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CATEQUESE E DIÁLOGO
ECUMÊNICO E INTER-RELIGIOSO
2. No diálogo
Diálogo – Fala-se muito em diálogo. Aconselha-se muito a dialogar. Diálogo na família:
diálogo do casal, dos pais com os filhos. Nas escolas, que a educação tenha o diálogo. Nas equipes de
trabalho e nas dificuldades de relacionamento, a solução pelo diálogo. Mas pouco se faz de autêntico
diálogo, porque é necessário aprender a dialogar. No entanto, é sabido que o diálogo é importante.
Também para a dimensão religiosa de nossa vida e de nossas relações, cabe o diálogo. Estamos hoje
aprendendo a dialogar. Dialogar implica em dialogantes. Dialogantes significa que não é um só que
fala, mas que há um outro e o outro difere de mim. Diálogo implica em alteridade e diferença. Eu me
encontro diante do outro e encontro o outro diante de mim. O diálogo é um modo de se relacionar de
um com outro. Implica em relação de abertura, acolhimento, respeito, estima, comunicação,
contribuição. Dados os limites de um e outro, e dadas as diferenças, pode o diálogo implicar também
algo de tenso, de difícil, ou pode significar uma experiência de aprendizado e crescimento. Traz uma
contribuição para quem dialoga.
Contribuição do diálogo - O diálogo se mostra em geral como caminho não só para achar
soluções, mas para achar a solidariedade, para achar a estima, ou ainda para achar um grande modo de
enriquecimento interior das pessoas ou de consolidação dos laços interpessoais. Fica claro que muito
mais coisa poderia ser feita se houvesse um pouco mais de diálogo.
Esse enriquecimento mútuo do diálogo, esse modo de manifestar a estima e de achar o
caminho da colaboração também apareceriam no diálogo que se fizesse na esfera religiosa. O Papa
João Paulo II escreveu uma encíclica sobre o ecumenismo, na qual dedicou alguns parágrafos ao
diálogo. Coloca-se numa postura personalista, vendo o diálogo no contexto da compreensão e do
enriquecimento da própria pessoa. Entende que o diálogo é mais que uma troca da palavra. É um
intercâmbio de dons. Ou seja, a comunicação de uma ao outro, com os dons da pessoa.
Podemos dizer que no diálogo se trata de uma comunicação de dotes, pensamentos,
sentimentos, descobertas, carismas, experiências. Trata-se mais, de uma abertura da pessoa, que
envolve um aspecto de acolhimento e doação. Ou é uma abertura à alteridade. Tudo isso dignifica e
enriquece a pessoa, até mesmo faz descobrir a identidade, sem deixá-la encerrada em si mesma, mas
afirmando-a e valorizando-a no encontro e na relação. A pessoa se realiza na relação. Na relação com
o outro a pessoa encontra seu caminho de ser. Ela é chamada a ser com o outro. Pois bem, o diálogo é
realização do chamado da pessoa a ser pessoa. Do chamado a ver no outro o outro. A ser com o outro.
No diálogo a pessoa se realiza mais profundamente como pessoa.
Diálogo hoje Já se falou repetidamente sobre direitos humanos, sobre dignidade humana,
sobre solidariedade. Entretanto, é ainda tempo de se falar nisso. Já se falou sobre a solidão dos nossos
tempos. Ainda é tempo de se falar nisso. O mundo moderno se julgou emancipado e senhor de si, mas
não deu conta de realizar-se humanamente contando só com consigo, pensando ter nas mãos a própria
razão. Um mundo pós-moderno mostrou carecer de sentido e parece respirar um clima de vazio.
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Passou a buscar novos paradigmas, novos sentidos, nova condição de vida e de convívio. Criticou a
religião, mas voltou-se ao sagrado muitas vezes fora das instituições, e hoje se busca ainda o melhor
modo de se conhecer o sagrado e de se descobrir o lugar do ser humano. Um mundo globalizado, que
não se fez solidário, sofre uma crise universal de valor. Um mundo informatizado, que pretende
conectar virtualmente as pessoas, está exigindo toda uma transformação dos hábitos da sociedade, mas
exclui maiorias e ainda deixa as pessoas em geral no isolamento, na competição, no conflito e na
exclusão. Para superar isso, buscam-se melhores seguranças, buscam-se formas de aproximação, de
convívio, de paz . Cabe achar no meio de tudo isso a pessoa e a possibilidade de entrar em relações
autênticas. O diálogo aparece como um caminho de superação de isolamentos e conflitos, como
expressão e realização da pessoa, como meio para se construir laços, fazer uma comunidade de
pessoas diferentes, mas que se reconhecem e se intercomunicam na paz.
No âmbito religioso - A experiência religiosa reaparece hoje com muita importância.
Continua sendo o campo do sentido, das opções fundamentais, das referências, das inspirações
espirituais, mesmo que hoje venha limitada pelas incertezas desse mundo e a consciência de que não
abarcamos o mistério. Quem deseja um diálogo mais abrangente, vai acabar se deparando com a
questão religiosa, mesmo até que não abrace uma determinada religião ou não se ligue a uma
instituição. Então será chamado a identificar a si mesmo, a tomar uma direção no âmbito da questão
religiosa, seguindo ou não uma religião, mas pensamos que a dignidade humana pede respeito,
portanto que se venha a respeitar cada qual em seu caminho.
Por um lado, no diálogo a experiência religiosa tem muito a comunicar e contribuir. O que se
descobriu, o que se experimentou, o que se deseja partilhar. Ou o testemunho de um simples caminhar.
Para o cristão, a experiência religiosa passa pelo caminho de Emaús, que é experiência do sagrado e
que tende a se comunicar, tendo a Cristo como o seu motivo de fé e de esperança. Por outro lado, os
nossos dias pedem diálogo. A experiência religiosa se situa num mundo de pluralidade, em que
tomamos consciência de que estamos diante dos outros, e que os outros são outros, com quem
entramos numa relação dialogal. Por isso, a experiência religiosa caminha junto com o respeito do
outro. Ela só pode se irradiar ou mesmo caminhar junto aos outros se ela respeitar a alteridade. Ela só
pode frutificar totalmente e se tornar comunicativa se assumir o caminho do diálogo.
Isso não significa abrir mão da própria convicção, significa até mesmo levá-la em conta, pois
vai-se ao diálogo com as próprias convicções, as próprias opções, os próprios limites e a própria
abertura a encontrar e a respeitar o outro. Desse modo leva-se em conta o outro com o que é próprio
dele também.
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identidade na liberdade, também mostrando uma atitude de respeito, de diálogo, de
colaboração.
- A catequese faz ver que a vida cristã em geral e os sinais sacramentais em particular
têm em vista a fraternidade e a unidade de todos entre si, e diante de Deus e com Deus.
A vocação é para uma comunhão. Entramos numa comunhão eclesial e nela crescemos.
Essa comunhão na Igreja é sinal e fonte para uma vida de maior unidade com todos.
Tudo isso que é fundamentalmente uma atitude cristã e que eu acho que já está sendo
procurado pelos catequistas, aperfeiçoaria, portanto, uma sensibilidade ecumênica na catequese. Seria
um procedimento segundo os parâmetros do diálogo ecumênico e prepararia o catequizando para, por
sua vez, desejar se coadunar com o diálogo. Para ser fiel à própria confissão de fé e aberto ao respeito
ao outro, que difere nas suas opções e práticas.
Se a catequese deseja ser mais inserida no campo do diálogo ecumênico, então:
- Faz ver, de acordo com o programa catequético, as possibilidades do diálogo a partir
própria experiência de vida eclesial. Pode ter notícia de diálogos teológicos, de
trabalhos de colaboração social, incluindo campanhas sociais, como a Campanha da
Fraternidade ecumênica, ou de que existem momentos de oração comum, como a
ocasião da Semana de Oração pela Unidade. Se a catequese quer ser mais ecumênica
ela, junto com todo o trabalho formativo que é próprio da catequese, lembra nessas
ocasiões ecumênicas que podemos ser mais unidos. Que essa aproximação ecumênica
enriquece nosso viver cristão.
Se a catequese deseja ainda acentuar mais o diálogo inter-religioso, então:
- Faz ver que a experiência religiosa é uma experiência profunda que irmana todas as
pessoas em busca de Deus. As grandes tradições religiosas em geral desejam fazer
praticar o bem e encontrar a paz.
Alguns cuidados - De acordo com o que falamos sobre o significado do diálogo e sobre a
dimensão ecumênica dos que trabalham no ministério pastoral, alguns cuidados, porém, se impõem,
para não se confundir as consciências:
- Evitar o indiferentismo religioso, como se não tivesse importância praticar uma
determinada religião ou outra qualquer. Cada um segue a religião de acordo com sua
consciência, mas não por ser indiferente tomar qualquer opção, e sim porque descobre
valores a abraçar.
- Evitar o proselitismo. Seja no sentido de não praticar um proselitismo que pressione,
seja no sentido de não se submeter ao proselitismo que nos pressione. No primeiro caso,
de não ser proselitista, se somos chamados a ser missionários, e devemos preparar o
discípulo para ser missionário, deve ser um missionário que anuncia dentro do respeito,
da estima e do diálogo. No segundo caso, de não se deixar pressionar pelo proselitismo,
porque temos o direito de seguir a própria fé com tranqüilidade e liberdade de
consciência. Dialogar não é impor nem receber imposição. Não é pressionar nem aceitar
pressões. Não teria sentido fazer um “ecumenismo” que na verdade não fosse
ecumenismo, mas fosse proselitismo. Ecumenismo se faz com diálogo autêntico e
respeito pelas opções.
Enfim, a norma fundamental do diálogo é respeitar ao outro, respeitar a si mesmo, num
clima de autenticidade e fraternidade, tendo em tudo a caridade.
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Catequese confessional na iniciação cristã - Primeiro, queremos fazer valer o caráter da
identidade ou da confessionalidade da experiência religiosa numa catequese de iniciação cristã. Trata-
se de uma catequese aberta, uma catequese fraterna, uma catequese que pretende favorecer no
catequizando o seu crescimento como pessoa. Por isso quer ajudar a dialogar. Mas não deixa de ser
uma experiência concreta. Se é a experiência de Cristo, se ela se faz inserida na Igreja Católica, se
prepara os sacramentos da iniciação como um processo de configuração a Cristo e engajamento de
vida, e temos todo um processo de formação do cristão católico, de uma comunidade, tudo isso deve
ser favorecido e cercado de solicitude pastoral. A sensibilidade ecumênica da catequese não vem
diminuir seu caráter católico. A sensibilidade pelo diálogo inter-religioso não deve diminuir a
identidade e a responsabilidade de cristão.
A luz da experiência de Emaús - O relato de Emaús é iluminador. Toda a experiência
religiosa de Emaús é uma experiência concreta de caminhada com Cristo, uma caminhada pessoal,
também com dimensão comunitária. Trata-se no conjunto de uma experiência rica, que em nenhum
aspecto deve ser diminuída. Fala-se da Escritura, interpreta-se a Escritura. Cristo fala ao coração. Tem
o momento em que não reconhecemos o Cristo, tem o momento em que o reconhecemos, tem o
momento em que não o vemos outra vez. Tem a Ceia como momento privilegiado, a partir do qual os
discípulos tomam novo impulso.
O cristão se faz um discípulo na Igreja e torna-se testemunha dessas coisas. Esse discípulo
missionário há de respeitar também a experiência que teve. Assumirá a sua própria caminhada de fé. A
iniciação cristã é, portanto, confessional, uma caminhada de fé e vida, pessoal e comunitária. É preciso
permitir aqui o florescimento da vida cristã em toda a sua pujança. É preciso valorizar a fé, que ela
mesma vai ter a sua contribuição a dar no sentido da fraternidade e da unidade. Os discípulos de
Emaús comentam entre si, através do diálogo, trocando a sua experiência: “não ardia o nosso coração
quando Ele nos falava?” E são chamados ao testemunho dessas coisas na comunidade e no mundo.
Será ainda diálogo.
Há um aspecto importante que de poderia acentuar: Emaús é a ocasião em que se manifesta o
valor da experiência religiosa na vida de uma pessoa. Torna-se no Evangelho um símbolo da graça de
Cristo, mas permanece como reconhecimento da caminhada religiosa de uma pessoa, de suas
descobertas e transformações, de sua fé e de seu desejo de propagá-la. Por isso em Emaús o cristão é
chamado ao respeito que se deve ter para com toda experiência religiosa – a experiência de cada um, a
experiência de todas as pessoas. Assim como se anuncia o que se descobriu, por outro lado também é
certo que pertence ao diálogo a atitude de respeito, de estima e de solidariedade fraterna – para com a
outra pessoa em seu itinerário, reconhecendo o valor de sua busca religiosa sincera. Quanto aos que
não buscam mais a Deus, estes se assemelham aos discípulos de Emaús que se afastam, mas que
Cristo não despreza. O seu afastamento não é mais que a experiência concreta do sentimento de
decepção e abandono. Pertence ao itinerário espiritual e se insere no diálogo da fé.
O trabalho da catequese para o catequista e a caminhada do catequizando envolvem tantos
aspectos de riqueza da experiência religiosa de cada um, que são levados ao diálogo da vida e da fé e
preparam para uma atitude de aceitação e aproveitamento do diálogo ecumênico e inter-religioso. O
processo de iniciação cristã, em particular, nos convida a meditarmos que somos chamados a valorizar
a unidade dos cristãos e das pessoas todas.
Uma catequese de iniciação na unidade de Cristo – Os sacramentos são todos sacramentos
de unidade e a iniciação cristã é caminho de unidade. A vida na unidade está no processo de iniciação
cristã. Porque, conforme Emaús, caminha-se com Cristo, encontrando-se o Cristo. Como experiência
de Cristo, a iniciação cristã levará à comunhão de Deus, comunicada por Cristo, o qual orou para que
fôssemos perfeitos na unidade.
O batismo é incorporação a Cristo, fazendo-nos membros de Seu Corpo e filhos que
clamamos Abba. Neste Corpo está a diversidade de membros, mas é o mesmo Espírito que atua em
todos para a edificação de todos. É possível, na catequese batismal, acentuar a unicidade do batismo e
talvez mencionar que a Igreja se decide pelo reconhecimento do batismo sempre que é administrado
validamente.
A confirmação é efusão do Espírito, este Espírito que realiza a unidade. Somos confirmados
na fé e feitos testemunhas da fé que recebemos no único batismo. A catequese pode valorizar essa
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confirmação da fé, na responsabilidade cristã, na humildade do que se põe a serviço de Cristo pela
fidelidade à fé e a abertura ao espírito do Evangelho.
A Eucaristia é celebração da aliança do sacrifício de Cristo, que viveu para realizar a vontade
do Pai e morreu para congregar na unidade os filhos de Deus dispersos. A Eucaristia é banquete de
unidade: São Paulo fala que comemos de um mesmo Pão abençoado. A Eucaristia é denominada
também de “sacramento da unidade”. A catequese pode sempre valorizar o chamado de unidade que
esse sacramento faz. Pode valorizar que é o alimento da unidade. Pode preparar para o serviço da
concórdia e da unidade. A nossa missão é missão de unidade.
A iniciação cristã se pauta no caminho de Emaús. Emaús é a experiência de caminhar com o
outro, o outro que é também discípulo. É encontrar e caminhar com o Outro que é Jesus. A catequese
de Emaús é a experiência de ouvir e se alegrar. É a experiência de ver e de deixar de ver, mas ter
encontrado o motivo da alegria. É a experiência de passar da desesperança à fé, e de passar da fé à
irradiação da vida. Emaús tem como centro a experiência de Cristo, que unifica os cristãos. E os
conduz a uma atitude dialogal.