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OS CONTORNOS DA ARGÜIÇÃO DE

DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL


NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL

GILBERTO SCHÄFER
Juiz de Direito/RS
Mestre e Doutorando em Direito Público/UFRGS
Professor de Direito Constitucional na ESM/AJURIS

SUMÁRIO: Introdução. I – O que é um INTRODUÇÃO

A
preceito fundamental. II – Processo abstrato nossa constituição atualmente adota
ou processo concreto. Conclusão. vários instrumentos de controle de
Bibliografia. constitucionalidade. Há o controle
político de constitucionalidade – geralmente
realizado de forma preventiva pelo Parlamento,
através de suas comissões, especialmente a
comissão de Constituição de Justiça, que
examina previamente a constitucionalidade dos
projetos legislativos (lei em sentido lato, ou seja,
qualquer proposição do art. 59 da CF). O
Parlamento também realiza este controle de forma
repressiva quando analisa os pressupostos
constitucionais da Medida Provisória (art. 62 da
CF)1 ou, como na sustação de atos do Poder
executivo que exorbitem do Poder regulamentar
ou da delegação legislativa(art. 49, V CF),
quando afrontem diretamente a Constituição.
O Poder Executivo realiza o controle
político de constitucionalidade através do
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1
Art. 62, § 5° A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas
provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.
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denominado veto jurídico, ou seja, quando recusa o projeto por reputá-lo inconstitucional
(art. 66, §1° da CF).
Convivendo com esse controle político temos o controle jurisdicional que é feito de
forma concentrada/abstrata e de forma incidental/difusa2. No primeiro caso, o poder de
rejeição é difuso na jurisdição permitindo-se a declaração por qualquer juízo ou tribunal,
embora funcionalmente diferente, pois nos tribunais depende do chamado incidente de
inconstitucionalidade3.
O controle concentrado atualmente é feito através da Representação Interventiva
(art. 34, VII e 36 § 3° da CF)4, ou através das ações genéricas ou abstratas: a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI), a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 102, I “a”
da CF) e a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
Portanto, existem no nosso ordenamento várias formas de controle da invalidade
constitucional. Os contornos da ADI e da ADC já se encontram assentados na jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal. A lei que regulamenta a matéria, lei 9868/99, na maioria dos

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2
Conforme esclarece Luís Afonso Heck “... o par conceitual controle principal e incidental refere-se ao
objeto do litígio. No controle normativo principal somente a questão da constitucionalidade/
inconstitucionalidade da lei é objeto do procedimento. O controle incidental, ao contrário, ocorre no
quadro de um litígio jurídico que tem outro objeto, por exemplo, a conformidade ao direito de um ato.
A decisão, porém, depende da constitucionalidade da lei que está na base desse ato. O par conceitual
controle normativo abstrato e concreto dirige-se a o motivo do controle normativo. Naquele não
existe conexão com um caso litigioso concreto, neste sim, porque se apresenta a questão de saber se a
lei que importa para a decisão é ou não compatível com a Constituição. O par conceitual controle
concentrado e difuso aponta para o tribunal competente para a decisão. No controle concentrado,
tanto a competência para o exame como a competência para a rejeição estão concentradas em um
mesmo tribunal, enquanto, no controle difuso, essas competências encontram-se nas mãos de juízes,
monocráticos ou não. Além disso, o par conceitual controle normativo especial e integrado expressa o
fato da jurisdição constitucional, e com isso o controle normativo, ser atribuído a um tribunal
constitucional especial ou a um tribunal supremo competente para todos os âmbitos jurídicos. Esses
pares conceituais se cruzam na prática.” “O Controle Normativo no Direito Constitucional Brasileiro”
Revista do Tribunais, n° 800, junho de 2002, p. 58 nota de pé-de-página número 1.
3
Segundo Airton José Sott “convém observar que dois são os momentos no controle de constitucionalidade:
o 1°) que é a competência ou o poder de verificação ou exame; e, o 2°) que é a competência ou poder
de rejeição ou, ao contrário, de apresentação á um órgão diverso — caso considerada a norma
anticonstitucional (=inconstitucional). No Brasil, desde a implantação da República o juízo monocrático
sempre teve os dois (competência para a verificação e rejeição), já os órgãos colegiados, que num
primeiro momento tinham os dois, como atribuições dos órgãos fracionários — Câmaras ou Turmas —
passaram com a Constituição de 1934, de fazê-lo, por quorum qualificado. Melhor dizendo, primeiro
verifica-se ou examina-se se a norma é compatível ou não com a Constituição, em não sendo passa-se
ao segundo momento, apresentar a questão a um órgão superior ou especial — ou ao mesmo tribunal
mas com quorum qualificado — ou fazer a rejeição da norma tida como inconstitucional. No Brasil o
Juízo de primeira instância ou o tribunal sempre teve os dois poderes: o de exame ou verificação e o de
rejeição (dos tribunais exigiu-se, a partir de 1934, quorum qualificado: art. 179 da Constituição). Airton
José Sott, A possibilidade do controle judicial constitucionalidade — incidental, concreto e difuso —
direito brasileiro anterior à Constituição Federal de 1988:— Em conexão com os Direitos Fundamentais,
Ajuris 93, p.111.
4
Ela é considerada a antecessora do controle abstrato de normas, serve para decidir um caso concreto,
um conflito federativo e tem como conseqüência a intervenção ou suspensão do ato.
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seus dispositivos apenas consolidou este conjunto de decisões5.


Quanto a ADPF, entretanto, não há essa mesma definição. A Constituição Federal é
extremamente vaga ao se referir ao instrumento. Segundo o § 1° do art. 102 da Constituição
Federal, “a argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta
Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei”. A matéria
veio a ser regulada na a Lei 9882/99, mas a lei, infelizmente, deixou vários pontos descobertos,
decorrentes a própria sistematização constitucional.
Por isso, abordar-se-á, no presente trabalho, os contornos da ADPF, a partir das
decisões do Supremo Tribunal Federal, buscando delinear a feição que o Tribunal vem
dando ao instituto.

I – O QUE É UM PRECEITO FUNDAMENTAL


Realizando-se um inventário no Supremo Tribunal Federal, até 27.04.2005, foram
ajuizadas 70 ADPF’s, não tendo nenhuma delas alcançado manifestação de mérito. Dentre
elas, 38 não foram conhecidas, 25 por ilegitimidade ativa ad causam ou ausência de
capacidade postulatória; 9 por existência de outro meio judicial eficaz para alcançar o efeito
pretendido; 2 por atacarem projeto de lei ou projeto de emenda constitucional; 1 por inépcia
da inicial; e, 1 por perda de objeto. Das 32 restantes, 7 encontram-se sobrestadas aguardando
o julgamento da ADI n° 2.2316.
Das que estão tramitando podemos destacar três pela sua importancia: a ADPF n33,
relator o Ministro Gilmar Mendes, cuja liminar foi deferida e referendada pelo Plenário e o
mérito, atualmente encontra-se julgado de forma definitiva. No trabalho ainda vamos nos
referir em grande parte a Liminar concedida. A ADPF 54, relator o Ministro Marco Aurélio,
que deferiu a liminar, tendo sido a mesma parcialmente deferida pelo plenário. ADPF 46 em
que se pretende a declaração da não-recepção, pela CF/88, da Lei 6.538/78, que instituiu
monopólio das atividades postais pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT,
cujo voto do Rel. Ministro Marco Aurélio foi proferido pela procedência, após o Ministro
Eros Grau votou pela improcedência, com pedido de vista do Ministro Joaquim Barbosa.
A partir decisões tomadas nas duas argüições mais o voto já proferido na ADI 2231-
7
8 é que se pode vislumbrar as configuração que o STF projeta para a Argüição. A
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5
Embora alguns dispositivos conferiam poder maior ao Supremo que parece ter sido dado pela Constituição
Federal.
6
Inventário realizado pela Ministra Ellen Gracie, documento eletrônico, p. 2.
7
Conforme consta nas informações processuais que se pode colher junto ao site do STF: Decisão: Depois
do voto do Senhor Ministro Néri da Silveira, Relator, deferindo, em parte, a medida liminar, com
relação ao inciso I do parágrafo único do artigo 1° da lei n° 9.882, de 03 de dezembro de 1999, para
excluir, de sua aplicação, controvérsia constitucional concretamente já posta em juízo, bem como
deferindo, na totalidade, a liminar, para suspender o § 3° do artigo 5° da mesma lei, sendo em ambos os
casos o deferimento com eficácia ex nunc e até final julgamento da ação direta, pediu vista o senhor
ministro Sepúlveda Pertence. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os senhores ministros
Nelson Jobim, Ilmar Galvão e Marco Aurélio, Presidente. Falou, pela Advocacia-Geral da União, o Dr.
Gilmar Ferreira Mendes. Presidiu o julgamento o senhor Ministro Moreira Alves. Plenário, 05.12.2001.
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Constituição Federal e a Lei não definem o que se entende por Preceito Fundamental.
Escrevendo a respeito do tema consignei que se tratava ser um conceito “aberto e
indeterminado” que deveria ser preenchido pelo STF definindo “o que entende por preceito,
qual o seu conteúdo normativo, se são apenas regras ou também princípios, e o que dá o
caráter de “fundamentalidade” aos preceitos”8.
O Supremo Tribunal Federal na ADPF 33-MC através do voto do Relator Gilmar
Mendes fixou como fundamentais os seguintes preceitos: as cláusulas pétreas9 – onde
estão contidos os direitos e garantias individuais – os direitos sociais, os princípios
sensíveis10 que dão ensejo a intervenção federal. Na ADPF 54 e 46 inclui os princípios
fundamentais11, em conseqüência de ter aceito como preceito o princípio da dignidade da

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8
SCHÄFER, Gilberto. Argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Revista da
AJURIS, Porto Alegre, v. 27, n° 83, p. 201/202. Essa circunstância foi bem apanhada no voto da
Ministra Ellen Gracie, p. 1-2: “É este um momento importantíssimo de conformação do novo
instrumento de controle de constitucionalidade que a doutrina tem apontado como “misterioso e
esotérico” (Ronaldo Poletti) e para cuja clarificação a recente regulamentação pela Lei n° 9.882/99
pouco contribuiu (Ingo Sarlet). Se isso é bom, porque deixa ao Tribunal ampla margem de discricionariedade
na construção do instituto, corresponde também a enorme responsabilidade para com o futuro. As
diretrizes que traçarmos devem ter a consistência necessária para enfrentarem o teste dos anos vindouros
e haverão de servir como parâmetro para as impetrações que se seguirem. O Tribunal haverá, portanto,
de agir na construção desse instituto com a cautela e a serenidade que lhe têm assegurado, ao longo das
décadas, o respeito e a credibilidade perante a comunidade jurídica e a Nação”.
9
Art. 60, § 4° da CF – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma
federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
10
Art. 34, VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana,
sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d)
prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e) aplicação do mínimo exigido da
receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção
e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
11
Título I – Dos Princípios Fundamentais
Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a
soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 2° São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.
Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III –
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Art. 4° A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I – independência nacional; II – prevalência dos direitos humanos; III – autodeterminação dos povos;
IV – não-intervenção; V – igualdade entre os Estados; VI – defesa da paz; VII – solução pacífica dos
conflitos; VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX – cooperação entre os povos para o progresso
da humanidade; X – concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e
cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de
nações.
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pessoa humana12 e livre iniciativa, da liberdade no exercício de qualquer trabalho, da livre


concorrência e do livre exercício de qualquer atividade econômica (CF, arts. 1°, IV; 5°, XIII;
170, caput, IV e parágrafo único, respectivamente).
Esses preceitos podem ser interpretados de forma restritiva ou de forma ampla. O
Ministro Gilmar Mendes, apresentou no STF uma proposta hermenêutica que busca ampliar
o espaço protegido por esses preceitos fundamentais. O Ministro argumenta que as
chamadas “cláusulas pétreas” parecem despidas de conteúdo específico. Por isso, propõe
a sua interpretação de acordo com o princípio da unidade constitucional:
“O que significa, efetivamente, “separação de Poderes” ou “forma federativa”?
O que é um “Estado de Direito Democrático”? Qual o significado da “proteção da
dignidade humana”? Qual a dimensão do “princípio federativo”?
Essas indagações somente podem ser respondidas, adequadamente, no contexto
de determinado sistema constitucional. É o exame sistemático das disposições
constitucionais integrantes do modelo constitucional que permitirá explicitar o conteúdo
de determinado princípio.
Ao se deparar com alegação de afronta ao princípio da divisão de Poderes de
Constituição estadual em face dos chamados “princípios sensíveis” (representação
interventiva), assentou o notável Castro Nunes lição que, certamente, se aplica à
interpretação das cláusulas pétreas: “(...). Os casos de intervenção prefigurados nessa
enumeração se enunciam por declarações de princípios, comportando o que possa
comportar cada um desses princípios como dados doutrinários, que são conhecidos na
exposição do direito público. E por isso mesmo ficou reservado o seu exame, do ponto de
vista do conteúdo e da extensão e da sua correlação com outras disposições
constitucionais, ao controle judicial a cargo do Supremo Tribunal Federal. Quero dizer
com estas palavras que a enumeração é limitativa como enumeração.(...). A enumeração
é taxativa, é limitativa, é restritiva, e não pode ser ampliada a outros casos pelo Supremo
Tribunal. Mas cada um desses princípios é dado doutrinário que tem de ser examinado
no seu conteúdo e delimitado na sua extensão. Daí decorre que a interpretação é restritiva
apenas no sentido de limitada aos princípios enumerados; não o exame de cada um, que
não está nem poderá estar limitado, comportando necessariamente a exploração do
conteúdo e fixação das características pelas quais se defina cada qual deles, nisso
consistindo a delimitação do que possa ser consentido ou proibido aos Estados” (Repr.
n° 94, Rel. Min. Castro Nunes, Archivo Judiciário 85/31 (34-35), 1947).

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12
Do voto do Ministro Gilmar Mendes consta “No caso em exame, o pedido funda-se no “princípio da
dignidade da pessoa humana (art. 1°, IV), na cláusula geral da liberdade, extraída do princípio da
legalidade (art. 5°, II), e no direito à saúde (arts. 6° e 196).” A existência ou não de violação a tais
preceitos será objeto de exame quando do julgamento do mérito. Mas cabe enfatizar, nesse ponto, que
este requisito legal para a admissibilidade da ADPF restou cumprido na inicial”.
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Essa orientação, consagrada por esta Corte para os chamados “princípios


sensíveis”, há de se aplicar à concretização das cláusulas pétreas e, também, dos chamados
“preceitos fundamentais”.
É o estudo da ordem constitucional no seu contexto normativo e nas suas relações
de interdependência que permite identificar as disposições essenciais para a preservação
dos princípios basilares dos preceitos fundamentais em um determinado sistema. Tal
como ensina J.J. Gomes Canotilho em relação à limitação do poder de revisão, a
identificação do preceito fundamental não pode divorciar-se das conexões de sentido
captadas do texto constitucional, fazendo-se mister que os limites materiais operem como
verdadeiros ‘limites textuais implícitos’ (J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e
Teoria da Constituição, Coimbra, 2002, p.1.049).
Destarte, um juízo mais ou menos seguro sobre a lesão de preceito fundamental
consistente nos princípios da divisão de Poderes, da forma federativa do Estado ou dos
direitos e garantias individuais exige, preliminarmente, a identificação do conteúdo
dessas categorias na ordem constitucional e, especialmente, das suas relações de
interdependência.
“É o estudo da ordem constitucional no seu contexto normativo e nas suas relações
de interdependência que permite identificar as disposições essenciais para a preservação
dos princípios basilares dos preceitos fundamentais em determinado sistema”13.
Dessa forma o Ministro Gilmar acaba por dar uma interpretação ampliada do que
entende por preceitos fundamentais. Talvez aí a matéria mereça um exame mais acurado, na
medida em que realmente acabe colocando sob a análise do Supremo não apenas os
preceitos fundamentais, mas qualquer norma da Constituição Federal.
Aliás, o voto que na MC proferida na ADPF 33 suspendeu a eficácia do ato
regulamentar do IDESP, apresenta como afronta a regra de vinculação ao salário mínimo.
Trata-se de argüição de descumprimento de preceito fundamental apresentada pelo
Governador do Estado do Pará, tendo por objeto impugnar o art. 34 do Regulamento de
Pessoal do Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará (IDESP), adotado pela
Resolução no. 8/86 do Conselho de Administração e aprovado pelo Decreto Estadual no.
4.307, de 12 de maio de 1986, com o fim de fazer cessar lesão ao princípio federativo e ao
direito social do salário mínimo14. A partir daí se extrai que ela afronta ao princípio federativo
e ao princípio do salário mínimo digno. O Governador do Estado pretende ver declarada,

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13
Gilmar Ferreira Mendes, voto na medida cautelar em argüição de descumprimento de preceito fundamental
33-5, Pará, p. 09.
14
Art. 7° São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social: IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender as suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
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com eficácia “erga omnes”, a não-recepção pela Constituição de 1988 da norma impugnada.
Por isso, o Ministro Gilmar demonstra o seu raciocínio ao suspender o referido dispositivo:
“No caso específico, o dispositivo impugnado, ao criar mecanismos de indexação
salarial para cargos, utiliza o salário mínimo como fator de reajuste automático da
remuneração dos servidores da autarquia estadual que, ressalte-se, foi extinta e, para
todos os fins, sucedida pelo Estado do Pará. Com isso, retira-se do Estado a autonomia
para decidir sobre o reajuste de seus servidores, matéria que diz respeito a seu peculiar
interesse, mas que estará vinculada à variação de índices determinada pela União.
É notória a relevância jurídica da questão, em face da Jurisprudência desta
Corte (RE 242.740/GO, Rel. Min. Moreira Alves, Pleno, DJ 18.05.2001; RE 229.631/GO,
Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, DJ 1.7.1999; RE 140.499/GO, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª
Turma, DJ 9.9.1994).
É preciso analisar que essa construção coloca praticamente todas as normas
constitucionais como parâmetro de confronto em ADPF, transformando toda a constituição
em preceitos fundamentais, na medida em que a grande maioria das regras e princípios
concretiza os princípios estruturantes15. Pode-se ver então que devido a extrema abertura
dos preceitos fundamentais, busca-se uma maior densidade normativa em regras da própria
constituição. Estas acabam por se estabelecer em verdadeiros parâmetros de controle,
tornando praticamente toda a Constituição como referência de controle.

II – PROCESSO ABSTRATO OU PROCESSO CONCRETO


A ADPF realiza um controle concentrado no Supremo Tribunal Federal, mas isso
não esclarece se o controle é abstrato ou é um controle normativo concreto. O controle
abstrato designa aquele controle realizado por lei em tese, ou desvinculado do caso concreto.
Esse controle se refere mais a forma como a questão é apresentada no Supremo do que
propriamente a falta de interesse concreta na lide. Basta ver que no caso da ADC se
condiciona o ingresso de qualquer ação no Supremo Tribunal Federal a ocorrência de
dissenso jurisprudencial16 ou a exigência de que os legitimados para o processo abstrato
demonstrem pertinência temática. Por isso, a questão se refere mais ao modo como é levada
ao Supremo Tribunal Federal do que propriamente ser um processo abstrato ou controle
objetivo.
A conformação do que seja um processo objetivo foi firmado quando a ADC foi
inserida no nosso ordenamento jurídico17, ou seja, de que se tratava de um processo sem

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15
A matéria merece uma visão crítica, mas, no momento, esse trabalho limita-se a descrever a questão.
16
Lei 9868: Art. 14 – A petição inicial indicará: III – a existência de controvérsia judicial relevante sobre
a aplicação da disposição objeto da ação declaratória.
17
A Emenda provocou reação contrária da doutrina que argumentou que a ADC suprimia a função criadora
judicial e as garantias fundamentais intangíveis ao poder de reforma constitucional, por força do art.
60, § 4°, IV, da Lei Maior, como a de acesso ao Judiciário, a do devido processo legal, a da ampla defesa
e do contraditório, inscritas no art. 5°, incisos XXXV, LIV e LV, da CF.
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partes, no qual inexiste requerido18. Tal como na ação direta de inconstitucionalidade, os


requerentes são titulares de ação de constitucionalidade apenas para o efeito de provocar,
ou não, o Supremo Tribunal19, não se admitindo desistência, ação rescisória e vinculação
aos fundamentos da lide.
Na ADPF parecia restar a dúvida inicial, especialmente, se podiam ser impugnados
atos concretos do poder público, que não fossem atos normativos gerais e abstratos (lei em
sentido material).
Logo após a Constituição de 1988 José Afonso da Silva20 chegou a relacionar o
instituto com o recurso constitucional alemão (Verfassungsbeschwerde). Sobre essa relação
Clèmerson Clève21 faz a seguinte observação: “o Verfassungsbeschwerde não pode, porém,
sem mais, ser transplantado para o Brasil. A imensa maioria dos recursos constitucionais

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18
Nesse sentido, voto do Ministro Moreira Alves proferido na ADC – n° 1-1 e reproduzido igualmente no
livro de Ives Gandra da Silva Martins e outros. Ação Declaratória de Constitucionalidade. Saraiva, p.
183 ss.: “Esta corte já afirmou o entendimento, em vários julgados, de que a ação direta de
inconstitucionalidade se apresenta como processo objetivo, por ser processo de controle de normas
em abstrato, em que não há prestação de jurisdição em conflitos de interesses que pressupõe
necessariamente partes antagônicas, mas em que há, sim, a prática, por fundamentos jurídicos, do
ato político de fiscalização dos Poderes constituídos decorrente da aferição da observância, ou não,
da Constituição pelos atos normativos dele emanados (...) Num processo objetivo, que se caracteriza
por ser um processo sem partes contrapostas, não tem sentido pretender-se que devam ser asseguradas
as garantias individuais do princípio do contraditório e da ampla defesa, que pressupõe a contraposição
concreta de partes cujo conflito de interesses se visa a dirimir com a prestação jurisdicional do Estado.
Nos processos objetivos de controle concentrado em abstrato de atos normativos não há prestação
jurisdicional ínsita do Poder Judiciário e que pressupõe, direta ou indiretamente, conflito de interesses
a ser dirimido, mas meios do exercício de forma específica de jurisdição – a jurisdição constitucional
– que se traduz em ato político de fiscalização dos Poderes (inclusive do Judiciário) quanto à
conformidade, ou não, à Constituição dos atos normativos por eles editados. Por outro lado, qualquer
que seja o sentido que se dê ao princípio do due process of law, não é ele violado pela ação
declaratória de constitucionalidade. (...). Trata-se, pois, de garantia individual que não é afastada
por instrumento de controle concentrado em abstrato que visa a aferir se a presunção de
constitucionalidade de um ato normativo procede em decorrência do confronto dele com a Constituição
Federal. E o controle feito pelo Supremo Tribunal Federal, que, expressamente, é o guardião dessa
Constituição. Por fim, é também inteiramente improcedente a alegação de que essa ação converteria
o Poder Judiciário em legislador, tornando-o como que órgão consultivo dos Poderes Executivo e
Legislativo. Essa alegação não atenta para a circunstância de que, visando a ação declaratória de
constitucionalidade à preservação da presunção de constitucionalidade do ato normativo, é ínsito a
essa ação, para caracterizar o interesse objetivo de agir por parte dos legitimados para propô-la, que
preexista controvérsia que ponha em risco essa presunção, e, portanto, controvérsia judicial no
exercício do controle difuso de constitucionalidade, por ser esta que caracteriza inequivocamente esse
risco. Dessa controvérsia, que deverá ser demonstrada na inicial, afluem, inclusive os argumentos pró
e contra a constitucionalidade, ou não, do ato normativo em causa, possibilitando a esta Corte, o
conhecimento deles e de como têm sido eles apreciados judicialmente. Portanto, por meio dessa
ação, o Supremo Tribunal Federal uniformizará o entendimento judicial sobre a constitucionalidade,
ou não, de um ato normativo federal em face da Carta Magna, sem qualquer caráter, pois, de órgão
consultivo de outro Poder, e sem que, portanto, atue, de qualquer modo, como órgão de certa forma
participante do processo legislativo. Não há, assim, evidentemente, qualquer violação ao princípio
da separação de Poderes”.
19
Gilmar Ferreira Mendes. Ação declaratória de constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 53-4.
20
José Afonso da Silva, ob. cit., p. 488.
21
Clèmerson Merlin Clève. Ob. cit. 2ª ed., p. 408.
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propostos, perante a Corte Constitucional alemã, impugnam decisões judiciais. Ora, no


Brasil, o recurso extraordinário serve para a mesma finalidade. De modo que, entre nós,
a lei haveria de conferir à argüição uma funcionalidade muito menor que a alcançada
pelo recurso constitucional alemão”.22
Em artigo anterior já havia examinado essa possibilidade de transformar a ADPF em
um incidente de inconstitucionalidade23. Assim poderíamos ter duas possibilidades
interpretativas: a) entender que há dois fundamentos ensejadores da medida: a1) para os
atos do poder público lesivos a preceito fundamental e a2) para resolver as controvérsias
judiciais acerca da aplicação de toda e qualquer norma jurídica; b) a aplicação do instituto
só é possível para sanar atos do poder público permitindo-se que sejam aplicadas a leis ou
atos normativos federais, estaduais ou municipais, incluídos os anteriores a constituição
federal.
Gilmar Ferreira Mendes, um dos autores intelectuais da lei que regulamenta a ADPF,
defende a aplicação a todas as decisões judiciais e “permite a antecipação de decisões
sobre controvérsias constitucionais relevantes, evitando que elas venham a ter um
desfecho definitivo após longos anos, quando muitas situações já se consolidaram ao
arrepio da interpretação autêntica do Supremo Tribunal Federal”.24 Nessa interpretação
permite-se seja ele oposto contra decisões judiciais, simplesmente para resolver
controvérsias, transformando a controvérsia de um norma frente à constituição em uma
violação de um preceito fundamental.
A interpretação de Gilmar Ferreira Mendes, acaba por introduzir uma espécie de
“avocatória”, estabelecendo, por lei, verdadeiro incidente de inconstitucionalidade.
Que a Constituição possa estabelecer esse incidente até se admite, cujo debate da
conveniência e oportunidade deve ser feito com toda a sociedade. Agora, é de
constitucionalidade duvidosa que possa a lei ordinária, a pretexto de regulamentar a hipótese
de cabimento da ADPF, estender o campo de aplicação e depois criar novos efeitos com a
possibilidade de suspensão do “andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais,
ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria, objeto da argüição
de descumprimento fundamental”.
Penso, ao contrário de Gilmar Mendes, que a Constituição não autoriza a extensão
da ação de descumprimento para resolver “controvérsias judiciais”, mas apenas para
suspender atos lesivos, cuja lesão deve ser concreta ou iminente. A simples controvérsia
não é um ato lesivo, embora de decisões judiciais possam resultar atos concretos que
possam descumprir preceitos fundamentais. Em outras palavras existem decisões judiciais

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22
Idem, p. 408-9.
23
SCHÄFER, Gilberto. Argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Revista da
AJURIS, Porto Alegre, v. 27, n° 83, p. 201-205, set. 2001.
24
Gilmar Ferreira Mendes. “Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (§1° do art. 102 da
Constituição Federal)”, jus navegandi, p.7.
152 - DOUTRINA NACIONAL

que embora sejam controvertidas ainda não geraram efeitos no mundo dos fatos, apenas
dentro do processo. Uma sentença de procedência ou improcedência, per se, não gera
efeitos no mundo concreto. Dela cabem os meios impugnatórios normais. Logo, a
interpretação, conforme a constituição, é de que este instituto apenas possa ser usado para
atos lesivos, mas não atos judiciais – embora deles decorrentes, só podendo ser usado
depois de vencidas as demais etapas impugnatórias, dado o caráter subsidiário da argüição.
No Supremo Tribunal Federal essas duas tendências se manifestaram. Por ocasião
do julgamento da ADI 2231-8 que trata de uma ação em que se postula a declaração de
inconstitucionalidade de toda a Lei 9.882. Nesta ADI foi proferido voto do Ministro Néri da
Silveira que visa extirpar a formulação de um incidente de inconstitucionalidade. De acordo
com o voto, o caput do art. 1° do diploma25 que examinou albergaria uma “argüição
autônoma”, enquanto que o parágrafo único, Inciso I26 uma ‘argüição incidental’. Segundo
o Ministro:
“Na hipótese do inciso I, do parágrafo único, do art. 1° em exame, sustenta-se na
inicial que se pretende que o STF antecipe, originariamente, em se cuidando de processo
em curso, deslinde da questão constitucional prévia, com o que se afastaria a necessidade
de o feito percorrer as instâncias ordinárias, para que a mesma Corte Suprema viesse,
por fim, a pronunciar-se, em definitiva decisão sobre o tema constitucional, no âmbito de
recurso extraordinário, ou mesmo em recurso ordinário, se for o caso. Esse decisum
prévio acerca da controvérsia constitucional seria um antecedente lógico para o
julgamento de fundo do processo na instância de origem. Subtrair-se-ia, destarte, segundo
a inicial, controvérsia constitucional do juiz natural para dela conhecer incidenter
tantum. Além disso, se concedida a liminar, pela maioria, absoluta dos membros do STF,
a teor do previsto no § 3° do art. 5°, da lei no. 9.882/1999, essa decisão poderia consistir
na ‘na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os
efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a
matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se
decorrentes da coisa julgada”.
O Ministro Néri da Silveira não admite utilizar o instrumento como incidente de
inconstitucionalidade admite dar “interpretação conforme à Constituição, excluindo de sua
compreensão a controvérsia constitucional relevante relativa a processo judicial, já em
curso, evitando-se, destarte, se converta a argüição de descumprimento de preceito
fundamental, com base nesse dispositivo legal, em autêntico e concreto ‘incidente de
inconstitucionalidade’, com imediata repercussão em processo judicial em andamento, em
--------------------------------------------------------------------
25
Art. 1° – A argüição prevista no § 1° do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o
Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante
de ato do Poder Público.
26
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I – quando for
relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou
municipal, incluídos os anteriores à Constituição;
OS CONTORNOS DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL NA JURISPRUDÊNCIA ... - 153

instância inferior, criando, assim, por via legislativa, o que não é de admitir-se.27“
Por outro lado, tese contrária, foi sustentada no voto proferido pelo Ministro Gilmar
Mendes na ADPF 33 –MC. Embora no julgamento não sejam suscitadas dúvidas quanto ao
caráter objetivo do instituto, faz-se o mesmo funcionar como um verdadeiro incidente de
inconstitucionalidade. O Ministro defende, baseado no Tribunal Constitucional alemão, o
julgamento antecipado28 quando a questão for fundada no interesse geral e naquelas
controvérsias baseadas no perigo iminente de grave lesão. Por isso acentua que apesar do
caráter objetivo “o ajuizamento da ação e sua admissão estarão vinculados, muito
provavelmente, ao significado da solução da controvérsia para o ordenamento
constitucional objetivo, e não à proteção judicial efetiva de uma situação singular29.”
Ora, como dissemos acima a vinculação ao caso, depende muito mais da forma como
o processo é apresentado na Corte do que propriamente a uma natureza das coisas.
Mas, importa, para introduzir a formulação de Gilmar Mendes, a superação de outro
problema: a subsidiariedade. Segundo a Lei 9882/99 “não será admitida a argüição de
descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de
sanar a lesividade” (§ 1° do art. 4° da Lei 9822/99).
Assim, a cláusula de subsidiariedade entraria em ação sempre que não coubesse
ADI, ou seja, no caso do Direito Municipal face a Constituição Federal, pré-constitucional
e “nas controvérsias sobre direito pós-constitucional já revogado ou cujos efeitos já se
exauriram30“ e no caso de ver declarada a constitucionalidade de uma norma Municipal31.
E o Ministro apresenta a derradeira amostra do incidente de inconstitucionalidade,
desprezando-se o cabimento de recurso extraordinário32, especialmente nos processos

--------------------------------------------------------------------
27
p. 31
28
Nesse mesmo sentido o voto proferido pelo Ministro Barbosa, na ADPF 54, questão de ordem, em que
salientou que se deve eliminar a insegurança jurídica no caso de interrupção da gravidez, antecipando a
controvérsia, com reserva da interpretação por parte do STF.
29
voto do Ministro Gilmar Mendes na ADPF 33-MC, p. 25.
30
voto do Ministro Gilmar Mendes na ADPF 33-MC, p. 26
31
No voto consta: “Também é possível que se apresente argüição de descumprimento com pretensão de
ver declarada a constitucionalidade de lei estadual ou municipal que tenha sua legitimidade questionada
nas instâncias inferiores. Tendo em vista o objeto restrito da ação declaratória de constitucionalidade,
não se vislumbra aqui meio eficaz para solver, de forma ampla, geral e imediata, eventual controvérsia
instaurada”.
32
Não se pode admitir que a existência de processos ordinários e recursos extraordinários deva excluir, a
priori, a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Até porque o instituto
assume, entre nós, feição marcadamente objetiva.
Nessas hipóteses, ante a inexistência de processo de índole objetiva apto a solver, de uma vez por todas,
a controvérsia constitucional, afigura-se integralmente aplicável a argüição de descumprimento de
preceito fundamental. É que as ações originárias e o próprio recurso extraordinário não parecem, as
mais das vezes, capazes de resolver a controvérsia constitucional de forma geral, definitiva e imediata.
A necessidade de interposição de uma pletora de recursos extraordinários idênticos poderá, em verdade,
constituir-se em ameaça ao livre funcionamento do STF e das próprias Cortes ordinárias.
A propósito, assinalou Sepúlveda Pertence, na ADC no 1 (ADC 1/DF, Rel. Min. Moreira Alves, j.
1.12.93, DJU 16.6.95), que a convivência entre o sistema difuso e o sistema concentrado “não se faz
sem uma permanente tensão dialética na qual, a meu ver, a experiência tem demonstrado que será
154 - DOUTRINA NACIONAL

massivos33. Segundo Gilmar deve-se afastar “aplicações erráticas, tumultuárias ou


incongruentes, que comprometam gravemente o princípio da segurança jurídica e a própria
idéia de prestação judicial efetiva34“. Essa insegurança jurídica se daria pelo fato da decisão
contrariar o STF35. E na sua conclusão:
Assim sendo, é possível concluir que a simples existência de ações ou de outros
recursos processuais – vias processuais ordinárias – não poderá servir de óbice à
formulação da argüição de descumprimento. Ao contrário, tal como explicitado, a
multiplicação de processos e decisões sobre um dado tema constitucional reclama, as
mais das vezes, a utilização de um instrumento de feição concentrada, que permita a
solução definitiva e abrangente da controvérsia.
Essa leitura compreensiva da cláusula da subsidiariedade contida no art. 4o, §
1o, da Lei no 9.882, de 1999, parece solver, com superioridade, a controvérsia em torno
da aplicação do princípio do exaurimento das instâncias.
É fácil ver também que a fórmula da relevância do interesse público para justificar
a admissão da argüição de descumprimento (explícita no modelo alemão) está implícita
no sistema criado pelo legislador brasileiro, tendo em vista especialmente o caráter
marcadamente objetivo que se conferiu ao instituto.
Assim, o Tribunal poderá conhecer da argüição de descumprimento toda vez que
o princípio da segurança jurídica restar seriamente ameaçado, especialmente em razão
de conflitos de interpretação ou de incongruências hermenêuticas causadas pelo modelo
pluralista de jurisdição constitucional.
É importante salientar que no caso da ADPF 33 trata-se de dispositivo infra-
constitucional, ou seja, de ato regulamentar de Autarquia Estadual, anterior a constituição
decidido nas vias ordinárias, tendo sido determinada a suspensão de todos os processos
em curso e dos efeitos de decisões judiciais que versem sobre a aplicação do dispositivo

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inevitável o reforço do sistema concentrado, sobretudo nos processos de massa; na multiplicidade de


processos a que inevitavelmente, a cada ano, na dinâmica da legislação, sobretudo da legislação
tributária e matérias próximas, levará se não se criam mecanismos eficazes de decisão relativamente
rápida e uniforme, ao estrangulamento da máquina judiciária, acima de qualquer possibilidade de
sua ampliação e, progressivamente, ao maior descrédito da Justiça, pela sua total incapacidade de
responder à demanda de centenas de milhares de processos rigorosamente idênticos, porque reduzidos
a uma só questão de direito”.
33
Como se vê, ainda que aparentemente pudesse ser o recurso extraordinário o meio eficaz de superar
eventual lesão a preceito fundamental nessas situações, na prática, especialmente nos processos de
massa, a utilização desse instituto do sistema difuso de controle de constitucionalidade não se revela
plenamente eficaz, em razão do limitado efeito do julgado nele proferido (decisão com efeito entre as
partes).
34
Voto do Ministro Gilmar Mendes na ADPF 33-MC, p. 28
35
Ademais, a ausência de definição da controvérsia –ou a própria decisão prolatada pelas instâncias
judiciais –poderá ser a concretização da lesão a preceito fundamental. Em um sistema dotado de órgão
de cúpula, que tem a missão de guarda da Constituição, a multiplicidade ou a diversidade de soluções pode
constituir-se, por si só, em uma ameaça ao princípio constitucional da segurança jurídica e, por
conseguinte, em uma autêntica lesão a preceito fundamental.
OS CONTORNOS DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL NA JURISPRUDÊNCIA ... - 155

questionado, ou seja, a medida funcionou realmente como verdadeiro incidente de


inconstitucionalidade.
Na ADPF 54, denominada ADPF da anencefalia, em que se discute a inviabilidade
do feto e a antecipação terapêutica do parto36. Importante, salientar a forte resistência que
essa ADPF encontrou no Supremo Tribunal Federal, especialmente pela busca de
interpretação conforme a constituição de dispositivos anteriores a Constituição Federal.
A crítica da Ministra Ellen Gracie é que se busca acrescentar conteúdos a norma
vigente, especialmente normas pré-constitucionais. Nesse sentido, a Ministra reafirma que
não se pode transformar a ADPF em ação direta para o controle de normas pré-
constitucionais. Segundo a Ministra a conformação do instituto, através da Lei n° 9.882/99,
teria ido muito além de sua matriz no direito comparado, quando admite – ilimitadamente –
o questionamento da legislação pré-constitucional em face do texto constitucional vigente.
Segundo Alexandre de Moraes37: “A Lei n° 9.882/99 não previu a existência de prazo
fatal para o ajuizamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental,
afastando-se, portanto, dos modelos austríaco e alemão previstos para o recurso
constitucional perante os respectivos Tribunais Constitucionais. Na Áustria, o prazo é
de seis meses a contar da prática do ato inconstitucional do poder público, enquanto na

--------------------------------------------------------------------

36
A argüição foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS considerada
a anencefalia, a inviabilidade do feto e a antecipação terapêutica do parto. No relatório do Ministro
Marco Aurélio, na decisão Monocrática, proferida em 1° de julho de 2004, às 13 horas, consta “Afirma
serem distintas as figuras da antecipação referida e o aborto, no que este pressupõe a potencialidade de
vida extra-uterina do feto. Consigna, mais, a própria legitimidade ativa a partir da norma do artigo 2°,
inciso I, da Lei n° 9.882/99, segundo a qual são partes legítimas para a argüição aqueles que estão no rol
do artigo 103 da Carta Política da República, alusivo à ação direta de inconstitucionalidade. No tocante
à pertinência temática, mais uma vez à luz da Constituição Federal e da jurisprudência desta Corte,
assevera que a si compete a defesa judicial e administrativa dos interesses individuais e coletivos dos que
integram a categoria profissional dos trabalhadores na saúde, juntando à inicial o estatuto revelador
dessa representatividade. Argumenta que, interpretado o arcabouço normativo com base em visão
positivista pura, tem-se a possibilidade de os profissionais da saúde virem a sofrer as agruras decorrentes
do enquadramento no Código Penal. Articula com o envolvimento, no caso, de preceitos fundamentais,
concernentes aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, em seu conceito maior, da
liberdade e autonomia da vontade bem como os relacionados com a saúde. Citando a literatura médica
aponta que a má-formação por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, não apresentando
o feto os hemisférios cerebrais e o córtex, leva-o ou à morte intra-uterina, alcançando 65% dos casos,
ou à sobrevida de, no máximo, algumas horas após o parto. A permanência de feto anômalo no útero
da mãe mostrar-se-ia potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde e à vida da gestante.
Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com
plenitude de certeza, não sobreviverá, causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em
violência às vertentes da dignidade humana – a física, a moral e a psicológica – e em cerceio à liberdade
e autonomia da vontade, além de colocar em risco a saúde, tal como proclamada pela Organização
Mundial da Saúde – o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. Já
os profissionais da medicina ficam sujeitos às normas do Código Penal – artigos 124, 126, cabeça, e
128, incisos I e II –, notando-se que, principalmente quanto às famílias de baixa renda, atua a rede
pública”
37
Alexandre de Moraes, Comentários à Lei n° 9.882/99 – Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental, in Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Análises à luz da Lei n°
9.882/99, São Paulo, Ed. Atlas, 2001, p. 20 apud voto da Ministra Ellen Gracie, p. 14
156 - DOUTRINA NACIONAL

Alemanha, o recurso constitucional deve ser interposto, em regra, no prazo de um mês da


violação dos direitos fundamentais, salvo na hipótese de dirigir-se contra uma lei ou ato
especial do poder público contra o qual não se admita o controle judicial, quando então
o prazo será de um ano da entrada em vigor da lei ou da emissão do ato, conforme prevê
o art. 93 da Lei do Tribunal Constitucional”. Segundo a Ministra esse parâmetro entraria
em vigor quando entrassem em vigor as novas normas processuais. Na sua conclusão a
Ministra expõe o fulcro de seu pensamento:
Além do mais, contrastar, por via da ADPF, um ato normativo anterior com a
Constituição atual só pode ter o efeito de concluir pela sua revogação (não recepção)
no todo ou em parte, pela ordem constitucional superveniente. Nunca terá o resultado de
acrescentar àquela norma anterior à ordem vigente palavras ou conteúdos novos. Este é,
aliás, o testemunho trazido por um dos autores do anteprojeto, Prof. Ives Gandra da Silva
Martins, quando expressa, “Jamais imaginamos que o veículo criado para que o Poder
Judiciário protegesse, como legislador negativo, e não positivo, preceito fundamental
violado pudesse ser utilizado para criar nova hipótese legal, via Poder Judiciário, e não
Poder Legislativo.”

CONCLUSÃO
O instituto da ADPF está em conformação na própria jurisprudência da nossa mais
alta Corte. Ele ainda causa perplexidades, mas na leitura das decisões do STF, alguns
pontos já estão assentados: a) trata-se de um processo de controle objetivo; b) a
subsidiariedade deve ser reinterpretada de tal modo possa antecipar as decisões do STF
quando for relevante, introduzindo uma espécie de incidente de inconstitucionalidade; c) o
STF definiu o que compreende por preceitos fundamentais de forma ampliativa, de tal modo
possa colocar como parâmetro de controle grande parte da constituição; d) Caberá ADPF
sempre que não couber outro processo de controle abstrato.
Dessa forma, percebemos que a ADPF foi transformada em uma ADI/ADC, sendo
aplicado naqueles casos em que não cabiam, segundo a sua própria jurisprudência, ações
diretas. Isso acarreta uma grande concentração de poder, com as desvantagens desse fato
e especialmente porque grande parte do direito anterior à constituição pode ser questionado
sem limite temporal.

BIBLIOGRAFIA
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POLETTI, Ronaldo. Controle da Constitucionalidade das leis. 2ª ed., Rio de Janeiro:
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ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional.
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