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Ativismo judicial: notas introdutórias a uma polêmica

contemporânea

ATIVISMO JUDICIAL: NOTAS INTRODUTÓRIAS A UMA POLÊMICA


CONTEMPORÂNEA
Judicial Activism: Introductory remarks on a recent polemical subject
Revista dos Tribunais | vol. 1008/2019 | Out / 2019
DTR\2019\40623

Georges Abboud
Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.
Professor de Processo Civil da PUC-SP e do Programa de Mestrado em Direito
Constitucional do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP-DF. Advogado e Consultor
Jurídico. georges.abboud@neryadvogados.com.br

Gilmar Ferreira Mendes


Ministro do Supremo Tribunal Federal. Professor de Direito Constitucional nos cursos de
graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília-UnB e
Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Doutor em Direito pela Universidade de
Münster, República Federal da Alemanha, Alemanha. gilmaracademico@gmail.com

Área do Direito: Constitucional


Resumo: O presente artigo se propõe a esclarecer alguns mal entendidos que se
abateram, recentemente, sobre a questão do ativismo judicial no Brasil. Para tanto, são
apresentadas as principais discussões travadas na doutrina estrangeira sobre o assunto,
as quais explicitam o ativismo como um fenômeno vazio de qualquer ideologia,
relacionando-se, antes de tudo, com a suspensão, pelo Poder Judiciário, dos seus
pré-compromissos democráticos. Ao final, demonstra-se a ligação desse problema com a
discricionariedade judicial.

Palavras-chave: Direito constitucional – Ativismo judicial – Teoria da decisão –


Democracia
Abstract: This article aims to clarify some recent misunderstandings about the issue of
judicial activism in Brazil. In order to do so, the main discussions on the subject are
presented, which set forth the thesis that activism judicial is a phenomenon devoid of
any ideology. It is related, first and foremost, to the suspension, by the Judiciary, of its
pre-democratic commitments. In the end, the connection of this problem with the
broader issue of judicial discretion is demonstrated.

Keywords: Constitutional law – Judicial activism – Theory of decision – Democracy

Sumário:

1 Introdução: a retificação dos nomes - 2 Pontos de partida: limites da interpretação


constitucional e controle de constitucionalidade. O que não é ativismo judicial - 3 Uma
verdade incômoda: o ativismo judicial é um fenômeno vazio de ideologia. Não há – e
nem poderá haver – bom ou mau ativismo - 4 O ativismo judicial é uma postura
discricionária do Poder Judiciário, que redunda em uma ingerência insidiosa frente ao
Legislativo e ao Executivo - Referências bibliográficas

1 Introdução: a retificação dos nomes

Quando um de seus discípulos perguntou ao sábio Confúcio qual deveria ser a primeira
ação de um bom governante, o filósofo chinês teria lhe respondido: “chamar as coisas
1
pelo nome certo”.

Esse conselho, presente no terceiro verso do décimo terceiro livro dos Analectos, viria
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Ativismo judicial: notas introdutórias a uma polêmica
contemporânea

ser conhecido, nos séculos futuros da literatura chinesa, como a Retificação dos Nomes.
Segundo Confúcio, se a própria língua não se curvar ao que é real, renunciando à
frouxidão e à gratuidade, todas as nossas ações estarão fadadas a um amargo
2
insucesso.

No atual mundo jurídico brasileiro, poucas palavras têm sido alvo de tanta confusão
3
como estas duas: “ativismo judicial”. A consequência dessa poluição semântica é tão
simples quanto tenebrosa: o obscurecimento total sobre o fenômeno que elas buscam
designar. A falta de clareza é tal que, hoje em dia, tanto a direita como a esquerda
utilizam a expressão para explicar posturas judiciais diametralmente opostas. Frise-se
não há nada de novo nesse tipo de conflito. Nos EUA, as polêmicas sobre o termo
também se desenvolvem a partir de forte embate ideológico entre Democratas e
Republicanos.

Diga-se mais: há setores da doutrina – e até mesmo do próprio Judiciário – que


defendem, ostensivamente, a postura ativista na aplicação cotidiana do direito, sem
sequer demonstrar sobre o que efetivamente estamos falando.

Por esses e outros motivos é que algumas considerações introdutórias sobre esse tema
se fazem urgentemente necessárias. O que o leitor encontrará nas próximas linhas não
passará de um ensaio, uma tentativa de conceituação que, apesar de incompleta, ao
menos se inspira no célebre aforismo orteguiano de que “a clareza é a cortesia do
4
filósofo”.

2 Pontos de partida: limites da interpretação constitucional e controle de


constitucionalidade. O que não é ativismo judicial

A primeira providência a ser tomada é o domínio do status quaestionis. Para tanto, basta
nos voltarmos à literatura norte-americana sobre o tema, já que todo o debate sobre
ativismo judicial parece, de algum modo, se estruturar sobre a tensão existente entre o
5
judicial review e judicial self restraint. Isto é, entre a possibilidade de se anularem leis
inconstitucionais e a necessidade de respeitar os limites da separação de poderes. Dito
de outra forma, o ativismo judicial é, antes de tudo, como bem notou Doug Bandow,
6
uma questão relativa aos limites da interpretação da Constituição.

O controle de constitucionalidade gera um problema para o constitucionalismo: para


impor limites ao poder governamental, o controle judicial é exercido em detrimento do
7
autogoverno que o povo exerce sobre seus próprios atos. Essa é uma das dimensões
contramajoritárias do constitucionalismo contemporâneo.

Isso se deve, em grande parte, à evolução prática e histórica da judicial review, ou,
melhor dizendo, do controle de constitucionalidade no molde norte-americano. Afinal, é
preciso lembrar que, ao contrário da Constituição de 1988, a Constituição
norte-americana não prevê nem a possibilidade do controle de constitucionalidade, e
muito menos os limites do seu exercício.

Christopher Wolfe, em obra específica sobre o tema, identifica três grandes fases nesse
processo evolutivo. A primeira está compreendida entre o advento da Constituição e o
8
surgimento efetivo da judicial review, com o precedente Marbury vs. Madison. A
segunda fase, de cariz mais restritivo, é marcada, de um lado, pelo declínio da judicial
review e, do outro, por uma utilização crescente da posição originalista no controle de
9
constitucionalidade das leis e atos do Estado. Por fim, a terceira se consolida a partir da
segunda metade do século XX, com a atuação cada vez mais pronunciada da Suprema
Corte dos EUA na proteção de direitos, assegurando, inclusive, aqueles que não teriam
previsão expressa na constituição. Essa etapa é marcada, também, por decisões a favor
da eliminação das discriminações raciais e sexistas, as quais tinham por mote a
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isonomia.

De acordo com Gerald Walpin, uma das vozes mais críticas ao ativismo judicial, os juízes
da Suprema Corte deveriam se limitar aos ditames da Constituição, extirpando leis que
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Ativismo judicial: notas introdutórias a uma polêmica
contemporânea

sejam incompatíveis com o seu texto e declarar a constitucionalidade das leis que não
incorram nesses vícios, sem levar em consideração as suas opiniões pessoais. Caso
contrário, esses julgadores atuarão de maneira ativista quando sobrepuserem suas
vontades ou entendimentos particulares de como deveriam ser as leis, cassando
legislação que não seja contrária ao texto da Constituição ou criando novas
determinações, novos direitos e obrigações, sem qualquer previsão ou compatibilidade
11
constitucional.

Na visão de Walpin, um levantamento histórico das decisões mais importantes da


Suprema Corte norte-americana revela que, em diversas oportunidades, os seus juízes
não se pautaram na Constituição para julgar os casos que lhes eram apresentados,
formulando, antes, votos baseados em suas visões políticas e sociais particulares,
descumprindo assim, em última instância, o juramento que os possibilitou ingressar no
12
cargo.

De nossa parte, consideramos a atuação contramajoritária, a afirmação de direitos


fundamentais contra maiorias democráticas, exercidas por meio da judicial review,
serem essenciais em uma democracia tão frágil como a brasileira. Adiante-se, desde já,
que exercer ou não controle de constitucionalidade não é, por si só, um ato
caracterizador do ativismo judicial, já que nossa própria Constituição o prevê de maneira
expressa e a legislação infraconstitucional regulamenta suas minúcias.

Nessa perspectiva, não podemos confundir o ativismo judicial com algumas posturas
judiciais que, no século XXI, sob a égide da Constituição de 1988, são perfeitamente
legítimas. Destacamos: i) o controle dos atos do Legislativo e do Judiciário, quando eles
se mostrarem contrários, formal e/ou materialmente, ao texto constitucional e às leis; ii)
a atuação contramajoritária do Judiciário para proteger direitos fundamentais contra
agressões do Estado ou de maiorias oriundas da própria sociedade civil e iii) atuação
normativa do STF na correção da ação da omissão legislativa nas hipóteses
constitucionalmente autorizadas, e.g., mandado de injunção.

Tais condutas simbolizam atos de submissão e respeito à ordem democrática, cujos


fundamentos se encontram em nossa Constituição Federal. Por conseguinte, no Brasil, o
que se designa – ou se deveria designar – por essa expressão é algo totalmente diverso
e até mais preocupante: trata-se da suspensão, pelo Poder Judiciário, dos
pré-compromissos democráticos (Constituição e leis), que dão lugar, pura e
13
simplesmente, à subjetividade de quem estiver julgando. É a troca do direito
institucionalizado nas leis e na jurisprudência pela ideologia ou pela política; mais, pelo
senso de justiça ou pelo moralismo.

A partir dela, o Judiciário se agiganta e invade, de forma indevida, a esfera dos outros
Poderes (Legislativo e Executivo). Antes que se levantem objeções a essa afirmação, é
óbvio que o Supremo Tribunal Federal, ao, por exemplo, declarar inconstitucional uma
lei, está atingindo diretamente a esfera do Poder Legislativo. Ocorre que a Constituição o
admite expressamente. O que nela não está previsto e, portanto, resulta absolutamente
proibido, é que o Judiciário, na figura de qualquer mulher ou homem investido do
dever-poder de julgar casos concretos, torne sem efeitos uma lei produzida
democraticamente, por motivos de discordância política ou ideológica com o seu
14
conteúdo.

Não é preciso muita agudeza para constatar o seguinte: trata-se, a bem da verdade, do
velho problema da discricionariedade judicial na sua pior e mais atual forma. Problema
esse que reside em negar o direito enquanto paradigma autônomo de normatividade e
submetê-lo aos ditames da política, independentemente do colorido ideológico para
tanto.

3 Uma verdade incômoda: o ativismo judicial é um fenômeno vazio de ideologia. Não há


– e nem poderá haver – bom ou mau ativismo

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Ativismo judicial: notas introdutórias a uma polêmica
contemporânea

Apesar da síntese dos argumentos lançados, não faltam segmentos da doutrina que,
dotados de preocupante criatividade, preferem identificar o bom e o mau ativismo. Pablo
L. Manili, por exemplo, afirma que o bom ativismo proporciona, entre outros, os
seguintes benefícios para o jurisdicionado: i) cria direitos, ou seja, assegura direitos não
previstos, expressamente, em nenhum diploma normativo; ii) amplia as garantias
processuais para a proteção de direitos; iii) assinala ao Congresso a necessidade de
reforma legislativa em determinada matéria; iv) controla os excessos do poder em geral;
v) flexibiliza certas decisões legislativas restritivas de direitos e vi) implementa
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mecanismos para superar a inconstitucionalidade por omissão.

Para nós, o ativismo, dentro da conceituação apresentada, é pernicioso para o Estado


Democrático de Direito. Não se pode diferenciar uma espécie boa e outra má. Ativista é
toda decisão judicial que se fundamente em convicções pessoais ou no senso de justiça
do intérprete, à revelia da legalidade vigente, entendida aqui como legitimidade do
sistema jurídico, e não como mero positivismo estrito ou subsunção rasteira do fato ao
16
texto.

No Brasil, o que Manili defende como bom ativismo é, na realidade, concretizar a


Constituição, atribuir-lhe força normativa. Dever que nos é imposto, e nunca uma opção.

Para corroborar as conclusões que acabamos de lançar, valemo-nos de um artigo


esclarecedor de Carson Holloway, intitulado, muito apropriadamente, de Judicial
Activism, by liberal and conservatives, is a danger to America (O ativismo judicial, seja
ele progressista ou conservador, representa um perigo para América). O título quase se
explica sozinho: tanto os progressistas como os conservadores podem ser ativistas e o
cultivo desenfreado dessa atitude impõe uma reconsideração sobre o papel do Poder
17
Judiciário.

O texto se inicia com referência ao julgamento, pela Suprema Corte norte-americana, do


caso Citizens United vs. Federal Election Comission, que diz respeito à ingerência de
organizações particulares em campanhas políticas. A controvérsia surgiu depois de a
Citizens United, uma organização sem fins lucrativos de orientação conservadora, ter
veiculado um documentário desabonador sobre Hillary Clinton às vésperas das eleições
primárias do Partido Democrata, em 2008.

A Suprema Corte, por maioria encabeçada pelo Justice Anthony Kennedy e quatro outros
magistrados de orientação conservadora, entendeu que o cerceamento de programações
desse tipo, previsto no Bipartisan Campaign Reform Act, promulgado em 2002, seria
inconstitucional, por violar a Emenda I à Constituição norte-americana, que garante a
liberdade de expressão.

Essa decisão, de acordo com Holloway, teria sido alvo de forte queixa, por parte dos
progressistas simpatizantes com o partido Democrata, no sentido de que a crítica
conservadora ao ativismo judicial é hipócrita. Ora, os cinco Justices conservadores nada
mais fizeram do que derrubar uma lei instituída democraticamente, superando, inclusive,
um precedente estabelecido (Austin v. Michigan Chamber of Commerce).

Estaríamos, portanto, diante de um exemplo de como a crítica ao fenômeno do ativismo


judicial, por parte da direita, é apenas uma ferramenta conveniente, de que dispõem os
conservadores para criticar decisões a que eles se opõem por motivos políticos,
escamoteando suas reais preocupações.

Entretanto, como observa Holloway, essa acusação de hipocrisia, mencionada acima,


esclarece pouca coisa. Afinal, ela não explica como se determinam os méritos das
posições progressistas e conservadoras sobre o exercício do Poder Judicial.

O mesmo, aliás, poderia ser dito dos progressistas quanto à decisão proferida pela
18
Suprema Corte no caso Boumedine v. Bush . Aqui, a Suprema Corte, por maioria de
Justices progressistas, concedeu habeas corpus a Lakhdar Boumediene, cidadão bósnio,
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Ativismo judicial: notas introdutórias a uma polêmica
contemporânea

mantido preso, pelo governo dos EUA, nos campos de detenção da Baía de Guantánamo,
cujo território pertence a Cuba. De acordo com a maioria, novamente liderada pelo
Justice Kennedy, os prisioneiros de Guantánamo teriam direito ao remédio constitucional
de habeas corpus, julgando-se, portanto, inconstitucional a suspensão dessa
prerrogativa, introduzida no direito norte-americano pelo Military Commissions Act, de
2006.

Logo, para o autor, tanto esse quanto aquele lado do espectro ideológico pode ser
acusado de ter uma oposição seletiva ao ativismo judicial. Quando a Suprema Corte
anula uma lei ou derruba um precedente, aqueles que discordam dessa decisão
acusam-na, geralmente, de ter incorrido em ativismo judicial.

Fato é que o juiz ativista pode ser o progressista ou o conservador. Para tanto, basta
que ele deixe de procurar a resposta no direito e a fabrique a partir da ideologia. Por
essa razão, está inadmitida qualquer divisão entre o bom e o mau ativismo.

Os autores norte-americanos, em geral, consideram bom o ativismo quando as posições


políticas dos julgadores são coincidentes com os seus interesses morais ou políticos; e
mau quando verificam o oposto. Ou seja, a questão judicial se transforma em mera
disputa política ou ideológica. É o velho risco da política colonizando todo o discurso
jurídico. Nessa colonização, o fundamento último do direito deixa de ser a Constituição e
passa a ser decisão política. O conflito judicial torna-se, assim, do ponto de vista
ontológico, um embate de ideologias ou visões de mundo. Diferenciar bom ou mau
ativismo, seja de um ponto de vista progressista ou conservador, consiste em cultivar
uma visão equivocada acerca do tema, que nada tem a esclarecer.

No Estado Constitucional, pode-se divergir sobre aspecto políticos; contudo, na solução


de questões jurídicas, não deveria haver discordância acerca da origem de toda e
qualquer decisão judicial: as leis e a Constituição Federal. Qualquer outra coisa é, como
adiantamos acima, discricionariedade, o último tópico desse ensaio.

4 O ativismo judicial é uma postura discricionária do Poder Judiciário, que redunda em


uma ingerência insidiosa frente ao Legislativo e ao Executivo

No contexto do common law, o ativismo relaciona-se com a dicotomia easy cases vs


19
hard cases, desenvolvida por Herbert Hart. Nestes, admite-se a atuação discricionária
do magistrado; naqueles, ela é vedada pelos limites estritos da lei e dos precedentes.

A teoria do direito, na sua feição contemporânea, propõe-se superar o exegetismo do


juiz bouche de la loi, defendendo a adoção de uma postura que, diante da vagueza dos
textos normativos, principalmente o constitucional, torna possível usar a própria vontade
como parâmetro decisório.

Disso resulta que o que interessa, para fins de combate ao ativismo, é o combate à
própria noção de discricionariedade judicial, entendida, aqui, como esse recurso ilegítimo
à vontade. É preciso mudar a mentalidade jurídica dominante, baseada, em muito, na
ideia de “bom ativismo” e em uma defesa irrefletida do caráter discricionário da
administração da justiça. No seu lugar, há de se colocar, como premissa inquestionável,
que nenhum julgador – pouco importando sua posição na hierarquia judicial – tem o
direito de ignorar os textos legais. Sob o jugo de uma Constituição como a de 1988,
todos os julgadores são colocados “under the rule of law”, conforme o aviso que nos fora
20
dado, já em 2008, por Augusto Zimmermann.

Por essa razão, repensar os termos com os quais, no Brasil, costumam-se traçar teorias
da decisão revela-se uma tarefa urgente, sem a qual não será possível reduzir o influxo
odioso da subjetividade nos julgamentos e colocar nosso país nos trilhos democráticos
de uma vez por todas. Sob a ótica ativista, a determinação do direito depende da
“cabeça” e do “coração” de quem decide, como se o sentido dos textos não existisse por
21
si só e pertencesse somente aos seus intérpretes.

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Ativismo judicial: notas introdutórias a uma polêmica
contemporânea

Não por acaso, a compreensão do ativismo judicial sempre nos remete a discussões
22
sobre a adequada função ou atuação dos juízes. Quando falamos nele, referimo-nos,
23
obrigatoriamente, à extrapolação de limites na atividade judicante.

Esse é o motivo pelo qual Cross e Lindquist descrevem o ativismo judicial como uma
falha das Cortes (e dos juízes) em agir enquanto Judiciário (“ act like a judiciary ”).
Inobstante a dificuldade em definir o que seria isso, os autores procuram identificar
alguns parâmetros que os possam auxiliar nessa tarefa. Em tal empreitada, apontam,
enfaticamente, à necessidade de que os julgamentos não sejam norteados pelas
24
preferências pessoais dos magistrados.

Caso o sejam, o ativismo leva, em última análise, à interferência irregular e nociva do


Poder Judiciário nas demais esferas do Estado. Repitamos: a Constituição de 1988 previu
para o Poder Judiciário, e para os demais poderes, funções atípicas, cujo exercício é
permitido, desde que permaneça restrito aos parâmetros desenhados pela engenharia
constitucional.

Compreender o ativismo judicial, a partir do atual status quaestionis e de uma rigorosa


teoria da decisão, é compreender a real função do direito. Nenhum entusiasmo ou
desejo de mudança pode suplantar o direito aprovado pelas regras democráticas. Juízes
não são, diretamente, agentes de transformação da realidade. Juízes são protetores do
direito, podendo agir, inclusive, de forma contramajoritária para tanto. Juízes asseguram
as regras do jogo e a estabilidade democrática, para assim possibilitar que a
transformação da realidade opere nas instâncias adequadas. O ativismo, enfim, é um
atalho pernicioso para fazer valer um determinado ponto de vista político, sem que se
percorra o imprevisível e necessário caminho do dissenso.

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1 CONFUCIUS. Analects. Translated by Edward Slingerland. Indianapolis: Hackett


Publishing Company, 2003, p. 139.

2 “If names are not rectified, speech will not accord with reality; when speech does not
accord with reality, things will not be successfully accomplished. When things are not
successfully accomplished, ritual practice and music will fail to flourish; when ritual and
music fail to flourish, punishments and penalties will miss the mark. And when
punishments and penalties miss the mark, the common people will be at a loss as to
what to do with themselves. This is why the gentleman only applies names that can be
properly spoken and assures that what he says can be properly put into action. The
gentleman simply guardas against arbitrariness in his speech. That is all there is to it.”
CONFUCIUS. Idem.

3 STEGMÜLLER, Wolfgang. A filosofia contemporânea. São Paulo: EPU, 1977, vs. 1 e 2,


passim.

4 ORTEGA Y GASSET, José. Que es filosofía. Madrid: Espasa-Calpe, 1974, p. 19. No


original: Siempre he creído que la claridade és la cortesía del filósofo, y, además, esta
disciplina nuestra pone su honor hoy más que nunca en estar aberta y porosa a todas las
mentes.”

5 WOLFE, Christopher. Judicial activism: bulwark of Freedom or Precarious Security?


New York: Roman & Littlefield Publishers, 1997, p. 1 et seq.

6 BANDOW, Doug. The public opposes judicial activism because it does not understand
the issue. In: Noah Berlatsky. Judicial activism: opposing viewpoints. Estados Unidos:
Greenhaven Press, 2012, p. 144-145.

7 TUSHNET, Mark. Constitucionalismo y judicial review. Lima: Palestra, 2013, p. 72-73.

8 WOLFE. Christopher. The rise of modern judicial review. New York: Rowman &
Littlefield Publishers, 1994, p. 17-119.
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Ativismo judicial: notas introdutórias a uma polêmica
contemporânea

9 WOLFE, Christopher. The rise of modern judicial review, cit., p. 121-204.

10 WOLFE, Christopher. The rise of modern judicial review, cit., p. 205-322.

11 WALPIN, Gerald. The Supreme Court vs. the Constitution. New York: Significance
Press, 2013, p. 39.

12 WALPIN, Gerald. The Supreme Court vs. the Constitution, cit., p. 41.

13 Sobre o tema, cf: ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 1.295.

14 Aliás para se ter ideia da dimensão de risco que esse tipo de prática judicial pode
trazer, vale a pena conferir: Bernd Rüthers. Derecho degenerado. Teoría jurídica y
juritsas de câmara en el Tercer Reich. Madrid: Marcial Pons, 2016, p. 55-58.

15 MANILI, Pablo L. El activismo en la jurisprudencia de la Corte Suprema. Revista


Jurídica Argentina La Ley. Derecho Constitucional. Doctrinas Esenciales, t. I. Linares
Quintana e Carlos S. Faye (orgs.). Buenos Aires: La Ley, 2008, n. II, p. 1147-1153.

16 Corroborando nosso entendimento de que não há critério seguro para se falar em


bom ou mau ativismo, ver: SCHMITZ, Leonard. Fundamentação das decisões judiciais: A
crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2015, n. 4.2., p. 189-192.

17 HOLLOWAY, Carson. Judicial Activism, by liberals and conservatives, is a danger to


America. In: Noah Berlatsky. Judicial activism: opposing viewpoints. Estados Unidos:
Greenhaven Press, 2012, p. 38.

18 “In that case, the Court, to widespread liberal acclaim, reinterpreted key precedents
and struck down Congressional enactments on the basis of a hitherto unknown right of
alien enemy combatants to habeas corpus review.” HOLLOWAY, Carson. Judicial
activism, by liberals and conservatives, is a danger to America. In: Noah Berlatsky.
Judicial activism: opposing viewpoints. Estados Unidos: Greenhaven Press, 2012, p. 39.

19 Sobre o tema, ver: RESTREPO, Gabriel Mora. Justicia constitucional y arbitrariedad de


los jueces. Madrid: Marcial Pons, 2009, n. 5.4.2, p. 129 et seq.

20 Zimmermann, Augusto. How brazilian judges undermine the Rule of Law: a critical
appraisal. International Trade and Business Law Review, vol. 11, 2008, p. 179-217.

21 Daí por que nos parece precisa a alegação de Streck, no sentido de que o ativismo
judicial é um problema solipsista-comportamental, decorrente do “assenhoramento” das
leis pelos julgadores – como se esses, a depender de sua vontade, pudessem dispor
livremente do sentido e da aplicação daquelas. Ver: STRECK, Lenio Luiz. As recepções
teóricas inadequadas em terrae brasilis. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia,
vol. 10, n. 10, p. 30. Curitiba: Curitiba: Centro Universitário Autônomo do Brasil –
Unibrasil, 2011.

22 Nesse sentido, diz Robert French: “Expressions of concern about judicial activism
must rest on some assumptions about what is the normal and proper function of a
judge. The term ‘activist’ must then be taken to refer to some departure from that norm
in a way that gives useful meaning to the adjective.” FRENCH, Robert. Judicial activists –
mythical monsters? Southern Cross University of Law Review, 12, 2008, p. 59.

23 Nesse sentido, Rodrigo de Souza Tavares, José Ribas Vieira e Vanice Regina Lírio do
Valle também entendem o ativismo enquanto uma “recusa dos tribunais de
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Ativismo judicial: notas introdutórias a uma polêmica
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manterem-se dentro dos limites jurisdicionais estabelecidos para o exercício de seus


poderes.” SOUZA TAVARES, Rodrigo de; VIEIRA, José Ribas; LÍRIO DO VALLE, Vanice
Regina. Ativismo jurisdicional e Supremo Tribunal Federal. Brasília: Anais do XVII
Congresso Nacional do CONPEDI, 2008.

24 CROSS, Frank; LINDQUIST, Stefanie. The scientific study of judicial activism. In:
Minnesota law review, forthcoming; Vanderbilt Law and Economics research. paper n.
06-23. University of Texas Law. Law and Economics Research Paper n. 93.

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