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RELATO DE UMA APRESENTAÇÃO DE CAVALO MARINHO 

 
     Hoje acordei 8 da manhã e me preparei para ir tocar rabeca no Campo de São Bento, 
em Niterói. Não deu certo porque domingo a gente precisa acordar cedo se quiser ter um 
espaço pra tocar pras pessoas por lá. Fica competitivo, inversamente ao deserto de sábado. 
Pois bem, um tanto frustrado, fui pra casa da minha avó almoçar e ler coisas boas, ouvir 
músicas igualmente boas, e prosear com as coroas. Uma crise de alergia, somada a uma 
gripe intensa, me atingiu, me deixando um tanto debilitado mas não tanto a ponto de desistir 
de ir para uma apresentação do Cavalo Marinho Estrela de Ouro, da cidade de Condado, 
Estado de Pernambuco, nordeste do Brasil. Fui animado, pois aprendi a tocar rabeca à 
cerca de um ano, muito em parte, graças à existência desse folguedo, que é uma mistura 
de dança, teatro, música, poesia cantada e improvisada, religião, histórias míticas, e por aí 
vai… Ele existe mais intensamente em Pernambuco, na Zona da Mata Norte, região que 
tem tal nome por lá ter sido uma região de matas graúdas, mas que hoje, como na mazela 
do estado de Mato Grosso (que segundo Eduardo Viveiros de Castro, etnólogo brasileiro, 
deveria passar a se chamar Mato Fino, tamanha foi a derrubada da mata da região para o 
estabelecimento de plantações colossais do massacrante e impiedoso agronegócio 
brasileiro, centrado na soja, no boi e no lucro), deu lugar a vastos canaviais. Ocupado e 
explorado desde inícios da colonização brasileira, ainda assim não perdeu os povos 
indígenas que ali habvitavam, e até hoje eles lá resistem de diversas formas, seja como 
caboclos, quilombolas, índios mesmo, ou Pankararu, Fulni­Ô, Kariri, Kapinawá, e por aí vai. 
Esses povos, que sempre tiveram um cuidado especial com suas histórias e saberes, 
imersos em práticas que vão da arte à alimentação, passando por múltiplas dimensões da 
vida cotidiana ­ mas não menos da festiva, persistem em suas criações e potências, 
improvisando as linhas que os atravessam no mesmo momento em que eles também as 
atravessam. 
     Meu saber sobre esse universo está condensado em uma única visita à capital de 
Pernambuco, Recife, e sua vizinha, Olinda, e em inúmeras vivências com o aprendizado da 
rabeca, além de uma envolvência de cerca de um ano com o Coco de Umbigada, em idas à 
apresentações esporádicas dos agentes que agenciam esses folguedos e de artistas 
inspirados por eles no Rio de Janeiro, e de muitas leituras, não só através dos livros, mas 
através também de um vasto repertório áudio­visual, com destaque para a dimensão 
auditiva. Isso porque por esse universo, comecei e sigo sendo mais intensamente afetado 
por sua música, e é através dela que portais se abrem para que eu conheça outras 
dimensões a ela relacionadas. Não vou me prolongar sobre as inúmeras manifestações 
artísticas e religiosas desse universo, pois eu desejo, ao invés de produzir aqui um 
inventário, quase folclorístico, quero fazer um relato dessa apresentação de Cavalo 
Marinho, pois ela é um índice para outros universos dentro da Zona da Mata Norte, em 
Pernambuco, pro Nordeste, pro Brasil, quiçá pro Cosmo. 
     Cheguei à Reitoria da UFF para assistir a apresentação. Havia uma grande tenda 
montada nos jardins da reitoria. O fato de não estarmos propriamente na rua, assistindo um 
folguedo de rua, sempre me faz lembrar da pulguinha na orelha que tenho em relação a 
uma forma determinada das classes mais abastadas e mais próximas aos grandes centros 
metropolitanos de se relacionarem com aquilo que eles chamam de cultura popular, que 
inclui o Cavalo Marinho. Porém, sempre tento me dar conta de que lembrar disso faz 
perceber as nuanças entre o que é a música na rua e a música “em casa”, digamos assim. 
     Havia um número razoável de pessoas, que deixava o espaço nem muito cheio nem 
muito esvaziado. Um dos mestres pediu para que as pessoas chegassem mais perto, pois 
isso seria essencial. Não foi atendido por quase ninguém, já que o público desses espaços 
é extremamente comedido, exageradamente comedido, pois vão lá pra conhecer um 
folguedo de rua sem conseguir esquecer que não estão na rua. Porque não reinventar a rua 
naquele espaço? Eu sozinho não estava em condições de fazer essa pergunta pra 
ninguém. Deu início. O ritmo frenético do cavalo marinho e seu som peculiar se devem a 
uma acelerada síncope, que é como um baião ou um coco acelerados duas vezes mais 
rápido no tempo. Também há a presença do reco­reco, do pandeiro (que tem um toque 
originalíssimo e difícil) e a rabeca, tão esquecida nos folguedos em geral no Brasil, mas que 
em Pernambuco é especialmente lembrada e utilizada, sempre marcando presença. As 
toadas invadiam com som o espaço mas não era possível compreender com clareza do que 
falavam as letras, pois algumas palavras eram audíveis, outras espalhavam­se no meio dos 
outros sons, sendo possível ouvi­las somente em pedaços. Um grupo de integrantes do 
folguedo chegou e ficou dançando em frente aos músicos ­ que sentavam em baixo do 
​ palco um ao lado do outro, o chamado ​banco do Cavalo Marinho: um rabequeiro, um 
pandeirista, dois no reco­reco e um no ganzá (que eu não tinha recordado logo antes nesse 
texto) ­ que enrascavam de som frenético o ambiente. Os passos de dança eram 
igualmente frenéticos, no que me convidei a dançar ao lado deles para experimentá­los. 
Adorei, e suei rápido. Meia hora disso, começam a chegar personagens do folguedo, como 
Mestre Ambrósio, que vem conversar com o mestre, num diálogo tão parcialmente 
inteligível quanto as toadas, e logo depois, Mateus e Sebastião, personagens palhaços que 
animam toda a duração do folguedo. Aí começa um grande enredo, em que vários 
personagens passam a chegar, incluindo Seu Marinho, Catirina, etc.  
     Tudo indo nesse sentido ­ um sentido por demais embolado, aliás, mas não menos belo ­ 
e chega mais um personagem dos fundos do palco, como os outros, vindos do horizonte 
oposto ao dos músicos. Esse personagem tinha cocar indígena, um colete brilhante como 
quase todos os personagens do folguedo usam, um arco e flecha “simbólico” na mão e apito 
na outra. Ele se posiciona no meio do espaço destinado ao público na tenda ­ este ficou nas 
margens de tal espaço assistindo para deixar o espaço do meio pros dançadores e 
personagens ­ e começa a cantar versos improvisados, com a voz acompanhada 
lindamente pela rabeca gemedeira. O apito que tem em mãos marca os tempos. Os versos 
falam de caboclos, dizem que ele não vai se demorar (coisa que repetiu umas cinco vezes 
nos cerca de 45 minutos que ficou ali improvisando), zombam amorosamente das pessoas 
ali presentes e mudam de teor depois de um momento crucial. 
     Mateus e Sebastião, que carregavam sempre na mão uma bexiga cheia com que batiam 
na perna para marcar o tempo da batida, e um chapelão cheio de fitas fluorescentes em 
formato cônico, põem uma sacola de feira no chão, daquelas que não são nem muito bem 
de tecido nem de plástico, e jogam pedaços de vidro ali em cima, e o vão moendo com 
outro objeto, enquanto o personagem caboclo improvisava versos. Até que, bem moído o 
vidro, o caboclo toa: 
            “​O primeiro passo eu dei 
             O segundo eu vou dar…” 
No que é ​respondido pelo banco, que repete os versos, que, terminados pelo personagem 
caboclo, dão início ao frenético ritmo rabecado, que é cortado pelo apito do personagem, 
que recomeça o ciclo. Mas ele pausa depois de improvisar mais uma estrofe, deita no chão, 
em frente ao vidro, e o passa nas mãos, para meu assombro, afinal, aprendi nas 
molecagens de criança que com vidro não se brinca por cortar fácil, fácil. Imagino que não 
havia sido só eu o único assombrado ali, mas eu já imaginava o que iria acontecer: ritos 
religiosos que ligam­se a tradições afro­indígenas, mais especificamente a Jurema. Dito e 
feito. O personagem caboclo toa, como quem diz que está fazendo uma espécie de receita, 
de método: 
          “​O segundo passo eu dei 
           O terceiro eu vou dar…” 
O banco responde e o ciclo se repete. O personagem caboclo deita­se novamente e esfrega 
o rosto no vidro moído. Depois, deita de bruços em cima do vidro. Logo após, deita­se de 
costas no vidro, tão bem acomodado como numa cama fofa, e improvisa ali mesmo, 
deitado.  
           “​Eu já tô todo cortado 
           Melhor chamar o hospital…” 
Quase acreditei que era verdade, mas isso seria tão feio e o sentido daquilo tudo se 
perderia tão fácil que resolvi ficar na dúvida e esperar o que aconteceria. O personagem 
caboclo levantou­se depois de improvisar umas cinco estrofes e, após Mateus e Sebastião 
limpar os cacos que estavam presos em suas costas, viu­se que não havia um só corte. Eu 
estava de boca aberta e qualquer um que me olhasse adivinhava meu assombro. O 
personagem caboclo começa então a andar em direção ao lugar de onde surgiu, enquanto 
o frenesi sonoro continuava. Ele treme um pouco, bambeia, e eu percebo, finalmente, que o 
personagem caboclo tornou­se uma entidade cabocla, na qual o mestre ali envolvido estava 
“virado”, incorporado, em transe. Custei a acreditar. Teriam os sagazes e frenéticos 
pernambucanos da cidade de Condado a ousadia de transformar, mesmo que rapidamente, 
os jardins da reitoria da UFF num… terreiro? Só consegui pensar nisso, e olhava fixamente 
pro caboclo pra não perder nenhum de seus gestos. Ele volta em direção ao banco. Mateus 
e Sebastião tiram o colete psicodélico da entidade cabocla. Ele para em frente ao banco e 
assim canta:  
            “​Malunguinho é rei dos mestres 
             Rei dos mestre é malunguinho…” 
Tive certeza de que ele cantava algo como um ​ponto de jurema, como são chamados os 
cantos nessa religião de forte matriz ameríndia, mas não menos de matriz africana. 
Malunguinho é uma das entidades mais respeitadas e louvadas nessa religião. Ele 
continuou improvisando, de forma diferente agora, pois algo aconteceu ali. Um ritual? Ele 
não se demorou tanto dessa vez. O caboclo foi embora tão sutil como havia chegado, e 
levou embora seu “cavalo”, o mestre de cavalo marinho com cocar que havia trago o 
mesmo. O enredo continuou, outros personagens chegaram. Para minha surpresa, afinal, a 
apresentação começara 18h15 e já eram 20h30 da noite. Eu já esperava o encerramento. 
     Narrado esse acontecimento, o mais admirável da noite, sinto que já contei o sumo do 
que eu queria contar. O resto foi a continuação do folguedo como havia sido no início: 
personagens como a Velha do Bambu, o Padre, etc, com muita irreverência e caricatura, e 
a dança no final com um boizinho que não havia surgido ainda, e depois, a dança aberta 
aos de fora. Terminou 21h30, com o discurso do mestre de que aquilo havia sido apenas 
uma palinha, afinal, eles tocavam em Pernambuco de 21h até 5h30 da manhã. 
     Voltei pra casa alucinado, não sem antes conhecer o rabequeiro, por mim tão admirado, 
chamado Cláudio Rabeca, e pude dar uma palinha com ele e outros rabequeiros que ali se 
encontravam. Ele me convidou para ir em Pernambuco dar uma palinha por lá também, no 
que eu disse que me roía de fazer isso, e que não ia demorar pra que eu fizesse uma 
segunda visita por lá. Quero conhecer a Zona da Mata Norte também, com toda a certeza, 
essa região aberta para mistérios, cheia de história e arte, todo um universo. O quanto não 
se esconde por trás de uma mata aparentemente derrubada?   

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