas já construído. Essa postura contra esses
retrocessos se faz muito importante no atual cenário político que estamos vivencia ndo,
principalmente após a publicação da Nota Técnica pelo Ministério da Saúde e dos
discursos que circulam nesse novo governo.
É necessário substituir o paradigma da clínica pelo da Saúde Pública, um modo
sempre mutante e flexível de fazer saúde. A consolidação da Psicologia como uma
profissão da saúde pública representa uma crença em sua potencialidade como
instrumento de transformação e a potência de subjetividades, emoções e experiências dos
usuários desse sistema.
A relação Psicologia e SUS deve ser discutida sob a ótica dos princípios de
integralidade, autonomia, co-responsabilidade e transversalidade, estando, na interface
prática desses princípios a mais genuína contribuição da Psicologia para o SUS. Porém,
compreende-se que o ser-fazer do psicólogo sob a dimensão desses princípios é
desafiador e complexo, e suas perspectivas devem ser traçadas de modo ativo, crítico e,
acima de tudo, ético.
A Rede de Atenção Psicossocial no SUS, na perspectiva da atenção psicossocial,

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percebe a dimensão da pessoa que procura o serviço como o morador de um bairro, como
um cidadão, enfim, com o conjunto de dimensões que adquiriu em sua existência; ou seja,
para que seja respeitada a integralidade, não há de ser considerada a doença, mas a
existência e o sofrimento, e isso requer que não haja centralidade do manejo clínico de
nenhuma ordem.
Deve-se (re)conhecer que as dimensões simbólica e afetiva, articuladas, derivam
do contexto social, o qual é formado por outros indivíduos, subjetivados e afetados por
sentimentos, sensações e práticas, e que têm corpos e inscrições de poder nas relações
sociais. É fato que existem muitos desafios a serem elaborados e ressignificados, mas,
também temos inúmeras perspectivas e contribuições no campo da saúde pública do
Brasil. Esses são apenas os passos iniciais que a Psicologia propõe no contexto analisado,
com vistas à construção de uma atuação baseada na integralidade e na humanização do
cuidado, junto a proposta do SUS.

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