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Da crise da dívida externa ao Plano Real: uma crise orgânica.

Podemos dizer seguindo as reflexões de Sallum (1999) e Ianoni (2009), que


os governos FHC inauguram um novo modelo de desenvolvimento. No entanto, as
mudanças no bloco no poder, e na forma de Estado não ocorreram do dia para a noite,
foi um processo histórico tortuoso, no qual decorrem anos de crise orgânica (Gramsci,
2007)1, em que o bloco no poder se cindiu ante dois projetos antagônicos, de um lado as
frações dominantes que defendiam uma nova aliança neonacional desenvolvimentista
(Bianchi, 2010; Ianoni, 2009); de outro, as frações que defendiam a adesão brasileira ao
neoliberalismo. Para nós, seguindo o entendimento de Ianoni (2009) a crise da dívida
externa, iniciada com o segundo choque dos preços do petróleo da inicio a crise
multidimensional brasileira, que só é resolvida com o plano real, quando finalmente se
reestabelece um novo pacto de dominação.
Para Ianoni (2009), o pacto de dominação nacional-desenvolvimentista,
estava calcado nas burocracias estatais, capital estrangeiro e setores burgueses
nacionais, o que decorria um padrão de crescimento voltado para a garantia da
demanda, com o Estado desenvolvimentista, atuando no investimento produtivo, via
endividamento externo, investimentos estatal (direto e indireto) e subsídios do Estado ao
setor privado. A crise da dívida externa interrompe o padrão de financiamento do
Estado desenvolvimentista, e coloca o Estado em uma situação de severa crise fiscal, a
partir daí se inicia a crise. Essa crise é multidimensional, envolve todas as esferas da
vida social: hegemônica porque as classes se encontram em luta aberta pela apropriação
da renda nacional, na qual comparecem no campo de disputa, as classes subalternas
assalariadas, revigoradas pela redemocratização, e de outro, as frações dominantes
buscando preservar seu estoque de riqueza, ante os planos deflacionários, sem que se
determinasse um novo pacto de dominação. Ideológica, pois havia dois campos de
disputa sem que nenhum conseguisse imprimir seu projeto político na ossatura estatal;
econômico, decorrente da crise da divida externa, que proporcionou um padrão de
crescimento de stop and go (Carneiro, 2002), em que se alteram ciclos de crescimento,
seguidos de recessão, com a presença de uma escala inflacionária, só interrompida, por

1
Nas palavras de Gramsci, crise hegemônica ou crise orgânica: “[...] é a crise de hegemonia da classe
dirigente, que ocorreu ou porque a classe dirigente fracassou em algum grande empreendimento político
para o qual pediu ou impôs pela força o consenso das grandes massas (como a guerra, ou porque amplas
massas (sobretudo de camponeses e pequenos burgueses intelectuais) subitamente da passividade política
para uma certa atividade e apresentam reivindicações que, em seu conjunto desorganizado, constituem
uma revolução. Fala-se de ‘crise de autoridade’: e isso é precisamente a crise de hegemonia, ou a crise do
Estado em seu conjunto.” (GRAMSCI, 2007, P. 60)
curtos e fracassados planos deflacionários; por fim, político-institucional, na medida em
que não se conseguia estabelecer ou reestabelecer a relação entre Estado, mercados e
sociedade. Deste modo o Plano Real
[...] resolve, embora não a ponto de solucionar, questões-chave e
interdependentes da crise multidimensional então existente no país. O Plano
Real resolve problemas relacionados: 1) à nova inserção internacional
orientada para o mercado dos setores público e privado da economia
brasileira; 2) à repactuação sociopolítica, que deixa para trás mais de uma
década de crise de hegemonia, aberta pela ruptura da aliança
desenvolvimentista; 3) à ordem político-institucional; 4) e à esfera ideológica,
por assegurar, de imediato, e induzir, ao longo do tempo, a um ambiente
nacional muito mais propício à expansão da cultura e da agenda liberais, sob
diferentes matizes, entre os agentes de mercado, elites políticas e atores
sociais. (IANONI, 2009, P.143. Grifos do autor)
Nosso objetivo neste capítulo é recuperar as principais nuances do processo
histórico que culminou no Plano Real, apontando como as frações dominantes foram
modificando suas posições políticas, de tal modo que no lançamento do plano real já se
estava configurada uma nova hegemonia no bloco no poder, para tanto, nossa lente se
volta às frações industriais e as frações bancário-financeiros, de modo a observar como
este último depois de intensas batalhas reafirma sua hegemonia no bloco no poder, e
carrega consigo a fração industrial para uma posição neoliberal. Essa reconstituição
observa não apenas as posições políticos, mas como se deu a deterioração do Estado, e o
fortalecimento dos grupos privados, como aponta Pinto (2019), o ajuste privado e o
ajuste do setor público são faces da mesma moeda, de tal forma, que o Estado para
manter a acumulação privada entra em crise fiscal. Nosso ponto de partida é o ajuste
externo promovido por Delfim Netto, no governo Figueiredo, nosso ponto de chegada o
Plano Real. Destaca-se que não procuraremos fazer uma recuperação exaustiva desse
processo histórico, nosso intento é tão somente recuperar os momentos-chave que
explicam o curso ulterior dos acontecimentos políticos e econômicos depois da eleição
de FHC.

O fim da tríplice aliança: setores públicos e privados na crise dos anos 1980.
O ano de 1979 se apresenta ao Brasil como o ano do segundo choque dos
preços do petróleo, seguida da subida unilateral das taxas de juros pelo Fed, o que
provocou de imediato a retração dos capitais destinados à periferia, além disso, as taxas
de juros desses empréstimos eram atreladas as flutuações das taxas de juros americanas,
logo esse aumento provou uma explosão da dívida externa. Por conseguinte, o Brasil
passa ao longo dos anos de demandante de financiamento para exportador liquido de
capitais, ao longo dos anos os mercados financeiros voluntários vão se fechando
completamente para a periferia. Essa crise externa ocorre no momento em que o país
passava por significativas mudanças, o eufórico discurso do II PND, dava lugar à
incerteza diante da duplicação da taxa de inflação, de 40% de 1974 para 80% no ano
1979, pelo lado político, a abertura lenta, gradual e segura seguia sua marcha
prometendo devolver a democracia ao Brasil. Nestas conjunções de turbulências, depois
de um curto período tentativa de ajuste ortodoxo com Mario Henrique Simonsen a
frente da Seplan, o presidente Figueiredo chama novamente Delfim Netto para
comandar a economia.
Delfim retorna sob os braços do empresariado, com um discurso eufórico de
que era possível, controlar a situação da crise de balanço de pagamentos, a inflação, e
voltar a crescer. Sua frase eufórica ao empresariado ilustra bem seu otimismo:
“senhores apertem os cintos, vamos voltar a crescer”. Seu conjunto de medidas foi
descrita como um choque heterodoxo (BELLUZZO; L; & COUTINHO, L. 1983):
ajuste de preços e tarifas do setor público, eliminando os preços corrigidos abaixo da
inflação que aumentava a situação de endividamento do setor público e das empresas
estatais; eliminação de subsídios aos setores exportadores; controlar o déficit do tesouro
com mudanças tributárias que aumentavam os impostos; maxidesvalorização cambial.
De início Delfim anunciou correções graduais, para depois anunciar desvalorizações
mais agressivas para compensar, a retirada de subsídio dos exportadores; expurgo do
aumento dos preços do petróleo do IPA (índice de preços do atacado); tabelamento dos
juros e das correções monetárias a partir da inflação esperada, as próximas correções
monetárias e cambiais seriam prefixadas.
O resultado da política heterodoxa foi bastante diferente da imaginada por
Delfim Netto, a maxidesvalorização e prefixação irreal das correções, fez com que os
agentes ameaçassem trocar a massa de capitais especulativos para mercadorias e ativos
mobiliários. Além disso, com a expectativa de uma nova maxidesvalorização gerou uma
onda de importações especulativas que pressionaram ainda mais o balanço de
pagamentos.
Esse quadro somado com o aumento dos juros e dos preços do petróleo fez
com que o governo se rendesse a ortodoxia recessiva: contenção creditícia, aumento dos
juros internos, corte de gastos e investimentos públicos. Esse quadro resultou na
recessão iniciada em 1981, com o governo recorrendo ao FMI em 1982, o Brasil
mergulhou na mais grave e severa crise desde o pós-guerra. No restante do governo
Figueiredo, a estratégia da política econômica era aumentar as exportações 2 e conter as
importações ao manter a política de maxidesvalorizações. Na política monetária foi
mantida uma taxa de juros alta, para empurrar as empresas para buscarem o exterior
para financiamento, além de tentar atrair capital estrangeiro para financiar o déficit do
balanço de pagamentos. Houve aumento dos preços, mas não ocorreu à entrada de
capital estrangeiro. O objetivo central da política de ajustamento tanto no período
ortodoxo quanto no período heterodoxo, era modificar o núcleo dinâmico da economia
brasileira, do mercado interno ao mercado externo, impulsionar as empresas brasileiras
a tentarem conquistar o mercado externo, a maxidesvalorização cambial era o núcleo da
política de ajustamento.
Segundo Almeida & Belluzzo (2002), os responsáveis pela política
econômica no início dos anos 1980, acreditavam que a preservação da estrutura
patrimonial do setor privado e a reestruturação do balanço de pagamentos seriam
suficientes para o Brasil sair da crise e voltar a crescer. Para isso, era necessário
combinar restrições ao consumo interno, aumentando juros que por outro lado atrairiam
capitais necessários para financiar o balanço de pagamentos; com a maxidesvalorização
cambial, seria modificada a relação entre os mercados internos e externos, e o setor
privado seria induzido a buscar o setor externo, num drive exportador. No entanto, o
ajuste monetário gerou um efeito reverso ao esperado, contribuiu para desorganizar as
avaliações dos possuidores de riqueza, realimentando as expectativas de inflação.
Diante das incertezas advindas dos expurgos nos índices de correção monetária, e os
limites quantitativos das operações bancárias, os agentes econômicos empresas e bancos
passaram a tomar medidas defensivas, procedendo a um profundo ajuste patrimonial.
Dessa forma, setores público e privado tomaram rumos distintos, o setor privado sai da
crise liquido preservando sua carteira de ativos; já o setor público assume a divida do
setor privado e passa remunerar suas operações, deteriorando sua situação fiscal.
Essa troca de posições decorre do aperfeiçoamento dos mecanismos de
correção monetária, esta surgida com as reformas bancárias-financeiras de 1966-1968,
do regime civil-militar que tinham por objetivo central de criar mecanismos de
financiamento de longo prazo para a acumulação de capital (TAVARES, 1978).3 Em
2
Como definia o próprio Delfim Netto “exportar é o que importa”. Discurso do Presidente Fernando
Henrique Cardoso em 23.8.2001, na posse de Sérgio Amaral como Ministro do Desenvolvimento, da
Indústria e do Comércio Exterior.
3
Ressalta Tavares que esse objetivo não foi alcançado, tendo em vista que as instituições financeiras
continuaram a não financiar operações de longo prazo, que foi remetido ao Estado através dos bancos
públicos.
um país que recorrentemente tinha processos inflacionários, foi criado o mecanismo da
correção monetária, para dar segurança aos emprestadores de que teriam taxas de juros
positivas, lhes assegurando a rentabilidade de seus empréstimos. O mecanismo foi
usado com a criação das ORTN (obrigações reajustáveis do tesouro nacional) e nas
LTN (letras do tesouro nacional), que rendiam um percentual mais a correção
monetária.
Sem a intenção o governo acabou por criar duas moedas: uma moeda de
curso forçado, o papel-moeda; e a moeda-indexada emitida a partir dos bancos e demais
instituições financeiras, tendo como lastro os papéis emitidos pelo tesouro. Diante da
aceleração inflacionária, o representante da liquidez deixou de ser a moeda corrente e
passou a ser a moeda-financeira. O governo tentava controlar a inflação, lançando novos
títulos para retirar moeda de circulação, acabava por colocar mais lenha na fogueira,
aumentando sua crise fiscal sem, contudo, combater a escalda inflacionária.
O aperfeiçoamento do mecanismo de correção através da moeda indexada se
apoia no mecanismo de indexação – o principal deles: a correção monetária. As
empresas e famílias passam a reter depósitos remunerados como se fossem depósitos à
vista, mas que rendem o equivalente à correção monetária. Os bancos reduzem seus
ativos menos líquidos, como empréstimos, substituindo-os pelos títulos públicos. Para
não ocorrer à dolarização o Banco Central é obrigado a se adaptar, aperfeiçoando a
correção, emitindo títulos á prazos cada vez mais curtos indexados a correção
monetária. Na prática o BC perdeu completamente a capacidade de realizar a política
monetária, entendido como a capacidade de alterar as taxa de juros ao nível das reservas
do sistema bancário (Carneiro, 2002). O sistema bancário carrega os títulos públicos
como lastro de suas operações, recebendo “dinheiro podre” e limpando com moeda-
indexada, significa que alterar ou mexer com a liquidez poderia quebrar todo o sistema
bancário. O BC central era obrigado a realizar a zeragem automática, que consistia na
recompra de títulos públicos não colocados no mercado pelos bancos. Ao Fazê-lo
transformava a crise monetária em crise fiscal, pois os títulos precisam recompor a
inflação passada e manter sua rentabilidade com taxas de juros positivas. Caso o BC
tentasse alterar a liquidez desses títulos, os agentes poderiam trocar os ativos financeiros
por ativos reais. O governo, portanto, trocou sua divida externa, por divida interna. Os
detentores da riqueza passaram de devedores a credores, no processo conhecido pela
estatização da dívida externa.
O governo central, através dos DRME junto ao Banco Central, assumiu
parcela expressiva do passivo associado ao crédito externo. Os capitais
privados, ao anteciparem a liquidação de suas dívidas, fugiram dos choques
do câmbio e dos juros transferindo os seus efeitos para o passivo não
monetário das autoridades monetárias. Mais ainda, dados os termos da
renegociação com o cartel dos bancos credores, coube ao Banco Central
bancar diretamente o custo do giro de um estoque crescente de débitos
externos. Verifica-se, portanto, que a estatização da dívida externa constituiu
um poderoso instrumento de socialização do ônus da crise, de
comprometimento dos fundos públicos a favor da preservação do capital
bancário internacional e de frações privilegiadas do capital privado em
operação no país. (Cruz, 1995; P. 132)
As empresas estatais também foram parte do esquema de endividamento do
setor público, e desindividamento do setor privado. Segundo Almeida & Belluzzo
(2002) antes da crise tinham uma saúde financeira saudável, com um padrão de
endividamento e taxas de lucros próximos do setor privado, todavia, ao longo dos anos
1980 foram usadas como parte do esquema financeiro. Há elas lhes foi impossibilitada o
atualizar as tarifas condizentes com a taxa de inflação, foram usadas como instrumento
de contenção da inflação crescente. Assumiram as dívidas do setor privado, sobretudo
dos bancos. Por fim, transformam-se em captadores dos escassos financiamentos
externos, estes investimentos foram contraídos em moeda estrangeira, com as constantes
desvalorizações cambiais combinadas a subidas das taxas de juros subprime do Fed
terminavam por encarecer a dívida contraída.
Pelo lado externo, ao longo dos anos 1980, o mercado de crédito voluntário
se fecha a periferia. Segundo Carneiro (2002), temos três períodos distintos. Entre 1979-
1983, ainda há absorção de recursos reais, financiado pela queima de reservas, pois
houve apenas racionamento de novos financiamentos pelo mercado financeiro
internacional. Entre 1983-1985, os financiamentos tornam-se ainda mais escassos, e o
Brasil entra no esquema de financiamento Ponzi, em que os novos empréstimos são
suficientes apenas para pagar o serviço (juros) da dívida passada, além disso, começa a
ocorrer à transferência de recursos reais ao exterior. Entre 1985-1989, ocorre a
supressão absoluta de novos financiamentos. Com este cenário que se deteriora anos
após ano, a economia brasileira torna-se extremamente vulnerável a qualquer choque
externo. Seu crescimento só poderia ocorrer pelo lado externo, tendo em vista que são
superávits comerciais que devem pagar a dívida externa, o que a coloca numa
encruzilhada, apontada por Batista Jr. (1987), na qual caso o consumo interno
aumentasse mais do que saldos exportáveis, haveria a redução do superávit comercial, e
as empresas operariam próximo do limite da capacidade de ocupação, para atender a
demanda dos dois setores, seria necessário aumentar as importações para aumentar a
capacidade produtiva interna, algo impossível dado às necessidades de reduzir as
importações e gerar altos superávits comerciais para fazer frente à dívida externa.
As grandes empresas e os bancos diante das incertezas provocadas pela
dívida externa operam aquilo que Almeida & Belluzzo (2002) chamam de ajuste
patrimonial defensivo, como forma de manterem sua rentabilidade e taxas de lucro. As
grandes empresas operam mudanças: (i) o direcionamento da produção em direção ao
mercado externo; (ii) uma estratégia curto prazista, com a redução do endividamento,
pela desalavancagem (buscando reduzir despesas financeiras); (iii) redução no nível de
estoque, corte nos planos de investimentos; (iv) ampliação de aplicações financeiras, em
ativos e títulos da dívida pública; (v) elevação do mark-ups, pelo aumento dos preços
mais que proporcionais do que os custos da produção.
Os grandes bancos reestruturam sua carteira de ativos. Reduziram seus
empréstimos para empresas (sobretudo, capital de giro) e famílias, e direcionaram suas
operações em aplicações em títulos da dívida pública e crédito para empresas e órgãos e
empresas estatais.
Com isso, os ganhos de tesouraria (título da dívida pública interna) tornaram-
se a principal fonte dos lucros dos grandes bancos privados, criando uma
relação umbilical entre a taxa de lucro dos bancos privados e taxa de juros
básica da economia. (PINTO, 2019, P.22-23)
Importa observar neste duplo movimento, os bancos ao tornarem-se os
principais operadores da moeda indexada, garantiram os lucros de todos os setores
capitalistas, de forma, a gerir parte considerável do estoque de riqueza dos setores
industriais. O que nos parece é que ao fazê-lo, em condições de crise, ganharam
considerável poder político no bloco no poder, não se está afirmando, obviamente que
seu poder político deriva unicamente desta posição privilegiada na apropriação da
riqueza nacional, todavia, parte de sua relação com as outras frações de classe vem deste
lugar. Sintetizando, todo esse processo, segundo Pinto.
Em linhas gerais, a forma do ajuste exportador brasileiro na década de 1980,
por um lado, possibilitou a reestruturação corrente e patrimonial das grandes
empresas industriais e bancárias e, por outro, provocou enormes desequilíbrio
fiscais e financeiros do setor público. Ao final do governo Sarney o déficit
operacional alcançou 6,9% (1989) evidenciando a incapacidade do Estado
(com seu fundo público) em coordenar as demandas: i) dos interesses
externos (transferências de recursos para o exterior); ii) dos segmentos
dominantes (sobretudo dos segmentos financeiros que passam a ter papel
importante da rolagem da dívida pública interna – que teve seus prazos de
vencimento extremante reduzidos com o regime de inflação alta); iii) dos
trabalhadores com o aumento de seus poder sindical; iv) dos interesses
regionais (estados e municípios); v) dos movimento sociais e dos
compromisso sociais assumidos (sobretudo com a Promulgação da nova
Constituição de 1988); e vi) das estratégias desenvolvimentistas ainda em
vigência. Equalizar todos esses interesses era impossível naquela conjuntura
de enormes transferências de excedentes para o exterior. Os interesses
externos foram preservados juntamente com os lucros e o patrimônio do setor
privado (bancos e empresas), no entanto, a contrapartida disso foi a crise
fiscal e financeira do setor público (e de suas empresas estatais) – que
desmontou a capacidade estatal de manter o pacto desenvolvimentista – e a
enorme aceleração da inflação. (PINTO, 2019, P.26)
Para Carneiro (2002) a crise do setor público se deteriora pela crise de seu
financiamento, sendo o principal marco dessa crise a restrição ao financiamento
externo. Esse constrangimento atinge duplamente as finanças públicas. De um lado, o
setor público amplia a renúncia fiscal e o volume de subsídios para gerar superávits
primários para fazer frente a divida externa; por outro, arca com o pagamento de uma
carga de juros em elevação em moeda estrangeira. É central na deterioração das contas
públicas a transferência de recursos para o exterior, seja pela forma de se obter
superávits comerciais, deteriorando suas receitas; seja deteriorando o orçamento, ao
assumir a dívida privada.
Assim, ao longo dos anos 1980 assiste-se a deterioração do principal ator do
tripé da economia brasileira, ao mesmo tempo em que o Estado se endivida, perdendo
sua capacidade de intervenção, o setor privado rumou para posições defensivas,
preservando e ampliando seu estoque de riqueza as expensas do Estado. Pelo lado
externo, as duas alavancas que proporcionavam os ciclos de acumulação interno, o
financiamento no mercado de capitais e as grandes corporações passaram por mudanças
em sua dinâmica e forma de inserção na periferia do capitalismo. Ao longo dos anos
1980, a segunda pata mais importante do tripé mingua seus investimentos na periferia,
só retornariam de outra maneira nos anos 1990, até lá, a economia brasileira oscilava, e
flertava a todo o momento com a hiperinflação. Durante todo este período assistiu-se
uma crise de orgânica sem que o país pudesse redefinir os rumos do desenvolvimento
capitalista, as bases que propiciaram o desenvolvimento anterior estavam erodidas, a
disputa era de qual rumo seguir depois de tomar consciência disso.

As frações burguesas e suas posições políticas nos anos 19804.


Para compreender de fato as mudanças no bloco no poder, que culmina em
uma ampla frente neoliberal, é necessário retornar ao terreno das práticas políticas das

4
Nesta parte, a reconstrução focará nas frações bancárias e nos industriais, todavia, em boa parte dela,
utilizamos de material secundário, pesquisas sobre essas frações. O leitor notará que a fração bancária é
muito menos analisada que a industrial, a isso se deve o fato de termos encontrado poucos trabalhos sobre
esses empresários, além do mais, nosso objeto é a fração industrial, no qual temos mais material
acumulado, seja por fonte primária em documentos e revistas das entidades, seja pelo fato da fração ter
sido mais estudada ao longo dos anos, o que propicia um acumulo de bibliografia maior em relação à
fração bancária.
frações de classes dominantes, verificar como seus discursos de classe foram se
modificando ao longo do período de crise orgânica.
Podemos demarcar como grande ponto de virada das posições políticas da
burguesia brasileira a crise de implementação do II PND (Segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento Econômico), e a campanha contra a estatização surgida em 1976.
Nesse cenário podemos notar algumas nuances que se farão presentes no idos dos anos
1990, sobretudo a crítica ao excesso de intervencionismo estatal e a defesa da livre
iniciativa. Ainda que essas críticas escondam que o verdadeiro interesse dos setores
financeiros e comerciais era a estatização da poupança 5 e não da economia, naquele
momento de auge do desenvolvimentismo, setores importantes da burguesia como a
fração bancária-financeira e a comercial já tinham “virado a casaca” para o lado liberal.
Por outro lado, como mostra a recente tese de doutorado de Moraes (2018) a fração
industrial e os setores da indústria de base coadunadas em torno da Fiesp 6, Abdib e
Abiamaq ainda eram fiéis ao modelo desenvolvimentista, todavia, não eram avessos a
entrada do capital estrangeiro, demandavam uma intermediação estatal que tornasse a
convivência entre ambos harmônica, definindo espaços de acumulação.
No início da Nova República o bloco no poder encontra-se cindido, de um
lado encontramos os setores bancários-financeiros, defendendo o abandono das políticas
desenvolvimentistas; de outro, setores industriais, incluindo, a Fiesp que defendiam um
novo pacto desenvolvimentista. Os primeiros, apesar do seu poder político tinham uma
frágil articulação de classe, precisavam engordar suas entidades de classe para veicular
mais amplamente seu discurso político; já os segundos tinham maior aceitação pela
sociedade, todavia, vinham sofrendo com falências de pequenas e médias empresas
desde os fins dos anos 1970.
No aspecto mais geral todos os setores empresariais modificaram suas
atuações políticas desde o final da ditadura militar, Segundo Diniz (1991), observou-se
o fortalecimento de sua capacidade de organização e a diversificação de poder, e a
expansão dos seus instrumentos de influência política.
[...] O setor modernizou-se, aperfeiçoou seus mecanismos de representação e
renovou seus quadros dirigentes, desalojando lideranças tradicionais e
substituindo líderes dos segmentos mais dinâmicos, identificados com uma

5
Refiro-me a crítica feita por Lessa (1978) de que o mote central da campanha era a estatização da
poupança pública, no qual o BNDE, passa a controlar os fundos parafiscais PIS e Pasep para fortalecer o
padrão de financiamento arquitetado e que, portanto, tal campanha não seria contra a intervenção do
Estado na economia e sim da não privatização da poupança pública pelos bancos privados.
6
Respectivamente, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Associação Brasileira para o
desenvolvimento das Indústrias de Base e Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos.
proposta de revitalização do capitalismo brasileiro. A instauração da Nova
república, em 1985, veio a reforçar a visibilidade política desses atores, que
assumiram um papel crescentemente ativo juntos às elites governamentais.
(DINIZ, 1991, P. 351)
Para Diniz (1991), o empresariado logrou não apenas estreitar seus laços
com a nova tecnocracia estatal passou a ocupar o Estado em setores estratégicos para a
formulação da política econômica7. Essa participação nos negócios do Estado se
observa tanto com administradores líderes de segmentos empresariais, quanto pela via
eleitoral, com grande número de empresários concorrendo em cargos no legislativo e
executivo. Diniz, no entanto, ressalta que não houve rompimento com o padrão
corporativista anterior. O que houve foi à articulação entre ambas, um padrão de
atuação complementar. De um lado, renovam-se as antigas bases de representação
corporativa8, com as federações patronais como a FIESP, reforçando sua
representatividade junto às bases empresariais, aumentando seu poder de mobilização; e
de outro, “[...] a proliferação de associações paralelas, que se tornavam uma arena
decisiva para a representação dos interesses empresariais. [...]” (Idem, p.352).
Encontrando as mesmas evidências Minella (1994), ressalta como o
empresariado passou a estar mais presente nos meios de comunicação.
Nesse novo contexto, o empresariado brasileiro — ou, mais especificamente,
os grandes empresários e as organizações empresariais mais expressivas —
passou a atuar e a veicular de forma direta e aberta um conjunto de
posicionamentos e demandas através da grande imprensa e nos meios de
comunicação em geral. É surpreendente o número de artigos publicados
diariamente por empresários na imprensa, no País. Manifestando-se
diretamente — ou através de seus intelectuais orgânicos —, o empresariado
revela-se de alguma forma (ora com sutilezas e entreditos, ora de forma nua e
crua). (Minella, 1994, p. 505)
As frações bancárias foram as primeiras a sentir os ventos da mudança, de
frações pouco articuladas, passaram a lançar sua voz no debate público com mais
frequência, observa-se um pequeno número de empresários tomando a frente das
principais entidades patronais do setor, por outro, o financiamento de think tanks, como
o instituto Liberal. Segundo Minella, esses movimentos políticos ocorrem pela
deterioração da imagem do setor frente à sociedade.
O setor vinha sofrendo críticas intraburguesas, pela proteção que recebia do
governo, ante o processo inflacionário que atingia de maneira desigual diferentes setores
7
Nesse mesmo sentido, Segundo Sallum (1999). “[...] Com o fim do regime militar-autoritário, pareceu
que o corporativismo, os ‘anéis burocráticos e os ‘cartórios’ deixaram de ser suficientes como garantias
do controle exercido pelo empresariado sobre o Estado. Não apenas o empresariado renova e multiplica
suas organizações e expande sua atuação na esfera pública mas também a sua perspectiva passa a
predominar largamente nos meios de comunicação de massa, difundindo-se, com isso, na massa
empresarial e nas classes médias.” (SALLUM, 1999, P. 26)
8
Diniz chama de representações corporativistas, as associações patronais formalmente vinculadas ao
Estado, como sindicatos, federações e confederações.
da sociedade. Foram atacadas pela alta rentabilidade de seus negócios, devido à
escalada inflacionária, ao quais os próprios banqueiros reconheciam. Segundo Minella
(1994), entre 1981-1983, criou-se um caldo de cultura em que proliferaram conflitos
intraburgueses, em que industriais e outros setores da sociedade passaram criticar os
bancos pelo custo do financiamento do capital de giro e do desconto das duplicatas. Por
conseguinte, sua articulação frente à sociedade deve ser vista como uma forma de
responder a essas críticas, e melhorar sua imagem frente à opinião pública.
Acostumados a atuarem sob as sombras com a redemocratização viram seu triunfo ser
esvanecido pela conjuntura, seu poder econômico poderia estar ameaçado pela sua falta
de coesão política.
Procuraram responder as críticas, adotando uma explicação unicausal para
explicar os problemas do País, o déficit público, fruto do excesso de gastança seria o
culpado, o setor financeiro cobraria tanto por seus serviços financeiros, devido a
instabilidade e as altas taxas de inflação. Ainda que fosse um bom argumento, lhes
faltava um projeto político próprio, um programa que redefinisse os rumos do
desenvolvimento.
Do discurso defensivo unicausal, os banqueiros passaram a defender
abertamente uma agenda neoliberal, o faziam desde os fins dos anos 1970, primeiro,
como um discurso mais tímido, um liberalismo social, Segundo o banqueiro Roberto
Konder Bornhausen, defende o "princípio da responsabilidade social e do compromisso
da empresa para com os valores da comunidade a que pertence". Porém esse liberalismo
"(...) defende, igualmente, a primazia da oferta e da demanda, a liberdade de
mercado e a eficiência como critério de concorrência". Esse liberalismo
social — afirma o empresário — "(...) não é contrário a qualquer forma de
planejamento que se sobreponha às leis do mercado”. (MINELLA, 1994,
P.516)
Com o decorrer da crise, e as críticas sofridas, os empresários passaram a se
articular em torno de dois eixos: uma frente ampla empresarial na defesa do liberalismo;
segundo, a defesa dos bancos em relação à sua responsabilidade na crise econômica do
País. Defende-se a desregulamentação do setor financeiro, para estes o Estado interviam
em excesso tanto com os bancos públicos, como regulador.
Dessa forma, como expressão da crise orgânica, os setores financeiros
recebiam críticas e procuravam responde-las revertendo-as ao Estado como grande
culpado da crise. Minella aponta dois momentos dos embates intraburgueses, até a
metade 1985, no qual se verifica um embate maior entre banqueiros e industriais, no
qual teve como resultado, uma CPI (denominada CPI dos Juros) que tinha como alvo
sistema financeiro, e a radicalização dos órgãos de representação do setor industrial em
sua crítica aberta ao setor financeiro. No segundo momento, caracteriza-se por um
discurso que buscava enfatizar os pontos de convergência mais gerais do empresariado,
tratando de garantir (não sem dificuldades) uma unidade mínima durante a transição
para o governo civil.
Nesse momento de embate, vemos os discursos críticos do Presidente da
CNI, Albano Franco.
Um discurso crítico ao sistema financeiro partia da Confederação Nacional
da Indústria (CNI). Em 1982, o presidente Albano Franco considerava que
"(...) os bancos, fortalecidos pela limitação da oferta de crédito, exercem o
seu poder discriminatório na determinação do nível da taxa de juros (grifo
nosso) vigente na economia" (FRANCO, 1982, p. 12). Segundo o
empresário, esse poder especial do sistema financeiro "(...) é particularmente
reforçado pelo elevado nível de concentração bancária (grifo nosso) existente
na economia brasileira" (IDEM). O processo de concentração, afirmava, não
teria trazido reduções dos custos bancários, nem economias de escala e maior
eficiência. E concluía que o sistema financeiro "(...) tem estabelecido especial
resistência aos ajustes que ora se sucedem na economia brasileira,
transferindo parcelas da sua cota de contribuição para os demais agentes
econômicos" (grifos nossos) (FRANCO, 1982, p.l5). (MINELLA, 1994, P.
523)
A CNI persistiu em suas críticas no ano seguinte, afirmando que havia uma
crise dos juros na economia brasileira, e que poderia ameaçar o processo de transição
para a democracia.
A FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos) rebateu as críticas
afirmando que o Governo é maior banqueiro, além de regular as atividades dos bancos
privados. Esse tom crítico, dá lugar ao discurso de reconciliação quando os banqueiros
começam enfatizar o déficit público, a origem "(...) todos os nossos grandes problemas
atuais: inflação (...), endividamento interno e o desequilíbrio do balanço de pagamentos"
(BORNHAUSEN Apud Minella, 1994, p. 524). Desloca-se o foco da crítica e os
empresários passaram a se unir, ainda que precariamente, em torno de uma única
bandeira. Tanto que a revista Indústria e Desenvolvimento da CNI passa a colocar no
centro da agenda o déficit público, e as críticas ao Estado Empresário, defendendo um
retorno às origens – a livre iniciativa.
Dessa maneira, a atuação dos banqueiros pode ser sintetizada, segundo os
resultados da pesquisa de Minella (1994), em quatro pontos. Primeiro, a defesa de uma
explicação unicausal para a complexa crise econômica a qual o Brasil vinha passando,
no qual o grande culpado seria o excesso de gastos do setor público, que tinha como
consequência a escalda inflacionário, e bancos para responder aumentavam os juros,
defendiam que seus altos rendimentos decorriam de uma política econômica
equivocada, que era formulada pelo setor. Segundo, uma tentativa de melhorar sua
imagem perante a opinião pública, no qual segundo alguns empresários como Léo
Wallace Cochrane Júnior, presidente da FENABAN (Federação Nacional dos Bancos),
a imagem do setor estava péssima ao final do Governo Sarney, mesmo após intensas
campanhas para melhorá-la. Terceiro, a reorganização das entidades de classe do setor,
federações mais tradicionais como a FEBRABAN passaram a ter como lideranças
banqueiros reconhecidos por seus pares, a frente da federação, além da proliferação de
novas associações patronais, e a criação de think tanks, para a difusão ideológica do
liberalismo. Por fim, a adoção de um discurso de reconciliação com outros setores
empresariais, ao longo dos anos 1980, esse discurso girou um torno da defesa da livre-
iniciativa, propondo uma economia liberal para superar a crise, e a adesão a demandas
que não necessariamente surgiram do setor, como a defesa de uma reforma tributária.
Neste último aspecto, cabe destacar, que entre a literatura especializada, é um relativo
consenso que ao final do fracassado do plano cruzado em 1986, o empresariado se uniu
em torno da defesa do antiestatismo (Diniz, 1991), não necessariamente pela atuação
dos bancos, esse setor se não foi o pioneiro, todavia, foi aquele que defendia há mais
tempo o projeto neoliberal como saída para a crise.
Ao olharmos para os industriais encontramos um setor industrial mais coeso
em relação as suas declarações perante a sociedade, mas rachado internamente. Segundo
Moraes (2018), uma parte, o setor da burguesia interna, nos setores de bens de capital,
pequenas e médias empresas, coadunados em torno da Abidib e da Abimaq, sofreram de
forma mais aguda os efeitos da crise externa; já os setores nomeados por Moraes (2018)
como “complexo multinacional”9, “[...] que almejaram um eficiente ajuste patrimonial,
ampliando o componente financeiro de seus ganhos e reduzindo a imobilização de
capital, mantendo a salvo da crise seus níveis de rentabilidade.” (MORAES, 2018,

9
Segundo Moraes (2018) “Se formou dentro das classes dominantes da economia local um conjunto de
interesses que circulava entre a fração interna e a fração associada, ao qual podemos chamar de
“complexo multinacional” (CAMPOS, 2009). Este complexo nem está totalmente desconexo do mercado
nacional, uma vez que necessita das condições locais – baixos custos de mão de obra, recursos naturais,
reserva de mercado, entre outros – para se reproduzir, mas também não mantém conexões com as
estratégias nacionais já que seus parâmetros de desempenho são medidos em moeda conversível, em face
das cadeias de valor globais. Suas relações com o ambiente interno e com o Estado Nacional são fluidas e
inconstantes, o que torna difícil delimitá-lo como fração associada ou como fração interna . [...]” (Idem,
p.56)
P.192). O primeiro grupo estava representado no Manifesto dos Oito, 10 já o segundo
grupo estava representado pelos setores multinacionais e pelo setor financeiro. Moraes
estende sua análise das frações industriais até o fim do governo Figueiredo, mostrando
que o primeiro grupo perde força, com o caminhar da crise, no entanto, suas demandas
foram incorporadas pela FIESP, no qual se seguiram críticas ao ajuste recessivo, o
elevado custo do dinheiro e o incentivo a especulação financeira. No entanto, a mesma
FIESP preocupada em manter-se próximas dos ciclos de decisões da política econômica,
manteve o apoio irrestrito as políticas governamentais.
A despeito do pragmatismo da direção da FIESP, expressa na presidência de
Teobaldo De Nigris, os setores industriais perdem força no governo Figueiredo, com
isso uma candidatura de oposição acende a presidência da entidade com Luiz Eulálio de
Bueno Vidigal, que eram mais críticos ao excesso de pragmatismo, e estavam mais
alinhados com o manifesto dos Oito. Deste ponto em diante, a FIESP passa a endossar
críticas e estudos contra a política econômica do governo Figueiredo, no começo
predominavam as críticas as políticas recessivas, demando um política de
desenvolvimento a médio e a longo prazo como remédios para sair da crise.
A partir de então, o assunto predominante na maior parte das publicações
destas entidades industriais paulistas passou a ser a redução da ingerência
estatal. Tudo que dizia respeito ao Estado, em especial ao poder Executivo,
era refutado. Ao longo de 1983, 1984 e 1985, diversas declarações,
divulgadas pelos informativos da FIESP, mostraram o crescimento da
insatisfação com os desequilíbrios nos gastos públicos, com o arrocho ao
setor privado enquanto “as despesas do Estado-empresário [continuavam] a
elevar-se” (I&D, nº 10, 1983, p. 40). Os industriais combatiam o que
acreditavam ser uma “situação de intervenção exagerada” (I&D, nº 12, 1983,
p. 16), os “altos juros” e a “escassez de crédito e os preços controlados”, uma
soma de fatores que denominavam “superestatização”. (MORAES, 2018,
P. 198)
Para Moraes a mudança na ênfase do discurso mostra como o complexo
multinacional retorna ao centro do poder, os setores de bens de capital, coadunados em
torno da Abimaq perdem sua força política conquistada nos idos do II PND, o discurso
industrialista, se fecha em torno das pequenas e médias, que dependiam da expansão do
mercado interno, e não tinham condições de realizar o ajuste patrimonial das grandes
empresas, tampouco, podiam se associar a alguma multinacional. As empresas líderes

10
Manifesto intitulado “Só democracia absorve tensões sociais”, publicado pelo Jornal Folha de São
Paulo e pela Gazeta Mercantil, em junho de 1978, pedindo a abertura do regime, criticando a política
econômica oficial e defendendo a empresa privada nacional. O documento foi assinado por oito dos mais
importantes empresários do país, Antônio Ermírio de Morais (Grupo Votorantim), Cláudio Bardella
(Bardella Indústrias Mecânicas S/A), Paulo Vellinho (Grupo Sprinder-Admiral), Jorge Gerdau (Grupo
Gerdau), Paulo Villares (Indústrias Villares S/A), José Mindlin (Metal Leve), Laerte Setúbal Filho
(Grupo Itausa) e Severo Gomes (cobertores Parayba e ex-Ministro da Indústria e Comércio do Governo
Geisel), em sua maioria ligados à ABDIB. (MORAES, 2018, P. 157)
por outro lado, conseguiram se defender do ajuste recessivo, alinharam-se, em parte, ao
discurso dos setores financeiros e multinacionais.
Todavia, como mostra Bianchi (2010) esse apoio foi tático, quando
presidente Sarney é empossado, cedeu em alguns pontos, como a necessidade de
controlar os gastos públicos, por meio de um efetivo controle do orçamento fiscal, por
outro, não deixou, de pontuar sua crítica em relação à repressão à demanda. Nesse
sentido, a FIESP saí do governo militar aderindo aos economistas da oposição,
incorporando nas suas fileiras economistas heterodoxos da Unicamp, como Luiz
Gonzaga Belluzzo, contudo como nos mostram Bianchi (2010) e Diniz (2010), em torno
de um projeto neodesenvolvimentismo11. No plano mais imediato, buscavam
compatibilizar um plano deflacionário sem que houvesse uma excessiva repressão à
demanda.
O fracasso do plano cruzado marca o abandono da Fiesp em torno do
projeto neodesenvolvimentista, tanto que o novo presidente Mario Amato, afirmara que
“[...]sente que é chegado o momento de se pensar em um novo ordenamento do
Programa de estabilização econômica, substituindo o regime de economia dirigida pelo
da economia de mercado, a vontade burocrática pelo sistema de livre comercio e
competição e da eficácia.” (AMATO Apud Bianchi, 2010, p.180). O fracasso do plano
cruzado representou que a única alternativa para a saída da crise brasileira era o projeto
neoliberal. Nesse sentido, a crise ideológica do bloco no poder, estava decidida em
favor de um projeto hegemônico.
No processo da constituinte de 1988, podemos notar essa virada no
pronunciamento de Mario Amato, na Subcomissão de Princípios Gerais, Intervenção do
Estado e da Atividade Econômica da Assembleia Constituinte em 1987. Segundo
Bianchi:
Em sua alocução, o presidente da Fiesp definiu suas bandeiras: a preferencia
à empresa privada na exploração das atividades econômicas; a livre
associação de capitais, bem como a igualdade entre empresas; a garantia ao
direito de propriedade; e a proibição de intervenção do Estado no processo
econômico que resulte em limitação da rentabilidade das empresa privada,
dificuldade para seu desenvolvimento tecnológico ou a restrição de sua livre
gestão. [...] No novo programa, é possível ouvir ao longe ecos daqueles
pronunciamentos de Vidigal Filho sobre a Constituinte. Mas há temas novos,
como a isonomia no tratamento das empresas nacionais e estrangeiras e a
nova palavra de ordem do empresariado, a desregulamentação da atividade
econômica. Pronunciada de maneira pausada, quase soletrada, a nova
11
Na verdade não era o mesmo tipo de desenvolvimentismo, segundo Bianchi (2010) um modelo
neodesenvolvimentista que combinava algum grau de abertura econômica, mas “[...] reservava ao Estado
um importante papel, seja nas funções de planejamento, seja nos investimentos estratégicos.” (Idem, p.
172)
bandeira sintetizava o estado de ânimo do empresariado com os sucessivos
congelamentos, choques e intervenções macroeconômicas. (BIANCHI, 2010,
P. 183-184)
A adesão ao neoliberalismo não foi apenas tática, se consubstanciou em
duas novas associações destinadas ao estudo de proposições de políticas econômicas e
setoriais da FIESP. O primeiro surgido em 1987, Pensamento Nacional de bases
empresariais (PNBE), tinha um caráter mais amplo de representação, e nas palavras de
Bianchi, tornaram-se uma “[...] caixa de ressonância para as críticas aos projetos de
‘estatização da economia’ veiculada neste” [...] (Idem, p. 188), de início representava os
industriais como um todo, a partir dos anos 1990, se constituiu em uma organização
majoritariamente representativa de pequenos e médios empresários do setor de serviços.
O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) tinha um propósito
mais técnico, com o objetivo de criar estratégias e estudos para o desenvolvimento
industrial, o pressuposto era o diagnóstico comum, comungado por praticamente toda a
burguesia brasileira, de que a crise estrutural era decorrente do esgotamento do modelo
por substituições de importações, e na necessidade de criação de um novo modelo para
a década de 1990. Armados com estes novos institutos, purgados de antigas crenças
desenvolvimentistas, os industriais estavam prontos para se apresentarem como os
novos bastiões do liberalismo tupiniquim.
Todavia, a crise política ainda não tinha fim, se expressa nas eleições de
1989, na qual representantes tradicionais da política brasileira são quase todos
escanteados, angariando votações minúsculas aquém do necessário para chegarem ao
segundo turno, disputado pela polarização entre a direita, representada por Fernando
Collor de Mello e a esquerda por Luiz Inácio Lula da Silva. A FIESP fez sua parte, com
a declaração de Mario Amato de que haveria uma fuga de empresários, caso Lula fosse
eleito. Segundo Bianchi (2010), Collor não era a primeira opção do empresariado
paulista, preferiam nomes tradicionais como Orestes Quércia e Mário Covas, ambos
derrotados no primeiro turno, por conseguinte, uniram-se em torno de Collor como
forma de afirmar o projeto neoliberal. Esse projeto sai vencedor, as principais bandeiras
do novo presidente eram o combate à corrupção, e o neoliberalismo, modelo que levava
a promessa de fazer o Brasil adentrar no clube das nações desenvolvidas.
Pouco após a posse de Collor, a entidade pública um longo documento de
quase trezentas páginas na qual apresentava seu projeto para o Brasil, intitulado Livre
para Crescer, publicado em agosto de 1990. O título quase poético expressava os novos
rumos defendidos pela entidade – o neoliberalismo como projeto. Na apresentação
escrita por Mario Amato defendia que era consenso entre os empresários de que o Brasil
precisava se modernizar “[...] abrindo-se mais para o exterior, alterando o papel do
Estado na economia e promovendo reformas que aumentem seu grau de eficiência”.
Aponta que no passado a entidade defendia o modelo por substituições de importações
como modelo de desenvolvimento, mas que este havia se esgotado e era hora do Brasil
aderir a um novo ideário, “[...] sintonizado com a nova ordem econômica do mundo e
do Brasil moderno.” (AMATO, 1990, P.12-13)
O documento coordenado por Maria Helena Zockun está dividido em quatro
partes: a primeira, diagnóstico da economia brasileira, defendia que o modelo de
substituição de importações havia se esgotado, e que a tentativa de mantê-lo
artificialmente desde os anos 1970 seria a causa da inflação que adoecia a economia
brasileira. Predominava no modelo o gigantismo estatal e a ineficiência do Estado e a
elevado grau de autarquização da economia. Mostravam estudos comparativos entre
países emergentes como a Coréia do Sul, segundo a qual, as diferentes performances
decorriam da maior abertura do país asiático em comparação ao Brasil, criam ainda uma
narrativa, de que os governos mais bem sucedidos como Médici, Castello Branco e
Costa Silva decorria de seu elevado grau de abertura externa, ao qual teria sido revertido
pelo Governo Geisel, este último apontado como culpado pela origem da escalada
inflacionária e os desequilíbrio fiscal do setor público.
Na segunda parte uma nova estratégia de desenvolvimento, indica os
caminhos para a economia brasileira superar os obstáculos apresentados na primeira
parte. Propõe uma reforma do Estado, através de “significativas reformas
institucionais”. Essas reformas precisavam moldar um Estado condizente com as
funções modernas, na qual deve estimular o crescimento e satisfazer à provisão de
serviços públicos com adequada distribuição de renda. Para estimular o crescimento,
propõe que a primeira ordem é a adequação orçamentária, defende um profundo ajuste
fiscal, patrimonial e administrativo do Estado, que teria por fito o substituição do Estado
empresário pelo Estado regulador, no entender da entidade, “[...] a livre iniciativa e o
sistema de mercado, quando funciona competitivamente gera uma distribuição eficiente
de recursos e produtos.” (p.106). Defende critérios mercadológicos para a sobrevivência
das empresas estatais, apontando a necessidade de encerramento e privatização de
algumas empresas, tais reformas deveriam ser feitas em conjunto a uma reformulação
da relação público-privado, indo além pedindo o fim da discriminação entre empresa
nacional e empresa estrangeira. Por fim, desregulamentação do mercado de trabalho.
Na parte fiscal, para a Fiesp a atrofia do Estado brasileiro está em seu excesso em
funções empresariais e regulatórias. Esta atrofia está intimamente conectada com a má
distribuição da renda, o Estado gastava em excesso no setor produtivo e sobravam
poucos recursos para investir no bem-estar e na formação do capital humano.
Defende uma nova política de comércio exterior, a chave para a nova
reorganização da economia:
A abertura ao exterior, entendida aqui como um processo gradual de
liberalização do setor externo da economia brasileira aos fluxos de comércio
e de capitais, tem o objetivo de criar um ambiente competitivo que possibilite
uma alocação melhor de recursos entre os setores, com um mínimo de
distorções. (FIESP, 1990 p.135)
A política de abertura abriria espaço para a economia brasileira se inserir
competitivamente no novo cenário internacional, através da especialização e integração
ao comércio mundial. Neste ponto, fica claro o abandono do projeto de verticalização
produtiva dos anos desenvolvimentista, a abertura é novo modelo dinâmico de
crescimento, que geraria uma melhor distribuição da renda.
Na terceira parte, são apresentadas as propostas de política econômica e
social, calcada na necessidade da estabilidade de preços para o Estado voltar a controlar
sua moeda, e uma nova política social, voltada para corrigir as possíveis distorções de
mercado, e a necessidade de investimento em capital humano. Na Quarta parte,
viabilização da política proposta, procura identificar as possíveis forças resistentes às
mudanças, avaliando seu poder de resistência e como revertê-las.12
O documento deixa claro, a adesão ao projeto neoliberal de Collor, ao
mesmo tempo é possível notar a vitória dos setores da indústria alinhados com o capital
estrangeiro e com o capital financeiro. Ao leitor atento, vê-se que esse programa
praticamente antecipa as mesmas linhas do programa de Cardoso que será apresentado
quatros depois.
Era de se esperar, portanto, um alinhamento integral ao projeto neoliberal
representado por Collor. E de início, como mostra Bianchi (2010), isto de fato ocorreu,
todavia, havia uma pedra no caminho, - a rápida reversão das barreiras tarifárias -, no
documento a FIESP defendia que houvesse tal reversão, entretanto, deveria ser feita no
timming correto, de maneira gradual, a equipe de Zélia Cardoso de Mello, o fez. No
entanto, setores de bens de capital foram os primeiros a acusar o golpe, Einar Kok, da

12
Interessante é a leitura dos hábitos e dos costumes dos brasileiros, segundo a Fiesp, são “[...]
acostumados a dependência, à improvisação e ao personalismo[...]” (p.233), que entrariam em choque ao
universo das regras mais gerais e universais: menos proteção, menos casuísmo e menos favores das
entidades estatais.
Abimaq, alertava para os riscos que uma abertura drástica poderia causar para a
indústria nacional. Essas vozes dissonantes nunca conseguiram ir além de um nível
econômico corporativo. Segundo Bianchi (2010), “[...] a lembrança traumática dos
últimos meses do governo Sarney tornava o empresariado disposto a aceitar o sacrifício
em troca da estabilidade social e econômica” (p.199).
De início a crise era tão aguda que “[...] mesmo com frágeis bases
parlamentares e laços orgânicos com o empresariado, Collor logrou aprovar no
Congresso, em curto prazo, um invasivo e impopular plano de estabilização, que
sequestrou os ativos financeiros.” (Ianoni, 2009, p.152). O empresariado apoiou o
plano, e a agenda que seguia junto dele, abertura comercial, desregulamentação
financeira, desestatização e ajuste fiscal.
Para Sallum (2009), o governo Collor contribui para danificar o arcabouço
institucional nacional-desenvolvimentista, para reorientá-lo em um sentido antiestatal e
internacionalizante. Dentre as medidas adotadas pelo governo neoliberal, estão: a
suspensão das barreiras não tarifárias ao exterior; um programa planejado de redução
das tarifas de importação ao longo de quatro anos; um programa de desregulamentação
das atividades econômicas; privatização das empresas estatais (não protegidas pela
constituição), está última tinha por objetivo tanto recuperar as finanças públicas como
reduzir o papel do Estado na economia13; por fim, uma política de integração regional
com o Mercosul.
Apesar do avanço nas reformas institucionais, o estilo agressivo de Collor,
seguido do desastroso plano Collor II, que congelava preços e salários, reajustava
tarifas, desindexava os preços e unificava as data base dos dissídios dos trabalhadores,
foi a gota d’água para o empresariado. Para Ianoni (2009), mostrou que os atores da
cena política recusariam qualquer plano que violasse contratos e regras de mercado,
mostrando que não seriam mais aceitos pela sociedade. Bianchi (2010) acrescenta
outros elementos para a ruptura, como a rápida abertura para o exterior, combinada com
hiperinflação, além da demora em dar prosseguimento ao programa de privatizações14.

13
A ideia de usar as privatizações como forma de recuperar as contas públicas só ficou no planejamento,
tendo em vista que tanto Prado (1994), quanto Almeida (2010) apontam que a maioria das moedas
utilizadas no processo de privatização era de títulos “podres” da dívida pública, o que não ajudou na
recuperação das contas públicas.
14
Para Prado (1994), esta demora se devia a inabilidade técnica da equipe de Collor, que tentavam passar
por cima da constituição ao tentar programar um conjunto de normas para todas as empresas ofertadas, ao
invés de programar empresa por empresa.
O impeachment de Collor decorreu de sua inabilidade política, expressa na
sua tentativa de governar por decreto, somada ao seu estilo agressivo pouco afeito as
negociações em um momento de crise tão aguda (Skidmore, 1998). Foi à expressão de
um país em crise multidimensional, envolto em perene estagflação. Segundo Ianoni,
O impeachment foi o maior trauma que a nova democracia brasileira
enfrentou e uma expressão ímpar da crise e da ausência de projetos
consistentes para um país envolto em perene estagflação Embora o
impedimento de Collor tenha ocorrido sem rupturas institucionais e em
contexto de grande participação da sociedade civil, Itamar Franco assumiu o
governo de um Estado que navegava à deriva das expectativas da
comunidade nacional e do sistema internacional (Ianoni, p.157).
Dessa forma, coube ao desafortunado Itamar Franco tomar a frente da
interminável crise brasileira (Skidmore, 1998), depois trocar inúmeras vezes seus
ministros, e demitir dois ministros da Fazenda, o escolhido da vez fora o Ministro das
relações exteriores, o senador Fernando Henrique Cardoso, a quem coube elaborar um
novo e último plano de estabilização, que como veremos resolve a crise
multidimensional brasileira.
Para Sallum (1999), o cesarismo15 de Collor naufragou, mas não foi
suficiente para o retorno do desenvolvimentismo, entre as forças político-partidárias,
“[...] o reformismo liberal já avançara tanto que inviabilizava qualquer volta ao
nacionalismo desenvolvimentista. [...]” (Idem, p. 29). Acrescenta-se que não apenas
entre as forças político partidárias, entre a classe dominante, o reformismo liberal já
estava decidido desde a constituinte.

A Resolução da crise orgânica: O Plano Real.


Para Ianoni, o plano real, contou com dois elementos essenciais para o seu
sucesso, a interação entre a virtu na liderança política de FHC, (incluindo sua equipe
econômica e a coalização liberal articulada) e as características de uma crise estrutural
em que encontramos a fortuna do tempo histórico, ou, “[...]a interação política entre
conjuntura e liderança legítima, ou seja, pela ação política circunstanciada e de vocação
hegemônica”. No processo, constrói-se um novo pacto de dominação liberal, que
atravessa diversos setores da sociedade e do Estado, uma profunda interação entre
Executivo, judiciário e legislativo, partidos políticos, grande mídia, burguesia, entes
federativos subnacionais, e outros setores da sociedade civil, “[...] resultando na
emergência sincronizada, nas esferas sociopolítica e político-institucional, de um pacto

15
Fenômeno político, conceituado por Gramsci, na qual numa situação de crise, o entrechoque de forças
políticas equipotentes permite o surgimento de um líder providencial.
de dominação liberal que superou a crise de hegemonia e inaugurou um novo padrão de
Estado no Brasil” (IANONI, 2009, P. 163). A coalização do governo Itamar contou
com todos os partidos, pró-impeachment, exceto o PT: PMDB, PSDB, PDT, PSB, e o
PFL que não tinha votado a favor do impedimento de Collor, mas que também fazia
parte da coalização. Dentre os fatores históricos que fortaleceram o executivo nos meses
que antecederam a implementação do plano, temos o escândalo de corrupção do
Orçamento de 1993, e a chegada do prazo para a revisão constitucional. Outro fator,
importante, foi à carta branca recebida pelo novo Ministro da fazenda para formular a
equipe econômica da maneira que bem entendesse. FHC tornou-se porta voz do plano, e
o testa de ferro das críticas que seriam endereçadas a equipe econômica, como descreve
em seu livro de memórias, por diversas vezes se reuniu com a equipe em seu bunker
particular, seu apartamento em São Paulo, para discutir os rumos da estabilização e
alinhar um discurso coeso para ser apresentado a opinião pública, essa característica de
liderança fora fundamental para dar o sucesso ao plano real, e proteger a equipe de
formulação e execução do plano, FHC foi muito mais um Ministro político da fazenda,
do que um tecnocrata acostumado a lidar com planilhas.
O Plano Real equaciona as crises, por isso mesmo não podemos encará-lo
como a simples vitória brasileira, contra o “dragão da inflação”, é necessário ir além e
ver como em seu projeto de formulação, estava ancorada uma nova economia-política a
ser seguida, esta finalmente põe fim ao antigo pacto de dominação Estado
desenvolvimentista. O que nos proporemos, a seguir, é reconstruir os passos
institucionais do plano real, e analisar como em sua ossatura estão presentes as frações
de classe dominantes que seriam protagonistas no novo pacto de dominação liberal.
Segundo Filgueiras (2012) o Plano real se deve a dois conjuntos de fatores,
que possibilitaram seu sucesso. Primeiro, o aprendizado dos seguidos fracassados
planos de estabilização, ao qual se indicou certos procedimentos que não deveriam ser
repetidos, mostrou que a inflação não era apenas inercial, de tal forma que era
necessário controlar a expansão dos salários na nova moeda, que após a queda da
inflação poderia haver um boom de consumo, que pressionaria a oferta dos bens de
consumo, por fim que a passagem abrupta de todos os preços e salários, carregam
consigo a inflação da moeda velha na moeda nova.
Segundo, estava claro que não havia mais possibilidades políticas do Brasil
permanecer rebelde ao Consenso de Washington, todos os demais países da América
Latina, já haviam resolvido seus processos inflacionários, o que gerava uma pressão da
comunidade internacional sobre o Brasil, esta pressão não é apenas política, mas
impedia o ingresso de capitais necessários para financiar o balanço de pagamentos no
momento da estabilização. Segundo Carneiro (2002), o principal fator de fracasso dos
planos anteriores era sua tentativa de estabilizar o câmbio sem a entrada de novos
capitais para financiar a conta corrente do balanço de pagamentos. A adesão ao
Consenso permitiria a renegociação da dívida externa, e o reingresso do Brasil nos
mercados financeiros internacionais, supostamente atraídos pelas boas políticas
adotadas.
O Plano real é descrito em três fases e com uma a mais que não estava
descrita, mas que fazia parte. A primeira é o ajuste fiscal; a segunda a criação de um
novo indexador, e o embrião de uma nova moeda a URV (Unidade Real de Valor), a
terceira, a introdução da nova moeda, o Real; por fim, uma quarta fase que não estava
explicitada que seriam as reformas estruturais de cunho liberalizante. “[...] Na realidade,
essas fases não são meramente sequenciais ou lineares, sobrepõem-se e envolvem um
conjunto de políticas, monitoramentos das já iniciadas e formulação e implementação de
outras.” (Ianoni, 2009, p.168).
A primeira fase começa com o lançamento do PAI (Plano de ação
Imediato), ainda no Governo Itamar Franco, lançado no dia 13 de junho de 1993,
consistia na elaboração de um novo orçamento que carregasse a verdade tarifária,
segundo o próprio Cardoso (2006), até a implementação do PAI, o orçamento no Brasil
era uma peça de ficção. Para Filgueiras (2012), o PAI ia muito além de apresentar um
orçamento real, seu objetivo era criar um novo regime fiscal, visando equilibrar o
orçamento, em particular sua fragilidade, tendo em vista que entre o momento de
pagamento dos tributos, e o recebimento pelo Estado seu valor seu era corroído pela
inflação. Os mecanismos utilizados foram à elevação de impostos federais, e a criação
de um novo o IPMF (Imposto sobre movimentações financeiras) e o Fundo Social de
emergência (FSE), o FSE desvinculava 20% das transferências constitucionais para
Estados, Municípios, fundos regionais e algumas políticas sociais. Seu objetivo inicial
era cortar, US$ 16,1 bilhões do orçamento para serem destinadas ao pagamento dos
juros da dívida pública, no final depois de árduas negociações, restaram US$ 15,5
bilhões. O nome como admitido pelo próprio Cardoso, não tinha nada de social, só
denominaram de “Social” para facilitar sua aprovação pelo Congresso. Para Filgueiras
(2012) mais do que dar liberdade orçamentária ao governo, o PAI serviu para dar
credibilidade ao plano Real, e reverter às expectativas inflacionárias.
A segunda Fase começa com a introdução da URV, ela seria um
superindexador, cuja variação de uma banda, seria formada por três outros índices, o
IGPM da FGV, o IPCA do IBGE, e o IPC da Fipe/USP. Também tinha o objetivo de
amarrar a URV ao dólar, em uma futura âncora cambial. Com a URV, estava se criando
o embrião de uma nova moeda, pois ela já cumpria a função de unidade de conta. Ela
carrega o bom aprendizado do plano cruzado, a de que introdução de uma nova moeda
deveria ser feita de maneira progressiva, quase espontânea, induzida através da fixação
imediata dos preços, e contratos públicos em URV. Quando toda economia estivesse
operando com base na URV, ela se transformaria na nova moeda, o Real. Neste
momento, todos os preços relativos estariam alinhados, não mais contaminados pela
memória inflacionária da moeda velha. “Em outras palavras, seu papel essencial foi o de
apagar da memória o passado eliminando, desse modo, o componente inercial da
inflação” (FILGUEIRA, 2012, P.105)
A fase final ocorreu no dia 01 de julho de 1994 com a introdução da nova
moeda, quando a URV foi transformada em Real, quando ela valia CR$ 2750,00, cuja
conversão foi estabelecida de 1 URV= R$1,00. Nessa etapa explicitou-se a âncora
cambial, a taxa de câmbio foi fixada na paridade um dólar para um real, com o apoio e
garantia das reservas em dólar, mas sem que se pudesse converter o real em dólar. O
governo garantiu que a base monetária seria expandida de acordo com as reservas em
dólares depositadas no BC, no entanto, devido re-monitazação da economia, essa passo
foi flexibilizado. Dessa maneira, o Brasil adotou uma dolarização mais flexível, a
âncora cambial.
Com o receituário liberal, de abertura comercial e financeira, a economia
não ficou ameaçada de sofrer com escassez de divisas, devido às altas taxas de juros que
atraiam o capital especulativo usado para a formação de reservas, tampouco, houve um
aumento explosivo do consumo suficiente para retomar a hiperinflação, por dois
motivos: primeiro, foi reprimido pelas altas taxas de juros; segundo, com a valorização
cambial, mais a redução das alíquotas de importação o mercado doméstico fora
inundado por mercadorias estrangeiras, suficientes para dar conta da demanda
doméstica.
A fase de reforma do Estado não aconteceu de imediato, se estendeu pelos
dois mandatos de FHC, era a parte essencial do plano, pois era o núcleo do novo modelo
de desenvolvimento. A primeira parte continha uma reforma do Estado, com mudanças
constitucionais na ordem econômica, que visavam retirar parte da ossatura
desenvolvimentista expressa na constituição, como a diferença entre empresa nacional e
estrangeira, os monopólios estatais, e venda estatal, que começaram ainda no governo
Collor. Já as reformas administrativa e fiscal, só foram discutidas no segundo mandato.

Bloco no poder e governo FHC: uma definição.


O Plano Real, mais do que um plano de estabilização monetária, definiu o
novo pacto de dominação hegemônico, é a partir dele que podemos chegar à
configuração particular que assume o bloco no poder durante os governos FHC. Esse
bloco, não é o mesmo nem na correlação das forças políticas, nem em termos de
tamanho dos capitais. Entre os governos Collor e durante os governos FHC, ocorre uma
reestruturação dos grupos econômicos nacionais (Rocha, 2013), com estes grandes
grupos econômicos, se transformando,
“[...] em uma estrutura financeira de grande porte cuja inserção no processo
produtivo se caracteriza pela multiplicidade das formas de apropriação do
excedente, [...] tende a entrelaçar as redes de propriedade sobre o capital e
autonomizar o capital de suas determinações mais formais, transformando-o,
grosso modo, em capital portador de direitos de mais-valia.” (ROCHA, 2013,
P. 43).
Segundo Belluzzo & Almeida (2002), a reestruturação patrimonial
defensiva dos anos 1980, preservou a estrutura de organização capitalista baseada na
especialização produtiva. Dessa forma, saltou aos olhos de diversos autores, como
Miranda & Tavares e Teixeira, que o processo de industrialização no Brasil, possui essa
peculiaridade, de não ter operado um processo de conglomeração.
A centralização do capital financeiro no Brasil à época não implicou
associação dos capitais industrial e comercial sob a hegemonia do capital
bancário, conferindo a este último a possibilidade de promover uma maior
centralização do capital em sua forma mais geral, do direito de propriedade e,
portanto, o controle em última instância do processo global de acumulação.
Não havia, assim, articulação definida entre a ação dos principais grupos
financeiros majoritariamente nacionais e a ação de nossas maiores empresas
ou grupos industriais majoritariamente nacionais e a ação de nossas maiores
empresas ou grupos industriais. (TAVARES & MIRANDA, 1999, P. 335).
Durante o ajuste recessivo dos anos 1980, as grandes empresas,
conseguiram lograr os mecanismos de proteção já citados, e a geração de liquidez para o
setor privado durante o período de alta inflação, estes mecanismos gerou como
consequência, uma maior diversificação dos grupos econômicos. Desendividadas, com
capacidade de geração de liquidez, com uma grande quantidade de títulos públicos
acumulados durante a década de 1980, estes grandes grupos puderam participar
ativamente dos leilões de privatizações, durante os anos 1990, como forma operarem
uma reestruturação para uma estrutura financeira de grande porte. Há uma correlação
direta, entre o processo de privatização e a reestruturação patrimonial dos grandes
grupos nacionais, e isso tem rebatimentos no campo da prática política das frações de
classe, no processo que em nosso entendimento, configura um bloco no poder, cuja
hegemonia se dará em torno do grande capital monopolista bancário-financeiro.
No geral o processo de privatização, tem sido definido em dois períodos
distintos, primeiro nos governos Collor e Itamar Franco, as principais empresas
ofertadas se concentram no setor produtivo; no segundo momento nos governos FHC se
concentram mais nos setores de serviços e infraestrutura. A partir dos dados coletados
por Rocha (2013), podemos observar que dos grupos signatários do manifesto dos Oito
em 1978, pelo menos três deles tiveram participações importantes nos processos de
privatização, são eles: grupo Votorantim, grupo Gerdau e Grupo Itaúsa.
O Grupo Votorantim, segundo Rocha (2013), se tornou o maior grupo
industrial de origem privada da economia brasileira, tendo a frente à figura de Antônio
Ermírio de Moraes, que será onipresente nos programa de reformas nos anos governos
FHC, como veremos. Desde os anos 1970, vinha ampliando o seus negócios na área de
refratários e equipamentos pesados. Nos anos, 1980 galgou mais passos em direção a
uma empresa integrada, entrando nos ramos financeiros e agronegócio, em alguns
ramos que já possuía presença, com a aquisição de empresas nos de celulose, cimento e
papel. Nos anos 1990, buscou reduzir suas áreas de negócios, centralizando seus ativos
em menos empresas, encerrando suas atividades especialmente em equipamentos
pesados. Sua participação nos leilões de privatizações se concentrou no ramo da
mineração e siderurgia.
O Grupo Gerdau, tendo a frente à figura de Jorge Gerdau, teve um
crescimento exponencial desde o II PND, sua capacidade produtiva cresceu 260% nesse
período. A partir da privatização seus ativos cresceram 800%. Sua atuação nas
privatizações se concentrou no setor de siderurgia, todavia, nos anos 1990, assim como
o grupo Votorantim, reduziu sua diversificação, e buscou concentrar seus ativos na
siderurgia, adquirindo usinas siderúrgicas no Brasil e no exterior.
Por fim, o grupo Itaúsa, distinto dos outros dois, tem sua origem no setor
financeiro, sendo um holding do banco Itaú, dentre os grupos brasileiros, fora o que
passou por um processo acelerado de conglomeração, a composição dos seus ativos
assemelha-se mais ao perfil dos grupos industriais do que ao perfil dos grupos
financeiros. Adquiriu os ativos nos setores de petroquímica.
Esses três grupos indicam, que não podemos analisar a indústria brasileira,
pós-crise da dívida externa, e durante o processo de abertura da economia, como a
mesma indústria que existia durante os seus anos desenvolvimentistas. Mas que ao
contrário do que se possa imaginar, certos grupos e setores da indústria saíram
fortalecidos durante todo o período, desde a crise orgânica até o processo de abertura.
As privatizações não enfraqueceram esses setores, pelo contrário como mostra Rocha
(2013), serviram para consolidar sua posição hegemônica na economia brasileira.
Neste sentido, o posicionamento dos grupos econômicos brasileiros indica
que, embora a privatização não tenha correspondido a todos os anseios do
empresariado nacional, o grande capital brasileiro aproveitou a melhoria de
suas condições financeiras durante a década de 1980, para participar
ativamente dos leilões, traçando estratégias bem definidas e consolidando sua
posição hegemônica em relação a uma parte significativa da indústria
brasileira. (ROCHA, 2013, p. 49)
A abertura da economia iniciada em 1991 apresenta uma nova
reestruturação patrimonial, em que os grandes grupos nacionais vão ao mesmo tempo se
concentrando em seu core-business ao mesmo tempo em que mantém a estratégia de
valorização financeira de seu estoque de riqueza (TAVARES & MIRANDA, 1999).
Esse traço dos grupos nacionais, será um elemento fundamental para compreender o
bloco no poder, buscando analisar quais setores se fortalecem e quais vão perdendo seu
poder político de outrora. Serve para descartar, o simplismo de pensar que com a
abertura o Estado brasileiro tornar-se-ia um instrumento do imperialismo, o bloco no
poder, continua sendo ocupado por frações nacionais, e o Estado atende
primordialmente a esses interesses.
Nesse sentido, não podemos enxergar o programa de reformas de FHC
como pura emanação dos interesses imperialistas no espaço nacional, pelo contrário é
possível dizer que a grande burguesia brasileira era não apenas favorável, mas
entusiasta do projeto de reorganização do Estado e de abertura econômica. Todavia, o
que distingue o setor industrial das demais frações de classe era o timming da abertura,
deveria ser feita de maneira gradual, de modo que o setor pudesse incorporar as novas
tecnologias e padrões organizacionais para ganhar competitividade frentes às empresas
transnacionais.
Depois de demarcarmos as mudanças da orientação política da grande
burguesia brasileira, resta por fim, caracterizar o bloco no poder nos governos FHC e
seus interesse prioritários para tanto, nos apoiamos nos textos de Boito Jr.(1999), Diniz
(2010) e Saes (2001).
Para Boito Jr.(1999) a política econômica neoliberal tem como grande bloco
hegemônico o grande capital monopolista, nesse sentido, uma continuidade com relação
aos anos de desenvolvimentismo, todavia, se os atores centrais da política econômica
são os mesmos, seus interesses se modificaram. De modo geral, todas as frações da
grande burguesia brasileira e do imperialismo ganhavam com a política neoliberal, mas
esse ganho era desigual. Para entender essas contradições, Boito Jr. formula para pensar
a hierarquia de interesses do bloco no poder a metáfora dos círculos concêntricos.
Vejamos:
a) O círculo externo e maior representado a política de desregulamentação do
mercado de trabalho e supressão dos diretios sociais; b) o círculo
intermediário representando a política de privatização; c) o círculo menor e
central da figura representando a abertura comercial e a desregulamentação
financeira. [...] Todos os três círculos abarcam interesses imperialistas e
burgueses, e cada um deles abarca, sucessivamente do circulo maior ao
menor, interesses de fração cada vez mais restritos. (Idem, p.51)
No primeiro círculo ficam os interesses mais gerais que unificam a
burguesia, na qual todas as suas frações se beneficiam, em maior ou menor grau. No
segundo circulo, o grande beneficiário é o grande capital monopolista internacional e
brasileiro, tendo em vista, que as normas brasileiras nos leilões de privatização
impediam a participação de pequenos investidores, somente em 1997 houve uma
pequena alteração, “[...] quando alguns bancos criaram fundos de privatização que
passaram a aceitar aplicações mínimas de 500 reais [...]” (Idem, p.52). Esse segundo
círculo, excluiu setores da média e pequena burguesia. Por fim, no terceiro círculo, o
mais restrito dos três, pois demarca a grande fissura do bloco no poder, os grandes
beneficiários são o imperialismo e os setores a ele associados como o setor bancário-
financeiro nacional. Essa política divide o bloco burguês porque os setores internos da
burguesia industrial podem perder com essa política econômica. Ela se constitui em um
tripé que tendem a prejudicar os setores industriais: desregulamentação financeira
associada a juros altos, estabilidade monetária e abertura econômica.
Todavia, devemos demarcar as diferenças entre os industriais. Entre a
grande indústria, e os setores médios e pequenos. A grande indústria tem possibilidade
de lucrar como grande empresa, isto é, não afeta seus lucros os juros altos e taxa de
câmbio valorizado, porque pode lucrar com a valorização financeira do seu estoque de
riqueza e tem poder de acesso aos mercados financeiros internacionais, além disso, dada
sua posição privilegiada no mercado, também tem a possibilidade de formar joint-
ventures com o capital estrangeiro visando se internacionalizar. Já as pequenas e médias
empresas não têm esses privilégios, por isso, são as que mais sofrem com a abertura, ao
longo dos governos FHC, muitas críticas endereçadas ao governo pela FIESP e CNI
partem do descontentamento destes setores, coadunados em torno da Abidib e Abimaq,
presentes nos setores das indústrias de base e de bens de capital, que dependiam
fundamentalmente do mercado interno e das encomendas de empresas estatais. Com a
abertura, sofrem com a concorrência externa e com a redução das encomendas. A
indústria, portanto, é entrecortada por essas duas áreas de um lado, os setores mais
próximos ao capital estrangeiro e ao setor financeiro; e de outro, as pequenas e médias
empresas que dependem do mercado interno.
Há ainda o fator regional, os industriais por vezes se dividem entidades
patronais de outros Estados que não São Paulo e costumavam apoiar com maior vigor a
abertura da comercial. Explica-se pelo fato de que a indústria paulista tinha um custo de
mão-de-obra mais alto que outros Estados devido ao seu parque produtivo maior.
Outros Estados como os do nordeste começavam a serem escolhidos como destinos para
investimentos estrangeiros, devido custo menor de mão-de-obra, o que provocava
embates no interior dos empresários. Não poucas vezes veremos a FIESP criticar a
abertura comercial e a desnacionalização, e no mesmo momento entidades patronais de
outros Estados criticarem os paulistas. Há algum grau de verossimilhança quando
Gustavo Franco (1999) afirma que a abertura fez mais pelo desenvolvimento regional
que todas as políticas de desenvolvimento regional realizadas na história econômica
brasileira. De fato, a abertura comercial provocava uma desconcentração regional da
produção industrial brasileira, gerando embate entre os empresários.
Entre os dois governos o teor das demandas também eram alteradas, no
primeiro governo, os industriais concentravam seus esforços em prol das reformas
constitucionais. Tanto que em 1996 organizam uma marcha para Brasília para
pressionar o congresso para agilizar as reformas. No primeiro mandato, geralmente a
crítica a algum aspecto da política econômica, sobretudo, da abertura comercial, vinha
acompanhado da demanda por reformas. É possível notar este aspecto no editorial do
presidente da CNI, Mario Amato, escrito antes mesmo do início oficial do governo
FHC, no qual afirma ser necessária uma trégua no processo de liberalização comercial.
É necessária, também, uma trégua na liberalização comercial, iniciada em
1989, para gerar-se uma nova estratégia industrial para o país, com base
numa agenda positiva. A indústria vem convivendo com forte pressão
competitiva e devemos agora perseguir a implementação de reformas
estruturais que reduzam o chamado “custo Brasil”. (Revista CNI: Indústria &
Produtividade, nov-dez,1994, p. 3)
No segundo governo, começaram a criticar mais abertamente a política
econômica sem, no entanto, deixar de pressionar por reformas. Portanto, podemos dizer
que a grande demanda da indústria era a aprovação das reformas que diminuiriam o
“custo Brasil”.
A indústria mantinha uma “oposição velada” a política econômica dos
governos FHC. Utilizamos a expressão oposição velada, porque na maior parte do
tempo nunca foi explícita, nunca houve uma ruptura em definitivo com a política
neoliberal. Boito Jr.(1999) aponta que o setor industrial se apresentava com um discurso
neoliberal moderado, que possuía representação no governo, controlava o ministério da
Indústria e comércio, e alguns outros representantes, como o ministro do Planejamento,
José Serra, o principal mote do grupo é moderar a abertura comercial, cujo ritmo era
ditado pelo outro grupo dos neoliberais extremados, estes representados no ministério
da Fazendo e no BC, composto pelo setor bancário-financeiro nacional e os setores
imperialistas do capital financeiro.
Seguindo em linhas gerais essa interpretação, mas observando como essa
rachadura ocorria dentro do Estado, Sallum (1999) destaca que o governo FHC é
cortado por duas versões de liberalismo. Uma primeira mais doutrinária e
fundamentalista chamada pelo autor de neoliberais, os quais defendiam.
Para a corrente neoliberal dominante a prioridade era a estabilização rápida
dos preços por meio das seguintes medidas complementares: a) manutenção
do câmbio sobrevalorizado frente ao dólar e outras moedas, de forma a
estabilizar os preços internos e pressioná-los para baixo pelo estímulo à
concorrência derivada do barateamento das importações; b) preservação e, se
possível, ampliação, da “abertura comercial” para reforçar o papel do câmbio
apreciado na redução dos preços das importações; c) o barateamento das
divisas e a abertura comercial permitiriam a renovação rápida do parque
industrial instalado e maior competitividade nas exportações; d) política de
juros altos, tanto para atrair capital estrangeiro – que mantivesse um bom
nível de reservas cambiais e financiasse o déficit nas transações do Brasil
com o exterior, como para reduzir o nível de atividade econômica interna –
evitando assim que o crescimento das importações provocasse maior
desequilíbrio nas contas externas; e) realização de um ajuste fiscal
progressivo, de médio prazo, baseado na recuperação da carga tributária, no
controle progressivo de gastos públicos e em reformas estruturais
(previdência, administrativa e tributária) que equilibrassem “em definitivo”
as contas públicas; f) não oferecer estímulos diretos à atividades econômicas
específicas, o que significa condenar as políticas industriais setoriais e,
quando muito, permitir estímulos horizontais à atividade econômica –
exportações, pequenas empresas, etc., devendo o Estado concentrar-se na
preservação da concorrência, através da regulação e fiscalização das
atividades produtivas, principalmente dos serviços públicos (mas não
estatais). (SALLUM, 1999, P. 33)
Para Sallum (1999), essa corrente dominou amplamente a política
econômica do lançamento do Plano Real, até pelo menos a crise cambial de 1999
quando o autor encerra sua análise. Tinha como representantes de dentro do governo o
Ministério da Fazenda, o Banco Central e o próprio Fernando Henrique. Para esta
corrente o desequilíbrio externo não era grande problema, o mais importante era chegar
à estabilidade de preços, por isso, a necessidade de manter apreciada a taxa de câmbio
por um longo período, e com este manejo facilitar as importações que minariam o poder
dos oligopólios industriais. Os desiquilíbrios seriam cobertos pelas reservas de divisas
disponíveis e com o afluxo de capital externo. Portanto, têm uma visão bastante otimista
do mercado mundial, para os neoliberais, na medida em que o Plano Real continuasse a
perseguir o ajuste fiscal, junto dos juros altos a poupança externa cobriria o balanço de
pagamentos, por outro, lado acreditavam que a rápida abertura comercial, iria mudar o
padrão de inserção da economia brasileira, integrando os setores industriais
competitivos nas cadeias globais de valor. Do ponto de vista das frações burguesas essa
corrente era apoiada pelo grande capital financeiro, os comerciais, e o grande capital
imperialista das finanças, portanto, da burguesia associada.
A segunda corrente era a liberal-desenvolvimentista,
Nele, o velho desenvolvimentismo dos anos 50 a 70 renasce sob predomínio
liberal. Nessa versão de liberalismo também dá-se prioridade à estabilização
monetária, mas a urgência com que ela é perseguida aparece condicionada
aos efeitos potenciais destrutivos que as políticas antiinflacionárias
ocasionarão no sistema produtivo. Por isso, combate-se o radicalismo dos
fundamentalistas, exigindo-se um câmbio não apreciado, para evitar déficits
na balança de transações correntes (comercial e de serviços), e juros mais
baixos para não desestimular a produção e o investimento. De outra forma: a
combinação de câmbio menos valorizado e juros “razoáveis” não permitiria
uma queda tão brusca da inflação, mas provocaria menos desequilíbrios da
economia doméstica em relação ao exterior e, assim, menor dependência de
aportes de capitais estrangeiros para equilibrar o balanço de pagamentos. Este
desenvolvimentismo continua industrializante, mas seu foco ampliou-se para
incluir as atividades produtivas em geral, desde a agricultura até os serviços.
Além disso, os seus partidários não aspiram, como desejavam seus
antecessores dos anos 50, construir no país um sistema industrial integrado.
Aspiram, sim, que a produção local tenha uma participação significativa no
sistema econômico mundial. No entanto, esse desenvolvimentismo limitado
pelo molde liberal apenas vê com bons olhos formas bem delimitadas de
intervenção do Estado no sistema produtivo. Assim, dentro dessa perspectiva,
são favorecidas as políticas industriais setoriais, mas desde que limitadas no
tempo e parcimoniosas nos subsídios. Tais políticas terão por objetivo não a
substituição de importações a qualquer preço mas o aumento da
competitividade setorial e, quando muito, o “adensamento das cadeias
produtivas” para desenvolver no país o máximo possível de atividades
econômicas com padrão internacional de produtividade. (SALLUM, 1999, P.
34-35)
Essa corrente tinha como representantes, o Ministério do Planejamento, e o
Ministério da Indústria e Comercio. Dentro do governo era uma corrente minoritária,
bastante fracionada, de forma que mesmo dentro dos seus representantes as críticas aos
neoliberais oscilavam no tom, alguns mais críticos, outros mais moderados. Também
não havia um corpo doutrinário, ou um projeto de desenvolvimento alternativo, suas
críticas foram sendo construídas na medida em que eram sentidos os efeitos da política
neoliberal. Dentre as frações burguesas que apoiavam essa corrente, também é possível
notar heterogeneidade das frações, dentre as quais: a grande burguesia industrial, setores
do agronegócio, alguns setores bancários, setores pequenos e médios da burguesia
nacional; nos setores estrangeiros, certas montadoras de veículos, que também era
prejudicada pelo câmbio apreciado e pelos juros altos. Portanto, era apoiada
predominantemente, pela burguesia interna.
A partir destes elementos podemos apontar provisoriamente o bloco no
poder e o lugar ocupado pelos industriais. O bloco no poder, como consequência direta
ao neoliberalismo da política econômica tem como fração hegemônica a fração
bancária-financeira, da grande burguesia associada, apoiado pelo maior parte do
imperialismo. A função ideológica, no entanto, é ocupada pela fração industrial, esta
fração, todavia, é entrecortada por setores distintos, ao quais já foram apresentados.
A fração bancária-industrial apesar de ser a grande beneficiária das políticas
neoliberais, nem sempre toma posições de burguesia associada, em certas políticas
econômicas, modifica suas posições para uma fração interna, ao serem contrárias, dentre
outras políticas, a abertura indiscriminada do mercado bancário, temendo a competição
com bancos estrangeiros. Da mesma maneira, a fração industrial nem sempre toma
posições de burguesia interna, por vezes, setores da grande indústria, se alinham ao
neoliberalismo e aos seus representantes no governo. Por isso, devemos ressaltar que o
bloco no poder não é fixo, é dinâmico e muitas vezes por políticas econômicas
particulares.
Em relação aos dominados, cabe acrescentar que a política econômica
neoliberal é apoiada pela classe média, pois, barateia as importações com a valorização
cambial e por alguns setores populares, por conta da queda da inflação que melhorou o
poder de compra dos salários (Saes, 2001).
A par de todos esses elementos é possível lançar nossas hipóteses. A
primeira delas, o divide em primeira instância o bloco no poder é a diferença entre a
pequena e a grande burguesia, isto é, mais do que as diferenças setoriais, o bloco no
poder é cindido entre a pequena e a grande burguesia, nesse sentido, do ponto de vista
setorial, a hegemonia estava com a fração bancária-financeira, mas do ponto de vista da
burguesia como um todo, o que marca a hegemonia é o porte do capital, por
conseguinte, certos setores industriais, sobretudo aqueles que internacionalizadas
também participam da política hegemônica. Segundo, a indústria vai intensificando suas
críticas à política econômica, em parte pelos efeitos da política de abertura que vai
minando sua força política tendo em vista a competição com setores estrangeiros,
todavia, ao longo dos dois governos, por outro lado, grandes empresários do setor como
Antônio Ermírio de Moraes, nem sempre entoam as críticas das entidades nacionais,
nossa hipótese que isso ocorre devido ao fato de que para os maiores empresários
industriais era mais importante estar próximo da hegemonia do bloco no poder, do que
entoar críticas de sua fração de classe. Essa distinção talvez ocorra devido ao fato de
que para entidades patronais como a CNI e a FIESP era necessário representar os
interesses dos industriais como um todo, incluindo setores pequenos e médios que eram
os mais prejudicados pela política neoliberal. Por fim, na medida em que em as críticas
dos industriais vão se avolumando o governo cede em alguns pontos a demandas da
indústria, temendo a força política que a fração tinha não poucas vezes FHC relata em
seus diários na presidência preocupações em relação ao aumento do desemprego e como
entidades patronais dos industriais utilizavam-se desse indicador para criticar a política
econômica.

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