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GRANDEZA DO CORPO HUMANO:


PERSPECTIVA TEOLÓGICA *

GRANDEUR OF THE HUMAN BODY: THEOLOGICAL PERSPECTIVE

Luís F. LADARIA FERRER *

RESUMO: Inspirado, sobretudo, no novo Testamento e na teologia de alguns dos primeiros Padres
da Igreja, o texto aborda a questão da dignidade e grandeza do corpo huma¬no, em perspectiva
teológica. A doutrina cristã sobre o corpo conheceu muitos vaivéns ao longo da história. Porém,
nela perpassa a certeza de que o Verbo assumiu a fragilidade da carne humana, sem absorvê-la,
e a elevou, também em nós, a uma dignidade sem igual. O Filho de Deus, por sua encarnação,
uniu-se assim a todo homem. A chave está ai, na imagem de Cristo que o corpo do primeiro
Adão já reproduz antecipadamente. Haveria, acaso, uma grandeza maior, uma maior dignidade
no mistério do homem que só se esclarece no mistério do Verbo encarnado? Por outro lado, a 141
imagem do corpo está ligada intimamente à eucaristia, que é, segundo o Novo Testamento, a
forma a mais adequada para aproximarmos deste mistério. Uma outra imagem que nos leva a
considerar a grandeza do corpo humano é o matrimonio. O homem e a mulher serão uma só
carne, mistério que nos remete à profunda união corpórea de Cristo com sua Igreja. Por fim, é
preciso lembrar como dizia Sto. Irineu: “ o criado se emprenha do Verbo, e ascende com ele, acima
dos anjos e se faz imagem e semelhança de Deus”.

PALAVRAS CHAVE: Corpo. Grandeza. Mistério. Imagem. Encarnação.

SUMMARY: Inspired above all in the New Testament and in the theology of some of the early
Fathers of the Church, the text addresses the question of the dignity and grandeur of the human
body. Christian doctrine about the body has known many oscillations throughout history. But in it
is the certainty that the Word has assumed the fragility of human flesh without absorbing it and
raised it, there is also an unequaled dignity in us. The Son of God, by his incarnation, thus united
himself to every man. The key is there, in the image of Christ, which the body of the first Adam

* Desde 2008 , o autor é Secretário da Congregação para Doutrina da Fé e Arcebispo Titular de


Tibica. É também graduado em Direito pela Universidade Complutense de Madri, em Filosofia e
Teologia na Universidade Pontifícia Comillas (Madri) e Philosophische-Teologische Hochschule
Sankt Georgen de Frankfurt am Main, Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade
Gregoriana de Roma, especializado em Antropologia Teológica. Foi professor de teologia
dogmática na Universidade Pontifícia Comillas na Universidade Gregoriana. Entre 1992 a 1997,
membro e secretário da Comissão Teológica Internacional. ; Livros traduzidos para o português:
Introdução à Antropologia Teológica, História dos dogmas 2 - O homem e sua salvação
(co-autoria), O Deus Vivo e Verdadeiro: o Mistério da Trindade, A Trindade: mistério de
comunhão,
** Este texto – cedido pelo autor - corresponde ao conteúdo de uma das conferências
pronunciada na V Jornada sobre Ciência e Cristianismo, sob o título: La gran maravilla
del cuerpo humano, celebrada em Burgos, no Centro Cultural Cordán e organizado pela
Faculdade de Teologia do Norte da Espanha e da Vicária de Cultura da Arquidiocese.
already reproduces in advance. Would there be a greater grandeur, a greater dignity in the mystery
of man which is only clarified in the Incarnate Word? On the other hand, the image of the body is
intimately linked to the Eucharist, which is, according to the New Testament, the most adequate way
to approach this mystery. Another image that leads us to consider the grandeur of the human body
is matrimony. Man and woman will be one flesh, a mystery that brings us to the profound bodily
union of Christ with his Church. Finally, it is necessary to restate what Saint Irenaeus affirmed: "the
to created is made conceive of the Word and, ascends with him, above the angels and becomes the
image and likeness of God".

KEY WORDS: Body. Grandeur. Mystery. Image. Incarnation.

Vou abordar a questão da dignidade e a grandeza do corpo humano1, já


que no corpo do Verbo encarnado se dá a conhecer o Deus que ninguém viu (cf.
Jo 1, 14.18). Não vou fazer um estudo sistemático. Mas vou apresentar algumas
poucas pinceladas, buscando, isto sim, que tenham entre elas um pouco de
ordem, para assinalar diversos caminhos de aproximação à questão. Vou me
inspirar, sobretudo, no novo Testamento na teologia de alguns dos primeiros
Padres da Igreja.
142
1. O VERBO SE FEZ CARNE

A doutrina cristã sobre o corpo conheceu muitos vaivéns ao longo da


história. Não pôde subtrair-se às influências dos tempos e dos diversos momentos
culturais, porém teve sempre um ponto fundamental de referência que sobreviveu
a todas as transformações ideológicas e sociais. Trata-se do texto fundamental de
Jo 1,14 que está à base de toda a cristología: kai. o’ Lo, goj sa. rx evge,neto, o Verbo se fez
carne, ao qual serve de complemento 1 Jo 4,2, «todo Espírito que confessa a Jesus
Cristo vindo em carne é de Deus»; e também o começo de 1 Jo: «O que existia
desde o principio, o que temos ouvido, o que temos visto com nossos próprios
olhos, o que contemplamos e nossas mãos palparam a respeito do Verbo da vida...»
(1 Jo 1,1). O Logos divino assumiu a condição corpórea própria da humanidade
e nela realizou os mistérios de nossa salvação. A grandeza do corpo humano
está por tanto em relação à grandeza do Filho de Deus que assumiu a natureza
humana inteira para salvar a todos os homens e ao homem todo (quod non est
adsumptum non est sanatum) e que nunca o deixou nem o abandonará porque
o assumiu em sua própria pessoa não só durante sua vida mortal, mas para toda a
eternidade (quod semel assumpsit nunquam dimisit). O Filho glorificado existe
1 Este texto – cedido pelo autor - corresponde ao conteúdo de uma das conferências
pronunciada na V Jornada sobre Ciência e Cristianismo, sob o título: La gran
maravilla del cuerpo humano, celebrada em Burgos, no Centro Cultural Cordán
e organizado pela Faculdade de Teologia do Norte da Espanha e da Vicária de
Cultura da Arquidiocese.
com a humanidade e, portanto, a corporeidade que assumiu, na qual levou a cabo
toda sua vida humana até morrer na cruz e ressuscitar.
A encarnação do Filho de Deus e sua morte na cruz - que a encarnação
tornou possível - tem sido desde os tempos iniciais do cristianismo motivo de
tropeço e de dificuldade, de pedra de escândalo. Como é possível que Deus
morra na cruz, e mais: que desde o principio, se faça homem e assuma nossa
carne mortal. São Paulo falava, como é sabido, do escândalo do crucificado (1
Cor 1,23) e das tentativas de anulá-lo (cf. Gál 5,11; 1,21). Porém a assunção do
corpo, não somente frágil, mas inclusive mortal, por parte de Jesus Cristo, com
todo o que o acompanha e supõe, é o caminho eleito por Deus para fazer-nos
imortais. Dizia santo Agostinho: “Non enim habebat a semetipso un de moreretur
pro nobis, nisi mortalem carnem sumpsisset ex nobis. Sic immortalis mori potuit,
sic vitam donare mortalibus voluit”. (“Não tinha por si mesmo a possibilidade
de morrer por nós se não tivesse tomado de nós a carne mortal. Assim pode
morrer o imortal. Assim quis dar a vida aos imortais”.) 2 De nós, assumindo
o corpo, recebeu o que a natureza divina não lhe permitiria: a possibilidade 143
de morrer por todos nós. A encarnação e a morte na cruz vêm a ser dois
mistérios intimamente unidos. O primeiro oferece a possibilidade do
segundo, o desígnio divino do amor levado até as últimas consequências é
a razão de ser da encarnação porque o Filho, em obediência total à vontade
do Pai (cf. Fil. 2, 8) queria deste modo dar-nos vida.
No tempo de Natal canta a liturgia: “Beatus auctor saeculi /servile corpus
induit/ ut carne carnem liberans/ non perderet quod condidit» 3. A assunção do
corpo servil por parte do criador do mundo tem como objetivo que a carne,
o corpo humano, possa ser salva pela carne, que é o corpo do Senhor. «Caro
salutis est cardo», na carne [de Cristo] se realiza a salvação, dizia Tertuliano numa
passagem bem conhecida4. O mesmo Tertuliano, na obra que tem precisamente
como título Sobre a carne de Cristo, intuiu já esta ligação íntima entre o início e
o fim da vida mortal de Jesus:

O que há mais indigno de Deus ou de que coisa se deve


envergonhar mais? De nascer ou de morrer? De levar a
carne ou de levar a cruz? De ser circuncidado ou de ser
crucificado? De ser depositado em uma manjedoura ou de
2 Sermo Guelferbytanus 3 (PLS 2,545). Também s. Leão Magno, Trac.LIX, de passione
Domini 8, 8 (CCL 138A,359-360): «Et cum mortis aculeum recipere non posset
natura deitatis, suscepit tamen, nascendo ex nobis, quod posset offerre pro
nobis».
3 Liturgia horarum, vol. 1, 315.
4 De resurrectione mortuorum 8,2 (CCL 2,931).
ser posto num sepulcro? [...] não tireis a única esperança do
mundo inteiro. - Porque eliminar a necessária vergonha da
fé? O que é indigno de Deus a mim me convém: sou salvo por
isso serei inserido na causa de meu Senhor [...] Foi crucificado
o Filho de Deus; não me envergonho porque não tenho do
que me envergonhar. Morreu o Filho de Deus: crê-se assim
porque é incrível; porém como serão verdadeiras estas coisas
em Cristo, se Cristo mesmo não foi verdadeiro, se não teve
verdadeiramente em si mesmo o que podia ser pregado na
cruz, morto, sepultado e ressuscitado [...]? Assim a realidade de
sua dupla substância nos mostrou o homem e Deus, nascido e
não nascido, carnal e espiritual, fraco e fortíssimo, moribundo e
vivente [...]. Por que cortas pela metade o Cristo com a mentira?
Todo inteiro foi verdade5.

Os mistérios de nossa salvação dependem, portanto da carne, do corpo,


que juntamente com a alma o Filho de Deus assumiu por nós e por nossa salvação.
Toda a economia da salvação gira em torno da carne. A potência salvadora de
144 Cristo, que vem – é óbvio - de sua divindade, atua por meio de sua humanidade
e em concreto no seu corpo. Expressou-o muito bem santo Irineu: «... O Filho de
Deus que verdadeiramente é chamado e é salvação (salus), salvador (salvator”)
e força salvadora (salutare) [...] Certamente é salvador (salvator) porque é Filho e
Verbo de Deus; é força de salvação (salutare) porque é espírito; é salvação (salus)
porque é carne. O Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14)».6 A infinita
potência divina age na humildade da carne, quer dizer, na condição humana
concreta, marcada pela fragilidade e pela indigência. O Salvador onipotente se
faz nela salvação concreta. Certamente uma carne não tocada nem corrompida
pelo pecado, porém sim, como diz Paulo, na semelhança da carne do pecado
para que o pecado fosse condenado na carne (cf. Rm 8,3). No corpo de Cristo
se cumpriram os mistérios de nossa salvação, e em particular o mistério de sua
morte e de sua ressurreição, como diz a liturgia romana na Ascensão do Senhor:
«pecat caro, purgat caro, regnat caro, Verbum Dei.7 Afirmava santo Hilário: «Em
Jesus Cristo havia um homem inteiro, e, por isto, o corpo que havia assumido
a serviço do Espírito realizou em si todo o mistério de nossa salvação»8. A
mensagem cristã tem insistido na novidade do que significa a ressurreição de
Cristo, «constituído Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santidade
pela ressurreição dentre os mortos» (Rm 1,4), que foi aperfeiçoado mediante
o sofrimento (cf. Hb. 2,10). E que «mesmo sendo Filho, sofrendo aprendeu

5 De carne Christi, 5,1-8 (CCL 2,880-882).


6 Ireneo de Lyon, Adv. Haer. III 10,
7 Liturgia horarum, vol. II, 717
8 In Mt. 2,5 (SCh 254,108).
a obedecer. E, levado à consumação, se converteu - para todos os que lhe
obedecem - em autor de salvação eterna». (Hb 5,8). A perfeição de Jesus em sua
ressurreição é a salvação para todos os que lhe obedecem, quer dizer: para todos
os que nele creem. A salvação que Jesus nos traz não é separável de sua própria
pessoa. Ela consiste na participação em sua própria vida divina; aquela vida que,
aperfeiçoada (teleiwqei.j) na obediência, conquistou em sua carne. Por isso a
salvação a qual estamos chamados é a configuração com ele, em sua morte e
ressurreição. A ressurreição de Cristo é não só o modelo, mas que também a
causa da nossa ressurreição (cf. 1 Cor 15,20-23.45-49; Fp 3,21; Col 3,4; 1 Tes 4,16-
18). Jesus morreu, ressuscitou e foi elevado ao céu em natureza humana, a que
havia assumido de nós:
Compreendemos que a exaltação, com a qual, como diz o
Doutor das gentes, Deus o exaltou e lhe deu um nome superior
a qualquer nome (cf. Fp 2,9-10), se refere àquela forma que devia
ser enriquecida com o aumento de uma glorificação tão grande
[...] a forma de servo [...] através da qual a divindade impassível
levou a cabo o sacramento de grande piedade (cf. 1 Tim 3,16); é a
pequenez humana, que foi elevada à gloria da potência divina9.
145

Certamente o Filho assumiu a natureza humana completa, corpo e


alma, porém, se acentua especificamente a dimensão corpórea porque ai está
precisamente o “escândalo” da encarnação. Os Padres da Igreja falaram neste
contexto da ressurreição corporal de Cristo como de sua “salvação”. Assim
santo Justino diz «foi salvo ressuscitando».10 Cristo pode ser o salvador porque
na sua humanidade experimentou a salvação que o Pai lhe concedeu. Santo
Hilário de Poitiers, por sua vez, assinala que Cristo «desde sua debilidade que
tem em comum conosco pediu para ele a salvação provinda do Pai, para que se
pudesse entender que se encontrava dentro de nossa humanidade, nas mesmas
condições de nossa humanidade”11 e também pede «ut se in eo corpore, in quo
erat natus [...] salvum faceret Dei nomen”, que lhe salvara o nome de Deus
naquele corpo em que havia nascido12. A salvação que Jesus pede e que nele
se realiza é a glorificação e a divinização da humanidade, que a carne seja
transformada in aeternae salutis substantiam, na substância da salvação
eterna13. O valor e a grandeza do corpo humano devem ser medidos sempre
com a medida do corpo ressuscitado de Cristo.

9 S. Leão Magno, carta Promissi me memim (DH 318)


10 Dial. Tryph. 73, (TPS 47), 1950.
11 Re. Os 53 (CCL 61,139)
12 Ib. 53,4(131).
13 Cf. ib. 143,18 (CCL 61 B, 264)
2. CRISTO UNIDO A TODO HOMEM

O Filho de Deus assumiu um corpo e isto, nós dizemos, é o princípio da


dignidade do corpo humano. A “transferência” desta dignidade se realiza em
virtude da misteriosa união de Cristo com todo homem devido a sua encarnação.
O concilio Vaticano II, numa passagem desde então muito citado, nos diz: «Nele
[Cristo] a natureza humana assumida, não absorvida, foi elevada, também em
nós, a uma dignidade sem igual. O Filho de Deus, por sua encarnação, uniu-se
de certo modo a todo homem». (GS 22).14
Estes pensamentos têm uma longa historia. Já Jesus nos fala de sua
misteriosa presença, em certo modo na identificação com os pobres e
desamparados (cf. Mt 25,31-46). Paulo nos fala da Igreja corpo de Cristo, do qual
todos nós somos membros. «Como o corpo que é um e tem muitos membros,
e todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, são um só corpo, assim
é também Cristo [...] Vós sois o corpo de Cristo e cada um o é como membro
(1 Cor 12.12.27). Unidos a Cristo cabeça fazemos crescer o corpo inteiro (cf. Ef
146 4.15-16). Junto a Cristo ressuscitado em seu corpo glorioso, temos o corpo
daquele que é cabeça, a Igreja, «plenitude daquele que plenifica tudo em todos»
(cf. Ef 1, 22.23; Col 1.18). Nossos corpos são por tanto membros do corpo de
Cristo cabeça, que é a Igreja vivificada pelo Espírito Santo, um e o mesmo na
cabeça e nos membros15.
Na literatura patrística as ideias que acabamos de recordar brevemente
foram combinadas não poucas vezes com o comentário sobre a parábola da
ovelha perdida (cf. Mt 18,12-14; Lc 15,3-7). Esta não somente indica o pecador
concreto, mas que, sobretudo, a humanidade toda que se extraviou, há de ser
reconduzida ao redil sobre os ombros do bom pastor que por elas dá a própria
vida (cf. Jo 10,11-18):

O próprio Senhor nos deu um sinal, nas profundezas e nas alturas,


um sinal não pedido pelo homem [...], que o fruto deste parto de
Maria fosse Deus conosco (cf. Mt 1,23; Is 7,14), e que ele descesse
à profundidade da terra para buscar a ovelha que se tinha
perdido, sua própria criatura, e subir ao alto para oferecer ao Pai
o homem que havia sido achado depois de ter realizado em si
mesmo a ressurreição do homem, para que, como ressuscitou
dentre os mortos a Cabeça, assim também ressuscite o resto do
corpo; quer dizer, todos os homens hão de ser encontrados na
14 Cf. Francisco A. Castro Pérez. Cristo y cada hombre. Hermenêutica y recepción de una ensenanza
dei Concilio Vaticano II, Roma 2011.
15 Cf. Concilio Vaticano II, consti. Dogm. Lumem Gentium 7
vida, ocupando, no corpo, cada um dos membros o lugar que
lhes corresponde. Muitas moradas haverá, com efeito na casa do
Pai (cf. Jo 14,2) porque serão muitos os membros no corpo16.

Em virtude de sua encarnação Jesus é capaz de unir nosso corpo ao seu,


de incorporar-nos a ele, ou como diz o próprio Irineu segundo a versão latina
de sua obra, de concorporificar-nos com ele (plasma concorporatum Filio).17 De
maneira semelhante Hilário de Poitiers fala da concorporatio de Cristo conosco,
e de que ele se há concarnatus com todos nós18. Também para ele a humanidade
extraviada foi devolvida à comunhão celeste no corpo do Senhor:

A ovelha única deve ser interpretada como o homem, e no único


homem se há de entender o conjunto dos homens. Porque no
extravio de Adão se perdeu todo o gênero humano. Por isso
se deve considerar que as noventa e nove ovelhas que não se
perderam são a multidão dos anjos que no céu têm a alegria e
o cuidado da salvação dos homens. Assim, pois, o que busca o
homem é Cristo, e as noventa e nove restantes são a multidão da 147
glória celeste à qual o homem perdido foi devolvido ao corpo do
Senhor19.

E para finalizar este parágrafo, necessariamente fragmentado, devemos


fazer uma breve menção a São Gregório de Nissa: «O Salvador toma sobre seus
ombros a ovelha toda inteira, toda inteira foi ela resgatada. O Pastor a leva sobre
seus ombros, quer dizer, em sua divindade. Por esta assunção faz dela uma coisa só
com ele »20. Todos nós formamos o corpo de Cristo, de um modo mais explícito os
membros da Igreja. Num sentido mais amplo, e, porém, nem por isso desprovido
de realidade, todos os homens aos quais Cristo se uniu de um certo modo - o que
se torna impossível explicar de modo adequado. Santo Agostinho, a partir de uma
perspectiva fundamentalmente eclesiológica, formulou seu pensamento bem
conhecido sobre o Christus totus que abarca a cabeça e os membros, Cristo e sua

16 Ireneo de Lyon. Adv.Haer. III, 19,3 (SCH 211,280). Cf. também ib. V 15,2 (SCh153-204) sobre
a cura do cego de nascimento e outras passagens bíblicas para desenvolver a mesma ideia
17 Ib. V 36,3 (466).
18 In Mt. 6,1 (SCh 254,170); Tnn. VI43 (CCL 62, 247)
19 In Mt 18,6 (SCh 258,80), também ib. Trin. II 24 (CCL 62,60): “Assim como todos os homens
foram incorporados a ele pelo corpo que quis assumir, de mesmo modo ele, por sua vez,
se deu a todos por meio daquele que nele é invisível”.
20 Contra Apollinarem 16 (PG 1153). S. Cirilo de Alexandria. In Joh. ev. 0 (PG 73, 164:
”O Verbo habita em todos, num templo, quer dizer, naquele que assume de nós e
por nós, de modo que, contendo-nos todos nele, reconcilia todos num só corpo,
como diz Paulo (cf. Ef. 2,16)..”.
Igreja em sua unidade indivisível21: ”Assim como a cabeça e os membros de um
corpo vivo, ainda que não se identifiquem, são inseparáveis. Cristo e a Igreja não
se podem confundir, porém tão pouco separar-se. Eles constituem um só “Cristo
total”..22

3. “SALUS CARNIS”

Todo o mistério da salvação do homem se realiza na carne de Cristo e


culmina na configuração com Cristo ressuscitado e na comunhão com a vida
de seu corpo glorificado: «Semeia-se um corpo animal, ressuscita espiritual. Se
existe um corpo animal, ressuscita o espiritual». (1Cor 15,41). «É preciso que isto
que é corruptível se vista de incorruptibilidade. E isto que é mortal, se revista de
imortalidade» (1 Cor 15,53). O corpo está no centro do interesse de Paulo quando
fala da salvação do homem. De novo Irineu de Lion, o grande teólogo da carne
frente ao menosprezo das correntes gnósticas de diferentes matizes, nos diz:
«o fruto da obra do Espírito é a salvação da carne» 23. A ressurreição dos corpos
148 é, segundo Paulo, obra de Cristo mediante seu Espírito (cf. Rm 8,11). Para ela se
orienta toda a obra de salvação. A salvação da carne na ressurreição é a grande
obra de Cristo pelo Espírito que habita em nós. Já nos referimos ao escândalo
da encarnação e ao escândalo da cruz. Também podemos falar do “escândalo
da ressurreição”. Com efeito, os atenienses reagem negativamente ao discurso
de Paulo no Areópago: «Ao ouvirem falar de “ressurreição dentre os mortos”,
uns o ridicularizaram, outros disseram: ’Sobre isto te ouviremos falar em outra
ocasião”. Assim saiu Paulo do meio deles» (At 19,32-33). Se a imortalidade da
alma era aceita por muitos, a ressurreição do corpo não entrava na mentalidade
grega da época.
Porém, a mensagem da ressurreição de Cristo implica também
necessariamente a nossa: «Pois se fomos incorporados a ele numa morte
como a sua, o seremos também em uma ressurreição como a sua» (Rm 6,5).
Já desde agora «nós que possuímos as primícias do Espírito, gememos
em nosso interior, aguardando à adoção filial, a redenção de nosso corpo.
Pois fomos salvos em esperança » (Rm 8,23-24). Enquanto vive na espera
desta plenitude, o cristão, em virtude de seu corpo, é membro de Cristo
e templo do Espírito. Em virtude do fim a que está destinado o corpo ha
de ser respeitado: «O corpo não é para a fornicação, mas para o Senhor; e
21 Cf entre outros muitos textos, De civ. Dei XVII 4 (CCL 48,561-562); En. in Ps 60 2- 90 2 1-
140,4 (CCL 39-40, 766; 1266; 2028).
22 Congregação para a Doutrina da Fé, Dominus Iesus, 16.
23 Adv. Haer. V 12,4 (SCh 153,154).
o Senhor para o corpo. E Deus que ressuscitou o Senhor, nos ressuscitará
também a nós com seu poder “Não sabeis que vossos corpos são membros
de Cristo? [...]. O que fornica peca contra seu próprio corpo. Acaso não
sabeis que vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós e
haveis recebido de Deus?» (1 Cor 6,18-19). A grande dignidade do corpo
em virtude da presença do Espírito nele e do destino que lhe aguarda
faz com que venha que ser objeto de respeito e não pode ser degradado
nem submetido ao pecado (cf. Rm 1,24; 6,12). Em nosso corpo mortal se
manifesta já a vida de Cristo (cf. 2 Cor 4,10-11) na esperança da plenitude
final, a salvação da carne na qual se consumará a obra do Espírito.
Paulo exorta a os romanos «a que apresenteis vossos corpos como
sacrifício vivo, santo, agradável a Deus; este é vosso culto espiritual
(racional)» (Rm 12,1; cfr. 1 Pe 2,5). Há uma relação intrínseca entre o
sacrifício de si, de seu corpo, que oferece o crente, e a ressurreição final
que esperamos. A vida cotidiana é também “culto” e adoração a Deus. Não
cabe dicotomia entre uma confissão com a mente e a negação com a 149
boca, como defendiam os antigos gnósticos: «a mente jura, porém a boca
não»24; diziam como artificio para fugir da perseguição: eu continuo
sendo cristão porque creio na mente e em meu pensamento ainda que
a boca diga outra coisa, Paulo pelo contrario une os dois extremos:
«Porque, se professas com teus lábios que Jesus é Senhor, e crês com
teu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Pois
com o coração se crê para alcançar a justiça, e com os lábios se professa
para alcançar a salvação » (Rm 10,9-10). Pode-se duvidar da adesão
interior que não se expressa com os lábios, quer dizer, com o corpo. Se
não se expressa sensivelmente, o testemunho cristão não é real. E se a
salvação há de atingir o homem inteiro todo ele deve estar implicado no
caminho com o que com ela se alcança.

4. O CORPO NA DEFINIÇÃO DE HOMEM.


A IMAGEM DE DEUS NO CORPO

A doutrina tradicional nos fala da unidade do homem, uma unidade


original de alma e corpo e não um simples composto de ambos. A doutrina
clássica de santo Tomás sobre a alma como única forma do corpo garantiu esta
profunda unidade e a pertença do corpo à essência do homem tanto como sua

24 Cf. S. Justino. Apol. I 39.4 (PTS 38,87); trata-se de una citação de Eurípides.
dimensão espiritual 25. Não necessitamos insistir neste ponto. Estas formulações
entraram no magistério da Igreja; recordemos o concilio de Viena (DH 902) e
o de Latrão V (DH 1440). O concilio Vaticano II se fez eco deste ensinamento
na constituição pastoral Gaudium et Spes, integrando-a com os elementos da
doutrina do novo Testamento, ao que já nos referimos:
Na unidade de corpo e alma (corpore et anima unius) o homem,
por sua própria condição corporal sintetiza em si os elementos
do mundo material de tal maneira que por seu intermédio
alcança o seu ponto mais alto e alça a voz para o louvor livre
ao criador. Por tanto não é lícito ao homem desprezar a vida
corporal, mas que, pelo contrario, deve considerar seu corpo
como bom e digno de honra, como criatura de Deus que há de
ressuscitar no último dia. Ferido pelo pecado, experimenta, sem
dúvida, as rebeliões do corpo. A mesma dignidade do homem
pede que glorifique a Deus em seu corpo... (GS 14) 26.

Porém voltemos um pouco na história. Durante os primeiros séculos da


150 Igreja as considerações sotereológicas e cristológicas determinaram em muitos
autores uma peculiar visão do ser humano centrada, sobretudo no corpo. Os
primeiros escritores cristãos conhecem e aceitam as ideais filosóficas comumente
admitidas. Em concreto, a definição do homem como animal racional. Porém,
para alguns deles, não todos, não serão estas noções as que vão determinar sua
antropologia desde o ponto de vista teológico. Certamente consideram que
estas ideias são válidas, porém não são suficientes, porque esquecem o desígnio
de Deus sobre o homem que, em última análise, é o determinante da essência
deste último. Dado que o fim ao qual o ser humano está chamado é a ressurreição
à imagem de Cristo (ressuscitado) e que esta diz respeito, sobretudo, ao corpo,
não é de estranhar que a antropologia se configure em torno a este último mais
que em torno da alma.
Com efeito, «a economia divina sobre o homem se reduz em última
instancia a deificar o corpo, a saber, aquilo pelo que o homem é homem».27 De
modo concreto o corpo é o chamado a receber o Espírito, e o corpo humano, a
diferença do dos animais, está capacitado para isso.

25 Cf. STh I q.76 a. 1.4: ib. I q.29. a.l. ad 5: «anima est pars humanae speciei [...]. Et sic
non competi* ei neque definitio personae neque nomen»
26 Cf. o comentário a este texto de J. Ratzinger Kommentar zum ersten Kapnei des
Ertsten Teils der Pastorelenkonstituition überder Kirchein der Welt von heute” Gaudium
et Spes”, em id. Gesammelte Schriftem 7/2, Freiburg-Basel-Wien 2012, 795-862, 811-
816.
27 A. Orbe. La definición del hombre en la teología del s. II: Gr. 48 (19670 522-567, 575.
Para este artigo me inspirei muito para o que segue.
A razão última, porém - e sobre este ponto insistiremos na continuidade
- é sua condição de imagem e semelhança com Deus. Assim dizia já Taciano:
«Somente o homem é imagem e semelhança de Deus. Digo homem não ao que
se comporta como os animais, mas, indo mais além da natureza humana, ao
que se une a Deus mesmo [...]. E se a forma [do corpo] assim constituída fosse
como um templo, Deus desejaria habitar nela mediante o Espírito seu legado».28
E o anônimo De resurrectione, atribuído por muitos a santo Justino: “Façamos o
homem a nossa imagem e semelhança” (Gn 1,26) qual homem? É claro que se
refere ao carnal [...] e tomou Deus barro da terra e modelou ao homem’’ (Gn 2,7).
Evidentemente o homem enquanto plasmado à imagem de Deus era carnal.
Além do mais é absurdo dizer que a carne modelada por Deus a sua imagem
é vil e sem nenhum valor. Visto que está diante de Deus, a carne é algo
precioso [...], pois, foi plasmada por ele, como imagem que nasce agradecida
a quem a modela e dá sentido”.29
Irineu insiste, como já vimos, na salvação da carne por obra do Espírito:
a alma. dotada de liberdade, estaria de algum modo em função desta salvação 151
da carne: “São três as coisas de que constituem o homem perfeito: a carne,
a alma e o Espírito. Uma delas é a que o salva e o configura: o Espírito; outra
a que é unida e conformada: a carne; e a que está entre estas duas: a alma.
Esta algumas vezes, quando segue o Espírito, é elevada por ele; porém, outras
vezes, quando está de acordo com a carne, cai nos desejos terrenos».30
Tertuliano insiste nesta “primazia” da carne com uma argumentação muito
curiosa: em primeiro lugar, segundo Gn 2,7, Deus formou o homem do barro31
e depois soprou sobre ele. A alma, segundo esta leitura, vem do sopro de Deus
sobre o homem; quer dizer, o corpo. Em segundo lugar porque - segundo são
Paulo, o corpo é o substrato comum entre o estado presente do homem e o do
futuro - «se semeia um corpo animal, ressuscita espiritual», e, por conseguinte é o
substrato que permanece e é comum ao primeiro Adão e ao segundo; o primeiro
feito alma vivente e o segundo Espírito que dá vida (cf. 1 Cor 15,44-46):

28 Taciano, A los griegos 15 (cf. D. Ruiz Bueno, Padres apostólicos y apologistas griegos,
Madrid 2009,1301-1302).
29 De Resurrectione, 7 (cf. Orbe o.c., 538-539).
30 Adv. Haer. V 9,1 (SCh 153, 106-110).
31 Adv. Marcionem I 24,5 (CCL 1,467-468): «Que é o homem, senão a carne? [ ] “E Deus
fez o homem - disse- barro da terra” (Gn 2,7), não a alma. Pois a alma procede do
sopro: “E o homem foi feito alma vivente” (ib.; cf 1 Cor 15,45); Quem? Certamente
aquele que procede do limo. “E Deus colocou o homem no paraíso” (Gn 2.28), o
que formou, não o que insuflou: portanto o que é carne, não o que é alma».
Se Adão foi o primeiro homem e a carne é o homem antes do
surgimento da alma, sem dúvida a carne foi feita alma vivente [...]
assim, pois, pela razão pela que corresponde chamar à carne de
corpo animado, em nenhum momento corresponde à alma ser
chamada assim. A carne é, pois, antes corpo que corpo animado
[...], pois, se o primeiro homem, Adão, foi carne, e não alma, que
depois foi feito alma vivente, e o último Adão é Cristo, é adão por
ser homem, e é homem por ser carne [...] e assim acrescenta: “não
é primeiro o que é espiritual, mas que o que é animal; depois o
que é espiritual”, segundo um e outro Adão».32

Já encontramos nos textos que acabamos de citar com alusão à


criação do homem à imagem e semelhança de Deus. É fundamental esta
noção para entender a teologia do corpo. Esta doutrina veterotestamentaria,
encontrada já nas primeiras páginas do Gênesis, 1,26-27 (cf. também Gn 5,1;
9,6; Sab 2,23-24; Eclo 17,3), encontrou no Novo Testamento uma releitura
cristológica. Cristo é a imagem de Deus (2 Cor 4,4; Col 1,15), e o homem
foi destinado a reproduzir a imagem de Cristo (Rm 8,29; 1 Cor 15,49; 2 Cor
152 3,18). À luz da ressurreição de Cristo, a protologia se faz escatologia. Porém
o Novo Testamento não fez a síntese (desejada). Vão fazê-la alguns Padres
dos primeiros séculos, que, antes de tudo, distinguiram entre imagem
(eikôn, imago) que em rigor se diz somente de Cristo, e segundo a imagem
(kata eikôna, ad imaginem), que é o próprio do homem. Este se vê então
em referência a Cristo, o modelo segundo cuja imagem o homem foi criado.
A encarnação é prefigurada na modelagem do barro inicial: a terra virgem
- quer dizer, todavia não trabalhada pela mão do homem - prefigura a
concepção virginal de Jesus. Assim santo Irineu:
E a imagem de Deus é o Filho, a cuja imagem foi feito o homem.
Eis aqui porque só nos últimos tempos se manifestou: para dar a
entender que a imagem era semelhante a ele33.

Desta terra, pois, tainda virgem, Deus tomou o barro e plasmou


o homem, principio do gênero humano. Para dar cumprimento
a este homem, assumiu o Senhor a sua própria disposição
de corporeidade, que nasceu de uma Virgem, por Vontade e

32 De res.mort. 53,12-13 (CCL 2,995-996)


33 Demonst. 22 (FP 2,106). Também Demonstr. 11 (FP 2, 79): “ Ao homem inteiro o plasmou
Deus com suas próprias mãos […]Deus é aquele plasma sua própria fisionomia, de
modo que o homem, aun não visível, era imagem de Deus. Porque o homem foi
colocado na terra plasmado à imagem de Deus. Porque o homem foi colocado na
terra plasmado à imagem de Deus”. O ser plasmado pelas mãos de Deus - que para
Irineu são o Filho e o Espirito - confere ao corpo humano uma especial dignidade. cfr
Adv. Haer. IV pr.4; 20,1 (SCr.100,290; 626); V 1,3; 6,1; 28,4 (SCh 153, 26-28; 72; 360).
Sabedoria de Deus [...] para que se cumprisse o que no principio
se havia escrito: o homem imagem e semelhança de Deus34.

A forma de Adão prefigura a de Cristo. Com a aparição de Cristo na terra, se


entende o que desde o principio se havia afirmado e permanecia oculto em seu
verdadeiro significado. Alguns textos de Tertuliano, um dos quais o concilio Vaticano
II reproduziu em parte, insistem com maior clareza se valem as mesmas ideias:
No que se expressava no barro se pensava em Cristo que se ia
fazendo homem. Portanto o que [Deus] plasmou, o fez segundo
a imagem de Deus, quer dizer, de Cristo [...] naquele barro, que
já revestia a imagem de Cristo que iria existir na carne, não
estava somente a obra de Deus, mas também a garantia [da
encarnação futura] 35.

Com quem fazia [Deus o homem] e a quem fazia semelhante?


Ao Filho que havia de revestir o homem e ao Espírito Santo que
havia de santificar o homem [...] havia um, a cuja imagem o
fazia, quer dizer, o Filho, que viria ser o homem mais perfeito e
mais verdadeiro, que fez com que sua imagem fosse chamada
homem, o qual então teria que ser formado do barro, imagem e
153
semelhança do verdadeiro36.

Em todos estes casos é o corpo do Senhor o que aparece em primeiro


plano, e, por conseguinte, também o corpo do homem, formado à imagem do
futuro. Aparece aqui a profunda razão teológica pela qual - nos textos que já
temos citado - o homem é, antes de tudo, o corpo. A chave está ai, na imagem
de Cristo que o corpo do primeiro adão já reproduz antecipadamente. Haveria
uma grandeza maior, uma maior dignidade do corpo? «Não encontramos nestes
primeiros escritores cristãos uma antecipação da ideia que o Vaticano II nos
34 Ib 32 (123). Cf. também Adv. Haer. III 21,10; 22,3 (SCh 211, 428-430, 438), V 16 2 (SCh
153,216): «Nos tempos antigos se dizía que o homem fora criado à imagem de Deus,
porém não se manifestava, pois ainda era invisível o Verbo a cuja imagem havia sido
feito o homem». O motivo da terra virgem aparece também em Hilário de Poitiers, Tr.
Myst. I 2 (SCh 18bis,76).
35 De carnis res. 6 (CCL 2,928). Cf. conc. Vaticano II, Gaudium et Spes 22, nota20.
36 Adv. Prax. XII 3-4 (CCL 2, 1173). Cf. también s. Pedro Crisologo. Sermo 117 1-2 (CCL
24A,709): «El bienaventurado Apóstol juzgo que dos hombres han dado principio al
gênero humano, es decir, Adán y Cristo [ ..] El primer hombre, Adán, dice, fue hecho
alma viviente, el último Adán espíritu vivificante (cf. 1 Cor 15,45). Aquel que fue el
primero fue hecho por este último, del cual consiguió el alma, para vivir […]. Este es
Adán, que entonces colocó su imagen en aquel cuando lo formó. De Cristo recibió
Adán su persona, recibió su nombre, para que no pereciera para el lo que hizo a su
imagen El primer Adán, el último Adán. Aquel primero tiene comienzo, este último no
tiene fin, porque este último verdaderamente es el primero, como el mismo dice: “Yo
soy el primero y el último” (Ap 1,17)».
oferece: «o mistério do homem só se esclarece no mistério do Verbo encarnado»
(GS 22)? Como é bem sabido, esta dimensão cristológica da teologia da imagem
se perderá nos séculos sucessivos, quando o ponto de referencia será sobretudo
a Trinidade refletida na alma humana, em sua memória, inteligência e vontade.
Perdido o ponto de referência cristológica, não se atribuirá à dimensão corporal
do homem a dignidade de imagem de Deus, pois é evidente que Deus em si
mesmo é incorpóreo. Uma certa recuperação tímida se observa em alguns
documentos nos últimos tempos, ainda que, todavia não se possa dizer que a
referencia cristológica tenha voltado a ser tão decisiva como o foi nos primeiros
tempos da Igreja37.

5. O SACRAMENTO DO CORPO E SANGUE DE CRISTO

Já nos referimos à união dos cristãos no corpo de Cristo que é a Igreja. Esta
comunhão alcança seu ponto mais alto na participação na eucaristia, posto que
todos comemos de um mesmo pão e bebemos de um mesmo cálice: «Porque
154 o pão é um e, nós, sendo muitos, formamos um só corpo, pois todos comemos
do mesmo pão » (1 Cor 10,17). O corpo mortal de Cristo foi entregue por nós (cf.
Lc 22,19; 1 Cor 11,24), e este mesmo corpo glorificado, faz-se presente no meio
de nós na eucaristia. Ela é o lugar onde somos introduzidos na comunhão com
Deus e entre nós. A carne e o sangue são em Cristo o meio de comunicação da
vida divina, a garantia da vida eterna e da ressurreição (cf. Jo 6,53-57).
Em outras passagens do Novo Testamento, a carne e o sangue não têm
este significado positivo (cf. Mt 16,17; Jo 1,13; 6,63; 1 Cor 15,50, sem falar dos
lugares paulinos em que a carne tem um significado direta ou indiretamente
pecaminoso: Rom 8,5-9; Gál 5,16-25). A realidade humana é radicalmente
transformada por obra de Cristo. A assunção do corpo por parte de Cristo é
o instrumento da comunicação do Espírito que nos une num só corpo: «O
Verbo e Filho do Pai unido à carne, se fez carne como homem perfeito, para
que os homens, unidos ao Espírito se tornem um só espírito. Ele é o Deus
portador da carne (sarkofo, roi) e nós homens somos portadores do Espírito
(pneumatofo,roi)»38. É uma versão muito bonita da muito conhecida doutrina
do intercâmbio que tem em conta a condição original de Cristo como Filho de
Deus e a nossa de Filho do homem39.
37 Cf. p. ex. Catecismo da Igreja Católica, 364. 382.
38 Atanásio de Alexandria, De incarnatione Verbi et contra arianos 8 (PG 26,996).
39 Irineu de Lion, Adv. Haer. V prol. (SCh 153,14): «... nosso Senhor Jesus Cristo [...] se fez o
que nós somos para tornar-nos perfeitos com sua perfeição (ut nos perficeret esse quod est
ipse)». Outros exemplos da literatura patrística em L. Ladaria, Teologia dei pecado original y
de la gracia, Madrid 62012, 151.
A consideração sobre eucaristia nos leva de novo à Igreja como corpo de
Cristo ao qual já nos referimos. É precisamente a metáfora do corpo que permite
a Paulo expressar a união íntima de Cristo com os batizados e destes entre si.
Não vamos repetir o que já indicamos. A imagem do corpo, ligada intimamente
à eucaristia, é a que, segundo o Novo Testamento, se torna a mais adequada para
nos aproximarmos deste mistério.

6. UMA SÓ CARNE

E é esta mesma imagem a que nos leva a considerar outra expressão


da grandeza do corpo humano, o matrimonio. O homem e a mulher serão uma
só carne, segundo Gn 2,24. Jesus citou esta palavra e confirmou que a união
matrimonial do homem e da mulher é indissolúvel (cf. Mt 19,3-12; Mc 10,2-12;
também Mt 5,32; Lc 16,18; 1 Cor 7,39). E Paulo nos explica o último porque deste
principio que tem suscitado sempre dificuldade e ainda desconcerto desde que o
ouviram os discípulos de Jesus: «É este um grande mistério e eu o refiro a Cristo e à
Igreja» (Ef 5,32). Como Cristo se entregou a si mesmo pela Igreja consagrando-a e 155
purificando-a, assim devem os maridos amar a suas mulheres, como a seu próprio
corpo, como a Igreja é o corpo de Cristo. A união corporal, na carne, se faz sinal do
amor de Cristo pela Igreja, que abraça também toda a humanidade. Uma vez mais
vemos o corpo no centro dos desígnios de Deus. Este sinal do amor de Cristo se
torna, no matrimonio, mais total e definitivo após sua consumação. Sabemos, com
efeito, que a Igreja em sua reflexão sobre a verdade revelada, chegou à conclusão
de que o matrimonio rato consumado, sem que se ponha em absoluto em dúvida
sua validade e sua condição sacramental, pode ser dissolvido pela autoridade do
Papa.
A união dos corpos faz que o sinal sacramental seja mais pleno que quando
apenas deu o consentimento. É um sinal mais pleno do amor e da entrega de
Cristo por sua Igreja, que não conhece limites de nenhum tipo, e que se expressa
assim de modo mais total. Se grande é o amor de Cristo por sua Igreja, grande é o
sacramento do matrimonio que o significa também a união dos corpos40.

7. CONCLUSÃO: SUPERGREDIENS ANGELOS

Santo Irineu termina sua grande obra Contra as Heresias com um canto
à grandeza do homem, conformado e “concorporificado” ao Filho de Deus. Já
temos feito alusão a esta passagem. Cito-a agora por inteiro, com consciência de
40 Cf. o exaustivo estudo de J. Granados, Una sola carne en un solo espíritu. Teologia del
matrimonio, Madrid 2014.
sua audácia, sem comentário, como resumo de quanto estamos considerando
nas páginas precedentes:

Em tudo isto e através de tudo, se revela o próprio Deus Pai,


que modelou ao homem e prometeu aos pais a herança da
terra; que a manifestou na ressurreição dos justos e realiza as
promessas no reino de seu Filho, e mais tarde outorga, a título
de Pai, aquilo que nenhum olho viu, nenhum ouvido ouviu,
nem subiu ao coração de homem (1 Cor 2,9). Assim mesmo
um só Filho, que levou a cabo a vontade do Pai. E uma só
linhagem humana na qual se cumprem os mistérios do Deus
que aos anjos apetece contemplar (1 Pe 1,12), incapazes de
perscrutar a sabedoria de Deus, por cujo meio se consuma seu
plasma, dotado da mesma forma e corpo que o de seu Filho
(conformatum et concorporatum Filio). Desta sorte, o Verbo,
fruto dele e primogênito [da criação], desce ao criado, isto
é, ao plasma, assumido por ele mesmo; por sua vez, o criado
se emprenha do Verbo, e ascende com ele, acima dos anjos
156 (supergrediens angelos41, e se faz imagem e semelhança de
Deus (cf. Gn 1,26)42.

Traduziu HR

41 Cf. S. Leão Magno, Sermo 1 de Asc. (PL 54,396): «...super omnium crea- íurarum
celestium dignitatem, humani generis natura conscenderet, supergressura
angélicos ordines. et ultra archangelorum altitudines elevanda».
42 Adv. Haer. V 36,3. Estou usando a tradução, com alguma pequena mudança, de
A. Orbe, Teologia de San Ireneo. Comentário al libro V dei «Adversus Haereses» III,
Madrid-Toledo 1988, 622-665. Veja-se ainda o exaustivo comentário do texto nas
pp. citadas.

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