Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
GUARULHOS
2018
Introdução
Compreender os processos históricos que levaram à alteração do pensamento jurídico,
de moldes casuístas, tradicionais, equitativos e subjetivos, para o legalismo, alicerçado na
ideia de um sistema universal, igualitário e objetivo, é um caminho para alcançarmos a
compreensão de toda uma transformação na mentalidade social ibérica ao longo dos séculos e
que, como veremos, não se fez presente de forma homogênea e total.
Também nos cabe destacar que, para a compreensão do processo de sistematização,
que ocorreu em diversas partes da Europa e por isso foi executado de maneiras diferentes,
como melhor o veremos, foi necessário estabelecer um recorte que voltasse nossa atenção
para o mundo ibérico, justamente por conta das peculiaridades que abrangem sua mentalidade
coletiva e que por tal se correlacionavam tão bem à concepção casuísta (ANZOÁTEGUI,
1992, p. 144-145), como por exemplo o papel da moralidade religiosa no cotidiano social, os
enlaces entre os âmbitos público e privado na vida prática dos indivíduos, os conceitos
religiosos e sociais que os uniam, etc.
De fato, por muitos anos, a historiografia se ateve mais aos estudos relacionados a
França, Inglaterra e Alemanha, conhecidas como sociedades altamente civilizadas, e aquilo
que dizia respeito à Portugal e Espanha pouco se falava (ANZOÁTEGUI, 1992, p. 144-145).
São recentes, e por iniciativa de novas correntes historiográficas, os aprofundamentos que nos
tem mostrado aspectos culturais, sociais e políticos, principalmente na História do Direito, de
extremo valor histórico e que se mostram presentes precisamente nas peculiaridades acima
citadas.
Em decorrência dessas características, o sistema se estabelece de maneira mais lenta e
gradual no mundo ibérico, algo muito comum para a realidade das cortes ilustradas, cujas
propostas tinham caráter mais reformador. Monarquias tais como as da Austria, Prussia,
Portugal e Espanha, inseridas portanto nesse caráter reformador mencionado, tendiam a
deliberações mais realistas e maleáveis, uma vez que, de certa forma, ainda se inseriam em
sociedades mais tradicionais e conservadoras, enquanto que cenários revolucionários, como a
França da Revolução Francesa, se propunham a um rompimento total com a cultura do
Antigo Regime, levando a transformações mais duras (LIRA, 1999, p. 129).
Posto o recorte histórico pretendido, nos cabe, enfim, mencionar a proposta de debate
historiográfico aqui presente. Após estabelecer uma explanação breve sobre as características
dos moldes casuístas – em especial na práxis judiciária – que nos permitam compreender a
fonte das críticas que lhe foram feitas e o seu papel na sociedade em questão, partiremos para
a análise dessas críticas, abordando desde as que se possam considerar mais leves até aquelas
que desferem golpes realmente preocupantes ao casuísmo, levando por fim à compreensão da
instauração do sistema através da codificação e toda a discussão posta a seu respeito.
Nossa intenção é que se permita, através da construção do debate aqui colocado,
melhor compreender as correlações entre o casuísmo e o sistema - tomando por base,
principalmente, a obra de Victor Tau Anzoátegui, Casuismo e Sistema: Indagación histórica
sobre el espíritu del Derecho Indiano -, bem como suas influências e motivações sociais e
políticas.
BIBLIOGRAFIA
ANZOÁTEGUI, Victor Tau. Casuismo y Sistema: Indagación histórica sobre el espíritu del
Derecho Indiano. Instituto de Investigaciones de História del Derecho. Buenos Aires. 1992
CARDIM, Pedro. Amor e amizade na cultura política dos séculos XVI e XVII. Lusitania
Sacra. Lisboa. ISSN 0076-1508. 2ª S. 11, 1999.
LIRA, Bernardino Bravo. Judex, Minister, Aequitatis: La integración del derecho antes
y después de la codificación. Anuario de História del Derecho Español, Santiago
(Chile), 1999.
MARAVALL, José Antônio. La Cultura del Barroco: Análisis de una estructura histórica.
Ariel. Barcelona, 4ª ed. 1986.
RUIZ, Rafael. O Sal da Consciência: probabilismo e justiça no mundo ibérico. São Paulo:
Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”. 2015.
VALLEJO, Jesus. Acerca del fruto del Àrbor de los jueces. Escenarios de la justicia en
la cultura del ius commune. AFDUAM 2. Sevilla. 1998.