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Nathalie Bressiani

REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO - NANCY FRASER


ENTRE JÜRGEN HABERMAS E AXEL HONNETH

DOSSIÊ
Nathalie Bressiani*

O debate entre Nancy Fraser e Axel Honneth sobre redistribuição e reconhecimento abarca
uma multiplicidade de questões. Tomando como fio condutor a pergunta acerca da possibili-
dade de compreender o conjunto de injustiças existentes a partir do conceito de reconheci-
mento ou da necessidade de recorrer, para isso, ao par conceitual redistribuição e reconheci-
mento, este artigo tem como objetivo defender que a disputa entre o monismo de Honneth e o
dualismo de Fraser remete a discordâncias em suas teorias sociais. A partir de uma reconstru-
ção das críticas dirigidas pelos autores ao dualismo social de Jürgen Habermas, bem como das
diferentes teorias sociais que desenvolvem com o intuito de resolvê-las, procuraremos tam-
bém mostrar que as saídas encontradas por eles a essas dificuldades estão no centro do debate
sobre redistribuição e reconhecimento e que Fraser, ao desenvolver um dualismo social
perspectivo, adota uma posição intermediária àquelas sustentadas por Honneth e Habermas.
PALAVRAS-CHAVE: redistribuição, reconhecimento, teoria social, Nancy Fraser, Axel Honneth.

REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO: 2003), composto por textos de Nancy Fraser e


INTRODUZINDO O DEBATE Axel Honneth, que aparece como principal refe-
rência para aqueles que procuram marcar sua
O debate sobre redistribuição e reconhe- posição a respeito do que seria necessário atual-
cimento mobilizou e continua a mobilizar o es- mente para a realização da justiça: redistribuição,
forço de diversos autores,1 cujo resultado pode- reconhecimento, ou ambos. O estabelecimento
mos observar nos vários textos publicados re- do debate sobre justiça nesses termos se deve,
centemente sobre o assunto.2 Se há, contudo, contudo, à publicação, oito anos antes, do artigo

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uma inegável diversidade de autores, bem como de Nancy Fraser, “Da redistribuição ao reconhe-
de posições no interior desse debate, é o livro cimento? Dilemas da justiça na era pós-socialis-
Redistribuição ou Reconhecimento? Uma con- ta” (Fraser, 1995, 2001).3
trovérsia político-filosófica (Fraser; Honneth, Nesse artigo, Fraser diagnostica uma cres-
cente polarização entre aqueles que veem na
redistribuição de recursos e riquezas a solução
* Doutoranda em Filosofia. Professora da Fundação Escola para o conjunto de injustiças hoje existentes4 e
de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP.
Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, sala 1007. Cep: 05508- 3
O artigo de Fraser pode ser visto como o ponto inicial do
900. São Paulo - SP - Brasil. nathalie.bressiani@usp.br debate sobre redistribuição e reconhecimento. Isso, con-
1
A mesma tendência, mesmo que em menor grau, pode ser tudo, não significa que a questão não se colocasse antes.
também observada no Brasil, onde teses, artigos e tradu- Pelo contrário, nesse artigo, Fraser diagnostica uma situa-
ções de textos que abordam temáticas relativas à ção preeexistente. A disputa entre representantes de am-
redistribuição e ao reconhecimento e ao debate que se es- bos os lados já se fazia presente, mesmo que não tivesse
tabeleceu entre Fraser e Honneth começam a ser publica- sido tematizada nos termos propostos por Fraser (Cf.
dos e a ganhar maior visibilidade (Cf. J. Silva, 2008; Sou- Stavenhagen, 1978).
za e Mattos 2007; Mattos, 2006; Pinto, 2008; Avritzer, 2007; 4
Dentre aqueles que teriam tentado conceitualizar as for-
Cunha, 2009). mas socioeconômicas de injustiça, Fraser cita Karl Marx,
2
Dentre diversos autores, destacam-se os trabalhos de Iris John Rawls, Amartya Sen e, por fim, Ronald Dworkin
Young (Young, 1997), Seyla Benhabib (Benhabib, 2002, (Fraser, 2001, p.249). Ingrid Robeyns procura se contra-
cap.3), Christopher Zurn (2005), Rainer Fosrt (2008), por a Fraser, afirmando que a teoria de Amartya Sen con-
Judith Butler (2008), Lois McNay (2008, cap.3). seguiria abarcar também o que Fraser denomina de ques-

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aqueles que veem exclusivamente na obtenção suas diferenças. Em ambos os casos, no entanto, o
do reconhecimento social essa mesma solução.5 resultado é semelhante. A realização da justiça re-
Essa polarização, por sua vez, estaria se encami- quereria apenas uma coisa: ou só redistribuição, ou
nhando na direção da substituição de reivindica- só reconhecimento, não sendo necessário, nem mes-
ções e preocupações relativas à redistribuição eco- mo possível, combinar as duas coisas. A existência
nômica por aquelas pautadas pelo reconhecimen- de duas concepções de justiça mobilizadas pelos mo-
to das diferenças. Segundo Fraser, o fim do “soci- vimentos sociais em suas reivindicações não teria,
alismo real”, com a queda do muro de Berlim, se- então, caminhado na direção da integração de ambas,
guida pelo fim da URSS, em conjunto com o ace- mas na do estabelecimento de uma acirrada disputa
lerado processo de globalização, teriam levado à entre os defensores de cada uma delas.
politização das diferenças étnicas e culturais e à O surgimento do que optamos por chamar
despolitização da economia, cada vez menos con- aqui de debate sobre redistribuição e reconheci-
testada pelos movimentos sociais (Fraser, 1997, mento tem, dessa forma, como pano de fundo o
p.1-3). A busca pela igualdade social, que teria diagnóstico de Fraser de um cenário de polariza-
pautado as lutas políticas por quase 150 anos, es- ção política e intelectual marcado por um quase
taria, assim, sendo substituída pela luta pelo reco- abandono de reivindicações por redistribuição
nhecimento das diferenças, central para os cha- igualitária e por um aumento significativo de
mados “novos” movimentos sociais. No cenário mobilizações sociais em torno de questões cultu-
político contemporâneo, afirma Fraser, o reconheci- rais ligadas ao reconhecimento e à diferença.6 É a
mento cultural desloca a redistribuição material como esse cenário que Fraser procura se contrapor, ao
medida para sanar as injustiças e a luta por reco- afirmar que a antítese presente em proponentes de
nhecimento se torna a forma paradigmática de con- ambos os lados é falsa e ao defender que a realiza-
flito, fazendo com que a dominação cultural suplante ção da justiça requer hoje tanto redistribuição ma-
a exploração como injustiça fundamental (Fraser, terial quanto reconhecimento cultural. Como, se-
2001, p.245). gundo ela, não seria possível remeter o conjunto
De acordo com esse diagnóstico, retomado das injustiças sociais existentes a uma única ori-
posteriormente por Fraser no artigo com o qual gem, uma vez que as sociedades contemporâneas
abre a controvérsia com Axel Honneth, estaríamos estariam perpassadas por pelo menos dois dife-
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diante de um mundo marcado pela dissociação, rentes mecanismos sociais – os econômicos e os


tanto na esfera política quanto na acadêmica, entre culturais –, que produziriam tipos distintos de
duas visões distintas acerca do que seria necessá- injustiça, combater qualquer um deles isoladamen-
rio para a realização da justiça. Enquanto alguns te não seria suficiente. É, portanto, por possuírem
veriam na economia a causa última de todas as origens sociais distintas, diz Fraser, que os dois
injustiças e defenderiam a redistribuição como a diferentes tipos de injustiça existentes exigem de
única forma de saná-las, outros teriam procurado uma teoria social crítica que procure abarcá-los que
entender o conjunto das injustiças existentes como ela seja dualista; da mesma forma, afirma ela, para
consequências de padrões hierárquicos de que ambos sejam remediados, se fazem necessári-
valoração cultural, cuja alteração exigiria que to- as mudanças tanto na economia, via medidas de
dos fossem igualmente reconhecidos, mesmo em redistribuição, quanto nos padrões culturais de

6
Charles Taylor (Taylor, 1992) e Jürgen Habermas (Habermas,
tões de reconhecimento e não seria, portanto, economicista 1987c) apresentam diagnósticos semelhantes ao elaborado
(Robeyns, 2003). por Fraser, apontando também para uma mudança no in-
5
Dentre aqueles que teriam dado uma posição de terior do cenário político contemporâneo, cuja atenção te-
centralidade ao reconhecimento, Fraser cita Charles Taylor, ria se voltado para questões relacionadas à identidade e à
Axel Honneth, Patricia Williams, assim como Iris Marion diferença em detrimento de questões econômicas, antes
Young (Fraser, 2001, p.250-1). predominantes.

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valoração, por meio do reconhecimento.7 distintas de injustiça presentes nas sociedades


Isso não significa, contudo, que as esferas capitalistas contemporâneas. Cada um dos polos
da economia e da cultura se encontrem absoluta- da disputa apresentada estaria, dessa maneira,
mente diferenciadas. Pelo contrário, Fraser as vê parcialmente correto, mas ambos teriam de ser
como esferas de tal forma interligadas, que cada devidamente integrados para possibilitarem uma
uma delas poderia, inclusive, levar ao estabeleci- visão mais ampla da sociedade. Não se poderia,
mento de injustiças que estariam, em princípio, por um lado, descartar as lutas por igualdade
relacionadas à outra: a cultura poderia gerar, as- social, taxando-as de ultrapassadas e insensíveis
sim, injustiças relativas à redistribuição, e a eco- à diferença, num mundo em que as desigualda-
nomia, da mesma forma, injustiças relativas ao des materiais são exacerbadas e, além disso, cres-
reconhecimento.8 No entanto, mesmo assumindo centes.10 Nem seria possível, por outro lado, des-
que mecanismos econômicos e culturais estão in- cartar as lutas por reconhecimento como ideoló-
terligados e se reforçam mutuamente, Fraser acre- gicas, afinal existiriam também formas de su-
dita que não é possível compreender qualquer um bordinação social ligadas a padrões hierárquicos
deles como a causa última das injustiças sociais – de valoração cultural que impediriam a realização
a cultura não reflete, como superestrutura, a eco- da justiça, entendida por ela como paridade de
nomia, nem esta pode ser entendida como um sim- participação. Nem só redistribuição, nem só reco-
ples reflexo daquela –, motivo pelo qual ambos nhecimento. Segundo Fraser, precisamos de am-
teriam de ser entendidos em suas especificidades. bos, motivo pelo qual tais exigências devem ser
Nesse sentido, embora afirme que os mecanismos integradas, e não colocadas como modos opostos
que geram as disparidades sociais não podem ser de pensar ou reivindicar justiça hoje. Possibilitar
claramente distinguidos no interior da sociedade,9 essa integração é, assim, o que Fraser estabelece
Fraser defende que cada um deles remonta a um como seu objetivo nesses e em outros escritos.
tipo de injustiça que não pode ser reduzido ao Para Fraser, consequentemente, uma teo-
outro. ria que trate hoje de questões de justiça precisa-
Embora não possam ser pensadas separa- ria ser dualista. Abordagens unilaterais, que pro-
damente, cada uma dessas duas exigências de curem estabelecer, seja na economia, seja na cul-
justiça – trazidas à tona por movimentos sociais tura, as causas últimas de todas as injustiças,
– colocaria em xeque duas formas relativamente seriam inapropriadas, uma vez que nossa socie-

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dade contém, como afirma ela, “tanto marketized
7
Em alguns textos, Fraser parece defender que o objetivo arenas, nas quais a ação estratégica predomina,
de sua teoria é integrar as diferentes demandas dos movi-
mentos sociais. Contudo, sempre que ela procura justifi- quanto non-marketized arenas, nas quais a
car a validade das exigências de redistribuição e reconhe-
cimento, ela se volta para sua teoria social dualista e não interação orientada por valores predomina”
para o conjunto das demandas dos movimentos sociais (Fraser, 2003a, p.53),11 cada qual responsável pela
(Cf. Fraser, 2001; Silva, 2007; Neves, 2005, p.64-7).
8
As exigências de redistribuição e reconhecimento não produção de impedimentos relativamente dis-
correspondem diretamente à economia e à cultura. Isso, tintos à paridade de participação. De acordo com
não somente porque padrões hierárquicos de valoração
podem resultar em injustiças materiais que exigiriam Fraser, então, tanto uma visão economicista, que
redistribuição para serem sanadas, e a própria organiza-
ção do trabalho pode fazer com que alguns grupos não reduza as injustiças existentes àquelas referen-
sejam adequadamente reconhecidos, mas também porque
essas duas esferas sociais não estão absolutamente separa- tes à redistribuição, quanto uma culturalista, que
das e se influenciam mutuamente, embora possuam certa as reduza àquelas referentes ao reconhecimento,
autonomia frente a outra (Fraser, 2003a, p. 60-4).
9
Iris Young critica a separação feita por Fraser entre a eco- 10
nomia e a cultura, que está na base da distinção entre Esse é o diagnóstico de Fraser acerca das disparidades
redistribuição e reconhecimento. Para ela, não é possível econômicas, tanto no artigo de 1995 quanto no livro de
distinguir a cultura da economia, pois ambas estão intrin- 2003 (Cf. Fraser, 2001, p.245; 2003a, p.8).
11
secamente interrelacionadas (Young, 1997, p.147-60; Ne- Nesse ponto, Fraser retoma a distinção habermasiana en-
ves, 2005). Sobre esse assunto, conferir também, as posi- tre as esferas do sistema e do mundo da vida, relaciona-
ções de Judith Butler (2008) e Anne Phillips (2008), auto- das respectivamente ao que ela chama aqui de marketized
ras que problematizam a teoria dualista de Fraser. arenas e non-marketized arenas.

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manifestariam compreensões simplistas e incomple- ça a partir do conceito de reconhecimento, Honneth


tas das práticas sociais. Fraser rejeita, assim, qual- teria deixado de lado aquelas injustiças ligadas à
quer teoria monista, que procure identificar uma economia e às reivindicações por redistribuição
única causa para todas as injustiças sociais e se con- material que, como afirma a autora, fazem parte da
trapõe, nesse sentido, à proposta de Axel Honneth, sociedade contemporânea e não podem ser igno-
cuja teoria busca compreender todas as formas de radas por aqueles que pretendem desenvolver uma
injustiça por meio da chave conceitual do reco- teoria social crítica.
nhecimento. Em “Redistribuição como Reconhecimen-
Partindo de uma reatualização dos escri- to: uma resposta a Nancy Fraser” (Honneth,
tos hegelianos do período de Jena e da utilização 2003b), a primeira de suas duas contribuições ao
da psicologia social de George Mead,12 Honneth livro Redistribuição ou Reconhecimento?, contu-
elabora uma teoria que vê, na luta por reconhe- do, Honneth procura mostrar que as críticas de
cimento, o motor dos conflitos sociais. Interpre- Fraser resultam de uma compreensão inadequa-
tado por Fraser como uma tentativa de reduzir da do escopo de sua teoria, uma vez que não aten-
as injustiças de caráter econômico à esfera cul- tam para o real significado atribuído por ele ao
tural, o modelo teórico proposto por Honneth é termo reconhecimento. Em uma primeira respos-
acusado por ela – já em 1995 – de constituir um ta a Fraser, Honneth afirma, então, que a acusa-
monismo teórico cultural reducionista, que, to- ção da autora de que sua teoria seria culturalista e
mando a desigualdade econômica como o resul- não daria conta de pensar as injustiças econômi-
tado de uma forma de falta de reconhecimento, cas ou mesmo as lutas por redistribuição materi-
não teria conseguido dar conta do conjunto de in- al se ancora em uma interpretação restrita do pa-
justiças existentes, ou mesmo das diferentes rei- pel desempenhado por esse conceito no interior
vindicações feitas pelos movimentos sociais que, de seu modelo teórico. Reconhecimento, para ele,
segundo ela, não têm somente o reconhecimento não é o mesmo que reconhecimento cultural.
recíproco como objetivo (Fraser, 2003a, p.10-11). O conceito honnethiano de reconhecimen-
A leitura de Fraser da teoria honnethiana to não remete diretamente à cultura, mas às ex-
do reconhecimento a vê, assim, como uma das pectativas morais de comportamento sustenta-
principais representantes das teorias culturalistas das pelos sujeitos frente a seus parceiros de
que, assim como a de Charles Taylor, identifica- interação. Segundo Honneth, na modernidade,
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ria na cultura a origem de todas as injustiças os sujeitos formam, por meio de processos de
sociais. Nesse sentido, Fraser toma a teoria de interação social, expectativas morais de compor-
Honneth como a expressão do deslocamento da tamento em três diferentes esferas de reconhe-
redistribuição para o reconhecimento ou, como cimento – a do amor, a do respeito e a da esti-
é também colocado por ela, do deslocamento da ma13 – que, quando rompidas, podem gerar um
centralidade antes atribuída ao paradigma sentimento de desrespeito e injustiça. Quando
distributivo de justiça para a de um paradigma compartilhado por vários atores, esse sentimen-
em cujo centro estariam questões relativas à iden- to pode, por sua vez, desencadear um conflito
tidade e à diferença. Para Fraser, portanto, ao social, entendido por ele como uma luta por re-
procurar compreender todas as formas de injusti- conhecimento. 14 Assim, Honneth reconstrói os
12
Honneth tem criticado o que poderíamos chamar de uma
primeira versão de sua teoria do reconhecimento, na qual, 13
como afirma, a teoria de Mead, desempenhava um impor- Sobre os três princípios mobilizados pelos atores sociais
tante papel. Atualmente, o trabalho de Mead é visto por nas lutas por reconhecimento, assim como sobre as dife-
ele como problemático, pois possuiria premissas indivi- rentes formas de violação das expectativas de comporta-
dualistas. Em textos mais recentes, portanto, Honneth mento em cada umas esferas de reconhecimento (Cf.
procura reelaborar sua compreensão sobre o processo de Honneth, 2003a, cap.1-4).
14
socialização e individuação a partir de autores como Majid Yar antecipa esse movimento argumentativo mes-
Winnicott e Jessica Benjamin (Honneth, 2004, p.305-341). mo antes da publicação de Redistribuição ou Reconheci-

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conflitos sociais como lutas morais por reconheci- como injusta, razão pela qual ele afirma que lutas
mento, porque é a experiência de injustiça ou de por redistribuição material são também lutas por
desrespeito – atrelada a expectativas de reconheci- reconhecimento. Honneth reconstrói os conflitos
mento – que os desencadeia (Honneth, 2003a, sociais como lutas por reconhecimento não em ra-
p.262-263). Independentemente, portanto, do que zão de questões teórico sociais, tal como Fraser, mas
estariam especificamente reivindicando, os confli- porque eles são desencadeados pelo sentimento de
tos sociais teriam em comum o objetivo de ampli- desrespeito que se segue da violação de expectati-
ar as relações de reconhecimento existentes, que vas bem fundadas de reconhecimento social. Nesse
não estariam possibilitando, em alguma medida, a sentido, tanto as lutas por redistribuição material
realização das expectativas morais de comporta- quanto aquelas por reconhecimento cultural seriam
mento sustentadas pelos sujeitos frente a seus abarcadas pela teoria honnethiana do reconhecimen-
parceiros de interação.15 to, na medida em que o sentimento de injustiça que
Ao compreender o conjunto de injustiças as desencadeia também decorre de violações de ex-
sociais a partir do conceito de reconhecimento, pectativas de reconhecimento (Cf. Honneth, 2004,
Honneth não procura conceitualizar apenas as p.352). Ao reconstruir os conflitos sociais como lutas
novas demandas dos movimentos sociais, mas por reconhecimento, Honneth não estaria, então,
desenvolver um modelo teórico que consiga excluindo ou negando a importância das reivindi-
justificá-los moralmente e possibilite, além dis- cações por redistribuição, mas reconstruindo-as de
so, a identificação de uma tendência real à eman- uma perspectiva normativa. A luta por reconheci-
cipação, isto é, à ampliação das relações recípro- mento não possui, consequentemente, um caráter
cas de reconhecimento. Algo que Fraser não te- meramente cultural ou identitário, mas um caráter
ria feito.16 Como afirma ele, “o quadro conceitual moral que constitui, para ele, a gramática dos con-
do reconhecimento é de importância central hoje, flitos sociais.17
não porque ele expressa os objetivos de um novo Deslocando a problemática da teoria social
tipo de movimento social, mas porque ele pro- que fornece, para Fraser, a base para a reconstru-
vou que é a ferramenta adequada para decifrar ção dualista que faz dos movimentos sociais,
categoricamente as experiências de injustiça como Honneth procura reconstruir e justificar moral-
um todo.” (2003b, p.157). mente esses conflitos, remetendo-os às experiên-
Para Honneth, mesmo os conflitos por cias de desrespeito dos sujeitos, isto é, voltando-

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redistribuição só ocorrem quando a modificação se para a motivação dos conflitos e não às origens
da situação econômica ou a desigualdade mate- sociais das injustiças que estão combatendo. Em
rial por eles problematizada é experienciada um primeiro momento, portanto, Honneth procura
17
mento?, mostrando que a teoria de Honneth escapa das Em Luta por Reconhecimento, Honneth antecipa uma
críticas dirigidas a ela por Fraser ao retomar o conceito de possível objeção a seu projeto, que apontasse para o fato
reconhecimento a partir do sentimento de desrespeito que de que nem todos os conflitos sociais são gerados por
mobiliza tanto as lutas por redistribuição quanto as por motivações de caráter moral, na medida em que conflitos
reconhecimento cultural. Tendo isso em vista, Yar critica pela concorrência de bens escassos seguem a lógica de um
o uso dado por Fraser ao conceito de reconhecimento que, conflito movido por interesse. Sem se opor, em um pri-
segundo ela, faz com que suas críticas a Honneth (Fraser, meiro momento, a essa hipótese, o que Honneth faz é reto-
2001) não sejam pertinentes (Yar, 2001, p.288-303). mar os estudos feitos por E. P. Thompson e B. Moore,
15
com o intuito de indicar que mesmo esses conflitos po-
Partindo de uma teoria da intersubjetividade, Honneth dem ser pensados na chave conceitual do reconhecimen-
nega que os conflitos políticos sejam simplesmente mani- to, uma vez que: “o que é considerado um estado insupor-
festações dos interesses de um conjunto de indivíduos; tável de subsistência econômica se mede sempre pelas
para ele, suas bases motivacionais devem ser reconstruídas expectativas morais que os atingidos expõem
a partir das expectativas morais atreladas à interação soci- consensualmente à organização da coletividade. Por isso,
al e ao reconhecimento recíproco, e não a partir de um o protesto e a resistência prática só ocorrem em geral quan-
cálculo racional estrategicamente orientado (Cf. Honneth, do uma modificação da situação econômica é vivenciada
2003a, cap.7). como uma lesão normativa desse consenso tacitamente
16
Por não conseguir estabelecer um vínculo estrutural entre efetivo”. A motivação e a justificação daquilo que os ato-
a imanência e a transcendência e, além disso, por não tra- res sociais reivindicam estão ligadas às maneiras por meio
tar mais pormenorizadamente da motivação dos movimen- das quais determinadas situações sociais impedem a
tos sociais, para Honneth, a teoria de Fraser não seria real- autorrealização pessoal (Cf. Honneth, 2003a, p.160-165;
mente crítica (Cf. Honneth, 2003c, p.274-285). cf. Mattos, 2006, p.153-156).

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tratar do debate sobre redistribuição e reconheci- formada, que esteja apta a identificar os diferen-
mento em um nível distinto e mais abstrato do tes mecanismos sociais que originam as relações
que aquele colocado inicialmente por Fraser de dominação (Cf. Fraser, 2003b, p. 201-211).
(Honneth, 2004). Como diz o autor, nesse sentido, Assim, se Honneth procura mostrar que o
“por mais fundamentais que as questões de teoria dualismo de Fraser poderia ser abarcado pelo
social sejam, [...] elas desempenham apenas um monismo proposto por ele, na medida em que tanto
papel subordinado no debate entre Fraser e eu. os movimentos sociais por redistribuição quanto
No primeiro plano, está a questão geral de quais os por reconhecimento se originam do sentimento
ferramentas categoriais são mais promissoras para de desrespeito e poderiam ser, portanto,
renovar a intenção da teoria crítica de, ao mesmo reconstruídos como lutas por reconhecimento,
tempo, articular apropriadamente e justificar mo- Fraser se contrapõe à sua proposta.18 Para ela, a
ralmente as reivindicações normativas dos movi- estratégia adotada por Honneth não responde às
mentos sociais” (Honneth, 2003b, p.135). É, as- questões por ela levantadas e pode, além disso,
sim, recorrendo ao monismo moral-motivacional levar ao estabelecimento de algumas dificuldades,
presente nas experiências de injustiça, que decor- uma vez que toma o sentimento de desrespeito
reriam do rompimento de relações de reconheci- como o indicador da presença de patologias, sem,
mento, e não a questões acerca da origem social contudo, apontar para suas causas sociais, que
das injustiças, que Honneth procura rebater as precisariam ser devidamente identificadas para que
críticas de Fraser. ele pudesse elaborar uma teoria do poder apta a
Tal saída não é, contudo, aceita pela autora diagnosticar as relações de dominação presentes
como uma resposta adequada às questões por ela nas sociedades capitalistas contemporâneas. De
colocadas. Mesmo assumindo que haja acordo com Fraser, identificar a base motivacional
discordâncias significativas no que se refere às dos conflitos sociais, como propõe Honneth, não
bases normativas de suas teorias e às diferentes é suficiente. O importante, no que diz respeito ao
reconstruções que fazem da normatividade dos diagnóstico de patologias sociais, é identificar, a
conflitos sociais e de suas motivações, Fraser de- partir de uma teoria social, os mecanismos que as
fende que a disputa entre o monismo de Honneth geram. Afinal, mesmo que Honneth tenha razão e
e seu dualismo perspectivo não se situa nesses as lutas por redistribuição sejam motivadas pelo
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níveis, onde ambos desenvolvem, a partir de sentimento de desrespeito, disso não decorreria
Jürgen Habermas, um paradigma crítico monista que as desigualdades materiais questionadas pos-
e reconstroem os conflitos sociais de um ponto sam ser entendidas como consequências de uma
de vista normativo (Bressiani, 2010, cap.1 e 2). aplicação determinada de normas sociais ou resul-
Assim, embora aceite que as questões levantadas tem de relações assimétricas de reconhecimento.
por Honneth coloquem novos e importantes pon- Recusando, assim, uma primeira estratégia
tos na pauta do debate entre eles, Fraser insiste utilizada por Honneth em sua resposta, Fraser afir-
que a disputa entre o dualismo perspectivo de- ma que a identificação das injustiças existentes não
senvolvido por ela e o monismo proposto por ele pode partir de experiências subjetivas de desres-
diz respeito às diferentes teorias sociais presen-
tes em seus modelos teóricos. E isso não apenas 18
Christopher Zurn aponta também para a tentativa de
porque o dualismo defendido por ela tem como Honneth de responder às críticas de Fraser por meio de
um aumento no grau de abstração teórica. Para ele, contu-
base sua teoria social, mas também porque, para do, ao fazer isso, Honneth acaba abrindo mão de um diag-
nóstico empírico acurado e desenvolve uma teoria que fal-
ela, o diagnóstico das injustiças sociais não pode sifica a realidade social. Como afirma ele, “é implausível
partir do sentimento subjetivo de desrespeito, mas defender que os dispositivos de reconhecimento de uma
sociedade determinam a divisão do trabalho ou mesmo o
apenas de uma teoria social democraticamente in- retorno social (o salário) das diferentes ocupações.” (Cf.
Zurn, 2005, p.116).

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peito, inacessíveis ao teórico,19 mas somente da Fraser à sua teoria, Honneth defende que as formas
identificação dos mecanismos sociais que geram sociais de interação possuem primazia sobre as for-
impedimentos à participação paritária de todos na mas sistêmicas de integração, isto é, que a cultura
interação social; identificação que precisaria ter possui certa primazia frente a economia – traduzin-
passado por escrutínio democrático e deve, além do tal afirmação nos termos de Fraser. Primazia que
disso, apontar para impedimentos sociais exter- remete a um importante ponto de discordância entre
namente verificáveis.20 Ao defender a importância ambos.
de um diagnóstico de patologias sociais apto a Afinal, para Fraser, como dito anteriormen-
apontar para os bloqueios sociais à emancipação, te, o funcionamento da economia teria se diferenci-
Fraser recoloca, então, o debate entre eles no nível ado relativamente das formas de interação social e
da teoria social. E, de acordo com a autora, é parti- precisaria ser entendido em suas especificidades.
cularmente no tocante a essa questão, relativa às Para ela, mesmo que a cultura e a economia, ou a
relações de poder presentes na sociedade contem- interação social e a sistêmica, permaneçam interli-
porânea, que a teoria do reconhecimento proposta gadas, elas teriam se diferenciado no decorrer do
por Honneth não empregaria ferramentas processo de modernização social e não poderiam,
conceituais adequadas. E isso ocorre não porque por isso, ser explicadas uma a partir da outra.
ele se esquive por completo de questões relativas à Nenhuma dessas duas esferas sociais possuiria
teoria social, mas porque parte de uma compreen- primazia sobre a outra, e é exatamente por isso
são monista e não dualista das sociedades capita- que Fraser defende a necessidade de que injusti-
listas contemporâneas. ças culturais e econômicas, bem como exigências
Mesmo que o foco de Honneth, em sua pri- de redistribuição e reconhecimento, sejam diferen-
meira resposta a Fraser, não esteja em suas ciadas – ainda que apenas relativamente. Conclu-
discordâncias a respeito do funcionamento da so- são que não é compartilhada por Honneth, para
ciedade ou na identificação dos mecanismos soci- quem também a economia e, portanto, as desigual-
ais que levam ao estabelecimento das injustiças, dades materiais estão fundamentalmente atreladas
sua teoria do reconhecimento pressupõe uma teo- a relações de reconhecimento, que perpassariam e
ria social. Teoria na qual a interação social desem- guiariam o funcionamento de todas as esferas so-
penha um papel central, mesmo no que diz respei- ciais. Honneth possui, nesse sentido, uma com-
to à economia. Embora afirme que o funcionamento preensão distinta da de Fraser sobre o papel exer-

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do mercado capitalista não pode ser inteiramente cido por normas e valores no interior da economia
explicado a partir de valores culturais e, nesse sen- e no processo de desenvolvimento social. Como
tido, não aceite o rótulo de culturalista dado por diz Honneth:

Como a integração de todas as outras esferas, o


19
Simon Thompson também faz uso desse argumento ao desenvolvimento do mercado capitalista só pode
afirmar que Honneth “permite que sua teoria da justiça ocorrer na forma de um processo de negociação
seja perigosamente dependente de uma psicologia do re- simbolicamente mediado, que seja dirigido pela
conhecimento empiricamente discutível.” (Cf. Thompson,
2005, p. 96). interpretação de princípios normativos suben-
20
Segundo Fraser, “quando a falta de reconhecimento é tendidos. […] Na expansão contemporânea do
identificada a distorções na estrutura da autoconsciência capitalismo, nem mesmo processos econômicos
dos oprimidos, se está a um passo de colocar a culpa na são simplesmente não-normativamente media-
vítima, imputando um dado psíquico àqueles que estão dos. ( 2003c, p.288-289).
submetidos ao racismo, por exemplo; o que parece adici-
onar um insulto à injúria. Similarmente, quando a falta
de reconhecimento é igualada ao preconceito na mente dos Honneth parece, então, afirmar que não é
opressores, superá-lo parece requerer o policiamento de suas
crenças, uma abordagem que é iliberal e autoritária. Para o possível distinguir – tal como o faz Fraser – os
modelo de status, ao contrário, a falta de reconhecimento é
uma questão de impedimentos externamente manifestos e mecanismos econômicos de normas e valores
publicamente verificáveis ao posicionamento de algumas sociais, uma vez que mesmo o funcionamento
pessoas como membros plenos de uma sociedade” (Fraser,
2003a, p.31 [grifos nossos]). do sistema capitalista dependeria das expectativas

337
REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO...

daqueles por ele afetados e seria dirigido “pela in- bre a ordem econômica e seu vínculo com as rela-
terpretação de princípios normativos subentendi- ções de reconhecimento existentes. O debate so-
dos”. Ao contrário de Fraser que, rearticulando o bre redistribuição e reconhecimento nos remete,
dualismo social habermasiano entre sistema e assim, a uma disputa entre as diferentes compre-
mundo da vida, defende a necessidade de dife- ensões sustentadas pelos autores a respeito do
renciar, ainda que relativamente, os mecanismos modo de funcionamento do capitalismo contem-
econômicos dos culturais, Honneth defende que porâneo e sua relação com a cultura, ou com nor-
mesmo os mecanismos responsáveis pelo funci- mas e valores intersubjetivamente elaborados. Com-
onamento da economia dependem fundamen- preensões que, embora distintas, possuem uma
talmente da interação social e, portanto, de va- origem comum. Afinal, tanto o monismo teórico
lores culturais. Contrapondo-se a Fraser, mas de Honneth como o dualismo perspectivo de Fraser
também a Habermas, Honneth afirma, assim, são desenvolvidos com o objetivo de dar conta das
que mesmo os imperativos do capitalismo estão dificuldades que ambos identificam no modelo
atrelados a expectativas normativas e a relações teórico de Habermas em Teoria da Ação Comuni-
de reconhecimento. Motivo pelo qual, para ele, cativa (Habermas, 1987a, 1987b).
também as injustiças materiais podem ser com-
preendidas como injustiças ligadas a relações
assimétricas de reconhecimento e não diretamen- REARTICULANDO HABERMAS: Honneth e
te como consequências de mecanismos econô- Fraser em torno do dualismo social
micos relativamente autônomos.
As diferentes concepções que Fraser e Como boa parte dos trabalhos de teoria
Honneth possuem sobre o funcionamento das crítica que vêm sendo desenvolvidos atualmen-
sociedades capitalistas contemporâneas e, prin- te, os de Nancy Fraser e Axel Honneth são forte-
cipalmente, os diferentes estatutos que atribu- mente marcados pela obra de Jürgen Habermas,
em à economia desempenham, assim, uma po- cuja influência é decisiva em boa parte das ques-
sição de centralidade na controvérsia que se es- tões em disputa no debate entre eles sobre
tabeleceu entre eles sobre redistribuição e reco- redistribuição e reconhecimento. A própria mu-
nhecimento. No cerne do debate está, então, uma dança de paradigma efetuada por Habermas no
questão problematizada por eles já no prefácio interior da teoria crítica é, por exemplo, central
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do livro, onde se perguntam se: para o desenvolvimento das bases normativas


dos modelos críticos de Fraser e Honneth. A in-
... o capitalismo, tal como ele existe hoje, deve ser
compreendido como um sistema social que dife- fluência desse autor nos modelos teóricos de
rencia uma ordem econômica, que não é direta- Fraser e Honneth se estende, contudo, para além
mente regulada por padrões institucionalizados disso. O trabalho de Habermas constitui tam-
de valores culturais, de ordens que o são? Ou deve
a ordem econômica capitalista ser entendida, ao bém a principal referência desses autores no que
contrário, como uma consequência de um modo diz respeito às teorias sociais que elaboram. Nesse
de valoração cultural que está atrelada, desde o
início, a formas assimétricas de reconhecimento? caso, contudo, a retomada da teoria de Habermas
Em seu nível mais profundo, este livro tenta colo- parece adquirir um outro estatuto, uma vez que
car essa questão teoricamente e desenvolver um os deslocamentos efetuados por eles, relativos
quadro comum que consiga acessar nossas res-
postas divergentes. (Fraser; Honneth, 2003, p.5) ao dualismo social habermasiano, parecem – em
muitos momentos – tomar forma de uma
Se recolocamos, como Fraser, o foco do contraposição. A teoria social apresentada por
debate sobre redistribuição e reconhecimento no Habermas está, assim, no horizonte de Fraser e
nível da teoria social, nos deparamos com as di- Honneth, mas é em contraposição a ela que cada
ferentes concepções sustentadas pelos autores so- um deles vai desenvolver sua própria teoria,

338
Nathalie Bressiani

mesmo que retomem alguns de seus aspectos. que distingue o sistema do mundo da vida, refere-
Contraposição que é central ao debate sobre se, assim, à identificação, na sociedade, de duas
redistribuição e reconhecimento, cujo pano de esferas sociais responsáveis, respectivamente, pela
fundo é uma disputa entre as diferentes saídas reprodução material e simbólica da sociedade, que
apresentadas por Fraser e Honneth às dificulda- estão ligadas, por sua vez, às duas racionalidades
des que identificam na teoria social e no diag- reconstruídas por Habermas a partir de ações ins-
nóstico de patologias sociais defendido por trumentais e comunicativas. No que se refere à re-
Habermas em Teoria da Ação Comunicativa. produção material, responsável pelo desenvolvi-
Nessa obra, Habermas apresenta uma te- mento do sistema (economia e burocracia), a coor-
oria da modernização social nos termos de um denação dos diversos objetivos dos sujeitos seria
processo de racionalização da sociedade. Segun- estratégica e livre, portanto, de normas. A repro-
do Habermas, as formas de interação social pre- dução simbólica, responsável pelos desenvolvimen-
sentes nas sociedades tradicionais, onde toda es- tos da cultura, da sociedade e da formação da per-
trutura e organização estariam vinculadas a vi- sonalidade, por outro lado, teria como base uma
sões religiosas e metafísicas de mundo, passa- forma comunicativa de coordenar objetivos que,
ram por um processo de racionalização por meio normativamente mediada, estaria orientada para o
do qual diferentes formas de reprodução e entendimento.
integração social teriam se diferenciado. Assim, Essa distinção entre duas esferas sociais e
se a organização das sociedades tradicionais de- duas formas de reprodução social, problematizada
pendia diretamente da normatividade assegura- por diversos autores e atenuada posteriormente
da por visões de mundo compartilhadas e podia por Habermas (1997), é também fortemente
ser adequadamente explicada apenas a partir de criticada por Honneth, que procura desenvolver
sua ordem normativa, o mesmo não ocorreria uma teoria social crítica na qual normatividade e
em sociedades modernas, cuja organização poder pudessem ser entendidos em suas
sistêmica não mais refletiria a normatividade interrelações. Para ele, a distinção proposta por
social, agora racionalizada. Em sociedades mo- Habermas entre duas racionalidades, já presente
dernas, afirma o autor, o sistema não apenas te- em Conhecimento e Interesse (Habermas, 1968),
ria deixado de refletir o mundo da vida, como teria sido modificada, dando lugar, em Teoria da
teria se tornado independente dele e não pode- Ação Comunicativa, a uma distinção entre duas

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ria mais ser explicado do ponto de vista da esferas sociais. Com essa mudança, afirma
normatividade social. Sociedades modernas se- Honneth, o desenvolvimento da sociedade, antes
riam, assim, dualistas. Motivo pelo qual, para pensado a partir das lutas entre os diversos gru-
Habermas, uma análise adequada dessas socie- pos sociais pela definição de normas e institui-
dades precisa levar em consideração tanto o pon- ções, passa a ser conceitualizado nos termos de
to de vista do mundo da vida, quanto o do siste- um processo de diferenciação social que dá lugar
ma (Cf. Habermas, 1987a, cap.2). a um conflito entre a pressão para adaptação
Desde meados da década de 1980, com a pu- exercida pelas organizações racionais voltadas a
blicação de Teoria da Ação comunicativa, Habermas fins, o sistema, e as esferas de ação organizadas
consolida, então, uma distinção entre duas esferas comunicativamente, o mundo da vida, cujo pa-
sociais. Uma dessas esferas corresponderia ao pel, nesse desenvolvimento, seria o de resistir ou
mundo da vida, cuja reprodução ocorre por meio não a essa pressão, ou ainda, e nisso estaria seu
de ações comunicativas. A outra corresponderia caráter emancipatório, regular essas organizações.
ao que ele chama de sistema, composto de dois Em detrimento de uma primeira formu-
subsistemas, cuja reprodução se dá por meio de lação de sua teoria, na qual as relações de domi-
ações instrumentais. O dualismo habermasiano, nação eram pensadas no interior das esferas co-

339
REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO...

municativas, que moldariam as próprias institui- procura, então, mostrar que o desenvolvimento
ções, Habermas teria posteriormente excluído das do sistema capitalista e do aparelho burocrático
interações sociais as relações de dominação, que do Estado é mediado por normas sociais e de-
passaram, a partir de então, a ser concebidas como pende dos conflitos que moldaram e ainda mol-
colonizações do mundo da vida pelos sistemas dam as instituições e práticas sociais em geral
econômico e burocrático (Honneth, 1986). Com isso, (2003c, p. 289-290). Além disso, Honneth busca
afirma Honneth, o dualismo social desenvolvido indicar que a dominação e as relações de poder,
por Habermas não mais daria conta de compreen- compreendidas por Habermas como ampliações
der aquilo que denomina de reprodução simbóli- do sistema em direção ao mundo da vida, preci-
ca da sociedade (1986, p.317-334), nem de expli- sam ser pensadas em conjunto com a comunica-
car como se reproduziriam as esferas chamadas ção, que está sempre perpassada por assimetrias
por ele de sistêmicas, onde os conflitos sociais tam- (Honneth, 2003c, p. 298). Seria preciso atrelar o
bém teriam um papel ativo e determinante desenvolvimento social como um todo a normas,
(Honneth, 1986, p. 316-320). bem como pensar as relações de poder presentes
O desenvolvimento dado por Habermas a nas comunicações e relações de reconhecimento,
seu modelo teórico estabeleceria, de acordo com ou seja, pensar a relação dessas normas com as
Honneth, duas ficções teóricas: a de um sistema formas de poder e dominação. É, então, com o
que teria se diferenciado do mundo da vida e se objetivo de resolver, dentre outras coisas, as difi-
tornado um meio não-linguístico de coordena- culdades, que identifica em Habermas, que
ção de objetivos e a de um mundo da vida isento Honneth desenvolve uma teoria do reconhecimen-
de quaisquer relações de poder e de dominação, to, na qual afirma que a comunicação e as lutas
onde o processo de reprodução simbólica da so- por reconhecimento têm um papel ativo em todos
ciedade ocorreria por meio de relações de co- os processos de reprodução social. As dificulda-
municação linguisticamente mediadas. No inte- des que encontra na teoria de Habermas fazem,
rior da teoria habermasiana, seria formada, en- assim, com que Honneth defenda um monismo
tão, a ilusão de que haveria duas esferas sociais, social, pautado por relações de reconhecimento.
cada qual responsável por diferentes aspectos da A crítica de Honneth – segundo a qual
reprodução social – o material e o simbólico –, não seria possível entender a sociedade a partir
que seriam, inclusive, independentes entre si de uma teoria que não aborde adequadamente a
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(Honneth, 1986, p.329-331). Para Honneth, con- relação entre desenvolvimento social e lutas por
tudo, o funcionamento da economia e da buro- reconhecimento – não se dirige, contudo, ape-
cracia estatal não pode ser compreendido como nas a Habermas, mas também a Nancy Fraser.
a mera expressão de um processo autônomo, Afinal, como Habermas, Fraser defende que a
descolado da interação social. Segundo ele, as economia se tornou relativamente distinta da
expectativas intersubjetivas de reconhecimento interação social e, portanto, do âmbito no qual
e os conflitos sociais por elas gerados desempe- as normas sociais são elaboradas, denominado
nham um papel ativo mesmo naquelas institui- por ela de cultura. Diferentemente de Honneth,
ções referentes à organização do trabalho e à dis- Fraser aceita de Habermas a distinção entre dois
tribuição do poder (Honneth, 2003b, p.134-136, mecanismos sociais. Por maiores que sejam as
180-184). Como afirma ele, “processos de valo- interrelações entre as normas sociais e a econo-
rização aparentemente anônimos são impregna- mia, para Fraser, não é possível entender o fun-
dos de regras normativas” (2003c, p.292). Não cionamento do capitalismo atual apenas a partir
se poderia, portanto, falar em um sistema eco- de normas sociais. Mesmo aceitando a impossi-
nômico ou burocrático, tal como o faz Habermas. bilidade de se conceber a economia como uma
Contrapondo-se a Habermas, Honneth esfera social autônoma e isenta de normatividade,

340
Nathalie Bressiani

Fraser afirma que seu funcionamento não pode desenvolvidas por Honneth em Crítica do Poder e
ser adequadamente entendido sem que se leve em aponta para possíveis saídas que serão posterior-
consideração mecanismos sistêmicos que priorizam mente elaboradas por ela. Diferentemente das de
o lucro. Motivo pelo qual ela defende que a econo- Honneth, contudo, as saídas apresentadas por
mia dispõe de relativa autonomia frente às normas Fraser não caminham na direção de uma dissolu-
sociais. Como Habermas, Fraser assume a existên- ção da distinção entre as esferas sociais, mas na
cia de um certo dualismo social. formulação de um dualismo social perspectivo.
O recurso de Fraser a Habermas não im- O que, não obstante, só vem a fazer claramente
plica, contudo, que ela aceite como um todo as em escritos posteriores.
distinções dualistas estabelecidas por ele. Pelo Partindo, nesse artigo, de uma definição
contrário, ela faz diversas críticas à teoria social tomada por ela de Marx, segundo a qual teoria
dualista desenvolvida por ele, e, afirmando a crítica é “o autoaclaramento das lutas e desejos
possibilidade de que ela seja entendida de dois de uma época” (1989, p.13), Fraser procura mos-
modos, a saber, como substantiva ou analítica, trar que, apesar dos potenciais críticos presen-
parte da segunda para a elaboração de sua pró- tes em sua teoria, Habermas não teria consegui-
pria teoria social.21 Com essa teoria, no entanto, do dar conta daquele que deveria ser seu papel
Fraser, como Honneth, procura tratar das difi- como teórico crítico, a saber, aclarar, dentre ou-
culdades que encontra no modelo habermasiano. tros, os objetivos do movimento feminista.22 To-
O que faz, a nosso ver, por meio de um desloca- mando, então, o modelo de Habermas tal como
mento, e não de um abandono da distinção en- ele aparece em Teoria da Ação Comunicativa e
tre sistema e mundo da vida e de uma alteração em artigos publicados por ele nesse período, Fraser
significativa na maneira como Habermas conce- procura explicitar que o dualismo social ali pro-
be as relações de poder e o surgimento das pa- posto é contraproducente, uma vez que encobre
tologias sociais. e mesmo reforça algumas das injustiças de gêne-
A retomada da teoria social proposta por ro presentes na sociedade contemporânea. Sem
Habermas, feita explicitamente pela autora des- entrar à fundo nas críticas dirigidas a Habermas
de seus escritos da década de 80, não é, contu- desse ponto de vista, nos restringiremos aqui a
do, uniforme. Em um primeiro momento, ela indicar que Fraser aponta para diversas deficiên-
busca confrontar alguns aspectos problemáticos cias presentes no modelo habermasiano. Defici-

CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 62, p. 331-352, Maio/Ago. 2011


que identifica no modelo habermasiano, passan- ências muito semelhantes àquelas destacadas por
do, em trabalhos mais recentes, a recuperar nele Honneth.
aquilo que poderia ser visto como frutífero a uma No que se refere à primeira dessas defici-
teoria social. Apesar disso, boa parte das ques- ências, as críticas dirigidas por Fraser a Habermas
tões que norteiam seus escritos e das soluções põem em questão o estatuto que ele teria dado à
que apresenta a elas já se encontram – mesmo distinção entre duas esferas sociais, seja do pon-
que apenas em gérmen – em seus primeiros arti- to de vista da reprodução material e simbólica
gos, como é o caso de “O que é crítico na Teoria da sociedade, seja do ponto de vista das duas
Crítica? O argumento de Habermas e o Gênero” formas de integração por meio das quais a socie-
(Fraser, 1989, p.113-143). Nesse artigo, Fraser dade se reproduziria como um todo. Em um pri-
dirige a Habermas críticas semelhantes àquelas 22
Ao fazer isto, Fraser parece afirmar que os teóricos críti-
cos devem se pautar pelos objetivos imediatos dos movi-
mentos sociais (Fraser, 1989, p.113-114). Entretanto, se
21
Honneth defende que a distinção estabelecida por Fraser analisarmos a gênese da noção de paridade de participa-
entre a economia e a cultura não é analítica (Honneth, ção, da qual Fraser lança mão neste artigo, ela aponta para
2003c). Apesar disso, Fraser não defende o dualismo so- uma estrutura normativa mais próxima à proposta por
cial substantivo que identifica na teoria de Habermas, mas Habermas em sua teoria do discurso. Nesse sentido, os
um dualismo social perspectivo. As duas esferas sociais movimentos feministas são levados em consideração ape-
possuiriam, para ela, características particulares, mas só nas porque questionam impedimentos sociais à paridade
se encontram relativamente diferenciadas. de participação (Bressiani, 2010, cap.1).

341
REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO...

meiro momento, Fraser problematiza a distinção social como um todo.


que Habermas estabelece entre duas formas de re- Com isso em vista, Fraser conclui pela ne-
produção social: a material, atrelada ao que ele cessidade de que as duas formas de reprodução
chama de trabalho social, e a simbólica, que englo- social identificadas por Habermas sejam enten-
ba a produção cultural, a integração social e os didas como dois diferentes aspectos da socieda-
processos de individualização e socialização. No de, que se encontram interligados. Conclusão que,
que diz respeito a isso, Fraser procura apontar para mesmo sem rejeitar explicitamente uma distin-
a dificuldade que tal distinção teria no que se refe- ção entre duas formas de reprodução social, nega
re à classificação de diversas atividades sociais, claramente que ela possa ser entendida como uma
tais como a criação de filhos que, segundo ela, é distinção estanque, que atribui a diferentes esfe-
entendida por Habermas apenas como parte da ras sociais – que também não devem ser clara ou
reprodução simbólica da sociedade (Fraser, 1989, objetivamente diferenciadas – a responsabilida-
p.122-119). de por um tipo específico de reprodução social.
Contrapondo-se a uma distinção forte en- Fraser atenua, assim, a distinção entre as duas
tre esses dois tipos de reprodução social, Fraser formas de reprodução social que identifica no
afirma que a criação dos filhos possui elementos trabalho de Habermas.
indispensáveis tanto para a reprodução simbóli- A crítica de Fraser ao dualismo habermasiano
ca quanto para a reprodução material da socie- não para, no entanto, por aqui, mas se estende
dade que, como é indicado por ela, não teria aos diferentes níveis em que ele pensa a distin-
como ocorrer não fosse pela sobrevivência das ção social entre sistema e mundo da vida. Consi-
crianças garantida, dentre outras coisas, pela ali- derando, então, uma segunda distinção propos-
mentação dada aos filhos. Ao contrário do que ta por Habermas, agora no tocante às duas for-
se poderia pensar, a criação dos filhos envolve mas de integração, a sistêmica e a social, Fraser
os dois tipos de reprodução social e não pode busca mostrar que também elas não podem ser
ser reduzida a nenhum deles em particular. O completamente distinguidas, tal como o faria
dualismo presente nessa atividade não se res- Habermas. Questionando, mais uma vez, a pos-
tringe, entretanto, a ela. Mesmo as atividades sibilidade de que o dualismo habermasiano possa
relacionadas ao trabalho social, responsável pela ser proficuamente interpretado como uma dis-
produção de bens e alimentos em geral, não po- tinção estanque ou substantiva entre diferentes
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dem ser entendidas apenas como responsáveis formas de ação, integração e reprodução social,
pela reprodução material da sociedade. Segun- Fraser indica, a partir de elementos empíricos,
do ela, a própria produção ocorre por meio de que nem no interior da economia nem na famí-
relações culturalmente elaboradas e simbolica- lia a integração seria absolutamente sistêmica ou
mente mediadas, dentre as quais, por exemplo, social. Tanto uma quanto a outra são, segundo
a divisão entre trabalhos masculinos e femini- ela, perpassadas por diferentes formas de
nos. O próprio funcionamento da economia esta- integração.
ria, dessa forma, vinculado a valores e normas Posicionando-se, então, criticamente fren-
sociais. Assim, também a esfera do trabalho soci- te a Habermas e defendendo uma posição que
al possuiria elementos responsáveis, de alguma poderíamos, à primeira vista, aproximar da de
maneira, pela reprodução simbólica da sociedade Honneth, Fraser afirma, nesse artigo, que não é
e não poderia ser vista como normativamente possível distinguir claramente entre uma esfera
neutra. Fraser afirma, então, que uma distinção social absolutamente livre de normas e uma ou-
estanque entre duas formas de reprodução soci- tra na qual relações de poder e imperativos eco-
al é inadequada para a conceitualização das dife- nômicos não desempenham, em principio, qual-
rentes atividades responsáveis pela reprodução quer papel. Com o objetivo de criticar, em dife-

342
Nathalie Bressiani

rentes níveis, a defesa de um dualismo substan- sistema não possua a mesma força atribuída por
tivo que poderia ser encontrado em Habermas, Habermas a esse termo.
Fraser afirma, então, que: Além disso, como Honneth, ela afirma que
enxergar na sociedade apenas a tendência de am-
... em poucos, se é que em algum, dos contextos de pliação do sistema para além de seus limites
ação humana as ações são coordenadas de forma
absolutamente não-consensual e absolutamente desejáveis é insuficiente, assim como o é a com-
não-normativa. Por mais moralmente dúbio que seja preensão proposta por Habermas acerca das pa-
o consenso e por mais problemático que seja o con-
tologias sociais, cujas causas estariam, segundo
teúdo e o status das normas, virtualmente todo con-
texto de ação humana envolve alguma forma de ele, na colonização do mundo da vida pelo siste-
ambos. No mercado capitalista, por exemplo, tro- ma. Ao questionar a separação estanque ensejada
cas estratégicas e maximizadoras de utilidade ocor-
rem frente um horizonte de significados e normas pelo texto de Habermas e mostrar que o funcio-
compartilhados intersubjetivamente; agentes nor- namento da economia depende de normas, Fraser
malmente subscrevem mesmo que apenas taci-
afirma que é preciso perceber também como o
tamente a noções comumente aceitas de reci-
procidade e a alguma concepção compartilhada próprio sistema está sendo influenciado a todo
sobre os significados sociais dos objetos, incluin- tempo pelo mundo da vida e incorpora, muitas
do que tipos de coisas são consideradas
trocáveis. [...] O sistema econômico capitalista vezes, valores ou significados sociais,
tem uma dimensão moral-cultural. Da mesma instrumentalizando-os.24 Apesar das semelhan-
forma, poucos, se é que algum, dos contextos de
ças que possui com o modelo de Honneth, a teo-
ação humana são completamente destituídos de
cálculo estratégico (1989, p.118). ria social desenvolvida por Fraser não abandona
por completo o dualismo proposto por
Recusando uma das possíveis interpreta- Habermas, mas relativiza suas fronteiras e exa-
ções ensejadas pelo texto de Habermas, a qual mina suas interrelações.25 Tal abordagem, para
“seria muito extrema para que fosse útil à teoria ela, permite uma compreensão mais adequada da
social” (1989, p.117), Fraser defende uma posi- sociedade em seus diferentes aspectos, sem abrir
ção, à primeira vista, bastante semelhante à de mão de sua complexidade, ao mesmo tempo em
Honneth (2003b, p.188). Como ele, ela parece que possibilitaria uma melhor conceitualização dos
recusar que a economia e a burocracia estatal 24 Segundo Fraser, “as sociedades capitalistas contemporâ-
sejam realmente autônomas e procura indicar neas estão permeadas por ideologias sobre o quanto várias
atividades contribuem para o bem estar social. [...] essas
que talvez não haja qualquer contexto de ação ideologias têm efeitos reais. Mas elas dificilmente são os

CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 62, p. 331-352, Maio/Ago. 2011


únicos fatores que afetam as variações salariais. Os fatores
humana que esteja, por um lado, livre de nor- político-econômicos são também importantes, tais como a
oferta e a demanda para diferentes tipos de trabalhos, a
mas e valores compartilhados e, por outro, isen- balança de poder entre trabalho e capital, o vigor das
to de relações de poder; chegando a criticar, in- regulações sociais, incluindo o salário mínimo, a disponi-
bilidade e o custo da melhora da tecnologia, a facilidade
clusive, o uso que Habermas faz desse termo ao com que firmas podem mudar suas operações para luga-
res nos quais as bases salarias são menores, o custo do
restringi-lo à esfera burocrática da sociedade.23 crédito e as taxas internacionais de câmbio.” (Fraser, 2003b,
p.215; 2003a, p.212-220). Em um artigo no qual trata do
Nesse sentido, Fraser tenta não somente mostrar princípio de paridade de participação, Rainer Forst afir-
a impossibilidade de se estabelecer uma distin- ma, seguindo Fraser, que não é possível compreender a
economia a partir de relações de reconhecimento. Como
ção substantiva entre as esferas sociais, bem diz ele, “às vezes, parece que a injustiça não é primaria-
mente vinculada a questões de reconhecimento, pois al-
como a de distinguir tão claramente entre as for- gumas profissões com uma compensação extremamente alta
não possuem alta estima, tais como ser um gerente de uma
mas de ação que, conforme dito acima, não são grande corporação ou um corretor imobiliário. É verdade,
unidimensionais. Impossibilidade e recusa que, como diz Honneth, que a esfera econômica é parte de uma
esfera geral cultural do reconhecimento, mas muitos fenô-
no entanto, não a levam a questionar a própria menos de injustiça no interior daquela esfera parecem
possuir outras causas e seguir uma diferente lógica de
divisão da sociedade entre sistema e mundo da mercado ou ‘sistêmica’ que precisa ser identificada e
criticada” (Forst, 2008, p. 318).
vida, mesmo que o que ela virá a entender por 25 Em um texto no qual trata da controvérsia que se estabele-
ceu entre Fraser Honneth, Thomas McCarthy aponta para
23
Como afirma ela, “restringir o uso do termo ‘poder’ a contextos um problema no dualismo de Fraser, que distingue
burocráticos me parece um erro grave” (Fraser, 1989, p. 121). redistribuição de reconhecimento. Segundo ele, ela teria

343
REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO...

diversos mecanismos que dão origem às injustiças. distinção entre normas estabelecidas em contex-
Esses mecanismos devem ser também pensados no tos de interação normativamente assegurados,
interior da interação social, que pode estar na ori- em contraposição às normas estabelecidas em
gem de normas assimétricas. Tal como Honneth, contextos de interação comunicativos. Normas e
Fraser procura, então, apontar para a necessidade valores poderiam ser, assim, o resultado de co-
de pensar as relações de poder também a partir das municações distorcidas, mas cujas distorções não
interações sociais, isto é, das relações comunicati- teriam se originado do sistema, via monetarização
vas, sem o que, como afirma, teríamos uma concep- ou burocratização, mas dos próprios contextos
ção por demais simplificada e mesmo limitada das de interação que fazem parte do mundo da vida.
patologias sociais. Como diz Fraser, É, então, na distinção entre esses dois diferentes
tipos de normas sociais, encontrada por ela no
... a abordagem de Habermas não consegue próprio Habermas (Fraser, 1989, p.142-143), que
teorizar o caráter patriarcal, mediado por normas
do sistema administrativo e econômico-oficial do se localiza, a nosso ver, a origem do dualismo
capitalismo tardio. Da mesma forma, ele não con- entre redistribuição e reconhecimento que Fraser
segue teorizar o caráter sistêmico, mediado pelo
apresenta cerca de uma década depois.
dinheiro e pelo poder, da dominação masculina
na esfera doméstica do mundo da vida do capi- Assim, se Fraser parece direcionar críticas
talismo tardio. Consequentemente, sua tese da muito semelhantes às de Honneth a Habermas e
colonização não consegue compreender que os
canais de influência entre instituições do siste- aponta para praticamente os mesmos problemas
ma e do mundo da vida são multidirecionais no dualismo entre sistema e mundo da vida, é
(1989, p.137).
possível ver, já aqui, a origem das diferenças entre
suas posições. Isso porque, enquanto Honneth
Tendo, em um primeiro momento, apon-
procura mostrar que relações de poder fazem parte
tado para como o capitalismo não é absoluta-
do “social” e que esse mesmo “social” é aquilo que
mente autônomo, mas depende de uma certa
estrutura o sistema, concluindo, em razão disso,
moralidade, o que implica uma primeira forma
pela necessidade de dissolver quaisquer dualismos
de regulação do sistema por normas comunica-
e de pensar as relações de poder e a comunicação
tivas, Fraser defende, num segundo, que existi-
conjuntamente, Fraser, por sua vez, aceita que es-
riam também outras normas – assimétricas – que,
sas interrelações existam, mas admite uma diferen-
elaboradas intersubjetivamente, estruturam de
ciação, ainda que relativa, entre as esferas do siste-
CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 62, p. 331-352, Maio/Ago. 2011

alguma maneira o próprio funcionamento do sis-


ma e do mundo da vida. Ao contrário de Honneth,
tema e constituem, por si só, patologias sociais.
portanto, Fraser assume uma certa diferenciação da
Esse é o caso da subordinação feminina, que te-
economia que produziria, ela também, injustiças
ria parte de suas origens nas interações sociais
sociais. Contrapondo-se simultaneamente a Honneth
que fazem parte do mundo da vida, e não pode
e a Habermas, Fraser parece defender, com seu
ser entendida como um mero resultado da sua
dualismo, uma posição intermediária à deles.
colonização sistêmica. Haveria, assim, patologi-
Para ela, dissolver como um todo as distin-
as sociais cuja causa não estaria na ampliação do
ções entre as esferas sociais e defender que a eco-
sistema, mas no “interior” do próprio mundo da
nomia não tenha se diferenciado e não possua
vida.26 Patologias pensadas por ela a partir da
mecanismos relativamente autônomos não consti-
retomado a separação habermasiana entre sistema e mun-
do da vida que havia criticado anteriormente em “What’s tui um diagnóstico adequado da sociedade. Esta
Critical About Critical Theory”. A nosso ver, Fraser reto-
ma o dualismo de Habermas, mas, ao fazê-lo, torna as fron- afasta de quaisquer concepções do que seria uma socie-
teiras entre a economia e a cultura fluídas, fazendo com dade eticamente saudável. A utilização que fazemos do
que a distinção entre essas esferas sociais seja relativa e termo patologias sociais não faz referência ao que seria
não substantiva (McCarthy, 2005). necessário à autorrealização, mas corresponde a algo
26
Em um artigo no qual procura contrapor seu modelo análogo às injustiças, isto é, àquilo que impede a realiza-
teórico à teoria de Fraser, Forst afirma que ela trata de ção do princípio de paridade de participação (Forst, 2008,
injustiças e não de patologias sociais, uma vez que se p.310-311).

344
Nathalie Bressiani

só poderia ser abarcada por meio de um dualismo nismos interrelacionados, formas relativamente
social que, apto a perceber as particularidades das distintas de subordinação.29
esferas sociais, conseguisse também pensar suas Para Fraser, seria preciso não somente ate-
interrelações e, mais do que isso, fazer sua crítica. nuar o dualismo proposto por Habermas, como
Dualismo que, pensado a partir de Habermas, não também acrescentar à sua teoria uma noção ex-
se confunde com aquele proposto por ele. Afinal, pandida de patologias sociais, sem a qual não
o dualismo de Fraser aponta também para dois seria possível entender adequadamente uma par-
mecanismos geradores de injustiça na sociedade, te das injustiças presentes hoje na sociedade, nas
que Habermas reduz a apenas um. Ao contrário quais o que está em causa não é nem o sistema,
dele, portanto, Fraser defende que seria preciso nem sua intervenção no mundo da vida, mas os
distinguir os mecanismos de interação social pro- próprios significados e valores que, apesar de
dutores de injustiça dos mecanismos sistêmicos27 terem sido construídos socialmente, não são le-
produtores de injustiça e, por fim, a própria gítimos. Seria preciso atentar para as relações de
interação comunicativa, que estaria na base dominação presentes na própria reprodução sim-
normativa de seu modelo teórico. bólica da sociedade, bem como questionar os
O diagnóstico de época desenvolvido por mecanismos econômicos que geram impedimen-
Fraser faz, então, ao contrário de Habermas, uma tos à participação paritária de todos na socieda-
distinção entre dois tipos de injustiça: aquelas re- de.30 A concepção habermasiana sobre a origem
lacionadas à distribuição de bens materiais, anco- das patologias sociais seria, assim, unilateral. Pre-
radas primordialmente na economia política e, so ainda a uma chave “instrumentalista” ou
portanto, em formas sistêmicas de integração, e economicista, ele não teria dado conta de parte
as relacionadas ao reconhecimento, dependen- das injustiças existentes, as quais já teriam sido,
tes, principalmente, de padrões de valoração inclusive, questionadas pelos movimentos femi-
cultural e, consequentemente, de formas sociais nistas ou antirracistas que estão, em certa medi-
de integração presentes na base do mundo da da, lutando pela alteração de padrões sociais hi-
vida. Esses dois mecanismos estariam, entretan- erárquicos presentes na sociedade, isto é, pela
to, interligados e não poderiam ser concebidos alteração de conteúdos do mundo da vida, social-
independentemente do outro, motivo pelo qual mente construídos. Contrapondo-se a Habermas,
Fraser afirma que as injustiças relativas à Fraser procura “desneutralizar” a economia, afir-

CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 62, p. 331-352, Maio/Ago. 2011


redistribuição e ao reconhecimento não remon- mando que ela está em disputa, e, além disso, exa-
tam exatamente à economia e à cultura.28 Fraser minar as relações de dominação presentes no inte-
abandona, assim, a compreensão unilateral que rior da própria interação social. Esse objetivo é tam-
Habermas possui nesse período sobre as patologi- uma diferenciação – mesmo que relativa – entre dois me-
as sociais. Desse modo, se Fraser retoma o dualismo canismos sociais produtores de injustiça.
29
Mecanismos que, como Habermas, Fraser pensa a partir
habermasiano, ela o faz deslocando-o. Trata-se, para de Weber, que teria diagnosticado a diferenciação entre
três e não duas esferas sociais distintas, a econômica, a
ela, de pensar as duas esferas sociais, a econômica política e a de status. Fraser adicionou à sua teoria uma
e a cultural, que gerariam, por meio de dois meca- terceira dimensão da justiça, a política. Com isso, afirma
ela, sua teoria aproxima-se da de Weber, que teria distin-
27
Esses mecanismos são concebidos por ela, em um primei- guido três esferas sociais (Fraser, 2008b).
ro momento, apenas do ponto de vista da economia, ao 30
Para Fraser, os mecanismos econômicos não são absoluta-
qual acrescentou recentemente um elemento político que mente autônomos, uma vez que poderiam ser alterados
seria irredutível ao econômico, na medida em que a esfera pelos conflitos sociais, cujo surgimento não é pensado
política teria, ela também, se diferenciado (Fraser, 2008b). por ela a partir do desenvolvimento da economia. Embora
28
Em razão de normas culturais assimétricas, trabalhos que afirme, em determinados momentos, que os mecanismos
venham a ser tomados como femininos podem, por exem- econômicos possuem uma especificidade frente à cultura
plo, se tornar menos rentáveis; caso no qual a e, portanto, às normas sociais, Fraser não estabelece um
redistribuição material exige a alteração de normas cultu- “abismo intransponível entre os aspectos ‘simbólicos’ e
rais e não necessariamente a reestruturação de mecanis- ‘materiais’ da realidade social”, como afirma Honneth
mos econômicos. De qualquer forma, tendo em vista essas (Honneth, 2003b, p.134). Apesar disso, a distinção que
interrelações e a necessidade de que as diferentes causas Fraser faz entre esses aspectos não pode ser dita analítica,
das injustiças sociais sejam identificadas, Fraser defende mas relativa (Honneth, 2003c, p.285-294).

345
REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO...

bém o de Honneth, que, no entanto, acaba sa versão, que consiste no principal alvo das críti-
direcionando seus esforços para a elaboração de uma cas de Fraser, Honneth defende que, atualmente, a
teoria na qual a comunicação dirige o funcionamen- divisão do trabalho e o funcionamento da econo-
to de todas as esferas sociais, inclusive o da econo- mia teriam deixado de ser diretamente regulados
mia. O que o teria impedido de conceitualizar as pelo princípio da honra e teriam passado a ser
injustiças de caráter econômico e de entender suas regulados pelo princípio meritocrático da “produ-
particularidades. ção individual”, ou pelo princípio democrático do
Ao desenvolverem seus modelos críticos, “respeito igual”. Como afirma ele:
Fraser e Honneth procuram, então, cada qual a
seu modo, desenvolver teorias sociais que consi- ... com o estabelecimento gradual de um novo
modelo de valor assegurado pela burguesia eco-
gam dar conta daquilo que, para eles, a de nomicamente ascendente frente à nobreza, o prin-
Habermas não daria, isto é, da influência de nor- cípio da honra baseado no estamento perdeu,
inversamente, sua validade, de forma que a po-
mas no interior da economia e das assimetrias e
sição social do indivíduo se tornou agora
relações de poder reproduzidas por meio da normativamente independente de origem e pos-
interação social. As saídas que apresentam são, ses. A estima que o indivíduo passou a merecer
legitimamente não é mais decidida com base
contudo, distintas. E, é precisamente no que diz em seu pertencimento a um estamento com có-
respeito a elas que se situa um dos principais digos de honra correspondentes, mas, pelo con-
trário, com base nas produções individuais no
pontos em disputa entre eles no interior do de-
interior da estrutura da divisão de trabalho in-
bate sobre redistribuição e reconhecimento. dustrialmente organizada. [...] Uma parte da hon-
ra atribuída hierarquicamente foi, de certa for-
ma, democratizada designando a todos os mem-
bros da sociedade igual respeito por sua digni-
O DUALISMO PERSPECTIVO DE NANCY dade e autonomia como pessoas de direito, en-
quanto outra parte foi, de certa forma,
FRASER ENTRE HABERMAS E HONNETH
‘meritocratizada’: cada um deveria desfrutar de
estima social conforme sua produção enquanto
Ao criticar o dualismo social proposto por um “cidadão trabalhador”. ( 2003b, p.165-166)
Habermas e afirmar que as lutas por reconheci-
mento seriam responsáveis pelo desenvolvimento Com a revolução burguesa, a distribuição
da sociedade como um todo, Honneth propõe material, antes realizada e legitimada por meio de
uma teoria social específica que, diferentemente títulos de nobreza ou códigos de honra, teria pas-
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daquela elaborada por Fraser, não é dualista. sado a depender da aplicação de dois princípios
Embora assuma, em determinados momentos, normativos, ligados a duas diferentes esferas de re-
que a economia e a burocracia estatal funcio- conhecimento, a da estima e a do respeito (Cf.
nem de modo relativamente inquestionado, Honneth, 2003b, p.159-177). Para Honneth, por-
Honneth sustenta que ambas dependem de que
as normas sociais nas quais se baseiam sejam apenas na medida em que depende de um consentimento
tácito dos concernidos. Nessa versão mais fraca, a relação
imbuídas de legitimidade pelos concernidos. entre a economia e as relações de reconhecimento ocorre-
ria de forma indireta, uma vez que a própria economia
Além disso, em diversos momentos, Honneth funcionaria de forma relativamente inquestionada. Como,
nessa versão, a teoria de Honneth acaba se aproximando
defende uma versão ainda mais forte de seu de Fraser, optamos por não tratar de forma mais detida das
monismo social, segundo a qual o capitalismo passagens em que Honneth parece defender um certo
dualismo social, mesmo que fraco, mas apenas apontar
não apenas dependeria do consentimento tácito para o fato de que o estatuto da normatividade da econo-
mia parece, por vezes, variar em sua teoria. Afinal, essas
dos concernidos, mas seria também regido por passagens poderiam fortalecer a posição de Fraser, segun-
do a qual os mecanismos econômicos relativamente
diferentes princípios de reconhecimento.31 Nes- inquestionados teriam de ser alterados para que todos
viessem a deter as condições objetivas para participar como
31
Para responder às críticas de Fraser, Honneth diminui, em pares da interação social. Conclusão que exigiria que exi-
alguns momentos, a importância que as relações de reco- gências de redistribuição fossem diferenciadas das de re-
nhecimento possuem frente à economia, chegando mesmo conhecimento (Honneth, 2003c, p.288-289; 2003b,
a afirmar que o funcionamento da economia é normativo p.132-134).

346
Nathalie Bressiani

tanto, o surgimento do capitalismo corresponderia tos sociais que garantam a todo membro da soci-
edade um mínimo de bens essenciais indepen-
a uma alteração nos princípios normativos que jus- dentemente de sua produção; o caminho aberto
tificam a distribuição de renda e a divisão social do com isso segue o princípio da igualdade de direi-
tos na medida em que, por meio da mobilização
trabalho, e não, tal como para Habermas, a
argumentativa do princípio da igualdade, pode-
autonomização ou diferenciação da economia fren- se aduzir fundamentos normativos que façam
te à normatividade em geral. com que um mínimo de bem estar econômico
seja um imperativo do reconhecimento legal. Por
Os princípios normativos que regulam as outro lado, contudo, na realidade social cotidia-
relações de reconhecimento, das quais depende- na do capitalismo, existe também a possibilidade
de apelar para as conquistas de alguém como algo
ria o desenvolvimento e as mudanças sociais em
‘diferente’, uma vez que elas não recebem consi-
geral, possuem, assim, uma posição de centralidade deração suficiente ou estima social sob a estrutu-
na teoria social de Honneth. Para ele, não há ra hegemônica de valores prevalecente. Uma figu-
ra suficientemente diferenciada desse tipo de luta
mecanismos econômicos que funcionem quase por reconhecimento só é possível, certamente,
que independentemente de relações comunica- quando levamos em consideração o fato de que
tanto a demarcação social de profissões quanto a
tivas e que possam ser tomados como uma cau-
forma da divisão social de trabalho é, como um
sa específica de injustiças sociais. As assimetrias todo, o resultado das valorações culturais das ca-
relativas à divisão social do trabalho e à distri- pacidades específicas para a produção. Hoje tem
se tornado particularmente claro que a constru-
buição desigual de renda não se originariam di- ção social dos campos de atividades profissionais
retamente de mecanismos do sistema econômi- é determinada e perpassada por preconceitos so-
bre o perfil e o limite das capacidades femininas.
co, mas de uma aplicação específica de diferen-
[...] Tudo isso mostra o quanto a legitimação da
tes princípios de reconhecimento que regulam o ordem de distribuição social deve a visões cultu-
mercado.32 Nesse sentido, aqueles que visam a rais sobre a contribuição de diferentes grupos ou
estratos para a reprodução social. Não somente
alterar a economia não devem lutar diretamente quais atividades podem ser valorizadas como ‘tra-
pela reestruturação de mecanismos sistêmicos, balho’ e, portanto, elegíveis à profissionalização,
mas também quão alto deve ser o retorno social
como defende Fraser, mas pela alteração dos prin-
para cada atividade profissionalizada é determi-
cípios de reconhecimento que regem a econo- nado por um modelo de classificação e esquemas
mia. Lutas que poderiam mobilizar dois dife- de valores que estão profundamente ancorados
na cultura da sociedade capitalista-burguesa.
rentes princípios de reconhecimento para justi- (2003b, p.181-182)
ficarem suas demandas, o da igualdade de direi-
tos ou o da estima social. Como afirma Honneth: Dependendo da quantidade e do conjun-

CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 62, p. 331-352, Maio/Ago. 2011


to de bens sociais que a sociedade considera le-
... existem atualmente dois caminhos abertos para gítimo garantir a todos, independentemente da
os sujeitos demandarem o reconhecimento da
particularidade de sua situação de vida ou per- produção de cada um, teríamos uma economia
sonalidade, para conseguirem lutar por uma mais ou menos liberal. Dependendo, por sua vez,
maior quantidade de estima social e,
das capacidades socialmente valoradas em uma
consequentemente, mais recursos: Por um lado,
até um determinado limiar, politicamente nego- sociedade, bem como do grau de estima de que
ciado, é possível mobilizar a aplicação de direi- disporiam os diferentes cargos e os grupos sociais
que costumam preenchê-los, poderíamos anali-
32
Como afirma Honneth, “as regras que organizam a distri-
buição de bens materiais derivam do grau de estima social sar as bases salariais atribuídas às diferentes pro-
de que desfrutam os grupos sociais, de acordo com hierar- fissões. Dessa forma, para que as assimetrias de
quias institucionalizadas de valor, ou uma ordem
normativa. [...] Conflitos por distribuição [...] são sempre renda e de recursos fossem remediadas, seria pre-
lutas simbólicas acerca da legitimidade do dispositivo
sociocultural que determina o valor das atividades, dos ciso alterar, de dentro, as relações de reconheci-
atributos e contribuições. [...] Resumindo, é uma luta pela
definição cultural daquilo que faz com que uma atividade mento que as regem e embasam normativamente
seja socialmente necessária e valorosa.” (Honneth, 2001, e não, como afirma Fraser, regular ou alterar, de
p. 54). Também Christopher Zurn aborda as diferentes
respostas que Honneth dá a Fraser e afirma que Honneth fora, os mecanismos sistêmicos da economia, atra-
defende um monismo social ancorado em relações de re-
conhecimento (Zurn, 2005, p.108-117). vés das medidas de redistribuição.

347
REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO...

Para Honneth, então, a economia e seus certa autonomia frente a normas socialmente
mecanismos estão subordinados à interação social, construídas, a complexidade e mesmo os diferen-
motivo pelo qual eles não precisariam ser compre- tes aspectos das relações de dominação existentes
endidos em suas especificidades. Para Fraser, con- exigiriam, para serem compreendidos, uma teo-
tudo, não é isso o que acontece. De acordo com ela, ria social perspectivo-dualista, com a qual Fraser se
o funcionamento do sistema não depende direta- afasta tanto de Honneth quanto de Habermas.
mente de expectativas normativas, mas opera de Tendo em vista, a impossibilidade de estabe-
maneira relativamente impessoal através de proces- lecer uma distinção rígida entre o sistema e o mun-
sos que priorizam a maximização do lucro. Nesse do da vida e repensando as diversas formas de
sentido, para Fraser, a tentativa de Honneth de interação entre ambos, bem como seu funcionamen-
entender a divisão social do trabalho e a diferença to, Fraser reformula, então, o dualismo habermasiano
na distribuição de recursos por meio do conceito e desenvolve um dualismo perspectivo, com o qual
de reconhecimento fecha os olhos para a existên- procura apontar também para as diferentes origens
cia desses mecanismos e, por isso, não dá conta das injustiças sociais. Nesse sentido, Fraser afir-
de analisar adequadamente a sociedade capitalista ma que, nas sociedades modernas:
atual (Fraser, 2003b, p.211-222). Para Fraser, a res-
posta dada por Honneth às dificuldades que iden- ... a estrutura de classes deixa de espelhar perfei-
tamente a ordem de status, mesmo que cada uma
tifica no modelo teórico de Habermas não é plena- delas influencie a outra. Uma vez que o mercado
mente satisfatória, mesmo que ele tenha apontado não constitui o único e completamente difuso
mecanismo de valoração, a posição no mercado
na direção correta.33 Recusando a possibilidade de
não dita o status social. Padrões de valor cultural
que a sociedade possa ser compreendida de forma parcialmente resistentes ao mercado impedem
unilateral, Fraser defende, então, opondo-se a ele, a que injustiças de distribuição se convertam in-
teiramente e sem exceções em injustiças de
necessidade de pensar um dualismo social status. Má distribuição não necessariamente im-
perspectivo. Como afirma ela, nesse sentido: plica falta de reconhecimento, embora ela certa-
mente contribua para a última. Similarmente,
uma vez que nenhum princípio [...] constitui o
...o dualismo perspectivo assume que socieda- único e completamente difuso princípio de
des capitalistas diferenciam a ordem de um mer- redistribuição, o status não dita a posição de clas-
cado sistemicamente integrado de ordens soci- se. Instituições econômicas relativamente autô-
ais reguladas por valores. Como resultado, tanto nomas impedem que injúrias de status se con-
a integração sistêmica quanto a integração social vertam inteiramente e sem exceções em injusti-
CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 62, p. 331-352, Maio/Ago. 2011

são essenciais para essas sociedades. Ao contrá- ças de distribuição. A falta de reconhecimento
rio da abordagem de Honneth, portanto, a minha não se converte diretamente em má distribui-
atenta para ambas dimensões e elucida suas ção, embora ela também certamente contribua
interações mútuas. (2003b, p.222)34 para a última. Como resultado, não se pode en-
tender essa sociedade atentando exclusivamen-
Como mecanismos econômicos possuem te para uma única dimensão da vida social. Não
se pode ler a dimensão econômica diretamente
33 da subordinação cultural, nem a cultural dire-
Para ela, a análise social de Honneth está parcialmente
correta, já que atenta para a influência que normas sociais tamente da econômica. [...] Por fim, não se pode
exercem no funcionamento da economia e na divisão soci- deduzir a má distribuição diretamente a falta
al do trabalho. Não obstante, Honneth teria ido muito lon- de reconhecimento, nem a falta de reconheci-
ge em suas afirmações e acabou, por isso, superestimando mento a má distribuição. (Fraser, 2003a, p.53-54
o papel das relações de reconhecimento no interior da
sociedade e obscurecendo o importante papel desempe- [grifos nossos])
nhado por mecanismos econômicos relativamente autô-
nomos no funcionamento do sistema capitalista e na dis-
tribuição de recursos. Defendendo uma posição intermediária entre
34
Fraser afirma também que, “no que a isso se refere, minha aquelas presentes nos trabalhos de Honneth e
abordagem se assemelha àquela de Jürgen Habermas. Ao
contrário dele, contudo, eu não substancializo a distinção Habermas, Fraser desenvolve uma teoria social que
entre sistema e mundo da vida. Ao tratá-las
perspectivamente, contudo, eu possibilito uma explica- procura abarcar a complexidade dos aspectos so-
ção mais complexa de suas mútuas imbricações que sua ciais existentes. Teoria social que, como indicado
concepção unidimensional da ‘colonização do mundo
da vida’” (2003b, p.235, nota 14). acima, se encontra atrelada a um diagnóstico dis-

348
Nathalie Bressiani

tinto daqueles apresentados por esses autores so- injustiças existentes seja compreendido a partir
bre as relações de dominação, uma vez que aponta do conceito de reconhecimento, ou acerca da ne-
para um dualismo também nas origens das injus- cessidade de recorrer, para isso, ao par conceitual
tiças sociais. Contrapondo-se, então, aos dois au- redistribuição e reconhecimento, nos remete a
tores, Fraser adota uma posição intermediária que, uma disputa entre Fraser e Honneth quanto aos
mesmo sem negar o dualismo habermasiano entre diferentes caminhos adotados por eles na tentati-
sistema e mundo da vida, procura relativizar suas va de superar os problemas que identificam no
fronteiras e desenvolver uma teoria do poder que diagnóstico da sociedade proposto por Habermas.
consiga atentar para as diferentes origens das pa- Em questão, no debate sobre redistribuição
tologias sociais, que Habermas e Honneth teriam e reconhecimento, estão, assim, as diferentes te-
compreendido de modo unilateral. orias sociais elaboradas por Fraser e Honneth
Ao afirmar que as diferentes formas de in- com o objetivo superar as dificuldades que en-
justiça existentes exigem de uma teoria que se contram em Habermas e de apresentar um mo-
pretenda crítica, hoje, que ela seja dualista, Fraser delo de teoria crítica que consiga diagnosticar os
recusa tanto o monismo proposto por Honneth bloqueios e tendências à emancipação. Objetivo
quanto o dualismo proposto por Habermas, bem que nos remete à seguinte pergunta, que se en-
como a compreensão unilateral que ambos pos- contra no cerne do debate entre eles: é mesmo
suem sobre o surgimento das patologias sociais. possível, tal como defende Honneth, afirmar que
Distanciando-se de Habermas, ela examina os os mecanismos econômicos dependem de um
mecanismos patológicos presentes no próprio consenso normativo, isto é, é possível afirmar
mundo da vida, assim como aqueles que têm que o mercado capitalista e suas formas de dis-
como causa a economia, cujas fronteiras seriam, tribuição de renda são possíveis apenas na me-
para ela, fluidas. Ao contrário de Honneth, por dida em que se baseiam em relações de reconhe-
sua vez, ela mantém o conceito de sistema, na cimento e dispõem de legitimidade da parte dos
medida em que aceita, mesmo que parcialmen- que são por ele afetados? Tal posição teria como
te, a diferenciação e autonomização relativa da consequência a conclusão de que o conjunto de
esfera econômica da sociedade, que estaria na injustiças sociais existentes tem como causa re-
origem de parte das injustiças sociais. lações assimétricas de reconhecimento e pode-
Assim, enquanto Honneth, partindo de ria ser adequadamente conceitualizado apenas a

CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 62, p. 331-352, Maio/Ago. 2011


determinadas críticas frente ao dualismo social partir do conceito de reconhecimento. Ou, ao
presente em Teoria da Ação Comunicativa, de- contrário, é necessário estabelecer, como propõe
senvolve um monismo social centrado no con- Fraser, uma distinção entre duas esferas sociais
ceito de reconhecimento, Fraser, partindo de crí- que, mesmo interligadas, teriam se diferenciado
ticas muito semelhantes, elabora um dualismo e gerariam dois tipos de subordinação relativa-
social perspectivo, com base no qual defende que mente distintos? Isto é, se formas de integração
as sociedades contemporâneas requerem tanto econômicas podem ser ditas relativamente au-
redistribuição quanto reconhecimento. A disputa tônomas e levariam ao estabelecimento de in-
entre o monismo do reconhecimento proposto justiças que não poderiam ser adequadamente
por Honneth e o dualismo entre redistribuição e compreendidas como efeitos de hierarquias
reconhecimento proposto por Fraser se estabe- socioculturais. Caso no qual o dualismo de Fraser,
lece, então, quando os autores procuram superar que distingue as injustiças e as exigências relati-
o dualismo social de Habermas e a compreensão vas à redistribuição e ao reconhecimento, seria
que ele possui sobre a origem das patologias soci- mais adequado do que o monismo de Honneth
ais em Teoria da Ação Comunicativa. A pergun- para diagnosticar as patologias sociais existen-
ta acerca da possibilidade de que o conjunto de tes. Afinal, nesse caso, seria preciso alterar tanto

349
REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO...

and justification. In: FRASER, N. Adding insult to injury:


os padrões culturais de valoração, via reconheci- Nancy Fraser debates her critics. New York: Verso, 2008.
mento, quanto reestruturar os mecanismos econô- p.31-26.
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sem participar como pares da sociedade. Minnesota Press, 1989.
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preciso diferenciar, ainda que relativamente, a political-philosophical exchange. New York;London: Ver-
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economia de outros âmbitos sociais regulados philosophische Kontroverse. Frankfurt; Main: Suhrkamp
Verlag, 2003].
diretamente por normas. Independentemente da
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resposta que dão a essa questão, contudo, am- redistribution, recognition, and participation. In: FRASER,
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bos os autores recusam que as injustiças possam philosophical exchange. New York; London: Verso, 2003a.
ser adequadamente compreendidas a partir da _______. Distorted beyond all recognition: a rejoinder to Axel
Honneth. In: FRASER, N; HONNETH, A. Redistribution or
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tema e apontam para a necessidade de que as London: Verso, 2003b.

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tanto Fraser quanto Honneth, cada um a seu globalizing world. Malden: Polity Press. 2008b.
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Main: Suhrkamp. 1968.
nem absolutamente autônomo, colocando-o no-
_______. Theorie des Kommunicativen Handelns. Frank-
vamente em disputa e recusando, com isso, ele- furt; Main: Suhrkamp, v. 1. 1987a.
mentos do modelo teórico de Habermas. _______. Theorie des Kommunicativen Handelns. Frank-
furt; Main: Suhrkamp, v. 2. 1987b.
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REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO...

REDISTRIBUTION AND RECOGNITION - NANCY REDISTRIBUTION ET RECONNAISSANCE -


FRASER BETWEEN JÜRGEN HABERMAS AND NANCY FRASER ENTRE JÜRGEN HABERMAS ET
AXEL HONNETH AXEL HONNETH

Nathalie Bressiani Nathalie Bressiani

Taking as a guide the question about the Le débat entre Nancy Fraser et Alex Honneth
possibility of understanding the existing set of injustices sur la redistribution et la reconnaissance englobe une
from the concept of recognition or the need to resort, for multitude de questions. Notre fil conducteur sera la
this, to the conceptual pair of redistribution and question concernant les possibilités de comprendre
recognition, this paper aims to argue that the dispute l’ensemble des injustices qui existent à partir du
between Honneth’s monism and Fraser’s dualism and concept de reconnaissance ou du besoin de faire appel,
refers to discrepancies in their social theories. From a pour cela, à deux concepts qui vont de pair, la
reconstruction of the criticisms leveled by the authors redistribution et la reconnaissance. Nous défendons
to the social dualism of Jürgen Habermas, as well as dans cet article l’hypothèse selon laquelle le différend
different social theories developed in order to resolve entre le monisme de Honneth et le dualisme de Fraser
them, we will also seek to show that the answers they est le fruit de divergences dans leurs théories sociales.
have found to these difficulties are in the center of deba- De la reconstruction des critiques formulées par ces
te about redistribution and recognition and that Fraser, deux auteurs au dualisme social de Jürgen Habermas
developing a perspectival social dualism, adopts an ainsi que des différentes théories sociales développées
intermediate position regarding those supported by en vue de les résoudre, nous essayerons de montrer que
Habermas and Honneth. les solutions proposées par ces derniers, pour résoudre
ces difficultés, sont au cœur des débats concernant la
redistribution et la reconnaissance et que Fraser, à par-
tir du moment où il a développé un dualisme social
perspectif, a adopté une position intermédiaire à celles
que Honneth et Habermas ont soutenues.

KEYWORDS: redistribution, recognition, social theory, MOTS-CLÉS: redistribution, reconnaissance, théorie


Nancy Fraser, Axel Honneth. sociale, Nancy Fraser, Axel Honneth.
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