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DOSSIÊ
Nathalie Bressiani*
O debate entre Nancy Fraser e Axel Honneth sobre redistribuição e reconhecimento abarca
uma multiplicidade de questões. Tomando como fio condutor a pergunta acerca da possibili-
dade de compreender o conjunto de injustiças existentes a partir do conceito de reconheci-
mento ou da necessidade de recorrer, para isso, ao par conceitual redistribuição e reconheci-
mento, este artigo tem como objetivo defender que a disputa entre o monismo de Honneth e o
dualismo de Fraser remete a discordâncias em suas teorias sociais. A partir de uma reconstru-
ção das críticas dirigidas pelos autores ao dualismo social de Jürgen Habermas, bem como das
diferentes teorias sociais que desenvolvem com o intuito de resolvê-las, procuraremos tam-
bém mostrar que as saídas encontradas por eles a essas dificuldades estão no centro do debate
sobre redistribuição e reconhecimento e que Fraser, ao desenvolver um dualismo social
perspectivo, adota uma posição intermediária àquelas sustentadas por Honneth e Habermas.
PALAVRAS-CHAVE: redistribuição, reconhecimento, teoria social, Nancy Fraser, Axel Honneth.
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aqueles que veem exclusivamente na obtenção suas diferenças. Em ambos os casos, no entanto, o
do reconhecimento social essa mesma solução.5 resultado é semelhante. A realização da justiça re-
Essa polarização, por sua vez, estaria se encami- quereria apenas uma coisa: ou só redistribuição, ou
nhando na direção da substituição de reivindica- só reconhecimento, não sendo necessário, nem mes-
ções e preocupações relativas à redistribuição eco- mo possível, combinar as duas coisas. A existência
nômica por aquelas pautadas pelo reconhecimen- de duas concepções de justiça mobilizadas pelos mo-
to das diferenças. Segundo Fraser, o fim do “soci- vimentos sociais em suas reivindicações não teria,
alismo real”, com a queda do muro de Berlim, se- então, caminhado na direção da integração de ambas,
guida pelo fim da URSS, em conjunto com o ace- mas na do estabelecimento de uma acirrada disputa
lerado processo de globalização, teriam levado à entre os defensores de cada uma delas.
politização das diferenças étnicas e culturais e à O surgimento do que optamos por chamar
despolitização da economia, cada vez menos con- aqui de debate sobre redistribuição e reconheci-
testada pelos movimentos sociais (Fraser, 1997, mento tem, dessa forma, como pano de fundo o
p.1-3). A busca pela igualdade social, que teria diagnóstico de Fraser de um cenário de polariza-
pautado as lutas políticas por quase 150 anos, es- ção política e intelectual marcado por um quase
taria, assim, sendo substituída pela luta pelo reco- abandono de reivindicações por redistribuição
nhecimento das diferenças, central para os cha- igualitária e por um aumento significativo de
mados “novos” movimentos sociais. No cenário mobilizações sociais em torno de questões cultu-
político contemporâneo, afirma Fraser, o reconheci- rais ligadas ao reconhecimento e à diferença.6 É a
mento cultural desloca a redistribuição material como esse cenário que Fraser procura se contrapor, ao
medida para sanar as injustiças e a luta por reco- afirmar que a antítese presente em proponentes de
nhecimento se torna a forma paradigmática de con- ambos os lados é falsa e ao defender que a realiza-
flito, fazendo com que a dominação cultural suplante ção da justiça requer hoje tanto redistribuição ma-
a exploração como injustiça fundamental (Fraser, terial quanto reconhecimento cultural. Como, se-
2001, p.245). gundo ela, não seria possível remeter o conjunto
De acordo com esse diagnóstico, retomado das injustiças sociais existentes a uma única ori-
posteriormente por Fraser no artigo com o qual gem, uma vez que as sociedades contemporâneas
abre a controvérsia com Axel Honneth, estaríamos estariam perpassadas por pelo menos dois dife-
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Charles Taylor (Taylor, 1992) e Jürgen Habermas (Habermas,
tões de reconhecimento e não seria, portanto, economicista 1987c) apresentam diagnósticos semelhantes ao elaborado
(Robeyns, 2003). por Fraser, apontando também para uma mudança no in-
5
Dentre aqueles que teriam dado uma posição de terior do cenário político contemporâneo, cuja atenção te-
centralidade ao reconhecimento, Fraser cita Charles Taylor, ria se voltado para questões relacionadas à identidade e à
Axel Honneth, Patricia Williams, assim como Iris Marion diferença em detrimento de questões econômicas, antes
Young (Fraser, 2001, p.250-1). predominantes.
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ria na cultura a origem de todas as injustiças os sujeitos formam, por meio de processos de
sociais. Nesse sentido, Fraser toma a teoria de interação social, expectativas morais de compor-
Honneth como a expressão do deslocamento da tamento em três diferentes esferas de reconhe-
redistribuição para o reconhecimento ou, como cimento – a do amor, a do respeito e a da esti-
é também colocado por ela, do deslocamento da ma13 – que, quando rompidas, podem gerar um
centralidade antes atribuída ao paradigma sentimento de desrespeito e injustiça. Quando
distributivo de justiça para a de um paradigma compartilhado por vários atores, esse sentimen-
em cujo centro estariam questões relativas à iden- to pode, por sua vez, desencadear um conflito
tidade e à diferença. Para Fraser, portanto, ao social, entendido por ele como uma luta por re-
procurar compreender todas as formas de injusti- conhecimento. 14 Assim, Honneth reconstrói os
12
Honneth tem criticado o que poderíamos chamar de uma
primeira versão de sua teoria do reconhecimento, na qual, 13
como afirma, a teoria de Mead, desempenhava um impor- Sobre os três princípios mobilizados pelos atores sociais
tante papel. Atualmente, o trabalho de Mead é visto por nas lutas por reconhecimento, assim como sobre as dife-
ele como problemático, pois possuiria premissas indivi- rentes formas de violação das expectativas de comporta-
dualistas. Em textos mais recentes, portanto, Honneth mento em cada umas esferas de reconhecimento (Cf.
procura reelaborar sua compreensão sobre o processo de Honneth, 2003a, cap.1-4).
14
socialização e individuação a partir de autores como Majid Yar antecipa esse movimento argumentativo mes-
Winnicott e Jessica Benjamin (Honneth, 2004, p.305-341). mo antes da publicação de Redistribuição ou Reconheci-
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conflitos sociais como lutas morais por reconheci- como injusta, razão pela qual ele afirma que lutas
mento, porque é a experiência de injustiça ou de por redistribuição material são também lutas por
desrespeito – atrelada a expectativas de reconheci- reconhecimento. Honneth reconstrói os conflitos
mento – que os desencadeia (Honneth, 2003a, sociais como lutas por reconhecimento não em ra-
p.262-263). Independentemente, portanto, do que zão de questões teórico sociais, tal como Fraser, mas
estariam especificamente reivindicando, os confli- porque eles são desencadeados pelo sentimento de
tos sociais teriam em comum o objetivo de ampli- desrespeito que se segue da violação de expectati-
ar as relações de reconhecimento existentes, que vas bem fundadas de reconhecimento social. Nesse
não estariam possibilitando, em alguma medida, a sentido, tanto as lutas por redistribuição material
realização das expectativas morais de comporta- quanto aquelas por reconhecimento cultural seriam
mento sustentadas pelos sujeitos frente a seus abarcadas pela teoria honnethiana do reconhecimen-
parceiros de interação.15 to, na medida em que o sentimento de injustiça que
Ao compreender o conjunto de injustiças as desencadeia também decorre de violações de ex-
sociais a partir do conceito de reconhecimento, pectativas de reconhecimento (Cf. Honneth, 2004,
Honneth não procura conceitualizar apenas as p.352). Ao reconstruir os conflitos sociais como lutas
novas demandas dos movimentos sociais, mas por reconhecimento, Honneth não estaria, então,
desenvolver um modelo teórico que consiga excluindo ou negando a importância das reivindi-
justificá-los moralmente e possibilite, além dis- cações por redistribuição, mas reconstruindo-as de
so, a identificação de uma tendência real à eman- uma perspectiva normativa. A luta por reconheci-
cipação, isto é, à ampliação das relações recípro- mento não possui, consequentemente, um caráter
cas de reconhecimento. Algo que Fraser não te- meramente cultural ou identitário, mas um caráter
ria feito.16 Como afirma ele, “o quadro conceitual moral que constitui, para ele, a gramática dos con-
do reconhecimento é de importância central hoje, flitos sociais.17
não porque ele expressa os objetivos de um novo Deslocando a problemática da teoria social
tipo de movimento social, mas porque ele pro- que fornece, para Fraser, a base para a reconstru-
vou que é a ferramenta adequada para decifrar ção dualista que faz dos movimentos sociais,
categoricamente as experiências de injustiça como Honneth procura reconstruir e justificar moral-
um todo.” (2003b, p.157). mente esses conflitos, remetendo-os às experiên-
Para Honneth, mesmo os conflitos por cias de desrespeito dos sujeitos, isto é, voltando-
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tratar do debate sobre redistribuição e reconheci- formada, que esteja apta a identificar os diferen-
mento em um nível distinto e mais abstrato do tes mecanismos sociais que originam as relações
que aquele colocado inicialmente por Fraser de dominação (Cf. Fraser, 2003b, p. 201-211).
(Honneth, 2004). Como diz o autor, nesse sentido, Assim, se Honneth procura mostrar que o
“por mais fundamentais que as questões de teoria dualismo de Fraser poderia ser abarcado pelo
social sejam, [...] elas desempenham apenas um monismo proposto por ele, na medida em que tanto
papel subordinado no debate entre Fraser e eu. os movimentos sociais por redistribuição quanto
No primeiro plano, está a questão geral de quais os por reconhecimento se originam do sentimento
ferramentas categoriais são mais promissoras para de desrespeito e poderiam ser, portanto,
renovar a intenção da teoria crítica de, ao mesmo reconstruídos como lutas por reconhecimento,
tempo, articular apropriadamente e justificar mo- Fraser se contrapõe à sua proposta.18 Para ela, a
ralmente as reivindicações normativas dos movi- estratégia adotada por Honneth não responde às
mentos sociais” (Honneth, 2003b, p.135). É, as- questões por ela levantadas e pode, além disso,
sim, recorrendo ao monismo moral-motivacional levar ao estabelecimento de algumas dificuldades,
presente nas experiências de injustiça, que decor- uma vez que toma o sentimento de desrespeito
reriam do rompimento de relações de reconheci- como o indicador da presença de patologias, sem,
mento, e não a questões acerca da origem social contudo, apontar para suas causas sociais, que
das injustiças, que Honneth procura rebater as precisariam ser devidamente identificadas para que
críticas de Fraser. ele pudesse elaborar uma teoria do poder apta a
Tal saída não é, contudo, aceita pela autora diagnosticar as relações de dominação presentes
como uma resposta adequada às questões por ela nas sociedades capitalistas contemporâneas. De
colocadas. Mesmo assumindo que haja acordo com Fraser, identificar a base motivacional
discordâncias significativas no que se refere às dos conflitos sociais, como propõe Honneth, não
bases normativas de suas teorias e às diferentes é suficiente. O importante, no que diz respeito ao
reconstruções que fazem da normatividade dos diagnóstico de patologias sociais, é identificar, a
conflitos sociais e de suas motivações, Fraser de- partir de uma teoria social, os mecanismos que as
fende que a disputa entre o monismo de Honneth geram. Afinal, mesmo que Honneth tenha razão e
e seu dualismo perspectivo não se situa nesses as lutas por redistribuição sejam motivadas pelo
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níveis, onde ambos desenvolvem, a partir de sentimento de desrespeito, disso não decorreria
Jürgen Habermas, um paradigma crítico monista que as desigualdades materiais questionadas pos-
e reconstroem os conflitos sociais de um ponto sam ser entendidas como consequências de uma
de vista normativo (Bressiani, 2010, cap.1 e 2). aplicação determinada de normas sociais ou resul-
Assim, embora aceite que as questões levantadas tem de relações assimétricas de reconhecimento.
por Honneth coloquem novos e importantes pon- Recusando, assim, uma primeira estratégia
tos na pauta do debate entre eles, Fraser insiste utilizada por Honneth em sua resposta, Fraser afir-
que a disputa entre o dualismo perspectivo de- ma que a identificação das injustiças existentes não
senvolvido por ela e o monismo proposto por ele pode partir de experiências subjetivas de desres-
diz respeito às diferentes teorias sociais presen-
tes em seus modelos teóricos. E isso não apenas 18
Christopher Zurn aponta também para a tentativa de
porque o dualismo defendido por ela tem como Honneth de responder às críticas de Fraser por meio de
um aumento no grau de abstração teórica. Para ele, contu-
base sua teoria social, mas também porque, para do, ao fazer isso, Honneth acaba abrindo mão de um diag-
nóstico empírico acurado e desenvolve uma teoria que fal-
ela, o diagnóstico das injustiças sociais não pode sifica a realidade social. Como afirma ele, “é implausível
partir do sentimento subjetivo de desrespeito, mas defender que os dispositivos de reconhecimento de uma
sociedade determinam a divisão do trabalho ou mesmo o
apenas de uma teoria social democraticamente in- retorno social (o salário) das diferentes ocupações.” (Cf.
Zurn, 2005, p.116).
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peito, inacessíveis ao teórico,19 mas somente da Fraser à sua teoria, Honneth defende que as formas
identificação dos mecanismos sociais que geram sociais de interação possuem primazia sobre as for-
impedimentos à participação paritária de todos na mas sistêmicas de integração, isto é, que a cultura
interação social; identificação que precisaria ter possui certa primazia frente a economia – traduzin-
passado por escrutínio democrático e deve, além do tal afirmação nos termos de Fraser. Primazia que
disso, apontar para impedimentos sociais exter- remete a um importante ponto de discordância entre
namente verificáveis.20 Ao defender a importância ambos.
de um diagnóstico de patologias sociais apto a Afinal, para Fraser, como dito anteriormen-
apontar para os bloqueios sociais à emancipação, te, o funcionamento da economia teria se diferenci-
Fraser recoloca, então, o debate entre eles no nível ado relativamente das formas de interação social e
da teoria social. E, de acordo com a autora, é parti- precisaria ser entendido em suas especificidades.
cularmente no tocante a essa questão, relativa às Para ela, mesmo que a cultura e a economia, ou a
relações de poder presentes na sociedade contem- interação social e a sistêmica, permaneçam interli-
porânea, que a teoria do reconhecimento proposta gadas, elas teriam se diferenciado no decorrer do
por Honneth não empregaria ferramentas processo de modernização social e não poderiam,
conceituais adequadas. E isso ocorre não porque por isso, ser explicadas uma a partir da outra.
ele se esquive por completo de questões relativas à Nenhuma dessas duas esferas sociais possuiria
teoria social, mas porque parte de uma compreen- primazia sobre a outra, e é exatamente por isso
são monista e não dualista das sociedades capita- que Fraser defende a necessidade de que injusti-
listas contemporâneas. ças culturais e econômicas, bem como exigências
Mesmo que o foco de Honneth, em sua pri- de redistribuição e reconhecimento, sejam diferen-
meira resposta a Fraser, não esteja em suas ciadas – ainda que apenas relativamente. Conclu-
discordâncias a respeito do funcionamento da so- são que não é compartilhada por Honneth, para
ciedade ou na identificação dos mecanismos soci- quem também a economia e, portanto, as desigual-
ais que levam ao estabelecimento das injustiças, dades materiais estão fundamentalmente atreladas
sua teoria do reconhecimento pressupõe uma teo- a relações de reconhecimento, que perpassariam e
ria social. Teoria na qual a interação social desem- guiariam o funcionamento de todas as esferas so-
penha um papel central, mesmo no que diz respei- ciais. Honneth possui, nesse sentido, uma com-
to à economia. Embora afirme que o funcionamento preensão distinta da de Fraser sobre o papel exer-
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daqueles por ele afetados e seria dirigido “pela in- bre a ordem econômica e seu vínculo com as rela-
terpretação de princípios normativos subentendi- ções de reconhecimento existentes. O debate so-
dos”. Ao contrário de Fraser que, rearticulando o bre redistribuição e reconhecimento nos remete,
dualismo social habermasiano entre sistema e assim, a uma disputa entre as diferentes compre-
mundo da vida, defende a necessidade de dife- ensões sustentadas pelos autores a respeito do
renciar, ainda que relativamente, os mecanismos modo de funcionamento do capitalismo contem-
econômicos dos culturais, Honneth defende que porâneo e sua relação com a cultura, ou com nor-
mesmo os mecanismos responsáveis pelo funci- mas e valores intersubjetivamente elaborados. Com-
onamento da economia dependem fundamen- preensões que, embora distintas, possuem uma
talmente da interação social e, portanto, de va- origem comum. Afinal, tanto o monismo teórico
lores culturais. Contrapondo-se a Fraser, mas de Honneth como o dualismo perspectivo de Fraser
também a Habermas, Honneth afirma, assim, são desenvolvidos com o objetivo de dar conta das
que mesmo os imperativos do capitalismo estão dificuldades que ambos identificam no modelo
atrelados a expectativas normativas e a relações teórico de Habermas em Teoria da Ação Comuni-
de reconhecimento. Motivo pelo qual, para ele, cativa (Habermas, 1987a, 1987b).
também as injustiças materiais podem ser com-
preendidas como injustiças ligadas a relações
assimétricas de reconhecimento e não diretamen- REARTICULANDO HABERMAS: Honneth e
te como consequências de mecanismos econô- Fraser em torno do dualismo social
micos relativamente autônomos.
As diferentes concepções que Fraser e Como boa parte dos trabalhos de teoria
Honneth possuem sobre o funcionamento das crítica que vêm sendo desenvolvidos atualmen-
sociedades capitalistas contemporâneas e, prin- te, os de Nancy Fraser e Axel Honneth são forte-
cipalmente, os diferentes estatutos que atribu- mente marcados pela obra de Jürgen Habermas,
em à economia desempenham, assim, uma po- cuja influência é decisiva em boa parte das ques-
sição de centralidade na controvérsia que se es- tões em disputa no debate entre eles sobre
tabeleceu entre eles sobre redistribuição e reco- redistribuição e reconhecimento. A própria mu-
nhecimento. No cerne do debate está, então, uma dança de paradigma efetuada por Habermas no
questão problematizada por eles já no prefácio interior da teoria crítica é, por exemplo, central
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mesmo que retomem alguns de seus aspectos. que distingue o sistema do mundo da vida, refere-
Contraposição que é central ao debate sobre se, assim, à identificação, na sociedade, de duas
redistribuição e reconhecimento, cujo pano de esferas sociais responsáveis, respectivamente, pela
fundo é uma disputa entre as diferentes saídas reprodução material e simbólica da sociedade, que
apresentadas por Fraser e Honneth às dificulda- estão ligadas, por sua vez, às duas racionalidades
des que identificam na teoria social e no diag- reconstruídas por Habermas a partir de ações ins-
nóstico de patologias sociais defendido por trumentais e comunicativas. No que se refere à re-
Habermas em Teoria da Ação Comunicativa. produção material, responsável pelo desenvolvi-
Nessa obra, Habermas apresenta uma te- mento do sistema (economia e burocracia), a coor-
oria da modernização social nos termos de um denação dos diversos objetivos dos sujeitos seria
processo de racionalização da sociedade. Segun- estratégica e livre, portanto, de normas. A repro-
do Habermas, as formas de interação social pre- dução simbólica, responsável pelos desenvolvimen-
sentes nas sociedades tradicionais, onde toda es- tos da cultura, da sociedade e da formação da per-
trutura e organização estariam vinculadas a vi- sonalidade, por outro lado, teria como base uma
sões religiosas e metafísicas de mundo, passa- forma comunicativa de coordenar objetivos que,
ram por um processo de racionalização por meio normativamente mediada, estaria orientada para o
do qual diferentes formas de reprodução e entendimento.
integração social teriam se diferenciado. Assim, Essa distinção entre duas esferas sociais e
se a organização das sociedades tradicionais de- duas formas de reprodução social, problematizada
pendia diretamente da normatividade assegura- por diversos autores e atenuada posteriormente
da por visões de mundo compartilhadas e podia por Habermas (1997), é também fortemente
ser adequadamente explicada apenas a partir de criticada por Honneth, que procura desenvolver
sua ordem normativa, o mesmo não ocorreria uma teoria social crítica na qual normatividade e
em sociedades modernas, cuja organização poder pudessem ser entendidos em suas
sistêmica não mais refletiria a normatividade interrelações. Para ele, a distinção proposta por
social, agora racionalizada. Em sociedades mo- Habermas entre duas racionalidades, já presente
dernas, afirma o autor, o sistema não apenas te- em Conhecimento e Interesse (Habermas, 1968),
ria deixado de refletir o mundo da vida, como teria sido modificada, dando lugar, em Teoria da
teria se tornado independente dele e não pode- Ação Comunicativa, a uma distinção entre duas
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municativas, que moldariam as próprias institui- procura, então, mostrar que o desenvolvimento
ções, Habermas teria posteriormente excluído das do sistema capitalista e do aparelho burocrático
interações sociais as relações de dominação, que do Estado é mediado por normas sociais e de-
passaram, a partir de então, a ser concebidas como pende dos conflitos que moldaram e ainda mol-
colonizações do mundo da vida pelos sistemas dam as instituições e práticas sociais em geral
econômico e burocrático (Honneth, 1986). Com isso, (2003c, p. 289-290). Além disso, Honneth busca
afirma Honneth, o dualismo social desenvolvido indicar que a dominação e as relações de poder,
por Habermas não mais daria conta de compreen- compreendidas por Habermas como ampliações
der aquilo que denomina de reprodução simbóli- do sistema em direção ao mundo da vida, preci-
ca da sociedade (1986, p.317-334), nem de expli- sam ser pensadas em conjunto com a comunica-
car como se reproduziriam as esferas chamadas ção, que está sempre perpassada por assimetrias
por ele de sistêmicas, onde os conflitos sociais tam- (Honneth, 2003c, p. 298). Seria preciso atrelar o
bém teriam um papel ativo e determinante desenvolvimento social como um todo a normas,
(Honneth, 1986, p. 316-320). bem como pensar as relações de poder presentes
O desenvolvimento dado por Habermas a nas comunicações e relações de reconhecimento,
seu modelo teórico estabeleceria, de acordo com ou seja, pensar a relação dessas normas com as
Honneth, duas ficções teóricas: a de um sistema formas de poder e dominação. É, então, com o
que teria se diferenciado do mundo da vida e se objetivo de resolver, dentre outras coisas, as difi-
tornado um meio não-linguístico de coordena- culdades, que identifica em Habermas, que
ção de objetivos e a de um mundo da vida isento Honneth desenvolve uma teoria do reconhecimen-
de quaisquer relações de poder e de dominação, to, na qual afirma que a comunicação e as lutas
onde o processo de reprodução simbólica da so- por reconhecimento têm um papel ativo em todos
ciedade ocorreria por meio de relações de co- os processos de reprodução social. As dificulda-
municação linguisticamente mediadas. No inte- des que encontra na teoria de Habermas fazem,
rior da teoria habermasiana, seria formada, en- assim, com que Honneth defenda um monismo
tão, a ilusão de que haveria duas esferas sociais, social, pautado por relações de reconhecimento.
cada qual responsável por diferentes aspectos da A crítica de Honneth – segundo a qual
reprodução social – o material e o simbólico –, não seria possível entender a sociedade a partir
que seriam, inclusive, independentes entre si de uma teoria que não aborde adequadamente a
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(Honneth, 1986, p.329-331). Para Honneth, con- relação entre desenvolvimento social e lutas por
tudo, o funcionamento da economia e da buro- reconhecimento – não se dirige, contudo, ape-
cracia estatal não pode ser compreendido como nas a Habermas, mas também a Nancy Fraser.
a mera expressão de um processo autônomo, Afinal, como Habermas, Fraser defende que a
descolado da interação social. Segundo ele, as economia se tornou relativamente distinta da
expectativas intersubjetivas de reconhecimento interação social e, portanto, do âmbito no qual
e os conflitos sociais por elas gerados desempe- as normas sociais são elaboradas, denominado
nham um papel ativo mesmo naquelas institui- por ela de cultura. Diferentemente de Honneth,
ções referentes à organização do trabalho e à dis- Fraser aceita de Habermas a distinção entre dois
tribuição do poder (Honneth, 2003b, p.134-136, mecanismos sociais. Por maiores que sejam as
180-184). Como afirma ele, “processos de valo- interrelações entre as normas sociais e a econo-
rização aparentemente anônimos são impregna- mia, para Fraser, não é possível entender o fun-
dos de regras normativas” (2003c, p.292). Não cionamento do capitalismo atual apenas a partir
se poderia, portanto, falar em um sistema eco- de normas sociais. Mesmo aceitando a impossi-
nômico ou burocrático, tal como o faz Habermas. bilidade de se conceber a economia como uma
Contrapondo-se a Habermas, Honneth esfera social autônoma e isenta de normatividade,
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Fraser afirma que seu funcionamento não pode desenvolvidas por Honneth em Crítica do Poder e
ser adequadamente entendido sem que se leve em aponta para possíveis saídas que serão posterior-
consideração mecanismos sistêmicos que priorizam mente elaboradas por ela. Diferentemente das de
o lucro. Motivo pelo qual ela defende que a econo- Honneth, contudo, as saídas apresentadas por
mia dispõe de relativa autonomia frente às normas Fraser não caminham na direção de uma dissolu-
sociais. Como Habermas, Fraser assume a existên- ção da distinção entre as esferas sociais, mas na
cia de um certo dualismo social. formulação de um dualismo social perspectivo.
O recurso de Fraser a Habermas não im- O que, não obstante, só vem a fazer claramente
plica, contudo, que ela aceite como um todo as em escritos posteriores.
distinções dualistas estabelecidas por ele. Pelo Partindo, nesse artigo, de uma definição
contrário, ela faz diversas críticas à teoria social tomada por ela de Marx, segundo a qual teoria
dualista desenvolvida por ele, e, afirmando a crítica é “o autoaclaramento das lutas e desejos
possibilidade de que ela seja entendida de dois de uma época” (1989, p.13), Fraser procura mos-
modos, a saber, como substantiva ou analítica, trar que, apesar dos potenciais críticos presen-
parte da segunda para a elaboração de sua pró- tes em sua teoria, Habermas não teria consegui-
pria teoria social.21 Com essa teoria, no entanto, do dar conta daquele que deveria ser seu papel
Fraser, como Honneth, procura tratar das difi- como teórico crítico, a saber, aclarar, dentre ou-
culdades que encontra no modelo habermasiano. tros, os objetivos do movimento feminista.22 To-
O que faz, a nosso ver, por meio de um desloca- mando, então, o modelo de Habermas tal como
mento, e não de um abandono da distinção en- ele aparece em Teoria da Ação Comunicativa e
tre sistema e mundo da vida e de uma alteração em artigos publicados por ele nesse período, Fraser
significativa na maneira como Habermas conce- procura explicitar que o dualismo social ali pro-
be as relações de poder e o surgimento das pa- posto é contraproducente, uma vez que encobre
tologias sociais. e mesmo reforça algumas das injustiças de gêne-
A retomada da teoria social proposta por ro presentes na sociedade contemporânea. Sem
Habermas, feita explicitamente pela autora des- entrar à fundo nas críticas dirigidas a Habermas
de seus escritos da década de 80, não é, contu- desse ponto de vista, nos restringiremos aqui a
do, uniforme. Em um primeiro momento, ela indicar que Fraser aponta para diversas deficiên-
busca confrontar alguns aspectos problemáticos cias presentes no modelo habermasiano. Defici-
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dem ser entendidas apenas como responsáveis formas de ação, integração e reprodução social,
pela reprodução material da sociedade. Segun- Fraser indica, a partir de elementos empíricos,
do ela, a própria produção ocorre por meio de que nem no interior da economia nem na famí-
relações culturalmente elaboradas e simbolica- lia a integração seria absolutamente sistêmica ou
mente mediadas, dentre as quais, por exemplo, social. Tanto uma quanto a outra são, segundo
a divisão entre trabalhos masculinos e femini- ela, perpassadas por diferentes formas de
nos. O próprio funcionamento da economia esta- integração.
ria, dessa forma, vinculado a valores e normas Posicionando-se, então, criticamente fren-
sociais. Assim, também a esfera do trabalho soci- te a Habermas e defendendo uma posição que
al possuiria elementos responsáveis, de alguma poderíamos, à primeira vista, aproximar da de
maneira, pela reprodução simbólica da sociedade Honneth, Fraser afirma, nesse artigo, que não é
e não poderia ser vista como normativamente possível distinguir claramente entre uma esfera
neutra. Fraser afirma, então, que uma distinção social absolutamente livre de normas e uma ou-
estanque entre duas formas de reprodução soci- tra na qual relações de poder e imperativos eco-
al é inadequada para a conceitualização das dife- nômicos não desempenham, em principio, qual-
rentes atividades responsáveis pela reprodução quer papel. Com o objetivo de criticar, em dife-
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rentes níveis, a defesa de um dualismo substan- sistema não possua a mesma força atribuída por
tivo que poderia ser encontrado em Habermas, Habermas a esse termo.
Fraser afirma, então, que: Além disso, como Honneth, ela afirma que
enxergar na sociedade apenas a tendência de am-
... em poucos, se é que em algum, dos contextos de pliação do sistema para além de seus limites
ação humana as ações são coordenadas de forma
absolutamente não-consensual e absolutamente desejáveis é insuficiente, assim como o é a com-
não-normativa. Por mais moralmente dúbio que seja preensão proposta por Habermas acerca das pa-
o consenso e por mais problemático que seja o con-
tologias sociais, cujas causas estariam, segundo
teúdo e o status das normas, virtualmente todo con-
texto de ação humana envolve alguma forma de ele, na colonização do mundo da vida pelo siste-
ambos. No mercado capitalista, por exemplo, tro- ma. Ao questionar a separação estanque ensejada
cas estratégicas e maximizadoras de utilidade ocor-
rem frente um horizonte de significados e normas pelo texto de Habermas e mostrar que o funcio-
compartilhados intersubjetivamente; agentes nor- namento da economia depende de normas, Fraser
malmente subscrevem mesmo que apenas taci-
afirma que é preciso perceber também como o
tamente a noções comumente aceitas de reci-
procidade e a alguma concepção compartilhada próprio sistema está sendo influenciado a todo
sobre os significados sociais dos objetos, incluin- tempo pelo mundo da vida e incorpora, muitas
do que tipos de coisas são consideradas
trocáveis. [...] O sistema econômico capitalista vezes, valores ou significados sociais,
tem uma dimensão moral-cultural. Da mesma instrumentalizando-os.24 Apesar das semelhan-
forma, poucos, se é que algum, dos contextos de
ças que possui com o modelo de Honneth, a teo-
ação humana são completamente destituídos de
cálculo estratégico (1989, p.118). ria social desenvolvida por Fraser não abandona
por completo o dualismo proposto por
Recusando uma das possíveis interpreta- Habermas, mas relativiza suas fronteiras e exa-
ções ensejadas pelo texto de Habermas, a qual mina suas interrelações.25 Tal abordagem, para
“seria muito extrema para que fosse útil à teoria ela, permite uma compreensão mais adequada da
social” (1989, p.117), Fraser defende uma posi- sociedade em seus diferentes aspectos, sem abrir
ção, à primeira vista, bastante semelhante à de mão de sua complexidade, ao mesmo tempo em
Honneth (2003b, p.188). Como ele, ela parece que possibilitaria uma melhor conceitualização dos
recusar que a economia e a burocracia estatal 24 Segundo Fraser, “as sociedades capitalistas contemporâ-
sejam realmente autônomas e procura indicar neas estão permeadas por ideologias sobre o quanto várias
atividades contribuem para o bem estar social. [...] essas
que talvez não haja qualquer contexto de ação ideologias têm efeitos reais. Mas elas dificilmente são os
343
REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO...
diversos mecanismos que dão origem às injustiças. distinção entre normas estabelecidas em contex-
Esses mecanismos devem ser também pensados no tos de interação normativamente assegurados,
interior da interação social, que pode estar na ori- em contraposição às normas estabelecidas em
gem de normas assimétricas. Tal como Honneth, contextos de interação comunicativos. Normas e
Fraser procura, então, apontar para a necessidade valores poderiam ser, assim, o resultado de co-
de pensar as relações de poder também a partir das municações distorcidas, mas cujas distorções não
interações sociais, isto é, das relações comunicati- teriam se originado do sistema, via monetarização
vas, sem o que, como afirma, teríamos uma concep- ou burocratização, mas dos próprios contextos
ção por demais simplificada e mesmo limitada das de interação que fazem parte do mundo da vida.
patologias sociais. Como diz Fraser, É, então, na distinção entre esses dois diferentes
tipos de normas sociais, encontrada por ela no
... a abordagem de Habermas não consegue próprio Habermas (Fraser, 1989, p.142-143), que
teorizar o caráter patriarcal, mediado por normas
do sistema administrativo e econômico-oficial do se localiza, a nosso ver, a origem do dualismo
capitalismo tardio. Da mesma forma, ele não con- entre redistribuição e reconhecimento que Fraser
segue teorizar o caráter sistêmico, mediado pelo
apresenta cerca de uma década depois.
dinheiro e pelo poder, da dominação masculina
na esfera doméstica do mundo da vida do capi- Assim, se Fraser parece direcionar críticas
talismo tardio. Consequentemente, sua tese da muito semelhantes às de Honneth a Habermas e
colonização não consegue compreender que os
canais de influência entre instituições do siste- aponta para praticamente os mesmos problemas
ma e do mundo da vida são multidirecionais no dualismo entre sistema e mundo da vida, é
(1989, p.137).
possível ver, já aqui, a origem das diferenças entre
suas posições. Isso porque, enquanto Honneth
Tendo, em um primeiro momento, apon-
procura mostrar que relações de poder fazem parte
tado para como o capitalismo não é absoluta-
do “social” e que esse mesmo “social” é aquilo que
mente autônomo, mas depende de uma certa
estrutura o sistema, concluindo, em razão disso,
moralidade, o que implica uma primeira forma
pela necessidade de dissolver quaisquer dualismos
de regulação do sistema por normas comunica-
e de pensar as relações de poder e a comunicação
tivas, Fraser defende, num segundo, que existi-
conjuntamente, Fraser, por sua vez, aceita que es-
riam também outras normas – assimétricas – que,
sas interrelações existam, mas admite uma diferen-
elaboradas intersubjetivamente, estruturam de
ciação, ainda que relativa, entre as esferas do siste-
CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. 62, p. 331-352, Maio/Ago. 2011
344
Nathalie Bressiani
só poderia ser abarcada por meio de um dualismo nismos interrelacionados, formas relativamente
social que, apto a perceber as particularidades das distintas de subordinação.29
esferas sociais, conseguisse também pensar suas Para Fraser, seria preciso não somente ate-
interrelações e, mais do que isso, fazer sua crítica. nuar o dualismo proposto por Habermas, como
Dualismo que, pensado a partir de Habermas, não também acrescentar à sua teoria uma noção ex-
se confunde com aquele proposto por ele. Afinal, pandida de patologias sociais, sem a qual não
o dualismo de Fraser aponta também para dois seria possível entender adequadamente uma par-
mecanismos geradores de injustiça na sociedade, te das injustiças presentes hoje na sociedade, nas
que Habermas reduz a apenas um. Ao contrário quais o que está em causa não é nem o sistema,
dele, portanto, Fraser defende que seria preciso nem sua intervenção no mundo da vida, mas os
distinguir os mecanismos de interação social pro- próprios significados e valores que, apesar de
dutores de injustiça dos mecanismos sistêmicos27 terem sido construídos socialmente, não são le-
produtores de injustiça e, por fim, a própria gítimos. Seria preciso atentar para as relações de
interação comunicativa, que estaria na base dominação presentes na própria reprodução sim-
normativa de seu modelo teórico. bólica da sociedade, bem como questionar os
O diagnóstico de época desenvolvido por mecanismos econômicos que geram impedimen-
Fraser faz, então, ao contrário de Habermas, uma tos à participação paritária de todos na socieda-
distinção entre dois tipos de injustiça: aquelas re- de.30 A concepção habermasiana sobre a origem
lacionadas à distribuição de bens materiais, anco- das patologias sociais seria, assim, unilateral. Pre-
radas primordialmente na economia política e, so ainda a uma chave “instrumentalista” ou
portanto, em formas sistêmicas de integração, e economicista, ele não teria dado conta de parte
as relacionadas ao reconhecimento, dependen- das injustiças existentes, as quais já teriam sido,
tes, principalmente, de padrões de valoração inclusive, questionadas pelos movimentos femi-
cultural e, consequentemente, de formas sociais nistas ou antirracistas que estão, em certa medi-
de integração presentes na base do mundo da da, lutando pela alteração de padrões sociais hi-
vida. Esses dois mecanismos estariam, entretan- erárquicos presentes na sociedade, isto é, pela
to, interligados e não poderiam ser concebidos alteração de conteúdos do mundo da vida, social-
independentemente do outro, motivo pelo qual mente construídos. Contrapondo-se a Habermas,
Fraser afirma que as injustiças relativas à Fraser procura “desneutralizar” a economia, afir-
345
REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO...
bém o de Honneth, que, no entanto, acaba sa versão, que consiste no principal alvo das críti-
direcionando seus esforços para a elaboração de uma cas de Fraser, Honneth defende que, atualmente, a
teoria na qual a comunicação dirige o funcionamen- divisão do trabalho e o funcionamento da econo-
to de todas as esferas sociais, inclusive o da econo- mia teriam deixado de ser diretamente regulados
mia. O que o teria impedido de conceitualizar as pelo princípio da honra e teriam passado a ser
injustiças de caráter econômico e de entender suas regulados pelo princípio meritocrático da “produ-
particularidades. ção individual”, ou pelo princípio democrático do
Ao desenvolverem seus modelos críticos, “respeito igual”. Como afirma ele:
Fraser e Honneth procuram, então, cada qual a
seu modo, desenvolver teorias sociais que consi- ... com o estabelecimento gradual de um novo
modelo de valor assegurado pela burguesia eco-
gam dar conta daquilo que, para eles, a de nomicamente ascendente frente à nobreza, o prin-
Habermas não daria, isto é, da influência de nor- cípio da honra baseado no estamento perdeu,
inversamente, sua validade, de forma que a po-
mas no interior da economia e das assimetrias e
sição social do indivíduo se tornou agora
relações de poder reproduzidas por meio da normativamente independente de origem e pos-
interação social. As saídas que apresentam são, ses. A estima que o indivíduo passou a merecer
legitimamente não é mais decidida com base
contudo, distintas. E, é precisamente no que diz em seu pertencimento a um estamento com có-
respeito a elas que se situa um dos principais digos de honra correspondentes, mas, pelo con-
trário, com base nas produções individuais no
pontos em disputa entre eles no interior do de-
interior da estrutura da divisão de trabalho in-
bate sobre redistribuição e reconhecimento. dustrialmente organizada. [...] Uma parte da hon-
ra atribuída hierarquicamente foi, de certa for-
ma, democratizada designando a todos os mem-
bros da sociedade igual respeito por sua digni-
O DUALISMO PERSPECTIVO DE NANCY dade e autonomia como pessoas de direito, en-
quanto outra parte foi, de certa forma,
FRASER ENTRE HABERMAS E HONNETH
‘meritocratizada’: cada um deveria desfrutar de
estima social conforme sua produção enquanto
Ao criticar o dualismo social proposto por um “cidadão trabalhador”. ( 2003b, p.165-166)
Habermas e afirmar que as lutas por reconheci-
mento seriam responsáveis pelo desenvolvimento Com a revolução burguesa, a distribuição
da sociedade como um todo, Honneth propõe material, antes realizada e legitimada por meio de
uma teoria social específica que, diferentemente títulos de nobreza ou códigos de honra, teria pas-
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daquela elaborada por Fraser, não é dualista. sado a depender da aplicação de dois princípios
Embora assuma, em determinados momentos, normativos, ligados a duas diferentes esferas de re-
que a economia e a burocracia estatal funcio- conhecimento, a da estima e a do respeito (Cf.
nem de modo relativamente inquestionado, Honneth, 2003b, p.159-177). Para Honneth, por-
Honneth sustenta que ambas dependem de que
as normas sociais nas quais se baseiam sejam apenas na medida em que depende de um consentimento
tácito dos concernidos. Nessa versão mais fraca, a relação
imbuídas de legitimidade pelos concernidos. entre a economia e as relações de reconhecimento ocorre-
ria de forma indireta, uma vez que a própria economia
Além disso, em diversos momentos, Honneth funcionaria de forma relativamente inquestionada. Como,
nessa versão, a teoria de Honneth acaba se aproximando
defende uma versão ainda mais forte de seu de Fraser, optamos por não tratar de forma mais detida das
monismo social, segundo a qual o capitalismo passagens em que Honneth parece defender um certo
dualismo social, mesmo que fraco, mas apenas apontar
não apenas dependeria do consentimento tácito para o fato de que o estatuto da normatividade da econo-
mia parece, por vezes, variar em sua teoria. Afinal, essas
dos concernidos, mas seria também regido por passagens poderiam fortalecer a posição de Fraser, segun-
do a qual os mecanismos econômicos relativamente
diferentes princípios de reconhecimento.31 Nes- inquestionados teriam de ser alterados para que todos
viessem a deter as condições objetivas para participar como
31
Para responder às críticas de Fraser, Honneth diminui, em pares da interação social. Conclusão que exigiria que exi-
alguns momentos, a importância que as relações de reco- gências de redistribuição fossem diferenciadas das de re-
nhecimento possuem frente à economia, chegando mesmo conhecimento (Honneth, 2003c, p.288-289; 2003b,
a afirmar que o funcionamento da economia é normativo p.132-134).
346
Nathalie Bressiani
tanto, o surgimento do capitalismo corresponderia tos sociais que garantam a todo membro da soci-
edade um mínimo de bens essenciais indepen-
a uma alteração nos princípios normativos que jus- dentemente de sua produção; o caminho aberto
tificam a distribuição de renda e a divisão social do com isso segue o princípio da igualdade de direi-
tos na medida em que, por meio da mobilização
trabalho, e não, tal como para Habermas, a
argumentativa do princípio da igualdade, pode-
autonomização ou diferenciação da economia fren- se aduzir fundamentos normativos que façam
te à normatividade em geral. com que um mínimo de bem estar econômico
seja um imperativo do reconhecimento legal. Por
Os princípios normativos que regulam as outro lado, contudo, na realidade social cotidia-
relações de reconhecimento, das quais depende- na do capitalismo, existe também a possibilidade
de apelar para as conquistas de alguém como algo
ria o desenvolvimento e as mudanças sociais em
‘diferente’, uma vez que elas não recebem consi-
geral, possuem, assim, uma posição de centralidade deração suficiente ou estima social sob a estrutu-
na teoria social de Honneth. Para ele, não há ra hegemônica de valores prevalecente. Uma figu-
ra suficientemente diferenciada desse tipo de luta
mecanismos econômicos que funcionem quase por reconhecimento só é possível, certamente,
que independentemente de relações comunica- quando levamos em consideração o fato de que
tanto a demarcação social de profissões quanto a
tivas e que possam ser tomados como uma cau-
forma da divisão social de trabalho é, como um
sa específica de injustiças sociais. As assimetrias todo, o resultado das valorações culturais das ca-
relativas à divisão social do trabalho e à distri- pacidades específicas para a produção. Hoje tem
se tornado particularmente claro que a constru-
buição desigual de renda não se originariam di- ção social dos campos de atividades profissionais
retamente de mecanismos do sistema econômi- é determinada e perpassada por preconceitos so-
bre o perfil e o limite das capacidades femininas.
co, mas de uma aplicação específica de diferen-
[...] Tudo isso mostra o quanto a legitimação da
tes princípios de reconhecimento que regulam o ordem de distribuição social deve a visões cultu-
mercado.32 Nesse sentido, aqueles que visam a rais sobre a contribuição de diferentes grupos ou
estratos para a reprodução social. Não somente
alterar a economia não devem lutar diretamente quais atividades podem ser valorizadas como ‘tra-
pela reestruturação de mecanismos sistêmicos, balho’ e, portanto, elegíveis à profissionalização,
mas também quão alto deve ser o retorno social
como defende Fraser, mas pela alteração dos prin-
para cada atividade profissionalizada é determi-
cípios de reconhecimento que regem a econo- nado por um modelo de classificação e esquemas
mia. Lutas que poderiam mobilizar dois dife- de valores que estão profundamente ancorados
na cultura da sociedade capitalista-burguesa.
rentes princípios de reconhecimento para justi- (2003b, p.181-182)
ficarem suas demandas, o da igualdade de direi-
tos ou o da estima social. Como afirma Honneth: Dependendo da quantidade e do conjun-
347
REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO...
Para Honneth, então, a economia e seus certa autonomia frente a normas socialmente
mecanismos estão subordinados à interação social, construídas, a complexidade e mesmo os diferen-
motivo pelo qual eles não precisariam ser compre- tes aspectos das relações de dominação existentes
endidos em suas especificidades. Para Fraser, con- exigiriam, para serem compreendidos, uma teo-
tudo, não é isso o que acontece. De acordo com ela, ria social perspectivo-dualista, com a qual Fraser se
o funcionamento do sistema não depende direta- afasta tanto de Honneth quanto de Habermas.
mente de expectativas normativas, mas opera de Tendo em vista, a impossibilidade de estabe-
maneira relativamente impessoal através de proces- lecer uma distinção rígida entre o sistema e o mun-
sos que priorizam a maximização do lucro. Nesse do da vida e repensando as diversas formas de
sentido, para Fraser, a tentativa de Honneth de interação entre ambos, bem como seu funcionamen-
entender a divisão social do trabalho e a diferença to, Fraser reformula, então, o dualismo habermasiano
na distribuição de recursos por meio do conceito e desenvolve um dualismo perspectivo, com o qual
de reconhecimento fecha os olhos para a existên- procura apontar também para as diferentes origens
cia desses mecanismos e, por isso, não dá conta das injustiças sociais. Nesse sentido, Fraser afir-
de analisar adequadamente a sociedade capitalista ma que, nas sociedades modernas:
atual (Fraser, 2003b, p.211-222). Para Fraser, a res-
posta dada por Honneth às dificuldades que iden- ... a estrutura de classes deixa de espelhar perfei-
tamente a ordem de status, mesmo que cada uma
tifica no modelo teórico de Habermas não é plena- delas influencie a outra. Uma vez que o mercado
mente satisfatória, mesmo que ele tenha apontado não constitui o único e completamente difuso
mecanismo de valoração, a posição no mercado
na direção correta.33 Recusando a possibilidade de
não dita o status social. Padrões de valor cultural
que a sociedade possa ser compreendida de forma parcialmente resistentes ao mercado impedem
unilateral, Fraser defende, então, opondo-se a ele, a que injustiças de distribuição se convertam in-
teiramente e sem exceções em injustiças de
necessidade de pensar um dualismo social status. Má distribuição não necessariamente im-
perspectivo. Como afirma ela, nesse sentido: plica falta de reconhecimento, embora ela certa-
mente contribua para a última. Similarmente,
uma vez que nenhum princípio [...] constitui o
...o dualismo perspectivo assume que socieda- único e completamente difuso princípio de
des capitalistas diferenciam a ordem de um mer- redistribuição, o status não dita a posição de clas-
cado sistemicamente integrado de ordens soci- se. Instituições econômicas relativamente autô-
ais reguladas por valores. Como resultado, tanto nomas impedem que injúrias de status se con-
a integração sistêmica quanto a integração social vertam inteiramente e sem exceções em injusti-
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são essenciais para essas sociedades. Ao contrá- ças de distribuição. A falta de reconhecimento
rio da abordagem de Honneth, portanto, a minha não se converte diretamente em má distribui-
atenta para ambas dimensões e elucida suas ção, embora ela também certamente contribua
interações mútuas. (2003b, p.222)34 para a última. Como resultado, não se pode en-
tender essa sociedade atentando exclusivamen-
Como mecanismos econômicos possuem te para uma única dimensão da vida social. Não
se pode ler a dimensão econômica diretamente
33 da subordinação cultural, nem a cultural dire-
Para ela, a análise social de Honneth está parcialmente
correta, já que atenta para a influência que normas sociais tamente da econômica. [...] Por fim, não se pode
exercem no funcionamento da economia e na divisão soci- deduzir a má distribuição diretamente a falta
al do trabalho. Não obstante, Honneth teria ido muito lon- de reconhecimento, nem a falta de reconheci-
ge em suas afirmações e acabou, por isso, superestimando mento a má distribuição. (Fraser, 2003a, p.53-54
o papel das relações de reconhecimento no interior da
sociedade e obscurecendo o importante papel desempe- [grifos nossos])
nhado por mecanismos econômicos relativamente autô-
nomos no funcionamento do sistema capitalista e na dis-
tribuição de recursos. Defendendo uma posição intermediária entre
34
Fraser afirma também que, “no que a isso se refere, minha aquelas presentes nos trabalhos de Honneth e
abordagem se assemelha àquela de Jürgen Habermas. Ao
contrário dele, contudo, eu não substancializo a distinção Habermas, Fraser desenvolve uma teoria social que
entre sistema e mundo da vida. Ao tratá-las
perspectivamente, contudo, eu possibilito uma explica- procura abarcar a complexidade dos aspectos so-
ção mais complexa de suas mútuas imbricações que sua ciais existentes. Teoria social que, como indicado
concepção unidimensional da ‘colonização do mundo
da vida’” (2003b, p.235, nota 14). acima, se encontra atrelada a um diagnóstico dis-
348
Nathalie Bressiani
tinto daqueles apresentados por esses autores so- injustiças existentes seja compreendido a partir
bre as relações de dominação, uma vez que aponta do conceito de reconhecimento, ou acerca da ne-
para um dualismo também nas origens das injus- cessidade de recorrer, para isso, ao par conceitual
tiças sociais. Contrapondo-se, então, aos dois au- redistribuição e reconhecimento, nos remete a
tores, Fraser adota uma posição intermediária que, uma disputa entre Fraser e Honneth quanto aos
mesmo sem negar o dualismo habermasiano entre diferentes caminhos adotados por eles na tentati-
sistema e mundo da vida, procura relativizar suas va de superar os problemas que identificam no
fronteiras e desenvolver uma teoria do poder que diagnóstico da sociedade proposto por Habermas.
consiga atentar para as diferentes origens das pa- Em questão, no debate sobre redistribuição
tologias sociais, que Habermas e Honneth teriam e reconhecimento, estão, assim, as diferentes te-
compreendido de modo unilateral. orias sociais elaboradas por Fraser e Honneth
Ao afirmar que as diferentes formas de in- com o objetivo superar as dificuldades que en-
justiça existentes exigem de uma teoria que se contram em Habermas e de apresentar um mo-
pretenda crítica, hoje, que ela seja dualista, Fraser delo de teoria crítica que consiga diagnosticar os
recusa tanto o monismo proposto por Honneth bloqueios e tendências à emancipação. Objetivo
quanto o dualismo proposto por Habermas, bem que nos remete à seguinte pergunta, que se en-
como a compreensão unilateral que ambos pos- contra no cerne do debate entre eles: é mesmo
suem sobre o surgimento das patologias sociais. possível, tal como defende Honneth, afirmar que
Distanciando-se de Habermas, ela examina os os mecanismos econômicos dependem de um
mecanismos patológicos presentes no próprio consenso normativo, isto é, é possível afirmar
mundo da vida, assim como aqueles que têm que o mercado capitalista e suas formas de dis-
como causa a economia, cujas fronteiras seriam, tribuição de renda são possíveis apenas na me-
para ela, fluidas. Ao contrário de Honneth, por dida em que se baseiam em relações de reconhe-
sua vez, ela mantém o conceito de sistema, na cimento e dispõem de legitimidade da parte dos
medida em que aceita, mesmo que parcialmen- que são por ele afetados? Tal posição teria como
te, a diferenciação e autonomização relativa da consequência a conclusão de que o conjunto de
esfera econômica da sociedade, que estaria na injustiças sociais existentes tem como causa re-
origem de parte das injustiças sociais. lações assimétricas de reconhecimento e pode-
Assim, enquanto Honneth, partindo de ria ser adequadamente conceitualizado apenas a
349
REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO...
relações de poder existentes sejam também pen- _______. Adding insult to injury: Nancy Fraser debates her
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351
REDISTRIBUIÇÃO E RECONHECIMENTO...
Taking as a guide the question about the Le débat entre Nancy Fraser et Alex Honneth
possibility of understanding the existing set of injustices sur la redistribution et la reconnaissance englobe une
from the concept of recognition or the need to resort, for multitude de questions. Notre fil conducteur sera la
this, to the conceptual pair of redistribution and question concernant les possibilités de comprendre
recognition, this paper aims to argue that the dispute l’ensemble des injustices qui existent à partir du
between Honneth’s monism and Fraser’s dualism and concept de reconnaissance ou du besoin de faire appel,
refers to discrepancies in their social theories. From a pour cela, à deux concepts qui vont de pair, la
reconstruction of the criticisms leveled by the authors redistribution et la reconnaissance. Nous défendons
to the social dualism of Jürgen Habermas, as well as dans cet article l’hypothèse selon laquelle le différend
different social theories developed in order to resolve entre le monisme de Honneth et le dualisme de Fraser
them, we will also seek to show that the answers they est le fruit de divergences dans leurs théories sociales.
have found to these difficulties are in the center of deba- De la reconstruction des critiques formulées par ces
te about redistribution and recognition and that Fraser, deux auteurs au dualisme social de Jürgen Habermas
developing a perspectival social dualism, adopts an ainsi que des différentes théories sociales développées
intermediate position regarding those supported by en vue de les résoudre, nous essayerons de montrer que
Habermas and Honneth. les solutions proposées par ces derniers, pour résoudre
ces difficultés, sont au cœur des débats concernant la
redistribution et la reconnaissance et que Fraser, à par-
tir du moment où il a développé un dualisme social
perspectif, a adopté une position intermédiaire à celles
que Honneth et Habermas ont soutenues.
352