RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 1-38.2013.6.20.0042 - CLASSE 32
MUNICÍPIO: LUÍS GOMES - RIO GRANDE DO NORTE Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura Recorrentes: Francisco Tadeu Nunes e outra Advogados: Felipe Augusto Cortez Meira de Medeiros e outros Recorrido: Partido Socialista Brasileiro (PSB) - Municipal Advogados: Nilo Ferreira Pinto Júnior e outros
ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. ABUSO DE
PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. AÇÃO DE IMPUG- NAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. INELEGIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL.
1. Afasta-se a alegação de intempestividade da AIME
ajuizada em 7.1.2013, uma vez que o prazo para o ajui- zamento da referida ação, conquanto tenha natureza decadencial, deve obedecer aos ditames do art. 184, § 10, do CPC, prorrogando-se para o primeiro dia útil subsequente o termo final que recair em feriado ou dia em que não haja expediente normal no cartório. Precedentes. 395 2. As coligações se extinguem com o fim do processo eleitoral, delimitado pelo ato de diplomação dos eleitos, momento a partir do qual os partidos coligados voltam a ter capacidade processual para agir isoladamente. Precedentes.
3. Segundo a jurisprudência desta Corte, “o abuso de
poder econômico entrelaçado com o abuso de poder polí- tico pode ser objeto de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), porquanto abusa do poder econômico o candidato que despende recursos patrimoniais, públicos ou privados, dos quais detém o controle ou a gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral” (AgR-AI n° 11.708/MG, rel. Min. FELIX FISCHER, DJE de 15.4.2010).
4. In casu, de acordo com o que consta do acórdão regio-
nal, os fatos narrados, consubstanciados em nomeações para cargos inexistentes ou já preenchidos; exoneração em massa de servidores comissionados logo após as eleições; e a concessão de grande número de licenças-
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-prêmio, somados ao conjunto probatório constante dos
autos, foram suficientes para ensejar a condenação com base na prática de abuso de poder econômico e político, por meio da utilização indevida da máquina administrativa pelo então candidato a reeleição ao cargo de prefeito municipal.
5. Em conformidade com precedentes deste Tribunal, re-
lacionados às eleições municipais de 2012, tem-se que a inelegibilidade preconizada na alínea d do inciso 1 do art. 10 da LC n° 64/90, com as alterações promovidas pela LC n° 135/2010, refere-se apenas a representação com base em ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), de que trata o art. 22 da Lei de Inelegibilidade, e não com base em ação de impugnação de mandato eletivo (AIME).
Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimi-
dade, em prover parcialmente o recurso, nos termos do voto da relatora.
Brasília, 10 de março de 2015.
MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - RELATORA
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RELATÓRIO
A SENHORA MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA:
Senhor Presidente, trata-se de recurso especial interposto por FRANCISCO TADEU NUNES e ANTONIA GOMES ABRANTES BARBOSA, respectiva- mente, prefeito e vice-prefeita do Município de Luís Gomes/RN, eleitos em 2012, de acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte que manteve a sentença proferida em ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) pela cassação de seus mandatos e aplicação, em relação ao prefeito, de inelegibilidade por oito anos, além de determinar a realização de novas eleições no Município, em virtude da prática de abuso de poder. O acórdão recorrido está ementado nos seguintes termos, ipsis Iitteris (fls. 492-493 - vol. 3):
RECURSO ELEITORAL AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE
MANDATO ELETIVO - ELEIÇÕES 2012 - CARGO PREFEI- TO - VICE-PREFEITO - PRELIMINAR - ILEGITIMIDADE ATIVA - PARTIDO COLIGADO QUE AGIU ISOLADAMENTE APÓS AS ELEIÇÕES - POSSIBILIDADE - REJEIÇÃO DA
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JURISPRUDÊNCIA TSE
PRELIMINAR - DECADÊNCIA - PRAZO ENCERRADO DU-
RANTE O RECESSO FORENSE - AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO PRIMEIRO DIA ÚTIL SUBSEQUENTE - REJEIÇÃO DA PRELIMINAR - ABUSO DE PODER POLÍTICO ASSOCIADO AO ABUSO DE PODER ECONÔMICO - POSSIBILIDADE DE APURAÇÃO EM AIME - PRODUÇÃO DE PROVAS EM SEDE RECURSAL - IMPOSSIBILIDADE - ABUSO DE PODER - CONFIGURAÇÃO - INCIDÊNCIA DO ART. 22, XIV, DA LC N.° 64/90 - VICE-PREFEITA - PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CHAPA - CASSAÇÃO DO DIPLOMA - NÃO INCIDÊNCIA DA INELEGIBILIDADE - PROCEDÊNCIA DA AIME - MANUTEN- ÇÃO DA SENTENÇA - DESPROVIMENTO DO RECURSO. Os partidos coligados nas eleições podem propor a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo isoladamente, até mesmo em razão de seu prazo para ajuizamento ter início tão somente após a data de diplomação dos eleitos. Sendo o recesso forense considerado feriado nesta Justiça Eleitoral, os prazos vencidos durante o seu interregno são prorrogados até o primeiro dia útil subsequente, nos termos do art. 184, §11, CPC. Na espécie, o regime de plantão determinado para os cartórios teve por intuito possibilitar o atendimento de casos urgentes, não se podendo considerar o plantão como expediente normal. Assim, tendo a ação sido proposta no primeiro dia útil após o recesso, não se operou o fenômeno decadencial. É possível a apuração do abuso de poder político em sede de AIME, desde que atrelado ao abuso de poder econômico. 397 Após o encerramento da fase instrutória, a rigor, não mais se mostra possível a produção de provas pelas partes, porquan- to operado o fenômeno preclusivo. Destarte, não devem ser conhecidos os novos documentos, referentes a fatos antigos, juntados com o recurso. No caso dos autos, a nomeação de servidores para ocupar cargos inexistentes, bem como para cargos já preenchidos, somadas às circunstâncias da exoneração “em massa” de comissionados após as eleições e a concessão também “em massa” de licenças-prêmio a servidores municipais, para serem todas gozadas em ano eleitoral e sem qualquer observância ao interesse público, tem, de toda evidência, o condão de ca- racterizar a reprovável prática de abuso de poder, com aptidão para, em face da gravidade dessas condutas perpetradas, potencialmente desequilibrar o pleito eleitoral, mediante ofen- sa à isonomia, à normalidade e à legitimidade nas eleições disputadas. Quanto à vice-prefeita, embora não tenha sido ela a agente res- ponsável pelas condutas das quais decorreram a condenação, sob a ótica do princípio da unicidade da chapa, deve a mesma ter seu diploma cassado, não recaindo sobre ela, entretanto, a inelegibilidade prevista no art. 10, 1, “d”, da LC n.° 64/90.
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Alegam os recorrentes, nas razões do apelo nobre interposto com
base no artigo 276, inciso 1, alíneas a e b, do Código Eleitoral, que teria havido afronta aos artigos 14, § 10, da Constituição Federal; 30 do Código de Proces- so Civil; 60, §§ 11 e 41, da Lei nº 9.504/97, além de dissídio jurisprudencial. Afirmam a intempestividade da ação de impugnação ao mandato eletivo ajuizada em 7.1.2013, tendo em vista a sua interposição após prazo de 15 dias da diplomação, previsto no artigo 14, § 10, da CF. Argumentam que se trata, no caso, de “prazo decadencial constitu- cional, o qual não se suspende durante o recesso, salvo expressa disposição legal” (fl. 535). Aduzem, quanto ao ponto, que “o recorrido teve a oportunida- de de ajuizar a demanda no dia 3 de janeiro de 2013, data em que Cartório Eleitoral funcionou em regime de plantão” (fl. 537). Sustentam também que o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito, por faltar legitimidade ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), para, isoladamente, ajuizar a ação, tendo em vista ser partido político integrante da Coligação Unidos pela Vontade do Povo. No ponto, afirmam terem sido violados os artigos 30 do CPC e 60, §§ 10 e 40, da Lei n° 9.504/97, além de dissentir o decisum do entendimento jurisprudencial desta Corte. Asseveram que, não obstante serem incontroversos os fatos, o TRE/RN os teria qualificado de forma errônea, em afronta ao art. 14, § 10, 398 da CF. Isso porque, in verbis (fls. 540-541): Para manter a sentença que julgou procedente a ação de im- pugnação de mandato eletivo, condenou os Autores à cassação dos diplomas e o Recorrente FRANCISCO TADEU NUNES à incabível sanção de inelegibilidade, a Corte Regional se baseou nos seguintes fatos: [...] i) nomeações para cargos inexistentes ou já preenchidos; ii) exoneração em massa de servidores comissionados logo após as eleições; iii) concessão de licenças-prêmio em massa, todas para usu- fruto em ano eleitoral, o que tornava necessária a contratação precária de servidores para exercer a função do licenciado. Sabe-se que “A teor do art. 14, § 10, da Constituição Federal, na AIME serão apreciadas apenas alegações de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, não sendo possível estender o seu cabimento para a apuração de abuso de poder político, ou de autoridade stricto sensu. Precedentes” (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n° 214574, Acórdão de 23/08/2011, Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 14/09/2011, Página 18). Grifos acrescidos.
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JURISPRUDÊNCIA TSE
Ainda quanto à questão, aduzem ter sido reconhecido pelo acórdão
regional “o lapso temporal das nomeações/exonerações para os cargos de provimento em comissão” (fl. 541), tendo agido o primeiro recorrente, Prefeito á época, “autorizado pela legislação eleitoral” (fl. 541). Argumentam que o art. 73, V, a, da Lei n° 9.504/97, “exclui a no- meação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança do rol taxativo de condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos nos pleitos eleitorais” (fl. 541). Em consequência disso, afirmam que a Corte Regional teria presu- mido o dolo e a finalidade eleitoral das condutas praticadas pelo recorrente e, para a configuração do abuso de poder, faz-se necessária a existência de prova robusta e inequívoca, além do nexo de causalidade entre as condutas e sua gravidade. Por fim, alegam a impossibilidade de se aplicar a inelegibilidade em ação de impugnação de mandato eletivo, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, da qual citam precedentes. Asseveram que (fls. 542-543):
[...] a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, d, da LC 64/90
somente se aplica nos casos de condenação em sede de representação eleitoral ou ação de investigação judicial eleitoral, não tendo incidência no caso em exame, já que a 399 condenação do Recorrente Francisco Tadeu Nunes por abuso de poder econômico ocorreu em sede de ação de impugnação de mandato eletivo.
Ao final, requerem o conhecimento e o provimento do apelo, a fim
de que seja reformada a decisão recorrida e julgada improcedente a ação, ou, caso mantido o reconhecimento do abuso de poder, seja afastada a inelegibilidade. Foram apresentadas contrarrazões (fls. 552-569). A Procuradoria-Geral Eleitoral apresentou parecer opinando pelo desprovimento do recurso (fls. 582-589). Em tempo, ressalte-se que os recorrentes interpuseram, neste Tri- bunal, a AC n° 38466/RN, em que foi deferido, pela Ministra LAURITA VAZ, em 20.5.2014, o pedido de liminar pleiteado para conferir efeito suspensivo ao acórdão regional, até ulterior deliberação desta Corte, determinando, por conseguinte, a manutenção dos recorrentes nos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Luís Gomes/RN ou o retorno aos cargos, se já ultimado o afastamento. É o relatório.
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VOTO
A SENHORA MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (re-
latora): Senhor Presidente, os autos foram conclusos em 3.9.2014 (fl. 590). Verifica-se a tempestividade do especial, o cabimento de sua in- terposição com amparo nos permissivos constitucional e legal, o interesse e a legitimidade recursal. Cuida-se de recurso interposto por FRANCISCO TADEU NUNES e ANTONIA GOMES ABRANTES BARBOSA contra o acórdão do TRE/RN que manteve a sentença proferida em ação de impugnação de mandato eletivo (AIME), pela cassação dos mandatos dos recorrentes e aplicação, em relação ao primeiro recorrente, de inelegibilidade para as eleições de 2012 e para as que se realizassem nos 8 anos subsequentes, além de determinar a reali- zação de novas eleições no Município de Luís Comes, frente ao disposto no art. 224 do Código Eleitoral e em virtude da ocorrência da prática de abuso de poder político e econômico. Tal prática ilícita teria se dado, de acordo com o decisum regional, por meio de nomeações de servidores para grande quantidade de cargos inexistentes e também para cargos já ocupados na Administração do municí- pio, com nítido caráter eleitoreiro, o que configuraria abuso de poder político 400 e econômico, por importar em “gastos públicos destinados a favorecimento a sua candidatura à reeleição” (fl. 521). O voto condutor do acórdão também faz menção à ocorrência de “exoneração em massa dos servidores comissionados, ocorrida após as eleições”, e à concessão de 67 licenças-prêmios, “todas para gozo no ano de 2012” (fl. 521).
Alegação de intempestividade da AIME
Analiso, primeiramente, a alegação relacionada à intempestividade
da ação de impugnação ao mandato eletivo ajuizada em 7.1.2013, tendo em vista a sua interposição após o prazo de 15 dias da diplomação, previsto no artigo 14, § 10, da CF. A questão foi abordada pelo acórdão regional, que afastou a alegada decadência do direito, nos termos da jurisprudência deste Tribunal, razão pela qual não merece reforma a decisão, quanto ao ponto. Segundo o decisum, a diplomação ocorreu em 19.12.2012, e a AIME foi ajuizada em 7.1.2013, logo após o recesso forense, período em que os prazos processuais ficam suspensos (fl. 497).